Alair Gomes: Fotografia, Crítica de Arte e Sexualidade.

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ALAIR GOMES FOTOGRAFIA, CRÍTICA DE ARTE E DISCURSO DA SEXUALIDADE

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ANDRÉ PITOL

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ANDRÉ LUÍS CASTILHO PITOL

ALAIR GOMES: FOTOGRAFIA, CRÍTICA DE ARTE E DISCURSO DA SEXUALIDADE

Trabalho apresentado como requisito para Conclusão do Curso em Artes Plásticas: Habilitação em Gravura, do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientadora Prof.ª Dr.ª Sônia Salzstein Co-orientadora Prof.ª Dr.ª Dária Jaremtchuk

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SÃO PAULO DEZEMBRO DE 2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo Pitol, André Luís Castilho. Alair Gomes: Fotografia, Crítica de Arte e Discurso da Sexualidade. André Luís Castilho Pitol - São Paulo: A. Pitol, 2013. Monografia - Escola de Comunicação e Artes/Universidade de São Paulo. Orientadora Prof.ª Dr.ª Sônia Salzstein Co-orientadora Prof.ª Dr.ª Dária Jaremtchuk 1. 2. 3. 4. 5.

Alair Gomes Fotografia Crítica de Arte Homoerotismo Análise Crítica do Discurso (ACD)

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

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Projeto Gráfico: Lilian Queiroz Vieira Capa: Fotografia: The Course of the Sun (1977-1980). Arquivo Alair Gomes/ Fundação Biblioteca Nacional/RJ.

SUMÁRIO

RESUMO/ ABSTRACT IMAGENS INTRODUÇÃO

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1. ALAIR GOMES 1.1 Sonatinas, four feet 1.2 The Course of the sun 1.3 A Window in Rio 1.4 Symphony of Erotic Icons

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2. ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E CRÍTICA DE ARTE 2.1 Análise Crítica do Discurso (ACD) 2.2 Crítica de Arte e ACD

51 53 60

3 ANÁLISE 3.1 Roberto Pontual e a fotografia como linguagem 3.2 Discurso da sexualidade em Alair Gomes 3.3 I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba: Nota explicativa 3.4 Alair Gomes na Fundação Cartier 3.5 Difusão do discurso da sexualidade I 3.6 Difusão do discurso da sexualidade II

65 66 71

CONCLUSÃO ANEXO – Cronologia atualizada das exposições REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

78 82 83 87 95 97 103

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PARA MILAN PUH

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AGRADECIMENTOS

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Ao Roberto Pascoal Pitol, à Vanda Castilho Pitol e à Teresa Vitali Pitol; À Dária Jaremtchuk, pelas discussões nas disciplinas de graduação e no Grupo de Estudos e pela disponibilidade, disposição e parceria na orientação deste trabalho. Muito obrigado; À Sônia Salzstein, por toda a paciência e orientação na elaboração do projeto e do desenvolvimento da Iniciação Científica sem Bolsa, que estruturou a primeira etapa de minha pesquisa sobre Alair Gomes. Muito obrigado; Ao Mário Ramiro, pelas discussões durante as disciplinas de graduação, muitas referências e pela participação na banca deste trabalho; Ao Samuel de Jesus, pelas conversas, dicas, cafés, e por participar da banca deste trabalho; Ao Tadeu Chiarelli, pelas discussões no Grupo de Estudos de Critica e Curadoria e no Grupo de Estudos de Arte & Fotografia, entre 2009 e 2010, e pela generosidade no empréstimo da tese de Alexandre Santos e do catálogo da exposição de Alair Gomes, obras sem as quais todo este projeto não teria se concretizado; Ao Júlio Assis Simões, pelas contribuições teóricas e discussões ocorridas na matéria FLA0351 - Sexualidade e Ciências Sociais, no primeiro semestre de 2012, disciplina cujo trabalho final deu origem à configuração geral deste trabalho de conclusão de curso; À Diana Tsonis, pela amizade, conversas, filmes, crises, risadas. Obrigado; Ao Felipe Tonelli, pela amizade, e-mails, conversas e pelos dejeunercepe. Obrigado; Ao Daniel Inamorato Santos Louro, pela amizade, conversas, aulas de música, saídas mil, alegria e pela generosidade em ter trazido dos EUA as revistas norte-americanas nas quais Alair Gomes publicou alguns ensaios fotográficos. Obrigado; À Mariana Queiroz Fernandes, pelas conversas e múltiplas correções de textos; À Fabricia Jordão, Vivian Braga, Gabriela Leirias, Renata Zago, Tiago Gualberto, Raíza Cavalcanti, Lina Arruda, pelas discussões no Grupo de Estudos durante o ano de 2013; À Lilian Queiroz, pelo projeto gráfico deste trabalho;

À Solange dos Santos, Raul Cecílio, Regina Landanji, Stella Garcia, Seu Henrique, Milton e Valdir, do Departamento de Artes Plásticas, por toda a ajuda no decorrer da graduação; Às Instituições visitadas durante a pesquisa sobre Alair Gomes, principalmente aos seus funcionários: Rio de Janeiro: À Luciana Muniz, da Fundação Biblioteca Nacional – Arquivo Alair Gomes, pela imensa disponibilidade e auxilio na pesquisa das séries fotográficas e dos escritos de Alair Gomes. Muito obrigado; À Andréa Carla Mazzo da Costa e Valéria de Sá Silva, da Biblioteca Central de Gratoatá, da Universidade Federal Fluminense; À Madalena Mendes de Almeida Sousa e Martha Pereira de Moraes, da Galeria de Arte da Faculdade Cândido Mendes; São Paulo: À Patrícia Lira e Rogéria Soares, do Museu de Imagem e Som; Curitiba: À Denise Suzane Hoffmann Da Rocha, da Equipe do Centro de Pesquisa do Museu de Fotografia de Curitiba, Solar do Barão; À Filomena Nercy Hammerschmidt, da Fundação Cultural de Curitiba; E a todos que, de muitas maneiras, auxiliaram neste trabalho, antes e para além dele: Antony Hegarty, Cida Faleiros, Eraldo Menezes, Ricardo Canhan, Eduardo Canhan (in memoriam), Wal Braz, Kall Andrade, Fernanda Carnevalli, Beatriz Barreto, Ney Matogrosso, Ieda Maria de Resende, Deborah Kirschbaum, Cátia Leandro, Fábia Branco, Priscila Quedas, Marcos Toyansk, Jonas Meirelles, Fábio Oliveira, Luiza Batalha, Ariane Cuminale, Fabiana Delboni, Anna Ribacama, Vanessa Bohn Costa, Cadu Riccioppo, Liliane Benetti, Leonardo Gomez, Felipe Ferraro, Mara Oriolo, Júlio Groppa, Thais Bassi, Viviane Faria, Daniel de Lima, Murilo Martins Bragato, Thiago de Sousa, Agenor Araújo, Paulo Lopes da Costa, Mayra Laudanna, Derly Tescaro, Cecília Di Giacomo, Marina Di Giacomo, Jéssica Rocha Lima, Arto Lindsay, Rodrigo Dal Bosco Fontana, Rodrigo Vieira Del Bem, Paulo Gallina, Aline Oyakawa, Joan as Police Woman, Sinval Garcia (in memorian), Celso Cardoso, Ed Andrade, Thiago Moyano, Rufus Wainwright, Lígia Ortegosa Aggio, Adriano Amaral, Cleber Braga, Rafael Siqueira de Guimarães, Evelize Bernardes, Djeanne, Mário Videira, Dani Doll, Thiago Silva, Manuel Facchini, Branca de Oliveira, Thiago Nascimento, Eliane Pinheiro, Jailtão.

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ABSTRACT

RESUMO

This paper aims to discuss the reception that the photographic production of Alair Gomes achieved by the art critic from the 1980s and late 2000s. From a brief description of the works of photographer: Sonatinas, Four Feet (1966-1986), The Course of the Sun (c. 1977-1980), A Window in Rio (c. 1977-1980) and Symphony of Erotic Icons (1966-1977), where we present the main issues of his artistic works, we realized the analysis of the texts of researchers and art critics since 1984 until 2008, specifically the analysis of Alexandre Santos, Frederico Morais, João Luiz Vieira, José Carlos Fernandes, Tadeu Chiarelli, Walmyr Ayala, Wilson Bueno and Wilton Garcia. We address the issues raised from the realm of art criticism and its contemporary situation, and also the field of Critical Discourse Analysis (CDA), whose theoretical and methodological contribution in textual analysis seemed to us of great importance to discuss the ways of transmiting knowledge as it is suggeste by art criticism. Through the analyses, we found that the critique of the photographic production of Alair Gomes interpretations have changed during the period, from analyses based on photographic language and sequential assembly of images and narrative, to arguments that analyze the photographic series emphasizing notions such as homoeroticism, homoarte and voyeurism.

Este trabalho tem por objetivo discutir a recepção que a produção fotográfica de Alair Gomes teve por parte da crítica de arte entre as décadas de 1980 e o final dos anos 2000. A partir de uma breve descrição dos trabalhos do fotógrafo: Sonatinas, Four Feet (1966-1986), The Course of the Sun (c. 1977-1980), A Window in Rio (c. 1977-1980) e Symphony of Erotic Icons (1966-1977), onde apresentamos as principais questões artísticas das obras, passamos às análises dos textos de pesquisadores e críticos de arte desde 1984 até 2008, especificamente as análises de Alexandre Santos, Frederico Morais, João Luiz Vieira, José Carlos Fernandes, Tadeu Chiarelli, Walmyr Ayala, Wilson Bueno e Wilton Garcia. Abordamos as questões levantadas a partir de duas balizas principais: a esfera da crítica de arte e sua situação contemporânea, auxiliado pelo aporte teórico e metodológico da Análise Crítica de Discurso (ACD), campo de análise textual que nos pareceu de grande importância para discutir as formas de transmissão de conhecimento propiciadas pela crítica de arte. Pelas análises realizadas, verificamos que a interpretações críticas sobre a produção fotográfica de Alair Gomes alteraram-se no decorrer do referido período, passando de análises baseadas na linguagem fotográfica e na montagem sequencial e narrativa das imagens, para argumentos que analisam as séries do fotógrafo enfatizando noções como homoerotismo, homoarte e voyeurismo.

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imagens 17

1. Alair Gomes. Sonatina, Four Feet n. 39 (c. 1980). 9 imagens - 12 x 18cm cada. 2. Alair Gomes. Sonatina, Four Feet n. 16 (c. 1977). 7 imagens - 11 x 17 cm cada. 3. Alair Gomes. Sonatina, Four Feet, n. 27 (c. 1980). 17 imagens - 12 x 18cm cada. 4. Alair Gomes. Sonatina, Four Feet, n. 40 (C. 1980). 9 imagens - 11 x 17cm cada. 5. Alair Gomes. The Course of the Sun (1977-1980). Fragmentos. 24x18cm cada. 6. Alair Gomes. The Course of the Sun (1977-1980). Fragmentos. 24x18cm cada. 7. Alair Gomes. A Window in Rio (1977-1980). Fragmentos. 24x18cm cada. 8. Alair Gomes. A Window in Rio (1977-1980). Fragmentos. 24x18cm cada. 9. Alair Gomes. A Window in Rio (1977-1980). Fragmentos. 24x18cm cada. 10. Alair Gomes. A Window in Rio (1977-1980). Fragmentos. 24x18cm cada. 11. Alair Gomes. A Window in Rio (1977-1980) em exposição no Rio de Janeiro, 1980. 12. Alair Gomes. Symphony of Erotic Icons (1966-1977). Alegro. Fragmentos. 40 x 30cm cada. 13. Alair Gomes. Symphony of Erotic Icons (1966-1977). Andante. Fragmentos. 40 x 30cm cada. 14. Alair Gomes. Symphony of Erotic Icons (1966-1977). Andante. Fragmentos. 30 x 40cm cada. 15. Alair Gomes. Symphony of Erotic Icons (1966-1977). Adagio. Fragmentos. 40 x 30cm cada. 16. Alair Gomes. Symphony of Erotic Icons (1966-1977). Finale. Fragmentos. 40 x 30cm cada. 17. Alair Gomes. Fragments from Opus 3 ou Adoremus (1966-1991), n. 9, 11 e 13. 40 x 30cm cada. 18. Hélio Melo. Sem título (detalhe), 1997, fotografia Polaroid, painel com 300 fotos. 19. Alair Gomes. Beach Triptych n. 25 (1985). 35,5 x 27,5Ccm cada. 20. Alair Gomes. Beach Triptych n. 25 (1985). Detalhe. 21. Alair Gomes. Detalhe de Beach Triptych n. 25 e duas imagens não-identificadas.

LISTA DE IMAGENS

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INTRODUÇÃO

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Alair Gomes: fotografia, crítica de arte e discurso da sexualidade tem como questão principal o debate sobre a produção fotográfica de Alair Gomes e as diferentes posições de críticos e pesquisadores de arte sobre essa produção. Os textos críticos se estendem desde meados da década de 1980 até a segunda metade dos anos 2000. Abordaremos também a discussão sobre o que ainda hoje denominamos “crítica de arte”, parte do campo artístico que, da mesma forma que a fotografia, atravessou durante o século XX importantes alterações em sua configuração. Para isso, propomos uma aproximação com os estudos da Análise Crítica do Discurso, a fim de compreender os modos e as formas de transmissão de conhecimento propiciados pelas esferas de recepção dos trabalhos artísticos. Durante o texto, analisaremos o debate gerado pelo imbricamento entre a arte e a sexualidade, assim como as transformações levadas a cabo por ele desde os anos 1970, aprofundando as reivindicações políticas das chamadas minorias sexuais ou, como aponta Foucault (2006), do “surgimento das sexualidades periféricas”. Desde o debate nos anos 1970, um campo interdisciplinar surgiu da conexão entre a arte e a sexualidade e ainda hoje se faz presente. Apontaremos apenas dois exemplos no caso brasileiro, que serviram de embasamento teórico para atualizar as relações apresentadas. José Gatti e Fernando Marques Penteado (2011) reuniram uma série significativa de artigos, alguns inéditos, outros já reconhecidos, todos elaborando criticamente a dimensão da sexualidade em trabalhos de arte. No livro Masculinidades: teoria, crítica e artes, os autores se atentaram, contudo, à introdução do aparato técnico da fotografia (e do cinema) no debate artístico e a relação dirigida à representação das sexualidades. Com objetivo semelhante, Samuel de Jesus (2012) discute a relação entre arte e sexualidade apresentada acima por meio da análise de trabalhos em suporte fotográfico (e cinematográfico). O autor propõe-se a analisar a dimensão moral/ imoral da imagem fotográfica e a sua representação não-normativa da figura do modelo fotografado. Ou ainda:

De que forma a moral, sob o pretexto da imoralidade, censura uma obra que desafia as normas, impondo ao olhar o que frequentemente se encontra do lado de um não-mostrável: sutilmente obsceno, assustadoramente feio, poeticamente subversivo? (2012, p. 2). Como coloca De Jesus (2012, p. 2), um exemplo sobre a censura de trabalhos de arte, sob o pretexto da imoralidade, é a sobre a produção do fotógrafo e cineasta Larry Clark, artista cuja obra é importante na discussão entre arte e sexualidade. O autor aponta a polêmica causada pela exposição retrospectiva de Clark na cidade de Paris entre 2010 e 2011. A referida exposição foi interditada sob a acusação de divulgar mensagens de caráter violento ou pornográfico. A produção de Alair Gomes esteve em situação semelhante à apontada no caso de Larry Clark. Algumas exposições do fotógrafo estiveram no limite de serem censuradas, não fosse a solução adotada, a saber, a de colocar um dispositivo de advertência na entrada da exposição, em 2003 no Rio de Janeiro. No caso da exposição em Paris, em 2001, as imagens consideradas explícitas foram agrupadas em uma só sala, cuja entrada exibia o mesmo tipo de aviso. 1 Deste modo, tanto o trabalho de Gatti e Penteado (2011) quanto o de De Jesus (2012) auxiliaram significativamente as análises que se encontram neste trabalho, bem como a atualização do debate sobre essas mesmas questões. Este trabalho divide-se em três capítulos, além da introdução e da conclusão. No primeiro capítulo, apresentaremos os principais trabalhos fotográficos de Alair Gomes, principalmente as séries que tiveram ampla circulação em exposições e/ou cujo debate crítico foi realizado publicamente. Embora o objetivo principal deste trabalho seja a análise dos textos que a crítica de arte construiu sobre a obra de Gomes, optamos por informar o leitor sobre a produção fotográfica que deu origem a todo o debate crítico aqui analisado. O segundo capítulo é constituído pelo aporte teórico do trabalho: uma apresentação contextualizada sobre as transformações ocorridas na crítica de arte a partir da segunda metade do século XX, juntamente com uma reflexão sobre a Análise Crítica do Discurso, disciplina utilizada aqui como possibilidade de entender alguns aspectos da crítica de arte, especialmente na cena brasileira. 1 Disponívelem:, último acesso em 10/11/2013.

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No terceiro e último capítulo, desenvolveremos as análises do trabalho: uma apresentação das leituras críticas que pesquisadores e críticos realizaram sobre a produção fotográfica de Alair Gomes. Antes de adentrar no texto, seria conveniente apresentar um sucinto relato sobre o artista em questão. Alair de Oliveira Gomes (19211992), desenvolveu sua produção fotográfica no Rio de Janeiro, desde o final dos anos 1960 até sua morte, no começo dos anos 1990. Sua obra fotográfica explora, entre outros temas, o corpo masculino em diversas situações: exercitando-se na praia de Ipanema ou nas ruas próximas à orla, ou simplesmente caminhando por esses locais. A partir da tomada sequencial de fotografias de uma cena, Gomes rearranja o conjunto de imagens, no intuito de criar montagens ficcionais, resultando em séries que variam de trípticos até montagens com 30 ou mais imagens dispostas a criar uma narrativa. O fotógrafo dedicou-se também a registrar os carnavais de rua do Rio de Janeiro dos anos 1970, assim como a realização de ensaios fotográficos como o registro do Sítio Santo Antônio da Bica, a pedido de seu proprietário, o paisagista Roberto Burle Marx, e ainda registros de peças teatrais. Alair Gomes realizou estes trabalhos de modo muito reservado e discreto. Um dos motivos possíveis para essa condição seria ter vivido e produzido sob a ditadura militar. Provavelmente sua temática fotográfica não o favorecia a exibí-la sem alarde. Gomes começou a apresentar suas imagens fora do país na segunda metade da década de 1970, especialmente nos Estados Unidos. Suas primeiras exposições no Brasil datam dos anos 1980, já no período de abertura política. Por isso mesmo, não chegou a constituir uma carreira artística no Brasil. A recepção de sua obra se deu na década de 1980 por um nicho de amigos e, só após sua morte, ela começou a ser exibida num cenário artístico mais amplo, participando de importantes mostras no cenário nacional e internacional. Junto ao trabalho fotográfico, Alair Gomes desenvolveu significativa reflexão teórica sobre arte e fotografia, em textos críticos escritos no decorrer das décadas de 1960 e 1970, dos quais inúmeros foram publicados na imprensa cotidiana e em revistas especializadas, como a Revista Cultura, editada pelo MEC/ Brasília. Além disso, ministrou cursos e palestras sobre fotografia, principalmente na década de 1980. 2

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2 Alair Gomes ministrou cursos sobre arte em espaços universitários do Rio de janeiro, como o curso “Fotografia é Arte Moderna”, em 1980 na PUC-RJ. Foi coordenador da Área de Fotografia da Escola de Artes Visuais do Parque Lage entre 1977 e 1979. Em 1985, participou da IV Semana Nacional da Fotografia, evento organizado pelo Núcleo de Fotografia da FUNARTE, com a palestra “Aspectos da Linguagem Fotográfica”, junto com o fotógrafo Cristiano Mascaro. Um resultado de sua escrita foi o livro Reviravoltas da Arte do século XX, publicado após sua morte.

