ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ARBITRAGEM E TEORIA ORGANIZACIONAL

Share Embed


Descrição do Produto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS CURSO DE DIREITO

NELSON MINORU YAMAGAMI SAWASAKI

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ARBITRAGEM E TEORIA ORGANIZACIONAL

CURITIBA 2008

NELSON MINORU YAMAGAMI SAWASAKI

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ARBITRAGEM E TEORIA ORGANIZACIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. ORIENTADOR: Prof. Dr. Luiz Alberto Blanchet

CURITIBA 2008

TERMO DE APROVAÇÃO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ARBITRAGEM E TEORIA ORGANIZACIONAL Por NELSON MINORU YAMAGAMI SAWASAKI

MONOGRAFIA APROVADA COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM DIREITO, CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANA, PELA COMISSÃO FORMADA PELOS PROFESSORES.

ORIENTADOR:

_________________________________________________ Prof. Dr. LUIZ ALBERTO BLANCHET

_________________________________________________ Prof. Dr. ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO

_________________________________________________ Prof.(a) M.(a) VIVIAN CRISTINA LIMA LÓPEZ VALLE

CURITIBA,__________ de ____________________________ de __________.

À minha mãe, Norma, ao meu pai, Nelson e aos meus irmãos Sérgio e Cindy

AGRADECIMENTOS

Ao professor orientador Luiz Alberto Blanchet sempre atencioso na coordenação e na sugestão dos pontos abordados.

Aos professores Romeu Felipe Bacellar Filho e Vivian Cristina Lima López Valle sempre cordiais e dispostos a ajudar.

À minha família, pelo apoio constante.

A todos que de alguma forma contribuíram para este trabalho.

RESUMO

O Estado não é capaz, por si só, de suprir todas as necessidades de seus cidadãos. Ele precisa realizar contratos com os particulares. Estes detêm a técnica e os meios necessários para a realização de atividades que seriam custosas para o Estado se este tivesse que exercê-las por conta própria. Porém, como em toda relação contratual sempre existe a possibilidade de ocorrerem conflitos. Os conflitos podem ser solucionados basicamente de duas maneiras: judicial ou extrajudicialmente. A forma extrajudicial conhecida como Arbitragem e sua relação com a Administração Pública é tratada neste trabalho. A lei permite, em alguns casos, a possibilidade de opção, em contrato realizado pelo Poder Público com o particular, a utilização da Arbitragem. Contudo, não é porque a lei permite esta possibilidade que ela será utilizada. Fatores organizacionais que envolvem a Administração Pública como a sua estrutura, processos e ambiente em que está inserida, interferem de forma negativa pela opção à Arbitragem. A escolha do meio extrajudicial de resolução de conflitos não está apenas na lei, mas também nas características organizacionais da Administração Pública.

Palavras-chave: Arbitragem. Administração Pública. Teoria Organizacional.

81

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

8

1. A ARBITRAGEM

10

1.1. O ÁRBITRO, O CONSELHEIRO E O MEDIADOR

10

1.2. CONCEITO DE ARBITRAGEM

13

1.3. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

14

1.4. ARBITRABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

16

1.4.1 ARBITRABILIDADE SUBJETIVA

16

1.4.2. ARBITRABILIDADE OBJETIVA

18

2. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

20

2.1. O DIREITO ADMINISTRATIVO

20

2.1.1. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

21

2.2. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

25

2.2.1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PATRIMONIAL, BUROCRÁTICA E GERENCIAL

25

2.2.2. COMPREENDENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

28

A) Natureza da Administração Pública

28

B) Fins da Administração Pública

28

C) Administração Pública Subjetiva

29

D) Administração Pública Objetiva

30

2.3. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ADMINISTRAÇÃO PRIVADA

32

2.4. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

34

2.4.1. OS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

34

2.4.2. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

39

2.4.2.1. Contratos de Concessão de Serviço Público ou de Obra Pública

39

2.4.2.2. Contratos de Permissão de Serviço Público

41

2.4.2.3. Contratos de Fornecimento

42

2.4.2.4. Parcerias público-privadas

43

2.4.3. O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

44

82

3. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ARBITRAGEM

47

3.1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ARBITRAGEM

47

3.1.1. ARBITRABILIDADE SUBJETIVA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (JURIDICIDADE)

48

3.1.2. ARBITRABILIDADE OBJETIVA E O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

52

4. A TEORIA ORGANIZACIONAL, A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ARBITRAGEM

56

4.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

56

4.2. ORGANIZAÇÃO

57

4.3. ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

58

4.3.1. COMPLEXIDADE

58

4.3.2. FORMALIZAÇÃO

59

4.3.3. CENTRALIZAÇÃO

63

4.4. PROCESSOS ORGANIZACIONAIS

64

4.4.1. PODER

64

4.4.2. TOMADA DE DECISÃO

66

4.4.3. COMUNICAÇÃO

69

4.4.4. MUDANÇA

71

4.5. AMBIENTES ORGANIZACIONAIS

72

4.6. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ARBITRAGEM

75

CONCLUSÃO

76

REFERÊNCIAS

78

8

INTRODUÇÃO

Era uma vez um mundo onde predominavam dois seres: Rocha e Água. Tanto a Rocha quanto a Água possuíam consciência de sua própria existência como também da existência uma da outra. A Rocha vivia em um ambiente árido e seco onde a paisagem parecia ter parado no tempo, dias se passavam e tudo ainda continuava no mesmo lugar, às vezes algumas pedras rolavam com o vento, mas nada que incomodasse o sossego e a vida calma da Rocha. Por outro lado, a Água vivia em um ambiente tumultuado, o vento estava sempre agitando a sua superfície, e as mudanças de temperatura já estavam deixando a Água confusa, ela já não sabia mais se era Gelo, Água ou Vapor. Dois seres diferentes que possuem estilos de vida diferentes e que não têm nada em comum a não ser uma coisa, ambos vivem no mesmo mundo. Por viverem no mesmo mundo, inevitavelmente, em um momento tanto a Rocha quanto a Água iriam se encontrar. A Rocha já conhecia a Água de longa data, esta estava sempre no horizonte distante, e para a Rocha era um ser muito estranho, estava sempre em movimento e nunca se contentava com sua forma sendo ora sólida como a Rocha, ora líquida e flexível e por vezes aparecia no céu deixando-se levar pelos ventos. A Água também não ignorava a existência da Rocha. Aquela não conseguia compreender como um ser como a Rocha era capaz de viver em um local tão monótono e considerava intrigante o fato de a Rocha ser sempre e apenas sólida. Por um plano do destino, Rocha e Água um dia se encontraram... Este trabalho, de certa forma, representa um diálogo entre a Rocha (o ambiente público) e a Água (o ambiente privado), em que elas conversam sobre a Arbitragem. Este diálogo é dividido em quatro partes. Primeiramente é preciso conhecer o assunto que estão discutindo, desta forma a Arbitragem, seu conceito e requisitos são tratados no Capítulo I. Em seguida é preciso saber onde a Arbitragem poderia ser aplicada, esta é a função do Capítulo II. Neste é feito um apanhado geral sobre a Administração Pública com foco principal

9

nos Contratos Administrativos. Posteriormente, no Capítulo III, verifica-se a existência de legitimidade da Arbitragem como forma de resolução de conflitos para a Administração Pública. Por último, apresenta-se no Capítulo IV uma análise da Administração Pública segundo a Teoria Organizacional para verificar se o Poder Público está realmente preparado para a Arbitragem ou não.

10

Capítulo I 1. A ARBITRAGEM

Questionamentos abordados neste capítulo: - O que é a Arbitragem? - O que é uma convenção de arbitragem? - Qual o significado de arbitrabilidade subjetiva e objetiva?

1.1. O Á RBITRO , O C ONSELHEIRO E O M EDIADOR

Conflitos são possibilidades latentes em todos os relacionamentos sociais. Metaforicamente pode-se compará-los a um vírus que fica em estado de latência esperando pelas condições ideais para que possa atacar o corpo de seu hospedeiro. Assim como os vírus, os conflitos variam desde os mais comuns e de pouca importância como as pequenas discussões que ocorrem no nosso cotidiano, às brigas de grande exaltação emocional que podem levar ao extermínio das partes conflitantes. Porém viver em um estado de constante ameaça faz com que os seres humanos sejam mais vulneráveis a emoções negativas e violentas. Foi por esse motivo que nossos ancestrais começaram a criar normas de convivência1 para que o 1

Neste sentido HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (2001, p. 5): "Impossível a vida em sociedade sem uma normatização do comportamento humano. Daí surgir o Direito como conjunto das normas gerais e positivas, disciplinadoras da vida social. Mas não basta traçar a norma de conduta. O equilíbrio e o desenvolvimento sociais só ocorrem se a observância das regras jurídicas fizer-se obrigatória. Assim, o Estado não apenas cuida de elaborar as leis, mas, especificamente, institui meios de imposição coativa do comando expresso na norma. Por outro lado, diante da complexidade com que se travam as relações sociais, é impossível evitar conflitos de interesses entre os cidadãos, ou entre estes e o próprio Estado, a respeito da interpretação dos direitos subjetivos e da fiel aplicação do direito objetivo aos casos concretos. Para manter o império da ordem jurídica e assegurar a paz social, o Estado não tolera a justiça feita pelas próprias mãos dos interessados. Divide, pois, suas funções soberanas, de modo a atender a essa contingência, em

11

comportamento dos indivíduos se tornasse mais previsível e desta maneira as relações sociais pudessem fluir de forma mais fácil e harmoniosa. Desta forma, caso um evento positivo ou negativo ocorresse as pessoas saberiam exatamente como proceder. E assim teve início a "Era das Normas" constituída por regras e princípios que deveriam ser obedecidos por todos os membros da coletividade, pouco importando se tais normas foram criadas por entes divinos e sobrenaturais ou pelos humanos. Mas apesar de todas as tentativas de apaziguar os membros da sociedade estes começaram a entrar novamente em conflito, agora porque cada um tinha uma interpretação diferente da norma. Discussões infindáveis foram travadas para que fosse descoberta a verdadeira interpretação da norma, mas nunca se chegava a um consenso. Foi então que alguém teve a brilhante idéia de chamar um terceiro imparcial (uma pessoa que estava alheia às discussões) para que este pudesse decidir sobre quem tinha a interpretação mais correta da norma. Novamente as discussões começaram, agora para tentar convencer o terceiro imparcial sobre qual interpretação deveria prevalecer e qual deveria sucumbir. Inúmeras teorias surgiram para sustentar as interpretações, algumas foram perdidas no tempo, outras sobrevivem até hoje e ainda existem aquelas que continuam em conflito. O trabalho do terceiro imparcial nunca termina... Esse terceiro imparcial hoje é conhecido nos meios judiciais por juiz, e nos extrajudiciais por árbitro, conselheiro ou mediador. O juiz é um membro do Poder Judiciário que possui o dever-poder estabelecido pela constituição de dizer o direito. Por outro lado, o árbitro, o conselheiro e o mediador fazem parte da esfera privada, e, portanto, não possuem tantos poderes quantos os juízes2, suas funções se atividades administrativas, legislativas e jurisdicionais. (...). Para regular esse método de composição dos litígios, cria o Estado normas jurídicas que formam o direito processual, também denominado formal ou instrumental, por servir de forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou substancial, que há de solucionar o conflito de interesses estabelecido entre as partes, sob a forma de lide." 2

Neste sentido nos esclarece SELMA LEMES (2007, p. 59): "durante o procedimento arbitral, as interferências do judiciário permitidas são em apoio ao tribunal, para, se for o caso, deferir a execução de medidas de urgência, pois os árbitros não têm o poder de constrição, o poder de coerção, que têm os juízes. Os árbitros têm jurisdição limitada ao caso sob exame (poder de dizer o direito), mas não têm império (emprego da força) inerente à toga". CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 53) também ressalta que: "a arbitragem é mecanismo extrajudicial de solução de conflitos, de tal sorte que a intervenção do Poder Judiciário ou não existirá, ou então será invocada quando houver necessidade de utilizar a força diante de resistência de uma das partes ou de terceiros (condução de testemunhas, implementação de medidas cautelares, execução de

12

limitam a encontrar uma solução para os litígios, mas não possuem poderes para forçar as partes a cumprirem o que foi determinado. Os árbitros, conselheiro e mediadores só atuam se assim determinar a vontade das partes, ou seja, cabe aos particulares decidirem se optam ou não por esses métodos alternativos se solução de conflitos ou se preferem que o Estado atue como intermediário na lide através do judiciário (CARMONA, 2006, p. 51). Deve-se, antes de prosseguir, compreender a função dessas três figuras: o árbitro, o conselheiro e o mediador. Os árbitros são terceiros na lide que atuam com poder de decidir e escolher a melhor solução para o conflito (CARMONA, 2006, p. 41). Os conselheiros e os mediadores são figuras semelhantes que não possuem a função de julgar, mas manter a negociação entre as partes, propondo soluções ou guiando as conversações para que as partes não se desviem do objetivo principal que é a solução do litígio (VENOSA, 2005, p. 607). CARLOS ALBERTO CARMONA (2006) ressalta sobre a diferença existente entre a arbitragem, a conciliação e a mediação3, segundo este autor a arbitragem: Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes. Esta característica impositiva da solução arbitral (meio heterocompositivo de solução de controvérsias) a distancia da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de solução de litígios, de tal sorte que não existirá decisão a ser imposta às partes pelo mediador ou pelo conciliador, que sempre estarão limitados à mera sugestão (que não vincula as partes). (CARMONA, 2006, p. 51)

provimentos antecipatórios ou execução de sentença arbitral)". Desta forma verificamos a limitação dos meios privados de resolução de controvérsias, percebendo que apesar de terem o poder de dizer o direito não são capazes de obrigar o seu cumprimento, pois esta é tarefa exclusivamente de competência do Estado. 3

Ressalta CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 53) que "embora não se confunda arbitragem, conciliação e mediação - o objetivo da primeira é a obtenção de uma solução imposta por um terceiro imparcial, enquanto as duas últimas visam a celebração de um acordo - convém lembrar que existem hoje, graças à popularidade que vêm alcançando os meios alternativos de solução de controvérsias, variações que devem ser levadas em consideração no momento de escolher o mecanismo que mais convenha aos litigantes para a solução de seus conflitos. Assim, especificamente quanto à arbitragem, três variações vêm sendo empregadas com sucesso: a primeira, denominada med/arb, leva os litigantes a estabelecer as premissas para uma mediação que, não produzindo resultados, autoriza o mediador a agir como árbitro e proferir uma decisão vinculante; a segunda, conhecida como high-low arbitration, procura reduzir os riscos de um laudo inaceitável, estabelecendo as partes, previamente, limites mínimos e máximos para a autoridade do árbitro; a terceira variação leva as partes a optarem por uma arbitragem não vinculante, ou seja, se a decisão é aceitável para os litigantes, eles cumprirão; em caso contrário, poderão utilizar o laudo em suas negociações futuras".

13

A partir de agora vamos nos dedicar a entender um pouco mais sobre a arbitragem.

1.2. C ONCEITO DE A RBITRAGEM

A Arbitragem4 é um meio extrajudicial de resolução de conflitos regulado no Brasil pela Lei nº. 9.307 de 23 de setembro de 1996, caracterizada principalmente pela ausência de formalidades, praticidade e celeridade. Por tais características vêm ganhando cada vez mais adeptos nas áreas trabalhistas, cíveis e comerciais. Esse instituto é conceituado por CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 51) da seguinte maneira: A arbitragem - meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial - é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.

No entender de ADA PELLEGRINI GRINOVER (2006, p. 27) a arbitragem submete uma determinada questão a um terceiro imparcial que não o Estado-juiz vinculando as partes a decisão proferida. Além disso, para a referida doutrinadora, este instituto tem uma importância histórica uma vez que: (...) a evolução dos meios de solução de controvérsias, até que se chegasse ao exercício da jurisdição pelo Estado, passou (após a limitação imposta à autotutela) pela "solução amigável e imparcial, através de árbitros", isto é, pessoas de confiança dos indivíduos em conflito. Historicamente, portanto, a arbitragem precedeu o próprio Estado e sua respectiva atividade legislativa e judiciária. (GRINOVER, 2006, p. 27)

IRINEU STRENGER (1998, p. 17) reconhece a arbitragem como sendo: (...) instância jurisdicional praticada em função de regime contratualmente estabelecido, para dirimir controvérsias entre pessoas

4

Segundo DE PLÁCIDO E SILVA (1999, p. 75): "Arbitragem. Derivado do latim arbiter (juiz, louvado, jurado), embora por vezes tenha a mesma significação de arbitramento, é, na linguagem jurídica, especialmente empregado para significar o processo que se utiliza, a fim de se dar solução a litígio ou divergência, havida entre duas ou mais pessoas".

14

de direito privado e/ou público, com procedimentos próprios e força executória perante tribunais estatais.

