\"Agora, plantam lá barracas\": os problemas de habitação em Lisboa e o nascimento do Bairro Chinês

June 7, 2017 | Autor: J. Santana da Silva | Categoria: Urban History, Housing, Social History, Affordable Housing, Social Housing
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Vista do Bairro Chinês, na zona junto aos caminhos de ferro, no final da década de 1960. [Arquivo pessoal de Mário Pinto Coelho]

Os problemas de habitação em Lisboa e o nascimento do Bairro Chinês João Santana da Silva historiador

Per onde entrava a luz, havia de entrar tambem o vento, a chuva, o frio, o calor, toda a sorte de inclemencia. As paredes eram uma casca de noz, os alicerces uma abstracção, a segurança um mytho, a hygiene um impossivel. Aberta, cada uma d’estas réles barracas era uma praça; fechada, era um tumulo1. Abel Botelho, Amanhã

1  BOTELHO, Abel – Amanhã. Porto: Livraria Chardron, 1902, p. 28.

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Apesar da progressiva mutação das quintas da zona oriental lisboeta até ao século xviii, nomeadamente para uma utilização cada vez mais produtiva e, numa palavra, prática, os séculos seguintes apanhá-las-iam de surpresa. Seria, talvez, difícil prever a transformação que o século xix traria à paisagem de Marvila e arredores. O facto é que, como viria a testemunhar-se com o súbito crescimento dos bairros de habitação clandestina ( ou de barracas ), as estruturas habitacionais e sociais existentes para lá de Santa Apolónia eram francamente insuficientes para dar resposta às necessidades da população que chegava a Lisboa para trabalhar na nova e pulsante indústria da cidade. As poucas soluções de habitação eram, aliás, comuns a praticamente toda a cidade, tendo a população – sobretudo a operária – dependido muito, a partir de meados do século xix, da iniciativa pública, de grandes empresários e de algumas sociedades

cooperativas para encontrar alojamento. Os resultados destas construções continuam hoje a ser visíveis em Marvila. Em 1959, Lisboa tinha sido reorganizada administrativamente, resultando na criação da freguesia de Marvila, entre outras. Com esta mudança, tornara-se possível dar mais atenção aos problemas locais de bairros e zonas outrora esquecidos. No entanto, uma das questões mais importantes mantinha-se urgente e sem solução eficaz à vista: o problema da habitação em Lisboa, e em especial o da habitação clandestina. Este problema, ao contrário do reajustamento dos limites de cada freguesia, afigurava-se um desafio bem mais difícil. Com o aparecimento de enormes bairros de barracas como a Quinta do Marquês de Abrantes e o Bairro Chinês, e o seu imparável crescimento entre as décadas de 1940 e 1970, era chegado o momento de lhe dar resposta.

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“Agora, plantam lá barracas” O A U M E N T O P O P U L A C I O N A L E O S P R O B L E M A S D E H A B I TA Ç Ã O

Em 1959, já com António França Borges na Câmara Municipal de Lisboa, o panorama da habitação era bastante negro. A população mantivera-se em constante crescimento nas principais cidades portuguesas, sobretudo nas situadas no litoral, que exerciam maior atração sobre as populações rurais, em fuga dos campos e da pobreza e do desemprego associados ao setor agrícola. A capital, pela grande concentração de indústrias e serviços, pelo fácil acesso dos transportes à cidade e pelo efeito “bola de neve” criado pelas famílias que, já em Lisboa, chamavam familiares e amigos do interior do país para com elas se reunirem, será o exemplo maior deste crescimento vertiginoso da população urbana. Deste modo, o século xx foi marcado pela constante e crescente concentração populacional em torno, sobretudo, de Lisboa e Porto. Segundo Teresa Rodrigues Veiga, estas migrações do campo para os centros urbanos – mas que também tinham como destino outros países – “aceleraram o abandono dos campos” e “fomentaram o crescimento, por vezes desordenado, dos concelhos circundantes às grandes cidades”2. Este “processo de litoralização”, como o designa a autora, terá começado a ser mais vincado a partir da década de 1930, com deslocações muito superiores aos saldos naturais da população ( nascimentos e óbitos ), originando o rápido envelhecimento do interior à custa do litoral. Como consequência, durante as décadas seguintes, o crescimento populacional bipolarizou-se em torno de Lisboa e Porto. Na década de 1960, apenas cinco distritos viram a sua população aumentar, sendo três deles contíguos às duas maiores cidades portuguesas: Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Setúbal3. Como seria de prever, a capacidade de resposta urbanística e habitacional de Lisboa era fraca perante a avalanche populacional. Segundo um recenseamento geral da população em 1950, havia 2592 famílias sem habitação no país, 240 das quais no distrito de Lisboa. Quanto à zona urbana, no concelho de Lisboa foram identificadas setenta famílias sem habitação. Em si, os números não são reveladores do desfasamento entre população e acesso à habitação, já que não incluíam a população a residir em condições muito precárias, quer fosse em barracas ou não.

