Alcides A. Monteiro_O Lugar e o Papel dos Actores num Processo de Investigação-Acção (1995)

June 8, 2017 | Autor: Alcides A. Monteiro | Categoria: Action Research, Metodologias de Pesquisa, Investigação-ação, Recherche-action
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Universidade da Beira Interior

O Lugar e o Papel dos Actores num Processo de Investigação-Acção

PROVAS DE APTIDÃO PEDAGÓGICA E CAPACIDADE CIENTÍFICA TRABALHO DE SÍNTESE

Alcides Almeida Monteiro COVILHÃ, Abril 1995

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

4

CAPITULO 1 - A PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO NUMA PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA

7

1 - O LUGAR DA INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

7

1.1. A CONCEPÇÃO POSITIVISTA DA CIÊNCIA

7

1.2. A CRÍTICA, SEM RUPTURA, DOS PRESSUPOSTOS POSITIVISTAS

9

1.3. A CONTESTAÇÃO RADICAL DO PARADIGMA POSITIVISTA

12

1.3.1. O Interaccionismo Simbólico e a Etnometodologia

13

1.3.2. A reabilitação do senso comum

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2 - UMA CONCEPÇÃO PRAGMÁTICA DO CONHECIMENTO

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2.1. CONHECIMENTO CIENTÍFICO E EMPENHAMENTO POLÍTICO

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2.2. A SOCIOLOGIA DE INTERVENÇÃO

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3 - INVESTIGAÇÃO - ACÇÃO: UMA EXPRESSÃO GENÉRICA RECOBRINDO ESTRATÉGIAS 23

DISTINTAS

3.1. QUE DEFINIÇÃO?

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3.2. PRINCÍPIOS COMUNS, DISTINTAS PRÁTICAS

25

3.3. POTENCIALIDADES E LIMITES

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CAPITULO 2 - UM MÉTODO PARA A INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

33

1 - DIVERSIDADE DE POSIÇÕES NA DEFINIÇÃO DE UMA METODOLOGIA PARA A I.A.

33

1.1. ALGUNS MÉTODOS DA I.A.

38

1.1.1. O inquérito "feed-back"

38

1.1.2. O método de sistemas flexíveis

39

1.1.3. A experimentação sobre o terreno

40

2 - INVESTIGAÇÃO OU ACÇÃO?

42

3 - AS ETAPAS DE UMA I.A.

45

3.1. DIAGNÓSTICO E PLANIFICAÇÃO DA ACÇÃO

46

3.1.1. A análise do pedido

47

3.1.2. Condições para uma participação

48

1

3.1.3. O conhecimento do meio e a definição de estratégias

50

3.2. IMPLEMENTAÇÃO

54

3.2.1. Participação versus formação

55

3.3. A AVALIAÇÃO

57

3.3.1. Conceitos de avaliação

58

3.3.2. Práticas avaliativas

60

3.3.3. O lugar da avaliação na I.A.

62

3.4. A DEFINIÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS

67

CAPITULO 3 - O PAPEL E A FUNÇÃO DOS PARCEIROS NUMA I.A. PARTICIPADA 1 - A I.A. COMO METODOLOGIA DE PARTICIPAÇÃO

70 70

1.1. UMA METODOLOGIA INOVADORA

71

1.2. OS ACTORES DE UMA I.A.

73

1.3. DOIS MODELOS

75

2 - UMA DINÂMICA DE PARTENARIADO

76

2.1. PRINCÍPIOS CONCEPTUAIS

76

2.2. A LÓGICA ARGUMENTATIVA

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2.3. INVESTIGADOR E TÉCNICO: AS ESPECIFICIDADES DE CADA FUNÇÃO

82

2.4. A I.A. E O PODER POLÍTICO: MODELOS DE INTERACÇÃO

87

3 - ESPAÇOS E MOMENTOS DA PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO

88

3.1. UM CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO

88

3.2. OBJECTIVOS DA PARTICIPAÇÃO

90

3.3. UMA DINÂMICA DE GRUPO

93

CAPITULO 4 - ANÁLISE CRÍTICA DE UMA PRÁTICA DE I.A.: O PROJECTO "ALDEIAS DE MONTANHA APOSTAM NO DESENVOLVIMENTO" (AM 23)

96

1 - NOTA METODOLÓGICA

96

2 - CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJECTO AM 23

97

1.1. PRINCÍPIOS PROGRAMÁTICOS DO PROGRAMA POBREZA 3

97

2.2. PROJECTO AM 23:UMA ACÇÃO MODELO

100

2.2.1. Breve caracterização da zona de intervenção

100

1.2.2. Estratégias e Organização

102

3 - ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DE UMA METODOLOGIA DE I.A.

106

3.1. ESTRATÉGIAS PARA UMA PRÁTICA INOVADORA

108

3.2. A NECESSIDADE DE UMA RECOMPOSIÇÃO SÓCIO-POLITICA

111

2.2.1. O papel das instituições numa lógica de partenariado

112

2

3.2.2. A participação dos grupos-alvo

116

3 - TRÊS ANOS DE TRABALHO: UM BALANÇO

119

CONCLUSÃO

126

ANEXOS

133

ANEXO 1

134

ANEXO 2

136

ANEXO 3

139

ANEXO 4

141

ANEXO 5

143

BIBLIOGRAFIA

144

3

Introdução

INTRODUÇÃO

" A quem buscar uma iniciação à 'investigação-acção' nos manuais de métodos e técnicas de investigação social, clássicos ou modernos, está, quase pela certa, reservada uma surpresa tão grande e inesquecível quanto à primeira vista intrigante: a sua ausência pura e simples. E o mesmo, com poucas excepções se pode dizer dos dicionários e enciclopédias de sociologia e ciências sociais" (Esteves, 1986: 251). Se em 1986 A. J. Esteves constata a ausência de referências à metodologia de Investigação-Acção (I.A.), a surpresa não é menor ao verificar-se que, presentemente, se mantém o quase absoluto silêncio dos manuais quanto a este procedimento metodológico, particularmente notado na bibliografia editada em língua portuguesa. Contudo, situação inversa se constata ao nível da prática concreta de implementação no terreno desta metodologia. Se no caso português são ainda escassas as referências a projectos de I.A., ao nível europeu, americano e asiático multiplicam-se os casos de campos da realidade onde foram ensaiados esforços de I.A., do mesmo modo que os últimos anos registam a expansão de toda uma corrente de I.A. nas áreas do trabalho social, da acção social comunitária, da educação, do desenvolvimento local, etc.. (AA.VV., 1981; AA.VV., 1985; Goyette et Lessard-Hébert, 1987; White, 1991). Se em alguns casos prevalecem aproximações próximas das metodologias convencionais, privilegiando um padrão de observação positivista, uma separação entre processos de investigação e acção, uma preocupação de quantificação em detrimento da compreensão e interacção entre actores envolvidos, outras práticas desembocam em processos alternativos facilitadores da busca de soluções para problemas reais onde os procedimentos convencionais se têm revelado de pouco sucesso. Será fundamentalmente sobre estas últimas práticas que a presente obra se irá debruçar, considerando a sua importância enquanto reflexos de uma metodologia de I.A. que se procura constituir como alternativa de pesquisa e acção transformadora. Assim, o propósito fundamental da reflexão que aqui se desenvolve centrar-se-á em duas dimensões:  Por um lado, análise e reflexão sobre a metodologia de I.A. questionando a sua pertinência e percepcionando o seu carácter inovador por relação a outros procedimentos de pesquisa aplicada e intervenção sociológica  Por outro lado, a análise das mutações introduzidas por esta metodologia, nomeadamente no que diz respeito a uma redefinição das relações dialécticas entre investigação e acção, à aposta numa crescente interdisciplinaridade, à recomposição dos papeis e lugares dos actores envolvidos, à criação de condições 4

Introdução

para uma mudança social efectiva e dinamização de processos de desenvolvimento. Retomando a argumentação desenvolvida por A.J. Esteves, este autor atribui a ausência de referências à metodologia de I.A. nos manuais de métodos e técnicas de investigação social ao facto de estes últimos se constituírem normalmente como formas cristalizadas e promotoras de saberes consensualmente adoptados ou com razoáveis pretensões a sê-lo, no seio da comunidade científica (1986: 251-252). Como tal, será de concluir que a I.A. ainda não faz parte das metodologias consensualmente reconhecidas, constituindo-se como inovação metodológica em busca de reconhecimento e adopção. A esta questão não será por certo estranho o facto de a I.A. se traduzir numa nova postura epistemológica perante o conhecimento e a acção, sendo enquadrável num conjunto de posições e modelos teóricos que, a partir da década de 60, se têm vindo a assumir como críticos em relação aos modelos tradicionais de produção do saber científico. Assim, o primeiro capítulo desta obra procurará ser uma explicitação do modo como a I.A. se define na confluência de duas linhas de crítica racionalista ao positivismo: de um lado, as posições orientadas no sentido de uma redefinição dos princípios positivistas do conhecimento científico, em particular das concepções de objectividade, neutralidade e ligação com o senso comum; por outro, as posturas teóricas de denúncia do carácter contemplativo da ciência e explicitação de uma concepção pragmática do conhecimento, em particular a "ciência crítica" e a "sociologia de intervenção". Na procura de uma definição dos princípios de base orientadores da I.A. e identificação dos pontos de inovação introduzidos por esta metodologia, uma questão se coloca como fundamental: poderá a I.A. ser definida e sistematizada como uma regularidade metodológica face à multiplicidade de formas que tem vindo a assumir nas práticas concretas? A ambiguidade que usualmente é imputada à noção de I.A. decorre da diversidade de definições e fundamentos, da heterogeneidade dos campos de aplicação assim como das modalidades operativas configuradas no terreno, traduzidas em opções metodológicas relativamente distintas entre si. Tendo como objectivo específico esclarecer até que ponto a I.A. utiliza uma metodologia que lhe é própria, marcada por traços que permitem uma unificação das práticas e a sua distinção em relação a outros procedimentos metodológicos, a capítulo 2 será espaço de definição de um conceito e princípios de base da I.A., bem como de explicitação das etapas que conduzem à sua operacionalização face a situações/problemas concretos. Porque surge como um dos aspectos mais inovadores desta metodologia, consolidando-a como procedimento metodológico alternativo em busca de soluções para os problemas reais, uma das questões e desenvolver com maior detalhe será a da recomposição dos papeis e funções das categorias de actores envolvidos em processos de

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Introdução

desenvolvimento e mudança social. O propósito do capítulo 3 é o de esclarecer o modo como a metodologia de I.A. está associada à implementação de uma dinâmica participativa, com envolvimento directo dos participantes representativos da situação ou problema em causa num trabalho conjunto e coordenado com investigadores, técnicos e decisores públicos, fazendo apelo a dois conceitos de base que se articulam: "participação" e "partenariado". Finalmente, o capítulo 4 será a oportunidade para o estabelecimento de uma "ponte" entre considerações de ordem teórica e a análise de situações concretas, ilustrando a reflexão desenvolvida com a apresentação de um projecto que surge como uma experiência de implementação de uma metodologia de I.A. face a contextos/populações em situação de pobreza e exclusão social: o Projecto "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento", inserido no programa comunitário "Pobreza 3". Mais do que uma descrição do Projecto em causa ou a sua avaliação, é objectivo analisar até que ponto é uma experiência conseguida de implementação de uma metodologia de I.A.. A concluir esta introdução, será de deixar bem claro que a abordagem que aqui se faz da metodologia de I.A. não deverá ser entendida enquanto afirmação desta como procedimento metodológico alternativo nas ciências sociais ou como substituição das metodologias mais convencionais. Pelo contrário. Na sua apresentação está subjacente a ideia de que a I.A. será, no domínio da pesquisa social aplicada, mais uma forma a par de outras, porventura mais esclarecida e eficaz em determinados contextos, de desenvolver procedimentos de conhecimento e intervenção em processos de mudança social.

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

CAPITULO 1 - A

PROBLEMÁTICA DA

INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

NUMA PERSPECTIVA

EPISTEMOLÓGICA

A afirmação da Investigação-Acção (I.A.) enquanto procedimento metodológico alternativo no âmbito das Ciências Sociais está intimamente ligada a um conjunto de esforços desenvolvidos por determinados sectores da comunidade científica no sentido de dar resposta a uma velha questão no seio do conhecimento científico: a da relação entre a teoria e a prática. Partindo de um questionamento do positivismo, que se estabeleceu enquanto "paradigma dominante" (Santos, 1988) do conhecimento, várias posições e correntes teóricas se têm assumido como alternativas aos modos tradicionais de investigação, definindo duas linhas fundamentais de crítica: - Por um lado, posições orientadas no sentido de uma redefinição dos princípios positivistas do conhecimento científico, e em particular das concepções de objectividade, neutralidade e ligação com o senso comum, conduzindo, em última instância, à consolidação das designadas "ciências sociais compreensivas". - Por outro, uma denúncia do carácter fundamentalmente contemplativo da ciência e explicitação de uma concepção pragmática do conhecimento, traduzida no âmbito das ciências sociais em posturas próximas da "ciência crítica" e da "sociologia de intervenção". Sem se constituir como mais uma corrente teórica alternativa e claramente distanciada de outras, a Investigação-Acção define-se na confluência das duas linhas de crítica racionalista ao positivismo acima referenciadas, partilhando com elas pressupostos teóricos e epistemológicos, que lhe servem de base. Importa, assim, analisar alguns dos autores e correntes teóricas que consolidaram estas posturas.

1 - O lugar da Investigação-Acção no contexto das Ciências Sociais

1.1. A concepção positivista da ciência Na procura do desenvolvimento de uma concepção "mais compreensiva da razão", criticando a definição positivista do conhecimento científico, Jurgen Habermas (1976: 1987

A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

199) sumariou as posições desta corrente em três proposições fundamentais: primeiro, que o conhecimento decorrente do modelo hipotético-dedutivo é a única forma genuína de conhecimento, tanto nas ciências naturais como nas ciências sociais; segundo, que esta forma de conhecimento é isenta de valores no sentido de que não depende da prévia aceitação de compromissos normativos; e, finalmente, que o domínio dos valores e normas é exterior ao âmbito da discussão racional. Assumindo a unidade do método independentemente das disciplinas científicas, bem como um conhecimento como representação do real, dotado de exterioridade, e tendo como meta a descoberta das "leis" ou a definição dos "mecanismos" que fundamentam e explicam a própria regularidade observável (Esteves, 1986: 253), o modelo positivista procura distinguir a ciência de duas formas de conhecimento não científico: por um lado, do conhecimento do senso comum, entendido enquanto conhecimento a-crítico, crédulo, imediatista, que acredita na superficialidade do fenómeno; por outro, das ideologias, definidas como um tipo de discurso/conhecimento veiculador de certas correntes filosóficas, mundovisões, interesses de classe, etc., deturpando os factos em favor da posição a ser defendida, e chegando mesmo à falsificação (Demo, 1980:14-15). Do mesmo modo, ao nível do discurso científico assumem-se duas noções fundamentais, com repercussões na própria postura do cientista, a saber, neutralidade e objectividade, procurando a libertação do discurso científico de todas as aderências subjectivas e ideológicas. A tentativa de apropriação pelas ciências sociais do modelo positivista herdado das ciências naturais tem sido, pelas suas características particulares, um processo complexo e ambíguo, ainda assim defendido por vários autores e correntes teóricas. No domínio específico da sociologia, serão de referenciar Comte (1972; s/d.), Durkheim (1984) e o funcionalismo americano como marcos teóricos fundamentais na tentativa de definir uma sociologia positivista, num acto de ruptura radical com o senso comum. Contudo, ao contrário das ciências naturais, a aplicação do modelo positivista tem enfrentado obstáculos e críticas profundas, conduzindo, durante a década de sessenta, a um "colapso do consenso positivista" (Santos, 1989: 59). Face a este colapso, as posições de crítica extremaram-se em dois campos principais (Santos, 1989: 59-61): um primeiro campo, designado genericamente por "construtivismo racionalista", acolhendo várias opções metodológicas e vários modelos explicativos, enquadra todo um conjunto de autores que não se afastam radicalmente da filosofia positivista, mas que são críticos em relação ao modelo fixista de cientificidade por ela veiculado, afirmando um modelo alternativo, prático, aberto; o segundo campo, procedendo a uma crítica radical do paradigma positivista no domínio das ciências sociais, assume plenamente o dualismo epistemológico. Enquadram-se neste último campo

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

correntes como a Fenomenologia Social, a Etnometodologia e o Interaccionismo Simbólico.

1.2. A crítica, sem ruptura, dos pressupostos positivistas Com uma base comum de reflexão sobre a especificidade do objecto das ciências sociais e das possibilidades de conciliação entre estas e as ciências naturais, várias posições teóricas se assumem criticamente face ao paradigma positivista. Crítica essa feita sem ruptura, no parecer de Boaventura Sousa Santos, "... pois dele mantém o pendor objectivista, a aversão à reflexão filosófica, especulativa sobre a ciência, a ideia do conhecimento como representação do real e a separação, pelo menos enquanto aspiração, entre factos e valores" (1989: 60). A relativa maleabilidade deste grupo permite o englobamento de posições distintas entre si, justificando-se uma breve referência a algumas delas pela sua importância marcante na afirmação de uma nova postura epistemológica, nomeadamente em torno de questões como a objectividade, a relação ciência - senso comum ou a postura do cientista. Considerado por alguns como um dos expoentes do neopositivismo (Fernandes, 1983: 128), Karl R. Popper defende a ciência como uma aproximação da verdade, sem que jamais possa reivindicar uma verdade absoluta. Reconhecendo a relatividade do conhecimento científico, entendido como um conhecimento essencialmente conjectural, Popper afirma no entanto a possibilidade de uma objectividade nas proposições científicas. Objectividade essa que decorre não de uma postura do homem de ciência, mas dos conteúdos sobre os quais esse conhecimento é construído. Como afirma Teixeira Fernandes, "de acordo com esta 'epistemologia objectivista', não é a consciência subjectiva que lança luz sobre o 'mundo do conhecimento objectivo' - já que este é independente daquela - mas o mundo dos conhecimentos que esclarece os processos mentais subjectivos do cientista" (1983: 129). Deste pressuposto básico, que coloca a objectividade do lado do objecto e não do sujeito cognoscente, decorrem outros pressupostos fundamentais da teoria de Popper, nomeadamente a afirmação do método hipotético-dedutivo como o método por excelência no domínio da ciência, um método de teste pelo real das construções subjectivas elaboradas pelo cientista, pois uma teoria somente é verdadeira se ela corresponde aos factos. Do mesmo modo, e identificando o realismo com o senso comum, defende este último como base do conhecimento científico. Vai mais longe ainda: "A ciência, a filosofia, o pensamento racional, todos devem partir do senso comum" ou "toda a ciência e toda a filosofia não são mais do que senso comum esclarecido" (in Fernandes, 1983: 130).

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

Idêntica posição à de Popper havia já sido assumida por Gaston Bachelard que, contudo, definiu uma concepção da objectividade com primazia no sujeito. Face a uma definição do conhecimento científico como uma aproximação, que se opera por rectificações, de um conhecimento exacto que nunca é atingido, na opinião do citado autor a objectividade e exactidão deverão ser procurados não do lado do objecto, mas nos processos epistemológicos aplicados pelo sujeito. Bachelard argumenta que a objectividade que caracteriza o conhecimento científico, e que distingue de um conhecimento vulgar, só poderá ser atingida por um processo de racionalidade crescente. A prossecução de níveis mais elevados de abstracção processar-seà por meio de formas próximas da psicanálise, de forma a "purificar" o sujeito cognoscente e a surpreender os factores de perturbação que o impedem de desenvolver um esforço de objectividade: por um lado, por uma "função de vigilância" desenvolvida conscientemente pelo sujeito sobre si próprio, por outro, por uma dimensão de intersubjectividade que decorre da procura de consensos no interior da própria comunidade científica (Fernandes, 1983: 134-138). Das formulações de Bachelard decorre o princípio de que a objectividade não pode ser obtida por meio da exclusão de valorações e intuições de senso comum, mas através da percepção e controlo crítico destas, num esforço pessoal e/ou no seio da comunidade científica. Princípio este amplamente partilhado por outros autores, onde se contam Jurgen Habermas (1968), Karl Manheim (1968), Gunnar Myrdal (1976), Pedro Demo (1980) ou Pierre Bourdieu. Este último é um dos autores que têm procurado definir no âmbito das ciências sociais, e em particular da sociologia, um conjunto de princípios epistemológicos orientadores da prática científica, face às inadequações da filosofia positivista, em sua opinião "... uma caricatura do método das ciências exactas sem aceder ipso facto a uma epistemologia exacta das ciências do homem" (Bourdieu, Chamboredon, Passeron, 1973: 19). No caso específico deste último grupo de ciências, o autor reforça a ideia de que, pela sua natureza, se impõe particularmente a necessidade de uma vigilância epistemológica: a separação entre a opinião comum e o discurso científico é mais indecisa, a familiaridade com o universo social e o uso da "linguagem ordinária" constituem-se como obstáculos epistemológicos por excelência (1973: 27). A construção racionalista da ciência social, permanentemente precária, passará assim por uma crítica lógica e lexicológica da linguagem comum, e pela elaboração de uma verdadeira teoria do conhecimento, que no campo específico da sociologia se traduz numa sociologia da sociologia (1973: 29-30). A este nível, Bourdieu afirma a especificidade da sua posição, demarcando-se dos pressupostos da epistemologia positivista, na medida em que põe a tónica em dois

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

princípios fundamentais: por um lado, na reflexividade enquanto processo privilegiado para o desenvolvimento de uma construção racionalista da ciência; por outro, na preocupação em submeter à crítica não a ciência como produto de conhecimentos, mas a ciência como prática utilizando procedimentos metodológicos específicos: "...é preciso submeter a prática científica a uma reflexão que, diferentemente da filosofia clássica do conhecimento, se aplica não à ciência feita, ciência verdadeira face à qual é necessário estabelecer as condições de possibilidade e de coerência ou os títulos de legitimidade, mas à ciência em construção..." (1973: 20). Idêntica tónica na reflexividade está presente em alguns autores que, em Portugal, têm procurado desenvolver teorizações em torno das questões epistemológicas no âmbito do conhecimento em Ciências Sociais. São disso exemplo os contributos de Sedas Nunes (1972; 1982) ou Teixeira Fernandes (1983). Contrariando aparentemente um dos objectivos fundamentais do positivismo, Teixeira Fernandes afirma não parecer realizável a prossecução nas ciências do homem de um princípio de objectividade no mesmo sentido em que aparece nas ciências exactas ou nas ciências da natureza. Contudo, assume a legitimidade das primeiras a uma "pretensão ao mesmo nível de objectividade" e a um rigor científico (1983: 160), através de um esforço epistemológico suplementar e do desenvolvimento de uma prática de reflexão, nomeadamente ao nível de uma sociologia da sociologia, na esteira de Bourdieu. A acentuação do dualismo epistemológico é provisória e visa apenas reafirmar a ideia de um unitarismo epistemológico aberto à diferença (Santos, 1989: 65). Numa referência à questão da ligação entre conhecimento científico e acção1, o autor alerta para a necessidade do reforço de uma postura de neutralidade do cientista, e em particular do cientista social, como via para a afirmação da objectividade. Reconhece, no entanto que, se por um lado o empenhamento na vida social pode proporcionar meios de conhecimento ao mesmo tempo que a ciência tem por dever transformar a sociedade, por outro, uma postura de neutralidade não significa que o trabalho científico não se transforme em factor produtor de ideologia. Ainda assim, uma unificação entre ciência e acção significará um reforço da contaminação ideológica do discurso científico (1983: 156159). Adoptando uma posição que se identifica com a de Castells, segundo a qual, "não há historicamente nenhum produto puramente teórico, antes o que se encontra sempre são formações teórico-ideológicas, de dominante ideológica ou teórica"(Castells, 1975: 12), Sedas Nunes afirma a presença constante e inevitável da ideologia no discurso científico. Ideologia esta entendida não no sentido de um corpo de doutrinas, puras mistificações ou

1

- Questão a desenvolver, pela exposição das posições de alguns autores e correntes teóricas, no ponto 2 deste capitulo.

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

falsas consciências, mas como um produto cultural colectivo sem autores individualmente designáveis (1982: 96) 2 . Reconhecer a inevitabilidade da presença de concepções ideológicas não significa contudo a invalidação do conhecimento científico. Do mesmo modo, não é igualmente sinónimo de uma postura de indiferença perante os pressupostos ideológicos, mas sim da necessidade do desenvolvimento de formas de exercício crítico no interior do trabalho científico. Várias razões justificam esta postura crítica: se a ideologia descobre, designa, revela certos aspectos da realidade, por outro lado implica sempre deformações ou ocultações que se constituem como obstáculo ao conhecimento científico (1972: 793). Assim, conhecer cientificamente pressupõe a ruptura com imagens imediatistas, uma apertada vigilância epistemológica, a elaboração de proposições teóricas e hipotéticas, o exame atento e aprofundado das situações em que a prática científica se exerce, entre outras vias (1982: 137). Tal como Pierre Bourdieu, Sedas Nunes defende que esta libertação das ideologias não se processa por uma auto-análise desenvolvida pelo próprio investigador, mas antes por um "sistema de controlos cruzados" numa interrogação e interpelação entre correntes teóricas divergentes "... e assim um percurso crítico e criador colectivo em direcção à objectividade encontra em princípio, muito mais favoráveis condições para acontecer do que no íntimo, e só no íntimo, da consciência e inteligência do investigador debruçado sobre si mesmo (1982: 138-139).

1.3. A contestação radical do paradigma positivista Dos dois campos epistemológicos que resultam do colapso do consenso positivista, o construtivismo racionalista constitui-se actualmente como corrente dominante. Contudo, embora crítico em relação ao positivismo, está nele presente uma "tese de unitarismo mitigado", nas palavras de Boaventura Sousa Santos (1989: 69), que continua a determinar a fragilidade do estatuto epistemológico das ciências sociais. Duas razões fundamentais justificam a afirmação do autor: em primeiro lugar, porque se continua a aceitar um etnocentrismo epistemológico em torno das ciências naturais, ainda que defendendo algumas especificidades das ciências sociais; por outro lado, pela incapacidade em desenvolver uma elaboração teórica que defina o lugar das ciências sociais no campo epistemológico geral (Santos, 1989: 70-71). Face à constatação da inevitabilidade do colapso do paradigma positivista e à fragilidade do "construtivismo racionalista", o mesmo autor defende que o futuro das 2

- Na acepção de "ideologia" Sedas Nunes enquadra igualmente as concepções de senso-comum, enquanto formas não de "conhecer" mas de "reconhecer" o mundo a que se pertence, os "objectos" que nele se distinguem e as relações que nele se mantêm (1972: 793)

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

ciências sociais emergirá da crítica radical ao positivismo e da afirmação plena do dualismo epistemológico, presente em correntes teóricas como a hermenêutica, a fenomenologia, a etnometodologia, o interaccionismo simbólico ou a sociologia existencialista, enquanto tentativas no sentido do desenvolvimento de ciências sociais compreensivas (1989: 75-77). 1.3.1. O Interaccionismo Simbólico e a Etnometodologia Os últimos quinze ou vinte anos têm sido caracterizados, no âmbito das ciências sociais, pelo aparecimento e/ou consolidação de um conjunto de aproximações teóricas e estilos de análise que poderão ser designados globalmente como "sociologias da significação ('meaning') e acção" (Cuff, Sharrock, Francis, 1990:163). Todas elas têm em comum a crença de que os princípios e métodos da "sociologia científica" são desapropriados face à natureza interpretativa da vida social, bem como um ênfase do papel da significação no comportamento social. Contra as concepções estruturais que afirmam que o comportamento social é condicionado ou moldado por forças que residem ao nível da sociedade como um todo, o carácter inovador destas aproximações teóricas reside na concepção da sociedade como uma entidade que não poderá ser analisada fora do contexto das acções que a compõem. De acordo com esta postura "qualquer análise sociológica adequada da vida social tem de começar pelo 'ponto de vista do actor', isto é, os entendimentos que os participantes numa situação social têm do que é a situação e o seu lugar nela (Cuff, Sharrock, Francis,1990: 142). Como correntes mais significativas deste grupo, ressaltam o Interaccionismo Simbólico e a Etnometodologia, das quais aqui se desenvolve uma referência breve. Pela falta de uma teoria integrada, pela diversidade de correntes que engloba (Meltzer, Petras, Reynolds, 1975: 53-82) e pelo ênfase no particular mais do que no abstracto e geral, é difícil referenciar o Interaccionismo Simbólico como uma perspectiva teórica. Desenham-se contudo algumas premissas referenciadoras de uma postura teórica particular, sumariamente enunciadas por H. Blumer, o "metodólogo" do Interaccionismo Simbólico: "A primeira é que o ser humano orienta os seus actos face às coisas em função do que estas significam para ele (...) A segunda premissa é que o significado destas coisas se deriva de, ou surge como consequência da interacção social que cada qual mantém com o próximo. A terceira é que os significados se manipulam e modificam mediante um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao enfrentar-se com coisas que vão aparecendo perante si." (1981: 2).

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Como central ao Interaccionismo Simbólico surge assim o pressuposto de que a vida social é caracterizada por uma multiplicidade de pontos de vista, dependendo de quem observa, em constante mutação. Baseado nas três premissas enunciadas, o Interaccionismo Simbólico conduz necessariamente ao desenvolvimento de um esquema analítico muito característico da sociedade e do comportamento humano, privilegiando uma abordagem realista e cumprindo os requisitos fundamentais de uma ciência empírica, enquanto bases da sua metodologia (Blumer, 1981: 16-35). Deste modo, e numa clara demarcação dos pressupostos positivistas, o Interaccionismo Simbólico critica a explicação causal pela sua inadequação como meio para compreender e conceber a acção humana, optando por uma postura descritiva, por meio de técnicas como a observação participante, das percepções (de senso comum) veiculadas pelos actores através do seu discurso. Postura esta que não invalida uma preocupação na objectividade e neutralidade das descrições, ainda que respeitando os pontos de vista dos actores e adequando os métodos de estudo à realidade a observar. Finalmente, um ênfase no processo mais do que na estrutura ou no sistema, marca um interesse por testemunhos generalizados acerca da vida social, não ao nível da sociedade pois está em constante mutação, mas ao nível da acção de grupo e individual (Cuff, Sharrock, Francis, 1990: 151-158). Com fortes similitudes com a corrente anterior, a Etnometodologia é considerada por alguns autores como uma das suas escolas, a par com a "dramaturgical approach" de Goffman (1982; 1983), a Escola de Chicago e a Escola de Iowa (Meltzer, Petras, Reynolds, 1975: 54). A Etnometodologia preocupa-se fundamentalmente com o processo pelo qual percebemos o mundo. Garfinkel considera a ordem social como sendo produzida pelos seus participantes e definida a partir de dentro, e não a partir de normas pré-estabelecidas (Cuff, Sharrock, Francis,1990: 173). Contudo, distinguindo-se do Interaccionismo Simbólico, move-se para além dos significados que cada indivíduo constrói na interacção social, para definir uma visão processual da sociedade humana, a análise das actividades do dia-a-dia. Deste modo, os etnometodologistas posicionam a sociologia como uma disciplina interpretativa, analisando qualitativamente, através do discurso, da linguagem, o modo como as significações determinam as acções, e tratando os traços das estruturas sociais identicamente aos modos como os seus membros percepcionam e reconhecem esses traços. 1.3.2. A reabilitação do senso comum

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A par das contestações ao paradigma positivista pela via da afirmação de uma especificidade epistemológica das ciências sociais, outras críticas, de carácter mais globalizante e porventura mais radicais, decorrem da procura de um "relaxamento da normatividade epistemológica das ciências naturais" (Santos, 1989: 69). Na sua obra Contra o Método (1993), Paul Feyerabend avança no sentido da contestação do conhecimento científico enquanto única forma de conhecimento. Na concepção do autor, a "objectividade" tem sido procurada inibindo-se as intuições que possam, no espírito do cientista, levar a um esbater de fronteiras entre a ciência e a religião, a metafísica ou o sentido de humor do indivíduo. "Torna-se assim possível a criação de uma tradição inteiramente governada por regras estritas, e até certo ponto o seu êxito. Mas será desejável a defesa de semelhante tradição com a exclusão de tudo o mais? (...) Tal é a pergunta que tentarei responder com o presente ensaio. E a minha resposta será um sonoro e firme NÃO" (1993:26). Contra a ideia de um método fixo ou de uma teoria fixa da racionalidade, o autor enuncia um princípio de base de fundamento "anarquista": qualquer coisa serve (1993:34). Princípio esse que se traduz, na prática, em duas regras que contrariam as regras habituais do empreendimento científico: - "... a contra-regra que nos manda desenvolver hipóteses inconsistentes com as teorias admitidas e superiormente confirmadas (1993:35), fundamentada pela própria história do conhecimento científico que mostra que a demonstração capaz de refutar uma teoria muitas vezes só pode ser avançada com o auxilio de uma teoria incompatível. "... a contra-regra que nos prescreve o desenvolvimento de hipóteses inconsistentes com os factos solidamente estabelecidos" (1993: 35) "... pois não há uma teoria interessante que concorde com todos os factos conhecidos do domínio a que se aplica" (1993: 37). Deste modo, Feyerabend avança com uma perspectiva do conhecimento científico que se pretende plural, flexível, acolhendo alternativas momentaneamente inconsistentes, explorando a contra-indução, tudo isto face à constatação de que "... todas as metodologias, mesmo as mais óbvias, têm os seus limites" (1993: 39). Mas a sua perspectiva de mudança não se esgota na alteração dos parâmetros do conhecimento científico. Face à constatação de que a ciência assume a sua validade num contexto histórico especifico, do qual interioriza princípios teóricos, ideológicos ou culturais, torna-se necessário encontrar novos modos de abordar a realidade. Assim, sem que se negue a importância do saber-fazer científico, que impregna todo o nosso mundo, importa desenvolver novas formas de o conhecer, a par com a reabilitação e reconhecimento de formas tradicionais: o pensamento vudu, a medicina tradicional chinesa...

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A posição do autor é clara: "Outrora [o mundo] estava cheio de Deuses; submetido a uma tendência geral para a abstracção e a argumentos específicos nela baseados, tornouse depois um mundo material insípido, e poderá mudar de novo, se os seus moradores tomarem a decisão de assumirem os passos necessários e a sorte de contar com o apoio de desenvolvimentos materiais e sociais favoráveis" (1993: 342). É para esta inevitabilidade na mudança, a procura de novas formas de conhecer, que aponta a obra de Boaventura S. Santos, traduzida no reencontro da ciência com o senso comum (1988; 1989). Se uma primeira ruptura epistemológica teve como base a afirmação do paradigma positivista, rompendo com formas de "conhecimento falso" como o "senso comum" o "conhecimento vulgar" ou a "sociologia espontânea", todos os indícios apontam, na opinião deste autor, para a emergência de uma segunda ruptura epistemológica (1988: 23; 1989:19). Está-se numa situação de transição, indiciada pelas crises não solucionadas no interior do paradigma dominante e pela emergência de correntes críticas (construtivismo racionalista e sociologias compreensivas), que conduzirá inevitavelmente à emergência de um novo paradigma do conhecimento, à "dupla ruptura epistemológica" (1989). A dupla ruptura epistemológica é a ruptura com a ruptura epistemológica, sem que signifique uma neutralização da primeira. É, sim, o reencontro da ciência com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas, em particular pelo senso comum. Um senso comum que não o senso comum com o qual o positivismo rompeu, mas um "senso comum esclarecido" (1989: 45) que se procura reabilitar. Deste modo, "a dupla ruptura epistemológica tem por objecto criar uma forma de conhecimento, ou melhor, uma configuração de conhecimentos que sendo prática não deixa de ser esclarecida e sendo sábia não deixa de estar democraticamente distribuída" (1989: 45). Passando, na opinião do autor, pela previsível dissolução das ciências naturais nas ciências sociais (1988:42; 1989:56), (que, aliás, sempre tiveram dificuldades em assumir a primeira ruptura com o senso comum), a formulação de um novo tipo de conhecimento seguirá um corpo de princípios de orientação: a atenuação progressiva do desnivelamento dos discursos, dos saberes e das comunidades que os produzem; a superação progressiva da dicotomia contemplação/acção; a reconstituição do equilíbrio entre a adaptação e a criatividade. Também no plano da aplicação do conhecimento se desenham novas condições que passam pela substituição de uma aplicação técnica, respeitando os princípios positivistas, por um modelo de aplicação edificante, de perfil inovador: o comprometimento ético, existencial e social, de quem aplica o conhecimento, com o impacto da aplicação; o envolvimento do cientista num processo argumentativo com o grupo; a procura e reforço de definições alternativas da realidade; a não recusa dos saberes locais apesar dos seus limites e

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deficiências; a criação de sujeitos socialmente competentes pela ampliação da comunicação e maior equilíbrio de competências 3

2 - Uma concepção pragmática do conhecimento Apesar das mudanças que têm sido introduzidas ao nível da função social da ciência, alguns estereótipos herdados dos seus primórdios subsistem. É o caso da consideração de diferentes formas e modos de investigação científica, remetendo para distintos níveis, a investigação "pura" no mais elevado, a pesquisa "aplicada" no mais baixo. Diz-se que a investigação "pura" aponta para a ampliação do saber em si mesmo; ao contrário, será "aplicada" quando está motivada pelo desejo de uma utilização prática. Assumindo como base a dicotomia contemplação/acção, a explicitação de distintos níveis de investigação revela-se extremamente frágil, na medida em que, se as definições são em si vagas, são-no igualmente as fronteiras entre elas. A divisão clara entre investigação "pura" e "aplicada", é demasiado simplista e nem sempre aplicável. Mais ainda: sugere que a pesquisa "aplicada" é o único tipo de pesquisa possível face a objectivos práticos (Lambiri-Dimaki, 1985: 22). No campo das ciências sociais, a tendência mais recente tem apontado no sentido de substituir esta dicotomia por outras classificações de modelos de investigação. Mais do que a definição de novos níveis, esta tendência parte da denúncia da dicotomia contemplação/acção e procura uma redefinição das ligações entre o cientista e o seu objecto de estudo. A título de exemplo, Bulmer sugere uma tipologia de cinco níveis (1978: 8-9): pesquisa social básica; pesquisa social estratégica; pesquisa orientada para problemas específicos; investigação-acção; e, finalmente, pesquisa sociográfica. De igual modo, Pierre-Yves Troutot (1980) avança com uma outra diferenciação partilhada com autores como Remi Hess (1983), a mencionar não só por se apresentar como alternativa mas igualmente por se reportar a uma questão-chave com repercussões importantes na fundamentação epistemológica: a do empenhamento do cientista social na acção, a relação entre conhecimento e prática social. Assim, ao lado da sociologia abstracta, o autor considera uma sociologia de intervenção, que visa uma relação imediata entre o cientista social e o seu objecto de estudo, neste caso a população. Mas, falar de intervenção significa igualmente acção, influência, tomada de posição: "A sociologia de intervenção é aquela sociologia que toma parte numa acção em curso com a intenção de 3-

Estes tópicos identificam-se com alguns dos princípios de base da metodologia de Investigação-Acção.

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influenciar o seu desenvolvimento, e que deseja ter um impacto dinâmico sobre a vida social" (Troutot,1980: 192). Retoma-se assim, por outras vias, a questão da contestação ao paradigma positivista e redefinição dos princípios de objectividade e neutralidade, na perspectiva da relação entre conhecimento e prática social ou acção. Redefinição esta que se exprime a dois níveis:  a um nível macro, pela contestação da possibilidade de definição de uma ciência contemplativa, e afirmação do carácter politica e ideologicamente empenhado do conhecimento científico.  a um nível micro, pelo repensar da relação entre o cientista social e o seu objecto de estudo específico, implícito em correntes teóricas como o Interaccionismo Simbólico ou a Etnometodologia, e aprofundado na consolidação de uma Sociologia de Intervenção.