Na visão de CLÁUDIO VIANNA DE LIMA (1997, p. 5): A arbitragem é prática alternativa, extrajudiciária, de pacificação (antes do que da solução) de conflitos de interesses envolvendo direitos patrimoniais e disponíveis, fundada no consenso (princípio universal da autonomia da vontade), através da atuação de terceiro, ou de terceiros, estranhos ao conflito, mas de confiança e escolha das partes em divergência, por isso denominados árbitros (expressão advinda de arbítrio, ou livre exercício da vontade).

SELMA FERREIRA LEMES (2007, p. 59), conceitua a arbitragem da mesma forma: A arbitragem, portanto, é um modo extrajudiciário de solução de conflitos em que as partes, de comum acordo, submetem a questão litigiosa a uma terceira pessoa, ou várias pessoas, que constituirão um tribunal arbitral.

Verifica-se que as conceituações da Arbitragem apresentadas sempre convergem para as seguintes características: (1) Trata-se de uma forma de resolução de conflitos; (2) atua extrajudicialmente; (3) o arbitro é uma terceira pessoa de escolha dos particulares; e (4) é uma relação estabelecida contratualmente.

1.3. C ONVENÇÃO DE A RBITRAGEM

A Arbitragem é caracterizada pela autonomia da vontade, ou seja, por ser um instituto do Direito Privado ela só será utilizada se assim determinarem as partes em um contrato. Neste sentido se expressa ALEX OLIVEIRA RODRIGUES DE LIMA (2000, p. 19): “a arbitragem requer um acordo anterior das partes, que ficam preparadas previamente para algum conflito futuro, de ocorrência não obrigatória”. Nesse sentido a Lei de Arbitragem (Lei nº. 9.307/96) estabelece em seu artigo 3º: As partes interessadas podem submeter a solução se seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

15

Observa-se que o legislador pátrio optou por compor a convenção de arbitragem de dois elementos conceituais, que são: cláusula compromissória e compromisso arbitral. A cláusula compromissória é apresentada no art. 4º da Lei de Arbitragem: A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

Em simples palavras a cláusula compromissória nada mais é que uma cláusula inserida em um contrato. E segundo CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 35) é um “pacto através do qual os contratantes avençam, por escrito, submeter à arbitragem a solução de eventual litígio que possa decorrer de uma determinada relação jurídica”. O compromisso arbitral é apresentado no art. 9º da Lei 9.307/96: O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

Desta forma verifica-se que o compromisso arbitral, segundo CARMONA (2006, p. 165), é um contrato de direito privado realizado com o intuito de produzir efeitos processuais entre as partes contratantes, obrigando-as a afastar a competência da autoridade judiciária ordinária do conhecimento da controvérsia estipulada no compromisso, transferindo tal competência à esfera do juízo arbitral. Sobre a utilização desses dois conceitos (cláusula compromissória e compromisso arbitral) CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 165) faz uma crítica: O legislador não quis ousar demais: poderia ter feito, como na Espanha, a completa identificação entre a cláusula e o compromisso, deixando inclusive de utilizar terminologia diferenciada (os espanhóis tratam apenas do convenio arbitral, abandonando os vocábulos cláusula e compromisso), tudo para demonstrar a ruptura do velho sistema que revelava ser a cláusula um mero pré-contrato de compromisso. Muito embora o legislador brasileiro não tenha revolucionado a terminologia predominante, mudou por completo os conceitos: hoje, no Brasil, pode-se instituir arbitragem apenas e tão somente com base em cláusula compromissória, dispensada a formalidade do compromisso.

CARMONA (2006)

ainda

ressalta

que

tanto

a

cláusula

quanto

o

compromisso arbitral produzem o mesmo efeito que seria o de “retirar do juiz estatal a competência para conhecer determinado litígio, dando margem à solução

16

arbitral do litígio” (CARMONA, 2006, p. 89). Ainda se referindo à convenção de arbitragem o referido autor faz o seguinte comentário: Em síntese apertada, a convenção de arbitragem tem um duplo caráter: como acordo de vontades, vincula as partes no que se refere a litígios atuais ou futuros, obrigando-as reciprocamente à submissão ao juízo arbitral; como pacto processual, seus objetivos são os de derrogar a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição dos árbitros. Portanto, basta a convenção de arbitragem (cláusula ou compromisso) para afastar a competência do juiz togado, sendo irrelevante estar ou não instaurado o juízo arbitral. (CARMONA, 2006, p. 89)

Sobre o que foi exposto nota-se que a convenção de arbitragem, segundo a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), é composta pelo compromisso arbitral e pela cláusula compromissória, e tem como objetivo afastar a competência do juiz da resolução do conflito que porventura vier a ocorrer entre as partes.

1.4. A RBITRABILIDADE S UBJETIVA E O BJETIVA

Segundo o artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996): As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Com base nesse artigo da lei abstraem-se os requisitos subjetivo e objetivo para aplicação da Arbitragem. Desta forma, verifica-se a seguir: a arbitrabilidade subjetiva e a objetiva.

1.4.1 Arbitrabilidade Subjetiva A arbitrabilidade subjetiva se refere a primeira parte do artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996): "As pessoas capazes de contratar ...". O Código Civil no art. 851 também faz menção a esse caráter subjetivo determinando que: "É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar".

17

CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 55) não utiliza essa nomenclatura preferindo denominá-la de "Capacidade de Contratar". Esta capacidade, segundo o referido autor, é condição sine qua non para que as partes possam optar pela arbitragem, sem ela os contratantes não poderiam firmar, contratualmente, a convenção de arbitragem. Por capacidade jurídica das pessoas naturais está estabelecida no Código Civil em seus artigos 1º, 3º, 4º e 5º 5. Assim apenas o sujeito que gozar plenamente de suas capacidades civis (ou seja, ser titular de direitos e obrigações) poderá firmar compromisso arbitral. Os absolutamente e os relativamente incapazes não possuem capacidade plena para dispor de direitos e, portanto, não satisfazem o requisito apresentado pelo art. 1º da Lei de Arbitragem. Lembra CARMONA (2006, p. 55) que aqueles que têm apenas poderes para administrar (como, por exemplo, o inventariante do Espólio ou o síndico do condomínio) somente poderão submeter uma demanda ao julgamento arbitral se tiverem autorização. Se for celebrada uma convenção arbitral sem a devida autorização "será nula a cláusula ou o compromisso arbitral" (CARMONA, 2006, p. 55). As pessoas jurídicas podem ser, conforme o art. 40 do Código Civil 6, as de direito público interno ou externo e as de direito privado. Além disso, entende CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 55) que: (...) os entes despersonalizados (universidades dotadas de representação ativa e passiva com condomínios em edifícios, massa falidas, espólio, sociedades de fato) podem valer-se da arbitragem, eis que têm capacidade de ser parte e de estar em juízo, nada impedindo que disponham de seus direitos.

A Lei de Arbitragem não faz distinção entre pessoas naturais ou jurídicas neste ponto, apenas se refere a "pessoas" de forma genérica. Desta forma percebese que não foi a intenção do legislador restringir o uso da arbitragem, pelo contrário, seu objetivo foi a de possibilitar a mais larga utilização desse meio alternativo de resolução de controvérsias. 5

Art. 1º. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: (...) Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: (...) Art. 5º. A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. (...)

6

Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

18

1.4.2. Arbitrabilidade Objetiva

A arbitrabilidade objetiva se refere a segunda parte do artigo 1º da Lei de Arbitragem: "... para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Sendo assim, para entender quais matérias podem ser resolvidas pela arbitragem é necessário saber o que são e quais são os direitos patrimoniais disponíveis. Sobre isso nos esclarece CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 56): Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante pela capacidade jurídica para tanto.

Ressalta, o referido autor, que não pertencem aos direitos disponíveis as questões relativas: ao direito de família (especialmente os concernentes ao estado da pessoa como, por exemplo, filiação, pátrio poder, casamento, alimentos, etc.); ao direito de sucessão; as que têm por objeto as coisas fora do comércio; as obrigações naturais; ao direito penal, entre outras cujos limites se encontram fora da atuação da autonomia da vontade dos particulares (CARMONA, 2006, p. 56). Sobre o assunto CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p. 56) faz o seguinte comentário: São arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobe que controvertem.

No mesmo entendimento segue SELMA LEMES (2007) para quem os direitos patrimoniais disponíveis são aqueles que "as partes e seus detentores têm a livre disposição, para praticar atos da vida civil, tais como alienar, vender etc." (LEMES, 2007, p. 124) Salienta SUZANA DOMINGUES MEDEIROS (2003, p.73) que o artigo 852 do Código Civil veda o compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial. Desta forma a autora afirma que: "O Novo Código Civil não adotou, portanto, a

19

fórmula genérica 'direitos patrimoniais disponíveis', mas preferiu enumerar as questões insuscetíveis de solução pela via arbitral" (MEDEIROS, 2003, p. 73). A pesar de existirem tais limitações legais, salienta CARMONA (2006) que estas contratações não são suficientes para excluir de forma absoluta do âmbito da arbitragem "toda e qualquer demanda que tanja o direito de família ou o direito penal, pois as conseqüências patrimoniais tanto de num caso como noutro podem ser objeto de solução extrajudicial" (CARMONA, 2006, p. 56). Interpreta o citado autor que o art. 852 do Código Civil se limita a vetar o compromisso nas questões de estado e de direito de família que não se referem a questões patrimoniais, e desta forma, estaria permitindo a utilização da arbitragem nos casos referentes a assuntos patrimoniais.

20

Capítulo II 2. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Questionamentos abordados neste capítulo: - O que é o Direito Administrativo? - O que é a Administração Pública? - O que diferencia a Administração Pública da Privada? - O que são os contratos administrativos?

2.1. O D IREITO A DMINISTRATIVO

Seria possível viver em um Estado sem o Direito Administrativo? Ou ainda, existira Estado sem o Direito Administrativo? O Direito Administrativo, como o próprio nome indica, destina-se, grosso modo, da administração do Estado. Desta forma, comparando o Estado a uma empresa poderia surgir o seguinte questionamento: é possível manter uma empresa sem gerenciamento ou administração? A resposta é não, pois seria impossível uma empresa se manter sem gerenciamento. E isso ocorre porque o gerenciamento é condição necessária para que uma organização atinja o seu fim. O mesmo pode-se dizer a respeito do Estado. Se ele for bem administrado atingirá adequadamente o seu fim que é o atendimento das necessidades públicas e a harmonização entre os interesses privados e públicos. LUIZ ALBERTO BLANCHET (2005, p. 12) nos apresenta que: O Direito Administrativo procura, além de preservar o interesse público, evitar ou solver as situações de conflito entre o interesse público e o particular. O princípio do Direito Administrativo segundo o qual o interesse público prevalece sobre o particular, por exemplo, não

21

conflita com o princípio da isonomia, nem elimina o interesse privado. A supremacia do interesse público sobre o privado deflui do princípio da isonomia, pois este nos aponta para uma igualdade proporcional às peculiaridades juridicamente relevantes da cada um, e não para uma igualdade simplistamente matemática, pura, sem levar em consideração as particularidades do mundo real. O titular do interesse público apresenta peculiaridades juridicamente diferentes do titular do interesse privado. Cada indivíduo tem, ao mesmo tempo, necessidades como ser isolado e como membro integrante de uma coletividade. Se suas necessidades individuais não forem atendidas, padece o indivíduo; se necessidades coletivas não são satisfeitas, padece a coletividades e, conseqüentemente, o próprio indivíduo.

Essa harmonização entre o interesse da coletividade e o do indivíduo é necessária uma vez que a sociedade é formada por indivíduos, sem estes não há aquela. Desta forma: O Direito Administrativo não rege a defesa dos interesses públicos contra os particulares, mas a compatibilização dos interesses do homem considerado como indivíduo e deste como membro integrante de uma coletividade organizada e em constante evolução. (BLANCHET, 2005, p. 13)

Mas o Direito Administrativo também não é perfeito, ele tem falhas, e uma delas é o que tratamos nesse trabalho, que seria a morosidade com que resolve os conflitos de interesses públicos com os privados. Essa lentidão gera problemas de ordem econômica, financeira, política e sociais. É um prejuízo para toda a coletividade.

2.1.1. Conceito de Direito Administrativo

A expressão Direito Administrativo tem um duplo significado, como nos explica LUIZ ALBERTO BLANCHET (2005), que seria o de Ciência e o de fenômeno (objeto de estudo da Ciência) e isso gera, por vezes, uma confusão: Uma das principais dificuldades em se compreender a natureza científica do estudo do Direito Administrativo, como de resto o é também em relação aos demais ramos da Ciência Jurídica, tem raízes terminológicas: utilizamo-nos do termo "direito" simultaneamente para designar a Ciência e o fenômeno por ela estudado (...), o Direito tem por objeto o estudo do Direito, ou seja, Ciência e objeto são designados pelo mesmo vocábulo. (BLANCHET, 2005, p. 11)

22

Outra consideração necessária é quanto ao posicionamento do Direito Administrativo no Direito, ou seja, considerando o Direito como o tronco de uma árvore percebe-se que dele se ramificam em dois grandes galhos7, que seriam o Direito Público (interno ou externo) e o Direito Privado8. O Direito Administrativo pertence ao Direito Público Interno. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 27) explica que cabe ao Direito Privado regular as relações entre os particulares e que por isso é "governado pela autonomia da vontade", isso que dizer que: (...) nele vige o princípio fundamental de que as partes elegem as finalidades que desejam alcançar, prepõem-se (ou não) a isto conforme desejem e servem-se para tanto dos meios que elejam a seu alvedrio, contanto que tais finalidades ou meios não sejam proibidos pelo Direito. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 27)

O Direito Público tem um objetivo diferente ele: (...) se ocupa dos interesses da Sociedade com um todo, interesses públicos, cujo atendimento não é um problema pessoal de quem os esteja a curar, mas um dever jurídico inescusável. Assim não há espaço para a autonomia da vontade, que é substituída pela idéia de função, de dever de atendimento do interesse público. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 27)

Feitas essas considerações prossegue-se para a conceituação do Direito Administrativo. A conceituação9 é de grande importância para a Ciência e também uma tarefa difícil e complexa, isso porque ela deve ser capaz de sintetizar uma idéia abstrata de forma mais completa e sintética possível. Mas também é de conhecimento geral que muitas vezes uma mesma Ciência é conceituada de diversas

formas dependendo

dos

critérios

utilizados

como

premissas

na

conceituação, e no caso do Direito Administrativo não é diferente.

7

Entendimento clássico da dicotomia do Direito em Direito Público e Privado.

8

Segundo HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 32): o Direito Público Interno visa regular, precipuamente, os interesses estatais e sociais, cuidando só reflexamente da conduta individual. (...). O Direito Público Externo destina-se a reger as relações entre os Estados Soberanos e as atividades individuais no plano internacional. O Direito Privado tutela predominantemente os interesses individuais, de modo a assegurar a coexistência das pessoas em sociedade e a fruição de seus bens, quer nas relações de indivíduo a indivíduo, quer nas relações do indivíduo com o Estado.

9

Para BLANCHET (2005, p. 19): "conceito é a representação teórica de determinado objeto mediante sistematização de seus aspectos característicos e distintivos em relação a outros objetos, este objetivo pode ser atingido a partir da análise dos elementos conceituais constantes nos diversos conceitos estruturados pela Doutrina".

23

LUIZ ALBERTO BLANCHET (2005, p. 17) e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 65) apontam os vários critérios utilizados para definir a Administração Pública, dentre eles: (1) Legalista; (2) Serviço Público; (3) Poder Executivo; (4) relações jurídicas de Estado; (5) Teleológico; (6) Negativa ou Residual; (7) objetivosubjetivo e formal; (8) Administração Pública. 

(1) Critério legalista: restringe o Direito Administrativo ao conjunto das leis e demais atos de caráter normativo encarando-o como Direito Administrativo Positivo apenas e exclusivamente.



(2) Critério do serviço público: limita o objeto dessa Ciência exclusivamente a disciplina do serviço público.



(3) Critério do Poder Executivo: cabe ao Direito Administrativo reger as atividades do Poder Executivo.



(4) Critério das relações jurídica do Estado: por este critério esse ramo do Direito disciplina as relações jurídicas mantidas somente entre a Administração Pública e os particulares.



(5) Critério teleológico: também conhecido como finalista define o Direito Administrativo como o sistema de princípios cuja função é disciplinar as atividades concretas do Estado na persecução de seus fins de utilidade pública.



(6) Critério negativo ou residual: por este critério cabe ao Direito Administrativo realizar tudo o que não pertença à atividade legislativa ou judiciária do Estado



(7)

Critério

objetivo-subjetivo

e

formal:

Dedica-se

o

Direito

Administrativo ao regime dos órgãos (subjetivo) e de suas atividades destinadas à satisfação concreta e imediata dos interesses públicos de caráter não contencioso (objetivo) manifestada através do Poder Público pelos

seus

atos

jurídico-administrativos

que

possuem

auto-

executoriedade (formal), mesmo que de caráter provisório. 

(8) Critério da Administração Pública: o Direito Administrativo é um conjunto de princípios que disciplinam a Administração Pública.