No mesmo ano, estimava-se que 2,1% da população lisboeta vivia em construções provisórias, enquanto outras localidades – muitas situadas nas proximidades da capital – registavam percentagens ainda mais elevadas: Setúbal ( 8,1% ), Moscavide ( 6,8% ), Póvoa de Santa Iria ( 6,4% ), Mina de São Domingos ( 3,9% ), Riachos ( 3,5% ), Azambuja ( 3,1% ), Cova da Piedade ( 2,8% ), Costa de Caparica ( 2,4% ), Estoril ( 2,4% ) e Ourique ( 2,2% ). A ilação que se retira destes dados é a estreita ligação entre as zonas industriais ou piscatórias e os graves problemas de habitação, que se faziam sentir sobretudo no Sul do país4. Em 1990, Celeste Cardoso, moradora em Marvila, perto da Quinta do Marquês de Abrantes, afirmava ao jornal Público: “Até aos 15 anos, isto era muito diferente. Era tudo quintas, havia bois à lavra, mulheres a apanhar azeitona, trigo, cevada. Agora, plantam lá barracas.”5 A questão das barracas, ou da habitação clandestina, já vinha de há muitas décadas na zona de Marvila. Pode-se afirmar que os problemas de habitação são, no mínimo, tão antigos quanto o surto de industrialização de finais do século xix nesta parte de Lisboa. Tal como refere Rui Cascão, uma das consequências da industrialização dos centros urbanos portugueses na segunda metade do século xix, “agravada pelo rápido aumento da população, foi a escassez da habitação e o excessivo preço dela, que se reflectiu sobre o nível de vida das classes laboriosas”6. Ou seja, a progressiva escassez de casas disponíveis influencia o acesso às poucas ainda desocupadas, fazendo disparar os preços e as rendas para valores incomportáveis para a maioria das pessoas que procuravam, então, alojamento na capital: operários e migrantes de zonas rurais. Estas populações que vão surgindo na cidade vêm em busca de melhores condições de vida, o que significava que já traziam poucas posses do seu meio original. A isso somavam-se um baixo nível de escolaridade ou de especialização profissional e os poucos contactos e redes sociais na cidade anfitriã, fatores que contribuem para os migrantes ficarem praticamente impossibilitados de ter uma habitação condigna, recorrendo quase sempre a “expedientes habitacionais”7 para remediar a situação. Por outras palavras, recorrendo aos subalugueres, à partilha de casas ( sobrelotadas ) com outras famílias e à construção de barracas.

2  VEIGA, Teresa Rodrigues – “A transição demográfica”. In LAINS, Pedro; SILVA, Álvaro Ferreira da ( org. ) – História Económica de Portugal ( 1700-2000 ). Volume III: O Século XX. 3.ª edição. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012, p. 47. 3  Idem, p. 48. 4  CASCÃO, Rui – “Modos de Habitar”. In MATTOSO, José ( dir. ); VAQUINHAS, Irene ( coord. ) – História da Vida Privada em Portugal: A Época Contemporânea. Lisboa: Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011, pp. 39-40. 5  Público, 15 de maio de 1990, citado em CONSIGLIERI, Carlos; RIBEIRO, Filomena; VARGAS, José Manuel; ABEL, Marília – Pelas Freguesias de Lisboa – Lisboa Oriental: São João, Beato, Marvila, Santa Maria dos Olivais. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa – Pelouro da Educação, 1993, p. 99. 6  CASCÃO, Rui – “Modos de Habitar”. In MATTOSO, José ( dir. ); VAQUINHAS, Irene ( coord. ) – História da Vida Privada em Portugal: A Época Contemporânea…, p. 49. 7  BAPTISTA, Luís V. – Cidade e Habitação Social: O Estado Novo e o Programa das Casas Económicas em Lisboa. Oeiras: Celta Editora, 1999, p. 8.

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PÁT I O S E V I L A S L I S B O E TA S

8  Idem, p. 28. 9  PEREIRA, Nuno Teotónio – “Pátios e vilas de Lisboa, 1870-1930: a promoção privada do alojamento operário”. Análise Social. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Vol. XXIX, n.º 127 ( 1994 ), pp. 509-524, p. 511. 10  Revista Universal Lisbonense, 27 de fevereiro de 1845. Citado em CASCÃO, Rui – “Modos de Habitar”. In MATTOSO, José ( dir. ); VAQUINHAS, Irene ( coord. ) – História da Vida Privada em Portugal: A Época Contemporânea…, p. 32. 11  BOTELHO, Abel – Amanhã. Porto: Livraria Chardron, 1902, p. 28.

