ALEM DA CURA: O PSICODRAMA NO ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO DE PACIENTES EQUIZOFRÊNICOS EM FASE RESIDUAL DA DOENÇA

June 3, 2017 | Autor: Antonio Grangeiro | Categoria: Psychology, Clinical Psychology, Psicología, Psicología clínica, Psicopatologia, Esquizofrenia
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ABPS - Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama

“Além da Cura” A Teoria Psicodramática no Acompanhamento Psicológico de Pacientes Esquizofrênicos em Fase Residual da Doença

Antonio Agrismar Tavares Grangeiro

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ABPS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICODRAMA E SOCIODRAMA

FORMAÇÃO EM PSICODRAMA CLÍNICO

“ALÉM DA CURA” A Teoria Psicodramática no Acompanhamento Psicológico de Pacientes Esquizofrênicos em Fase Residual da Doença

ANTONIO AGRISMAR TAVARES GRANGEIRO

SÃO PAULO 2007 (Revisado em 12/05/2016)

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ABPS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICODRAMA E SOCIODRAMA

FORMAÇÃO EM PSICODRAMA – Foco Psicoterápico

“ALÉM DA CURA” A Teoria Psicodramática no Acompanhamento Psicológico de Pacientes Esquizofrênicos em Fase Residual da Doença

ANTONIO AGRISMAR TAVARES GRANGEIRO

SÃO PAULO 2007

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Psicodramatista – Nível I, Foco Psicoterapêutico, na ABPS. São Paulo, 22/09/2007. Orientador: Armando Oliveira Neto.

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BANCA EXAMINADORA:

Antonio S. F. Pontes

____________________________

Rosalvo Pires

____________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos, a reprodução total ou parcial desta monografia.

DEDICATÓRIA Antonio Agrismar Tavares Grangeiro

22/09/2007

Dedico a todos que buscam ir para além da cura.

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Discurso na Cerimônia de entrega do Prêmio Nobel Estocolmo, em dezembro de 1994

“Sempre acreditei nos números. Nas equações e na lógica que a leva à razão. E após uma vida toda de buscas, pergunto: O que realmente é a lógica? Quem decide a razão? Minha procura me levou através do físico, do metafísico, do ilusório, e de volta. E fiz a descoberta mais importante da minha carreira. A descoberta mais importante da minha vida. É somente nas misteriosas equações do amor que qualquer lógica ou razão pode se encontrar. Só estou aqui esta noite por sua causa. Você é a razão de eu existir. Você é todas as minhas razões. Obrigado.”

John Forbes Nash *

* John Nash, Prêmio Nobel de 94, em seu discurso homenageia Alícia Nash, sua esposa, que a seu lado o ajudou por uma vida inteira a enfrentar a esquizofrenia e a continuar seu projeto de vida voltado à matemática. Declaração colhida do filme uma “Mente Brilhante” (2001).

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AGRADECIMENTO

Agradeço muito a muitos. Todos se sintam referidos aqui, mesmo que não nomeados. Aqueles que me ajudaram, aqueles que me ensinaram, aqueles que virão!

Em especial quero agradecer a minha companheira Cleide, pelo apoio amoroso e sincero.

Agradecimento especial também ao meu orientador Armando, pelo seu conhecimento vívido que me ampliou o horizonte e pela crença no meu trabalho.

Agradeço o Aparício e o Chaim, a unidade funcional modelo neste trabalho e o meu querido supervisor Rosalvo, disciplinado e motivador do meu melhor. Também agradeço a todos os professores que me fizeram crescer. Menção especial ao prof. Antonio Pontes, que junto com o Rosalvo aceitaram constituir a Banca Examinadora, que muito me honra.

Agradeço a minha querida família que sempre torce por mim. Aos amigos do curso de formação da ABPS, aos amigos da Braune Educação, e por último, mas não em menor importância, a paciente D., que me mostrou a dúvida, porque na dúvida crescemos!

Todos vocês fazem parte do meu todo.

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RESUMO

Este trabalho visa dar bases conceituais ao acompanhamento psicológico de pacientes esquizofrênicos em fase residual, combinando a teoria psicodramática a psiquiatria de forma interdisciplinar.

Para isto acompanhou-se o caso da paciente D. na clínica escola da ABPS (Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama - SP), sob supervisão no estágio do curso de formação de Psicodrama Clínico.

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ABSTRACT

This work aims at giving conceptual bases to the psychological accompaniment of schizophrenic patients during their residual phase, combining the Psychodramatic theory with Psychiatry in its interdisciplinary forms.

For this, the case of patient “D” was accompanied by in the ABPS (Brazilian Association of Psychodrama and Sociodrama) clinical school under supervision, during the probation period of the Clinical Psychodrama formation course.

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SUMÁRIO 1

INTRODUÇÃO PARA ESTE ENSAIO CIENTÍFICO

11

2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

12

2.1

BASES CONCEITUAIS SOBRE ESQUIZOFRENIA

12

2.2

TRATAMENTOS ANTIPSICÓTICOS

24

2.3

BASES PARA UMA INTERVENÇÃO PSICODRAMÁTICA

27

METODOLOGIA

40

3.1

TEORIA, TÉCNICA E INSTRUMENTO

40

3.2

A PACIENTE

42

3.3

NOSSA PROPOSTA DE ACOMPANHAMENTO

43

3

PSICOTERÁPICO – BLOCO 1 DE ATENDIMENTOS 3.4 4 4.1

APRESENTAÇÃO DAS SESSÕES

44

DISCUSSÃO / REFLEXÃO

61

ASPECTOS CRÍTICOS DESTE PROCESSO DE

69

ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO 4.2 5 5.1 6

MAPEAMENTO DAS SESSÕES

70

CONSIDERAÇÕES FINAIS

73

EPÍLOGO: NOSSAS RECOMENDAÇÕES

75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

76

APÊNDICE A: ANAMNESE PARA PACIENTES

78

ESQUIZOFRÊNICOS EM FASE RESIDUAL DA DOENÇA DADOS MÉDICOS SOBRE RISPERIDONA (RISPERDAL®; RISPERDON®; ZARGUS®)

81

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1. INTRODUÇÃO PARA ESTE ENSAIO CIENTÍFICO

Em maio de 2004 deparei-me com uma paciente atípica na clínica escola da ABPS (Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama). Atípica para mim, pois foi a primeira vez que atendi uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica. Foi assim que percebi que não havia aproveitado bem as aulas sobre psicopatologia na graduação. Então meu interesse neste trabalho foi baseado na idéia de promover uma contribuição, ainda que singela, para o acompanhamento psicoterápico de pessoas portadoras deste tipo de “anomalia psíquica”1 sob uma perspectiva psicodramática, correlacionando psiquiatria e psicologia.

O intuito aqui é apresentar uma análise que:

1.

Apure o conceito de esquizofrenia, o qual sofreu uma série de atualizações ao longo do tempo, e com isto ampliar a visão clínica do psicodramatista no trato destes casos;

2.

Identifique alternativas, dentro de uma abordagem psicodramática, que

possam

contribuir

eficazmente

no

acompanhamento

psicoterapêutico de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia em fase residual (posterior a fase ativa da doença).

Para discorrer sobre este trabalho levantei um total de 19 sessões individuais com paciente esquizofrênica em fase residual (sendo 10 sessões comigo como psicoterapeuta, sem ego-auxiliar e 19 sessões com unidade funcional – as quais não participei). As sessões foram todas supervisionadas no estágio clínico na ABPS.

Segundo Schneider, “Anomalias psíquicas são variações anormais do ser psíquico” (Schneider, Kurt, 1976, p. 21, 2ª ed. em português) 1

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Bases Conceituais sobre a Esquizofrenia

Um processo psicoterápico eficaz começa pelo começo. Pleonasmo à parte, eu quero dizer que um diagnóstico claro e correto é decisivo para o estabelecimento da subseqüente estratégia de intervenção. Foi assim que tudo começou em 24 de maio de 2004. A paciente sentou-se a minha frente e se apresentou como “esquizofrênica”, embora não estivesse em surto psicótico (fase ativa da doença). “E agora?” - pensei. Segui a anamnese 2 para colher as informações relevantes, avaliar um diagnóstico, e propor os objetivos da terapia. À medida que ela ia falando, inclusive dos seus delírios, afirmava (inúmeras vezes) que era esquizofrênica, que queria “tratar sua esquizofrenia”. Na supervisão seguinte meu caso recebeu prioridade para análise. Embora não tivesse contato com o psiquiatra da paciente, ou uma confirmação formal de seu quadro clínico de esquizofrenia, os relatos por ela apresentados, além de seu longo histórico na clínica escola da ABPS, levavam a ratificar o diagnóstico. A estratégia de intervenção adotada não foi tratar a doença (esquizofrenia), e sim focalizar o acompanhamento psicológico pertinente com relação aos aspectos saudáveis da paciente, para que ela pudesse lidar melhor com sua doença. Em outras palavras, nosso foco era a pessoa saudável que existia ali, com aquilo que havia se preservado em sua psique, apesar da doença. Esta orientação foi um alívio para mim, pois não me sentia competente, como psicólogo, para lidar com a doença esquizofrenia, no entanto, sentia-me capaz de me relacionar com a “pessoa” que estava a minha frente e ajudá-la, em alguma medida, a lidar com as limitações impostas por sua própria doença. Este breve relato foi para apresentar o problema que enfrentei como profissional em psicoterapia, ou seja, nossa deficiência em tratar com pessoas que apresentam quadros incomuns de personalidade, de lidar com os chamados

2

Como desconhecia o quadro clínico de esquizofrenia, a anamnese seguiu os padrões básicos orientados pela ABPS. No anexo 2, temos uma proposta de anamnese para pacientes esquizofrênicos.

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psicóticos e apresentar uma hipótese prognóstica de base sustentável que norteie a ação do psicodramatista. É sobre isto que transcorreremos neste trabalho. Um psicodramatista não é necessariamente um psiquiatra, mas é importante, para que possa lidar a bom termo com pacientes esquizofrênicos, que ele tenha o conceito adequado sobre esta doença, obtendo parâmetros teóricos que o aproximem da realidade do paciente. Neste caso, encontraremos na medicina psiquiátrica conceituações que poderão ao longo deste trabalho contribuir para intervenções psicológicas mais eficientes e eficazes. Para isto, gostaria de dizer que qualquer hiato entre psicologia e psiquiatria, sobretudo nestes casos, só poderia desdobrar-se em prejuízo para o paciente. Acredito que tanto a psicologia como a psiquiatria possam e devam alinhar-se de forma complementar. Assim sendo, o desafio inicial para o profissional psicodramatista é destituir-se de preconceitos científicos. É um erro acreditarmos que em ciência eles não existam. Do ponto de vista histórico, tratar a esquizofrenia nunca foi uma tarefa fácil. Primeiro que a doença inicialmente nem era tratada como doença. Depois, os tratamentos nos primeiros manicômios eram deveras caóticos, a ponto, por exemplo, de muitos pacientes morrerem de tuberculose. A primeira tentativa mais séria de estudo da esquizofrenia que se tem notícia só ocorreu em 1896, com Emil Kraepelin, que a chamou de “demência precoce”. Mas o prognóstico era desolador, pois fazia parte da conclusão diagnóstica que o sujeito apresentasse sérios sinais e sintomas de deteriorização psíquica, com alucinações, delírios, estereotipias etc, e fosse constatada sua incurabilidade. (5, p. 263) Foi Eugen Bleuler, em 1911 que “considerou a divisão da personalidade, mais que sua conseqüência, como característica da doença” (5, 263). Foi ele também que deu o nome “Esquizofrenia” (“mente dividida” em tradução literal), como síndrome abrangendo tanto uma dimensão nosológica como psicopatológica. Bleuler deu uma grande contribuição à psiquiatria ao dividir a classificação dos sintomas em primários e secundários. Primários: perturbações do afeto, de associação e volição, enquanto os secundários: alucinações, delírios, negativismo e estupor. Outra importante contribuição para o diagnóstico da esquizofrenia veio de Kurt Schneider, através do que chamou de sintomas de primeira linha, onde ele procura identificar “pensamentos audíveis, escuta de vozes discutindo; vozes comentando sobre as ações de alguém; sensação de influências atuando sobre o corpo (práticas

