Agências Reguladoras no Brasil

July 3, 2017 | Autor: Edson Nunes | Categoria: Political Economy
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Descrição do Produto

Agências Reguladoras no Brasil

Edson
Nunes

Leandro Molhano Ribeiro
Vitor Peixoto









in: Sistema Político
Brasileiro:
uma
introdução
______________________________________________

Lúcia Avelar

Antônio Octávio Cintra

(organizadores)

Terceira edição

Revisada e Atualizada

Rio de Janeiro / São Paulo, 2015














Sumário


Introdução..................................................................
....................................................3

Seção I - Processo de Elaboração e Implementação das Agências Reguladoras
no Brasil
- Agências Reguladoras e Reforma do Estado: a agenda dos
anos 1990........6
- Indefinições sobre o modelo
emergente........................................................8
- Quadro I - Indefinições sobre o formato das
agências................................10
- Solução Institucional: agências reguladoras como
autarquias especiais….11
- Quadro 2 - Interação com processo
legislativo...........................................12
- Quadro 3 - Desenho Institucional e autonomia das
agências......................16

Seção II – Difusão das Agências Reguladoras e Indefinições sobre o marco
regulatório
- Difusão das agências
reguladoras.............................................................17
- Marco regulatório
inconcluso..................................................................
.18
- A questão da melhoria
regulatória............................................................21
- Gráfico 1 - Qualidade regulatória – Brasil e média de
continentes selecionados – 1996 a
2011........................................................................
..................22

Conclusão...................................................................
..................................................22
Bibliografia................................................................
...................................................22
Sobre os
autores.....................................................................
.......................................26























Agências Reguladoras no Brasil

Edson Nunes
Leandro Molhano Ribeiro
Vitor Peixoto


Introdução


Agências reguladoras atuam sobre setores vitais da economia,
assumindo diferentes estatutos jurídicos, desde sua subordinação à
administração pública direta até sua existência como órgão independente
(NOLL, 1984). Idealmente, agências são instituídas para combater falhas de
mercado, tais como assegurar a competitividade de setores da economia,
diminuir custos de transação[1] inerentes à provisão de bens públicos,
reduzir assimetrias de informação entre agentes econômicos, combater
externalidades negativas[2] advindas das interações econômicas,
universalizar serviços e promover interesses dos consumidores (PELTZMAN,
2004; POSNER, 2004; PRZEWORSKI, 1990)


No exercício de suas atribuições, as agências exercem funções típicas
dos três poderes (WALD e MORAES, 1999), como a concessão e fiscalização de
atividades e direitos econômicos (função típica do Executivo); a edição de
normas, regras e procedimentos com força legal sob o setor de sua atuação
(função típica do Legislativo); e o ato de julgar, impor penalidades,
interpretar contratos e obrigações entre agentes econômicos (função típica
do Judiciário). Sendo assim, as agências produzem regras e normas que
imputam custos às unidades reguladas, atraindo, complementando ou
contrariando interesses privados e públicos. Isso ocasiona uma inevitável
interação entre reguladores e regulados, com recorrentes possibilidades de
captura do órgão regulador por parte de agentes econômicos para subverter
os princípios do mercado a favor de interesses específicos[3].


Não existe, portanto, regulação neutra, nem regulação inocente. Muitos
regulados buscarão normas regulatórias para protegê-los da competição,
diminuir seus custos de transação, criar barreiras de entradas em seu setor
de atuação, protegê-los de demandas do público, etc. A regulação, portanto,
não é automaticamente a favor do interesse público ou da promoção do
mercado competitivo. Ao contrário, o aparato regulatório, criado para sanar
imperfeições do mercado pode tornar-se uma espécie de mercado onde
regulação é "comprada" e "vendida". O mercado regulatório pode se
constituir, assim, em um campo de lutas de interesses e tanto pode estar
voltado para o público quanto para a preservação de privilégios. Por isso,
a pertinência das recorrentes discussões sobre o desenho institucional que
assegure independência, controle e accountability das agências
reguladoras[4].


O objetivo deste capítulo é analisar como se deu a elaboração e a
implementação das agências reguladoras no Brasil, assim como discutir
alguns temas recorrentes a respeito do marco regulatório criado no país. O
complexo processo de instituição das agências reguladoras será discutido na
primeira seção deste capítulo. A criação das agências como órgãos
independentes e não como departamentos subordinados à administração direta
inseriu-se em um contexto mais amplo de reforma do Estado implementada
durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-
2002). Nesse sentido, a seção apresenta uma contextualização do debate
sobre a reforma do Estado nos anos 1990 e as indefinições iniciais a
respeito do desenho institucional do marco regulatório no país, até a
consolidação das três primeiras agências como autarquias especiais (Aneel,
Anatel e ANP).[5]


A seção seguinte trata da difusão do modelo das primeiras agências
para outros setores da economia e as tentativas de se alterar o marco
regulatório brasileiro. O fato é que a gênese e o modelo institucional por
agências reguladoras independentes se difundiu no Brasil a partir do modelo
jurídico-institucional das três primeiras agências criadas em meados dos
anos 1990. Outras sete agências federais e vinte e três agências estaduais
foram implementadas desde então[6]. Apresentadas inicialmente como uma
inovação institucional para regular os serviços públicos de energia e
telecomunicações liberalizados ou privatizados de forma independente das
influências político-partidária dos governos, o modelo de agências
reguladoras no país passou a ser criticada por especialistas e agentes
econômicos justamente por não atuarem sob um adequado marco regulatório,
impossibilitando-as de se constituir em verdadeiros órgãos de Estado.


Para lidar com essas questões, o governo Lula apresentou um conjunto
de propostas de alteração do marco regulatório brasileiro em 2003 e 2004.
Particularmente serão descritas as propostas legislativas elaboradas
durante do governo Lula para lidar com o desenho institucional das agências
e com a questão da qualidade regulatória - com destaque para o Projeto de
Lei 3.337/2004, dispondo sobre a gestão, a organização e o controle social
das Agências Reguladoras e o Decreto 6.062, de 16 de março de 2007 que
instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para
Gestão em Regulação (PRO-REG). Uma questão permanente no debate sobre
regulação no Brasil diz respeito à garantia de independência às agências,
por um lado, e existência de mecanismos de controle e accountability
adequados ao exercício da regulação em seus respectivos setores, por outro.
Esses desafios a respeito das agências reguladoras e do marco regulatório
em geral no Brasil serão apontados na seção final do capítulo.


SEÇÃO I - O PROCESSO DE ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DAS AGÊNCIAS
REGULADORAS NO BRASIL


Agências Reguladoras e Reforma do Estado: a agenda dos anos 1990


A implementação das agências reguladoras no Brasil foi fortemente
influenciada pelas questões políticas e econômicas que nortearam o projeto
de reforma do Estado elaborado durante o primeiro governo Fernando Henrique
Cardoso (1995-1998). A reforma foi orientada por diretrizes amplamente
difundidas no contexto internacional de "retirada" do poder público da
produção direta de bens e serviços, criação de marcos regulatórios para os
setores privatizados ou liberalizados e implementação de reformas
gerenciais na administração pública para combater a estagnação econômica e
a crise fiscal identificadas em diversos países. A proposta apresentada
pelo governo sustentava-se em pelo menos quatro subdimensões específicas:
reformas nas esferas fiscal, previdenciária e administrativa e
implementação de um programa de privatização dos serviços públicos (reforma
patrimonial).