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Uma das alternativas à construção de barracas – habitações bastante vulneráveis, improvisadas de excedentes de madeira e chapa ( o que deu origem ao nome bairros de lata ) – era o alojamento em antigos palácios, solares ou pátios, aproveitando muros e, se possível, divisões já existentes. Mesmo em zonas de crescente industrialização, como era a zona oriental, estas heranças de tempos senhoriais anteriores ao liberalismo estavam disponíveis, ainda que em ruínas. O primeiro surto populacional – de 197 mil para trezentos mil habitantes em Lisboa, entre 1864 e 1890 – resulta na procura de alojamento, sobretudo nas imediações das fábricas modernas, locais onde os novos residentes se instalam em espaços habitacionais conhecidos como pátios e vilas8. Como explica o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, enquanto a burguesia das novas cidades via as suas necessidades habitacionais serem atendidas pelas políticas urbanísticas do regime monárquico, “da habitação das então chamadas classes laboriosas ninguém cuida: as famílias operárias vêem-se então obrigadas a procurar alojamento em espaços desocupados ou em velhos pardieiros arruinados, onde improvisam elas próprias precárias habitações ou se acomodam de qualquer maneira, sempre mediante o pagamento de uma renda ao proprietário”9. Estes pátios eram já descritos, em meados do século xix, da pior forma: “São os pátios uma espécie de ilhas encobertas, que ainda se encontram ( posto que já foram em maior número ) no meio deste mare magnum de ruas e gentes chamado capital. […] Num labirinto mais ou menos amplo de barracas, pardieiros, pocilgas, ruínas e entulhos, vive um formigueiro humano, onde a miséria, o vício e o crime se revezam, se perpetuam, e permutam entre si os seus reflexos escuros e aborrecidos; – ali o sol não penetra senão a custo; a civilização nada; a religião com a tumba, e a polícia em algum caso extremo.”10 O escritor Abel Botelho, no seu romance naturalista Amanhã, descreve muito do quotidiano destes operários de Chelas, Xabregas,

Beato e Braço de Prata no início do século xx, inclusivamente as condições das suas habitações: “Um duplo renque de casebres, de singela madeira e taipa, mal armados, imundos, quasi sem beiraes, sem fórros, sem vidraças, todos riscados no mesmo padrão, com a mesma feição patibular, todos calcados no anonymato peculiar ás coisas infimas. Assim como era um, eram todos. Rez do chão e um andar: em baixo, alternadamente, uma janella e uma porta; em cima uma sucessão monotona de janelas. Mas nem as portas tinham resguardo, nem as janelas caixilhos. Per onde entrava a luz, havia de entrar tambem o vento, a chuva, o frio, o calor, toda a sorte de inclemencia. As paredes eram uma casca de noz, os alicerces uma abstracção, a segurança um mytho, a hygiene um impossivel. Aberta, cada uma d’estas réles barracas era uma praça; fechada, era um tumulo”11. Note-se que, a acrescentar às péssimas condições das casas dos operários de Marvila e arredores, as próprias ruas, quando as havia, não ofereciam quaisquer garantias de segurança: “Agora, avançando os pés com precaução, os cinco operários desandaram, medindo a

O primeiro surto populacional – de 197 mil para trezentos mil habitantes em Lisboa, entre 1864 e 1890 – resulta na procura de alojamento, sobretudo nas imediações das fábricas modernas.

O pátio interior do Palácio do Marquês de Abrantes, em meados do século XX, por onde passaram dezenas de famílias, um colégio e uma coletividade, que lá se mantém. [Arquivo Municipal de Lisboa – Fotógrafo desconhecido, s. d., PT/AMLSB/PEL/005/S02945]

todo o comprimento a ilha, e tornando a percorrer toda a rua da Bella-Vista; depois, cortando ao alto a calçada do Grillo, internaram-se pela rua de Marvilla, voltando novamente a marchar na mais completa escuridão, entre altos muros solitários. – Na sua maior extensão a rua de Marvilla, desprovida ainda de iluminação a gaz, era de noite servida por alguns escassos candieiros de petroleo, que a camara dos Olivaes mantinha. N’aquella noite, porêm, obra talvêz do temporal, estavam apagados.”12 Na Rua de Marvila, alguns pátios tornaram-se monumentos não oficiais deste passado industrial e operário. Apesar de terem continuado a albergar moradores até à atualidade, por motivo de carências habitacionais. É o caso do Pátio do Colégio, no Palácio do Marquês de Abrantes ( que hoje acolhe a sede da Sociedade Musical 3 de Agosto ), onde viviam dezenas de famílias durante a segunda metade do século xx. José Nabais, presidente de um clube desportivo e morador na freguesia, confirma que “Marvila era muito rica em pátios – Pátio da Liberdade, por exemplo”, lembrando que os portugueses chegaram a enfatizar estes locais de habitação no cinema, dando o exemplo do filme O Pátio das Cantigas ( realizado por Francisco Ribeiro em 1942 ). Uma homenagem que, segundo este marvilense, foi sendo cada vez menos frequente, ao contrário do que aconteceu com os “nossos vizinhos aqui ao lado, nuestros hermanos”, que valorizaram os seus pátios andaluzes. Já em Marvila, praticamente só restam exemplos como o do Pátio Marialva ( também na Rua de Marvila ) ou o do Pátio Beirão ( na Rua do Açúcar ). Para além dos pátios, a partir de 1870 começaram a construir-se vilas13 para a população com menor capacidade económica, por iniciativa de pequenos proprietários e de industriais, estes últimos para alojar os trabalhadores das suas empresas. Estas vilas eram “grupos de pequenos edifícios construídos em volta de um espaço comum, geralmente uma rua privada, […] com origem na forma tradicional do pátio, do qual tinha naturalmente evoluído”14, e construídas em idênticas zonas da cidade. As primeiras fábricas a construir habitações para os seus operários terão sido as do setor têxtil. A Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonenses iniciara essa prática em 1873, ao construir 49 habitações para os seus trabalhadores. Mas na zona oriental de Lisboa, cedo se seguiu o exemplo. Em 1887, a Companhia do Fabrico de Algodões de Xabregas, fundada pelo inglês Alexandre Black, edificou um conjunto habitacional próximo do Largo Marquês de Nisa: a Vila Flamiano. Bastante conhecida em Lisboa, a sua importância e memória não foram apagadas pela passagem do tempo, persistindo na toponímia mais informal a designação de Pátio do Black15.

