AGRICULTURA EMPRESARIAL: NOVIDADES E DESAFIOS PARA A PESQUISA SOBRE O RURAL

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AGRICULTURA EMPRESARIAL: NOVIDADES E DESAFIOS PARA A PESQUISA SOBRE O RURAL

Eve Anne Bühler Universidade Paris 8 Vincennes-St-Denis Núcleo de pesquisa UMR LADYSS [email protected] Valter Lúcio de Oliveira Universidade Federal Fluminense [email protected]

Resumo Objetiva-se com este trabalho apresentar reflexões preliminares de uma pesquisa em andamento junto aos grandes produtores agrícolas do Oeste da Bahia. Parte-se da constatação de que as muitas mudanças ocorridas recentemente no meio rural e no setor agrícola tem feito emergir novos perfis de produtores agrícolas e novas lógicas de relações sociais e espaciais. Nota-se, por exemplo, a forte presença de grande investidores que passam a atuar na agricultura segundo lógica similar àquela que investem em outros setores da economia introduzindo, assim, elementos que vão compor dinâmicas até então inexistentes nesse meio. Acerca de boa parte dessas transformações ainda não se produziu grandes estudos acadêmicos e, nesse sentido, tal artigo apresenta, mais do que respostas conclusivas, problematizações desafiadoras às ciências sociais. Palavras-chave: Agricultura empresarial. Redes socioeconômicas. Territorialização. Oeste da Bahia. Desenvolvimento local. Globalização.

Introdução O meio rural e o setor agrícola têm experimentado significativas e constantes mudanças. A crise energética e as perspectivas abertas com os agrocombustíveis, a forte e freqüente variação nos preços das commodities, a preocupação com a segurança e soberania alimentares, as inovações tecnológicas (especialmente as da biotecnologia), a acentuada mercantilização do campo, o fenômeno crescente de estrangeirização das terras etc, são transformações que conduzem à novas lógicas de ação na agricultura e no campo e sugerem formulações e reformulações das questões para as agendas de pesquisas e para os formuladores de políticas públicas. A agricultura, que já foi considerada um setor pouco atrativo ao capital, especialmente devido às suas especificidades naturais e econômicas (RAMOS, 2007; MANN; DIKINSON, 1987), vive atualmente um processo de forte atração de investidores não especificamente vinculados a tal setor. Assiste-se a um interesse crescente e

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diversificado que vem definindo diferentes formas de relações com o território e produzindo novas dinâmicas sociais tanto no plano local quanto global. Considerando especialmente o caso brasileiro, a ocupação do seu meio rural se fez de forma bastante heterogênea, porém marcada por uma estrutura fundiária altamente concentrada o que historicamente vem sendo motivo de muitos conflitos agrários. Face a essa situação, as ciências sociais construíram categorias de análise que permitem a compreensão de grande parte dos atores relacionados com o setor agrícola e, dessa forma, tem feito avançar o conhecimento dos grupos sociais presente no campo, especialmente no que tange a sua diversidade de atuação e interesses. Assim, foram se consolidando abordagens voltadas à pequena propriedade, à qual se associa os estudos sobre o campesinato ou o agricultor familiar, e à grande propriedade à qual se associa os estudos sobre as plantations, as fazendas de pecuárias ou, mais recentemente, sobre o agronegócio. No entanto, considerando esta habitual divisão (tantos nos meios políticos quanto acadêmicos) entre agricultura familiar e agricultura patronali, é possível afirmar que as ciências sociais, e a geografia em particular, dedicaram maior atenção à primeira, seja por razões políticas (as lutas sociais do campo tem seus prolongamentos na academia) ou pela sua factibilidade (acesso a determinados atores, informações etc.). Portanto, pela atenção que a agricultura familiar atraiu e atrai ainda hoje temos, à disposição, muitos elementos para compreender sua dinâmica produtiva e reprodutiva (econômica, social e cultural) e para caracterizar este tipo de agricultura e seus agentes que, está claro, reúne uma grande diversidade de perfis e uma forte complexidade em sua configuração (OLIVEIRA, 1991; SCHNEIDER, 2006). Já o segundo grupo, que se convencionou situá-lo em contraponto a essa agricultura familiar, não recebeu a mesma atenção. O “agronegócio” foi alvo de muitas pesquisas setoriais e quantitativas no campo disciplinar da economiaii (como os estudos voltados para as cadeias produtivas) e da gestão além, é claro, de escritos mais engajados na sua defesa ou crítica. Mas não há muitas pesquisas acumuladas que tenham se dedicado à sua compreensão desde o campo epistemológico da geografia humana e da sociologia (sobretudo em tempos mais recentes). Estudos que não tenham um compromisso normativo e que, dessa forma, contribua para jogar luz sobre esse cenário ainda pouco inteligível. Nesse sentido, esse artigo tem por objetivo apresentar alguns resultados preliminares de uma pesquisa em curso e levantar questões problematizadoras acerca do que designaremos de agricultura empresarial (para escapar de denominações ainda pouco