A formulação e implementação das novas agências reguladoras vincularam-
se particularmente às duas últimas dimensões e tiveram suas diretrizes
expressas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).
Publicado em novembro de 1995, o PDRAE diagnosticou como problemas do
Estado brasileiro a "crise fiscal, decorrente da crescente perda de crédito
estatal", o "esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do
Estado", e a "forma de administração estatal, caracterizada pela
"administração político-burocrática" [7]. Para combater esses problemas o
governo declarou a necessidade de redefinir o papel do Estado na economia e
estabelecer um novo padrão de relação Estado-sociedade no Brasil,
apresentando duas propostas inter-relacionadas: a privatização de empresas
públicas e a alteração nos padrões de gestão da administração pública e de
regulação das atividades econômicas, a serem viabilizadas através da
criação de agências autônomas e organizações sociais; (BRESSER-PEREIRA,
1998; COSTA, 2002; NUNES, 1998).[8]


De acordo com o ministro Bresser Pereira, o novo modelo de
administração públicas deveria se assentar nos seguintes princípios:

descentralização do ponto de vista político, transferindo
recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais;
descentralização administrativa, através da delegação de
autoridade para os administradores públicos transformados em
gerentes crescentemente autônomos;
organizações com poucos níveis hierárquicos ao invés de
piramidal;
pressupostos da confiança limitada e não da desconfiança total;
controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle
rígido, passo a passo, dos processos administrativos;
administração pública voltada para o atendimento do cidadão, ao
invés de auto-referida[9] (BRESSER-PEREIRA, 1996).


O principal objetivo declarado pelo governo era alterar o modelo
burocrático de administração pública implantado no Brasil durante a "Era
Vargas" para um modelo de administração gerencial, fortalecendo os órgãos
da administração indireta (autarquias e fundações)[10]. Institucionalmente,
a reforma do Estado no governo FHC deveria ser responsabilidade direta de
três órgãos: a Câmara da Reforma do Estado da Presidência da República, o
Conselho de Reforma do Estado (CRE) e o Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado (MARE). O MARE deveria recomendar políticas e
diretrizes para a reforma do Estado (Medida Provisória nº 1.450). A Câmara
de Reforma do Estado da Presidência da República deveria ser responsável
pela dimensão político-estratégica da reforma, aprovando, acompanhando e
avaliando projetos, e deveria assessorar o presidente da República na
formulação de diretrizes governamentais. O Conselho de Reforma do Estado
(CRE) não fazia parte do governo, mas foi constituído idealmente como órgão
de Estado e deveria ter funções consultiva, analítica e de articulação dos
programas propostos. Seus conselheiros não estavam vinculados à
administração pública[11].

Indefinições sobre o modelo emergente


A despeito de toda teorização e diretrizes sobre a reforma do Estado,
não existiram, até maio de 1996, definições claras sobre o formato
institucional e organizacional das agências idealizadas para fiscalizar e
regular os serviços públicos que seriam privatizados (NUNES et al., 2007).
Somente no dia 31 de maio daquele ano, o Conselho de Reforma do Estado
recomendou os seguintes princípios para a construção do marco legal dos
novos entes reguladores:

Autonomia e independência decisória;
Ampla publicidade de normas, procedimentos e ações;
Celeridade processual e simplificação das relações entre
consumidores e investidores;
Participação de todas as partes interessadas no processo de
elaboração de normas regulamentares, em audiências públicas;
Limitação da intervenção estatal na prestação de serviços
públicos, aos níveis indispensáveis à sua execução.[12]

Segundo as recomendações do CRE, os entes reguladores deveriam
promover a competitividade dos seus respectivos mercados, além de garantir
o direito de consumidores e usuários dos serviços públicos, estimular o
investimento privado, buscar qualidade e segurança dos serviços a menores
custos possíveis para os usuários, assegurar a remuneração adequada dos
investimentos realizados nas empresas prestadoras de serviço, dirimir
conflitos entre consumidores e empresas prestadoras de serviço e prevenir
abusos de poder econômico por agentes prestadores de serviços públicos.


Para garantir a autonomia financeira dos novos órgãos reguladores, o
CRE recomendou sua organização sob a forma de autarquia. A sua autonomia
decisória deveria ser obtida através da nomeação dos dirigentes após
aprovação pelo Senado Federal, instituição de um processo decisório
colegiado, dedicação exclusiva dos dirigentes, uso do critério de mérito e
competência profissional, vedada a representação corporativa para
recrutamento dos dirigentes, perda de mandato somente em virtude de decisão
do Senado Federal e perda automática de mandato de membro do colegiado por
não comparecimento a reuniões. O CRE recomendou, ainda, a realização de
audiências públicas com a participação de usuários, consumidores e
investidores na elaboração de normas ou soluções de controvérsias relativas
à prestação de serviços e vedação de decisões tomadas com base exclusiva em
informações trazidas por interessados, devendo o ente regulador buscar
fontes independentes como consultorias técnicas do Brasil e do exterior.


Observa-se, contudo, que esses princípios foram posteriores ao
processo de privatização e flexibilização dos serviços públicos dos setores
de energia e telecomunicações que ocorreu em 1995 e a partir dos quais as
três primeiras agências reguladoras foram criadas: a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e
a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em 13 de fevereiro daquele ano foi
aprovada a Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões)[13] que regulou, de forma
geral, as concessões e permissões de serviços públicos previsto no artigo
175 da Constituição Federal de 1988.[14] Em 16 de fevereiro de 1995, a
Presidência da República encaminhou ao Congresso Nacional várias propostas
de emenda constitucional (PEC), com o objetivo de alterar dispositivos
constitucionais que impossibilitavam a continuidade do processo de
privatização, dentre as quais a PEC 06/95, referente à flexibilização do
monopólio do petróleo e a PEC 03/95, referente à flexibilização do
monopólio das telecomunicações.


A elaboração da Aneel, da Anatel e ANP ocorreu, basicamente, no âmbito
dos ministérios setoriais diretamente envolvidos, o Ministério de Minas e
Energia e o Ministério das Comunicações, e a Casa Civil e não no MARE e no
CRE. Assim, não apenas o processo de liberalização e privatização dos
setores de energia e telecomunicações antecedeu a concepção de um modelo de
regulação por agências independentes, como os órgãos que teoricamente foram
concebidos refletir e direcionar a criação do novo marco regulatório pouco
ou nada interferiram no processo de criação das primeiras agências criadas,
evidenciando a existência de um descompasso e uma compartimentalização
entre a reflexão e a prática sobre a questão regulatória no Brasil (NUNES
et al., 2007; PACHECO, 2006).


Contudo, o próprio poder Executivo não tinha clareza, naquele
momento, sobre o modelo a ser instituído, como revelam as declarações de
atores intimamente envolvidos no processo de criação das três primeiras
agências (quadro 1). Embora houvesse a idéia de conferir forte autonomia
aos novos órgãos reguladores, o processo de constituição do arcabouço legal
da agência reguladora independente, não foi acompanhado de uma idéia clara
de como seria o seu formato jurídico e organizacional e, conseqüentemente
sobre questões de independência, accoutability e controle. Essas questões
foram discutidas ao longo do processo de constituição da Aneel, Anatel e
ANP.

