ALBERTI, A., ESTRANHO FANTÁSTICO Diálogos entre literatura fantástica e psicanálise.pdf

June 1, 2017 | Autor: Adrianna Alberti | Categoria: Jacques Lacan, Sigmund Freud, Tzvetan Todorov, Psicanálise, Literatura Fantástica, Remo Ceserani
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE BACHAREL EM PSICOLOGIA

ADRIANNA ALBERTI

ESTRANHO FANTÁSTICO: Diálogos entre literatura fantástica e psicanálise.

Campo Grande, MS 2013

2 ADRIANNA ALBERTI

ESTRANHO FANTÁSTICO: Diálogos entre literatura fantástica e psicanálise.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Bacharel em Psicologia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, como requisito final para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientadora: Caramalac.

Campo Grande, MS 2013

Profa.

Dra.

Rosilene

3 ADRIANNA ALBERTI

ESTRANHO FANTÁSTICO: Diálogos entre literatura fantástica e psicanálise.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Bacharel em Psicologia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, como requisito final para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________ Profa. Dra. Rosilene Caramalac Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

____________________________________ Prof. Dr. Edgar Cézar Nolasco Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

______________________________________ Psicanalista Ms. Regina Cheli Prati

Aprovado em: __/__/__

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Dedico este trabalho a todos os escritores de Literatura Fantástica no Brasil, pelo trabalho árduo, o difícil reconhecimento e maravilhosos mundos que criam.

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AGRADECIMENTOS

Há tantas pessoas a agradecer quanto páginas nesse trabalho. Torna-se difícil ser justa ou objetiva, com simplicidade, sem parecer piegas, então agradeço inicialmente à Prof. Dra. Rosilene Caramalac, orientadora paciente e direta, que acreditou no tema, e transformou um trabalho em um sonho para seguir adiante. Muito obrigada aos meus avós Aurora, Santina, Ida e Ulisses - espero que estejam onde estiverem, que sintam-se orgulhosos do que faço; à Dona Mafalda, que recentemente me ensinou o verdadeiro significado de força. A senhora é um exemplo para minha vida; aos meus pais e ao meu irmão que, não apenas no período de graduação, mas por toda a minha vida tem me apoiado, fazendo comigo das

tripas

coração

quando

necessário,

comemorando

minhas

vitórias,

e

principalmente, aturando meu gênio difícil, minhas manias insuportáveis e ainda assim me amando e permitindo que eu os ame dessa minha maneira esquisita. Cabe um agradecimento à Maria Alice e ao Henrique, com os quais aprendi mais do que eu imaginei ser possível, desde sensibilidade artística até o significado de amor. Obrigada especialmente ao Henrique, que mais do que ninguém me aturou, apoiou e incentivou. Foi dessa maneira que a literatura fantástica passou a ser presente não apenas como objeto de estudo, mas como inspiração e criação literária na minha vida. Um agradecimento especial aos meus amigos, aquele tipo de relação que, às vezes, está mais presente que a própria família. Talvez eu não tenha outra oportunidade de agradecê-los como se deve pelo tempo, pelo carinho e pelas coisas que vivemos juntos. Então, faço desse um espaço especial para que possam tomar conhecimento do quão importante vocês são. Àqueles que estão presentes há algum tempo na minha vida, muito obrigada! Com vocês cresci, aprendi, errei, cometi pequenas loucuras, errei novamente, mas, principalmente, foi com vocês que formei meu caráter, e aprendi muitos dos valores que, creio, sejam o melhor do que há mim. Amanda e Gabriela, obrigada pela amizade fraternal. Elisa e Aline, obrigada por suas presenças, mesmo que virtuais. Carol, a irmã mais velha que eu não tive, obrigada por ser sempre aquela que me traz realidade depois de “sair do corpo”,

6 meu superego. Samyr, você foi, é e sempre será um exemplo do que é ser amigo, anjo da guarda e irmão. Obrigada por estar presente na minha vida! Sinto sua falta a cada vitória, mais ainda, sobretudo, a cada tropeço. Lana e Mila, quando vocês apareceram na minha vida, eu só queria manter o silêncio, porém, vocês me ensinaram o valor do barulho, da brincadeira, da leveza que a vida precisa ter para enfrentarmos as dificuldades. E aos queridos Rawlison, Wellyngton, Marcio, e tantos outros, obrigada! Aprendi muito com a simplicidade de seus caráteres. Aprendi que sou eu também alguém estranha, e que isso é bom. Obrigada à Tânia, que me ensinou a gostar mais de Campo Grande, de Mato Grosso do Sul e de literatura fantástica. Obrigada pelo incentivo literário, pelas discussões animadas, e, principalmente, por ser essa pessoa delicada, sensível e poética. Você é um grande exemplo. Agradeço ao Daniel pelas conversas de madrugada e incentivos literários e emocionais sem fim. Obrigada também ao redescoberto amigo Leopoldo - a psicanálise agora ganhou novas cores. Ainda, obrigada às maravilhosas pessoas que conheci durante a graduação. Sem suas presenças esse período jamais teria sido tão proveitoso, tão conflitante e tão descobridor. À pequena gritante Ludmila: o que seria dos meus dias tediosos se não fosse sua naturalidade, autenticidade e principalmente sua sinceridade!? À tranquila, racional e querida aquariana Raphaela: li em algum lugar sobre irmãos de letras, aqueles que dividem as histórias, as linhas e entrelinhas, as leituras e principalmente os livros. Ao sempre paciente Elie, por explicar e educar de forma carinhosa e dedicada, mesmo quando reacionariamente eu insistia em questionar. Aprende-se mais com pequenas conversas do que com grandes discursos. Obrigada também aos futuros analistas do comportamento que me ensinaram, entre outras coisas, não apenas essa teoria tão complicada para mim, mas principalmente que não há divisões na psicologia, a não ser aquelas que as pessoas insistem em colocar: Samuel, Ana Alice, Ricardo, Guilherme, Luis Gustavo e André.

A todos, muito obrigada!

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“Eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor.”

Manoel de Barros

8 RESUMO

Em fértil e recorrente diálogo, a literatura encontra na psicanálise considerações relevantes, uma fonte expressiva de contribuições para a análise literária. Busca-se nesse trabalho de conclusão de curso realizar o diálogo entre a literatura fantástica, tida campo literário que abarca o sobrenatural, o maravilhoso e o estranho, e a psicanálise. Para tanto parte-se do artigo “O ‘Estranho’” de Freud de 1919, que neste belo texto traz a ideia de estranho, como aquele conteúdo que deveria ter permanecido oculto, porém, veio à tona. Do estranho freudiano, como retorno do recalcado, buscou-se em Jacques Lacan aproximar a literatura fantástica do inconsciente, tido pelo autor como estruturado pela linguagem. De Ana Maria Portugal compreende-se o objetivo deste trabalho: que não se deve fazer da literatura, incluindo a fantástica, psicanálise, e nem da psicanálise se deve fazer literatura. Assim os estranhos, de Freud e de Lacan, fazem aduanas entre esses campos, mantendo-os em conjunção e disjunção.

Palavras-chave: Psicanálise; Literatura Fantástica; Literatura; Freud; Lacan.

9 ABSTRACT

In a fertile and recurring dialogue, literature can discover in psychoanalysis relevant considerations, a source of significant contributions to literary analysis. The aim of this work is to nurture a dialogue between fantasy literature, considered the literary field that embraces the supernatural, the marvelous and the strange, and psychoanalysis. In the pursuit of this aim, the theoretical basis is Freud´s article “The Uncanny” (1919), where the idea of uncanny is conceived as content that should have been kept hidden but came to light. From the Freudian Uncanny, it has been reaserched in Jacques Lacan’s works a fantastic literature of the unconscious, taken by the author as structured by language. Ana Maria Portugal understands the purpose of this study: it should not be done of literature a psychoanalysis, including the fantastic literature, neither should be done of psychoanalysis a literature. So the uncanny, of both Freud and Lacan, is the coast between these fields, keeping them in conjunction and disjunction.

Keywords: Psychoanalysis; Fantastic Literature; Literature; Freud; Lacan.

10 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11 1. LITERATURA FANTÁSTICA....................................................................... 16 1.1 A Questão do Gênero............................................................................... 19 1.1.1 O Gênero Fantástico ...................................................................... 21 1.2 Procedimentos Formais e Temas do Fantástico ...................................... 24 1.2.1 Procedimentos Formais.................................................................. 25 1.2.2 Temas do Fantástico ...................................................................... 27 1.3. A Literatura Fantástica no Brasil ............................................................ 30 1.4. A Definição de Fantástico....................................................................... 34 2. O ESTRANHO ............................................................................................ 39 2.1 der Sandmann ......................................................................................... 42 2.1.1 Contribuições das Análises de O Homem de Areia ........................ 45 2.2 Outros Fatores que Levam ao Estranho.................................................. 48 2.3 O Estranho Ficcional ............................................................................... 53 3. PARA ALÉM DO ESTRANHO FREUDIANO .............................................. 58 3.1 Os Registros Lacanianos .............................................................................. 60 3.2 A Letra e a Palavra ....................................................................................... 61 3.3 Algo Novo no Dizer ....................................................................................... 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 68 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 71

11 INTRODUÇÃO

“Em que medida o inconsciente como o estranho pode esclarecer algo do trabalho poético.” A. M. Portugal1

Há estabelecido um diálogo fértil entre a literatura e a psicologia por já longo período, seja pela presença da psicologia em obras literárias, como “A Vida Secreta de Laszlo, Conde Drácula” (Roderick Anscombe,1957), onde o personagem principal não apenas é assistente de Charcot, na França de 1866, como também como também mergulha nos estudos da mente humana, descobrindo desejos e impulsos desconhecidos, dando vazão a sua ânsia de alimentar-se do sangue de suas vítimas; seja a psicologia em reflexão sobre a literatura. Algumas dessas reflexões são destacadas por Leite (1976), que, porém, minimiza a relevância da literatura, ora considerando-a uma superestrutura dependente da infraestrutura econômica, ora entendendo-a como processo de percepção com leis já conhecidas, ou seja, reduzindo-a

a uma forma de

sublimação.

Apartando-se dessa

tendência

reducionista, a psicologia pode apresentar à literatura uma perspectiva singular para a análise literária, alçando a psicanálise. A psicanálise tem se ocupado desde sua concepção da compreensão dos processos psíquicos do ser humano. Seu arcabouço teórico versa sobre a investigação da relação entre os processos psíquicos e os diversos eventos da vida ativa e produtiva do sujeito, o que inclui as manifestações artísticas, como a pintura, escultura, a música e a literatura, sendo a última o objeto deste trabalho. Desde o início da psicanálise a arte tem sido explorada. Freud utilizou a literatura e outras modalidades de manifestações artísticas não somente para exemplificar os conceitos o que desenvolvia, mas também como também para aplicar sua teoria. Dentre os diversos diálogos realizados por Freud, pode-se citar a

1

PORTUGAL, A. M.; O Vidro da Palavra. Belo Horizonte: Autêntica. 2006.

12 utilização da narrativa de Édipo Rei, de Sófocles, para compor a pedra angular de sua teoria: O Complexo de Édipo. Analisou “Gradiva” (Wilhelm Jensen, 1903) para ao discorrer sobre sonhos, assim como o trabalho do escritor. Em outros trabalhos, o pai da psicanálise discute não as manifestações artísticas mas seus autores, como em "Dostoiévski e o Parricídio" (1927) cujo trabalho remete a uma análise do indivíduo através de sua biografia e suas obras, o mesmo que fez com a obra "A Lembrança Infantil de Leonardo da Vinci" (1910). Observa-se assim que a literatura tem sido comumente utilizada para exemplificar os conceitos e discussões elaboradas pela psicanálise já há um tempo considerável. Otte, no prefácio de "O Vidro da Palavra" (PORTUGAL, 2006), articula a literatura e a motivação investigativa de Freud: "a literatura é a representação exacerbada da experiência humana [...] ambos rejeitam a lógica linear do cientistadetetive para dar lugar [...] [à] lógica do imaginário" (p. 14), crença que levou Otte a posteriormente afirmar que é justamente tal razão que a literura é relevante à psicanálise, posto que, tal qual a literatura, a psicanálise não combate e expulsa os corpos estranhos em nome da saúde, como faz a medicina, mas, ao contrário, corteja o estranho, justamente por este ser o que aponta para uma verdade encoberta. Em "O Estranho'" (Freud, 1919) utiliza-se um conto literário, "O Homem de Areia" (1815) de E.T.A. Hoffman (1776-1822), para discutir o estranho, trabalhando o sentimento de estranheza que algumas situações causam, e como estas remetem, ainda que de forma assustadora, à uma sensação de familiaridade. Com essa obra, refletiu-se que o estranho pode conter mais do sujeito do que o explícito, o que concebe o propósito de analisar não um conto determinado, mas contribuir com a compreensão de um gênero literário específico: a literatura fantástica. Assim, divide-se este trabalho em três capítulos: o primeiro aborda a literatura fantástica, com base nos trabalhos de Tzvetan Todorov (2008) e Remo Ceserani (2006). Considera-se aqui a literatura como manifestação artística e cultural de um indivíduo, um conjunto de conhecimentos e habilidades, que possibilita a representação das coisas, dos seres, dos sentimentos, vinculados à realidade. Amorim (2001) irá complementar esta ideia ao dizer que a literatura é estabelecedora de uma nova ordem para as coisas que ela representa, embora esses novos universos estejam sempre calcados, inspirados e conectados à realidade.

13 De acordo com Amorim (2001), Candido (1972) destaca uma importante função desta área – a representação do real, que transpõe o real para o ilusório por meio de estilização da linguagem, uma ligação de um elemento real a um de manipulação técnica. Por sua atuação junto ao homem, ela apresenta outras três faces interessantes à Psicologia: a necessidade de fantasiar do ser humano; a formadora, como instrumento de educação, formação e humanização do indivíduo; e a função social, que permite ao homem reconhecer sua realidade, podendo até mesmo causar alienação. Todorov (2008) resgata o estudo do fantástico na literatura, elaborando as principais características do que compõe o que chama de gênero fantástico. Para ele, uma obra em tal categoria deve habitar entre o real e sobrenatural, mantendo o leitor em dúvida, hesitante quanto a origem dos acontecimentos. Para tanto o autor dispõe de alguns procedimentos formais que irão garantir tal efeito. É necessário, também, distinguir o fantástico de outros gêneros da literatura, como o estranho e o maravilhoso, definindo os temas específicos do fantástico. Aborda-se então Ceserani (2006), que dialoga com os apontamentos de Todorov, razão para o primeiro capítulo contar com uma breve descrição histórica da literatura fantástica e sua formação. Nesse trabalho toma-se a literatura fantástica em articulação com outros gêneros, não sendo feitas restrições ou juízos de valor sobre os últimos. Entende-se que a literatura fantástica possui, entre seus elementos, conteúdos especificamente ambientais, tais como o contexto histórico ou social em que se estabelece, sendo, por tanto, uma representação da realidade, porém explorando o sobrenatural e o inexplicável, incluindo, no caso da literatura fantástica brasileira, elementos oriundos folclóricos. Há ainda a presença de elementos de cunho psicológico do leitor, como o medo, o terror e o estranhamento. Dessa forma, a hesitação fantástica se estende não apenas à narrativa, mas ao leitor. Não há intenção de limitar o fantástico às obras clássicas mais próximas ao romanesco, sendo esse tomado como tendência que abrange aparentemente outros campos, como ficção-científica, terror, horror, gótico, fantasy, maravilhoso, etc, visto que utilizaremos contos e histórias fantásticas para exemplificar o texto. No capítulo seguinte, busca-se desenvolver o conceito de estranho. Elaborase este capítulo inicialmente com a análise linguística realizada por Freud (1919/2006), e complementada por Portugal (2006), sobre unheimlich alemão e o

14 “estranho” português, onde o estranho é considerado como uma sensação pessoal em vista de um determinado conteúdo com o qual o sujeito entra em contato. Tal sensação, à princípio, desperta sentimentos diferentes, variando desde a repulsa, até o medo e o terror, este se caracteriza justamente por despertar também algo de familiar e íntimo, e, ao mesmo tempo, estranho, próximo ao assustador e angustiante. A partir de “O Homem de Areia” de Hoffmann (1915/2010), Freud concatena importantes considerações a cerca dos processos psíquicos envolvidos no despertar de um sentimento estranho. Freud (1919/2006) destacará que em geral tal sentimento é associado a temas que evocam conteúdos recalcados pelo sujeito que, a partir do contato, vem à tona. São conteúdos ligados à concepção animista do universo, à onipotência do pensamento - estes intrinsicamente conectados à fase narcísica da sociedade - que em maior ou menor grau foram superados, mas que ainda guardam vestígios no aparelho psíquico do sujeito, além daqueles conteúdos que evocam complexos infantis, como o complexo de castração, que, após desenvolver-se, torna-se para do indivíduo, retornando. Para a discussão entre a literatura fantástica e a psicanálise, deve-se considerar a estranheza causada pela dúvida. Todorov (2008) irá apontar que, durante a leitura, o leitor é apresentado a uma história que a princípio não questiona nenhuma lei da natureza conhecida, porém, são acontecimentos estranhos que causarão dúvidas e, consequentemente, questionamentos sobre a possibilidade de tal acontecimento existir, ou seja, há um diálogo entre o real e a fantasia. A partir dessa articulação, busca-se se aproximar do campo do inconsciente com o intuito de vincular as impressões à ideia de que não apenas a produção literária, mas o sujeito e o inconsciente possuem elementos do estranho, e que, de certa forma, isso contém um gozo para o sujeito. Freud diz que "[...] uma obra literária procede de uma libertação de tensões em nossas mentes [...] O escritor nos oferece de, dali em diante, nos deleitarmos com nossos próprios devaneios, sem autoacusações ou vergonha." (1908 [1907]/2006, p. 143). Por fim, partindo da afirmação que no inconsciente não há diferenciação entre realidade, reflexão e ficção, há sempre elementos do psíquico que permanecem ocultos. Trabalha-se então, no terceiro capítulo, a concepção de inconsciente para Lacan (1998), onde esse é tomado como estruturado como linguagem, como uma cadeia de significantes (palavras, fonemas, letras) e regras precisas sobre as quais

15 o eu não possui controle (FINK, 1998). Segundo Miller (1999), Lacan realizou uma releitura da psicanálise, especificamente de Freud, e com seu ensino propôs um desvio do clássico, uma nova visão e um novo dizer sobre a psicanálise, e estendese aqui a tentativa de um novo sentido à literatura fantástica.