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somáticas passivas); fuga do pensamento3 e outras interferências no pensamento; percepção e sentimentos delirantes; impulsos e atos volitivos vivenciados (...), como comandados por alguém”. (5, p. 260) Dos primórdios dos estudos das doenças mentais até hoje muito se discutiu. Atualmente, tanto o DSM – IV (Diagnostic and Statistical of Mental Disorders – quarta versão), como a CID – 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados a Saúde; Décima Revisão), representam parâmetros descritivos para o diagnóstico da esquizofrenia4. Segundo o DSM - IV “os aspectos essenciais da Esquizofrenia são um misto de sinais e sintomas característicos” (17). A seguir apresentamos em resumo estes critérios. Comecemos então apresentando os sinais e sintomas característicos que envolvem uma faixa de disfunções cognitivas e afetivas (critérios A), sendo necessário o aparecimento de dois (ou mais) dos itens apresentados abaixo, cada qual presente por uma porção significativa de tempo durante o período de 1 mês (ou menos, se tratados com sucesso, dois -ou mais - dos seguintes), são eles: 1) Delírios: distorções ou exageros do pensamento inferencial, envolvendo a interpretação falsa de percepções ou de experiências. Os temas podem ser persecutórios, somáticos, religiosos etc; 2) Alucinações: distorções ou exageros da percepção, sua modalidade é sensorial. As alucinações mais comuns são as auditivas, ouvem-se vozes sejam elas pejorativas ou ameaçadoras; 3) Discurso desorganizado: frequente descarrilamento ou incoerência de idéias; 4) Comportamento amplamente desorganizado ou catatônico: podendo ser caracterizado desde o comportamento tolo ou pueril até agitação ou violência. Podem ser notados problemas de comportamento dirigido a objetivos, desdobrando-se em dificuldades no desempenho de atividades rotineiras como se alimentar ou manter a higiene; 5) Embotamento afetivo (percebido, sobretudo no rosto, onde a pessoa mostra pouca resposta motora facial e contato visual e linguagem corporal reduzida); alogia (pobreza do discurso) ou avolição (incapacidade de iniciar e persistir em atividades dirigidas a um objetivo).

3

Segundo nos consta, não se trata de “fuga do pensamento”, mas de “roubo do pensamento”.

4

Na época estas eram as edições do DSM e CID em vigor.

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A presença desta constelação de sintomas / sinais é chamada de Fase Ativa da Esquizofrenia, sendo considerados sintomas positivos os critérios A1 à A4 e negativos o critério A5. Importante salientar que apenas um sintoma do Critério A é necessário se os delírios forem bizarros ou as alucinações consistirem de vozes que comentem o comportamento ou os pensamentos da pessoa, ou duas ou mais vozes conversando entre si. O critério B diz respeito a observação da disfunção social / ocupacional do paciente. Ou seja, por uma porção significativa do tempo desde o início da perturbação, uma ou mais áreas importantes do funcionamento, tais como trabalho, relações interpessoais ou cuidados pessoais, estão acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início da doença (ou, quando o início dá-se na infância ou adolescência, fracasso em atingir o nível esperado de aquisição interpessoal, acadêmica ou ocupacional). O critério C refere-se a duração dos sinais e sintomas. Neste caso sinais contínuos da perturbação persistirem por pelo menos 6 meses. Este período de 6 meses deve incluir pelo menos 1 mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso) que satisfaçam o critério A (isto é, sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos (antes da fase ativa) ou residuais (posterior a fase ativa). Durante esses períodos prodrômicos ou residuais, os sinais da perturbação podem ser manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A presentes de uma forma atenuada (por exemplo, crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns). O critério D exclui os Transtornos Esquizoafetivos e Transtornos do Humor. O Transtorno Esquizoafetivo e o Transtorno do Humor com Aspectos Psicóticos foram descartados, porque primeiro: nenhum Episódio Depressivo Maior, Maníaco ou Misto ocorreu concomitantemente aos sintomas da fase ativa; segundo: se os episódios de humor ocorreram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve relativamente à duração dos períodos ativo e residual. Critério E: Exclusão de substância / condição médica geral. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por exemplo, uma droga de abuso, um medicamento) ou a uma condição médica geral. Critério F: Relação com um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. Ou seja, se existe uma história de Transtorno Autista ou um outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, o diagnóstico adicional de Esquizofrenia é feito apenas se

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delírios ou alucinações proeminentes também estão presentes por pelo menos 1 mês (ou menos, se tratados com sucesso).

Além disto, há a classificação do curso longitudinal ou especificadores de curso (aplicados apenas 1 mês após o aparecimento inicial dos sintomas da fase ativa) e refere-se a ocorrência de episódios dos sintomas e sinais. Por exemplo, o Episódio Com Sintomas Residuais Entre Episódios (episódios são definidos pelo ressurgimento de sintomas psicóticos proeminentes) dentre outros. O diagnóstico psiquiátrico pode apresentar como resultado final cinco tipologias possíveis: Tipo Paranóide, Desorganizado, Catatônico, Indiferenciado e Residual. Mas não vem ao caso esmiuçar mais a conceituação do que já propomos até aqui. Será fácil o leitor interessado obter mais informações ATUALIZADAS a respeito na literatura especializada. Espero que o leitor atente para o fato de que há uma complexidade muito grande em se diagnosticar um paciente como sendo esquizofrênico, tarefa esta, essencialmente médica. Qualquer dedução precipitada poderia facilmente incorrer num erro diagnóstico. Vamos colecionar mais alguns dados conceituais a respeito. O conceito de Esquizofrenia, segundo a CID – 10, é definido como aqueles transtornos psíquicos que “se caracterizam em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem o eco do pensamento, a imposição ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento, a percepção delirante, idéias delirantes de controle, de influência ou de passividade, vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa, transtornos do pensamento e sintomas negativos” (15). Pelo que pudemos ver, um diagnóstico de esquizofrenia é algo bem específico. Pela CID -10, só de subdivisão diagnóstica de esquizofrenia temos 9 classificações possíveis - dentre elas a paranóide, indiferenciada, catatônica etc (15). Outro aspecto importante é que quadros clínicos muito parecidos apresentados por pacientes podem suscitar dúvidas na hora da avaliação, e uma “psicose reativa breve” poderia ser diagnosticada, erroneamente, como esquizofrenia. O que queremos dizer com isto, mais uma vez, é que uma ação psicoterápica isolada, que careça de qualquer esclarecimento psiquiátrico no tratamento de psicóticos, é no mínimo aventureira.

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Prejuízo para a psicoterapia que não evolui, prejuízo maior para o paciente. O melhor, e mais sensato é um trabalho multiprofissional, onde o psicólogo deve pôr-se a par dos aspectos relevantes do quadro clínico, seja ampliando sua bagagem conceitual, seja principalmente mantendo uma relação profissional próxima com o psiquiatra que trata seu paciente, e caso o paciente não tenha acompanhamento de psiquiatra, orientá-lo para que procure por um. É muito importante a construção de uma relação profissional com base na confiança mútua. Um acompanhamento profissional interdisciplinar pode contribuir significativamente para a melhora da qualidade de vida da pessoa que nos procura. Se de um lado temos a importância de um diagnóstico acertado, de outro o paciente carece de um prognóstico o mais promissor possível. Sob a perspectiva do paciente, o prognóstico depende de uma série de fatores associados à doença que poderão favorecê-lo ou não. “Estes incluem bom ajustamento pré-mórbido, início agudo, idade mais tardia de aparecimento da doença, a ocorrência ou não de eventos precipitadores, perturbação do humor associada, breve duração dos sintomas da fase ativa, bom funcionamento entre os episódios [da fase ativa da doença], mínimos sintomas residuais, ausência de anormalidades na estrutura cerebral, funcionamento neurológico normal, uma história familiar de Transtorno do Humor e ausência de história familiar de Esquizofrenia” (17). Informações úteis ao psiquiatra, informações úteis também ao psicólogo. Eu mesmo não tinha a mínima idéia da necessidade dessas informações no momento em que realizei a anamnese com a paciente. Então acontece, no seu consultório, bem a sua frente, de aparecer uma pessoa, devidamente diagnosticada como esquizofrênica. O que fazer a partir de agora, como psicólogo(a)? As questões de fundo para o profissional psicodramatista, e a que nos colocamos perante a paciente D., foram: 1)

A intervenção psicológica – psicodramática – é realmente eficaz nos casos de esquizofrenia? Cabe uma intervenção psicológica?;

2)

Se há esta possibilidade diante do quadro conceitual apresentado para esquizofrenia, como fazê-lo? O que propor ao paciente?

Estas questões justamente põem à prova

a eficácia

ou não

do

acompanhamento psicológico para pacientes esquizofrênicos em fase residual. Para estas respostas precisamos primariamente estabelecer sob que premissas queremos trabalhar. É a esquizofrenia uma doença de origem orgânica,

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psíquica, social, genética, psicossomática? Se orgânica, haverá restrição a ação psicoterápica? Bem vamos analisar um pouco estas questões. Para Kurt Schneider, existe uma dualidade antiga na abordagem clínica em psicopatologia, sobre a etiologia da esquizofrenia, onde as anomalias psíquicas podem advir tanto de “variedades anormais do ser psíquico” como podem ser “conseqüências de enfermidades (e de malformações)”. Podendo estas enfermidades ter diagnósticos “em parte, somatológicos e, em parte, psico(pato)lógicos”. (9, p.21). Defende ainda que as doenças mentais devam ser tratadas levando-se em consideração este dualismo etiológico. (9, p.22) Comecemos com a própria designação para o termo “mórbido”5, próprio da linguagem médica, que entende enfermidade como um processo orgânico, são exemplos disto: malformações cerebrais, metabólicas etc (9, p.29). Desde os primórdios notamos uma clara orientação para uma etiologia organicista da esquizofrenia. Schneider, chegou a dizer: “Não conhecemos os processos mórbidos que estão a base da ciclotimia e esquizofrenia. Que, porém, se fundem em enfermidades [orgânicas] é um postulado muito bem estabelecido, uma hipótese muito bem fundamentada”. (9, p.31). Em contraposição a abordagem organicista havia a abordagem psicodinâmica, defendida sobretudo pela psicanálise, mas como veremos adiante não foi sustentada cientificamente. Através dos tempos a psiquiatria buscou identificar a precisa etiologia da esquizofrenia, formulando inúmeras hipóteses. A partir destes estudos, hoje as psicoses podem ser classificadas como funcionais, orgânicas e psicogênicas (associadas a fatores psicodinâmicos desencadeantes). Esta classificação deve ter consistência com a etiologia do quadro. Outra classificação seria de acordo com o início e a duração dos sintomas, tendo assim um caráter agudo ou crônico, esta última com um prognostico mais desanimador (13, p.2). Tengan e Maia, após minuciosos estudos sobre psicoses funcionais, sobretudo em crianças e adolescentes, afirmam categoricamente que os estudos apontam “inegavelmente a causa genética desse transtorno” (13, p 3), apurando o seguinte:

5

“Mórbidos são os distúrbios psíquicos condicionados por processos orgânicos, suas

consequências funcionais e seus resíduos locais” (Schneider, 1976).

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“Ou melhor, o padrão de herança familiar genético é que foi comprovado, pois, enquanto não se localizar com precisão qual cromossomo e qual(is) gene(s) está(ão) envolvido(s), ainda se estará investigando a causa propriamente dita. O que se pode afirmar é que a causa NÃO é psicológica” (13, p.3).

