Ainda os migrantes (e o regresso de Tony Blair)

June 14, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Tony Blair, Migrantes
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Ainda os migrantes (e o regresso de Tony Blair…) João Pedro Simões Dias - 2015.10.27

1. Face à relativa inconsequência da última cimeira do Conselho Europeu em matéria de resolução da crise migratória que tem afetado a Europa e particularmente a Europa da União, como consequência direta da instabilidade crescente que vem afetando áreas cada vez mais extensas do oriente médio e da África mediterrânea, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, chamou a si o encargo de convocar, para o passado domingo em Bruxelas, uma minicimeira europeia para a qual convidou os chefes de Estado e de governo dos Estados europeus mais diretamente afetados pelo movimento migratório que se encontra em curso – a Áustria, Bulgária, Croácia, Alemanha, Grécia, Hungria, Roménia, Eslovénia e ainda a Antiga República Jugoslava da Macedónia e da Sérvia, dois países que não são membros da União Europeia. O objetivo era claramente assumido: encontrar e adotar medidas efetivas que possam contribuir para resolver a crise humanitária que tem tido a Europa por palco, sobretudo num tempo em que, o aproximar do Inverno, não augura nada de bom para os milhões de seres humanos em trânsito, provenientes essencialmente da Síria, do Iraque e do Curdistão, cruzando a Europa, sem destino nem norte, muitos ambicionando, apenas, chegar à mítica Alemanha. O resultado da mini-cimeira, alcançado in extremis na 25ª hora, promete uma atuação mais eficaz e mais consistente do que aquele a que haviam chegado todos os líderes europeus por altura do último Conselho Europeu: um conjunto de boas intenções e declarações grandiloquentes desprovidas, porém, de um efetivo conteúdo prático suscetível de amenizar ou diminuir o sofrimento dos que têm demandado solo europeu em busca de um amanhã melhor e de condi-

ções de vida minimamente dignas e humanas. Desta feita, e pese embora o primeiro-ministro da Eslovénia, Miro Cerar, tenha sido, talvez, o mais direto e assertivo – “sem ajuda e cooperação com os países mais atingidos pela crise dos refugiados, ir-se-á assistir ao início do fim da União Europeia (UE)” – numa afirmação contundente que nos diz muito da gravidade dos tempos que vivemos, foi assumido o compromisso de receber, até final do ano, mais 100.000 refugiados, repartindo-os por diferentes Estados da Europa central e dos Balcãs. Numa palavra, uma tentativa para colocar um ponto final no método do “passa-culpas” a que se tem assistido e que não tem jogado a favor do encontro de uma qualquer solução estável. A Hungria acusou a Eslovénia, a Eslovénia acusou a Grécia de não exercer um adequado controle da fronteira externa da União, a Grécia culpabilizou a Turquia pelo êxodo massivo destes migrantes.... O resultado saído desta mini-cimeira pode antecipar uma alteração naquela que tem sido a postura dos Estados mais diretamente envolvidos neste drama, verdadeiro holocausto do século XXI. Sobretudo, acreditar que se ponha um ponto final na política que vem sendo adotada por muitos Estados europeus que tem consistido, basicamente, em recolher os refugiados e migrantes nas suas fronteiras, transportando-os até à fronteira seguinte, esperando que aí haja quem os recolha e se encarregue de continuar a transportá-los até nova fronteira de novo Estado, onde o percurso se voltara a repetir. 2. Em entrevista ao The Guardian, o antigo Primeiro-Ministro britânico Tony Blair veio apresentar as suas desculpas e reconhecer os seus erros de avaliação em toda a situação existente no Iraque após a queda de Saddam Hussein. Não se arrepende de ter contribuído para o derrube do ditador sanguinário – mas reconhece, com enorme humildade, o erro em que baseou a sua avaliação e para o que foi induzido por documentos, informações secretas e dados muitas vezes adulterados deliberadamente para sustentarem uma posição política errada e baseada em pressupostos falsos. Só os grandes líderes e os

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grandes estadistas têm a humildade necessária para reconhecerem publicamente os seus erros e os seus fracassos – e Tony Blair integra esse raro e seleto grupo. Foi, no seu tempo, o fundador de um NewLabour que se tornou em precursor da renovação de grande parte dos partidos socialistas europeus, abrindo-os ao centro, renunciando a postulados ideológicos acentuadamente tributários de uma herança marxista, deixando a economia respirar liberta da presença de um Estado asfixiante e controlador. Foram os tempos áureos do socialismo democrático europeu dos finais do século XX – quando chegaram a governar onze de entre os, então, quinze Estados-Membros da União Europeia. O aparecimento da crise económica e financeira mundial, a par do radicalismo dialético que se instalou no debate político europeu, fizeram com que os obreiros desta abertura do socialismo democrático europeu, os construtores da verdadeira terceira via, se tenham vistos defenestrados e caídos em desgraça por muitos dos seus pares. Urgia dar lugar a golpistas e frentistas que tentassem o retorno à “pureza” ideológica e aos velhos princípios historicamente bem datados. Os resultados estão aí, à vista de todos. O mais recente exemplo do mal fundado fundamento dessas novas posturas acaba de acontecer na Polónia. As eleições legislativas do passado domingo, foram travadas unicamente entre a direita e a extrema-direita eurocética, com a vitória a pender para os nacionalistas “Lei e Justiça”, frequentemente identificados como partido-irmão do “Fidesz” húngaro, do primeiroministro, Viktor Orbán. Esta vitória da extrema-direita ocorreu contra a “Plataforma Cívica”, de centro-direita, que liderou o país durante oito anos de forte crescimento económico. O dado mais relevante, contudo, destas eleições, é que nenhum partido de esquerda democrática teve votos suficientes para entrar no Parlamento de Varsóvia. Ora, numa democracia europeia de pleno século XXI, tão crítico é um Parlamento constituído todo à esquerda como um Parlamento constituído exclusivamente à direita. São, ambos, sinais de uma pouco

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saudável relação democrática. Algo que não existia quando a dita “terceira via” estava ativa e se constituía em parceiro sério e credível de diálogo com as forças moderadas de direita democrática. E esse equilíbrio também faz falta à Europa dos nossos dias.

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