16 1. LITERATURA FANTÁSTICA

“E os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar.” S. Freud2

De acordo com o dicionário Michaelis (1998/2007), literatura é a arte de compor escritos de acordo com princípios teóricos ou práticos e, também, um conjunto de obras literárias de cunho social, em uma determinada linguagem, referindo-se a um assunto determinado. A literatura é uma manifestação cultural e artística, que representa a realidade através da linguagem, que ultrapassa o significado das palavras. Amorim (2001) discute que a literatura estabelece uma nova ordem para aquilo que ela vem a versar, erige uma cosmologia em muito singular, sempre baseada, inspirada e ligada à realidade natural. Candido (1972) afirma que a literatura transpõe o real para o ilusório por meio de estilização da linguagem, sendo o resultado de uma ligação entre um elemento de manipulação técnica com um elemento real. Da relação entre o leitor e a literatura, três elementos se destacam: a necessidade de fantasiar do ser humano; a formação, onde a literatura é tomada como instrumento de educação e humanização do indivíduo; e o social, que permite ao homem reconhecer sua realidade, podendo até mesmo causar alienação. Entre as classificações que existem na literatura, há a classificação em gêneros: classes e conjuntos de características que agrupam determinadas obras 2

FREUD, S. Delírios e Sonhos da Gradiva de Jensen. (Trad. Jayme Salomão). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud, vol. IX. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 1588. (Original publicado em 1907 [1906]).

17 sob determinado rótulo. Um gênero é “formado de múltiplos elementos morfológicos, sintáticos, semânticos, imagísticos, simbólicos, fônicos, rítmicos, etc.” (ARAGÃO, 1985, p. 65). Embora não se trate de um gênero clássico, interessa aqui um grupo específico de características: a literatura fantástica. Em uma abordagem primária, a literatura fantástica é aquela que possui em sua história elementos considerados sobrenaturais, e que se distinguem da realidade através de uma explicação mágica, ou que ocorre no contexto de um mundo fantástico dotados de leis naturais paralelas às do mundo concreto. Dentre esses elementos, os mais comuns são personagens como vampiros, lobisomens, fantasmas, bruxas, bem como elementos de cunho psicológico, como a loucura, os devaneios, as obsessões, etc. Dessas relações com o real, a partir da técnica literária, o envolvimento com o leitor faz despertar neste o terror, o medo, a inquietação, o suspense, a hesitação, entre outras sensações. Embora a literatura fantástica seja um campo literário cujos estudos são relativamente recentes, a fantasia já aparece em relatos há muito tempo, sob a forma de mitos e lendas, mesmo que esses espaços se diferenciem nos estudos literários. O termo literatura fantástica foi associado, em princípio, à temática fantasmagórica e histórias de narrativa fantástica, maravilhosa, misteriosa e sobrenatural, incluídas em uma só categoria. A criação literária fantástica é aquela em que não há prioridade da representação realista, ou aquela que se situe em jurisdição diferente da realidade. O fantástico irá misturar elementos reais e maravilhosos, com temas ligados à transformação, e o binarismo da luta entre o bem e o mal (LIMA e TEIXEIRA, 2011). “O termo fantástico, maravilhoso, sobrenatural, misterioso e mesmo horror e o terror se mesclavam sem a menor timidez.” (SÁ, 2003, p. 13). A literatura fantástica emergiu da efervescência literária dos séculos XVIII e XIX, nos romances góticos que apresentavam uma predileção pelo estilo e a ornamentação da Idade Média e do Renascença bem como pelas manifestações sobrenaturais, pelo mistério da maldade humana e das perversões dos instintos e do caráter (CESERANI, 2006). É na Alemanha do século XVIII que a literatura fantástica adquire um corpo mais próximo ao moderno, constituindo a produção literária de E. T. A. Hoffmann 3

3

Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann (E. T. A. Hoffmann), autor considerado um gênio do romantismo na Alemanha, lembrado principalmente por suas obras fantásticas e grotescas, como “O Homem de Areia” (PATRICK, 2009).

18 (1776-1822) o maior expoente do período. Em suas obras já se encontra os principais elementos da literatura fantástica: o inexplicável escondido no cotidiano banal, realista e burguês; a hesitação como técnica narrativa; ...os pontos de vista se problematizam, as tendências icônicas e representativas da narração aparecem tematizadas; as potencialidades criativas da linguagem e em particular a metáfora se tornam elementos geradores de efeitos do fantástico; temas como aquele do duplo, da loucura, da vida após a morte se interiorizam e geram projeções fantasmáticas. (CESERANI, 2006, p. 90-91).

Os ambientes sombrios e tenebrosos, bem como seus efeitos são explorados “com o objetivo de representar a realidade do mundo subjetivo da mente e da imaginação. Por trás da aparência cotidiana, o bem e o mal, se abrem através de cenas [...] em que [...] ressaltam a atmosfera de terror e mistério.” (LEÃO, 2011, p. 46). Ao longo do século XIX a literatura fantástica articulou-se e se mesclou-se a gêneros literários de visões mais otimistas do mundo. Os elementos presentes no fantástico, como autorreflexão, o fundo humorístico ou fabuloso, elementos do grotesco, entre outros, passam a aparecer de forma variada, em menor ou maior grau, bem como a história da produção fantástica passa a ser mais articulada., o que culminou na transformação da literatura fantástica, ainda mais com a adição de expressões artísticas não-literárias, tendo agora a música, por exemplo, contribuído ao fantástico (CESERANI, 2006). Ceserani (2006) irá aponta que a literatura fantástica demonstra uma vitalidade que é essencial ainda hoje na literatura e em outras expressões artísticas, como cinema, televisão e histórias em quadrinhos, pois antecipou experimentações modernas como, por exemplo, a representação subjetiva do tempo, o lugar em que se colocou os sonhos e as visões e a fragmentação dos personagens. Os textos de tal campo literário “levam o leitor a imergir no subconsciente humano, construído a partir de símbolos e metáforas que habitam as profundezas da mente, em similaridade aos acontecimentos no mundo onírico.” (LEÃO, 2011, p. 44). Em suma, a literatura fantástica surgiu do meio cultural em desenvolvimento no período entre os séculos XVIII e XIX, que trouxeram à tona, entre outras coisas, o terror, o estranho, a linguagem dos sonhos e a inquietação, permitindo, dessa forma,

19 uma retomada do imaginário, assim como mostrou um novo caminho para capturar significados. O estudo da teoria da literatura fantástica, como Ceserani (2006) aponta, foi redescoberto e recuperado recentemente, através dos estudos de Todorov no final dos anos 60. Nesta trilha, houve outros estudiosos que contribuíram aos estudos da literatura fantástica produzida nos séculos XIX e XX, e que representavam o momento histórico, com sua inquietação, alienação e laceração que tornaram-se um legado para a literatura moderna. Busca-se a partir daqui descrever os pormenores que envolvem a literatura fantástica, visando elucidar a teoria, o discurso e os elementos desse campo da literatura. O estudo será realizado com base inicial nas análises desenvolvidas por Todorov (2008) e posteriormente discutidas, ampliadas e argumentadas por Ceserani (2006).

1.1.

A questão do gênero

Em um primeiro momento, faz-se mister introduzir a discussão realizada por Todorov (2008) sobre teoria de gêneros, onde gênero é definido como tratando-se de um termo léxico que remete, de maneira geral, à ideia de origem, tal como testemunha o equivalente latim do qual ela deriva, genis, generis. [...] Designando aproximativamente ‘raça’ ou ‘tronco’” (STALLONI, 2003, p. 11) Dessa primeira definição, vem o sentido de agrupamento de indivíduos ou objetos que possuem características similares entre si. “A literatura, por sua vez, obedece à mesma vontade taxinômica, esforçando-se por classificar as obras e os assuntos em função de critérios particulares, sejam eles estilísticos, retóricos, temáticos ou outros.” (STALLONI, 2003, p. 17). O cerne dessa discussão primária é definir as normas, regras e uniformidade do que se trata por gênero. Todorov (2008) aponta sobre a dificuldade de estabelecer uma descrição precisa do que se trata essa área da literatura, posto que a primeira dificuldade é encontrar uma definição clara e concisa de gênero literário que diga respeito à generalização das obras, cuja superação residiriam em, segundo ele, delimitar em que consiste o gênero literário através do método científico de

20 extrair do fenômeno estudado, as obras, uma hipótese geral que as explique; o segunda dificuldade diz respeito à diversidade de gêneros, por haver níveis diferentes de generalidade, levando em conta que o que norteará a definição do gênero é o ponto de vista escolhido para tal; um terceiro problema refere-se à estética, ou seja, falar de gêneros em detrimento da singularidade de determinada obra. O autor afirma que o estudo da literatura deve participar de um duplo movimento: da obra para a literatura e da literatura para a obra, ou da obra para o gênero e do gênero para a obra. É possível assim dar lugar de destaque a uma ou outra direção. “Toda teoria de gêneros se apoia em uma representação da obra literária” (TODOROV, 2008, p.24), e distinguem-se três aspectos que contribuem à análise de uma obra: o aspecto verbal, que se caracteriza pelas frases concretas do texto; o sintático cuja atenção se dirige para as relações que as partes das obras mantem entre si, ou seja, sua composição, e podem ser de três tipos: lógicas, temporais e espaciais; e por fim o aspecto semântico, ou os temas do livro. E o aspecto semântico, ou temas do livro. “A definição dos gêneros será, pois, um contínuo vaivém entre a descrição dos fatos e a teoria em sua abstração [...] não há qualquer necessidade de que uma obra encarne fielmente seu gênero.” (TODOROV, 2008, p.26). A fidelidade absoluta não se configura como premissa inexorável, assim uma obra pode manifestar características de mais de um gênero literário. Olhemos agora para um outro lado, o da conformidade dos gêneros conhecidos à teoria. Inserir corretamente não é mais fácil que descrever. O perigo é no entanto de natureza diferente: é que as categorias de que nos serviremos tenderão sempre a nos conduzir para fora da literatura. Qualquer teoria dos temas literários, por exemplo, (em todo o caso, até o momento presente) tende a reduzir estes temas a um complexo de categorias emprestadas à Psicologia, à Filosofia ou à Sociologia [...]. Mesmo que as categorias fossem retiradas da Linguistica, a situação não seria qualitativamente diferente. Pode-se ir mais longe: pelo próprio fato de precisarmos usar palavras da linguagem cotidiana, prática, para falar da literatura, fica implícito que a literatura trata de uma realidade ideal que se deixa ainda designar por outros meios. Ora, a literatura, sabemos, precisamente enquanto esforço de dizer o que a linguagem comum não diz e não pode dizer. (TODOROV, 2008, p. 26- 27).

Portanto, gênero consiste em um amálgama de características formais e estilísticas que permitem reunir um dado número de obras, sem que, porém, haja limites da classificação engessados. A flexibilidade da obra que transita entre dois

21 ou mais gêneros literários, não deve, no entanto, segundo Todorov (2008), ser atomizada, recontando-se suas partes como pertencentes a este ou aquele gênero – a obra deve ser considerada em sua totalidade. De acordo com Samuel (1985), em uma apresentação sistemática, os gêneros podem dividir-se em gênero ensaístico, contendo nele obras consideradas como ensaio, crônica, oratória, apólogo, máxima e memórias; o gênero narrativo, que contém obras consideradas como epopeia, romance, conto, novela e fábula; o gênero dramático, com obras denominadas de tragédia, comédia, tragicomédia, drama, auto e farsa; e o gênero lírico, que inclui-se obras consideradas como elegia, ode, canção, égloga, idílio, soneto, balada, rondó, entre outras. Todorov (2008) considerará, em sua obra, a narrativa fantástica como um gênero.

1.1.1. O gênero fantástico

Aparentemente, de acordo com Todorov (2008), a literatura fantástica não se situa como gênero autônomo, habitando sim entre outros gêneros com os quais pode se confundir. O fantástico está, pois, entre o maravilhoso e o estranho. O gênero maravilhoso é considerado como aquele em que o sobrenatural é aceito como real, e o estranho tem seu conteúdo sobrenatural, em geral, explicado. As confusões ocorrem, pois o leitor, sempre implícito, irá se questionar sobre a natureza dos acontecimentos da obra, e a partir da característica dos acontecimentos descritos, e da forma como o autor dá continuidade à sua história, a obra é rotulada como pertencente a um ou outro gênero. Não se exclui da compreensão do gênero fantástico uma análise de gêneros análogos, o que, não raro, se configura, fazendo notar a existência de subgêneros transitivos. Logo, as obras podem transitar de estranho-puro, fantástico-estranho, fantástico-puro, fantástico-maravilhoso e maravilhoso-puro, sendo que “estes subgêneros compreendem as obras que mantêm por muito tempo a hesitação fantástica, mas terminam enfim no maravilhoso ou no estranho.” (TODOROV, 2008, p. 50). O fantástico-estranho é aquele em que a obra possui acontecimentos que se apresentam, primeiramente, como sobrenaturais, recebendo, todavia, ao final, uma

22 explicação racional, não se excluindo explicações reducionistas calcadas em azar, coincidências, influência de entorpecentes, enganos, jogos trocados, ilusão dos sentidos e loucura. Há evidentemente dois grupos de ‘pretextos’, que correspondem às oposições real-imaginário e real-ilusório. No primeiro grupo, nada de sobrenatural aconteceu, pois nada aconteceu: o que acreditávamos ver era apenas fruto de uma imaginação desregrada (sonho, loucura, drogas). No segundo, os acontecimentos se produziram realmente, mas se explicam racionalmente (acasos, fraudes, ilusões). (TODOROV, 2008 p. 52, grifos do autor).

Quando pertencentes ao gênero de estranho-puro, as obras relatam acontecimentos que podem ser explicados pela razão, mas que são de alguma forma incríveis, singulares, insólitos e inquietantes, e provocam no leitor uma reação semelhante à familiar. O estranho vai se empenhar na descrição de certas reações, em particular o medo, e está ligado mais com os sentimentos das pessoas do que com um acontecimento que questiona a razão. (TODOROV, 2008). Os relatos que se acham no gênero fantástico-maravilhoso dizem respeito àqueles que contêm acontecimentos fantásticos, e têm sua aceitação sobrenatural. O autor vai fazer a comparação do fantástico-puro ao fantástico-maravilhoso: se a obra em questão apresentar a vacilação até o final do texto, diz respeito ao primeiro, porém se a solução for um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis da natureza, e for único, ou seja, não há uma vacilação possível na solução, é terreno do fantástico-maravilhoso. Por fim, existe o maravilhoso-puro, no qual os acontecimentos sobrenaturais não causam estranheza nem nos personagens, nem nos leitores, ou seja, não provocam nem vacilação, nem surpresa. Para Todorov (2008), não se inclui no gênero maravilhoso-puro alguns tipos de relatos que ainda justificam o sobrenatural, como maravilhoso-hiperbólico, no qual fenômenos sobrenaturais só o são por suas dimensões; maravilhoso-exótico, em que os relatos sobrenaturais não são apresentados como tais, pois, parte-se da ideia de que o leitor pode não ter estado nos locais descritos na obra, e, sendo assim, não tem motivo para colocar em dúvida as características apresentadas. Exclui-se ainda o maravilhoso-instrumental: nas obras desse gênero, aparecem instrumentos que, no período histórico em que foram escritas as obras, pareciam sobrenaturais, mas na atualidade são perfeitamente possíveis; este último difere-se da ficção científica, ou maravilhoso-científico, em cujas obras o sobrenatural se

23 explica de maneira racional a partir das leis da ciência, mas o período histórico ainda não reconhece. O autor no estudo do fantástico deve-se atentar a outros dois gêneros que podem ou não implicar à leitura e à compreensão do fantástico: os gêneros da poesia e da alegoria. A leitura poética constitui um obstáculo para o fantástico. Se, lendo um texto, recusamos qualquer representação e consideramos cada frase como pura combinação semântica, o fantástico não poderá aparecer; este exige, recordamos uma reação aos acontecimentos tais quais se produzem no mundo evocado. Por esta razão, o fantástico só pode subsistir anão ser na ficção; a poesia não pode ser fantástica (ainda que haja antologias de ‘poesias fantásticas’...). Resumindo, o fantástico implica ficção. (TODOROV, 2008, p. 68, grifos do autor).

