ADVERTAINMENT E RECEPÇÃO: PRÁTICA E IMPLICAÇÕES DA DILUIÇÃO DA FRONTEIRA ENTRE PUBLICIDADE E ENTRETENIMENTO

June 18, 2017 | Autor: André Bomfim | Categoria: Youtube, Estudos de Recepção, Publicidade Transmidia
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5º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UFF | UFRJ | UERJ | PUC-RIO Universidade Federal Fluminense, Niterói. 24 a 26 de outubro de 2012.

ADVERTAINMENT E RECEPÇÃO: PRÁTICA E IMPLICAÇÕES DA DILUIÇÃO DA FRONTEIRA ENTRE PUBLICIDADE E ENTRETENIMENTO André Bomfim dos Santos1

Resumo O foco deste estudo é a recepção da publicidade no ambiente das mídias digitais, mais especificamente daquilo que se chama nos estudos de marketing, de advertainment. Misto de publicidade e entretenimento, o advertainment é aqui analisado no contexto do YouTube. Como recorte, foi utilizada a campanha Caçadores de Energia, criada para uma marca brasileira de refrigerante em 2011. Para tanto, é proposto um modelo teórico que esquematiza essa recepção em três instâncias: a dimensão estética do produto audiovisual, o contexto da recepção e a ativação do comportamento de fã. São utilizados autores e conceitos oriundos dos estudos da recepção, como a estética da recepção (Jauss), a semiopragmática (Odin) e os estudos sobre fãs (Jenkins, Fiske, Staiger). Palavras-chave Recepção; Publicidade; Advertainment; YouTube.

Introdução Este estudo se debruça sobre a recepção da publicidade no ambiente das mídias digitais, mais especificamente na plataforma do YouTube. Seu ponto de partida é a compreensão daquilo que se chama no âmbito dos estudos mercadológicos de advertainment, neologismo criado a partir da junção das palavras propaganda e entretenimento em inglês.2 Esse fenômeno refere-se à criação de produtos audiovisuais com o intuito específico de alocar a mensagem publicitária, mimetizando conteúdos de entretenimento. O advertainment inverte a lógica do merchandising, associando o conteúdo à marca e não a marca ao conteúdo. Essa nova lógica é reflexo de um consumidor cada vez mais sócio-consciente e crítico, quando não resistente, para com a publicidade convencional, que obrigou as empresas a criarem novos conteúdos criativos, diferentes 1

Mestrando na Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: [email protected] O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil 2 Advertising e entertainment, respectivamente. www.conecorio.org

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dos filmes publicitários convencionais para construírem ou fortalecerem os laços entre seus produtos e seus consumidores. (RIBARIC, 2011. p. 03).

O advertainment representa, portanto, uma irônica inversão de valores: enquanto a publicidade é considerada uma interrupção indesejável do fluxo de entretenimento tanto na TV quanto no próprio YouTube, sob determinadas circunstâncias ela acaba se tornando, objeto de procura, partilha, “marca de individualidade” e “elemento demonstrador da participação em grupo.” (BURGESS; GREEN, 2009, p. 75). Propõe-se aqui uma análise do advertainment a partir de um estudo de caso em que é possível operacionalizar alguns conceitos importantes dos estudos da recepção e, ao mesmo tempo, traçar um esquema da dinâmica dessa recepção, através de comportamentos e observações recorrentes entre estes conteúdos. O produto em questão é a campanha Caçadores de Energia 3, websérie em dez episódios semanais, produzida para a marca de refrigerante líder de audiência nas redes sociais4. Criada especificamente para a plataforma do YouTube, Caçadores de Energia tem como ponto de partida outro produto audiovisual: os vídeos supostamente criados pelo ator João Maia para convencer sua amiga de infância, Natália Cardoso, a desistir de viajar para a Rússia e permanecer no Brasil5. Usando vídeos veiculados no YouTube, hashtags6 no Twitter, além de um blog, o ator conseguiu criar uma mobilização pública em prol de sua causa. Caçadores de Energia é uma apropriação deste fenômeno de participação pública espontânea, para a criação de um produto audiovisual de entretenimento, cuja narrativa parte de um desafio proposto ao protagonista pelo produto anunciado. A série traz características que instigam reflexões sobre esse contexto receptivo, como a diluição da fronteira entre ficção e realidade, o caráter transmidiático de sua narrativa e uma estratégia de convergência 3