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ALAIR GOMES

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1.1. Sonatinas, FourFeet Feet 1.1 Sonatinas, Four

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Depois dessas colocações iniciais, exporemos sumariamente os principais trabalhos fotográficos de Alair Gomes. Como informado na introdução, embora a questão principal aqui seja a discussão sobre as análises críticas acerca da produção do fotógrafo, apresentaremos ao leitor as séries fotográficas que deram origem a todo este debate. Daremos atenção aos trabalhos que tiveram circulação em exposições, individuais e coletivas, desde os anos 1980 até agora. Colocamos também um trabalho que, exposto no Brasil apenas em 2012, já havia suscitado significativas análises sobre a poética de Alair Gomes e será um importante norteador para a discussão da produção do artista junto ao discurso da sexualidade. As séries comentadas aqui são: Sonatinas, Four Feet (1966-1986), The Course of the Sun (c. 1977-1980), A Window in Rio (c. 1977-1980) e Symphony of Erotic Icons (1966-1977). Dada a grande quantidade de trabalhos fotográficos realizados por Gomes, várias foram as iniciativas para organizá-las. O próprio fotógrafo classificou-as em três categorias principais: Beach abarcaria os trabalhos Sonatinas, Four Feet, Beach Triptychs, Serial Composition e Friezes; o segundo eixo é Kids, composto pelas séries Symphony of Erotic Icons, O diário do sumidouro, Fragments from opus 3 – Adoremus. A terceira categoria da classificação é Finestra, dentro da qual estão The Course of the Sun, A Window in Rio e The no-story of a driver (SANTOS, 2008, p. 60). No que se refere à organização sequencial das imagens, cada trabalho específico possui um número mínimo de fotografias. Já Alexandre Santos (2006) classifica a fotografia de Gomes em dois principais grupos: “Poética de perto: a fotografia consentida” e “Poética de longe: a fotografia roubada”. No primeiro eixo estariam as séries que foram realizadas dentro do apartamento do artista, onde se inclui um dos trabalhos mais comentados de Gomes, Symphony of Erotic Icons e outros, como Adoremus (From opus three). No segundo eixo da divisão proposta pelo autor, enquadram-se os trabalhos Sonatinas, Four Feet e The no-story of a driver.

Sonatinas, Four Feet foi um trabalho desenvolvido entre os anos de 1966 até 1986. Nesta série, classificada pelo fotógrafo no conjunto Beach. Nesta série, Alair Gomes fotografa duas figuras masculinas se exercitando na orla ipanemense, em uma faixa de areia afastada do mar. O tamanho das imagens é pequeno, de 11x7 cm ou 12x18cm. Depois de fotografadas e reveladas, Gomes as organizava de maneira sequencial, de modo a formar conjuntos que variam entre 6 e 30 imagens. [Imagem 1]. Além de forte cunho narrativo – Gomes as vê como “sketches fotográficos” (GOMES, 1989, p. 21 apud SANTOS, 2006, p. 335), é também notável a intensa relação que revelam com fotogramas cinematográficos (idem, p. 336). Na entrevista que fez com o diplomata e colecionador de fotografias Joaquim Paiva, Alair Gomes comenta que, de todas, Sonatinas é a série cuja estrutura compositiva mais se aproxima do cinema. Cada uma das Sonatinas, Four Feet foi realizado em uma única sessão fotográfica, enfatizando o cunho narrativo, ou seja, a organização de cada imagem na sequência em que foram fotografadas. Mas percebemos que em alguns números da série o fotógrafo intercala dois momentos da mesma sessão. Com os mesmos personagens, ela é montada de maneira que conseguimos perceber a alternância de posição entre um e outro rapaz entre a primeira e a segunda imagem e o retorno dos personagens às posições iniciais na terceira cena do conjunto, repetindo este procedimento até o número total de imagens de cada Sonatina, four feet. [Imagem 2]. O referente fotográfico gira em torno dos dois personagens e dos aparelhos de ginástica que eles utilizam – barras de madeira colocadas na horizontal ou na diagonal, sempre afastadas do chão por dois pequenos suportes verticais ou altas barras verticais usadas para o levantamento do próprio corpo. A movimentação dos personagens na areia faz com que as sombras de seus corpos e dos objetos de ginástica, rebatidos na areia, transformem-se em elementos compositivos das imagens. Em alguns conjuntos da série, verificamos ainda a presença de fragmentados de coqueiros, perfilados no início da faixa arenosa da orla, e suas respectivas sombras rebatidas na areia. [Imagens 3 e 4].

1.2 The Course of ofthe 1.2. The Course theSun Sun É creditado que esta série foi iniciada em 1977. As fotografias foram realizadas a partir do apartamento do fotógrafo em direção à rua e

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à calçada que circunda o prédio onde residia. Este trabalho é classificado por Gomes no conjunto Finestra. Com a utilização de uma câmera com lentes de longo alcance (SANTOS, 2006, p. 128), as fotografias de Gomes apresentam uma distância em relação aos objetos. O resultado são imagens compostas de maneira que os corpos permanecem obliquamente ao chão. As sombras dos corpos são elementos constitutivos e compõem a imagem juntamente com os padrões gráficos das pedras da calçada, em diferentes tons de cinza, das sombras de árvores e outras vegetações presentes na cidade, ou ainda da mínima presença dos canteiros de jardins na via pública. [Imagem 5]. Ao contrário das Sonatinas, Four Feet, conhecidas pela narrativa sequencial das imagens, The Course of the Sun possui uma sequência, mas não como anteriormente descritas. Segundo Gomes, a possibilidade da fotografia, de poder ser produzida de modo sequencial estaria ligada ao que ele considerava o pathos da fotografia. [Imagem 6]. Tirar uma imagem múltipla me dá a impressão de que estava usando um recurso da fotografia que a pintura não tinha. Por isso eu entendo especificamente a capacidade de transformar uma sucessão de várias imagens do mesmo sujeito, todas muito parecidas, em algo novo, para que cada imagem mostre certa novidade, algo interessante que vale a pena observar e enfatizar1 Percebemos, assim, que em The Course of the Sun o desenvolvimento temporal do corpo no espaço apresenta-se não como uma passagem narrativa da ação de andar em direção à praia ou do encontro de dois personagens. Ela se comporta mais como uma repetição de situações bastante semelhantes entre si.

A Window Rio 1.3 A1.3. Window in inRio Esta série pertence à Finestra, mesmo conjunto de imagens que The Course of the Sun. Grande parte delas possui fortes semelhanças

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1 Entrevista de Alair Gomes a Joaquim Paiva. In: Alair Gomes, 2001, p. 113. No original: “Taking a multiple image gave me the impression that I was using a resource of photography that painting did not have. By that I mean precisely this capacity to turn a succession of several images of the same subject, all very similar, into something new, so that each one shows a certain novelty, something interesting that is worth observing and emphasising” [tradução minha].

com as sessões fotográficas que configuram a série anterior, no que diz respeito à inclinação do ângulo da câmera e à organização dos elementos compositivos. Porém, no caso de A Window in Rio juntam-se às fotografias dos rapazes a caminho da praia, um conjunto de imagens tiradas em direção às janelas dos edifícios próximos ao de Gomes. [Imagem 7]. O início de A Window in Rio apresenta uma intenção sequencial encontrada em outras séries. É possível indagarmos a tentativa de estabelecer uma narrativa entre os personagens acima, na maneira como o personagem na rua olha para cima, na direção do personagem que está à janela, que por sua vez devolve o olhar ao primeiro rapaz. [Imagem 7]. Contudo, a narrativa aqui também não constitui seu objetivo estrito. Após o começo da série, o conjunto das imagens é direcionado como que para uma amostragem aleatória de rapazes correndo nas mediações próximas ao prédio do fotógrafo. [Imagem 8] Neste momento, entram em cena inúmeros elementos gráficos que indicam a urbanização de uma cidade, como faixas de sinalização de pedestres, arranjos compositivos com os fios de eletricidade das ruas, ou ainda o paralelismo do asfalto e da calçada de granito. [Imagem 8 e 9] Em algumas imagens também rapazes são fotografados junto a automóveis e bicicletas. [Imagem 9] Ainda em um terceiro momento da série, vemos fotografias similares às que compõem The Course of the Sun. Como indicado na classificação do próprio fotógrafo, tanto uma quanto outra série fazem parte de um grupo maior denominado Finestra (janela). Assim, provavelmente Alair Gomes, no procedimento de construção das sequências, tenha utilizado as mesmas sessões de fotografias para ambas as séries. Uma das razões pelas quais nos dois trabalhos os corpos dos rapazes aparecem oblíquos em relação ao calçamento e à rua. Percebemos que, em A Window in Rio, o fotógrafo registra especialmente imagens cujos enquadramentos mostram a relação dos corpos masculinos com pequenos jardins, canteiros de edifícios, sombras das árvores plantadas na calçada, em diálogo permanente com os prédios do entorno. [Imagem 10]. Com relação à circulação da série no meio artístico, Alair Gomes exibiu-as em uma série de exposições chamadas As Artes no Shopping, no Shopping Cassino Atlântico, no Rio de Janeiro, em 1980. Na mostra, o fotógrafo apresentou metade (pouco mais de cem fotografias) da série. Pelas imagens que mostram o espaço da exposição, vemos que a montagem proporciona ao visitante visualizar as fotografias de um modo semelhante ao modo como elas foram registradas pelo fotógrafo. [Imagem 11].

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1.4. Symphony Erotic Icons Icons 1.4 Symphony of ofErotic Symphony of Erotic Icons foi produzida entre 1966 e 1977 e é a série de Alair Gomes com maior número de imagens, totalizando 1767 fotografias. Cada uma delas foi impressa em formato relativamente grande, 30x40cm. Como nas séries descritas anteriormente, em Symphony of Erotic Icons o fotógrafo dispõe as imagens sequencialmente, em muitas partes com forte cunho narrativo. Conforme orientação do próprio fotógrafo, as imagens deveriam ser lidas sem interrupção na seqüência, como uma espécie de “[...] torrente de imagens que invadiriam a sensibilidade do espectador [...]”. As fotografias na composição NÃO são para serem vistas uma por uma, mas várias, lado a lado, ao mesmo tempo – no mínimo de 7, de preferência 2 ou 3 vezes maiores, maiores ainda em algumas sequências. É por isso que a projeção de slides das imagens impressas originais é, a princípio, inadequada (FONDATION CARTIER POUR L’ART CONTEMPORAIN, 2001, p. 152). 2 Como o título indica, Symphony é um trabalho que faz referência à música clássica, dividindo-se em cinco movimentos - Allegro, Andatino, Andante, Adagio e Finale. Num texto de 1979 (FONDATION CARTIER POUR L’ART CONTEMPORAIN, 2001, p. 14), Gomes descreve cada um dos movimentos: O primeiro movimento – Allegro – é o maior, contendo 560 imagens. Apesar disso, ele afirma que as imagens são de fragmentos do corpo e a organização estrutural delas no espaço torna rápido o tempo do movimento. [Imagem 12]. O fotógrafo sugere que esse tempo se dá pela apresentação de padrões de imagens (dos quais é possível perceber 12 variações) e que a idéia de variação é mais adequada, nesse caso, do que as idéias de exposição, de desenvolvimento e recapitulação. Apesar da explicação, o primeiro capítulo termina como uma “coda”. 3

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2 No original: “The photos in the composition are NOT to be seen one by one, but several, side by side, at the same time — a minimum of 7, preferably a number 2 or 3 times larger, even greater in some sequences. This is why projection of slides from the original prints is in principle inadequate” [tradução minha]. 3 A “coda” é um elemento estrutural da música clássica. Este procedimento foi utilizado não só por Alair Gomes, mas em outros trabalhos importantes dos anos 1960. Ed Ruscha, num depoimento sobre o seu primeiro livro de artista - Twentysix Gasoline Stations (1963) – comenta que a última fotografia que compõe o livro sugere um retorno ao inicio da jornada, como uma “coda”. (Edward Ruscha Editions 1959-1999, Walker Art Center, Vol. 2 1999 p. 63).

As 152 imagens do segundo movimento – Adantino - foram pensadas como um movimento rápido, com imagens explícitas, após o exaustivo começo da série. Ela é organizada em uma estrutura A-B-C. 4 Para Gomes, o terceiro movimento – Andante – tem o mesmo tempo que o segundo (embora seja composto por 364 imagens). Se a maior parte das imagens aparenta um aspecto de descuido, a tensão gerada por elasdesenrolam no que o fotógrafo chama de “melancolia”. [Imagem 13 e 14]. O quarto movimento, Adagio, com 335 fotografias, é considerado por Gomes a parte da série com as imagens mais explícitas, nas quais o corpo é visto de perto, evidenciando detalhes e texturas. Por isso, para ele, o tempo deste movimento é lento, se comparado ao primeiro movimento. Adagio possui em seu final uma forma rondo – um elemento de repetição dos principais elementos apresentados, antes da passagem ao movimento seguinte. [Imagem 15]. O quinto e último movimento – Finale – com 352 fotografias, inicia-se como um prolongamento de Adagio. No começo, é caracterizado por um padrão rígido e definido de montagem, que aos poucos muda para uma “fantasia” e que por sua vez retorna à montagem rígida, recuando a associação livre da “fantasia”. [Imagem 16]. Com todo o material fotográfico, Alair Gomes construiu ainda uma pequena série ligada diretamente à Symphony of Erotic Icons. O excerto chama-se Fragments from opus 3 or Adoremus. [Imagem 17]. No que se refere às possibilidades de exibição dessa série, a posição de Gomes é ambígua. Por um lado, uma das razões que levava o fotógrafo a não querer mostrar o trabalho a um grande público era relativa à organização da série no espaço expositivo. Dado o montante de 1767 imagens que deveriam ser expostas juntas, “[...] como uma espécie de torrente de imagens que invadiriam a sensibilidade do espectador [...]”, para Gomes o trabalho transforma-se num elefante branco, de modo que o fotógrafo se vê consciente da “[...] natureza impraticável da composição no que diz respeito à sua exibição para o público” (FONDATION CARTIER POUR L’ART CONTEMPORAIN, 2001, p. 114). Em uma lista de classificação do fotografo, datado de 1980, Symphony of Erotic Icons é posta entre os trabalhos tidos como não-comerciais (idem). Por outro lado, identificamos também que Alair Gomes estudava maneiras de expor o trabalho. Em entrevista ao colecionador Joaquim Paiva, afirma que talvez um “[...] complexo sistema de slides poderia fazer possível mostrar Symphony of Erotic Icons para uma audiência relativamente grande em uma sala de projeção” (FONDATION CARTIER POUR L’ART CONTEMPORAIN, 2001, p. 114). 4 Talvez pelo caráter explícito declarado das imagens, ou por outras questões, o catálogo da exposição Alair Gomes na Fundação Cartier (2001) não publicou imagens deste movimento.

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* Após a descrição dos trabalhos de Alair Gomes, concluiremos este capítulo com algumas observações úteis para a discussão presente na terceira parte do trabalho, quando analisaremos as leituras interpretativas da crítica de arte sobre as séries do fotógrafo e, em especial, o modo como os meios de divulgação da crítica de arte mostraram sua produção. A primeira observação é a organização sequencial ou narrativa que as imagens desempenham no processo de construção dos trabalhos. A relação contígua entre as fotografias é realizada ou pela disposição e montagem das imagens na sequência em que elas foram fotografadas – como em uma montagem fílmica - ou então pela combinação de partes de diferentes momentos das sessões de fotos, intercalando as imagens ou arranjando-as de modo aleatório. Cada série tem uma quantidade mínima de imagens como, por exemplo, 3 no caso de Beach Tryptich e 6 nas Sonatinas, Four Feet. O segundo ponto significativo é o papel de destaque que a janela desempenha no processo de produção das fotografias. A distância física que Gomes toma do objeto fotografado é articulada pela proximidade proporcionada por lentes fotográficas, produzindo uma relação de distanciamento simbólico importante para a sua obra. Antes que possamos partir para a análise da produção escrita que a crítica de arte construiu sobre a fotografia de Alair Gomes, nosso próximo passo será o esclarecimento de algumas balizas teóricas de que faremos uso para o trabalho de análise, a saber: a configuração da esfera da crítica de arte nos dias de hoje e também uma breve contextualização da Análise Crítica do Discurso, um campo de análise de textos que nos pareceu de grande importância para a discussão proposta.

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2.

ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E CRÍTICA DE ARTE

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1.1. Análise Crítica Discurso (ACD). 2.1 Análise Crítica do do Discurso (ACD) Como disciplina distante das Artes Visuais, torna-se importante uma apresentação concisa, porém abrangente sobre os estudos realizados na área da Análise Crítica do Discurso, especificamente em relação à sua formação enquanto campo de estudo e quanto a seus objetivos. Esclarecemos que nosso objetivo não é a realização de um trabalho de análise estritamente gramatical ou linguístico. A aproximação a este campo de estudos se dá como um aporte teórico mais amplo, a fim de estruturar a produção da crítica de arte acerca dos trabalhos de Alair Gomes. Como início de percurso, podemos situar o surgimento dos estudos sobre o Discurso, ou sobre os Discursos, na segunda metade do século XX, principalmente a partir dos anos 1960. Como comenta Iran Ferreira de Melo:

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Como uma das questões principais deste trabalho, interessa-nos discutir as alterações dos significados ocorridos na recepção das séries fotográficas de Alair Gomes por parte da crítica de arte. Esta recepção enfatizou, inicialmente, o procedimento de montagem sequencial das séries do fotógrafo, modificando paulatinamente este enfoque para outro, que reproduziu uma série de termos, hoje constitutivos de sua produção, referentes ao homoerotismo e ao voyeurismo. Mas, antes de nos debruçarmos diretamente nos textos, apresentaremos algumas questões metodológicas de auxílio às análises realizadas a partir das críticas de arte. Na pesquisa de trabalhos que estudaram as transformações de sentido (políticas, sociais, mas também de gênero e de sexualidade) de textos escritos, aproximamo-nos do campo da Análise Crítica do Discurso (ACD). Optamos por utilizar seu instrumental teórico pela abordagem interdisciplinar que ela oferece no trabalho de análises de textos e de discursos que ultrapassam o nível gramatical, possibilitando a discussão a nível cultural. Esse campo de estudos possibilita também uma abordagem de análise textual que compreenda um corpus heterogêneo, questão que especificaremos a seguir. Começaremos apresentando as principais questões da ACD e os pontos importantes para a nossa discussão sobre a crítica de arte. Num segundo momento, realizamos a aproximação dessas duas áreas, articulando elementos teóricos e metodológicos para analisar os textos críticos sobre a produção fotográfica de Alair Gomes.

Na década de 60, o estudo da língua por ela mesma, até então vigente, começa a se desestabilizar a partir de novas propostas teóricas. Surge a preocupação com o funcionamento da linguagem em uso, introduzem-se componentes pragmáticos e a dimensão social começa a fazer parte do estudo da língua com o objetivo de combater a perspectiva estruturalista que vigorava (2009, p. 2). Viviane Ramalho e Viviane de Melo Resende (2006) comentam sobre o “estudo da língua por ela mesma” e as “novas propostas teóricas” nos termos das abordagens formalistas e funcionalistas. A primeira diz respeito à linguagem como objeto autônomo, na qual “[...] as funções externas da linguagem não influenciariam sua organização interna [...] (2006, p. 12), enquanto a segunda – funcionalista -, afirma que a linguagem tem funções externas ao sistema e, não sendo autossuficiente, precisa ser analisada a partir de seus usos, como “[...] representação de eventos, na construção de relações sociais, na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias no discurso” (idem, p. 13). Ou seja, o estudo a que a Análise do Discurso se propõe não é “[...] tão somente da língua, mas o que há por meio dela: relações de poder, institucionalização de identidades sociais, processos de inconsciência ideológica, enfim, diversas manifestações humanas” (MELO, 2009, p.3). Porém, a adoção do texto e do discurso como unidade básica dos estudos linguísticos não foi um processo uniformizado. Eles foram utilizados de modos diversos em diferentes vertentes de interpretação da

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Análise do Discurso. Lidaremos, pois, com seu debate interno, suas diferentes vertentes de pesquisa e suas questões ideológicas. Apagar seus problemas na edição de um texto explicativo, unilateralmente correto, não nos parece a melhor solução. Apresentaremos algumas das concepções da Análise do Discurso, como, por exemplo, a vertente francesa e a vertente anglo-saxã (com contribuição da Alemanha e Países-Baixos). Com relação à vertente da Escola Francesa da Análise do Discurso, seu início se deu com os trabalhos de Michel Pêcheux. Pêcheux considera o discurso como o modo que a linguagem é materializada na ideologia (ORLANDI, 2005b, p. 10) e que nela podemos ver traços ideológicos do sujeito (MELO, 2009, p. 6). Em conformidade temporal com o informado anteriormente, foi “nos anos 69, [que] a Análise do Discurso se constitui no espaço de questões criadas pela relação entre três domínios disciplinares que são ao mesmo tempo uma ruptura com o século XIX: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise” (ORLANDI, 2005a, p. 19). Rompendo com o século XIX, formou-se uma nova maneira de tratar a história através da reflexão de textos, função tradicionalmente abordada pela filologia. Enquanto esta consistia em pesquisar os significados de um texto por meio, principalmente, de procedimentos lingüísticos, a Análise do Discurso “[...] ocupou boa parte do território liberado pela antiga filologia [...] com pressupostos teóricos e métodos totalmente distintos” (MAINGUENEAU, 1993, p. 10). No caso de Pêcheux, o principal tema de discussão é a textualização do político. Com isso, não se quer dizer a simplificação para a leitura de textos sobre política, mas sim o modo como as relações de poder são simbolizadas. Baseado na análise de formas materiais, na perspectiva de um materialismo histórico, Pêcheux investiga os funcionamentos discursivos por meio da “[...] determinação histórico dos processos de significação” (1988). Como objeto, Pêcheux escolheu os “[...] projetos da revolução francesa de maio de 1968, [e] pass[ou] a desenvolver trabalhos analíticos sobre a relação entre os partidos envolvidos em tal revolução” (MELO, 2009, p. 4) Também, ainda que o discurso não se resuma à instância texto, é ele um lugar privilegiado no qual o discurso se ancora. Assim, as instâncias, texto e discurso, sejam considerados conjuntamente. Uma possibilidade desses estudos contempla, então, “[...] as palavras do discurso, ou seja, os termos que possuem uma função ao mesmo tempo interativa (estruturação das relações entre interlocutores) e argumentativa (estruturação de enunciados destinados a influenciar terceiros)” (MAINGUENEAU, 1993, p. 22).