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consensuais e carregadas de conteúdo ideológico: agronegócio ou agricultura patronal); um perfil de agricultura que tem adquirido amplo destaque social, econômico e político no Brasil. Trataremos de descrever algumas tendências recentes que apontam para a necessidade de conhecer melhor seus estabelecimentos, sua diversidade, as mudanças que vêm sofrendo e os atores que a fazem funcionar. Entendemos que se trata de um meio social bastante diversificado e que reúne lógicas de ação e formas de inserção territorial que precisam ser mais bem investigadas. Dados secundários obtidos especialmente através de meios de comunicação especializados e dados primários coletados a partir de trabalhos de campo realizados nos meses de Agosto de 2011 e fevereiros de 2012 apontam para vários indícios de que está em curso uma nova forma de atuação na agricultura de larga escala. Nota-se que esta agricultura está ganhando maior expressão e tem atraído investidores habituados a atuarem no mercado financeiro e também aqueles que investem no setor produtivo industrial. Esses produtores agrícolas estão, mais do que em outras épocas, fortemente vinculados aos circuitos internacionais do mercado das commodities e das empresas transnacionais dependentes de matéria prima agrícola. Nesse caso, nas análises das estratégias competitivas, como aquelas referidas em Porter (1993) no campo das vantagens concorrenciais internacionais em uma determinada indústriaiii, os recursos naturais, tais como terra e clima, ganham maior importância juntamente com os recursos humanos. Daí o significativo interesse pela instalação de grandes fazendas altamente produtivas em áreas que não estão próximas aos grandes centros, mas que oferecem estes recursos naturais em abundânciaiv. Por ser um fenômeno que tem ganhado maior amplitude recentemente, ele ainda é bastante desconhecido e tem sido fonte de poucos estudos acadêmicos. O que se questiona são as dinâmicas sociais que a ele estão vinculadas, como por exemplo: quem são esses produtores rurais, a partir de onde atuam, quais as suas lógicas de atuação ? Alem disso, para no campo mais específico da geografia, se questiona as conseqüências dessas atuações na organização do espaço rural e nas relações que aí se constroem entre diferentes tipos de atores. Desenvolveremos melhor essas idéias à seguir.

Onde pesquisar os grandes agricultores ? A dinâmica socioeconômica e espacial da agricultura de grande porte, influenciada fortemente pelo processo de globalização, induz a pensar que grande parte do setor

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agrícola experimenta uma conformação cujos contornos depende, cada vez menos, deste grupo sócio-profissionalv historicamente composto por agricultores. O próprio discurso frequentemente veiculado pelas mídias especializadas busca novas designações para evitar a identificação com categorias já existentes recusando, assim, a associação à imagem socialmente sedimentada do “agricultor”. Exemplo desse exercício semântico pode ser notado pela adoção da categoria “agroempresário”, utilizada para designar um determinado perfil de investidor no setor agrícola. Parece-nos, portanto, que tal realidade demanda uma atenção científica que vá além dessas construções que emergem a partir das disputas simbólicas que são expressões de interesses diversos. Pretendemos tentar compreender parte dos elementos que estão agindo e influenciando algumas

mudanças

atualmente

notadas.

Temas

relacionados

à

agroenergia,

biotecnologia, avanços tecnológicos, integração agricultura e indústria etc, certamente vem impondo novas práticas e opções aos atores da agricultura por influenciar os mercados, os modos de fazer agricultura e, necessariamente, as redes sócio-profissionais dos produtores. Essas redes, que passam a incluir atores mais periféricos à atividade de produção no campo, mas que estão fortemente inseridos nos setores agroindustrial, mercantil ou financeiro, servem de elos na transmissão de tendências entre o global e o local. Levá-los em conta como vetores dessas mudanças permite entender, de maneira empírica e prática, as interações entre o surgimento de “novos atores” na agricultura, a influência da globalização e o processo de tecnificação do sistema agroalimentar. Tomamos como estudo de caso e alvo de um projeto de pesquisa sobre o tema, o Oeste da Bahia, devido ao fato de ali estar concentrado grande parte dos “antigos” agricultores e novos investidores agrícolas. Portanto, é um local privilegiado para o encontro com tais atores e para a compreensão dos processos sócio-espaciais adstritos à grande agricultura. Luis Eduardo Magalhães e Barreiras são os principais municípios desta regiãovi e são consideradas referências para o “agronegócio” ali desenvolvido e que está em processo de expansão para regiões adjacentes. A pesquisadora Denise Elias, especializada nos estudos acerca da geografia do “agronegócio” irá definir tais cidades como “Cidades do Agronegócio”, inspirada no que Milton Santos chamou de “Cidades do Campo”, em consideração ao fato de estarem amplamente condicionadas pela dinâmica de tal setor econômico (Ver, ELIAS, 2006; ELIAS; PEQUENO, 2005). Luis Eduardo Magalhães foi emancipada de Barreiras em março de 2000, depois de cerca de aproximadamente trinta anos de instalação progressiva de agricultores de médio e

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grande porte, especializados na produção de commodities agrícolas e usando técnicas das mais recentes. Desde então, não tem cessado seu crescimento demográfico sob o impulso da criação de renda e de empregos ligados à produção agrícola e às atividades subjacentes. Em 2007 sua população era de 44.310 e passou à 60.105 habitantes em 2010 segundo dados do IBGE. Com relação à área plantada com lavoura temporária, os dados apresentados na tabela abaixo ilustram o crescimento da agricultura da região. É interessante ressaltar que esse processo é regular ao longo do tempo e não parece apontar para sua estabilização no curto prazo.