Quadro 1
Indefinições sobre o formato das agências
"Ator "Discurso "
"Consultor "(...) eles (Ministério) tinham uma idéia do que queriam "
" "como agência reguladora. Não eram idéias fechadas nem "
" "muito claras, mas a orientação geral existia (...). "
" "Alguém tinha dito para ele (Sérgio Motta) que para um "
" "órgão ser independente talvez a solução fosse uma "
" "empresa estatal, ou talvez não fosse nada disso, talvez "
" "fosse a tal da golden share. Mas, o que isso "
" "significava, na prática? Quando nós conversamos, nós "
" "entendemos o que era: era a rejeição dos modelos de "
" "administração pública. Então eles sabiam o que não "
" "queriam (...) Não havia nenhum tipo de clareza sobre o "
" "que era preciso fazer para uma agência ser independente."
" "Os problemas de relacionamento entre o executivo e a "
" "agência, a divisão de competências entre ministro e "
" "agência, os problemas orçamentários, o reflexo que a "
" "gestão orçamentária teria na independência, os problemas"
" "de nomeação de pessoal, os tipos de procedimentos que a "
" "agência teria que fazer para contratar, enfim para sua "
" "gestão administrativa geral e a necessidade de "
" "autorizações do Executivo que ia precisar, enfim, grande"
" "parte desses assuntos eles sequer haviam imaginado "
" "(...). "
"Ex-Secretári"(...) o ministro queria fazer uma coisa que ia contra a "
"a do MC "cultura de todos eles e era evidente, nas primeiras "
" "conversas, que não sabia nada, ou seja, não tinha a "
" "menor idéia do que estava acontecendo lá fora e quais as"
" "alternativas de modelo (...). "
"Ex-Seretária"(...) A minha impressão é que não estava claro (o modelo"
"Executiva do"das agências) (...) Mas a sensação que eu tenho é que "
"MARE "quando mandaram as PECs, inicialmente não se tinha uma "
" "visão completa do modelo, porque não tinha dado tempo de"
" "refinar a discussão. Daí que eles mandaram técnicos para"
" "os outros países para ver um modelo de regulação de cada"
" "país, os modelo institucionais. Com base nisso é que "
" "começou a amadurecer a idéia da agência reguladora "
" "(...). "
"Ex-Secretári"(...) a Emenda 09 saiu em 1995 e, naquela época, o "
"o de Minas e"governo não tinha idéia ainda de qual seria a política "
"Metalurgia "correta para abertura do monopólio (de exploração do "
"no MME "petróleo). Não havia nada formatado. Então havia uma "
" "comissão, da qual eu não participei, com personalidades "
" "de grandes grupos empresariais do Brasil, que "
" "secretamente se reuniram e fizeram uma série de "
" "simulações de como é que poderia ser essa autarquia. "
" "Começaram a estudar o que havia pelo mundo afora em "
" "termos de agência autônoma para regular petróleo, mas "
" "não houve um projeto a partir disso (...). "
"Ex-Diretor "(...) Se você for olhar a exposição de motivos da "
"do DNAE "Anatel, você vai verificar que lá há uma sugestão de uma"
" "figura extremamente estranha ao nosso direito "
" "administrativo, e eles mesmos reconhecem que seria uma "
" "ousadia muito grande, para a nossa tradição, que deveria"
" "estar ao abrigo daquela estrutura e do nosso direito "
" "administrativo. E aí se foi buscar o que? A figura da "
" "autarquia (...). "
"Ex- "(...) Eu vou te dar uma idéia do que aconteceu. Em 1994,"
"Secretário "já havia uma idéia de reestruturação do Dnaee. O próprio"
"Executivo de"Dnaee já havia feito uma proposta de reestruturação, "
"Minas e "eles tinham um quadro de 600 a 700 pessoas. Em 1995, o "
"Metalurgia "problema da criação do regulador foi um problema que "
"no MME "surgiu logo de cara. Quer dizer, nós agora vamos ter "
" "participação privada, vamos privatizar porque a "
" "privatização já estava em curso, mesmo sem o governo "
" "ainda definido, então vamos fazer um projeto. Então "
" "ficaram um tempo debruçados sobre isso, o projeto só se "
" "tornou mais atual em termos de realmente discutir em "
" "1996. Os estudos foram praticamente conduzidos "
" "internamente, dentro do Dnaee, com uma certa intervenção"
" "do Ministério, através da assessoria jurídica do "
" "ministério, durante essa fase toda. Quando a Coopers & "
" "Lybrand começou, que foi em mais ou menos em agosto de "
" "1996, a primeira coisa que eu pedi deles foi um pequeno "
" "paper que eles fizeram questão de dizer: "esse paper é "
" "só para você". Porque eu queria falar, fazer uma "
" "apreciação sobre o problema do regulador, eu sabia que "
" "ainda estávamos caminhando, e que não tínhamos ainda um "
" "projeto (...). "
"Ex-Seretária"(...) Se eu não me engano, eu posso está muito enganada."
"Executiva do"Eu não me lembro se é no modelo americano, em algum "
"MARE "modelo ele é subordinado ao legislativo. Vocês, "
" "certamente devem saber mais que eu, as agências são "
" "subordinadas ao legislativo. No caso brasileiro essa "
" "discussão sequer aconteceu (...). "


Fonte: Elaboração própria a partir de entrevistas concedidas aos autores
para o projeto Agências Reguladoras: gênese, contexto, perspectivas e
controle.


Solução institucional: agências reguladoras como autarquias especiais


A formulação, a aprovação e a constituição das novas agências foram
marcadas por um intenso processo de negociação e podem ser analiticamente
divididas em duas etapas: os estudos setoriais e a tramitação dos projetos
de lei no Congresso Nacional[15]. Durante os estudos setoriais, foram
realizados diagnósticos sobre os problemas de cada área de infra-estrutura
e as alternativas para a abertura do mercado e sua regulação[16]. Os atores
fundamentais no processo decisório foram a burocracia ministerial,
especialmente os Ministros de Estado e os Secretários Executivos, a
burocracia dos órgãos reguladores existentes e as consultorias contratadas.


Na tramitação dos projetos no Congresso Nacional, os principais
atores foram os parlamentares, especialmente aqueles ligados à base aliada
do governo e os Secretários Executivos dos ministérios (RIBEIRO et. al.,
2009). Os atores da coalizão governista responsáveis pelos Projetos de Lei
enviados ao Congresso acompanharam toda a tramitação no legislativo. A
Anatel e a ANP tiveram comissões especiais constituídas no Congresso e a
Aneel passou somente por comissões permanentes. Esse aspecto é importante,
pois, enquanto as comissões especiais têm a relatoria e a presidência
indicada pelos maiores partidos (PFL e PMDB, ambos da coalizão de governo),
as comissões permanentes têm as relatorias indicadas pelos presidentes das
comissões (estes são designados pelo critério de proporcionalidade no
início da legislatura). As modificações propostas pelos relatores foram
acompanhadas de perto pelos membros dos Ministérios, às vezes com a
participação dos próprios ministros como pode ser observado no quadro
abaixo.