Segundo apresentado por eles, a evolução, a patoplastia e a apresentação do quadro é que são únicas, sendo estas “causadas” pelo ambiente psicológico (13, p 3). E acrescentam: “Atualmente, pesquisas mais refinadas em biologia molecular e técnicas moleculares mapeiam os genes que tornam os indivíduos suscetíveis à esquizofrenia” (13, p.3). Estudos sobre as complicações na gravidez e no parto, exposição pré-natal a viroses, bem como os achados neuropatológicos - como por exemplo as anormalidades na citoarquitetura - comprovadamente estão associados ao aumento do risco de desenvolvimento da esquizofrenia (13, p.3). Exames de imagem descobriram fatos como por exemplo “diminuição volumétrica do cérebro, aumento dos ventrículos laterais, além de diminuição do lobo temporal na região do hipocampo em pacientes esquizofrênicos adultos” (13, p.3). Com relação a neuroquímica dos pacientes esquizofrênicos a “principal teoria é a hipótese dopaminérgica, uma vez que a maioria dos neurolépticos ou antipsicóticos são bloqueadores de dopamina; esta teoria sugere um aumento na atividade do sistema dopaminérgico mesolímbico, importante na modulação da aquisição, motivação e emoção” (13, p.3). Os estudos atuais concluem que a etiologia pode seguir uma das seguintes possibilidades do “neurodesenvolvimento” da doença: “desenvolvimento [cerebral] normal de início, submetido a uma lesão no período mais crítico do desenvolvimento (trauma perinatal, infecção viral congênita), alterando a citoarquitetura; ou desenvolvimento já de início alterado, não aparente nos primeiros anos e evidenciado durante a maturação por algum fator estressor” (13, p.3).

Se de um lado os fatores biológicos se apresentam como fundamentais na esquizofrenia, qual o peso dos fatores psicossociais?

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Schneider aborda esta questão da seguinte forma: “Certamente que para o psicoterapeuta e para todo educador é importante não valorizar em demasia a predisposição e sim enfatizar o papel desempenhado pelas influências psíquicas” (9, p.71), a nosso ver, abrindo um importante espaço para uma abordagem terapêutica multidisciplinar. Mas não se esquece de alertar quanto a necessária visão crítica, pois é muito difícil na prática diferenciar, diante de uma personalidade anormal, o que é predisposição e o que é reação vivencial6 (9, p.85-86). Para Schneider “predisposição e mundo (circunstância) vivido (como se deve dizer em se tratando de homens) não são duas forças cegas que se excluem (...) constituem juntos um círculo de ação (...) A personalidade predisposta se desenvolve em suas vivências”. (9, p.72) Ao que nos parece, a principal importância em se definir a etiologia da esquizofrenia é diferenciá-la de outras psicoses. “De um modo geral, as psicoses reativas ou psicogênicas têm uma resposta bastante favorável e rápida à medicação” (13, p.6), diferentemente da esquizofrenia. Este dado é importante para o psicólogo levar em conta na avaliação do curso do acompanhamento psicoterápico. Para nós, porém, o estudo da origem desta patologia é uma questão que deve se submeter a outra, já que o que nos importa é o ser humano em sua “inteireza”. Entendemos que corpo, mente e meio ambiente compõem um mesmo sistema vital. Um sistema único onde cada elemento é mutuamente influenciável. Parafraseando Capra, quando estudamos a fundo um problema, somos levados a perceber que ele não pode ser entendido isoladamente. “São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes” (2, p.23). Então, se aspectos fisiológicos influem na dimensão psicológica e social do indivíduo, o recíproco também é verdadeiro. Relembrando a definição apresentada anteriormente na CID-10, para diagnóstico de esquizofrenia, o paciente sofre um processo mórbido, pois deve apresentar “distorções fundamentais do pensamento e da percepção” e “afetos inapropriados ou embotados” (15), porém, tem normalmente preservado, funções psico-orgânicas importantes, quando diz que “usualmente mantém-se clara a consciência

e

a

capacidade

intelectual...”

(15).

Podemos

considerar

esquematicamente que, de um lado, há uma porção comprometida ou doente que

6

“Resposta emocional, motivada por um sentido, a uma vivência” (Schneider, Kurt, 1976, p. 77)

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afeta a personalidade da pessoa, enquanto de outro, há uma porção preservada ou saudável. Esta segunda porção é que escolhemos como alvo da ação psicodramática. Schneider referiu-se a uma dimensão extra-psicótica, aquilo “que ficou de sadio durante e ao lado da psicose” (9, p.157). Este raciocínio não implica entender o indivíduo como a mera soma de partes, entendemo-lo como um ser indivisível. Enxergar a paciente como contendo duas partes contempla apenas nossa estratégia clínica, não uma visão do ser humano. Compartilhamos de Schneider quando ele diz: “Deve-se levar em conta, principalmente na esquizofrenia, que a psicose é sempre uma modificação global e por isso toda consideração de um fenômeno particular só se justifica dentro de certas condições (...) pode-se considerá-lo em particular, deve-se até forçosamente fazê-lo, mas ele não é particular” (9, p.157).

Visualizar esta dimensão extra-picótica seria um passo importante para o psicodramatista ajudar seu paciente a reconhecer-se de forma mais realista. Então, como nos diz Kaplan e Sadock, o distúrbio é considerado uma “síndrome heterogênea quanto à sua causa, patogenia, quadro apresentado, curso, resposta ao tratamento e conseqüências” (5, p.260), cabe ao psicoterapeuta ter a leitura da síndrome, mas não perder de vista a PESSOA, pois segundo o que defendemos, seu trabalho não foca a doença, mas o indivíduo em sua dimensão extra-psicótica. Acreditamos que conhecer o raio de ação psicoterápica é de grande valia ao psicodramatista, e este conhecimento começa pela constatação de que há elementos físicos (sejam congênitos ou não), psíquicos e sociais na configuração da esquizofrenia. Neste contexto, a eficácia da psicoterapia depende muito de uma questão: o quanto o comportamento da pessoa acometida deste quadro pode ser influenciável (externamente), por valores, reeducação de hábitos, aprendizagem e treinamento de papéis? Para nós existe uma correlação direta entre eficácia do acompanhamento psicológico e a capacidade da pessoa (esquizofrênica) responder a influência externa. Notadamente, Karl Jaspers nos diz com eloquência, ao estudar a psicose, que “adoecer não constitui, apenas, curso biológico objetivo, mas também curso subjetivo da consciência da doença, a qual tanto espelha, indiferente, paralelamente, a consciência quanto representa fator atuante, componente do próprio adoecer” (4,

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p.507). Este é um dado que implica na possibilidade de trabalhar junto ao paciente seu poder de re-significação da realidade que interpreta. Se chegássemos a conclusão de que em nada o esquizofrênico seria influenciável, não haveria possibilidade de vínculo, nem contato, nem envolvimento ou compromisso com a psicoterapia. Schneider diz, “tratando-se de predisposições muito fortes [fala-nos da etiologia somática], as vivências [externas] não poderão influir em nada ou pouco ou apenas por curto tempo” (9, p.69), nestes casos valeria mais o grau, intensidade ou profundidade da predisposição, não a eficácia da ação psicoterapêutica ou influência externa para a aprendizagem e desenvolvimento. Lembro-me da pergunta feita repetidas vezes pela paciente sobre se poderíamos curar a esquizofrenia (a doença) ou não. Para a paciente, claro, obter a cura total e irrestrita seria o melhor prognóstico, mas analisando melhor sua pergunta vemos a complexidade que a rodeia. Primeiro teríamos que levar em conta o grau de comprometimento da sua doença, como já descrito anteriormente, e por outro lado avaliar o quanto a paciente permitiria influenciar-se. Depois, utilizarmos as técnicas e instrumentos psicodramáticos pertinentes segundo um acertado manejo. Mas a coisa ainda é mais complexa. No caso da esquizofrenia, pela proeminência dos fatores de predisposição (orgânicos) o psicodramatista se depara com a lentidão da resposta às intervenções terapêuticas (inclusive medicamentosa) e pode cair também no engano de achar que a resposta eventual do paciente se deu por uma ação psicoterápica, quando na verdade deu-se por uma variação constitucional da doença (9, p.71). É preciso “pé no chão” e bastante foco no acompanhamento psicológico de pacientes esquizofrênicos. É bom que se diga que em nenhum momento buscamos “a cura” da paciente, tal como ela inicialmente ambicionava. Nosso “alvo” não era o tratamento da esquizofrenia propriamente dita. Aos poucos íamos deixando claro que nosso foco era sua saúde, não sua doença. O psicodrama trataria sua personalidade, quem trataria sua doença seria a psiquiatria. Esta diferenciação entre doença e saúde fez parte de nosso contrato psicoterapêutico com a paciente. Kaplan e Sadock apresentaram o conceito de “fatores precipitantes” para a “compreensão do aparecimento da doença numa época em particular da vida do paciente predisposto” (5, p.270). Segundo os autores o pico do aparecimento da doença dá-se entre o final da segunda e começo da terceira década de vida. Isto

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sugere predisposição, porém chamaram a atenção para as seguintes conclusões sobre os chamados “fatores precipitantes”: O

comportamento

esquizofrênica

são

humano

bastante

e

a

conhecidos

doença para

se

compreender que a ameaça não está no acontecimento em si e sim no significado que o paciente lhe atribui e, por esta razão, constitui um stress. Além disso, nada há de específico acerca do acontecimento estressante. Nenhum evento da vida desencadeia por si mesmo esta doença. O acontecimento representa geralmente para o paciente, uma perda ou separação” (5, p.270). “

Queremos chamar atenção que tanto a perda como a separação podem desencadear sofrimentos humanos muito significativos para QUALQUER pessoa. Quem já não sofreu uma grande perda na vida, seja de pessoa muito querida, projeto pessoal ou sonho? A perda de algo significativo provoca impacto profundo na psique humana, e exige um alto grau de reorganização interna. Segundo uma interessante reflexão sobre a “tristeza” humana, realizada por Schneider, ele diz que “Toda vivência muito importante, sobretudo se for triste, divide a vida num antes e num depois” (9, p.92- 93). Poderia uma pessoa, frente a tais conflitos capitais sentir-se insuficientemente apta (e adaptável) a resolvê-los a termo? Para pessoas prédispostas poderia desencadear a doença, que lembremos, é uma “ruptura da mente”. Parafraseando Ballone (14), quando se refere a psicose reativa como “uma espécie de falência aguda” da “capacidade de adaptação” do indivíduo a uma situação sofrível, a esquizofrenia poderia ser uma falência crônica na capacidade de adaptação do indivíduo a uma situação de extremo stress, diante do significado interno que deu aos fatos externos. Estamos no campo das hipóteses. A especulação formulada por Schneider é de que o “peso patogenético na eclosão da psicose esquizofrênica não estará nos fundamentos da debilidade, mas na predisposição (...) para a esquizofrenia” (9, p.123), enquanto que nas personalidades anormais [não esquizofrênicas] tais variações, embora possam ser determinadas por “disposições”, são amplamente influenciadas por fatores ambientais e vivenciais (9, p.45). Ainda segundo o autor a esquizofrenia é um estado permanente. (9, p.47)

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Até o momento, o que poderíamos destacar de relevante para a atuação do psicodramatista

em

caso

de

acompanhamento

psicológico

de

pacientes

esquizofrênicos? Primeiro, que a esquizofrenia tem base orgânica e, portanto, embora tenha sua dimensão psíquica, é necessário levar-se em conta que o paciente tem limitações estruturais.

Segundo,

o

paciente

em

período

residual,

sobretudo

com

acompanhamento psiquiátrico medicamentoso responde a orientações externas (preciso é, para o psicoterapeuta, avaliar o tempo e o grau de resposta). A anamnese pode oferecer fonte valiosa de informações neste sentido, mormente atentando-se para a biografia do indivíduo e possíveis fatores precipitantes. Além disto, o foco do acompanhamento é o aspecto extra-psicótico (saudável) do paciente, não sua doença, em outras palavras, o melhor remédio para uma mente fantasiosa são boas doses de realidade.