Área plantada com lavoura temporária (ha) MESOREGIÃO

1990

1995

2000

2005

2009

Aumento (%)

Extremo Oeste da Bahia Fonte: IBGE

480.790

721.019

984.637

1.386.399

1.601.216

333

Alguns municípios dessa região tiveram crescimento ainda mais espetacular, como é o caso de Formosa do Rio Preto que, no mesmo período acima, contou com um incremento em sua área plantada com lavoura temporária de mais de 750%, segundo dados do IBGE. O interesse por esta região também é devido ser esta a origem de grande parte dos agricultores e investidores que estão expandindo seus negócios para novas áreas de fronteiras agrícolas vizinhas. É o caso da região conhecida como “Mapito”vii. Esta área vem sendo definida como o mais novo “eldorado” para os grandes empreendimentos agropecuários. Esse discurso alia a identificação das potencialidades dessa região à idéia, que já foi utilizada para outras áreas da Amazônia (e mesmo para o Oeste da Bahia), de que se trata de um “fim de mundo” vazio e desabitado “um paraíso para os agricultores”. Como assinalado por um dos empresários atuantes na região: "É um lugar estratégico para quem atua no mercado de commodities agrícolas." Um pequeno extrato de uma matéria publicada em uma revista de grande circulação dá o tom do discurso acerca de tal região: O acesso é difícil, as estradas são um verdadeiro caos e em alguns lugares não há, sequer, energia elétrica. Mas ainda assim esse fim de mundo se tornou sinônimo de grandes investimentos numa espécie de Eldorado. Essa é a região do "Mapito", onde Maranhão, Tocantins e Piauí convergem num imenso planalto de terras agricultáveis e de chuvas regulares - um paraíso para os agricultores. (Revista Isto É Dinheiro, ed. 632, acessado em 07/13/2011)

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O Oeste da Bahia (juntamente com a região do Mapito) tem experimentado, ao longo dos últimos 20 anos, transformações intensas diretamente vinculadas ao setor agrícola. Essa região conforma, portanto, um espaço empírico privilegiado para pesquisar as variadas expressões dos empreendimentos agrícolas. Como ilustração da acelerada transformação que está ocorrendo naquela região, na Tabela 01 pode ser notado a evolução do tamanho da área plantada em três microregiões que fazem parte da região de Mapito e são aquelas que apresentaram um crescimento destacado no período que vai de 1990 a 2009 (ultimo dado disponível). Evolução da área plantada com culturas temporárias em três Microregiões de Mapito (ha) MICROREGIÕES 1990 1995 2000 2005 2009 Aumento (%) Gerais de Balsas - MA 66.357 82.261 177.778 281.291 284.701 Alto Médio Gurguéia - PI 7.350 30.735 47.079 93.351 115.617 Jalapão - TO 21.296 15.570 20.919 143.367 135.976

430 1573 638

Fonte: IBGE

Duas idas à campo em 2011 e 2012 para recolher dados primários, mostraram que o Oeste baiano contêm uma grande diversidade de atores correspondendo ao que se pode designar por “grande agricultura”. Existem por exemplo estabelecimentos agrícolas pertencendo às famílias de colonos gaúchos provenientes do sul, que migraram à partir dos anos 1970 à procura de terra (HAESBAERT, 1997) e que atualmente atingem uma dimensão de vários milhares de hectares, lidando com verdadeiras empresas de produção de grãos. Por outro lado, se encontram propriedades pertencentes à investidores originários do Sudeste ou do Sul do pais, que nem mesmo moram na região na qual possuem sua propriedade e atuam com a ajuda de assalariados e gestores especializados; se encontram também grandes grupos, financiados por investidores nacionais ou estrangeiros (OLIVEIRA, 2010), alguns deles agindo através de fundos de investimento. Essas primeiras constatações confirmaram a necessidade de conhecer melhor as características dos produtores agrícolas, para tentar entender quais os pontos comuns e quais as diferenças entre eles enquanto atores socioeconômicos e produtores do espaço (LEFÈBVRE, 2000). Além do agronegócio enquanto categoria Em relação ao aspecto designativo, voltamos ao que já foi brevemente apontado anteriormente para justificar e acentuar a opção que fizemos de nos afastar da categoria “agronegócio”.