Quadro 2
Interação com processo legislativo
"Ator "Discurso "
"Ex "(...) Eu fui a duas reuniões no Congresso. A comissão "
"funcionário "era uma comissão especial que era presidida na Câmara "
"da ANP "pelo Goldman e o relator era o Eliseu Resende, que são "
" "os dois parlamentares especialistas nessa área. No "
" "Congresso, na Câmara tem eles dois, talvez mais o "
" "Aleluia, na área de eletricidade. Não tem muito mais "
" "gente não. Os outros são também parlamentares, mas eu "
" "diria que 99% não tem a menor idéia do que se trata "
" "(...). "
"Ex-Secretári"(...) O Secretário Executivo, que era o coordenador "
"o Executivo "geral de todo esse assunto, Renato Guerreiro (...) me "
"do MME "pediu que o assessorasse no contato com o relator. Eu "
" "fiquei, então, de ponte entre ele o relator (...) Houve"
" "muitos incidentes, porque o Ministro Serjão tinha uma "
" "personalidade muito forte e foi várias vezes ao "
" "Congresso (...) a atuação do relator foi extremamente "
" "importante que foi sempre em estreito contato com o "
" "ministério, através do Renato Guerreiro e, "
" "esporadicamente, com o próprio ministro (...). "
"Ex- "(...) O que houve no fim foi uma pressa danada, "
"Secretário "diversas pessoas digitando, foi a minuta final do "
"de Minas e "projeto de lei. Essa minuta final foi sendo emendada "
"Metalurgia "pelo relator Eliseu Resende, eu tinha contato diário "
"no MME "com ele, era um negócio, foi bastante dinâmico, foi "
" "rápido (...). "
"Ex- "(...) O Eliseu Resende foi quem fez a coisa a quatro "
"Secretário "mãos com o Brito. Os dois se entendiam muito bem, este "
"Executivo de"troço foi pilotado pelo Brito. Por parte do governo foi"
"Minas e "o Brito (...). "
"Metalurgia " "
"no MME " "
"Ex-Ministro "(...) A minha estratégia era a seguinte, por exemplo: "
" "com o anteprojeto pronto, virou projeto e foi para o "
" "Congresso. Ai tem uma discussão, fulando comanda a "
" "discussão, sicrano vai e ajuda, junta o técnico com o "
" "jurídico nosso, que sabe o que nós queremos, porque é "
" "que nós colocamos daquele jeito, aí vem a contribuição "
" "parlamentar, negocia, negocia, negocia e eu vou "
" "acompanhando. Vem e me dizem que tem, por exemplo, "
" "quatro pontos que está difícil. Então agora sou eu. "
" "Então entra todo mundo comigo, o relator também e "
" "negociamos os pontos (...). "
"Ex-Secretári"(...) no início, eu tive discussões muito grandes com o"
"o Executivo "próprio Goldman, até o Goldman entender o espírito da "
"do MC "Lei. E ele questionava cada ponto da lei "...porque "
" "isso aqui ?...", aí tinha que explicar para ele, ele ia"
" "entendendo, os questionamentos eram questionamentos "
" "vigorosos, porque como parlamentares eles vem muito "
" "fortes, e as mesmas coisas aconteceram com a oposição, "
" "mas não que eu considerasse uma coisa absurda, embates "
" "muito ferozes (...). "


Fonte: Elaboração própria a partir de entrevistas concedidas aos autores
para o projeto Agências Reguladoras: gênese, contexto, perspectivas e
controle.


Em menor grau, participaram das discussões associações
representativas de trabalhadores, representantes do governo e estudiosos do
tema. Os partidos de oposição ao governo foram ativos, tendo normalmente
posições contrárias aos projetos apresentados. No entanto, devido a seu
caráter minoritário, não conseguiram impor suas propostas ou barrar as
estratégias do governo. Vale ressaltar que houve um intenso debate no
processo legislativo entre os vários setores interessados a favor e contra
a abertura dos setores de energia e telecomunicações e a liberalização e
flexibilização dos mercados geraram resistências por parte de várias
categorias profissionais (petroleiros, servidores públicos, etc.).


A Aneel foi a primeira agência reguladora independente criada no
Brasil e significou a introdução de uma nova figura jurídica na
Administração Pública Federal indireta: a autarquia especial[17]. Sua
criação ocorreu a partir dos estudos setoriais para a Reestruturação do
Setor Elétrico Brasileiro (RESEB), os quais tinham entre seus objetivos
transformar o Dnaee, diagnosticado na ocasião como um mero departamento
centralizado do MME, em uma autarquia. A denominação especial para a nova
autarquia ocorreu, no entanto, durante a tramitação do Projeto de Lei n°
1669/96 no Congresso Nacional. O relator do Projeto, Deputado José Carlos
Aleluia (PFL-BA), em seu Substitutivo classificou a proposta original do
governo como 'tímida' na formulação da independência da agência,
principalmente no que se referia a sua autonomia financeira, administrativa
e orçamentária e propôs a criação da Aneel como autarquia especial
vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A denominação 'especial' foi
uma forma encontrada para aumentar a autonomia da agência, principalmente
financeira, sem infringir o direito administrativo brasileiro. Vale
ressaltar que a lei que estabeleceu a estrutura regimental da Aneel balizou
a estruturação da ANP, conferindo a esta agência o mesmo modelo jurídico-
organizacional.


Já a discussão sobre a autonomia da Anatel foi uma das mais intensas
no processo de constituição das agências reguladoras no Brasil e mostra
como restrições constitucionais foram importantes para que o formato final
assumido pelas novas agências reguladoras. Entre agosto de 1995 e dezembro
de 1996, o Ministério das Comunicações criou grupos de trabalho com
técnicos do próprio ministério para reestruturar o setor de
telecomunicações e criar o novo órgão regulador. Em julho de 1996 foram
contratadas três consultorias, duas internacionais e uma nacional para
auxiliar os técnicos do ministério[18]. O principal debate se deu sobre a
questão da independência política do futuro órgão regulador e a pretensão
de que ele fosse desvinculado administrativamente de qualquer dos Poderes
da República. Havia alguns embates sobre o modelo jurídico do órgão a ser
establecido, dentre os quais se destacam os limites impostos pelo direito
administrativo brasileiro a inovações em matéria de órgãos da administração
pública direta e indireta e a resistência do ministro Sérgio Motta à
configuração do órgão regulador sob a forma de autarquia.


O primeiro aspecto refere-se aos limites impostos pelo direito
administrativo brasileiro ao estabelecimento do formato de natureza
fiducial[19] inicialmente concebido para o futuro órgão regulador,
denominado como Ofício Brasileiro de Telecomunicações. Pretendia-se, com
isso, criar um órgão dotado de forte independência em relação ao governo,
sem se afastar das regras vigentes para todo e qualquer órgão da
administração pública no Brasil e dos controles constitucionais previstos,
como a submissão dos órgãos a procedimentos como a obrigação de licitar,
obrigação de fazer concursos públicos, obrigação de respeitar limites de
vencimentos para os dirigentes, a submissão aos controles pelo Congresso
Nacional, a aprovação do orçamento, pelo Tribunal de Contas, da
fiscalização financeira e orçamentária. No entanto, a possibilidade de
criação de uma entidade do tipo Ofício foi abandonada em função do risco de
inconstitucionalidade.


A adequação das expectativas do Ministério das Comunicações aos
limites constitucionais foi resolvida através do estabelecimento do regime
de autarquia especial. Mas para isso foi preciso superar um segundo
obstáculo: as limitações da lei de licitações vigente na época, a Lei
8.666, a qual, segundo o ministro Motta dificultaria o funcionamento do
órgão regulador sob forma de autarquia. A solução encontrada foi
estabelecer uma nova modalidade de licitação – o pregão – que, dada sua
maior flexibilidade, se transformou numa modalidade de licitação para a
administração pública federal e depois para a administração pública
brasileira como um todo. Em 10 de dezembro de 1996, o Ministério das
Comunicações encaminhou à Presidência da República o Projeto de Lei nº
2.648, o qual foi três dias depois foi encaminhado ao Congresso Nacional.
Na tramitação do PL no Congresso, o Substitutivo do relator Alberto Goldman
não alterou substantivamente o PL no que se refere ao desenho da nova
agência reguladora e no dia 16 de julho de 1997 a nova Lei Geral das
Telecomunicações, Lei 9.472, foi promulgada e a Anatel instituída.


