Adoção de Maiores

July 21, 2017 | Autor: Aline Marino | Categoria: Adoção
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CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - Direito ADOÇÃO DE MAIORES: ANÁLISE DE CASO E CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS E PSICOLÓGICAS Autor: ALINE MARQUES MARINO Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) Orientador(es): Luiza Helena Lellis Andrade de Sá Sodero 1. Resumo Este artigo aborda o tema da adoção de maiores no ordenamento jurídico brasileiro, analisando as questões de relevância jurídica e psicológica que advêm do instituto da adoção, sobretudo nos aspectos familiar e socioeconômico. 2. Introdução O presente artigo científico terá como abordagem o tema da adoção, com ênfase à adoção de maiores no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, inicialmente, far-se-á o conceito e os lineamentos históricos da adoção em algumas civilizações e, em seguida, estudar-se-á um caso de adoção de maior ocorrido no Brasil e suas respectivas consequências jurídicas e psicológicas. 3. Objetivos O objetivo a ser proposto é um estudo in concreto, visto que o atual Código Civil (Lei n. 10.406/2001) deixou lacunas ao disciplinar tal modalidade de adoção. Sendo assim, torna-se relevante nos aspectos jurídico, social, econômico e psicológico a discussão desse assunto, a fim de propor e avaliar novos horizontes que poderão ser introduzidos na prática do direito, conforme análise categórica de cada instituto que compõe a adoção como um todo e o respectivo caso real a ser observado, interpretado e disciplinado de acordo com os princípios éticos e normológicos que norteiam o direito brasileiro, sobretudo o direito civil e, mais estritamente, os seus componentes diretamente relacionados à temática, como o Direito de Família, o Direito das Sucessões e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

4. Metodologia Os métodos utilizados serão a revisão bibliográfica, a análise sistemática e o estudo de um caso de adoção de maior baseado em fato verídico que, entretanto, não pode ser identificado devido à publicidade restrita dos autos do processo (“segredo de justiça”). 5. Desenvolvimento 5.1. Adoção: conceito e aspectos históricos relevantes Baseando-se nas definições formuladas por diversos autores, a civilista Maria Helena Diniz conceitua com precisão o instituto da adoção, sob o ponto de vista do atual ordenamento jurídico brasileiro, como sendo “o ato jurídico solene pelo qual alguém estabelece, irrevogável e independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha” (2009:520). Entretanto, tal conceito nem sempre foi concebido conforme essa perspectiva no decorrer da história, sendo que, atualmente, a adoção tem caráter afetivo e jurídico, enquanto que, na antiguidade, em algumas civilizações, era concebida no aspecto religioso e como forma de realização de rituais fúnebres, como o culto ao fogo sagrado, muito bem descrito por Fustel de Coulanges na obra A Cidade Antiga: “adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não pôde obter-se” (COULANGES, 1957, v.1:75, apud VENOSA, 2006:281). Os povos gregos, romanos e indianos (Código de Manu) e a Babilônia de Hamurabi são exemplos de que a adoção estava relacionada à religião. Com destaque especial, em Roma existiam duas modalidades de adoção: a adoptio e a adrogatio, sendo que, na primeira, não era exigida a intervenção dos pontífices nem do povo, ao contrário da última, que necessitava de forma solene e de intervenção do Estado, visto que estava relacionada ao culto doméstico e que, na ausência desse culto, o resultado seria a extinção de uma família. Em ambas as modalidades, eram exigidos os requisitos da idade mínima de sessenta anos para o adotante, a diferença de dezoito anos entre adotante e adotado e a inexistência de filhos naturais. Na época de Justiniano, surgiram duas formas de adoptio: adoptio plena (entre parentes) e adoptio minus plena (entre estranhos), o que determinou a nomenclatura da atual adoção estatutária, legitimante ou, também chamada, adoção plena (VENOSA, 2006:282283).

