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May 27, 2017 | Autor: R. Rose | Categoria: Agriculture
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Agricultura, fome e desperdício de alimentos


(*) Ricardo Ernesto Rose

A busca por alimento, como em todos os seres vivos, sempre foi a maior
preocupação da humanidade. Nossos antepassados do Paleolítico, ainda
desconhecendo a prática da agricultura, dependiam da coleta e,
principalmente, da caça. Durante mais de 100 mil anos o homem moderno, o
Homo Sapiens, perseguiu manadas de gnus, zebras e antílopes pelas estepes
africanas e mamutes, renas e bisões pelas geladas planícies da Eurásia.
Aproximadamente há oito mil anos, no final do último período glacial, a
caça começa a minguar. Com o aumento da temperatura, o clima começou a
mudar e com isso flora e fauna também passam por mudanças adaptativas. Os
animais, que por milhares de anos eram abundantes e proporcionavam grandes
quantidades de proteína, decresceram em numero, deslocaram-se para outras
latitudes mais frias ou se tornaram extintos.

Nossos antepassados, espalhados por uma extensa área que se estendia da
África à Europa e do Oriente Médio à Ásia até a América – onde os
antepassados dos povos indígenas já haviam chegado através de uma ponte de
gelo cobrindo o estreito de Bering – iniciaram a primeira grande revolução
da humanidade: a prática da agricultura. Observando o crescimento de
plantas perto dos acampamentos, resultado da queda ocasional de sementes,
os homens devem ter percebido que este processo poderia ser repetido em
escala mais ampla, gerando volumes maiores de sementes. Nos vales
pantanosos à época dos rios Tigre e Eufrates, na região onde atualmente se
situam a Turquia, o Iraque e a Síria, a agricultura passou a ser praticada
pela primeira vez em larga escala a partir de 5.000 A.C. Cerca de milênio e
meio depois, a atividade agrícola já havia se espalhado para outras
regiões; como o vale do rio Nilo, no Egito; o vale do rio Amarelo, na
China; e o vale do Indo, entre o Paquistão e a Índia.

A prática da agricultura se desenvolveu ao longo de toda a história, sempre
ocupando novas áreas, acompanhando o crescimento e a expansão das
populações humanas. Basta lembrar as extensões de terras agricultáveis que
se abriram na Europa, depois que gradualmente os povos celtas, germanos e
eslavos foram cristianizados e incorporados ao império romano e depois ao
carolíngio. Ou no século XVI, quando espanhóis e portugueses descobriram
imensas extensões territoriais agricultáveis no outro lado do Atlântico,
além de uma grande variedade de novas plantas comestíveis, como a batata, o
milho, tomate, abacaxi, abacate, amendoim, baunilha, mandioca, feijão,
cacau, pimentas, entre outras.

Apesar do constante aumento das áreas plantadas a fome, no entanto, sempre
acompanhou a humanidade. Já na Roma antiga, o historiador Tito Lívio nos
informa sobre uma grande fome que teria assolado a República romana em 441
A.C. Pouco antes da Queda de Roma (476 D.C.) a história registra mais um
período de grande carestia no então império Romano, provocada pelo saque da
cidade, pelo rei visigodo Alarico. Entre os anos de 400 e 800, a ausência
de uma estrutura político-administrativa estável, fez com que grande parte
da Europa fosse afetada por períodos de carestia. A situação se tornou tão
confusa, que em certas regiões da Europa, durante o século VIII, até
ocorreram casos de canibalismo. As ocorrências de grandes carestias sucedem-
se durante a Idade Média, em grande numero de países.

No final da Idade Média, entre 1315 e 1317 ocorreu na Europa o que se
passou a chamar de "A Grande Fome". Devido ao excesso de chuvas e frio em
diversas regiões, perderam-se colheitas em extensas áreas, o que acabou
provocando uma grande fome em todo o Velho Mundo. Milhões de pessoas
morreram por falta de comida e em consequência de problemas sociais ligados
à carestia, como o aumento de crimes, doenças e de assassinatos. Foi
somente a partir de 1322 que a Europa conseguiu, aos poucos, se recuperar
do terrível caos social que havia se instalado.

Assim, mesmo com grande variedade de alimentos conhecidos a partir das
Grandes Navegações – muitos autores falam em uma globalização do consumo de
certas plantas, frutos e sementes – grande parte da humanidade ainda
continuava a comer mal ou passar fome. O pintor e gravador alemão Albrecht
Dürer (1471-1528), pintou em 1498 o famoso quadro "Os Quatro Cavaleiros do
Apocalipse", representando os maiores terrores da sociedade européia à
época: a peste, a guerra, a fome e a morte.

Foi somente a partir da gradual mecanização da agricultura e da utilização
de fertilizantes químicos – processo iniciado na primeira metade do século
XIX nos Estados Unidos, que já despontavam como grande potência agrícola –
que as colheitas se tornaram mais garantidas. Mesmo assim, a fome ainda era
uma ameaça real para a maior parte da população mundial, provocando grandes
fluxos migratórios, principalmente da Europa para as Américas. Uma lista
detalhada das principais ondas de fome ocorridas no mundo desde a
Antiguidade até os dias atuais encontra-se em:
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_famines.

