Ainda Ouro Preto: a restauração da Ponte dos Contos, em 1935

June 14, 2017 | Autor: K. Nunes Campos | Categoria: Cultural Heritage Conservation
Share Embed


Descrição do Produto

Ainda Ouro Preto: a restauração da Ponte dos Contos, em 1935

Por Kátia Maria Nunes Campos
Há um conhecido postal de Luiz Fontana, que retrata a ponte dos Contos com um gradil de ferro fundido, instalado no começo do século XX, como um esforço de modernizar o aspecto da cidade, considerado antiquado e evocativo de um Brasil colonial e, portanto, culturalmente "atrasado".
Mas a vinda dos modernistas a Ouro Preto derrubou esse pensamento, invertendo os valores. O correto seria preservar e exaltar a velha tradição arquitetônica como expressão do nosso nacionalismo, ainda mais no exato cenário que foi fundamental nas as lutas pela independência. O belo e o libertário, juntos, numa surpreendente experiência civilizadora.
Em 1933, já tinhamos uma lei municipal de preservação patrimonial, a primeira de seu gênero no Brasil e, até onde sabemos, no mundo todo. Nunca se soube de outra anterior àquela. Restava agora recuperar os estragos do tempo e das intervenções desfiguradoras. A cidade se tornou um canteiro de obras. Cada monumento se cobriu de andaimes e a Ouro Preto colonial recuperou o seu brilho.
 Nos Contos, um problema. Retiradas as grades, como recompor a ponte? As pedras do parapeito tinham desaparecido, há tempos, restando algumas peças no fundo do ribeirão. Contudo, os mestres canteiros do século XVIII haviam deixado para trás dezenas de pedras já cortadas, numa pedreira abandonada da serra do Itacolomi, batida pelo vento. Sem estradas, a descida das grandes pedras foi feita como naquele tempo, arrastadas morro abaixo por juntas de boi.
(Jair Inácio me contou, certa vez, que algumas pedreiras ocultas na serra tinham ainda grandes peças lavradas. Entre elas, uma grande coluna de arenito, semi-preparada para a fachada de São Francisco. A gente sabe que uma delas anda bastante fragilizada, soltando lascas, de tempos em tempos. Um dia, talvez, precisemos de sua substituta e a reencontraremos, como aconteceu na ponte.)
Em 1935, salvar Ouro Preto foi um projeto nacional, o primeiríssimo, que antecipou e promoveu a necessidade de um IPHAN. Envolveu audácia, respeito, pouquíssimo dinheiro e, sobretudo, envolveu humildade. Respeitou o gênio e a visão dos antigos criadores, em detrimento dos falsos modernizantes, que povoam a cidade, hoje em dia. Mentes limitadas ao tempo presente, sem qualquer capacidade de alcançar a dimensão da História.
Ora, também gosto do moderno, mas aquele que acompanha o mesmo padrão de qualidade daquilo que preservamos: a inovação técnica e estética, o espírito criador que avança e surpreende. Mas o que teremos de fabuloso, nos séculos XX e XXI, que valerá a pena salvar? O que terá sobrevivido ao teste do tempo, nos próximos duzentos anos? Um desses tolos declarou que Ouro Preto não é do século XVIII. Mas o miolo setecentista será o que certamente ficará, pelos próximos 200 anos. Resta saber se essa geração acrescentará o seu próprio valor, a esse conjunto.
Precisamos de um novo 1935, em Ouro Preto.
Em 2015, muitos pensam que o mundo só pode existir sobre o asfalto e o cimento, ignorando o milagre do barro e da pedra e, em contrapartida, incapazes de capturar a leveza e o encantamento que o concreto e o aço prometem, apesar das lições de Brasília. Negam a absoluta necessidade da beleza e do pensamento criador e sua parcela "moderna" de Ouro Preto se tornou medonha e opressiva.
São cegos, ignorantes e tristes. E, no futuro, irrelevantes e descartáveis.
Por Kátia Maria Nunes Campos, ouropretana de nascimento, historiadora e pesquisadora do recém fundado Instituto Cultural Diogo de Vasconcelos, bacharel em História pela UFOP e mestre e doutora em Demografia pela UFMG Artigos e trabalhos publicados disponíveis no site https://independent.academia.edu/K%C3%A1tiaMariaNunesCampos.
 
Créditos das fotos: Relatório da Restauração de 1935, RSPHAN, 1941.


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.