2.2 Tratamentos Antipsicóticos

No começo, aos loucos restavam mesmo as sombras e a escuridão, pois o que existia em termos de “tratamento” psicótico era tão somente os asilos, verdadeiros depósitos de “matéria humana”. Só em meados do século XX, começou-se a intensificar o uso de terapias, como por exemplo o eletrochoque e posteriormente o uso de drogas antipsicóticas. O princípio do raciocínio médico para o tratamento das psicoses fora a correlação feita por inúmeros cientistas entre convulsão, febre alta, epilepsia e a “cura” de psicoses, isto devido a indícios históricos. Por exemplo, as primeiras experiências começaram com Julius Wagner-Jauregg, em 1917, ao induzir febre por malária no tratamento da paresia neurosifilítica (tratamento este que hoje foi suplantado por antibióticos, mas que na época lhe valeu Prêmio Nobel em 1927); já Manfred J. Sakel buscou induzir coma e convulsões por insulina, para tratar esquizofrenia em 1927. De acordo com seus achados, mais de 70% de seus pacientes melhoravam após a terapia por choque insulínico. No entanto, o que se observou em estudos longitudinais é que os resultados eram apenas temporários; Ladislaus Von Meduna, tratou esquizofrenia e psicoses afetivas através de convulsões induzidas por metrazol em 1934. Este tratamento tinha um caráter “violento”, pois era extremamente agressivo ao paciente e foi abandonado no final da década de 40; na seqüência surgiu

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a terapia por choque eletroconvulsivo descoberta por Ugo Cerletti e Lucio Bini em 1937, Roma. A popularidade do eletrochoque caiu rapidamente nas décadas de 60 e 70, com o advento dos neurolépticos e a intensificação dos movimentos antimanicomiais denunciando maus tratos e uso indevido deste tipo de terapia. Porém, vale lembrar que, como terapia, sofreu uma série de melhoramentos, e ainda é muito utilizado (em situações bem particulares) nos dias de hoje. Só nos Estados Unidos ocorrem entre 100.000 e 150.000 atendimentos / ano com ECT7 (8). É na década de 50 e 60 que surgem os primeiros antipsicóticos de 1ª geração, conhecidos como “convencionais”. São exemplos a Clorpromazina® e o Haloperidol®. Em 1990 surgem os de 2ª geração, ou atípicos, como a Clozapina®, a Risperidona®, a Olanzapina®, Quetiapina® e a Ziprasidona® (8). A nosso ver, é importante para o psicólogo ter algum conhecimento sobre que efeitos o medicamento ocasiona no paciente, sobretudo os efeitos colaterais, para dar melhor foco a sua ação terapêutica. Por exemplo, a hipotensão, sedação e tontura, são efeitos comuns aos neurolépticos tradicionais. De forma generalista, outros efeitos colaterais são: reação distônica aguda (espasmos musculares no pescoço, boca, língua etc); parkinsonismo medicamentoso (tremor de extremidades, hipertonia etc); acatisia

(inquietação

motora);

discinesia

tardia

(movimentos

involuntários,

principalmente da musculatura oro-língua-facial); síndrome neuroléptica maligna (forma raríssima de toxidade, ou hipersensibilidade a droga, com hipertemia e distúrbios autônomos, levando a morte entre 20% a 30% dos casos (8). Sinais ou sintomas observados no paciente que denotem preocupação, deveriam ser informados imediatamente ao médico que o trata. De forma geral os antipsicóticos de segunda geração, pela sua nova classe medicamentosa, oferecem menos efeitos colaterais extra-piramidais, sobretudo em doses terapêuticas. Esta classe de drogas, também oferece menor índice de recaídas por parte dos doentes (8).

O termo “eletrochoque” atualmente foi substituído pelo termo “eletroconvulsoterapia” (ECT), por recomendação da Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Psiquiátrica Americana, órgãos reguladores desta prática terapêutica. A ECT é muito indicada nos casos em que o paciente não responde a tratamento medicamentoso, e / ou o mesmo é contra-indicado. 7

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Segundo o Hospital das Clínicas de São Paulo (8), o ranking das drogas de segunda geração seria o seguinte, estabelecido os níveis por ordem decrescente de atipicidade: Nível 1: Clozapina; Nível 2: Olanzapina, Quetiapina, Ziprasidona e; Nível 3: Risperidona, Amissulprida. O aspecto mais temido quando o assunto é efeito colateral é a discinesia tardia, pois que ela pode aparecer com o uso prolongado de medicamentos antipsicóticos e em grandes doses, sobretudo nos idosos, ocasionando movimentos involuntários rítmicos da língua, face, boca ou mandíbula, sendo que para esta síndrome, não existe cura conhecida. Porém, estudos demonstram uma menor incidência dela em pacientes que usam doses repetidas e em graus variados de drogas de segunda geração (8). O breve relato que fizemos sobre o uso de tratamentos biológicos nos casos de psicoses ressalta o avanço que o tratamento percorreu nestes últimos anos, podendo impactar na melhora da qualidade de vida destes pacientes. Antes dos antipsicóticos era comum a intervenção psicoterápica em pessoas em plena crise psicótica. Novos tempos, novos paradigmas, ou seria melhor dizer, novos paradigmas geram novos tempos? O paradigma que nos referimos é o de uma intervenção psicoterápica integradora dos conhecimentos que puderam ser gerados com a evolução científica. Lembro-me de uma passagem que tive logo após me formar em psicologia (por volta de 1996). Tive uma prima que entrou em crise psicótica aguda quando soube que seu irmão havia morrido aqui em São Paulo. Trouxeram-na do Ceará para a casa dos meus pais. A moça tinha uns vinte e poucos anos de idade. Como sabiam que eu era psicólogo (recém-formado), me puseram para conversar com ela num quarto. “Topei a parada”, afinal, iria mostrar para a família que valera o investimento de cinco anos de faculdade. Quanta ingenuidade, eu perguntava “A” e ela respondia “Z”, papo de maluco mesmo, não fosse trágico seria cômico. Hoje percebo

que

ela

estava

com

“discurso

desorganizado”,

com

“freqüente

descarrilamento ou incoerência de idéias”, ou qualquer coisa neste sentido. Em plena fase aguda da crise, que cá entre nós, até hoje não sei o que era. Tinha sintomas

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parecidos com esquizofrenia, mas pelo resultado final do caso, creio que não se tratou disso (vide critérios para diagnóstico da doença no “DSM-IV”). Esta história tem mais de 10 anos. Nada pude fazer a partir da minha “psicologia tacanha”. No final levaramna ao psiquiatra. Resultado: passou por algumas sessões, foi devidamente medicada e saiu do surto. Atualmente está casada, tem seu filho e leva a sua vida “normalmente”. Se fosse na “idade das trevas”, talvez ela estivesse num manicômio até hoje, com ou sem psicoterapia. Se for possível uma droga lipossolúvel (antipsicótica) ser absorvida pelo SNC e “corrigir” um desequilíbrio neurológico qualquer, é preciso fazê-lo, da mesma forma, se for factível que técnicas psicodramáticas bem manejadas influam positivamente naquela porção da psique do paciente que está preservada pela consciência, façamos isso. Quando há possibilidade de escolha consciente do paciente, há possibilidade de uma ação psicoterápica. Permita-nos afirmar, caro leitor, que a função da medicina psiquiátrica é trazer o paciente para uma condição de “escolha consciente”, a função da psicologia é ajudá-lo nestas escolhas. Quando falhamos? Quando não fazemos nem uma coisa nem outra.

2.3 Bases para uma Intervenção Psicodramática

Não é novidade para o psicodrama lidar com pacientes esquizofrênicos, o primeiro tratamento publicado (em 1930) nesta linha foi feito por Moreno, em Beacon (10, p.102). Moreno criou um método chamado de “mundo auxiliar” onde o paciente podia “neste mundo” - seu próprio mundo psicótico - vivenciar sua psicose. O papel dos egos-auxiliares era fundamental, para que o paciente pudesse estabelecer tele positiva com eles, e ao longo do tratamento, pudesse os egos “puxá-lo” para a realidade (10, p.103). Outro método desenvolvido por Moreno foi o da “realização psicodramática”, que consistia na vivência delirante durante as sessões (10, p.103). Diante de pacientes que acabaram de sair de um surto psicótico, Moreno propunha o que chamou de “choque psicodramático”. Tratava-se de um treinamento para o controle de surtos (10, p.106).

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A utilização de objeto intermediário também se mostrou um importante instrumento no tratamento de pacientes gravemente demenciados. Um trabalho publicado por Bermúdez, em 1970, narra a experiência psicodramática com marionetes, o que promovia algum nível de comunicação com estes pacientes (10, p.109). Observaremos que os tratamentos psiquiátricos na época de Moreno careciam de muitas informações a respeito da doença, bem como de todo um arsenal de medicamentos concebidos para atuar justamente no aspecto somático do distúrbio. O mundo científico sabe mais hoje que ontem. Será possível, e necessário, redimensionar a abordagem psicodramática para esta nova e atual realidade? Penso que sim. A estratégia de intervenção adotada junto a paciente D. foi a do ACOMPANHAMENTO

PSICOLÓGICO,

ou

seja,

atuar

basicamente

no

desenvolvimento de sua personalidade e não no tratamento de sua doença. Lembremo-nos também que não se trata de paciente em surto, mas em fase residual. Partimos então de uma concordância existente entre psicólogos e psiquiatras de que o funcionamento do “ego” – ou “eu” - da pessoa acometida pela esquizofrenia é deficiente, ou como disse Kaufman: “são incapazes de manejar seus conflitos pessoais e enfrentar seu ambiente. Os esquizofrênicos acham estressantes as tarefas cotidianas, não porque elas sejam necessariamente estressantes mas por perceberem-nas ameaçadoras (...) Qualquer teoria sobre a esquizofrenia precisa

considerar

o fracasso na

capacidade

de

adaptação e resolução do conflito, com base na função psicológica prejudicada” (5, p.268).

É neste aspecto que consideramos que deve centrar-se o papel do psicodramatista. E como fortalecer o “eu”? Via desempenho de papéis. A hipótese psicodramática moreniana é de que “O desempenho de papéis é anterior ao surgimento do eu. Os papéis não emergem do eu; é o eu quem, todavia, emerge dos papéis” (7, p.25). Temos que o “eu matricial” – e existencial - se ramifica do exercício de papéis, que por serem experimentados, desenvolvem verdadeiramente o “eu”. É a experiência do papel (fisiológico, psicológico ou psicodramático) que dá, efetivamente,

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contorno, apuramento e expressão ao “eu”. Anos mais tarde, com o sucesso da articulação eqüidistante dos vários “eus parciais”, teremos o que poderemos chamar de “eu”, ou “eu real”. O eu não está no começo, mas no final da evolução! (7, p.26) “O papel é a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos” (7, p.27). Para fazer jus a esta definição de Moreno, o “papel” deve necessariamente abranger três dimensões: papéis psicossomáticos, sociais e psicodramáticos, este último representando a dimensão psicológica do indivíduo (7, p.28). No caso do esquizofrênico, há um sério desequilíbrio, sobretudo no desempenho destes dois últimos, além de, em muitas situações, uma clara inadequação em sua representação. Então, praticar papéis em um ambiente protegido poderia ajudá-lo em sua re-organização interna, já que uma das principais funções do papel é o de “penetrar no inconsciente, desde o mundo social, para dar-lhe forma e ordem” (7, p.28). Existe uma expectativa explícita e implícita sobre aquilo que se espera de nós, em sociedade. Por exemplo, o que se espera em termos de desempenho de um professor, policial, médico etc. Todo indivíduo, a todo o momento, desempenha (bem ou mau) uma gama de papéis, enquanto vê, com relação aqueles que o cercam, uma grande variedade de contrapapéis em relação àqueles papéis que desempenha (7, p.28). Dentro deste padrão de avaliação social, o esquizofrênico está bem aquém da expectativa “comum”. Em parte, porque muitas vezes fracassa com relação as expectativas afetivas, produtivas e sociais, e em parte porque está “em-si-mesmado” em seu mundo psicótico, perdendo a capacidade de orientação no mundo (real). Da mesma forma que o exercício (e desenvolvimento) de um papel nos ajuda em nossa organização interna, ele é imprescindível para nossa rede de relacionamentos. Este fator “desenvolvimentista” do exercício dos papéis é fundamental para a saúde do ego, seja de seu aspecto intra (organização interna), seja do inter (relações sociais). “A aprendizagem de papéis, em contraste com o desempenho de papéis, é um esforço [atentem para a palavra “esforço”] que se realiza mediante o ensaio de papéis, a fim de desempenhá-los de modo adequado em situações futuras” (7, p.29). Empiricamente observei na paciente o que os manuais sobre o quadro clínico de esquizofrenia – DSM ou CID - descrevem: um número reduzido de papéis e seu