Apesar de não ter sido erigida sob uma orientação tão cuidada como outros projetos ligados a industriais e empresários, a Vila Dias, construída em 1888 no Alto dos Toucinheiros e posteriormente ampliada, é outro dos maiores exemplos locais de habitação operária, alojando muitos dos trabalhadores das fábricas circundantes em habitações acessíveis. O Bairro Domingos Henriques Júnior, construído entre 1879 e 1886 na Rua Pereira Henriques, em antigos terrenos da Quinta das Conchas e da Quinta Perdigão, reunia ainda outras condições para habitação das “classes laboriosas” de Lisboa Oriental, paredes-meias com armazéns e oficinas16. Na Rua do Açúcar, muito perto do Largo David Leandro da Silva, ainda hoje é possível ver um outro exemplo de vila operária, com a rara caraterística de ter o piso habitacional sobre o próprio local de trabalho dos seus residentes: falamos, é claro, da Vila Pereira, destinada a alojar os tanoeiros e empregados de armazém do seu piso térreo. Esta vila, que se estende do n.º 24 ao n.º 50 da referida rua, foi construída também em 1887, à semelhança da sua congénere do Pátio do Black17. Já o poderoso empresário José Domingos Barreiro viria a assumir-se como um filantropo exemplar para os habitantes da futura freguesia de Marvila, ao construir em 1917 um grande conjunto de habitação para os seus trabalhadores, com 42 fogos. Praticamente criou um quarteirão com esse propósito. Refere a jornalista Ana Gomes: “Todo um quarteirão da Rua Fernando Palha, fachada em correnteza contígua ao edifício central dos armazéns e escritórios da firma, foi erigido com esse fito. […] Nos levantamentos levados a cabo pelos estudiosos dos bairros operários de Lisboa, os prédios da Rua Fernando Palha são de menção obrigatória.”18

12  Idem, p. 37. 13  Sobre este tipo de habitação operária em Lisboa, é possível encontrar uma análise bastante exaustiva e descritiva em PEREIRA, Nuno Teotónio; BUARQUE, Irene – Prédios e Vilas de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1995. 14  TEIXEIRA, Manuel C. – “As estratégias de habitação em Portugal, 1880-1940”. Análise Social. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Vol. XXVII, n.º 115 ( 1992 ), pp. 65-89, p. 70. 15  FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: Guia do Património Industrial…, pp. 73-75. 16  CONSIGLIERI, Carlos; RIBEIRO, Filomena; VARGAS, José Manuel; ABEL, Marília – Pelas Freguesias de Lisboa – Lisboa Oriental…, p. 106. 17  FOLGADO, Deolinda; CUSTÓDIO, Jorge – Caminho do Oriente: Guia do Património Industrial…, pp. 153-154. 18  GOMES, Ana – Acácio, Maria Beatriz e Maria Antónia Domingos Barreiro. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 2012, pp. 32-33.

A Vila Dias, na primeira metade do século XX. Construída em 1888 no Beato, para alojamento de operários das fábricas daquela zona. [Arquivo Municipal de Lisboa – Alberto Carlos Lima, s. d., PT/ /AMLSB/LIM/000883]

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Moradores de habitações precárias construídas no espaço de antigas quintas, em meados do século XX. Na imagem, a Quinta do Ferrão, em Marvila. [Arquivo Municipal de Lisboa – Vasco Gouveia de Figueiredo, s. d., PT/AMLSB/VGF/ /S01012]

Uma rua do Bairro Chinês, Marvila, em finais da década de 1960. [Arquivo fotográfico do CPS da Prodac]

Mas, apesar de se destinar a trabalhar para o fim dos bairros de lata, a nova legislação revelar-se-á insuficiente para contrariar a migração do campo para a cidade e a necessidade de obter um teto rapidamente e por um valor acessível. Em meados do século xx, a resposta possível para milhares de pessoas era o alojamento em barracas. Fossem de madeira, chapa ou aproveitando paredes de antigas quintas, as barracas continuaram a crescer. Assim, por volta de 1950, na capital já havia cerca de dez mil barracas. Isto, claro, excluindo tantos outros milhares de casas que albergavam às três e quatro famílias26. Com o inquérito aos bairros de lata de Lisboa, de 1959, chega-se à conclusão de que o seu número aumentara: quase onze mil barracas, “a maioria sem água e luz, alojando um total de 43 470 pessoas, cerca de 5% da população de Lisboa”27.

