Alberto Meda — A simplicidade para fugir ao caos

June 4, 2017 | Autor: Emília Ferreira | Categoria: Design
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A simplicidade para fugir ao caos Alberto Meda, um engenheiro ao serviço do design1 Porque é que um engenheiro não pode ser criativo? Foi esta pergunta que Alberto Meda se colocou. As suas respostas, imaginativas e bem firmadas na familiaridade com as novas tecnologias, colocaram-no na lista dos mais inovadores e conhecidos designers italianos. Colaborador de muitas empresas, trabalha, desde 1979, como independente. A sua obra, invulgar e artística, virtuosa e imaginativa, está já pontuada por variados prémios. Emília Ferreira Sem separar o pensar do fazer Com uma licenciatura técnica, Alberto Meda tem um percurso diferente da maior parte dos seus colegas designers, em geral formados em arquitectura. Como ele próprio afirma, a sua chegada ao desenho de objectos não foi uma ideia fixa, mas uma derivação natural. Nascido em Lenno Tremezzina (Como), em 1945, Meda parece ter sido fadado para que coincindências benéficas lhe marcassem o destino. Desde logo, essa primeira data marcadora do fim da II Guerra e do início da recuperação industrial da Europa, onde a Itália começou de imediato um percurso de força e inovação. Depois, os encontros algo casuais que levaram a que uma escolha profissional orientada para a técnica acabasse por conduzir a sucessos de criatividade. Assim, após estudos realizados no Politécnico de Milão, onde cursou Engenharia Mecânica, formando-se com um grau de Mestre em 1969, iniciou a sua carreira profissional como engenheiro de produção numa empresa onde trabalhavam 5000 pessoas. As tarefas aí desenvolvidas não o cativaram, antes pelo contrário. A insistência nas capacidades técnicas, como opostas a um labor criativo, cedo o fizeram abandonar esse emprego. Com efeito, Meda jamais se conformou com a ideia de que o pensar e o fazer fossem assuntos muito 1

Texto publicado na revista MID, Lisboa, 2003.

diversos, tão diversos a ponto de terem de ser resolvidos por pessoas diferentes. Para ele, o preconceito de que o arquitecto devia pensar o e engenheiro realizar nunca foi um modelo de acção a seguir. Pelo contrário. Um convite sedutor Seria o encontro com Giulio Castelli, fundador da Kartell, que o levaria para a empresa que mais apostou na inovação do plástico. Tal como o próprio Castelli deixara claro logo em 1949, ao fundar a Kartell no período em que a Itália se reerguia economicamente, o seu objectivo era associar, de modo bem sucedido, a tecnologia com o design, levando às pessoas as novidades que elas tanto temiam, de um modo tão irrecusável que elas se rendessem a essas mesmas propostas. Tudo isso devia ser concretizado dentro das necessidades do quotidiano e, simultaneamente, revolucionando os objectos e mantendo o equilíbrio económico. Tais premissas revelaram-se irrecusáveis para Alberto Meda. A abertura da Kartell à experimentação das novas tecnologias foi também outro factor decisivo no sucesso desta colaboração que durou de 1972 a 1979, e durante a qual Meda foi director técnico da empresa, nos projectos de mobiliário, e nos de investigação para equipamentos de laboratório, programa que o fascinou de modo muito especial. Como recorda o designer, esses tempos revelaram-se uma experiência muito rica, não só por ser um período cheio de entusiasmo, mas sobretudo porque a empresa lhe dava espaço para a experimentação. A independência e reconhecimento O ano de 1979 marca o início da sua independência como designer, passando, desde então, a colaborar com um imenso número de empresas de diversos sectores. Se primeiro dirige a sua colaboração com firmas como a Brevetti Gaggia, logo a partir de 1981 alarga-a à Alfa Romeo. Também aqui, há um elemento de casualidade. A publicação de um artigo seu (“O Inexorável