5.2. Adoção de maior: análise de caso Após as observações históricas colocadas em apreço no decorrer deste trabalho, estudar-se-á, neste tópico, um caso típico de Adoção de Maior ocorrido no Brasil, que pode ser assim sintetizado: Pedro viveu desde a tenra idade sob a guarda de Fernando e Isabel (à data do ajuizamento da adoção de maior, ambos tinham mais de setenta anos de idade), pois foi entregue pela mãe biológica, Ana, sendo que o então menor participou de toda a dinâmica familiar dos guardiães, como se filho natural fosse, recebendo, na medida do possível, todas as condições morais e materiais para um desenvolvimento humano digno e feliz. Quando Pedro tinha treze anos, Ana promoveu ação de regulamentação de visita, tentativa única de aproximação com o filho. No entanto, tal tentativa restou infrutífera, tendo em vista que, inclusive, a psicóloga e a assistente social, ouvidas nos autos através de laudos, concluíram pela nocividade do contato materno, depois de tantos anos de abandono, além de opinarem pela colocação definitiva do menor na família substituta, pois o próprio Pedro se recusava a ver a mãe. Transcorrida essa situação que perdurou a mais de vinte anos, a fim de regularizá-la, Pedro, em

unidade

de

desejos

com

Fernando

e

Isabel,

apresentaram a Ação de Adoção de Maior Capaz, que foi julgada

procedente,

conforme

procedimentos

legais,

constituindo o vínculo de filiação por adoção entre o adotado Pedro

e

os

adotantes

Fernando

e

Isabel

e,

consequentemente, as modificações necessárias no nome do adotado, após expedição e cumprimento do mandado para inscrição dos nomes dos adotantes como genitores, aplicando-se o art. 47 da Lei 8069/90, por analogia. A adoção, porém, consumou-se após a morte de Fernando (adoção post mortem).

Primeiramente, cabe analisar o preenchimento dos requisitos colocados no Código Civil (Lei n. 10.406/2001) para a adoção: adotantes com mais de dezoito anos de idade; adoção que constitua benefício ao adotado e, portanto, recomendável; diferença mínima de dezesseis anos de idade entre adotante e adotado; estabilidade familiar; e, o mais importante a considerar, a própria vontade de Pedro em ser adotado, visto que reconhece as figuras parentais em Fernando e Isabel pelos contextos histórico, social e cultural que vivenciou desde recémnascido, a contrario sensu do tratamento dispensado à mãe biológica que, como indicam os autos, abandonou o então adotado. Outros pontos que merecem destaque referem-se à intervenção judicial e ao consentimento do adotado ou de seu representante legal. Quanto ao último, convém esclarecer que na adoção de maiores não há necessidade, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), baseado na ausência do poder familiar. Em

relação

à

intervenção

judicial,

faz-se

necessário

um

estudo

pormenorizado. Assim, no CC 1916 não era exigida, visto que a adoção era feita por escritura pública (art. 134, I) e era considerada ato de direito privado, sendo, portanto, entendida como manifestação bilateral de vontade. Em contrapartida, no CC de 2002, a adoção, de menor ou de maior, é feita somente mediante processo judicial, com intervenção do Ministério Público, logo com marcante interesse público, o que afasta a noção contratual. Relevante aqui, sobretudo pelo tema específico deste artigo, mencionar que há Projeto de Lei (PL nº. 6960/2002) no sentido de alteração da forma prevista no caso de adoção de maiores, ou seja, o feitio se dará por escritura pública, como outrora, prevendo, portanto, no § 3º do art. 1623 do CC 2002, in verbis: “A adoção dos maiores de dezoito anos rege-se, no que for aplicável, pelo disposto neste capítulo e far-se-á por escritura pública cuja eficácia depende do seu registro no Registro Civil, depois de homologada pelo Ministério Público, observando-se, ainda, o seguinte: I – se o adotante for casado ou viver em união estável, será necessário o assentimento do respectivo cônjuge ou companheiro; II – se o adotante tiver filhos, também estes deverão assentir, e, se forem menores, serão representados por curador especial; III – o assentimento previsto nos incisos anteriores poderá ser