2.1. Conhecimento científico e empenhamento político Autores como Jurgen Habermas (1968), Rodolfo Stavenhagen (1971), Gerard Fourez (1974) ou Alain Touraine (s/d; 1976) têm marcado o debate sobre as ligações entre a teoria e a acção, ao afirmar a inevitabilidade de um empenhamento do conhecimento científico na acção política, recusando a postura contemplativa decorrente dos pressupostos positivistas. De acordo com a posição de Gerard Fourez, a história recente da ciência é marcada pela constante contradição entre a afirmação do seu carácter neutro, desinteressado e supranacional, e uma crescente politização. Esta postura de suposta "neutralidade" é bem visível na "tecnocracia": os cientistas são chamados a resolver os problemas políticos e humanos mas é suposto fazerem-no sem jamais fazerem intervir opções de valor (1974: 16). Perante a impossibilidade de conciliação das duas posições, o autor afirma a inexistência de uma ciência nobre, pura e neutra. Esta não será nunca uma "contemplação neutra de uma verdade" e a descoberta de um dado, mas aparecerá sempre ligada a um projecto particular de uma sociedade, repousando em opções ideológicas implícitas (1974: 136). É preciso abandonar a imagem do cientista só face ao objecto de pesquisa, e situar o projecto científico na sua dimensão social. O reconhecimento do carácter ideológico e "partidário" da produção científica implica do cientista uma postura crítica. O cientista terá que ser crítico em relação à sua prática, apoiar-se numa "ciência crítica", enquanto atitude "... graças à qual os cientistas podem tomar consciência dos paradigmas da sua ciência, e das implicações sociais, económicas, culturais e políticas da sua prática " (1974: 150).

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Na mesma linha de afirmação da necessidade de uma "teoria crítica" se define a postura de Jurgen Habermas, para quem, face à função legitimadora da ciência e da técnica, se torna necessário transformar a prática científica em crítica das ideologias e crítica revolucionária da ordem estabelecida (1968). Se em tempos históricos a validade do conhecimento derivava da religião ou do mito, após o Iluminismo assiste-se ao predomínio da razão e da racionalidade, declarandose como válido unicamente o conhecimento adquirido pelo método científico, isto é, leis universais baseadas em testes empíricos, objectivos e neutrais. Contudo, segundo Habermas, apenas se substituíram as legitimações tradicionais da dominação, constituindose a ciência e em particular a "consciência tecnocrática" como ideologia de suporte do interesse parcial de dominação de uma determinada classe, reprimindo a necessidade de emancipação do género humano (1968: 66, 80). Demonstrando que o conhecimento nunca é puro, mas que sempre serve interesses profundos, Habermas apresenta diferentes domínios do conhecimento, subjacentes a uma "conexão específica de regras lógico-metodológicas e interesses que guiam o conhecimento". O autor identifica três interesses (Habermas, 1968: 136-137; Mingers, 1992: 1-2):  o interesse técnico no controlo e manipulação do mundo físico, providenciado pela ciência natural (ou empírico-analítica, como Habermas a designa), que é fundamentalmente instrumental.  o interesse prático em comunicar e compreender os outros, através da discussão e argumentação, providenciado pelas ciências interpretativas ou culturais, tais como a hermenêutica.  o interesse emancipatório, no auto-desenvolvimento e libertação de falsas ideias. Numa situação ideal, os dois primeiros domínios do conhecimento seriam suficientes. Contudo, Habermas afirma que ambos distorcem o meio sócio-político em que se desenvolvem. Assim, é necessário um terceiro tipo de conhecimento - veiculado pelas ciências de orientação crítica e a filosofia - que permite revelar as distorções, visando uma sociedade racional, onde o debate livre permite aos cidadãos determinar o seu próprio destino.

2.2. A Sociologia de Intervenção Conceber a produção do conhecimento científico como uma acção política e ideologicamente empenhada conduz necessariamente, entre outras questões, a uma revisão da relação positivista entre o cientista social e o seu objecto de estudo. Se correntes teóricas

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como o Interaccionismo Simbólico e a Etnometodologia já incorporam posturas menos "neutrais" quanto a uma relação entre o investigador e o actor (cfr. ponto 1.3.1.), a Sociologia de Intervenção aprofunda e consolida um distanciamento em relação à concepção de uma "ciência contemplativa e neutral". Como afirma Remi Hess (1983), a Sociologia de Intervenção emerge na confluência entre dois pólos da prática social que se estruturaram a partir do séc. XIX: a clínica individual e a intervenção política. Mais do que uma corrente teórica, a designação genérica de Sociologia de Intervenção procura abranger todo um conjunto de experiências práticas desenvolvidas por vários autores, relativamente distintas entre si mas enquadradas num mesmo propósito: conhecer a realidade para a transformar, assumir uma concepção pragmática do conhecimento face à realidade social. Se neste ponto específico, a Sociologia de Intervenção se pode identificar, e mesmo confundir-se, com os princípios da clínica individual ou da intervenção política, os planos de intervenção em que actuam conferem especificidade a cada uma das posturas. Por um lado, a intervenção psicanalítica desenvolvida por Freud não incide sobre o social mas sobre o sujeito. Por outro, a intervenção política surge no outro limite da intervenção sociológica, ao querer introduzir a mudança no plano social geral. O sociólogo de intervenção, em contrapartida, permanece em contacto com um microterreno, uma situação específica de intervenção na qual se encontra implicado. Contudo, não deixa de partilhar elementos de reflexão e contributos teóricos próprios às duas correntes anteriormente referenciadas, contribuindo para uma teoria mais geral da intervenção (Hess, 1983: 81101). Numa tentativa de recenseamento dos casos mais significativos de teorias e práticas da intervenção sociológica, Remi Hess apresenta um conjunto de autores enquadrados em diversas correntes e trabalhando campos bastante distintos (1983: 103-199): a intervenção psicossociológica e a socioanálise, onde se insere Kurt Lewin, considerado o fundador da Investigação-Acção, bem como Elliot Jaques; os contributos da sociologia clínica americana, nos casos de Alinski ou Paulo Freire; as tentativas intervencionistas da sociologia das organizações de Michel Crozier e da sociologia dos movimentos sociais de Alain Touraine; a herança francesa da análise institucional "... uma das mais activas na sociologia de intervenção". Um dos autores actualmente mais referenciados no âmbito da sociologia de intervenção é Alain Touraine, pela sua aplicação do que designou por "intervenção sociológica" ao estudo dos movimentos sociais. À semelhança de Gerard Fourez ou J. Habermas, Touraine defende para a sociologia não só uma postura analítica, mas igualmente uma posição crítica: "O objectivo da sociologia é activar a sociedade, fazer ver os seus movimentos, contribuir para a sua

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formação e destruir tudo o que impõe uma unidade substantiva - valor ou poder - a uma colectividade. Não admito que a sociologia possa ter outro objectivo a não ser ajudar o bom funcionamento dos sistemas de acção que ela estuda" (1976: 206-207). É neste sentido que ele privilegia uma análise dos movimentos sociais contestatários, abandonando as regras de exterioridade e não intervenção, pressupondo sim a intervenção activa do sociólogo para fazer aparecer as relações sociais, mais ou menos mascaradas por uma ordem e uma dominação (s/d.: 181-182). O método desenvolvido para o estudo dos movimentos sociais assume especificidades próprias no contexto de uma metodologia de intervenção (Touraine, s/d.: 179-307; Dubet et Wieviorka, 1981: 115-120). Assim, sendo exigência fundamental entrar directamente em relação com o próprio movimento social, o elo de ligação serão dois ou mais grupos constituídos fundamentalmente por militantes de base, desejosos de se interrogarem sobre o sentido e dificuldades da sua acção, e que, pertencendo ou não a organizações, falam em nome pessoal. Não sendo o agente habitual da dinâmica de base de um movimento social, a escolha do grupo prende-se com o facto de ser o modo mais elementar da organização colectiva, através do qual pode haver uma aproximação sem interferências do movimento social (Touraine, s/d.: 194-195). Substituindo a acção pela discussão e a reflexão, cada grupo de actores constituído, colocado diante da sua própria acção e comportamentos durante a intervenção bem como em interacção e confronto com outros interlocutores, empreende a sua análise com o fim de "fazer progredir a sua actividade militante". Desenvolve-se, deste modo, um princípio de auto-análise, em que um grupo ultrapassa a repetição defensiva de uma ideologia geral, reagindo em diferentes direcções e a diversos níveis, conduzindo-o cada vez mais da experiência vivida para a compreensão do movimento em que está envolvido. A análise sociológica refere-se, assim, à auto-análise que fazem os militantes sobre a sua acção colectiva. Qual o papel do sociólogo neste processo? Poderá sintetizar-se em dois termos fundamentais: agitador e secretário. Abandonado uma posição de observador distante, o sociólogo não deverá igualmente assumir-se como mais um membro do grupo, exprimindo ideias pessoais e tomando partido nos debates. Guarda em relação ao grupo uma distância, que é variável ao longo do processo de auto-análise: se no princípio da intervenção o sociólogo surge como o agitador interrogando o grupo, assume-se posteriormente como analista e animador de uma auto-análise; finalmente, na conclusão do processo, comunica ao grupo a sua interpretação desenvolvendo-se uma análise comum da intervenção (Touraine, s/d.: 242-267). O modo como Touraine e a sua equipa têm desenvolvido uma metodologia de "intervenção sociológica", com especificidades próprias, tem suscitado algumas críticas quanto ao seu verdadeiro carácter de "sociologia de intervenção":

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 por um lado, a intervenção de Touraine é apontada como não se fixando sobre nenhuma realidade concreta, mas sobre a ideologia de um grupo, privilegiando-se o nível do discurso e não o da acção (Hess, 1983: 160).  por outro lado, e de um modo diferente da actuação dos psicossociólogos ou sociólogos clínicos, a intervenção não se dá a pedido de um cliente, que a legitimaria (Hess, 1983: 159).  finalmente, torna-se difícil conciliar uma situação experimental, a implicar a ruptura com as práticas habituais dos militantes (grupos, presença de investigadores, análise constante...), com o dever de ser directamente útil à acção (Ivanovic et Sommer, 1981: 138-139). Para além de demonstrar a vitalidade e diversidade possível de formas e objectos de estudo da sociologia de intervenção, a análise das metodologias seguidas pelos diversos autores e correntes não deixa de revelar algumas características comuns que as aproximam. Um dos aspectos mais marcantes será o de que, por oposição à sociologia abstracta, a sociologia de intervenção é menos temporal, menos generalizante, uma sociologia mais concreta no espaço e no tempo do conhecimento e da acção (Hess, 1983: 201-202). Outras características comuns às teorias e práticas da intervenção sociológica poderão ainda ser enunciadas, formando um conjunto de princípios de base da Sociologia de Intervenção, denunciadoras de uma concepção pragmática do conhecimento (Hess, 1983: 12-14):  na intervenção sociológica os conhecimentos e teorias não são produzidos em laboratório ou no gabinete mas em confronto directo com o social, tentando por vezes transformá-lo.  o saber social é produzido colectivamente, pelos actores sociais, desconstruindo o papel de "especialista" normalmente atribuído ao sociólogo.  a sociologia de intervenção produz-se muitas vezes à margem do sistema, junto de grupos ou organizações em crise que não conseguem ultrapassar sozinhos. Existe, assim, uma certa afinidade entre esta prática sociológica e o trabalho social 4. As consequências e questões que esta postura coloca no plano epistemológico apresentam-se bem claras. Para além do questionamento das noções de objectividade e neutralidade, o carácter contemplativo do conhecimento científico é posto em causa. Na perspectivação de uma nova relação entre o conhecimento e a acção, entre teoria e prática, a sociologia de intervenção contesta a possibilidade de uma exterioridade do cientista social face ao seu objecto de estudo. Vai mais longe: desenvolve na prática uma implicação do sociólogo na realidade que estuda, agindo este "nas" relações sociais e procurando por vezes a sua transformação. Implicação esta que, no entanto, é distinta da dos restantes 4

- Como adiante se fará referência mais pormenorizada, estes princípios são comuns à Investigação-Acção

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actores, na medida em que aquele não possui interesses próprios no terreno (Autès et Duprez, 1984: 62-63).

3 - Investigação - Acção: uma expressão genérica recobrindo estratégias distintas Enquadrada por autores como Remi Hess no campo mais abrangente da sociologia de intervenção, a Investigação-Acção (I.A.) surge partilhando com outras posturas teóricas referenciadas neste campo um conjunto de princípios que passam por uma ruptura mais ou menos radical com o paradigma positivista e uma redefinição das ligações entre teoria e prática. De igual modo, define um espaço de intervenção que se aproxima, sem se identificar, da psicanálise e do marxismo, privilegiando uma intervenção em espaço microsocial e em terrenos bem delimitados, e estabelecendo uma ligação entre a análise das micro-estruturas e as teorias reportadas às macro-estruturas. É imputada a Kurt Lewin (1890-1947) a invenção do termo "action-research" e as primeiras tentativas de aplicar na prática um novo corpo de princípios de intervenção no campo da psicologia social, ligadas essencialmente à resolução de "conflitos sociais". Considerado assim o pioneiro da I.A., cabe-lhe ainda a definição desta "metodologia" como sendo "uma acção a um nível realista, sempre seguida por uma reflexão auto-crítica objectiva e uma avaliação de resultados" (in Barbier, 1977:3). Tendo por base a premissa "nem acção sem investigação, nem investigação sem acção", a estas duas dimensões Kurt Lewin associa uma terceira, a dimensão "formação", construindo assim o triângulo de base da metodologia de I.A.: acção - investigação - formação, com enriquecimento mútuo de qualquer dos ângulos. Se a paternidade do conceito é atribuída a Kurt Lewin, Arlindo Stefani (1984: 354373) e R. Zuniga (1981: 35-37) consideram no entanto um outro autor como fundamental na base da fundação da I.A.: Paulo Freire. Auto-designando-se como "actor cultural", o autor brasileiro desenvolveu a sua acção no campo da alfabetização de adultos, num trabalho com populações "oprimidas". De índole intervencionista e consciencializante, o seu método, tal como o de Kurt Lewin, enquadra-se no âmbito da psicossociologia, podendo resumir-se em dois pontos fundamentais: em primeiro lugar, o de que a alfabetização começa por uma acção cultural em que se pretende que as pessoas se descubram a elas próprias como criadoras do seu mundo, percebendo a sua existência; em segundo lugar, a associação da aprendizagem da escrita à organização de uma acção colectiva face a um desafio ou problema (Hess, 1983: 138-140; Stefani, 1984: 357-358). 23

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Ainda que questionável a redução dos fundamentos da I.A. a estes dois autores 5, a consideração dos seus métodos específicos de intervenção denota claramente a amplitude possível das práticas de I.A., desde a I.A. de carácter instrumental e institucionalizante de Kurt Lewin, até à I.A. participativa e emancipadora de P.Freire 6 . Por outro lado, deixam enunciados os dois traços comuns a qualquer método de I.A., independentemente das suas distinções: por um lado, a união de uma teoria a uma prática precisa; por outro, o objectivo de modificar os comportamentos das populações em relação à situação de partida.

3.1. Que definição? Na sequência dos trabalhos de Lewin, a I.A. procurou afirmar-se como um novo ramo metodológico no âmbito das ciências sociais, distinguindo-se pelos seus métodos de outras formas de investigação (Autés, 1985: 12). Foi encarada como uma prática particular da ciência, uma nova resposta à questão das aplicações directas do conhecimento científico. Contudo, a multiplicação das aplicações possíveis desta nova forma de intervenção e os debates desenvolvidos ainda não foram capazes de dar resposta a uma questão fundamental, que continua presente: o que é a I.A., como poderá ser definida? Se autores como Paul Grell (1984: 154) ou C. Martin (1987: 95) afirmam a impossibilidade de encontrar uma definição unitária de I.A., pela diversidade de concepções e estratégias que este conceito recobre, a diversidade de campos em que foram tentados esforços de I.A. é igualmente um obstáculo à tentativa de uma tipificação metodológica. Em áreas que vão desde o campo específico do Serviço Social até à educação, saúde, organizações, comunicações, desenvolvimento rural, movimentos sociais, etc.7, têm vindo a implementar-se procedimentos metodológicos específicos a cada realidade, diversos entre si e dificultando a sistematização de uma "metodologia" de I.A.. A própria consideração da I.A. como "metodologia inovadora" tem sido contestada por alguns autores. Para Remi Hess a I.A. não será um método mas uma "técnica de 5-

A título de exemplo, G. Goyette e M. Lessard-Hébert (1987) identificam J. Dewey como o inspirador de uma primeira geração de I.A. 6 - M. Autés (1985: 9-10) considera mesmo que a "action-research" de Kurt Lewin, por iniciativa estatal e com carácter racionalizador e planificador, assim como as intervenções consciencializadoras de Paulo Freire, se posicionam nos extremos, não sendo já enquadráveis completamente nos parâmetros que comandam o reconhecimento da I.A. 7- A metodologia da I.A. tem sido aplicada em áreas tão distintas como projectos de desenvolvimento comunitário (Cernea, s/d.; Fragnière e Ley,1981; Gerbaux e Müller,1981; W.F. White, 1991), educação (Barbier, 1977; Morin, 1981; Pourtois et coll., 1984; Benavente et al., 1990), organizações de trabalho (W.F.White, 1991), serviços de saúde (Wery, 1981), instituições de solidariedade (Ivanovic e Sommer, 1981), entre outras.

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intervenção" (1983: 107). Por outra parte, citando Ricardo Zuniga (1981: 35-44) ou M. Autés (1985: 6-26), não deverá ser encarada como um novo ramo metodológico, mas como "uma outra prática da ciência". O aspecto inovador da I.A. não residirá nas técnicas utilizadas, que são idênticas a outras metodologias (Benavente, Costa; Machado, 1990: 6162), mas no questionamento dos pressupostos ideológicos implícitos na investigação social habitual. Finalmente, a tradução do termo "action-research", de Lewin, para "rechercheaction" ou "Investigação-Acção" nem sempre é aceite (Ortsman, 1984; Autés: 1985), alegando uma inversão das lógicas, com domínio da investigação sobre a acção nas últimas designações, ao contrário do domínio das finalidades da acção na definição original de Kurt Lewin. Independentemente das questões em torno da designação original, da diversidade de limites ou do seu valor metodológico, alguns autores e organismos procuraram estabelecer definições, ainda que genéricas, numa tentativa de sistematização dos seus princípios. Citando algumas das definições mais completas, num colóquio na Universidade do Québec, em 1981, um grupo de professores definiram a I.A. como "... um processo no qual os investigadores e os actores, conjuntamente, investigam sistematicamente um dado e põem questões com vista a solucionar um problema imediato vivido pelos actores e a enriquecer o saber cognitivo, o saber-fazer e o saber-ser, num quadro ético mutuamente aceite" (in Beausoleil, et al., 1988: 188). Para White et al. (1991: 20), "na Investigação-Acção participativa (PAR) algumas das pessoas da organização ou comunidade sob estudo participam activamente com o investigador profissional através do processo de investigação desde a definição inicial até à apresentação final dos resultados e discussão das suas implicações na acção". Finalmente, a definição de Gauthier posiciona a I.A. no contexto da investigação científica: "... a I.A. não constitui tanto uma nova técnica de recolha de informação, mas uma nova aproximação da investigação: é uma modalidade de investigação que torna o actor investigador e que conduz a acção para considerações de investigação. É diferente da investigação fundamental que não funda a sua dinâmica sobre a acção, e da investigação aplicada que não considera os actores senão objectos de pesquisa e não como sujeitos participantes" (1984: 462).

3.2. Princípios comuns, distintas práticas Face à dificuldade em estabelecer uma definição concreta e precisa, vários autores procuram a elaboração de um conjunto de princípios que permitam percepcionar as linhas fundamentais de um procedimento de I.A.. Pierre-Yves Troutot é porventura um dos

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autores que conseguiu uma melhor sistematização. Resume a I.A. em sete características fundamentais (1980: 197): 1) Trata-se de um processo de longa duração e não de uma intervenção pontual. 2) Desenvolve-se em colaboração com grupos reais inseridos no seu contexto e não com indivíduos socialmente isolados. 3) A sua finalidade, os seus objectivos e as suas orientações são discutidas e negociadas entre o grupo e o(s) investigador(es). 4) A definição da problemática específica e dos objectivos de pesquisa não se faz a partir de teorias ou hipóteses prévias que importa confirmar ou infirmar, mas em função de uma situação ou prática social concretas. 5) Os dados recolhidos no decurso do trabalho não têm valor significativo em si, interessando enquanto elementos de um processo de mudança social. 6) O objecto da I.A. é uma situação social situada num conjunto e não um conjunto de variáveis isoladas que se poderiam analisar independentemente do resto. 7) O investigador abandona, pelo menos provisoriamente, o papel de observador, em proveito de uma atitude participativa e de uma relação sujeito a sujeito com os outros parceiros. Alguns princípios enunciados por outros autores permitem complementar e esclarecer com maior clareza as dimensões da metodologia em causa (AA.VV., 1981: 7-9; Goyette et Lessard-Hébert, 1987; Beausoleil et al., 1988: 191-192): a) O grupo é pré-existente ao investigador e é ele geralmente o solicitador da intervenção. O grupo manifesta-se como portador de uma vontade de controle, de participação face à sua situação. b) A I.A. surge como uma estratégia de investigação, intervenção e formação em simultâneo. c) É um processo circular, funciona numa lógica em espiral mais do que linear. d) Finalmente, exige o empenhamento intelectual e afectivo de cada participante, uma abertura à crítica e a capacidade de fazer evoluir as suas concepções, a sua prática e as suas relações interpessoais em função do desenvolvimento de um projecto. Se, por um lado, estão bem patentes nestes princípios os dois traços fundamentais de uma metodologia de I.A. já anteriormente enunciados (união e integração de uma estratégia de investigação e uma estratégia de acção; modificação dos comportamentos da população face à dinâmica do seu desenvolvimento), por outro, justificam a inserção desta metodologia no conjunto de posturas teóricas assumidas como alternativas aos modos

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

tradicionais de investigação8. Na linha do "construtivismo racionalista" e, fundamentalmente, das metodologias compreensivas e de intervenção, procede-se a uma redefinição crítica dos princípios fundamentais do positivismo (objectividade, neutralidade, ligação com o senso comum), contrapondo ao carácter contemplativo da investigação tradicional uma concepção pragmática do conhecimento. Repensam-se as ligações possíveis entre teoria e prática, assim como as formas de produção do conhecimento científico e as posturas/papeis de cada um dos actores neste processo de conhecimento 9 . Contudo, nem sempre estes princípios (e a correspondente postura crítica face aos modelos tradicionais de investigação) encontram equivalente na prática efectiva de implementação de uma metodologia de I.A. face a situações/problemas concretos. Pelas suas características específicas, pela imprecisão dos seus instrumentos e limites, pela diversidade de situações em que é implementada, tanto pode ser uma abordagem alternativa cumprindo os princípios definidos em teoria, como pode aproximar-se da investigação tradicional codificada pelos textos de metodologia. Assim, apesar das tentativas de unificação dos princípios teóricos de base da metodologia, é possível enunciar várias modalidades de I.A. que se têm vindo a configurar no terreno, "versões fracas" ou "versões fortes" da I.A.. De entre as tipologias elaboradas, as aqui retidas são-no por se reportarem directamente, ainda que de forma distinta, aos dois traços fundamentais enunciados: ligação Investigação-Acção, no caso de A. J. Esteves (1986: 251-278); relação investigador - grupo envolvido, na aproximação de A. Stefani (1984: 354-373). A tipologia de A. J. Esteves destaca duas modalidades de I.A. que se têm vindo a configurar: investigação-para-a-acção e investigação na/pela acção. Figura 1 O modelo de investigação-para-a-acção

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- Ver em anexo (anexo 1) esquema e quadro de comparação entre a investigação social tradicional e a I.A. Vários autores situam a I.A. em oposição à ciência positivista e aos seus princípios da explicação científica, enunciando as correntes compreensivas como fundamentos epistemológicos desta metodologia: a fenomenologia, para Angers e Bouchard (1978: 105-106); a hermenêutica, na óptica de H. Ley (1979); o existencialismo, a fenomenologia e a hermenêutica segundo Susman e Evered (1978). Outros autores fundam igualmente a I.A. sobre conceitos praxiológicos (Vaillancourt, 1981; St. Arnaud, 1982; Morin, 1984: 2) e sistémicos (Amegan et al., 1981: 148; Vaillancourt, 1981; Gélinas et Gagnon, 1983) 9-

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

CLIENTE

Objectivos

INVESTIGADOR

Relatório

Recolha e tratamento de informação

OBJECTO / MEIO SOCIAL DE PESQUISA Fonte: ESTEVES, 1986: 267

Do ponto de vista metodológico e técnico, o modelo de investigação-para-a-acção é bastante semelhante aos procedimentos da metodologia tradicional. A distinção básica advém-lhe do facto de ser desencadeada por alguém que tem necessidade de informação/conhecimento sobre uma dada situação/problema com o fim de agir e dar-lhe solução, o que, por sua vez, poderá constituir-se como factor limitativo das margens de autonomia do investigador. O autor salienta três traços distintivos do modelo (Esteves, 1986: 267):  Separação total do processo de investigação em relação à eventual acção sobre o objecto/meio de pesquisa.  Detenção em exclusivo por parte do investigador da capacidade de recolher e tratar informação.  Exclusão do objecto/meio social de pesquisa de qualquer processo tendente a um melhor conhecimento de si e sua consequente redução a um estatuto de "reservatório de informação". Traços estes que poderiam igualmente definir-se como válidos para o modelo tradicional de pesquisa em ciências sociais, suportando uma relação de distanciamento do cientista em relação à acção, uma dicotomia clara entre conhecimento e prática. Ao contrário, o modelo de investigação na/pela acção identifica-se com as metodologias de intervenção e aproxima-se da concretização dos princípios definidos para a I.A.. Por vezes confundida com a observação participante, distingue-se desta por não evitar transformar o objecto de estudo mas, ao invés, procurar introduzir alterações numa situação tendo em vista dar solução a problemas anteriormente identificados. Figura 2 O modelo de investigação na/pela acção

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

Objectivos

Processos

Investigação

Participação

Inovação

Formação

Argumentação

Fonte: ESTEVES, 1986: 273

Duas características podem ser associadas a este modelo (Esteves, 1986: 271-273):  Por um lado, o facto de ser um processo complexo, cumprindo no essencial três objectivos distintos, a saber: um objectivo de investigação, para a produção de novos conhecimentos; objectivos de inovação, visando a modificação da realidade sobre a qual se actua; objectivos de formação de competências, na dinamização de um processo de "aprendizagem social" envolvendo todos os participantes.  Por outro, a característica de ser um processo colectivo, que envolve como sujeitos de investigação e intervenção não só os investigadores mas também os grupos em transformação. Desta característica decorre a obrigação de redimensionar a actividade de investigação e a relação entre o investigador e o seu objecto de estudo. A intervenção/implicação/participação é reconhecida como o passo fundamental e fonte virtual de conhecimento nesta metodologia. Como foi referenciado, a tipologia de A. Stefani (1984: 359-364) configura-se em torno das relações possíveis entre investigadores e grupos envolvidos, na implementação de uma metodologia de I.A.. Retém assim quatro imagens de I.A., sendo as duas primeiras de relação sujeito-a-objecto, as duas últimas de relação sujeito-a-sujeito. Na primeira das relações possíveis, assiste-se a uma participação dos beneficiários (indivíduos, famílias, comunidade) nas investigações pensadas e conduzidas pelos investigadores, com os instrumentos e linguagem dos investigadores. Os únicos sujeitos são os investigadores, os beneficiários funcionam apenas como repositórios de informação, tornando-se cada vez mais dependentes dos primeiros.

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

A segunda imagem da I.A. surge como inversa da precedente. Os investigadores demitem-se do seu "savoir-faire" profissional, e colocam-se ao serviço dos beneficiários, usando os instrumentos e linguagem destes últimos. A terceira imagem apresentada pelo autor define um cenário marcado por uma relação de cooperação solidária e positiva entre todos os intervenientes. Ninguém está ao serviço de ninguém, mas em cooperação solidária e complementar. Finalmente, na quarta imagem possível de um procedimento de I.A. cada categoria de actores intervenientes (investigadores ou grupos) cumpre no seu domínio e ao seu nível as três tarefas fundamentais: investigação, acção, uso. De acordo com o autor, em termos teóricos e metodológicos, as duas últimas fórmulas são as que se aproximam do modelo teórico de uma I.A., garantindo entre os intervenientes uma relação participativa e de sujeito a sujeito. "Versões fortes" ou "versões fracas" da I.A., as aproximações ao modelo teórico definidas nas duas tipologias como exemplos de uma realidade, são distintas de modalidade para modalidade. Denotam práticas com maior ou menor validade face a um corpo de princípios que se pretende unitário e que defina as linhas fundamentais de uma metodologia com características inovadoras.

3.3. Potencialidades e limites As opiniões dos metodologos e outros cientistas que se debruçaram sobre a metodologia da I.A. dividem-se frequentemente entre o elogio e a crítica cerrada, questionando as suas virtualidades e limitações no âmbito da produção do conhecimento em ciências sociais. Sem pretender uma enunciação exaustiva, importa referenciar algumas das questões mais significativas levantadas em torno deste procedimento metodológico, a desenvolver em capítulos posteriores. Desde logo, no que concerne a problemas epistemológicos e metodológicos, várias questões se levantam quanto ao valor científico desta metodologia, em grande parte mercê de uma ainda "imperfeita" definição e concretização dos princípios de base da I.A.. As redefinições que a I.A. suscita ao nível da objectividade, neutralidade, implicação/empenhamento do investigador, das condições de acesso ao conhecimento teórico ou da função ideológica da investigação constituem-se como vantagens ou limites em função da postura teórica que é partilhada face à crise do paradigma positivista do conhecimento. Por outro lado, autores como Ricardo Zuniga afirmam não existir nada de inovador na metodologia em causa: "... é importante reconhecer, de um ponto de vista estritamente

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

científico, o carácter não necessário da retórica da I.A.. Não é um contributo essencial a uma definição da ciência, não abre campos novos e não representa um alargamento da panóplia dos métodos" (1981:36). Do ponto de vista da produção de conhecimentos sobre a realidade social, pesem embora algumas críticas ao seu rigor, é importante reconhecer algumas potencialidades que importa reter. Referências de alguns autores assinalam a possibilidade de abordagem de contextos em si complexos numa visão globalizante e fazendo recurso a referências teóricas e praxiológicas distintas entre si, mas que se complementam. Proporciona mesmo, segundo Ana Benavente et al. "desocultar implícitos espaços e mecanismos sem iludir dificuldades de várias naturezas (...) antes reconhecendo-as como questões reais e pertinentes e não apenas 'acasos' irrelevantes" (1990: 57). A articulação entre investigação e intervenção será igualmente uma via para abordar novos conceitos, novas questões, novas vias de trabalho, proporcionando ainda observar quase imediatamente na prática alguns dos efeitos das estratégias e acções implementadas. Referencia-se ainda a possibilidade de obtenção de conhecimentos em contextos específicos, susceptíveis de posteriores generalizações e metendo em evidência princípios ou leis (Troutot, 1980: 193). A este nível será indispensável a capacidade de unificação de princípios e metodologias como estratégias de reforço das possibilidades de generalização (Esteves, 1986: 265-266). Importa igualmente recensear algumas das potencialidades e limites desta metodologia ao nível das dimensões de intervenção e transformação dos contextos enquanto objectivos fundamentais de uma I.A.. Uma maior aproximação às reais necessidades de uma população desencadeando uma intervenção a partir de solicitações expressas, o estabelecimento de objectivos concretos de transformação de uma realidade, a cooptação de um maior número de protagonistas para a acção, a diversificação de momentos e espaços de colaboração entre investigadores e outros actores, estas são algumas das estratégias apontadas como permitindo um maior rigor e adequação das políticas às situações, bem como garantias de continuidade de dinâmicas de mutação para além da conclusão das intervenções. Contudo, destas estratégias decorrem também algumas dificuldades e limitações. Um dos riscos mais enunciados prende-se com a possibilidade de a I.A. contribuir para transformar a sociologia em instrumento ao serviço de poderes ou grupos específicos envolvidos em processos de mudança (Esteves, 1986). Na mesma linha, outros autores denunciam os constrangimentos inerentes ao carácter de encomenda de muitas das pesquisas (Benavente et al., 1990), à multiplicação de "obediências" que o investigador tem que enfrentar, desde o comanditário à comunidade científica, a ele próprio, aos grupos com quem trabalha (Franck, 1981: 160-165), ou ainda à conciliação dos interesses contraditórios dos parceiros envolvidos (Grell e Wery, 1981: 125-127)

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A problemática da I.A. numa perspectiva epistemológica

Por sugestão dos mesmos autores, a solução destas dificuldades passará necessariamente por uma postura deontológica mais esclarecida por parte dos investigadores (Benavente et al., 1990; Autés et Duprez, 1984), assim como pela implementação de princípios de controlo democrático (Franck, 1981; Bernfeld, 1981). Uma das virtualidades mais apontadas à metodologia de I.A. prende-se com objectivos de formação de competências no desenvolvimento de um processo de aprendizagem social, envolvendo todos os participantes e tendo em vista por sua vez objectivos de investigação e inovação (Esteves, 1986: 271). Como afirma Pierre-Yves Troutot, "intervindo ao nível micro-social, a I.A. procede a um movimento dialéctico entre a dinâmica da história e a consciência dos actores: Torna-se uma actividade de compreensão e clarificação da prática dos grupos de acção por eles próprios, com o fim de melhorar esta prática no sentido de uma maior participação na história em vias de se concretizar" (1980: 196). Objectivos estes que só serão atingidos se forem ultrapassados alguns obstáculos frequentemente enfrentados: cristalização dos papeis e funções de cada grupo no quadro de um modelo tradicional de intervenção e de relação ciência - prática; ignorância das assimetrias de saberes e competências entre actores, nomeadamente entre os investigadores e outros actores; limitações na capacidade de apropriação pelos actores das problemáticas teórico-metodológicas (Benavente et al., 1990).

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Um método para a I.A.

CAPITULO 2 - UM MÉTODO PARA A INVESTIGAÇÃO-ACÇÃO

Se é bem clara a diversidade de posições e a indefinição em torno da concretização de um conceito único e de princípios de base orientadores da I.A., bem como das correntes epistemológicas que lhe servem de quadro de referência, é forçoso reconhecer uma igual dificuldade em concluir por uma unidade metodológica e instrumental desta metodologia. A diversidade de conceitos e fundamentos, a heterogeneidade dos campos de aplicação, bem como das modalidade operativas de I.A. que se têm vindo a configurar no terreno, têm conduzido a opções metodológicas distintas entre si, com maior ou menor grau de aproximação. Neste contexto, uma questão particular merece relevo, para a qual neste capítulo se procuram algumas respostas com base em posições teóricas e em experiências de prática de terreno: utiliza a I.A. uma metodologia que lhe é própria, marcada por traços que permitam uma unificação das práticas?

1 - Diversidade de posições na definição de uma metodologia para a I.A. Uma apreciação das posições assumidas por vários autores na procura da definição de uma metodologia para a I.A. revela a diversidade de opções tomadas. Opções estas que vão desde a utilização de adaptações mais ou menos próximas dos métodos denominados de "tradicionais" (experimentação, análise estatística de dados quantitativos) até à utilização de métodos não experimentais ou qualitativos (Goyette et Lessard-Hébert, 1987: 149). A recusa em definir uma metodologia própria para a I.A. caracteriza os autores que defendem uma relativa apropriação por esta de princípios metodológicos próprios da abordagem sistémica ou da experimentação. A título de exemplo, Amegan et al. (1981: 147-148) e Shelton et Larocque (1981: 21) constatam a possibilidade de adoptar uma aproximação de concepção sistémica face aos objectivos e à natureza dos problemas sobre os quais a I.A. se debruça. Por seu turno, outros investigadores optam por métodos ditos tradicionais, ainda que mais flexíveis ou relativizados pelas finalidades da acção ou por certas posições epistemológicas. Assim, Bruyne et al. (1984: 229) vêem na I.A. uma forma particular de experimentação sobre o terreno, distinta em vários aspectos de outras formas de 33

Um método para a I.A.

experimentação no terreno como a quasi-experimentação ou a experimentação "operacional", e da experimentação laboratorial. Quadro 1 Experimentação sobre o terreno Quasi-Experimentação Posição do investigador

Observador / passivo

Experimentação "operacional" Operador / empenhado

Investigação-Acção

Papel do investigador

Análise

Consulta

Colaboração

Objectivo da pesquisa

Explicação da mudança

Causalidade e avaliação da mudança

Conhecimento e prática da dinâmica

Formulação da problemática

Hipóteses explicitas

Hipóteses explicitas

Questões conjecturais

Variáveis experimentais

Pouco numerosas, seleccionadas e não provocadas

Pouco numerosas, seleccionadas e não provocadas

Numerosas, não seleccio nadas e provocadas

Tratamento

Não reactivo

Reactivo

Reactivo

Catalizador / implicado

Fonte: BRUYNE et al.: 1984: 210

Um posicionamento intermédio, com a conjugação de procedimentos experimentais e quantitativos com outros de ordem não experimental e qualitativos surge igualmente como opção metodológica: se para Dubost (1984: 17), a I.A. poderá beneficiar de uma complementaridade entre a experimentação sobre o terreno e a observação participante, o relatório Batley, enquanto relator de uma intervenção, descreve a utilização simultânea de estratégias distintas no seio do projecto com o mesmo nome: procedimentos experimentais de planificação, inquéritos profissionais, estudos de caso, "auto-inquéritos" comunitários, conselhos sociais (in Lees e Lees, 1985: 47-50). No polo oposto, certos investigadores demarcam-se do modelo dito tradicional ou experimental, aproximando-se de um modelo de I.A. como forma de pesquisa qualitativa aplicada. Para Grell e Wery (1981: 123-130), que concebem a I.A. como construída na base de uma negociação entre o investigador e as pessoas directamente interessadas, as estratégias de pesquisa nesta metodologia surgem em oposição à investigação de tipo "inquérito informativo". Na sua opinião, enquanto procedimento dominante em sociologia, de que o inquérito de opinião é uma caricatura, o "inquérito informativo" coloca o sociólogo numa situação de exterioridade, abstendo-se de construir um objecto de estudo propriamente sociológico e definindo-se como produtor de informação para uso tecnocrático. Ao contrário, concebendo-se a pesquisa como sendo uma obra colectiva entre os diferentes parceiros sociais e o investigador, não por eles e para eles mas com eles, a

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Um método para a I.A.

I.A. avança para modelos de pesquisa alternativos aos procedimentos tradicionais e dominantes em sociologia (Quadro 2 - tipo I ), por sua vez divididos em dois tipos (tipo II e tipo III) Quadro 2 Modelos de pesquisa Modelos de pesquisa Tipo I

Posicionamento do investigador O investigador trabalha sozinho.

Objecto da pesquisa

Objectivos da pesquisa

População.

Recolha de informações.

Tipo II

O investigador trabalha com indivíduos da população.

Instâncias de participação.

- Atingir um resultado antecipadamente bem previsto; - Participação de uma parte da população na realização de um projecto preciso.

Tipo III

O investigador trabalha com grupos militantes, animadores, uma população determinada.

As relações sociais, i.é, os conflitos através da percepção que deles têm os grupos sociais.

Fazer nascer uma dinâmica de aprendizagem (análise crítica, processos de consciencialização, acção colectiva, etc..

Perspectivas metodológicas - O investigador elabora o conjunto e controla-o; - Observa do exterior, evitando modificar a situação. - O investigador elabora o conjunto e envia os resultados a certos elementos da população; - O investigador manipula a situação do exterior. - Explorar com as pessoas e grupos a implementação de novos valores orientados para a emancipação social; - os grupos controlam as diferentes etapas da pesquisa e são os "utilizadores" dos resultados.

Fonte: GRELL et WERY, 1981: 126

Ao modelo de tipo II estará associada uma I.A. de carácter "reprodutivo" ou "normalizador", na linha das acções desenvolvidas por Kurt Lewin e cujo objectivo é a reprodução e a melhoria das estruturas de dominação existentes. Por sua vez, o modelo de tipo III identifica uma I.A. virada para a mudança social, com objectivos de transformação radical das estruturas sociais e políticas, aproximando-se assim do inquérito consciencializante, da análise institucional ou da intervenção sociológica. Na mesma linha de pensamento, Paloma López de Ceballos (1987: 38-42) distingue metodologicamente a I.A.P. (Investigação-Acção Participativa) de outros procedimentos de investigação em ciências sociais, mais concretamente a investigação informativa e a observação participante. Se existem aspectos em que os três tipos se interpenetram, as diferenças são marcantes ao nível do sujeito e objecto da pesquisa, das finalidades, relação com a acção, metodologia e mesmo dos perigos que se correm com a sua implementação.

