Agroecologia e ciência moderna: tensões nos valores e nas estratégias de pesquisa (Pôster_2016)

June 1, 2017 | Autor: Claudio Reis | Categoria: Science and values, Agroecologia, Filosofia da Ciência
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Territórios e Agroflorestas em Rede AGROECOLOGIA E CIÊNCIA MODERNA: TENSÕES NOS VALORES E NAS ESTRATÉGIAS DE PESQUISA Claudio Ricardo Martins dos Reis ¹ ¹ Biólogo, mestre em Ecologia e doutorando em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [email protected]

Introdução: agroecologia como ciência, prática e movimento

Agroecologia: estratégias sensíveis ao contexto e perspectiva de valor da justiça social, democracia participativa e sustentabilidade

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agroecologia pode ser entendida enquanto atividade de pesquisa científica, enquanto prática agrícola e enquanto movimento social (Wezel et al., 2009). Mas se essas distinções são importantes analiticamente, é preciso reconhecer que distinguir não significa separar.

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agroecologia se utiliza do conhecimento gerado através de estratégias descontextualizadoras (EDs), mas não se limita a elas. 

Prática A força da agroecologia depende da interação entre essas três atividades

O conhecimento que a informa é adquirido principalmente por meio de estratégias sensíveis ao contexto (ECs), as quais investigam as possibilidades dos fenômenos que são intrinsecamente vinculadas ao contexto em que estão inseridos.

Primeiramente, na agroecologia, essas três atividades estão unidas por uma mesma perspectiva de valor que, em termos gerais, envolve justiça social, democracia participativa e sustentabilidade (Lacey, 2015).

possibilidades de interesse aos agroecólogos – que são igualmente de interesse aos agricultores ecológicos e também aos movimentos agroecológicos – são as possibilidades que permitem a produção de alimentos com justiça social, democracia participativa e sustentabilidade, uma perspectiva de valor que podemos simbolizar por {VJSDPS}. Isso indica que as estratégias de pesquisa da agroecologia não são moldadas para a maximização do controle dos objetos naturais. O valor de controle é importante, mas ele é limitado de modo a não solapar {VJSDPS}.





Ciência

Movimento



Em termos mais concretos, essa perspectiva de valor se traduz na defesa ao bem comum, na necessidade de autonomia aos camponeses, na produção de alimentos saudáveis com soberania alimentar, na conservação do solo e da biodiversidade e na valorização dos saberes e das culturas locais (Reis, 2013).

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Há uma tensão entre as estratégias da agroecologia e as estratégias amplamente adotadas pela ciência moderna, porque estão enraizadas em valores sociais distintos e incompatíveis. Essa tensão inevitavelmente se manifesta quando consideramos o tipo de conhecimento científico que deveria informar as aplicações práticas e, consequentemente, as prioridades de pesquisa.



Por último, a unidade entre a agroecologia-ciência, a agroecologia-prática e a agroecologia-movimento é visível não apenas pelo que há em comum entre essas atividades, mas também por suas relações recíprocas. As pesquisas em agroecologia, as práticas e os movimentos agroecológicos se retroalimentam profundamente, num sentido forte em que, de fato, o avanço de um depende do avanço dos outros.

Por isso, num certo sentido, há uma “contradição” entre sustentar {VJSDPS} e conduzir a pesquisa científica quase exclusivamente segundo EDs. Não basta formularmos a pergunta: “A ciência nos fornece conhecimento: como iremos utilizá-la para promover {VJSDPS}?”. Se a maior parte da ciência é conduzida segundo EDs, ela servirá principalmente à perspectiva de valor do progresso tecnológico. 

Ciência moderna: estratégias descontextualizadoras e perspectiva de valor do progresso tecnológico A

ciência moderna tem utilizado de maneira quase exclusiva o que podemos chamar de estratégias descontextualizadoras (EDs; as siglas que utilizo provém de Lacey & Mariconda, 2014, que constitui meu principal marco teórico). 

O que é característico desse tipo de estratégia é que ele identifica as possibilidades dos fenômenos enquanto abstraídas de quaisquer relações que possam ter com as vidas humanas e seus contextos sociais e ecológicos.  Além

disso, o entendimento gerado por meio de EDs é exatamente o tipo de entendimento útil ao controle dos objetos, e é o que informa as inovações tecnológicas. Dessa forma, o uso quase exclusivo de EDs na ciência moderna acaba por favorecer – e é favorecido por – determinada perspectiva de valor, que podemos chamar de perspectiva de valor do progresso tecnológico {VPT}.

Considerações finais ciência não é uma atividade “livre de valores”. Para que ela deixe de favorecer desproporcionalmente uma perspectiva de valor em detrimento de outras, é necessário que seja estruturada por uma pluralidade de estratégias e de valores. Para isso, é crucial o amplo desenvolvimento de estratégias sensíveis ao contexto. A

disso – e o que é mais fundamental – somente o desenvolvimento e valorização dessas estratégias nos permitirá a identificação de novas possibilidades ao florescimento humano.  Além

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agroecologia tem um papel enorme nessa caminhada. Mas só poderemos triunfar se a sua importância for reconhecida nas três frentes em que se expressa: enquanto ciência, enquanto prática e enquanto movimento. A força da agroecologia está justamente na conexão dessas três frentes.



No entanto, os problemas socioambientais gerados pelo desenvolvimento de muitas tecnologias nos fornecem evidência suficiente para afirmar que {VPT} não implica florescimento humano e, não raramente, destrói possibilidades para esse florescimento. 

Nesse sentido, para não se manter refém de {VPT}, a ciência precisa se abrir a um pluralismo de estratégias e de valores. Isso implica uma nova forma de estruturar a atividade científica, de modo a admitir o fortalecimento e amplo uso de estratégias de pesquisa sensíveis ao contexto (ECs).

Referências LACEY, H. A agroecologia: uma ilustração da fecundidade da pesquisa multiestratégica. Estudos Avançados. v. 29, n. 83, p. 175-181, 2015. LACEY, H. & MARICONDA, P. R. O modelo das interações entre os valores e as atividades científicas. Scientiae Studia. v. 12, n. 4, p. 643-668, 2014. REIS, C. R. M. Reflexões por uma sociedade soberana. Revista Habitus. v. 11, n. 2, p. 65-81, 2013. WEZEL, A.; BELLON, S.; DORÉ, T.; FRANCIS, C.; VALLOD, D.; DAVID, C. Agroecology as a science, a movement and a practice. A review. Agronomy for Sustainable Development. v. 29, n. 4, p. 503-515, 2009.

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