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Pêcheux propõe pensar a linguagem como não transparente, mas constituída por sua materialidade e pela ideologia daquele que a usa. O autor “[...] objetiva expor o olhar do leitor à opacidade (materialidade) do

texto, objetivando a compreensão do sujeito em relação a outros dizeres, ao que ele não diz” (ORLANDI, 2005b, p. 11). Propõe também que a Análise do Discurso não trabalha com um sistema totalmente autônomo (ORLANDI, 2005b, p. 11), “[...] ela não tem um sentido ligado à sua literalidade, o sentido é sempre uma palavra por outra [...]” (idem, ibidem). Como coloca Pêcheux: “[...] todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro” (1988, p. 53). Sendo assim, Pêcheux “[...] produz condições intelectuais propícias à abertura de um espaço para a existência de uma disciplina como a Análise do Discurso que teoriza a interpretação, isto é, que coloca a interpretação em questão (1988, p. 53). O procedimento desenvolvido pelo autor é chamado freqüentemente de “análise semântica do discurso”, termo que carrega tanto as partes promissoras do trabalho de Pêcheux, quanto às críticas já produzidas sobre ela, como veremos logo à frente. No que diz respeito à vertente anglo-saxã, reconhecemos na figura de Norman Fairclough um importante interlocutor. O autor é considerado o expoente da Análise Crítica do Discurso – ACD. Desenvolvido e utilizado por ele desde meados da década de 1980 - a partir dos estudos da Linguística Crítica inglesa da década de 1970 e de referências da Escola de Frankfurt e das teorias neomarxistas de Gramsci (MELO, 2010, p. 86-87) -, o termo consolidou-se como disciplina no início da década de 1990 (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 21). Uma definição inicial do campo da Análise Crítica do Discurso é que ela “[...] estuda textos e eventos em diversas práticas sociais [visando] descrever, interpretar e explicar a linguagem no contexto sócio-histórico” (MAGALHÃES, 2005, p. 3) ou “[...] a abordagem da lingüística adotada por estudiosos que tomam o texto como unidade básica do discurso e da comunicação e que se voltam para a análise das relações de luta e conflito social [...]” (idem, p. 7). Como coloca Fairclough: Por análise “crítica” do discurso quer dizer análise do discurso que visa a explorar sistematicamente relações freqüentemente opacas de causalidade e determinação entre (a) práticas discursivas, eventos e textos, e (b) estruturas sociais e culturais, relações e processos mais amplos; a investigar como essas práticas, eventos e textos surgem de relações e lutas de poder, sendo formados ideologicamente por estas; e a explorar como a opacidade dessas relações entre

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o discurso e a sociedade é ela própria um fator que assegura o poder e a hegemonia (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 35). Colocaremos a seguir alguns pressupostos que formam a ACD no trabalho do autor. A primeira questão a ser colocada como resultado da intervenção crítica na Análise do Discurso é a relação entre o discurso e o social, uma relação que é interna e dialética (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 27). Podemos ainda afirmar que “[...] agimos discursivamente, como também representamos discursivamente o mundo (social) a nossa volta” (MAGALHÃES, 2005, p. 5). Fairclough define o termo discurso para referir-se “[...] ao uso da linguagem falada ou escrita, embora também deseje entendê-lo para incluir a prática semiótica em outras modalidades semióticas tais como a fotografia [...]” (2001b, p. 32). O autor completa sua intenção de estudar o discurso “[...] por um método informado social e teoricamente, como forma de prática social”. (idem, ibidem). Como prática social, “[...] implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação [...]” (2001a, p. 91). Uma ressalva do autor: É importante que a relação entre discurso e estrutura social seja considerada como dialética para evitar os erros de ênfase indevida: de um lado, na determinação social do discurso e, de outro, na construção do social no discurso. No primeiro caso, o discurso é mero reflexo de uma realidade social mais profunda; no último, o discurso é representado idealizadamente como fonte do social (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 92). Com relação ao tema acima, entendemos que a obra de Fairclough visa contribuir “[...] tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais de textos como para mudanças sociais que superassem relações assimétricas de poder, parcialmente sustentadas pelo discurso” (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 22). Podemos indicar que a Análise Crítica do Discurso tem por objetivo:

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[...] a análise das práticas discursivas que constroem as várias ordens sociais vigentes e como uma forma de investigação das formações discursivas que engendram as relações de poder, as representações e identidades sociais e os siste-

mas de conhecimento e crença [...] (MELO, 2009, p. 9). Como este trabalho versa sobre as interpretações da crítica de arte sobre a produção fotográfica de Alair Gomes, entendemos aqui que o campo dos estudos da sexualidade se insere no debate acima apresentado. Ou seja, a sexualidade entendia como uma questão social, histórica e discursivamente construída, cujas identidades de seus temas alteram-se conforme o contexto. Como coloca Izabel Magalhães: A ADC oferece uma valiosa contribuição de linguistas para o debate de questões ligadas ao racismo, à discriminação baseada no sexo, ao controle e à manipulação institucional, à violência, à identidade nacional, à auto-identidade e à identidade de gênero, à exclusão social (2005, p. 3). Assim, o trabalho em ACD implica em “[...] justamente mapear as conexões entre relações de poder e recursos lingüísticos utilizados em textos” (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 9) e “[...] implica, por um lado, mostrar conexões e causas que estão ocultas e, por outro, intervir socialmente para produzir mudanças que favoreçam àqueles(as) que possam se encontrar em situação de desvantagem” (idem, p. 22). Fairclough entende que “[...] produzir um discurso faz parte de processos mais amplos de produção da vida social, das relações sociais e das identidades sociais [...]” (2001, p. 40). Deste modo, o autor procura investigar “[...] a mudança da linguagem como mudança sociocultural” (MELO, 2010, p. 96) e, desta forma, “[...] levanta o véu da naturalização feita das relações de poder abusivas que se materializam discursivamente em várias esferas sociais” (idem, p. 98). Analiticamente, Fairclough desenvolve a relação descrita acima com o que ele chama de Análise do Discurso orientada lingüística e socialmente. Estas duas esferas não se separam, apenas para fins didáticos. Melo aponta que “[...] qualquer evento discursivo é considerado um texto, uma prática discursiva ou uma prática social simultaneamente [...]” (2010, p. 97). Esse modelo é articulado por Fairclough a partir de três dimensões passíveis de serem analisadas - a perspectiva tridimensional do discurso: o texto, a prática discursiva e a prática social (2001a, pp. 99-126; 2001b, p. 35). O texto é o objeto da análise estritamente, a dimensão textual da pesquisa; a prática social é o que o texto representa socialmente (2001a, p. 99). A mediação entre os dois pólos – texto e prática social - é feita

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pela prática discursiva, que “[...] focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual [...]” (2001a, p. 99), e são “[...] variáveis entre os diferentes tipos de discurso, de acordo com os atores sociais envolvidos” (RAMALHO; RESENDE, 2006, p. 28). Ratificando, entendemos por prática discursiva toda atividade de divulgação, distribuição de informações ou posicionamentos críticos sobre arte que acarretará a tomada de posição daqueles que receberão as mensagens. Um dos aspectos que Fairclough coloca como uma das partes possíveis de análise da prática discursiva é o conceito de interdiscursividade (2001b, p. 37). Segundo o autor, ela “[...] enfatiza a heterogeneidade normal dos textos que são constituídos por combinação de gêneros e discursos diversos [...]”. Para o autor, este conceito é ligado ao de intertextualidade, que estuda “[...] a visão histórica dos textos como transformadores do passado – convenções existentes, ou textos anteriores – no presente” (idem, ibidem). Transpondo as noções apresentadas acima para a esfera da crítica de arte, é possível perceber a diversidade de corpus com que se configura a crítica de arte. Especificamente acerca do corpus de textos críticos sobre a produção fotográfica de Alair Gomes (análises pontuais de trabalhos ou textos comparativos mais gerais), percebemos que esse conjunto compartilha de elementos heterogêneos, conforme o local para onde foi escrito e publicado e as intenções dos autores. Estes aspectos articulando-se também à instabilidade de definição contemporânea do que seja a crítica de arte.1 No que se refere ao tamanho do corpus – as críticas de arte sobre a produção fotográfica de Alair Gomes – não se pretendeu trazê-la em sua totalidade. Em primeiro lugar, porque essa pretensa busca exaustiva pela totalidade dos textos não se completaria e, como aponta Orlandi, “[...] todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro” (2005, p. 62). Em segundo lugar, porque a crítica de arte pode ser compreendida como uma organização de discursos não aleatória, uma vez que cada texto está relacionado a um contexto específico, com determinações e restrições discursivas. Antes de partirmos para a segunda parte do capítulo, aproveitaremos o espaço reservado à discussão da ACD para esboçar alguns comentários sobre um trabalho encontrado no decorrer da pesquisa e que investiga, através dos procedimentos metodológicos da ACD, a representação da homossexualidade, no caso, na mídia impressa. Este trabalho nos auxiliará no momento de análise dos textos críticos de arte sobre a produção fotográfica de Alair Gomes, justamente por dar atenção não

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1 Sobre a definição instável do termo contemporâneo, ligado principalmente à discussão de arte e fotografia, cf. Michel Poivert, por exemplo, “A fotografia contemporânea tem uma história?” (2013).

apenas à questão – a representação da sexualidade -, mas ao modo como ela é colocada pelos jornais e as conseqüências implicadas nela. O trabalho apontado é o de Iran Ferreira de Melo2, que propõe uma análise interpretativa/discursiva da representação da homossexualidade a partir do campo da Análise Crítica do Discurso. Melo (2010) parte do pressuposto de que a homossexualidade - que durante boa parte do Ocidente moderno foi entendida como estigma e preconceito social, sendo identificada ora como orientação anormal, se comparada à heterossexualidade, ora como desvio mental -, conheceu, nas últimas décadas do século XX, um exponencial espaço de visibilidade e destaque social - por parte de muitos movimentos sociais ligados a questão. Assim, constrói um trabalho de investigação sobre a maneira como essa visibilidade é representada socialmente nos órgãos de mídia impressa. Como objeto de pesquisa, Melo (2010) utilizou 32 textos de jornais que abordaram o tema, especificamente as reportagens sobre a Parada da Diversidade Sexual de São Paulo e Recife, publicados nos jornais de maior circulação de Pernambuco: Diário de Pernambuco, Folha de Pernambuco e Jornal do Commercio, entre os anos de 2000 e 2006. No caso de Melo (2013) foram analisados 29 textos publicados no jornal Folha de São Paulo sobre a Parada do Orgulho LGBT 3 de São Paulo, entre 1997 e 2012. Parte significativa do aporte teórico-metodológico do trabalho do autor foi o mesmo discutido na primeira metade deste capítulo, nos comentários sobre a Análise Crítica do Discurso. Como, por exemplo, a concepção de que os textos e os discursos são parte de práticas sociais, como coloca Norman Fairclough (2001a). Resta-nos, portanto, apresentar os resultados a que Melo chegou sobre seu objeto de pesquisa, a saber: “repensar o lugar da linguagem no estabelecimento de representações de identidades sociais historicamente discriminadas” (MELO, 2010, p.11), especificamente a representação da homossexualidade nos discursos sobre as Paradas de Diversidade Sexual. Melo indaga se a popularização do homossexual a partir da década de 1990, depois de toda a luta de reconhecimento desde os anos 1960, seria realmente “[...] uma abertura para a inserção social dos homossexuais” (2010, p. 141). Entendemos que esta posição é válida também para o mundo da arte e as discussões em torno de produções artísticas que propuseram a conexão de elementos próprios do regime visual a questões como o reconhecimento da sexualidade como assunto que necessita de quebras de preconceitos e discussões que não reduzam o termo a estereótipos. 2 O trabalho de Melo desdobrou-se na dissertação de mestrado (Universidade Federal de Pernambuco, 2007), que foi publicada como Análise Crítica do Discurso: um estudo sobre a representação de LGBT em jornais de Pernambuco (2010) e na tese de doutorado (Universidade de São Paulo, 2013): Ativismo LGBT na imprensa brasileira: análise crítica da representação de atores sociais na Folha de São Paulo, além de artigos. 3 Sigla para Lésbicas, Bissexuais, Gays e Transexuais.

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Melo (2010, p. 143) chega à conclusão de que, mesmo com espaço na mídia e nas reportagens, a representação que se faz dos homossexuais os coloca apenas na função de agentes e não de transformadores da realidade social. Isso ainda os caracteriza como um grupo estigmatizado que não atua fora do âmbito que demarcou como seu, de seu “gueto”. Desta forma, o trabalho de Melo indica que, mesmo com a visibilidade social alcançada nos jornais, ainda persiste uma imagem limitada das ações que organizações como a LGBT praticam. Segundo a análise dos dados recolhidos pelo autor, essas organizações só apresentam uma imagem de autonomia quando abordadas em termos de atividades internas ao grupo, separando-as da sociedade. Quando são objetos de ações mais amplas, a imagem LBGT torna-se limitada e permanece subjugada a outra instância. Posto isso, partiremos para a segunda parte deste capítulo, uma breve contextualização sobre a crítica de arte.

1.2. Crítica de Arte e ACD. 2.2 Crítica de Arte e ACD Depois da contextualização realizada acima, cabe-nos o questionamento sobre a pretensão de utilizar procedimentos analíticos da ACD para compreender o discurso da crítica de arte. O trabalho aqui desenvolvido coloca-se numa posição especulativa sobre as condições de possibilidade de se realizar uma comparação entre os dois campos de estudo. 4 Seria conveniente articular a constituição do campo da Crítica de Arte como um discurso que estabelece leituras interpretativas a partir da produção artística. Partindo do mesmo marco temporal utilizado no tópico sobre ACD – a década de 1960 -, apresentaremos algumas questões da crítica de arte no período caracterizado por mudanças significativas nas relações da disciplina artística. Segundo o argumento de Arthur Danto (2006), as décadas de 1960 e 1970 foram anos nos quais diversos artistas investigaram o suporte onde desenvolveriam seus trabalhos como uma maneira de ressignificação de sua poética. O período pode ser entendido como um momento onde as obras de arte não podiam ser determinadas por uma estrutura formal padronizada e onde as estruturas narrativas mestras da história da arte

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4 Encontramos o trabalho de Lucia Teixeira (1996), que propõe analisar, a partir da Análise do Discurso, a crítica de arte contemporânea em 45 textos publicados entre 1990 e 1991 em quatro revistas: Veja e Isto é, ambas de grande circulação no Brasil, e Galeria e Guia das Artes, relacionadas ao público do campo artístico brasileiro. A autora privilegia os textos críticos que analisaram trabalhos de pintura. Este trabalho foi uma importante etapa de estudo sobre as possíveis aproximações entre os campos das artes plásticas, e especificamente da critica de arte e a Análise do Discurso.

tradicional – baseados no critério de “ imitação” – e da arte modernista desgastaram-se, deixando de desempenhar um papel onipresente na produção contemporânea. Podemos relacionar o diagnóstico do autor também à nova configuração da crítica de arte no período. Peter Osborne (2010), ao discutir os impasses travados pela produção de arte conceitual no final da década de 1960 e começo dos anos 1970, afirma que na referida época diversos artistas estavam elaborando trabalhos que problematizassem, colocando muitas vezes em xeque, a relação que até então a produção artística estabelecia com a crítica de arte. Muitas propostas conceituais, como os trabalhos de Joseph Kosuth e o grupo britânico Art & Language, segundo Osborne (2010, p. 82) evidenciavam os limites a que a crítica de arte passava ao aproximar sua atividade artística com a atividade crítica. Isso de deu por “[...] uma série de mudanças na relação entre atividade artística e crítica de arte que tiveram lugar na primeira metade dos sessenta [...]” (idem, ibidem).5 O autor acrescenta que tal situação era parte da crise pela qual passava a crítica modernista da arte, nos termos dos escritos de Clement Greenberg, e a nova relação estabelecida entre os trabalhos de arte e o observador, como nas obras minimalistas (OSBORNE, 2010 p. 82). Incluemse aqui a nova configuração da arte pela introdução da fotografia, não mais como meio autônomo e separado de pinturas, esculturas ou outros suportes, mas discutido como obra de arte, forma artística (idem, 2007, p. 73). Desta forma, a divisão de trabalho – entre o artista e o crítico – que até os anos 1950 era mantida, a partir da segunda metade do século XX será vista em rápido declínio. Como aponta Osborne: [...] a crise da crítica greenberguiana [...] serviu também para marcar uma crise na ontologia da obra de arte e para estabelecer as condições para resolver dita crise mediante a renovação da ideologia romântica da intencionalidade artística baixo uma guisa crítico-discursiva radicalmente nova (2010, p. 83). 6 A discussão de Osborne versa sobre um período de inflexão drástica, ou seja, o momento no qual a crise é declaradamente posta em evidência. Contudo, nos desdobramentos surgidos desse vértice, criaram5 No original: “[...] uma serie de cambios em la relación entre actividad artística y crítica de arte que tuvieron lugar em La primera mitad de los sessenta [...]. [tradução minha]. 6 No original: “[...] La crisis de la crítica greenbergiana [...] sirvió tambiém para marcar uma crisis em La ontologia de La obra de arte y para establecer las condiciones para resolver dicha crisis mediante la renovación de La ideologia romántica de la intencionalidad artística bajo uma guisa crítico-discursiva radicalmente nueva”.

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se espaços para a apresentação de outras configurações possíveis, tanto da perspectiva do trabalho de arte, quando da perspectiva da crítica de arte. Podemos também incluir nas transformações da crítica de arte o aumento e a visibilidade dos escritos dos próprios artistas. A partir dos anos 1960, como sugere Glória Ferreira (2009), essa reflexão escrita dos artistas torna mais complexa a arena estabelecida entre a produção artística, a crítica, a teoria e a história da arte. Ricardo Basbaum acrescenta a esse debate a existência de “[...] textos de autoria coletiva, nos quais a conjunção de artistas e críticos serviu como estratégia alternativa para a configuração de uma proposta de reflexão e ação provocadora do circuito” (2001, p. 13). Aproximando a discussão proposta até o momento com o tema central deste trabalho, cabe a nós discutir alguns aspectos da crítica de arte contemporânea – principalmente a articulação entre a arte e a sexualidade no trabalho fotográfico de Alair Gomes. Nossa tentativa, então, é aqui tratar da palavra e da imagem e da maneira como elas podem se relacionar (se aproximar e se distanciar) no campo das artes plásticas. Glória Ferreira (2006) aponta a década de 1960 como a época de decisivo deslocamento do debate artístico, de atualização artística, na passagem de um terreno ideológico da arte para o debate de uma linguagem não-regionalista ou subordinada às tradições nacionais. A autora identifica esse deslocamento principalmente com a contribuição significativa dos textos de Mário Pedrosa. Em Do porco empalhado ou os critérios da crítica, de 1968, Pedrosa afirma que “[...] a época contemporânea tem sido particularmente fértil em mudanças de critérios críticos, em mudanças de valores, em face das mudanças sucessivas de escolas, estilos, movimentos” (2007, p. 231). Sobre a figura da crítica e do crítico de arte, Pedrosa ainda considera que, até a metade do século XX, ou seja, passando pelos principais movimentos da vanguarda e da arte moderna, eles eram tidos como parte integrante do debate artístico. “O crítico planteia-se nesse tropel de movimentos, como o outro lado inevitável do artista; [Este] faz, uma vez, sua revolução, mas o crítico é a testemunha sem repouso de cada revolução” (idem, p. 233). Com as mudanças dos anos 1960, o crítico e seu “[...] vocabulário, instrumento maior da crítica, porém, veio entrando em crise, desde o concretismo, e dissolveu-se com o advento da pop’art e cinetismo” (PEDROSA, 2007, p. 234). Assim, para Ferreira (2006, p. 23), as reflexões de diversas ordens e contextos históricos sobre a crítica de arte e seu exercício evidenciam a permanente interrogação sobre seus critérios e as funções que pautam a atividade crítica. Avançando para o contexto das últimas décadas do século XX, verificamos que muitas das questões da crítica de arte dos anos 1960

evidenciaram a crise da crítica. Para Sônia Salzstein (2003), o período da década de 1980 marca: [...] uma modificação profunda no lugar da crítica, que emancipou-se do horizonte (bem ou mal) público e universalista da produção acadêmica e da produção intelectual em geral, para vincular-se mais imediatamente às demandas profissionais, setorizadas, e corporativas, do universo das instituições contemporâneas da arte (idem, p. 88).