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Um método para a I.A.

Quadro 3 Tipos de investigação em ciências sociais Tipos de investigação

Sujeito

Objecto

Finalidade

Relação com a acção

Metodologia

Perigos

Informativa

O investigador (e quem o financia)

A população e os seus problemas

O conhecimento por si mesmo

Deve-se pôr entre parentisis ou procurarem-se aplicações posteriores

O investigador Inutilidade. elabora e controla Alienação dos todo o processo entrevistados. Poder somente para investigadores e financiadores

Observação participante

Investigadores e alguns lideres da população. (financiadores)

Os canais de comunicação

Conseguir que a população colabore / não obstrua um plano de desenvolvimento decidido em seu nome

Desde o início procura justificarse e reforçar-se a acção.

O investigador elabora a investigação e informa os lideres

Ao acrescentar os conhecimentos e prestígio dos lideres poderá reforçar-se o caciquismo.

Investigaçãoacção participativa

Grupos de investigaçãoacção. Animadores. População. (financiadores)

Condicionamento s objectivos. Percepções subjectivas da população.

Consciencialização: análise da realidade pela acção. Descoberta dos temas geradores e compromisso colectivo.

Parte-se da acção actual e potencial dos grupos e população que se investiga para chegar a uma nova acção

Os grupos elaboram e controlam todas as etapas com o apoio metodológico dos animadores: os resultados comunicam-se a toda a população para que os analise, transforme e utilize na acção

Má selecção dos grupos. Distanciamento dos grupos em relação ao resto da população. Dificuldades institucionais.

Fonte: CEBALLOS, 1987: 39

Não enquadrável sticto sensu em nenhuma das posições até agora apresentadas, antes como uma síntese das mesmas, a argumentação desenvolvida por Goyette e LessardHébert (1987: 157-163), assenta em três eixos/dimensões fundamentais, expressando aqueles que podem ser definidos como os princípios de base de uma metodologia própria e específica da I.A.. Segundo os autores, o conjunto de métodos utilizados em I.A. caracteriza-se primeiramente por uma flexibilidade metodológica consentida e aceite pelos investigadores, maior ou menor consoante os contextos e finalidades estabelecidos. Contudo, esta flexibilidade reporta-se sempre a um afastamento em relação ao método experimental puro. Se a I.A. se desenvolve num contexto natural e é definida em função das pessoas implicadas, é incompatível com a utilização de um modelo de experimentação pura. Assim, os modos de investigação em I.A. contemplam e desenvolvem-se num continuum metodológico que se define entre dois pólos distintos: de um lado a experimentação sobre o terreno, do outro os estudos de caso.

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Um método para a I.A.

Esta flexibilidade metodológica é igualmente visível ao nível da utilização das técnicas de recolha de dados, seguindo procedimentos como o inquérito "feed-back", o inquérito participativo, a observação participante, entre outros. Segunda dimensão da argumentação: a escolha e elaboração dos instrumentos de pesquisa deve ser objecto de negociação entre os actores envolvidos, não cabendo exclusivamente ao investigador. No quadro de um questionamento da divisão social do saber e do poder (Zuniga, 1981), a I.A. tem procurado constituir-se como uma nova prática para todos os que nela tomam parte, face à caducidade do modelo tradicional de investigação. Caracterizado por uma estrutura de relações "top-down", extremamente hierarquizada, o referido modelo pauta-se por uma estrutura de base em que o investigador, sujeito da pesquisa, toma por objecto de estudo os homens, os grupos as instituições (Grell e Wery, 1981: 123; Cernea, s/d.: 11-12). Neste quadro, o único sujeito decisor é o investigador, desempenhando uma função de "expert" e definindo todas as "regras" da pesquisa. Enquanto objecto de pesquisa, o papel das pessoas directamente implicadas consiste unicamente em fornecer informações o mais completas possível. Raramente tomam conhecimento dos procedimentos seguidos (o que poderia aliás influenciar as suas atitudes), do mesmo modo que têm fraco conhecimento dos resultados obtidos. Alienação das pessoas, elevada concentração de poderes, descontextualização dos resultados, estandardização dos métodos, fracas margens de sucesso, são algumas das falhas que têm sido apontadas a este modelo. Implicando um redimensionamento dos papeis e das relações entre os actores envolvidos (investigadores, técnicos, população), bem como a aprendizagem de novas práticas, a I.A. tem procurado desenvolver uma "metodologia de participação" onde todas as partes intervenham em pé de igualdade num processo onde se conjugam a investigação e a acção (Vuille, 1981: 70-71). Recusado ao investigador o estatuto de "expert", este apresenta-se como uma pessoa-recurso (Goyette et Léssard-Hébert, 1987: 160) participando nas investigações iniciadas pelos grupos, tomando parte num processo de decisão conjunta, que passa pela negociação (Grell et Wery, 1981: 125) ou por um processo argumentativo (Esteves, 1986: 271-272). Terceira dimensão: os procedimentos metodológicos próprios à I.A. implicam uma redefinição da dimensão temporal que lhe é inerente. Na investigação tradicional, e em particular no método experimental, o método é normalmente considerado como um conjunto de operações mais ou menos sistematizadas, desenvolvidas segundo uma sequência pré-estabelecida e fazendo apelo a uma concepção linear do tempo.

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Um método para a I.A.

Ao contrário, Goyette et Léssard-Hébert (1987: 160-163), entre outros autores, representam o método da I.A. como um circulo ou uma espiral, entendendo o procedimento metodológico como cíclico e prolongado no tempo. Se esta imagem se reporta directamente a uma aplicação do método em tempo real, não redutível a uma concepção linear do tempo, também lhe não será estranha uma redefinição das concepções de desenvolvimento, entendido por alguns autores não como linear mas como galáctico, também ele num processo em espiral (Ceballos, 1987: 30-33). Independentemente dos procedimentos e das etapas/fases que o compõem10, concebe-se um modelo de investigação onde a devolução das informações entre as diferentes fases ou ao nível do conjunto do processo é encarada como uma fonte de conhecimento e de redefinição dos procedimentos de investigação ou acção, numa sequência que se poderá prolongar no tempo e perpetuar-se através de outras componentes (Grell et Wery, 1981: 128).

1.1. Alguns métodos da I.A. Pese embora a diversidade de posições face à descrição de métodos possíveis em I.A. e de práticas ensaiadas no terreno11, entre os vários procedimentos metodológicos definidos salientam-se três que comportam em si os parâmetros referenciados (flexibilidade, participação, concepção circular do tempo), a saber: o inquérito "feed-back", o método de sistemas flexíveis e a experimentação no terreno (Goyette et Léssard-Hébert, 1987: 163-173). 1.1.1. O inquérito "feed-back" Articulado em torno da técnica do inquérito, o inquérito "feed-back" distingue-se do inquérito informativo, no qual a população é assumida apenas como objecto de estudo. Podendo ser associado ao inquérito participativo definido por Grell et Wery (Quadro 2) ou à Investigação-Acção Participativa de Ceballos (Quadro 3), partilha com estes modelos características comuns ainda que com um nível de abrangência mais restrito: objectivos de modificação de comportamentos e opiniões; desencadeamento de um processo participativo, com devolução de informação à população; definição conjunta de pistas de solução e empenhamento comum na acção.

10-

O número de fases/etapas é definido de modo distinto por vários autores, oscilando normalmente entre três e sete 11 - No ponto 2.2. do Cap. 1 houve a oportunidade de enunciar algumas das modalidades de I.A. que se têm vindo a configurar no terreno.

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Um método para a I.A.

Uma imagem rápida define-o como um modelo em que os resultados da análise dos dados recolhidos por inquérito junto da população-alvo são posteriormente devolvidos a esta mesma população, com vista a esclarecer as sua tomadas de posição e acções. É o "feed-back" que se constitui enquanto ponte entre a investigação e a acção num processo que compreende dois momentos: o diagnóstico da situação problemática, a partir da aplicação de um inquérito por questionário, e posterior tratamento e interpretação dos dados quantitativamente colhidos; e a fase de "feed-back" em que o diagnóstico é devolvido à população, sensibilizando os membros para a sua situação e favorecendo a emergência de soluções possíveis para a resolução dos problemas equacionados. 1.1.2. O método de sistemas flexíveis Como afirmam Claux et Gélinas (1982: 36), no quadro do método de sistemas flexíveis será mais legítimo falar de formulação e reformulação permanente de problemas do que de resolução desses mesmos problemas. Seguindo a lógica do pensamento sistémico, não no sentido de descrever o objecto real enquanto sistema mas no de encarar as reformulações como sempre possíveis, este método não visa a procura e implantação de soluções, mas sim a definição de uma problemática a partir das diferentes visões que têm as pessoas implicadas. Figura 3 Método de sistemas flexíveis 1 A situação - problema

7 Acção para melhorar a situação - problema

2 A situação - problema enunciada

6 Mudanças desejáveis praticáveis

3 Comparação de 4 com 2

Universo afectivo Pensamento sistémico 3 Enunciados de base de sistemas pertinentes de actividades humanas

4a Conceito de sistema formal

4 Modelos conceptuais de sistemas pertinentes de actividades humanas

4b Outros modelos ou teorias sistémicas

Fonte: CLAUS et GÉLINAS, 1982: 29

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Um método para a I.A.

Neste quadro, a I.A. é concebida como a implementação de um processo de mudança que não procura a solução mas a evolução de uma situação pela explicitação e confronto das diferentes lógicas em presença, e por um processo argumentativo entre os actores em causa (Goyette et Léssard-Hébert, 1987: 170). 1.1.3. A experimentação sobre o terreno A terceira metodologia a referenciar, objecto de considerações teóricas por parte de vários autores e a mais utilizada em situações de prática de investigação, surge igualmente como a mais completa em termos de procedimento de investigação e acção. Apresentandose como um processo cíclico ou em espiral, a experimentação sobre o terreno define-se como um conjunto de fases interligadas entre si numa sequência, correspondendo cada uma a uma função específica da I.A.. Segundo Susman et Evered (1978: 588), o processo de experimentação contempla cinco fases (diagnóstico, planeamento da acção, avaliação e definição de novos conhecimentos) articuladas de acordo com a representação sugerida no Figura 4, onde se expressa claramente uma das dimensões da noção de processo circular. De acordo com este esquema, o inquérito "feed-back", tal como foi apresentado anteriormente, acaba por corresponder às primeiras fases do processo experimental: diagnóstico e planeamento da acção. Figura 4 Processo cíclico de investigação - acção

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Um método para a I.A.

O DIAGNÓSTICO Identificação ou definição do problema

DEFINIÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS Identificação das descobertas de interesse geral

A PLANIFICAÇÃO DA ACÇÃO Estudo dos diversos programas de acção susceptíveis de solucionar o problema

Desenvolvimento da infraestrutura de um sistema-cliente

A AVALIAÇÃO Estudo dos efeitos do programa de acção

REALIZAÇÃO DA ACÇÃO Escolha de um programa de acção

Fonte: SUSMAN et EVERED, 1978: 588

Por sua vez, Pierre-Yves Troutot (1981) sugere uma outra visualização do processo, na sua essência semelhante à anterior mas caracterizada por uma definição em certos aspectos distinta quanto às fases que o compõem (negociação do contrato de intervenção, negociação dos procedimentos de pesquisa, trabalho de pesquisa, avaliação dos resultados, aplicação dos resultados) e por uma separação mais marcada das funções de acção e de investigação. Figura 5 Investigação - Acção Sócio-Política segundo Pierre-Yves Troutot Aplicações sócio-políticas

grupo de acção

Situação e prática social concreta

grupo de acção

OBSERVAÇÃO

Proble mática Geral

Negociação do processo de pesquisa

negociação do contrato de intervenção

Sociólogo

ANÁLISE

resultados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

Quadro teórico e estratégia de pesquisa

Sociólogo

Aplicações sociológicas

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Um método para a I.A.

Fonte: TROUTOT, 1981: 199

2 - Investigação ou acção? Se todos os autores que adoptaram uma metodologia de experimentação no terreno propõem modelos de I.A. que se iniciam numa fase de análise de uma situação problemática concreta e, no fim, retornam a essa mesma situação real, num processo circular, parece contudo haver certas distinções em torno das fases que deverão compor esse mesmo processo. Mais do que as diferenças em termos de terminologia, sugerem-se modos distintos de planear os procedimentos a desenvolver, nomeadamente ao nível da articulação entre investigação e acção, valorizando uma ou outra das dimensões ou a recomposição do binómio. Uma análise das propostas de alguns autores permite percepcionar as diferentes posições. Para Michel Thiollent (1988: 47), que considera difícil estabelecer uma ordenação sequencial das fases da intervenção na sua globalidade, é apenas possível distinguir uma fase exploratória e uma fase final, sem que uma sequência fixa de operações possa ser atribuída a uma fase intermédia. Na primeira das fases referenciadas destacam-se vários tipos de actividades: construir uma estrutura colectiva de investigação e acção; entrar em contacto com a população; elaborar um diagnóstico preliminar; e, finalmente, preparar uma metodologia de participação. A fase intermédia concretiza-se em procedimentos como a elaboração do plano de intervenção, a sua execução, acompanhamento, avaliação e reformulação. Uma fase final, de balanço, centra-se fundamentalmente em procedimentos de partilha e divulgação de resultados, tanto ao nível interno pela difusão entre os participantes, como ao nível externo. Para além de promover uma visão de conjunto, este retorno de informação poderá contribuir para "... fortalecer a tomada de consciência do conjunto da população interessada (não limitada aos participantes efectivos)" (Thiollent, 1988: 72). Apesar de considerar cinco fases e não três, o modelo sugerido por Susman e Evered (Figura 4) revela-se semelhante ao de Thiollent. As cinco fases/etapas definidas por estes autores são: o diagnóstico, visando a identificação e definição do problema; a planificação da acção, através dos estudo de diversos programas de acção susceptíveis de solucionar o problema diagnosticado; a realização da acção; a avaliação dos efeitos do programa de acção; e a definição de novos conhecimentos, procurando identificar-se um corpo de descobertas com possibilidades de generalização. 42

Um método para a I.A.

Um ponto comum nos dois modelos propostos é a valorização particular da acção, num processo que adopta um faseamento próximo do definido normalmente no âmbito das intervenções técnicas de Serviço Social sem que se confunda nos conteúdos/procedimentos a desenvolver em cada uma das fases. Não descurando os princípios fundamentais da metodologia de I.A., nomeadamente quanto à definição de estruturas de participação e à articulação entre investigação e acção, a tónica do processo é centrada na planificação e implementação de um programa de intervenção face aos problemas identificados. De um modo relativamente distinto, Pierre-Yves Troutot (1981) e Jacques Beausoleil et al. (1988: 194) propõem modelos que valorizam principalmente as etapas relativas à identificação das dimensões do problema e proposta de soluções através de procedimentos de investigação, remetendo a acção para as fases terminais do processo. Assim, Pierre-Yves Troutot estabelece um modelo assente em cinco fases (Figura 5): uma primeira fase de contacto entre o investigador e o grupo de acção, analisando-se o pedido e negociando um contrato de intervenção; a negociação do processo de pesquisa propriamente dito, numa segunda fase; a fase três, centrada no desenvolvimento de um trabalho de pesquisa, com três passos fundamentais: observação, análise e interpretação; a quarta fase, de avaliação dos resultados da pesquisa em termos de novos conhecimentos produzidos, do reforço da capacidade de acção do grupo e de aquisições teóricas e metodológicas; finalmente, uma última fase de utilização de resultados, com aplicações sócio-politicas do lado do grupo de acção e aplicações sociológicas para o grupo de investigadores. Para Beausoleil et al. (1988: 194-220) a I.A. comporta, "como toda a forma de investigação" cinco etapas essenciais, ainda que com particularidades próprias: uma fase preparatória, que contempla o estabelecimento de relações entre os participantes; a colecta de dados e análise dos resultados; a redacção de um relatório de pesquisa; a avaliação; e, por fim, o retorno à acção. Os autores afirmam que a I.A. encontra a sua razão de ser na intervenção, oferecendo uma possibilidade de combinar actividades flexíveis, conceptuais e analíticas, com um trabalho activo relacional e concreto. Contudo, e ainda que a dimensão associada à intervenção seja dominante em alguns projectos, reconhecem que no seio do GRASPI (Groupe de recherche-action sur les réseaux de soutien et les pratiques institucionnelles), de que fazem parte, a dimensão acção surge a um segundo nível, ainda pouco estruturada e medida (Beausoleil et al., 1988: 218-219). A questão das ligações possíveis entre a investigação e a acção no seio da metodologia de I.A. surge assim como fundamental na determinação das fases que deverão compor o modelo de implementação, bem como o conteúdo de cada uma delas. Num esforço para maximizar o potencial de integração entre acção e investigação, Walton and Gaffney (1991: 99-126) optam por definir dois ciclos que se interpenetram

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Um método para a I.A.

num processo de I.A.: o "Action Cycle" e o "Research Cycle", cada um envolvendo uma sequência de cinco actividades. Considerando separadamente o "action cycle", este contempla um conjunto de actividades que são: 1- Identificação dos problemas a resolver e outras conjunturas, factores causais, constrangimentos ambientais e práticas relevantes. 2- Formulação de propostas de mudança e do plano de implementação. 3- Inicio das mudanças em áreas-alvo. 4- Avaliação das mudanças e métodos de implementação. 5- Aprofundamento, institucionalização e difusão das mudanças. Em determinados casos, alguns dos passos deste ciclo são omitidos ou trabalhados de um modo superficial. Por sua vez, o "research cycle" desenvolve-se em torno das seguintes operações: 1- Identificação dos tópicos para estudo e revisão de conhecimentos relevantes. 2- Operacionalização das hipóteses. 3- Selecção da amostra para observação. 4- Selecção de outros métodos de investigação, colecta de dados, produção de conhecimentos. 5- Derivação e disseminação de implicações para a teoria e prática. Segundo os autores, o que define fundamentalmente este "research cycle" como sendo "pesquisa aplicada" será o facto de, no passo 1, o investigador identificar um problema prático, e no passo 5 dar particular ênfase às implicações práticas mais do que à teoria. Durante a implementação de um procedimento de I.A., é possivel estabelecer um paralelo entre cada um dos passos do "action cycle" e dos "research cycle", integrando estes dois ciclos e reforçando-os mutuamente. Cada um dos passos do processo de investigação poderá contribuir ou ser enriquecido pelo seu correspondente no processo de acção. Quadro 4 Acção, Pesquisa e sua potencial integração

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Um método para a I.A.

ACTION CYCLE

RESEARCH CYCLE

1- Identificação dos problemas a resolver e outras conjunturas, factores causais, constrangimentos ambientais e práticas relevantes.



de conhecimentos relevantes.

2- Formulação de propostas de mudança e do plano de implementação.



2- Operacionalização das hipóteses.

3- Início das mudanças em áreas-alvo.



3- Selecção da amostra para observação.

4- Avaliação das mudanças e métodos de implementação.

5- Aprofundamento, institucionalização e difusão das mudanças.

1- Identificação dos tópicos para estudo e revisão

4- Selecção de outros métodos de investigação,



colecta de dados, produção de conhecimentos.



5- Derivação e disseminação de implicações para a teoria e prática.

Fonte: WALTON and GAFFNEY, 1991: 123

Por outro lado, e como característica fundamental numa metodologia de I.A., em cada etapa o aprofundamento de padrões de participação por parte da população poderá reforçar os resultados tanto ao nível da investigação como da acção (Walton et Gaffney, 1991: 122).

3 - As etapas de uma I.A. Compreender a metodologia de I.A. nos seus aspectos de diferenciação em relação a outras práticas metodológicas no âmbito das ciências sociais passa necessariamente por, para além de lhe definir um conceito e princípios de base, explicitar as características das etapas que conduzem à sua operacionalização face a situações/problemas concretos. O modelo adoptado nesta obra aproxima-se dos modelos de Thiollent, Goyette et Léssard-Hébert e igualmente do de Beausoleil et al.. Procura, contudo, fazer ressaltar de um modo mais claro a necessária articulação e integração entre as dimensões de investigação e intervenção/acção, respeitando em simultâneo os parâmetros de flexibilidade, participação e concepção circular do tempo (cfr. ponto 1). O faseamento proposto divide-se, assim, em quatro momentos/etapas: diagnóstico e planificação da acção; implementação; avaliação; definição de novos conhecimentos. Figura 6 Fases da Investigação-Acção

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Um método para a I.A.

DIAGNÓST ICO E PLANIFICAÇÃO DA ACÇÃO

DEFINIÇÃO DE NOVOS CONHECIMENT OS

IMPLEMENT AÇÃO

AVALIAÇÃO

Num procedimento que tem necessariamente pontos em comum com outras formas de pesquisa, em particular com a pesquisa aplicada, pocurarão salientar-se os pontos de inovação em cada uma das fases, por relação a essas formas mais "tradicionais" de pesquisa. De igual modo, no que diz respeito à implementação de uma metodologia de participação, que perpassa todas as fases referenciadas, dar-se-á particular ênfase às questões técnicas e instrumentais dessa mesma participação, remetendo para o cap. 3 as questões relativas aos papeis e funções dos parceiros no processo de I.A..

3.1. Diagnóstico e planificação da acção Citando M. Thiollent (1988), bem com Grell et Wery (1981: 127), a fase de diagnóstico e planificação, ou "fase exploratória", mais ou menos alargada no tempo mas tomando geralmente perto de metade do tempo previsto para a intervenção, concentra-se em dois tipos de actividades fundamentais: umas relacionadas com a constituição de uma equipa de trabalho; outras com actividades concretas de conhecimento e acção. Em relação ao primeiro grupo, o objectivo primordial será a definição de uma base clara e precisa de colaboração entre os parceiros envolvidos. Através da definição negociada dos objectivos essenciais, da constituição de estruturas colectivas de investigação e acção, procuram-se consensos e bases para uma intervenção participada (cfr. pontos 3.1.1. e 3.1.2.).

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Por sua vez, outras actividades visarão a identificação e definição dos problemas reais que serão objecto de intervenção, conduzindo assim à formulação de hipóteses de acção transformadora, à delimitação do espaço de intervenção, à escolha das unidades de análise e à previsão da duração dos procedimentos de investigação e acção (cfr. ponto 3.1.3.). Os actores mais implicados neste primeiro momento serão os grupos estruturados, algumas testemunhas privilegiadas do meio e os investigadores.

3.1.1. A análise do pedido Como já havia sido referenciado (ponto 2.2. do cap.1) para Pierre-Yves Troutot (1981), uma das características fundamentais da I.A. é a de que a definição da problemática específica e dos objectivos de pesquisa não se faz a partir de teorias ou hipóteses prévias que importa confirmar ou infirmar, mas em função das necessidades de uma situação ou prática social concreta. Assim, enquanto que numa pesquisa tradicional o objectivo principal se define em torno do "tentar conhecer e explicar os fenómenos que ocorrem no mundo existencial" (Trujillo, 1974: 171), na I.A. esse objectivo decorre directamente de uma situação social reconhecida como problemática. Reconhecida, por quem? Em primeiro lugar, pela população que vive esta situação, o que explica que certos autores defendam que um procedimento de I.A. deva ter origem num pedido concreto (Le Gall et Martin, 1985: 108-113; Chambaud et Richard, 1984: 47) ou, como afirma Remi Hess (1983: 39-40) no pedido de um "cliente". Ainda de acordo com este último autor, nem sempre o pedido é forçosamente claro, o que poderá justificar um trabalho inicial do investigador no apoio ao cliente com vista a melhor precisar o seu pedido, a melhor circunscrever a sua necessidade. Contudo, de acordo com Beausoleil et al. (1988: 148-149), o objectivo poderá igualmente surgir do interesse de investigadores e de técnicos em analisar e promover uma intervenção face à situação/problema. Poderão assim desenhar-se três situações distintas: o projecto é equacionado por uma equipa de investigadores e de técnicos; o projecto sucedese ao pedido feito por um "cliente", seja ele um grupo ou uma organização do meio; e, por último, o projecto decorre de um interesse recíproco e concomitante entre as duas partes. Independentemente de quem desencadeia o processo que dará origem a um projecto de I.A., um factor a ter sempre em conta é o de que uma prática real de I.A. supõe à partida uma noção de "grupos", de "colectivos", favorecendo o encontro e colaboração entre esses grupos de actores (Sauvin, Dind, Vuille, 1981: 64):  Os especialistas, investigadores e formadores, cuja formação e actividades estão normalmente ligadas às práticas sociais.

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Um método para a I.A.

 Os técnicos de intervenção, fundamentalmente Técnicos de Serviço Social, em contacto directo com as necessidades e problemas sociais que se trata de identificar e sobre os quais se intervém.  Os utentes, organizados em diversas formas de agrupamentos (sindicatos, movimentos populares...) e particularmente os grupos de populações-alvo.  Poder-se-iam ainda acrescentar as instituições ou serviços públicos, aqui igualmente entendidas enquanto agrupamentos actuantes e normalmente numa situação híbrida de decisores, especialistas, técnicos ou utentes, ou ainda desempenhando vários destes papeis/funções em simultâneo. Em função de cada "campo de competências" próprio, será natural que os diferentes grupos, parceiros na intervenção, tenham uma representação específica do problema, teórica ou empiricamente fundada, que longe de os aproximar, os separa e os leva a ignorarem-se (Le Gall et Martin, 1985: 113-119). Perseguindo um mesmo fim, os diferentes parceiros agem em função de racionalidades que lhes são próprias, pelo que é inútil iniciar um projecto sem se efectuar em paralelo um trabalho visando reduzir e abolir a separação entre as diferentes representações em presença. Assim, é numa base de cooperação e entendimento que importa clarificar a situação de partida, através de um processo de negociação (Hess, 1983) ou de discussão (Grell et Wery, 1981), em que se determinam os objectivos e condições da I.A. Autés (1986), tal como Pierre-Yves Troutot (1981) referenciam mesmo o estabelecimento de um contrato claro entre os vários parceiros, contemplando no essencial quatro items: a definição de objectivos; a definição de meios, nomeadamente financeiros; os empenhamentos institucionais; e o tempo de duração previsto para a intervenção. 3.1.2. Condições para uma participação Concebida como um projecto colectivo, assente numa dinâmica de cooperação e trabalho conjunto entre parceiros, a I.A. implica necessariamente a elaboração de uma "metodologia de participação" (Esteves, 1986: 275) capaz de sustentar esta dinâmica em todas as fases do projecto: programação, acompanhamento, avaliação e reformulação. Tendo presente a intervenção directa de três (ou quatro) grupos distintos de actores no processo (especialistas, técnicos, instituições ou serviços, utentes), o estabelecimento de redes de cooperação/colaboração entre os três primeiros grupos processa-se normalmente pela definição de equipas conjuntas de investigação e/ou acção. Não isenta de dificuldades, pela especificidade de estatutos e papeis de cada um dos grupos, a constituição destas equipas visa fundamentalmente o estabelecimento de uma dinâmica de interacção entre peritos. Interacção esta que não significa de modo nenhum o

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desaparecimento de uma divisão do trabalho (Gerbaux et Müller, 1981: 103), nem sequer uma fusão entre técnicos e cientistas em todas as etapas da pesquisa (Desnoyers et Mergler, 1981), antes sim o estabelecimento de uma aproximação e uma comunicação mais profundas entre estes grupos. Se esta prática de trabalho conjunto entre equipas de peritos não é exclusiva desta metodologia, o aspecto inovador da I.A. reside fundamentalmente no envolvimento da população em todas as fases do processo, numa postura de colaboração activa e em igualdade de posição com os técnicos e cientistas. No quadro de uma I.A. não é concebível operar segundo esquemas convencionais que revestiam os agentes sociais de um saber específico capaz de reduzir as populaçõesalvo a simples beneficiários e repositórios de informação. Em seu lugar, impõe-se como objectivo básico de toda a intervenção a responsabilização directa das populações na gestão da sua própria acção (Roca, 1987: 29-31), assentando numa "redistribuição do poder" e no "alargamento das capacidades locais" (Esteves, 1986: 276). Nesta perspectiva M. Autés (1986: 144-151) defende uma dinâmica de participação capaz de cooptar essas populações para a acção, definida em torno de três momentos: a mobilização, a organização e a negociação. Enquanto primeiro desses momentos, a mobilização é um passo necessário para a concretização de uma "metodologia de participação", uma mobilização não de indivíduos isolados mas de grupos reais inseridos no seu contexto (Pierre-Yves Troutot, 1981). Assim, a localização e selecção (ou a aceitação da sua auto-selecção) dos grupos que serão parte activa na intervenção reveste-se de capital importância na definição do projecto, uma tarefa não isenta de obstáculos (Carels et Manni, 1981; Ceballos, 1987; Vega et Etulain, 1987): indiferença e despreocupação por parte das populações, incapacidade destas para uma mudança de atitudes e adaptação a novas realidades, existência de grupos sociais com interesses opostos e divididos entre si, distanciamento de certos grupos em relação à comunidade em que se inserem, entre outros condicionamentos. Sem propor receitas infalíveis, Paloma López de Ceballos (1987: 47-49) sugere alguns critérios que poderão orientar a localização e mobilização dos grupos: 1- O primeiro dos critérios será a consideração da situação dos grupos na pirâmide social, e/ou nas suas ligações com a situação/problema que origina a intervenção. 2- Igualmente importante será o grau de compromisso dos grupos para com a comunidade. 3- A considerar igualmente a capacidade dos grupos para a acção transformadora, dependente da sua coesão, dos seu método e da sua rede de relações. 4- A procura de uma diversidade nos grupos empenhados, como forma de conseguir distintos pontos de vista que se completam, de multiplicar os níveis de acção e de mobilização da população, de proteger e reforçar a investigação.

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5- Finalmente, ponderar racionalmente o número de grupos que podem ser empenhados em função dos objectivos e meios disponíveis. Em suma, não se pretende uma participação alargada a todos os grupos existentes, mas aqueles que, numa representação legítima dos interesses das populações-alvo, oferecem garantias de enriquecer o processo com os seus contributos e de implementarem uma dinâmica de mudança. Uma vez seleccionados e mobilizados os grupos, impõe-se a planificação de formas e momentos que possibilitem uma efectiva participação e colaboração entre parceiros em todos as etapas da intervenção, iniciadas logo aquando da negociação dos objectivos da I.A. e consequentes procedimentos a implementar (cfr. ponto 3.1.1.) Cada intervenção será um caso singular, impondo formas específicas para uma eficaz "metodologia de participação". Contudo, Autés et Duprez (1984: 57-60) salientam quatro níveis permitindo o reforço da participação e cooperação: a criação de organizações que permitam que a palavra da população se faça ouvir, aumentando seu poder negocial; reuniões periódicas colocando frente a frente os vários actores, tempos fortes de intervenção e garantia de condições para um diálogo permanente; apoio técnico às acções desenvolvidas pelos grupos de utentes, sem que estes sejam substituídos na acção; e, finalmente, o desenvolvimento de uma "negociação" ou "discussão" permanente que permita um acompanhamento constante da intervenção. 3.1.3. O conhecimento do meio e a definição de estratégias Enquanto momento fundamental de qualquer metodologia, dois objectivos principais são inerentes à elaboração de um diagnóstico acerca da situação/problema que vai ser objecto de intervenção: por um lado, a identificação e definição de problemas reais na sua complexidade; por outro, a constituição de uma base para acções concretas, fundamentando-se as estratégias que irão posteriormente expressar-se numa prática. De acordo com os objectivos expressos, multiplicam-se as tarefas/dimensões a contemplar na formulação do referido diagnóstico, que poderão ser sintetizadas, segundo Ander-Egg (1982: 58) em quatro grandes tópicos:  sistematização da informação e dados sobre a situação/problema em causa, como se originou e quais as tendências de evolução.  estabelecimento da natureza e magnitude dos problemas e necessidades, sua hierarquização em função de critérios pré-definidos.  o conhecimento dos factores mais relevantes enquanto potencialidades e "nós de estrangulamento" à prossecução dos objectivos e finalidades estabelecidos.

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 a determinação de recursos e instrumentos disponíveis, em função da resolução dos problemas e/ou a satisfação das necessidades ou carências detectadas. Se os objectos e tópicos a contemplar se identificam com os propósitos visados por um diagnóstico no âmbito de qualquer pesquisa aplicada, em termos de procedimentos para a sua prossecução assinalam-se distinções significativas, nomeadamente em torno da recolha de informação e sua análise. Concentram-se estas distinções em torno de uma questão básica: que lógica deverá orientar estes procedimentos, a lógica da acção ou a lógica da investigação? No quadro de uma pesquisa aplicada de investigação-para-a-acção (Esteves, 1986), orientada segundo princípios de um modelo tradicional e positivista, a lógica que prevalece é a da investigação, a lógica da teoria. Independentemente de quem desencadeia a pesquisa (um cliente ou o interesse dos investigadores) esta processa-se de acordo com um conjunto de passos metodológicos onde a teoria assume um lugar central. Em termos muito simples, uma vez delimitado o problema e tendo por base um quadro teórico de referência bem como algumas observações preliminares, o investigador formula um quadro de hipóteses que orientarão o trabalho de campo e a posterior análise e interpretação dos dados colhidos. Num modelo em que se estabelece uma separação total do procedimento de investigação em relação ao eventual curso de acção sobre o objecto/meio de pesquisa (Esteves, 1986: 267), o quadro de hipóteses, fundamentado num quadro teórico geralmente unidisciplinar, define as orientações da recolha e análise da informação. Mercê de objectivos de articulação entre teoria e prática, com propósitos de intervenção em situações reais, a metodologia de I.A. suscita uma postura distinta, ainda que não obtendo consenso entre os autores. A análise de algumas reflexões permite esclarecer posições. Referenciando procedimentos normalmente implementados por técnicos de Serviço Social (ou Trabalhadores Sociais), Ander-Egg (1982: 67-87) propõe a investigação diagnóstico-operativa como forma possível de investigação e diagnóstico preliminar numa I.A.. Esta opção parte da crítica aos procedimentos tradicionais, centrada em três argumentos: a existência de complicações metodológicas desnecessárias, pouco realistas e pouco práticas face a um trabalho que é antes de tudo acção sobre a realidade; a "encuestatis", ou insistência demasiado frequente nas entrevistas e questionários enquanto fontes de conhecimento; e o alargamento excessivo do tempo de estudo face às necessidades de acção12. Assim, tendo como ponto de referência fundamental a acção, a investigação diagnóstico-operativa tem como objectivo permitir respostas imediatas, dispondo dos 12

- Carels et Manni (1981: 153-159) referenciam a lentidão do processo de intervenção como fonte comum de alheamento da população em relação aos projectos de I.A.

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dados básicos para programar e executar as acções. Para a sua realização, o autor referencia oito tipos diferentes de procedimentos:  O contacto global, ou primeira abordagem da realidade em que se vai actuar, de um modo mais ou menos espontâneo e pouco estruturado.  Consulta e compilação documental relacionada com o problema em causa.  Leitura de mapas.  Observação sistemática, devidamente planeada e obedecendo a critérios de rigor.  Utilização da técnica de grupos nominais13, em simultâneo um processo de obtenção de informação e de mobilização da população.  Recurso a informantes-chave enquanto indivíduos que possuem informação válida, relevante e utilizável acerca da questão a estudar.  Uso simplificado das técnicas clássicas (observação, inquérito, entrevista, análise de conteúdo, escalas de atitudes e opiniões).  O uso da prática como modo de conhecer não só a acção que o Técnico de Intervenção empreende, mas fundamentalmente a prática social da populaçãoalvo. Reportando-se a projectos desenvolvidos em organizações industriais, White et al. (1991: 19-55), por sua vez, defendem que, em vez de se começar uma intervenção de um modo convencional com uma revisão da literatura, a especificação de hipóteses e a procura de uma organização-alvo para testar o projecto, uma das primeiras tarefas será a descoberta dos problemas existentes na organização. Nesta perspectiva, o diagnóstico deverá ser centrado na acção, elaborado em conjunto com os membros da organização. A relação com conhecimentos já adquiridos (pela revisão de literatura e recurso a experiências anteriores) surge, na opção dos autores, como um passo complementar, posterior à elaboração do diagnóstico. Com uma posição próxima em alguns aspectos da dos autores já referenciados, M. Autés (1982) afirma que, contrariamente à pesquisa tradicional, o objecto da I.A. não é definido a partir de uma dada tradição teórica, nem mesmo do interesse único do investigador, mas resulta de uma negociação entre este e o grupo ou grupos interessados. Contudo, não deixa de defender que a recolha de informação deverá ser feita em função de hipóteses de pesquisa. Como ele próprio afirma, "estas têm por função permitir um conhecimento do terreno da acção, das relações sociais que o constituem, que formam a realidade. Nesta etapa, é a lógica teórica que, por um tempo, domina a lógica da acção. Mas estas duas etapas - formulação dos objectivos, formulação das hipóteses - por serem distintas, não estão inteiramente separadas; elas conjugam-se em parte, elas fecundam-se 13

- Técnica grupal, cujo objectivo é o de que todos os indivíduos participantes na sessão contribuam, a partir dos seus conhecimentos e experiências, para a definição das situações, problemas e necessidades com que se confrontam.

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uma à outra. A investigação interroga os objectivos, reorienta-os. A acção indica os seus objectos concretos à investigação que os transforma em objectos de conhecimento"(1982: 53)

Figura 7 Modelo de Investigação - Acção segundo M. Autés

Conhecimento da situação

Hipóteses

Situação social reconhecida como problemática

Análise dos enjeux

Decisão da acção

Modificação da situação de partida

Objectivos

Resultados

Definição dos meios

Fonte: AUTÉS, 1987: 38

Expressa no esquema a dicotomia referenciada, enuncia-se igualmente a conjunção das duas lógicas ao nível da análise dos "enjeux"14. Os objectivos fixam a acção, as hipóteses produzem o conhecimento do terreno. A análise dos "enjeux" será o momento da produção de uma prática combinando a acção e investigação, possibilitadora da definição e elaboração de estratégias de intervenção. Referenciando sucintamente posições de outros autores que se identificam com esta postura e a reforçam, N. Zay (1976) afirma que as hipóteses são geralmente fruto de uma indução a partir da observação, mais do que deduzidas de um quadro teórico prévio. A origem das hipóteses de pesquisa encontra-se fundamentalmente na experiência pessoal dos actores e na observação das situações de estudo e não no estudo aprofundado da literatura.

14

- Termo de difícil tradução, normalmente traduzido nos dicionários por "parada"

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Um método para a I.A.

Por outro lado, Gauthier et Baribeau (1984: 292), sustentam que a sistematização e interpretação das informações resulta tanto das hipóteses iniciais dos investigadores como de um quadro de negociação entre as partes envolvidas. Uma vez colhida e analisada a informação, o planeamento da acção assenta fundamentalmente na definição de um programa e estratégias de acção: enunciação clara dos objectivos e metas específicas; articulação e hierarquização desses mesmos objectivos; determinação dos recursos disponíveis e a afectar pelo projecto; opções em termos de metodologia e técnicas a utilizar; estabelecimento dos tempos e ritmos da intervenção; etc.. Sendo um processo participativo e negociado, o planeamento da acção resulta do confronto de estratégias e opções de cada um dos parceiros face ao diagnóstico elaborado pelos peritos. Deste modo, o diagnóstico deverá ser objecto de devolução a todos os membros, num processo de "feed-back" que permite a sua apropriação, com o fim de sensibilizar em particular a população-alvo para a sua própria situação e favorecer a emergência de soluções e estratégias possíveis (Goyette et Léssard-Hébert, 1987: 164-165). Obtêm-se novos dados relativos a aspectos do diagnóstico, fixam-se objectivos e estabelece-se um plano de acção, promovendo-se ainda uma intervenção directa da população no processo. Uma questão importa reter: se a difusão do diagnóstico entre investigadores e técnicos se faz normalmente por meio de relatórios escritos, alguns autores alertam para a necessidade de uma alteração do procedimento junto da população. A. Haramein et P. Perrenoud (1981) sublinham que nem sempre a escrita é o melhor meio de divulgação pela complexidade que os investigadores lhe conferem, enquanto que H. Desroche (1984) invoca a "alergia à escrita" que se encontra em certos meios populares. Impõe-se a procura de outras formas de difusão, capazes de reforçarem simultaneamente os contactos com a população, como sejam reuniões, mesas redondas, colóquios, entrevistas.