24

Verifica-se que os critérios se mostram incompletos se analisados separadamente, é por esse motivo que muitos conceitos adotam diferentes e variados critérios para definir o Direito Administrativo, em uma tentativa de tornar a conceituação mais completa como podemos verificar nos conceitos a seguir apresentados. Segundo LUIZ ALBERTO BLANCHET (2005, p.19): O Direito Administrativo é um sistema de normas determinantes do regime jurídico da atividade destinada ao atendimento concreto, direto e imediato dos interesses públicos.

Para MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 66) o Direito Administrativo é: (...) o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 37) afirma que: (...) o direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem.

Segundo HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 34) o conceito de Direito Administrativo Brasileiro sintetiza-se: (...) no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado.

MARÇAL JUSTEN FILHO (2006, p. 1) faz a seguinte conceituação: O direito administrativo é o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.

Complementando os citados conceitos, ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO (2005, p. 15) explicita que o campo da abrangência do Direito Administrativo e da ação da Administração Pública tem por objetivo o “atendimento ao bem-estar coletivo”.

25

2.2. A A DMINISTRAÇÃO P ÚBLICA

O Estado tem basicamente três funções: uma é a jurisdicional, outra é a legislativa e a terceira é a Administração Pública. Esta por sua vez é a “atividade de gerenciamento dos interesses públicos” (BLANCHET, 2005, p. 39) devendo agir de acordo com as normas do Direito Administrativo. Segundo ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO (2005, p. 37): A Administração Pública, considerada um aparelhamento regularmente constituído pelo Estado para satisfazer o bem comum na realização de seus serviços, deve cuidar para que seja realçada, em sua atuação, a compreensão de que o Estado é uma síntese de todos. A existência da Administração Pública só tem sentido em função de uma justa e eqüitativa distribuição, entre os cidadãos, dos direitos e dos encargos sociais. As elevadas e numerosas tarefas administrativas não resultariam exitosas sem a imposição de princípios de atuação capazes de oferecer garantias exigíveis de um Estado justo e igualitário. Bem por isso que, antes da Constituição Federal de 1988, percorreuse longo caminho para a sedimentação da compreensão finalista de Administração Pública, como aparato constituído pelo Estado para satisfação do bem comum.

Porém a Administração Pública como se conhece hoje nem sempre teve como objetivo o interesse coletivo, houve época que se preocupava única e exclusivamente com interesses puramente particulares.

2.2.1. A Administração Pública Patrimonial, Burocrática e Gerencial

A Administração Pública passou por evoluções no decorrer da história, tendo início com a Administração Pública Patrimonial, passando pela Administração Pública Burocrática e caminhando para a Administração Pública Gerencial. Primeiramente existiu a Administração Pública Patrimonial, que teve origem com as monarquias absolutistas, e se caracterizava pela confusão do

26

patrimônio público com o privado, ou seja, nessa época tudo era do rei e ele poderia fazer o que bem entendesse com seu patrimônio (BRESSER PEREIRA10, p. 4). No século XIX com o avanço e desenvolvimento do Capitalismo a burguesia viu a necessidade de proteger o seu patrimônio privado contra as interferências do poder do rei. Foi nessa época que surgiu a Administração Pública Burocrática (BRESSER PEREIRA11, p. 5). Era necessário controlar o "Poder" para que ele não interviesse no patrimônio privado. O Poder Público deve cuidar daquilo que é público e não deve intervir no domínio privado. Para que o Poder fosse controlado era preciso descentralizá-lo, ou seja, dividir suas funções para que o Poder ficasse disperso. Aplicou-se então o modelo da tripartição do Poder proposto por Montesquieu (Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) (MALUF, 1995, p. 205). Mas apenas isso não bastava, era preciso algo mais, era necessário que o povo realmente sentisse que o Poder estava sob controle. Desta forma Princípios como o da Legalidade, Publicidade, Impessoalidade, Moralidade, etc., foram introduzidos no sistema. A Administração Pública Burocrática foi um instrumento de combate ao nepotismo e a corrupção que visava o controle total do administrador público (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 26). Porém também se tornou um instrumento de enrijecimento,

impedindo

que

a

Administração

Pública

pudesse

evoluir

conjuntamente com a sociedade. Após a II Guerra Mundial percebeu-se a necessidade de um sistema mais flexível que pudesse se adaptar a realidade contemporânea. Foi em meio a essa percepção que surgiu a idéia da Administração Pública Gerencial. Essa nova Administração é segundo LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA (1998, p. 28): (...) orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se de descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos.

10

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. O modelo estrutural de governança pública. disponível em: > acessado em: 17/02/2008.

11

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. O modelo estrutural de governança pública. disponível em: > acessado em: 17/02/2008.

27

A Administração Pública Gerencial se diferencia da Burocrática por se preocupar mais com os resultados do que com os processos. O método burocrático, apesar de ser ineficiente, é considerado o mais seguro no combate ao nepotismo e a corrupção, pois se preocupa em prevenir do que combater essas atividades politicamente degenerantes. A burocracia na Administração Pública foi uma grande evolução quando o Patrimonialismo ainda reinava, mas se demonstra incompatível com a sociedade atual por ser lenta, cara e ineficiente (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 27). Além disso, o sistema burocrático teve outros efeitos colaterais como nos apresenta BRESSER PEREIRA (1998, p. 27 e 28): O nepotismo e a corrupção mais visíveis foram controlados, mas surgiram novas modalidades de apropriação privada de uma fatia maior do patrimônio público. Empresários continuavam a obter subsídios desnecessários e isenção de impostos; a classe média assegurou para si benefícios especiais, muito maiores do que está disposta a reconhecer; os funcionários públicos eram muitas vezes ineficientes no trabalho, ou simplesmente não trabalhavam - no caso de excesso de quadros - mas se mantinham protegidos por leis ou costumes que lhes garantem a estabilidade no emprego. (...) os burocratas não se dedicaram apenas à construção do Estado, mas também a substituir parcialmente a burguesia no processo de acumulação de capital e na apropriação do excedente econômico.

Ainda no entendimento do referido autor, ao falarmos em Administração Pública Gerencial, não quer dizer transformar o público em privado, mas fazer uso de alguns princípios da Administração Privada para proporcionar uma maior flexibilidade e adaptabilidade a Gestão Pública. Tem se como orientação o cidadãocliente (BRESSER PEREIRA12, p. 12) o que não significa a redução deste ao consumidor, mas a um maior reconhecimento dos direitos do cidadão. O modelo gerencial visa proporcionar aos servidores públicos maior autonomia e responsabilidade dando início ao processo de descentralização, mas não uma descentralização total ao passo que a formulação de políticas (ou seja, a parte da administração estratégica) continuaria centralizada, sendo somente a execução descentralizada, o que traria maior agilidade e flexibilidade ao sistema (BRESSER PEREIRA13, p. 12).

12

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. O modelo estrutural de governança pública. disponível em: > acessado em: 17/02/2008.

13

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. O modelo estrutural de governança pública. disponível em: >

28

2.2.2. Compreendendo a Administração Pública

A) Natureza da Administração Pública

Múnus Público, essa é a expressão de define a natureza da Administração Pública, e ela quer dizer que quem exerce a atividade administrativa tem o “encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade” (MEIRELLES, 1999, p. 81). Desta forma, aquele é investido em função ou cargo público tem o compromisso e o dever de servir a coletividade. Outro ponto a se esclarecer é a distinção entre o administrador e o proprietário. No entendimento de HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 79): (...) a palavra administração traz em si conceito oposto ao de propriedade, isto é, indica a atividade daquele que gere interesses alheios, (...) os termos administração e administrador importam sempre a idéia de zelo e conservação de bens e interesses, ao passo que as expressões propriedade e proprietário trazem ínsita a idéia de disponibilidade e alienação. Por aí se vê que os poderes normais do administrador são simplesmente de conservação e utilização dos bens confiados à sua gestão, necessitando sempre de consentimento especial do titular de tais bens e interesses para os atos e alienação, oneração, destruição e renúncia. Esse consentimento, na Administração Pública, deve vir expresso em lei.

É por esse motivo que MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 67) utiliza a seguinte expressão: “Administração é a atividade do que não é senhor absoluto”.

B) Fins da Administração Pública

A Administração Pública tem o dever de defender o interesse público

14.

Para HELY LOPES MEIRELLES (1999) os fins da Administração Pública pode ser acessado em: 17/02/2008. 14

Segundo CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 58) o interesse público pode ser assim compreendido: “o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesse que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem” . Sendo assim o interesse público é “o

29

resumida em um único objetivo que seria o “bem público da coletividade administrada” (MEIRELLES, 1999, p. 81). Desta forma, o administrador público não pode procurar outro objetivo que não seja esse, não pode deixar de cumprir aquilo que a lei lhe determinou, pois essa é uma tarefa inerente ao cargo que ocupa. “O ato ou contrato administrativo realizado sem interesse público configura desvio de finalidade” (MEIRELLES, 1999, p. 81).

C) Administração Pública Subjetiva

A Administração Pública Subjetiva, Orgânica ou Formal (DI PIETRO, 2006, p. 73) designa as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa15. Nas palavras de MARIA SYLVIA ZANELLA

DI

PIETRO (2006, p.

76): “pode-se definir Administração Pública, em sentido subjetivo, como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”. Em sentido subjetivo podemos considerar a Administração subdividida em Direita e Indireta. Compõe a Administração Direta “todos os órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas” (DI PIETRO, 2006, p. 75) tais como, a União, Estados, interesse de todos, do conjunto social” (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 57) em sua “dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade” (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 57). 15

Função Administrativa é no entender de MARÇAL JUSTEN FILHO (2006, p. 30): “ (...) o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional”. “A função administrativa é um conjunto de competências” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 33) e podem ser agrupadas em três tipos: (1) função administrativa conformadora ou ordenadora; (2) função administrativa prestacional; e (3) função administrativa regulatória. (1) “A função conformadora é o conjunto de poderes para editar regras, produzir decisões e promover sua execução concreta visando a conformar, dentro de certos limites, liberdades e direitos individuais, como meio de produzir a harmonia social (...) traduz-se, de modo especial, no instituto do poder de polícia” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 34). (2) “A função administrativa prestacional é composta dos poderes para promover a satisfação concreta de necessidades coletivas relacionadas a direitos fundamentais. Traduz-se, em especial, no instituto do serviço público” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 34). (3) “A função administrativa regulatória é integrada pelos poderes para disciplinar a conduta individual e coletiva, visando especialmente a promover a modificação do comportamento das pessoas, por meio de incentivos ou desincentivos (...). A regulação consiste no conjunto de providências por meio das quais o Estado tenta influenciar a sociedade civil à assunção de encargos de interesses coletivos e à adoção de condutas reputadas conformes a certos valores” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 35).

30

Municípios e Distrito Federal. A Administração Indireta é composta por “pessoas jurídicas com personalidade de direito público ou privado” (DI PIETRO, 2006, p. 75) que seriam as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Nesse sentido se expressa o artigo 4º Decreto-lei nº. 200, de 25-02-1967, alterada pela Lei nº 7.596, de 10-04-1987: Decreto-lei nº. 200/1967 Art. 4º - A administração federal compreende: I – a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; II – a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) autarquias; b) empresas públicas; c) sociedade de economia mista; d) fundações públicas.

Dessa forma, a Administração Pública pode ser dividida em administração direta e indireta, e esta, por sua vez, compreende as seguintes entidades: autarquias; empresas públicas; sociedade de economia mista; e fundações públicas.

D) Administração Pública Objetiva

A Administração Pública Objetiva, Funcional ou Material “abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas” (DI PIETRO, 2006, p. 73). Ao ser considerada objetivamente a administração é caracterizada pela legalidade, discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade. LUIZ ALBERTO BLANCHET (2005, p. 40) nos explica: A legalidade é conseqüência lógica do fato de a administração objetivamente considerada integrar a administração pública sticto sensu, cujo exercício subordina-se à lei. A discricionariedade concerne à liberdade de opção reservada pela lei ao agente, a qual se torna necessária e inevitável sempre que a lei não especifica a solução mais adequada ao caso concreto (oportuna e conveniente). Em razão da auto-executoriedade, a Administração pode executar suas decisões imediatamente por seus próprios meios sem precisar recorrer ao Judiciário. A coercibilidade é a força coativa de que dispõe as

31

medidas impostas pela Administração destinadas a preservar o interesse público. (grifo nosso)

As atividades administrativas são: polícia administrativa, serviço público, fomento, atividades instrumentais e intervenção. Polícia administrativa: ela tem a função de limitar as liberdades individuais em prol do benefício dos interesses coletivos. Ela é: (...) a atividade da Administração por meio da qual esta exerce o poder de polícia, isto é, impõe direta, imediata e concretamente, no interesse público, condições e limitações ao exercício de interesses particulares relativos a bens, exercício de profissão, ocupação, exploração de comércio, indústria ou de outras atividades, e em relação a quaisquer direitos. (BLANCHET, 2005, p. 40)

Serviço público: são atividades executadas direta ou indiretamente pela Administração Pública para satisfazer as necessidades da coletividade. Para CELSO ANTONIO BANDEIRA

DE

MELO (2006), serviço público é uma comodidade material:

“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral” (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 642). MARIA SYLVIA ZANELLA

DI

PIETRO (2006, p. 74) faz o seguinte

apontamento: Serviço público é toda atividade que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para satisfazer à necessidade coletiva, sob regime jurídico predominantemente público. Abrange atividades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletividade, foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade.

Fomento: são atividades administrativas que geram incentivo a iniciativa privada de relevância para o interesse público, podendo ser fomentadas pelo Estado através de auxílios financeiros ou subvenções, benefícios fiscais, financiamentos sob condições especiais e desapropriações de bens que favoreçam entidades particulares sem fins lucrativos e que desenvolvam atividades de interesse social (BLANCHET, 2005, p. 41). Para LUIZ ALBERTO BLANCHET (2005, p. 41): “O fomento materializa-se através de estímulos a atividades privadas cuja execução seja de interesse coletivo”. Atividades

instrumentais:

são

atividades-meios ou

instrumentais que

se

enquadram na categoria de atividades de mera execução da vontade estatal (BLANCHET, 2005, p. 42). Alguns exemplos dessas atividades são: a promoção de licitações, contratações, etc.

32

Intervenção: são atividades de regulação e fiscalização da atividade privada, como nos explica MARIA SYLVIA DI PIETRO (2006, p. 74): A intervenção compreende a regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza privada, bem como a atuação direta do Estado no domínio econômico, o que se dá normalmente por meio das empresas estatais. (...). A atividade que o Estado exerce a título de intervenção na ordem econômica não é assumida pelo Estado como atividade pública; ele a exerce conservando a sua condição de atividade de natureza privada, submetendo-se, por isso mesmo, às normas de direito privado que não forem expressamente derrogadas pela Constituição.

Observa-se que pelas atividades desempenhadas pela Administração Pública, há sempre, de uma forma ou de outra, o atendimento do interesse público. De outra forma não poderia ser, uma vez que o interesse público é a base sobre a qual se ergue a Administração Pública.

2.3. A A DMINISTRAÇÃO P ÚBLICA E A A DMINISTRAÇÃO P RIVADA

Basicamente a diferença entre a administração pública e a privada reside no seu fim, ou seja, se o objetivo é o bem da coletividade e o interesse social, trata-se de Administração Pública, se o fim almejado é o benefício próprio e o interesse particular, trata-se de Administração Privada. Por essas poucas linhas poderia-se precipitadamente entender que a Administração Pública e a Privada constituem dois mundos diferentes e praticamente incomunicáveis, mas tal concepção é falha. Pois ambas as formas de administração se comunicam, interferindo uma na outra. É de conhecimento geral que o nosso sistema de Administração Pública é enrijecido, e ele é desta forma justamente para que se possa manter o controle de suas atividades e evitar os desvios (a corrupção é o desvio mais evidente). O princípio da legalidade é a “argamassa” que solidifica esse sistema, tornando-o mais seguro, mas também menos flexível. Se algo não é flexível, tende a se tornar rígido e por conseqüência imutável. Mas a Administração Pública não é imutável, ela se move (porém lentamente). A questão que temos aqui é: o que impulsiona essa movimentação?