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“rebaixado” desempenho. Que “futuro” teria o paciente esquizofrênico que não aperfeiçoasse, e, ou, (re) aprendesse papéis? Não se trata obviamente apenas de desempenho de papéis, trata-se principalmente de autonomia na vida. Fica claro, por conseguinte, que a autonomia de uma pessoa está diretamente associada à aprendizagem de papéis, a pluralidade de papéis na vida. Diz-se muitas vezes que o esquizofrênico se isola socialmente, ou tem dificuldade de se relacionar. Com quem ele se relaciona quando não se relaciona com ninguém? Relaciona-se com “sua mente”, há uma relação intensa “para dentro” – emocionalmente, intelectualmente, “autistamente”. E esta intensa relação “para dentro”, anômala para nós, afeta contra-producentemente as relações “de fora”. Portanto, afeta a “Tele” do paciente. “Tele”, a “mútua percepção íntima dos indivíduos” (7, p.36). Fonseca assim define: “A Tele é a vivência do momento como ele é ...” (3, p.108). A percepção télica funciona como um alicerce na união entre as pessoas. Relacionamentos baseados na fantasia, são frágeis, efêmeros e muitas vezes insustentáveis, enquanto que aqueles baseados na tele são mais consistentes, possibilitando o encontro. O conceito de “Tele” é muito útil para tratamento da esquizofrenia, já que se pauta na realidade, confrontando a fantasia, o irreal. Tanto é assim que, pelo viés fantástico que o esquizofrênico muitas vezes imprime em sua vida (por exemplo, ao enxergar perseguição do chefe, quando de fato não existe), ele não consegue estabelecer relações firmes, quanto mais duradouras. E assim pode, como observei, ver na figura do psicólogo a única relação estável e com algum nível de profundidade que possui. O risco é fazer desta relação, a relação, quando na verdade é, por mais humana que seja, apenas uma situação relacional – profissional – para, dentre outras coisas, ajudá-lo a conviver melhor no mundo como ele é. Risco este previsível e, pasmem, necessário. Pelo grau de dependência que vive o esquizofrênico, seria irascível pensar o acompanhamento psicológico sem grau algum de dependência. Mas todo ego que precisa de um ego-auxiliar, deve o ter com vistas em sua autonomia, não em sua dependência. Este paradoxo é fundamental ser compreendido pelo paciente e pelo psicólogo. Moreno coloca a espontaneidade como um importante referencial de saúde mental. É o esquizofrênico, com seu quadro clínico fantasioso, uma pessoa

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excepcionalmente criativa e espontânea, ou a fantasia delirante, alucinatória e dissociativa é um entrave a sua espontaneidade? Ocorre espontaneidade, do ponto de vista operacional, segundo Moreno, quando “O protagonista é desafiado a responder, com certo grau de adequação, a uma nova situação ou, com uma certa medida de novidade, a uma antiga situação” (7, p.36). O contrário da espontaneidade é a conserva cultural, a rigidez que leva a aparente falta de alternativa. Exemplo disto é a relação não-télica ou transferencial, ou seja, a relação presa ao passado, segundo Fonseca, “transferência é o presente como ele não é” (3, p.108). Moreno também alerta para o fato de que a presença da espontaneidade não constitui per se a “cura”. “Existem formas de espontaneidade patológicas que distorcem as percepções, dissociam a representação de papéis e interferem em sua integração nos vários níveis da existência” (7, p.37), parece até que o autor fala da sintomática esquizofrênica. Lembro-me que D. iniciou as sessões se detendo em suas históricas de cunho delirante, e ao passar das sessões mostrava-se bastante limitada em lançar mão de alternativas e possibilidades de reação práticas e aplicáveis ao seu dia-a-dia. “Os processos de cura mental requerem espontaneidade para serem eficazes” (7, p.37). Moreno nos diz que toda forma utilizada em psicodrama que fomente a espontaneidade do paciente fortalece a mesma. A espinha dorsal do processo psicodramático é a fomentação do processo criativo no paciente, mas em contrapartida, a esquizofrenia impõe limites quanto a riqueza de respostas comportamentais que o indivíduo possa exercer. Moreno nos diz ainda que o “estado” de espontaneidade decorre, dentre outras coisas, da vontade (7, p.86), e gostaríamos de corroborar com esta afirmação trazendo uma citação de Charcot: “Há um momento entre a saúde e a enfermidade em que tudo parece depender do paciente”8. O psicodramatista deve enxergar a capacidade de escolha do paciente, e nisso investir na investigação de sua “vontade”, daquilo que o motiva ou angustia e seu respectivo comprometimento com a ação correspondente. Em último caso, se não houver capacidade de escolha preservada, não haverá psicodrama, pois que se trata da psicologia da ação, não da psicologia da abstração9.

8

Citação de Charcot, feita por Jaspers (Jaspers, 2000).

9

Abstração aqui foi empregado no sentido de “distração, alheamento”.

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Falar de espontaneidade é falar de adaptação. Um dos cernes conhecidos sobre o quadro clínico da esquizofrenia é justamente a diminuição da capacidade de adaptação do indivíduo acometido ante a realidade, sobretudo social, que o cerca. Ver então, um “morador de rua demenciado”10 em estado deplorável de higiene, com trejeitos esquisitos etc, “vivendo na rua” por anos a fio, nos faz pensar, que de um jeito ou de outro, ele se adaptou a situação de sobrevivência urbana. Não podemos falar que estes indivíduos em nada ou nunca se adaptam ao meio, mas se pensarmos sobre a inserção deles na sociedade, claramente diremos “estão à margem”, “não estão adaptados”. O fator e implica na possibilidade de novas - e aparentemente ilimitadas combinações. Estas combinações decorrem das escolhas e decisões que cada indivíduo pode operar, de maneira que, consideramos como parâmetro de saúde mental de uma pessoa, a preservação de sua condição de efetuar escolhas e decisões na vida e assumi-las. (7, p.102) Todo processo criativo necessita primordialmente de um processo de aquecimento (warming up), seja ele interno ou externo. A necessidade de aquecimento é sabida pelo psicodramatista, mas é preciso aqui entender que tratamos de um caso muito especial em psicodrama, que é o acompanhamento psicológico de pacientes esquizofrênicos, que com certeza, prescindirão de um processo de aquecimento muito mais bem elaborado que um indivíduo “comum”, pois a inércia nestes casos é muito maior. É o aquecimento (ou aquecimento preparatório) que nos possibilita uma prontidão ao arranque de comportamentos criativos e espontâneos. Indivíduos não aquecidos, têm mais dificuldade no ajustamento a novas situações, ou demoram mais a se ajustar. Quando tinha cerca de 17 anos, numa certa noite fria, resolvi fazer um cooper pelas ruas do bairro onde moro. Corria de agasalho, e como a noite estava muito fria havia pouca gente na rua. Neste ínterim noto um carro com quatro pessoas se aproximando de encontro a mim. Eles pararam e de imediato pressenti que seria assaltado. Minha resposta instantânea a parada do veículo foi abordá-los e

10

Caso o leitor queira saber mais sobre o assunto pode consultar a tese de doutorado "Avaliação de distúrbios mentais em moradores de albergues públicos das cidades do Rio de Janeiro e de Niterói", de Giovanni Marcos Lovisi, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, ou pesquisar dados na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

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cumprimentá-los. Reconheci um dos ocupantes (já o tinha visto nas imediações, e tinha fama de marginal), e falei com ele como se fosse um velho conhecido meu. Como esperavam que eu tentasse fugir, ficaram “atordoados” com minha reação antagônica, me cumprimentaram e perguntaram o que fazia ali tão tarde, no que respondi rapidamente que fazia um cooper e fui me distanciando acenando um “tchau” para eles. A cena terminou com cada um seguindo o seu caminho. Tenho para mim (hoje) que meu “aquecimento” (eu estava correndo) foi primordial na prontidão da minha resposta. Respondi rapidamente a situação com um comportamento totalmente novo ante ao iminente assalto. Eu estava adequadamente aquecido – aquecimento físico. Pois bem, este exemplo real ilustra a importância de trabalhar o aquecimento, que se bem orientado, facilita o desenvolvimento da espontaneidade. A condição clínica da paciente implica, justamente, numa limitação em dar respostas, daí a necessidade premente de trabalhar processos de aquecimento com ela. Mas nem sempre somos felizes nos processos de adaptação. Nem sempre conseguimos ser espontâneos ou criativos na solução de conflitos. Às vezes nos frustramos. Moreno fala sobre um acontecimento interessante que vai ocorrendo durante o desenvolvimento humano, ao longo da vida. Os processos de “interajustamento”, tanto intra como extra orgânicos (7, p.110). Exemplos disto? Quando temos de usar as duas mãos ao mesmo tempo para agarrar algo ou, como na corrida de bastões, quando um corredor deve, sincronicamente durante a corrida, passar o bastão para o seu companheiro à frente. O interajustamento demanda uma competência para lidar com a realidade que se apresenta, no momento em que se apresenta ou que perdure. Podemos deduzir que a falha neste interajustamento levará a algum tipo de prejuízo. Lembremos do ato sexual. Trata-se de um momento onde o interajustamento é fundamental. Se perguntarmos a um casal de namorados o que facilitaria este interajustamento a luz da teoria moreniana, provavelmente eles responderiam: “O processo de aquecimento, oras!”. No popular diríamos “As preliminares, oras!”. A “dança” erótica, o cortejo, é que aumentam as chances da realização do ato sexual e do clímax. Mas o que fazer quando o processo de interajustamento falha? O que um rapaz faz, quando malogra seu intento em seduzir uma garota? O que fazer quando num processo seletivo numa empresa, não somos contratados, ou uma amiga não aceita nosso pedido de desculpas, ou na hora da dança o cavalheiro pisa no pé da dama, ou quando mordemos a língua ao mastigar