3.2. Implementação Admitindo uma definição bastante lata do conceito de I.A., seria eventualmente possível conceber a implementação desta metodologia sem uma acção efectiva sobre o objecto/meio de pesquisa. Como afirma B. Gauthier (1984: 464), são admitidas duas possibilidades: "a I.A. pode procurar compreender a acção sem ser acção ela própria ou formar um todo com o modo de agir sobre o qual se efectua uma investigação". Com idêntica posição, A. J. Esteves (1986) define duas versões da I.A., como sendo aquelas que se têm vindo a configurar com mais contornos: uma versão fraca, a investigação-para-aacção, com fortes afinidades com a investigação tradicional e tendo como traço distintivo a separação total da investigação em relação ao eventual curso da acção sobre o objecto/meio

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de pesquisa; e uma versão forte, a investigação na/pela acção, visando, entre outros objectivos, a introdução de transformações numa determinada situação com o propósito de dar solução a problemas como tal identificados. De qualquer modo, um dos traços mais reconhecidos pelos autores como distintivos da I.A. em relação a outras metodologias prende-se com o objectivo explícito de solução de um dado problema. Como afirma H. Dionne citado por Beausoleil et al. (1988: 219) "a I.A. faz-se a partir da acção e tendo em vista a acção". Pela possibilidade que oferece de combinar actividades de investigação e acção, a fase de implementação no terreno do plano de acção surge assim como um dos momentos fundamentais desta metodologia. Por meio de modalidades operativas, procuram atingir-se os objectivos previamente estabelecidos, tendo em conta as circunstâncias que fazem de cada situação uma situação única com contornos particulares: estruturas existentes, instituições e grupos participantes, receptividade e resistências à mudança, potencialidades e "nós de estrangulamento", etc. (Ander-Egg, 1982: 180). Neste contexto de intervenção, uma questão merece particular atenção: o desenvolvimento de actividades de formação enquanto formas de acção junto da população envolvida, reforçando a sua capacidade de intervenção. 3.2.1. Participação versus formação Na sequência da implementação de uma "metodologia de participação", as intervenções práticas bem com as reflexões de alguns autores têm denotado uma preocupação em estender a participação dos beneficiários para além da fase de diagnóstico e planeamento da acção, envolvendo-os igualmente nas fases de implementação e de avaliação. Um dos objectivos principais desta participação liga-se frequentemente com a procura de um enriquecimento da intervenção. Se nas pesquisas tradicionais as populações eram consideradas como um reservatório de informações passivo, remetendo para os "especialistas" a capacidade de formular problemas e encontrar soluções, a investigação participativa tende, ao contrário, a valorizar a dimensão da cooperação (Bernfeld, 1981: 180-181). Por meio do que Max Elden e Morten Levin designam por "cogenerative learning" (1991: 127-142), procuram optimizar-se os benefícios de uma participação decorrentes da possibilidade de se articularem modos distintos de pensar, linguagens próprias, especializações, conhecimentos e capacidades que se complementam. De igual modo, poderão estar presentes objectivos de ordem económica: diversificação das contribuições financeiras e materiais para a acção, apoios institucionais e em recursos humanos, etc..

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Contudo, o esforço de promoção da participação depara-se com obstáculos significativos, alguns dos quais já anteriormente enunciados: indiferença e despreocupação por parte da população, inexistência de uma experiência de participação e activismo na tomada de decisões, incapacidade para a mudança de atitudes e adaptação a novas realidades (Maisonneuve, s/d.: 54-55), existência de grupos sociais com interesses opostos e divididos entre si, fraca capacidade associativa, entre outros factores. Não decorrendo "naturalmente" de uma predisposição da população e obrigando a alterações das posturas num processo de intervenção, a participação só se torna possível por meio de um esforço no sentido de conseguir um "alargamento das capacidades locais"(Esteves, 1986: 276) e de uma formação de competências específicas na população, que a conduza para um protagonismo activo na mudança social. Assim, o exercício da participação exige um trabalho prévio de formação, com objectivos ao nível da promoção do espírito de iniciativa e activismo, do estabelecimento de padrões de acção grupal, de desenvolvimento de uma percepção dos interesses colectivos, de sentido de propriedade e de empenho, como afirma Michael Cernea (s/d.: 64-65). A dimensão "formação" surge deste modo com particular importância no âmbito de uma I.A.. Formação esta que não toca apenas o grupo da população-alvo. É igualmente um desafio às competências específicas de investigadores e técnicos15. A I.A. é uma ocasião propícia para o investigador desenvolver uma capacidade de conciliação das exigências da investigação com os imperativos da acção, obrigando-o a um contacto intensivo com o meio de intervenção. Por outro lado, inicia o técnico no trabalho de investigação e nos procedimentos avaliativos associados ao trabalho de campo. No que diz respeito ao envolvimento da população num processo de formação é importante salientar que esta não se esgota em objectivos de mudança social, enquanto acção "transformadora" dos valores, atitudes ou habilidades dos indivíduos, potenciando-os para uma participação e maior activismo nos processos de modificação da realidade social. Como afirmam Goyette et Léssard-Hébert (1987: 87-104), a formação poderá igualmente constituir em si uma finalidade própria, uma forma de apropriação de um saber ou de um saber-fazer. Nesta óptica, a formação não está apenas ao serviço da I.A., ela faz-se pela I.A., como meio de aprendizagem, de conhecer e integrar conhecimentos. São exemplos desta situação os programas de formação educacional de adultos ou o caso citado por Desnoyers e Mergler (1981: 11-19) de um projecto em que os objectivos eram a sensibilização dos trabalhadores para os problemas da saúde e da segurança no trabalho. Em qualquer dos casos, seja com objectivos de formação de atitudes ou de aprendizagem, a formação que se desenvolve não é uma formação expositiva mas uma formação activa. A formação, e em particular a formação para a participação, é uma

15 -

Questão a desenvolver de modo mais profundo no Cap. 3

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metodologia activa, uma metodologia em que os sujeitos falam e fazem, estão implicados num processo interactivo, se desenvolvem em grupo (Alonso, 1987: 143). Neste sentido, a aprendizagem pela experiência surge como um meio privilegiado de formação. Pounds (in Alonso, 1987: 144-145) concebe esta aprendizagem como um ciclo de quatro fases: à experiência real e concreta [1] segue-se a observação e reflexão [2], que incita à formação de conceitos abstractos e generalizações [3], e estes levam à elaboração de hipóteses a comprovar na acção futura [4] que oferecerá por sua vez novas experiências. Outras técnicas se revelam de utilidade comprovada, como as técnicas grupais, particularmente concebidas para a motivação e animação dos indivíduos e dos grupos: mesas redondas, painel, forum, grupos de discussão, métodos de casos, "role-playing", dramatização, entre outras. Não se esgotando a etapa de implementação na dinamização de procedimentos de formação, estes constituem-se contudo como elemento fundamental daquela, concentrando em si grande parte dos esforços, em particular dos sociólogos e técnicos de Serviço Social, ao mesmo tempo que surgem como uma das dimensões inovadoras da metodologia de I.A..

3.3. A avaliação Normalmente pouco considerada enquanto etapa de um procedimento de investigação social aplicada segundo um modelo "tradicional", e como tal "esquecida" pelos manuais que lhe esclarecem os procedimentos metodológicos16, a fase de "avaliação" surge como um dos passos essenciais de um procedimento de I.A.. Concebendo esta metodologia como um processo cíclico e prolongado no tempo (cfr. ponto 1), a avaliação não é só importante numa função de balanço da acção desenvolvida, apoiando juízos acerca do mérito e valor das estratégias implementadas face aos resultados esperados. Constitui-se igualmente como o elo de ligação entre a acção já desencadeada e a perspectivação de acções futuras, num processo de aprendizagem contínua e na procura de uma optimização das intervenções. Procura-se aprender com a experiência, bem como integrar em acções futuras os conhecimentos adquiridos ao longo do processo já desenvolvido. Antes de fazer referência ao papel da avaliação na I.A. será importante, pelas confusões que por vezes suscitam, esclarecer alguns pontos em torno do conceito de "avaliação" e dos modelos avaliativos passíveis de implementação.

16

- Uma consulta, sem pretensões de exaustividade, de obras editadas em português sobre metodologia e investigação em ciências sociais revela a quase inexistência de referências à questão da avaliação numa investigação aplicada.

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3.3.1. Conceitos de avaliação Uma breve apreciação do conceito de "avaliação" e do emprego que dele se faz permite constatar rapidamente que se trata de um termo elástico, com usos distintos e aplicado em várias realidades, desde o mundo do trabalho (avaliação de desempenho) à educação (avaliação de conhecimentos), à saúde (avaliação de serviços), etc.. No campo específico da investigação e implementação de programas sociais, as definições aplicadas a este termo assumem um forte elemento prático, directamente relacionado com a apreciação dos resultados de um programa/projecto face ao objectivo de solução de determinados problemas. Assim, para Kosecoff e Fink, a avaliação é "um conjunto de procedimentos para julgar os méritos de um programa e fornecer uma informação sobre os seus fins, as suas expectativas, os seus resultados previstos e imprevistos, o seu impacto e os seus custos" (1982: 15). Por sua vez, D. L. Stufflebeam et al. (1971) propõem uma definição de avaliação como sendo "... o processo de identificar, obter e proporcionar informação útil e descritiva acerca do valor e mérito das metas, a planificação, a realização e o impacto de um objecto determinado, com o fim de servir de guia para a tomada de decisões, para solucionar os problemas de responsabilidade e promover a compreensão dos fenómenos". Finalmente, Maria José Aguillar e Ezequiel Ander-Egg procuram uma definição capaz de compilar os principais traços da avaliação enquanto processo sistemático de valoração ou juízo sobre um programa ou um conjunto de actividades: "A avaliação é uma forma de investigação social aplicada, sistemática, planificada e dirigida; encaminhada para identificar, obter e proporcionar de maneira válida e fiável dados e informação suficiente e relevante para apoiar um juízo acerca do mérito e valor das diferentes componentes de um programa (tanto na fase de diagnóstico, programação ou execução), ou de um conjunto de actividades especificas que se realizam, tenham realizado ou realizarão, com o propósito de produzir efeitos e resultados concretos; comprovando a extensão e o grau em que os ditos resultados se tenham dado, de forma tal que sirva de base ou guia para uma tomada de decisão racional e inteligente entre cursos de acção, ou para solucionar problemas e promover o conhecimento e a compreensão dos factores associados ao êxito ou fracasso dos seus resultados"(1992:18). Numa definição relativamente extensa, estão não só definidos os traços como igualmente são referenciados os objectivos principais deste procedimento, também eles sistematizados pelos autores (1992: 48-52): estabelecer o grau de pertinência, idoneidade, eficácia e eficiência do programa em causa; determinar as razões dos êxitos e fracassos; facilitar os processos de decisão com vista a melhorar e/ou a modificar o programa; recensear outras consequências ou efeitos imprevistos.

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Pelas características que assume e objectivos que pretende atingir, a avaliação é frequentemente associada a outros termos considerados como similares ou mesmo sinónimos: medição, estimação, acompanhamento, programação ou controlo. A ideia de controlo é particularmente ligada à noção de avaliação, processando-se na dicotomia objectivos-resultados: controlo dos programas, controlo dos orçamentos, controlo das acções, controlo dos resultados conseguidos face aos objectivos iniciais, são funções normalmente atribuídas à avaliação. Confundem-se mesmo, em alguns casos, as duas noções. Contudo, as experiências desenvolvidas e a evolução do próprio conceito têm vindo a provocar uma alteração no sentido da avaliação (noção e práticas), diferenciando-a das práticas de controlo. A esta última noção estão associados um conjunto de princípios que importa referenciar esquematicamente (Ardoino et Berger, 1986: 120-126; Harvois, 1986: 116119):  Reporta-se sempre a um modelo de referência, visando medir a conformidade dos resultados ao programa previamente elaborado, estabelecer a coerência e homogeneidade da acção implementada.  Supõe um dispositivo hierárquico, a separação entre o controlador e o controlado.  Decompõe analiticamente a realidade em elementos distintos, implicando a construção de um conjunto de procedimentos e técnicas indefinidamente repetíveis, homogéneas e independentes dos actores que as aplicam. Implica mensurações objectivas e quantificáveis.  Representa um projecto acabado e total, um conjunto de conclusões finais e definitivas acerca de uma determinada acção.  As operações de controlo não podem integrar os efeitos inesperados, conferindolhes sentido e importância, pois baseiam-se na homogeneidade e referência a um modelo. Se bem que não se possa definir um modelo-tipo, são definíveis um conjunto de princípios orientadores de uma prática de avaliação. Alguns deles aproximam-se das práticas de controlo (Zuniga, 1986: 23-24):  A definição prévia e sistematizada de objectivos, estratégias e processos, bem como do contexto de intervenção, que servirá de referencial para a posterior realização de uma avaliação de resultados (avaliação somativa).  Uma visão clara e antecipada dos resultados que se prevê serem atingidos.  Uma capacidade de controlo da situação, uma autoridade de gestão que conduza a que as acções propostas pela avaliação sejam efectivamente implementadas.

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Outros traços do modelo avaliativo, e em particular do modo como ele é concebido nos domínios da investigação e intervenção social, marcam a sua especificidade (Ardoino et Berger, 1986: 120-126; Beaudoin et al., 1986: 207-210; Harvois, 1986: 116-119):  Privilegiar-se a exploração de dados qualitativos tendo em vista uma análise, mais social do que económica ou política, dos impactos conseguidos.  Se a medição da adequação real dos impactos conseguidos aos objectivos inicialmente propostos é importante, importa igualmente um questionamento sobre o sentido da acção, integrando o inesperado e conferindo-lhe importância.  Ao contrário do controlo, que procura decompor analiticamente a realidade em elementos distintos, a avaliação clarifica os sistemas de inter-relação de uma realidade social.  A avaliação é um trabalho de imaginação, com a construção de referentes e indicadores não estandardizados. Ainda que com o recurso a procedimentos de base quantitativa (análise estatística de correlações, análise multivariada, análise de dados estruturais, procedimentos experimentais e quasi-experimentais), é fundamental o desenvolvimento de uma análise de carácter qualitativo, baseada em grelhas de análise e indicadores especificamente adequados à realidade que se pretende avaliar.  A avaliação é permanente e interna ao programa, não renunciando eventualmente ao recurso a peritos externos, desenvolvida em paralelo com a função de intervenção. É um processo cumulativo e sempre parcial, uma construção que se vai desenvolvendo ao longo do processo de implementação.  O dispositivo de avaliação é essencialmente democrático, centrado sobre a expressão de todas as partes em presença, com as suas diferenças, contradições, conflitos, alianças. Poderá conduzir a significações contraditórias face a uma mesma realidade, impondo uma negociação entre as partes envolvidas.  A avaliação é um processo de "aprendizagem e de cognição", uma aquisição de competências e experiências que se vão integrando na dinâmica da acção, estimulando a reflexão e a criatividade de todos os intervenientes. 3.3.2. Práticas avaliativas Sob uma mesma designação, e assumindo referenciais genéricos comuns, podem distinguir-se várias formas de prática avaliativa, desempenhando papeis e funções distintas entre si. Sem que haja um consenso na classificação dessas práticas avaliativas, salientamse aqui três tipologias classificativas que não se excluem mutuamente, antes se complementam, mas que obedecem a diferentes critérios.

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a) Avaliação externa e avaliação interna O grau de aproximação e participação do avaliador ou equipa de avaliação por relação à acção a avaliar marca a distinção entre o carácter interno ou externo dessa mesma avaliação (Aguillar et Ander-Egg, 1992: 31-33; O' Cinneide, 1992:44-48). Assim, processa-se uma avaliação externa (ou hetero-avaliação) quando esta é levada a cabo por pessoas que não participam directamente na actividade avaliada, realizada por pessoas com competência técnica e científica, reforçando uma capacidade de visão globalizante do programa e da acção. Contudo, assumem-se alguns riscos e resistências ao nível da possibilidade de conflitos de interesses entre equipas, de uma carácter demasiado "teórico" da avaliação, de dificuldades de acesso à informação ou de uma confusão entre avaliação de um programa e avaliação dos indivíduos que nele participam. Ao contrário da avaliação externa, a avaliação interna é executada por pessoas que integram as organizações ou grupos avaliados e/ou estreitamente associadas à acção que é objecto do processo avaliativo. Uma distinção importa aqui fazer, particularmente relevante no âmbito da metodologia de I.A.: a avaliação interna poderá não coincidir necessariamente com o que é designado por "auto-avaliação" (O'Cinneide, 1992: 44-48; Girardot, 1992: 3), quando aquela é realizada por um grupo restrito de pessoas no seio do programa em causa e/ou quando não existe devolução dos resultados obtidos aos parceiros com vista ao replaneamento e revisão dos procedimentos de acção. Assim, e vindo ao encontro de objectivos de reforço do partenariado17 e da participação, a auto-avaliação exige um envolvimento de todos os parceiros e a ligação directa com o planeamento e operacionalização da acção. Em contrapartida, assumem-se os riscos inerentes à implicação directa na acção e à dinâmica de relação entre os avaliadores e os responsáveis/promotores dos projectos de intervenção. b) Avaliação ex-ante, avaliação formativa e avaliação ex-post Independentemente da divisão entre a avaliação interna e externa, outra distinção se pode operar entre práticas avaliativas, tendo como tónica diferenciadora o "espaço de vida" de um projecto em que ocorrem. Aplicada no início de um programa de intervenção, a avaliação ex-ante (Aguillar et Ander-Egg, 1992: 27-28), igualmente designada por avaliação diagnóstico (Beaudoin et al., 1986: 193-198), desenha o inventário das necessidades, dos beneficiários e dos recursos disponíveis. É um tipo de avaliação essencialmente descritivo, de planificação. Ao inverso, a avaliação ex-post (Aguillar et Ander-Egg, 1992: 29), retrospectiva (O'Cinneide, 1992: 23-24) ou somativa (Beaudoin et al., 1986: 202-207) é aplicada no fim 17

- Tradução do termo francês "partenariat".

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de um programa ou após a sua conclusão. Tem como objectivo fundamental estabelecer se uma acção produziu os resultados ou efeitos esperados. A uma corrente tradicional, privilegiadora de uma prática próxima do controlo, baseada em procedimentos experimentais, quasi-experimentais e análises de base estatística, tem-se vindo a substituir uma abordagem que integre igualmente a componente qualitativa, capaz de uma maior aproximação entre o avaliador e os intervenientes. A avaliação formativa (Beaudoin et al., 1986: 198-203), ocorre durante o desenrolar do programa, interessando-se não só pela eficácia e eficiência dos mesmo, mas igualmente pela metodologia desenvolvida. A componente de formação de competências assume um papel relevante, procurando-se que os resultados e conclusões obtidos sejam integrados na acção e que contribuam para a melhoria da eficácia e competência dos actores envolvidos. c) Avaliação de desenho e conceptualização, avaliação de processo, avaliação de eficácia e eficiência Podendo definir-se um projecto de intervenção como sendo constituído por uma organização que utiliza certas estratégias, tendo em vista modificar um contexto particular, espera-se que a avaliação percorra cada um destes elementos. Desenvolvem-se assim três categorias de procedimentos avaliativos. A avaliação de desenho e conceptualização do projecto reporta-se fundamentalmente ao modelo de organização implementado, julgando-lhe a pertinência formal e potencial em aspectos como o modelo de planificação e gestão ou a participação e sistema de auto-avaliação. A avaliação de processo acompanha o modo de funcionamento tanto no global como em aspectos pontuais. São objecto de apreciação as estratégias desencadeadas e o seu modo de operacionalização. Finalmente, a avaliação de eficácia e eficiência (igualmente designada por avaliação de impacto), reporta-se aos resultados obtidos na modificação do contexto em causa. Decompõe-se em dois níveis fundamentais: a avaliação da eficiência ou rentabilidade económica, que se centra na análise custos-benefícios; e a análise da eficácia, medindo as distâncias entre os objectivos afixados e os objectivos atingidos: mudanças efectivamente ocorridas, percepção dos laços entre a intervenção e os resultados produzidos, definição dos obstáculos ao sucesso. As tendências mais recentes têm procurado um alargamento desta análise de eficácia a aspectos como a avaliação dos efeitos sobre as categorias que não são beneficiários directos de um programa (Masson, 1989: 55-56) ou a avaliação dos possíveis efeitos nefastos da intervenção, e não apenas dos efeitos positivos ou ausência de efeitos (Kurc, 1986: 20). 3.3.3. O lugar da avaliação na I.A.

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Uma das conclusões que decorre directamente da análise dos princípios e modelos propostos pelos autores referenciados para uma prática avaliativa, é a de que se têm vindo a privilegiar gradualmente, no campo específico da intervenção social, modelos de avaliação que se tornam compatíveis com os princípios de uma metodologia de I.A.. Como afirma François Aballea (1989:5-10), a expressão "avaliação qualitativa" surge a marcar a ruptura com um modo de análise e de avaliação de programas demasiado centrado, reduzido à medida das distâncias entre os objectivos afixados e os resultados conseguidos, numa avaliação custos-benefícios. Assumindo afinidades com as práticas de controlo em termos de rigidez, intemporalidade e imutabilidade, estabelecimento de um dispositivo hierárquico e relação sujeito-objecto, constituía-se como um modelo de difícil aplicabilidade em contextos de intervenção no âmbito de uma I.A.. Ao contrário, à "avaliação qualitativa" são cada vez mais associados princípios enquadráveis na filosofia de uma I.A.: privilégio da dimensão qualitativa, sem necessariamente descurar princípios de análise quantitativa18 ; reconhecimento da função educativa e de aprendizagem da pesquisa avaliativa; preocupação em torná-la uma acção participativa e democrática; concepção da avaliação como instrumento de mudança, permanente e essencialmente gerado do interior (Beaudoin et al.; 1986: 207-210). Como ilustração desta postura de ruptura, R. Stake (in Pourtois et coll., 1984: 149152) propõe um modelo avaliativo com um duplo interesse: procura não só contemplar os princípios de uma nova prática avaliativa já referenciados, como igualmente integra de um modo expresso certas características essenciais da I.A., a saber: uma comunicação real entre o avaliador e os actores, que participam conjuntamente tanto na acção como na avaliação; o desenvolvimento de uma avaliação mais da acção do que dos objectivos iniciais; uma tomada em consideração dos diferentes sistemas de valores em presença. Figura 8 Modelo de avaliação segundo R. Stake

18

- A análise custos - benefícios continua a ser um dos indicadores fundamentais da avaliação de eficiência (cfr. ponto 2.3.2.). De igual modo, autores como Michael Bamberger e Eleanor Hewitt (s/d.: 57-58) defendem os benefícios da combinação entre métodos quantitativos e qualitativos.

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Um método para a I.A.

Justificação teórica do projecto

Matriz Descritiva Intenções

Matriz de Julgamentos

Observações

Normas

Julgamentos

Antecedentes

Operações

Resultados

Fonte: POURTOIS et coll, 1984: 150

Uma das características do modelo prende-se com a contemplação de uma dimensão de temporalidade, na medida em que se pretende uma avaliação que atravessa todos os momentos essenciais da acção: os antecedentes, a acção propriamente dita (operações) e os seus resultados. Procura-se assim uma visão globalizante e multidimensional da intervenção, contemplando não só a adequação dos resultados obtidos aos objectivos previstos, como igualmente um questionamento sobre o sentido da acção e a integração de factos não esperados ou imprevistos. Por outro lado, a consideração de uma matriz de julgamentos em paralelo com uma matriz descritiva introduz a ideia da necessidade de comunicação e confronto entre a multiplicidade de pontos de vista e de sistemas de valores em presença, como forma de enriquecimento das práticas avaliativas. Num modelo tradicional, a avaliação assume uma dimensão de exterioridade em relação à prática, em nome da objectividade e da capacidade de visão globalizante. É desenvolvida por indivíduos que não participam directamente na acção avaliada, sem envolvimento activo dos participantes nessa mesma avaliação, que de algum modo se constituem eles próprios como objecto de avaliação. Ainda que como alternativa, a implementação de uma avaliação interna não deixa de implicar uma separação entre a equipa de avaliação e a equipa de Investigação-Acção. Ao inverso, modelos como o de R. Stake preconizam uma participação efectiva de todos os intervenientes no processo avaliativo, através do que é designado por uma dinâmica de auto-avaliação (cfr. ponto 3.3.2.), valorizando as dimensões de partenariado e participação, princípios fundamentais de uma metodologia de I.A.. Em que consiste a auto-avaliação? Segundo Jean-Jacques Girardot " a autoavaliação é uma reflexão organizada no seio da equipa que anima uma acção de integração económica e social, para melhorar a sua eficácia. Esta reflexão funda-se normalmente sobre 64

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a comparação periódica das realizações e das previsões, dos resultados aos objectivos" (1992:3). Um dos traços distintivos da auto-avaliação, para além da sua dimensão interna e do envolvimento de todos os actores em presença, é a valorização da dimensão "reflexão", que Girardot expressa no seu conceito e que J. Foolen (1992) estabelece como pressuposto de base para o seu modelo de auto-avaliação. Uma reflexão ("thinking from a distance") que implica não só um acto cognitivo ou cerebral, mas também intuição e emoções. De acordo com o modelo proposto, serão de reter quatro níveis de reflexão: 1- A reflexão antes da acção, resultante de conversas e reuniões de equipa. 2- A reflexão na acção, que envolve um "parar para pensar" e permite assimilar acontecimentos inesperados, reenquadrando a acção. 3- A reflexão após a acção, que conduz a olhar para trás e analisar o que foi feito. 4- A auto-reflexão, uma reflexão individualizada sobre a acção com base no carácter de cada um, seus conhecimentos e capacidade técnica.

Figura 9 Diferentes formas e níveis de reflexão 1. Reflexão após a acção 2. Reflexão na acção 3. Reflexão antes da acção 4. Auto-reflexão

4 Reflexão

1

Acção t (-1)

2

Acção t (0)

3

Acção t (1)

Fonte: FOOLEN, 1992: 9

A conjugação destes quatro níveis permite o alcance dos objectivos propostos para uma dinâmica de auto-avaliação: envolvimento no processo avaliativo por parte de todos os participantes19 ,assegurar um retorno contínuo de informação que permitirá a melhoria

19

- A participação na avaliação é geralmente uma situação inovadora para qualquer dos grupos envolvidos (investigadores, técnicos, utentes), não isenta de obstáculos e obrigando a uma aprendizagem de novos papeis/funções. Para além das dificuldades sentidas na implicação da população, André Beaudoin (1986) e Rinfret-Raynor et al. (1986) salientam a necessidade de ultrapassar não só contextos desfavoráveis à intervenção de técnicos e investigadores no processo avaliativo, como também eliminar resistências, um certo desinteresse e conflitos de competências que se geram entre estes actores.

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da acção; imprimir uma função educativa e de aprendizagem à avaliação; enriquecer com novas dimensões a avaliação do programa / projecto no seu conjunto. Como o último dos objectivos expressos deixa antever, a valorização pelos novos modelos avaliativos de uma dinâmica de auto-avaliação não significa o abandono de uma dimensão externa na avaliação, antes se defende a conjugação dos dois níveis (Beaudoin, 1986: 210; O'Cinneide, 1992: 44-48). Procuram-se assim compensar as desvantagens de cada um dos tipos de avaliação quando considerados e aplicados separadamente:  Garantindo princípios de objectividade, através do desenvolvimento de mecanismos de controlo cruzado de informação.  Aliando modalidades de avaliação mais "teórica" a perspectivas privilegiadoras de uma percepção no terreno das práticas desenvolvidas.  Assegurando modos de promover a isenção da avaliação em relação aos responsáveis/promotores da intervenção.  Desencadeando a participação de todos os parceiros no processo avaliativo e a posterior integração das conclusões no re-planeamento e redefinição da acção (AM 23, 1993: 17-18). Perante duas opções possíveis (a constituição de duas equipas distintas ou a integração de um "técnico de avaliação" na equipa de intervenção e auto-avaliação), o modelo adoptado pelo Projecto AM 23 20 é ilustrativo da primeira das opções, articulando uma auto-avaliação com uma hetero-avaliação, ainda que realizadas por equipas distintas. Figura 10 Modelo de avaliação do Projecto AM 23

Auto - Avaliação Programa de Acção

Hetero Avaliação Hetero --Avaliação

Avaliação Formativa

Implementação Avaliação Somativa Fonte: AM 23: 1993

20

- Projecto "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento". Ver cap. 4 onde será devidamente apresentado.

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Neste modelo, a auto-avaliação é da responsabilidade directa da equipa operacional, com envolvimento das instituições e população da área em causa, desenvolvida em paralelo com a intervenção e garantindo a integração das conclusões na acção a implementar. Assumindo um carácter de exterioridade em relação a essa mesma acção e às organizações e grupos nela envolvidos, a hetero-avaliação é realizada por uma equipa de consultores externos 21, com três actividades principais atribuídas a esta equipa: apoio técnico à implementação de mecanismos de auto - avaliação; estudo e análise de informação sobre o projecto, com origem nos relatórios de auto-avaliação e outras fontes; elaboração de relatórios avaliativos próprios. Para além de um enriquecimento da prática avaliativa, a conjugação num modelo de dimensões de auto-avaliação e hetero-avaliação surge como a alternativa mais enquadrável nos objectivos e princípios de uma metodologia de I.A.: estreita ligação entre a avaliação e o processo de intervenção, envolvimento de todos os participantes e reforço das competências e capacidades locais.

3.4. A definição de novos conhecimentos Como afirma A. J. Esteves (1986: 277), se na fase anterior de implementação de uma I.A. é difícil ordenar as operações realizadas numa sequência cronológica, desde a execução ao acompanhamento, à avaliação e reformulação, nesta fase final é a própria definição das operações que constitui um problema. Talvez por essa mesma razão, é a etapa que merece menos comentários da parte dos autores, tanto na explicitação teórica das operações como na apresentação dos casos práticos de intervenção. O referido autor salienta, no entanto, um ponto, igualmente suportado por outros autores: nesta etapa não se trata apenas de elaborar um "relatório final" que procure descrever o mais pormenorizadamente possível o processo de investigação e transformação levado a cabo. Neste sentido, Susmen et Evered (1978) definem a etapa posterior à avaliação como uma etapa de definição de novos conhecimentos, fundamentalmente de identificação de descobertas de interesse geral (cfr. Figura 4). Concebendo a I.A. como um processo cíclico ou em espiral, um processo de resolução de situações/problemas fazendo uso de uma aprendizagem vivida pelos actores ao longo do seu empenhamento na acção, esta última fase sintetizaria em si as apropriações de um saber e de um saber-fazer possibilitadoras de uma acção futura mais eficaz. Os conhecimentos resultantes da implementação de um

21

- Entre Janeiro de 1991 e Junho de 1993 esta hetero-avaliação foi realizada por uma equipa do Centro de Estudos de Desenvolvimento Regional (CEDR / UBI), de que o autor do presente relatório foi parte integrante.

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procedimento de I.A. face a uma determinada situação/problema constituem-se assim como ponto de partida para intervenções mais esclarecidas. Duas ordens de conhecimento poderão resultar desta última fase de síntese: um conhecimento de carácter mais científico e teórico e um conhecimento ligado ao enriquecimento da prática, a uma melhoria da dinâmica de acção. Em relação ao primeiro tipo de conhecimento, Max Elden e Morten Levin (1991 137-140) assinalam três categorias de conhecimento científico que podem ser geradas pela I.A.:  em primeiro lugar, e como categoria mais rica, será a de reflexão sobre problemas metacientíficos referentes ao processo de I.A., na procura de um esclarecimento dos pressupostos de base desta metodologia, tanto ao nível epistemológico como teórico e metodológico;  em segundo lugar, a elaboração de uma "local teory", como corolário de um trabalho com problemas sociais específicos, com um reduzido grau de generalização mas eventualmente aplicável em outros contextos;  finalmente, poderão igualmente desenvolver-se e melhorar-se conhecimentos científicos e teorias enquadradas nos padrões de um conhecimento científico aceite. Como afirma R. Franck "... sem a constituição de um saber dispondo de uma relativa autonomia por relação a cada situação particular, e suficientemente 'abstracto' para ser aplicável a situações diversas [o investigador] priva-se das armas da crítica que são a razão e a experiência" (1981: 164). A par deste saber de carácter mais teórico e científico, A. J. Esteves afirma igualmente um esforço no sentido do que ele designa por "reconstrução sociológica das virtualidades e constrangimentos que se revelaram e ultrapassaram na transformação de uma dada situação" (1986: 277), em suma, uma apropriação dos ensinamentos resultantes de uma prática concreta, também eles fundamentais à redefinição de acções futuras. A este nível, segundo o autor, alguns pontos merecem particular destaque:  Os que se referem ao conhecimento inicial da situação, nomeadamente em torno das tensões inevitáveis entre a percepção subjectiva por parte da população envolvida no diagnóstico, e a análise objectivadora da situação com recurso ao instrumental teórico e técnico mais qualificado.  Os que se referem à elaboração do projecto de acção, especialmente ao nível da participação e resistência dos diferentes agentes, em conexão com a lógica dos seus interesses e das suas posições institucionais.  Os que se ligam à execução e reformulação do curso de acção colectiva enquanto reveladores e promotores de transformação da situação original, mais uma vez

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articulados não só com os aspectos técnicos implementação de estruturas de participação.

mas igualmente com a

Todas as virtualidades atribuídas a esta metodologia enquanto procedimento inovador numa situação de intervenção social, e os obstáculos daí igualmente decorrentes (os mais significativos apresentados ao longo da exposição das etapas anteriores) serão objecto de análise e reflexão nesta fase de definição de novos conhecimentos com vista a um incremento da eficácia da I.A.. Sem os pretender realçar como tópicos mais importantes, três aspectos referenciados por outros tantos grupos de autores como resultado de um balanço das intervenções em que estiveram envolvidos apelam a análises mais profundas e chamam a atenção para a importância desta última fase. Assim, Leirman et al. (1985: 91-92) assinalam que à luz dos objectivos previamente definidos para a intervenção e dinamização em bairros degradados, o trabalho desenvolvido pela equipa originou resultados menos claros e menos em profundidade, em relação aos habitantes, do que seria de esperar. A mesma constatação faz J. Luis Santos após a intervenção numa organização industrial (1991: 77-84), referenciando uma dificuldade em visualizar e promover resultados, e uma impressão ocasional de não ganhar terreno. Impõe-se assim uma análise dos reais impactos conseguidos pela metodologia de I.A. na transformação de uma dada situação, bem como das eventuais medidas para o seu incremento. Numa outra dimensão, Walton e Gaffney (1991: 106-118), fazem referência à dificuldade em transferir os conhecimentos e experiências de situações pioneiras para outras situações, tanto no que diz respeito à aplicação técnica como à dinamização de uma participação. Como solução, os autores avançam a necessidade de rever a componente "investigação" ao nível do aumento de garantia de aproveitamento e aplicação real dos conhecimentos já adquiridos, e do assegurar da continuação do processo de conhecimento, nomeadamente das particularidades das novas situações. Finalmente Michael Cernea (s/d.: 94-95) chama a atenção para o facto de que uma das vulnerabilidades da metodologia participante resulta da dificuldade em se conseguir uma estrutura de auto-organização capaz de se perpetuar para além do fim da intervenção. A questão da participação surge mais uma vez como um dos aspectos simultaneamente mais inovadores e mais complexos em todas as etapas da implementação de uma metodologia de I.A., a merecer particular atenção no capítulo seguinte.

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CAPITULO 3 - O PAPEL E A FUNÇÃO DOS PARCEIROS NUMA I.A. PARTICIPADA

1 - A I.A. como metodologia de participação "A pesquisa-acção é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma acção ou com a resolução de um problema activo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo" (Thiollent, 1988: 14). A definição de I.A. apresentada por M. Thiollent 22 tem o duplo mérito de sintetizar de um modo claro as duas dimensões fundamentais desta metodologia, simultaneamente os seus dois aspectos mais inovadores no quadro das metodologias de pesquisa e intervenção, a saber:  por um lado, um esforço de articulação e associação entre procedimentos de investigação e acção, na procura da redefinição das ligações entre teoria e prática, uma dimensão já abordada várias vezes ao longo do presente trabalho;  por outro, a implementação de uma dinâmica participativa, com o envolvimento directo dos participantes representativos da situação ou problema em causa num trabalho conjunto e coordenado com investigadores, técnicos e decisores públicos. A associação da metodologia de I.A. a uma dimensão de participação tem levado por vezes certos autores a considerá-la equivalente à observação participante. Uma breve análise permite, no entanto, detectar diferenças significativas (Esteves, 1986: 269-270; Thiollent, 1988: 14-15). A observação participante define-se no essencial como um procedimento técnico em que o investigador procura uma aproximação e estabelecimento de relações comunicativas com as pessoas ou grupos a analisar, controlando ao máximo esse contacto com o intuito de evitar transformações no objecto de estudo. Reconhecendose que a observação participante não se pode desenvolver sem provocar transformações nos grupos analisados, estas são consideradas como efeitos não desejados e a evitar. Ao contrário, a I.A. assume-se como uma metodologia de intervenção transformadora que, para além de promover a implicação directa de investigadores e técnicos na situação ou problema a solucionar, estabelece como "absolutamente necessário" o envolvimento das pessoas implicadas em todas as fases da implementação da metodologia. Mais do que comunicação, no quadro da I.A. participação é sinónimo de solidariedade criativa entre actores, conduzindo a práticas de partenariado. 22

- Ilustrando as dificuldades em estabelecer uma designação unitária para a metodologia em causa, M. Thiollent opta pela designação de "pesquisa-acção".

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É neste contexto que a designação de "metodologia de participação" adquire um sentido inovador enquanto um dos princípios fundamentais da I.A., fazendo apelo a dois conceitos de base que se articulam: "participação" e "partenariado". 1.1. Uma metodologia inovadora Da análise dos pressupostos teóricos e epistemológicos que fundam a metodologia da I.A. (Cap. 1) resulta claro que os princípios de base desta metodologia encontram o seu fundamento primeiro e inscrevem-se num conjunto de posturas de crítica e alternativa aos modos tradicionais de investigação. Assim, entre outras dimensões, a consideração de que a I.A. é um procedimento metodológico em que o investigador abandona, pelo menos provisoriamente, o papel de observador em proveito de uma atitude participativa e de uma relação sujeito-a-sujeito com os outros parceiros (Troutot, 1981: 197) encontra justificação directa e é primeiramente consequência de uma crítica epistemológica aos princípios da ciência positivista. No modelo clássico de pesquisa científica, os membros das organizações ou comunidades que são objecto de estudo são tratados como sujeitos passivos não envolvidos numa atitude participativa e, inclusive, desconhecendo os resultados da pesquisa de que foram objecto (Chambaud, 1986: 171-172; White et al., 1991: 20). Ao contrário, a I.A. define-se como uma "metodologia de participação" partilhando neste ponto concreto fortes afinidades com correntes teóricas como a sociologia de intervenção e as correntes marxistas. Contudo, a emergência e consolidação de noções associadas a esta "metodologia de participação", e consequente extrapolação para uma prática, não pode ser entendida exclusivamente como consequência de redefinições conceptuais, metodológicas e epistemológicas ao nível da prática científica. Outros factores de ordem externa ao espaço do "conhecimento científico" podem ser apontados como importantes contributos ao reforço da dimensão participativa enquanto princípio fundamental da pesquisa científica, apropriada pela I.A. como prática inovadora face aos actores directamente afectados/envolvidos. Salientam-se dois desses factores. Em primeiro lugar, será de referenciar a tendência actualmente detectada para uma postura renovada face às concepções de desenvolvimento, e consequentes modelos de análise e intervenção, sintetizadas por António Nóvoa et al. (1992: 19-21) em algumas ideias-chave: a) Antes de mais, a aceitação da primazia do particular e reconhecimento de que cada situação / espaço possui características e potencialidades próprias.

