AGRICULTURA EM ÁREA DE FRONTEIRA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA ORIENTAL: um novo olhar sobre a dinâmica histórica de sua reprodução, a partir do exemplo de Igarapé-Açu no Estado do Pará

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AGRICULTURA EM ÁREA DE FRONTEIRA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA ORIENTAL: um novo olhar sobre a dinâmica histórica de sua reprodução, a partir do exemplo de Igarapé-Açu no Estado do Pará. Francisco Romualdo de Sousa Filho1 e Aliomar Arapiraca da Silva2

 Ao modo de considerações iniciais a tudo o mais: onde está a “shifting cultivation” e a agricultura de subsistência? "Não notamos na área em estudo o nomadismo do homem; embora se pratique a rotação de terras e, raras vezes, a de culturas, o homem encontra-se, mais ou menos, fixado ao solo: nisto reside uma grande diferença entre esse sistema de agricultura da Bragantina e aquele existente na África Tropical. Enquanto que no continente africano o agricultor é obrigado a percorrer, diariamente, grandes distâncias, para de sua casa atingir as plantações, os 'colonos' da Bragantina têm-nas imediatamente atrás de suas habitações ou não muito distantes das mesmas" (PENTEADO, 1968, p. 470). O alerta dado por Penteado3, sobre o processo de ocupação e a dinâmica da agricultura na zona Bragantina do Estado do Pará, não foi tomado em conta pelos pesquisadores que, depois dele, estudaram a agricultura dessa região. Formados, em sua maioria, por uma academia onde a ciência é declaratória4, criaram categorias, em cima de hipóteses sem comprovação empírica, onde o ator social, o agricultor, é estilizado como o irracional que não está apto as mudanças, as inovações e, por isto, o seu fracasso ou sua tendência a desaparecimento do campo.

1 ZEF Bonn - Zentrum für Entwicklungsforchung der Universität Bonn. Walter-Flex Str. 3, 53113 Bonn, Deutschland. E-mail: [email protected] 2 CEPLAC-SUPOR - Superintendência Regional da Amazônia Oriental. Avenida Augusto Montenegro, SN, 66.635-110, Belém , Pará, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Trata-se de sua tese de doutoramento, apresentada à Universidade de São Paulo, sobre os problemas da colonização e do uso da terra na zona Bragantina do Estado do Pará. Este belíssimo trabalho pioneiro, também possui, a nosso ver, uma certa debilidade por apresentar, basicamente, os sintomas do processo de colonização e do uso da terra, mas não as causas reveladas por este processo. E, quando o faz, faz de forma débil, sem tomar, numa perspectiva histórica, as condicionantes (agro-ecológicas e sócioeconômicas, por exemplo). Em suas conclusões, numa perspectiva temporal do final da década dos sessenta, era de que "O problema básico atual, que resulta do processo colonizador que sofreu a região e do uso da terra que nela foi posto em prática, é o da sua reorganização (...) Em todo o nosso estudo procuramos manter em foco, sem perder de vista, o homem e meio; estamos convencidos de que a recuperação do homem acarretará, certamente, a recuperação do meio" (p. 460). Entretanto, " há limitações da produtividade da Bragantina, decorrentes de certas condições do meio natural. O problema da pluviosidade e dos solos e suas relações com o uso da terra, por exemplo, não pode ser relegado a um plano secundário; a questão da devastação impiedosa das matas pelos 'cearenses' que lá se localizam, criando as capoeiras e macegas, também não pode ser esquecido (...) No primeiro caso, uma influência direta do meio natural; no segundo, uma conseqüência da ação desordenada do homem, rompendo brutalmente um equilíbrio preexistente na natureza" (p. 462).

Chamamos aqui de forma, no mínimo, provocativa de ciência declaratória aqueles trabalhos que estão norteados por hipótese formulada anteriormente em outros estudos e que, essa hipótese, não foi verificada empiricamente. Isto é: alguém lança uma hipótese, numa publicação, que não tem comprovação empírica e que, por estar publicada, passar a ser aceita, sem nenhum senso crítico, como uma verdade máxima, perdendo a ciência o seu papel, o da descoberta, para torna-se declaração. 4

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A realidade da dinâmica histórica da agricultura da região e a gestão dela pelos agricultores que ali vivem não se enquadram em simplificações como de "itinerante" e de "subsistência". Como, por exemplo, que, "No Estado do Pará, como em toda a Amazônia brasileira, o sistema de cultivo baseia-se em uma agricultura itinerante, com práticas primitivas de preparo da área para o plantio de culturas de subsistência, onde a mandioca ocupa lugar de destaque" (CARVALHO et al., 1997, p. 6). Ou que, “Nos anos oitenta, a agricultura experimenta elevadas taxas de crescimento no Estado do Pará (...) Ao cabo da década, demonstra-se uma substituição drástica de culturas temporárias por culturas permanentes, tendência particularmente marcante nas estruturas camponesas, antes responsáveis pelo total dos produtos da shifting cultivation (arroz, mandioca, milho, etc.) e de outras culturas de ciclo curto típicas da região como, por exemplo, a malva” (COSTA 1997a5, p. 278). Assim, para evitar confusões, achamos conveniente estabelecer de onde estamos partindo para uma formulação do conceito, como também, retratar com mais rigor metodológico o fenômeno da “agricultura itinerante” e da “agricultura de subsistência” na fronteira agrária da Amazônia Oriental6. Portanto, a agricultura itinerante, tratada na literatura por “shifting cultivation”, em inglês, e por “Wanderfeldbau”, em alemão, tem como característica básica três aspectos7: (a) a força de trabalho está centrada na família; (b) a produção é orientada para a subsistência8 do grupo familiar; e, (c) ela só se estabelece em grande regiões e, ao mesmo tempo, onde a propriedade da terra é ilimitada9. Já a agricultura de subsistência, por sua vez, como bem mostra LÉNA e OLIVEIRA10 (1991, p. 12),