A websérie ainda encontra-se no canal do Guaraná Antarctica no YouTube. Disponível em: . Acesso: 15 ago. 2012. 4 A marca é o Guaraná Antarctica. O ranking é gerenciado pela plataforma Index Social. Disponível em: . Acesso em 10 ago. 2012. 5 Uma investigação da biografia dos atores deixa claro que a história de amizade entre os dois, assim como a campanha promovida por João Maia, fazem parte da estratégia narrativa da websérie. Ainda assim, a ausência de identificação publicitária levou muitos fãs a acreditarem na veracidade da trama. 6 Hashtags são palavras-chave antecedidas do símbolo “#” e que servem de indexadores para temas relevantes na rede social Twitter. Sendo assim, #ficanatalia é uma hashtag que indexa as postagens referentes ao movimento criado por João Maia.

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tecnológica voltada para o estímulo de uma recepção ativa e estruturada em uma comunidade em torno do produto. O esquema proposto é uma representação dessa dinâmica de recepção e organiza-se como um fluxo em três etapas: a) a experiência estética; b) o contexto da recepção; c) o estabelecimento de um comportamento ativo por parte do espectador. Em relação à primeira, partimos do pressuposto de que a dimensão estética é uma condição indispensável para a aproximação e identificação do espectador com o conteúdo e sua conseqüente viralização7. Utilizamos aqui o conceito de estética da recepção (Jauss, 1979) e sua relação com a dimensão estética da publicidade discutida por Alves (2003). A segunda etapa diz respeito ao ambiente ou contexto onde ocorre essa identificação. Burgess e Green (2009) descrevem o YouTube como um território de apropriações e ressignificações, o que justifica a aproximação observada entre conteúdos publicitários e amadores, bem como a diluição da fronteira entre entretenimento e publicidade. E por fim, a reação do público em atitudes aqui relacionadas ao comportamento ativo dos fãs (Jenkins, 2001; Fiske, 2001; Staiger, 1992). A bricolagem de conceitos e autores é utilizada de forma intencional, na busca de estabelecer interseções entre os estudos do campo vasto e fragmentado da recepção do audiovisual.

Caçadores de Energia

Em 08 de junho de 2011, João Maia, ator, videomaker e internauta, dava início, através de um vídeo postado no YouTube e da criação da hashtag #ficanatalia, a uma campanha pública que tinha como objetivo convencer sua amiga de infância, Natália Cardoso, a desistir de se mudar para a cidade russa de Vladivostok, permanecendo no Brasil. O carisma do ator e a criatividade dos seus vídeos (figura 1) levaram uma legião de internautas a se engajar na mobilização, através da postagem de tweets devidamente identificados pela hashtag, comentários em blogs, videodepoimentos no YouTube, além de outras possibilidades oferecidas pelo aparato 7

Oriundo dos estudos do marketing, o termo viralização refere-se ao compartilhamento espontâneo de conteúdos entre os usuários das mídias digitais, gerando dessa forma ganhos exponenciais de audiência. www.conecorio.org

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das mídias sociais. Após a primeira veiculação, sucederam-se mais oito vídeos, em que João, sempre de forma inusitada e irreverente, tentava convencer Natália do quanto a sua presença era importante para ele. A cada vídeo, a participação do público crescia, transformando o movimento Fica Natália em um fenômeno de viralização8 e engajamento entre adolescentes de todo o país.

Figura 1: Balões #ficanatalia. Video postado em 10 jun. 2011

Em 11 de julho de 2011, era lançado no canal do Guaraná Antarctica no YouTube, o primeiro episódio de Caçadores de Energia. Uma websérie produzida pelo estúdio de criação Chá de Ideias, sob encomenda para o produto e veiculada em dez episódios semanais no próprio canal (figura 2). A série tinha como formato um híbrido de ficção seriada, documentário e reality show. Sua narrativa tinha como ponto de partida um desafio proposto pelo produto ao seu protagonista, o próprio João Maia: encontrar em dez semanas, 10 pessoas que inspirassem Natalia “com essa energia que contagia, presente nos brasileiros e no Guaraná Antarctica”, convencendo-a a ficar no Brasil. A situação dramática aqui proposta, além de criar uma associação estratégica e evidente com o slogan da bebida, “energia que contagia”, posiciona esse produto como uma entidade narrativa dotada de personalidade, que sustenta um discurso de identidade cultural brasileira, apoiando e incentivando o protagonista em sua causa pessoal.