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b) Pôr a tónica no particular pressupõe uma tomada de consciência da identidade em torno da qual se define um espaço colectivo, e que leva a valorizar mais os actores do que as políticas. c) É ainda importante sublinhar que não há desenvolvimento sem que as colectividades locais manifestem a vontade de assumir o seu próprio futuro através de uma auto-organização e reforço dos processos de democratização, permitindo a emergência de novas práticas nas relações de poder. d) Estas práticas deverão traduzir-se em novas formas de coordenação entre actores, conduzindo a hábitos de partenariado. Como é referido pelo autor, o desenvolvimento só é possível pela vontade e empenhamento das próprias populações. Será que esta vontade e empenhamento existem, capacitando as comunidades para uma auto-organização e reforço de processos de democratização? A época actual tem sido muitas vezes caracterizada como narcisista e individualista, marcando a predominância dos projectos individuais sobre os desejos colectivos e o consequente desmembramento de relações sociais fortes. Contudo, autores como Georges Balandier (1989) e Lalive D'Epinay (1989) chamam a atenção para o facto de que as sociedades actuais estão a ser submetidas a mudanças intensivas que, entre outros factores, apontam para um reforço das ideias de solidariedade. Se, segundo Lalive D'Epinay, paradoxalmente o individualismo descobre nas exigências da solidariedade a condição da sua realização (1989: 30), na concepção de Balandier o reforço do termo solidariedade, moralizando o discurso político, provoca a generosidade e a caridade de massa, originando, por sua vez, novas formas de ligação social que se traduzem em "relações de rede" constituídas por afinidades, e "relações de associação" segundo interesses e solidariedades (1989:11-13). Reforçando a posição destes autores, uma pesquisa de terreno levada a cabo por André Fortin no Québec (1992) conduz à constatação de um aumento significativo do número de associações activas nos últimos anos, pondo em jogo solidariedades comunitárias e reforçando a capacidade de "responsabilização" da comunidade por si própria. Em suma, se a emergência de uma concepção de "metodologia de participação" associada à I.A., sustentando conceitos de "participação" e "partenariado", é directamente resultado de redefinições epistemológicas e teóricas no seio desta metodologia, encontra actualmente condições propícias à sua consolidação num contexto marcado por mutações

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nas concepções de desenvolvimento e na própria dinâmica da sociedade civil que indicia um reforço das relações sociais de solidariedade e comunidade23 . Mais ainda: como afirma Jordi Estivill (1993: 38-41), o conceito de "partenariado" apresenta-se ele próprio como uma tentativa de resposta inovadora aos desafios actuais da sociedade, compensando as suas disfunções:  Parecendo evidente que a organização actual da sociedade se funda simultaneamente em circuitos corporativos e sobre um espírito de individualismo, o partenariado poderá ser uma forma de recomposição das relações entre corporações e um meio de recuperar mecanismos de solidariedade e cooperação.  Num modelo caracterizado por uma concentração de poder e distanciação deste em relação aos cidadãos, o partenariado seria uma forma de socializar a produção e repartição desse poder, desempenhando uma função participativa e de implicação das populações nos processos de decisão.  Perante a crescente compartimentação dos meios políticos, económicos e sociais, o partenariado sugere novas condições para uma religação entre os três sectores, ultrapassando as clivagens e criando espaços de diálogo e tomada de decisão.  Perante a crise do Estado-Providência, o partenariado estabelece um novo quadro de relações entre a administração pública, as ONG's (Organizações Não Governamentais), as iniciativas sociais, as redes sociais de base, as empresas privadas.  Perante a complexidade e multidimensionalidade dos fenómenos, o partenariado oferece oportunidade à concretização de novas formas de resposta, elas próprias multidimensionais.

1.2. Os actores de uma I.A. Assumir para a I.A. a designação de "metodologia de participação" significa necessariamente entendê-la como um procedimento que pressupõe uma acção coordenada envolvendo vários agentes relevantes. Como afirma A. J. Esteves (1986: 271), para além de ser um processo complexo, organizado em torno de objectivos simultaneamente de

23

- Com uma posição em certos modos semelhante à que aqui se defende, Beatriz Chito e Raul Caixinhas (1993: 41-42) consideram que a participação do público em projectos de desenvolvimento decorre de três condições: um sentido político contemporâneo que passou a articular a democracia representativa com formas de democracia participativa; mutações na consciência e acção dos cidadãos que, a partir da década de 60, passaram a questionar um desenvolvimento de consequências futuras cada vez mais graves; a organização da participação em torno de conjuntos de pessoas ligadas por interesses e uma consciência comum relativa aos problemas que as envolvem (autarquias, associações de cidadãos, organismos não governamentais - ONG's) possibilitando a concretização de um papel eficaz dos cidadãos.

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investigação, acção sobre uma realidade e formação, é igualmente um processo colectivo, envolvendo uma "estrutura colectiva organizada". Uma real prática de I.A. supõe assim a noção de "grupos" ou "colectivos" favorecendo um trabalho cooperativo entre distintos actores, normalmente agrupados em três categorias (Sauvin, Dind, Vuille, 1981: 64): os especialistas, os técnicos e os utentes. A esta tipologia seria importante acrescentar uma outra categoria não directamente enquadrável em nenhuma das anteriores: a dos representantes das instituições e/ou serviços públicos com poderes de decisão. Os especialistas, sob cuja designação se englobam os técnicos directamente responsáveis pela investigação, formação e geralmente também pela avaliação, são recrutados em áreas disciplinares relativamente distintas mas com a característica comum de possuírem formação e experiência profissional em funções de prática social. Para além das tarefas específicas inerentes à investigação, formação e avaliação, devem igualmente desempenhar um papel activo na acção, tornando-se agentes activos da intervenção, ainda que preservando a especificidade do seu estatuto. De igual modo, as funções de animação de um processo de participação/partenariado exigem o seu empenhamento, em trabalho conjunto com os técnicos de "terreno". Os técnicos ditos de "intervenção" ou de "terreno" são normalmente técnicos de Serviço Social com experiência de contacto directo com as necessidades e problemas identificados e circunscritos. Engloba-se igualmente nesta categoria todo um conjunto mais vasto de actores com funções e desempenhos na área de intervenção social: educadores técnicos, educadores infantis, agentes de desenvolvimento, animadores sócio-culturais, etc.. No âmbito da I.A., as suas funções prendem-se com a dinamização dos processos de intervenção e implementação de uma "metodologia de participação". Assumem igualmente responsabilidade no esforço em integrar nestes processos o conhecimento obtido pela investigação, para o qual, em última análise, contribuem através de uma experiência resultante do seu trabalho e observações. Diferenciando-se dos modelos tradicionais de pesquisa, em que a população focalizada assume um papel passivo como repositório de informação, a I.A. atribui um papel activo aos "utentes" no processo de implementação da metodologia. Ainda que considerando pontualmente participações a título individual (Alonso, 1987: 136-137), são normalmente cooptados para a acção os utentes organizados em múltiplas formas de agrupamentos (sindicatos, associações, movimentos populares, organizações não governamentais, etc.) e, em particular, os grupos-alvo directamente visados pelo respectivo projecto. Finalmente, nesta estrutura colectiva serão ainda de considerar as instituições e/ou os serviços públicos, cujos representantes desempenham funções híbridas e nem sempre bem definidas no seio dos projectos de I.A.. Surgindo frequentemente como entidades

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promotoras e financiadoras em representação de um Estado, são-lhes, por inerência de funções, atribuídas responsabilidades de supervisão e decisão em última instância (Bennett e Krebs: 1991: 88-89). Funcionam, em outros casos, como fornecedoras de especialistas e técnicos a integrar nas respectivas equipas, ou ainda como "utentes" quando os processos afectam directamente a sua estrutura ou modo de funcionamento. Acrescentam-se ainda as situações em que estas funções se sobrepõem, provocando frequentemente indefinições quanto às reais funções a desempenhar na dinâmica dos projectos.

1.3. Dois modelos Reconhecida a ausência de um consenso genérico quanto a uma concepção, princípios, fundamentos e prática de uma metodologia de I.A. (Cap. 2), autores como Remi Hess (1983), Benoit Gauthier (1984) ou Michel Thiollent (1988) afirmam a coexistência, no seio de uma designação comum de I.A., de duas correntes fundamentais: uma I.A. "transformadora" ou "emancipadora" e uma I.A. "adaptadora" ou "reformadora". Entre outros aspectos que as diferenciam, verifica-se que estas duas correntes remetem para modelos e concepções distintas de uma "metodologia de participação", a merecerem neste contexto um particular destaque. A primeira das correntes, directamente influenciada pelos princípios de uma filosofia marxista, tem origem nos trabalhos de índole intervencionista e consciencializante de Paulo Freire. Pondo em causa não os aspectos técnicos da pesquisa social mas os seus pressupostos ideológicos, posiciona a intervenção como forma de transformação radical das estruturas sociais e políticas da sociedade de classe. Como afirma Pierre-Yves Troutot, "a I.A. sócio-política não é a obra de um sociólogo-político recolhendo informações no quadro de relações artificialmente participativas, mas torna-se um verdadeiro trabalho colectivo de auto-análise de um grupo por relação a uma problemática geral de luta ou de emancipação que se situa na acção geral dos actores de classe afrontados pela produção da sua história" (1981: 196). Neste modelo, com orientações de carácter politico-ideológico e emancipatório, a I.A. é concebida como uma forma de empenhamento sócio-político ao serviço da causa das classes populares (Thiollent, 1988: 14), com as classes populares e contra os poderes instituídos. A "metodologia de participação" é, assim, entendida como privilegiando um trabalho conjunto entre investigadores e/ou técnicos e elementos das classes oprimidas, sem a consequente participação de grupos ou categorias actores representando um poder. Esta lógica é visível em boa parte das propostas de I.A. desenvolvidas na América Latina e outros países do Terceiro Mundo.

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No seguimento dos trabalhos de Kurt Lewin, com desenvolvimento significativo nas experiências de "democracia industrial" do Norte da Europa, define-se uma I.A. "adaptadora" (Gauthier, 1984: 462-463), relativamente demarcada dos princípios marxistas mas mantendo deles uma lógica de participação. A extensão a áreas de actuação técnico-organizativa, com compromissos sociais e ideológicos de tipo "reformador" e "participativo" conduz a concepções de um modelo de participação distintas das da corrente anterior: sem pôr em causa os quadros instituídos e as partilhas oficiais do poder, procura-se uma noção mais alargada de participação, admitindo o envolvimento conjunto de representantes de todas as categorias de actores implicados (especialistas, técnicos, população/utentes, instituições e serviços públicos); por outro lado, a participação é essencialmente um processo democrático assente numa lógica de discussão e negociação entre pontos de vista eventualmente distintos, conduzindo os actores a uma reflexão colectiva sobre a mudança e a uma melhor adaptação dos indivíduos ao seu meio. Assim, distinguem-se dois prismas de aproximação a uma concepção de "metodologia de participação": de uma parte, a "metodologia de participação" como meio para uma transformação na ordem sócio-política e forma de luta contra mecanismos de exclusão e marginalização; da outra, a "metodologia de participação" como forma de exercício democrático e de envolvimento alargado dos actores. Ademais, estas duas posições remetem para dois conceitos que, enquadráveis no contexto de uma "metodologia de participação" e em estreita ligação, não podem ser confundidos: os conceitos de "participação" e "partenariado". Se a corrente "emancipadora" põe a tónica numa dinamização das estratégias de participação, o conceito de partenariado adquire um sentido reforçado no contexto de uma I.A. "adaptadora" ou "reformadora".

2 - Uma dinâmica de partenariado

2.1. Princípios conceptuais Enquanto conceito recente no quadro de um discurso científico e prática inovadora no contexto da definição de princípios de intervenção, a concepção de "partenariado" é ainda bastante difusa, assumindo fortes questionamentos quanto a um conceito e princípios orientadores 24

24

- Jordi Estivill (1993: 34-35) lembra que nos dicionários de lingua portuguesa, espanhola e italiana a palavra não existe. O termo provém da designação inglesa de "partner" que no dicionário de Oxford é "one

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Uma das raras definições é sugerida por António Nóvoa et al.: "O partenariado isto é, a cooperação contratual entre os múltiplos parceiros locais em torno de projectos comuns ou convergentes - permite coordenar as iniciativas numa perspectiva de conjunto, edificando espaços de solidariedade, que congregam os actores locais numa lógica horizontal de reconhecimento mútuo e de comunicação" (1992: 20). Por sua vez, Jordi Estivill define o partenariado como "o processo pelo qual dois agentes ou mais, de natureza distinta, conservando a sua especificidade, se põem de acordo para realizar qualquer coisa num dado tempo, que é maior do que a soma da sua acção, ou que não poderiam fazer sós, ou que é distinta do que já fizeram e que implica riscos e benefícios" (1993: 36). Finalmente, Abou Sada considera que "o partenariado (...) pode sustentar 'coordenações negociadas' entre as diferentes instituições que não têm o mesmo estatuto (privado/público), que não operam ao mesmo nível (nacional/local) e que não estão uma perante a outra numa relação de dependência. A relação de partenariado estabelece entre os que estão implicados uma sinergia com o fim de tratar tarefas complexas que poderiam ser consideradas, por cada um dos parceiros, como sendo do seu domínio de competência" (1993: 58). Uma leitura das definições apresentadas permite desde logo fazer referência a dois princípios fundamentais a reter, o primeiro dos quais no sentido de que o partenariado deverá partir de um acordo expresso, na maioria dos casos sob a forma de contrato, entre os parceiros implicados. Um acordo em que se pretende a determinação de fins comuns e/ou objectivos específicos a atingir por cada uma das partes, bem como uma regulação das relações técnicas entre parceiros (Béhar et Estèbe, 1991: 26-28; Bennett and Krebs, 1991: 82-83) 25 Por outro lado, será importante distinguir o conceito de partenariado dos de "cooperação" e "associação", ambos remetendo para relações entre iguais e semelhantes (Estivill, 1993: 37). A expressão utilizada por Abou Sada de "coordenação negociada" permite entender o partenariado como uma relação de congregação de esforços entre parceiros que mantêm entre si uma independência e especificidade, um princípio igualmente defendido por outros autores. Esta coordenação de esforços em torno de objectivos comuns, sustentando em simultâneo uma independência entre as partes, não é na generalidade dos casos um processo pacífico, implicando uma negociação complexa em torno de dificuldades a ultrapassar como condição necessária para a efectivação de um trabalho conjunto. De

who shares with another or others in some activity, specially in a business firm where he shares risks and profits, either of two dancing together or playing tennis or cards, etc. on the same side" 25 - Como foi referenciado no ponto 3.1.1. do cap. 2, o contrato contempla normalmente não só o estabelecimento de princípios de partenariado, mas também a definição de objectivos e meios, e ainda o tempo de duração previsto para a intervenção.

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acordo com Gaffikin e Morrissey (1992), os principais obstáculos agrupam-se em torno de três títulos: Estrutura, Ideologia e Cultura.  Sob o prisma da Estrutura, o problema básico situa-se ao nível das relações de poder entre parceiros, em particular entre os representantes da comunidade e as instituições públicas, podendo originar-se relações numa base de desigualdade. Outras questões se põem ainda a este nível no que diz respeito à efectiva capacidade dos parceiros comunitários envolvidos representarem toda a população, ou ainda aos conflitos de interesses e lealdade no confronto entre a pertença a uma associação/instituição e o empenhamento no projecto em causa.  Em relação à Ideologia, a questão que se coloca gira em torno da capacidade de em definir perspectivas concordantes face aos problemas em causa, perante as quase inevitáveis diferenças ideológicas entre parceiros.  Finalmente, as diferenças culturais marcam um fosso entre parceiros institucionais (especialistas, técnicos, serviços) com uma "cultura profissional" de debate polido, respeito pela hierarquia e simpatia pelos limites da burocracia, e a comunidade, pouco familiarizada com estes mecanismos. Perante estas dificuldades, as opiniões dividem-se. Se autores como B. Jobert (1981) ou M. Autés (1984) consideram o partenariado como uma prática idealista, senão utópica, os participantes no colóquio do Inserm (in Beausoleil et al., 1988: 198-199) definiram alguns princípios para uma cooperação efectiva, sempre fundamentada no pressuposto básico de que as relações entre parceiros terão que se basear no reconhecimento das particularidades e não numa fusão que iludiria artificialmente a realidade da divisão social do trabalho. Assim, de acordo com esta posição, o partenariado repousa sobre três condições: a) O reconhecimento pelos próprios parceiros da sua complementaridade. b) A conservação da função específica de cada um. c) A necessidade de um consenso sobre objectivos e meios independentemente de possíveis benefícios distintos, assim como divergências em outros níveis de actividade. Reflectindo estas condições, Bennett and Krebs (1991: 88-89) definem um esquema que permite uma visualização mais clara e globalizante do processo de implementação de uma dinâmica de partenariado, inserido no desenvolvimento de um projecto.

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Figura 11 Modelo de partenariado segundo Bennet and Krebs Actores e Organizações

Interligação, colaboração e “partenariado”

Agenda definida localmente

Papeis adequados a cada actor “Avaliação” da melhor prática

Liderança “Performance” Objectivos por actores

Suporte “top - down”

Fonte: BENNETT and KREBS, 1991: 88

De acordo com o esquema proposto, concebem-se cinco fases neste processo26 : 1- Identificação do potencial conjunto de actores e/ou organizações a envolver. 2- Definição de agrupamentos ou de modos de actuação separados, dentro do esquema organizacional mais apropriado para se atingir o sucesso. 3- Desempenho de um papel efectivo e eficaz por parte de cada actor. 4- Especificação dos objectivos de cada "performance", permitindo a subsequente avaliação dos papeis desempenhados por cada actor. 5- Todo o processo interliga actores e papeis através de um procedimento de liderança efectiva. Ainda segundo os autores referenciados, estas fases poderão ser enquadradas em dois modelos relativamente distintos: um modelo definido por uma aproximação "bottom up", em que o quadro de acção é definido localmente, com aproveitamento do conhecimento local e reforço do envolvimento dos actores locais; uma concepção "top down" marcada por uma definição de estratégias em termos externos e mais genéricos, potenciando visões mais globalizantes, modos de ultrapassar barreiras e constrangimentos

26

- Por sua vez, Rui Azevedo (1993: 215-216) considera três momentos no processo de constituição de soluções de partenariado: o primeiro passo consiste em passar de situações de conflituosidade e competitividade para uma situação de harmonização através da identificação e reconhecimento de objectivos comuns; o segundo passará pela concretização de quadros de cooperação; finalmente, as relações de cooperação deverão desembocar numa real coordenação entre as actividades de cada uma das partes, tendo em vista a resolução de problemas comuns e/ou o aproveitamento de potencialidades comuns.

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locais ou ainda um envolvimento de maiores recursos. Na prática, a maior parte dos processos de partenariado envolve aspectos das duas aproximações, na procura de uma estratégia sustentada. Com estes modelos cruza-se uma outra tipologia sugerida por Jordi Estivill (1993: 50-55), também ela apresentando dois tipos de partenariado. O primeiro dos tipos poderia ser visualizado como adoptando uma configuração radial em que o eixo central é ocupado pelo parceiro promotor de uma intervenção, que toma a responsabilidade inicial e concebe as estratégias fundamentais do projecto. Em torno deste eixo central reúnem-se os restantes parceiros, em função dos seus interesses, legitimidade e capacidade de participação. Figura 12 Partenariado de configuração radial

Fonte: ESTIVILL, 1993: 55

O maior risco deste modelo vem de um excesso de protagonismo de um só parceiro, o que pode conduzir: 1) a uma espécie de despotismo vertical, 2) à perda de interesse e empenhamento dos outros parceiros, 3) à banalização institucional e o desaparecimento do partenariado. O segundo tipo de partenariado adopta a configuração de uma rede. Trata-se de um funcionamento horizontal, sem forte estrutura de coordenação, onde cada parceiro tem um papel semelhante. Figura 13 Partenariado de configuração em "rede"

Fonte: ESTIVILL, 1993: 55

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No caso específico deste modelo, os perigos que se correm são: 1) que a rede se desfaça, cada elemento procure o seu próprio interesse não se encontrando denominadores comuns; 2) que a rede se emaranhe, formando-se uma série de estrangulamentos sem nenhuma utilidade; 3) que a rede adquira uma amplitude e acabe por perder toda a sua finalidade e estratégia comum.

2.2. A lógica argumentativa Pela sua natureza, a implementação de uma prática efectiva de partenariado é caracterizada por um processo de constante negociação (Hess, 1991), ou discussão (Grell et Wery, 1981), entre as diferentes lógicas em confronto. Só assim é possível obter consensos e definir práticas de trabalho cooperativo, ultrapassando as especificidades de posição de cada grupo de actores. Pela importância que a comunicação entre as partes envolvidas assume numa metodologia de I.A., alguns autores são levados a concluir pela estreita ligação entre o processo participativo e um processo argumentativo (Esteves, 1986: 272; Thiollent, 1988: 27-32), constituindo-se a argumentação como um dos aspectos fundamentais da estrutura de raciocínio subjacente à I.A.. Nas metodologias tradicionais os pesquisadores valorizam sobretudo formas de raciocínio de tipo hipotético, inferencial e comprobatório, de acordo com regras lógicoformais. De um modo distinto, a I.A. contempla formas de raciocínio mais amplas e flexíveis. Como afirma M. Thiollent, a estrutura de raciocínio inerente à I.A. "... contém momentos de raciocínio de tipo inferencial (não limitados às inferências lógicas e estatísticas) e é moldada por processos de argumentação ou de 'diálogo' entre vários interlocutores. (...) A argumentação (...) designa várias formas de raciocínio que não se deixam enquadrar nas regras da lógica convencional e que implicam um relacionamento entre pelo menos dois interlocutores, um deles procurando convencer o outro ou refutar seus argumentos" (1988: 28-29). No decorrer dos processos de comunicação e cooperação activa entre parceiros, os aspectos argumentativos são detectáveis ao nível da definição de problemas e possíveis soluções, do desenvolvimento de raciocínios de índole explicativa, das avaliações, podendo mesmo substituir a tradicional noção de "demonstração". Sem se substituir à razão científica, a razão argumentativa explora as dimensões discursiva e dialógica como formas de elucidação e interpretação das situações sociais, inserida numa prática colectiva. Estas dimensões não são, aliás, estranhas ao trabalho desenvolvido usualmente pelos trabalhadores sociais. Segundo Mispelblom (1987: 349352) estes técnicos têm no discurso um dos seus instrumentos principais e a dimensão

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principal sobre a qual eles agem, na medida em que toda a sua prática se concentra em torno da variável sentido [sens]: pelas suas palavras, os trabalhadores sociais dão uma significação ao que vêem, analisam, interpretam, dialogam, negociam, sugerem soluções implícitas ou explícitas.

2.3. Investigador e técnico: as especificidades de cada função Entre outras mutações, a concretização de uma dinâmica de partenariado impõe novas "regras" nas relações que se estabelecem entre os vários actores envolvidos num projecto de I.A., obrigando igualmente a uma redefinição dos papeis e competências de cada grupo. As lógicas vigentes num modelo tradicional são necessariamente sujeitas a uma adaptação perante um conceito de participação que aponta no sentido de uma "lógica horizontal de reconhecimento mútuo e de comunicação" entre todos os actores presentes. Adaptação esta que não é isenta de obstáculos. Uma das principais dificuldades, amplamente constatada pela realidade de projectos concretos (Lees et Lees, 1985; Karlsen, 1991), decorre da necessidade de estabelecer relações de cooperação entre duas equipas tradicionalmente associadas a práticas de natureza distinta e relativamente independentes entre si no quadro de projectos de pesquisa e/ou intervenção: a equipa de investigadores e a equipa de técnicos. A ideia de I.A. supõe necessariamente uma maior aproximação entre estes dois grupos de actores, o que não se torna fácil por todo um conjunto de condicionantes (Lees et Lees, 1985: 33-42): em primeiro lugar, os conflitos inerentes a uma equipa pluridisciplinar, com pessoas de formações e experiências distintas, reflectidas em múltiplas especializações e metodologias de trabalho; igualmente difícil se torna a conciliação entre uma aproximação de "bem-estar" social e um modelo clássico de investigação centrado em objectivos; ou ainda, discussões éticas em torno de determinadas posturas e práticas; e, por último, distintos posicionamentos perante uma gestão do tempo, nomeadamente entre a necessidade de procedimentos de investigação demorados e a importância de realizações a curto prazo. Perante estas condicionantes, importa definir um conjunto de condições que permitam uma cooperação efectiva entre as duas equipas, a primeira das quais decorre directamente da noção de partenariado: não é importante nem desejável uma fusão entre equipas, nem sequer o desaparecimento de uma divisão do trabalho, conservando-se a especificidade de funções, fundada no reconhecimento de uma complementaridade. Um conjunto de três outras condições se associam a esta primeira, de acordo com Michel Vuille (in Sauvin, Dind, Vuille, 1981: 68-73):

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1- A I.A. é uma prática inovadora para todos os que nela tomam parte. Assim, é essencial que tanto o investigador como o técnico aceitam entrar na lógica da outra parte, o que implica a aprendizagem de novas práticas da parte de cada um dos actores. 2- Os investigadores e técnicos estão normalmente ligados a organizações, submetidos a formas específicas de divisão e gestão do trabalho. Uma dinâmica de I.A. implica a criação de um espaço de autonomia onde as relações entre as duas equipas se estabeleçam fora das regras de funcionamento das respectivas organizações: Figura 14 Dinâmica de Investigação-Acção Instituição / Organização II

Instituição / Organização I Domínio de actividade dos investigadores

Rede da Investigação - Acção

Domínio de actividade dos actores

Espaço de autonomia Fonte: SAUVIN, DIND, VUILLE, 1981: 72

3- No interior deste espaço de autonomia, todos os actores estão em pé de igualdade, supondo-se relações de confiança e cooperação no interior da equipa. Importa gerir os recursos, as relações internas e externas, desenvolver procedimentos de avaliação... Deste modo, conclui-se que uma dinâmica de cooperação entre as equipas de investigação e intervenção, numa lógica de partenariado, obriga não só a uma predisposição de ambas as partes para que tal se efective, como igualmente conduz a redefinições nas posturas e funções próprias a cada grupo, ainda que mantendo as especificidades e uma relativa autonomia: torna-se necessária a aprendizagem de novas práticas, no seio de uma metodologia já de si inovadora. Sem pretender uma análise exaustiva da questão, importa enunciar algumas das alterações significativas na postura e funções de cada uma das equipas.

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A / Do ponto de vista do investigador, o seu envolvimento numa prática de I.A. exige uma revisão da posição tradicionalmente assumida (Hétu, 1979; Troutot, 1981), passando por: um abandono da posição privilegiada que normalmente lhe é atribuída no quadro de uma pesquisa; uma renúncia da valorização exclusiva dos seus interesses académicos e científicos; um empenhamento solidário nos problemas reais da população e no desejo de mudança, esforçando-se por encontrar respostas claras para as questões vitais; uma capacidade de crítica sobre o seu saber e a sua prática; um envolvimento nos tempos vividos pela colectividade, respeitando os seus ritmos. De igual modo, impõem-se alterações nos papeis e tarefas a desempenhar, que Pierre-Yves Troutot (1981: 202-204) sintetiza em cinco para o caso específico do sociólogo, mas que se adequam igualmente a outros investigadores: a) Militante - Numa posição longe de ser aceite de modo pacífico na comunidade científica, o autor enuncia em primeiro lugar o papel de "militante", considerando que os interesses de transformação se devem sobrepor aos interesses como cientista. b) Animador e organizador - Nesta função o investigador desempenha múltiplos papeis inerentes à implementação de uma dinâmica efectiva no projecto, investigando, negociando, dinamizando os grupos, etc.. c) Metodólogo e técnico - Como especialista em questões metodológicas e técnicas, deve implementa-las durante a fase de pesquisa propriamente dita, com a preocupação adicional de traduzir os métodos e técnicas em instrumentos operacionais maneáveis pelos membros do grupo. d) "Analisador" - Enquanto analisador, o investigador deve forçar os restantes actores à reflexão, à crítica, à análise de contradições e incongruências. e) "Sintetizador" - Após a desmontagem e desconstrução operada pela análise, o investigador deverá favorecer e coordenar a reconstrução operando, pela coordenação de sentidos (sens), um trabalho dialéctico que permite enquadrar a situação particular numa problemática mais ampla que a engloba. Envolvendo-se numa dinâmica de I.A., o investigador recusa uma postura "purista" que lhe advém de um trabalho abstracto privilegiando uma prática teórica, para assumir uma postura mais dinâmica e mais complexa, que implica tomadas de posição conscientes. Definido em torno da relação teoria-prática, o lugar do investigador torna-se o de um mediador crítico ao serviço dos grupos sociais, interrogando um saber informal, participando num questionamento colectivo, o que supõe uma adesão consciente que ultrapassa os limites possíveis da verdade "científica" e objectiva e se torna mais afectiva e existencial.

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B / Pela natureza das suas funções, a equipa técnica de intervenção é normalmente constituída na sua maioria por técnicos de Serviço Social (cfr. ponto 1.2.), ainda que com eventual recurso a técnicos com outra formações em áreas pertinentes para o desenvolvimento de um projecto no terreno. Designáveis no seu conjunto por Técnicos de Intervenção, são o correspondente ao termo globalizante de Trabalhadores Sociais ou Técnicos de Trabalho Social, utilizado nas línguas francesa e inglesa 27. A extrema diversidade de tarefas a cargo dos técnicos de intervenção/trabalhadores sociais, a heterogeneidade dos seus domínios de intervenção e a diversidade das suas formações tornam difícil uma definição unitária do Trabalho Social, e das funções que lhe estão adstritas. Procurando, no entanto, uma síntese, poder-se-á afirmar que por Trabalho Social se entende uma acção de intervenção visando favorecer a dinâmica de grupos sociais na promoção da sua capacidade de adaptação. Nesse sentido, ao técnico de intervenção são atribuídas três funções específicas e complementares (Lory, 1975: 203-204): a primeira será a de desenvolver a autonomia do indivíduo, do grupo ou da comunidade; a segunda será a de penetrar nos meios com o fim de ser a escuta das aspirações e necessidades das diferentes fracções da sociedade; finalmente, pela informação recolhida e analisada, o trabalhador social toma o seu lugar nos processos de decisão aos diferentes níveis. Enquadrado na equipa técnica de um projecto de I.A., o técnico de intervenção deve desempenhar, por inerência de formação e experiência, um papel fundamental não só no processo de intervenção, como igualmente na dinamização de uma prática de partenariado, tendo em conta os seus hábitos de contacto directo com as populações. Seguindo o raciocínio de alguns autores (Lory, 1975; Dea, 1983; Mispelblom, 1987), as dificuldades que o técnico de intervenção enfrenta ao inserir-se num projecto de I.A. não decorrerão tanto da participação numa dinâmica de partenariado, mas sim da necessidade de ultrapassar a tradicional dicotomia investigação - intervenção. Com efeito, Dea (1983: 157-160) e Mispelblom (1987:353-357) fazem referência às dificuldades que o técnico de intervenção tem em operar uma relação entre teoria e prática, aplicando na segunda os conhecimentos decorrentes de processos de investigação, e que se ficarão a dever a três obstáculos principais: em primeiro lugar, a permanência da atribuição das actividades de investigação e intervenção a duas categorias profissionais distintas, imputando-se aos especialistas a exclusiva responsabilidade de produção teórica; em segundo lugar, uma formação que continua a conferir pouca importância às actividades de produção de investigação e sua utilização, por parte dos trabalhadores sociais; e, 27

- Respeitando a terminologia utilizada pelos autores a referenciar, utilizar-se-á em simultâneo a designação de "Técnicos de Intervenção" e "Trabalhadores Sociais" ou "Trabalho Social". Como refere Michel Duchamp (in Duchamp, Bouquet et Drouard, 1989) a noção de "Trabalho Social" (Travail Social) designa um conjunto complexo de actores e de actividades. Várias profissões se englobam na designação: assistentes sociais, educadores técnicos, educadores infantis, animadores sócio-culturais, etc.. O termo "Trabalho Social" é igualmente utilizado pelos autores de língua inglesa (Social Work) com idêntico significado (Daniel And Wheeler, 1989).

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finalmente, um número insuficiente de modelos conceptuais que permitam integrar a investigação e a intervenção. Perante este contexto, o segundo autor desenvolve um conjunto de sugestões, que designa por "mini-dispositivos de formação-investigação-acção", que permitam uma ligação da teoria à prática, conferindo aos técnicos maiores competências neste campo: discussões pluri-profissionais, teorização das estratégias de terreno, experimentação de pistas teóricas, desenvolvimento de capacidades simultâneas de especialização e polivalência, treino em práticas de escrita. Na mesma linha de pensamento, Duchamp, Bouquet e Drouard (1989) defendem a necessidade de uma produção teórica específica em Trabalho Social e sobre Trabalho Social. A sua posição tem como base a constatação da necessidade de esta profissão elaborar um conjunto de saberes que permitam intervenções mais pertinentes, perante a inexistência de conhecimentos provenientes de outras disciplinas adaptados à multidimensionalidade do seu trabalho de intervenção. Com este fim, a investigação em Trabalho Social tem como objectivo específico e legítimo a intervenção social: "o acto de intervenção do trabalhador social como acção sensata, finalizada, com fim transformador, rica de sentido e de conhecimentos, é uma praxis social. Esta constitui o objecto específico da investigação em trabalho social." (1989: 146-147). Assim, os autores propõem para esta aproximação a designação de praxeologia, recebendo a seguinte definição: "... uma acepção rica e dinâmica da praxeologia seria definida como a aproximação científica que estuda a eficácia e eficiência da acção do homem sobre os outros homens, do ajustamento dos meios em função de um dado fim" (1989: 154). Nesta concepção específica de investigação em Trabalho Social, e de acordo com o objecto de estudo definido, é possível estabelecer uma tipologia de funções da investigação, agrupadas em dois conjuntos: 1- As investigações avaliativas, orientadas para a mensuração e apreciação dos efeitos da acção do trabalho social, contemplando duas sub-funções: a avaliação da eficácia e a avaliação da eficiência 28. 2- As investigações explicativas procurando uma formalização das praxis e dos sistemas metodológicos e teóricos que as possam explicar, assumindo igualmente duas sub-funções: a modelização metodológica e a modelização teórica. Das posições assumidas pelos autores referenciados, decorre que o fundamental da aprendizagem de uma nova prática por parte do técnico de intervenção / trabalhador social com vista à sua inserção numa dinâmica de I.A., se centra numa maior capacidade em 28

- Cfr. ponto 3.3.2. do cap. 2, onde se explicitam as distinções fundamentais entre avaliação de eficácia e avaliação de eficiência

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articular teoria e prática num procedimento de intervenção. Capacidade esta que lhe será conferida não só por uma formação que lhe possibilite uma utilização mais eficaz dos conhecimentos teóricos, mas igualmente pela dinamização de uma produção teórica no interior do trabalho social, em áreas-chave que possibilitem intervenções mais eficazes.

2.4. A I.A. e o poder político: modelos de interacção Quando se faz referência a uma prática de partenariado, uma das questões que se levanta com maior insistência é a das possibilidades de inserção neste processo dos serviços e instituições representantes do poder político. Num projecto de I.A., para além da "tradicional" função de entidades promotoras e financiadoras, os serviços e instituições públicas são chamadas igualmente a assumir um papel activo como consolidadoras da "imagem" e "poder de intervenção" desse projecto, como dinamizadoras em todas as suas etapas, como fornecedoras de especialistas e técnicos, ou ainda como "utentes" nos casos em que os processos de transformação afectam directamente a sua estrutura e modo de funcionamento. Assim, uma prática efectiva de partenariado e de articulação de interesses em termos interinstitucionais entre o poder político e os restantes parceiros envolvidos é absolutamente fundamental, sendo ao mesmo tempo uma situação com contornos inovadores atravessada por conflitualidades de nem sempre fácil resolução. Por estas mesmas razões, surgem alguns obstáculos ao trabalho cooperativo, identificados em duas categorias: obstáculos de índole política e obstáculos técnicos. M. Autés afirma que "... a I.A. é perigosa (...). Perigosa para os intelectuais, que a olham com condescendência, perigosa para os actores do campo político pois interroga a dominação e os mecanismos da dominação" (1985: 19). Consolidados em torno da imagem de poder, de controlo, supervisão, decisão em última instância, os serviços públicos oferecem resistência a um envolvimento em projectos de I.A. numa situação de paridade com outros actores. Vega e Etulain (1987: 163-166) avançam algumas explicações para esta postura: ausência de uma vontade política em promover desenvolvimentos comunitários; receio de processos desconhecidos não directamente "controlados"; temor da autonomia e maturação crítica; procura da rentabilidade política mais ou menos imediata; e flutuações políticas inerentes ao sistema democrático. A par dos obstáculos de natureza política, outras dificuldades se desenham no plano técnico, e que decorrem fundamentalmente de um aparelho burocrático pesado e relutante à mudança, da manutenção de posturas técnicas "tradicionais", de um excesso de centralismo, da falta de integração e coordenação de políticas sectoriais.

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Contudo, será ainda de referenciar que Paul Daniel e John Wheeler (1989) consideram que o não envolvimento dos serviços públicos tem como origem igualmente uma postura de rejeição da parte dos técnicos: crença de que existem fortes diferenças ideológicas entre políticos e técnicos; visão de que os políticos não têm conhecimento suficiente sobre a natureza técnica do trabalho social, implicando grandes esforços da parte do técnico para um trabalho conjunto. Assumindo a necessidade de envolver os serviços e instituições públicas num trabalho conjunto de participação e cooperação, o modo de o conseguir passa por um empenhamento de todas as partes no sentido da sua efectivação. Aos técnicos cabe a tarefa de promover oportunidades para um trabalho conjunto e troca de experiências e ideias, para além de uma relação tradicional, o que implica um reconhecimento de que os políticos têm contribuições válidas a dar. Contactos formais e informais mais comuns, grupos de trabalho a nível local, envolvimento dos serviços em projectos de pesquisa, treino conjunto e campanhas conjuntas, são algumas das formas possíveis para um maior contacto entre estes actores. Por sua vez, e com idênticos objectivos, os poderes públicos devem redefinir a sua posição perante as situações de partenariado no desenvolvimento comunitário, com consequências no seu papel e estilo de intervenção (Nóvoa et al., 1992: 23-25): estimular uma descentralização institucional que confira às delegações locais maior protagonismo e poder de decisão; promover a adopção de ciclos longos (plurianuais) de apoio financeiro e administrativo, em vez de aplicar aos programas e projectos os ciclos curtos; facilitar lógicas alternativas de coordenação e concertação ao nível local, em lugar de impôr uma estrutura "top-down"; favorecer o desenvolvimento de quadros mais evoluídos de contratualização, associando os diferentes níveis de poder.

3 - Espaços e momentos da participação da população

3.1. Um conceito de participação Enquanto "metodologia de participação", a I.A. assume como um dos seus princípios teóricos de base uma demarcação e rejeição do pressuposto positivista de uma relação sujeito-objecto entre actores, inerente à dinâmica de investigação e intervenção. O partenariado corporiza um esforço no sentido de se desencadear uma solidariedade criativa entre as distintas categorias de actores, conduzindo a práticas de "coordenação negociada".