Em outro trabalho, publicado no mesmo ano, o autor mostra que “Na Amazônia vem se verificando, desde os anos de 1980, entre os camponeses, um processo claro de re-ordenamento da base produtiva agrícola: a agricultura itinerante de derruba e queima – a shifting cultivation – vem cedendo lugar a sistemas agrícolas onde as culturas perenes e semi-perenes tendem a apresentar importância crescente, ao lado de uma pecuária bovina de pequeno porte e da criação de pequenos animais” (COSTA 1997b, p. 2). 5

Existe uma vasta literatura, que concebe a agricultura praticada na Amazônia Oriental como a do tipo “shifting cultivation”, que fica difícil enumerá-la. Mas, a título de exemplo, ver na literatura em inglês RATTNER (1988) e SERRÃO e HOMMA (1993). 6

Tomamos, para esta caracterização, os três maiores expoentes da Escola Alemã de Geografia Agrária e Sociologia Agrária: Bernd Andreae (ANDREAE, 1983), Hans Ruthenberg (RUTHENBERG, 1980 e 1985; RUTHENBERG e ANDREAE, 1982) e Werner Doppler (DOPPLER, 1991); e um grande expoente da geografia agrária inglesa: A. M. Mannion (MANNION, 1998). 7

Doppler (1991, p. 19-24), por exemplo, classifica os sistemas de produção na agricultura, no que diz respeito à orientação da produção, em três grupos: (a) sistemas de produção com orientação para a subsistência, que são aqueles que vendem menos de 10% da sua produção para o mercado; (b) sistemas de produção com orientação para a subsistência e mercado, aqueles que vendem entre 10% e 90% da produção para o mercado; e, (c) os com orientação para o mercado, tem acima de 90% de produção voltada para o mercado. (Conf. também ANDREAE 1983, Cap. V, p. 132-142; RUTHENBERG, 1985, Cap. I, p. 12-14; e, MANNION, 1998, Cap. 4, item 4.2, p. 117-130). 8

Todos sabemos que desde a criação da Lei de Terras de 1850 (Lei no 601, de 18 de setembro de 1850), a propriedade da terra no Brasil, mesmo sob o sistema sexmo, outras concessões do Governo ou ocupação pacífica, foram medidas e demarcadas, passando a uma caráter de propriedade privada. E mesmos a reserva de terras devolutas para a imigração, que vão dar origem aos núcleos de colonização, foram destinados a pequenos proprietários (art. 12 da Lei de Terras), e que conformou uma estrutura agrária no Estado do Pará, particularmente na zona Bragantina, em base a lotes de 25 hectares, conforme veremos mais adiante neste artigo. (Conf. sobre a Lei de Terras, por exemplo: LIMA, 1954; GUIMARÃES, 1977; e, GERMANI, 1997). 9

Ver, por exemplo, para uma caracterização e conceitualização da agricultura de subsistência (ou de sobrevivência) na mesma perspectiva destes autores, dois trabalhos belíssimos na área de sociologia rural: o de WANDERLEY ( 1996) e o de LAMARCH (1998). 10

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“é uma atividade inserida num contexto social e cultural complexo, onde a solidariedade entre os membros do grupo e entre gerações, através da filiação e das alianças matrimoniais, permite uma repartição do trabalho e do produto equilibrada. As regras são mantidas graças à força das representações, mitos, rituais, etc. A comunidade é perfeitamente auto-suficiente a nível de uma unidade demograficamente ampla. Trata-se de um modo de reprodução autônomo (...). Os membros são agricultores, mas não camponeses, já que há outro segmento social com o qual eles se relacionam. Hoje, na Amazônia, um tipo puro de agricultura de subsistência (ou modo de produção doméstica) só é encontrado entre as comunidades indígenas isoladas”. Tendo em mente a formulação destes dois conceitos, a agricultura itinerante e de subsistência, se faz necessário compreender, ainda, onde esta a origem do que chamamos de ciência declaratória, sobre a dinâmica de reprodução da agricultura na Amazônia. Dois trabalhos publicados em 1948 dão a origem a toda uma concepção que segue até o momento atual sobre a reprodução da “shifting cultivation” e da agricultura subsistência, no espaço agrário da Amazônia. O primeiro deles, escrito pelo Professor Lúcio de Castro Soares11 (SOARES, 1948), para a Comissão Especial do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, da Câmara dos Deputados, para delimitação da Amazônia para fins de planejamento econômico, resume toda a prática da agricultura executadas pelos camponeses, a uma homogeneização falsa. Pois, segundo SOARES (1948, p.166), “A incipiente agricultura, que possui, exclusivamente de subsistência, é, também, do tipo nômade (‘shifting cultivation’), isto e é, a lavoura das queimadas e capoeiras”. Por sua vez, o segundo deles, escrito por Felisberto Cardoso de Camargo12 (CAMARGO, 1948), sobre terra e colonização no antigo e novo quaternário da zona da Estrada de Ferro de Bragança no Estado do Pará, e apresentado como tese à Conferência Inter-americana de Conservação dos Recursos Naturais Renováveis, realizada em Denver, Colorado, Estados Unidos em setembro de 1948, concebe a mesma idéia falsa de Soares. E afirma ele: “O pobre agricultor da região entregue à rotina sem receber a mínima assistência e orientação técnica, caminha a exemplo do índio, avança eternamente, derruba novas florestas todos os anos, prossegue nômade, mudando sempre de região, produzindo um mínimo com a destruição dessa riqueza secular que a cada passo é deitada a baixo e queimada inconscientemente” (p. 4 – Grifo nosso). É contra esta concepção, tomada por aqueles constroem, o que chamamos de ciência declaratória, que resolvemos escrever este artigo -- a partir do exemplo do município de Igarapé-Açu no Estado do Pará, localizado na zona da antiga Estrada de Ferro de Bragança (vide mapa I) --,para mostrar que a dinâmica histórica de reprodução da agricultura na fronteira agrária da Amazônia Oriental se dá de outra forma. Portanto, o objetivo deste trabalho é de reconstruir um novo olhar sobre os sistemas de produção e a gestão deles pelos agricultores que ali vivem. E para alcançar este objetivo foi feito um levantamento no referido município, no período de outubro de 1997 a fevereiro de 1998, com caráter de Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários. A metodologia empregada no levantamento está fundamentada na utilização de uma abordagem sistêmica, para o estudo da realidade agrária local (conf. SOUSA FILHO e ARAPIRACA DA SILVA et al. 1998). Essa metodologia tem como base os estudos realizados pelo Institut National Agronomique Paris-Grignon (INA-PG), pelo Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), e pelo Serviço de Posse da Terra da Organização das Nações Era geógrafo e Chefe da Secção Regional Norte do Conselho Nacional de Geografia, atual Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 11