Ainda na década de 1960 a fome era uma preocupação para cientistas,
políticos e empresários – além do perigo de uma guerra atômica. O aparente
problema da progressão aritmética no aumento da produção de alimentos,
frente à progressão geométrica no crescimento populacional, ocupava grande
parte das discussões acadêmicas da época. Tomando como base a taxa média
anual de crescimento da população mundial naquele período (2,1%), previa-se
a explosão de uma bomba populacional. Mantido a taxa de crescimento, a
população se multiplicaria oito vezes no espaço de um século, 64 vezes em
dois séculos, 512 vezes em três séculos, 4.096 vezes em quatro séculos e
32.768 vezes no espaço de cinco séculos. Isto significava que a população
mundial de três bilhões de habitantes em 1960, chegaria a 98 trilhões de
habitantes no ano de 2460; um número assustador. Muitos cientistas diziam
que as previsões feitas pelo economista e demógrafo Thomas Malthus (1766-
1834) em seu "Um ensaio sobre o princípio da população ou uma visão de seus
efeitos passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das
nossas expectativas quanto à remoção ou mitigação futura dos males que
ocasiona" poderiam se concretizar em um futuro próximo. A humanidade
cresceria tanto em número, que não haveria mais alimento para todos. Esta
foi, inclusive, a principal preocupação das primeiras reuniões do Clube de
Roma, em 1968.

Felizmente, o ritmo de crescimento da população mundial começou a cair ao
longo dos anos, se estabilizando em torno de 1% ao ano nos dias atuais.
Mas, não foi esse o principal motivo pelo qual as preocupações do Clube de
Roma mudaram o foco do crescimento populacional para o crescimento da
poluição. O que provocou uma verdadeira mudança na segurança alimentar
mundial foi a introdução da assim chamada "Revolução Verde" na agricultura.
A técnica foi desenvolvida nos Estados Unidos pelo agrônomo Norman Borlaug
e prevê a mecanização da atividade agrícola, do plantio à colheita,
associada ao uso de sementes geneticamente modificadas e insumos
industriais (adubos e defensivos químicos). A disseminação destas
tecnologias em todo o mundo a partir da década de 1970, fez com que as
colheitas aumentassem e que o espectro da fome – pelo menos aquele causado
por falta de alimentos – desaparecesse ao longo dos últimos trinta anos.
Ainda persiste a fome originada por guerras, falta de recursos financeiros
ou por especulação; mas esta não tem causas naturais.

Resolvido por ora o problema da fome por falta de alimentos para grande
parte da humanidade, defrontamo-nos agora com novo desafio: o desperdício
de alimentos. Dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO) dão conta que no mundo são desperdiçados 1,3 bilhões de
toneladas de comida ao ano. Um estudo preparado pela entidade, intitulado
Global food; waste not; want not (Alimentos globais; não desperdice; não
sinta falta), mostra que grande parte dos alimentos em todo o planeta é
perdida, principalmente, por condições inadequadas de colheita, transporte
e armazenagem; por adoção de padrões visuais muito rígidos para os
alimentos (maçãs vermelhas, bananas sem manchas, etc.); e fixação de prazos
de validade rigorosos demais. Na Inglaterra, por exemplo, segundo
reportagem do site da BBC, cerca de 30% dos legumes, frutas e verduras são
sequer colhidos, por não corresponderem aos padrões de aparência que
agradam aos consumidores. Outro aspecto apresentado pelo relatório da FAO é
que depois de comprados aproximadamente 50% dos alimentos são jogados fora,
tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. O descarte de tão grande volume
de alimentos representa uma perda de aproximadamente 550 bilhões de metros
cúbicos de água, usados para produzir estas frutas e vegetais.
Adicionalmente, segundo os cientistas, é preciso computar o volume de gases
de efeito estufa (CO² e outros) emitidos para a produção e o transporte
destes produtos, bem como o volume de metano (CH4) emitido quando de sua
decomposição, sem terem sido consumidos.

Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foi
criado um movimento mundial, com o objetivo de reduzir as perdas e o
desperdício de alimentos. A idéia, que surgiu durante a Rio+20, está sendo
divulgada através de um site (www.thinkeatsave.org) no qual constam
informações, relatórios, dados, dicas, eventos e iniciativas, sobre como
economizar alimentos e evitar o desperdício. A idéia já estava em
circulação há algum tempo: em 2012 o Parlamento Europeu aprovou uma
recomendação para que fosse reduzido o desperdício de alimentos, que
naquele ano chegou a 89 milhões de toneladas (equivalente a 179
Kg/ano/pessoa), com uma previsão de aumento para 126 milhões de toneladas
até 2020.

O Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), é um
dos maiores desperdiçadores de alimentos do mundo. Segundo a instituição,
35% de toda a nossa produção alimentícia são jogados fora; algo em torno de
27 milhões de toneladas de comida ao ano. Dados do Instituto Akatu,
publicados em 2003, informavam que 64% do que se plantava no País era
perdido ao longo da cadeia produtiva: 20% na colheita; 8% no transporte e
armazenagem; 15% na indústria de processamento; 1% no varejo; e 20% no
processo de preparação dos alimentos e na alimentação.

A questão da produção de alimentos é parecida com a da produção de
eletricidade. Se ao invés de continuamente aumentar a produção fossem
introduzidas medidas de eficiência, o consumo – tanto dos alimentos quanto
dos KWhs – seriam otimizados. Reduzindo o desperdício e gerindo o processo
de produção, distribuição e consumo de uma maneira mais racional, não
haveria necessidade de se fazer tantos investimentos no aumento da produção
– seja de alimentos ou de energia. O melhor aproveitamento dos recursos
diminuiria a necessidade de aumentar área de plantio e de geração de
eletricidade (hidrelétrica), reduzindo o impacto destas atividades ao meio
ambiente. Voltamos assim a um dos princípios básicos da economia: os
recursos são escassos e precisamos utilizá-los da melhor maneira possível.





(*) Jornalista, graduado e pós-graduando em filosofia. Pós-graduado em
gestão ambiental e sociologia. Atua nos setores de energia em meio ambiente
desde 1992, na área de marketing de tecnologias. Diretor de meio ambiente
da Câmara Brasil-Alemanha, é editor do blog "Da natureza e da cultura"
(www.danaturezaedacultura.blogspot.com).
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