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De uma dinâmica de partenariado espera-se uma congregação de esforços entre os vários "sujeitos" implicados e envolvidos em torno de objectivos e acções comuns, pressupondo à partida, como se depreende das definições apresentadas (cfr. ponto 2.1.), uma relação entre iguais, entre parceiros reconhecidos mutuamente no seu poder e capacidade de decisão, entre actores que não se articulam entre si numa relação de dependência. Contudo, será necessário considerar que, em determinados projectos de intervenção, estão directamente implicados enquanto populações-alvo grupos de actores que, pela sua natureza e posição, não detêm condições para participarem em situação de igualdade numa dinâmica que envolve partilha de poder e capacidade de decisão. São grupos a quem não é reconhecido um poder, cujos recursos não são sistematicamente valorizados, que se encontram numa relação de dependência face a outras categorias de actores. Em suma, são grupos de actores que se encontram numa situação de exclusão social, se atendermos às características atribuídas pelo "Observatório Europeu de Combate à Exclusão Social" a situações desta natureza: uma posição desvantajosa face ao sistema educativo e ao sistema de formação, face ao sistema de emprego, às condições de alojamento, aos recursos financeiros, etc.; uma menor possibilidade de acesso, do que a restante população, a bens e serviços. No contexto da implementação de uma "metodologia de participação", implicar os grupos de actores em situação de exclusão na dinâmica de um projecto passa necessariamente pela prossecução de um princípio de participação, considerando que, como afirmam Rees et Rodrigues, "... este conceito toma a significação fundamental e específica de atribuição de poder aos grupos menos favorecidos facilitando o seu acesso a uma expressão cívica completa, isto é, tornando-os actores na vida social, económica e política" (1993: 22). Idêntica ideia será reafirmada por Giddens ao considerar que, no âmbito de uma política emancipadora, participação é o oposto a opressão, permitindo aos indivíduos ou grupos influenciar as decisões que de outro modo lhes seriam arbitrariamente impostas (1991: 212). Os conceitos de "partenariado" e "participação", assim como as práticas que lhes são adstritas, poderão ser confundíveis na medida em que em ambos os casos se remete, no quadro de uma "metodologia de participação", para um envolvimento mais activo e profundo de todas as categorias de actores num processo de pesquisa e intervenção. De igual modo, se aproximam quanto a processos e meios possíveis para promover esse mesmo envolvimento. Contudo, as diferenças justificam uma distinção:  Por um lado, são conceitos que remetem para "patamares" distintos numa dinâmica participativa. A participação é o princípio estruturante que permite ao partenariado desenvolver-se, é condição sine qua non e define a base a partir da qual se parte para a concretização de uma relação eficaz e profícua entre parceiros.

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O partenariado é a forma predominante que dá expressão à participação, a conduz a modelos mais elaborados (Rees et Rodrigues, 1993: 23).  Por outro, cada conceito enquadra forma diferentes de envolvimento e relação entre actores. Num contexto de partenariado estabelecem-se formas de relação contratual entre partes iguais numa lógica de complementaridade. Pela dinamização de uma lógica de participação, os especialistas e técnicos estabelecem condições para uma integração de populações ou grupos tradicionalmente excluídos, atribuindo-lhes poder e acesso a uma expressão cívica.  Finalmente, se bem que se possam considerar envolvimentos a título individual numa dinâmica de partenariado, esta desenvolve-se fundamentalmente em torno de estruturas organizadas. Ao contrário, participação é, no essencial, o envolvimento de indivíduos não enquadrados em estruturas colectivas, criando condições para uma postura activa no desenvolvimento de um projecto. Uma vez explicitados alguns tópicos quanto à implementação de um partenariado (cfr. ponto 2), importa tecer algumas considerações em torno da dinamização da participação.

3.2. Objectivos da participação A participação das populações em projectos de desenvolvimento ou em outras acções susceptíveis de produzir alterações significativas no ambiente que as envolve e as afecta directamente, é cada vez mais aceite como factor indispensável nos processos de decisão e de garantia de sucesso das intervenções, ou ainda como correcção dos seus principais efeitos negativos. Por detrás desta dinâmica de participação desenha-se todo um conjunto de objectivos a atingir, sintetizados por Beatriz Chito e Raul Caixinhas numa ideia fundamental: "Em síntese, podemos afirmar que a participação tem como objectivo associar o maior número possível de público, através de diversos meios e formas, envolvêlos nos processos de mudança e possibilitar que o seu resultado influencie a decisão final" (1993: 41-53). Envolvimento este que necessariamente não se reduz apenas à ideia de influência directa nos processos de decisão. Outros objectivos a atingir com a participação são salientados pelos autores referenciados (1993: 44-45): a) Informação, educação - Pelo estabelecimento de uma relação interactiva e o confronto de duas lógicas distintas, a do saber formal e a do saber informal

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(Thiollent, 1988: 67-69), concretiza-se uma troca de informação bidireccional que permite uma aprendizagem comum. A participação assume por esta via um pendor pedagógico. b) Identificação dos problemas, valores, necessidades - Qualquer acção de mudança terá tantas mais hipóteses de sucesso quanto melhor identificar e se compatibilizar com os valores, problemas e reais necessidades das populações envolvidas. c) Avaliação de alternativas - A ponderação das várias alternativas possíveis perante os problemas em causa passa necessariamente pela auscultação das posições dos actores directamente afectados. d) Resolução consensual dos conflitos - Perante situações de conflito quase inevitável, decorrente de choques de interesses por vezes inconciliáveis, um dos objectivos da participação centra-se num processo negocial que procura consensos. e) Associação do público à decisão - Surge como um dos objectivos fundamentais, a garantia da utilidade de um envolvimento dos cidadãos numa dinâmica de participação/partenariado. No quadro de uma metodologia de I.A., a plena prossecução dos objectivos de participação enunciados pressupõe um envolvimento profundo e activo dos actores locais e/ou das organizações que os representam, e não apenas colaborações pontuais ou respostas a solicitações de investigadores e técnicos. Assim, define-se um modelo de participação que contempla em simultâneo três vertentes, no reforço da ideia de uma globalização e pluralidade no envolvimento dos públicos afectados. Em primeiro lugar, e no seguimento de posições defendidas por António Nóvoa et al. (1992: 25-27), considera-se uma real participação dos actores locais nos projectos desenvolvidos quando estes são chamados a intervir em todos os seus momentos: no diagnóstico, no processos de decisão, no lançamento de iniciativas, na concertação, coordenação e integração das iniciativas, e na avaliação dos resultados obtidos. Em segundo lugar, esta mesma participação atravessa os três processos fundamentais desta metodologia: o processo de investigação e análise dos problemas em causa, através de uma participação activa da comunidade em todas as suas fases; o processo de implementação de acções que possam conduzir à resolução dos problemas que afectam a comunidade ou grupos-alvo em causa; e o processo formativos ou educativo, através do qual a mesma comunidade adquire consciência não só dos problemas concretos com que se depara, mas também das causas estruturais desses problemas e mecanismos para a sua ultrapassagem (cfr. ponto 3.2.1. do cap. 2). Finalmente, o envolvimento da população na dinâmica de um projecto contempla um conjunto de sete funções/papeis [igualmente válidas enquanto dimensões-chave da

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implementação de um partenariado, segundo Gaffikin e Morrissey (1992: 4-5) ], comuns a todos os parceiros implicados, a saber:  Supervisão: implica presença regular de representantes da população nos centros decisores de um projecto, informação permanente acerca do seu desenvolvimento, "controlo" dos recursos ao serviço desse projecto. Para R. Franck (1981: 160-165), a necessidade de garantias de eficácia, eficiência, transparência, "neutralidade" do trabalho desenvolvido, implica a "aplicação de um modelo democrático à I.A.", em que os investigadores e técnicos estão sob o controlo daqueles junto dos quais desenvolvem a sua intervenção. Segundo este modelo, os investigadores e técnicos não devem dispôr de nenhum poder senão aquele que lhe delega o "público-alvo" ou o "grupo-cliente". Nos limites traçados por esse poder, são responsáveis pelas iniciativas e decisões a tomar no decurso da intervenção.  Elaboração de propostas: engloba o desenvolvimento de sugestões sobre o conteúdo e execução das actividades dos projectos.  Fornecimento de meios: nomeadamente fornecimento de dados, envolvimento directo de recursos humanos, formas de financiamento, acesso a determinadas facilidades. De acordo com Michael Cernea (s/d.: 61-66), as contribuições físicas ou financeiras para os projectos são factores importantes no empenhamento e no reforço de um sentido de propriedade por parte das comunidades; por outro lado, levam a uma alteração do comportamento dos técnicos, "obrigando-os" a tomar em maior consideração a participação efectiva dos beneficiários.  Integração / trabalho em rede (network): estabelece-se a partir de um trabalho efectivo de cooperação em todas as fases, numa coordenação de esforços.  Difusão: conduz a uma comunicação dos valores e experiências de um projecto a todos os membros dos grupos de actores directamente envolvidos e afectados pelos seus resultados. Obriga os representantes directos de cada agrupamento a manterem informados os restantes elementos.  Disseminação: a tarefa de disseminação reconhece a necessidade de "passar a palavra" para além dos limites internos de um projecto. Procura-se assim um maior efeito de visibilidade e de credibilidade das acções implementadas, condições necessárias para um posterior alargamento das experiências a outros contextos. O envolvimento de membros da comunidade nesta tarefa de disseminação permite uma maior facilidade de aproximação a outros públicos, esbatendo-se parte dos tradicionais obstáculos de comunicação entre a população e a comunidade científica.  Administração / Gestão: o aspecto mais importante da participação e do partenariado, devendo ser responsabilidade conjunta de todas as categorias de actores implicados.

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O papel e a função dos parceiros numa I.A. participada

A implementação de uma dinâmica de participação que possibilite conferir à população um maior protagonismo e responsabilidade na execução de um projecto não deverá afastar-se dos princípios de base de uma "metodologia de participação". Não é objectivo substituir a tradicional relação sujeito-a-objecto marcada por uma atitude passiva da população, por outra relação sujeito-a-objecto que define a "sujeição" do trabalho de técnicos e investigadores aos exclusivos desígnios da população. Procura-se, sim, uma base de cooperação e intercâmbio entre os parceiros envolvidos, respeitando as especificidades de cada papel/função, o reconhecimento de uma complementaridade e a procura de consensos sobre objectivos e meios. Segundo esta lógica, as populações continuam a assumir no essencial o papel de "utentes", do mesmo modo que as responsabilidades efectivas de investigação e acção cabem aos respectivos grupos de investigadores e técnicos. Da interacção entre os parceiros resulta fundamentalmente uma maior responsabilização e protagonismo na dinâmica do projecto, um enriquecimento de capacidades e uma multiplicação de tarefas empreendidas de modo cooperativo. Os benefícios serão evidentes para o projecto na sua globalidade, quanto a uma dinâmica de eficácia e eficiência.

3.3. Uma dinâmica de grupo Um comportamento activo e o envolvimento numa dinâmica de participação surge em geral para as populações, à semelhança do que acontece com outros grupos, como uma situação inovadora para a qual não estão particularmente preparados nem sensibilizados, oferecendo mesmo algumas resistências. Como tal, cabe aos investigadores e técnicos garantir formas e meios eficazes para que a participação dos grupos seja uma realidade. Neste contexto, as técnicas grupais merecem particular destaque como instrumentos privilegiados de motivação e animação dos grupos, tendo em vista uma participação efectiva. Não só funcionam como técnicas de formação dos indivíduos, potenciando-os para um maior activismo nos processos de modificação da realidade social (cfr. ponto 3.2. do cap.2), como igualmente são meios que permitem uma intervenção directa dos públicos nos processos de implementação de um projecto, proporcionando formas de trabalho conjunto entre os parceiros envolvidos. É o próprio Kurt Lewin que defende o uso de formas colectivas de discussão e de decisão no seio da metodologia de I.A., atribuindo-lhe duas razões principais (in Maisonneuve, s/d.: 49-63): em primeiro lugar, considerando-se que uma das principais resistências à mudança está no medo de fugir às normas do grupo, torna-se mais fácil modificar os hábitos de um grupo do que os de um indivíduo tomado isoladamente; em

93

O papel e a função dos parceiros numa I.A. participada

segundo lugar, o compromisso das pessoas convidadas a uma discussão é mais intenso do que o daqueles que se limitam a ler um folheto ou a escutar uma conferência. A estas razões invocadas por Kurt Lewin será ainda de acrescentar o facto de que, frequentemente, é impossível envolver numa dinâmica de participação a totalidade dos beneficiários potenciais. Assim, o trabalho com grupos que fazem parte de conjuntos mais amplos permite que, por intermédio de uma acção grupal, se influencie a totalidade dos utentes. Centraliza-se nos representantes de uma comunidade a imagem de uma participação activa e responsável, promovendo-se posteriormente um efeito de difusão e disseminação. O uso de técnicas grupais é prática relativamente frequente no âmbito da Psicologia Social e do Serviço Social. De entre as várias técnicas disponíveis29, destacam-se três pela sua importância: o seminário, técnica de Delfos e técnica de grupos nominais. A/ M. Thiollent (1988: 58-60) referencia o seminário como a técnica principal de uma I.A., em torno da qual as outras gravitam. Como técnica grupal, define como ponto de partida a constituição de um grupo de trabalho que reúne os principais membros das equipas de investigação e acção e membros significativos dos grupos implicados no problema sobre observação. Através de um trabalho contínuo e prolongado por todo o tempo da implementação de uma I.A., o papel do seminário consiste em ser um espaço de exame, discussão e tomada de decisões acerca dos processos de investigação e intervenção. Assim, um conjunto de oito tarefas principais lhe são particularmente atribuídas: definir o tema e equacionar os problemas de uma pesquisa; elaborar a problemática e correspondentes hipóteses de pesquisa; constituir grupos específicos de investigação e intervenção, coordenando as suas actividades; centralizar a informação proveniente das diversas fontes e grupos; elaborar as interpretações; procurar soluções e definir directrizes de acção; acompanhar e avaliar as acções; divulgar, pelos canais apropriados, os resultados obtidos. Pela profundidade e complexidade das tarefas a desenvolver, o seminário supõe uma capacitação prévia de todos os intervenientes para um trabalho articulado, bem como conhecimentos de práticas de investigação e intervenção (Ander-Egg, 1990: 170). Deste modo, a técnica e seminário exige necessariamente uma articulação com técnicas formativas e outras técnicas grupais, orientadas não só para o enriquecimento das competências dos membros dos grupos de beneficiários, bem como preparando didacticamente todos os elementos envolvidos para um trabalho colectivo metodicamente organizado.

29

- Em anexo apresenta-se um quadro das principais técnicas grupais (anexo 2)

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O papel e a função dos parceiros numa I.A. participada

B/ A técnica de grupos nominais é um processo pelo qual um grupo é conduzido à identificação e selecção de opções de resposta face a um problema que importa solucionar. Sendo uma técnica de recolha de dados e informação que permite uma investigação e programação participativa, funciona igualmente como meio de mobilização dos actores face aos seus problemas e necessidades (Ander-Egg, 1990: 82). O processo de desenvolvimento desta técnica envolve geralmente cinco etapas (Stecher And Davis, 1991: 90). Ao início, os elementos do grupo criado trabalham individualmente tendo em vista propor soluções para o problema em causa. Em segundo lugar, o moderador elabora uma lista de todas as soluções propostas, seguida de uma discussão tendo em vista a clarificação das opções apresentadas. Nesta discussão procurase um esclarecimento, sendo desencorajadas as posições de defesa ou ataque de uma opção. Num terceiro momento, cada indivíduo ordena as opções ou expressa em voto as suas preferências. Segue-se uma nova tabulação tendo em conta a ordenação dos votos expressos. Finalmente, o grupo discute a lista elaborada, procedendo-se ao voto para uma única opção em caso de emergência de uma proximidade entre os votos expressos para cada item. C/

A técnica de Delfos "... proporciona um foro impessoal, anónimo, no qual as

opiniões se podem expressar, sem se reunir os 'peritos' em qualquer espécie de confrontação face a face" (Erasmie e Lima, 1989: 55). No essencial, é uma técnica que emprega questionários escritos, substituindo a discussão face a face por mecanismos de "feedback" mais impessoal. Definida como técnica enquanto "conjunto de procedimentos bem definidos e transmissíveis" (Almeida e Pinto, 1990: 78), a técnica de Delfos conduz à implementação de um processo mais ou menos constante, constituído por seis etapas básicas: 1- Selecção dos actores a envolver. 2- A cada actor é solicitada a resposta a um questionário. Todos os actores 34-

56-

respondem às mesmas questões, não sendo permitida uma colaboração entre eles. As respostas são analisadas em função de dois critérios: respostas concordantes e respostas em que os actores expressam opiniões distintas. A cada participante é enviado o seu questionário original juntamente com as respostas dos outros participantes e seus comentários. Pede-se uma revisão das respostas à luz das opções dos outros actores, solicitando justificação quando a sua escolha difere da da maioria dos elementos. As novas respostas são analisadas. O processo é repetido até um ponto de consenso ou de divergência mínima. Em alternativa, promove-se uma mesa redonda que permita a identificação opiniões merecedoras de consenso.

95

de

Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

CAPITULO 4 - ANÁLISE CRÍTICA DE UMA PRÁTICA DE I.A.: MONTANHA APOSTAM NO DESENVOLVIMENTO" (AM 23)

O

PROJECTO "ALDEIAS

DE

1 - Nota metodológica

Perante o inegável interesse no estabelecimento de uma "ponte" entre considerações de ordem essencialmente teórica e a análise de situações concretas de "terreno", com o presente capítulo pretende-se o desenvolvimento de um conjunto de tópicos de reflexão em torno de um projecto que, desde o seu início, foi definido como uma experiência de implementação de uma metodologia de I.A. face a contextos/populações em situação de pobreza e exclusão social: o Projecto "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento" (igualmente designável por Projecto AM 23), um dos projectos nacionais integrados no programa comunitário Pobreza 3, que se desenrolou entre Março de 1990 e Junho de 1994. Procurando seguir critérios de objectividade e circunscrever eventuais posições subjectivas e valorativas decorrentes de um envolvimento pessoal no Projecto em causa (num primeiro momento na qualidade de técnico da equipa operacional, de Março a Setembro de 1990, e posteriormente como elemento da equipa de investigação/avaliação do CEDR / UBI 30, entre Janeiro de 1991 e Junho de 1993), a análise que neste capítulo se desenvolve terá como referência privilegiada um conjunto de fontes documentais elaboradas no seio e em torno do AM 23. Fontes essas que foram produzidas com propósitos definidos e assumem distintas origens/autorias:  Documentos produzidos pela equipa operacional do Projecto, resultado directo do trabalho desenvolvido, agrupáveis em três categorias: diagnósticos e programas de acção sucessivamente definidos ao longo do Projecto (AM 23: 1990a, 1990b, 1991a, 1991b); relatórios periódicos de actividade (AM 23: 1990d, 1991c, 1992c, 1992d, 1992e, 1993e); documentos elaborados pela equipa de investigação/avaliação na sequência do prolongamento das acções de investigação e planeamento da avaliação (AM 23: 1993a, 1993b, 1993d)  Documentos decorrentes do exercício de uma dinâmica de hetero-avaliação, por sua vez apoiada na efectivação de processos de auto-avaliação no seio da própria

30

- Centro de Estudos de Desenvolvimento Regional da Universidade da Beira Interior.

96

Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

equipa operacional de acordo com o modelo previamente adoptado31 (AM 23: 1992a, 1992b, 1993c)  Relatórios encomendados pelo Projecto AM 23, visando um diagnóstico mais aprofundado da zona/população em causa (Duarte, 1990; Silva et al., 1990)  Documentos produzidos no seio do Pobreza 3, por um lado de enquadramento e definição da filosofia e princípios do Programa, por outro de divulgação das acções desenvolvidas pelos distintos projectos nos domínios da investigação, intervenção e avaliação  Outras fontes documentais, de origens e autorias diversas, que contribuem para uma contextualização mais implementadas pelo AM 23.

esclarecida

e

aprofundada

das

estratégias

Paralelamente à utilização das fontes documentais referenciadas, não deixarão de ser utilizados e rentabilizados, pela sua importância, os conhecimentos e dados adquiridos ao longo de uma experiência de participação directa na dinâmica do Projecto, bem como informações colhidas em entrevistas informais a actores envolvidos e em inquéritos junto da população (anexo 5). Com o presente capítulo, mais do que uma descrição do processo ou avaliação dos resultados atingidos, é objectivo principal analisar até que ponto o Projecto em causa foi uma experiência conseguida de implementação de uma metodologia de I.A., à luz dos princípios e orientações delineadas ao longo dos capítulos anteriores. Pela análise dos modelos organizativos, estratégias implementadas e mudanças efectivamente induzidas, procuram identificar-se eventuais progressos e falhas na implementação de uma metodologia de I.A., a par dos bloqueios e constrangimentos enfrentados. Previamente, será importante tecer algumas considerações que permitam não só contextualizar o projecto no seio do programa, como igualmente traçar uma breve caracterização da zona de intervenção definida para o mesmo.

2 - Contextualização do Projecto AM 23

1.1. Princípios programáticos do Programa Pobreza 3

31

- cfr. ponto 3.3.3. do Cap. 2 onde se apresenta o modelo de avaliação do AM 23, bem como os anexos 3 e 4, correspondentes aos guiões de avaliação de acção e de período.

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Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

Durante muito tempo (e em alguns círculos continua a ser ideia predominante) a pobreza foi considerada como um facto acidental no contexto do desenvolvimento de uma sociedade, resultado de carências e incapacidades individuais. À luz deste princípio, os pobres sê-lo-iam sobretudo por culpa própria, por falta de qualidades ou de aproveitamento das suas capacidades. Deste modo, as atitudes face à pobreza repartiam-se entre uma certa relutância por parte dos governos no assumir de responsabilidades pelos pobres, e uma atitude paternalista de caridade, assumida fundamentalmente por instituições particulares. Dois termos reflectem as lógicas de actuação a que estas atitudes conduzem: "instrumental" e "assistêncial" (Wallez, 1993: 239). De uma parte, uma acção apoiada sobre regras gerais aplicadas impessoalmente e testemunhando uma inércia face a casos particulares. Da outra, uma lógica de assistência directa por meio de dinheiro ou produtos, não modificando no fundamental a natureza dos actores visados e provocando ou agravando situações de desequilíbrio. O agravamento do fenómeno da pobreza, a par com as análises desenvolvidas nas últimas décadas em torno desta problemática, têm vindo a revelar a necessidade de uma outra aproximação, mais ampla, da pobreza. Por um lado, a pobreza começa a ser encarada como um fenómeno multifacetado: para a sua compreensão global e definição de propostas de intervenção, importa não só analisar as suas causas, mas igualmente as manifestações e os grupos mais directamente afectados. A qualquer um destes três níveis complexificam-se a grelhas de análise, apelando à necessidade de consideração de uma multiplicidade de factores e dimensões. Por outro, as lógicas de intervenção "assistêncial" e "instrumental" revelam-se ineficazes perante a complexidade do fenómeno, apelando à procura de novas soluções. Como afirma Autés, "a luta contra a pobreza, com todas as suas contradições, apela a uma recomposição do conjunto dos papeis dos actores intervenientes na elaboração e aplicação das políticas sociais, e a uma outra forma de articulação dessas políticas com o conjunto do corpo social. As lógicas de solidariedade devem substituir a pouco e pouco as lógicas de assistência." (1986: 152) É precisamente neste contexto de mudança nas concepções e políticas de intervenção que se têm vindo a enquadrar as iniciativas desencadeadas pela Comunidade visando a luta contra a pobreza e exclusão, e o encorajamento da solidariedade. O Programa Pobreza 3, designação abreviada do "Programa Comunitário para a Integração Económica e Social dos Grupos Menos Favorecidos" aparece na sequência das iniciativas conhecidas por primeiro e segundo Programas Europeus de Luta Contra a Pobreza: - o 1º Programa foi, lançado em 1975, com a duração inicialmente prevista de dois anos mas posteriormente alargado até 1980. Cobriu 29 projectos-piloto em 8 países e sete estudos ou grupos de investigação.

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Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

- o 2º Programa foi adoptado em 1984. Compreendia 65 projectos de investigaçãoacção, que passaram a 91 após a adesão de Portugal e Espanha. Foram organizados em grupos temáticos definidos em termos de "desenvolvimento urbano integrado" e "desenvolvimento rural integrado", e ainda em torno de seis grupos-alvo 32 . O ano de 1989 marca o estabelecimento do Pobreza 3, definido em termos de promoção da coesão económica e social face aos eventuais efeitos negativos a curto termo do estabelecimento do mercado único. É assim proposto um Programa que "consiste, no essencial, num conjunto de projectos locais - acções modelos e iniciativas e inovadoras que se propõem contribuir para a definição e experimentação de métodos apropriados de luta contra a pobreza e em diversas actividades de estudo e pesquisa que visam melhorar o conhecimento das situações de exclusão social" (Sada, 1990: 3). Dois objectivos principais foram atribuídos ao Programa em causa: " a) contribuir para a implementação de medidas preventivas e favor dos grupos de pessoas que correm o risco de se tornarem pessoas economicamente e socialmente menos favorecidas, assim como acções modelo para responder às necessidades da grande pobreza. b) produzir, numa perspectiva multidimensional, modelos de organização inovadores visando a integração das pessoas economicamente e socialmente menos favorecidas e implicando os actores económicos e sociais" (O'Cinneide, 1992: 13). Face aos objectivos definidos, o modelo a implementar incorporaria certos princípios fundamentais, dos quais se salientam três por constituírem a base do referido modelo (O'Cinneide, 1992: 13-14; Henriques,1993: 38-42):  Multidimensionalidade - Perante a constatação da multiplicidade de dimensões da pobreza, exige-se a definição e implementação de um programa de acção que cubra uma gama de actividades interdependentes, tendo como base um ambiente organizacional aberto, no sentido de uma aproximação integrada da exclusão social.  Partenariado - Este princípio reflecte-se num modelo organizativo, idêntico em todos os projectos, que se traduz na constituição de um Comité Director (ou Comissão Directiva) representando todos os actores políticos da região em causa: instituições públicas, associações industriais e estruturas agrícolas, sindicatos, etc.. Cada organização deverá empenhar-se numa colaboração que passa pelo investimento de recursos no projecto.  Participação: Os projectos devem procurar que os pobres participem o mais possível da planificação, implementação e avaliação das actividades dos projectos. Como afirma J. M. Henriques, "o postulado de que os pobres são agentes sociais potencialmente capazes de aprenderem a alterar as suas próprias condições de vida 32

- Um conjunto de comunicações apresentadas nas "VI Jornadas de Estudio del Comité Español para el Bienestar Social" desenvolve análises em tornos dos projectos ibéricos inseridos neste 2º Programa (AA.VV., 1989: 155-185).

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abre a oportunidade de inscrever as dimensões positivas das suas próprias estratégias de sobrevivência na experimentação de possibilidades de desenvolvimento local, criando assim a possibilidade de aceder a novos recursos, de valorizar os seus próprios recursos e de organizar possibilidades de acção comum com o fim de adquirir uma influência maior sobre os processos globais responsáveis pela erosão ou perda dos seus recursos" (1993: 41). Numa referência breve à estrutura organizativa, assinala-se uma repartição por três níveis:  Nível local: o programa estabeleceu-se em torno de projectos locais que se repartiam entre 27 "Acções Modelo" destinadas a promover a desenvolvimento rural integrado em benefício dos pobres, e 12 projectos designados por "Iniciativas Inovadoras", directamente vocacionadas para grupos desfavorecidos específicos. O projecto "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento" surgiu como uma das Acções Modelo integrantes do Programa, mais precisamente a Acção Modelo 23.  Nível nacional: em cada Estado Membro constituiu-se uma Unidade de Investigação e Desenvolvimento (U.I.D.), com funções de ligação entre as estruturas comunitárias e o nível local.  Nível comunitário: a Comissão das Comunidades Europeias, com plena responsabilidade na gestão do Pobreza 3, era assistida por um Comité Consultivo e recebia assistência técnica de uma Unidade Central que tinha a cargo a animação, a gestão e a avaliação do programa no seu conjunto.

2.2. Projecto AM 23:uma Acção Modelo 2.2.1. Breve caracterização da zona de intervenção 33 Um retrato sucinto da área de intervenção do projecto AM 23, que abrange 11 freguesias do Concelho da Covilhã 34, revela situações claras de pobreza/exclusão social a merecerem particular atenção, justificações plenas para o desenvolvimento de uma acção específica nesta zona. Começando por uma análise das causas que dão origem ao fenómeno, estas não deverão ser procuradas essencialmente em excepções ou incapacidades localizadas, mas 33

- Extracto, com adaptações, de um capítulo redigido para o documento "Características da vida rural e reflexões sobre a pobreza e os factores de exclusão social", apresentado pela equipa de Investigação / Avaliação do CEDR / UBI (Maio de 1993) 34 - O projecto foi inicialmente implantado em quatro freguesias, tendo sido posteriormente alargado, durante o ano de 1991, a mais sete freguesias.

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surgem como resultado inevitável de um modelo de desenvolvimento que tem prevalecido na região considerada. Três ordens de factores assumem particular relevância:  Em primeiro lugar, condicionalismos de ordem geográfica: situada no interior do país e numa zona típica de montanha, com condições físicas adversas, esta zona é ainda caracterizada por um isolamento face aos grandes centros urbanos e de decisão, em grande parte mercê de uma rede viária pouco densa e degradada.  Por outro lado, as características económicas adquirem uma importância particular, onde ressalta um sector agrícola com muito peso mas marcado por modos de produção obsoletos, um tecido industrial pouco denso e em crise (têxteis, confecções e sector mineiro), um sector de serviços pouco diversificado e muitas vezes pouco eficiente.  Finalmente, a consideração de algumas especificidades sociais: características demográficas de envelhecimento, êxodo demográfico, analfabetismo, deficiente qualidade da assistência médica, fracas qualificações profissionais, entre outras. A conjugação de todos estes factores, aliados a outros não menos importantes (alguma inépcia dos poderes locais, acesso deficiente a meios de cultura, etc.) dá origem a um panorama local de desfavorecimento / pobreza, com contornos complexos e assumindo-se como um fenómeno multidimensional: traduz um baixo nível de rendimentos, uma situação precária em matéria de saúde, de educação, de emprego... Se todo este conjunto de condições estruturais acabem por penalizar directa ou indirectamente toda a população residente na zona, são contudo detectáveis determinadas franjas dessa população em situação de particular desfavorecimento: idosos/pensionistas, desempregados, jovens, agricultores, crianças com insucesso escolar, mulheres em situação vulnerável, deficientes. A referência a situações de exclusão social justifica-se pela presença em alguns destes grupos (nomeadamente idosos, desempregados e deficientes) das características já anteriormente referenciadas como sendo atribuídas pelo "Observatório Europeu de Combate à Exclusão Social" a situações desta natureza: - Uma posição desvantajosa face ao sistema educativo e ao sistema de formação, face ao sistema de emprego, às condições de alojamento, aos recursos financeiros, etc.. - Uma menor possibilidade de acesso, do que a restante população, a bens e serviços. Importa ainda referenciar que, até certo ponto, situações potencialmente mais graves e mais alargadas de pobreza têm sido ilusoriamente impedidas mercê da criação, pela própria população, de mecanismos compensadores capazes de ultrapassar dificuldades individuais e condicionalismos estruturais. A estes mecanismos poder-se-ia aplicar a

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Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

designação de "estratégias de subsistência". A emigração, a pluriactividade / plurirrendimento, a inter-ajuda e as relações de vizinhança, têm sido situações e práticas comuns nesta região, constituindo amortecedores perante condições que determinam situações de profunda e extensa privação. Funcionando, muitas das vezes, em complemento mútuo, estas estratégias têm permitido aos agregados familiares um reforço dos seus rendimentos. Convirá ainda referir que, na maior parte dos casos, estes mecanismos só se compreendem num contexto familiar comum em meios rurais, onde cada indivíduo enquanto tal só tem sentido como membro de um grupo familiar em que se insere e no seio do qual desempenha um papel específico, nomeadamente a nível económico. 2.2.2. Estratégias e Organização O Projecto AM 23 foi concebido e submetido à inclusão no Pobreza 3 por uma instituição privada não lucrativa - o Movimento de Solidariedade Rural (MSR) - na sequência de um processo de animação social que este movimento havia desencadeado numa das freguesias posteriormente contempladas na área de intervenção: Cortes do Meio. Após um trabalho prévio de estudo e diagnóstico sobre a zona em causa, e perante a constatação de situações profundas de pobreza e exclusão social (cfr. ponto 2.2.1.), procurou-se no seio do Projecto delinear um programa de acção que, derivando directamente da filosofia de base do Pobreza 3, estabelecesse objectivos programáticos orientadores da intervenção a implementar (Quadro 4). Assim, o objectivo genérico e objectivos específicos delineados reflectem os principais objectivos do Programa que enquadra a Acção Modelo 23, no sentido da contribuição para a implementação de medidas preventivas em favor de grupos desfavorecidos, numa perspectiva multidimensional apoiada em modelos de organização participada. De igual modo, estão contemplados os três princípios de base do pobreza 3: multidimensionalidade, partenariado e participação. Estes objectivos serão por sua vez traduzíveis em actividades concretas abrangendo distintas áreas temáticas: diversificação das actividades produtivas e melhoria das existentes; fomento da formação básica e formação profissional; incentivo de novas práticas organizativas reforço das existentes; ordenamento espacial; reforço do dinâmica cultural; acesso a bens e serviços.

Quadro 4 Projecto "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento" (AM 23)

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Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

OBJECTIVO GENÉRICO

* Introdução de mudanças significativas no desenvolvimento local endógeno económico, social e cultural - com vista à melhoria da qualidade de vida na zona de intervenção, a partir da participação dos grupos menos favorecidos.

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS

* Participação da população, fundamentalmente dos grupos menos favorecidos, na análise dos seus problemas e necessidades, formas de os superar e acções a empreender nesse sentido. * Remoção das causas e mecanismos de pauperização pela estimulação de um desenvolvimento local endógeno, por forma a promover: - o aproveitamento das potencialidades locais através da diversificação da produção e melhoria da sua qualidade - a melhoria dos modos de inserção económico-social-cultural, nomeadamente através do fomento da formação básica e profissional, do associativismo e da generalização do acesso a bens e serviços. - reorganização do território local, designadamente ao nível da melhoria das acessibilidades e ordenamento espacial. * Responsabilização dos diferentes parceiros públicos (serviços técnicos e autarquias) e privados (organizações não governamentais e estruturas organizativas da população) nos projectos de desenvolvimento local. * Criar uma estrutura organizativa para assegurar a prossecução da dinâmica de desenvolvimento incentivada pelo Projecto, com capacidade para sustentar esta dinâmica para além da conclusão do mesmo.

METODOLOGIA

* Privilegia-se a metodologia da Investigação-Acção com vista à: - obtenção de conhecimentos sobre a realidade social. - formação de competências dos destinatários da acção. - inovação social na abordagem das situações, implementação de acções, potenciação de recursos e formas organizativas. - concertação dos diferentes intervenientes num constante processo interactivo. - avaliação do processo em permanente aferição dos efeitos da intervenção.

RESULTADOS ESPERADOS

* Aumento dos níveis de participação e das formas organizativas / associativas * Melhoria e diversificação das actividades económicas. * Implementação da formação profissional, adequada aos dinamismos sócioprodutivos locais. * Criação de postos de trabalho (por conta própria e em regime associativo) * Aumento da escolaridade básica exigida aos diferentes grupos etários. * Rentabilização dos recursos humanos e financeiros que decorrem da articulação das instituições intervenientes. * Captação das poupanças dos emigrantes para iniciativas geradoras de emprego * Fixação da população local.

- Fontes: - "Protocolo de acordo entre os organismos envolvidos na Acção-Modelo", 1 / 90 - "Aldeias de Montanha apostam no Desenvolvimento - Texto nº 2", Maio / 90 - "Relatório da 1ª Fase do Projecto - Março / Setembro 1990"

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Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

Quanto à metodologia, foi dado privilégio à Investigação-Acção enquanto forma inovadora de abordagem das situações de pobreza, de articulação entre práticas de pesquisa e de acção, e ainda de dinamização de lógicas de intervenção fundadas na participação e solidariedade. A definição dos resultados esperados pelo projecto denota preocupações não só de desenvolvimento económico e social, como igualmente de dinamização de estruturas associativas e de participação com capacidade para dar continuidade a um processo de desenvolvimento após a conclusão do projecto. Paralelamente à definição de objectivos, metodologia de intervenção e previsão de resultados, procurou-se o delineamento de uma estrutura orgânica com capacidade para implementar no terreno o plano de acção proposto, satisfazendo simultaneamente os princípios de multidimensionalidade, partenariado e participação. O organigrama proposto previa o envolvimento de três categorias de actores (técnicos, representantes de instituições e organismos públicos e privados, representantes da população-alvo) numa estrutura composta por cinco tipos de orgãos, com composição e funções específicas, articuladas entre si (Figura 15 e Quadro 5). Figura 15 Organigrama do Projecto AM 23

COMISSÃO DIRECTIVA

Conselho Permanente

Equipa Operacional

Grupos de Trabalho

C. L. D.

Fonte: - "Relatório da 1ª Fase do Projecto - Março / Setembro 1990"

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Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

Quadro 5 Projecto AM 23 - Estrutura Orgânica ORGÃO Comissão Directiva

COMPOSIÇÃO * Todos os organismos parceiros (autarquias, entidades regionais e locais, organizações não governamentais) convidados a integrar o projecto.

Conselho Permanente da Comissão Directiva

* Cinco membros eleitos a partir da Comissão Directiva: o Presidente e quatro vogais. Deve integrar, por direito, o representante do promotor da candidatura. * Chefe de Projecto, com funções de coordenação * Técnicos das áreas especializadas * Outros técnicos a convidar, por proposta do Chefe de Projecto ou organismos parceiros.

Equipa Operacional

Grupos de trabalho

Comissões Locais de Desenvolvimento

*Um técnico da equipa operacional, designado pelo Chefe de Projecto, com funções de coordenação. *Técnicos pertencentes aos organismos representados na Comissão Directiva * Outros técnicos a convidar * Técnicos da Equipa Operacional * Associações locais * Representantes dos grupos-alvo

FUNÇÕES * Funções de direcção e desenvolvimento do Projecto, de acordo com as orientações do Programa, de modo a: - garantir a conformidade das medidas aos objectivos e princípios estabelecidos - aprovar planos, orçamentos, relatórios e contas - propor à Comunidade e aos orgãos competentes os orçamentos e programas de acção - avaliar o grau de execução do Projecto - promover a adopção de medidas necessárias à melhoria da eficácia do Projecto - assegurar que as acções do Projecto sejam coerentes com outras medidas de desenvolvimento local e regional - cooperar com a Unidade Central, UID e outros orgãos nacionais - eleger o Presidente da Comissão Directiva e o Conselho Permanente - instituir a Equipa Operacional, sob proposta do Presidente da Comissão Directiva. * Assegurar a gestão financeira e administrativa do Projecto * Dirigir e acompanhar o desenvolvimento do Projecto entre reuniões da Comissão Directiva.

* Funções de planeamento, execução técnica e auto-avaliação do Projecto: - assegurar a programação, execução e avaliação do Projecto, com autonomia técnica - apresentar relatórios e propostas à Comissão Directiva - fornecer à Comissão Directiva informação necessária ao cumprimento das suas funções - criar os Grupos de Trabalho e assegurar a sua articulação. * Execuções de acções em áreas específicas, no âmbito do Projecto e visando objectivos definidos pela Comissão Directiva.

* Funções de participação quer das estruturas formais quer da população-alvo do Projecto

Fonte: - "Relatório da 1ª Fase do Projecto - Março / Setembro 1990"

Com funções de direcção e desenvolvimento do Projecto, a Comissão Directiva estava composta por um conjunto de instituições e organizações convidadas pela entidade 105

Análise crítica de uma prática de I.A.: o Projecto AM 23

promotora a integrar o AM 23 em situação de partenariado. Os organismos envolvidos são de quatro naturezas: autarquias, entidades regionais, entidades locais e organizações não governamentais (ONG's). Esta Comissão Directiva seria directamente apoiada em funções de gestão por um Conselho Permanente composto por membros da primeira. Por sua vez, a Equipa Operacional assumiria no essencial as funções de planeamento, execução técnica e auto-avaliação, procurando-se, na sua constituição, a integração de especialistas e técnicos de "terreno" com formações e experiências distintas, numa lógica de interdisciplinaridade. No que respeito aos Grupos de Trabalho, estava previsto serem criados em torno de áreas temáticas pertinentes, coordenadas pela equipa operacional. Entre outros objectivos, entendiam-se como espaços que permitiam o alargamento do partenariado além das funções políticas e de gestão, abrangendo igualmente funções de pesquisa e intervenção. Finalmente, as Comissões Locais de Desenvolvimento obedeceriam a uma lógica territorial, espaços privilegiados de dinamização de uma participação quer das estruturas formais quer das estruturas informais que representam uma população, em articulação com as outras entidades do Projecto.