Fernando Cocchiarale (2006) concorda com afirmação de que as transformações ocorridas desde a década de 1960 transformaram significativamente a produção artística. O autor complementa que essa situação também deflagrou “[...] uma crise na reflexão estética e na crítica de arte”. Ele declara, porém, que a manifestação do campo da arte acerca da crise pode ser discutida de modo mais amplo:

A contradição entre o uso, ainda em curso, de métodos e procedimentos de leitura herdados da clareza autodefinida dos ismos modernistas e a ausência de identidades fixas na arte atual – característica da produção contemporânea, deliberadamente cultivada pelos artistas – funciona como um obstáculo para o posicionamento crítico em face das novas circunstâncias que emergiram dessa crise (2006, p. 377). Assim, ao concordar com o diagnóstico de crise na crítica de arte, Cocchiarale não considera, contudo, que essas mudanças impossibilitem ou torne desnecessário o seu papel no debate artístico. A crítica de arte, assim como a teoria da arte, não seriam mais “produto[s] verdadeiro[s], perene[s] e neutro[s], mas algo extremamente comprometido e informado pela vida social [e] decorrentes de pressões exercidas pela dinâmica da produção artística” (2006, p. 379). Já Basbaum (2001) aponta outros caminhos da crítica e da reflexão sobre arte no processo cultural brasileiro contemporâneo. O autor identifica uma relação difícil com as artes visuais, um processo que torna nítida a heterogeneidade do corpus da crítica de arte. Alguns textos foram originalmente escritos como apresentação de exposições e, portanto, carre-

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gam as marcas da reflexão sobre um segmento ou problema particular a determinada produção; outros tomaram parte de revistas especializadas, cadernos culturais ou simpósios e buscaram conduzir a ressonância do debate para um público potencialmente mais amplo (BASBAUM, 2001, p. 13). Identificamos na afirmação de Basbaum significativa similaridade com nosso tema. A organização e a análise de textos críticos das mais diferentes proveniências, publicados em suportes com objetivos bastante específicos, dificulta abordá-los todos de uma mesma maneira. Percebemos com isso a diversidade de corpus que configura a crítica de arte sobre a produção fotográfica de Alair Gomes, aproximando a discussão dos conceitos de intertextualidade e interdiscursividade propostos por Fairclough (2001b, p. 37), cuja descrição pormenorizada encontra-se no segundo capítulo deste trabalho. É a partir dessa perspectiva interdisciplinar que escolhemos analisar os textos críticos sobre o fotógrafo junto à Análise Crítica do Discurso. Em resumo, percebemos que a crítica de arte, a despeito das significativas mudanças ocorridas em seu meio e dos novos rumos tomados, não foi relegada simplesmente ao segundo plano no campo artístico. Ela é uma esfera importante na recepção, divulgação, interpretação e discussão de trabalhos de arte. Em outras palavras, a crítica de arte, dentro da nova configuração que se encontra inserida, é ainda uma prática discursiva pertinente para o debate artístico, justamente porque as alterações percebidas no seu campo pertencem às alterações ocorridas na arte principalmente a partir dos anos 1960. Passaremos então à etapa final deste trabalho, analisando a produção textual sobre as séries fotográficas de Alair Gomes. A ordem de análise dos textos será cronológica, para que consigamos verificar as passagens e as alterações pelas quais o trabalho foi discutido.

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3.

ANÁLISE

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Apresentaremos as análises dos textos críticos sobre a produção fotográfica de Alair Gomes e as discussões que eles suscitaram, tanto nos aspectos artísticos, quanto nos aspectos argumentativos, na estruturação de enunciados que se destinam a informar o público leitor, resultando muitas vezes na institucionalização de identidades sociais (MELO, 2009) ou, como aponta Fairclough, nos “[...] processos mais amplos de produção da vida social, das relações sociais e das identidades sociais [...]” (2001, p. 40).

1.1 Roberto Pontual e a fotografia como linguagem. 3.1 Roberto Pontual e a Fotografia como Linguagem

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O primeiro texto discutido é “Imagem: Alma do corpo, corpo da alma”, de Roberto Pontual, publicado no catálogo da exposição Corpo & Alma: Fotografia Contemporânea no Brasil, durante o Mês da Foto de Paris em novembro de 1984 e no Rio de Janeiro em outubro de 1985 (JORNAL DO BRASIL, 09/10/1985, p.6). A exposição reuniu trabalhos de José Oiticica Filho, Alair Gomes, Mario Cravo Neto, Iole de Freitas, Vera Chaves Barcellos, Lygia Pape e Hugo Denizart. Pontual inicia afirmando que a fotografia brasileira não é desconhecida na França, justificando esta afirmação devido a duas mostras que ocorreram em Paris: no Centro George Pompidou: A Fotografia Contemporânea na América Latina (1982) e Brasil dos Brasileiros (1983).

Sua crítica a estas exposições é que ambas insistem em apresentar os aspectos físicos e sociais do Brasil sob o ponto de vista documental, que para o autor pode resvalar na apresentação de imagens que reforçariam o exotismo já longevo sobre a representação do país. Para ele, trata-se mais “de retratar um país pela imagem fotográfica do que apresentar a sua fotografia como meio autônomo de expressão” (PONTUAL, 1984, p. 7). Ao utilizar o termo retratar, Pontual nos sugere que a compreensão internacional sobre a fotografia “latino-americana” ainda é baseada em aspectos documentais, caracterizado pelo referente que prevalece sobre o indivíduo que a realiza e a descrição que suplanta a expressão, como aponta Rouillé (2009, p. 112). Pontual também diagnostica um ponto que para ele é problemático: a “[...] praga do exotismo que assola o olhar lançado de fora sobre a América Latina [...]” (idem, ibidem), referindo-se a um amplo campo de imagens, expressões e julgamentos sobre a configuração sociocultural de países localizados fora do eixo europeu-estadunidense. Como forma de resposta crítica a estas exposições, e principalmente a esta paralisia na compreensão da arte e da fotografia fora dos critérios de países como Estados Unidos e França, Pontual propõe a exposição Corpo & Alma. 1 O título foi dado para conotar o aumento significativo da presença do corpo em evidência no Brasil, que Pontual diz estar nos “[...] jornais, nas revistas, nas telas, nos vídeos, no comércio e no pano de fundo geral[...]” (1984, p. 8). A cultura do corpo, principalmente nas praias, foi consolidada entre as décadas de 1950 e 1970, juntamente com o crescimento e espraiamento das formas de mídia, impressa e audiovisual. Pontual afirma que o teor conceitual da exposição encontra-se no “[...] abismo que separa diferença de exotismo e o confronto que não cessa de dar-se, na fotografia, entre a imagem-documento e a criação com a imagem [...]” (1984, p. 8). Uma das características que Pontual considera parte do que poderíamos chamar de fotografia brasileira é a de armar diferenças no olhar redutor do estrangeiro. 2 “Propõe-se [o conceito de diferença] como antídoto contra o veneno do exotismo” (1984, p. 8). Ou seja, com a intenção de atualizar o entendimento da fotografia produzida no Brasil para o público estrangeiro, Pontual redireciona a perspectiva de análise de alguns trabalhos fotográficos. O primeiro aspecto discutido pelo autor é o tratamento de uma realidade ligada tanto ao questionamento quanto à afirmação da realidade 1 A proposta foi feita junto ao Núcleo de Fotografia da Funarte, posteriormente denominado Instituto Nacional de Fotografia, e à Associação Paris Audiovisuel. 2 Atualmente, o termo diferença está amplamente divulgado. Ele é usado, por exemplo, na filosofia de Gilles Deleuze e Jacques Derrida, como uma possibilidade de práticas sociais, políticas e culturais não-normativos e também é usada em assuntos específicos, como sinônimos das “minorias” sociais, como os grupos gays ou os grupos feministas.

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da fotografia. Isso se daria pela polaridade entre a presença e a ausência do corpo na fotografia, um dos principais temas entorno do debate sobre fotografia: a do registro de um objeto presente no momento do disparo da máquina fotográfica, mas que, no momento de visualização da imagem revelada, permanece somente como imagem. 3 O enfoque dado ao valor indicial da fotografia é trazido à público, na década de 1980, principalmente pelo livro A câmara clara de Roland Barthes. Nele, o autor afirma que a fotografia é essencialmente representativa, ou seja, que a prática de produção de imagens se faz na impressão deixada por objetos e por pessoas presentes na frente da câmara momento da realização da imagem, que aderem a ela, deixando seus vestígios. A essa ligação física que o objeto guardará com a imagem, Barthes constituirá o noema barthesiano, o “isso foi” (1984, p. 115). Pontual cita nominalmente o trabalho de Barthes, reiterando a ambiguidade existente entre o real – os objetos, as pessoal, o mundo material – e sua imagem – o resultado do processo técnico e dos usos culturais da fotografia –, assim como a relação que ela possui com a morte, por meio da memória afetiva e indicial do corpo fotografado e sua morte (PONTUAL, 1984, p. 10). Na medida em que Pontual afirma que a presença do corpo na fotografia é polarizada, ou seja, não só colocada em evidência, mas ao mesmo tempo questionada, podemos problematizar o reducionismo existente no discurso da fotografia apenas como índice. Isso porque a fotografia, enquanto uma série de práticas e técnicas de produção de imagens foi durante muito tempo avaliado pelos efeitos verossímeis das reproduções fotográficas, baseados ainda no “[...] valor documental da fotografia, [n]a crença em sua exatidão e em sua verdade [...]” (ROUILLÉ, 2009, p. 65). Hoje, porém, a fotografia não necessita ser mais avaliada unicamente como reflexo do real, abrindo alternativas para seus usos. Já podemos discutir a situação da fotografia a partir de uma perspectiva diferente, em análises que não restrinjam a fotografia a seus elementos internos. Assim, para Rouillé (2009, p. 136-137), é no interior da designação documental da imagem que está a expressão da fotografia, a partir do momento que não mais representa objetos ou pessoas, mas exprime acontecimentos e corpos. O autor aponta ainda que na imagem fotográfica, a passagem dos aspectos documentais para os expressivos não se resume às condições técnicas do aparato fotográfico, mas repercute na fotografia fenômenos, “[...] os procedimentos culturais [que] sucederam amplamente os usos práticos e, sobretudo, a fotografia-documento cedeu

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3 Acreditamos necessário esclarecer que este trabalho discute a produção fotográfica realizada a partir dos processos químicos da imagem técnica, quando a presença dos objetos e pessoas era tecnicamente necessária para a produção de imagens fotográficas e não com os procedimentos de manipulação digital que modificou estruturalmente a discussão sobre a fotografia e suas relações com a arte.

lugar à fotografia-expressão” (idem, p. 135). Desta forma, esclarecemos as colocações de Pontual de “armar diferenças” no sentido de que o trabalho com a fotografia também comporta elementos ficcionais. O segundo aspecto que Pontual apresenta versa sobre esta questão, ou seja, uma maneira de discutir a diferença brasileira na fotografia seria a relação complementar entre a fragmentação e a sequência. O autor coloca que a relação entre os dois elementos acontece em diversos níveis, mas enfatiza o “[...] duplo sentido da fragmentação e da recomposição simultâneas do corpo [...]” (1984, p. 10) presentes nos procedimentos plásticos dos artistas. De modo semelhante, Pontual propõe que esta relação seja utilizada também na apresentação das imagens escolhidas para a exposição, “[...] na montagem que agora os reúne em espaço expositivo [que] obedece ao objetivo de consolidar a fotografia, não como puro documento, mas como alto invento” (idem, ibidem). Retomando os aspectos descritos acima, Pontual conclui com isso o motivo pelo qual nenhum dos fotógrafos da exposição Corpo & Alma vêm de uma atividade estritamente fotográfica, mas artística. Ou seja, eles não se encontram na posição de fotógrafos que pretendem expor suas fotografias como arte, e sim artistas que realizam seus trabalhos por meio da utilização e manipulação de prática fotográfica, bem como situam suas produções na discussão do campo artístico. Após as considerações gerais, Pontual passa à análise da produção fotográfica de cada um dos artistas escolhidos para a exposição Corpo & Alma. Passaremos ao raciocínio do autor sobre os trabalhos de Alair Gomes. Alair Gomes é colocado como o fotógrafo que magnifica a presença do corpo no universo do olhar. Pontual compara seus trabalhos com as fotografias científicas de elementos formais não-figurativos de José Oiticica Filho. Coloca ainda a obsessão de Gomes pelo mundo figurativo, ligando-a ao seu papel como crítico de arte (como aquele que procura conhecer e explicar as coisas do mundo) e de seus estudos sobre filosofia e natureza (entendida como sinônimo do fluxo da vida). A fotografia atuaria nesse mundo figurativo do artista como o processo de contenção deste fluxo da vida, do tempo presente ou, nas palavras de Pontual, de contenção nos termos de abarcar o fluxo e de reprimi-lo. Para ele, a contenção do fluxo vital de Gomes se deu primeiro na escrita dos diários filosóficos e eróticos, produzidos com interrupções em diversos momentos desde a juventude do fotógrafo - e passando posteriormente para a fotografia. 4 A relação com o fluxo vital ou com a natureza é também citada pela escolha do objeto fotografado por Gomes: o corpo juvenil masculino. O ato fotográfico é tido, para Pontual, como o contraste entre a imagem 4 A tarefa tanto nos diários como nos trabalhos fotográficos seria a de “[...] evitar que o corpo não se perca nos estragos do tempo [...]” (1984, p. 11).

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de esplendor do corpo “belo, perfeito e íntegro” e a ameaça do contexto específico de registro destas fotografias, realizadas na praia de maneira não-autorizada por parte do modelo. 5 Esta particularidade garante uma dualidade entre naturalidade e pose por parte dos rapazes e a relação de entrega e furto das imagens por parte de Alair Gomes. Recapitulando, o sentido de diferença utilizado por Roberto Pontual é colocado de forma ampla e ainda sem relações evidentes com uma discussão entre o corpo e a sexualidade, como se verá nas análises críticas posteriores sobre a produção de Gomes. Em nenhum momento do texto do autor as séries de rapazes na praia foram relacionadas com uma ação resultante de um condicionamento a priori homoerótico. A única aproximação possível do tema do corpo em Gomes é realizada por Pontual na introdução à análise da produção de Iole de Freitas. Pontual afirma que “[...] se o corpo masculino toma inteiramente a fotografia de Alair Gomes e se tanto o homem quanto a mulher habitam o universo tenso e estático de Mário Cravo Neto [é] com Iole de Freitas [que] as trocas se fazem sempre através do corpo da mulher [...]” (1984, p. 13). Ou seja, o cotejamento foi feito apenas como procedimento retórico para o trabalho de Iole de Freitas. Seria conveniente neste momento relacionar as reflexões de Pontual com alguns outros posicionamentos da cena artística do período. As primeiras participações de Alair Gomes em exposições no Brasil datam de 1978, com o trabalho Fotos do Carnaval de Rio, no Salão do Carnaval de Belo Horizonte, e em 1980, com uma exposição no Shopping Cassino Atlântico, Rio Janeiro, dentro do Programa As artes no Shopping. Porém, 1984 foi um ano no qual os trabalhos de Alair Gomes foram apresentados em diversas mostras. Além da exposição realizada por Roberto Pontual em Paris, Alair Gomes participou da I Quadrienal de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo e, no Rio de Janeiro, da exposição individual Alair Gomes: fotografia sequencial, na Galeria de Arte do Centro Cultural Cândido Mendes. 6 Propomos discutir brevemente a recepção obtida pela exposição Alair Gomes: fotografia sequencial. É possível, desta forma, acompanhar

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5 Uma descrição sobre os procedimentos da atividade fotográfica de Gomes pode ser encontrada na tese de Alexandre Santos (2006), trabalho que será analisado aqui posteriormente. As fotografias que Gomes tirava da janela de seu apartamento em Ipanema deixava clara a distancia e o anonimato do fotógrafo com relação a seu modelo. Porém, em outras séries, como os Beach Triptycs, Gomes ia à praia munido de sua câmera e fotografia os rapazes à revelia destes. Se Gomes conseguisse se aproximar do modelo, com a justificativa persuasiva de fotógrafo que poderia garantir a projeção de um futuro profissional promissor ao modelo, através da imagem, Gomes continuava a sessão fotográfica em seu apartamento, e as imagens tiradas ali seriam utilizadas na série Symphony of erotic icons, constituída de sequencias fotográficas de nus. 6 Também em 1984, Alair Gomes publicou um ensaio fotográfico no primeiro número da revista Performance, no New York Festival Public Theater. O ensaio intitulado The Balcony: a photo portfólio registra a peça de teatro O Balcão, de Jean Genet, encenada no teatro Ruth Escobar de São Paulo em 1969 e 1970 e em 1984 no referido festival.

seu debate minimamente possível nos jornais de grande circulação do período. No texto do crítico de arte Walmyr Ayala, este afirma que a fotografia de Gomes tem um componente estrutural (JORNAL DO COMMERCIO, 26 e 27/08/1984, s/p). O autor coloca que, sem deixar de considerar o referente das imagens, ou seja, o erotismo do “[...] corpo jovem, esportivo, seminu, contemporâneo e balneário [...]” (ibidem), as séries de Gomes, os trabalhos como Beach Triptycs, Sonatinas, four feet e Frisos se concentram em um tipo de contenção formal. Além deste termo, o autor utiliza outros para sublinhar este aspecto formal, construtivo do trabalho, por exemplo, “[...] o corpo como vértebra da composição, enriquecida pelos detalhes da sombra, dos instrumentos [de ginástica] e, até mesmo da textura da areia”, onde “prevalece o desenho” (idem, ibidem). Já na breve nota de Frederico Morais, o crítico relaciona os elementos sequenciais da produção fotográfica de Gomes ao modelo de montagem cinematográfica utilizado por Sergei Eisenstein (O GLOBO, 19/08/1984, p. 3). Acrescenta também que, no lugar de privilegiar a nitidez da imagem, utiliza sua ausência a fim de ressaltar os valores plásticos delas, encarando-as como esboços fotográficos. Resumindo, as colocações de Ayala e Morais evidenciam os aspectos de montagem das imagens fotográficas em sequência, de forma que o conjunto delas crie resultados plásticos que supostamente se aproxime de elementos do cinema, cujo movimento é gerado pela passagem de imagens fixas em determinada rotação no tempo. Do mesmo modo que Pontual, a concepção de fotografia de ambos os críticos não ressalta exclusivamente o referente da imagem no lugar de sua manipulação e distribuição espacial do trabalho.

3.2 Discurso da Sexualidade em Alair Gomes 1.2 Discurso da sexualidade em Alair Gomes. É com diagnóstico diferente das colocações de Pontual, Ayala e Morais que o texto do professor e pesquisador Tadeu Chiarelli sobre a fotografia brasileira contemporânea começa: “A fotografia brasileira nos anos 90 atingiu sua ‘maioridade’ internacional [...]” (1999, p. 142). A opção declarada de Chiarelli é a realização de um mapeamento da situação fotográfica atual brasileira. Primeiramente, as produções de Rosângela Rennó, Mário Cravo Neto e Sebastião Salgado são destacadas. Depois, o autor destaca a recuperação da fotografia moderna, justificadas pelas retrospectivas que trouxeram à público as obras até então esquecidas de José Oiticica Filho e Geraldo de Barros. Dentre os artistas que passaram por esta revisão da história,

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segundo Chiarelli, estaria Alair Gomes, “[...] produção fotográfica de um artista até poucos anos completamente desconhecido de um público mais amplo [...], sua obra construída a partir, sobretudo, de um voyeurismo de cunho homoerótico, ainda aguarda – mesmo no Brasil – uma avaliação mais profunda” (1999, p. 142). Percebemos já uma alteração importante na recepção da fotografia de Alair Gomes. Chiarelli a vê a partir do voyeurismo e não mais pela perspectiva na montagem sequencial das imagens, como os críticos analisados no primeiro tópico deste capítulo. Como veremos no decorrer do texto, o texto de Chiarelli foi uma contribuição norteadora importante de inúmeras pesquisas posteriores, que adentraram o século XXI em busca de novas configurações teóricas para o discurso fotográfico e também escolheram Alair Gomes para suas análises. Este é um exemplo concreto do que Norman Fairclough intitula prática discursiva, um modo de “[...] focaliza[r] os processos de produção, distribuição e consumo textual [...]” (2001a, p. 99). Ou seja, esse aspecto da questão nos auxilia a delinear, não apenas a transformação da discussão sobre a produção fotográfica de Alair Gomes, como também a transmissão desses enunciados por meio da crítica de arte. Retornando ao texto de Chiarelli, sua parte final é dedicada à breve apresentação de uma “[...] jovem produção contemporânea [cujo] centro de interesse vem sendo a exploração/ampliação do universo homoerótico [...]” (1999, p. 149). O autor coloca a obra de Gomes como a primeira a tratar do tema no Brasil e, a partir dele, posiciona a atuação da produção contemporânea (sem, contudo, afirmar uma relação direta de influência entre a primeira produção e as do novo contexto). Como partícipes da nova geração, Chiarelli indica Hudinilson Jr, artista cujo trabalho resulta da apropriação de seu próprio corpo, reproduzindo-o em cima de uma máquina copiadora e, sobre produções mais recentemente, comenta os trabalhos de Eli Sudbrack e Hélio Melo. Na descrição do trabalho de Melo (“Sem título”, 1977, fotografia Polaroid, painel com 300 fotos) [Imagem 18] – um ensaio fotográfico tirado nas ruas de São Paulo sobre o tórax masculino, tido por Chiarelli como “[...] um dos mais caros fetiches homoeróticos” (idem, p. 150). O autor aponta que uma das questões do trabalho aparenta ser “[...] a desestabilização do universo gay pela dessublimação desse fetiche que, nesses tempos de Aids – e através apenas de fotografias – parece estar se tornando um dos únicos objetos de prazer permitido para muita gente” (idem, p. 150). Nesse momento, o autor aprofunda o argumento, afirmando que a dessublimação proposta pelo trabalho de Melo estaria no enfrentamento da ação de abordar homens nas ruas para a realização do trabalho e a realidade social colocada pelo autor como “nesses tempos de Aids”. Partindo dessa colocação de Chiarelli, vários aspectos são levantados: tanto o texto de Chiarelli quanto o trabalho de Melo são de 1997.