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Tem sido constante no Brasil a presença do termo agronegócio nos debates políticos e nos meios de comunicação de massa, especialmente para destacar sua importância e os constantes superávits na balança comercial desse setor. Mas esse termo, de tão associado a lutas políticas, acabou por se tornar uma designação classificatória que esclarece muito pouco acerca das características que pretende reunir. Pode-se dizer que se tornou uma expressão ideológica de grupos sociais disformes e difusos. Ou seja, ao se falar e “exigir” que se fale em agronegócioviii se produz um efeito performático que é o de tornar existente enquanto realidade concreta aquilo que só existe enquanto um espaço de relações (BOURDIEU, 1999, p.137). Isso significa dizer que não existe uma substancia, algo que possa ser delimitado de forma precisa como agronegócio. O agronegócio está sendo construído como tal. Apenas dessa forma é possível que certos grupos dominantes, porta vozes de grupos sociais disformes, recolham os benefícios de reivindicações junto aos governos e outras instituições se valendo de contrapartidas produtivas e representativas difíceis de serem delimitadas. As referências, por exemplo, ao “agronegócio familiar” converge para esse sentido de desfazer fronteiras e unir toda a diversidade sob um mesmo “guarda chuva” conceitual. Se, do ponto de vista da sua objetividade, como quer GRAZIANO DA SILVA (2010, p.158), “não faz nenhum sentido excluir previamente um determinado ator social que esteja envolvido [em determinadas] cadeias produtivas, como é o caso da agricultura familiar” daquilo que é enunciado como agronegócio, do ponto de vista do seu efeito social e subjetivo tal neutralidade e objetividade não existem. Portanto, se na disputa por definir e construir a realidade certos conceitos perderam o sentido – arbitrário por definição – que esteve na sua origem ou ao qual se agregaram novos sentidos, não é do nosso interesse determinar, a partir de algum poder de enunciação, aquele lado que está mais próximo da verdade original e objetiva dos fatos. É dever do cientista social ir além dessas disputas e compreender as relações sociais subjacentes. No caso, renunciamos a esta designação devido a tal compreensão. Antes de nos convencermos de que o uso do termo agronegócio não imporia um viés já na origem do que está sendo pesquisado, seria necessário tomar esse conceito ele próprio como objeto de análise, o que não constitui, a priori, interesse dessa apresentação. Dessa forma, optamos por designar o nosso objeto de reflexão apenas como “grande agricultura” e seus agentes: os grandes produtores agrícolas. Tomamos como principal referência para tal recorte a definição de grande propriedade contida na legislação brasileira, ou seja,

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aquela que possui acima de 15 módulos fiscaisix (Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993). Com isso escapamos da armadilha político-social e conceitual contida no termo agronegócio e, ao mesmo tempo, utilizamos uma categoria que, por ter um caráter legal, permitiu uma melhor realização do recorte empírico por ocasião do trabalho de campo.

As mudanças no campo e na agricultura Como já salientado, por trás do que estamos chamando “grande agricultura” há um universo social bastante diversificado e complexo. Entre estes que são considerados grandes produtores, ainda é possível encontrar formas familiares tradicionais de organização da produção, definindo um grupo social para quem a terra se constitui em patrimônio sobre o qual a família se reproduz ao longo de gerações. Esta reprodução pode se dar tanto baseada em um formato extensivo de produção com baixo uso de tecnologia e mão de obra, quanto com uso intensivo de tecnologia e pouca mão de obra, definindo um perfil designado de “empresarial familiar” (BÜHLER, 2008, p.430). Deve ser acentuado que com o desenvolvimento de novas tecnologias, muitas dessas famílias logram produzir em extensas áreas sem a necessidade da contratação de grande número de trabalhadores externos. Reproduzem-se baseados no uso intensivo dos fatores de produção, especialmente tecnológicos. Em ambos os casos (intenso uso de tecnologia ou não), não há uma divisão muito clara entre aqueles que gerenciam e detêm o capital e aqueles que trabalham na propriedade. Ao lado desse perfil de agricultor existem aqueles que estão, da mesma forma, fundados sobre uma estrutura familiar de gerenciamento do empreendimento agrícola, mas adotando um tipo de estratégia empresarial que se aproxima mais fortemente de uma empresa rural. O trabalho produtivo é conduzido, majoritariamente (ou exclusivamente), por mão de obra externa e possui significativo capital tecnológico e menor vinculação com o patrimônio fundiário. Esse tipo de agricultor configura um perfil do tipo “empresarial patrimonial” (BUHLER, 2008, p.430) que visa à geração de lucro e rendimento com dominância da escala de produção, perpetuação e incremento de um patrimônio que se transmita no interior da família. Entre estes, também é freqüente os agricultores que estão estreitamente vinculados a empresas beneficiadoras. Toda sua forma de gerir e produzir são dependentes da demanda e dos pacotes tecnológicos determinados por tais empresas. A autonomia dessas propriedades é praticamente inexistente. Atualmente tem destaque as empresas