33

Vejamos agora a Administração Privada, esta é veloz, flexível, adaptativa, maleável e criativa. Busca sempre inovar, criar meios para se tornar mais competitiva e melhor que seus concorrentes. Este é o mundo das empresas, se elas não forem assim, não conseguem sobreviver no mercado. E o mesmo ocorre com o Estado, se esse não for bem administrado corre o risco de ser deixado para trás pelas outras nações e de se tornar antiquado e obsoleto perante as inovações e avanços do mundo. O mundo nunca para, e uma tendência que se verifica na era atual é um mundo em velocidade acelerada. Com isso quer-se dizer que as mudanças não ocorrem em uma velocidade constante ou uniforme, elas ocorrem em um movimento acelerado, que tendem a ser cada vez mais rápidas, e quem ficar para trás começará a ver as outras nações se distanciarem cada vez mais, até um ponto em que será impossível alcançá-las. E é exatamente essa necessidade de não ser deixado para trás que faz com que o Estado se atualize, faça um upgrade estrutural, modificando aos poucos o seu sistema administrativo. O Estado também gera grande interferência no domínio privado, ou seja, a Administração Pública interfere na Administração Privada e isso ocorre da seguinte forma: O Estado não pode permitir que as empresas se autogovernem, pois isso geraria um desequilíbrio econômico e social, pois as empresas procurariam aumentar exponencialmente seus rendimentos, e como no mundo os recursos são escassos, aquilo que está em excesso com alguém gera falta para outros, significando um aumento na desigualdade social, e por conseqüência um abalo econômico e político, que por sua vez tornaria mais grave o cenário já em ruína. É por isso que uma das funções do Estado é justamente limitar essa atuação privada, regulamentando e fiscalizando os particulares. Desta forma criando uma harmonização entre as necessidades pública e privadas, equilibrando esses interesses para que através dessa combinação sinérgica de forças possa trazer benefícios tanto para a coletividade quanto para o particular.

34

2.4. C ONTRATOS A DMINISTRATIVOS

A opção pela Arbitragem é algo decidido pelas partes contratualmente, sendo assim, por obvio, ela (a arbitragem) apenas será possível se existir um contrato previamente celebrado. Como o intuito do presente trabalho é verificar a possibilidade da adoção da Arbitragem como forma de resolução de conflitos entre o ente público e o privado nos contratos celebrados pela Administração Pública, primeiramente é necessário ter uma noção do que seriam esses contratos.

2.4.1. Os Contratos da Administração Pública

O Estado precisa realizar contratos16 com os particulares por um simples motivo, ele não é capaz de produzir sozinho tudo o que precisa para satisfazer as necessidades dos cidadãos. Por um lado o Estado precisa do conhecimento e da técnica dos entes privados, mas por outro não pode ficar à mercê das vontades destes, pois se ficasse, o Estado se sujeitaria aos interesses particulares e não à defesa dos interesses públicos. Por isso é importante a diferenciação das relações contratuais que o Estado estabelece com o particular, se são contratos de características particulares ou públicas. Nesse sentido MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 257) ensina que a expressão contratos da Administração é utilizada em sentindo amplo, abrangendo tanto os contratos celebrados pela Administração Pública sob o regime de Direito Público quanto o de Direito Privado. Quando o contrato é realizado sob o regime de 16

Por Contrato podemos entender tanto a relação jurídica quanto o instrumento pelo qual se manifesta, nesse sentido nos apresenta o Vocabulário Jurídico de DE PLÁCIDO E SILVA (1999, p. 217): “Contrato. Derivado do latim contractus, de contrahere, possui o sentido de ajuste, convenção, pacto, transação. Expressa, assim, a idéia do ajuste, da convenção, do pacto ou da transação firmada ou acordada entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer, ou seja, adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. O contrato, pois, ocorre quando as partes contratantes, reciprocamente, ou uma delas assume a obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa. (...). Sem a manifestação de vontade das partes contratantes, isto é, sem o consentimento delas, que tanto pode ser expresso, como tácito, não se forma o contrato. (...). Possui o vocábulo [contrato], por vezes, o sentido de expressar o próprio instrumento em que se elabora o contrato, isto é, o documento escrito em que o contrato se formou e pelo qual se prova a sua existência.”.

35

Direito Público há uma relação de verticalidade entre a Administração Pública e o Particular. Quando o regime utilizado é o do Direito Privado existe um nivelamento entre o ente público e o privado caracterizando uma relação de horizontalidade. Já a expressão contrato administrativo: (...) é reservada para designar tão-somente os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, púbicas ou privadas, para consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público. (DI PIETRO, 2006, p.257).

Sendo assim, pode-se entender que existem basicamente duas espécies de contratos

realizados

pela

Administração

Pública,

um

deles

seria

aquele

caracterizado pelo regime de Direito Público e o outro pelo regime de Direito Privado. Diversas são as denominação que os autores empregam ao diferenciar essas duas formas de contratação, mas a lógica permanece a mesma, nesse sentido HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 193 e 195) prefere empregar os termos contratos privados realizados pela Administração Pública, ou contrato de natureza semipública ou ainda contrato administrativo atípico (para os contratos de natureza privada); e contratos administrativos típicos ou propriamente ditos (para os contratos de natureza pública). MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 259) de forma mais pratica utiliza os vocábulos contatos de direito público e contratos de direito privado. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE

MELLO (2006, p.587) prefere os termos contratos de

Direito Privado da Administração 17

e "contatos administrativos"17. LUIZ ALBERTO

BANDEIRA DE MELLO (2006) utiliza a expressão "contratos administrativos" entre aspas porque não considera esse tipo de contrato um verdadeiro "contrato" apresentando a seguinte crítica: "o Poder Público, em razão de suas funções, tem sempre disponibilidade sobre o serviço público e sobre a utilização de um bem público; inversamente, o particular jamais pode tê-la, pois está envolvido na questão um bem extra commercium. O contrato jamais seria via idônea parar propiciar a um administrado senhoria, conquanto parcial, sobre um interesse público, seja no que respeita à forma de satisfazê-lo, seja no que atina ao prazo de duração de vínculo versando sobre ele. Daí que os poderes reconhecidos à Administração nestes "contratos administrativos" parece-nos que nada têm de contratuais. São poderes relativos à pratica de atos unilaterais, inerentes às competências públicas incidentes sobre aqueles objetos. É só por esta razão que prescindem de cláusulas contratuais que os mencionem e de normas legais sobre contratos efetuados pela Administração. Tais poderes de instabilização descendem diretamente das regras de competência administrativa sobre os serviços públicos e o uso de bens públicos. E são competências inderrogáveis pela vontade das partes, insuscetíveis de transação e, pois, de "contratos". Aliás, é curioso notar que os doutrinadores afirmam, muitas vezes, reportados aos "contratos administrativos" em geral - e não apenas a esta espécie ora cogitada -, que neles se contêm cláusulas "regulamentares" (as mutáveis) e cláusulas imutáveis atinentes à parte econômica. Esta assertiva faz, de si mesma, prova de que certas disposições que o regulam não integram o contrato. É dizer, não contratuais, pois não podem ser objeto de avença. Estão à margem da influência da vontade do contratante privado. Em suma: são alheias ao acordo. E, se lhe são estranhas, como podem ser contratuais? Segue-se que o contratual seria apenas o que podia ser

36

BLANCHET (2005, p. 114) faz uso das expressões contratos de Direito Público celebrados pela Administração e contratos de Direito Privado celebrados pela Administração. MARÇAL JUSTEN FILHO (2006, p. 284) prefere fazer uma especiação tripla. Segundo o referido autor a expressão "contrato administrativo" seria o gênero 18 da qual suas espécies seriam: os contratos administrativos de delegação de atribuições administrativas (por exemplo, concessão de serviço público); os contratos administrativos propriamente ditos (por exemplo, o contrato de obra pública); e os contratos de direito privado praticados pela Administração (por exemplo, o contrato de seguro). Verificou-se que os contratos realizados pelo Estado com o particular podem ser caracterizados tanto pela relação de horizontalidade quanto pela relação de verticalidade (DI PIETRO, 2006, p. 257). Mas isso não é totalmente verdadeiro. Todo contrato realizado com o Estado possui algumas restrições, principalmente para o particular, ou seja, existe a incidência maior (relações verticais) ou menor (relações horizontais) do regime jurídico administrativo nesses contratos. Explicando melhor. (1) Se um contrato é caracterizado pelas relações verticais entre o Estado e o particular, então o Poder Público faz uso de todo o seu poder de império aplicando as prerrogativas19 e sujeições20 que a ele cabe impor objeto de pacto e foi pactuado, a saber: a parte econômica convencionada. Logo, só existe contrato com relação a isto. O mais provém de ato unilateral da Administração Pública sob cuja regência coloca-se o particular, sujeitando-se a uma situação cambiável. Tais circunstâncias deveriam ser suficientes para evidenciar que as relações jurídicas constituídas entre o Poder Público e particular sob a égide do regime em apreço apresentam radical disparidade em relação aos contratos. Daí a inconveniência de abrigar sob um único rótulo figuras jurídicas tão distintas e submissas a critérios e princípios completamente diversos. Esta argumentação, entretanto, não sensibilizou nossa doutrina e jurisprudência. De todo modo, o certo é que não se pode impedir que a doutrina absolutamente majoritária no Brasil resolva designar sob o nome "contratos administrativos" esta variedade de relações tão díspares. As palavras são meros rótulos que sobrepomos às coisas. Seria desejável que às realidades distintas fossem dadas titulações diferentes, para evitar confusões e extrapolações indevidas, como ocorre no caso. Seria preferível evitar terminologia que afilia à matriz contratual alguns destes vínculos cuja índole não se compatibiliza com a ascendência que se lhes quer inculcar. Entretanto, parecem fadados ao insucesso quaisquer esforços para demonstrar a inconveniência desta rotulação" (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p.591 e 592). 18

Vale ressaltar que para os autores antes citados o "contrato administrativo" é considerado espécie do gênero "contrato". Mas para JUSTEN FILHO (2006, p. 284) "contrato administrativo" deve ser considerado o gênero da qual se ramificam suas espécies sejam elas de caráter público ou privado.

19

As prerrogativas se manifestam através das chamadas cláusulas exorbitantes, ou de privilégio ou ainda de prerrogativa e podem ser conceituadas da seguinte maneira: as cláusulas

37

nos contratos. As prerrogativas "conferem poderes à Administração, que a colocam em posição de supremacia sobre o particular" (DI PIETRO, 2006, p. 262); já as sujeições "são impostas como limites à atuação administrativa, necessários para garantir o respeito às finalidades públicas e aos direitos dos cidadãos" (DI PIETRO, 2006, p. 262). As prerrogativas nos contratos administrativos (lembrando que esses são os contratos caracterizados pela relação de verticalidade entre Estado e particular) podem ser explícitas ou implícitas. Desta forma se manifesta MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006,

p.

263):

"Quando

a

Administração

celebra

contratos

administrativos, as cláusulas exorbitantes existem implicitamente, ainda que não expressamente previstas; elas são indispensáveis para assegurar a posição de supremacia do Poder Público sobre o contratado e a prevalência do interesse público sobre o particular". Semelhante é o comentário de HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 195) ao manifestar-se sobre as cláusulas exorbitantes21 nos contratos administrativos, entendendo o referido autor que a característica substancial dos contratos administrativos:

exorbitantes são "aquelas que não são comuns ou que seriam ilícitas nos contratos entre particulares, por encerrarem prerrogativas ou privilégios de uma das partes em relação à outra" (DI PIETRO, 2006, p. 263). 20

As sujeições se referem à forma, ao procedimento, à competência, e a finalidade do contrato (DI PIETRO, 2006, p. 262). Quanto as três primeiras sempre serão determinadas pela lei. Já a finalidade deve ser sempre direta ou indiretamente referente ao interesse público sob pena de ser caracterizada como desvio de poder. Isso quer dizer que pelas sujeições a Administração Pública tem um limite de atuação, ou seja, as sujeições restringem a atuação do Estado àquilo que determinam as regras e princípios do Direito Administrativo. As sujeições procuram evitar que o Estado aja de forma a beneficiar a si mesmo em detrimento dos cidadãos.

21

Explica HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 195) que: "cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contrato. A cláusula exorbitante são seria lícita num contrato privado, porque desigualaria as partes na execução do avençado, mas é absolutamente válido no contrato administrativo, desde que decorrente da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa, porque visa a estabelecer uma prerrogativa em favor de uma das partes para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares". Em outra passagem MEIRELLES (1999, p. 196) nos expõe o que seriam as cláusulas exorbitantes: "As cláusulas exorbitantes podem consignar as mais diversas prerrogativas, no interesse do serviço público, tais como a ocupação do domínio, o poder expropriatório e a atribuição de arrecadar tributos, concedidos ao particular contratado para a cabal execução do contrato. Todavia, as principais são as que se exteriorizam na possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato; no equilíbrio econômico e financeiro; na revisão de preços e tarifas; na inoponibilidade da execução de contrato não cumprido; no controle do contrato, na ocupação provisória e na aplicação de penalidades contratuais pela Administração"

38

(...) consubstanciada na participação da Administração com supremacia de poder, resultam para o contrato administrativo certas peculiaridades que os contratos comuns, sujeitos às normas de Direito Privado, não ostentam. Tais peculiaridades constituem, genericamente, as chamadas cláusulas exorbitantes, explícitas ou implícitas em todo contrato administrativo.

Por outro lado, (2) nas relações entre o Estado e o particular caracterizadas pela horizontalidade cabe uma ressalva. Essa relação não é totalmente horizontal e paritária, ou seja, o Estado jamais atua integralmente como um particular. O Estado não pode agir conforme a sua vontade, deve agir conforme bem entender. Sua atuação está restrita aos mandamentos das normas jurídicas (sejam elas regras ou princípios). É por esse motivo que MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 262) caracteriza essas relações como de regime privado parcialmente derrogado pelo direito público. Segundo essa perspectiva todos os contratos realizados pela Administração Pública estão sujeitos às sujeições do regime jurídico administrativo, porém, com relação as prerrogativas cabe a seguinte explicação da MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p.263): Quando a Administração celebra contratos de direito privado, normalmente ela não necessita dessa supremacia e a sua posição pode nivelar-se à do particular; excepcionalmente, algumas cláusulas exorbitantes podem constar, mas elas não resultam implicitamente do contrato; elas têm que ser expressamente previstas, com base em lei que derrogue o direito comum.

Desta forma conclui a referida autora: Por isso, deve ser aceita com reserva a afirmação de que no contrato administrativo a posição entre as partes é de verticalidade (o que é verdadeiro) e, no contrato privado celebrado pela Administração, a posição das partes é de horizontalidade, o que não é inteiramente verdadeiro, quer pela submissão do Poder Público a restrições inexistentes no direito comum, quer pela possibilidade de lhe serem conferidas determinadas prerrogativas, por meio de cláusulas exorbitantes expressamente previstas. (DI PIETRO, 2006, p.264).

Desta forma, verifica-se que o Estado, por mais que assuma uma posição de horizontalidade com o particular, jamais poderá se igualar a este em suas relações contratuais, pois querendo ou não, é dever do Estado zelar pelo interesse público. E é este dever que impõe restrições à vontade do Estado.

39

2.4.2. Contratos Administrativos

Existem basicamente as seguintes modalidades de contratos administrativos (podendo também existir outras dependendo da forma como cada autor realiza a classificação): 

Contratos de Concessão de Serviço Público ou Obra Pública;



Contratos de Permissão de Serviço Público;



Contratos de Fornecimento;



Parcerias público-privadas.

2.4.2.1. Contratos de Concessão de Serviço Público ou de Obra Pública

As concessões de Serviços Públicos são, conforme nos apresenta CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 673): Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.

Nesse sentido assim determina o artigo 2º, inciso II, da Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995: Concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

A referida Lei (8.987/1995) no artigo 2º, inciso I, determina que componha o poder concedente a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público.

40

Outro tipo de concessão é a concessão de obra pública22 previsto no artigo 2º, inciso III, da Lei 8.987/1995 sob o título de concessão de serviço público precedida da execução de obra pública23, determina que: Concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 679) ressalta a importância de não se confundir concessão de serviço público com concessão de uso de bem público. Uma vez que aquela se refere a uma "exploração de atividade a ser prestada universalmente ao público em geral", enquanto que a concessão de uso de bem público: (...) pressupõe um bem público cuja utilização ou exploração não se preordena a satisfazer necessidades ou conveniências do público em geral, mas as do próprio interessado ou de alguns singulares indivíduos. O objetivo da relação não é, pois, a prestação do serviço à universalidade pública, mas, pelo contrário, ensejar um uso do próprio bem ou da exploração que este comporte (como sucede com os potenciais de energia hidroelétrica) para que o próprio concessionário se sacie com o produto extraído em seu proveito ou para que o comercialize limitadamente com alguns interessados. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p.680).

Caracteriza-se a concessão, como visto, pela presença dos seguintes elementos: (1) o Poder concedente (Estado) e o concessionário (particular); (2) o concessionário exerce um serviço público ou uma obra pública, devendo esta atividade ser prestada universalmente ao público em geral; (3) licitação para escolha do concessionário; (4) o concessionário se remunera para exploração da concessão; e (5) equilíbrio econômico-financeiro.

22

Para DI PIETRO (2006, p.327): "concessão de obra pública é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de uma obra pública, para que a execute por sua conta e risco, mediante remuneração paga pelos beneficiários da obra ou obtida em decorrência da exploração dos serviços o utilidades que a obra proporciona".

23

Sobre essa modalidade de concessão cabe uma crítica realizada por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 679): "equivalentes reparos valem para o conceito de concessão de serviço público precedida de obra pública, acrescendo-se a necessidade de esclarecer que sob tal designação normativa estão impropriamente compreendidas ora um concessão de serviço público, ora uma concessão de obra pública, conforme se trate de "delegação" para explorar serviço ou "delegação" para explorar obra, objetos perfeitamente distintos e discerníveis".