Essa informação abre espaço para uma consideração entre os campos da arte e da sexualidade, especificamente em alguns momentos histórico nos quais essa junção torna-se significativa. Faremos uma breve contextualização político-cultural acerca dessas questões, espaço no qual as pesquisas de Júlio Assis Simões7 contribuíram significativamente para a discussão. Simões e Carrara (2007) 8 descrevem uma historiografia do conceito de homossexualidade no Brasil, ou sobre “[...] o “ jeito” supostamente brasileiro de organizar as categorias ou identidades sexuais (especialmente em relação à homossexualidade masculina) [...] transformando-se às vezes num eixo para a construção/ manutenção de uma identidade nacional caracterizada como exótica, retardatária e “não-ocidental” (idem, p. 66). Os autores continuam: Se a brasilidade vem sendo construída há mais de um século com referência privilegiada à sexualidade, não deve causar espanto que as vicissitudes do processo de construção e reconstrução de uma identidade nacional se espelham também nos estudos sobre a homossexualidade (2007, p. 68). Comparando os argumentos de Simões e Carrara com o texto de Chiarelli, percebemos que este se interessa por uma investigação do conceito de identidade brasileira para o público internacional. 9 Este afirma que muitos dos trabalhos fotográficos apresentados em diversas exposições suas estabelecem “[...] uma reflexão sobre a pertinência ou não de determinados estereótipos sobre o Brasil e a arte brasileira que, apesar de todos os intercâmbios, permanecem no imaginário europeu” (2010, p. 101). O autor examina a reestruturação da identidade nacional pela “superação problemática de alguns mitos que foram criados no país [...] como o indígena e o mito desenvolvimentista nacional” (idem, p. 101-102). A partir do argumento de Simões e Carrara, indagamos ainda outro ponto que consideramos importante na leitura de Chiarelli sobre o trabalho de Gomes, especialmente o texto “Fotografia no Brasil: anos 90” 7 Júlio Assis Simões é professor do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP, nas linhas de pesquisa: Marcadores sociais da diferença e Antropologia da política e do direito. 8 Escrito em parceria com Sérgio Carrara, professor do Instituto de Medicina Social da UERJ. 9 O texto “Fotografia no Brasil: anos 90” foi publicado pela primeira vez em 1997 na revista espanhola Lapiz. Antes deste, Chiarelli havia publicado outro texto que discute a produção fotográfica contemporânea, “A fotografia contaminada”, na revista mexicana Poliester (1994). Já em 2007, Chiarelli realiza a exposição Desidentidad: colección fotográfica MAM, em Valência, Espanha, exposição esta que serve de base ao texto “Como explicar arte contemporânea brasileira para o público internacional”. Podemos considerar, em certa medida, que Chiarelli, assim como Pontual nos anos 1980 procuraram relacionar a produção artística sempre em comparação com a recepção internacional.

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(1999): as leituras possíveis entre o homoerotismo – no sentido de um aspecto da questão gay – e a AIDS. 10 Facchini e Simões (2009, p. 51) afirmam que “[...] a partir da década de 1980, o ativismo pela homossexualidade passaria a enfrentar outro [...] desafio: a eclosão da epidemia do HIV-Aids [...]”, isso porque, na época, os casos que alertaram para a emergência da nova enfermidade foram diagnosticados nas mortes de diversos homens homossexuais nos Estados Unidos. Assim, com a associação dos casos médicos à atividade sexual de suas vítimas, segundo os autores, “[...] reacendeu-se a ligação entre homossexualidade e doença [e essa ligação] persistiria, mesmo depois de constatado que o vírus poderia ser transmitido a qualquer pessoa, através de sangue, esperma e outros fluidos corporais” (idem, ibidem). Como os autores também apontam, “[...] as respostas à epidemia da HIV-Aids resultaram também em experiências inovadoras no ativismo pela homossexualidade em muitos lugares [...]” (idem, p. 52). Não podemos, porém, simplesmente transpor os acontecimentos passados no estrangeiro e adequá-los à situação brasileira. No Brasil, os primeiros casos diagnosticados se deram em 1982, apenas um ano após o conhecimento dos casos norte-americanos. Nesse período, a relação entre a homossexualidade e a Aids era insistente nos diversos setores da sociedade (FACCHINI; SIMÕES, 2009, p. 128). Mas, ainda na década de 1980 e durante a década seguinte, a formação de várias associações, grupos organizados ou iniciativas individuais foram, pouco a pouco, modificando a relação estabelecida acima, a fim de construir um novo campo de discussão sobre a homossexualidade, esclarecendo à sociedade a relação não causal da homossexualidade e da Aids como doença. Retornando ao debate que a gerou, podemos ainda supor que a relação feita por Chiarelli entre homossexualidade e Aids foi dirigida especificamente à produção de Hélio Melo e não sobre a de Alair Gomes. Porém, como apontam Ramalho e Resende (2006), a linguagem não se resume ao estudo da língua por ela mesma, ou seja, a linguagem tem funções externas a seu próprio sistema e, por isso mesmo, precisa ser analisada a partir de seus usos. Compreendemos que um texto não pode ser entendido com base em frases separadas de seu entorno, mas sim discutidas no conjunto das sentenças que geram sentido. Assim, concluímos que, ao colocar os trabalhos dos dois artistas no encadeamento de argumentos no mesmo parágrafo, o autor sugere este tipo de relação. Nosso esforço foi o de demonstrar os limites a que pode chegar esta questão. Retomando também os argumentos de Fairclough, especialmente a

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10 Recolocando o trecho descrito: “[...] a desestabilização do universo gay pela dessublimação desse fetiche que, nesses tempos de AIDS – e através apenas de fotografias – parece estar se tornando um dos únicos objetos de prazer permitido para muita gente” (CHIARELLI, 1999, p. 150).

noção de interdiscursividade (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 37), posta pelo autor como “[...] a heterogeneidade normal dos textos que são constituídos por combinação de gêneros e discursos diversos [...]” (idem, ibidem). Qualquer discurso construído afeta tanto o plano do texto, da prática discursiva, quanto da prática social, já que para o autor o texto é orientado lingüística e socialmente. Sendo assim, a organização textual dos discursos não é aleatória, uma vez que ela depende de determinações e restrições discursivas e é constituída de escolhas. Recapitulando, procuramos enfatizar aqui um esforço de “[...] desvincular a homossexualidade da conotação de patologia e reconstituí-la como formas possíveis, legítimas e vitoriosas de ser e viver” (FACCHINI; SIMÕES, 2009, p. 53). Esta reconstituição passa também pelas formas de representação da sexualidade, incluindo também os regimes visuais de representação. Enfim, mesmo que nesse momento tenhamos nos afastado das proposições estritas da análise da crítica de arte, acreditamos que esse esforço de escrita foi gerado justamente pelos argumentos apresentados pela crítica de arte. Ainda com relação à recepção dos trabalhos de Alair Gomes feitas por Chiarelli, acrescentamos mais algumas colocações propostas pelo autor em dois projetos que envolveram a apresentação do trabalho do fotógrafo. Como verificamos, o texto “Fotografia no Brasil: anos 90” (1999) influenciou grande parte do trabalho teórico posterior sobre a produção de Gomes. Utilizaremos o caso de Chiarelli como mote para o debate de uma questão encontrada em diversos outros exemplos da crítica sobre a produção fotográfica de Alair Gomes e que se enquadra também no que Fairclough coloca como um uso possível da Análise Crítica do Discurso, a análise semiótica de modalidades como a fotografia (2001b, p. 32), a saber: a relação entre a materialidade do trabalho de arte, por um lado, e por outro lado o modo como esse trabalho é veiculado nos meios de distribuição de informações do campo artístico, como catálogos, jornais e revistas, como colocado no segundo capítulo por Basbaum (2001). A relação entre estes dois elementos resulta em uma leitura problemática sobre o trabalho de arte, no caso, a produção fotográfica de Alair Gomes. Em 2002, Chiarelli escolheu a produção de Gomes para compor a lista de artistas do livro Alegoria: Arte Brasileira – Século XX/ Museu de Arte Moderna de São Paulo. O autor coloca-se no texto introdutório também como editor do livro, na medida em que este não foi realizado como catálogo de uma exposição realizada fisicamente no museu em questão, mas como livro ilustrado. A diferença deste para um catálogo é que, enquanto estes são apêndices de exposições, “[...] um livro ilustrado sobre uma coleção possui uma singularidade muito precisa: ele é absolutamente autônomo e, em certa medida, é, em si mesmo, a amostra virtual da coleção ou do recorte proposto” (CHIARELLI, 2002, p. 3). O autor conclui o texto afirmando que a publicação tomou “[...] o cuidado para que todas

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as 300 reproduções respeitassem a integridade das obras originais [...]” (idem, p. 7). Ou seja, para o autor e editor, o livro ilustrado é uma estratégia alegórica de tomar parte da coleção como o todo. Chiarelli propõe que o livro seja entendido como um recorte espaço-temporal do museu. O livro possui, assim, uma amostragem dos trabalhos significativos para a compreensão da coleção do referido museu. Uma das partes que nos interessa, como já dissemos, é discutir o modo como o trabalho de Gomes foi publicado. Reforçamos a proposta de abrir o debate a um aspecto importante do trabalho visual: os aspectos referentes à sua veiculação nos suportes de circulação da imagem do trabalho de arte. Em Alegoria: Arte Brasileira – Século XX, cada artista teve seu trabalho de arte publicado em uma página inteira. No caso dos artistas cujos trabalhos são compostos de mais uma unidade (seja escultura, objetos, gravura e fotografia), as imagens não condizem com o número total ou aproximado de unidades do trabalho, a fim de que coubesse no limite da página destinada ao mesmo, alterando desta forma a totalidade do trabalho. 11 No caso da página destinada ao trabalho de Alair Gomes, Beach Triptych n. 25, de 1985 12 [Imagem 19], o que vemos é a publicação de uma imagem do tríptico, o que não confere com a realidade de conjunto do trabalho. 13 [Imagem 20]. Retomando uma das observações apresentadas no final do primeiro capítulo, um dos aspectos formais básicos da produção fotográfica de Alair Gomes é a concepção e apresentação de trabalhos que tenham mais de uma imagem. Assim, os Beach Tryptichs são constituídos a partir de três imagens (no caso de Beach Triptych) dispostas uma ao lado da outra, objetivando criar “[...] uma estrutura, uma ligação plástica e visual entre três imagens apenas [...] para que a ligação entre cada imagem se torne extremamente forte” (GOMES, 1983). Por isso, o sentido do trabalho de Gomes produz-se nas relações entre as imagens postas em sequência. Quando se publica em livro apenas uma parte de um trabalho composto por várias imagens fotográficas, o modo como o trabalho será interpretado abre espaço para outras leituras possíveis. É preciso ressaltar

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11 Os trabalhos fotográficos que verificamos a alteração foram Paula Trope (Tríptico – da série “Os meninos”, 1994, três unidades); Helena Martins-Costa (“Meninas á beira do riacho”, 1999, duas unidades); Alfredo Nicolaiewsky (“Protegei as feras e as crianças”, 1999, duas unidades); Iole de Freitas (“Spectro”, 1972, duas unidades); Celina Yamauchi (“Sem título”, 1999/2000, três unidades); Márcia Xavier (“Sem título”, 1997, quatro fotocópias coloridas transferidas para acetato e espelho montados em chapa de ferro); Mônica Schoenacker (“Hello, I live here”, 1999, duas unidades). 12 Este trabalho, juntamente com outros quatro Beach Triptych, foi apresentado na I Quadrienal de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo, ocorrida em 1985. Consta a doação do Beach Triptych n. 25, de Alair Gomes para o MAM, em 1985, fato que deve ter ocorrido por conta da exposição. 13 No livro, há a ressalva que a imagem publicada é o painel da direita do tríptico.

que não estamos afirmando que a reprodução do trabalho fotográfico nos catálogos e nos jornais seja efetivamente o próprio trabalho de arte. A discussão proposta aproxima-se, pois, das relações desenvolvidas por Fairclough (2001a) sobre a prática discursiva, ou seja, sobre os sentidos produzidos pelos objetos analisados, no nosso caso, os trabalhos fotográficos de Alair Gomes, a partir das mudanças criadas nos processos de produção, distribuição e consumo desses objetivos. Nosso foco recai sobre a percepção que se tem da imagem publicada e como seus atributos artísticos se mantêm ou se modificam, dependendo da forma como eles são apresentados. Retornando ao exemplo, a partir da reprodução de uma imagem do trabalho Beach Triptych n. 25, que ocupa quase a totalidade da página do livro Alegoria: Arte Brasileira – Século XX, a percepção que temos é como se o tríptico fotográfico de Gomes fosse concebido enquanto trabalho de arte apenas por uma imagem e as análises possíveis do trabalho estivessem entre os elementos plásticos internos daquela única imagem. Como indicado anteriormente, o caso do livro Alegoria: Arte Brasileira – Século XX não é exclusivo. No levantamento feito nos textos críticos publicados com imagens reproduzidas de trabalho de Alair Gomes, percebemos que essa situação é comum.14 Chamamos a atenção, desta forma, para os modos de apresentação de trabalhos artísticos compostos de várias unidades e as leituras encadeadas por essas escolhas editoriais. Nessa discussão, apresentamos alguns fatores que acreditamos ser pertinentes para o debate sobre a produção fotográfica de Alair Gomes – construída no raciocínio de sequência e relação compositiva entre imagens - e as leituras elaboradas pela crítica sobre ela. O segundo projeto no qual Chiarelli apresenta o trabalho de Alair Gomes foi na exposição Erótica: os sentidos na arte (2005). Chiarelli propõe a exposição como uma “coleção de imagens eróticas” (2005, p. 7). O autor pergunta se o objetivo de uma exposição é mostrar arte ou erotismo, distanciando um termo do outro, já que o autor entende erotismo como a “[...] manifestação de desejo sexual por meio de imagens, ações, etc.” (idem, ibidem), concluindo que a exposição mostrará “[...] objetos de arte que tragam, na constituição material e imagética [...] componentes eróticos [...]” (idem, ibidem). Esse é o motivo pelo qual Chiarelli esclarece que a exposição (e a escolha de um profissional da arte para organizá-la) visa apresentar arte erótica segundo seus aspectos estéticos, utilizando, 14 Encontramos situação semelhantes nos seguintes casos pesquisados: Jornal do Brasil, seção “A Semana”, de 20 de Agosto de 1984, publicou apenas uma imagem de um Beach Triptych. Procedimento repetido na coluna de Walmyr Ayala no Jornal do Commercio, de 26 e 27 de Agosto de 1984, com uma parte de uma Sonatina, four feet, cujo número mínimo de imagens são 6 imagens. Em reportagens de O Globo de 19 e de 26 de Agosto de 1984, são publicadas apenas uma imagem dos Beach Triptych n. 25 e n. 23, respectivamente. Percebemos, porém, que em exemplos como o da reprodução do livro Arte Internacional Brasileira, de Tadeu Chiarelli, o Beach Triptych n. 25 foi publicado integralmente.

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quando necessários, conceitos de outras áreas, como antropologia, psicanálise, na medida em que “[...] elas poderiam reorientar positivamente a percepção dos objetos em exposição” (idem, p.8). Apresentaremos esse caso sob dois aspectos. Em Alegoria: Arte Brasileira – Século XX, percebe-se que Chiarelli coloca Alair Gomes entre os outros destaques da coleção do Museu de Arte Moderna, motivo pelo qual o livro foi produzido, já em Erótica: os sentidos na arte, estamos novamente na esfera de um catálogo de uma exposição de arte. Ou seja, se no livro ilustrado o tema norteador era a coleção de arte do museu, aqui o ponto de referência é o Erotismo. Entendemos esta passagem como uma oportunidade do curador da exposição de desenvolver a sugestão por ele mesmo feita no texto “Fotografia no Brasil: anos 90” (1999) de aprofundar as pesquisas sobre Alair Gomes. Em resumo, pode-se verificar nesse tópico que as leituras críticas sobre a produção fotográfica de Gomes passaram dos termos de uma linguagem fotográfica e o entendimento da apresentação sequencial do corpo como contenção de um fluxo vital contínuo (nas análises de Pontual, Ayala e Morais), para uma argumentação que investiga o trabalho de arte sob a perspectiva da sexualidade e do debate sobre o homoerotismo e voyeurismo.

1.3 I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba: Nota 3.3 I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba: explicativa. nota explicativa

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Reiterando nossa proposta de discutir as transformações de leitura que a crítica de arte realizou acerca da produção fotográfica de Alair Gomes e seguindo sua genealogia, apresentaremos brevemente um episódio da produção crítica sobre o fotógrafo que demonstrou ser significativa para a colocação de Gomes no cenário internacional de arte: o caso da Sala Especial dedicada à Alair Gomes na I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba, em 1996. De caráter exploratório - trabalhando com fontes primárias e inéditas -, esta etapa da pesquisa nos permitiu esclarecer parte da prática discursiva, segundo a noção desenvolvida por Fairclough (2001a) e a construção discursiva do fotógrafo como precursor do homoerotismo brasileiro na arte. A principal informação que marca a memória transmitida e repetida a respeito da Sala Especial é a de ter sido por meio dela, e a convite do colecionador Gilberto Assis Chateaubriand, que Hervé Chandés - curador francês e diretor da Fundação Cartier para a Arte Contemporânea - conheceu a produção de Alair Gomes (SANTOS, 2006, p. 288; AZEVEDO, 2010).