Era agrônomo, foi o primeiro Diretor do Instituto Agronômico do Norte (IAN), atual EMBRAPA Amazônia Oriental. 12

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Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO-SDAA), e apresentada em CAPILLON e SEBILLOTE (1980), BROSIER et al. (1990), GROPPO (1991), CORRALES e RIBIER (1993), DUFUMIER (1996), FAO (1999) e INCRA/FAO (2000).

Mapa IO–emprego Localização Município de Igarapé-Açu no Estado do Pará.agrária local, destedo enfoque no estudo e a caracterização da realidade nos permitiu colocar em evidência o seu funcionamento de maneira global, em sua complexidade e em sua dinâmica, mostrando as interações, suas origens e efeitos, para chegar a uma estratégia de ação por objetivos claramente identificados e hierarquizados. Deste modo, o enfoque sistêmico empregado nos forneceu um instrumento teórico e metodológico indispensável para que efetuássemos a reconstituição da evolução e da diferenciação dos sistemas de produção colocados em prática pelos agricultores, como veremos a seguir.

 Da conformação do espaço agrário, dinâmica do sistema agrário e sistemas de produção em igarapé-açu.

Elaborado por Franc isc o Romualdo de Sousa Filho

A compreensão do processo de conformação do espaço agrário e da dinâmica do sistema agrário e dos sistemas de produção, no município em estudo, exige-nos considerar primeiro, tanto os processos de colonização espontânea quanto os de colonização dirigida, fomentada pelo o Estado. Cada qual apresentou características distintas no que diz respeito ao padrão de ocupação do espaço agrário em cada período histórico. Por segundo, que o acesso viário e os sistemas de transportes dominantes em cada período histórico condicionaram fortemente a pressão de expansão do povoamento do espaço e o desenvolvimento das atividades econômicas. A interpretação do desenvolvimento das atividades econômicas, por sua vez, permitiu-nos recompor a própria dinâmica de transformação e exploração do meio biofísico que constitui a paisagem e condicionou as performances, as estratégias produtivas e os modelos de desenvolvimento adaptados. Apresenta-se, a seguir, um esforço em elucidar as variantes identificadas pelo estudo para cada período histórico.

 Padrão de ocupação do espaço e as relações no sistema conformado a partir da dominância das interações por via fluvial: o período antes de 1895. A dinâmica de transformação e exploração do espaço agrário, até metade da última década do século XIX, esteve relacionada à colonização espontânea ditada pelo que chamaremos de “paraense” (por serem nascidos no Pará e apresentarem traços de comportamento de como lidar com a natureza originária distintos dos “nordestinos” que advém à região principalmente a partir da construção da Ferrovia). Este processo de ocupação repercutiu como uma forma distinta de utilização social do espaço que se articulou por intermédios das vias fluviais (rio Maracanã e, com pouca expressão, rio Jambu-Açu, afluente do Marapanim), pelas quais deu-se, basicamente, a organização da economia local até o início do século XX. A articulação econômica entre os espaços povoados representou, no que diz respeito à ocupação pelo rio Maracanã, interações comerciais entre Porto Seguro, Santarém Novo, Maracanã e Belém e, com relação à ocupação pelo rio Jambu-Açu, afluente do Marapanim, interações com Marapanim e Belém.