Figura 2: Caçadores de Energia, episódio 4

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Neologismo criado no âmbito dos estudos mercadológicos que designa a replicação espontânea de conteúdos entre usuários das redes sociais. www.conecorio.org

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Adolescentes e pré-adolescentes brasileiros criaram, desde então, um fandom

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em

torno da obra, onde era discutido o comportamento, as atitudes e as motivações do casal protagonista (figura 3). Nesse espaço virtual, eram também trocadas informações consideradas valiosas para a compreensão da trama e organizadas torcidas e manifestações pró ou contra a permanência de Natália. A narrativa, serializada e estrategicamente distribuída entre as mídias mais utilizadas pelo públicoalvo da campanha, estimulava e favorecia a busca e o compartilhamento de informações, criando assim um produto audiovisual plenamente adaptado aos paradigmas de convergência dos meios e cultura participativa (JENKINS, 2009).

Figura 3: Adolescentes e pré-adolescentes em algumas manifestações em prol da causa Fica Natália. Caçadores de Energia é um produto representativo do audiovisual criado para dialogar com o público dentro desses novos paradigmas, marcados pelo remodelamento das relações comunicacionais em várias esferas de atuação, como explica Jenkins (2009, p. 103): Os consumidores não apenas assistem aos meios de comunicação; eles também compartilham entre si ao que assistem – seja usando uma camiseta proclamando sua paixão por determinado produto, postando mensagens numa lista de discussão, recomendando um produto a um amigo ou criando uma paródia de um comercial que circula na internet.

Trata-se, portanto, de um produto que traz em sua tessitura dramática e narrativa, características que propiciam e estimulam a aproximação, o interesse e a interação entre público e audiovisual, a exemplo das estratégias transmidiáticas e do hibridismo entre realidade e ficção. Na simulação de uma campanha pública real, difundida sob o título de Fica Natália, através da qual, o ator João Maia iniciava sua 9

Corruptela da expressão fan kingdom. Segundo JENKINS (2010), estruturas sociais e práticas culturais criadas pelos consumidores de conteúdo de mídia massiva engajados de forma passional. www.conecorio.org

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empreitada de convencimento ainda sem a ajuda do produto anunciado, nada indicava que se tratava de um conteúdo publicitário. Se do ponto de vista do código de ética publicitário esse procedimento pode ser bastante questionável, demonstrou-se uma estratégia bastante eficaz para a adesão à narrativa por jovens que acreditavam na veracidade da situação.

Dimensão estética: a diluição da fronteira entre ficção e realidade

A aproximação estética é considerada aqui a primeira etapa do processo receptivo do presente objeto de estudo ou o ponto de partida da relação entre obra e espectador. Antes, porém, é preciso esclarecer que a definição de estética aqui adotada é baseada na estética da recepção, que tem Hans Robert Jauss (1979) entre seus principais teóricos. O autor constrói a sua definição de estética, diferenciando-a daquela adotada pela arte clássica, que ignora a experiência sensorial do receptor e concentra-se na obra de arte, a qual conteria uma “verdade imanente” a ser desvendada pelas vias da razão. É a partir da legitimação do prazer estético e da sua dissociação dos ditames da arte “ascética”, que a estética da recepção outorga uma dimensão estética aos ditos produtos da indústria cultural, ainda que por seus comprometimentos com objetivos mercadológicos, não se possa enquadrá-los a rigor na definição de obras de arte. Dentro dessa perspectiva, Meigle Alves (2003) reafirma a dimensão estética da publicidade, colocando-a inclusive como fator primordial para a sua eficácia comunicativa. Segundo a autora, a publicidade se apropria de “matéria cultural” ou elementos culturais circulantes, rearranjando-os de “modo fragmentário e com base em procedimentos analógicos ao objeto de consumo”. Sendo exatamente desse processo que decorre a estetização desses universos simbólicos ou a própria dimensão estética em questão: “Assim, um propósito estetizante – ou seja, o de operar esteticamente – reside tanto da disposição dos signos, que a ‘poética publicitária’ manipula, quanto na forma de comunicação (estética), que ela destina à recepção.” (Alves, 2003, p. 222).