41

2.4.2.2. Contratos de Permissão de Serviço Público

O artigo 2º, inciso IV, da Lei 8.987/1995 traz a definição de permissão de serviço público: Permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

Mas apenas esse conceito legal não é suficiente para compreender completamente o que seria o contrato de permissão de serviço público. Desta forma nos apoiamos nos ensinamentos de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE

MELLO (2006, p.

723): Permissão de serviço público, segundo conceito tradicionalmente acolhido na doutrina, é o ato unilateral e precário, intuitu personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifa dos usuários. Dita outorga se faz por licitação (art. 175 da Constituição Federal) e pode ser gratuita ou onerosa, isto é exigindo-se do permissionário pagamento(s) como contraprestação.

Apesar do entendimento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE

MELLO ser no

sentido de que as permissões de serviço público se tratariam de atos unilaterais do Poder Público, ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO defende, com fundamento no artigo 175 da Constituição da República Federativa do Brasil que as permissões seriam compreendidas como contratos administrativos e não atos unilaterais do Poder Público. A outra característica da permissão é a precariedade, que segundo BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 726), seria o caráter efêmero e transitório dos contratos de permissão. Mas adverte o referido autor que existe uma distorção que vêm sendo aplicada no instituto da permissão que é a aplicação por prazo certo desse instituto, desvirtuando a sua natureza original. Tal desvirtuamento se dá pela não obediência à característica transitória da permissão, mas principalmente pelo seu caráter precário24, ou seja, a:

24

Aqui cabe uma crítica realizada por BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 725): "Em sendo precária a permissão, o permissionário fica em situação de instabilidade perigosa quando os valores

42

(...) dita precariedade significa, a final, que a Administração dispõe de poderes para, flexivelmente, estabelecer alterações ou encerrá-la, a qualquer tempo, desde que fundadas razões de interesse público o aconselhem, sem obrigação de indenizar o permissionário. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p.724).

A precariedade é, no entender de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 725), a característica que torna a permissão claramente distinta da concessão. Pois, enquanto que na permissão não há a obrigação de indenização, na concessão: (...) o Poder Público também pode, por igual fundamento, alterar ou eliminar o vínculo que travara com o concessionário, ficando, todavia assujeitado a indenizá-lo pelos agravos econômicos que destarte lhe cause. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 725).

Segundo entendimento de ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO, o elemento distintivo dos contratos de permissão de Serviço Público dos contratos de concessão, se deve ao fato de que na permissão é permitida a contratação tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas, enquanto que nos contratos de concessão somente são destinados às pessoas jurídicas.

2.4.2.3. Contratos de Fornecimento

Os contratos de fornecimento são utilizados pela Administração Pública para adquirir bens móveis e semoventes necessários à execução de obras ou serviços. O fornecimento pode ser parcelado ou contínuo. Para entender tais conceitos fazemos referência aos dizeres de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 334): Fornecimento parcelado, como o próprio nome indica, é aquele que se faz por partes. Por exemplo, quando a Administração adquire quantidade de bens, como veículos, máquinas, mesas, e a entrega se faz parceladamente.

econômicos em jogo são de grande monta. É bem de ver que o uso da permissão em tais casos incentiva a corrupção, porque, de um lado, enseja pressões indevidas, fáceis de se fazer sobre quem não tenha garantia nenhuma de segurança quanto à permanência do vínculo, e, de outro, porque o sujeito que não é assistido por direito algum recorre a quaisquer meios para obter o que não se lhe quer dar de direito. É claro que, perante situações do gênero, a forma óbvia de evitar a perigosa instabilidade inerente às permissões, com os consectários maus efeitos, seria a de outorgar tais serviços em concessão".

43

Fornecimento contínuo é aquele que se faz por tempo determinado, para entrega de bens de consumo habitual ou permanente, como, por exemplo, papel, graxa, tinta, combustível etc. Trata-se de materiais necessários à realização de obras públicas ou à execução de serviços públicos, de modo que a continuidade destes fica dependendo do fornecimento.

O Contrato de Fornecimento tem por objetivo suprir a Administração Pública com os bens necessários ao exercício de suas atividades.

2.4.2.4. Parcerias público-privadas

As parcerias público-privadas foram instituídas no nosso sistema jurídico pela Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e trouxe, dentre outras características, duas novas modalidades de concessão, a saber: a concessão patrocinada e a concessão administrativa25. Neste nos apresenta o artigo 2º da referida Lei:

25

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 739) faz uma critica as modalidades de concessão apresentadas pela Lei das Parcerias Público-Privadas, não concordando o referido autor com o termo concessão dada a essas modalidades de contrato com a Administração Pública. Expressando-se da seguinte forma: "se é a Administração, e não o público, quem remunera o parceiro privado, aqui se vê novamente uma contradição entre o que é aduzido para justificar a instituição das PPPs - a alegada carência de recursos - "e a disposição normativa de fazer com que a Administração assuma dispêndios que poderiam ser poupados com o uso da modalidade comum de concessão" (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p.739). Além disso BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 739 e 740) chega a tecer críticas mais duras a esses institutos trazidos pela Lei nº. 11.979/2004: "Dever-se-ia depreender, apesar da profunda obscuridade aludida, que, enquanto na parceira "patrocinada" o concessionário (sob a designação de parceiro privado) se remunera parte por tarifas cobradas do público e parte por pagamento que o Poder Público (sob designação de parceiro público) lhe faz, na parceria administrativa o particular se remunera exclusivamente por "tarifas" de um serviço público do que a Administração é a "usuária direta ou indireta". Ocorre que é praticamente impossível conceber um serviço que possa ser mantido por meras tarifas nas quais a Administração compareça como simples usuária, mas na quantidade e freqüência suficiente para acobertar tais serviços, maiormente se envolverem também a execução de obra ou implantação de bens. Logo, o que a Administração teria que pagar para acobertar os dispêndios da prestação do serviço, embora devesse ser uma tarifa, não seria tarifa alguma, mas uma remuneração contratual como qualquer outra - o que, evidentemente, descaracterizaria a parceria como uma concessão. Deveras, não basta chamar um contato de prestação de serviços como concessão para que ele adquira, como em um passe-de-mágica, esta qualidade. Também não basta chamar de tarifa o pagamento feito ao prestador de serviço em um contrato desta índole para que tal pagamento se converta em tarifa e o dito contrato se transforme em uma concessão. (...). Assim, percebe-se que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados, é a realizar um simples contato de prestação de serviços - e não uma concessão -, segundo um regime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos. Ou seja: quer ensejar aos contratantes privados (os parceiros), nas "concessões" administrativas tanto como nas patrocinadas, vantagens e garantias capazes de atender aos mais venturosos sonhos de qualquer contratado", continua CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 740 e seguintes)

44

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Sendo assim, o que difere a concessão patrocinada e administrativa da concessão comum (Lei nº. 8.987/1995) é o fato de que na concessão patrocinada o parceiro privado é remunerado parte pelos usuários do serviço público e parte da remuneração vem do Poder Público. Enquanto que na concessão administrativa o parceiro privado é remunerado integralmente pelo parceiro público. Na concessão comum, por sua vez, o particular é remunerado somente pelos usuários do serviço público.

2.4.3. O Equilíbrio Administrativo

Econômico-Financeiro

do

Contrato

Equilíbrio nos remete a idéia de uma balança, que nada mais significa que equivalência entre forças opostas. No caso do Equilíbrio Econômico-Financeiro do Contrato Administrativo a doutrina sugere que deva existir um equilíbrio entre os direitos e obrigações na relação pactuada entre o particular e a Administração Pública. Nas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p.612): Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeiro) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá.

Fica claro que o particular não realiza um serviço ou uma obra para o Poder Público por simples bondade ou filantropia, o seu objetivo é o lucro, e esse objetivo do particular não pode ser esquecido pelo Poder Público.

mencionando que tais "concessões" oferecem benefícios surpreendentes tanto aos parceiros privados quanto aos financiadores destes.

45

O equilíbrio econômico-financeiro pode ser conhecido por outros diversos nomes como: equilíbrio financeiro, equilíbrio econômico, equação econômica, ou ainda equação financeira. Mas independente do nome que se dê o seu sentido é o mesmo: "é a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração do objeto do ajuste" (MEIRELLES, 1999, p. 197). CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE

MELLO (2006, p. 592), para quem os contratos

administrativos não têm nada de contratual uma vez que não existe autonomia da vontade entre as partes e nem equivalência de poderes entre eles, explicita que, se existe algo de contratual nos "contratos administrativos" essa parte é o equilíbrio financeiro: (...) é curioso notar que os doutrinadores afirmam, muitas vezes, reportados aos "contratos administrativos" em geral - e não apenas a esta espécie ora cogitada -, que neles se contêm cláusulas "regulamentares" (as mutáveis) e cláusulas imutáveis atinentes à parte econômica. Esta assertiva faz, de si mesma, prova de que certas disposições que o regulam não integram o contrato. É dizer, não contratuais, pois não podem ser objeto de avença. Estão à margem da influência da vontade do contratante privado. Em suma: são alheias ao acordo. E, se lhe são estranhas, como podem ser contratuais? Seguese que o contratual seria apenas o que podia ser objeto de pacto e foi pactuado, a saber: a parte econômica convencionada. (grifo nosso) (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p.591 e 592).

No mesmo sentido apresenta a Lei nº. 8.666/1993 em seu artigo 58, com atenção especial aos §§ 1º e 2º: Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei; III - fiscalizar-lhes a execução; IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste; V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

46

§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. § 2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômicofinanceiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.

HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 197) apresenta uma visão semelhante sobre o tema: Essa relação encargo-remuneração deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a fim de que o contratado não venha a sofrer indevida redução nos lucros normais do empreendimento. Assim, ao usar do seu direito de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares do contrato administrativo, a Administração não pode violar o direito do contratado de ver mantida a equação financeira originariamente estabelecida, cabendo-lhe operar os necessários reajustes econômicos para o restabelecimento equilíbrio financeiro.

Pelo seu caráter contratual o equilíbrio econômico-financeiro apresenta-se como um forte candidato à Arbitragem, uma vez que, segundo a doutrina, há uma relação horizontalizada entre o Estado e o particular quando o assunto envolve a parte econômico-financeira do contrato.

47

Capítulo III 3. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ARBITRAGEM

Questionamentos abordados neste capítulo: - A Administração Pública preenche os requisitos da arbitrabilidade subjetiva? - Como se compatibilizam a Arbitragem e o princípio da legalidade? - A Administração Pública preenche os requisitos da arbitrabilidade objetiva? - Como se compatibilizam a Arbitragem e o princípio da indisponibilidade do interesse público?

3.1. A DMINISTRAÇÃO P ÚBLICA E A RBITRAGEM

De início a Arbitragem e a Administração Pública poderiam se aparentar como institutos incompatíveis, uma vez que aquela pertence ao Direito Privado e esta ao Direito Público. Porém há muito tempo a doutrina vem discutindo se essa divisão do Direito em duas esferas incomunicáveis (público e privada) seria real ou apenas aparente. Concordam muitos autores, nos tempos hodiernos, que o Direito Público e o Privado se comunicam e interferem mutuamente um no outro. Conforme se observará a seguir a Arbitragem vem se inserindo cada vez mais na legislação da Administração Pública.

48

3.1.1. Arbitrabilidade Subjetiva e o (Juridicidade)

Princípio da

Legalidade

A arbitrabilidade subjetiva, como apresentada no capítulo I (subseção 1.4.1), é o requisito subjetivo para a possibilidade de aplicação e utilização da arbitragem em um eventual conflito contratual. Desta forma, deve-se verificar se os entes públicos estão autorizados ou não a firmarem um compromisso arbitral. A Administração Pública, por uma questão história e também por uma opção legislativa, deve obedecer ao princípio da legalidade. Isso significa que, o atuar da Administração Pública deve ser sempre fundamentada em lei. "A Administração Pública só pode fazer o que a lei permite" (DI PIETRO, 2006, p.82). HELY LOPES MEIRELLES (1999, p. 82) assim apresenta o princípio da legalidade: A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato invalido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

MEIRELLES (1999, p. 82) demonstra o rigor do princípio nas seguintes frases: Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. (...). As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE

MELLO (2006) ressalta que tal princípio tem o

intuito de evitar que o poder público seja utilizado pelos seus agentes para lhes trazer benefícios próprios ou para criar favoritismos, perseguições ou desmandos. Desta forma se expressa: O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O princípio da

49

legalidade é o antídoto natural do poder monocráticos ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania. Nesta última se consagra a radical subversão do anterior esquema de poder assentado na relação soberano-súdito (submisso). (BANDEIR DE MELLO, 2006, p. 97)

CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA (1994, p.84) apresenta uma visão mais ampla do princípio, denominando-o de juridicidade ao invés de simplesmente legalidade: A Administração Pública não é apenas a lei formalmente perfeita e posta à observância, mas todo o sistema de Direito vigente em determinado Estado, (...). É que as fontes da juridicidade que colhe o administrador público em seu desempenho são mais ricas do que se poderia supor numa primeira e fugaz visão da legalidade que dava nome ao princípio.

Continuando a referida autora sobre o princípio da juridicidade: As fontes da juridicidade administrativa são as normas que compõem o sistema jurídico em toda a sua gama, partindo-se, pois, da Constituição até o ato normativo emanado da entidade política no exercício de sua função administrativa-normativa. Assim, mesmo as normas elaboradas pela própria Administração Pública e que tenham objeto adstrito a interesse de seus órgãos e de seu pessoal são de obrigatoriedade plena em ração do princípio examinado. (ROCHA, 1994, p. 85)

Mesmo ampliando o escopo do princípio, CARMEN LÚCIA (1994, p. 85) ainda considera a lei formal como imprescindível para a atuação da administração pública: A lei formal, vale dizer, aquela criada pelo órgão estatal constitucionalmente incumbido de sua elaboração segundo processo estabelecido, continua sendo o instrumento de manifestação do Direito por excelência e por isso mesmo persiste como principal fonte da juridicidade administrativa.

Durante muito tempo a doutrina tem discutido sobre a possibilidade de a Administração Pública se sujeitar a Arbitragem. Autores como ADA PELLEGRINI GRINOVER (2006), SELMA LEMES (2007), GUSTAVO HENRIQUE JUSTINO (2005) e LAURO DA GAMA

E

DE

OLIVEIRA

SOUZA JR (2005) compõe um grupo que visualizam no

princípio da juridicidade uma possibilidade de previsão de resolução de conflitos pela via arbitral em contratos administrativos. Analisando amplamente o princípio da legalidade como juridicidade existem aqueles que admitem a Arbitragem nos contratos da Administração Pública com base nas seguintes Leis e artigos:

50



Lei 8.666/93, Lei de licitações e contratos administrativos: Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-selhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.



Lei 8.987/95, Lei de concessões : Art. 23 - São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.



Lei 9.307/96, Lei de Arbitragem: Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.



Lei 9.472/97, Lei das Telecomunicações Art. 93. O contrato de concessão indicará: XV – o foro e o modo para solução extrajudicial das divergências contratuais.



Lei 9.478/97, Lei que instituiu a Agência Nacional de Petróleo: Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais: X – as regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional.



Lei 10.233/01, Lei da reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre: Art. 35. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais as relativas a: XVI – regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem.



Lei 10.848/04, Novo Modelo do Setor Elétrico : Art. 4º. Fica autorizada a criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sob autorização do Poder Concedente e regulação e fiscalização pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, com a

51

finalidade de viabilizar a comercialização de energia elétrica de que trata esta Lei. § 5º. As regras para a resolução das eventuais divergências entre agentes integrantes da CCEE serão estabelecidas na convenção comercialização e em seu estatuto social, que deverão tratar mecanismo e da convenção de arbitragem, nos termos da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996.

os de do no

§ 6º. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, suas subsidiárias ou controladas, titulares de concessão, permissão e autorização, ficam autorizadas a integrar a CCEE e a aderir ao mecanismo e à convenção de arbitragem previstos no § 5º deste artigo. 

Lei 11.079/04, Lei das Parcerias Público-Privadas: Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta lei e observará, no que couber, os §§ 3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

Porém, outra parte da doutrina relutava em aceitar essas previsões legais como uma permissão à utilização da Arbitragem nos contratos da Administração Pública em geral. Segundo essa corrente ainda faltava a legalidade estrita. Sendo assim muita divergência existia sobre a matéria como aponta SUZANA DOMINGUES MEDEIROS (2003, p. 71): A falta de clareza da legislação, aliada à falta de uniformidade na doutrina, vêm levando o tema cada vez mais aos nossos tribunais, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito judicial. Todavia, a jurisprudência ainda tem se mostrado confusa e não uniforme Por essa razão, acreditamos que seja fundamental a edição de lei que venha a estabelecer de modo claro e preciso a utilização do instituto da arbitragem pela Administração Pública, definindo os seus limites e particularidades, de modo a gerar segurança para aqueles que contratam com o Estado e pôr fim à controvérsia.