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As fronteiras deste sistema hídrico estiveram delimitadas pela navegabilidade e pelo alcance de picadas a partir dos pontos navegáveis. O funcionamento do sistema com relação às relações sócio-econômicas esteve ligado, por um lado, ao sistema de regatão com financiadores comerciais (os patrões) em Belém e, por outro, à intermediação comercial, freqüentemente, aos cuidados de comerciantes portugueses que implantaram casas comerciais “fortes” em localidades como Maracanã e Porto Seguro. Além de que, as relações com os produtores remetiam à troca e ao uso de “sistema de cadernetas” (sistema em que o comerciante anotava o que comprava e o que vendia ao produtor para que, num certo período de tempo, se desse um “balanço contábil” sobre saldo e dívidas). Os sistemas de produção existentes neste período histórico, caracterizavam-se basicamente por suas “frentes” (extensão de terra que se limitava com o curso d’água) e, em sua maioria, exploravam sistemas de cultivos como do arroz, do milho, do feijão e da mandioca. A produção era volta para o consumo em nível da unidade de produção e o excedente dela comercializado com os agentes econômicos, conforme descrito anteriormente. A caça, a pesca e as atividades extrativas tinham um papel importante, face a sua grande disponibilidade na região. O tamanho do roçado variou de acordo com capacidade de força de trabalho disponível na família e das necessidades dela (não supridas em nível de cada sistema de produção). Tal fato, representou uma diferenciação, em nível de cada sistema de produção, quanto à pressão humana sobre o meio biofísico.

 Padrão de ocupação do espaço e as relações no sistema conformado a partir da dominância mediada pela ferrovia: o período de 1895 a 1940. A política desenvolvida pelo Estado para assentar colonos na Bragantina – tendo por base a construção de uma ferrovia13 e ao longo dela instalando-se núcleos colônias -- e sua implementação, criou um novo padrão de ocupação das terras. Este novo padrão de ocupação do espaço, em nível de Igarapé-Açu, passou a ser estabelecido com a demarcação das terras do núcleo colonial de Jambu-Açu. Fundado em 1895, este núcleo logo toma corpo14, criando uma nova dinâmica de transformação e exploração do espaço agrário. Esta política de colonização, também, esteve centrada no estabelecimento de uma malha bem definida de vias de comunicação terrestre o que promoveu a ocupação permanente do espaço interior aos igarapés, até então de uso esporádico. Além disso, procurou dar uma destinação agrícola ao uso da terra a partir dos estabelecimentos de colonos (em suas maiorias imigrantes nordestinos, mas também imigrantes espanhóis) que ocuparam lotes de 25 hectares distribuídos ao longo de travessas (estradas vicinais). Isto representou, diferentemente do período histórico anterior, uma redução na dimensão originária na maioria das unidades de produção. Verificou-se, neste período histórico, um processo de diferenciação bastante significativa com relação à conformação dos sistemas de produção. Isto se deveu ao fato de que os imigrantes ali assentados chegaram com recursos monetários distintos (alguns com capital outros não), com disponibilidades diferenciadas de força de trabalho na família e com conhecimentos técnicos acumulados de como lidar com determinadas atividades, cultivos e com a natureza originária deste espaço. Pois, ali foram assentadas certo número de famílias vindas de fronteiras de ocupação espontâneo, bastantes antigas, no estado do Pará como, por exemplo, de São Miguel do Guamá e de Irituia, que tinham experiências no saber lidar com a natureza originária da região. Estes fatores condicionaram (a) uma diferenciação ori-

A construção dela deu-se de 1883 a 1908. Iniciava em Belém e terminava, a 228 km dali, em Bragança. Em Igarapé-Açu o assentamento dos trilhos da ferrovia deu-se em 1901. A ferrovia atravessou o município, na sua parte mediana, no sentido Oeste-Leste e, com uma ramal dela, para o Sul (até a colônia do Prata). 13

Quatro anos depois de sua fundação, em 1899, já estavam ocupados cerca de 180 lotes coloniais. No primeiro ano deste século, sua população era constituída por 1890 habitantes e existiam ali 49 “agroindústrias rurais” (5 engenhos para a fabricação de aguardente e 44 “retiros” para fabricação de farinha de mandioca). E, em 1907, já estavam distribuídos 399 lotes coloniais (Conf. CRUZ, 1955 e PENTEADO, 1968). 14

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ginária no tamanho das unidades de produção15, isto porque aqueles imigrantes que chegaram com capital ponderam comprar mais de um lote, como mostram os relatos dos informantes chaves da pesquisa que alguns imigrantes compraram até 6 lotes sejam para trabalharem de forma individual ou com filhos casados que viviam juntos na família; (b) o tamanho dos cultivos (comerciais e de auto-consumo), uma vez que aqueles imigrantes que tinham uma grande quantidade de força de trabalho disponível em nível da família cultivou maiores áreas; (c) o surgimento de agroindústrias16 rurais (como as que processavam a cana-de-açúcar para a fabricação de rapaduras, açúcar e aguardente); e, (d) a implantação de cultivos agrícolas exclusivamente comerciais (como exemplo, o algodão17). Tal fato representou, por um lado, certo grau de intensificação dos sistemas de produções e, por outro, à diversificação dos sistemas de cultivos manejados em nível de cada um deles. O algodão juntamente com o arroz e a mandioca, neste período histórico, apresentou-se, para a maioria das unidades produtivas, como os principais sistemas cultivados. A instalação de agroindústrias processadoras do algodão e do arroz18, na segunda década do século atual, na sede do município, funcionou como elementos estimuladores da expansão das áreas cultivadas19, porém condicionada aos fatores já descritos anteriormente. Este três cultivos assumiram, também, o papel de principais produtos comercializados pelos produtores. Neste período histórico, o funcionamento dos sistemas de produção ali existentes baseou-se na fertilidade natural do solo. Esta fertilidade do solo sustentou a produção agrícola20, o que possibilitou um período áureo de desenvolvimento para a colônia de IgarapéAçu21. A tecnologia para o manejo e uso da terra esteve relacionada à prática anual de derruba e queima da mata primária, com a utilização de instrumentos rudimentares de trabalho (machado, foice e terçado). A caça e a pesca desempenhavam um papel importante, em razão da riqueza e diversidade dos ecossistemas regionais. No que diz respeito às relações comerciais entre os colonos e agentes econômicos, predominou o sistema de “compra em folha” (sistema em que o comerciante financiava o custeio da produção do colono e, este, por sua vez, comprometia-se em entregar-lhe a produção, momento em que era realizado o “balanço contábil” de débito e crédito), cuja intermediação era exercida pelos tropeiros (agentes responsáveis pela condução de um conjunto de animais de carga, variando de 6 a 12 animais), que faziam o transporte de produtos desde as unidades de produção localizadas ao longo das travessas, até as “grandes” casas comerciais instaladas nos povoados já constituídos como, Porto Seguro, São Jorge do Jabuti, Curi, São Luiz e, principalmente, na sede do município. A conjugação desses fatores descritos, levou a uma diferenciação, em nível de cada sistema de produção, quanto à pressão humana sobre o meio biofísico. O resultado disto, foi Ela pode ser composta de um ou mais lotes. O critério para que vários lotes compreendam uma única unidade de produção está que, no gerenciamento, na força e nos instrumentos trabalho sejam manejados de forma homogênea pelo produtor. 15