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Retornando ao objeto em questão, operam de forma consonante um discurso sobre identificação e identidade do jovem através de comportamentos culturais considerados tipicamente brasileiros, aqui definidos como brasilidade, e a diluição planejada da fronteira entre ficção e realidade. A partir do slogan “energia que contagia”, a marca trabalha em suas campanhas publicitárias a associação entre as propriedades energéticas do fruto originário da Amazônia e o imaginário de alegria e festividade do povo brasileiro. Em Caçadores de Energia, essa associação é estendida à juventude, através de uma narrativa protagonizada por personagens reais e, portanto, próximos do público em questão. O discurso sobre brasilidade é polarizado entre o casal protagonista. João, o jovem alegre, sociável e extrovertido, representa essa brasilidade. Enquanto Natália, a garota blasée e avessa às manifestações típicas, como samba e futebol, é aquela que precisa ser “contagiada” pela energia de João. Paralela à trama de convencimento da garota, existe uma paixão sugerida de João por Natália, que também funciona como arco narrativo entre os dez episódios. O apoio do produto em questão torna-se então o agente viabilizador das conquistas do protagonista e, metonimicamente, das conquistas da juventude. A imbricação entre realidade e ficção pode ser analisada de acordo com os “modos de produção de sentido e afetos” propostos por Roger Odin em sua concepção de abordagem semiopragmática. Destes, interessam aqui, particularmente, aqueles definidos como modos “ficcionalizante” e “documentarizante”. Odin (2004, p. 35) define o primeiro como “ver um filme para vibrar ao ritmo dos acontecimentos fictícios narrados” e o segundo como “ver um filme para obter informações sobre a realidade das coisas do mundo”. Observa-se no objeto estudado uma utilização híbrida desses modos, possibilitando ao espectador uma leitura documentarizante, a partir do momento em que se identifica com um enunciador real, bem como quando identifica a transparência do suporte, a exemplo da equipe de filmagem que, por vezes, aparece em cena. Mas também, esse mesmo espectador pode se lançar numa leitura ficcionalizante, no momento em que é conduzido a “vibrar no ritmo dos eventos narrados”, bem como “a aderir aos valores que a narrativa veicula” (Odin, 2004, p. 34). Essa multiplicidade de leituras reforça a destacada diluição de fronteiras entre ficção e realidade, que pode ser constatada nas reações do público.

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Em uma análise ainda em processo dos comentários deixados pelos espectadores no canal do produto no YouTube, é possível encontrar modos de recepção e interpretação bastante distintos. Não faltam exemplos de adesão à proposta da narrativa, seja em manifestações em prol ou contra a permanência de Natália no Brasil. Para and73rsx 10, “pode ser verdade, pode não ser. eu acredito que é verdade, pois eu acredito que ainda existem pessoas de verdade no mundo, pessoas que se importam com a vida. Então eu acredito e apoio! se vcs não querem ajudar, não atrapalhem!!!” Dayane Amaral também apóia: “fica natalia o Brasil é lindo e vc vai gostar bjs Dayane”. O usuário Beerx3LOL também adere à torcida: “Pô natalia, acorda, sério, o cara ta fazendo tudo e um pouco mais pra vc ficar no Brasil, eu axo, q vc devia ir mesmo, soh pra vc sentir falta dele, dessa CARA Q TA FAZENDO O IMPOSSIVEL PRA VC!!!” Já Rafaelzation alerta os outros espectadores: “MANO? QUEM QUE IRIA SAIR DO BRASIL pra ir morar na Rússia? quem que vai acreditar nisso? ELA É DA CAPRICHO ELE FEZ MALHAÇÃO eles nem se conheciam e pronto. Isso se chama propaganda!”. O usuário XDErick2 também demonstra uma certa revolta contra a dissimulação do caráter publicitário da série: “voces são idiotas? esse cara atuou em malhação id , isso é armado , é só uma campanha publicitaria --' !!!”. O artigo 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)11 esclarece a regra sobre a clara identificação dos conteúdos publicitários: “O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação.” O parágrafo único do artigo 29 complementa, afirmando que “este Código encoraja os Veículos de Comunicação a adotarem medidas ao seu alcance destinadas a facilitar a apreensão da natureza publicitária da ação de ‘merchandising’.” Mas o fato é que a atuação do CONAR ainda é restrita em relação ao conteúdo veiculado nas mídias digitais, onde terminam sendo exibidos, aliás, todos os conteúdos suspensos pelo órgão. Apesar dos questionamentos de ordem legal, e até mesmo por conta deles, Caçadores de Energia traz em seu bojo uma premente discussão acerca das implicações da crescente fusão entre propaganda e

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Nicknames (apelidos) e comentários de usuários transcritos literalmente. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2012. www.conecorio.org

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entretenimento, seja em forma de merchandising editorial ou de conteúdos de marca, ambos operando dentro da lógica do advertainment.