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famílias

viviam entre Marvila velha e as azinhagas que subiam por entre o espaço das antigas quintas senhoriais

A rua principal, e central, do Bairro Chinês ( ou Quinta do Marquês de Abrantes ) em 1966. Esta rua subia dos caminhos de ferro até ao campo do Clube Oriental de Lisboa. [Arquivo Municipal de Lisboa – Augusto de Jesus Fernandes, 1966, PT/AMLSB/AJF/S01379]

19  CABRAL, Manuel Villaverde – Portugal na Alvorada do Século XX: Forças sociais, poder político e crescimento económico de 1890 a 1914. Lisboa: A Regra do Jogo, 1979, pp. 302-303. 20  Decreto-Lei n.º 16 055, de 22 de outubro de 1928. Diário do Governo, n.º 248 – I Série. Ministério do Comércio e Comunicações. Lisboa. 21  CASCÃO, Rui – “Modos de Habitar”. In MATTOSO, José ( dir. ); VAQUINHAS, Irene ( coord. ) – História da Vida Privada em Portugal: A Época Contemporânea…, p. 52. 22  Idem, ibidem. 23  SILVA, Carlos Nunes – “Mercado e políticas públicas em Portugal: a questão da habitação na primeira metade do século XX”. Análise Social. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Vol. XXIX, n.º 127 ( 1994 ), pp. 655-676, pp. 665-666. 24  Decreto-Lei n.º 42 454, de 18 de agosto de 1959. Diário do Governo, n.º 188 – I Série. Presidência do Conselho. Lisboa. 25  NUNES, João Pedro Silva – “O programa Habitações de Renda Económica e a constituição da metrópole de Lisboa ( 1959-1969 )”. Análise Social. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Vol. XLVIII, n.º 206 ( 2013 ), pp. 82-100, p. 86.

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Apesar da multiplicidade de soluções habitacionais, o nível de vida em Lisboa apenas subiu gradualmente e para alguns estratos da sociedade, mantendo-se limitativo no acesso à habitação. Em 1910, Oliveira Simões publicava os resultados de uma Inquirição pelas Associações de Classe sobre a situação do operariado, que permite ver o nível de vida da população operária de Lisboa. Numa família de cinco pessoas, em que o pai e duas filhas trabalhavam na indústria metalúrgica, “categoria relativamente privilegiada”, as receitas de 770 réis diários do pai e 440 do conjunto dos salários diários das filhas não chegavam para as despesas, que ascendiam a 1$200 diários. Compare-se este salário do chefe de família com o de um outro operário, do setor têxtil, em que os ordenados eram globalmente mais baixos e ajustados à média portuguesa na atividade fabril: 470 réis. O panorama não era animador para quem procurava alojar, alimentar e vestir uma família numerosa em Lisboa no início do século19. Foi apenas na I República que se lançaram as primeiras pedras para programas de habitação com alguma sustentabilidade em Lisboa, como o do Bairro Social do Arco do Cego. Iniciado ainda no período republicano, em 1919, este bairro apenas seria terminado sob o regime do Estado Novo, ao abrigo do programa das Casas Económicas20, e inaugurado em março de 1935, com pompa e circunstância ( no mesmo ano, também se terminava outro bairro com fins semelhantes em Lisboa, na Ajuda ). Porém, o problema deste bairro, bem como da maioria dos bairros sociais ou de casas económicas construídos na primeira metade do século xx, será o mesmo: visava famílias desafogadas e com alguma capacidade económica, praticamente esquecendo os operários. Se na I República o insucesso das políticas de habitação se podia atribuir ao desinteresse dos agentes privados em participar nestes projetos, no Estado Novo será, sobretudo, um problema ideológico a travar a resolução das carências habitacionais. O regime, “apesar de a retórica oficial dizer privilegiar a edificação de casas económicas para as classes populares, orientou a sua política habitacional no sentido da satisfação dos interesses das classes médias. Daí o abandono do modelo de construção seguido durante a República, baseado na habitação coletiva, que foi substituída pela casa própria e individualizada, que estava mais em consonância com os princípios ideológicos do regime”21. A política salazarista tinha como horizonte a generalização do modelo de casa unifamiliar, enaltecendo os