avanço do plástico”), onde reflectia sobre o papel que o plástico vinha manifestando na indústria automóvel, foi determinante para o convite que a famosa empresa de automóveis criada em 1910 lhe dirigiu. Aí, o seu trabalho inicial prendeu-se sobretudo com aspectos tecnológicos, mas, a pouco e pouco, foi-se estabelecendo a vontade de operar como consultor de si mesmo, decidindo todos os passos do processo, desde os aspectos técnicos aos formais, criativos. Ao mesmo tempo que a sua assinatura se afirmava, a estes nomes foram sendo somados outros, igualmente significativos na indústria italiana e internacional. Para eles trabalhou como designer e consultor. São empresas como a Auto, Ansaldo Sistemi Industriali, Alias, Alessi, Arabia-Finland, Cinelli, Colombo Design, Ideal Standart, Italtel Telematica, JCDecaux, Luceplan, Legrand, Mandarina Duck, Omron Japan, Philips, Vitra, entre outras. E, como seria de esperar, Meda manteve ainda a sua antiga ligação à Kartell. Por isso mesmo, o seu portfolio abrange criações tão diferentes como automóveis, candeeiros, ou cadeiras, mesas, puxadores de portas e muitos outros objectos. O primeiro de todos os seus objectos, continua, para ele (devido ao próprio processo de concepção e acompanhamento do produto) a ser aquele que concebeu para a Lucepan, o candeeiro Jack. Ao tempo, ele tinha já conhecido Paolo Rizzatto, com quem levaria a cabo importantes parcerias. Mas foi quando Meda propôs esse candeeiro à Lucepan, que deixou de ser o “simples” consultor técnico para passar a ser visto como designer. Inovação, simplicidade e transparência Em todas as empresas para que trabalhou, Meda apresentou propostas inovadoras, de um modo geral nutridas em experiências anteriores. Na Mandarina Duck, por exemplo, a sua mala de viagem para a série Tank (1989) levou ao mundo das viagens qualidades tão importantes como a resistência à pressão, casualidade, versatilidade e leveza. Tudo isso foi inspirado numa

técnica da indústria automóvel desenvolvida durante a sua colaboração com a Alfa Romeo. Como ele gosta de afirmar, “quanto mais complexa é a tecnologia usada melhor ela se adapta a simples objectos utilitários”. Por isso mesmo, desde a cadeira Light Light produzida para a Alias, em 1987 (ver caixa), até ao candeeiro On Off (1988) criado, com Franco Raggi e Denis Santachiara, para a Lucepan, todos os seus objectos primam por uma aparência despretenciosa, decorrente da enorme simplicidade das linhas e mesmo dos conceitos. Outro exemplo de grande simplicidade é a cadeira Meda, concebida para a Vitra, em 1996. Reflectindo sobre ela, o autor refere que, sendo uma cadeira um objecto simples e de uso fácil, convém também que as suas linhas expressem essa facildade conceptual. Assim, a sua cadeira Meda — apesar de, em termos tecnológicos, representar um grande desafio — mantém características de grande simplicidade nas linhas, simplicidade essa sublinhada pela transparência do material usado nas costas e no assento. A complexidade da estrutura devia aparecer aos olhos do consumidor como algo de já resolvido, e o objecto conseguido dá, com efeito, a ideia de uma harmonia realizada através de grande engenho — tão engenhosa que parece fácil. Como Meda gosta de afirmar, o facto de sermos seres complicados obriga os objectos de que nos rodeamos a serem o mais simples possível. De outro modo, seria o inferno. É, portanto, para o manter o mais afastado possível das nossas vidas que ele se dedica a simplificar-nos o mundo. Docência, investigação e prémios Mas voltemos um pouco atrás. No início dos anos 80, Alberto Meda acrescentava mais um dado importante ao seu já vasto currículo: a docência. Essa actividade, que desenvolveu primeiro na Domus Academy, entre 1983 e 1987, onde ensinou tecnologia industrial, e depois no Politécnico de Milão, leccionando no Curso de Design Industrial, levou-o não apenas à pedagogia e à divulgação dos seus conhecimentos como, mais uma vez, à investigação de