Contexto: YouTube, território de ressignificações

A correta compreensão do processo de recepção aqui abordado não seria completa sem a análise do seu contexto. Para Odin (2004, p. 39), “[...] as modalidades de produção de sentido dependem do contexto em que a projeção se realiza: é o contexto que constrói o público.” E o YouTube oferece ao audiovisual em geral, e em particular ao audiovisual publicitário, um contexto particularmente rico em termos de dinâmicas espectatoriais por sua ampla polivalência enquanto plataforma, que além de abrigar conteúdo exclusivo, tornou-se suporte alternativo para conteúdo de mídias já consolidadas como o rádio, a TV e o cinema, além de uma rede social em potencial. Dessa forma, o YouTube tornou-se um “caldeirão” onde convivem conteúdos institucionais e privados, amadores e profissionais, eruditos e populares. E onde todas essas fronteiras perdem definição. Para Burgess e Green (2009), o YouTube é o espaço onde essas categorias não só “coexistem e colidem”, como também “convergem”. Ainda segundo os autores (ibid., p. 62), para a recepção, a distinção entre conteúdos de usuário e de mídias tradicionais é difusa, pois “na prática, esses vídeos são quase indistinguíveis e, para alguns participantes, o papel que desempenham é o mesmo.” Dentro desse ambiente de práticas diversas de apropriação e ressignificação, também circula uma parcela significativa de conteúdos publicitários, incluindo aí aqueles gerados pela prática do advertainment: são webséries, paródias, curtas e até vídeos documentais, que revelam novos rumos, possibilitados pela flexibilidade de duração e ausência dos custos de veiculação na plataforma. Aproveitando-se desse contexto de fronteiras difusas, essas diversas formas de audiovisual publicitário transformam-se em entretenimento, reiterando o processo de resssignificação acima discutido. Antes de mais nada, o conteúdo circula e é usado no YouTube sem preocupações quanto a sua origem – ele é valorizado e gera envolvimento de modos específicos, de acordo com o seu gênero e seus usos dentro do site, assim como sua relevância na vida cotidiana de outros usuários, e não pelo fato do upload ter sido www.conecorio.org

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feito por um estúdio de Hollywood, uma empresa de web TV ou por um videoblogueiro amador. (BURGESS; GREEN, 2009, p. 83).

Entre as possíveis razões para esse apagamento de fronteiras entre publicidade e entretenimento, podemos citar em primeiro lugar, o caráter voluntário da apreciação. No YouTube, o conteúdo publicitário, à exceção daquele definido como compulsório12, deixa de ser uma interrupção do fluxo de entretenimento, para tornarse parte do mesmo, dentro dessa lógica particular de apropriação. Em segundo lugar, temos a adaptabilidade morfológica dos vídeos publicitários à dinâmica do YouTube. Uma vez integrado a esse fluxo, conteúdos de diversos gêneros e origens, transformam-se num sortimento de atrações, sem relações diretas entre si. Ou como Jenkins muito adequadamente observou, uma espécie de vaudeville. O gênero de entretenimento do século XIX citado por Jenkins (2006, apud BURGUESS; GREEN, 2009) é definido pelo próprio como “uma plataforma relativamente aberta para uma ampla variedade de apresentações curtas, cada uma sempre com menos de vinte minutos.”. Ora, se a diversidade e a curta duração são pressupostos básicos dessa lógica de entretenimento, o video publicitário pôde se adaptar e se amalgamar sem maiores dificuldades à lógica vaudevilliana do YouTube. Nesse painel multifacetado de atrações, a publicidade, dentro da lógica do advertainment, mimetiza conteúdos de entretenimento dos mais variados formatos, sendo compartilhada e reproduzida de forma espontânea, num processo de viralização. Sob a forma de advertainment, o conteúdo publicitário encontra no YouTube o ambiente em que ele se dilui e passa a se constituir de forma pervasiva, parte do seu fluxo de atrações. Certamente, a ausência de distinção entre ficção e realidade não se daria no espaço estritamente demarcado da grade da televisão, por exemplo, onde a fronteira entre conteúdo e publicidade ainda é claramente identificada através dos breaks comerciais. É no território do YouTube, portanto, onde a prática do

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Dentre as formas de conteúdo impositivo o YouTube oferece a anunciantes o Display Ad, banner textual que se sobrepõe à exibição do vídeo, e o TrueView in-stream Ad, comercial executado antes ou durante outro vídeo e assistido compulsoriamente pelo usuário durante cinco segundos, momento em que ele pode então continuar assistindo ou pulá-lo. Disponível em: < http://www.youtube.com/yt/advertise/our-solutions.html>. Acesso em 25 mai. 2012. www.conecorio.org

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advertainment encontra o ambiente mais propício, pela própria ausência de demarcações e distinções entre os mais diversos tipos de conteúdos.