valores morais e sociais de ter um lar para cada família, sendo esta representada pelo seu “chefe de família”. Ainda assim, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 23 052, de 23 de setembro de 1933, que retomava o anterior programa, conseguiu-se construir 622 “casas económicas” em Lisboa, entre as quais as dos bairros do Alto da Ajuda, do Alto da Serafina e de Belém. A oriente, nada22. Face às dificuldades em encontrar casa e comportar uma renda que não a de uma barraca ou habitação clandestina, os bairros de lata multiplicaram-se. Como consequência, os programas públicos sucederam-se. Em 1938, o Programa das Casas Desmontáveis, que visava fornecer uma habitação temporária entre a fase aguda de carência habitacional e o acesso definitivo à propriedade, não teve os resultados esperados, já que deixava de fora os mais carenciados. Em 1945, foi substituído pelo Programa de Casas para Famílias Pobres e pelo Programa das Casas de Renda Económica, para chegar às famílias que não conseguiam aceder financeiramente às “casas económicas”. A partir desta década, as balizas ideológicas relativamente ao conceito de família começam a influenciar menos as políticas de habitação, passando-se para uma atitude mais pragmática, com o objetivo de acabar com as barracas e com os desalojados. Por isso, em 1947 abre-se espaço a maior colaboração entre os poderes públicos e os empresários a título particular, com o Programa de Casas de Rendas Limitadas. Mas, como o próprio Governo reconhecerá em 1956, a iniciativa privada desinteressara-se desta colaboração e o programa foi um insucesso, continuando as rendas a manter-se a preços inacessíveis para a maioria das famílias23. Em 1959, com o Decreto-Lei n.º 42 454, de 18 de agosto, o Governo retoma a estratégia das rendas económicas, mas focado em Lisboa, onde se encontram os maiores problemas de habitação. O texto do decreto confirma que o “problema da construção de novas habitações e sobretudo de habitações com rendas acessíveis aos agregados familiares de mais fracos recursos torna-se cada dia mais premente”, sendo necessário adotar “medidas que têm por fim assegurar as condições necessárias para que o Município de Lisboa possa dispor em maior escala de terrenos urbanizados destinados a novas construções”24. Com o financiamento da Previdência Social e de um empréstimo feito pela Caixa Geral de Depósitos, procedeu-se à expropriação de vários terrenos não utilizados e alargou-se o espaço dos agentes interventores à Câmara Municipal de Lisboa, que levará a cabo o programa25.

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U M A FA M Í L I A , U M A C A S A : P O L Í T I C A S D E H A B I TA Ç Ã O N O S É C U L O X X

U M A “ VA S TA Á R E A S E M E A DA D E BA R R AC A S ” : O NA S C I M E N TO D O BA I R R O C H I N Ê S

O problema de habitação na capital, apesar dos esforços do Governo e da Câmara Municipal de Lisboa, parecia longe de encontrar resolução. E dentro do território da metrópole, no coração da zona oriental, um bairro de barracas em particular parecia crescer sem solução à vista, preocupando os responsáveis municipais e os que procuravam combater a precariedade da habitação: a Quinta do Marquês de Abrantes, ou Bairro Chinês. Perto do campo do Clube Oriental de Lisboa, nos anos sessenta do século xx, viviam cerca de duas mil e quinhentas famílias – possivelmente, dez mil pessoas –, o que, como avançava o jornal O Século, era “muito mais do que a população residente de algumas cidades do País”28. A própria zona envolvente deste bairro, Marvila, apresentava-se já nos anos 1960 em grande queda. Os prédios habitacionais não eram alvo de requalificações nem de grandes medidas de segurança. Não havia novas construções em número suficiente para albergar a torrente de pessoas que migravam do interior do país para a nova freguesia. No entanto, as fábricas locais continuavam a contratar trabalhadores, que facilmente encontravam ali trabalho e, por essa razão, persistiam e encontravam também uma casa em Marvila. Fazendo-o, é claro, através de soluções alternativas ao urbanismo planeado pelo poder público. Em 1970, o diário A Capital fazia o balanço dos problemas que tinham vindo a acumular-se na década anterior, contando cinco grandes dificuldades: “a insuficiência das condições mínimas na habitação, o trânsito perigoso e difícil nas ruas de Marvila velha, a

carência de transportes e a falta de um mercado e de arruamentos suficientes”29. O maior destes problemas era a “vasta área semeada de barracas que se acumulam nas inúmeras azinhagas”, albergando “centenas de famílias, vivendo em reduzidos espaços de terreno pelo qual ainda pagam renda, entre quatro paredes de tábuas e chapa de lusalite”30. Informava o mesmo jornal que 5234 famílias viviam entre Marvila velha e as azinhagas que subiam por entre o espaço das antigas quintas senhoriais. Para além das péssimas condições para habitação – em prédios antigos em mau estado ou em habitações improvisadas de madeira e chapa –, já era referida a escassez de transportes na zona, uma luta que foi prosseguida pelos habitantes de vários bairros de Marvila até à viragem do século, continuando a sê-lo em alguns casos. Já a falta de um mercado nunca foi solucionada, tendo o anterior sido demolido em 1940 “para deixar passar a Avenida Infante D. Henrique” e substituído apenas pelos vendedores ambulantes que surgiam ao fundo da Quinta do Marquês de Abrantes31. Foi neste quadro que se ergueu o chamado Bairro Chinês, um dos maiores bairros de barracas de Lisboa, cujo epíteto ( não oficial ) tem uma origem desconhecida. Sabe-se apenas que nasceu da grande concentração de habitações de madeira e chapa no arruamento principal da Quinta do Marquês de Abrantes, outro grande terreno no qual foram surgindo centenas de barracas e arruamentos de terra batida entre cerca de 1940 e 1970, continuando a crescer mesmo depois das medidas públicas de combate a este tipo de habitações.