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de celulose que, além de adquirirem grandes áreas para a implementação da silvicultura (com especial interesse na região que está sendo pesquisada), também estabelecem contratos com os proprietários rurais locais. Parte significativa desses agricultores considerados até aqui passaram por um processo de migração como estratégia para se reproduzir como agricultor familiar (SILVESTRO ET AL, 2003). Há muitos estudos que se dedicaram a compreender o processo de migração dos agricultores (sobretudo oriundos da região Sul) para as várias regiões do país e inclusive para outros países limítrofes (HAESBAERT, 1997; BUHLER, 2006; SOUCHAUD, 2002; TAVARES DOS SANTOS, 1993). No Oeste baiano por exemplo, não são desprezíveis os estudos já realizados, especialmente aqueles interessados nessa agricultura anteriormente destacada que, apesar de grande, tem base familiar e partilha a característica de ser, em sua maior parte, realizada por gaúchos (HAESBAERT, 1997; ANDRADE, 2008; GASPAR, 2010; ALVES, 2006). Os gaúchos são, com frequência, apresentados como detentores de um certo ethos desbravador e colonizador que, por comparação a outros migrantes, o movimento de migrar é socialmente valorizado (BUHLER, 2006). Os gaúchos se distinguem pelas características de formarem “colônias” e manterem seus hábitos culturais e uma estruturação social e produtiva fundamentalmente familiar. Mas o componente familiar nem sempre está presente ; convive com outros atores da agricultura ainda mais diferentes, marcados por uma lógica empreendedora sem se reconhecer enquanto agricultor. São os chamados “agroempresários”, em forte crescimento no Oeste da Bahia e nas regiões adjacentes: grandes investidores nacionais e internacionais que compram ou arrendam terras em diferentes partes do globo e investem na produção de commodities. É importante alertar que não é recente o fato de grandes empresas e investidores se interessarem em investir seu capital na aquisição de terras em várias partes do Brasil. Esse processo vem se acentuando ao menos desde a Lei de Terras de 1850, que determinou uma nova relação com a terra mediada pela renda fundiária (MARTINS, 2010). A busca pela maximização dessa renda fundiária atraiu muitos investidores para regiões de fronteira agrícola motivando a ocorrência de muitos conflitos sócioambientais, especialmente na Região Amazônica (ESTERCI, 1987; MARTINS, 2009; FIGUEIRA, 2004). Os maiores interesses se concentram, sobretudo, na especulação fundiária e na perspectiva de diversificar a fonte de renda (industrial, comercial,

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agrícola). No entanto, o que está sendo percebido atualmente é que essa nova leva de investidores é mais diversa e sua chegada se faz a partir de novas formas de inserção local, de novas relações sociais e novos investimentos produtivos. Esse tipo de agricultura também vem sendo denominada de “Agricultura Corporativa” (BATISTA; INÁCIO, 2011) Tal agricultura parece se beneficiar das dinâmicas geopolíticas e econômicas definidas pelo processo de globalização da economia que imprime suas marcas em praticamente todas as nações. É comum se dizer que com a globalização o mais simples agricultor brasileiro está, inevitavelmente, conectado ao mercado mundial e se preocupa com os vários fatores que podem afetar o movimento dos preços dos seus produtos, mas esse processo de globalização também tem introduzido novas dinâmicas e novos atores no campo produtivo (BONANO; MARSDEN; GRAZIANO DA SILVA, 1999). O mercado de terras tem gerado interesses em grupos estrangeiros privados e, alguns destes, vinculados aos interesses de governos de outros países (LEITE, SAUER, 2010; OLIVEIRA, 2010; FERNADES, 2011). O aquecimento do mercado internacional de terras, determinado pelo interesse desses investidores estrangeiros, tem relação com o crescimento populacional, com a limitação de áreas produtivas em seus países e a ampla variação no preço das commodities. Está associado também às perspectivas relacionadas à agroenergia e à segurança alimentar, o que tem feito com que muitos governos e investidores explorem estas possibilidades de adquirirem e/ou arrendarem terras em outros países, com destaque para aqueles dos continentes africano e latino americano (ALLAVERDIAN, 2010; MERLET; PERDRIAULT, 2010). Essa situação tem feito com que as realidades rurais e urbanas em certas regiões se transformem rapidamente e ampliem a complexidade das relações sociais locais. Tais fatos podem ser exemplificados a partir do caso de uma empresa argentina que iniciou suas atividades na região do Oeste da Bahia explorando grandes áreas sem que fossem necessárias a aquisição de todas as terras necessárias e mesmo sem a aquisição de todo maquinário. Em parte da área explorada, optou pelo arrendamento e pela terceirização da produção com agricultores locais, introduzindo na agricultura uma lógica mais presente no meio industrial (GUIBERT, 2009). Ocorre que em certas situações os próprios fazendeiros locais oferecem suas terras e suas máquinas para serem usadas por tais “agroempresários”. Mesmo sendo ainda marginal, todo esse

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processo deixa evidente que os recursos naturais têm um peso muito mais acentuado nesse tipo de investimento quando comparado às indústrias. Mas, como notado, é incorporado na agricultura certas lógicas das grandes corporaçõesx (PORTER, 2006). É a projeção sobre os espaços rurais de necessidades provenientes dos grande centros urbanos e informadas por lógicas vinculadas à urbanização do meio rural que, por sua vez, envolve atores locais e internacionais. Ainda assim, esse processo de industrialização da agricultura e urbanização do rural fica condicionado a determinadas particularidades da agricultura que serão analisados na próxima seção.