Em busca do comportamento de fã

Caçadores de Energia revela-se uma engenhosa estratégia de marketing e comunicação on line, que integra diversas plataformas: Facebook, Twitter, um blog e o canal do YouTube, que funciona como o ponto central da experiência. São pontos de acesso distintos à narrativa, que tiram proveito da dinâmica da web 2.0, usando estratégias transmidiáticas. Os recursos transmidiáticos estimulam o engajamento do público e a criação de narrativas paralelas nas distintas plataformas. Através delas, o público compartilha detalhes não explorados na nave-mãe - a websérie patrocinada pelo anunciante - como o namoro entre Natalia e Leon, provavelmente a maior motivação para a ida da garota à Rússia. Este é, aliás, um elemento caro à compreensão da personagem, que só se encontra em meio aos posts dos blogs ou compartilhando entre tweets dos fãs. Uma compreensão mais aprofundada da narrativa pode ser alcançada através dessa busca por seus fragmentos espalhados entre as diversas mídias. Essas pistas são compartilhadas num jogo de “construção coletiva de significados”, motivado por valores distintos como integração ou status social. Esse procedimento é reiterado por Jenkins (2009, p. 49): A narrativa transmídia é a arte da criação de um universo. Para viver uma experiência plena em um universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços de histórias pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica.

Essa atividade espectatorial mais intensa é aqui associada com o comportamento de fã. Para melhor compreendê-lo é preciso entender as bases sobre as quais se forma o conceito. Baseada em Jenkins, Staiger (1992, p. 95, tradução nossa) esclarece o ponto central dessa definição: De acordo com Jenkins, uma pessoa é um fã ‘não por ser um espectador usual de um programa particular, mas por transformar essa apreciação em algum tipo de atividade cultural, compartilhando sentimentos e pensamentos sobre o programa com

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amigos, por juntar-se a uma comunidade de outros fãs que compartilham interesses comuns.13

Mas uma questão fundamental quando se pensa no comportamento de fã no público dos advertainments é a causa da adesão ao jogo. Por que esses materiais são tão compartilhados e geram volumes consideráveis de produções espectatoriais em torno de si? Entre tantas explicações para o comportamento de fã, uma é recorrente em quase todos os autores e está ligada à hipótese dos usos e gratificações, que postula um uso consciente dos mass media por parte dos indivíduos, de acordo com necessidades pessoais, como diversão, relações pessoais e identidade social. (MCQUAIL, 2003, p. 394). John Fiske traz uma importante associação desse comportamento ao conceito de capital cultural de Pierre Bourdieu. Para Fiske (2001, p. 452, trad. nossa), no fandom, assim como na cultura oficial, o acúmulo de conhecimento é fundamental para o acúmulo de capital cultural. As indústrias culturais têm, é claro, reconhecido isso e produzido uma enorme gama de material concebido para dar ao fã acesso à informação sobre o objeto do fandom.14

Dessa forma, no ato de “compartilhar”, estão embutidos uma série de valores que se somam no cômputo desse capital acumulado dos atores das redes sociais formadas nas plataformas digitais. Faz-se necessário ressaltar que o espectador que adere aos jogos propostos pelos advertainments pode não se enquadrar em alguns pontos importantes do conceito de fã. Especialmente pelo caráter efêmero de seu interesse. Mas ainda assim sustentamos a analogia pela semelhança do comportamento, assim como pelos usos que fazem destes produtos. O próprio Jenkins abarca em seus estudos as novas práticas publicitárias, dentro do contexto que ele cita como “economia afetiva”: A nova ‘economia afetiva’ incentiva as empresas a transformar as marcas naquilo que uma pessoa do meio da indústria chama de ‘lovemarks’ e a tornar imprecisa a fronteira entre conteúdos de entretenimento e mensagens publicitárias. Segundo a lógica da 13