O autor que não deve excluir completamente o caráter representativo da obra, e salienta a ficção, cuja representação é a principal característica, como um importante fator. Não é casual que, na ficção, os termos empregados sejam: personagens, ação, atmosfera, cenário e marco, pois, quando se trata de poesia, tende-se a falar de rimas, de figuras retóricas. Conclui-se que a condição para a existência do fantástico está ligada necessariamente à ficção e ao sentido literal, visto que o quando, no sentido alegórico, perde-se à vacilação característica do fantástico, não restando ao leitor outra solução que não interpretar a obra como uma alegoria, tal qual nos contos de fadas (TODOROV, 2008). Para Ceserani (2006) os estudos desenvolvidos por Todorov situam-se na primeira de duas tendências contrapostas das comunidades literárias: uma restringe e reduz o campo do fantástico, identificando-o como gênero historicamente limitado a alguns textos - Todorov inclui-se aqui por sua seletividade ao identificar e definir o fantástico puro, excluindo inclusive o escritor Edgar Alan Poe do gênero fantásticopuro; e outra que, em contrapartida, estende, sem limites históricos, o campo do fantástico, o que faz abranger confusamente formas e gêneros literários, como o romanesco, o fabuloso, o fantasia (representado pelas obras de J. R. R. Tolkien 4 (1892-1973), a ficção científica (representada pelas obras de escritores como Isaac

4

J. R. R. Tolkien foi um acadêmico e fabulista, é conhecido por ter transformado o gênero da fantasia. Suas obras apresentam uma densa mitologia com analogias sociais. Elaborou uma língua totalmente nova (a élfica) que influencia outras obras literárias até hoje. (PATRICK, 2009).

24 Asimov5 (1920-1992), apenas para citar os mais conhecidos), o romance utópico, o terror (com as obras de H. P. Lovecraft6 (1890-1937) e Stephen King7 (1947)), o gótico (representado pela autora Mary Shelley8 (1797-1851) com sua obra mais conhecida “Frankenstein” de 1818), o oculto, e até mesmo o apocalíptico – o que hoje pode ser considerado como o distópico. Essa tendência vai ao encontro com a necessidade de fugir da definição de fantástico como sendo sinônimo daquilo que não é real, reduzindo o fantástico a tudo aquilo que é irreal, ficcional e imaginário. Todavia, não se deve igualmente incorrer no erro de generalizar totalmente o fantástico, “fazer um único caldeirão no qual o fantástico romântico de Todorov se mistura com grande quantidade de outros produtos literários, até mesmo da literatura mais ‘baixa’ e de consumo, perdendo cada uma a sua identidade” (CESERANI, 2006, p. 10). O autor levanta algumas questões dos problemas históricos, teóricos e classificatórios criados em torno do fantástico, afirmando que Todorov não se utiliza do termo modo, exortando que aquele deve ser considerado como uma modalidade literária distinta. Questiona ele: deve-se considerar este como um modo específico e autônomo que represente como “um conjunto de procedimentos retórico-formais, comportamentos cogniscitivos e associações temáticas [...] utilizáveis por vários códigos linguísticos, gêneros artísticos e literários?” (CESERANI, 2006, p. 8). Assim questiona-se: onde se situa afinal a literatura fantástica?

1.2.

Procedimentos Formais e Temas do Fantástico

De acordo com Ceserani (2006), não há procedimentos formais ou temas que possam ser isolados e tomados como exclusivos de uma modalidade específica na literatura. Todorov (2008) afirma que não há, atualmente, como defender uma tese

5

Isaac Asimov é um dos nomes mais conhecidos da era de ouro da ficção científica norte-americana, tendo inclusive inventado novas palavras ao gênero, como o termo robótica. (PATRICK, 2009). 6 H. P. Lovecraft autor de ficção científica, fantasia e terror, além de poeta, ensaísta e colunista, este autor tirou várias ideias de seus pesadelos, e influenciou outros autores como Stephen King. (PATRICK, 2009). 7 Stephen King romancista contemporâneo, com foco principalmente no suspense, acontecimentos sobrenaturais e lugares sinistros. (PATRICK, 2009). 8 Mary Shelley é mundialmente conhecida por sua obra “Frankenstein” ou “O Prometeu Moderno” de 1818, e embora sua produção literária seja considerável, é mais conhecida por esta obra, graças aos filmes de terror. (PATRICK, 2009).

25 que tome uma obra como individual e produto inédito, ao contrário, uma obra é produto da junção de obras do passado, é combinação de propriedades literárias e de transformação destas mesmas.

1.2.1. Procedimentos Formais

Todorov (2008) destaca que o fantástico implica uma integração do leitor com o mundo dos personagens, e se define pela percepção ambígua que o próprio leitor tem dos acontecimentos relatados. Para que seja fantástico é necessário que o leitor titubeie em sua percepção da realidade da obra, sendo que, em geral, para que isso ocorra, deve se estabelecer a vacilação dentro dela. Todavia, essa função representativa é facultativa, pois a obra pode não conter a vacilação nos personagens, e, por fim, outra condição de existência diz respeito à interpretação do leitor: o fantástico implica apenas na ocorrência de um acontecimento considerado estranho, mas também na ausência de uma estilística poética ou alegórica. Mais detalhadamente, Ceserani (2006) destaca dez procedimentos formais que, mesmo não sendo exclusivos do fantástico, emergem com certa regularidade em muitas obras fantásticas: 1. Procedimentos narrativos da obra: uma experiência multiforme da narrativa influencia a estrutura do fantástico. “A narrativa fantástica carrega consigo esta ambiguidade: há a vontade e o prazer de usar todos os instrumentos narrativos para atirar e capturar o leitor dentro da história” (CESERANI, 2006, p. 69); 2. Narração em primeira pessoa. Além deste recurso, apresenta ainda aqueles casos de destinatários explícitos, em trocas de cartas, por exemplo. Esse recurso autentica a ficção, e facilita a identificação do leitor; 3. Interesse pela capacidade projetiva e criativa da linguagem: o fantástico opta por um caminho diferente das narrativas em geral, dado que a potencialidade criativa da linguagem permite que as palavras criem uma nova e diversa realidade, ao contrário das opções de transitividade, onde as palavras são instrumentos

neutros

que

representam

fielmente

a

realidade,

e

26 intransitividade, na qual as palavras não transmitem nada além delas mesmas; 4. Envolvimento com o leitor: fator importante ao fantástico, amplamente discutido por Lovecraft (apud SÁ, 2003; CESERANI, 2006), pois o fantástico deve atingir o nível emocional, provocando reação no leitor. O envolvimento com o leitor possibilita que este se aproprie do universo da obra, que se apresenta a princípio familiar, aceitável e através de mecanismos de surpresa e desorientação (o humor e principalmente medo, sendo que o medo pode ser percebido fisicamente); 5. Passagem de limite ou passagem de fronteira: recurso comum nesse gênero literário que retira o personagem de um cotidiano familiar e tranquilo, e o levar a um mundo inexplicável, “da dimensão da realidade para a do sonho, do pesadelo, ou da loucura” (CESERANI, 2006, p. 73); 6. Objeto mediador: a oferto, no texto, de um testemunho de veracidade ao acontecimento fantástico que torna inequívoco que o personagem realizou a passagem para um mundo diferente, e trouxe dele algo consigo; 7. Elipses: há o aparecimento ainda de espaços vazios súbitos, elipses na escritura. “No momento culminante da narração, quando a tensão está alta no leitor, e é forte a curiosidade de saber, se abre de repente sobre a página um buraco branco, a escritura povoada pelo não dito”. (CESERANI, 2006, p. 74); 8. Teatralidade: o fantástico ainda apresenta a teatralidade como procedimento derivado da técnica e prática teatral, surgido do gosto pelo espetáculo, e pela necessidade de se criar um efeito de ilusão, também um artifício cênico; 9. Figuratividade: também advindo da prática teatral, mas aplicado de modo diferente ao texto fantástico, há os elementos implícitos, como os olhos, espelhos, instrumentos óticos, mas também os ligados aos elementos gestuais e de visualização, como a aparição e a colocação em cena; 10. Detalhe: também utilizado pelo romance policial, a função narrativa do detalhe e do procedimento do destaque são bem utilizados no fantástico, “com a consequente hierarquização dos diversos elementos constitutivos do mundo narrativo, a problematização das relações, as desorientações e as mudanças de escala” (CESERANI, 2006, p. 77). O detalhe fala ainda de um modo moderno de conhecer o mundo.

27 É necessário relembrar, que tais procedimentos formais não são exclusivos do campo fantástico. Pelo contrário, uma nuance pode apresentar-se em maior ou menor grau em diálogo com outros gêneros.

1.2.2. Temas do Fantástico

Todorov (2008) divide os temas do fantástico em duas categorias distintas e restritivas: os temas do eu, que se caracterizam pelo limite entre matéria e espírito; e os temas do tu, que são designadas pela sexualidade. Dos temas do eu, o autor destaca a metamorfose que se liga aos seres sobrenaturais, e o poder deles sobre o destino dos homens. Todorov (2008) aponta que estes seres estão intimamente ligados ao sonho de poder, e, de uma maneira geral à causalidade, às coisas que ocorrem a nós de origem desconhecida. Essa causalidade é sujeita a um pandeterminismo, onde tudo, inclusive o acaso, tem uma causa, mesmo que seja de ordem sobrenatural, ou seja, fruto de uma pansignificação. Como tudo possui uma ligação, tudo é altamente significativo. Qualquer elemento na obra diz e significa algo. Em um nível amplo de abstração, o autor ainda destaca que tais características significam “o limite entre o físico e mental, entre a matéria e o espírito, entre a coisa e a palavra deixa de ser estanque” (TODOROV, 2008, p. 118). O autor aponta que o que é comum a ambos, temas do eu e os do tu, é a ruptura com a realidade. Assim sendo, também há revelação, ou seja, passagem de um ponto cotidiano ao inexplicável. Essa ruptura desdobra-se na divisão da personalidade em múltiplas faces do sujeito e do objeto, como uma ruptura entre aquilo que era, como até então compreendido, com o que passa a ser, pela reorientação da percepção do leitor. Em outras palavras: não há diferenciação entre o mundo exterior e o eu (do sujeito), o que ocasiona também a diferenciação da percepção entre o tempo e o espaço. Resumindo: o princípio que descobrimos deixa-se designar como a problemática do limite entre matéria e espírito. Este princípio engendra numerosos temas fundamentais: uma causalidade particular, o pandeterminismo; a multiplicação da personalidade; a ruptura do limite entre

28 sujeito e objeto; enfim, a transformação do tempo e do espaço. (TODOROV, 2008, p. 128).

Aos temas do eu, Todorov (2008) vai destacar ainda o que chama de temas do olhar, ainda relacionado à estrutura da relação do homem com o mundo. De acordo com o autor, toda aparição sobrenatural é acompanhada de um elemento do domínio do olhar, como os óculos e o espelho, mas não o olhar em si. É por meio da visão indireta que a via para o maravilhoso toma forma. Aos temas do tu, aqueles que se ligam à sexualidade, nos textos da literatura fantástica há algo próprio que diz respeito à satisfação de sentimentos e sentidos internos e, especialmente, o desejo sexual. Em geral, esse se liga ao sentido de punição, cunha-se como pecaminoso, errado e a ser punido socialmente. Nas histórias fantásticas, tal desejo é explicitado pela figura do diabo como tentação sensual e regente da libido. Nesse sentido, há ainda, além desse amor intenso, transformações do desejo. “A maior parte dentre elas não pertence verdadeiramente ao sobrenatural, mas antes, a um ‘estranhamento’ social.” (TODOROV,

2008,

p.

140,

grifos

do

autor).

Inclui-se



o

incesto;

a

homossexualidade; relações não-monogâmicas (representados em geral como um amor a três), um desejo próximo ao sadismo, e, neste ponto alcança a crueldade, em que nem sempre o desejo sexual é aparente. Na cadeia que parte do desejo sexual e culmina na crueldade, encontra-se a morte, representada nas ocasiões de amor com vampiros ou mortos que voltam à vida. O amor carnal, intenso, se não excessivo, e todas as suas transformações, são ou condenados em nome dos princípios cristãos, ou louvados. Mas a oposição é sempre a mesma: com o espírito religioso, a mãe, etc. [...] A literatura fantástica dedica-se a descrever particularmente suas formas excessivas bem como suas diferentes transformações ou, se quisermos, perversões. Um lugar à parte deve ser dado à crueldade e à violência, mesmo que sua relação com o desejo esteja fora de dúvidas. Do mesmo modo, as preocupações concernentes à morte, à vida depois da morte, aos cadáveres e ao vampirismo, estão ligadas ao tema do amor. (TODOROV, 2008, p. 147).

É nítido que as enunciações feitas até aqui sobre os temas do fantástico evocam conceitos psicanalíticos, abrindo a oportunidade de iniciar daqui um diálogo entre a literatura fantástica e a psicanálise, como será feito nos capítulos seguintes. Ceserani (2006) sistematiza os temas do fantástico em oito categorias intimamente ligadas aos procedimentos formais que descreve, a lembrar: os

29 procedimentos narrativos no próprio corpo da narração; a narração em primeira pessoa; o interesse pela capacidade projetiva e criativa da linguagem; o envolvimento com o leitor; a passagem de limite ou de fronteira; o objeto mediador; as elipses; a teatralidade; a figuratividade; e o detalhe. São temas do fantástico: 1. Noite, escuridão, mundo obscuro e almas do outro mundo: ambientação que remete ao mundo noturno, numa contraposição de claro-escuro, solescuridão,

iluminismo-obscurantismo.

É

a

preferência

dos

textos

fantásticos pelos mundos tenebrosos, subterrâneos, do além... O sobrenatural se estende infinitamente sobre e sob esta superfície, acima e abaixo, como um abismo vertiginosamente profundo. [...] Uma metade do mundo, a metade de baixo, a metade aprisionada, profunda, íntima, oprimida, subterrânea, noturna; o reino dos mortos e enterrados, dos sonhos e dos pesadelos, dos demônios; o lugar das verdades indizíveis, dos encantos obscuros, dos pavores irresistíveis, das tentações inconfessáveis. (LUGNANI apud CESERANI, 2006, p. 79);

2. Vida dos mortos: um tema já antigo na literatura que pode ser visto nas visitas do além, como as feitas por bruxas e espíritos; evocações de romances. Todavia, no fantástico, tal tema se interioriza, dando lugar a experimentações filosóficas, materialistas e sensitivas; 3. O indivíduo como sujeito da modernidade: caracteriza-se aqui o sujeito da modernidade, da individualidade burguesa que se coloca como centro da vida biológica e social que elabora uma convivência individual em sua relação com Deus e na ética pautada no trabalho que se apresenta como um ser programado para se auto-afirmar. Na literatura, há duas representações possíveis desse sujeito: o que levará essa auto-afirmação ao limite, e se transforma em obsessivo, louco; e os que são representações do eu dividido e alienado, duplicado em duas naturezas contrastantes. 4. Loucura: com os temas do fantástico, ela adquire um aspecto diverso, “ligado aos problemas mentais de percepção. [...] É a consciência do limite, além do qual reside a laceração, a ruptura da esquizofrenia.” (CESERANI, 2006, p. 83); 5. Duplo: se caracteriza pelo desdobramento, gêmeos e sósias. Uma duplicidade da personalidade, ligada à consciência, com suas fixações e projeções. “Os textos fantásticos agridem a unidade da subjetividade e da

30 personalidade humana, procuram colocá-la em crise; eles rompem a relação orgânica (psicossomática) entre espírito e corpo” (CESERANI, 2006, p. 83); 6. Aparição do estranho, do monstruoso, do irreconhecível: a entrada repentina e inesperada de um personagem de características estrangeiras no

cenário

doméstico

faz

surgir

aspectos

inquietantes,

gerando

complicações e transformações. Normalmente são representados pelas figuras do diabo, fantasmas, vampiros, lobisomens, e demais seres sobrenaturais e monstruosos; 7. Eros e as frustrações do amor romântico: a característica da literatura da primeira metade do século XIX, e anterior a ela, é o amor romântico que busca uma unidade proveniente da fusão de dois indivíduos, em um elo indissolúvel. Tal amor romântico foi responsável por uma grande mudança não apenas da situação social, mas também na forma como refletido no pensamento da literatura fantástica: Encontram-se todos os limites e todas as aberrações do amor romântico: os excessos da projeção individual do objeto de amor sobre um objeto que não é digno dele ou nem mesmo se apercebe dele, e as sublimações que chegam a encarnar o objeto de amor em uma imagem pictórica ou até mesmo em um fantasma. (CESERANI, 2006, p. 88);

8. O nada: uma nova temática de influência niilista 9. Quando o limite adquire o sentido de ruína e da abstenção, em íntima relação com loucura e niilismo.

1.3.

Estudos da Literatura Fantástica no Brasil

Não se intui dividir ou elucidar as características locais da literatura fantástica nos diferentes países e contextos em que ela é escrita, porém destacar-se-a a literatura fantástica brasileira, fonte original da inspiração desta pesquisa. 9

Niilismo: Pensamento de origem russa que preconizava a descrença absoluta. (MICHAELIS, 1998/2007). É o fenômeno de esfacelamento dos valores antigos baseados na moral cristã. As questões levantadas pelo homem, como o sentido e significado da vida não podem ser respondidas, pois não há forma para respondê-las, pois tal sentido é inexistente. (SANTANA, 2009).