As particularidades da agricultura e as mudanças conceituais Compreender as transformações ocorridas na agricultura, inserida no contexto maior do capitalismo, sempre foi uma questão desafiante para muitos teóricos sociais. Muitas formulações e revisões foram feitas na medida em que os atores sociais atuantes na agricultura iam se reinventando e motivando a novas análises. O fim do campesinato e sua diferenciação social determinado pelo desenvolvimento do capitalismo no campo (LÊNIN, 1988 [1899]; KAUTSKY (1986 [1899]), HOBSBAWN (1995), MENDRAS, 1984); a consolidação de uma agricultura familiar fortemente integrada ao mercado (ABRAMOVAY, 1992; VEIGA, 1995), a persistência de formas não capitalista na agricultura (MARTINS, 2010), o debate a respeito da recampesinização da agricultura (PLOEG, 2008), a emergência da questão ambiental (DEAN, 1996) etc, são questões que foram e continuam, a cada período, determinando novos rumos às análises das ciências sociais voltadas para os processos sociais rurais. É justo afirmar que, em grande medida, as previsões marxistas que partiam da constatação de que a agricultura camponesa caminhava inelutavelmente para sua extinção não se confirmaram integralmente. Essa extinção se efetivaria a partir de um processo de concentração dos meios de produção que conduziria esse formato social de se fazer agricultura a experimentar uma dinâmica de diferenciação que estabeleceria uma distinção básica entre dois grupos sociais: uma pequena parte se consolidaria como “burguesia” agroindustrial e uma grande parte em “proletário”. Passados mais de cem anos desde que LÊNIN (1988 [1899]) fez tais considerações, constatamos que mesmo nos países onde o capitalismo mais se desenvolveu, a agricultura de características camponesas resiste, ainda que de forma altamente mercantilizada (PLOEG, 2008).

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Da mesma forma, certas teses apoiadas em noções desenvolvidas por KAUTSKY (1986 [1899]) como o “apropriacionismo” e o “substitucionismo” na agricultura também não se concretizaram de maneira absoluta. Estas teses apontavam, respectivamente, para a possibilidade da indústria capitalista em se apropriar de elementos necessários ao processo de produção agrícola ou mesmo a própria substituição de determinados produtos, inclusive para a alimentação, por produtos gerados de modo fabril. As condições objetivas que GOOLDMAN, SORJ E WILKNSON, (1990) sugerem para sustentar tais teorias aparecem definitivamente com as modernas biotecnologias. Nesse debate em relação aos rumos do desenvolvimento capitalista na agricultura, algumas análises colocaram em relevo o quanto este setor da economia continha dimensões hostis ao capital. Vários estudos deram conta de que existiam muitos “Obstáculos ao desenvolvimento da agricultura capitalista” (MAN; DIKINSON, 1987). Esta frase entre aspas é justamente o título de um breve artigo no qual estes autores marxistas apresentam uma discussão em torno das particularidades que faz da agricultura um setor diferente dos demais setores da economia e, por isso, menos atrativo ao grande capital. É a partir desta explicação que vai justificar a permanência e consolidação de um formato de agricultura cuja gestão do patrimônio, da produção agrícola e da mão de obra está baseada, fundamentalmente, na famíliaxi. O desenvolvimento desses argumentos se coloca em contraposição a outros autores marxistasxii, comentados anteriormente, que previram o desaparecimento deste tipo de agricultor à medida que o capitalismo fosse penetrando no campo. Os aspectos centrais que compõe tais particularidades se concentram basicamente ao redor das questões ambientais e à própria natureza da agricultura. É dizer que muitos dos aspectos edafoclimáticos, do caráter perecível de parte significativa de seus produtos ou o alto investimento em sua armazenagem além da dinâmica sazonal da produção e do conseqüente emprego de mão de obra, faz da agricultura um setor de difícil industrialização e, portanto, pouco atrativo aos investidores capitalistas. Algumas outras questões, que definiam a agricultura como um setor de significativo risco e hostil à obtenção de taxas de lucros similares a outros setores da economia, podem ser apontadas a partir de RAMOS (2007, p.23-24): - Dupla baixa elasticidade da demanda, significando que não há um aumento significativo no consumo de certo produto quando este diminui seu preço e nem quando

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se aumenta a renda dos consumidores. O aumento na demando, para ser expressivo, se daria no aumento demográfico. - Sazonalidade produtiva e demanda contínua. Tal característica impõem custos de estocagem e grande variação no preço dos produtos ao longo de certo período. - Os diferentes ciclos de produção (perene e anual), impõem, em certos casos, a imobilização de um grande capital em investimento que fica exposto aos riscos naturais. - Dispersão geográfica, dificultando as potencialidades de uma economia territorial - Os limites à economia de escala. Há estudos que demonstram que não ocorre incremento nos lucros (diminuindo os custos) proporcionalmente ao aumento da áreaxiii . Mas todas estas característicasxiv não impediram que houvesse uma forte industrialização dos insumos e maquinários necessários à produção agrícola e nem um processo intenso de industrialização dessa produção intermediados por várias cadeias de comercializaçãoxv. Portanto, apesar dessas características que afugentaram da agricultura muitos capitalistas voltados para maximização da sua taxa de lucro, preferindo investir em seus setores a montante e a jusante e deixando esta atividade sob a responsabilidade predominante de grupos familiares, o que é percebido atualmente é que muitas transformações sociais passaram a impor novas lógicas de investimentos nesse setor. Chegou-se, atualmente, a um estágio em que várias outras mudanças se somam de forma notadamente aceleradaxvi. Tais mudanças (como o avanço das biotecnologias, das agroenergias, os riscos relativos à segurança e soberania alimentar, a frequente variação no preço das commodities etc) passaram a atrair a atenção de governos e investidores. Esse processo que tem forte relação com a globalização conforme apontado anteriormente, longe de homogeneizar um espaço social (BONANO, 1999), tem produzido uma maior diversidade social difícil de ser apreendida. Como salientado por GRAZIANO DA SILVA (2010), para ser conseqüente com a realidade, não se pode falar de uma agricultura brasileira, mas sim de agriculturas brasileiras, pois o que se verifica a esse respeito é a existência de “uma estrutura complexa, heterogênea e multideterminada”.