“According to Henri Jenkins, a person is a fan ‘not by being a regular viewer of a particular program but by translating that viewing into some type of cultural activity, by sharing feelings and thoughts about the program content with friends, by joining a community of other fans who share common interests.” 14 “In fandom as in the official culture, the accumulation of knowledge in funfamental to the accumulation of cultural capital. The cultural industries have, of course, recognized this and produce an enormous range of material designed to give the fan access to information about the object of fandom.” www.conecorio.org

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economia afetiva, o consumidor ideal é ativo, comprometido emocionalmente e parte de uma rede social. (JENKINS, 2009, p. 48).

Dentro da lógica desse “consumo afetivo”, o desejo de toda marca é ter mais que consumidores, fãs. E o concretizam através de práticas em que o objetivo mercadológico é disfarçado em atributos outros, como o entretenimento, no caso do advertainment.

Considerações finais

Com uma legião de jovens engajados no movimento denominado de Fica Natália através de diversas plataformas na internet, Caçadores de Energia alcança com êxito um dos objetivos mais caros a um advertainment: ser consumido ou fruído também como entretenimento. Sob o olhar mercadológico, um case de sucesso. Mas pelo viés dos estudos de comunicação, esse está longe de ser o ponto final da análise. A partir da eficácia comunicativa abre-se um leque de questões que pedem a atenção de um olhar mais investigativo. Em primeiro lugar, em relação ao público. Não é difícil constatar que os advertainments são criados estrategicamente com base em um leitor-modelo muito específico: o jovem. Em sua tese de doutorado, Rosa Maria Bueno Fischer (1996, p. 21) alerta sobre a centralidade do jovem nos discursos da publicidade: Na publicidade e nos produtos de todos os meios de comunicação, eles [os jovens] adquirem centralidade, não só como publico específico, mas inclusive como modelo para outras gerações: mais do que nunca, o corpo jovem habita os sonhos e o ideal de beleza tanto das crianças como, principalmente, dos mais velhos. Qualquer gesto seu transforma-se em grande e espetacular movimento.

Sendo o público praticamente uma constante, o processo de estetização do universo jovem também termina o sendo. E no caso dos advertainments, essa matéria cultural é quase sempre feita de produtos audiovisuais produzidos por jovens e veiculados no próprio YouTube. Segundo Alves (2003, p. 222), é exatamente esse processo de rearranjo simbólico, fundado no apelo ao reconhecimento sensorial, “que conduzirá à adesão e não ao convencimento.” Colocada acima do convencimento no processo de estetização, a adesão é também pressuposto básico para a ativação do

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comportamento de fã. Para Esquenazi (2005, p. 106, grifos do autor), “[...] o produto que é objeto de ‘culto’ exprime uma forma de vida próxima da que é vivida pela comunidade em questão: esse produto encarna e manifesta as suas dificuldades ou as suas aspirações de uma maneira particularmente sensível e forte.” O que explicaria a recorrente e cada vez mais intensa utilização de matéria-prima cultural jovem na elaboração de advertainments e publicidade em geral. É importante ressaltar que os pontos abordados nesse estudo são recorrentes na análise de outros advertainments. Em primeiro lugar um processo de estetização que capta matéria cultural já difundida nas mídias sociais, como base para a criação de suas narrativas. Um exemplo recente dessa prática é o comercial Bebê – Sem papel15 de um banco brasileiro, criado a partir do vídeo “caseiro” Baby Laughing Histerically at Ripping Paper16, em que um bebê ri frouxamente diante do pai rasgando uma folha de papel. O vídeo de conteúdo pueril atingiu até o momento cerca de 46 milhões de visualizações. O comercial do banco, 15 milhões. Em segundo lugar, a utilização do YouTube como plataforma de lançamento e disseminação. E, em terceiro, a ativação da recepção, seja através do simples compartilhamento, ou de procedimentos mais complexos como a elaboração de videorrespostas. É preciso deixar claro que o objetivo aqui, mais do que obter conclusões precisas sobre o fenômeno, é traçar uma visão panorâmica do processo de recepção do advertainment, através da relação metonímica com um de seus exemplares: a campanha Caçadores de Energia. Ratifica-se, portanto, a coerência do modelo proposto, através da evidente relação entre a dimensão estética, o contexto e o comportamento receptivo suscitado pelo produto em questão.

Referências

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