31 Nilto Maciel no artigo “Literatura Fantástica no Brasil (esboço histórico)” (2005) faz um apanhado histórico dos estudos e análises literárias que percorrem o fantástico no Brasil. De acordo com o autor, os historiadores da literatura brasileira não tratam da literatura fantástica, e aos elementos fantásticos tratam apenas como imaginação ardente, fantasia, e mesmo realismo mágico. O autor destaca que o primeiro momento da literatura fantástica brasileira se deu com a publicação da obra “Noite na Taverna” (1855) de Álvares de Azevedo10 (1831-1852), que era tratado como melancólico, imaginoso, lírico, mas jamais fantástico. O mesmo se passa com alguns contos de Machado de Assis11 (1839-1908), descritos, por sua rica imaginação, como realista superior, porém nunca visto como pertencente à literatura fantástica (ROMERO, 1980; VERÍSSIMO, 1981 apud MACIEL, 2005). Dentre os primeiros nomes que figuram o fantástico brasileiro, uma autora praticamente desconhecida, Emilia Freitas12 (1855-1908), é destaque, com sua obra “A Rainha do Ignoto” (1899), considerada como um romance psicológico que trata de fatos obscuros que envolvem o inexplicável. De acordo com Tabak (2011), é na exacerbação e culto da figura feminina que se encontram os principais agentes de ação fantástica, uma inovação para o período histórico. Tabak (2011) discursa sobre a história literária anterior que, desde o século XVIII, busca construir uma literatura que reflita elementos genuinamente brasileiros. Com o advento dos movimentos modernistas da década de 20, o moderno afasta os escritores do fantástico, porém, como aponta Maciel (2005), havia uma contradição, já que tal movimento13 buscava inspiração nas fontes autênticas da realidade brasileira, e justamente a busca da cultura brasileira traz à tona implicação das lendas e mitos nacionais. A literatura fantástica brasileira situa-se aqui num sentido além de Torodov (2008) que afirma que para ser fantástico, deve manter a hesitação. Maciel (2005) enfatiza que, a partir do estudo sobre Murilo Rubião14 (1916-1991), o que atrai o 10

Álvares de Azevedo foi escritor, contista e poeta da segunda geração romântica brasileira. Conhecido por mergulhar em questões internas, patrono da cadeira no.2 da Academia Brasileira de Letras. 11 Machado de Assis é um dos principais nomes da literatura brasileira, primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, um dos autores mais completos do Brasil. 12 Emília Freitas romancista, professora e poetisa. Uma das pioneiras da literatura fantástica no Brasil. 13 Antropofagia: o movimento modernista antropofágico de 1920: diz respeito à compreensão da cultura brasileira, que influenciou os modos de criação e o pensamento crítico. (COSTA, 2011). 14 Murilo Rubião jornalista e escritor brasileiro, seus contos fantásticos há descompromisso com causalidade, espaço e tempo da novela, causando estranhamento nos leitores (LUCAS, 1983).

32 leitor a este escritor é “o fato de nada espantar seus personagens. Envolvidos, inexplicavelmente, nas situações mais fantásticas, trágicas e sem sentido, eles se deixam levar” (s/p). Fernandes (2012) apontará cinco grandes vertentes para o conto brasileiro no século XXI: a violência ou brutalidade no espaço público e urbano; as relações privadas, nas quais surgem indivíduos com valores degradados; narrativas fantásticas, na tradição do realismo fantástico hispano-americano; relatos rurais dialogando com a tradição regionalista; e as obras metaficcionais ou de inspiração pós-moderna. Para este trabalho, interessa apenas a vertente que diz respeito à narrativa fantástica que se junta às narrativas de ficção científica e de cunho místico e macabro. Dentre as características encontradas nessa vertente, os contos podem ser elaborados no plano do real e insólito, contando ainda com roteiro dirigido para a revelação e o desfecho de atemorizar o leitor, e ainda o suspenso e o mistério, comum do gênero fantástico (FERNANDES, 2012). No Brasil é nas lendas, mitos, anedotário que o fantástico se instala. Outro ponto importante é a realidade brasileira, o uso do coloquial e localismos, próximo à escrita de literatura regional, mas que fala de problemas humanos. (MACIEL, 2005) Assim como a temática dos vampiros, ligadas normalmente à morte e um elemento do folclore europeu, faz parte do fantástico, fazem-no também os elementos conhecidamente folclóricos brasileiros, como o boitatá, o saci-pererê e a caipora. De acordo com a Comissão Nacional de Folclore (1995), compreende-se como folclore o conjunto de elementos culturais de uma dada comunidade, baseado em suas tradições e identidade social, ou seja, o que é considerado como cultura popular. Para ser identificado como tal deve haver aceitação coletiva, tradição, dinamicidade e funcionalidade. No Brasil a cultura popular folclórica é uma mistura de culturas e tradições europeias, indígenas e africanas, além de estar sujeita às transformações sociais, seja no aspecto físico ou em sua cosmologia. O que antes era considerada como uma dança ritual, hoje pode significar apenas diversão. (TRINDADE, 2010). Embora pertencente ao campo da literatura infantil, as histórias de Monteiro Lobato (1882-1948), em diversos dos seus livros, exemplificam o ponto. Souza (2009) explica que o projeto de publicar especificamente para crianças surgiu da vontade de reescrever fábulas de Esopo e La Fontaine. Nas palavras de Monteiro

33 Lobato: “é de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil que nada acho para a iniciação dos meus filhos” (LOBATO apud SOUZA, 2009, p.104). Silva (2009) aponta as obras de Lobato que possuem como tema central a cultura popular brasileira, de encontro à proposição da possibilidade de o folclore o ser também, como uma forma de literatura fantástica. Em “O Saci” de 1921 e em “Histórias de Tia Nastácia” de 1942 o fantástico toma lugar. Na segunda obra, Tia Nastácia narra contos populares do folclore brasileiro às crianças do sítio. Dentre os contos narrados encontram-se: “A princesa roubadeira”; “João mais Maria”; “A proteção do diabo”; “O matuto João”; “O irmão caçula” e “O cágado e a festa no céu”. Essas histórias contadas por Tia Nastácia, de acordo com Silva (2009), foram selecionadas por Monteiro Lobato de acordo com o estudo realizado por Sílvio Romero (1851-1914), em “Contos populares do Brasil” (1885), que se preocupou com esta coletânea, apurando histórias que auxiliassem a distinguir as linhas dos três agentes formadores da identidade brasileira: branco, negro e indígena. Já na cena contemporânea da literatura brasileira, citando apenas algumas das frentes da literatura fantástica, há o projeto “Quotidianos – Pequenas Histórias Fantásticas” que traz histórias ilustradas onde dez escritores e dez ilustradores tratam de quotidianos fantásticos, insólitos e estranhos, mostrando seus trabalhos a partir de publicações online. Partindo de dados e acontecimentos comuns e simples do cotidiano, busca-se oferecer a eles o fantástico e o inovador: “valorizar o mínimo que se esconde por detrás das grandes aventuras, e a partir dele, criar uma arte totalmente inovadora” (PINHEIRO, 2013). Outros

exemplos

são

aqueles

de

antologias

de

contos,

que

tão

caracteristicamente formam o cenário literário nacional. Tais antologias, em geral, são voltadas mais a públicos específicos por mídias específicas, como a antologia de contos fantásticos “Quando o Saci Encontra os Mestres do Terror e Outras Criaturas do Folclore” de 2013, organizado por Tânia Souza e M. D. Amado. Por outro lado, o cenário da literatura fantástica brasileira apresenta autores como André Vianco, que no conjunto de sua obra nomeada de “Crônicas do Fim do Mundo” (2003, 2004, 2005, 2013), mostra um Brasil em um futuro pós-apocalíptico em que vampiros e paladinos abençoados decidem o futuro da humanidade. Nessa obra, além de todo o cenário se passar no Brasil, há a participação ainda de elementos, tipicamente brasileiros, como o boitatá.

34 Nota-se que há certa resistência por parte dos estudiosos em literatura em abarcar e integrar o fantástico em suas análises, não considerando este gênero como importante para o desenvolvimento da literatura. Maciel (2005) destaca tal dificuldade, ao apontar que são poucos os livros, tanto de História como de crítica literária, dedicados à literatura fantástica. Não é o caso, talvez, de partir da resistência a tal temática e iniciar um estudo abrangente do fantástico brasileiro?

1.4.

A Definição de Fantástico

De acordo com Todorov (2008), deve-se escolher entre duas soluções para definir o fantástico: ou se percebe este como uma ilusão e/ou produto de imaginação, e as leis do mundo permanecem inalteradas; ou acredita-se que o fenômeno é parte da realidade, e as leis do mundo são percebidas como desconhecidas. Todorov (2008) vai dizer que o fantástico é da ordem da incerteza: “o fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural” (Ibid. p.31). Reforça ainda sua concepção de fantástico, citando outros autores que definem a literatura fantástica como “intencionalmente ou não, paráfrase uma [definição] da outra: há de cada vez o ‘mistério’, o ‘inexplicável’, o ‘inadmissível’, que se introduz na ‘vida real’, ou no ‘mundo real’, ou ainda na inalterável legalidade cotidiana” (Ibid., p. 32, grifos do autor). Há diversos estudiosos que definem o fantástico, dentre eles destacam-se os que tanto Todorov (2008) e Ceserani (2006) citaram, assim como para Solov'ëv (apud CESERANI, 2006), o fantástico não deve se apresentar sob a forma de descoberta, pois ele deve ser familiar, e apenas apontar para alguma causalidade. Para James (1924 apud TODOROV, 2008; CESERANI, 2006) deve-se fazer perceber a realidade do personagem de forma cotidiana, aparentando normalidade, e tomando o ameaçador de improviso, a princípio, de forma pouco clara. Para Castex (1951, apud TODOROV, 2008; CESERANI, 2006), o fantástico é caracterizado por uma invasão do mistério na vida real, onde os estados mórbidos da consciência projetam imagens de angústia e horror. Para Caillois (1965, 1980, apud TODOROV, 2008; CESERANI, 2006), o fantástico é uma manifestação de

35 ruptura, uma laceração, uma violação de uma regularidade alegadamente imutável, sendo essencial a aparição. Por fim, Ceserani (2006) cita os estudos de Vax (1965), que ampliam a concepção de Caillois, e reformulam os conceitos de inadmissível e indizível, afirmando que o fantástico não deve apenas romper no real, sendo necessário também seduzir a partir dele. Todorov (2008) destaca características que a obra deve conter para ser considerada fantástica, como as explicações das leis da natureza, contendo relatados de acontecimentos que, acumulados, demonstrem estranheza, por não se explicarem pelas leis da natureza conhecida, sendo no máximo consideradas como acontecimentos estanhos ou coincidências insólitas. Segue-se o passo decisivo, ou seja, um acontecimento que a razão não explica. A incerteza, a hesitação chegam ao auge, [...] a fórmula que resume o espírito do fantástico. A fé absoluta como a incredulidade total nos levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida. (TODOROV, 2008, p. 35-36).

Embora não fique claro nessas definições se quem passa por essa vacilação é o leitor ou o personagem, Ceserani (2006) afirma que na definição que Todorov propôs, o mesmo visava cumprir três objetivos: reduzir os diversos níveis literários (filosófico, psicológico, literário, etc) a um único comum - o discurso literário e retórico; definir claramente os diferentes tipos de discurso narrativo e linguístico, excluindo todos os outros tipos; e, por fim, construir um sistema com termos bem delimitados e correlativos, reciclando assim os termos que estavam vagamente enunciados nos textos de outros escritores de gênero fantástico. Essa explicação nos auxilia na compreensão da seguinte conclusão de Todorov (2008, p. 39) Como essas [...] características se inscrevem no modelo da obra [...]? A primeira condição nos remete ao aspecto verbal do texto, mais exatamente ao que se chama de 'visões': o fantástico é um caso particular da categoria mais geral da 'visão ambígua'. A segunda condição é mais complexa: ela se prende por um lado ao aspecto sintático, na medida em que implica a existência de um tipo formal de unidades que se referem à apreciação feita pelas personagens sobre os acontecimentos da narrativa; estas unidades poderiam se chamar as 'reações', por oposição às 'ações' que formam habitualmente a tarma ad história. Por outro lado, ela se refere ao aspecto semântico, já que se trata de um tema representando, o da percepção e sua notação. Enfim, a terceira condição tem um caráter mais geral e transcende a divisão em aspectos: trata-se de uma escolha entre vários modos (e níveis) de leitura. (grifos do autor).

36 Todorov (2008) aponta outras teorias que tentam identificar e caracterizar o gênero fantástico, como as de H. P. Lovecraft (1945), na qual o medo é o principal fator, em compasso com a vacilação, na qual se estabelece o fantástico a partir da intensidade emocional que a obra provoca. Há ainda aqueles que, para identificar o fantástico, caracterizam a situação e intenção do autor como definidoras do gênero. Caillois (1966, apud TODOROV, 2008), por exemplo, defende que o fantástico se define por uma inquietação súbita, sem a intenção deliberada do autor. Todorov (2008) critica àqueles que apontam o fantástico como oposição ao realismo, pois essa oposição não pode ser percebida de forma simples e, assim, dada a ausência de uma definição unificada do gênero fantástico. Um exemplo de hesitação entre o real e (digamos) o ilusório: perguntava-se se o que via não seria fraude, ou erro da percepção. Em outros termos, duvidava-se da interpretação a ser dada a acontecimentos perceptíveis. Existe uma outra variedade do fantástico em que a hesitação se situa entre o real e o imaginário. No primeiro caso, duvidava-se não de que os acontecimentos tivessem sucedido, mas de que nossa compreensão tivesse sido exata. No segundo, pergunta-se se o que acreditamos perceber não é de fato fruta da imaginação; [...]. A este processo simples e muito frequente pode-se opor um outro que parece ser bem mais raro, e no qual a loucura é de novo utilizada - mas de uma maneira diferente - para criar a ambiguidade necessária. [...]. Trata-se de saber (e é neste ponto que reside a hesitação), se a loucura não é de fato uma razão superior. (TODOROV, 2008, p.42-44, grifos do autor).

As definições de Todorov (2008) permitiram discussões amplas e férteis no campo da literatura fantástica, porém, Ceserani (2006) irá aponta que essas definições tornavam limitada a definição desta área da literatura, visto que em sua grande maioria torna-se apenas uma divisória entre dois gêneros, em que se deve escolher por um ou por outro. Assim, o fantástico permearia apenas uma parte da leitura, e, por fim, deve-se escolher entre o maravilho e o estranho. Ceserani (2006) demonstra que, após Todorov, outros estudiosos se propuseram a definir e discutir o fantástico, como Lugnani (1983), que faz objeções aos estudos de Todorov, afirmando que as categorias de estranho e maravilhoso, são de consistência histórica diversa, visto que o maravilhoso possui uma ampla descrição e obras, enquanto o fantástico é relativamente restrito e recente. Não seria adequado definir gêneros literários de maneira que o estranho seja ilógico do ponto de vista comum aos gêneros, posto que e o maravilhoso é muito abrangente, a

37 exemplo da aceitação do sobrenatural que ocorre em gêneros muito distintos entre si; assim, afirma que não são simétricas e homogêneas as definições, visto que uma é caracterizada por meio das emoções que suscita, e a outra através da natureza dos acontecimentos narrados. Ainda assim, a definição do que é literatura fantástica está longe de um consenso geral. Há posições tomadas como extremas que consideram o fantástico inferior ao maravilhoso, como a de Schneider (1962 apud CESERANI, 2006) que afirma que o fantástico se caracteriza pela ficção sem consequências, enquanto o maravilhoso aponta ao outro extremo, caracterizado por sua totalidade. Outros teóricos se preocupam, no entanto, em tentar definir o fantástico a partir apenas de sua estrutura formal e linguística, caso de Marzin (1982 apud CESERANI, 2006). São particularmente interessante as citações de Ceserani (2006) sobre os teóricos que se utilizam da psicanálise para compreender o fantástico, alguns dos quais, de acordo com o autor, interpretam o tema como uma das formas de linguagem do inconsciente, sobretudo alguns aspectos fantásticos da narrativa como transcrições simbólicas dos sonhos e pesadelos. Outros vão além, como BelleminNöel (1971), que relaciona o estudo do fantástico ao estudo do fantasma em psicanálise. Sua "definição do fantástico enquanto estruturado como o fantasma psíquico: é a forma que estamos procurando, não um conteúdo [...]. Os fantasmas, com efeito, são cenários." (BELLEMIN-NÖEL, 1971 apud CESERANI, 2006, p. 61, grifos do autor). E mais: afirma que a ficção fantástica produz um mundo com palavras que não são do nosso mundo, são estranhas, que fazem parte daquele familiar ao qual Freud (1919) se refere. Logo, é necessário elaborar uma definição, relativamente própria, no que se refere à literatura fantástica. Ter-se-á a literatura fantástica como um campo literário que abrange não apenas um gênero estrito, mas que se articula com outros gêneros, bem como estes outros com o fantástico. Com procedimentos formais não exclusivos, mas identificáveis nas obras ditas fantásticas, dentre eles as possibilidades projetivas e criativas da linguagem, o envolvimento com o leitor, a passagem de limite ou fronteira, etc. Há ainda a presença de elementos como o medo, o terror, o estranhamento, que oferecem uma ligação com o leitor da obra. Dessa forma, a hesitação fantástica se estende não apenas à narrativa, mas ao leitor. Não se intenciona limitar o fantástico às obras clássicas mais próximas ao romanesco. Pelo contrário, essa

38 dever ser tomada como tendência a que abrange outros campos, como ficçãocientífica, terror, horror, gótico, fantasy, maravilhoso, etc. Considera-se ainda a característica particular dos contos folclóricos nacionais que buscam explicar acontecimentos misteriosos ou fantásticos. São eles também abrangidos na literatura fantástica quando utilizados pelos autores fora de seu contexto exclusivamente folclórico.

39 2. O ESTRANHO

”O ‘mistério nas letras’ tem isso de atraente:

torna-se

mais

espesso

à

medida que se tenta dissipa-lo” T. Todorov15

O principal diálogo de Freud com a literatura fantástica é marcado por seu artigo “O ‘Estranho’”, de 1919. Este é reconhecido pelos diversos estudiosos da literatura, como Todorov (2008), Ceserani (2006) e Sá (2003), como um importante artigo para a compreensão da literatura fantástica. A obra é dividida em três partes: a primeira traz uma discussão linguística sobre o termo alemão para estranho – unheimlich, retomando os significados atribuídos ao termo, sobre os quais se desenvolve o conceito psicanalítico; a segunda parte traz a análise do conto “O Homem da Areia”, de Hoffmann, além de enumerar situações inquietantes que servem de exemplo para a teoria; e na terceira e última parte, a partir de Freud, erige-se algumas análises sobre o estranho cotidiano, e o estranho trazido pela ficção literária. Este artigo foi publicado quando a psicanálise tomava um novo rumo, no período de transição da Primeira para a Segunda Tópica 16, com as necessidades advindas das exigências da clínica e da teoria nos anos de 1912 a 1917. Portanto, corresponde a uma pré-elaboração da virada de 1920, relativa à publicação de “Mais Além do Princípio do Prazer”, quando irão surgir os novos conceitos de repetição e de objeto como presença real, aliados aos de pulsão de morte e divisão do sujeito. É também contemporâneo do novo estatuto dado à fantasia. (PORTUGAL, 2006, p. 18).