Através conhecimentos técnicos acumulados e disponibilidade de capital tanto pelos imigrantes nordestinos quanto pelos imigrantes espanhóis 16

O conhecimento acumulado por alguns imigrantes nordestinos no lidar com este cultivo favoreceu à implantação e à expansão da área cultivada.Trouxeram consigo as primeiras sementes. 17

Comprava o produto in natura dos produtores, beneficiava e o vendia para o mercado consumidor de Belém e Manaus. Também , prestou serviço aos produtores no beneficiamento do produto, mediante pagamento (um percentual sobre a quantidade beneficiada). 18

A área cultivada nas diferentes unidades produtivas variou, segundos dados obtidos juntos aos Informantes Chaves, entre 2 e 30 tarefas. (1 tarefa equivale a 3025 m2 ; 1 hectare equivale a 3,3 tarefas). 19

A produtividade dos principais produtos cultivados, no período, apresentava-se, segundo relato dos Informantes Chaves, da seguinte forma: algodão (10 a 15 arrobas – 150 a 225 kg - por tarefa); arroz (10 a 12 sacos de 60 kg por tarefa); feijão (5 a 8 sacos de 60 kg por tarefa); mandioca (20 a 30 sacos de 60 kg por tarefa) e milho (5 a 6 sacos de 60 kg por tarefa). Esta variação na produtividade física de cada cultura resultava dos diferentes níveis de consorciamento, do espaçamento utilizado e, do manejo geral aplicado aos cultivos. 20

Exportou-se, neste período, principalmente: arroz para os mercados de Belém e Manaus; feijão para o mercado de Belém; algodão, principalmente para o Sudeste brasileiro; e, farinha para os mercados de Belém e do Nordeste brasileiro. 21

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a configuração de um quadro em que a cobertura vegetal com mata primária desapareceu em grande parte das unidades de produção. Este grau de intensificação do uso da terra apresentou como consequência, em algumas unidades de produção, a exploração de áreas com pousio de até três anos.



Padrão de ocupação do espaço e as relações no sistema constituído a

partir da dominância das interações pela ferrovia e rodovias: o período de 1940 a 1966. A conformação e estabelecimento de um sistema rodoviário para transporte, neste período, vieram se juntar ao sistema ferroviário já existente, possibilitando – dentre outras coisas --, melhores condições de escoamento da produção. Inicialmente, as estradas vêm ligar a Colônia de Igarapé-Açu com outros núcleos coloniais e a capital do Estado (Belém) e, num segundo momento, as rodovias consolidam as relações do município com outras regiões do país, proporcionando abertura de novos mercados para os produtos locais. O funcionamento dos sistemas de produção continuou, ainda, baseado na fertilidade natural dos solos. Entretanto, a conjugação entre força de pressão demográfica, parcelamento da terra e abertura de novos mercados para a produção local, levou a uma intensificação cada vez maior22 do uso e utilização das terras, tendo como resultado central, principalmente no final desse período, a sensível diminuição da fertilidade natural dos solos. E, as técnicas empregadas no manejo e uso da terra não evoluíram, tendo continuado, portanto, centradas na prática anual de derruba e queima das matas primárias ainda existentes e das capoeiras, fazendo uso de instrumentos rudimentares de trabalho (machado, foice e terçado). A caça, a pesca e as atividades extrativas, apesar da diminuição substancial, continuam se constituindo em elementos importantes na complementação alimentar dos colonos. O algodão e a mandioca apresentaram-se como os principais sistemas de cultivos praticados para a comercialização. Entretanto, o cultivo do arroz - exploração de grande importância comercial no período anterior -, ficou limitado quase que exclusivamente ao autoconsumo na maioria das unidades de produção, devido à queda na sua produtividade física, consequência da diminuição da fertilidade natural do solo. Outros cultivos que também se destacaram, principalmente para o autoconsumo, foram milho e feijão. Quanto às relações socioeconômicas, continuou predominando o sistema de “compra em folha”, com financiadores comerciais localizados em nível de Igarapé-Açu, municípios circunvizinhos, principalmente Castanhal e São Francisco do Pará e, na capital do Estado (Belém). O escoamento da produção e a intermediação comercial no âmbito do município permaneceram, predominantemente, a cargo dos tropeiros. Todavia, inicia-se, neste período, a introdução de caminhões para fazer o transporte de produtos desde as unidades coloniais localizadas nas travessas, até os estabelecimentos comerciais instalados no interior do município e fora da sua fronteira. A dinâmica de transformação e exploração do espaço agrário deu uma conformação ao sistema agrário, neste período, onde a mata primária desaparece nas unidades de produção (exceto na área onde se localiza a Colônia Agrícola do Prata). Neste contexto, os sistemas de cultivo são orientados quase que exclusivamente para as áreas de cobertura vegetal com capoeiras, onde as parcelas agrícolas eram cultivadas por um ou dois ciclos de cultura, antes do abandono para pousio, por um período nunca superior a dez anos, na maioria das unidades de produção. Segundo dados obtidos junto aos Informantes Chaves, a área cultivada nas unidades de produção variou entre 3 e 30 tarefas. Dados dos Censos Agrícolas de 1950 e 1960 corroboram em explicitar mais detalhadamente as explorações em nível dos estabelecimentos agrícolas. Assim é que, em 1950, foram levantados 1.376 estabelecimentos, nos quais as áreas cultivadas variaram da seguinte forma: 3% com até 3 tarefas; 30% entre 3 e 6 tarefas; 59% entre 6 e 17 tarefas; e, 6% com uma área de colheita entre 17 e 33 tarefas. Já em 1960, foram levantados 2.188 estabelecimentos, que também apresentaram variações nas áreas cultivadas, quais sejam: 14% com até 3 tarefas; 36% entre 3 e 6 tarefas; 35% entre 6 e 17 tarefas; e, 10% entre 17 e 33 tarefas. 22