Observa-se assim que, apesar das indefinições iniciais, as três
primeiras agências inauguraram, pelo menos institucionalmente, um novo
modelo de intervenção regulatória do Estado na economia no Brasil. Em vez
da regulação endógena promovida por departamentos da administração direta,
a regulação dos setores de infra-estrutura passaria a ser realizada por
agências independentes, sob a forma de autarquias especiais. O desenho
institucional final das agências tem como denominador comum a previsão de
autonomia e estabilidade dos seus dirigentes, a preocupação com a sua
independência financeira, funcional e gerencial e, procedimentos de
controle e transparência (quadro 3).


















































Quadro 3
Desenho institucional e autonomia das agências

"Autonomia e estabilidade dos dirigentes "
"Mandatos fixos "
"Mandatos não coincidentes "
"Estabilidade dos dirigentes "
"Aprovação pelo poder Legislativo, mediante argüição "
"Pré-requisitos quanto à qualificação dos dirigentes "
"Independência financeira, funcional e gerencial "
"Autarquia especial sem subordinação hierárquica "
"Última instância de recursos no âmbito administrativo "
"Delegação normativa (poder de emitir portarias) "
"Poder para instituição e julgar processos "
"Poder de arbitragem "
"Orçamento próprio "
"Quadro de pessoal próprio "
"Transparência "
"Ouvidoria com mandato "
"Publicidade de todos os atos e atas de decisão "
"Representação dos usuários e empresas "
"Justificativa por escrito para cada voto e decisão dos dirigentes "
"Audiências públicas "
"Diretoria colegiada "


Fonte: (Melo, 2002)

Vale ressaltar que há um elemento que pode ser considerado limitador
da independência pretendida para as agências, embora, por outro lado, possa
ser entendido como um aspecto que confere maior transparência à sua
atuação: o contrato de gestão da agência com o ministério ao qual está
vinculado, estabelecendo metas, prazos e indicadores de desempenho
definidos ex ante e que se não forem cumpridos podem levar à destituição
dos dirigentes (Gelis Filho, 2006; Melo, 2002). Entre as três primeiras
agências reguladoras, o contrato de gestão foi previsto apenas para a
Aneel[20].










SECÃO 2 - DIFUSÃO DAS AGÊNCAIS REGULADORAS E INDEFINIÇÕES SOBRE O MARCO
REGULATÓRIO


Difusão das agências reguladoras


O modelo de regulação por agências independentes foi difundido para
outros setores, além da infra-estrutura, originando a criação de mais sete
agências independentes federais: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional
de Águas (ANA), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq),
Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Agência Nacional do Cinema
(Ancine), Agência Nacional de Aviação (Anac). Todas as agências apresentam
o mesmo desenho institucional das três primeiras, ou seja, configuram-se
como autarquias especiais, sendo o que basicamente, as distingue é o tipo
de regulação que exercem, se econômica ou social.


As causas da expansão do modelo de regulação através de agências
independentes é um tema de estudo recorrente na literatura especializada.
No caso das agências dos setores de infra-estrutura, a principal explicação
para sua criação é a necessidade de conferir credibilidade regulatória aos
investidores e agentes econômicos. Isso porque esses setores normalmente
constituem monopólios naturais e requerem que os órgãos reguladores tenham
autonomia em relação às pressões políticas de governos, a fim de assegurar
a competitividade econômica do setor através da criação ou simulação da
concorrência e universalizar os serviços ao público em um ambiente com
regras estáveis (MELO, 2001; MUELLER e PEREIRA, 2002). As agências
reguladoras na área social são explicadas, principalmente, por questões de
natureza administrativa e política, como necessidade de instituir órgãos
administrativos mais flexíveis ou transferir os custos políticos de tomada
de decisões impopulares do governo para órgãos técnicos independentes
(blame shifting). A regulação por agência independente nesses setores teria
outra lógica, segundo a literatura, como prover a qualidade dos serviços
oferecidos e defender os direitos dos usuários e combater a assimetria de
informação e externalidades negativas (GELIS FILHO, 2006; MELO, 2002)


No entanto, não se pode dizer que há consenso teórico nem evidências
empíricas suficientes na literatura sobre a verdadeira rationale para a
difusão do modelo de agências reguladoras independentes no Brasil. Embora
as lógicas apontadas para justificar a criação das agências sejam
distintas, o modelo institucional existente é o mesmo (ou muito
semelhante), independentemente do setor, se econômico ou social. Nesse
caso, vale ressaltar que o PDRAE havia definido que as atividades
tipicamente desempenhadas pelas agências reguladoras dos setores sociais
deveriam ficar a cargo de agências executivas. O fracasso do modelo de
adesão criado para difundir as agências executivas somado a um processo de
isomorfismo organizacional propagado pela onda do novo gerencialismo na
administração pública pode explicar porque essas foram preteridas pelas
agências reguladoras (COSTA, 2002)[21].


O modelo das agências se difundiu, também, para outros níveis da
federação, a partir de 1997 e, atualmente, existem vinte e três agências
estaduais em funcionamento no país. As agências estaduais diferenciam-se
das federais por serem multi-setoriais, com exceção do estado de São Paulo
onde foram criadas duas agências, a CSPE e Artesp para regular setores
isolados. Vale dizer que as agências reguladoras estaduais se diferenciam
muito no que se refere às suas respectivas áreas de atuação, objetivos,
estrutura funcional, grau de autonomia e mecanismos de controle. De modo
geral, os poucos estudos sobre as agências estaduais ressaltam sua
fragilidade institucional, pelo fato de terem sido criadas após a
privatização de empresas ou serviços públicos, e por não gozarem de
autonomia em relação aos governos dos Estados (MELO, 2002)[22].


Marco regulatório inconcluso[23]


Anunciado como inovação institucional durante o governo Fernando
Henrique Cardoso, destinado a conferir a legibilidade necessária aos
setores de infra-estrutura privatizados, pode-se dizer que o novo modelo
regulatório continua em aberto. As oscilações nas propostas de alterações
do marco regulatório ocorreram durante os primeiros anos do governo Lula e
a real possibilidade de mudanças nas agências ao sabor da conjuntura
evidencia a fragilidade e instabilidade institucional do novo modelo
estabelecido. Inicialmente, o governo Lula considerou o processo de
liberalização ocorrido no governo FHC como uma espécie de "terceirização do
Brasil" e as agências foram acusadas de ter excessiva autonomia política e
falta de transparência nas relações entre reguladores e regulados, com
fortes prejuízos para os cidadãos-consumidores. Nesse contexto, ganhou
força a idéia de centralizar poder nos ministérios de infra-estrutura
(Ministério das Comunicações e Ministério de Minas e Energia). A partir de
abril de 2003, as críticas às agências reguladoras se amenizaram, mas
permaneceu o interesse do governo Lula em alterar o seu formato.


O governo passou a considerar a ideia de criação de contratos de
gestão, a serem assinados entre todas as agências e os ministérios
correspondentes ao setor regulado e transferir as atribuições de licitação
e de concessão dos serviços públicos para os ministérios. Além disso, um
grupo de trabalho da Casa Civil, coordenado pelo subchefe de assuntos
governamentais, Luiz Alberto dos Santos, preparou um relatório para ser
encaminhado ao presidente da República propondo a extinção da ANA e da
Ancine, a aceleração do processo de criação da ANAC.


No final de agosto de 2003, o governo elaborou minutas de dois
projetos para alterar o funcionamento das agências. O primeiro projeto
retirava das agências o poder de concessão de serviços públicos. O segundo
alterava a duração dos mandatos dos presidentes e dos diretores das
agências. A proposta de transferência do poder de concessão das agências
para os ministérios gerou fortes críticas por parte da oposição, uma vez
que no setor elétrico e de petróleo ainda existiam empresas estatais
vinculadas ao Ministério de Minas e Energia, como a Petrobras e a
Eletrobrás.