15

TODOROV, T.; As Estruturas Narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1979. Ao formular a teoria psicanalítica, Freud desenvolveu e retomou conceitos durante todo o processo, assim a primeira tópica traz o aparelho psíquico dividido em: Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente, em que o conflito próprio do aparelho psíquico se dá entre essas instâncias, ao passo que os conceitos foram aprimorados e novas descobertas foram feitas, Freud elabora a segunda tópica em que ID, Ego (eu) e Superego (supereu) são mais trabalhados. “Na primeira teoria pulsional, o aparelho psíquico é regido pelo prazer, [...] na segunda teoria pulsional passa a ser regido pelo prazer/desprazer.” (MIHA, 2010, s/p). 16

40 Como dito, o estranho é um dos elementos que caracteriza a literatura fantástica. Assim, para se iniciar a discussão do diálogo entre a psicanálise e este campo literário, optou-se por este artigo específico como ponto de partida. Este capítulo ocupa-se dessa área da psicanálise, o estranho, bem como dos principais mecanismos do aparelho psíquico envolvidos. Para Freud (2006), o sentimento de estranho, desperto em diferentes situações, relaciona-se com o assustador, o amedrontador e com o que causa horror. O trecho abaixo do conto “A Sétima Pétala”, de Thato Bordin (2012), exemplifica e reflete essa transição entre o desconhecido, o estranho e o familiar. A calmaria que até então o demônio transmitia em cada palavra pronunciada se transmutou em súbita explosão de fúria e Lúcifer com apenas uma das mãos, agarrou o jovem advogado pela garganta, cravando suas unhas no pescoço do rapaz, densas sombras negras formaram-se no canto da sala, cercando-os de escuridão, e enfim, Erick pôde ver os olhos de seu interlocutor brilharem. [...] – Não minta para mim, imbecil! Você pode mentir para todos! Pode mentir para a mulher que você fez viúva. Pode mentir para o garoto, que aos seis anos de idade teve a figura do pai apagada subitamente de sua vida! Você pode mentir para a polícia. Pode mentir até para você mesmo e isso você o faz todos os dias. Mas, você e nem ninguém pode mentir para mim! [....] (p. 18-19).

Freud empenhou-se, inicialmente, em abordar um ramo específico do campo de estudo da estética17, compreendendo a esta como a teoria da beleza e das qualidades do sentir. O ramo em questão é o chamado estranho, negligenciado pela literatura especializada, que segundo, o autor, se preocupa mais com os estudos do que é belo e sublime do que daquilo que causa repulsa e aflição. “Encontramos ao longo do texto freudiano uma estética oposta à do agradável: a estética negativa, que traz, justamente, um dos valores essenciais da arte no seu trabalho de tirar o sujeito do sono cotidiano” (SOUSA, 2001 apud PORTUGAL, 2006, p. 73). Parte daquilo que se considera como estranho na psicanálise vem da análise linguística de Freud (1919/2006) para a palavra alemã unheimlich, tida como o oposto de heimlich (doméstico), por si só esta é uma palavra ambígua, pois abarca dois conjuntos de ideias distintos: por um lado significa aquilo que é familiar, e, por outro, aquilo que é oculto.

17

De acordo com o Dicionário Michaelis (1998/2007): Estética é o estudo do caráter do belo nas produções naturais e artísticas, também compreendida como filosofia das belas-artes.

41 A palavra alemã ‘unheimlich’ é obviamente o oposto de ‘heimlich’ [‘doméstica’], ‘heimisch’ [‘nativo’] – o oposto do que é familiar; e somos tentados a concluir que aquilo que é ‘estranho’ é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar. [...] Só podemos dizer que aquilo que é novo pode tornar-se facilmente assustador e estranho; algumas novidades são assustadoras, mas de modo algum todas elas. (FREUD, 1919/2006, p. 239, grifos do autor).

Unheimlich é usado apenas como contrário do primeiro conjunto de ideias, logo, é tido como aquilo que não é familiar. Porém, Freud não se limita a definir o unheimlich como puramente o oposto de heimlich, assim, como acrescenta Schelling18, o real sentido de unheimlich “é tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto mas veio à luz.” (FREUD, 1919/2006, p.243). Como destaca em nota da tradução brasileira, a palavra alemã unheimlich é traduzida para o inglês como uncanny, que não é literal ou equivalente exato da palavra alemã. Em português, tais termos foram traduzidos como estranho, pois esta palavra é a que torna capaz agregar as conotações da área semântica de fantástico, misterioso, sinistro, e fora do comum. Portugal (2006), sobre a escolha do termo em português, aponta que em nossa língua existem derivados de estranho que se aproximam do unheimlich de Freud (1919/2006), Permitem nuanças entre ‘estranho’ (o esquisito, o de fora), ‘estranheza’ (singularidade, sensação de surpresa, desconforto, desconfiança), ‘estranhar’ e ‘estranhamento’ (o ato de distanciar-se, de censurar, de desviar de algo ou esquivar-se). [...] Há no ‘estranho’ e seus derivados a ideia de afastamento por um afeto, de censura, de desconfiança, de nãoconhecimento, de admiração, de mistério. Mas ao mesmo tempo, há uma aproximação inquieta, atraída pela censura, pelo que não se espera e não se conhece, tocando no que é suspeitamente familiar. (PORTUGAL, 2006, p. 20, grifos da autora).

A autora nos fornece importante análise dos termos em alemão para a compreensão da conotação pretendida por Freud, a de aproximar o estranho do inconsciente, e nos diz que o “un- de das Unheimliche (o estranho) é o mesmo unde das Unbewusste (o inconsciente) [...] destacando o un- (prefixo de negação) como marca de origem do recalque” (PORTUGAL, 2006, p. 60, grifos da autora).

18

Friedrick Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854). É um pensador da tradição Idealista alemã, dentre os aspectos de seu trabalho, três se destacam: Filosofia da Natureza; Pensamento anticartesiano da subjetividade e; Crítica ao idealismo hegeliano. (BOWIE, 2010, s/p.).

42 Hoje, heimlich perdeu o sentido de ‘familiar’, passando a significar apenas ‘clandestino’ (o que acontece em casa é escondido dos outros), e unheimlich é antônimo (negação) de heimlich, no seu significado perdido (não-familiar, não-doméstico, logo, estranho). Curioso ainda é que unheimlich nunca significou ‘não-clandestino’, apesar de ser o antônimo lógico de heimlich. (Ibid. p. 61, grifos da autora).

Ainda, segundo a autora, talvez somente em alemão seja possível aproximar o inconsciente e o estranho dessa forma, porém, Freud mostra que o un- indica a oscilação que o estranho, tal qual o inconsciente, é tão não-familiar que faz-se, de fato, conhecido, familiar, e que de tão familiar e íntimo, o conteúdo em questão torna-se oculto. Freud (1919/2006) busca explicar o sentimento de estranheza que algumas situações causam como remententes, ainda que de forma assustadora, à uma sensação de familiaridade, como observou a partir do conto "O Homem de Areia" de E.T.A. Hoffman (1915). Opta-se assim, nesse trabalho, por incluir um resumo descritivo do conto “O Homem de Areia” para dar continuidade à discussão do artigo de Freud e para, a partir daí, retomar os diálogos sobre o estranho.

2.1.

der Sandmann19

O Homem de Areia (HOFFMANN, 1915/2010) é um conto de literatura fantástica que traz a história de Natanael e sua relação com um homem que ocupa suas lembranças infantis e acontecimentos derradeiros de sua vida adulta. É Natanael que inicia o conto, ao escrever uma carta, descrevendo seu temor à seu amigo Lotar sobre seu presságio quanto à visita de um vendedor de barômetros, que o fez lembrar de sua infância. Conta que quando pequeno ouvia sua mãe falar-lhe que certas noites em que seu pai recebia a visita do Homem de Areia, com seus passos pesados que causavam em Natanael uma impressão aterradora, embora sua mãe justificasse que não se tratava de uma pessoa, mas do sono que fazia com que as crianças ficassem com os olhos pesados, como se tivesse areia neles.

19

der Sandmann é o título original de O Homem de Areia, publicado em 1915.

43 Continua contando que quando, ao questionar sua babá, Natanael adquire medo terrível do Homem, visto que ela lhe conta que ele aparece quando as crianças não querem dormir, e joga punhados de areia nos olhos, fazendo-os saltar sangrando dos rostos e leva-os para a lua, para alimentar sua ninhada de corujas. Conta que ainda jovem, tomado por curiosidade, certa noite, finalmente resolveu esconder-se no gabinete de seu pai para conhecer o Homem de Areia, e descobriu que o temível visitante é o advogado Coppelius, que era repugnado pelas crianças com seu tamanho e aparência nojentos que estragavam os pequenos prazeres destinados à Natanael e seus irmãos. Nesta noite, Natanael presencia Coppelius e seu pai em um ritual que não soube explicar, mas que o advogado, com fisionomia demoníaca, exigiu olhos. Aterrorizado Natanael grita, e é pego por Coppelius que passa a exigir então seus olhos infantis. Seu pai implora que estes sejam poupados até que então o jovem cai em convulsão profunda, e desperta do que chama um sono de morte, semanas depois, por sua mãe. É apenas um ano depois que Coppelius reaparece, fazendo surgir novamente o terror em Natanael. Depois da meia-noite uma grande explosão no gabinete de seu pai desperta a todos na casa. Quando chega ao local, vê seu pai morto aos pés da fogueira, desfigurado. A polícia procura o advogado, mas este some misteriosamente. Eis que Natanael retoma a história de volta ao presente, relatando novamente sobre seu presságio, e afirma a Lotar que o vendedor de barômetros é Coppelius, com outras roupas, mas sua fisionomia é inegavelmente a mesma, e seu nome agora é Giuseppe Coppola. E, por isso, ele aguarda desgraças em sua vida, mas pretende vingar a morte do pai. Quem responde sua carta é Clara, irmã de seu amigo Lotar, a quem erroneamente havia destinado sua missiva. Clara conta a Natanael que a descrição de sua experiência e a presença de Coppola (Coppelius) chegaram a aterrorizar muito, até mesmo tiraram-lhe o sono, mas que, no entanto, ela via as coisas com profunda tranquilidade, visto que do seu ponto de vista, Natanael associou Coppelius ao Homem de Areia pelo fato de o advogado odiar crianças; e que as práticas do pai nada mais eram do que experiências alquímicas, e o receio da mãe justificava o valor e tempo gastos. Diz ainda que crê em forças obscuras, mas é o pensamento alerta e um caminho tranquilo e sábio que afastam as pessoas dessas

44 forças; e pede que Natanael esqueça-se de Coppelius e de Coppola, que tais figuras não podem ter poder sobre ele. Pede que ele se convença disso. Natanael envia uma carta a Lotar, lamentando sua própria distração ao endereçar a carta à Clara, e conta que seu professor de física, de nome Spalanzani, conhece Coppola há muito, e que ele não pode ser Coppelius, mas não se sente completamente tranquilo. Passa então a descrever seu encontro com Olímpia, filha de seu professor: uma mulher bonita, de rosto angelical, mas que o incomodou por, de longe, parecer não olhar para nada, como se dormisse de olhos abertos. Dando continuidade ao conto, o narrador, que não é nenhum dos personagens citados, descreve o que ocorreu com Natanael, tendo o começo explicado pelas três cartas que se mostra até então. Quando Natanael volta da viagem de estudos, reencontra Clara e Lotar, mas algo estava diferente nele. Ele falava de forma sombria que qualquer assunto era tido como sonho e pressentimento, e ninguém era capaz de fugir do destino, em sua opinião. Natanael precisava voltar à cidade para completar seus estudos. Ao chegar à cidade, descobriu que seu apartamento estava completamente queimado. Creditouse o evento a um incêndio no apartamento inferior, no qual morava um farmacêutico, havendo tempo necessário que amigos resgatassem livros e manuscritos de Natanael, levando-os para outro quarto, no qual Natanael logo se instalou. O rapaz logo percebe que passa a morar em frente ao apartamento de seu professor, Spalanzani, e que de sua janela podia observar a bela Olímpia, que por horas sentava-se imóvel, olhando para o nada. Até que, em uma tarde, recebe a visita de Coppola, oferecendo-lhe não barômetros, mas olhos. Natanael se desespera enquanto o vendedor começa a colocar diversas lunetas, binóculos e óculos sobre a mesa, que o rapaz via como olhos inflamados atirando no peito dele raios vermelhos de sangue. Só quando gritou com o vendedor, e este guardou todos seus itens, é que Natanael acalmou-se e percebeu, tal como Clara apontara, que se tratava de aparições que só tomavam forma em sua mente. Para remediar, Natanael compra um binóculo de bolso, ricamente trabalhado, involuntariamente apontando a lente para o quarto de Spalanzani, e pôde ver Olímpia e seu semblante, onde apenas os olhos lhe pareciam hirtos. Perdido em sua contemplação, o rapaz teve de ser interrompido por Coppola, que pedia o valor referente ao binóculo, e não saiu do local sem lhe dirigir estranhos olhares.

45 Logo se apaixona por ela tão violentamente que, por sua causa, esquece a moça talentosa e sensível de quem está noivo. Mas Olímpia é um autômato, cujo mecanismo foi feito por Spalanzani e cujos olhos colocados por Coppola, O Homem da Areia. O estudante surpreende os dois Mestres discutindo quanto ao seu trabalho manual. O oculista leva embora a boneca de madeira, sem olhos; e o mecânico, Spalanzani, apanha no chão os olhos sangrentos de Olímpia e os arremessa ao peito de Natanael, dizendo que Coppola os havia roubado do estudante, Natanael sucumbe a um novo ataque de loucura e, no seu delírio, a recordação da morte do pai mistura-se a essa nova experiência. ‘Apressa-te! Apressa-te! Anel de fogo!’ grita ele. ‘Gira, anel de fogo – Hurrah! Apressa-te boneca de pau! Linda boneca de pau, gira –‘. Cai então sobre o professor o ‘pai’ de Olímpia, e tenta estrangula-lo. (FREUD, 1919/2006, p. 247).

Algum tempo depois, Natanael acorda cercado por seus amigos, sua mãe e Clara. Natanael e Clara decidem visitar a torre da prefeitura para aproveitar a vista das montanhas. Ao apalpar o bolso, pegar o binóculo de Coppola e mirar as montanhas, que Natanael encontra-se com os olhos de Clara. Para ele, seus olhos giram na órbita, e expelem fogo. Começa então a saltar, gargalhar e gritar, e, com violência, tenta jogar Clara da torre, mas Lotar, ao ouvi-la gritar, corre para salvá-la, conseguindo o feito, deixando Natanael sozinho no alto da torre, e esse, quando observa Coppelius na multidão, precipita-se para o chão, indo a óbito.

2.1.1. Contribuições das Análises de O Homem de Areia

Freud (1919-2006) elabora a análise do conto, partindo dos estudos realizados por Jentsch20 (1906), e destaca que, para este, o aparecimento da dúvida é o fator mais relevante para o ensaio. A dubiedade ocorre em relação ao conhecimento sobre se o ser está realmente vivo, ou se é apenas um objeto sem vida e autômato (Olímpia), além da estranheza que tal situação causa no leitor. Em outras palavras, Jentsch foca seus estudos na incerteza intelectual que o estranho desperta a partir da natureza do ser. Muito embora Freud (1919-2006) concorde que Jentsch tenha feito avanços teóricos sobre o estranho, não limita à incerteza intelectual e à redução da estranheza a justificativa do aparecimento de um autômato, ou dessa espécie de

20

Ernst Jentsch (1867) foi um psiquiatra alemão autor do livro Psicologia do Estranho (1906).

46 dúvida. Ou seja, em O Homem de Areia, a história da boneca Olímpia não é a única responsável pela criação da atmosfera estranha. Sabemos agora que não devemos estar observando o produto da imaginação de um louco, por trás da qual nós, com a superioridade das mentes racionais, estamos aptos a detectar a sensata verdade; e, ainda assim, esse conhecimento intelectual não diminui em nada a impressão de incerteza. (FREUD, 1919/2006 p. 248).