De forma a aproximar mais a Administração Pública da Arbitragem, a Lei 11.196/05, introduziu o art. 23-A na Lei de Concessões (8.987/95) o seguinte texto: Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 setembro de 1996.

de ou no de

52

Verifica-se que a Administração Pública pode, nos casos previstos e expressos em lei, cumprir o requisito da arbitrabilidade subjetiva.

3.1.2. Arbitrabilidade Objetiva e o Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público

A arbitrabilidade objetiva (apresentada no capítulo I, subseção 1.4.2), referese à característica da Arbitragem de lidar com conflitos relativos a direitos disponíveis. Contudo, verifica-se que no Direito Administrativo existe o Princípio da Indisponibilidade do Interesse público, cujo conteúdo abstrai-se das lições de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 70): A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesse qualificado como próprios da coletividade - internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los - o que é também um dever - na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.

Ressalta o referido autor que "não há apenas um poder em relação a um objeto, mas, sobretudo, um dever, cingindo o administrador ao cumprimento da finalidade, que lhe serve de parâmetro" (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 70), observando, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 71) que: (...) na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela.

Esclarece-nos o citado autor sobre a titularidade do interesse público: Relembre-se que a Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos (chamados administração, em sentido subjetivo ou orgânico), veículos da vontade estatal consagrada em lei. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 71).

Devido a existência de tal princípio, SELMA LEMES (2007, p. 124), faz as seguintes considerações:

53

O conceito de disponibilidade está relacionado com o de negocialidade e de bens suscetíveis de valor e livres no mercado. Mas, ao alocar a questão para a área pública, depara-se com o princípio da indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.

Tendo em vista esse conflito entre a necessidade de disponibilidade de direitos e o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos, SELMA LEMES (2007, p. 125) argumenta: (...) a limitação não se aplica em sua totalidade, em especial à atividade negocial do Estado, quando este, investido do poder de gestão, contrata com particular. (...) não seria lógico e racional admitir que a Administração na sua capacidade de contratar não pudesse dispor quanto ao objeto contratado

SELMA FERREIRA LEMES (2007, p. 125) faz essa interpretação do princípio tendo como base a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p.53), quando este realiza comentários aos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesses públicos: (...) não se lhes dá valor intrínseco, perene e imutável. Dá-se-lhes importância fundamental porque se julga que foi o ordenamento jurídico que assim os qualificou.

A lógica de tal interpretação se encontra na existência de interesses públicos do Estado e interesses individuais do Estado. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA

DE

MELLO

(2006, p.62 e 63), nos explica sobre essa distinção: (...) independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. Similares, mas não iguais. Isto porque a generalidade de tais sujeitos pode defender estes interesses individuais, ao passo que o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles. Tal situação ocorrerá sempre que a norma donde defluem os qualifique como instrumentais ao interesse público e na medida em que o sejam, caso em que sua defesa será, ipso facto, simultaneamente a defesa de interesses públicos, por concorrerem indissociavelmente para a satisfação deles

Para SELMA LEMES (2007, p. 131) o interesse público do Estado (ou interesse primário) seria considerado indisponível ao passo que o interesse individual do Estado (ou interesse secundário) seria disponível:

54

Podemos classificar os interesses públicos em "primários" e "secundários" (instrumentais ou derivados). Os interesses públicos primários são indisponíveis e, por sua vez, os interesses públicos derivados têm natureza instrumental e existem para operacionalizar aqueles, com características patrimoniais e, por isso, são disponíveis e suscetíveis de apreciação arbitral. Esta conclusão, portanto, traz à tona a solução com referência à matéria suscetível de ser submetida à arbitragem: os interesses públicos derivados, de natureza instrumental e com características patrimoniais dispostos em contrato. (LEMES, 2007, p. 131). Considerando que os interesses e direitos derivados se referem a direitos patrimoniais que têm repercussões econômicas, os contratos administrativos são um dos modos e instrumentos pelos quais a Administração Pública pode operacionalizá-los. Os contratos administrativos são instrumentos que fixam, nas cláusulas contratuais pactuadas, as obrigações e direitos mútuos das partes que, apesar de contar com o elemento de supremacia estatal externado nas denominadas cláusulas exorbitantes ("exorbitantes" no sentido que extrapolam as regras do Direito Privado, em especial na ausência de igualdade das partes) não impedem que, para os dissensos referentes às questões patrimoniais, a arbitragem possa ser a forma capaz e idônea de solução de controvérsias. (LEMES, 2007, p. 134 e 135)

Desta forma, para SELMA LEMES (2007), seria possível a utilização da Arbitragem quando se tratar de interesse individual e patrimonial do Estado. E ainda, ponderando sobre a indisponibilidade dos interesses públicos, ressalta que: O correto entendimento do conceito que tem como objetivo proteger e velar pelos haveres públicos (e seu caráter de indisponibilidade) não impede que a Administração eleja a arbitragem como modo idôneo de solução de controvérsias, mas opera em sentido de restringir as questões que possam ser submetidas à arbitragem (LEMES, 2007, p. 125).

Ainda sobre a possibilidade da Arbitragem na Administração Pública, CARLOS ALBERTO CARMONA (2006, p.67) ressalta que a Arbitragem não feriria o princípio da publicidade 26. Explica o autor: Por fim, deve ser exorcizado um último fantasma que assombra a arbitragem nas relações de que participa a Administração Pública, a 26

Para HELY LOPES MEIRELLES (1999, p.87) a publicidade é: "a divulgação oficial do ato para conhecimento do público e início de seus efeitos externos. (...). A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. (...). Em princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, porque pública é a Administração que o realiza" só se admitindo sigilo nos casos previstos em lei. Sobre o princípio da publicidade, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2006, p. 110) comenta: "Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados pro alguma medida".

55

saber, a privacidade das decisões. Em outros termos: considerando-se que um dos princípios que deve reger a Administração é a transparência e a publicidade dos atos administrativos, como conciliar o sigilo - vantagem reconhecida da arbitragem, que torna confidencial todo o procedimento - e a publicidade que deve reger os procedimentos da Administração? Parece-me, francamente, um falso dilema, já que o sigilo é uma característica que pode - apenas pode ser estabelecida pelas partes, nada impedindo que os litigantes, por qualquer razão, abram mão da confidencialidade que geralmente cerca o procedimento arbitral. É evidente que, diante dos diversos mecanismos de controle que o Estado estabelece para prestar contas aos cidadãos de tudo quanto foi feito para garantir o interesse público (a publicidade garante o maior de todos os controles, ou seja, o controle popular), não se pode garantir sigilo absoluto na arbitragem de que participe o Estado, sem que isso implique a impossibilidade de utilizar-se o mecanismo para resolver questões que possam interessar ao público. A solução de compromisso, neste ponto, é de rigor: o princípio da transparência deve ser respeitado, dando-se acesso aos interessados à decisão e aos atos essenciais do processo arbitral (quando necessário), preservando-se, porém, o sigilo dos debates e a confidencialidade dos documentos que instruíram o processo arbitral. (CARMONA, 2006, p. 67).

Observou-se, em linhas gerais, que existem argumentos plausíveis e favoráveis a utilização Arbitragem pela Administração Pública, demonstrando que o instituto em análise não feriria o princípio da indisponibilidade do interesse público.

56

Capítulo IV

4. A TEORIA ORGANIZACIONAL, A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ARBITRAGEM

Questionamentos abordados neste capítulo: - O que é Estrutura Organizacional? - O que são Processos Organizacionais? - Como o Ambiente Interfere em uma Organização? - Qual a relação entre a Estrutura Organizacional da Administração Pública e a Arbitragem?

4.1. C ONSIDERAÇÕES I NICIAIS

Primeiramente devem ser definir os objetivos e limites deste capítulo. Quando for tratado sobre a Estrutura, o Processo e o Ambiente da Administração Pública não serão particularizados nenhum dos entes da Administração Pública, ou seja, todas as entidades que pertencem a Administração Pública, sejam elas pertencentes a Administração Pública Direta ou Indireta, serão analisadas conjuntamente. Não será realizado nesse capítulo a análise pormenorizada de cada entidade, apenas eleger-se-á características gerais pertencentes de forma comum a todas elas, e, desta forma, far-se-á uma análise global. A Teoria Organizacional estuda, basicamente, três elementos que compõem uma organização: a sua estrutura, os seus processos e o ambiente em que está inserido. No entender de Reinaldo Oliveira da Silva (2004, p. 44):

57

A teoria da Organização não é uma coleção de fatos, é o modo de pensar sobre as organizações. A teoria da Organização é o modo de ver e analisar mais precisamente e mais profundamente as organizações, do que qualquer outro modo poderia fazê-lo. O modo de pensar sobre as organizações é baseado em padrões e regularidades no projeto organizacional e no comportamento.

Ao verificar a Estrutura Organização dos Entes da Administração Pública comentar-se-á sobre sua complexidade, formalização e centralização. Depois, os Processos Organizacionais como poder, tomada de decisão, comunicação e mudança. E em seguida falaremos brevemente sobre o ambiente em que se insere a Administração Pública. Feitas essas análises poderemos chegar a uma conclusão: A Administração Pública é estruturalmente compatível ou não com o instituto da Arbitragem?

4.2. O RGANIZAÇÃO

Segundo RICHARD H. HALL (2004, p. 30): Uma organização é uma coletividade com uma fronteira relativamente identificável, uma ordem normativa (regras), níveis de autoridade (hierarquia), sistemas de comunicação e sistemas de coordenação dos membros (procedimentos); essa coletividade existe em uma base relativamente contínua, está inserida em um ambiente e toma parte de atividades que normalmente se encontram relacionadas a um conjunto de metas; as atividades acarretam conseqüências para os membros da organização, para a própria organização e para a sociedade.

Para RICHARD H. HALL (2004, p. 1) as organizações estão inseridas na vida das pessoas com tamanha profundidade que sua presença chega a passar despercebida. Escolas, hospitais, sistemas de saúde e saneamento, rede de transportes, etc. todas possuem direta ou indiretamente a atuação de alguma organização. Inclusive a família pode ser considerada uma organização em um dado sentido. Apesar da referência a todas essas instituições como organizações elas possuem diferenças visíveis entre elas (HALL, 2004, p. 35). É possível perceber a diferença que existe entre uma escola e um hospital justamente pela existência de fronteiras que separam uma organização da outra. Dentro de suas fronteiras as

58

organizações são "construídas". As organizações possuem estruturas, são organizadas por processos e estão inseridas em um dado ambiente. Todo esse conjunto de estrutura, processo e ambiente faz com que uma organização adquira uma característica que a distingue de outra. Uma dada combinação desses fatores pode fazer com que uma organização seja mais flexível ou mais rígida; geradora de mudanças ou apenas reativa a elas; seja capaz de sobreviver ou esteja fadada a extinção.

4.3. E STRUTURA O RGANIZACIONAL

4.3.1. Complexidade

A complexidade envolve três tipos de diferenciação: diferenciação horizontal, diferenciação vertical e dispersão geográfica (HALL, 2004, p. 51). A diferenciação horizontal subdivide a organização em especialidades (HALL, 2004, p. 51). O Poder Público é dividido em especialidades, existem agentes públicos das mais variadas áreas do saber. Existem contadores, advogados, economistas, administradores, engenheiros, médicos, etc. A diferenciação vertical se refere a hierarquia existente em uma estrutura organizacional (HALL, 2004, p. 53). Os Entes da Administração Pública pela sua própria estrutura e organização possuem hierarquias relativamente grandes. A dispersão geográfica é: (...) o elemento final da complexidade, a dispersão geográfica, pode, na realidade, ser uma forma de diferenciação horizontal e vertical, isto é, as atividades e o pessoal podem estar dispersos geograficamente, de acordo com as funções horizontais ou verticais, por meio da separação dos centros de poder ou das tarefas. (HALL, 2004, p. 53)

Um exemplo que demonstra a complexidade dos Entes da Administração Pública pode ser a Secretaria da Receita Federal do Brasil, pertencente à Administração Pública Direta.

59

Analisando a diferenciação horizontal, a Receita Federal do Brasil é um dos órgãos pertencentes ao Ministério da Fazenda, assim como o são a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o Conselho Monetário Nacional, entre outros. Cada um desses órgãos pode ser relacionado na diferenciação horizontal do Ministério da Fazenda. No que se refere a diferenciação vertical verifica-se, por exemplo, na Receita Federal que ela é dividida em Serviços e estes por sua vez são divididos em Equipes. Cada serviço é dirigido por um chefe que coordena as atividades dos chefes de equipe, e estes por sua vez, coordenam as atividades de seus subordinados. Finalmente, a dispersão geográfica. Observa-se, no caso da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que ela é dispersa geograficamente ao longo de todo o território nacional. A Receita Federal está presente em cada Estado do Brasil e dentro dos Estados ela pode estar localizada em vários Municípios, além disso, dentro do Município ela pode ter seus prédios espalhados em diversos locais. Entes da Administração Pública pertencentes a União tendem a ser mais complexos que aqueles pertencentes aos Estados, estes, por sua vez, demonstram ser mais complexos que os Entes Municipais. Segundo HALL (2004, p. 61) existe uma relação entre crimes corporativos e complexidade de uma organização: "Sob essa formulação, as organizações podem tornar-se diversificadas e complexas a ponto de o alto escalão não ter condições de controlar as subunidades", isso significa que com o aumento da complexidade pode haver uma perda no controle, possibilitando assim, que alguns membros da organização a utilize para fins ilegais

4.3.2. Formalização

A formalização envolve as "regras e os procedimentos criados para lidar com as contingências enfrentadas pela organização" (HALL, 2004, p. 61). Porém, as regras e os procedimentos são apenas manifestações do verdadeiro objetivo da

60

formalização. O controle do comportamento dos indivíduos que pertencem a uma dada organização é a idéia-chave. Nesse sentido RICHARD H. HALL (2004, p. 61) se manifesta: (...) o comportamento de uma pessoa é vitalmente afetado pelo grau de tal formalização. O grau de julgamento delegado ao indivíduo é inversamente proporcional ao grau de programação prévia de seu comportamento pela organização. (...) De fato, o grau em que uma organização é formalizada constitui uma indicação das opiniões de seus decisores a respeito dos membros da organização. Caso se considere que os membros sejam capazes de exercer excelente julgamento e autocontrole, a formalização será reduzida; caso sejam considerados incapazes de tomar suas próprias decisões e exijam um grande número de regras para orientar seu comportamento, a formalização será substancial.

A Administração Pública pela sua própria natureza é formal, ou seja, deve obediência a Lei (princípio da legalidade). Praticamente toda sua estrutura é moldada pela Lei, restando limitadas e restritas zonas de discricionariedade 27, e mesmo assim, ainda é uma discricionariedade limitada por Lei. Verificou-se até agora que organizações formalizadas demonstram não ter confiança na capacidade de seus integrantes para tomar decisões, porém RICHARD H. HALL (2004, p. 5) identificou uma peculiaridade interessante no que se refere às organizações burocráticas: Em um estudo importante, Kohn (1971) identificou uma pequena, porém constante, tendência de as pessoas que trabalham em organizações mais burocratizadas serem mais flexíveis intelectualmente, mais abertas a novas experiências e mais autoorientadas do que aquelas que trabalham em ambientes nãoburocratizados. As condições ocupacionais das pessoas afetam e são afetadas pela sua dinâmica psicológica (Kohn e Schooler, 1978, 1982). No que diz respeito ao trabalho em um ambiente burocratizado, Kohn atribui as descobertas ao fato de que as organizações burocratizadas exigem que sua equipe de trabalho tenha um maior nível educacional e também oferecem proteção ao emprego, salário maior e trabalho mais complexo. A implicação desses estudos é que o trabalho em organizações não é necessariamente embrutecedor para o indivíduo.

27

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (2003. p. 48) assim conceitua a discricionariedade: "Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente".

61

Observa-se agora a existência de dois argumentos contraditórios sobre o tema formalização. De um lado a formalização entendida como falta de confiança na capacidade de julgamento do indivíduo e do outro a verificação de que esses indivíduos possuem boa qualificação intelectual. Contudo, essa contradição é apenas aparente, pois confunde o conceito de formalização com burocracia. A formalização é um conjunto de regras e procedimentos destinados ao controle organizacional (HALL, 2004, p. 61). A burocracia por sua vez é um modelo de administração (ANDRADE, 2005, p. 92). A burocracia como modelo de administração possui três características elementares: hierarquização, impessoalidade, e profissionalismo. Sobre esses aspectos, THALES DE ANDRADE (2005, p. 93) comenta: Elas [organizações burocráticas] são sistemas sociais formais, em que a autoridade deriva de normas legais exaustivamente especificadas, tornando o comportamento de todos os funcionários altamente previsível e controlado. A hierarquização das funções e a atribuição de responsabilidades aos funcionários são geralmente rígidas e controladas por estatutos, de modo a evitar superposições e imprevistos. Essas organizações apresentam uma metódica divisão horizontal de trabalho, de modo que as diferentes atividades são distribuídas de acordo com os objetivos a serem atingidos. A impessoalidade é outra marca da burocracia. Nela são os cargos, e não as pessoas, que tomam as decisões. Quando um funcionário toma certa atitude, é esperado que esta tenha sido imparcial e baseada somente em aspectos técnicos e profissionais. As suas preferências pessoais e valores não devem interferir nas escolhas, pois tirariam sua legitimidade. A obediência do subordinado ao seu chefe deve seguir o mesmo padrão impessoal, de modo que as qualidades de liderança deste são menos importantes que o cargo hierárquico que ele ocupa. O burocrata tende a ser um profissional, o que implica ter uma especialidade técnica e exercer uma única função. Quanto mais específico seu cargo, melhor deverá ser seu desempenho. Ele não possui diretamente os meios de administração e produção, tendo certo controle somente do seu cargo e respectivas atribuições. Mas mesmo assim ele está sempre submetido a controles e avaliações de desempenho através de auditorias ou processos internos.