Em outubro de 2003, o governo alterou novamente seu posicionamento.
Através do relatório interministerial que serviu de base para a elaboração
dos projetos de lei que pretendiam mudar a relação das agências com o Poder
Executivo, o governo Lula passou a considerar o fortalecimento das agências
indispensável para a promoção do bem-estar social, para o sucesso dos
investimentos privados e a manutenção das tarifas e, também, para a
disponibilidade e acesso aos serviços. Além disso, considerou positivo os
mandatos estáveis para os diretores das agências, com duração diferente da
do presidente da República, a fim de garantir independência às agências.
Por fim, defendeu-se a necessidade dos próprios ministérios fazerem as
licitações nos setores. Essa posição, contudo, sofreu alteração a partir de
meados de outubro, quando o governo começou a discutir a possibilidade de
rever a proposta de retirar das agências reguladoras o poder de outorga.
Passou-se, então, a defender o poder das agências em licitar e outorgar as
concessões de serviços públicos.


O discurso do governo Lula sofreu nova modificação em abril de 2004,
quando passou a defender propostas para a criação de um contrato de gestão
a ser assinado entre as agências e os respectivos ministérios setoriais, a
implantação de uma ouvidoria em cada agência para facilitar a comunicação
da população com as agências, a adequação dos mandatos das diretorias das
agências em quatro anos, sem serem coincidentes entre si ou com o mandato
do presidente da República e a transferência do poder concedente para os
ministérios setoriais. Neste mesmo mês, o Executivo encaminhou ao Congresso
Nacional o Projeto de Lei 3.337/2004 dispondo sobre a gestão, a organização
e o controle social das Agências Reguladoras[24]. O Projeto estabelece
estabilidade aos dirigentes das agências durante o mandato de quatro anos e
permite ao Presidente da República novos dirigentes durante o sétimo e
décimo oitavo mês do mandato. Institui, ainda, para todas as agências o
contrato de gestão, a ouvidoria independente e o condicionamento de
repasses orçamentários ao cumprimento de metas e desempenho previamente
estabelecidos.


O Projeto recebeu apoio parcial[25] e muitas críticas[26] de diversos
grupos de interesses, que atuaram fortemente no Legislativo no intuito de
intervir na nova legislação e diversas emendas parlamentares foram
realizadas principalmente para alterar o dispositivo sobre o contrato de
gestão. Entre 2004 e 2013 o Executivo não encaminou novas propostas para
alterar o marco regulatório brasileiro. Somente em março de 2013 – e
portanto já no governo Dilma Rousseff – o PL 3.337 teve sua tramitação no
Congresso interrompida por Mensagem do Poder Executivo[27]. No entanto, o
ex-Ministro do Governo Lula, Senador Eunício de Oliveira propôs em março do
mesmo ano o PLS 52/2013[28] que reinsere, basicamente, os mesmos pontos do
projeto anterior, com a adição de uma inovação na composição dos colegiados
das Agências, qual seja, a participação de representantes do Ministério
Público Federal, OAB, Procon e Idec. O PLS elaborado por Oliveira, no
entanto, não pode ser vinculado a uma política do poder Executivo. Isso
porque a retirada do PL 3.337 foi acompanhada de pronunciamentos e
sinalizações da Casa Civil de que o governo Dilma não pretende enviar um
novo projeto ao Congresso Nacional[29].


A questão da melhoria regulatória

A partir de meados dos anos 2000, a agenda política relacionada às
agências reguladoras volta-se, também, para a questão da melhoria
regulatória. Para enfrentar a questão da qualidade da regulação no país, o
Executivo Federal elaborou o Decreto 6.062, de 16 de março de 2007
instituindo o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para
Gestão em Regulação (PRO-REG). O PRO-REG tem o objetivo declarado de
"contribuir para a melhoria do sistema regulatório, da coordenação entre as
instituições que participam do processo regulatório exercido no âmbito do
Governo Federal, dos mecanismos de prestação de contas e de participação e
monitoramento por parte da sociedade civil e da qualidade da regulação de
mercados" (Decreto 6.062/07, artigo 1). Para cumprir esse objetivo,
institui-se, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, o Comitê
Gestor do PRO-REG (CGP) e o Comitê Consultivo do PRO-REG (CCP)[30].
Desde sua instituição, o PRO-REG tem promovido um conjunto de
atividades como capacitação e eventos direcionados à melhoria regulatória.
É possível afirmar que, através do PRO-REG pretende-se incorporar, no país,
as ferramentas inerentes à Análise do Impacto Regulatório (AIR) nos moldes
recomendados pela OCDE desde pelos menos 1995[31]. Apesar da instituição do
PRO-REG, o indicador de qualidade regulatória[32] desenvolvido pelo Banco
Mundial mostra uma piora da regulação no Brasil: em 1996, o indicador era
de 65,2, caindo para 55,9, em 2011. Observa-se, também, que o indicador de
qualidade regulatória do país nos últimos anos acompanha a média da América
Latina e está abaixo da média da Europa e Ásia Central e da América do
Norte (gráfico 1).
Gráfico 1 - Qualidade regulatória - Brasil e média de continentes
selecionados - 1996 a 2011.

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados disponibilizados em
http://info.worldbank.org/governance/wgi/index.asp. Consulta feita em 15 de
setembro de 2013.


CONCLUSÃO


A análise do processo de criação das agências no Brasil mostra que
faltou uma definição jurídica e institucional nítida para os órgãos
reguladores, a fim de estabelecer, por exemplo, padrões de controle social
e de relação com a administração direta e com os poderes Legislativo e
Judiciário.[33] Visto que não existe, no direito administrativo brasileiro,
jurisprudência ou normas para lidar com esta nova face da relação entre
setor público e sociedade, deve-se continuar esperando turbulenta vida para
a ação normativa e punitiva das agências, na sua interação com as empresas
e demais agentes econômicos.


Não por acaso, o funcionamento das agências é constante objeto de
crítica, seja por que seu escopo de atuação ultrapassa os limites da
regulação, ao propor e executar políticas públicas dos seus respectivos
setores, seja por conta da "politização" encontrada na nomeação de
presidentes e diretores ou ainda pela baixa qualidade do atendimento
prestado na defesa dos direitos dos usuários e consumidores nas diversas
áreas em que atuam.


Em resumo, a criação das agências prescindiu, até o momento, de um
verdadeiro regime regulatório, que desse sentido global à nova instância
regulatória. As unidades regulatórias agem independentemente de um marco de
referência, exceto os contratos das áreas em que atuam, quando os há, visto
que em setores onde não houve privatização agora também se alojam agências.
A existência das agências reguladoras como entidades independentes, traz
consigo um conjunto de problemas relevantes, tais como o da delegação
legislativa e o da invasão de territorialidades institucionais, além de
várias questões ligadas à legitimidade política, no que se refere a sua
competência delegada, e de legitimidade substantiva, no que se refere a
seus procedimentos internos, principalmente aqueles de natureza quase-
judiciária[34].


Grande parte da atividade estatal é atividade regulatória, existindo
centenas de órgãos que a ela se dedicam. Não parece natural que toda essa
atividade comece a transitar em direção ao modelo de agências
independentes. Esta modalidade de regulação pode ser adequada a algumas
instâncias intensivas em conhecimento técnico, mas nem sempre indicada para
todo e qualquer aspecto da política regulatória. O modismo administrativo
tende a ser atraente, com enorme capacidade de conversão de novos adeptos.
Se vier a prevalecer sobre a criteriosa definição de áreas de atividade, de
novo, pode ser dilapidada a unicidade do experimento recente, levando-o até
a banalização. Claro, esta é hipótese radical, mas com bons antecedentes na
memória institucional brasileira.