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 Padrão de ocupação do espaço e as relações no sistema conformado a partir da dominância das interações rodoviárias: o período pós 1966. O período que transita a partir da metade da década dos sessenta até o momento atual, conforma a reconfiguração do sistema agrário em Igarapé-Açu. Trata-se do resultado, por um lado, da desativação do sistema de transporte ferroviário23 e consolidação das rodovias e, por outro, da conjugação de forças estabelecida pelos novos atores sociais que adentram no município, pela pressão demográfica, pelo parcelamento da terra e pela intensificação do seu uso (consequência do sistema de manejo da terra praticados24 em nível dos sistemas de produção desde períodos anteriores). Este conjunto de fatores levou a que se verificasse uma crise agrária e a reestruturação da produção e das unidades de produção no município. Neste contexto, as estratégias das famílias dos produtores são variadas, tais como: saída para regiões de garimpo; migração para centros urbanos; e, ocupação de terras em áreas de novas fronteiras. De toda forma, essas estratégias implicaram, para a maioria dos agricultores, na permanência de membros da família no local, o que se constituiu em alternativa para assegurar a reprodução da agricultura de base familiar neste espaço25. Os sistemas de cultivo praticados, em nível das unidades de produção familiar, continuam centrados na produção de milho, feijão, arroz e mandioca, porém, com acentuada diminuição da produtividade física26. Já o cultivo do algodão veio a desaparecer, na maioria das unidades de produção, durante a década dos sessenta em virtude, principalmente, da desativação de uma agroindústria, localizada na sede do município, que comprava a produção dos colonos. Entretanto, a exploração deste cultivo teve uma rápida retomada durante alguns anos da década dos oitenta, dentro de um padrão tecnológico não dependente da fertilidade natural do solo27. A implantação de lavouras permanentes (pimenta do reino e dendê) e semipermanentes (maracujá), voltadas praticamente para o mercado, veio dar uma reordenação à produção em número considerável de unidades de produção. Tal fato representou a introdução de um novo padrão de produção baseado no uso de fertilizantes e agrotóxicos. Este processo começou na segunda metade da década dos sessenta com a chegada de novos agentes produtivos ao município – os japoneses - que, via compra de terra, promoveram um processo de reordenação fundiária mais visível em certas áreas do município que em outras. Eles implementaram, inicialmente, o cultivo da pimenta do reino e, posteriormente, do dendê. O cultivo da pimenta-do-reino veio a tomar corpo somente a partir da metade da década dos setenta, tanto nas áreas exploradas por estes novos agentes quanto naquelas

As interações comerciais, tendo por base a Estrada de Ferro Belém-Bragança, termina em 1966 com a sua desativação pelo Governo. 23

O sistema de manejo e uso da terra baseava-se na prática de derruba e queima da cobertura vegetal de uma determinada área. Nesse sistema, as parcelas agrícolas eram cultivadas por um ou dois ciclos de cultura, antes do abandono para pousio. A diminuição paulatina do pousio ao longo da história agrária do município, por sua vez, não vinha permitindo a devida acumulação de biomassa vegetal, nem tampouco uma cobertura prolongada das parcelas, não assegurando, assim, uma adequada reprodução da fertilidade do solo e o controle das ervas invasoras. 24

Dados do Censo Agropecuário de 1985 demonstram que 72% das explorações possuíam áreas inferiores a quatro lotes, ou seja, menos de 100 hectares. 25