Ceserani (2006) aponta que “o sentimento de inquietação tem a ver com experiências bem mais amplas e profundas do que aquelas ligadas aos autômatos, ou com seres animados que parecem privados de vida” (p. 14). Para Freud (1919/2006) o tema principal do conto, responsável pelo contexto e pelo aparecimento do estranho, é o Homem da Areia - é este personagem o fato chocante: O homem que arranca os olhos das crianças, e marca terrivelmente o personagem principal do conto. Pela experiência da psicanálise, aponta Freud (1919-2006), o medo de perder ou ferir os olhos é um dos temores maiores das crianças, e está ligado ao temor de ser castrado. “A hipótese de que a angústia em relação aos olhos tem relação com a castração revela-se no enredo ficcional: a angústia de Natanael se relaciona diretamente com a morte do pai” (FURTADO, 2010, p.9, grifo do autor). Tal qual o mítico Édipo que perfura seus olhos como forma de punição por seu crime, no conto, Natanael se dá com o Homem da Areia, um perturbador do amor, que o afasta de seus objetos de amor: o pai, Olímpia e, por fim, Clara. Furtado acrescenta: “o complexo de castração infantil é o agente responsável pelos sentimentos de estranheza, e se relaciona, no conto, com os desdobramentos da figura do ‘Homem da Areia’” (2010, p. 10). “O que os explica só pode ser o recalque: a relação de repulsa que há entre o eu e o recalcado inconsciente, presentificada no caráter infantil [...] do tema da castração” (PORTUGAL, 2006, p. 77). A saber, a castração diz respeito a uma experiência psíquica inconsciente vivida pelo sujeito, decisiva para a identidade sexual. Tal ocasião fornecerá, ao preço de angústia, pela primeira vez, o reconhecimento, por parte da criança, da diferença entre os sexos. “Até ali, ela vivia na ilusão da onipotência; dali por diante, com a experiência da castração, terá de aceitar que o universo seja composto de homens e mulheres” (NASIO, 1997, p. 13). O complexo de castração não se reduz à

47 um momento cronológico, mas à experiência inconsciente que se renova ao longo da vida. O complexo de castração compõe-se de duas representações psíquicas. Por um lado, o reconhecimento, que implica a superação da renegação, inicialmente observada, da diferença anatômica entre os sexos. Por outro, como consequência dessa constatação, a rememoração ou atualização da ameaça da castração, no caso do menino, ameaça esta que é ouvida ou fantasiada, particularmente por ocasião de atividades masturbatórias, e que assim vem manifestar-se a posteriori. Para Freud, o pai (ou a autoridade paterna) é o agente direto ou indireto dessa ameaça. Na menina, a castração é atribuída à mãe, sob a forma de uma privação de pênis. O complexo de castração, além da renúncia parcial à masturbação, implica o abandono dos desejos edipidianos: nisso ele assinala, para o menino, a saída do Édipo e a constituição da identificação com o pai ou seu substituto, do núcleo do supereu [...]. Na menina [...] é essa entrada no complexo de Édipo, sob efeito do complexo de castração, que leva a menina a se afastar do objeto materno, a fim de se orientar para o desejo do pênis paterno e, além dele, para a heterossexualidade. (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 106).

Dada a ligação a um processo infantil, Freud (1919/2006) levanta a questão de que, caso se aponte um fator infantil como motivo causador do sentimento de estranheza, deve-se então poder aplicar tal teoria a outros exemplos de estranho. Dessa forma, destaca-se outro detalhe do conto de Hoffmann que remonta às experiências infantis: o da boneca viva e, neste caso, afirma que antes de gerar um medo terrível na criança, possuir uma boneca viva é até desejável. Não sendo, portanto, um medo, mas um desejo, ou simplesmente uma crença infantil que se liga ao sentimento de estranho. Freud acentua ainda os temas de estranheza que mais se destacam no texto de Hoffman, e que podem ser atribuídos a causas infantis. Assim, diz o autor, “todos esses temas dizem respeito ao fenômeno do ‘duplo’, que aparece em todas as formas e em todos os graus de desenvolvimento” (1919/2006, p. 252). Em Hoffmann, pode-se observar que os personagens se assemelham entre si, e tal relação é acentuada com a ocorrência de processos mentais que tornam o conhecimento, a experiência e o sentimento comum a um e a outro, assim se assemelham a tal ponto que podem ser considerados idênticos, apresentando-se ora ruins, ora protetores. (FREUD, 1919/2006).

48 De acordo com Freud, foi Otto Rank21 (1914), quem desenvolveu um trabalho eficiente sobre o duplo. Ele penetrou nas ligações que o ‘duplo’ tem com reflexos em espelhos, com sombras, com os espíritos guardiões, com a crença na alma e com o medo da morte. [...] Originalmente, o ‘duplo’ era uma segurança contra a destruição do ego, uma ‘energética negação do poder da morte’ como afirma Rank, e provavelmente, a alma ‘imortal’ foi o primeiro ‘duplo’ do corpo. [...] Tais ideias, no entanto, brotaram do solo do amor-próprio ilimitado, do narcisismo primário que domina a mente da criança e do homem primitivo. Entretanto, quando essa etapa está superada, o ‘duplo’ inverte seu aspecto. Depois de haver sido uma garantia da imortalidade, transforma-se em estranho anunciador da morte. (FREUD, 1919/2006, p. 252).

É necessário admitir, diz Freud (1919/2006), que existem outros elementos que determinam a criação de sensações estranhas, mas há outras que “estão relacionadas entre si pelo típico caráter ambíguo entre aquilo que é ‘latente’ e aquilo que é ‘manifesto’ à consciência” (CESERANI, 2006). Então, quais outras contribuições Freud (1919/2006) oferece para a compreensão do estranho?

2.2.

Outros fatores que levam ao estranho.

Freud (1919/2006) não se limita ao conto de Hoffmann para discorrer sobre o sentimento estranho que desperta em diversas situações. De acordo com o autor, diversos são os fatores que transformam algo diferente em algo estranho, e não apenas ligados ao complexo de castração. O estranho se encontra aqui na relação do duplo com o conteúdo inconsciente que retorna. Em outras palavras, a “estranheza só pode advir do fato de o ‘duplo’ ser uma criação que data um estádio mental muito primitivo [...]. O ‘duplo’ converteu-se num objeto de terror, tal como após o colapso da religião, os deuses se transformaram em demônios” (FREUD, 1919/2006, p. 254). O fator de repetição é sujeito a determinadas condições e circunstâncias que provocam sensações estranhas, mesmo que não seja para todas as pessoas a fonte 21

Otto Rank (1884-1939) foi um pupilo de Freud em Viena, é reconhecido por seus trabalhos em filosofia, literatura e mito em psicanálise.

49 de tal situação. Além da estranheza, essas ocasiões podem evocar uma sensação de desamparo, semelhante com a vivenciada em estados oníricos. (FREUD, 1919/2006). Tal fator, ou o retorno involuntário da mesma situação, Freud nomeará de compulsão à repetição, que se trata de “uma compulsão poderosa o bastante para prevalecer sobre o princípio de prazer, emprestando a determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco, [...], o que quer que nos lembre esta íntima ‘compulsão à repetição’22 é percebido como estranho”. (Ibid. p. 256, grifo do autor). Se essas formas de compulsão à repetição eram realmente o aspecto assumido pelo retorno do recalque, era impossível sustentar que obedecessem unicamente à busca do prazer: com efeito restava uma espécie de resíduo que escapava a essa determinação, um ‘mais-além do princípio de prazer’. [...] Essa compulsão, essa força pulsional que produz a repetição da dor, traduz a possibilidade de escapar de um movimento de regressão, quer seu conteúdo seja desprazeroso ou não. (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 657).

A compulsão à repetição é um fator importante não apenas para a compreensão das sensações de estranho, mas também, para a psicanálise. Freud (1919/2006) traz para a discussão outros exemplos em que se pode observar situações estranhas, “se tomarmos outro tipo de coisas, é fácil verificar que também é apenas esse fator de repetição involuntária que cerca o que, de outra forma, seria bastante inocente, de uma atmosfera estranha” (p. 255). Torna fatídico algo que ter-se-ia tomado por sorte, ou azar. A literatura fantástica oferece um exemplo rico, tanto dessa situação fatídica quanto do sentimento de estranheza. No conto “Azar o Meu”, um bancário acorda em um dia atípico, com sensações ruins, gasturas e acontecimentos que lhe trazem mal estar. Sentei-me na cama num pulo. Senti meu coração na garganta. Não sabia o motivo. Olhei pro despertador e descobri que estava dez minutos atrasado. Quando coloquei o pé no chão senti todos os ossos do meu corpo se estalarem [...] Meti a escova no incisivo central superior e lágrimas me vieram aos olhos. Minhas mãos pareciam ter aumentado de tamanho durante o sono, eu não sabia muito bem como controlá-las. Amarrar o cadarço se tornou algo complicado, ainda mais com meus pés apertados lá dentro. (PIMENTA, 2012, s/p.).

22

O conceito de compulsão à repetição é trabalhado extensamente por Freud em sua obra extremamente importante para o desenvolvimento da psicanálise em “Além do Princípio do Prazer” de 1920.

50 Não obstante, ao iniciar seus trabalhos, o personagem é cobrado e rechaçado por seu gerente, além deste cortejar a mulher pela qual o personagem demonstra interesse, ainda fica embaraçado por ela lhe dedicar alguma atenção especial, e, por fim, quando questiona se algo mais falta lhe acontecer, o local é surpreendido por assaltantes. Em meio ao assalto, o personagem começa a passar por mudanças corporais, que, a princípio, julga se tratar de pressão devido à situação, porém, o que ocorre é uma transformação: o homem então era um lobisomem que retalha, amputa e mata os assaltantes, rapta a jovem que é seu interesse, e somente quando surpreendido por policiais para. “Percebi que iriam atirar. Já era meia noite. A lua emergia. Quando a chuva de balas começou uivei.” (PIMENTA, 2012, s/p.) E é o comentário final, que torna este, um exemplo para o contexto indicado por Freud. Sentei-me na cama num pulo. Senti meu coração na garganta. Eu sabia o motivo. Era um pesadelo. Eu não era uma fera, não era um herói, e Julia nunca havia me notado. Para o meu azar era uma mera sexta feira 13, para um mero bancário. (PIMENTA, 2012, s/p.).

Freud (1919/2006) ainda aproxima a compulsão à repetição e o sentimento de estranheza a partir de dois pontos: o princípio de onipotência do pensamento, e consequentemente a concepção animista do universo, quando ocorria uma ...supervalorização narcísica, do sujeito, de seus próprios processos mentais, pela crença na onipotência do pensamento dos pensamentos [...]; bem como por todas as outras criações, com a ajuda das quais o homem, no irrestrito narcisismo desse estádio de desenvolvimento, empenhou-se em desviar as proibições manifestas da realidade. (FREUD, 1919/2006, p. 257-258).

Assim, o estranho é aquele que surpreende o sujeito, e toca nos resíduos dessa fase narcísica, como um elemento que foi reprimido e que retorna, independente de tal elemento estranho ter sido originalmente assustador, ou se trazia algum outro afeto. É algo familiar, e estabelecido na mente, que foi alienado através do processo de recalque. A saber, o recalque é um importante conceito elaborado por Freud que diz respeito a um processo que ocorre em três tempos: o recalque propriamente dito; o recalque primário; e o retorno do recalcado. O recalque primário é “resultante de uma recusa inicial do inconsciente a se encarregar do representante de uma pulsão” (ROUDINESCO e PLON, 1998, p. 663), o recalque é constitutivo do inconsciente,

51 faz parte dele e “exerce sobre excitações internas, de origem pulsional, cuja persistência provocaria um excessivo desprazer.” (Ibid. p. 662), o terceiro tempo, o retorno do recalcado, se manifesta sob a forma de sintomas, como sonhos, esquecimentos e atos falhados. Dentre os exemplos ainda citados por Freud (1919/2006) sobre os efeitos de estranhamento despertos em situações determinadas, destaca-se a da relação do sujeito com a morte. Na literatura fantástica, diversos personagens apresentam essa relação: vampiros, fantasmas, espíritos e zumbis, entre outros. ‘Todos os homens são mortais’ é mostrada nos manuais de lógica como exemplo de uma proposição geral; mas nenhum ser humano realmente a compreende, e o nosso inconsciente tem tão pouco uso hoje, como sempre teve, para a ideia da sua própria mortalidade. As religiões continuam a discutir a importância do fato inegável da morte individual e a postular uma vida após a morte. [...]. Uma vez que quase todos nós ainda pensamos como selvagens acerca desse tópico, não é motivo para surpresa o fato de que o primitivo medo da morte é ainda tão intenso dentro de nós e está sempre pronto a vir à superfície por qualquer provocação. E muito provável que o nosso medo ainda implique na velha crença de que o morto torna-se inimigo do seu sobrevivente e procura levá-lo para partilhar com ele a sua nova existência. (FREUD, 1919/2006, p. 259, grifo do autor).

A literatura fantástica traz uma vasta gama de exemplos sobre a relação do sujeito com a morte. Sobre essa temática, em Ceserani (2006), pode-se apontar dois pontos: o primeiro ligado à vida dos mortos, com apresentação de bruxas e espíritos e evocações; e de Lugnani, o autor aponta uma segunda temática, a de um mundo obscuro: “o lugar das verdades indizíveis, encantos obscuros, dos pavores irresistíveis, das tentações inconfessáveis.” (Ibid. p. 79). Nota-se claramente nesse segundo ponto, a aproximação do tema fantástico com o inconsciente23. No prefácio de “Aos Olhos da Morte” de M. D. Amado (2010), Pinheiro nos apresenta o tema do livro da seguinte forma: Desde que o homem deixou a senda da ignorância e tomou ciência da brevidade de seus dias, o peso desta palavra esteve sempre rondando seus pensamentos. Em toda a história humana, ela vem alimentando o medo, o temor e o receio do fim, da incerteza do que vem depois do último suspiro (p. 11).

23

Roudinesco e Plon (1998) aponta que em uma carta 1898, Freud oferece uma definição de inconsciente divertida, que oferece uma visão da importância do mesmo para a formação do sujeito. “Escreve: ‘Meu trabalho foi me inteiramente ditado pelo inconsciente, segundo a célebre frase de Itzig, o cavaleiro amador: ‘ – Para onde está indo, Itzig? – Não tenho a menor ideia. Pergunte a meu cavalo!’’” (p. 376).

52 Neste mesmo livro, Amado nos presenteia com o conto “E ela veio, nua e linda”, sobre um homem cuja vontade “era de andar sobre as nuvens e esquecer tudo por aqui. Esquecer pessoas que cruzaram meu caminho. Esquecer as traições, os falsos amigos...” (2010, p. 20), e assim, distraído, encontrou-se com uma mulher, linda, e desse encontro, o homem saiu modificado. Quando encontraram meu corpo no estacionamento do shopping, ao lado do carro, os médicos disseram que morri de um ataque do coração. Pobres coitados! Pensam serem senhores de suas ciências, mas não entendem, não conhecem, não conseguem sentir as nuances da morte. Meu coração não sofreu nenhum ataque, pelo contrário, foi acariciado por aquelas leves e delicadas mãos. (AMADO, 2010, p. 22).

Das pessoas vivas, Freud (1919/2006) aponta que o sentimento de estranho é desperto quando atribuímos aos outros intenções maldosas, e mais: tais intenções, diz, são alcançadas através do auxilio de poderes especiais, como ocorre com a impressão causada por superstições, que traz novamente à tona a concepção animista do universo. O estudo do estranho contribui ainda, entre outras coisas, para a compreensão clínica dos neuróticos. Freud (1919/2006) faz diversas observações que complementam a compreensão clínica. Em seus pacientes, quanto à onipotência

do

pensamento,

afirmavam,

por

exemplo,

que

possuíam

pressentimentos que se tornam realidade, e que isso os marcava de alguma forma. No entanto, as contribuições específicas para a clínica das neuroses não são o objeto desse estudo, cabendo aqui apenas como observação. A loucura e a epilepsia possuem a mesma origem de estranhamento, "o leigo vê nelas a ação de forças previamente insuspeitas em seus semelhantes, mas ao mesmo tempo está vagamente consciente dessas forças em remotas regiões do seu próprio ser” (FREUD, 1919/2006, p. 260). E há também o efeito quando se extingue o limite entre a realidade e a imaginação: Refiro-me a que um estranho efeito se apresenta quando se extingue a distinção entre imaginação e realidade, como quando algo que até então considerávamos imaginário surge diante de nós na realidade, [...]. É esse fator que contribui não pouco para o estranho efeito ligado às práticas mágicas. Nele, o elemento infantil, que também domina a mente dos neuróticos, é a superenfantilização da realidade psíquica em comparação com a realidade matéria – um aspecto estreitamente ligado à crença na onipotência dos pensamentos. (FREUD, 1919/2006, p. 261).

53 Trata-se do limiar entre realidade e imaginação. Mais especificamente, o modo como o sujeito se arranja com sua própria realidade. A história do sujeito é de caráter ficcional, posto que nunca o que é dito corresponde com os acontecimentos ou é totalmente recordado. (FORBES, 2012, p. 2). Isso será retomado no próximo capítulo. Tendo em mente que o efeito do estranho se produz na medida que o conteúdo é algo recalcado que posteriormente volta à tona, é necessário compreender que nem tudo que condiz com esta situação assim se configura, ou seja: “nem tudo que evoca desejos reprimidos e modos superados de pensamento – que pertencem à pré-história do indivíduo e da raça – é por causa disso estranho” (FREUD, 1919/2006, p. 262). O pai da psicanálise aponta que o estranho pode se originar em diferentes níveis. O primeiro, próximo à realidade material, diz respeito à relação da onipotência do pensamento. Assim, basta um teste de realidade para que o estranho se dissipe, ou sequer ocorra. Quando o sujeito não se sente seguro em relação, por exemplo, à volta dos mortos, acaba acreditando nas crenças de que os mortos retornam, quando, ao contrário, já não tenha qualquer relação com as crenças animistas, será insensível a tais sentimentos. Há um segundo nível que incorre à realidade psíquica, como é o caso do complexo de castração, e de algumas fantasias, nesse caso caracterizando com o retorno daquilo que foi recalcado. Deve-se saber que o que é experimentado, vivido pelo sujeito é condicionado, porém carece de mais exemplos, diferente daquilo que se passa na literatura, daquilo que se lê. Mello aponta que Freud “ao postular que o homem é regido por forças de outra ordem que não a consciência, ele demonstra o quanto o homem é estranho a si mesmo” (2010, p. 154). Aqui, cabe questionar, então, qual a relação do estranho, descrito até aqui, com a literatura?

2.3.