Porém, uma pesquisa com o intuito de levantar informações sobre como se realizou a exposição e quais foram seus resultados, em termos de recepção e reflexão escrita, se fazia necessária. Precisávamos aprofundar o argumento no qual a exposição da Bienal de Curitiba possibilitou a internacionalização, ou uma “re-internacionalização” do trabalho fotográfico de Alair Gomes (se levarmos em conta, por exemplo, que ela já havia sido apresentada em Paris em 1984, na exposição Corpo & Alma). A Sala Especial dedicada à Alair Gomes foi denominada “Sonatinas e Trípticos de Praia – Coleção Joaquim Paiva” e foi composta de 35 trabalhos seqüenciais. 15 No catálogo oficial da exposição, ela teria acontecido entre os dias 18 de Agosto e 29 de Setembro de 1996, no Solar do Barão (atual acervo do Museu de Fotografia de Curitiba). Porém, ao compararmos os releases de periódicos publicados à época da exposição, encontramos contradições quanto ao enunciado do catálogo. Em alguns jornais, o local permanecia o Solar do Barão (JORNAL GAZETA DO POVO, 10 Set. 1996). Em outros jornais, o local da exposição havia sido a Casa Theodoro de Bona (REVISTA IRISFOTO – Agosto 1996 – Em foco: Bienal de Fotografia, p. 46; JORNAL DE DOMINGO/INDÚSTRIA E COMÉRCIO – 25 a 31 de Agosto – Agenda, p. 6). Outros ainda informaram ser o Instituto Goethe o local da exposição (JORNAL FOTOGRAFIA – Julho 1996 – Agenda, p. 13.), como ainda a Casa da Imagem (REVISTA INTTERVALO – Jul. Ago. 1996 – Fotografia). 16 Sem condições de afirmar os motivos de tal confusão, acreditamos necessário este registro como parte da genealogia das exposições de Alair Gomes, contribuindo também para que possamos compreender os sentidos estabelecidos em torno da produção do fotógrafo. Com os dados recolhidos, pode-se concluir que a exposição de Alair Gomes aconteceu no Solar do Barão, atual Museu da Fotografia de Curitiba. Baseamo-nos em dois artigos publicados em jornais que tratam especificamente da exposição do fotógrafo. Em ambos, de passagem, os autores apontam o Solar do Barão como o local da exposição. Estes textos serão nomeados e analisamos a seguir. Após a etapa de sistematização dos dados coletados, investigaremos o discurso utilizado na recepção da crítica feita à exposição. As informações do catálogo geral da Bienal referentes à exposição de Alair Gomes foram colocadas sob o título de “Alair Gomes: a paixão pelo corpo masculino jovem e a construção de sequencias fotográficas”. O peque15 Foram nove Beach Triptychs (n. 2, 3, 14, 16, 20, 22, 23, 26 e 27) e 26 Sonatinas, four feet (n. 2, 8, 9, 10, 12, 15, 16, 20, 21, 22, 24, 27, 28, 29, 32, 33, 40, 42, 43, 44, 46, 48, 49, 52, 54, 55). 16 Na ficha de cadastro da exposição junto à Fundação Cultural de Curitiba, consta o local da exposição a Casa da Imagem, juntamente com uma planta baixa do espaço expositivo e as folhas do livro de tombo, assinado pelo público visitante entre 18/08 e 01º/10/1996 (DOCUMENTAÇÃO I BIENAL INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA CIDADE DE CURITIBA VOLUME 1/3 – Museu da Fotografia de Curitiba – Fundação Cultural de Curitiba).

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no parágrafo evidencia ser um breve depoimento pessoal de Joaquim Paiva17 sobre a personalidade de Gomes e não toca em nenhuma questão relacionada aos trabalhos fotográficos. Encontramos, contudo, que o excerto publicado no catálogo foi retirado de um longo texto de Paiva18, escrito como fonte de pesquisa para a organização da Bienal e cujo título e primeiro parágrafo foram publicados no catálogo geral da mostra. Ele resume grande parte das principais informações que mais circularam sobre Alair Gomes, tanto sobre a obra, quanto sobre a vida. 19 Estas informações não ficaram restritas à produção da exposição, sendo divulgadas para a imprensa. Dentre o material coletado, pelo menos dois jornais publicaram reportagens dedicadas exclusivamente à exposição “Sonatinas e Trípticos de Praia – Coleção Joaquim Paiva”. Em “Templo de Adônis” (GAZETA DO POVO, 10/09/1996), José Carlos Fernandes cita o texto de Joaquim Paiva, de modo que a reportagem é formada basicamente por paráfrases do texto de Paiva: o jornalista relaciona a obra de Gomes com uma “estética do nu masculino” que, por sua vez, remete “aos ideais de beleza gregos”, colocando o apartamento

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17 Joaquim Paiva é diplomata e colecionador de arte. Tem em sua coleção de fotografias um montante bastante significativo de trabalhos de Alair Gomes, seguido de Gilberto Assis Chateaubriand, ambos responsáveis pela difusão da produção fotográfica de Gomes. Paiva fez parte da Comissão Prêmio Máximo da mesma edição da Bienal Internacional de Fotografia. As relações de Paiva com a Fundação Cultural de Curitiba começaram, pelo menos, em 1993, quando Paiva apresentou parte de sua coleção de fotografias no Museu de Arte Contemporânea – MAC Paraná. A exposição aconteceu entre 15 de agosto e 12 de setembro de 1993 e mostrou duas Sonatinas, four feet de Alair Gomes, uma com 6 e outra com 9 imagens (DOCUMENTAÇÃO JOAQUIM PAIVA – Museu da Fotografia de Curitiba – Fundação Cultural de Curitiba). 18 O texto de Joaquim Paiva, “Alair Gomes: a paixão pelo corpo masculino jovem e a construção de sequencias fotográficas” foi publicado, com pequenas alterações, no catálogo Alair Gomes: um voyeur natural, exposição organizada por Alexandre Santos em 2008 em Porto Alegre. 19 O binômio arte - vida é um dos principais eixos de discussão da arte no século XX e não tem apenas um significado. Usamos arte e vida aqui no sentido de que o sistema mais amplo da arte ainda é, em grande parte, constituído e alimentado pela noção de artista como uma pessoa com características distintas que exerce sua vontade no livre exercício da arte. No caso de Alair Gomes, grande parte do conteúdo transmitido funde elementos de sua produção fotográfica e escrita com “episódios” pessoais relacionados à sexualidade. Podemos citar, por exemplo, o fato de Gomes ter sido assassinado em seu apartamento, possivelmente por um dos garotos que se relacionava com ele. Transmitido à exaustão, a ponto de não encontrarmos seu início, este e outros episódios pautam a divulgação da figura de Alair Gomes e agem preponderantemente na avaliação de seu trabalho. O uso retórico desta questão como mote ou faceta homossexual não é exclusiva de Alair Gomes. O assassinato de homossexuais é tratado pelos professores Sérgio Carrara e Adriana Vianna no artigo “As vítimas do desejo”: os tribunais cariocas e a homossexualidade nos anos 1980”, onde os autores tratam, por exemplo, das “[...] representações que os operadores da justiça mantêm sobre ela continuam fortemente influenciadas pelas convenções estabelecidas por psiquiatras, sexólogos e médicos-legistas ao longo do século XX, segundo as quais a homossexualidade era compreendida como doença ou anomalia” (CARRARA et al., 2004, p. 386).

do fotógrafo como um “templo de culto apolíneo”, onde vídeos, revistas e pôsteres gays estavam por toda parte. Sobre os trabalhos expostos na Bienal, Fernandes pontua que, no caso da série Sonatinas, four feet, as fotografias são de baixa resolução, informação retirada do texto de Paiva, no qual evidencia que as imagens da série em questão eram “[...] constituídas por fotos sem muita definição [...]” (PAIVA, 1996, p.1). 20 A reportagem de Fernandes termina com mais uma parte do texto de Paiva, no qual o jornalista coloca que, na produção fotográfica, “[...] tudo se organiza para conduzir [o observador] ao prazer visual, aquele da descoberta e da imaginação [...]” (idem, ibidem). Paiva coloca que esta frase fora retirada da reportagem de Walmir Ayala, de 1984, sobre a exposição de Alair Gomes: fotografia sequencial (já aqui analisado). Já em outro jornal, o texto publicado sobre a exposição de Gomes foi o do escritor Wilson Bueno, “Trípticos e Sonatinas: translembranças do fotógrafo Alair Gomes” (FOLHA DE LONDRINA, 20/08/1996). Bueno afirma que, de todas as exposições que visitou durante a Bienal de Fotografia, foi a exposição de Gomes, colocada “na garagem do Solar do Barão, ali na [rua] Carlos Cavalcanti” a que mais lhe chamou atenção. Pois, para o escritor, a partir do momento que não há “fotografias atemporais”, as séries de Gomes não fogem à esta máxima, fotografando “[...] a beleza de efebos, colhida na praia no exato instante de seu ímpeto mais grego e bailarino “[...]”. Mais uma vez, o referencial base das comparações com a produção de Gomes, é a ligação a um repertório grego ou neoclássico. Ainda com o ensejo de posicionar Gomes fora do atemporal, dentro de seu tempo – as décadas de 1960 e 1970 -, Bueno estabelece comparações da máquina fotográfica de Gomes com uma metralhadora ou um fuzil, referindo ao período de ditadura civil-militar brasileira, período no quais inúmeros direitos e liberdades dos indivíduos foram atacados com prisões, torturas e outros aparatos de repressão. “O que o tempo lhe negava, o que o horror Médici nos tomava, Alair Gomes, num gesto quase altivo a tudo flagrava – um clic, um grito – [...] uma rajada de balas [...]” (FOLHA DE LONDRINA, 20/08/1996). Recapitulando, concluímos o breve comentário sobre a participação de Alair Gomes na I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba, em 1996, e a recepção dela na imprensa do período. Percebemos que a produção escrita a respeito da mostra permaneceu circunscrita a um curto perímetro do estado do Paraná e não avançou pros outros centros. Os principais pontos que a produção textual dos anos 2000 toma como referência é o texto de Chiarelli (1999), em primeiro lugar, e, posteriormente o catálogo da exposição Alair Gomes, na Fundação Cartier, em Paris. 20 Alair Gomes, em entrevista com Paiva, também afirma que para ele Sonatinas, four feet era “[...] um desenho fotográfico... em esboço, quase um borrão fotográfico [...]” (PAIVA, 1996, p. 4).

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Como se verificará a seguir, o conceito de homoerotismo ligado à obra de Alair Gomes, utilizado no significativo e difundido texto de Chiarelli, foi utilizado como critério de análise em vários estudos mais específicos sobre a obra do fotógrafo.

3.4 na Fundação Cartier 1.4 Alair Gomes Alair Gomes na Fundação Cartier. Como apontado no tópico anterior, a participação de Alair Gomes na I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba foi um passo importante para a divulgação de sua produção fotográfica. Foi a partir dela que o diretor da Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, Hervé Chandés, conheceu a obra do artista. Assim, o que nos interessa neste momento são os discursos construídos pela exposição e divulgados em diversos veículos de comunicação, como a mídia específica das artes visuais, bem como, daqui pra frente, revistas ligadas ao mercado gay (SANTOS, 2006, p. 290). A exposição Alair Gomes foi apresentada em Paris entre 15 de Março e 27 de Maio de 2001, na sede da Fundação Cartier. Santos (2006, pp. 288-289) realizou um breve histórico das negociações para a realização da exposição, ocorridas entre a referida Fundação, o colecionador Gilberto Chateaubriand e a Fundação Biblioteca Nacional (que conserva toda a obra iconográfica do fotógrafo) 21 e emprestou um volume significativo de seus trabalhos. O catálogo da exposição, publicado em inglês e francês, é composto de um grande volume de trabalhos de Alair Gomes, separados por textos do próprio fotógrafo, bem como uma entrevista entre Gomes e o colecionador Joaquim Paiva (localizados no escritos doados à Fundação Biblioteca Nacional), e reflexões de Paulo Herkenhoff (“The Melody of Desire. The art of Alair Gomes”); Lauro Cavalcanti e Maria Cláudia Coelho (“From Sublimation to the Sublime: a life portrait of Alair Gomes”) e Christian Caujolle (“Music on the Beach”). De maneira geral, os textos publicados no catálogo constroem um conjunto de questões que divulgam e, deste modo, reforçam a conexão da produção fotográfica de Alair Gomes com o homoerotismo.

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21 Niterói.

A biblioteca pessoal de Alair Gomes foi doada à Universidade Federal Fluminense, em

3.5 Difusão do Discurso da Sexualidade I

1.5 Difusão do discurso da sexualidade 1.

Em mais uma etapa deste trabalho sobre a construção discursiva acerca da produção fotográfica de Alair Gomes, apresentaremos as contribuições realizadas por dois pesquisadores no começo dos anos 2000. Elas podem ser consideradas como as primeiras respostas teóricas à sugestão de Chiarelli (1999) sobre a necessidade de um aprofundamento do trabalho de Gomes. Juntam-se a isso, sem dúvida, o material reunido por conta da exposição e catálogo Alair Gomes (2001), incluindo também o próprio interesse que sua produção passou a ter em outras esferas. A pesquisa de João Luiz Vieira sobre a produção fotográfica de Alair Gomes resultou principalmente em dois textos: “O corpo do voyeur: Alair Gomes e Djalma Batista” (2001/2003) e “Alair Gomes, Djalma Batista e Pedro Almodóvar: o circuito do desejo” (2005/2011). Vieira (2003) propõe uma pesquisa que reúna, a partir da fotografia e do cinema, o corpo humano como discurso, “[...] ênfase no corpo masculino através do trabalho de dois artistas brasileiros, pioneiros na articulação de uma linguagem do desejo homoerótico” (idem, p. 69). Os artistas são Alair Gomes e o cineasta Djalma Limongi Batista. Para Vieira, os pontos de contato entre ambos são, além do desejo da imagem, a forma de escrita teórica e pessoal elaborada em cada caso. A relação entre Alair Gomes e o conceito de escrita pessoal, proposto por Vieira a partir do trabalho de Denílson Lopes, será o mote principal da tese de Alexandre Santos (2006), analisada posteriormente neste trabalho. Percebemos, já no começo, que o autor analisa a produção do fotógrafo a partir do argumento do desejo homoerótico. Antes de passar à análise dos artistas propostos, encontramos no texto de Vieira uma sucinta reflexão teórica, na qual o autor afirma que desde meados da década de 1970, com os “[...] textos fundadores da teoria cinematográfica contemporânea de base psicanalítica e pós-estruturalista [...]” (2003, p. 70), diversos teóricos e críticos construíram suas pesquisas “[...] a partir da promessa ritualística de resistir à sedução insidiosa da imagem” (idem, ibidem). O autor passa brevemente em revista ao trabalho de Christian Metz – O significante imaginário: psicanálise e cinema -, cuja metodologia e construção teórica baseiam-se num distanciamento que Vieira aponta como “[...] um movimento de suspeita, de descrença e de rejeição [...]” de seu objeto de pesquisa, numa “forma de controle do perigo”, de limiar e neutralizar as “distorções imaginárias”, que segundo Metz originam-se na visualização de imagens ou, segundo Vieira, pertencem aos “desejos que informam as construções sociais da subjetividade” (2005, p. 91). O autor apresenta o mesmo argumento para discorrer sobre o

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texto de Laura Mulvey, “Prazer visual e cinema narrativo” [1973] (1975). O autor não deixa de evidenciar a tamanha difusão e reflexão crítica que o texto causou desde que foi lançado, amplamente publicado e traduzido (sendo Vieira o tradutor do texto para o português, em 1983). Porém, enuncia os limites a que o texto chegou, a saber: um paradigma totalizante e monolítico de “cooptação ao sistema patriarcal dominante do chamado cinema clássico narrativo” (2003, p. 72). Ela [Mulvey] delineia um cenário de ansiedade e castração tão completo e fechado em si mesmo que não há espaço para qualquer forma de satisfação narrativa ou engajamento visual – a não ser uma determinada vertente do cinema experimental, hoje completamente datada, porque essencialmente formalista (2003, p. 72).

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Vieira (2003) sintetiza que, tanto Mulvey quanto Metz pretendem se distanciar do que Mulvey denomina “sadismo fundamental da posição voyeurista” (2005, p. 94), propondo justamente um distanciamento do prazer cinematográfico e lutando para que não haja a reconstrução ou criação de qualquer novo prazer. Vieira anuncia, contudo, uma série de autores – como Richard Dyer e Thomas Waugh - que revisaram os conceitos de ambos os teóricos, “[...] apresentando resultados e projetos menos totalizantes e bem mais nuançados [...]” (idem, ibidem). É por meio da argumentação acima que Vieira chega à análise de Alair Gomes. Depois de um breve relato biográfico da vida do fotógrafo, Vieira aponta a década de 1970 como o momento no qual o fotógrafo dedica-se à sua obra (2003, p. 74). Só então ele aponta a organização sequencial das séries fotográficas, comparando-as ao campo musical, para logo em seguida apresentar a tensão, reconhecida pelo próprio fotógrafo, (e retornar ao argumento) de que suas fotografias organizavam-se em “[...] uma espécie de co-existência conflitante [...]” (idem, ibidem) entre o erótico clássico e o pornográfico, ou também o aspecto do voyeur, da “tensão entre intimidade e distância” (idem, p. 76-77). Desta forma, Vieira destaca a produção de Alair Gomes como “[...] um caso singular na tradição erótica homossexual” (2005, p. 97), afirmando que “[...] como nas fotos de Alair Gomes, o espectador é apanhado primeiro pelo erotismo, independente dos conteúdos formais e de interesse intelectual” (2003, p. 78; 2005, p. 101). Percebemos aqui claramente uma sobreposição da análise dos trabalhos fotográficos de Gomes – e os elementos implicados neles – para uma atitude que privilegia o referente fotográfico – corpos fotografados na praia ou nus – como o mote para ilustrar o que seria um artista homoerótico. Já a pesquisa de Wilton Garcia - a tese Imagem & Homoerotis-

mo: a sexualidade no discurso da arte contemporânea (2002), publicada em livro (2004) - sobre as relações entre imagem e homoerotismo, inclui a produção fotográfica de Alair Gomes entre seus objetos de estudos, ou seja, nas produções artísticas contemporâneas que tratem de traços homoeróticos, no processo que o autor denominou homoarte (2002, pp. 157-159), ou arte homoerótica, ou ainda estética gay (idem, pp.159-172). Embora procure caracterizar seu corpus de pesquisa como discurso da arte contemporânea, Garcia analisa produções de artistas brasileiros que ele chama de ars brasilis, referindo-se à “[...] complexidade para enunciar os rumos consensuais da cultura contemporânea brasileira [...] inspirada na extensão de uma ars erótica [...]” (2004, p. 53). Deste modo, o objetivo é o de “[...] potencializar as dimensões ética, estética e política [para] a construção do conceito de homoarte, inserido no âmbito da cultura brasileira” (idem, ibidem). As análises de Garcia sobre Gomes (2004, p. 135) estabelecem primeiramente consonância com os argumentos de Chiarelli (1999, p. 142) sobre a imagem de Alair Gomes junto ao processo de revisão histórico da fotografia brasileira no século XX, reproduzindo a noção colocada pelo autor de uma produção fotográfica composta “[...] a partir do voyeurismo de forte cunho homoerótico [...]”. Inclui também o argumento de João Luiz Vieira (2003, p. 73-79) sobre a noção de “corpo do voyeur”, “[...] na busca do artista de um corpo como discurso poético” (GARCIA, 2002, p. 135). Mas, apesar das referências retiradas de Vieira (2003), Garcia desloca a questão do voyeur e dilui o argumento em vários parágrafos que pretendem colocar a produção fotográfica, ou ainda o artista Alair Gomes, numa: [...] interpelação entre arte e erotismo [...] que retém a capacidade adaptativa da imagem de evidenciar sedução e prazer [articulando] o trabalho deste artista para a expressão do desejo homoerótico, em que essa coexistência conflitiva expõe um erotismo aberto que tende a manifestação do corpo masculino [que] distante de uma atitude pornográfica a imagem, aqui, escandaliza a vulgaridade perpassando à obscenidade, em que pulsam os corpos (2002, p. 135-136). Notamos que o autor parte ainda do argumento de Vieira, que coloca a fotografia de Gomes como “[...] uma espécie de coexistência conflitante” (VIEIRA, 2003, p. 74; 2005, p. 96). Garcia objetiva a colocação de Gomes a partir de um “[...] ponto de vista de uma crítica sobre a discursividade visual; sobretudo no âmbito de uma erótica que solicita a (re)

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visão do pensamento contemporâneo” (2002, p. 137). Recapitulando as colocações de Garcia, percebemos que sua proposta inverte o argumento no qual a fotografia de Gomes teria relação com a contenção do fluxo vital em uma serie de relações compositivas e sequenciais (como já analisado nos tópicos anteriores), afirmando com isso o vínculo da produção do artista com a homoarte, como a denomina. Referindo-se agora à especificidade da imagem na produção de Alair Gomes, acerca da sobreposição do procedimento da montagem de cada trabalho fotográfico a partir de pelo menos três imagens juntas e relacionadas entre si, percebemos em Garcia (2002, pp. 134-135), que as imagens de Gomes utilizadas como fonte de análise para a tese não constroem o trabalho tal como proposto pelo fotógrafo. A página no trabalho de Garcia apresenta três imagens: percebe-se que a segunda imagem faz parte do Beach Triptych n. 25 (1985). [Imagem 21] Coincidentemente ou não, o trabalho cuja imagem foi retirada para publicação é exatamente a mesma fotografia isolada publicada no livro ilustrado Alegoria: Arte Brasileira – Século XX (2002) [Imagem 19]. Não conseguimos identificar a procedência das outras duas imagens. 22 Todas as três não têm legendas, apenas a informação, no verso da página, de que são reproduções de fotografias de Alair Gomes. Com essa colocação, retornamos à discussão proposta no segundo tópico deste capítulo, entre a materialidade do trabalho de arte e a relação estabelecida pelo trabalho com os meios, como jornais, revistas e catálogos, nos quais ele é distribuído e analisado. Reafirmamos, pois, os modos de transmissão dos enunciados por parte da crítica de arte, bem como a divulgação dessas imagens ajudam nas interpretações acerca da produção de Gomes como artista a priori homoerótico. Em resumo, o que podemos perceber aqui é que houve uma inversão na leitura da produção fotográfica de Alair Gomes. Essa afirmação é válida tanto para Vieira (2003) quanto para Garcia (2002). Para o primeiro, nas imagens de Gomes, “[...] o espectador é apanhado primeiro pelo erotismo, independente dos conteúdos formais e de interesse intelectual [...]” (2003, p. 78). Para o segundo, a perspectiva para a análise dos trabalhos de Gomes está articulada à “[...] uma erótica que solicita a (re)visão do pensamento contemporâneo” (idem, p. 137). Veremos, a seguir, um segundo momento destas transformações ocorridas nas leituras da crítica de arte sobre Alair Gomes.