3 - Análise do processo de implementação de uma metodologia de I.A. A descrição dos contextos enquadradores e justificadores do Projecto, do programa de acção delineado perante esses contextos e da estrutura orgânica definida, é condição importante para uma primeira percepção da natureza e traços fundamentais do Projecto AM 23. Contudo, é pela análise do processo (estratégias implementadas e estrutura organizativa efectivamente criada) e consequentes impactos que se pode aferir do real valor e eficácia desta Acção Modelo enquanto iniciativa privilegiando uma metodologia de I.A. face a objectivos de intervenção em contextos de pobreza e exclusão social. No que diz respeito a uma análise do processo, dois pressupostos analíticos e uma hipótese de base sustentam a exposição que se desenvolve: - Como primeiro pressuposto, importa ter em consideração a posição defendida por M. Autés, segundo a qual "lutar contra a pobreza não é desenvolver lógicas de assistência, nem sequer pôr em causa a própria existência do sistema de protecção social. A luta contra a pobreza é uma luta pela reconquista da cidadania e da identidade social. Esta não se obtém unicamente pela ajuda monetária, mas por lógicas de intervenção social que põem

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em prática uma real política de solidariedade. É por isso que apela a uma recomposição do conjunto de papeis dos actores de política social..." (1986: 158). Posição esta que é igualmente assumida como filosofia de base no seio do Programa Pobreza 3, determinando princípios, objectivos e estruturas desta iniciativa. Como afirma O. Quintin, Chefe da Divisão "Segurança Social e Acções no Domínio Social" (DGV) da Comissão das Comunidades Europeias, "na medida em que a pobreza não pode ser reduzida à sua dimensão financeira e económica, a luta contra este fenómeno (...) exige a definição de uma aproximação global e coerente que determina as acções a empreender. (...) A implementação de tais estratégias de luta contra a pobreza necessita a mobilização de todos os actores afectados e a coordenação das suas actividades para maximizar os seus efeitos. Partenariado e multidimensionalidade são dois princípios independentes e indispensáveis para se atacarem os mecanismos geradores de situações de pobreza" (1993: 5). - O segundo pressuposto analítico tem por Zuniga, segundo a qual "apesar de o discurso da carácter inovador dos seus métodos, o significado aspecto técnico dos métodos empregados, mas sim

fundamento a afirmação de Ricardo I.A. versar frequentemente sobre o desta inovação não reside tanto no no questionamento dos pressupostos

ideológicos implícitos na investigação social habitual" (1981: 35). Perante uma questão controversa, o autor considera que tratar os participantes como sujeitos activos, afirmar a necessidade de uma partilha ampla e simultânea dos produtos da investigação ou defender o critério de utilidade para a comunidade, são aspectos que decorrem de uma postura inovadora da I.A. não tanto ao nível técnico-metodológico, mas sim no campo sóciopolítico. Reservando para o capítulo posterior um questionamento desta posição, ter-se-á em consideração como factor de análise da dinâmica do Projecto AM 23. - Enquadrada num programa experimental cujo objectivo é encorajar a inovação nas políticas de luta contra a pobreza, o Projecto AM 23 propôs-se implementar uma metodologia de I.A. tendo em vista um objectivo: a introdução de mudanças significativas no desenvolvimento local endógeno - económico, social e cultural - com vista à melhoria da qualidade de vida na zona de intervenção, a partir da participação dos grupos menos favorecidos. A hipótese de base a desenvolver é a de que uma análise do processo previsto e efectivamente implementado (estratégia e organização) aponta no sentido de que, no essencial, o projecto AM 23 não conseguiu efectivamente romper com uma lógica tradicional e intervenção, com efeitos visíveis ao nível dos impactos atingidos. Se no aspecto técnico-metodológico se revela uma incapacidade em implementar alguns dos

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procedimentos de uma metodologia de I.A., é fundamentalmente no aspecto sócio-político que o Projecto não consegue ultrapassar as disfunções e bloqueamentos de uma lógica assistencialista de luta contra a pobreza.

3.1. Estratégias para uma prática inovadora A análise dos procedimentos operatórios efectivamente implementados pelo Projecto AM 23 ao longo do período em causa revela desde logo uma primeira constatação a merecer particular atenção no quadro da análise que aqui se pretende desenvolver: um esforço relativamente conseguido no sentido de integrar algumas das dimensões de base de uma metodologia de I.A. nos procedimentos estratégicos desencadeados, potenciando uma mudança ao nível das práticas de intervenção. Três aspectos justificam a afirmação: A) A efectivação de uma dinâmica de interacção entre investigação e acção, integrando as duas lógicas Num programa essencialmente vocacionado para a "definição e experimentação de métodos apropriados de luta contra a pobreza" as actividades de estudo e pesquisa sobre as situações de pobreza e exclusão social foram repartidas por dois "patamares". A cargo da Unidade Central ficou a responsabilidade de desenvolver um programa de investigação, procurando responder do ponto de vista teórico a questões sobre os mecanismos que produzem a pobreza, a exclusão e a marginalização, e sobre os meios mais apropriados para lutar contar estes fenómenos (Pobreza 3, 1991). Tendo por ponto de referência os conhecimentos daí decorrentes, coube aos projectos locais a definição e concretização de procedimentos de investigação com os objectivos de identificar e "medir" os fenómenos locais de pobreza e exclusão social, analisar os processos e mecanismos que produzem e reproduzem esses fenómenos, recolher informação sobre as experiências, necessidades, prioridades e aspirações da população local, e ainda identificar as zonas-chave de actuação em cada projecto (Hoven, 1993: 135-136). Tendo presente a prossecução dos objectivos referenciados, a estratégia de investigação definida no âmbito do Projecto AM 23 aproximou-se de um modelo de "investigação na/pela acção", explorando as vantagens decorrentes deste modelo quanto a uma maior e mais eficaz articulação com as práticas de intervenção. Para além de possibilitar uma leitura mais integrada e globalizante da realidade em causa, com recurso simultâneo a referenciais teóricos e praxiológicos, foi igualmente objectivo um maior rigor

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na adequação entre orientações definidas pela investigação e a prática efectiva de intervenção 35 As vias seguidas para esta articulação entre práticas de investigação e intervenção poderão ser resumidas em dois tópicos essenciais: i) Uma cooperação efectiva entre técnicos envolvidos em cada uma das dinâmicas. ii) A implementação de um faseamento que contemplava em simultâneo actividades de pesquisa e acção. Quanto ao primeiro aspecto, dois cenários foram criados e implementados de modo sucessivo no sentido de consolidar a cooperação entre técnicos tradicionalmente com orientações e formações distintas. Durante a fase de diagnóstico e planificação da acção, constituiu-se uma equipa operacional única, com o propósito de desenvolver um trabalho conjunto de conhecimento da realidade e definição de um plano de intervenção, simultaneamente apoiado pelo recurso a especialistas externos responsáveis por estudos específicos em áreas consideradas pertinentes pela equipa. Nas fases seguintes optou-se por uma divisão na equipa operacional: a uma sub-equipa, composta por técnicos com formação na área da intervenção social, foram atribuídas as responsabilidades específicas de intervenção: a outra, ligada ao CEDR / UBI, coube a tarefa de aprofundamento das reflexões teóricas já iniciadas em torna das questões locais de pobreza e exclusão, bem como a dinamização de procedimentos avaliativos. Não descurando as necessárias articulações entre as duas sub-equipas, reforçou-se uma especificidade de funções numa lógica de complementaridade. Em relação ao faseamento definido para a intervenção, as etapas estabelecidas seguem de perto os momentos de uma dinâmica de I.A.: diagnóstico e planificação da acção, implementação, avaliação, definição de novos conhecimentos. Neste processo, a investigação surgiu como instrumento indispensável em três dimensões /momentos fulcrais da acção:  na elaboração do diagnóstico sobre os contextos locais geradores de pobreza e exclusão social, assim como os grupos de população mais afectados, conduzindo à consequente apresentação de um conjunto de propostas para uma intervenção (AM 23, 1990b, 1990d; Duarte, 1990; Silva, 1990).  na definição e implementação de procedimentos de avaliação, contemplando mecanismos de retroacção em relação à acção 36. A este nível foram objectivos 35

- James Walsh (1992: 5-6) lembra as dificuldades de, num modelo de "pesquisa tradicional", se estabelecer a transição para a acção: os relatórios de pesquisa geralmente não contemplam a análise das implicações para uma acção das descobertas realizadas, não procuram aferir da real aplicabilidade das propostas feitas, ou ainda o facto de elaborarem as propostas para a acção, sem o necessário "input" da parte dos técnicos de "terreno". 36

- Ver ponto 3.3.3. do cap. 2, onde é apresentado o modelo de avaliação adoptado pelo Projecto AM 23.

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não só articular uma auto-avaliação com uma hetero-avaliação, aproximando as práticas avaliativas das práticas de intervenção e envolvendo toda a equipa operacional nesta dinâmica, como também desenvolver uma pesquisa avaliativa37 na procura de modelos avaliativos adequados à realidade específica do Projecto AM 23 (AM 23, 1990d).  no prolongamento das acções de estudo e conhecimento ao longo do desenvolvimento do Projecto, aproveitando as informações decorrentes da intervenção para uma melhor aferição das realidades da pobreza e exclusão social enfrentadas pelo mesmo (AM 23, 1993a, 1993b). B) A programação de estratégias de intervenção territorial, apoiadas numa lógica de acção multidimensional. Perante a complexidade do fenómeno da pobreza, foi preocupação da equipa operacional do Projecto AM 23 implementar um programa de acção que não surgisse como um conjunto de actividades dispersas e independentes, mas sim constituído por estratégias formando entre si um corpo coerente, complementando-se e reforçando-se mutuamente numa perspectiva de multidimensionalidade. Quadro 6 Matriz de relações entre objectivos intermédios e objectivos genéricos (classificadas em muito fortes , fortes  e médias ) Objectivos genéricos Diminuir situações actuais, prevenir -----------------------Objectivos intermédios situações futuras

Melhoria da qualidade Generalização do de vida das populações acesso a bens e serviços

Criação de uma dinâmica de desenvolvimento

Diversificação das actividades produtivas

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Melhoria do acesso a bens e serviços

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Melhoria da formação básica e profissional

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Reforço da dinâmica cultural





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Lançamento e dinamização do movimen to cooperativo

37

- Considera-se a definição de Mancho e Fernandez, segundo a qual pesquisa avaliativa é "... examinar como se desenvolve o processo avaliativo, de constatar o bom / mau fundamento da avaliação feita, o questionamento sobre as metodologias e técnicas empregadas, a verificação da adequação entre a realidade social e as estratégias postas em prática para a modificar, etc.. Em suma, uma avaliação da avaliação, fora de um qualquer projecto" (1993: 178).

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Estudos e auto - avaliação





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

Esta preocupação é visível em algumas das dimensões do trabalho desenvolvido:  a definição do programa de acção a partir das articulações possíveis entre objectivos genéricos e objectivos intermédios, e entre estes e as acções a implementar, de que a matriz apresentada é um exemplo (Quadro 6)  a implementação de acções com ligações entre si e proporcionadoras de um reforço mútuo em termos de efeitos; do mesmo modo, a afectação de vários grupos-alvo em simultâneo.  o reforço das acções desenvolvidas junto de grupos específicos com outras acções englobando simultaneamente vários grupos-alvo ou a comunidade em geral. C) A definição de uma estrutura organizativa propiciadora da dinamização de práticas de partenariado e de participação activa da população. A definição da estrutura organizativa obedeceu não só ao interesse em operacionalizar uma metodologia de I.A., como igualmente teve em conta os princípios de base do Pobreza 3. Procurou-se o envolvimento de um conjunto de organismos parceiros de naturezas distintas e potenciadores de um alargamento da base de intervenção do Projecto, convidando-os a integrar orgãos com funções não apenas políticas (Comissão Directiva) mas igualmente de pesquisa e intervenção (equipa operacional e grupos de trabalho (Quadro 5). Por outro lado, definiram-se orgãos (Comissões Locais de Desenvolvimento) propiciadores de uma participação activa dos grupos-alvo em todas as dimensões e momentos do projecto, em estreita cooperação com as outras categorias de actores envolvidos (Quadro 5).

3.2. A necessidade de uma recomposição sócio-política Os aspectos atrás referenciados são indiciadores de avanços no sentido da implementação uma metodologia de I.A., no quadro de objectivos de intervenção inovadora perante as questões de pobreza/desfavorecimento. Contudo, em paralelo, o Projecto AM 23 revelou importantes lacunas na sua estratégia global, não só no campo técnico-metodológico mas sobretudo a um nível sóciopolítico.

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No campo técnico-metodológico são de assinalar incapacidades na concretização de determinados procedimentos fundamentais de uma I.A., como sejam a não dinamização da dimensão "formação" (um dos pólos do triângulo de base da I.A.) e a não concretização no terreno de uma dinâmica efectiva de partenariado e participação. Por sua vez, no aspecto sócio-político assistiu-se a uma ineficácia na redefinição das posições e papeis dos actores envolvidos, no contexto de uma acção que se pretendia distante dos modelos de acção assistencialista. Recordando que, à luz dos pressupostos apresentados como base da exposição, "a luta contra a pobreza apela a uma recomposição do conjunto de papeis dos actores" (Autés) e o carácter inovador da I.A. resulta essencialmente de uma postura inovadora no campo sócio-político (Zuniga), poder-se-á pensar que o Projecto AM 23 não conseguiu impulsionar a mudança nos modelos instituídos de intervenção assistencialista e instrumental perante as questões da pobreza. Desenvolvem-se alguns argumentos que sustentam estas afirmações, permitindo simultaneamente uma compreensão dos principais obstáculos enfrentados pelo Projecto na consecução de uma metodologia de I.A.. 3.2.1. O papel das instituições numa lógica de partenariado Numa consulta aos relatórios de actividades, relatórios de auto-avaliação, de heteroavaliação e outros documentos elaborados no Projecto AM 23, é amplamente consensual a ideia de que o exercício do partenariado no seio deste Projecto resultou num processo complexo, atravessado por conflitualidades de nem sempre fácil solução. Desenham-se igualmente nos referidos documentos os contornos da dinâmica desencadeada em torno do envolvimento dos parceiros:  Tendo sido definida na proposta inicial de uma Estrutura Orgânica a constituição de grupos de trabalho enquanto espaços que permitiriam um alargamento do exercício do partenariado para além de funções políticas e de gestão, este orgãos nunca funcionaram na realidade, alegadamente devido a um fraco empenhamento da parte dos parceiros.  Os relatórios de actividades e de avaliação permitem constatar que a participação dos parceiros se resumiu quase exclusivamente a tomar assento nas reuniões da Comissão Directiva, com funções essencialmente "políticas" e não assumindo um protagonismo nas acções no terreno. Ao contrário, o registo de participação de entidades exteriores nas acções implementadas refere apenas instituições locais (associações desportivas e culturais, IPSS's) que não detinham estatuto de parceiros nem representação na Comissão Directiva. A excepção vem das Juntas de Freguesia.

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 Alguns relatórios de auto-avaliação expressam a dificuldade em obter apoio financeiro, humano e material da parte dos parceiros.  Finalmente, nos relatórios periódicos de actividade reflectem o que foi uma ausência de articulação entre acções desenvolvidas pelo Projecto e outras, da responsabilidade dos parceiros. O cenário descrito, mais do que revelar dificuldades pontuais demonstra a inexistência de uma dinâmica de partenariado no âmbito do Projecto AM 23. Por um lado, assinala-se uma ausência de coordenação de esforços e envolvimento real dos parceiros na dinâmica do Projecto, confinando-se a um papel político e, eventualmente, de financiadores. Por outro, verifica-se a inviabilização de uma articulação interinstitucional necessária à implementação de estratégias multidimensionais. Importa questionar as razões deste facto. A crer nas explicações avançadas no relatório de actividades da 1ª fase do Projecto, "a análise das funções e desempenho de papeis dos parceiros não pode dissociar-se das condições histórico-institucionais da sociedade portuguesa" (AM 23, 1990d: 86). Assim, a fundamentação de uma ineficácia na implementação de um partenariado residiria em circunstâncias de natureza sócio-política externas e ultrapassando o âmbito do próprio Projecto, mas com efeitos internos sobre as instituições intervenientes, seu perfil, modos de funcionamento e relacionamento:  ausência de tradição de articulação interinstitucional, em termos de complementaridade de recursos e compatibilização de acções face à necessidade de resolução dos problemas. Nesta óptica, "a sua actuação pauta-se por medidas de política sectoriais, que não radicam em qualquer tipo de pesquisa sobre as necessidades locais, compatibilização de recursos nem de análise participada (AM 23, 1990d: 86).  políticas de descentralização limitadas a uma desconcentração dos serviços, sem a necessária criação de novos poderes e esbatimento de um poder central.  ausência de protagonização de um apelo a uma cidadania responsável por parte de uma administração pública que não interiorizou os direitos dos utentes.  um não reconhecimento na sociedade portuguesa da pluralidade de agentes sociais inerentes às sociedades democráticas, impedindo um relacionamento em termos igualitários entre os domínios público/privado. Se no seio do AM 23 se avançava primordialmente com explicações de ordem estrutural, José M. Henriques, elemento da UID portuguesa, ao reconhecer importantes crises enfrentadas por todos os projectos nacionais no exercício de um partenariado, põe

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ênfase nas dificuldades de adaptação a uma lógica de partenariado por parte dos parceiros como forma de justificar esta crise (Henriques, 1993: 40-41) 38:  raciocínios territoriais e concepções distintas entre parceiros.  postulados contraditórios quanto ao papel a desempenhar no seio dos Projectos e Programa.  comportamentos deliberados no sentido de um reforço da sua "autonomia relativa".  tensões criadas pelos partidos políticos locais.  funções paralelas dos responsáveis da administração pública e partidos políticos.  desconhecimento por parte dos parceiros dos reais desafios do Programa na sua globalidade.  desequilíbrio entre um elevado número de parceiros em representação do Estado e uma minoria a representar os pobres.  dependência financeira das ONG's face ao Estado, aliada a uma ausência de diferença qualitativa por relação às actividades equivalentes das organizações estatais. De acordo com as razões apontadas, verifica-se entre a UID e a equipa operacional do AM 23 uma certa consonância de posições ao atribuir a não dinamização de um partenariado a fortes obstáculos institucionais à mudança, associados a uma tradição centralizadora e a um desconhecimento pelos parceiros dos objectivos do Pobreza 3, ou seja, obstáculos de índole essencialmente externa ao Projecto, inviabilizando uma cooptação dos parceiros para uma responsabilização activa. Contudo, não serão de olvidar um conjunto de factores inerentes ao próprio processo de desenvolvimento do AM 23 que terão igualmente contribuído para situação em causa. a) O primeiro dos factores reside na génese do Projecto. O Projecto AM 23 foi concebido e submetido à inclusão no Pobreza 3 por uma instituição privada com ténues raízes na área, insuficientes para lhe conferir um "status" social relevante. Como consequência, verificou-se que o Projecto foi preparado sem o necessário envolvimento 38

- Michael Cernea e Jane Lambiri-Dimaki defendem igualmente que as dificuldades de promoção da participação e/ou partenariado residem essencialmente em obstáculos de ordem estrutural e "adaptativa". Cernea (s/d: 86-93) faz referência a dificuldades sócio-políticas, burocráticas, técnicas e culturais: aparelhos burocráticos pesados e relutantes à mudança; velhos hábitos de burocracia, nomeadamente no privilegiar da apresentação de programas à população em vez de os discutir; constrangimentos de ordem cultural; e ainda conflitos entre técnicos e instituições que trabalham com as mesmas comunidades. Em relação a este último ponto, Lambiri-Dimaki (1985: 19-21) explica os conflitos e dificuldades de diálogo por factores objectivos e subjectivos: atitudes e percepções negativas face aos cientistas; diferenças de modos de trabalho; dificuldades de compreensão mútua, nomeadamente por uso de linguagens distintas; clima político e estrutura social de um país mais ou menos favorável.

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dos agentes sociais e políticos locais, gerando posteriormente situações conflituais quanto a relações de poder, papeis e funções a desempenhar. b) Como já foi referido (cfr. ponto 2.1. do cap. 3) um partenariado deverá partir de um acordo expresso entre parceiros, tomando a forma de contrato. Neste contrato, em que se definem papeis e funções, importa, segundo Béhar et Estèbe (1991: 23-24), estabelecer dois critérios: participação formal nos orgãos estatutários e grau de implicação, com uma maior atribuição de importância a este último. No caso do AM 23, se foram estabelecidas funções para cada um dos orgãos criados (Quadro 5), ficaram por concretizar atribuições quanto a formas específicas de participação de cada parceiro e respectivos graus de implicação. Em suma, nunca foi clarificada a posição de cada instituição, agravada com o facto de não terem sido operacionalizados determinados orgãos. c) De acordo com Offredi (1981: 87-88), numa I.A. o investigador (ou técnico) enfrenta e relaciona-se directamente com dois tipos de actores: os actores oficiais, que financiam o projecto ou assumem forte posição num sistema de relações de poder; e os actores que são designados pelo próprio objecto de pesquisa. Se os primeiros estão "obrigatoriamente" presentes num projecto, os segundos, por eventualmente não terem lugar nas relações de poder existentes, poderão ter dificuldades em assumir um lugar neste jogo complexo. Assim, segundo o autor, caberá ao investigador ajudá-los a negociar o seu próprio lugar nas relações de poder, sendo da sua responsabilidade ter em conta estes dois tipos de actores. No que diz respeito a esta questão, o partenariado do AM 23 caracterizou-se por dois aspectos: por um lado, verificou-se estarem maioritariamente representados na Comissão Directiva actores do primeiro tipo, em detrimento de actores "designados pelo objecto de pesquisa", nomeadamente representantes directos da população-alvo; por outro lado, assistiu-se a um maior protagonismo na acção por parte de instituições locais que não detinham formalmente o estatuto de parceiros. A conjugação dos dois aspectos poderá levar a concluir por fortes "desequilíbrios" na constituição da Comissão Directiva, com repercussões no tipo e grau de implicação na acção. d) Se, como refere J.M. Henriques (1993: 38-42) ou G. Abou Sada (1993: 59-62), uma das dificuldades enfrentadas pelos projectos integrantes do Pobreza 3 decorreu de concepções distintas entre parceiros, postulados contraditórios quanto ao papel a assumir ou falta de clareza nos objectivos, justifica-se a afirmação de Le Gall et Martin para os quais "... é inútil ver como e em quê se pode produzir a mudança (...) se não se efectuar em

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paralelo um trabalho visando reduzir ou abolir a separação existente entre as diferentes representações em presença" (1985: 119). Assim, ao não dinamizar a dimensão "formação", um dos objectivos/pólos fundamentais da I.A. segundo Kurt Lewin 39, o Projecto AM 23 comprometeu uma capacidade de conciliar interesses contraditórios, estabelecer padrões de acção grupal, desenvolver uma percepção de interesses colectivos e, em última análise, implementar o exercício de um partenariado. Este facto reflectiu-se não só ao nível do partenariado, mas também da participação efectiva da população no Projecto. 3.2.2. A participação dos grupos-alvo A concretização de uma dinâmica de participação foi naturalmente estabelecida como condição fundamental para o efectivo sucesso do Projecto AM 23 e cumprimento dos princípios programáticos do Pobreza 3:  Por uma lado, permitia uma maior eficácia e eficiência nas estratégias a implementar, ao conduzir a um melhor conhecimento dos reais problemas dos grupos-alvo, reforçar as garantias de que as acções desencadeadas beneficiariam efectivamente os grupos visados, e permitiria uma aferição mais rápida dos impactos conseguidos.  Por outro lado, como uma das dimensões principais de uma metodologia de I.A., é uma das bases de definição de procedimentos de intervenção inovadora face às questões da pobreza e exclusão social. A participação é ela própria um conceito ou princípio fundamental para compreender e ultrapassar os mecanismos de exclusão e marginalização, permitindo aos pobres o acesso a uma autonomia. Opondo-se a uma opressão, a participação será sinónimo de integração criativa e emancipadora de populações ou grupos excluídos, atribuindo-lhes poder e acesso a uma expressão cívica.  Pelo mesmo efeito de atribuição de poder e quebra dos laços de dependência, a participação é a forma pela qual se poderiam criar mecanismos que permitissem garantir a continuidade de uma dinâmica de desenvolvimento para além da conclusão do Projecto. Para que estes efeitos se produzam, mais do que envolver indivíduos ou grupos enquanto beneficiários directos de uma acção, importa cooptá-los igualmente para a efectiva prossecução das acções, assumindo o papel de agentes dinamizadores.

39-

Ver ponto 3.2.1. do capítulo 2, onde se desenvolvem as questões da formação.

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É neste ponto concreto que o Projecto AM 23 acaba por ficar aquém dos índices e grau de participação desejáveis. Uma leitura das estratégias implementadas ao longo dos quatro anos permite verificar que, se a acção da equipa operacional conseguiu pontualmente bons níveis de empenhamento da população (visíveis na dinamização de eventos culturais e outros), globalmente não se poderá falar de dinamização de uma participação activa da população, e em particular dos grupos-alvo, no Projecto. Os documentos consultados testemunham a afirmação:  No que se refere aos beneficiários directos das acções, será de registar que os números previstos no seu delineamento foram em certos casos efectivamente alcançados e, em outros casos, ultrapassados.  Contudo, uma auscultação feita à população durante o mês de Março de 1993 (ver guião do inquérito, anexo 5) revelou que uma parte significativa não conhecia sequer o Projecto AM 23. Surge assim que, para além dos beneficiários directos das acções que constituiam um número reduzido, existia, numa altura em que o Projecto tinha três anos de actividade, um preocupante desconhecimento das populações da zona de intervenção acerca das acções desenvolvidas, o que logicamente inviabilizava a sua participação nas mesmas e diminuia os impactos efectivos.  Esta participação revela-se ainda mais restrita quando se procuram referências a um empenhamento directo na dinamização de acções. Nos raros casos em que se conseguiu esse empenhamento, foi protagonizado por um reduzido número de indivíduos mais empreendedores, em cada freguesia, como dão conta os relatórios periódicos. Se é verdade que uma parte das razões deste fenómeno poderão radicar-se nas próprias características da população (baixo nível cultural e de habilitações literárias, forte individualismo, pouca experiência associativa), poderá igualmente pensar-se que a intervenção do projecto também não foi capaz de ultrapassar esses condicionalismos. Ilustrando este facto, as Comissões Locais de Desenvolvimento nunca foram activadas, os programas de acção sucessivamente apresentados não contemplavam medidas visando imprimir e facilitar uma dinâmica de participação, na Comissão Directiva não estavam representados de modo directo os grupos-alvo. Como consequência deste "imobilismo", os grupos-alvo acabaram por ser remetidos para a função tradicional de repositório de informação e objecto de pesquisa e intervenção, longe do objectivo inicialmente declarado de promoção da "participação da população, fundamentalmente dos grupos menos favorecidos, na análise dos seus problemas e necessidades, formas de os superar e acções a empreender nesse sentido".

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Se num outro ponto deste trabalho (cfr. ponto 3.2. do cap. 3) foram já avançadas algumas considerações acerca dos possíveis espaços e momentos de participação da população numa metodologia de I.A., bem como as vantagens daí decorrentes, uma questão ficou por analisar: como promover essa participação, rompendo com uma certa imagem que representa estas populações como incapazes de formularem as suas necessidades sociais ou participar activamente nas acções que lhes dizem respeito? Perante o contexto do Projecto AM 23, esta questão assume importância acrescida. Qualquer estratégia visando implementar uma "metodologia de participação" com capacidade para promover a integração das populações excluídas, a atribuição de um poder aos grupos facilitando o seu acesso a uma expressão cívica completa, a produção de um saber criativo e emancipador, passa, segundo M. Autés (1986) por três momentos fundamentais: a mobilização, a organização e a negociação. a) A mobilização poderá ser entendida como o embrião de uma consciência colectiva. Como afirma o autor em causa "lutar contra a pobreza é dar aos pobres uma identidade social, uma identidade de cidadãos. Não é preciso fazer reconhecer a pobreza mas desconstruir-lhe a representação" (Autés, 1986: 148). Assim, pela criação de grupos, pela dinamização de encontros, pela explicação a partir de situações concretas, é possível iniciar um processo de consciencialização colectiva que levará à participação. b) A organização será o modo de formalizar uma identidade. É um processo pelo qual se fazem entrar os excluídos numa relação social da qual haviam sido afastados, permitindo igualmente fugir a uma lógica de assistência individual. A organização é igualmente uma forma de adquirir poder. A formalização de grupos e seu reforço conduz progressivamente a exercícios de acção, pressão, reivindicação, negociação, aliança, desencadeando igualmente reacções institucionais e organizacionais (Ivanovic et Sommer, 1981: 135-136). Mas esta aquisição de poder poderá, por outro lado, gerar efeitos perversos, conduzindo a novas modalidades de exclusão: notabilização de lideres, desequilíbrios de poder entre grupos, etc.. Finalmente, se todas as formas associativas são possíveis, as formas jurídicas conferirão maiores possibilidades de reconhecimento social. c) Como faz questão de salientar Bernfeld (1981: 183), organização (ou associação) não é equivalente a participação. O referido autor lembra que a associação pode ser a embalagem que não altera em nada o conteúdo da acção, mantendo no essencial as formas de uma democracia representativa. A formalização de uma associação não se traduz, só por si, necessária e directamente em expressão de uma participação e aquisição de poder decisório. Para que tal ocorra, a associação ou organização constituida deverá ser envolvida

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numa dinâmica de negociação conjunta com outras instituições conducente à determinação de estratégias de luta contra a pobreza. Entendida como forma de discussão que permite transformações de uma realidade (negociar a habitação, o uso de equipamentos, as políticas de acção, etc.), a negociação é igualmente um meio pelo qual a identidade social de uma organização se consolida. Contudo, será de lembrar que esta negociação só será possível se as restantes instituições assumirem uma posição favorável. Numa relação em que detêm o poder, cabe-lhes em última instância a escolhar de negociar ou não. Em todo este processo de implementação de uma "metodologia de participação", a dimensão "formação" é a chave de uma dinâmica de integração da população. A formação, entendida não só como forma de transmissão de um saber, mas também e sobretudo como um meio de transformação de atitudes, conduz: à informação e explicação para uma mobilização, nomeadamente através do uso de técnicas grupais; à preparação e dinamização de formas organizativas, permitindo uma posterior autonomia dos grupos em relação aos técnicos quanto a aspectos de gestão ou de negociação com as instituições; ao estimulo de uma criatividade e emancipação, dinamizando nas populações um espírito de (o)posição crítica e reforçando o seu poder negocial. A par destes aspectos, a formação é igualmente um passo fundamental para o alargamento da base de participação activa da população, nomeadamente a áreas mais "críticas". Demonstra-o James Walsh ao apresentar a estratégia seguida pelo Projecto AM 16 no sentido de envolver a população-alvo no processo de pesquisa (Walsh, 1992: 1-4). Através de um curso de treino em métodos de pesquisa social, composto por sessões teóricas e trabalho prático, foi possível não só recrutar a população local para tarefas de recolha de informação e discussão, como também ultrapassar a tradicional desconfiança em relação à pesquisa, em particular quanto à relação investigador - investigados.

4 - Três anos de trabalho: um balanço Por toda uma série de razões, algumas das quais directamente relacionadas com a dinâmica de avaliação desencadeada ao longo do Projecto40, tornou-se particularmente - Um conjunto de factores inviabilizou uma avaliação precisa dos impactos decorrentes das acções do Projecto AM 23: a inexistência de observatórios de medição de impacto, bem como de baterias de indicadores objectivos e quantificáveis (com a excepção da quantificação dos beneficiários directos de cada acção especifica, quando possível); a impossibilidade de criar grupos de controlo ou "experimental designs" que permitam a medição de inferências causais precisas; a constatação de que uma parte dos programas / acções só terão resultados visíveis a médio ou longo prazo; o carácter qualitativo e abrangente de alguns impactos. 40

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difícil determinar com exactidão os impactos conseguidos pelo Projecto AM 23 na sua estratégia de integração económica e social das pessoas mais desfavorecidas, bem como na introdução de mudanças significativas no desenvolvimento local endógeno. Contudo, e porque o objectivo primordial desta exposição não é aferir quantitativamente impactos mas sim avaliar mutações que indiciem progressos no sentido da implementação de procedimentos inovadores de intervenção no quadro de uma metodologia de I.A., é possível extrair algumas conclusões a partir da análise do processo implementado (organização e estratégia), complementada por uma leitura das acções desencadeadas. E a conclusão mais significativa que decorre dessa análise é a de que os impactos atingidos pelo Projecto AM 23 (independentemente do seu significado e amplitude) resultaram essencialmente de uma estratégia de intervenção que se identificava fortemente com modelos tradicionais, não potenciando as possíveis eficácias decorrentes da aposta em procedimentos inovadores apoiados numa metodologia de I.A. e consequente operacionalização dos princípios de base do Programa Pobreza 3. O Programa Pobreza 3, apostado na definição e experimentação de métodos inovadores e mais eficazes de luta contra a pobreza e exclusão social, estabeleceu três princípios como fundamentais para atingir o objectivo em causa: multidimensionalidade, partenariado e participação. Por sua vez, o Projecto AM 23, por força de obstáculos de índole externa e interna, não conseguiu dinamizar no terreno qualquer um destes três princípios. Como ficou demosntrado no ponto anterior, a ausência de uma dinâmica de partenariado e participação limitou a visibilidade do Projecto, não permitindo ainda potenciar uma alteração nas posturas e papeis dos actores afectados, como forma de garantir uma implicação dos actores económicos e sociais, dinamizar uma lógica de solidariedade em alternativa a posturas assistencialistas e instrumentais. De igual modo, em relação com a ausência de um partenariado, não foi possível a concretização de um princípio de multidimensionalidade, que passaria necessariamente por uma articulação de esforços e recursos entre parceiros e no consequente reforço do efeito multiplicador decorrente dessa articulação. Como consequência, no conjunto de actividades desenvolvidas pelo Projecto AM 23 não não foi visível uma dinâmica capaz de introduzir mudanças significativas no desenvolvimento local endógeno, removendo as causas e mecanismos de pauperização. A nota de introdução feita no Boletim informativo "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento" à apresentação das acções desencadeadas (Quadro 6) é o primeiro reflexo de um conjunto de limitações ("impostas" ou reconhecidas) do programa de acção implementado quando confrontado com os objectivos iniciais do Projecto (Quadro 5) ao referenciar que "no âmbito do Programa e com o apoio de actores locais e regionais o

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programa de acção de desenvolvimento local assentou em dois eixos fundamentais: por um lado, a valorização profissional; por outro, a valorização dos recursos patrimoniais mediante iniciativas de promoção e rentabilização de recursos endógenos" (sublinhado nosso). Por sua vez, e tendo em devida consideração o significado amplamente positivo das acções desencadeada pelo Projecto em áreas pertinentes (educação, sensibilização, formação profissional, estudos e projectos experimentais, etc.), a leitura do conjunto de medidas implementadas, bem como a consideração do processo que enquadrou a sua efectivação, permite afirmar que não se exploraram na globalidade as vias possíveis para um desenvolvimento.

Quadro 6 As Acções do Projecto Aldeias de Montanha RUBRICA ACÇÕES Inovações no âmbito agro-pecuário Apicultura: - Sessões de esclarecimento - Constituição da associação "Apisestrela" - Organização e participação em feiras, jornadas e congressos - Curso monográfico de apicultura Floricultura e horticultura: - Implantação de duas estufas experimentais - Apoio a estudos e projectos de aproveitamento de resíduos florestais, Recursos Naturais e Ambiente energia eólica e outras - Dinamização de iniciativas para defesa de recursos florestais e meio ambiente. - Apoio à criação e dinamização de associações de produtores florestais - Dinamização de acções de formação profissional. - Elaboração do "Roteiro das Aldeias de Montanha" Turismo em Espaço Rural - Forum Aldeias de Montanha, Jornadas e participação em feiras. - Incentivo à criação de uma rede de alojamento particular. - Apoio a iniciativas de recuperação do património construído. - Apoio a projectos para zonas de lazer. - Acções de formação. - Implementação de um Centro de Recursos de Animação Local. Promoção Social - Acção de formação de dirigentes / funcionários de IPSS. - Alfabetização e formação pessoal dos idosos. - Promoção / apoio de um Centro de Convívio de Idosos. - Incentivo a programas de animação sócio-cultural - Acções de Apoio Pedagógico Suplementar Educação Para Todos - Apoio Alimentar a crianças em idade escolar. - Criação de bibliotecas - Sessões de informação e sensibilização Saúde Para Todos - Cursos de primeiros Socorros. - Formação nos domínios da Nutrição e Cuidados de Saúde.

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Dinamização Sócio-Cultural

- Apoio e planificação de actividades culturais - Apoio à criação e actividades de associações. - Acções de formação na área do jornalismo

Fonte: - Boletim Informativo "Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento", Fevereiro de 1994

Sem preocupações de exaustividade, verifica-se que não foram contemplados todos os grupos em situação de desefavorecimento, os parceiros não foram envolvidos numa acção concertada, não foram exploradas exaustivamente as articulações desejáveis entre acções, a visibilidade (pelo menos imediata) das acções implementadas é limitada, a eficácia e eficiência de algumas das experimentações desenvolvidas em torno da valorização dos recursos endógenos ou promoção de alternativas produtivas e oportunidades de emprego não foi suficiente colmatar as necessidades de uma população directamente afectada por graves crises em sectores-chave como os têxteis, o sector mineiro e a agricultura. De igual modo, a criação e dinamização de associações acabou por não promover condições de continuação de uma dinâmica de desenvolvimento para além da conclusão do Projecto, em parte devido aos baixos índices de participação activa da população e um grande desconhecimento em relação ao mesmo. Em suma, e sem que constitua uma excepção em relação a outros projectos nacionais de luta contra a pobreza e exclusão social, na estratégia de acção desencadeada pelo AM 23 surge como clara a inexistência de um padrão de intervenção que, reflectindo os princípios de uma metodologia de I.A., possibilitasse oferecer alternativas aos modelos tradicionais de luta contra a pobreza e exclusão social, promovendo a mudança tanto no aspecto técnico-metodológico como no aspecto sócio-político. Ao longo da exposição foram avançadas razões específicas para uma não dinamização dos princípios de participação, partenariado e multidimensionalidade. Procurando agora uma síntese das razões fundamentais para que o Projecto AM 23 não tenha sido capaz de impulsionar a mudança nos modelos instituídos de intervenção, serão de referenciar três pontos essenciais: 1) Ausência de capacidade técnica de base para dinamizar procedimentos inovadores de intervenção, acrescida de uma ausência de formação especifica, que não foi devidamente compensada por mecanismos de formação interna; 2) consolidação tardia pelo próprio Programa Pobreza 3 do real significado e importância dos seus princípios fundamentais; 3) Fortes obstáculos institucionais à mudança, associados a uma tradição centralizadora e a um desconhecimento pelos parceiros dos reais desafios do Programa, particularmente protagonizados pelos poderes públicos.