O estranho ficcional

Uma pergunta realizada por Freud (1919/2006) e retomada por Portugal (2006) direciona a discussão do estranho, análises e o diálogo com a literatura fantástica: Por que tanta ficção para falar do estranho?

54 Em “O ‘Estranho’” Freud não se afasta do desenvolvimento da teoria psicanalítica, no entanto, privilegia a “ficção que, através da própria trama do texto, promove a identificação do leitor com um ou outro personagem, provocando mais amplos efeitos de estranhamento que os vividos no cotidiano, ou conseguindo desloca-los para outros, como o efeito cômico” (PORTUGAL, p. 22). Freud (1919/2006) aponta que mesmo tendo profícuos exemplos que atestam a origem do estranho, os fatores principais que contradizem o estranho são, justamente, encontrados na literatura. Esta, mesmo oferecendo inúmeros exemplos de estranho, atesta também casos em que o estranho não ocorre. É o caso dos contos de fadas que, apesar de conter fatores fantásticos, em momento algum causa qualquer tipo de estranheza, já que os contos de fadas não despertam no leitor “um conflito de julgamento quanto a saber que as coisas que foram ‘superadas’ e são consideradas incríveis não possam, afinal de contas, ser possíveis”. (Ibid., p. 266). A morte aparente e a reanimação dos mortos têm sido representadas como temas dos mais estranhos. Também as coisas desse gênero são, contudo, muito comuns em histórias de fadas. Quem teria a ousadia de dizer que é estranho, por exemplo, quando Branca de Neve abre os olhos uma vez mais? (FREUD, 1919/2006, p. 263).

Poderíamos justificar tal posição por outro ângulo, quando Todorov (2008) aponta especificamente que os contos de fadas possuem um sentido alegórico que se perde do fantástico, e, consequentemente, as fábulas não podem ser consideradas dessa maneira, visto que o grau de alegoria é tal que os elementos sobrenaturais (e assim, os estranhos) desaparecem. A literatura fantástica é aquela que prioriza o sentido literal - ocorre em casos como os contos de Perrault, nos quais as alegorias apresentam-se em forma de moral em versos ao final. Assim fica o questionamento: o estranho não estaria, pois, ligado intrinsicamente às formas de narrativa? O estranho ficcional é um campo muito mais fértil do que aquele que ocorre a vida real. O estranho da ficção contém o estranho da vida real e a via além, para aquilo que não pode ser encontrado da vida real: “O contraste entre o que foi reprimido e o que foi superado não pode ser transposto para o estranho da ficção sem modificações [...]; pois o reino da fantasia depende, para seu efeito, do fato de que o seu conteúdo não se submete ao teste de realidade” (FREUD, 1919/2006, p. 266).

55 O estudo do estranho acrescenta, ainda, sobre a experimentação de uma determinada divisão do sujeito (externa-interna), bem como um deslocamento do sentimento de estranheza para o autor de uma obra “que passa a ser considerado estranho para nós, e ficamos na dúvida sobre a consistência de sua trama, ou então somos possuídos dos mais puros efeitos do inconsciente” (PORTUGAL, 2006, p. 47). É justamente devido às técnicas narrativas e procedimentos formais que torna-se mais fácil criar efeitos estranhos na literatura, em contraste com a vida real. Em concordância com Todorov (1998), Freud afirma que para o efeito do estranho é necessário partir da premissa da dúvida em relação à realidade. O escritor imaginativo tem, entre muitas outras, a liberdade de poder escolher o seu mundo de representação, de modo que este possa ou coincidir com as realidades que nos são familiares, ou afastar-se delas o quanto quiser. (FREUD, 1919/2006, p. 266).

Em sua obra “Delírios e Sonhos de Gradiva de Jensen” de 1907 [1906], Freud dirá que os escritores nutrem-se de fontes não acessíveis à ciência, referindo-se à conteúdos sensíveis de difícil acesso, e, também diz, escritores são exímios observadores da mente humana. Para exemplificar tamanha facilidade para se criar o estranho em literatura, o próprio exemplo da análise de Freud (1907 [1906]/2006) ao analisar a história de Gradiva de Jensen, embora não necessariamente uma história fantástica, aponta que, Gradiva, até então tratava-se de uma bonita mulher esculpida em um relevo romano, ao tornar-se a obsessão de um jovem arqueólogo, aparece em seus sonhos, porém, em dado momento da história, surge em uma figura imaginária. Diz “acaso seria ela uma alucinação do nosso herói, perturbado por seus delírios, ou seria um ‘verdadeiro’ fantasma, ou ainda uma pessoa viva?” (p. 26, grifo do autor). Freud (1919/2006) aponta que o estranho ficcional pode dissipar-se, não apenas nos contos de fadas, mas quando, por exemplo, o escritor opta por um contexto menos imaginário, porém ainda diferente do mundo real, e as personagens (almas, fantasmas, demônios, etc...) são tidas válidas, assim como o homem possui a existência válida na realidade material. O autor está aqui, em sintonia com o descrito por Todorov (1998) na medida em que, para o segundo, quando a dúvida deixa de existir, não se trata mais de um

56 conteúdo fantástico, mas sim de um maravilhoso aceito. Porém, não cabe esquecer Ceserani (2006) que explica que o modo literário, então amplo, abrange, mesmo sem que haja a dúvida, o fantástico em suas diversas nuances. Para Freud (1919/2006) o estranho é mais eficaz, mesmo na literatura, quando as situações evocadas relacionam-se com o estranho que provem dos pensamentos que já foram superados (concepção animista do universo, onipotência do pensamento), na medida em que mantem a proximidade do contexto com a realidade material. De um modo geral, adotamos uma invariável atitude passiva em relação à experiência real e submetendo-nos à influência do nosso ambiente psíquico. Mas o ficcionista tem um poder particularmente diretivo sobre nós; por meio do estado de espírito em que nos pode colocar, ele consegue guiar a corrente de nossas emoções, represá-la numa direção e fazê-la fluir em outra, e obtém com frequência uma grande variedade de efeitos a partir do mesmo material. (FREUD, 1919/2006, p. 268).

Em outras palavras: para causar estranheza ficcional, depende-se não apenas dos conteúdos que se evocam na narrativa, mas também de certo grau de identificação do leitor, bem como da forma como se desenvolve a narrativa e do grau de conhecimento do leitor em detrimento do conhecimento demonstrado pelo personagem. O artigo de Freud oferece material precioso para compreender o impacto da literatura fantástica no leitor, bem como, em parte, os conteúdos fantásticos são evocados no sujeito. Freud irá aproximar o estranho do inconsciente à medida que o que desperta estranheza é um conteúdo ligado ao inconsciente. O que era oculto torna-se familiar, pois veio à luz. É o retorno do recalcado que possui conexão com o sujeito. Em outras palavras, pode-se notar que o fator principal do estranhamento, e este em relação à literatura fantástica, são os conteúdos que retornam ao leitor como familiar. Formas de pensamento tidas como superadas e os complexos infantis são os fatores mais marcantes nesse conteúdo que retorna. Na literatura, pode-se notar que o estranhamento dependerá de certo grau de técnica narrativa, do contexto e das características mais próximas à realidade material. Portugal (2006) diz que “pode-se supor que, sem imaginário, não há estranho. É preciso que se mantenha pelo menos um fio, que possa tocar o sujeito na sua ligação com a imagem, com o outro” (p. 47).

57

O artifício do escritor na trama – e não na fábula – é que teria condição de decidir pela estranheza, quando são tocados aqueles pontos nos quais a própria estrutura da linguagem mostra seus buracos. O escritor, como um fazedor, convoca nosso imaginário a acompanha-lo e, se sua trama é bem consistente, sustentada a ‘boa’ causalidade ficcional, aceitamos seus pressupostos, apenas com o distanciamento que nos convém. Nessa 24 realidade ‘fingida’, ‘fictícia’, o afeto que nos causaria a divisão é elaborado com a participação de nosso imaginário. (PORTUGAL, 2006, p. 47).

Já se pode vislumbrar que o estranho, tal qual o inconsciente, se aproxima de determinados temas da literatura fantástica pelos sentimentos despertos por este último. Quando o tema fantástico diz daquele mundo obscuro, um lugar de verdades indizíveis e inconfessáveis. Não é apenas ao tratar do estranho que Freud privilegia a ficção. Tal como diz Forbes (2012), a própria história do sujeito carrega um caráter ficcional, e é deste ponto que se pretende aproximar ainda mais a literatura fantástica da psicanálise.

24

O inconsciente, e consequentemente o sujeito, é tido, na psicanálise, como cindido. A divisão ocorre entre o eu (do sujeito) e o conteúdo recalcado; entre o seu desejo, e o que se permite dele ser realizado.

58 3. PARA ALÉM DO ESTRANHO FREUDIANO

”Toda obra artística é autônoma em sua validade

estética,

mas

não

é

independente da cultura de sua época e das influências da cultura de épocas anteriores.” A. L. Aragão25

Pretende-se aqui elaborar e atualizar as concepções freudianas com base nos estudos elaborados a partir de Jacques Lacan (1901-1981). Trata-se de ampliar o horizonte psicanalítico para, então, compreendermos o sujeito e sua relação com a escrita, com a palavra e, consequentemente, com o inconsciente. Conforme dito, a psicanálise estuda um campo já tido como estranho ao investigar trivialidades, acontecimentos banais e insignificantes como sonhos, esquecimentos, fabulações, ironias e refugos da vida cotidiana. Portugal aponta que a prática psicanalítica por si já valoriza aquilo que é estranho, ao passo que investiga trivialidades, fatos e refugos cotidianos, acontecimentos banais que pelos quais a ciência não se interessa, tais como sonhos, chistes, fabulações, ironias, entre outros que possuem conexões com os sintomas e a vida dos sujeitos. “Como consequência disso, uma constante flexibilidade entre teoria, ficção, e detalhes aparentemente triviais é o que concerne ao psicanalista.” (2006, p. 28). Para captar tais passagens da vida, é preciso um olhar diferenciado que permita afastamentos e aproximações, através da proposta de atenção flutuante, que não valorize nada a priori, ao contrário, que privilegie a realidade da fantasia como realidade psíquica. “Freud nunca deixou de reconhecer [...] o método de privilegiar o relato dos sintomas e fantasias, dando a esses um significado de resíduos e reminiscências de situações emocionais” (PORTUGAL, 2006, p. 30). 25

ARAGÃO, A. L.; Gêneros Literários. In. SAMUEL, R. (org.); Manual da Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1985.

59 É justamente no dia-a-dia que Freud “encontrou os caminhos para ‘des-cobrir’ o inconsciente.” (MELO, 2010, p. 157). Para a compreensão do inconsciente, Freud postula o tratamento pela fala, e não estava “preocupado em encontrar verdades universais, sua clínica se baseava ‘na escuta de uma verdade’ [...] ‘um saber que se caracteriza por estar intimamente associado à verdade do sujeito’” (Ibid. p. 159). Portanto, “inclui, como presença necessária, o próprio inventor como objeto de análise na elaboração da invenção, marcada por suas próprias ficções” (PORTUGAL, 2006, p. 47). Forbes (2012) nos dirá que a vida do sujeito já é em si de caráter ficcional: Na Carta 69, Freud comenta com Fliess justamente a necessidade que teve de abandonar [a] primeira concepção [de um evento traumático] e passar a realidade fatual para a realidade ficcional ou psíquica, [...]. A lembrança inconsciente não vem à tona, o que fez com o que Freud abandonasse a expectativa de que, com o tratamento, o inconsciente fosse dominado pelo consciente. Com isso Freud deixa de ter a expectativa da resolução completa de uma neurose e do conhecimento preciso de sua etiologia na infância. A partir desse reposicionamento e Freud, a maioria de seus discípulos passa a se referir à história como ficcional, mantendo-a, no entanto, ainda no passado. Constituem, assim, uma teoria determinista do mal-estar humano (p. 2).

Forbes (2012) aponta ainda que foi Lacan quem ordenou da melhor maneira o Campo Freudiano, diferenciando a história da memória, “lendo em Freud que o essencial é a reconstrução da história, não sua lembrança. Que história não é o passado. Só é o passando enquanto historiado no presente” (p. 3). De acordo com Miller (1999), a psicanálise busca um retorno do mesmo, ao passo que se conta histórias que ocorreram, e mesmo quando o sujeito diz coisas que distrativas (para análise), ainda assim, retoma o fio, “portanto, sob a maré do cotidiano, existe um bloco que permanece inalterável” (p. 8). Borges (2008) aponta que Freud define a psicanálise como uma técnica ‘vertida na escrita’ ou ‘vertido na folha, Lacan, ao definir o inconsciente como ‘estruturado como uma linguagem’ levou às últimas consequências este princípio [...] para a interpretação dos sonhos e extensivo a todas as ‘formações do inconsciente’. (p. 340, grifos da autora).

Linguagem, letra, escrita e significante são os temas que Lacan coloca como cerne de suas discussões. É a desconstrução da concepção clássica de representação que permite perceber que o inconsciente escreve. (BORGES, 20098).

60 Assim como não foi objetivo, no capítulo anterior, elaborar toda a teoria de Freud, não é intenção elaborar e descortinar toda a teoria psicanalítica lacaniana. Porém, acha-se necessário aqui, diferenciar, o Real, o Simbólico e o Imaginário, registros básicos na teoria de Lacan que norteiam a constituição do sujeito.

3.1.

Os Registros Lacanianos

Conforme dito, não é objetivo do trabalho descrever a teoria psicanalítica em seus pormenores. Para tanto, em certa medida de forma arbitrária, será explicado os três registros fundamentais de Lacan, com base em Fink (1998) e Braga (1999): os três registros lacanianos são: o Real, o Simbólico, e o Imaginário, “sem esses três sistemas de referências, não é possível compreender a técnica e a experiência freudianas” (LACAN, 1979, p.89). Este último é tido como “correspondente ao ego (eu) do sujeito, cujo investimento libidinal foi denominado por Freud de Narcisismo” (Braga, 1999, s/p.). É no estágio do espelho que Lacan desenvolve a constituição da função do eu: É bastante conhecido o fato de que, para descrever a fase do espelho, Lacan se utilizou do esquema ótico, ou melhor, de um certo uso do esquema ótico, que fosse capaz de introduzir, além da constituição do eu, também a função do sujeito na relação especular. O estágio do espelho se refere ao período em que o bebê, na idade entre seis e dezoito meses mostra grande interesse em sua própria imagem no espelho. (BRAGA, 1999, s/p).

Ainda, de acordo com a autora, o eu é desenvolvido durante o estágio do espelho, e o reconhecimento da identidade do eu ocorre através da imagem em um jogo oscilante entre o eu e o outro. Senhor e servo do imaginário, o ego se projeta nas imagens em que se espelha: imaginário da natureza, do corpo, da mente, das relações sociais. Buscando por si mesmo, o ego acredita se encontrar no espelho das criaturas para se perder naquilo que não é ele. Esta situação é fundamentalmente mítica. É uma metáfora da condição humana, uma vez que estamos sempre ansiando por uma completude que não pode jamais ser encontrada, infinitamente capturada em miragens que ensaiam sentidos onde o sentido está sempre em falta. (BRAGA, 1999, s/p).

61 Assim, de acordo com Fink (1998) o pensamento começa a partir da ordem simbólica. O simbólico é o lugar da linguagem. “O simbólico cria a ‘realidade’, [...] entendida como aquilo que é nomeado pela linguagem e pode, portanto, ser pensado e falado” (p. 44). Braga (1999) aponta que o registo do simbólico é lei e estrutura sem os quais não haveria cultura: “Lacan chama isso de grande Outro. O Outro, grafado em maiúscula, foi adotado para mostrar que a relação do sujeito e o grande Outro é diferente da relação com o outro recíproco e simétrico ao eu imaginário” (s/p). “A linguagem cria coisas (tornando-as parte da realidade humana) que não tinha existência antes de serem cifradas, simbolizadas ou verbalizadas.” (FINK, 1998, p. 44, grifo do autor). O autor continua, e refere-se ao Real como o tempo antes da palavra, um período pré-linguistico e pré-simbólico. O real é o que havia antes da letra, das palavras e da linguagem. Fink (1998) diz observa: O real talvez seja melhor compreendido como aquilo que ainda não simbolizado, resta ser simbolizado, ou até resiste à simbolização; pode perfeitamente existir ‘lado a lado’ e a despeito da considerável habilidade linguística de um falante. (p. 44, grifos do autor).

Braga (1999) alerta que a realidade corrente não deve ser confundida com o registro psíquico do real. “Na relação do imaginário e do real, e na constituição do mundo [...] depende da situação do sujeito [...] [e esta] é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico” (LACAN, 1979, p. 97). Tendo passado por essa explicação sobre os registros lacanianos, interessa para a continuidade desse trabalho a seguinte linha de raciocínio: “A passagem do Real ao Simbólico, fora da qual o funcionamento do significante e da cultura não pode se colocar em marcha, repousa na potência da letra, e portanto, na escrita” (BORGES, 2008, p. 349).

3.2. A Letra e a Palavra.

Fink (1998) aponta que, para Lacan, o discurso do sujeito não possui apenas uma dimensão, e que é possível encontrar dois tipos de discurso na fala do sujeito: o

62 que diz respeito àquilo que o sujeito quer dizer, ou a fala do eu; e o que diz respeito à fala sem intenção, ou algum outro tipo de fala. Esses diferentes tipos de discurso surgem de lugares psíquicos igualmente diferentes: o eu e o outro. Este último, em Freud, é o lugar do inconsciente, enquanto “Lacan afirma em termos categóricos que ‘o inconsciente é o discurso do Outro’, isto é, o inconsciente consiste naquelas palavras que surgem de algum outro lugar que não da fala do eu” (p.20, grifo do autor). Porém, como o discurso do outro ocorre no sujeito? Lacan explica a estranheza [da linguagem] dessa forma: nascemos em um mundo de discurso, um discurso ou linguagem que precede o nosso nascimento e que continuará após nossa morte. [...]. Essas palavras [nos] são conferidas por séculos de tradição: elas constituem o Outro da linguagem, como Lacan chama em francês (l’Autre du langage), mas que podemos tentar converter em o Outro da linguística, ou o Outro como linguagem. (FINK, 1998, p. 21, grifos do autor).