Destaca-se com isso que a formalização não significa necessariamente uma falta de confiança quanto a capacidade intelectual de seus membros, ele é um elemento do modelo de administração burocrática que visa o controle e a previsibilidade de ações de seus membros de forma a evitar surpresas e ações divergentes dos objetivos da organização. Desta forma, pode-se observar que não

62

existe conflito entre formalização e alta capacidade intelectual dos indivíduos que compõem uma organização. Porém, isso não que dizer que a organização burocrática não possua defeitos e contradições, o que se constata é que a formalização, quando excessiva, acaba por gerar um desvio nos objetivos de uma organização, ou seja, "as regas tornam-se mais importantes do que as metas que ajudam a cumprir" (HALL, 2004, p. 66). Esse apego as regras resultam em uma rigidez organizacional dificultando o seu contato mais próximo com os clientes e sua adaptação as mudanças do ambiente (HALL, 2004, p.66), além disso, é um fator que gera alienação dos indivíduos que trabalham em tais organizações (HALL, 2004 p. 68). A alienação é uma constatação que se agrava ao serem analisados concomitantemente dois elementos da administração burocrática: o formalismo e o profissionalismo. Sobre isso RICHARD H. HALL (2004, p. 68) nos apresenta as conclusões de um estudo realizado com profissionais de organizações formalistas: Os profissionais foram estudados porque contribuem para a organização com um conjunto de padrões de origem externa (profissional), pelos quais podem orientar seu próprio comportamento. A presença de diretrizes organizacionais (formalização) é, portanto, uma duplicação das normas que, provavelmente, são encaradas como menos válidas do que as da profissão envolvida. Portanto, para os profissionais, quanto maior o grau de formalização na organização, maior a probabilidade de alienação no trabalho.

Tal alienação não leva apenas a uma frustração e perda da satisfação pela tarefa desempenhada na organização, mas também a uma alienação nos relacionamentos humanos mais próximos (HALL, 2004, p. 68). No caso da Administração Pública o excesso de formalização é algo a ser analisado, devendo ser ponderado se ela está sendo direcionada para uma mera obediência ao formalismo da Lei ou se caminha para o seu objetivo principal que é a satisfação do interesse público. De uma forma geral podemos considerar que a obediência a Lei está relacionado ao interesse público, mas isso não é uma verdade incontestável. Não podemos nos esquecer, também, que a satisfação com a atividade desempenhada pelo agente público é de grande importância. É necessário que ele se sinta motivado com o trabalho que faça, pois a insatisfação gera o descompromisso psíquico com os objetivos da organização, tornando o indivíduo apático e alienado. Ele se torna um mero seguidor de regras e procedimentos,

63

distanciando-se totalmente de sua missão organizacional que é o atendimento das necessidades de interesse público.

4.3.3. Centralização

Centralização envolve a idéia de distribuição do poder, e não apenas de decisão. Para RICHARD H. HALL (2004, p. 71): Centralização não é somente uma questão de quem toma as decisões. Se o pessoal em níveis inferiores da organização estive tomando muitas decisões, mas estas forem 'programadas' por políticas organizacionais, permanecerá um alto grau de centralização.

Verifica-se que pelo princípio da legalidade que os agentes Administração Pública tem um atuar discricionário limitado, portanto as decisões que tomam não podem ser consideradas como uma verdadeira descentralização. Não existe autonomia e nem liberdade de escolha. Sendo assim os Entes da Administração Pública podem ser considerados como organizações centralizadas. Segundo THALES

DE

ANDRADE (2005, p. 93) existe um problema que surge

quando é analisado a centralização de decisão com o sistema de comunicação de uma organização: Há uma tendência crescente para a centralização das decisões e um complicado sistema de comunicação entre os diferentes setores através de recursos e memorandos, que tornam difícil a visualização total das atividades desenvolvidas pelo conjunto do sistema.

O processo de comunicação será mais detalhado na subseção 4.4.3.

64

4.4. P ROCESSOS O RGANIZACIONAIS

4.4.1. Poder

O poder é considerado uma variável relacional. "O poder não tem significado, a não ser que seja exercido" (HALL, 2004, p. 103). Isso significa dizer que o poder não existe por si só, ele só se manifesta se exercido contra alguém. Por isso diz-se que "as relações de poder acarretam dependência mútua" (HALL, 2004, p. 104), ou seja, só existe poder se houver a relação de um ato de poder por uma parte e a obediência de outra. A recusa a obediência gera o conflito (HALL, 2004, p. 118). Para entender a motivo que leva alguém ou um grupo a obedecer e a se submeter aos atos de poder de outro devemos compreender os tipos puros de dominação apresentados pelo sociólogo alemão Max Weber. Weber apresenta três tipos puros de dominação: a tradicional, a carismática e a racional-legal. A dominação tradicional é aquela que tem por origem crenças e costumes, sendo assim: A dominação tradicional se caracteriza pelo respeito aos costumes e regras cristalizadas no tempo. Os soberanos e patriarcas antigos são exemplos claros de lideres assentados na tradição, em que a hereditariedade e os rituais transmitidos pelas gerações estabelecem as normas de dominação e controle social (ANDRADE, 2005, p. 91).

A dominação carismática "origina-se da dedicação a um detentor de poder específico e baseia-se em suas característica pessoais" (HALL, 2004, p. 106). Isso que dizer que a dominação baseada no carisma se deve: (...) a capacidade excepcional de liderança e comando de um herói ou fundador de uma nova ordem social. A dominação carismática surge geralmente para interromper uma tradição e criar uma nova modalidade de domínio. Todo líder carismático almeja estabelecer uma nova ordem das coisas, utilizando uma mensagem nova e conceitos diferenciados da tradição.

65

Como conseqüência, pode-se prever que uma autoridade carismática hoje pode se tornar uma autoridade tradicional com o passar do tempo (ANDRADE, 2005, p. 91). O último tipo de dominação é o racional-legal "se baseia na crença do direito daqueles em posições elevadas de ter poder sobre os subordinados" (HALL, 2004, p. 106), em outras palavras, a dominação racional-legal: (...) é assentada na noção de direito que se liga a aspectos racionais e técnicos de administração. Esse tipo de dominação é muito presente na sociedade moderna, em que racionalidade e justiça se fundem. (ANDRADE, 2005, p. 92).

O tipo de dominação que prevalece em nossa sociedade moderna é o racional-legal, e nesse mesmo sentido a Constituição da República se expressa em seu artigo 1º ao mencionar que vivemos em um Estado Democrático de Direito, ou seja, não é a vontade de um líder que prevalece, mas a vontade soberana do povo manifestada nas Leis. Além disso a dominação racional-legal gera uma segurança aos subordinados, como nos apresenta THALES DE ANDRADE (2005, p. 91): Na dominação racional-legal sobressai seu caráter estatutário, ou seja, tanto os chefes como os funcionários precisam basear suas decisões em estatutos e normas escritas. Tanto em uma empresa capitalista com em um município, os detentores de poder só podem atuar baseados em regulamentos e decretos coerentes com documentos anteriores.

Visto as diferentes origens em que o poder surge é preciso saber como ele se manifesta nas organizações. Segundo RICHARD H. HALL (2004, p. 103) o poder pode se manifestar de seis formas diferentes nas organizações: autocracia; burocracia; tecnocracia; codeterminação; democracia representativa; e democracia direta. A seguir as explicações dadas pelo autor: Primeiro, organizações podem ser autocracias, nas quais o poder é detido por um indivíduo ou um pequeno grupo com controle absoluto. Segundo, organizações podem ser burocracias, nas quais as regras são escritas e as relações de poder claramente especificadas. Terceiro, organizações podem ser tecnocracias, nas quais o conhecimento e a especialização governam o sistema. Quarto, organizações podem ser governadas por codeterminação, por meio da qual partes em oposição na organização partilham o sistema de comando. Quinto, organizações podem ser democracias representativas, nas quais os dirigentes são eleitos e atuam durante mandatos específicos ou durante o tempo em que contarem com apoio dos membros. (...). Finalmente, organizações podem ser democracias diretas, nas quais todos participam e possuem o direito de governar. (HALL, 2004, p. 103)

66

RICHARD H. HALL (2004, p. 103) expressa que essas formas de manifestação do poder estão presentes em organizações em tipos mistos. Um exemplo disso é a própria Administração Pública, onde a relação de poder se manifesta pela burocracia e tecnocracia, principalmente.

4.4.2. Tomada de Decisão

Tomar decisão "é identificar e selecionar um curso de ação para lidar com um problema específico ou extrair vantagens em uma oportunidade" (CHIAVENATO, 1999, p. 285). Um problema pode ser qualificado como "tudo aquilo que está fora do estabelecido e que bloqueia o alcance dos resultados esperados" (CHIAVENATO, 1999, p. 285) e uma oportunidade seria "uma situação que ocorre quando as circunstâncias oferecem uma chance para a organização exceder seus objetivos estabelecidos" (CHIAVENATO, 1999, p. 286). Contudo, a tomada de decisão não visa apenas a solução de problemas ou as vantagens de uma oportunidade, ela serve principalmente para dar um rumo estratégico para a organização (HALL, 2004, p. 145). Estratégia, segundo o dicionário HOUAISS, pode ser entendido como o "planejamento de uma ação para conseguir um resultado". Uma definição simples, mas que esconde a complexidade de todo um "mundo" que se encontra encoberto pela palavra "planejamento". Segundo HENRY MINTZBERG (2000, p. 14) o planejamento estratégico pode variar desde atitudes tomadas com base na análise formal e racional de informações ou ter como fundamento o feeling do líder de uma organização. Desta forma HENRY MINTZBERG (2000, p.13 e 14) identifica o processo de formulação de estratégia em dez escolas, que resumidamente seriam: 

A Escola do Design: A estratégia seria formulada como um processo de concepção.



A Escola do Planejamento: A estratégia seria formulada como um processo formal.

67



A Escola do Posicionamento: A estratégia seria formulada como um processo analítico.



A Escola Empreendedora: A estratégia seria formulada como um processo visionário.



A Escola Cognitiva: A estratégia seria formulada como um processo mental.



A Escola do Aprendizado: A estratégia seria formulada como um processo emergente.



A Escola do Poder: A estratégia seria formulada como um processo de negociação.



A Escola Cultural: A estratégia seria formulada como um processo coletivo.



A Escola Ambiental: A estratégia seria formulada como um processo reativo.



A Escola de Configuração: A estratégia seria formulada como um processo de transformação.

Não pertence ao escopo desse trabalho fazer a análise pormenorizada de cada Escola, elas foram apresentadas apenas para demonstrar que não existe uma única forma de planejar, mas diversas formas. Não se pode dizer que uma é mais correta que a outra, pois cada uma possui seus pontos fortes e fracos, e para cada tipo de organização existe um processo de formulação de estratégia mais adequado. No caso da Administração Pública o tipo de planejamento estratégico utilizado se aproxima mais da Escola do Planejamento. Segundo MINTZBERG (2000, p. 44) essa Escola teve grande sucesso na década de 70: As mensagens centrais da escola do planejamento sintonizavam perfeitamente com toda a tendência em ensino de Administração e com a prática empresarial e governamental: procedimento formal, treinamento formal, análise formal, muitos números. A estratégia deveria ser guiada por um quadro de planejadores altamente educados, uma parte de um departamento especializado de planejamento estratégico com acesso direto ao executivo principal.

68

Percebe-se que para a Escola do Planejamento a tomada de decisão segue procedimentos formais e racionais. Contudo a racionalidade do planejamento é algo a ser questionado. Isso porque as decisões são tomadas com base na "racionalidade limitada" (HALL, 2004, p. 150). RICHARD H. HALL (2004, p. 150) nos explica o motivo de considerar essa racionalidade limitada: Os limites da racionalidade encontram-se vinculados à inabilidade do sistema, como um todo, de proporcionar o máximo de informações, ou mesmo informações adequadas para a tomada de decisões, e à inabilidade do decisor para processar intelectualmente até mesmo as informações inadequadas disponíveis. Deixando de lado, para o momento, o aspecto da informação, torna-se claro que, quanto mais importante for uma decisão para a organização, maior o número de fatores que contribuirão para a condição da organização no momento em que a decisão tiver de ser tomada e maior o alcance das suas conseqüências. A habilidade intelectual para lidar com esses fatores muito numerosos simplesmente não se encontra disponível, entre os líderes organizacionais atuais e passados, no grau em que eles e os afetados pelas decisões desejariam.

A fragilidade não se encontra apenas no aspecto racional, mas também no excesso de formalismo adotado por essa Escola. O planejamento formal realizado por uma equipe de especialistas gera um distanciamento entre pensamento e ação (MINTZBERG, 2000, p. 59), no entender de HENRY MINTZBERG (2000, p. 59) trata-se de uma administração por controle remoto, onde o planejador-especialista fica em sua sala fechada a espera de informações sobre sua organização e o ambiente em que se encontra. Ele não precisa "ver" a realidade, contenta-se em apenas "ler" relatórios e com base nessas informações (observa-se que tais informações são limitadas pela própria capacidade humana de compreensão do mundo) tomar decisões que afetarão a vida de todos os que estão na organização ou que com ela se relacionam. MINTZBERG (2000, p. 59) ironiza tal forma de administração no seguinte trecho de seu livro: É claro que o truque é levar as informações relevantes para cima, para que os dirigentes, "no alto", possam ser informados a respeito das conseqüências dos detalhes, "lá embaixo", sem terem de se envolver neles. E espera-se que isso seja realizado com "dados reais" agregados quantitativos dos "fatos" detalhados a respeito da organização e seu contexto, perfeitamente empacotados para uso imediato. Assim, a "cabeça" - executivos e planejadores - pode formular de modo que todo o pessoal possa cuidar da implementação.

Outra crítica ao planejamento formal é que ele parte da premissa de que uma "organização deve ser capaz de prever o curso do seu ambiente, controlá-lo ou

69

simplesmente assumir sua estabilidade" (MINTZBERG, 2000, p. 57), de outra forma não faria sentido "fixar o curso de ação inflexível que constitui um plano estratégico" (MINTZBERG, 2004, p. 57). O planejamento estratégico "requer não só previsibilidade, depois de formada a estratégia, mas também estabilidade durante sua formação" (MINTZBERG, 2004, p. 58), desta forma tanto o planejamento como sua implementação precisariam estar em um ambiente totalmente estável, fixo e inalterado. Apesar desta críticas o planejamento formal para tomada de decisões não é algo ruim para as organizações, ela possibilita uma maior racionalidade para as atitudes tomadas, pois avalia viabilidades e possibilidades de ações, trazendo o processo de tomada de decisão para uma base mais segura (MINTZBERG, 2000, p. 65). É mais indicado para organizações que se encontram em ambientes mais estáveis, controlados e previsíveis (MINTZBERG, 2000, p. 66). O planejamento formal, possui problemas, mas devido as características da Administração Pública e por ela estar presente em um ambiente relativamente estável e controlado, essa forma de tomar decisões estratégicas ainda se apresenta mais adequada.

4.4.3. Comunicação

A comunicação exerce uma grande influência na organização, pelo simples fato de que para que haja uma simples e insignificante interação é preciso uma forma de comunicação. Sendo assim, para IDALBERTO CHIAVENATO (1999, p. 518): Comunicação é a transmissão de uma informação de uma pessoa a outra ou de uma organização a outra. A comunicação é o fenômeno pelo qual um emissor influencia e esclarece um receptor. Mais do que isso, comunicação é o processo pelo qual a informação é intercambiada, compreendida e compartilhada por duas ou mais pessoas, geralmente com a intenção de influenciar o comportamento. Assim, a comunicação não significa apenas enviar uma informação, mas torná-la comum entre as pessoas envolvidas.

RICHARD H. HALL (2004, p. 157) ressalta o aspecto relacional da comunicação e os motivos que possam levar a distorções das mensagens:

70

O processo de comunicação é, por definição, de natureza relacional; uma parte é o emissor; a outra, o receptor, em uma ocasião específica. O aspecto relacional da comunicação, obviamente, afeta o processo. As relações sociais que ocorrem no processo de comunicação envolvem o transmissor e o receptor e seus efeitos recíprocos para cada um, à medida que se comunicam. Se um transmissor ficar intimidado por um receptor durante o processo de envio de uma mensagem, ela própria e sua interpretação serão afetadas. Intimidação é apenas um entre múltiplos fatores dotados de potencial para impedir o relacionamento simples transmissor-receptor. Diferenças de status, modelos de percepção diferentes, atração sexual e outros fatores podem fazer parte do quadro e conduzir a distorções daquilo que está sendo enviado e recebido.