26  CASCÃO, Rui – “Modos de Habitar”. In MATTOSO, José ( dir. ); VAQUINHAS, Irene ( coord. ) – História da Vida Privada em Portugal: A Época Contemporânea..., p. 33. 27  PEREIRA, Sandra Marques – “Cenários do quotidiano doméstico: modos de habitar”. In MATTOSO, José ( dir. ); ALMEIDA, Ana Nunes de ( coord. ) – História da Vida Privada em Portugal: Os Nossos Dias. Lisboa: Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011, p. 21. 28  RODRIGUES, Avelino – “Uma casa para cada família”. O Século. Lisboa, 10 de março de 1970, p. 2. 29  “Marvila: cinco problemas para resolver”. A Capital. Lisboa, 26 de junho de 1970, p. 6. 30  Idem, ibidem. 31  Idem, ibidem.

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Aspeto do Bairro Chinês, na década de 1960. [Arquivo pessoal de Mário Pinto Coelho]

Bairro Chinês Bairro Chinês Não tens rival P’ra mim tu és A capital Sonho contigo Com alegria Por seres o abrigo Da porcaria

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E sabe-se que a grande maioria dos seus moradores tinha as suas raízes mais a norte do país, em especial nas zonas de Cinfães, Castro Daire, Viseu e Lamego, raízes fortes que continuaram a atrair outros familiares e amigos para a capital. Um artigo publicado no jornal O Século, a 10 de março de 1970, deu uma visibilidade pública sem precedentes ao bairro da Quinta do Marquês de Abrantes e Bairro Chinês, retratando a sua população e as suas dificuldades. “Exceptuados alguns comerciantes, polícias e uns tantos modestos empregados camarários”, refere o artigo, “o grosso da população das barracas é constituído por famílias de operários das fábricas de Marvila, do Poço do Bispo e de Moscavide, a quem não falta trabalho”. A grande dimensão das famílias e a forma como estas se organizam para dar assistência aos filhos são alvo de menção, já que “há casas com dez ou mais crianças”, que encontram um apoio fundamental nas tias e avós, que substituem muitas mães e filhas mais velhas, ausentes a trabalhar nas fábricas32. No entanto, tanto os problemas habitacionais como as suas soluções impunham obstáculos à população do bairro. Se as condições de habitação já eram bastante precárias, as medidas públicas de combate à habitação clandestina vão limitar ainda mais as escolhas destas pessoas, impedindo a construção e o licenciamento de novas barracas. Em 1969, face ao crescimento das barracas, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, França Borges, já havia identificado o sistema de construção dessas habitações como sendo o principal problema. Um sistema, na verdade, simples. Os rendeiros das quintas – muitas vezes assim autointitulados e sem qualquer autoridade sobre os terrenos – pagavam um pequeno valor ao proprietário para ter uma parcela para cultivo, mas rapidamente subarrendavam outras parcelas aí dentro para a construção de barracas para famílias inteiras, permitindo um lucro final bastante avultado. A frequência com que estas construções sucediam, mesmo perante a fiscalização da polícia municipal, leva o autarca a considerar que o sistema, alternativo ao mercado imobiliário lisboeta, já estava solidamente implantado, “ao ponto de já hoje se construir uma barraca em poucas horas, em geral durante a noite, instalando-se imediatamente a respectiva família”33. Abre-se, então, uma verdadeira guerra aos rendeiros, à habitação clandestina e ao chamado “negócio das barracas”, chamando mesmo a este problema uma “nódoa” a ser extinta34. A difícil equação do acesso dos marvilenses à habitação é, assim, acentuada por essas medidas. “Mas”, salienta O Século, “se o número das barracas não aumenta, já não sucede o mesmo com o número

de pessoas e de famílias”, que continuam a aumentar, quer seja com crianças que nascem, com familiares que chegam da província ou com novos casais que se juntam35. Anteriormente, já tinha vindo a público, ainda que timidamente, o agravamento desta situação, quando um incêndio deflagrara no bairro, perto do Natal de 1969, na madrugada de 21 de dezembro. Uma provável explosão de gás terá dado origem ao incidente, que se revelara um verdadeiro pesadelo para os moradores mas também para os bombeiros. Os materiais das construções alimentavam ainda mais as chamas e “as apertadas azinhagas que conduzem ao bairro” complicavam o acesso ao local36. Tornara-se óbvia a ameaça iminente à saúde dos moradores. É neste contexto que surge, em 1968, uma associação de cariz social a pensar na realidade de Lisboa e nos seus problemas de habitação: a Prodac ( Associação de Produtividade na Autoconstrução )37. Nascida de uma iniciativa conjunta da Cáritas e da União Católica dos Industriais e Dirigentes do Trabalho (  U CIDT ), a Prodac assume nos seus estatutos o objetivo de contribuir para “a resolução do problema habitacional em Lisboa e nas áreas próximas dentro de um sentido cristão”, promovendo essa assistência social sob uma forma associativa38. Inicialmente, os seus promotores planearam realizar a primeira experiência de realojamento por autoconstrução no bairro de barracas da Quinta do Ourives, na Estrada de Chelas ( um realojamento a ser feito em 75 casas prefabricadas no terreno municipal da Quinta do Ferrador ). Nunca tendo sido concretizado esse projeto, a Prodac canalizou as suas energias para a Quinta do Marquês de Abrantes. A Câmara Municipal de Lisboa surge no projeto de realojamento da Prodac enquanto parceira fundamental, ao adquirir, em outubro de 1970, os terrenos da Quinta do Marquês de Abrantes por 11 200 contos aos anteriores proprietários: Maria de Lurdes Sena Tavares Pinto, António Emídio Tavares, João Sena Tavares e Fernando Duarte Pinto. A iniciativa do novo autarca, Fernando Augusto Santos e Castro, segue os passos dados por França Borges em direção à resolução do problema das barracas, permitindo projetar a autoconstrução das novas casas sem necessidade de negociação com o mercado privado39. Simultaneamente, a Prodac consegue financiamento até ao limite de sessenta mil contos para as construções através do Fundo Nacional de Abono de Família “em condições excepcionalmente favoráveis para os moradores” e “atendendo ao manifesto interesse social do empreendimento para o concelho de Lisboa”40. Consegue o fornecimento de materiais por parte de alguns industriais locais,