Lacan (1998) afirma que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, ou seja, a linguagem constitui o inconsciente. Os conteúdos do inconsciente podem ser compreendidos, de acordo com o autor, como representantes de representação, e podem ser igualados aos significantes da linguística (FINK, 1998). O inconsciente nada mais é, do que uma ‘cadeia’ de significantes, tais como palavras, fonemas e letras, que se ‘desdobra’ de acordo com regras muito precisas sobre as quais o eu ou self não possui qualquer tipo de controle. Mais do que ser o lugar privilegiado da subjetividade, o inconsciente, como concebido por Lacan [...] é em si Outro, estranho e inassimilável. (FINK, 1998, p. 26, grifos do autor).

Sendo o inconsciente fundamentado pela linguagem, o desejo é também estruturado pela linguagem, nos diz Fink (1998), “na medida em que o desejo habita a linguagem [...] podemos dizer que o inconsciente está repleto de tais desejos estranhos” (p. 2). O autor afirma que, assim como o sujeito é marcado pela linguagem, esta evolui de acordo com o período histórico. Fink (1998) e Borges (2008) apontam que o inconsciente é também lugar onde ocorrem erros de linguagem. O inconsciente é capaz de trocar letras e fonemas, de articular palavras, e que isso está repleto do outro. “As opiniões e desejos de outras pessoas fluem para dentro de nós através do discurso” (FINK, 1998, p. 27); “estes supostos erros ‘escrevem’ desejos advindos da ‘outra cena’” (BORGES, 2008, p. 345).

63 Borges (2008) afirma ainda que esta é a função da letra. A escrita é o retorno do recalcado, é a volta ao lugar do significante que retorna. Portugal (2006) aponta que a letra, como materialidade do significante, é, a princípio, deslocada para a ruptura que há entre a função simbólica, e para além desta função. Assim “o desgarramento da letra em relação ao sistema do simbólico [...] é o fato de esta ruptura estar associada a uma produção de gozo” (MANDIL, 1997 apud PORTUGAL, 2006, p. 130). A letra é tida como um traço, imagem, sombra, que se pode colocar no lugar do vazio do real, é tida como um semblant, Na perspectiva freudiana, a ficção que consegue sustentar o estranho o faz apoiada nos fatos do inconsciente, na medida em que esse, como retorno de questões tidas por superadas, revela, no entanto, seu fundamento inapreensível, intraduzível, impossível de ser estruturado como uma linguagem. Mas é preciso que se mantenha algo de imaginário, algo da ordem do suposto, ou dos pressupostos [...]. Não há duvidas de que o imaginário seja sustentado pelo semblant, tanto no sentido de aparentar algo como de faire semblant, ou seja, ‘fazer de conta’. [...]. O que podemos concluir é que, entre os pressupostos do autor literário, artifícios e instrumentos colocam-se à sua disposição para lidar com o que o atravessa vindo do real, ou seja, aquilo que poderia vir a romper o semblant. (PORTUGAL, 2006, p. 131-132).

De acordo com Portugal (2006), a letra é o que há em comum entre a literatura e a psicanálise: “a letra é inscrição e separação [...]. Mas é também, segundo Lacan, o que faz borda, litoral entre gozo (Real) e saber (Simbólico), separando e conjugando campos heterogêneos” (p. 162). Não basta aqui elucidar a importância da linguagem para Lacan, sem retomar a discussão proposta desde o início neste trabalho. Buscou-se até aqui explicar as partes desse diálogo em separado, porém, ainda nos resta um tópico, o que a psicanálise, afinal, pode contribuir com a literatura fantástica?

3.3. Algo Novo no Dizer.

Miller (1999) indica que, a despeito do constante retorno do mesmo, do signo da repetição, a psicanálise não deve deixar de elaborar a novidade. Em seu livro “Perspectivas do Seminário 5 de Lacan”, o autor aponta como tema central o desenvolvimento de um novo pensar para a psicanálise, e desse novo pensar,

64 estendemos para a discussão desse trabalho. O autor traz que o algo novo a dizer, e deve ser compreendido como uma mensagem inédita, incongruente, inesperada, paradoxal e, até mesmo, escandalosa. “E no fundo, a única expectativa que podemos ter de uma análise é a de um significante novo, um significante que escape ao código” (MILLER, 1999, p. 10). Interessa, nesse âmbito, o significante que escapa ao código. Esse é o que verdadeiramente cria sentido, e Miller (1999) diz que o valor está na diferença e o sentido é o que se situa no desvio. Pretende-se com esse diálogo entre a literatura fantástica e a psicanálise, propor algo novo a dizer à literatura fantástica, um desvio que foge dos padrões, sem perder totalmente de vista a relação com a norma, ou no caso, com o que já está definido. A intenção de dialogar entre esses campos heterogêneos é dispor de novas perspectivas para a literatura fantástica. Certamente, não é uma concepção clássica do sentido. O clássico precisamente respeita e constitui uma norma estilística, e é o que permite dizer que um escritor é ou poderia ser um clássico. O que caracteriza sua relação com a norma é seu empenho em estar em conformidade com ela, e por esse motivo, existem gêneros clássicos. É exclusivamente no espaço clássico onde a linguagem literária ou pictórica distribui-se em gêneros homogêneos. Numa tragédia é impensável introduzir o burlesco pois não pertence ao gênero, à norma adotada pela produção da linguagem. É por isso que em dado momento e sem maiores desenvolvimentos, diz que ele e a psicanálise estão mais próximos do maneirismo. (MILLER, 1999, p.11)

Assim, não se pode também a literatura fantástica ser o algo novo a dizer para literatura? Não é, pois, o fantástico o gênero, ou modo literário, que escapa das amarras clássicas, e foge às classificações e restrições? A literatura fantástica tal como descrita aqui, possui suas ligações às normas e procedimentos formais, porém há algo que escapa ali: o estranho; o contexto; o sobrenatural que desperta algo no leitor. Cabe aqui o exemplo dado por Miller (1999) sobre um quadro. Embora fuja à temática literária, é este exemplo que ilustra o valor na diferença: “Ppensemos, por exemplo, na Madonna com a criança, de Parmigianino, também chamada de A madona do pescoço comprido”. No detalhe o pescoço, tal como aponta Miller (1999). “É precisamente nesse desvio [...] em Parmigianino, no próprio seio da harmonia, cresce, subitamente, um excesso singular” (MILLER, 1999, p. 11). E o autor diz mais, quando aponta que tal quadro pode ser visto como um neologismo pictórico, e conclui “assim, o desvio está no fundamento do sentido” (Ibid., p.12). O

65 quadro em questão apresenta uma grande normalidade estética, não fosse por um detalhe, o pescoço desproporcional, uma deformação, ainda que bela. Pintura 1 – A Madonna do Pescoço Comprido – 1535/1540.

Fonte: Blog do Noblat, 2007.

26

Na literatura, e, mais precisamente, na literatura fantástica, selecionou-se uma obra da antologia de contos - “Quando O Saci Encontra os Mestres do Terror e Outras Criaturas do Folclore” de 2013, com organização de M. D. Amado e Tânia Souza. O conto “Nem Todo Verão Pertence ao Sol” de Tânia Souza traz a história de uma mulher que viaja para o interior em busca de inspiração para seu livro sobre lendas fronteiriças. Pesquisando o livro de Luís Câmara Cascudo, a mulher encontra 26

Pintura 1: Disponível em , último acesso em 16 de julho de 2013.

66 um manuscrito, não publicado, de correspondências entre o autor e Lovecraft. Nessas cartas, encontra referência a um certo fazendeiro e uma escultura, e foi verificar a procedência. Dizem que as melhores histórias nascem a partir de um se. Tudo o que narro aqui também nasceu de um Se que me levou por caminhos inesperados. Talvez eu esteja louca. E a minha maior loucura é a calma com que escrevo, sabendo do que me espreita lá fora. Eu precisava saber. A sedução dos botos. Sereias. Princesas em cavernas douradas. Mães d’água. Cobras gigantescas. Demônios da água. Monstros cruéis e sedutores. Folclore? Mitos que o tempo quase esqueceu? E se não fossem apenas lendas? E se as cartas falassem a verdade? (SOUZA, 2013, p.223).

Ao encontrar o fazendeiro, com ela, a mulher encontra uma pedra, uma escultura com hieróglifos, tal qual um pequeno totem. De posse desse objeto, perde o desejo de tudo: comer, escrever, viver... Restringe-se a observar, e tocar esse objeto. – O Brasil deveria conhecer as lendas da fronteira. – Apelar para a valorização da região me pareceu um bom argumento, também não funcionou. – É lenda não. É maldição que come alma de gente. – ele se inclinou e senti o cheiro do fumo que mascava um pouco antes. – Já viu alma comida, dona? De juízo sendo trincado no dente? Foi assim com meu Antônio. (SOUZA, 2013, p. 226).

E então estranhos acontecimentos ocorrem, quando ela resolve adentrar a caverna da qual o objeto fora retirado. Monstros uivaram, e criaturas sinistras deixaram as águas. Uma cobra gigante e disforme surgiu. Rituais macabros foram feitos. Sacrifícios imolados... E, então, tão rápido como começou teve fim. Restou apenas o vazio e a escuridão. E a pedra. Rastejei por uma das galerias e em uma cavidade pequena e gotejante, me escondi. Perdi a consciência sob o som de cânticos sibilantes e gritos que arrepiaram minha alma. Horas de pesadelos e angústia que não sei definir. Quando acordei, estava sozinha e não havia como subir, me arrastei por galerias e salões até que finalmente, deixei que um dos rios suaves me levasse pelas crateras abertas na rocha. Não havia nada, absolutamente nenhum ruído quando abri meus olhos. Sentia a garganta dolorida, a pele latejava, os músculos cansados e muita fome. [...] Não tenho ilusões, se estou viva e escrevendo neste diário, é porque eles assim o permitiram. Entretanto, por mais que o medo me devore, necessito escrever e deixar ao mundo as palavras que servem de alerta. Em meu ventre, a filha das águas cresce e quando chegar a hora, que os deuses tenham piedade dos homens no verão que o abominável voltar. As palavras do velho se repetem em minha mente... É pedra que qué a moça. É pedra que qué a moça. E agora, posso entender. (SOUZA, 2013, p. 234).

67

Tal qual o quadro da Madonna, a literatura fantástica mostra-se fugida das normas que inicialmente lhe foram impostas, trazendo algo novo e oculto. Seja o oculto do contexto sobrenatural, seja com o conteúdo que, inconsciente, veio à tona.

68 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Qual o diálogo que pretende-se elaborar aqui entre a psicanálise e a literatura fantástica? Pode-se apontar desde já que a psicanálise, por debruçar-se sobre a constituição psíquica do sujeito, envereda em campos além de seu objeto de estudo, tais quais as produções culturais do homem, como a literatura. O objetivo inicial deste trabalho foi o de aproximar em certa medida a literatura e a psicanálise, a partir da ideia de que tanto a literatura quanto a psicanálise dão lugar à lógica do imaginário, tal como nos diz Otte no prefácio de “O Vidro da Palavra”. Ambos nos oferecem um flerte com o estranho, e nos deixam vislumbrar verdades não ditas, encobertas e esquecidas. Sendo a literatura, manifestação cultural e artística, uma representação das coisas, dos seres e sentimentos que estabelece uma nova ordem para as coisas que representa, escolheu-se um campo específico da literatura, o que mais se aproxima desse flerte com o estranho: a literatura fantástica. De acordo com Ceserani (2006), a literatura fantástica representa uma parcela profícua da imaginação do ser humano, partindo basicamente da ordem do real com a apresentação de elementos tidos como sobrenaturais e inexplicáveis. Com raízes nos elementos do romance gótico do século XVII e XIX; ornamentado com características medievais e renascentistas; mesclado de manifestações sobrenaturais, a maldade humana e a perversão dos instintos e do caráter; apresentando o escondido fantástico no cotidiano banal; a hesitação como técnica narrativa; e ainda, os ambientes sombrios. Aqui já é possível vislumbrar a primeira notável aproximação com a psicanálise: Leão (2011) aponta que esses efeitos buscavam já representar o mundo subjetivo da mente e da imaginação, levando o leitor a adentrar na história a partir de símbolos e metáforas. Ou seja: através da linguagem aproximar aquilo que se encontra oculto na mente. O que garantirá tal relação entre a história fantástica e o leitor são as técnicas narrativas, ou procedimentos formais que o autor utiliza. Tais como a narrativa em primeira pessoa, ou mesmo a narrativa com destinatários precisos; a prioridade da capacidade criativa da linguagem; o envolvimento com o leitor; a transpassar do limite entre a realidade e um novo mundo; objetos mediadores que demonstram

69 inequivocamente que o personagem realizou a passagem entre o fantástico e o real; elipses; teatralidade; figuratividade; e detalhes. Mas são especificamente os temas fantásticos que aproxima esse gênero à psicanálise. Todorov (2008) destaca temas que tem profunda relação com o sujeito, desde a estrutura de sua relação com o mundo (temas do eu), àqueles desejos a busca da satisfação de sentimentos e sentidos (temas do tu). Já Ceserani (2006) categoriza os temas fantásticos em oito tópicos distintos: noite e mundo obscuro; vida dos mortos; o sujeito da modernidade; loucura; duplo; estranho; frustrações do amor romântico; e o nada. Estes temas parecem intrinsicamente ligados, na psicanálise, ao estudo do estranho de Freud (1919/2006), o unheimlich freudiano, que remete aos conteúdos inconscientes que retornaram e vieram à luz. O efeito do estranho se produz ao passo que o conteúdo é algo recalcado que posteriormente volta à tona. É necessário compreender que nem tudo condiz com esse conceito: “nem tudo que evoca desejos reprimidos e modos superados de pensamento – que pertencem à pré-história do indivíduo e da raça – é por causa disso estranho” (FREUD, 1919/2006, p. 262). O estranho pode se originar em dois diferentes níveis: o primeiro, próximo à realidade material, diz respeito à relação da onipotência do pensamento. Assim, basta um teste de realidade para que o estranho se dissipe, ou sequer ocorra. Quando o sujeito não se sente seguro em relação, por exemplo, a volta dos mortos, acaba acreditando nas crenças de que os mortos retornam. Quando, por outro lado, já não tem qualquer relação com as crenças animistas, será insensível à tais sentimentos; e o segundo nível, que incorre à realidade psíquica, como é o caso do complexo de castração e de algumas fantasias, nesse caso caracterizando com o retorno daquilo que foi recalcado. Mello aponta que Freud, “ao postular que o homem é regido por forças de outra ordem que não a consciência, ele demonstra o quanto o homem é estranho a si mesmo” (2010, p. 154). O estranho da ficção contém o estranho da vida real e a via além, para aquilo que não pode ser encontrado da vida real: “o contraste entre o que foi reprimido e o que foi superado não pode ser transposto para o estranho da ficção sem modificações [...]; pois o reino da fantasia depende, para seu efeito, do fato de que seu conteúdo não se submete ao teste de realidade” (FREUD, 1919/2006, p. 266).

70 Já para causar estranheza ficcional depende não apenas dos conteúdos que se evocam na narrativa, mas também de certo grau de identificação do leitor, bem como da forma como se desenvolve a narrativa e do grau de conhecimento do leitor em detrimento do conhecimento demonstrado pelo personagem. Linguagem, letra, escrita e significante são os temas que Lacan coloca como cerne de suas discussões. É a desconstrução da concepção clássica de representação que permite perceber que o inconsciente escreve. (BORGES, 2008). Mas porque, mesmo com tamanha dificuldade e superficialidade ao abordar os conceitos desenvolvidos por Lacan para então acrescentar à discussão da relação entre psicanálise e a literatura fantástica? A literatura fantástica, tal como foi delimitada, é o campo que trás algo para além da realidade. Tem-se aqui a clara visão de que não se trata apenas de um oposto à literatura que representa fidedignamente o real. Não se trata de reduzir o fantástico ao irreal, ficção ou imaginário. Logo, a literatura fantástica dependerá da linguagem para criar uma realidade nova e diversa, diferenciada. Não é justamente isso que traz Miller (1999), ao apontar que Lacan e sua visão da psicanálise situam seu sentido precisamente no desvio? “Definitivamente, evidencia-se que somente os significantes que escapam ao código são os que verdadeiramente criam sentido” (MILLER, 1999, p. 10). Quer-se propor aqui justamente uma visão diferenciada da literatura fantástica, do maneirismo de Lacan, tal como diz Miller (1999) para o desvio da harmonia num excesso singular. Um algo novo a dizer sobre um campo que, mesmo sem ter havido exaustivamente estudos acerca, encontra-se ainda numa perspectiva restritiva e resoluta. Evidentemente, esse trabalho apenas descortina um horizonte provável de estudo. Não sendo possível, nessas páginas, estabelecer totalmente esse novo dizer sobre a literatura fantástica. Todavia, ao articular nesse campo literário a psicanálise e também acrescentar novas características e temas, como o folclore nacional, busca-se iniciar um diálogo fértil. Conclui-se, partindo da ideia de Portugal (2006), que não se deve fazer da literatura, incluindo a fantástica, psicanálise, e nem da psicanálise se deve fazer literatura. O estranho, de Freud e de Lacan, faz litoral entre esses campos, mantendo-os em conjunção e disjunção.

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