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22 Os elementos formais das imagens não identificadas - o enquadramento da imagem e a distância da tomada fotográfica aproximam-nas de outros Beach Triptych, do conjunto de imagens tiradas por Gomes na década de 1980 que resultaram nesses trabalhos de três fotografias.



1.6 Difusão do discurso da sexualidade 3.6 Difusão do Discurso da Sexualidade II 2. Finalizando as análises sobre a leitura do trabalho de Alair Gomes, atentaremos para o trabalho desenvolvido por Alexandre Santos (2006), primeira tentativa de registro biográfico realizado sobre o fotógrafo, desde seu reconhecimento pelo campo artístico. 23 Como o autor aponta, seu interesse pela produção de Alair Gomes se deu pela leitura do texto escrito por Tadeu Chiarelli em 1997, “Fotografia no Brasil: Anos 90” (SANTOS, 2006, p. 1). Enfatizamos com isso o aspecto de difusão da crítica de arte e os resultados de sua distribuição, que reportamos à noção do funcionamento discursivo discutido por Fairclough (2001a), dentre do qual está a circulação do texto, ou seja, evidenciamos aqui de que modo o trabalho de Santos é tributário dos discursos formulados anteriormente, em particular a sugestão de Chiarelli (1999). Faz parte do trabalho de Santos uma extensa pesquisa preliminar sobre artistas 24 que, em suas produções, trataram da questão da sexualidade, atentando justamente para os que fizeram uso da fotografia ou, como coloca o autor: a “[...] construção histórica deste olhar comprometido e, portanto, confessional sobre o masculino” (SANTOS, 2006, p. 134). Esse é o mote para a introdução dos apontamentos sobre Alair Gomes. Como Santos coloca, a produção do fotógrafo tratou de uma “[...] gama bastante diversificada de temas como paisagens, carnavais, espetáculos teatrais e viagens [...]” (2006, p. 3). Porém, seu principal objeto foi o estudo que “[...] centra a sua análise na questão primordial de sua fotografia, ou seja, na representação do desejo homoerótico como aspecto inteiramente dominado por motivações de ordem biográfica” (idem, ibidem). O que nos interessa de suas reflexões, pois, são particularmente as análises realizadas a partir da produção fotográfica de Alair Gomes e o modo como seu texto deu prosseguimento às interpretações e leituras do trabalho do fotógrafo. Deste modo, na tese, o autor divide os trabalhos de Gomes em dois blocos de análises, nos capítulos intitulados “A poética do perto: a fotografia consentida” (2006, pp. 291-323) e “Poética do longe: a fotografia roubada” (2006, pp. 324-346). No primeiro conjunto, Santos analisa a produção do fotógrafo ligada à percepção e à experiência da cidade, não apenas do Rio de Janei23 De impacto menor, a irmã do Alair, Aíla Gomes, catalogou os escritos de Alair Gomes - não na sua totalidade, enfatizando os textos escritos e apresentados sobre ciência e filosofia, no livro de circulação restrita Alair de Oliveira Gomes (1921-1992), Dados relevantes em sua vida intelectual, ed. Maurício A. Borda (undated). 24 Santos sugere possíveis interlocuções da produção de Gomes com inúmeros artistas e fotógrafos, como Robert Mapplethorpe, Thomas Eakins, Fred Holland Day, Wilhelm Von Gloegen, Wilhelm Von Püschow, Vincenzo Galdi, George Platt Lynes, Andy Warhol, Gilbert & George.

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ro, mas em séries que resultaram de viagens do artista. Santos denomina Gomes, pois, de fotógrafo-flanêur, seguindo toda a literatura que, desde o século XIX, toma a cidade e a experiência de caminhar e se deslocar sobre ela como lugar privilegiado da visão. 25 Santos (2006) discute brevemente os trabalhos Glimpses of America: a sentimental journey, série fotográfica que faz parte de diário26 de mesmo nome, escrito por Gomes na estadia nos Estados Unidos entre 1962-63. Sua intenção era uma publicação na qual as imagens dialogariam com os escritos feitos na década anterior, A New Sentimental Journey I, de 1983, ensaio fotográfico também em forma de diário produzido por Gomes em viagem à Itália. O autor (SANTOS, 2006) analisa também os trabalhos desenvolvidos por Gomes no Rio de Janeiro: o grande número de imagens tiradas entre 1967 e 1989 sobre o carnaval de rua carioca, a série Sonatinas, four feet, uma das mais conhecidas do artista (e já descrita neste trabalho) e, finalmente, o trabalho The no-story of a driver. 27 Já o segundo conjunto de análise, “A poética do perto: a fotografia consentida” é quase que exclusivamente dedicada à reflexão dá série Symphony of Erotic Icons, analisado no primeiro capítulo deste trabalho. A série foi desenvolvida entre os anos de 1966 e 1977. As fotografias foram tiradas de dentro do apartamento do fotógrafo, a partir de uma negociação feita por Gomes com os modelos que aparecem no trabalho, alguns dos quais freqüentando o apartamento do artista mais de uma vez, para inúmeras sessões fotográficas. Santos explica: Esse jogo começava com as fotografias clandestinas feitas na praia, as quais eram posteriormente mostradas aos garotos e, caso eles se agradassem, iniciava-se o desencadeamento de

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25 Sobre o vínculo entre a fotografia e o século XIX, o historiador Giulio Carlo Argan (2010, p. 445) aponta que essa relação é constituinte entre a experiência moderna e o desenvolvimento de técnicas como a fotografia. De maneira semelhante, Abigail Solomon-Godeau (1994, p. 222), que discute a produção artística em relação direta com a revisão da história do meio fotográfico e seu surgimento no século XIX, afirma que a fotografia é diretamente relacionada à emergência da sociedade industrial moderna, tanto tecnologicamente, nas novas técnicas e na utilização de novos materiais, mas principalmente nos seus aspectos culturais. 26 As possibilidades artísticas que Gomes esboçava para os seus diários, iniciados em 1942 com o diário “Drôle de Foi”, foram intensificadas nos anos 1950 com os “Journals” – diários íntimos. A introdução da fotografia na década de 1960 foi o caminho encontrado para a construção de montagens narrativas e sequenciais ficcionais. 27 Essa pequena série de 50 imagens foi realizada em 1977, a partir da janela do fotógrafo. Alair Gomes foca a lente para o corredor/garagem de um edifício vizinho e acompanha as atividades cotidianas de um motorista: a limpeza do carro, seu polimento, a errância do motorista pelo espaço em volta do carro. Santos focaliza o aspecto de banalidade cotidiana que esta série possui (2006, p. 340). A distância entre o fotógrafo e o objeto da fotografia é especifica, pois o motorista encontra-se exatamente embaixo de sua janela, e não ao longe, sem possibilidade de variação. Esta particularidade cria um ângulo oblíquo nas imagens.

todo o processo que poderia envolver uma relação de parceria nas fotos de estúdio (SANTOS, 2006, p. 297). O autor estabelece uma articulação simbólica entre a câmera fotográfica que Alair Gomes se valia para persuadir os rapazes e a concordância dos possíveis modelos para posar no estúdio do seu apartamento: Alair não tinha recursos financeiros para pagar os modelos que posavam em seu estúdio [porém] apostava na aura de sua posição como fotógrafo e no que isto poderia representar para os garotos. Essa consciência fazia parte do ritual de aproximação entre o fotógrafo e os fotografados (2006, p. 297). [Gomes] acreditava que, através das imagens, seria possível despertar nos garotos a consciência da própria beleza, o que talvez lhes trouxesse possibilidades futuras no que tange à conquista de um lugar como modelos profissionais ou ainda como atores no mundo televisivo em expansão no Rio de Janeiro dos anos 70 (2006, p. 295). Santos (2006, pp. 291-308) aborda demoradamente a série descrita acima. Utilizando uma entrevista feita durante a tese, ele elabora o argumento de que “a máquina era o phallus” de Gomes, que “não seria difícil para o artista exercitá-la metaforicamente através do ato criador, que no seu caso está implicado com o voyeurismo e com o fetichismo fotográficos” (idem, p. 294). Vemos, com isso, a relação direta que o autor identifica entre a produção do fotógrafo e o erotismo. A partir deste momento, Santos introduz a realização do trabalho de Gomes por meio de uma oposição entre as noções de ativo e passivo: De qualquer modo, a máquina fotográfica era o phallus ativo que seduzia os modelos passivos, convencendo-os a posarem nus [...]. Porém, uma vez cumprido o ritual, percebe-se, entretanto, que há uma inversão desse suposto poder de sedução masculinizante do qual se investe Alair em sua estratégia inicial de aproximação. O fotógrafo desterritorializa seu lugar ativo [...] para assumir o lugar passivo do adorador dos corpos impressos no signo (SANTOS, 2006, p. 297).

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Percebemos, com o comentário acima, que a análise de Santos sobre a produção de Gomes é investida de uma dicotomia entre o ativo e o passivo e a aplicação desta dicotomia na relação entre a produção fotográfica (a câmera fotográfica) e a biografia do fotógrafo (seus desejos). Segundo Santos (2006, p. 293): A máquina fotográfica funcionava como uma extensão sexual do corpo do fotógrafo em direção ao corpo dos fotografados [e] cumpria, assim, o papel de instrumento de persuasão que tinha um poder simbólico relacionado à construção social da imagem do fotógrafo, mas também funcionava [...] em suas investidas fálicas (SANTOS, 2006, p. 293). A partir da série fotográfica e da exposição dos conceitos apresentados por Santos (2006), propomos uma discussão sobre a interpretação da produção fotográfica de Alair Gomes, cujas leituras estamos acompanhando desde os textos críticos de meados da década de 1980, e que em Santos (2006) percebemos um momento importante, no qual o esforço de análise e compreensão do trabalho do artista resulta em elaborações complexas. Daremos atenção tanto às elaborações propostas por Santos (2006), quanto procuraremos evidenciar seus limites. No caso, os limites que uma leitura baseada na divisão binária entre masculino e feminino estabelece para a consideração de um trabalho artístico que trate, segundo a própria crítica de arte, de aspectos do homoerotismo e da homossexualidade masculina, levando-nos às considerações discutidas por Foucault (2006) com a noção de “dispositivo da sexualidade”, ou seja, um aumento e aprofundamento das questões ligadas a sexualidade, produtora de uma quantidade significativa de espaços de conhecimento onde o sexo foi colocado em discussão, viabilizando o que o autor chama de “surgimento das sexualidades periféricas”. Sobre este lugar das sexualidades periféricas, Gayle Rubin (1979) propõe o conceito de sistema sexo/gênero28, entendido como arranjos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana. O sistema desdobra-se basicamente em dois princípios: o pressuposto da heterossexualidade e a criação do gênero. 29

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28 Seguiremos o argumento de Rubin, pois a autora desdobrará o sistema sexo/gênero em diversos outros textos. Podemos encontrar essa discussão também em Judith Butler (2003), principalmente no primeiro capítulo de Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade, “Sujeitos de sexo/gênero/desejo”, na segunda parte: “A ordem compulsória do sexo/gênero/ desejo”. 29 Esses dois pré-requisitos são interligados. “A divisão sexual do trabalho relacionase a ambos os aspectos do gênero – as pessoas são divididas em sexo masculino e feminino e são também heterossexuais” (RUBIN, 1984, p. 18).

A partir de uma discussão baseada no trabalho de Lévi-Strauss sobre os sistemas de parentesco30, a autora demonstra que, para o funcionamento de tal sistema, a sociedade formulou como pré-requisito necessário a criação do gênero. Para Rubin (1979) esta é a instituição de um tabu contra a uniformidade de homens e mulheres e contra os arranjos sexuais que fujam ao par homem e mulher, configurando uma assimetria entre ambos. Dessa assimetria, cria-se a necessidade do segundo pré-requisito: o pressuposto da heterossexualidade ou tabu do homossexualismo. A autora entende que a criação de gênero não diz respeito apenas à identificação com um sexo, mas também exige que o desejo sexual seja orientado para o sexo oposto. 31 Como alternativa, Rubin demonstra a relevância de conceito de sexo e a possibilidade de desenvolvimento de estudos sobre a sexualidade para além da hierarquia dos corpos, de homens e mulheres. Como afirma a autora, “a supressão do componente homossexual da sexualidade humana e, por consequência, a opressão dos homossexuais é, portanto, produto do mesmo sistema cujas regras e relações oprimem as mulheres” (1979). Nosso intuito aqui, como já afirmamos, é tentar relacionar os estudos de artes com os estudos de sexualidade. Assim, aproximaremos as colocações de Rubin (1979) com a análise crítica de Alexandre Santos (2006) na medida em que, dentre os produtos da atividade humana discutidos por Rubin estão formas de representação como o regime artístico, ou seja, campo no qual a produção fotográfica de Alair Gomes se encontra. 32 Embora o texto de Rubin faça referência às sexualidades de modo geral, seu foco de atenção e análise é a cena norte-americana. A respeito da situação brasileira, o antropólogo Edward MacRae afirma: 30 Para Lévi-Strauss, no livro Estruturas Elementares do Parentesco (2009), o sistema de parentesco é uma constituição legal de aliança social, política e econômica que, para que sua aplicação se torne uma necessidade fundamental e natural, institui-se um dispositivo de interdependência recíproca entre os sexos: a divisão sexual do trabalho. Em outro momento, argumenta que o sistema de parentesco é uma organização cultural que se sobrepõe às características da procriação biológica e forja a dependência entre os sexos, obrigando-os a se reunir com o objetivo de reprodução e descendência. 31 Segundo Piscitelli (2003), comentando o texto de Rubin, a heterossexualidade compulsória é uma situação na qual a regulação social da sexualidade prescreve ou reprime arranjos divergentes dos arranjos heterossexuais, pressupostos como naturais. 32 No próprio texto de Rubin encontramos já a associação entre arte e sexualidade. A autora discorre sobre o caso ocorrido com a fotógrafa Jacqueline Livingston, que em 1978 foi demitida de seu cargo de professora assistente de fotografia da Universidade de Cornell depois de apresentar uma exposição com fotos de seu sogro, marido e filho nu, incluindo imagens de seu filho de seis anos se masturbando. Uma série de revistas se recusou a publicar fotografias de Livingston, bem como os pôsteres que a artista fez. A empresa Kodak confiscou alguns de seus filmes e a artista sofreu diversas ameaças de processo, baseada nas leis contra a pornografia infantil.

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Tradicionalmente, em se tratando de papéis sexuais, a sociedade tem dividido os indivíduos em dois tipos: o ativo (homem), e o passivo (mulher). Essa categorização está extremamente arraigada na nossa cultura e não surpreende que se encontre reproduzida nas relações homossexuais, com os homens classificando-se como “bofe” e “bicha”, e as mulheres como “ fanchona” e “lady”. Em ambos os casos, os primeiros seriam “ativos” e os segundos “passivos”, reproduzindo as relações de dominação vigente entre homens e mulheres (1990, p. 51). A esse respeito, Richard Parker acrescenta que “[...] a questão de gênero tem definido, tradicionalmente, a interpretação brasileira [situada] no contexto de uma ordem social profundamente patriarcal, [na qual] os conceitos de macho e fêmea, de masculinidade e feminilidade forneceram as fundações sobre as quais o mundo de significações sexuais foi construído no Brasil” (1991, p. 14-15). Percebemos, já num primeiro momento, que as discussões sobre a sexualidade baseadas em análises que privilegiam categorias binárias, no caso, masculino e feminino, apresentam certa instabilidade, mas que, a despeito disso, permanecem. Parker afirma que “[...] as interpretações de masculino e feminino da sociedade patriarcal ainda tem forças no pensamento contemporâneo brasileiro” (1991, p. 63), de modo que: [...] com base na percepção da diferença anatômica, é essa distinção entre atividade e passividade que estrutura mais claramente as noções brasileiras de masculinidade e feminilidade e que tem servido tradicionalmente como o princípio organizador para um mundo mais amplo de classificação sexual na vida brasileira atual (idem, p. 70, grifo nosso).

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Relacionando a citação acima e trazendo a discussão de volta a Santos (2006), percebemos a relação direta entre as oposições de ativo/passivo e masculino/feminino. Assim, mais elementos reforçam a suposição de que, ao invés de uma atualização das leituras sobre arte e sexualidade a partir das análises sobre a produção fotográfica de Alair Gomes – especialmente aqui as análises críticas de Alexandre Santos (2006) sobre a série Symphony of Erotic Icons -, a utilização de descrições binárias entre “atividade” e “passividade” pertencem, na verdade, há um

modelo de entendimento das relações sociais arraigados na sociedade brasileira vigente há bastante tempo, como aponta Parker (1991), mas ainda contemporâneo. Como apontado também (RUBIN, 1979) estas relações estão articuladas às formas de representação como o regime artístico. Reforçamos, assim, que o exame crítico das categorias e identidades sexuais articulados às análises de trabalhos artísticos configura-se como exercício de compreensão dos processos sociais, culturais e políticos evidentes em nossa atual sociedade. Esse esforço é também utilizado por Peter Fry (1981), quando problematiza as representações sexuais construídas em diferentes ambientes sociais brasileiros. O autor prioriza as representações que digam respeito à sexualidade, ou seja, “privilegiando a retórica” do assunto (FRY, 1981, p. 88). No caso de Santos (2006), essa retórica é formulada nas interpretações sobre a produção fotográfica de Gomes na oposição ativo/ passivo. Como aponta o autor, “[...] a máquina fotográfica era o phallus ativo que seduzia os modelos passivos” (2006, p. 297) e que, cumprido o ritual, “[...] o fotógrafo desterritorializa seu lugar ativo [...] para assumir o lugar passivo do adorador dos corpos impressos no signo” (idem, ibidem). É possível comparar o raciocínio de Santos (2006) acima apresentado ao modelo de “homens e bichas”, desenvolvido por Fry (1981, pp. 90-93), no qual o autor considera os papéis de “ativos” e “passivos” como assimétricos, classificando seus participantes a partir de uma hierarquia de gênero. Percebemos que para Santos (2006), a negociação entre Alair Gomes e os modelos para a série fotográfica Symphony of Erotic Icons se dariam nestes termos. Na tentativa de contrapor o modelo assimétrico descrito acima, Fry (1981) discuti o surgimento de uma nova maneira de considerar a representação sexual: a figura do “entendido”. Para o autor, essa nova forma de representação se produziu, no caso brasileiro, em um contexto sócio-político específico, a saber: as classes médias de centros urbanos como, no caso de Alair Gomes, o Rio de Janeiro, na passagem dos anos 1960 para a década seguinte, período que coincide com o desenvolvimento inicial da produção fotográfica de Alair Gomes. A identidade do indivíduo que compartilha dessa categoria “[...] é definido como um personagem que tem certa liberdade no que diz respeito ao seu papel de gênero e à sua “atividade” ou “passividade” (FRY, 1981, p. 93), não sendo, por isso, obrigado a ser considerado sob tais pressupostos analíticos. Esse modelo de classificação pode ainda ser descrito da seguinte forma: “[...] o modelo ‘igualitário-moderno’, que distinguia ‘homossexuais’ (‘entendidos’ ou ‘gays’) e ‘heterossexuais’ a partir de concepções de orientação do desejo sexual [...]” (SIMÕES, 2008, p. 537). 33 33 Carmen Dora Guimarães, no trabalho O homossexual visto por entendidos (2004) realiza uma etnografia que investiga rapazes que passaram do modelo de hierarquia de gênero para o modelo igualitário. Seu estudo analisa um perfil de homens que, a despeito da

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Retomando Santos (2006), acreditamos necessária uma atualização das análises sobre a produção fotográfica de Alair Gomes, não nos termos da assimetria de gênero, mas articular uma análise crítica sobre sua obra por meio de noções como as de Rubin (1984) e de Fry (1981). A autora discute as minorias sexuais não mais com base nos pressupostos de assimetria de gênero, e sim em uma tentativa de abordagens de outras questões, como a diferença de práticas sexuais e variedade sexual. Já Fry atenta-se para novas possibilidades de construção discursiva nas análises das representações das homossexualidades. Dessa forma, construímos também uma possibilidade interpretativa sobre as formas de representações artísticas e analíticas para as relações entre arte e sexualidade. Em resumo, concluímos que Alexandre Santos (2006) propõe uma discussão do trabalho fotográfico de Alair Gomes nos moldes de discussão atualizada de sexualidade e de homoerotismo, levando a cabo a sugestão de Chiarelli (1999), aprofundando o argumento de que a questão principal do trabalho de Gomes é a “[...] representação do desejo homoerótico como aspecto inteiramente dominado por motivações de ordem biográfica” (SANTOS, 2006, p. 3). Os resultados de tais investigações, contudo, permaneceram nos procedimentos analíticos advindos do sistema hierárquico de gênero – a oposição ativo/passivo – sistema cujas relações assimétricas pressupõem ainda uma sociedade formada na desigualdade de gênero e na dominação do poder masculino sobre outras formas de representação de identidades sociais e de práticas artísticas.