suprido judicialmente, se comprovado que a adoção não contraria os interesses legítimos do cônjuge, companheiro ou da família. Os interesses exclusivamente patrimoniais não devem ser concludentes para que não seja suprido o assentimento.” O projeto de lei supramencionado visa preencher as lacunas do atual Código. Dessa forma, sugere que se volte ao sistema de 1916, estabelecendo que a adoção de maiores seja feita por escritura pública, após homologada pelo Ministério Público. Venosa, porém, faz a crítica no sentido de que o Ministério Público não tem poder decisório ou homologatório, devendo fiscalizar, sendo que o mais tecnicamente adequado seria falar em aprovação pelo Parquet, “já que se quer liberar o juiz desse procedimento” (2006:315). Outra consideração a fazer alude-se ao aspecto psicológico da adoção. Neste sentido, convém fazer algumas considerações que envolvem a idade do adotado e as consequências disso, comparando com a forma mais tradicional (adotar menores, e não maiores). Primeiramente, faz-se necessário traçar o perfil das preferências para adoção. Assim, Lídia Weber (2002a, 107, apud JOPPERT; FONTOURA, 2007, 96-97) realizou pesquisas sobre as características das adoções brasileiras, apontando que em relação aos filhos, a grande maioria, 71,4% deles, são adotados até a idade de 3 meses. O grande contraste vem com a percentagem de adoção das crianças entre 4 e 12 meses; apenas 8,8% das crianças nessa idade são adotadas. Quanto mais idade tem a criança, menor o índice de adoção. Considerando os dados supramencionados, convém a seguinte reflexão: como lidar com a adoção de maiores no que se refere à orientação do adotado e do adotante, às dificuldades e aos fatores que levam ao sucesso da adoção? Convém esclarecer, em primeiro plano, que na chamada adoção tardia (criança com mais de dois anos de idade), conforme pesquisa realizada por EBRAHIM (2001:29-40), em geral ocorre maior orientação antes da adoção do que os adotantes convencionais e que, para suprir dificuldades e obter sucesso, há necessidade de esclarecimento e apoio de amigos e familiares, além da utilidade dos Grupos de Apoio à Adoção, o que possibilita o contato e a troca de experiências em grupos específicos de pais adotivos, minando preconceitos e mitos em torno do

assunto adoção, entendendo, assim, que outro tipo de filiação é tão gratificante quanto a biológica. Dessa forma, dispõe a autora: “Ninguém nasce sabendo ser pai e mãe nas famílias biológicas ou adotivas, de forma que todos precisam aprender a executar os papéis que a vida impõe, sendo indispensável construir uma postura de compreensão e responsabilidade, contando com o apoio dos familiares e dos amigos, e quando necessário, com o auxílio de profissionais especializados, que ajudem a superar as dificuldades inerentes ao grupo familiar.” (EBRAHIM, 2001, 36) E agora, o que dizer da adoção de maiores, se a adoção tardia já tem essas dificuldades inerentes às próprias diferenças da adoção convencional? A resposta para essa pergunta está relacionada à forma como os pais lidam com as dificuldades e, ao mesmo tempo, com a reeducação da sociedade e autoavaliação dos próprios preconceitos, principalmente a maturidade afetiva. Cabe também, além desses aspectos, refletir quanto à diferença de perfil do adotado maior quando comparado ao adotado menor. Sendo assim, dentre as principais vantagens de adotar alguém maior, podemos mencionar a praticidade devido à independência, o fato de, em geral, não precisar fazer a revelação sobre a adoção e as modificações na vida afetiva entre pais e filhos quando estes atingem a idade adulta. Apesar disso, o caso em análise não se enquadra, visto que Pedro conviveu desde a tenra idade com Fernando e Isabel. Por fim, outro comentário digno de consideração é o referente à adoção post mortem que, segundo a jurisprudência, o falecimento do adotante no curso do feito não obsta o deferimento do pedido. No caso em análise, houve vontade consciente externada pelos adotantes e pelo adotado. 6. Resultados Conforme o caso mencionado no item anterior, pode-se inferir que a situação em si e os resultados obtidos contrastam, data venia, com as opiniões expostas pela maioria da doutrina referente ao assunto, pois a ação de adoção do maior Pedro, de acordo com as características mencionadas, foi necessária exclusivamente para regularizar a situação “filho e pais”, fazendo com que Pedro se tornasse, sob o ponto

de vista legal, vinculado pela filiação civil a Fernando e Isabel. Diferente, entretanto, das manifestações do renomado jurista Silvio de Salvo Venosa, in verbis: “É rara a adoção de maiores e mais rara ainda a que não seja feita por interesses meramente patrimoniais. O Projeto procura acautelar o interesse da família do adotado, dada a repercussão que pode ter essa adoção, mormente se casado for e tiver filhos. É de mencionar que qualquer pessoa com legítimo interesse pode impugnar a adoção, se provar que há intuito de fraude ou simulação. Sempre nos colocamos contrários à adoção de maiores, a qual contraria a noção moderna e longe está da finalidade romana primitiva do instituto. Se há intuito de proteção patrimonial no ato, o desiderato pode ser atingido por inúmeros outros meios colocados

à

disposição

no

ordenamento.”