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1) Na procura de novos modelos de intervenção distintos de uma lógica de assistência e orientados para uma política de solidariedade e mobilização activa, é fundamental e inevitável uma redefinição dos papeis e funções dos especialistas e técnicos de "terreno", na medida em que neles estão cristalizados os princípios de uma lógica tradicional de intervenção. Entre outras questões pertinentes neste campo 41, importa perceber que a relação que se estabelece entre essa recomposição de papeis e uma dinamização dos princípios de participação, partenariado e multidimensionalidade é bidireccional: por um lado, estes últimos são operacionalizados na prática e decorrem directamente de novas posturas, novas orientações de intervenção, novas metodologias partilhadas pelos especialistas e técnicos; mas, por outro, condicionam, são os pontos de referência de base para a recomposição dos modelos e práticas de intervenção desses mesmos actores. Como afirma Lory, "a acção social exige que não se procure impôr um modelo social qualquer que seja, mas que permita aos interessados definir eles próprios um modelo que lhes parece o mais adaptado à satisfação das suas necessidades" (1975: 218). Assim, a redefinição de modelos exige dos especialistas e técnicos uma capacidade de preparação não só para dinamizar os princípios em causa, mas igualmente para se integrarem na dinâmica que deles decorre. E, neste contexto, a formação é um passo fundamental. Perante a constatação de um ainda reduzido conhecimento acerca das formas para atingir uma participação organizada da população, M. Cernea (s/d.) é um dos autores que advoga a necessidade de um esforço no sentido da produção de uma "metodologia de participação". A tecnologia social para uma participação precisa ser definida cuidadosamente e ser baseada em análises sociais e experimentações sociais prévias, fugindo a uma tendência para a improvisação com excesso de entusiasmo e falta de rigor na intervenção. Nesse sentido, mais do que "pesquisa social aplicada", é necessário um exercício de "engenharia social", conducente ao desenho de técnicas, metodologias de acção ou estruturas organizativas propiciadoras de uma dinâmica de participação. Igualmente importante será o treino, como forma de explicar e disseminar as metodologias definidas a toda a equipa: seminários de curta duração, cursos de treino, etc.. Tendo igualmente como preocupação a integração destes actores numa nova dinâmica e lógica de intervenção, Autés refere que " a formação permanente (...) poderia constituir o lugar de uma renovação das práticas e de novas elaborações teóricas e metodológicas, conduzindo a transformações internas, institucionais e políticas, necessárias para que o trabalho social se adapte ao novo contexto" (1986: 154). Adaptação esta que passa por uma recomposição dos papeis e funções dos investigadores (Offredi, 1981: 83) e 41

- cfr. ponto 2.3. do cap. 3 onde foi desenvolvido este tema.

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de técnicos de "terreno" ( Hiernaux, 1982: 22-23; Marchioni, 1987: 83), desenhando-se novos pontos de referência para uma intervenção social: sair dos despachos e serviços e chegar à rua; transformar serviços e prestações, de intervenções para a comunidade em intervenções com a comunidade; substituir modelos estáticos por modelos dinâmicos e participados. Fazendo a ponte para o Projecto AM 23, foi notória na sua intervenção a ausência de mecanismos e momentos de formação interna à equipa operacional, toda ela com uma "formação" clássica de base e com reduzida experiência de intervenção. Acresce o facto de a própria lógica de composição da equipa ter seguido padrões tradicionais, maioritariamente constituída por "trabalhadores sociais" e não explorando as vantagens de uma composição interdisciplinar. Os reflexos acabam por ser claros ao nível de uma ineficácia na definição de novos modelos de intervenção e de adaptação a novas exigências decorrentes dos princípios do Programa Pobreza 3. Mais ainda: perante mutações significativas na constituição da equipa operacional, foi reduzido o investimento numa preocupação em cristalizar a memória do Projecto em guias e manuais, por forma a acumular experiências e melhorar sucessivamente as estratégias de intervenção. 2) A procura de uma inovação nas estratégias de luta contra a pobreza e exclusão social constituiu-se como um desafio a enfrentar não só pelos Projectos mas igualmente pelas estruturas centrais que os suportavam. Neste quadro, coube à Unidade Central e à organização que a constituia (G.E.I.E. Animation & Recherche) um papel fundamental na dinamização e produção de conhecimento sobre os mecanismos genéricos que produzem a pobreza, a exclusão e marginalização, e consequentes meios para lutar contra estes fenómenos, traduzidos na aplicação dos princípios de multidimensionalidade, partenariado e participação. Através de colóquios, encontros temáticos, produção bibliográfica e relatórios, procurou-se disseminar pelos Projectos um corpo de saber decorrente de estudos encomendados a peritos, de análises comparativas e da consolidação de experiências particulares de cada Projecto. Contudo, pela sua natureza, a evolução do conhecimento estava directamente dependente do próprio desenvolvimento de Programa, o que faz com que, só a partir de 1992, seja possível referenciar na documentação distribuída aos Projectos locais uma profundidade de reflexão propiciadora de uma intervenção mais esclarecida por parte destes. Perante conceitos e princípios inovadores de intervenção, as instâncias centrais não conseguiram fornecer em tempo útil uma quantidade e qualidade de conhecimentos que possibilitasse aos projectos ultrapassar obstáculos e desconhecimentos na implementação

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dos princípios de base do Pobreza 3. No caso do Projecto AM 23, essa falta fez-se sentir com particular incidência. 3) Como foi várias vezes demonstrado ao longo desta análise, não pode ser imputada em exclusivo às instituições e poderes públicos a responsabilidade de uma não implementação de procedimentos alternativos de intervenção no seio do Projecto AM 23. Contudo, em simultâneo, é forçoso reconhecer a importância dos obstáculos decorrentes de um aparelho público burocrático pesado e com pouca capacidade de adaptação a novos modelos: resistências institucionais à mudança e inovação, uma forte tradição centralizadora, aliados a um desconhecimento pelos parceiros dos reais desafios do Projecto e do Programa. Somando-se a estas resistências, importa ainda referenciar a não existência de uma política alternativa de intervenção, uma vez demonstrada a própria ineficácia dos mecanismos tradicionais de intervenção do Estado, decorrente da crise crescente do "Estado Providência". Com efeito, reconhece-se que, como afirma António Lizana (1989), nos países de tradição centralizadora como são Portugal e Espanha, nas últimas décadas o sector público tomou para si grande parte da responsabilidade no combate às situações de pobreza e desfavorecimento. As suas funções têm-se vindo a desenvolver a um duplo nível: a) garantindo o funcionamento geral da economia com o fim de conseguir um impacto global que melhore a situação colectiva e, assim, se traduza numa redução da pobreza; b) realizando acções pontuais relacionadas directamente com o tema da pobreza, porém subordinadas ao primeiro nível. A chave do sistema, segundo o autor, repousava na fórmula "intervenção pública + mercado", um modelo que se tem vindo a revelar gradualmente incapaz de responder às situações colocadas. Assim, não só os modelos de intervenção próprios de um "Estado-Providência" se revelam inadequados e ineficazes, como igualmente surgem fortes obstáculos à integração em novas lógicas de intervenção. Por ambas as razões se exige uma actuação diferente das instituições e poderes públicos mais próxima de um modelo de intervenção solidária, regida por princípios de multidimensionalidade, partenariado e participação.

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Conclusão

CONCLUSÃO

Ao iniciar a conclusão da presente obra, importa ter presentes e reafirmar os objectivos colocados no seu início e que funcionaram como fio condutor do raciocínio desenvolvido. Objectivos estes que se centram em torno de dois tópicos fundamentais:  Por um lado, análise e reflexão sobre a metodologia de I.A., questionando a sua pertinência e percepcionando o seu carácter inovador por relação a outros procedimentos metodológicos de pesquisa aplicada e intervenção sociológica.  Por outro, análise das mutações decorrentes desta metodologia, em termos de uma redefinição dos princípios de uma prática científica e, fundamentalmente, quanto a uma recomposição dos papeis e funções das categorias de actores envolvidos em processos de desenvolvimento e mudança social. À luz dos propósitos referidos, a sistematização de algumas notas conclusivas decorre das análises desenvolvidas ao longoda obra, procurando, em simultâneo, perspectivar algumas reflexões que permitam avanços no esclarecimento da multiplicidade de incertezas ainda existentes em torno deste procedimento metodológico.

1) Contra as vozes e posições daqueles que, como afirma A. Teixeira Fernandes, "... recusam qualquer alteração da prática habitual, tendo por virtude o fechar os ouvidos ao canto de sereias que vem de direcções onde os caminhos parecem minados de perigos (...) reduzindo-se o que se chama 'investigação' a procedimentos mais ou menos ritualizados e onde os sacrifícios são feitos no altar do positivismo" (1992:18), a época actual tem vindo a ser marcada por profundas e inevitáveis mutações que, entre outros aspectos, conduzem à crítica das práticas tradicionais de investigação e produção científica. No quadro do que é designado por vários autores de pós-modernidade ou modernidade avançada, e sem negar a razão na busca do conhecimento, questionam-se os princípios positivistas do conhecimento e procura-se um alargamento dos procedimentos no campo da racionalidade formal. Abrem-se assim espaços para a definição de procedimentos metodológicos alternativos, onde se inscreve a I.A.. Pelo modo com se relacionam directamente com os aspectos inovadores de uma metodologia de I.A., três dimensões essenciais dessa mutação contextualizam e tornam pertinente a consolidação deste procedimento metodológico, a merecerem particular destaque:

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Conclusão

a) Em primeiro lugar, a emergência de novas concepções da modernidade, assentes na dualidade racionalização/subjectivação. Durante muito tempo, a modernidade foi definida e concebida como o triunfo da Razão sobre a vontade divina, a crença ilimitada na eficácia da racionalidade instrumental, o domínio do mundo tornado possível pela ciência e a técnica. Reagindo contra a definição da modernidade por um princípio único (a Razão), e alertando para as desordens enfrentadas pela própria racionalidade dominante, corporizadas na incertezas e perigos da ciência e tecnologia ou na emergência de totalitarismos, fundamentalismos, nacionalismos, diferencialismos, autores como Habermas, Giddens ou Touraine consideram a necessidade de se procurar uma nova concepção e interpretação dessa modernidade. Citando os dois últimos autores, assinala-se uma concordância quanto à concepção dos estádios actuais da modernidade não como uma unidade mas como uma dualidade, que para Giddens é a da globalização e auto-identidade (1991) e que Touraine interpreta como a da racionalização e objectivação (1993). Em ambos os casos se entende a modernidade avançada (Giddens) ou a nova modernidade (Touraine) como uma interacção constante entre o Sujeito e a Razão, a consciência e a ciência. Para o primeiro, vive-se um tempo em que a experiência privada de se ter uma identidade pessoal a descobrir se tornou uma força política subversiva de grandes proporções, para o segundo o mundo moderno é cada vez mais a vontade de um indivíduo de actuar e ser reconhecido como actor. b) Em segundo lugar, como foi analisado ao longo do Capítulo 1, a consolidação da I.A. está intimamente ligada à disseminação e aprofundamento de um número significativo de posições e modelos teóricos que, a partir da década de 60, se assumiram como críticos em relação aos modelos tradicionais de produção do saber científico. Por um lado, procura-se uma redefinição crítica dos princípios positivistas do conhecimento, oscilando entre o questionamento sem ruptura do paradigma em causa (o construtivismo racionalista), e o assumir de um dualismo epistemológico por parte das sociologias compreensivas. Por outro, posturas englobadas numa corrente de "ciência crítica" e "sociologia de intervenção", denunciam o carácter contemplativo da ciência e explicitam uma concepção pragmática do conhecimento. Na sua globalidade, estas posições e crítica ao paradigma positivista têm vindo a assumir uma cada vez maior importância no seio da comunidade científica, abrindo um espaço à discussão de pressupostos epistemológicos tomados como "intocáveis", nomeadamente em torno das relações entre teoria e prática.

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Conclusão

c) Finalmente, a I.A. encontra igualmente fundamentos reforçados nas dimensões social e política das mutações que caracterizam os estádios avançados da modernidade. Sumariam-se de um modo breve três aspectos 42 : Por um lado, é visível em determinados contextos uma crescente dinâmica da sociedade civil, assente no reforço das práticas de solidariedade e "prise en charge par le milieu". O ressurgimento de uma certa efervescência comunitária, o aumento das solidariedades na vida quotidiana (grupos, clubes, associações...), o aprofundamento das relações de rede e de associação, constituem-se como formas de os indivíduos enfrentarem a mudança e onde, como afirmam Beausoleil et al (1988) e Lalive D'Epinay (1989), paradoxalmente o individualismo descobre nas exigências da solidariedade as condições da sua realização. Entre práticas sociais de tipos e características distintas (beneficência, grupos de entreajuda, comunidades terapêuticas...), movimentos sociais (ecologismo, comunitarismo, mutualismo...) e escolas de pensamento (a convivialidade, a filosofia existencial), reforçase uma vontade de os indivíduos e grupos procurarem uma identidade pessoal e colectiva, lutando contra as forças abstractas do sistema. Em paralelo com este recrudescer das dinâmicas de solidariedade e envolvimento comunitário, assiste-se igualmente a um crescente número de pressões e iniciativas no sentido de se implementarem formas de democracia participativa associadas às formas habituais de democracia representativa. A título de exemplo, num relatório que pretende recensear iniciativas de desenvolvimento local, Rogério Roque Amaro (1992) dá conta de um conjunto de casos que, no nosso país, não só demonstram uma vitalidade e capacidade de empenho da sociedade civil como igualmente são exemplos das possibilidades de um partenariado "público-privado". Aos dois aspectos referidos, não será igualmente estranha uma recomposição das concepções actuais de desenvolvimento, o terceiro aspecto a recensear. Contra um paradigma "funcionalista" em que dominam os conceitos de crescimento polarizado associado a uma lógica de "centro-periferia", somam-se as posições em defesa de um modelo alternativo de desenvolvimento integrado (por alguns denominado de paradigma "territorialista"), onde os termos "identidade", "participação", "partenariado", "multidimensionalidade", "auto-organização" adquirem um sentido reforçado (Henriques, 1990; Braga, 1993). É neste contexto de mudança que a I.A. se consolida como procedimento metodológico alternativo, sugerindo, de algum modo, uma resposta no campo da ciência, e em particular da metodologia de pesquisa e intervenção, a estas mutações.

42

- Ideias desenvolvidas no Capítulo 3.

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Conclusão

2) Assumindo a diversidade de modelos que surgem sob a designação genérica de I.A.43 todos eles têm como traço comum associarem a uma redefinição dos princípios positivistas do conhecimento científico uma finalidade de mudança social, objectivos de mutação nas relações sociais subjacentes à produção desse conhecimento. Do ponto de vista científico/metodológico, mais do que um novo procedimento técnico, a I.A. traduz uma nova postura epistemológica perante o conhecimento e a acção, inscrevendo-se num conjunto de posições que se assumem como alternativas aos modos tradicionais/positivistas de investigação. A face alternativa da I.A. reside na definição de um novo suporte epistemológico que sustenta e ordena procedimentos técnicos, alguns dos quais herdados de contextos de ciências positivas. Por outro lado, como afirmam Yves Vaillancourt, S. Amegan e outros (in Goyette et Lessard-Hébert, 1987: 105-109), toda a I.A. tem fundamentos ideológicos, quer sejam de tipo conservador (K. Lewin) ou revolucionário/emancipador (P. Freire). Isto implica que a I.A. seja sempre entendida e situada num contexto de relações sociais, quer seja do lado das forças sociais dominantes ou do lado das forças sociais dominadas, e que não seja gratuita ou desinteressada mas sempre uma tomada de partido da parte dos especialistas e técnicos.

3) Contudo, como afirma Steffani (1984: 358), nem todas as aplicações de uma metodologia de I.A. têm por fim a libertação dos utentes a que se dirigem, a sua melhoria de vida, o seu acesso ao estatuto de sujeitos da sua vida quotidiana. Ao contrário, houve I.A. cujo fim foi reduzir os utentes, submetê-los a uma maior dependência. Assim, a par de um possível enquadramento numa posição conservadora de reprodução da ordem instituída, a I.A. constitui-se em procedimento metodológico inovador e alternativo quando associa a uma redefinição dos princípios positivistas da produção científica uma postura revolucionária / emancipadora. No campo sócio-político a I.A. deverá conduzir necessariamente a um questionamento das estruturas e relações sociais de poder, e à consequente recomposição das funções e papeis dos actores envolvidos num processo de pesquisa, intervenção e decisão. Citando M. Autés, "ou a I.A. é um sector dominado no interior do campo intelectual, concebido como uma ramo metodológico, ou então é uma outra prática da investigação que desfaz as lógicas estabelecidas, institucionalizadas, as partilhas oficiais do poder" (1985: 18). É à luz deste pressuposto que se poderá concluir que, ao não conseguir impulsionar a mudança nos modelos instituídos de intervenção assistencialista e instrumental perante as questões da pobreza, eles próprios reflexo de uma ordem sócio-política tradicional, o

43

- Cfr. ponto 3 do Capítulo 1

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Conclusão

Projecto AM 23 falhou no seu propósito de implementar no terreno uma metodologia de I.A. com contornos inovadores quanto a uma lógica de luta contra a pobreza e exclusão. Como ficou demonstrado ao longo do Capítulo 4, pesem embora alguns avanços positivos no sentido de integrar procedimentos técnicos de base de uma metodologia de I.A., o Projecto AM 23 não promoveu/provocou uma mutação na dimensão sócio-política que contextualizou a intervenção. A ausência de uma dinâmica de partenariado e participação, associadas a um princípio de multidimensionalidade, não permitiu potenciar uma alteração nas posturas e papeis das diferentes categorias de actores envolvidos. Como consequência directa, manteve-se no essencial uma postura tradicional de relação assistencialista sujeito - objecto, inviabilizando uma dinâmica inovadora na prossecução de uma lógica de solidariedade e na concretização de garantias de prolongamento de um processo de desenvolvimento para além da conclusão do Projecto. O projecto AM 23 não pôs em causa os pressupostos ideológicos implícitos na investigação social tradicional, comprometendo uma redefinição dos modelos instituídos.

4) A I.A. para ser inovadora/alternativa implica e traduz-se necessariamente numa mutação sócio-política ao nível das relações de saber e poder que enquadram uma intervenção. Contudo, não se trata forçosamente da substituição de um modelo "top-down" de decisão, investigação e acção, por um modelo "bottom-up" que atribui o poder em exclusivo às populações e coloca os investigadores, técnicos e instituições ao seu serviço. A par de modelos adaptativos e revolucionários, é igualmente possível um modelo "alternativo" que, redefinindo posições num quadro instituído de poder, procura desenvolver uma metodologia de participação onde todas as partes intervenham em pé de igualdade num processo que conjuga investigação e acção. Um modelo de flexibilidade que seja assente na negociação/discussão e fomentando uma cooperação solidária e positiva num quadro de horizontalidade. As competências e poderes específicos mantêm-se, apenas se reconhecem e reforçam mutuamente numa estrutura de partenariado.

5)

Que condições/chaves para a concretização do modelo definido? Assumindo que a inovação decorre de uma redefinição dos princípios da produção científica, associada a uma alteração nas relações sociais que a enquadram, a concretização de um modelo de I.A. implicará mutações nestes dois domínios. Explicitam-se as dimensões mais significativas dessa mutação: a)

No domínio científico:

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Conclusão

 Aceitação e implicação pelos actores da comunidade científica (especialistas e técnicos) em critérios e formas alternativas de conhecimento e produção científica, superando as práticas tradicionais de investigação e questionando a ciência "normal".  Os critérios e as formas alternativas fundam-se na confluência de uma redefinição crítica dos princípios positivistas do conhecimento científico e aproximação a formas "compreensivas" de conhecimento, com uma denúncia do carácter fundamentalmente contemplativo da ciência e explicitação de uma concepção pragmática do conhecimento.  Assim, a I.A. opõe (Goyette et Lessard-Hébert, 1987: 61-62):  a compreensão de uma situação e elaboração de "princípios de acção", à explicação por um modelo de lei geral.  a realização da acção (solução de um problema) na qual os especialistas e clientes se tornam co-produtores de mudança e conhecimento, à produção onde o investigador é o único perito e manipulador num mundo concebido como essencialmente passivo.  o pensamento conjectural às vias lineares de dedução e indução.  o empenhamento humanista do investigador, ao afastamento e neutralidade.  a acção à contemplação. b)

No domínio da ordem sócio-política: A I.A. será, por princípio, uma metodologia de participação potenciando um envolvimento colectivo e solidário de todos os actores implicados num processo de intervenção. Para que tal se verifique, cabe aos especialistas, técnicos e representantes de instituições (públicas e/ou privadas) com capacidade de decisão uma responsabilidade acrescida no sentido de se criarem redes de expressão e comunicação, de forma horizontal, assentes em princípios de participação e partenariado. A construção e consolidação destas redes implica:  A passagem de um modelo de democracia representativa a uma democracia participativa, ultrapassando-se as resistências de um aparelho público pesado e burocratizado à mudança e adaptação a novos modelos de partilha de poder. Cooperação com a população, conciliação de interesses contraditórios, desenvolvimento de uma percepção dos interesses colectivos, estabelecimento de padrões de acção grupal, são algumas das linhas de orientação que deverão constar dos modos de actuação do poder público.  A interiorização por parte dos investigadores e técnicos de uma nova postura epistemológica perante o conhecimento e a acção, reflectida em novas práticas que corporizam os princípios de participação e partenariado.

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Conclusão

 A instituição de formas e momentos de "coordenação" negociada entre as categorias de actores implicados, segundo uma lógica de partenariado, viabilizadores de uma participação activa da população. Para tal poderá contribuir uma recuperação das tradições de trabalho comunitário, o enquadramento e suporte das formas de solidariedade e empenhamento colectivo ensaiadas pela população, o envolvimento de novos parceiros, o reforço das competências e capacidade de decisão da população.  De igual modo, a importância do alargamento de uma dinâmica de participação a um conjunto de actores e grupos tradicionalmente excluídos dos circuitos de poder e não valorizados nos seus recursos e "apports". Será fundamental permitir-lhes o acesso a uma expressão cívica e a uma condição de plena cidadania. Enquadrando estas mutações, e no quadro do triângulo investigação-acçãoformação que caracteriza a metodologia de I.A., a dimensão formação adquire um papel preponderante, na medida em que é a via privilegiada para se conseguir a necessária recomposição dos papeis e funções dos distintos actores. Uma formação que não deverá ser apenas vocacionada para a população preparando-a para o exercício de formas de participação, mas igualmente uma formação pela qual especialistas, técnicos e representantes do poder político se adaptam aos novos contextos e modelos de pesquisa e intervenção.

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Anexos

ANEXOS

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Anexos

Anexo 1

Comparação entre a investigação social tradicional e a investigação - acção Processo

Investigação tradicional

Investigação - Acção

Formação requerida

* Conhecimento aprofundado das técnicas de análise (i.e. estatística) e das diversas metodologias de pesquisa. * Conhecimento das teorias explicativas no domínio de pesquisa em causa.

* Experiência de trabalho no meio. * Treino limitado em estatística e em metodologia de pesquisa. * Vontade de ir para além da intuição e do senso comum, e de proceder a uma análise critica e sistemática da sua prática.

Posição e papel do investigador

* Afastado da acção. * Analista ou consultor.

* Na acção. * Colaborador.

Objectivos da pesquisa

* O saber pelo saber. * Explicação e avaliação de uma situação geral. * Obter conhecimentos generalizáveis a grandes conjuntos da população. * Desenvolver e demonstrar teorias.

* O saber para o saber - fazer. * Conhecimento prático da dinâmica da acção e da mudança. * Obter conhecimentos aplicáveis a casos concretos, para melhorar uma situação de insatisfação.

Escolha do problema de pesquisa

* Identificado a partir de situações diversas. * Interesses pessoais do investigador. * Consulta de outros investigadores e "peritos". * Literatura e pesquisas anteriores. * Pedidos provenientes de comandatários que subvencionam a pesquisa.

* Identificado no próprio quadro do meio em causa. * Situação - problema identificada a partir de uma reflexão crítica sobre a prática.

* Hipóteses definidas à partida e deduzidas da teoria. * Referência a uma revisão da literatura para dar ao investigador um conhecimento aprofundado do problema e para que a pesquisa se situe no seguimento lógico dos conhecimentos já acumulados sobre o assunto.

* Questões conjecturais i.e. definidas no decurso do trabalho e induzidas da prática. * A análise da literatura é útil, mas centrada sobre a prática. * Importância da observação e da autocrítica.

Formulação da problemática análise do problema

e

134

Anexos

Processo

Investigação tradicional

Investigação - Acção

Hipóteses de pesquisa e variáveis

* As hipóteses de pesquisa são altamente específicas e operacionais * Devem ser verificadas pela experimentação. * Variáveis pouco numerosas provenientes do laboratório ou da teoria e submetidas a um controlo máximo.

* As hipóteses deveriam ser o mais específicas possível, mas na prática a definição do problema e dos objectivos da acção são suficientes para orientar a pesquisa. * Variáveis numerosas vindas "do terreno" e submetidas a um controlo mínimo.

Amostragem

* Amostragem representativa do população.

e da

* O colectivo da I.A. (investigadores, técnicos, população) compõe ele próprio a amostra da pesquisa.

Planificação da pesquisa

* Planificação detalhada antes de empreender a pesquisa. * Vários procedimentos de controlo para evitar riscos de erros e os desvios. * Recurso a instrumentos de medida científicos (validação, fidelidade).

* Planificação geral, mas o investigador sabe que não pode controlar tudo.

Tratamento e análise

* Valorização da análise estatística mais ou menos complexa salvo em alguns casos (i.e. análise qualitativa). * Resultado reintegrado em primeiro lugar na teoria, depois eventualmente na prática.

* Logo que seja possível, análises estatísticas simples podem ser feitas. * Mas a análise qualitativa é normalmente mais apropriada para determinar o valor dos resultados. * Resultado reintegrado em primeiro lugar na prática, depois na teoria.

* Aumento dos conhecimentos num dado domínio da pesquisa. * Resultados generalizáveis. * No plano prático, fraca utilização no meio.

* Aplicação directa no meio onde os resultados contribuem para a melhoria social. * A experiência adquirida é fracamente generalizável. * Utilização prática.

* Difusão geral e sobretudo escrita.

* Difusão, informação e formação. * Difusão dirigida e processos de retroacção. * Difusão escrita e audiovisual.

Conclusão resultados

Difusão

e

utilização

dos

aleatória conjunto

Fonte: BEAUSOLEIL, Jacques; GUÉDON, Marie-Chantal; LARIVIERE, Claude et MAYER, Robert (1988) Solidarités (Pratiques de recherche-action et de prise en charge par le milieu), Montréal, Ed. Boréal Express, pag. 223225

135

Anexos

Anexo 2 Técnicas Grupais Técnica grupal

Características

Para que serve

Limitações

MESA REDONDA

Exposições sucessivas de especialistas que têm diferentes pontos de vista acerca de um mesmo tema ou problema. Pode ou não ser seguida de discussão. Intervém um moderador.

Fazer conhecer um tema ou problema desde diferentes pontos de vista.

Corre-se o risco de que a discussão tenda a morrer.

SIMPÓSIO

Exposições orais de um grupo de indivíduos (4 a 6) sobre diferentes aspectos de um mesmo tema ou problema.

Proporciona informações sobre diferentes aspectos de um problema ou diferentes pontos de vista.

Não oferece oportunidade para a participação do público.

PAINEL

Um grupo de peritos dialoga perante o grupo em torno de um tema determinado.

Permite conhecer diferen tes formas de enfrentar ou considerar um problema.

Não oferece oportunidade para a participação do público.

FORUM

O grupo na sua totalidade realiza um debate aberto em torno de um tema ou problema. A participação de cada um reduz-se a 2 ou 3 minutos.

Permite que um número grande de pessoas manifestem os seus pontos de vista sobre um tema ou problema.

Geralmente participam os que têm mais hábito de o fazer ou os que não têm inibições.

PHILLIPS 66

Um grande grupo subdivide-se em grupos de 6 pessoas que tratam em 6 minutos a questão proposta. Depois realizase um debate comum.

Amplia a base de comunicação e participação. Torna possível a discussão e o intercâmbio de pontos de vista de cada um. Serve para que em pouco tempo se recolham sumariamente as opiniões individuais.

As participações são superficiais e frequentemente dispersas.

GRUPOS DISCUSSÃO

DE

Um grupo reduzido trata um tema ou problema em discussão livre e informal, conduzido por um coordenador.

Permite o intercâmbio de experiências, de diferentes pontos de vista, de conhecimentos, resolver problemas e eventualmente tomar decisões.

Número limitado participantes.

MÉTODOS CASOS

DE

Estuda-se um caso real, discute-se e tiram-se conclusões.

Estimula os pensamentos originais, incita às decisões.

A preparação de materiais é complexa e exige muito tempo.

136

de

Anexos

Técnica grupal

Características

Para que serve

Limitações

DRAMATIZAÇÃO

Representação de uma situação real pelos membros do grupo. Não se trata de "dizer" um problema mas "mostralo".

Ocasião para impregnarse de uma situação, possibilidade de estudar as relações humanas.

Necessita de um animador experimentado e de uma certa maturidade no grupo.

"ROLE - PLAYING"

Determinam-se os papeis característicos de uma situação - problema. O grupo estuda a conversação que mantêm os que representam os papeis, observando as relações que se estabelecem entre eles, repercussões no auditório e frases e gestos significativos. Abre-se uma discussão geral.

Permite analisar uma situação problemática para o grupo, revivendo os aspectos conflituais através das diferentes posturas com que se podem enfrentar.

Ao ser uma representação improvisada pode-se correr o risco de não mostrar como realmente são os papeis que intervêm. Não conduz à busca de soluções.

MÉTODO PROJECTOS

Estudo em comum de um problema e elaboração de uma solução.

Faz adquirir experiência e, em especial, desenvolve a capacidade de formular problemas e propor alternativas de acção.

Exige muito tempo e esforço para a sua preparação.

"BRAINSTORMING"

Um grupo pequeno apresenta ideias ou propostas em torno de uma questão, sem nenhuma restrição ou limitação

Estimula a capacidade criadora e serve para criar um clima favorável à comunicação e à promoção de ideias e soluções não convencionais.

Necessita de um coordenador de grupo muito treinado para organizar e sistematizar os diferentes contributos.

TEATRO - IMAGEM

Apresenta-se uma imagem (estátua) que expressa uma situação real que se quer modificar. O grupo forma a imagem (estátua) ideal. Os integrantes da estátua (o grupo) devem passar lentamente de uma estátua a outra tendo em conta a realidade. Discussão posterior.

Permite visualizar a passagem de uma situação-problema a uma situação que o grupo estima como ideal, tendo em conta o processo a seguir e as diferentes forças que actuam sobre ele. Estabelece-se um clima profundo de comunicação pessoal.

É necessário um "aquecimento corporal" prévio à formação das estátuas. Se os participantes estão muito inibidos a representação não seria real, bem como a discussão.

DE

137

Anexos

Técnica grupal

Características

Para que serve

Limitações

TEATRO - FORO

Semelhante ao teatroimagem mas incluindo o diálogo entre as personagens e a possibilidade de interromper o mesmo e modifica-lo quando um membro do grupo deseje, substituindo a dita personagem.

À utilidade assinalada para o teatro-imagem junta-se a possibilidade de maior participação e mais activa do grupo.

A preparação prévia requer muito mais tempo. Necessita de um coordenador perito.

SEMINÁRIO

Grupo reduzido que estuda intensivamente um tema em várias sessões nas quais todos participam compartilhando pontos de vista. É simultaneamente uma técnica de grupo e uma técnica de investigação.

Serve para aprofundar um determinado problema.

Supõe que os participantes tenham uma capacitação prévia para investigar.

CONFERÊNCIA

Exposição oral, que pode ser seguida de colóquio.

Proporcionar informação a muitos em pouco tempo. Transmitir conhecimentos de maneira sistemática. Também serve para motivar e persuadir.

Escassas possibilidades de participação por parte do grupo.

JORNADAS

Reuniões de estudo e trabalho nas quais participa um grupo que partilha uma problemática comum.

Servem para partilhar informação e instrução, analisar e resolver problemas.

Problemas de custo, na medida em que exige um regime de internato; problemas de tempo ao implicar da parte das pessoas um abandono total das suas tarefas habituais.

CONGRESSO

Reunião em que participa um grande número de pessoas.

Serve para tomar decisões, resolver problemas, trocar informação, etc..

Tendência para a passividade de uma parte dos congressistas.

ASSEMBLEIA

Reunião numerosa de pessoas convocadas para um fim determinado

É um meio para manter informados todos os membros de uma associação, para os implicar como parte da mesma e para que haja uma participação efectiva.

Tendência para a passividade da parte da maioria dos componentes da assembleia.

Fonte: ANDER-EGG, Ezequiel (1990) - Metodologia del Trabajo Social, México, Editorial "El Ateneo", 4ª Ed., pag. 168-170

138

Anexos

Anexo 3 GUIÃO PARA A DESCRIÇÃO / AVALIAÇÃO DE UMA ACÇÃO Notas prévias: 1 - O presente guião deverá ser preenchido para cada acção em curso. 2 - Sempre que possível, as considerações de carácter qualitativo deverão ser acompanhadas de indicadores observáveis e eventualmente mensuráveis. Guião 1 - Breve caracterização da acção: 1.1. Datas de início e de fim da Acção 1.1.1. Inicialmente previstas 1.1.2. A cumprir 1.2. Objectivos gerais e específicos da Acção 1.3. Actividades específicas desenvolvidas 1.4. Recursos envolvidos (pessoal, financeiro e material) 1.4.1. Pelo Projecto AM 23 1.4.2. Por outros parceiros 1.4.3. Por outras organizações, instituições ou projectos 1.4.4. Outros 2 - Multidimensionalidade 2.1. Nível de inserção da Acção no Projecto 2.1.1. Articulação com outras acções 2.1.2. Articulação com as estratégias globais 3 - Participação 3.1. Grau de envolvimento dos parceiros e outros na Acção 3.2. Grupos-alvo directamente visados 3.3. Número de pessoas directamente beneficiadas 3.3.1. Número inicialmente previsto 3.3.2. Número de pessoas já beneficiadas / envolvidas 3.3.3. Número esperado no fim da Acção ou efectivamente conseguido 3.4. Opinião da população / grau de aceitação 3.4.1. Especificação dos meios utilizados para auscultação da população 4 - Resultados 4.1. Resultados inicialmente previstos 4.2. Resultados conseguidos até ao momento 4.3. Principais desvios entre o esperado e o conseguido 4.4. Principais obstáculos enfrentados 4.4.1. Internos 4.4.2. Externos 4.5. Impacto 4.5.1. Influência da Acção no desenvolvimento social e económico local 4.5.2. Influência da Acção no desenvolvimento social e económico da região 4.6. Benefícios para a dinâmica global do Projecto 139

Anexos

5 - Outros indicadores / aspectos considerados importantes para a avaliação da Acção 6 - Observações

140

Anexos

Anexo 4 GUIÃO PARA A DESCRIÇÃO / AVALIAÇÃO DE UM PERÍODO 1 - Alterações mais significativas operados no contexto onde se desenvolve o Projecto AM 23 (políticas, sociais, económicas, culturais, etc..) 2 - Estratégias de luta contra a pobreza e exclusão 2.1. Grandes objectivos para o período 2.2. Estratégias efectivamente implementadas e sua articulação global 2.3. Recursos envolvidos (pessoal, financeiro e material) 2.4. Grau de cumprimento dos planos e prazos previamente estabelecidos 2.5. Situações conseguidas de articulação entre as acções do Projecto AM 23 e outras acções / projectos em desenvolvimento na zona 3 - Multidimensionalidade 3.1. Efeito de multidimensionalidade conseguido 3.2. Benefícios daí decorrentes 4 - Partenariado 4.1. Listagem de parceiros e outras organizações envolvidas nas acções, tipos e extensão do envolvimento 4.2. Importância do partenariado para a dinâmica do Projecto 4.3. Avanços conseguidos na experiência de partenariado 5 - Participação 5.1. Grupos-alvo envolvidos na acção durante o período 5.2. Participação da população 5.2.1. Tipo e extensão 5.2.2. Acções do Projecto com o fim de promover a participação 5.2.3. Sucessos conseguidos 5.2.4. Principais dificuldades 6 - Visibilidade 6.1. Acções para a promoção da visibilidade (local, regional e nacional) 6.2. Efeitos conseguidos 7 - Impactos 7.1. Resultados conseguidos 7.1.1. Principais discrepâncias entre os resultados esperados e os conseguidos 7.1.2. Principais obstáculos ao sucesso 7.2. Indicadores de melhoria efectiva das condições de vida dos grupos-alvo 7.3. Contributos do Projecto para o desenvolvimento económico e social local e regional 7.4. Impacto sobre as políticas e serviços públicos 8 - Previsão 141

Anexos

8.1. Estratégias que se prolongam para o período seguinte 8.1.1. Alterações a introduzir 8.2. Novas estratégias 9 - Observações

142

Anexos

Anexo 5 PROJECTO "ALDEIAS DE MONTANHA APOSTAM NO DESENVOLVIMENTO" INQUÉRITO À POPULAÇÃO 1 - O senhor / a senhora pertence a algum orgão autárquico ou associação com sede nesta freguesia? - Não |__| - Sim |__| Quais?____________________________________________________ 2 - Antes de vir a esta reunião, já tinha ouvido falar do Projecto "Aldeias de Montanha"? - Não |__| - Sim |__| 3 - Se sim, faça referência às acções de que tem conhecimento que foram realizadas pelo Projecto na sua freguesia: ___________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ 4 - Qual a sua opinião acerca da acção até agora desenvolvida pelo Projecto? (escolha a afirmação que lhe parece mais acertada) - Ainda não vi resultados do seu trabalho |__| - É positiva, acho que tem ajudado à melhoria das condições de vida da população |__| - É positiva, mas devia abranger mais áreas na sua acção |__| - As acções que tem desenvolvido só têm beneficiado alguns |__| - As acções desenvolvidas não têm vindo ao encontro das reais necessidades da população |__| 5 - O que pensa que a sua freguesia mais necessita para o seu desenvolvimento? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6 - Em sua opinião, que acções deveria o Projecto realizar tendo em vista a melhoria das condições de vida da população? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7 - Acha que a população da freguesia poderia ajudar o Projecto na sua acção? - Não |__| - Sim |__| Como?_______________________________________________________________ _____________________________________________________________________

143

Bibliografia

BIBLIOGRAFIA

144

Bibliografia

AA. VV. (1985) - Comm, nº24 (4/85) AA.VV. (1989) - La Pobreza en la España de los 80 ( VI Jornadas de Estudio del Comité Espanõl para el Bienstar Social ), Madrid, Acebo AA.VV. (1986) - Pour, nº 107 (Juin-Juillet-Août) AA.VV. (1989) - Recherche Sociale, nº 111, Juillet-Septembre AA.VV. (1981) - Revue Internationale d'Action Communautaire, nº 5/45, Printemps 1981 ABALLEA, François (1989) - "L'évaluation Qualitative: approche méthodologique", Recherche Sociale, nº 111, Juillet-Septembre, pp. 5-24 ALMEIDA, João Ferreira de e PINTO, José Madureira (1990) - A Investigação nas Ciências Sociais, Lisboa, Editorial Presença, 4ª Ed. ALMEIDA, João Ferreira et al. (1992) - Exclusão Social - Factores e Tipos de Pobreza em Portugal, Lisboa, Celta Ed. ALONSO, Manuel Sánchez (1987) - "Metodologia de la participación en la acción social", Documentación Social (Revista de Estudios Sociales y de Sociologia Aplicada, nº 69, Octubre - Diciembre, pp. 135-149 ALKIN, M.C. and ELLETT JR. F.S. (1990) - "Development of Evaluation Models", in H.J. Walberg and G.D. Haertel (ed.), The International Encyclopedia of Educational Evaluation, Oxford, Pergamon Press, pp. 15-21 AM23 (1990 a) - Aldeias de Montanha Apostam no Desenvolvimento - Doc. nº2, Covilhã, Junho / 90 (policopiado) AM 23 (1990 b) - Plano de Trabalho para o Projecto 'Aldeias de Montanha' para o Período de Janeiro a Junho de 1991 (2ª Fase), Covilhã, CEDR / UBI (policopiado) AM23 (1990 c) - Proposta de Regulamento, Covilhã, Fevereiro 1990 (policopiado) AM 23 (1990 d) - Relatório da 1ª Fase do Projecto - Março / Setembro 1990, Covilhã, Setembro 1990 (policopiado) AM 23 (1991 a) - Acções em Curso em Dezembro de 1991 / Acções Programadas até Março de 1992, Paúl, Dezembro de 1991 (policopiado) AM23 (1991 b) - Plano de Acção para a Terceira Fase (1 de Julho de 1991 a 30 de Junho de 1994), Paúl, 8 de Julho de 1991 (policopiado) AM23 (1991 c) - Relatório Final de Actividades e Auto-Avaliação da 2ª Fase, Paúl, Junho de 1991 (policopiado) AM 23 (1992 a) - Relatório de Avaliação / 3ª Fase do Projecto - 1 de Julho de 1991 a 30 de Junho de 1992, Covilhã, CEDR / UBI, Julho de 1992 (policopiado) AM 23 (1992 b) - Relatório de Avaliação / 3ª Fase do Projecto - Julho a Dezembo de 1991, Covilhã, CEDR / UBI, Julho de 1992 (policopiado)

145

Bibliografia

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