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um gostoso quitute? São todas situações cotidianas onde o interajustamento falhou, momentaneamente ou não. Neste caso, temos que elaborar a frustração, seja ela motivada por um desentendimento banal ou por uma incomensurável perda ou decepção. “Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”. O interajustamento para o esquizofrênico é seu “calcanhar de Aquiles”, porque se refere a sua capacidade de lidar com a frustração cotidiana. Lembro-me da paciente D. contando suas desventuras, como demissões de empregos, baixo desempenho profissional, isolamento social etc. Em contrapartida apresentava distorções quanto a sua autoimagem, traduzidas ora por excessiva auto-crítica, ora por se propor grandes “saltos” profissionais, muito além de suas possibilidades imediatas. E ao se dar conta disso, revertia esta percepção em menosprezo a si mesma. O papel do psicodramatista? Oferecer doses de realidade e doses de apoio. Como quando educamos uma criança com disciplina e amor. O aquecimento preparatório auxilia no interajustamento, e precisamos orientar os pacientes para o desenvolvimento de “auto-arranques”, ou seja, uma forma do próprio indivíduo “aquecer-se” afim de realizar um ajustamento o mais prontamente possível. Temos os auto-arranques físicos e mentais. Os auto-arranques físicos podem ser voluntários ou involuntários, por exemplo, o aumento do ritmo respiratório, transpiração, movimentos de mãos e pernas, aumento do batimento cardíaco etc. Os auto-arranques mentais podem ser idéias, imagens, insights, palavras etc produzidas pelo indivíduo, que antecedem seu ato espontâneo (7, p.105). “Cada processo de aquecimento tem um foco. Tende a estar localizado numa zona, como seu lócus nascendi” (7, p.108). Quando componentes que estejam interligados convergem num foco para o arranque, temos uma “zona” formada, e ela entra em ação. “Toda zona é o ponto focal de um dispositivo físico [ou mental] de arranque no processo de aquecimento preparatório de um estado espontâneo de realidade, sendo tal estado ou estados componentes na configuração de um “papel”” (7, p.108). No caso da criança, o sucesso da adaptação infantil à realidade depende do seu êxito em reunir de forma sistêmica este conjunto de “zonas de arranque”. Mas ela não teria sucesso sozinha, já que seu “ego”, de início, não está estruturado. É necessário um “ego auxiliar”, um “ego” que a assista, pois que o ego auxiliar faz “parte do processo de aquecimento da criança e [d]o desempenho infantil de papéis” (7, p.109). Por que falamos de crianças se o nosso assunto aqui é esquizofrenia (em

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adultos)? A correlação que fazemos é quanto à similaridade da condição de fragilidade que ambos passam no processo de adaptação e seu grau elevado de dependência do outro. Então o psicodramatista deve necessariamente abordar o papel do ego auxiliar no processo terapêutico, como importante apoio em situações de superação das limitações psico-físico-sociais. No psicodrama o ego auxiliar tem duas nobres funções: retratar papéis e a função de guia (7, p.109). Sabemos, porém, que muitas vezes não é possível trabalharmos em Unidade Funcional (Diretor e Ego-Auxiliar). No meu caso por exemplo, atendi a paciente D. sem ego-auxiliar. Então o diretor precisa acumular as duas funções, não necessariamente de forma operacional, mas em essência. Por exemplo, é possível o psicodramatista guiar o sujeito, através do aquecimento específico, cumprindo o objetivo de orientar o paciente para a melhor solução de seus conflitos. Isto é essencialmente papel do ego-auxiliar. “Manfred Bleuler [filho de Eugen Bleuler] assinalou que quase todos os mecanismos esquizofrênicos podem ser encontrados nas pessoas normais. O que se torna específico para a doença esquizofrênica é a incapacidade do paciente distinguir entre duas realidades: a do mundo interno e a do mundo externo”, segundo o autor é isso que caracteriza a dissociação. (5, p.272) Buscamos no psicodrama fontes de inspiração conceitual para analisarmos a “fusão” fantasia e realidade que ocorre na esquizofrenia, no sentido de pensar em contribuições possíveis para seu acompanhamento psicológico. Tanto a esquizofrenia como a fase denominada de “primeiro universo infantil” apresentam esta “fusão”. No primeiro universo infantil a realidade e fantasia não se distinguem. Para a experiência infantil, fantasia e realidade são a mesma coisa, assim, tudo é “real”. O que sabemos é que é o cérebro que percebe e registra o mundo, então se está em fase de desenvolvimento (como no momento do primeiro universo infantil) ou sofre, por exemplo, de um trauma ou distúrbio físico-químico (como no caso da esquizofrenia), irremediavelmente estas condições afetarão o cérebro, a qualidade da sua percepção e concepção de mundo, e conseqüentemente, a sua forma de se relacionar com ele. Quando um esquizofrênico relata uma experiência alucinatória, ele não a relata como alucinatória. Tão pouco há “engano” da parte dele, quer dizer, ele não considera ter visto uma coisa achando que era outra. Há sim um ERRO de percepção só percebido por quem se relaciona com o psicótico, porque consegue operar os fatos e distinguilos da fantasia, enquanto o esquizofrênico em crise, não. É preciso compreender bem

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isto. O que o esquizofrênico “viu” em sua alucinação, PARA ELE é bem REAL! Qual a diferença então – para ele – entre realidade e fantasia? A princípio, nenhuma. Minha mãe não é esquizofrênica, mas quando tinha 59 anos foi fazer um exame de vista para retirar carteira de motorista. Existe um procedimento no qual o médico pede para o examinado olhar por uma lente, dentro de uma espécie de caixa, as letras em seu fundo. Minha mãe executou o procedimento quando o médico solicitou: “Pode ler o que a senhora está vendo”. Ela respondeu enfaticamente: “Doutor, tem certeza que tem alguma coisa aqui dentro?”. O mais interessante veio depois. Em casa ela nos dizia que o médico havia lhe pregado uma “peça”, ela não admitia existir algo que ela NÃO havia enxergado. Minha mãe não é esquizofrênica, apenas ela não enxergou as letras porque tinha limitação na sua acuidade visual. Orientamo-nos pelo que percebemos. Para nós, o que percebemos (da forma que percebemos) é que é real, seja o percebido proveniente da realidade circundante ou da fantasia. Imagine então o que significa para um esquizofrênico ver ou ouvir aquilo que só ele vê ou ouve. Jaspers nos fala que “ninguém pode esperar o reconhecimento de uma verdade que lhe faça a existência impossível” (4, p.490). Esta é uma condição humana, não apenas do esquizofrênico. “No grande processo da razão humana, que busca a verdade num tumulto de erros, inversões, disfarces, sofismas e malícias, tudo quanto é inverídico é superável, em princípio, embora não na prática; no delírio, porém, deparamos com alguém que se perdeu na inveridicidade insuperável...” (4, p.490).

A criança no primeiro universo tem uma consciência indiferenciada de si mesma e do mundo e uma percepção-concepção egocêntrica de mundo. É sinal de “amadurecimento” a chegada do “segundo universo”, em que “a personalidade passa a estar normalmente dividida” (7, p.123). Segundo Moreno, “Formam-se dois conjuntos de processos de aquecimento preparatório – um de atos de realidade, outro de atos de fantasia – e começam se organizando” (7, p.123). Segundo seus estudos, o ponto central aqui é o trânsito entre o mundo real e o mundo fantástico, já que um ser humano que não “sonha” estaria tão doente quanto aquele “fora da realidade”. O que garante o domínio deste trânsito é a espontaneidade, como fator a ser desenvolvido durante toda a vida. Um filme que ilustra bem as conseqüências de perder-se neste trânsito de um a outro mundo é o estrelado por Crowe sobre a vida

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de John Forbes Nash, grande matemático de seu tempo11. O prodígio do filme está em demonstrar como a realidade e a fantasia podem estar sobrepostas aos olhos de um esquizofrênico. E como surge o segundo universo infantil? A partir do desenvolvimento do sistema nervoso - alcançando sua maturidade, e das representações dos papéis psicodramáticos e sociais (extrapolando os papéis psicossomáticos do primeiro universo). Interessante a solução encontrada pela natureza: não nascemos preparados para a vida, preparamo-nos para a vida vivendo-a. Surge o “segundo universo”, e com ele a diferenciação entre fantasia e realidade (11, p.71). Como Adão e Eva ao comerem o fruto do conhecimento, que a partir deste momento “... os olhos dos dois se abriram, e eles perceberam que estavam nus”12. Mas não sem conflitos. “Existe essa contínua luta no íntimo do indivíduo, ao tentar manter um equilíbrio entre esses dois diferentes caminhos [Moreno referindo-se a brecha entre fantasia e realidade], nos quais a sua espontaneidade tenta fluir” (7, p.124). Jaspers cita Friedmann que: “considerou basear-se toda formação delirante no conflito vivencial que consiste no fato de a vontade individual do enfermo ser dominada pela vontade total da comunidade. No delírio, está visível o conflito entre a realidade e os desejos próprios do indivíduo...” (4, p.492).

Jaspers fala também sobre o relato perplexo de uma paciente esquizofrênica, enquanto lúcida, ante uma situação vivenciada psicoticamente, que poderia ilustrar um pouco o nível deste conflito pessoal. Selecionamos um trecho: “...Que é que hei de fazer com minhas mãos, se minhas unhas estão sempre tão brancas? Devo arranhar? O que? (...) Como hei de fazer as coisas certas, se não sei o que é certo? ...” (4, p.496)

Esta perplexidade reativa é resultante da “incapacidade de orientar-se em relação a situação, ou da possibilidade de apreender vivências novas” (4, p.496).

Filme norte-americano “A Beautiful Mind”, no Brasil traduzido como “Uma Mente Brilhante”, de Ron Howard, 2001. É a adaptação da biografia do matemático John Forbes Nash Jr., prêmio Nobel de Economia, escrito por Sylvia Naser. O filme retrata a genialidade e a luta contra a esquizofrenia de Nash, interpretado por Russell Crowe. 12 Gênesis, 3:7. 11

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Aquilo que faz uma criança ultrapassar o conflito da dualidade (fantasia x realidade) e passar para o segundo universo, poderia ajudar o esquizofrênico a lidar com o conflito da sua própria “dualidade” não integrada? Parece-nos que a matriz de identidade pode se prestar a esta questão, com a devida contextualização. Sabemos que um paciente esquizofrênico não tem seu sistema nervoso em desenvolvimento, como no caso da criança em formação, ocorre o contrário, seu sistema nervoso já é formado, mas está “descompensado”. O treino dos papéis psicodramáticos e sociais, a nosso ver, seria uma estratégia clínica viável para o acompanhamento psicológico de pacientes esquizofrênicos porque acreditamos poder treinar estes papéis a partir daquilo que se preservou de saudável no paciente. Se o paciente tem uma vida social reduzida, é preciso treinar papéis sociais, por exemplo com role playing. “O role-playing preocupa-se com o desempenho do papel, e aqui a finalidade é a percepção objetiva dos sentimentos e das atitudes dos outros, que desempenham o “contra-papel”, e a resposta mais apropriada à situação” (6, p.193). Se o paciente tem dificuldade em lidar com o dualismo “realidade x fantasia”, podemos convidá-lo a representar papéis psicodramáticos, de maneira a ajudá-lo a reconhecer o que é real e o que é fantástico. O ambiente psicodramático serve sobremaneira de espaço nobre para lidar com o conflito provocado por esta dualidade. Este espaço – psicodramático – ou como Moreno definiu, “Palco Psicodramático”, fomenta um ambiente onde fantasia e realidade ganham igual status (11, p.72). O esquizofrênico, após algum tempo, começa a compreender que suas alucinações e delírios não são aceitos socialmente, e o espaço psicodramático deve servir de canal de comunicação sobre suas angústias, que de outro modo, dificilmente teria em sua rotina diária. Também a diferenciação entre ambiente social e ambiente psicodramático, poderia ajudar o paciente no estabelecimento de parâmetros de conduta. “No psicodrama existe a possibilidade de se retomar essa situação de passagem do primeiro para o segundo universo infantil, num mundo artificialmente construído (mundo do psicodrama), em busca de uma nova separação da realidade da fantasia, de uma harmonia

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entre esses dois mundos, de redescobrimento dos papéis sociais

mal

desenvolvidos,

não-desenvolvidos,

alucinados, dos reais posicionamentos da pessoa no jogo de interação de papéis na família, no grupo, na sociedade” (11, p.73-74).