ONTEM · COMUNIDADE

32  RODRIGUES, Avelino – “Uma casa para cada família”. O Século. Lisboa, 10 de março de 1970, p. 10. 33  “Não há capacidade ( nem financeira nem humana ) para construir habitações condignas ao ritmo do afluxo das populações – afirma o presidente do município de Lisboa”. Diário de Lisboa. Lisboa, 9 de novembro de 1969, p. 19. 34  “Barracas de Lisboa: Uma nódoa a extinguir – segundo o novo presidente do Município”. Diário de Lisboa. Lisboa, 10 de março de 1970, p. 1. 35  RODRIGUES, Avelino – “Uma casa para cada família”. O Século. Lisboa, 10 de março de 1970, p. 10. 36  “Alarme entre os populares residentes no bairro da Quinta Marquês de Abrantes”. O Século. Lisboa, 21 de dezembro de 1969. Documentação pessoal de Mário Pinto Coelho, pasta II, “Recortes: Geral – 1.º”. 37  Ver texto da autoria de Mário Pinto Coelho, neste livro. 38  “Estatutos Prodac: Associação de Productividade na Auto-Construção, 1968”. Publicado no Diário do Governo – III Série. Lisboa, 6 de julho de 1968. Documentação pessoal de Mário Pinto Coelho, pasta I, “Prodac – Mário do Nascimento Vieira Pinto Coelho”. 39  “Começam já em Outubro os trabalhos de autoconstrução na Quinta do Marquês de Abrantes”. Diário de Lisboa. Lisboa, 30 de setembro de 1970, p. 6. Documentação pessoal de Mário Pinto Coelho, pasta I, “Prodac – Mário do Nascimento Vieira Pinto Coelho”. 40  Decreto-Lei n.º 577/71, de 21 de dezembro de 1971. Diário do Governo n.º 297 – I Série. Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas. Lisboa.

É por capricho Que te destacas Só se vê lixo Junto às barracas Nada te exijo Até tens bola E um cheiro a mijo Que até consola As barraquinhas Que ao longe metem um vistão Pintadinhas Com o pó de carvão A vizinhança Quando há sol fica contente P’ra ver ratança Na vida de toda a gente

Notícia do incêndio que deflagrou na Quinta do Marquês de Abrantes em vésperas do Natal de 1969. O Século, 21 de dezembro de 1969. [Arquivo pessoal de Mário Pinto Coelho]

proprietários ou diretores de várias fábricas nas quais laboravam centenas de moradores do Bairro Chinês. E consegue estabelecer uma colaboração – duradoura – com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a promoção social dos habitantes do futuro bairro autoconstruído41. A reação dos moradores do Bairro Chinês relativamente a este projeto começou pela natural desconfiança. Raramente as mudanças são fáceis. E muito menos uma mudança tão grande como a saída para uma casa com todas as divisões que as casas modernas têm. “Sabe o que lhe digo?”, adianta um morador do bairro ao jornal O Século em março de 1970, “Para já, não acredito: o português não nasceu senão para ‘lixar o parceiro’. […] Bem, se me dessem uma casa, eu ficava contente. Mas só aceitava se fosse aqui perto.”42 Como os anos seguintes vieram a confirmar, para os moradores que tiveram a oportunidade de transitar para as casas autoconstruídas da Prodac, a mudança não poderia ter sido para local mais próximo. As barracas do Bairro Chinês, bem como todos os problemas originados por essa falta de condições, começavam a ver um fim.

Muito educados Muito pacatos Só se vê patos Por todo o lado Dançam à chula Cantam o Malhão E tudo pula Que animação 41  “Acordo de cooperação entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Associação de Produtividade na Auto-Construção – Prodac, visando o realojamento e promoção de populações residentes em barracas na cidade de Lisboa: Acordo para Quinta Marquês de Abrantes, Quinta das Claras, Bairro Chinês e anexos”. Lisboa, março de 1973. Documentação cedida pelo Centro de Promoção Social da Prodac. 42  RODRIGUES, Avelino – “Uma casa para cada família”. O Século. Lisboa, 10 de março de 1970, p. 10.

Tens coisas belas Lindas cantigas E nas janelas Vasos com urtigas Tens uma praça Boa pinguinha Do Zé da Graça E do Bandeirinha

abel rodrigues 21/07/2002

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