O processo de comunicação nunca é perfeito28, pois sempre podem surgir ruídos (CHIAVENATO, 1999, p. 520) provenientes de fontes internas (sentimentos, interpretação, nível de compreensão do assunto, etc.) ou externas (sons paralelos, distrações ambientais, etc.). Devido a esses problemas que existem na comunicação na realidade, RICHARD H. HALL (2004, p. 157) procura criar um conceito sobre o que seria a comunicação ideal e dessa forma conseguir analisar essa variável organizacional, sendo assim: As comunicações, nas organizações, devem proporcionar informações precisas, com as implicações emocionais apropriadas, para todos os membros que precisam do conteúdo da comunicação. Isso supõe que nem um excesso ou uma falta de informação se encontra no sistema, estando claro, desde o início, quem pode utilizar aquilo que está disponível.

Em um sistema burocrático a comunicação ocorre principalmente na forma escrita, através de relatórios, memorandos, informativos, editais, etc.. Ao fazer uso da linguagem escrita evita-se em grande parte o problema da distorção da mensagem ao longo que ela caminha pela organização, mas não impede que ocorra. A comunicação escrita pode ser bem eficaz quando bem estruturada. Porém problemas como grau de escolaridade, dificuldade de interpretação, informações confusas ou omissas, informações altamente técnicas, preenchimento incorreto das informação, dentre outros, podem prejudicar a comunicação escrita gerando como conseqüência conflitos dentro da organização.

28

Segundo HALL (2004, p. 167): "Deve ficar claro que as comunicações não são perfeitas nas organizações. A conseqüência básica dos sistemas de comunicação existentes é que as mensagens são transformadas ou alteradas à medida que passam pelo sistema. O fato de elas serem transformadas significa que o destinatário final da mensagem recebe algo diferente daquilo que foi enviado originalmente, prejudicando, desse modo, a intenção do processo de comunicação"

71

4.4.4. Mudança

A mudança existe em toda e qualquer organização (HALL, 2004, p. 172), e ela ocorre por um simples motivo: tudo o que existe no mundo está em movimento, nada fica parado no tempo. Adaptar-se as mudanças ambientais não é uma questão de escolha, mas de necessidade de sobrevivência (HALL, 2004, p. 173). Apesar de a mudança ser necessária, ela é por vezes difícil de ser implementada. E isso acontece porque as próprias organizações criam "obstáculos mentais" nos indivíduos (HALL, 2004, p.175). "Isso acontece à medida que o pessoal é selecionado e treinado para realizar o que era feito no passado da maneira com era feito no passado" (HALL, 2004, p. 175). As pessoas se acostumam com aquilo que fazer, e ao ser determinado que mudem a forma como tradicionalmente se comportem é natural que exista uma resistência, uma vez que a mudança é desconfortável e ameaçadora (HALL, 2004, p. 175). A resistência se deve principalmente a algo conhecido como cultura organizacional. A cultura organizacional, para IDALBERTO CHIAVENATO (1999, p. 172 e 173): (...) representa as normas informais e não-escritas que orientam o comportamento dos membros de uma organização no dia-a-dia e que direcionam suas ações para o [sic] realização dos objetivos organizacionais. (...). Assim, cultura organizacional é o conjunto de hábitos e crenças, estabelecidos através de normas, valores, atitudes e expectativas compartilhadas por todos os membros da organização. A cultura espelha a mentalidade que predomina em uma organização. (...) é a maneira como cada organização aprendeu a lidar com o seu ambiente.

As

organizações

burocráticas,

pelas

suas

próprias

características

estruturais, tendem a ter mais dificuldades para a mudança (HALL, 2004, p. 174). Mas também se verifica que essa aversão a mudança pode ser agravada pelo medo da mudança (HALL, 2004, p. 175) gerado principalmente pelo apego a cultura organizacional. Organizações burocráticas, como as pertencentes a Administração Pública, foram idealizadas para ambientes estáveis e controlados, sendo assim existem em seu interior uma cultura da estabilidade e da previsibilidade. Essas característica fazem das organizações burocráticas um sistema rígido e avesso a mudanças.

72

4.5. A MBIENTES O RGANIZACIONAIS

O ambiente, segundo IDALBERTO CHIAVENATO (1999, p. 78) "é tudo aquilo que envolve externamente uma organização", em outras palavras, o ambiente é "tudo o que está além das fronteiras ou limites da organização" (CHIAVENATO, 1999, p. 78). Pelo fato das organizações se situarem dentro de um determinado ambiente, este é capaz de interferir no funcionamento daquelas. O ambiente é uno, mas para ser estudado pode ser dividido em dimensões. As dimensões ambientais segundo RICHARD H. HALL (2004, p. 194) são classificadas em sete condições: 

Condição Tecnológica: Inovações tecnológicas e no conhecimento, podem alterar a forma como a organização realiza suas tarefas - ex.: substituição das máquinas de escrever pelos computadores.



Condição Legal: Aspectos relativos a legislação vigente e interpretação de leis - ex.: Uma nova lei ambiental pode criar obrigações para uma organização que ela não possuía antes.



Condição Política: Modificações legislativas, sociais e

econômicas

dadas pelas mudanças políticas do Estado - ex.: com a eleição de um novo governo, podem surgir prioridades de ação governamental que prejudiquem ou beneficiem uma determinada organização. 

Condição Econômica: Condições econômicas estáveis e instáveis refletem de forma diferente em organizações diferentes - ex.: A baixa do dólar pode aquecer o mercado de viagens turísticas para o exterior, mas prejudicar as exportações nacionais.



Condições Demográficas: O número de pessoas que existem em uma dada localidade, o sexo, a idade, a renda, etc. são fatores que afetam o planejamento

estratégico

de

uma

organização

-

ex.:

Com

o

envelhecimento da população novos nichos de mercado surgem, como academias para a terceira idade.

73



Condições Ecológicas: Toda organização gera impactos nos locais em que se encontram, mas o ambiente também afeta as organizações. Neste sentido HALL (2004, p. 200) explica: Fatores como clima e geografia estabelecem limites para o modo como as organizações alocam recursos. Custos de transporte e comunicação poderão elevar-se se uma organização estiver distante de seus mercados e clientes. Até itens tão comuns como despesa com aquecimento e ar condicionado precisam ser considerados como limitantes em uma organização.



Condição Cultural: Organizações tanto moldam como são moldadas pela cultura do ambiente em que se encontram - ex.: A cultura norteamericana é mais formalista e suas relações são baseadas em contratos escritos, ao passo que no oriente-médio mais vale aquilo que foi convencionado oralmente pelas partes do que o que foi escrito no "papel".

Percebe-se até agora que as organizações estão inseridas em um dado ambiente, que este as influencia e é influenciado por elas. Mas a organização não pode permitir que todas as informações ambientais entrem nela, pois o volume seria tão grande que não seria possível processá-las. Nesse sentido HALL (2004, p. 204) se manifesta: Temos avançado como se o ambiente fosse simplesmente algo 'lá fora', distante da organização, que todas as pessoas na organização podem facilmente observar e identificar. Seria prático se esse fosse o caso, mas não é. O ambiente penetra na organização sob a forma de informação e, como toda informação, está sujeito aos problemas de comunicação e tomada de decisões que foram identificados. Informações ambientais são informações a ser processadas. (...) Uma organização seleciona os aspectos do ambiente com os quais lidará.

Verifica-se que as organizações precisam selecionar as informações que consideram relevantes, mas a questão que se levanta neste momento é: até que ponto essas informações são reais? Tal questão se torna relevante pelos estudos de HENRY MINTZBERG (2000). Para este autor existem duas formas de conhecer o ambiente: uma objetiva e outra subjetiva (MINTZBERG, 2000, p. 116). Segundo a corrente objetiva o ambiente existe, ele possui inter-relações e é um emaranhado complexo e os indivíduos ou organizações precisam compreendê-lo através de sua racionalidade limitada (MINTZBERG, 2000, p. 116).

74

Para a corrente subjetiva o ambiente é uma criação da organização, ou melhor, das pessoas que compõe a organização. O ambiente não existe o que ocorre no mundo são apenas ações sem sentido, é a nossa mente que cria a relação entre os acontecimentos, dando um sentido aquilo que é caótico (MINTZBERG, 2000, p. 116). Neste ponto é preciso determinar qual corrente seguir, sendo assim, opta-se pela corrente objetiva, por um simples motivo, se o ambiente não existisse, ele não poderia interferir e nem atingir as organizações, mas como RICHARD H. HALL (2004, p. 205) ressalta o ambiente pode gerar pressões nas organizações e causar vulnerabilidades nas organizações. Como se verificou, ao analisar as dimensões ambientais, as organizações podem sofrer ou se beneficiar das mudanças ocorridas. Com base nessas informações, a respeito do ambiente, é possível traçar as características, mesmo que superficialmente, do ambiente que envolve a Administração Pública. Este é um ambiente controlado pela Política e Legislação. Desta forma é possível dizer que se trata de um ambiente previsível e estável onde as mudanças ocorrem lentamente. Em um ambiente como este uma organização não precisa se esforças muito e nem a se dedicar a encontrar novas formas de realizar suas tarefas, pois tudo funciona como sempre funcionou. O grande problema de um ambiente como este é que ele gera comodismo e inércia, e por conseqüência uma aversão a mudança e ao novo. A rigidez e a inflexibilidade do sistema burocrático aliado a estabilidade do ambiente em que se encontra pode fazer com que o sistema se torne ineficiente e sucateado com o tempo. A estabilidade do ambiente público não encontra similaridade com o caos do ambiente privado. Sendo assim, as organizações dos ambientes públicos tendem a se distanciar cada vez mais daquelas pertencentes a ambientes privados. Isso não que dizer que as organizações públicas devam igualar o seu modo de administração as organizações privadas, isso não seria adequado e nem desejável, pois cada ambiente é destinado para uma função. O ambiente privado visa a competição e o interesse privado, enquanto que o ambiente público a harmonia e interesse público. São mundo diferentes mas que se relacionam. O problema do atraso das organizações pertencentes ao ambiente público se apresenta quando estas organizações se relacionam com as pertencentes ao

75

ambiente privado. A morosidade e o excesso de formalidades do sistema público geram impactos negativos nas organizações privadas. E estes, por sua vez, resultam inevitavelmente na competitividade das empresas. Conclui-se que a necessidade de mudança das organizações públicas não parte do ambiente em que se encontra, mas de um ambiente estranho a elas, que seria o ambiente privado. E isso se deve ao fato de que esses dois ambientes só existem porque coexistem, um não seria capaz de viver sem o outro. Eles não possuem autonomia, estão ligados por laços indissociáveis.

4.6. A A DMINISTRAÇÃO P ÚBLICA E A A RBITRAGEM

Feitas todas essas análises, passa-se a última pergunta: a Administração Pública e a Arbitragem são institutos compatíveis? Verifica-se que existe compatibilidade legal - a lei prevê a possibilidade de utilizar a Arbitragem como meio de resolução de conflitos entre a Administração Pública e o particular, em alguns casos. Porém, a estrutura organizacional e o ambiente em que a Administração Pública se encontra nos leva a uma resposta negativa. No entanto não cabe a este trabalho resolver esta contradição. O objetivo foi apenas apresentar a sua existência, e demonstrar que a barreira legal (princípio da legalidade) não é o único fator que afeta o comportamento das organizações públicas. Fatores estruturais, ambientais e culturais das organizações são tão relevantes quanto as leis que a Administração Pública deve obedecer. Porém ao contrário das leis que são facilmente modificadas, os outros fatores (estrutura, ambiente e cultura) levam mais tempo. É fácil alterar prazos e procedimentos, mas é difícil alterar um comportamento.

76

CONCLUSÃO

No dia em que Rocha e Água se encontraram o conflito foi inevitável. Rocha e Água se encaravam mutuamente e com muita desconfiança, toda aquela situação era muito estranha para elas e até desconfortável. E assim permaneceram, em silêncio, durante um longo tempo. Comunicavam apenas por olhares. Foi então que a Rocha exclamou com grande susto, chamando rapidamente a atenção da Água. A Rocha percebera que parte dela havia se transformado em Areia devido ao contato com a Água. Esta também notou uma mudança em seu aspecto. A Água verificou que devido ao contato com a Rocha a sua coloração estava se alterando, talvez devido aos minerais presentes na Rocha. Foi então que elas decidiram quebrar o silêncio, pois perceberam que querendo ou não a existência de uma estava interferindo na da outra. A interação entre elas era algo que estava acima de suas capacidades de controle. Por mais que quisesse a Água não conseguia parar de erodir a Rocha e nem esta podia evitar que seus minerais entrassem em contato com a Água. Água e Rocha tiveram que aprender a conviver... O ambiente público (Rocha) e o ambiente privado (Água) se comunicam e interagem. Verificou-se que as organizações públicas são caracterizadas por sua administração

altamente

burocrática,

principalmente

porque

devem

seguir

estritamente a vontade da Lei. São estruturadas para serem hierárquicas, formais e centralizadas. Tal estrutura está intimamente ligada com os processos dessas organizações. Por serem hierárquicas e centralizadas o poder é algo que se manifesta de cima para baixo, e por isso também podemos dizer que as decisões de maior importância são tomadas no topo da hierarquia. Devido a sua formalidade, originada em lei (princípio da legalidade), mesmos as decisões tomadas são controladas e balizadas. Nas organizações burocráticas a palavra de ordem é: controle.

77

O ambiente das organizações burocráticas públicas também é controlado pela política e legislação. Desta maneira ele tende a ser mais estável e previsível. Uma organização sendo burocrática, rígida e inflexível e estando inserida em um ambiente estável e previsível, tende a ter uma cultura mais conservadora, tradicional e distante de riscos. A mudança é vista com desconfiança e encarada de forma receosa. Tais características das organizações da Administração Pública podem se manifestar no sentido de criar barreiras a utilização da Arbitragem como forma alternativa de resolução de conflitos. A crença de que o judiciário proporciona mais segurança ainda é muito forte. A lei expressamente permite a opção pela Arbitragem em alguns casos, sendo assim o poder de escolha está a cargo da Administração Pública. É ela que deve decidir se prefere resolver um possível conflito de forma judicial ou extrajudicial. Cabe a Administração Pública verificar se a Arbitragem atende ou não aos seus objetivos. Lembrando que o objetivo primordial da Administração Pública, que também é o seu maior dever, é o atendimento do interesse público.

78

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Thales de. Max Weber: o pensamento sociológico de Max Weber. in: LEMOS FILHO, Arnaldo; et al.. Sociologia geral e do direito. 2ª ed. São Paulo: Alínea, 2005. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006. ________. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2003. BLANCHET, Luiz Alberto. Curso de direito administrativo. 4ª edição. Curitiba: Juruá, 2005. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. O modelo estrutural de governança pública. disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2007/07.06.ModeloEstruturalGovernaçaPubl ica.pdf . Acessado em: 17/02/2008. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter. Reforma do estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2006. CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 1999. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19 edição. São Paulo: Atlas, 2006. GRINOVER, Ada Pellegrini. Arbitragem e prestação de serviços públicos. Revista IOB de Direito Administrativo. São Paulo, v. 1, n. 7, p. 26-34, jul. 2006.

79

HALL, Richard H. Organizações: estruturas, processos e resultados. São Paulo: Prentice Hall, 2004. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006. LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem na administração pública: fundamentos jurídicos e eficiência econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. LIMA, Alex Oliveira Rodrigues de. Arbitragem: um novo campo de trabalho. 2ª edição. São Paulo: Iglu, 2000. LIMA, Cláudio Vianna de. A arbitragem no tempo - O tempo na arbitragem. in: José Maria Rossani Garcez (coord.). A arbitragem na era da globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997. MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995. MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica: para o curso de direito. São Paulo: Atlas, 2000. MEDEIROS, Suzana Domingues. Arbitragem envolvendo o estado no direito brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 233, p. 71-101, jul. / set. 2003. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999. MINTZBERG, Henry. Safári de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto Alegre: Bookman, 2000. OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. A arbitragem e as parcerias públicoprivadas. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 241, p. 241-271, jul. / set. 2005. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. Legislações. Disponível http://www.presidencia.gov.br/legislacao/. Acesso em: 25 de maio de 2008.

em:

80

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 16ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999. SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teoria da Administração. São Paulo: Thomson, 2004. SOUZA JR., Lauro da Gama e. Sinal verde para a arbitragem nas parcerias públicoprivadas: (a construção de um novo paradigma para os contratos entre o Estado e o investidor privado). Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 241, p. 121-157, jul./set. 2005. STRENGER, Irineu. Comentários à lei brasileira de arbitragem. São Paulo: LTr, 1998. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 37ª edição. Volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2001. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 5ª edição. volume 2 . São Paulo: Atlas, 2005.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.