Há a busca da realização psicodramática, “Realizar é o ato de tornar real, de produzir realidade” (11, p.74). O conceito de realidade suplementar objetiva “alargar” a experiência da pessoa, proporcionar a experimentação de novas realidades (11, p.75). Lembro-me das vezes que a paciente D. apresentava seus lamentos sobre o quão mínimo era a amplitude de sua vida. Dizia sentir-se presa. O que mais almeja o encarcerado? Alargar o horizonte! Acompanhamento psicológico de paciente esquizofrênico significa ter que lidar com suas fantasias, mas sobretudo, lidar com sua realidade, ou, dizendo de outra forma, ajudá-lo a estar presente no aqui e agora. Moreno nos trás um conceito fundamental para este objetivo quando diz que a “Função da realidade opera mediante interpolações de resistências...” (7, p.123). No capítulo “Interpolação de Resistência”, de Carlos Calvente (1, p.121), ele analisa o tema sob vários aspectos. Por exemplo, no campo da imaginação não há resistências pois quem sonha é o produtor e senhor do seu sonho. É preciso o “outro”, o “alheio a mim” para intervir no imaginado por mim. Neste caso, interpolar resistências significa operar a realidade. Não se trata da resistência interna do paciente mas do confronto àquilo que ele manifesta a revelia da realidade que o cerca, a revelia das conseqüências de seus pensamentos, atos e omissões. Refere-se a “resistência relacional com o mundo”. Interpolar resistência significa, com relação ao psicótico, dado uma ocorrência descolada da realidade apresentada por ele, fustigar incoerências, questionar inconsistências, desafiar a fundamentação e sustentabilidade de suas manifestações, medos, desejos, colocá-lo “em cena”. Segundo Calvente, o objetivo é “permitir a adequação à realidade da frustração” (1, p.125). Como já dissemos, apresentar doses de realidade. “Só se trata de atitude no sentido próprio quando a personalidade enfrenta sua vivência por forma contemplativa e crítica”, assim nos fala Jaspers (4, p.501). É preciso ter consciência do que se vivencia e de como se vivencia. Traduzindo em linguagem psicodramática, é necessário que o paciente compreenda o que quer, o que passa, perceba-se agindo e reconheça as conseqüências de tudo isso. Mais que

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“consciência da doença” o que impacta no tratamento do paciente é a “compreensão da doença”, quando “a doença é ajuizada corretamente, em seu todo, segundo sua natureza e gravidade” (4, p.501). Ajudar o paciente na auto-observação de seu estado só é contra-indicado nos casos em que esta auto-observação for de cunho “mórbido”, ou seja, compulsivo ou torturante (4, p.501). Outra forma de entender a resistência do paciente é defini-la como “oposição a mudança” (1, p.126), onde a melhor maneira de lidar com ela é através do aquecimento. Vamos repetir: a melhor forma de interpolar resistências é através de competentes processos de AQUECIMENTO. Como recurso terapêutico, segundo Calvente, interpolação só deve ser praticada se confirmada a resistência, e segundo, interpolar a resistência não significa “bater de frente com o paciente”, mas buscar o “ponto” de menor resistência (1, p.128), objetivo este que o aquecimento muito ajuda. Por este motivo Calvente re-definiu o termo interpolação de resistência como sendo uma “interpolação de aquecimento”, pois segundo ele trata-se de “criar outras condições para revelar o bloqueio” (1, p.131). Com base nesta fundamentação teórica, queremos propor, como sustentação do acompanhamento psicológico de pacientes esquizofrênicos em fase residual, o objetivo de influir positivamente na sua vida, aproveitando os avanços da medicina neste sentido, sobretudo, auxiliando o paciente em condições de escolha, a fazê-las dentro de uma perspectiva que favoreça o seu desenvolvimento nos vários papéis que possa ocupar em sua vida, ampliando seu “espaço vital”.

3. METODOLOGIA

3.1 Teoria, Técnica e Instrumento

Procuramos seguir o seguinte preceito norteador em psicopatologia: “...

referenciais

teóricos,

[devem

servir]

para

a

compreensão das manifestações de nossos pacientes, visando, em última análise, fornecer um embasamento

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claro e nítido para a técnica a ser empregada no atendimento [ou acompanhamento] psicoterapêutico e, em particular, no psicodramático”13.

São os referenciais teóricos, aliados a casuística e a percepção do “aqui-agora” do psicodramatista que devem inspirar o uso das técnicas e, conseqüentemente, deste ou daquele instrumento. No entanto, em nada deve substituir a humanidade do profissional, traduzida pela solidariedade ao outro, pelo amor, pela possibilidade do encontro. Em suma, por estar presente e junto à pessoa do paciente. Assim sendo nos baseamos na teoria da Matriz de Identidade, de J.L. Moreno, para conduzir as sessões de acompanhamento psicológico. A cada sessão buscávamos identificar e diferenciar o conflito subjacente (ou nuclear) da “queixa” da paciente - o que a paciente trazia em seu discurso de abertura na sessão. A identificação da fase da matriz de identidade emergente, a partir da queixa foi a “ponte” para este processo de “aprofundamento” terapêutico. Para isto, partíamos do aquecimento inespecífico e específico, através da utilização das técnicas e instrumentos correspondentes, com fins de alcançar o drama vivido pela paciente em seu aqui-agora. O quadro a seguir ilustra as fases da Matriz da Identidade: FASE

DESCRIÇÃO Há indiferenciação entre o Eu e o Mundo externo (denominado Tu). Esta fusão faz com

FASE 1:

que o indivíduo sinta que o mundo e ele sejam uma só pessoa. É a fase onde inicia a

Identidade do Eu com o Tu

identificação de seus desejos e sentimentos. O processo de diferenciação entre o Eu e o Tu inicia-se. Ocorre que o indivíduo começa

FASE 2: Reconhecimento

a perceber que tem um corpo próprio. E que este corpo é uma fronteira real entre ele e

do EU

o mundo. Começa a perceber suas ações no mundo. Além de perceber pensamentos, sentimentos e desejos próprios, percebe-se AGINDO. O processo decorrente do reconhecimento de si é o reconhecimento do outro, já que

FASE 3: Reconhecimento

“ser no mundo” é um “ser em relação”. Esta é a fase em que reconheço o outro, consigo

do TU

me colocar no lugar do outro, perceber seus sentimentos etc. Fase em que percebo o impacto no outro que minhas ações causam.

Quadro 1 – Matriz da Identidade

13

“Psicopatologias e Psicodrama”, estudo realizado por Armando Oliveira Neto, professor e

supervisor na ABPS. 2004. O trecho destacado refere-se ao capítulo I – Introdução, página 4.

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O quadro abaixo refere-se a utilização das possíveis técnicas e instrumentos correspondentes ao conceito de Matriz de Identidade: Fase da Matriz de identidade

Técnica

Instrumento

Indicada FASE 1: Identidade Eu com Tu

Duplo

Podem ser usados vários instrumentos, inclusive duplo,

FASE 2: Reconhecimento do Eu

Espelho

espelho e inversão de papéis. Mas é sempre o

FASE 3: Reconhecimento do Tu

Inversão de Papéis

instrumento que serve a Técnica, e nunca o contrário.

Quadro 2 – Técnicas na Matriz de Identidade

Os dados para o estudo deste TCC foram levantados em dois blocos de atendimentos da paciente D. O primeiro bloco de atendimentos foi executado por mim, prescindindo da unidade funcional (portanto, sem o ego-auxiliar). Houve 10 sessões, após as quais a paciente foi encaminhada para uma unidade funcional (UF) da própria ABPS (segundo bloco de atendimentos), somando-se mais 19 sessões. Este redirecionamento de D. deu-se devido a impossibilidade da continuidade das sessões da minha parte (motivos profissionais estavam dificultando o cumprimento a termo do compromisso de agenda por mim assumido com a paciente), implicando em ferir a “regra número 1” no psicodrama: estar inteiro. 3.2 A Paciente A paciente “D”, 38 anos, sexo feminino, brasileira, descendente de japoneses, já havia procurado a ABPS pregressamente. O estudo presente contempla a análise dos registros do primeiro bloco de acompanhamento (Atendimento Individual Sem Unidade Funcional) ocorrido de 24 de maio à 20 de setembro de 2004, e o segundo bloco (Atendimento Individual Com Unidade Funcional), transcorrido de 27 de novembro de 2004 até 21 de maio de 2005. Na ocasião do atendimento ela morava com sua mãe, o pai já era falecido e dependiam (a paciente e sua mãe) financeiramente da ajuda de parentes, sobretudo de uma irmã residente na Alemanha. Paciente dizia estar tomando Risperidona®. Em seu histórico no uso de medicamentos disse ter tomado Prozac® por quatro anos, Meleril® por três anos, Orap® durante cerca de um ano e meio, e Haldol® por um ano. Há cerca de 10 anos foi diagnosticada como esquizofrênica.

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Em sua trajetória pessoal conseguiu diversos empregos que em parte era demitida por não corresponder as expectativas de seus contratantes, ou em parte porque eram por tempo pré-determinado de contrato (temporário). É formada em economia, e diz ter um currículo profissional “pobre”. 3.3 Nossa Proposta de Acompanhamento Psicoterápico - Bloco 1 de Atendimentos Frente ao quadro apresentado pela paciente, a proposta oferecida de acompanhamento psicológico foi a de distinguir o que era “tratável” e o que não era “tratável” neste tipo de expediente. A premissa assumida perante a paciente fora que aquilo que é sintomático da esquizofrenia, não seria alvo do trabalho, para isto orientamos tratamento médico psiquiátrico. O foco seria estritamente a sua dimensão psicológica, aquilo de preservado ante a doença, em outras palavras, não trataríamos a esquizofrenia, mas faríamos um acompanhamento psicológico da PESSOA com esquizofrenia. Sabemos, de antemão, que o que é sintomático e o que é da personalidade fundem-se na prática, porém nossa proposta à paciente referiu-se muito

mais

aos

limites

de

aplicação

da

psicologia

e

da

psiquiatria

(interdisciplinaridade), bem como ao esforço que a paciente deveria imprimir na diferenciação entre fantasia e realidade. O desenho abaixo lhe foi apresentado:

Desenho 1: Eu: Dimensão Psicótica X Dimensão Exta-Psicótica.

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Doença

Doença

Eu

Processo da doença

Eu

Objetivo da “Terapia Interdisciplinar”

Desenho 2: Fortalecimento da porção extra-psicótica.

Nota:

Quisemos

dizer

com

“Terapia

Interdisciplinar”

a

combinação

do

acompanhamento psicológico e tratamento psiquiátrico. Imaginando esquematicamente a personalidade da paciente, teríamos uma dimensão esquizofrênica (psicótica) e outra (extra-psicótica) que seria o canal ou conexão com a realidade, factível de intervenção psicoterapêutica. O objetivo de uma ação terapêutica interdisciplinar seria o de ampliar a “força” e a “presença” da porção saudável da paciente em seu “eu”.

3.4 Apresentação das Sessões

A queixa inicial da paciente fora a de ter muita dificuldade em relacionar-se com outras pessoas. Não consegue estabilidade nos empregos. Isola-se socialmente com freqüência, ao mesmo tempo, não sabe por que os outros não se envolvem com ela. Conhece seu diagnóstico de esquizofrenia, e referiu-se a doença diversas vezes como sendo seu grande problema, atribuindo suas dificuldades pessoais, afetivas e sociais a ela. Paciente com pouco repertório de papéis.

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Descrição das Sessões – Bloco 1: Atendimento Individual Sem Unidade Funcional

Sessão: 01 - 24/05/04 - “Apresentação da doença x Apresentação da pessoa” Queixa Inicial: Relata que é esquizofrênica e que o primeiro surto se deu há cerca de 10 anos atrás, na Alemanha. Estava andando na rua quando ouviu uma voz (alucinação) que lhe ordenou tirar as roupas (a menos de 10 graus centígrados) e a andar em linha reta, passando por cima de carros, chafariz etc. A polícia local a recolheu. Também relatou que, já no Brasil, conheceu num elevador um radialista e, segundo ela, este se interessou por ela. Como ela não correspondeu ao flerte, o radialista começou a xingá-la em plena transmissão do programa de rádio (delírio / alucinação). Queixou-se de sua dificuldade em relacionar-se com o outro e não conseguir estabilidade nos empregos. Não sabe por que os outros não a toleram, especialmente no ambiente de trabalho. Inúmeras vezes fez menção ao seu problema de esquizofrenia, perguntando se poderia tratar da esquizofrenia na terapia. Fase: Segunda e terceira fase. Paciente apresentou dificuldade em perceber o que, no seu comportamento, incomoda os outros. Ao mesmo tempo, de se colocar no lugar dos outros. Técnica: Espelho e inversão de papel. Instrumento: Enquadre, duplo e espelho. Resultado: A primeira sessão foi utilizada principalmente para enquadre inicial. Devido a natureza do quadro e a inexperiência do psicólogo o prognóstico não foi apresentado de forma assertiva.