Considerações finais Considera-se que a relação desses agricultores com o espaço está regida por uma lógica fortemente instrumental, segundo a qual a terra perde o sentido de patrimônio e o

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espaço de produção deixa de ser também um espaço de vida como ocorre, predominantemente, no caso da agricultura familiar (WANDERLEY, 2009). Em consideração a esta forma de se relacionar com o local, o que marca o processo inicial de territorialização desses agricultores, antecipando e legitimando sua instalação, é um certo investimento discursivo em definir a área na qual atuarão como sendo um espaço de “vazio social” e sobre o qual se desenvolve um bioma natural sem muita importância, neste caso, o Cerradoxvii. A partir desse discurso, busca-se a constituição de um território em que o caráter civilizatório, assentado na ideologia do progresso (DUARTE, 1998; MARTIN; PELEGRINI, 1984), passa a informar as relações sociais e com o espaço. Ou seja, no lugar do “vazio” se implanta um processo produtivo dotado de intensa tecnologia e gerido a partir de ferramentas de gestão pouco encontradas em tal atividade. É a partir desse patamar que se define o parâmetro para marcar o divisor entre o progresso e o atraso. Esse processo, que inicialmente se dá a partir de uma desconstrução simbólica, se consolida economicamente e socialmente a partir de relações de poder (FOUCAULT, 1979) nas quais se vêem enredados vários outros atores sociais (FERNANDEZ, 2010). Em outros termos, se pode pensar que à partir dos projetos, interesses e práticas dos novos atores agrícolas, se acirram as relações de poder e os conflitos, e se transformam a maneira de pensar e de representar o local e as relações sociais, sobretudo aquela estabelecida entre os atores locais, inclusive dentre os grandes agricultores. Tais possibilidades abrem um campo de reflexões a ser explorado nas pesquisas sobre grande agricultura. Deve ser considerado ainda que com a chegada desses grandes produtores agrícolas outros atores sociais, políticos e econômicos entram em cena ou reestruturam seus papeis. Tal processo se estabelece no local, mas também em âmbitos mais globais, e promove mudanças nas relações sociais e na forma como os habitantes originários do local passam a refletir acerca de sua história e posição social. O sistema de representação política também se redefine. Pode-se considerar a hipótese da ocorrência dessas transformações: a chegada de mão de obra especializada, a transformação de muitos proprietários em arrendatários, como é o caso, por exemplo, nas áreas de extensão da cana de açúcar, o fortalecimento dos agentes imobiliários, a emergência de novos representantes políticos, novas funções dos funcionários públicos, o surgimento de novas organizações sociais e representativas novos agentes comerciais que passam a explorar novos nichos do mercado que emerge desse processo etc.

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Assim, outro tema relevante tem a ver com as redes socioeconômicas vinculadas à esses atores, interna e externamente ao estabelecimentos agrícolas. Os indivíduos ou grupos empresariais que investem nessas áreas apóiam-se em redes sociais mais diversas e com maior presença de atores do campo político e do campo econômico. São redes que apresentam uma extensão social e geográfica bastante ampla. Os vínculos locais estabelecidos por tais indivíduos provavelmente são mais frágeis e voltados para os interesses relativos ao empreendimento agrícola que, por sua vez, estão mais fortemente determinados pelas orientações emanadas de instâncias superiores públicas ou privadas. As conexões e a manutenção da relação entre estes níveis são realizadas por funcionários locais. Assim, um melhor conhecimento sobre os atores sociais envolvidos nas empresas agrícolas, o papel de cada um sobre os lugares onde moram e trabalham juntamente com as redes sociais das quais fazem parte, pode ser de grande utilidade para compreender como elas se territorializam e, de forma conjunta, quais as suas interações com o espaço global. Pode-se dizer que, com a chegada desses novos produtores agrícolas, se impõe uma nova configuração ao território. O acesso aos recursos locais é realizado a partir de lógicas de apropriação e manejo diferentes. Isto significa que novos trabalhadores e novos sistemas produtivos e outra forma de tratamento dedicada aos fatores de produção são introduzidos no local. Instaura-se, com isso, um espaço de disputa pela configuração do território (RAFESTIN, 1980; RIPOLL; VESCHAMBRES, 2002, 2006) que se efetiva a partir da conjunção de forças micro e macro sociais que se realizam no e desde o local. É dizer que à imposição de novas configurações ao território se opõem um movimento de resistência articulado também em diferentes níveis sociais (micro resistências locais, organizações locais e globais, agentes do campo político, etc).