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Sobre os autores



Edson Nunes
Ph.D., "Political Science" - U.C.Berkeley. Integrou a Câmara de Ensino
Superior do Conselho Nacional de Educação-CNE, exerceu a presidência da
Câmara e do Conselho. Ex-Presidente do IBGE, Vice-Presidente Executivo do
IPEA, Secretário Geral Adjunto do Ministério do Planejamento. Integrou o
Conselho de Administração do BNDES, FINEP e Dataprev. Pró-Reitor da
Universidade Candido Mendes, Diretor-Geral da Faculdade Integrada AVM,
Presidente do Conselho de Administração do IBAM, Membro da Associação
Brasileira de Educação, Diretor Geral do Observatório Universitário:
www.observatoriouniversitario.org.br

Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5118474363373140


Leandro Milhano Ribeiro
Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e Graduado em Ciências Sociais pela
UFMG. É docente do Mestrado em Direito da Regulação e do curso de graduação
em Direito da Fundação Getúlio Vargas-RJ. Realiza pesquisas na área de
Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas, Instituições Políticas
e Análise do Processo Decisório.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/9288460281852924


Vitor Peixoto
Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF) e atualmente coordenador do curso de Ciências Sociais.
Possui mestrado e doutorado pelo Instituto Universitário de Pesquisas do
Rio de Janeiro (antigo IUPERJ). Tem experiência na área de Ciência
Política, com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos Políticos, atuando
principalmente nos seguintes temas: eleições, partidos políticos,
financiamento de campanhas, accountability e representação.

Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4676437210734787










-----------------------
[1] Custo de Transação é um conceito introduzido pela clássica obra de
Coase (1937) para se referir aos custos para além daqueles necessários para
a produção de bens (insumos e mão de obra), ou seja, custos oriundos da
interação entre agentes econômicos e que impões obstáculos ao livre mercado
e à concorrência. São exemplos de custos de transação a negociação e as
garantias de cumprimento dos contratos. As instituições podem atuar para
diminuir estes custos e impedir comportamentos oportunistas dos agentes
estabelecendo, por exemplo, leis antitrustes e tribunais de arbítrio. Nas
décadas de 70 e 80, nos trabalhos de Oliver Williamson (1975, 1979, 1985) o
conceito de custos de transação ganha destaque tornando-se um dos
principais determinantes da superação dos obstáculos para o desenvolvimento
econômico
[2] Externalidades são as consequências da produção de bens e trocas
econômicas de agentes sobre terceiros que não participaram da relação ou
produção diretamente. As externalidades podem ser negativas (como a
poluição do ar) ou positivas (diminuição dos custos de mão de obra por
política imigratória). Ver Stigler (1971).


[3] A atividade regulatória como captura do Estado por agentes econômicos
para implementar políticas em benefício próprio, particularmente medidas de
subvenção, barreiras de entrada ao mercado, subsídios e fixação de preços
foi concebida e desenvolvido por George J. Stigler em uma corrente
econômica que ficou conhecida como Escola de Chicago. Sobre o tema ver
Stigler, 1975, 1988, 1995.
[4] O termo accountability não tem tradução literal para o português. Diz
respeito à capacidade dos cidadãos premiarem ou punirem os governantes, de
acordo com a avaliação que fazem do seu desempenho no governo. O'Donnell
(1998) refere-se à accountability vertical, como a possibilidade dos
cidadãos premiarem ou punirem os mandatários por meio de eleições livres e
idôneas, e à accountability horizontal como "a existência de agências
estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e
capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a
sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões de outros
agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como
delituosas"(O'DONNELL, 1998, p: 40) . Sobre os mecanismos de controle e
accountability das agências reguladoras brasileiras ver: Pó e Abrucio,
2006.
[5] A descrição desse processo foi feita a partir de uma extensa pesquisa
documental e entrevistas com atores relevantes que dele participaram . Para
maiores detalhes ver NUNES et al., 2007.
[6] As sete outras agências federais são: ANS, Anvisa, ANA, Ancine, Antaq,
ANTT e ANAC. Os links para todas as dez podem ser acessados em
http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/estrutura/agencias-reguladoras. As
outras vinte e três agências estaduais podem ser encontradas no link:
http://www.regulacao.gov.br/agencias-reguladoras-estaduais. Existem também
outras oito agências municipais que podem ser acessadas em:
http://www.regulacao.gov.br/agencias-reguladoras-municipais
[7] Vale ressaltar que não foi a primeira vez que se recorreu ao discurso e
à estratégia do insulamento burocrático para instituir ilhas de excelência
técnica protegidas da política partidária na administração pública
brasileira com o objetivo de operar setores da economia. De fato, a
primeira reforma do Estado brasileiro, implementada pelo governo Vargas, a
partir de 1936, caracterizou-se pelo fortalecimento da administração
diretamente vinculada à Presidência da República, através da criação do
Departamento de Administração do Serviço Público (DASP, criado em 1938).
Naquela ocasião, pretendia-se instituir um Estado interventor, fortemente
centralizado e formado por uma burocracia profissional, regida pelo
universalismo de procedimentos e insulada . Esse modelo burocrático deveria
ser complementado por uma intervenção do Estado na economia exercida por
órgãos reguladores, institutos e agências de proteção a determinados
produtos e indústrias (corporativismo) e empresas estatais e autarquias
(Nunes, 2003)
[8] Segundo Bresser Pereira (1999, 2001) as agências autônomas deveriam se
responsabilizar pelas atividades exclusivas do Estado, ou seja, aqueles que
envolvem o poder do Estado e garantem o cumprimento das leis e das
políticas públicas. As organizações sociais se responsabilizariam pelos
serviços não-exlusivos do Estado, concebidos como aqueles que podem ser
oferecidos pelo setor privado e o setor público não estatal, além do
próprio Estado, tais como serviços de educação, de saúde, de cultura, etc.
[9]As diretrizes da reforma encontram-se expostas nos diversos textos de
Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro do MARE desde o início do governo em
1995 até sua desincompatibilização do cargo em 1998.
[10] No Brasil, os órgãos da administração direta configuram-se como
departamentos integrados à estrutura administrativa do poder executivo,
seja no nível federal, estadual ou municipal, sendo hierarquicamente
subordinados, respectivamente, aos ministérios da Presidência da República
ou às secretarias dos governos estaduais e municipais. Os órgãos
independentes, ao contrário, pertencem à administração indireta, o que
significa dizer que se constituem como pessoas jurídicas criadas por lei e,
embora sejam vinculadas a órgãos do poder executivo, gozam de uma autonomia
prevista na lei de sua criação. Se forem pessoas jurídicas de direito
público assumem a forma de autarquias e fundações. Se forem pessoas
jurídicas de direito privado podem ser sociedades de economia mista e
empresas estatais. Nesse sentido, a proposta de criação de agências
significou a tentativa de fortalecer os órgãos da administração indireta.
[11] O Conselho de Reforma do Estado era formado pelos seguintes
integrantes: Maílson Ferreira da Nóbrega (Presidente), Antônio Ermírio de
Moraes, Antônio dos Santos Maciel Neto, Bolívar Lamounier, Celina Vargas do
Amaral Peixoto, Gerald Dinu Reiss, Hélio Mattar, João Geraldo Piquet
Carneiro, Joaquim Falcão, Jorge Wilheim, Luiz Carlos Mandelli, Sérgio
Henrique Hudson de Abranches, e o Ministro do MARE, Luiz Carlos Bresser
Pereira.
[12] Conselho de Reforma do Estado (1997).
[13] A Lei de Concessões foi elaborada por Fernando Henrique Cardoso quando
este era Senador da República.
[14] O art. 175, da Constituição Federal, determina que: "Incumbe ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos".
[15] Descrições detalhadas dos processos de constituição da Aneel, da A
natel e da ANP encontram-se em Nunes, E. et al., (2007) e consiste em um
dos produtos do projeto Agências Reguladoras: gênese, contexto,
perspectivas e controle, realizado na Universidade Candido Mendes, com
auxílio do CNPq, entre março de 2005 e fevereiro de 2006.
[16] Antes das privatizações e liberalizações, os setores de energia e
telecomunicações eram organizados através de empresas de economia mista,
sendo o Estado detentor da maioria do capital votante . No setor de energia
elétrica, estruturado através de sistemas interligados de geração,
transmissão e distribuição de energia, a Eletrobrás era responsável por
aproximadamente 25% da geração de energia e a maior parte da distribuição,
cerca de 85%, era realizada por empresas estaduais. Nas telecomunicações, a
Telebrás controlava a Embratel, única operadora de chamadas de longa
distância, e diversas prestadoras de serviços telefônicos que atuavam nos
estados. No caso do petróleo e gás natural, a Petrobrás tem, até hoje,
forte controle sobre o setor . A regulação desses setores era exercida pelo
Departamento Nacional de Combustível (DNC) e pelo Departamento Nacional de
Águas e Energia Elétrica (Dnaee), ambos subordinados ao Ministério de Minas
e Energia, e pelo Departamento Nacional de Telecomunicações, subordinado
Ministério das Comunicações (Melo, 2002).
[17] Ressalte-se que não há no direito administrativo brasileiro uma
definição precisa sobre o gênero autarquia. A especificação autarquia
especial pretende enfatizar a autonomia administrativa e financeira da
autarquia e no caso das agências reguladoras se apóia na determinação de
mandatos fixos e estabilidade dos seus dirigentes.
[18]As consultorias contratadas foram a McKinsey & Company, responsável
pela definição do modelo econômico; a Lehman Brothers; Dresdner Kleinworth
Benson; Motta, Fernandes Rocha & Associados Advogados para a reestruturação
e privatização do Sistema Telebrás; e a Sundfeld Advogados: organização dos
serviços e criação do órgão regulador (Prata, Beirão and Tomioka, 1999)
[19] Segundo a exposição de motivos do Ministério das Comunicações à Lei
Geral das Telecomunicações enviada ao Executivo, "a natureza fiducial, no
campo dos negócios jurídicos, fundada no princípio da autonomia da vontade,
sinônimo de confiança, conhecida desde o direito romano, confere, a quem se
atribui a gestão de bens e direitos destinados à realização de determinados
fins, ampla liberdade de ação e plena titularidade de direitos e
prerrogativas voltados à consecução do escopo assinalado" (...)
"Entretanto, a possibilidade de que uma interpretação conservadora da
Constituição - no sentido de que o fato de ela expressamente se referir ao
órgão regulador das telecomunicações não conferiria a esse organismo,
necessariamente, tal condição de autonomia - poderia significar algum risco
à implementação da reforma, fez com que se procurasse, neste momento, uma
proposta mais cautelosa."