Estes cultivos eram explorados sob a forma consorciada, onde após a derruba e queima da capoeira, procedia-se os plantios – sequencialmente – do milho, arroz, mandioca e feijão. A produtividade variava ao redor de 3 sacos de 60 kg por tarefa para o arroz; 2 a 3 sacos de 60 kg por tarefa para o feijão; 2 a 3 sacos de 60 kg por tarefa para o milho; e, da mandioca 10 a 12 sacos de 60 kg de farinha por tarefa. 26

Este processo foi incentivado por uma política pública desenvolvida pelo Governo do Estado, tendo à frente o Serviço de Extensão Rural estadual (EMATER-PA), no qual o produtor recebia sementes, adubos e agrotóxicos com o compromisso de entregar a produção à EMATER-PA, para fins de comercialização. Neste momento, dava-se um balanço contábil, onde eram deduzidas da receita pela comercialização, as despesas com os insumos recebidos. 27

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cultivadas por antigos colonos e seus descendentes28. Este processo de expansão foi decorrente de uma política de incentivo do Governo (POLAMAZÔNIA) e favorecido pelos bons preços vigentes do produto no mercado internacional. Porém, esta atividade veio, praticamente, a desaparecer durante a segunda metade da década dos oitenta, em conseqüência de problemas fitossanitários (fusariose), ressurgindo a sua exploração a partir de meados da década atual, predominantemente, através de produtores medianamente capitalizados que implementam grandes áreas -- em alguns casos, as áreas implantadas superam 20.000 pés, chegando um deles a 100.000 pés. Já o cultivo do dendê, desde sua implementação até o momento atual, manteve-se restrito aos colonos de origem japonesa, com a característica de sua exploração ser feita em áreas que variam de 25 a 350 hectares. Sua expansão, no município, foi favorecida por condições "bioclimáticas" e pela política de incentivos fiscais do Governo Federal, via SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), que possibilitou a implantação de uma agroindústria local (PALMASA – Agroindustrial Palmeira da Amazônia S.A.), em janeiro de 1989. Quanto ao cultivo do maracujá, este foi introduzido mais recentemente no município. Sua implantação e expansão foram fomentadas, por um lado, por uma agroindústria privada (AMAFRUTA)29 e, de outro, favorecida por recursos provenientes do FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte). Este programa foi de fundamental importância, por disponibilizar recursos financeiros ao produtor descapitalizado, considerando tratar-se de um cultivo que exige um grande aporte de capital, não só na sua implantação, como também, para os tratos culturais. Outra reconfiguração na produção e nas unidades de produção veio se dar, também, com a utilização de terras com pastagens plantadas30, para a criação de bovinos, em áreas anteriormente ocupadas com cultivos alimentares. Tal fato decorreu da aquisição de terras por parte de comerciantes urbanos locais e, de outros agentes produtivos chegados à região na década dos setenta. Estes adquiriram vários lotes de antigos colonos, formando unidades de produção do tipo fazendas, algumas delas com área superior a 20 lotes, em áreas contíguas (500 hectares). Toda essa conjuntura levou a que pudesse se verificar, principalmente, três processos durante este período: (a) reordenação fundiária, com valorização da terra (venda de lotes por parte de antigos colonos, que achavam interessante aplicar o dinheiro no mercado financeiro, na época dos juros altos; (b) implantação de cultivos alternativos, destinados ao mercado (pimenta do reino, dendê e maracujá), envolvendo, em geral, produtores medianamente capitalizados; e, (c) criação de mercado de trabalho eventual, no âmbito do espaço agrário local, para produtores com pouca disponibilidade de recursos financeiros. Além disso, a conjugação desses processos conduziu à uma diferenciação, em nível de cada sistema de produção, quanto à pressão humana sobre o meio biofísico.

III. Ao modo de considerações finais: pequena, mas não declaratória! A trajetória percorrida ao longo deste trabalho nos permite tecer considerações finais sobre os seguintes pontos:

Em 1980, segundo o Censo Agropecuário, haviam 1958 estabelecimentos em Igarapé-Açu. Dentro deste universo, 788 estabelecimentos cultivavam pimenta-do-reino em uma área de 1982 hectares, com 3.002.065 pés plantados. 28

A comercialização deste produto através da AMAFRUTA, com preços compensadores, se verificou apenas nos primeiros anos de instalação da referida agroindústria, o que funcionou como elemento estimulador da sua expansão, vindo a decair, logo em seguida, de forma significativa. Nos últimos dois anos, vem se verificando uma reação positiva dos preços, motivada – dentre outras coisas -, por agentes de intermedição comercial que estão possibilitando a colocação do produto em outros mercados, por exemplo, São Paulo. 29

Os últimos Censos Agropecuários demonstram bem este quadro. Assim, o crescimento da utilização das terras com pastagens plantadas foi de 543 hectares, em 1970; 677 hectares, em 1975; 2.664 hectares, em 1980; 6.695 hectares, em 1985; e, 8.152 hectares, em 1995. 30

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A conformação do sistema agrário esteve baseado na dinâmica dos meios de transporte dominantes em distintos períodos: fluvial, ferroviário e rodoviário;



Isto condicionou o padrão de ocupação efetiva do espaço e a valorização/desvalorização de áreas, a amplitude econômica do sistema, a estrutura de mercado e as mercadorias passíveis de troca, conseqüentemente o tipo de inserção da produção local nos mercados regional e nacional;



O entendimento da pressão de expansão do povoamento no espaço e as atividades econômicas desenvolvidas, permitiu-nos recompor a própria dinâmica de transformação e exploração do meio biofísico que condiciona, hoje, as performances produtivas, estratégias produtivas e os modelos de desenvolvimento adaptados – principalmente quando o meio ambiente é considerado um forte limitante da produtividade;



A dinâmica histórica da ocupação do espaço por diferentes atores sociais condicionou, por um lado, uma diferenciação nos tamanhos das unidades de produção e no tamanho das áreas trabalhadas com cultivos comerciais e de auto-consumo. E, por outro, levou ao surgimento de agroindústrias rurais e urbanas (casas de farinha e usinas de beneficiamentos de arroz e algodão) e a implantação de cultivos agrícolas exclusivamente comerciais (algodão, pimenta do reino, dendê e maracujá). Esses fatores propiciaram um certo grau de intensificação do sistema e a diversificação dos sistemas de cultivos manejados em nível de cada unidade de produção.