Notas i

Essa divisão e se poderia dizer mesmo contraposição se materializa, em certa medida, na separação entre os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e do Desenvolvimento Agrário (MDA). ii Veja, dentre muitos outros: Mendes; Padilha Jr. 2007, Ramos, 2007, Batalha; Souza Filho, 2009, Callado, 2011. iii Porter considera a concorrência como um processo dinâmico que envolve 5 fatores hierarquizados: recursos humanos, recursos físicos, saberes, recursos em capital e infraestruturas. iv Dentre as vantagens que fizeram despertar o interesse pela região do Oeste da Bahia (e entorno), são destacadas: baixo valor da terra, regime pluvial favorável às principais culturas agrícolas, relevo que otimiza o uso de maquinário em grandes extensões e, segundo o senso comum, a ocorrência de uma vegetação natural de baixo valor, justificando, mais facilmente, o avanço da fronteira agrícola. v Sobre a categoria sócio-profissional “Agricultor”, ver Hervieu (1996).

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Esta região conta com um total de 23 municípios. Sigla formada pelas iniciais dos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins. Para alguns analistas a Bahia também integra esta zona de interesse dos grandes investidores na agricultura, mas, diferentemente destes estados, ali o “agronegócio” se instalou a mais tempo. viii Como salientado por Heredia et al (2010) o que está sendo referido por agronegócio segue na esteira do processo de modernização da agricultura iniciado, com maior força, na década de 1960. Seria algo como um novo estágio do que em outros tempos se definiu como “Agricultura Moderna” e, posteriormente, como “Complexo Agroindustriais (CAI)”, sem, no entanto, se confundir com tais designações. Acerca do debater que opõe Agricultura Familiar e Agronegócio, a partir de diferentes perspectivas de análises, ver Sauer (2008) e Valente (2008). ix Modulo fiscal é um parâmetro, definido em hectares, adotado para cada município conforme a sua peculiaridade produtiva. Para a região em q uestão o módulo fiscal é, aproximadamente, 75ha. x Mesmo diante da preocupação do governo federal em limitar as possibilidades de aquisição de terras brasileiras por estrangeiros um desses empresários argentino destaca o seguinte: “Nesta sociedade em que vivemos, o que importa não é a propriedade da terra e sim o conhecimento sobre o que fazer com ela. O conhecimento significa capacidade de gestão sobre essas terras e que tipo de serviços você pode prestar. Logo, os fatores clássicos da propriedade nem sempre são fundamentais para um trabalho. Neste caso, o mais importante é propriedade do conhecimento e a disponibilidade de terra para trabalharmos de um jeito ou de outro”. (GLOBOCOPATEL, 2008). xi Que deve ser pensada a partir de vários aspectos relacionados à família, à reprodução social e a partir das dinâmicas comunitárias. Do ponto de vista econômico, a dinâmica baseada na família define uma outra racionalidade econômica especialmente ao se considerar que este tipo de agricultor é detentor do capital e da mão de obra dotando todo esse sistema produtivo e social de certa flexibilidade. (WANDERLEY, 2009). xii O próprio Marx demonstrou evidente hesitação em fazer dessa constatação empírica relativa à Europa Ocidental, uma profecia a ser concretizada em qualquer contexto, como passo inevitável para o desenvolvimento do capitalismo e para a passagem a uma nova fase definida pelo socialismo. Sobre isso, ver os “Rascunhos da carta à Vera Zassulitch de 1881” (MARX, 2005 [1924]). xiii Sobre esse aspecto em específico, ver as análises e o conjunto de dados sistematizados por Veiga (1995). xiv Deve ser acrescentado que o rural e a agricultura também acumularam sobre si uma forte carga de preconceito que fez edificar uma imagem associada ao atraso e à ignorância fazendo-os mais distantes como possibilidades sociocultural e econômico-profissional (MORAES; ARABE; SILVA, 2006; WANDERLEY, 2009) xv Passou-se por um processo definido por Complexo Rural, em que grande parte das necessidades do sistema de produção agrícola predominante era atendida de forma artesanal e internamente às grandes fazendas que, majoritariamente, voltavam-se para os monocultivos. A passagem para o que passou a ser denominado Complexo Agroindustrial (CAI) configurou um forte processo de urbanização e integração vertical da agricultura à indústria promovendo o que RODRIGUES (2009, p.48) chamou de uma divisão social entre o rural e a cidade. xvi A publicação mais recente que reflete a intensa transformação que o meio rural e a agropecuária vem experimentando é a coletânea de artigos organizada por Gasques, Vieira Filho e Navarro (2010). No entanto, tais estudos se voltam apenas para uma das dimensões dessas transformações que é o “econômico-produtivo” e todos os artigos dedicam-se a atualizar interpretações sobre a agricultura brasileira, a partir dos dados do Censo Agropecuário de 2006. xvii O ministro da agricultura Wagner Rossi fez o seguinte comentário em uma reunião do Conselho Federal da Economia: “Lá não tem nada, só Cerrado”. Fazia referencia justamente ao Mapito e ao Oeste da Bahia. (LO PLETE, 2011). vii

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