[20] O contrato de gestão foi previsto também para a ANS e a Anvisa.
[21] É comum também a referência à Aneel, Anatel e ANP como agências da
primeira geração, as agências da área de saúde (Anvisa e ANS) como de
segunda geração e as demais como de terceira geração. Nos dois primeiros
casos ter-se-ia clara referência à regulação de mercados, sendo as três
primeiras agências instituídas para cuidar dos setores de infra-estrutura
privatizados e flexibilizados e as agências da área de saúde para
resguardar os interesses dos cidadãos frente a um mercado competitivo. Já a
criação das agências de terceira geração, dado a diversidade de finalidades
e áreas de atuação, indicariam uma "perda do refrencial de regulação de
mercados" e seriam exemplo de um "mimetismo" institucional, ou seja, cópia
de um mesmo formato institucional para cuidar de situações completamente
diferentes (Pó e Abrúcio, 2006 p: 684).
[22] Para uma relação das agências reguladoras estaduais ver
www.abar.org.br
[23] Informações detalhadas sobre o discurso a respeito das agências
reguladoras nos primeiros anos do governo Lula, a partir da compilação de
notícias nos principais jornais do país encontram-se em Nunes et alli
(2005).
[24] O PL 3.337/2004 pode ser encontrado em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/PL/2004/msg166-040412.htm
[25] Em 20 de Julho de 2007 a CNI assim se pronunciou em seu site: "A
aprovação do Projeto de Lei 3.337/2004 é uma das prioridades do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em janeiro de 2007 pelo governo
federal. No dia 3 de julho, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o
pedido de urgência para sua votação.
A CNI concorda com essa decisão por acreditar que a lei será de
fundamental importância para a melhoria do ambiente de negócios do país. A
indústria, um dos maiores usuários de serviços públicos, sofre os impactos
da baixa qualidade de alguns serviços e do volume insuficiente de
investimentos no setor de infra-estrutura." Para mais detalhes ver:
http://www.cni.org.br/portal/data/pages/FF808081272B58C00127310403D67937.ht
m
[26] Duas entidades corporativas foram bastante atuantes e contundentemente
críticos ao PL 3.337, a saber, o sindicato de servidores das Agências, o
Sinagências
(http://www.sinagencias.org.br/pub/?CODE=01&COD=6&X=1603) e a Associação
Brasileira de Agências de Regulação, ABAR (http://www.abar.org.br/atas-de-
assembleias-gerais.html).
[27] MSC 90/13:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=AF9C1
2DE703A25002731E522148B1AA5.node1?codteor=1072308&filename=Tramitacao-
PL+3337/2004
[28] Para o PLS 52/2013 ver:
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=111048
[29] Ver http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1246927-governo-quer-
fortalecer-agencias-reguladoras-para-proteger-consumidor-diz-dilma.shtml e
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-03-15/dilma-agencias-
reguladoras-serao-fortalecidas
[30] As atribuições dos comitês são: "I - mobilizar os órgãos e entidades
da administração pública envolvidos no processo regulatório; II - coordenar
e promover a execução de estudos e pesquisas e formular propostas a serem
implementadas no âmbito dos órgãos e entidades envolvidos no processo
regulatório; III - identificar e propor a adoção de modelo de excelência em
gestão regulatória, bem assim elaborar os instrumentos necessários a sua
implementação; e IV - apoiar tecnicamente os órgãos e entidades da
administração pública na implementação das medidas a serem adotadas."
(Decreto 6.062/07, artigo 4)
[31] A AIR é um instrumento de avaliação de custos e benefícios de
alterações ou inovações nas regras regulatórias. Ver, sobretudo, os
seguintes documentos da OCDE: Recomendação do Conselho da OCDE sobre a
Melhoria da Qualidade da Regulação do Governo (1995); Relatório sobre
Reforma Regulatória (1997); Guiding Principles for Regulatory Quality and
Performance (2005).
[32] O indicador de qualidade regulatória é construído a partir da
percepção de especialistas do setor privado e atores do setor público,
Organizações não Governamentais, indivíduos e empresas sobre a capacidade
do governo em formular e implementar políticas e regulações capazes de
promover o desenvolvimento do setor privado. Kaufmann, Daniel and Kraay,
Aart and Mastruzzi, Massimo, The Worldwide Governance Indicators:
Methodology and Analytical Issues (September 2010). World Bank Policy
Research Working Paper No. 5430. Paper disponível na base SSRN:
http://ssrn.com/abstract=1682130.
[33] Diagnósticos semelhantes podem ser encontrados em Wald e Moraes
(1999).
[34] Delegação legislativa refere-se às possibilidades e aos limites dos
órgãos do Estado exercerem o poder legislativo através da edição de normas
ou de regulamentos autônomos. Para uma discussão sobre o tema ver Barroso
(2009). Usamos o termo territorialidade institucional apenas para
problematizar a necessidade de definições claras sobre as atribuições das
agências, de modo que suas atividades não extrapolem campos de atuação
exclusiva de outras instâncias institucionais. Nesse sentido, por exemplo,
pode-se discutir até que ponto as agências ao exercerem suas funções quase-
legislativas estariam invadindo uma atribuição específica do Poder
Legislativo.
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