Finalmente podemos afirma que, apesar da diversidade e da complexidade de situações agrícolas verificadas – que foram muitas – não encontramos nenhum exemplo de sistema de produção que possa ser considerado como do tipo “shifting cultivation”. A reconstrução da dinâmica histórica de ocupação e transformação do espaço, pela pratica da agricultura, conformou sim, em sua maior parte, sistemas de produção que denominamos de agricultura com sistema de pousio (Fallow System).

IV. – Agradecimentos. Agradecemos aos membros da equipe, interdisciplinar e inter-institucional de pesquisadores, responsável pelo levantamento de campo do trabalho, com caráter de Análise Diagnóstico de Sistemas Agrário, realizado no Município de Igarapé-Açu, no Estado do Pará, sob a nossa coordenação. São eles: Marcelo Urbano Felipe Marques, Wilza da Silveira Pinto, Frederico Luiz Silva Cahete, José Luiz da Silveira, Silvio Roberto de Miranda dos Santos e Jonacir Corteletti. IV. Referências bibliográficas. ANDREAE, B. Agrargeographie: Strukturzonen und Betriebsformen in der Weltlandwirtschaft. Berlin: de Gruyter, 1983. BROSIER, J., VISSAC, B., Le MOIGNE, J. L. Modélisation systèmique et système agraire. Paris: Institut National de la Recherche Agronomique, 1990. CAMARGO, F. C. de. Terra e Colonização no Antigo e Novo Quaternário da Zona da Estrada de Ferro de Bragança, Estado do Pará, Brasil. Belém: IAN, 1948. CAPILLON, A., SEBILLOTTE, M. Etude des systèmes de production des exploitations agricole. Typologie. Séminaire Caraibe sur les systèmes de production agricole. San Jose: INRAIICA, 1980. CARVALHO, M., COSTA, M. P. da, VELOSO, C. A. C. Caracterização físico hídrica de um Podzólico vermelho-amarelo textura arenosa/média sob diferentes usos, em Igarapé-Açu, Pará. Belém: EMBRAPA, 1997 (Boletim de Pesquisa, 174).

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SUMMARY: There is a consensus among a group of researchers that shifting cultivation is the practiced agriculture in Eastern Amazonian. This perception we would call declaratory science. The objective of the present study is to demonstrate that this perception has no empirical validation. In order to achieve this objective, we take as reference a diagnostic study which aims at characterizing and analyzing the conditions for reproduction of agriculture in the old agrarian frontier of Eastern Amazonian. In that the following methodological steps were taken: First, a “landscape reading” was done to show the artificialness introduced to the landscape of the study area by humans. The second step was a historical reconstruction of the agrarian systems` dynamics, based on interviews with “key informants”, followed by an “agro-socio-economic zoning” of the area (third step). Based on these previous steps a typology of the diverse producers was elaborated (fourth step). Finally, a socio-economic survey of the type of producers was undertaken. These five steps allowed for a recomposition of an information basis to explain the changes that have occurred, and to deal with the strategies of reproduction of agriculture in the agrarian frontier of Eastern Amazonian. Key words: fallow system, agrarian systems, and use of secondary forests.

RESUMO: Há um consenso entre um grupo de estudiosos que a agricultura praticada na Amazônia Oriental é do tipo “shifting cultivation” (agricultura itinerante). Concepção essa, que aqui chamamos de ciência declaratória. O presente artigo tem por objetivo mostrar que essa concepção não tem validação empírica. E, para alcançar este objetivo, partimos de um trabalho com caráter de “Análise Diagnóstico”, levantado por uma equipe interdisciplinar e interinstitucional de pesquisadores e coordenada pelos autores deste artigo, que teve como objetivo caracterizar e analisar as condicionantes da reprodução da agricultura em área de fronteira agrária antiga na Amazônia Oriental. Nele usaramse os seguintes passos metodológicos: o primeiro foi o da “leitura da paisagem” para visualizar a artificialização do meio pelo homem na área do estudo; o segundo deu-se através da reconstituição da dinâmica histórica dos sistemas agrários, a partir de entrevistas com “informantes privilegiados”; desses dois, partiu-se para o terceiro passo que foi o “zoneamento agro-sócio-econômico” da área; o quarto, foi a elaboração de uma tipologia dos diversos produtores, tomando por base os passos anteriores; e, por final, o quinto passo foi o levantamento sócio-econômico dos tipos de produtores. Estes cinco passos permitiram recompor uma base de informações para explicar as transformações ocorridas e para tratar das estratégias de reprodução da agricultura nas áreas de fronteira agrária da Amazônia Oriental. Palavras-chaves: agricultura de sistema de pousio, sistemas agrários e uso de florestas secundárias.

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