projecto, algo que o fascina muito mais do que a gestão da produção. Com efeito, o projecto é, para Meda, o espaço de maior liberdade para a experimentação, o instrumento de redução formal ao qual se aplicam os conhecimentos das novas tecnologias. Aquilo que faz verdadeiramente do seu trabalho um design de pesquisa, um modo de ir testando as ideias até chegar àquela que é exequível. Ou de, como ele também diz, encontrar uma legitimidade no processo formal. Após as experiências de ensino, seguiu-se a investigação na Alemanha, em Bremerhaven, entre 1995 e 1997, tendo depois sido inúmeras vezes solicitado para conferências e seminários, tanto na Europa como no Japão, país cuja indústria mantém, a partir das últimas décadas do século XX, estreita ligação com o design italiano, e nos EUA. Mas, em cada um dos seus projectos, a pesquisa mantém-se como um elemento central. Quanto à elegância das formas, Meda deixa claro que não sabe defini-la sem hesitações. Além dos problemas conhecidos da relação, do peso, da medida (conceito especialmente difícil de definir), tudo depende, enfim, do gosto pessoal. Porém, tal questão jamais o impediu de se associar com outros designers. Duplas de sucesso Além de Rizzatto, com quem concebeu, por exemplo, o candeeiro de secretária Berenice, (1986), Lola, além do célebre Titania, todos para a Luceplan, respectivamente em 1987 e 1989, trabalhou ainda com Franco Raggi e Denis Santachiara, no candeeiro On Off, e, mais recentemente, com Philippe Starck, neste caso para um poste de alta tensão. Gostando de trocar ideias, Meda aprecia o trabalho em equipa, embora reconhecendo a dificuldade que existe em encontrar afinidades e sintonias com uma pessoa. Como ele diz, o mais importante é existir uma linguagem comum que una os parceiros de modo a que o diólogo possa fluir sem entraves. A sua formação técnica volta, mais uma vez, a servir-lhe de elemento poderoso nesse

diálogo, apesar de não se encontrar já na mera posição de consultor tecnológico, mas como parceiro no processo criativo. Ultimamente atraído por estruturas de grande porte (como o poste de alta tensão já referido, ou o sonho de desenhar pontes, dentro dos interesses da engenharia clássica), Meda continua contudo a não descurar o objecto mais pequeno. As relações entre macro e micro vê-as de modo cada vez mais próximo. A sublinhar tal visão, a sua recente descoberta do fascínio da aguarela, uma técnica que obriga a olhar para o todo mas a guardar dele apenas o essencial. Um exercício que Meda sempre gostou de seguir. E que por isso lhe agrada sobremaneira. Como — por estar sempre atento ao mundo e aos seus processos e metamorfoses — lhe agrada também que cada vez mais se refiram como finitos os recursos do planeta. Já que ele espera que, enfim, se comece a insistir, cada vez mais, na reutilização, na reciclagem, na redução dos gastos. A caminho de uma maior simplicidade. Num percurso de tal modo reconhecido que faz já parte da colecção de design do MoMA, de Nova Iorque. Sem nenhum elemento de casualidade, e com todas as razões do mérito. Fibra de Carbono e cadeira Light Light Um dos materiais mais modernos, a fibra de carbono é um composto que alia extrema leveza a

grande resitência, sendo por isso muito utilizado nos

equipamentos desportivos topo de gama, bem como em mobiliário, embora os seus preços elevados não façam deste material uma aposta especialmente apetecível em produtos industriais. Contudo, é bastante aplicado em capacetes de esqui e foi também um dos itens que tornou famosa a cadeira Light Light (1987) de Alberto Meda. Não pesando mais de 1Kg, esta cadeira — que suplantou em leveza a Supperleggera que Gio Ponti criara em 1957 — oferece, além das linhas depuradas e da sua extrema ligeireza, uma enorme robustez. Com matriz em fibra de carbono e centro de Nomex com estrutura de favo de mel, ela revelou-

se revolucionária. Cada um dos seus detalhes, dos técnicos aos criativos, faz dela um dos mais notáveis objectos produzidos pelo designer. Em 1994, esta cadeira passou a fazer parte da colecção de design do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova Iorque, que lhe juntou outras peças do designer como Soft light (1989) e Longchair (1991), também concebidas para a Alias, bem como o candeeiro On-Off (1988), da Luceplan.

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