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diferença grande no que diz respeito à idade, estabelecem semelhanças significantes sobre o contexto social de produção fotográfica de Alair Gomes.

CONCLUSÃO Recapitulando as principais etapas de análise aqui apresentadas, acompanhamos como os pesquisadores e críticos dispuseram a produção fotográfica de Alair Gomes, desde meados da década de 1980 até o final dos anos 2000. No começo, verificamos que os textos críticos privilegiaram nos trabalhos do fotógrafo elementos que problematizassem os valores estritamente documentais da fotografia, a partir da tomada sequencial de fotografias (PONTUAL, 1984), na consideração dos aspectos compositivos gráficos da imagem impressa (AYALA, 1984) e dos aspectos de organização narrativa do conjunto, assemelhando-o ao modelo de montagem cinematográfica (MORAIS, 1984). Depois, passamos às considerações de trabalhos que sugeriam uma discussão das séries de Gomes a partir de uma análise sobre o “voyeurismo de cunho homoerótico” (CHIARELLI, 1999). Verificamos também como o modo de veiculação do trabalho fotográfico possibilita alterações nas maneiras de interpretação das imagens (CHIARELLI, 2002), bem como as análises que tratem de trabalhos de arte que se aproximem de questões da sexualidade devam ser construídas por argumentos que articulados dos dois campos, da arte e da sexualidade (CHIARELLI, 2005). Apresentamos, brevemente, como parte da produção crítica relaciona os trabalhos do fotógrafo a uma estética apolínea, grega (GAZETA DO POVO, 1996), ou ainda recordando o período histórico da ditadura militar brasileira, época na qual Alair Gomes realizou grande parte de seus trabalhos (FOLHA DE LONDRINA, 1996). O enfoque que partia do pressuposto homoerótico da produção fotográfica de Alair Gomes foi alterando-se paulatinamente, com a intervenção e contribuição de vários críticos. Em um caso essa mudança se deu na análise dos trabalhos do fotógrafo pela articulação de uma linguagem do desejo homoerótico, independente dos conteúdos formais (VIEIRA, 2003; 2005). Em outro caso, vemos a tentativa de relacionar a produção fotográfica de Gomes para a revisão do discurso visual pelo foco de uma ars erótica ou homoarte (GARCIA, 2002; 2004). Verificamos também como este discurso ligou-se à difusão internacional sobre o fotógrafo (FONDATION CARTIER POUR L’ART CONTEMPORAIN, 2001). Percebemos também como textos críticos que coloquem o desejo homoerótico como questão primordial da fotografia de Gomes, relacionando-a as motivações de ordem biográfica do fotógrafo, ao voyeurismo e ao fetichismo fotográfico (SANTOS, 2006) evidenciam em suas análises modos de organização das identidades sociais assimétricas, que fundamentam as representações sexuais em categorias binárias e opostas, como as noções de atividade/passividade. No que diz respeito à utilização da Análise Crítica do Discurso,

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verificamos que seu aporte teórico e metodológico foi de grande importância para as análises realizadas, principalmente nas relações propostas junto ao discurso da crítica de arte. Enfatizamos o conceito de prática discursiva, que comporta os processos de produção, distribuição e consumo de textos (FAIRCLOUGH, 2001a), incluem ainda as práticas semióticas como as da fotografia (FAIRCLOUGH, 2001b). Estas podem ser articuladas às noções de interdiscursividade e intertextualidade - à heterogeneidade dos discursos encontrados nos textos, como também as conexões que textos do passado fazem com o presente (FAIRCLOUGH, 2001b). Este aporte têm significativa similaridade com a nova configuração da crítica de arte (OSBORNE, 2010), como a heterogeneidade do corpus da crítica de arte em diversos suportes (BASBAUM, 2001), muitas vezes vinculadas à demandas de instituições contemporâneas da arte (SALZSTEIN, 2003), mas ainda como espaço de discussão da produção artística (COCCHIARALE, 2006). O estudo de textos e eventos em diversas práticas sociais descreve, interpreta e posiciona a linguagem dentro de um contexto sócio histórico (MAGALHÃES, 2005), reforçamos as transformações da linguagem como mudanças socioculturais, bem como no estabelecimento de representações de identidades sociais historicamente discriminadas (MELO, 2010). Enfatizam também as funções externas do sistema autônomo da língua, na análise de seus usos na representação de relações sociais (RAMALHO; RESENDE, 2006). Com relação às contribuições de Foucault (2006), chamamos a atenção para o que o autor denominou “dispositivo da sexualidade” ou “sexualidades periféricas”, ou seja, um aumento e aprofundamento das questões ligadas a sexualidade e cuja dispersão configurou uma quantidade bastante significativa de espaços de conhecimento, colocando as sexualidades em discussão. Utilizamos também o conceito de sistema sexo/ gênero (RUBIN, 1979), entendido como arranjos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, dentre eles, as formas e os regimes de representação artística. Com isso, a autora demonstra a possibilidade de desenvolvimento de estudos sobre a sexualidade que ultrapassem a hierarquia dos corpos (RUBIN, 1984). Consciente de discutirmos a recepção dos trabalhos fotográficos de Alair Gomes ao sistema da arte de maior visibilidade, cotejando-os com a necessidade e demanda de produções com as questões tratadas pelo fotógrafo - o que não necessariamente converge para o exercício de liberação das condições de estigmas da sexualidade – concluímos este trabalho, realizado como uma tentativa possível de relações estabelecidas entre arte e sexualidade, ou seja, na compreensão de trabalhos artísticos que se articulam ao exame crítico de categorias e identidades sociais da sexualidade, configurando processos culturais e políticos em nossa sociedade.

ANEXO - Cronologia atualizada das exposições.

1975 - publicação dos trabalhos na revista norte-americana Artists Almanac, em Nova York. O livro foi dividido em duas edições do projeto. Em cada uma, os artistas partiam de um tema gráfico proposto pelo organizador da edição, o artista alemão Uli Boege. Todos os artistas recebiam uma página para a publicação de seu trabalho, incorporando em cada trabalho o motivo geral do livro. 1976 - Galeria Walker Street, Nova York. No arquivo Alair Gomes (FBN – RJ) consta um informativo no qual o nome de Alair Gomes aparece entre os participantes de uma exposição coletiva entre 23 de março a 10 de abril de 1976. Os outros artistas são Helen Block (fotografia), Lyle Light (escultura) e William Haendel (relevos). 1977 - The Art Fair, Bologna, Itália. No arquivo Alair Gomes (FBN – RJ) consta um texto escrito por Alair Gomes (“A Brief Statement”, Rio de Janeiro, 1977), no qual o fotógrafo discorre sobre sua participação nesta feira de arte. Segundo Gomes, foi apresentada na feira as séries The Course of the Sun, A Window in Rio e Sonatinas, Four Feet. O fotógrafo afirma que sua participação na feira foi encorajada por um “Sr. Zanetti, da Informall Gallery”. Na entrevista de Gomes com o diplomata e colecionador Joaquim Paiva, em 1983, este diz ter visitado o apartamento do fotógrafo a fim de ver Symphony os Erotic Icons, a pedido de seu “amigo mútuo” Clóvis Zanetti. Não foram encontradas até o momento mais informações sobre o Sr. Zanetti ou sua galeria, possivelmente a galeria que representou Gomes na Itália. 1977 - Exposição em Toronto. Não foram encontradas informações exatas de período e local. Pode-se especular a realização desta exposição pelos seguintes indícios: consta, na biografia do catálogo da Fundação Cartier (2001), a cidade de Toronto como o local onde Gomes mostrou seu trabalho. Em uma cronologia feita pelo próprio fotógrafo, está registrado que a série “The Course of the Sun” pertence a uma coleção particular na cidade de Toronto; e durante essa pesquisa foi encontrados materiais impressos sobre Alair Gomes no Canadian Lesbian na Gay Archives, sediado em Toronto. Disponível em , último acesso em 2 de Fevereiro de 2012. 97

1978 - Fotos do Carnaval de Rio, no Salão do Carnaval de Belo Horizonte. 1979 - publicação na revista Gay Sunshine – Journal of Gay Liberation. Special Issue: Brasil, n. 38/39, São Francisco: Winter 1979. Foram publicadas 14 imagens do carnaval de rua do Rio de Janeiro, principalmente de blocos de rua, como o Cacique de Ramos. Várias das imagens publicadas foram encontradas no arquivo da FBN-RJ, juntamente com o texto publicado na edição da revista, de autoria do próprio fotógrafo. 1980 - Exposição individual As artes no Shopping – Shopping Cassino Atlântico, RJ. Foram apresentadas as séries A Window in Rio e talvez tenha apresentado The Course of the Sun. Do projeto As artes no Shopping participaram também Abraham Palatnik, Amilcar de Castro, Antonio Dias, Anna Letycia, Claudio Tozzi, Franz Krajcberg, Ione Saldanha e Rubens Gerchman. 1980 - Escola de Artes Visuais Parque Lage. 1983 - publicação de nus masculinos na revista gay The Advocate: the national gay newsmagazine, n. 371. São Francisco/ Los Angeles. Segundo entrevista de Alair Gomes e Joaquim Paiva, estas imagens não pertencem a Symphony of Erotic Icons. O artista publicou três trabalhos: um “Beach Triptych” e duas partes da série “Serial Composition” (opus 21, n. 2 e outra opus 22, n. 1), juntamente com um pequeno texto descritivo sobre Gomes. 1984 - Fotos para Performance nº 1, no New York Festival Public Theater. 1984 - Exposição I Quadrienal de Fotografia do Museu de Arte Moderna – SP. Curadoria de Paulo Klein. Alair Gomes apresentou cinco Tripticos de Praia (n. 05, 21, 25, 26 e 27). No catálogo da Quadrienal consta uma imagem do Triptico n.21. No catálogo na exposição da Fundação Cartier, 2001, aparece o Triptico n. 26 (pp. 96-97). O fotógrafo doou o Triptico n. 25 (1985) para o museu. Nas próximas exposições ou catálogos referentes à coleção do MAM-SP, a obra exibida é esse Triptico. 1984 - Exposição coletiva Corpo&Alma: Fotografia contemporânea no Brasil. Curadoria de Roberto Pontual. Produção do Instituto Nacional de Fotografia da FUNARTE – RJ. Espaço Latino-Americano, Paris, FR, novembro de 1984, durante o Mês da Foto.

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1984 - Exposição Alair Gomes: fotografia sequencial. Galeria de Arte do Centro Cultural Cândido Mendes, Rio de Janeiro. Na entrevista já citada, Gomes diz irá apresentar Sonatinas, four feet e por volta de 10 Beach

Triptychs. (Esta exposição é classificada também com o título de Trípticos de Praia; Frisos e Sonatinas a 4 Pés). 1986 - Exposição O Rio e o Mar. Centro Cultural Laura Alvim, Rio de Janeiro. 1986 - Corpostal – Lançamento da coleção de postais sensuais. Curadoria de Paulo Klein. Livraria Dazibao, Rio de Janeiro. Além de Alair Gomes, participaram Sérgio Duarte e Antonio Guerreiro. 1987 - Arte em Papel, Galeria de Arte 20, Rio de Janeiro. 1987 - Ipanema Exposta. Centro Cultural Cândido Mendes, Rio de Janeiro. 1988 - Exposição Últimas Doações: de 1982 a 1988. MAM-SP. PÓSTUMAS 1993 - Exposição coletiva Arte Erótica. MAM - Rio de Janeiro. Julho/1993. Curadoria de Reynaldo Roels Jr. No catálogo da exposição consta uma foto de Alair Gomes diferente de grande parte de sua produção conhecida e discutida. A imagem é de um preservativo com esperma rotacionado em seu próprio eixo e lembra muito um fotograma. 1994 - Exposição coletiva Contemporary Brazilian Photography: a selection of photographs from the collection of Joaquim Paiva. Center for the Arts Yerba Buena, São Francisco – CA/EUA. 86 1995 - Exposição coletiva Fotografia Brasileira Contemporânea, no CCBB – coleção Joaquim Paiva. 1995 - Libertinos/Libertários: Conferências, Ciclo de cinema e video e Exposição de Artes Visuais, com curadoria de Paulo Herkenhoff. De maio a julho de 1995. Núcleo de Estudos e Pesquisa da FUNARTE. No catálogo, dedicado principalmente para as conferências, não apresenta a lista de obras dos artistas participantes. 1995 - Exposição Alair Gomes (in memoriam), com curadoria de Maurício Bentes – Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro, em Agosto de 1995. Bentes afirma que mostrou algumas fotografias de uma série paralela à Symphony of erotic Icons, nas quais Gomes havia fotografado pênis ejaculados ou closes de abdômens com esperma. Este aspecto da produção de

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Gomes é comentado por Alexandre Santos em sua tese (2006, p. 318-320). 1995 - Galeria de Arte Universidade Federal Fluminense – Curadoria de Maurício Bentes. 1996 - I Bienal Internacional de Fotografia de Curitiba. A exposição Sonatinas e Trípticos de Praia – Coleção Joaquim Paiva foi uma Sala Especial dedicada à Alair Gomes, composta de 35 trabalhos (9 Beach Triptychs e 26 Sonatinas, four feet). No catálogo oficial da exposição, a exposição teria acontecido entre os dias 18 de Agosto a 29 de Setembro de 1996, no Solar do Barão (atual acervo do Museu de Fotografia de Curitiba).

2003 - Rio de Janeiro RJ - Corpus, no MAM/RJ - Espaço Gilberto Chateaubriand – Fernando Cocchiarale.

1997 - As representações do corpo. MAM-SP.

2003 - Exposição Metacorpos. Curadoria de Vitoria Daniela Bousso. São Paulo: Paço das Artes, de 03 de novembro a 14 de dezembro de 2003. Exibição das “Sonatinas, four feet n. 41”; fragmentos n. 7 e n. 8 do Opus 3; 4 imagens de “A Window in Rio”; 6 imagens de “Surf-Série Esporte”; 8 fotografias da série Beach; 4 imagens da série Symphony of Erotic Icons; 3 imagens da série Sono e uma fotografia Sem titulo n. 65. As imagens foram emprestadas da Coleção Gilberto Chateaubriand e Coleção Fundação Biblioteca Nacional-RJ.

1999 - Exposição Alair Gomes, fotógrafo. Curadoria de Ivo Mesquita. Imagens da Coleção Gilberto Chateaubriand. Museu de Imagem e Som – SP. De 17 de Novembro de 1999 a 09 de Janeiro de 2000. 1999 - Exposição coletiva Fotógrafos e Fotoartistas na Coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo: fotografia contemporânea brasileira. Espaço Porto Seguro de Fotografia. São Paulo. 2000 - São Paulo SP - Ars Erótica: sexo e erotismo na arte brasileira, no MAM/SP. 2001 - Paris (França) - Alair Gomes, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain. 2002 - Exposição ArteFoto. Curadoria de Ligia Canongia. Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, de 16 de dezembro de 2002 a 28 de fevereiro de 2003. No catálogo, consta o Tríptico de Praia n. 10 e a série “A Window in Rio”. 2002 - São Paulo SP - 11ª Coleção Pirelli/ Masp de Fotografias, no Museu de Arte de São Paulo. 2002 - São Paulo SP - Fotografias no Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, no MAM/SP. 2002 - São Paulo SP - Visões e Alumbramentos: fotografia contemporânea brasileira da coleção Joaquim Paiva, na Oca, organizada pela Brasil Connects. No catálogo estão expostos a Sonatina, Four Feet n. 46, 1977 e Beach Triptych n. 26, c. 1980. 100

2003 - Artefoto, Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro. Exposição realizada entre 16 de dezembro de 2002 a 28 de fevereiro de 2003. No catálogo aparecem o Beach Triptych n. 10 (c. 1977) e algumas imagens de A Window in Rio.

2003 - Rio de Janeiro RJ - Vinte e Cinco Anos: Galeria de Arte Cândido Mendes, na Galeria Candido Mendes. Exposição de 02 a 20 de setembro. Curadoria de Maria de Lourdes Mendes de Almeida e Paulo Sérgio Duarte.

2005 - Exposição O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira. Instituto Itaú Cultural, São Paulo, de 29 de Março a 29 de Maio de 2005. Foram apresentados os Fragmentos n. 1 e n. 2, dois tripticos pertencentes ao Opus 3 – Symphony of Erotic Icons (1966-1991). 2005 - Exposição coletiva Erótica: os sentidos na arte. Curadoria de Tadeu Chiarelli. Centro Cultural Banco do Brasil (São Paulo: out. 2005/ jan. 2006; Rio de Janeiro: fev.-abr. 2006; Brasília: maio-jul. 2006). Foram apresentadas o Triptico de Praia n. 25 (aquele pertencente ao MAM-SP) e a “Sonatina, four feet n. 46”, de 1977, coleção Joaquim Paiva. 2005 - Exposição coletiva Imagem Sitiada. Curadoria de Armando Mattos. SESC Rio de Janeiro (a exposição passou por Petrópoles – junho a julho -, Campos – julho a agosto). A exposição apresentou a “Sonatina, four feet, n. 22”, da década de 1970. 2008 - Exposição individual Alair Gomes – um voyeur natural. Coleção Joaquim Paiva. Curadoria de Alexandre Santos. Porto Alegre: Usina do Gasômetro, de 29 de maio a 13 de julho. 2009 - Exposição A New Sentimental Journey. Curadoria de Miguel Rio Branco. Maison Européene de la Photographie (MEP) – Paris/FR. De julho a agosto. A New Sentimental Journey é um diário escrito por Alair Gomes

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em 1983. Este trabalho intercala escritos de teor filosófico e mais de setecentas imagens que o fotógrafo fez em uma viagem, no mesmo ano, para Inglaterra, França, Suiça e Itália.

Referências Bibliográficas1

2009 - Exposição A New Sentimental Journey. Curadoria de Miguel Rio Branco. Rio de Janeiro: Paço Imperial. De 14 de outubro a 30 de novembro.

Bibliografia utilizada de/sobre Alair Gomes

2010 – Exposição coletiva Genealogias do Contemporâneo – Coleção Gilberto Chateaubriand. MAM-RJ. Curadoria de Luiz Camilo Osório. Alair Gomes é apresentado em três dos quatro segmentos da exposição: Brasil – Visões e Vertigens; Cidade Partida – Conflitos e Afetos e Corpos Híbridos – Identidades em trânsito.

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2010 - Exposição A New Sentimental Journey. Curadoria de Miguel Rio Branco Galeria Bergamin/SP. De 15 de março a 10 de abril. 2010 - Exposição coletiva Exposed: Voyeurism, Surveillance and the Camera Since 1870. Curadoria de Lisa Sudcliffe. Londres: Tate Modern, de 28 de maio a 03 de outubro de 2010; São Francisco Museum of Modern Art, de 30 de outubro de 2010 a 17 de abril de 2011. Provavelmente foi exposto um Beach Triptych.

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2012 - Exposição Percursos e afetos: Fotografias 1928/2011. Curadoria de Diógenes Moura. Pinacoteca do Estado de São Paulo, de 08 de outubro de 2011 a 18 de março de 2012.

DOCUMENTAÇÃO I BIENAL INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA CIDADE DE CURITIBA VOLUME 1/3 – Museu da Fotografia de Curitiba – Fundação Cultural de Curitiba. Consulta em 30/04/2013.

2012 - 30º Bienal Internacional de Arte de São Paulo: A iminência das poéticas; Curadoria: Luis Perez-Oramas. São Paulo, de 07 de Setembro a 09 de Dezembro de 2012.

DOCUMENTAÇÃO JOAQUIM PAIVA – Museu da Fotografia de Curitiba – Fundação Cultural de Curitiba. Consulta em 30/04/2013.

2013 - Exposição coletiva 30x Bienal - Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição, na Fundação Bienal de São Paulo. Curadoria de Paulo Venâncio Filho. De 21 de Setembro a 08 de Dezembro de 2013. 2013 - Exposição coletiva Correspondências, na Galeria Bergamin, São Paulo. De 09 de Agosto a 28 de Setembro de 2013. Curadoria de Felipe Scovino.

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1 Organizamos as referências de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT-NBR 6023), segundo o sistema autor-data.

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