(VENOSA,

2006:315) 7. Considerações Finais Após essa breve exposição, cabe concluir que o sucesso da adoção, seja de menor ou de maior, está condicionado à compreensão e à vontade de adotar no sentido de querer e estar disponível para acolher uma pessoa como filho. Assim, muito bem descreve IYAMA e GOMES: “Adotar é um ato que deve estar relacionado à maturidade do casal e à disponibilidade psíquica no sentido de se abrir para acolher uma criança que não está ali para corrigir uma injustiça ou para preencher lacunas (HAMAD, 2002). No entanto, nem sempre o casal adotante possui essa maturidade e essa disponibilidade para olhar e ver a criança que estão acolhendo como filho.” (IYAMA; GOMES, 2005, 73) Quanto à Adoção de Maiores, especificamente, cabe aqui a seguinte observação que o leitor pode chegar: então, se uma pessoa completou dezoito anos de idade, pode escolher outro pai e outra mãe? Esse questionamento é muito pertinente e a resposta para ele nos sentidos técnico e legal seria “sim”, porém, o ordenamento jurídico como um todo não tem como base somente a lei e a técnica, o

sistema globalmente analisado possui também os aspectos axiológico e fático, ou seja, quanto aos valores e aos fatos observados sob os pontos de vista real e social isso seria, muitas vezes, abominável, já que pode ferir princípios como a segurança jurídica e a boa-fé das relações, além de poder ocasionar o que Venosa disse: uma adoção baseada em “interesses meramente patrimoniais”. Para dirimir tais conflitos, faz-se necessária uma observação minuciosa da ação de adoção de maior, a fim de dar mais celeridade aos processos realmente relevantes juridicamente, como, por exemplo, o caso ora estudado, além de evitar abusos de alguns mal intencionados, que simplesmente pleiteiam na justiça algo que, ao menos, tem consciência da não veracidade de informações, acabando por massificar e tolher o Poder Judiciário de causas que realmente não trazem credibilidade e justiça.

8. Fontes Consultadas ALICKE, José Luís; ALVES, Roberto Barbosa. Reflexões sobre o instituto da adoção à

luz

do

novo

Código

Civil.

Disponível

em:

. Acesso em 29 de junho de 2009. BRASIL. Autos de processo de Adoção de Maior (segredo de justiça). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Código Civil (2002). São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 2009. CARVALHO, Maria Cristina Neiva de; MIRANDA, Vera Regina (organizadoras). Psicologia Jurídica: temas de aplicação. Curitiba: Juruá Editora, 2007. COSTA, Epaminondas da. Processo de adoção de pessoa com mais de dezoito anos

de

idade:

competência

jurisdicional.

Disponível

em:

. Acesso em 29 de junho de 2009. DIAS, Cristina Maria de Souza Brito; FONSECA, Célia Maria Souto Maior de Souza; SILVA, Ronara Veloso Bonifácio da. A adoção de crianças maiores na perspectiva

dos

pais

adotivos.

Disponível

em:

. Acesso em 29 de junho de 2009. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 5: Direito de Família. 24 ed. Reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. EBRAHIM, Surama Gusmão. “Adoção Tardia: uma visão comparativa”, in Estudos de Psicologia. Revista Quadrimestral de Psicologia e Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Campinas. V. 18. n. 02. maio-agosto 2001. p. 29-40. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume VI: Direito de Família. 6 ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009. IYAMA, Renata; GOMES, Isabel Cristina. “A adoção sob um ‘olhar’ winnicottiano”, in Encontro: Revista de Psicologia. Curso de Psicologia do Centro Universitário de Santo André (UNIA). V.10. n. 12. jul-dez 2005. p. 71-78. MAHMOUD, Samia Rachid (autora); OLIVEIRA, Ana Flavia da Costa (orientadora). “A adoção na história da humanidade até nossos dias”, in Revista das Faculdades Integradas de Ponta Porã (FIP). V. 1. n.1. p. 125-139. Campo Grande: MS: Editora da UNIDERP, abril de 2001. PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História. Nova Friburgo: Imagem Virtual, 2002. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2006. v. VI. VIEIRA, Jair Lot (supervisão editorial). Código de Hamurabi; Código de Manu (excertos: livros oitavo e nono); Lei das XII Tábuas. Bauru, SP: EDIPRO, 1994. (Série Clássicos).

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