Sessão: 02 - 31/05/04 - “Falar da doença / do passado” Queixa Inicial: Ainda queixando-se muito da doença (esquizofrenia). Diz estar muito presa ao passado. Tem relacionamento muito difícil com irmã, que acredita que não existe doença e sim que é “coisa do demônio” (a irmã é evangélica). Queixou-se também da dependência financeira da irmã, já que não possui fonte de renda própria. Sente um vazio enorme no peito e muita tristeza. O peito “arde”.

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Fase: Primeira e segunda fase. Desconhece o significado do “vazio” / tristeza. Paciente se colocando como vítima da situação. Técnica: Escolhido o espelho. Instrumento: Duplo, espelho e interpolação de resistência. “Reenquadre”. Resultado: Retomada do enquadre psicoterapêutico junto a paciente. Foi proposto acompanhamento psicológico, onde o foco não era o quadro esquizofrênico e sim os aspectos psicológicos envolvidos na organização e significação da doença, realizados pela paciente, objetivando a melhoria de sua qualidade de vida. Paciente aceitou a proposta de trabalho. A sessão foi de difícil manejo. Diretor optou por tentar interpolar resistência através de perguntas que quebravam a lógica delirante da paciente, que buscava insistentemente se colocar na posição de vítima da situação. Houve também a quebra da lógica da “volta ao passado”, paciente queria falar do que já havia dito na sessão anterior (o caso de seu surto na Alemanha, o radialista, o desejo de “cura” de sua doença). Procurou-se um vínculo com o presente e com coisas “reais e atuais”, ou seja, o que no momento estava se passando com ela? A sessão não avançou muito neste sentido.

Sessão: 03 - 07/06/04 - “Doença / Sintomas x Drama profissional” Observação: Precisei verificar em supervisão os efeitos colaterais no uso da medicação (Respiridona®). Sente muita moleza e falta de ânimo. Sente-se “sonsa” , boba. Também acha que sua memória “recente” é muito fraca. [vide capítulo sobre “Tratamentos Antipsicóticos” e Anexo A “Respiridona®”]. Queixa Inicial: Sente-se mole e sem iniciativa para fazer as coisas. Acha que por isso não consegue ficar nos empregos. É capaz de ficar sentada numa cadeira sem fazer nada o dia inteiro (sintomas negativos – critério A5 – DSM-IV). Diz que a memória é muito fraca, esquece muito fácil as coisas. Volta a referir-se ao vazio no peito e a ardência no peito. Fase: Primeira e segunda fase. Explorei um pouco seus sentimentos e busquei entender se havia algum reflexo do medicamento que a paciente estava usando (efeito colateral). Orientou-se a paciente a buscar informações junto a seu médico. Foi feito role playing de uma experiência vivida pela paciente com a finalidade de espelhar seu comportamento.

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Técnica: Duplo e espelho. Instrumento: Duplo, espelho e role playing. Resultado: Paciente não obteve uma resposta quanto ao vazio em seu peito. D. apresenta pouco repertório de atuação. No role playing a paciente atuou de forma tímida, mas se propôs a atuar. Utilizamos de um acontecimento recente vivido pela paciente - a entrevista de uma oportunidade de emprego - já que a paciente associou sua atitude a sua dificuldade em permanecer no emprego. A paciente aceitou bem a proposta. Na entrevista buscou-se espelhar para a paciente seu comportamento, e tentar responder a questão do por que não consegue estabilidade no emprego. Também foi tentado o compromisso da paciente procurar pelo seu médico psiquiátrico.

Sessão: 04 - 14/06/04 - “Sintomas negativos da doença x Alternativas para sair do rodamoinho” Observação: Paciente diz adorar fazer terapia (fez mais de 8 anos de psicanálise, além de tratamentos psiquiátricos)

Queixa Inicial: Paciente volta à queixa de que não se vê com iniciativa e força para “fazer as coisas”. Chega a afirmar que lhe falta motivação. O vazio permanece no peito. Fase: Primeira e segunda fase. Diretor procura explorar a sensação de “vazio no peito”. Técnica: Duplo. Instrumento: Fizemos no quadro-negro uma relação das pessoas que a paciente admira; Duplo e espelho. Resultado: Reflexão sobre a falta de perspectiva experimentada pela paciente, que embora tenha algumas respostas (reconhece que precisa mudar, que não pode depender exclusivamente da psicoterapia como forma de relacionamento com o outro, que precisa ter mais iniciativa, que deve se desprender do passado para viver melhor o presente etc), não consegue se comprometer com a mudança. Sente que falta elemento motivador. Fez referência a um antigo e único namorado, na adolescência, e que nessa época era um exemplo de força de vontade e vida interior.

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Sessão: 05 - 21/06/04 – “Interrupção 1” Observação: Esta sessão encerra uma etapa do processo psicoterápico, já que o psicólogo entrará em período de férias, que se estenderá até a primeira quinzena de agosto. Temática da sessão: Paciente faz uma retrospectiva das sessões até o momento. Fase: Primeira fase. Estabelece um compromisso com relação ao que deseja. Técnica: Duplo. Instrumento: Duplo. Resultado: Paciente relata seu reconhecimento da dependência da terapia como “muleta” de relacionamento, já que no mundo exterior não consegue estabelecer contatos mais profundos. Verbaliza compromisso de experimentar neste intervalo de férias uma nova conduta que a possibilite relacionar-se melhor com os outros. Também se compromete a disciplinar-se na busca de estabilidade de um trabalho remunerado.

Sessão: 06 - 25/08/0414 – “Sintomas da doença e o impacto na vida da paciente – Buscando focalizar o drama de vida” Observação: Retorno das férias

Queixa Inicial: Paciente retorna à queixa de não conseguir se voltar para o presente, fixando-se no passado, sobretudo ao “romance” vivido com um locutor de rádio, “romance” que até hoje não sabe se foi real ou não. [indiferenciação da realidade-fantasia]. Temática Identificada / Conflito Atual Situacional: “Minha cabeça voa, sintome presa ao passado”. Fase: Primeira e segunda fase. Técnica: Duplo e espelho.

14

A partir da sessão 06 (bloco 1 de atendimentos), o roteiro do relatório passou por uma atualização e os registros se tornaram mais “ricos”.

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Instrumento: Buscamos identificar o significado de “cabeça voa” e “presa ao passado” (utilizando-se do duplo). O direcionamento do questionamento foi sobre a fonte geradora da sensação de “prisão”, para que a paciente pudesse avaliar as conseqüências em sua vida. O que se demonstrou foi que os pensamentos refletiamse em um tipo de comportamento, a saber, o comportamento de passividade. Comentários: Paciente localiza a sensação de prisão na região da cabeça. Paciente trás o passado não como uma lembrança ou forma de manter sua história de vida preservada, mas como estratégia para desprender-se da realidade que a cerca. Um “desprendimento que prende”. Um “vazio”. Esta observação foi apontada para a paciente.

Resultado: Reflexão. Paciente associa sua alienação do presente com os comentários aqui apontados.

Sessão: 07 – 01/09/04 – “Drama de vida: se percebendo agindo” Queixa Inicial: Disse que conseguiu um emprego, sentindo-se feliz por ter sido a escolhida em meio a um grande número de concorrentes, mas ao mesmo tempo teme não levar a termo as obrigações que lhe serão confiadas. Trouxe para a sessão o sentimento de sentir-se “insignificante”. Temática Identificada / Conflito Atual Situacional: “O que significa insignificante para mim?”. Fase: - Primeira fase: “O que significa para mim sentir-me insignificante?”. - Segunda fase: “Como me vejo agindo?” Técnica: Duplo e espelho. Instrumento: Questionamento e encenação do “Significado do sentimento de insignificância”; fiz uma inversão de papéis para que ela pudesse se ouvir e perceber sua postura. Ocorreu uma entrevista na qual a paciente inverteu de posição com o psicólogo. Então a paciente me entrevistava, e eu respondia realizando seu duplo. Comentários: Cliente diz ter se observado na posição de vítima.

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Resultado: Conclusões foram tomadas no sentido de ser mais realista e menos “destrutiva” consigo mesma (auto-crítica destrutiva). Foi questionado junto a paciente o quanto a “fuga da realidade” (pela tendência a devaneios e fantasias) também tinha a ver com sua dificuldade de aproximação com o “outro”, de relacionamento com o outro?

Sessão: 08 – 08/09/04 – “Drama de vida: discernir o que é percepção real daquilo que é percepção distorcida de si mesma” Queixa Inicial: Paciente inicia dizendo que quer conhecer seus REAIS LIMITES. Temática Identificada / Conflito Atual Situacional: “Quais são meus reais limites?”. Fase: Segunda fase. Como me vejo agindo? Do que sou capaz? Do que não sou capaz? Técnica: Espelho. Instrumento: Entrevista e “esquemas” no quadro-negro para demonstrar como ela age. Abordamos também seu “átomo social”. Comentários: Paciente percebe que há uma auto-crítica muito severa de si mesma. Também o modelo de relacionamento que tem é restritivo, ela mesma se isola. Sua rede sociométrica é muito limitada: a mãe e irmã, o psicoterapeuta e mais recentemente

uma

colega

no

trabalho.

Terapeuta

questiona

sobre

que

comportamentos a paciente teria demonstrado que poderiam levar sua família a “depreciá-la”? Sua relação familiar é crítica: mãe e irmã, segundo a paciente, a depreciam em sua capacidade. Paciente não enxergou aspectos positivos de seu comportamento ou personalidade. Resultado: Ela diz dar-se conta de sua responsabilidade neste processo e do esforço pessoal, necessário agora, para potencializar sua auto-confiança e uma imagem mais positiva para si mesma e com relação a família. Outra conclusão chegada foi que sua auto-crítica funciona como depreciação de si mesma, não de forma realista, porque exagera na ênfase de suas limitações. É uma auto-imagem distorcida, fantasiosa.

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Sessão: 09 – 20/09/04 – “Drama de vida: no caso, drama de ajustamento profissional frente ocorrência de sintomas delirantes” Queixa Inicial: Trás o medo de expor-se diante da autoridade (no caso, o gerente em seu trabalho). Temática Identificada / Conflito Atual Situacional: “Ele – o gerente – não precisa dizer nada, só o fato dele estar presente, me faz travar.” Fase: Segunda e terceira fase. Exposição de um conflito nuclear: delírio persecutório. Acredito que o sintoma esteja ligado a aspectos do quadro esquizofrênico. A paciente já expressou vários relatos onde a “fantasia” se sobrepõe aos dados de realidade, no entanto, esta situação não representa o passado, mas um drama vivenciado no seu aqui-agora. Técnica: Espelho e inversão de papel. Instrumento:

Inversão

de

Papéis

e

Interpolação

de

Resistência.

Dramatizamos a cena dela no escritório onde trabalha com seu chefe. Na cena, ora ela representava a si mesma, ora o seu chefe. Na inversão de papel colhe o solilóquio de seu chefe, que não confirmou os delírios da sua funcionária (a paciente), porque a mesma não lhe dava motivo algum que a desabonasse. Este recurso psicodramático demonstrou à paciente que sua angústia não advinha da realidade, mas da fantasia. Comentários: Ao se colocar no lugar do outro, evidenciou-se a fantasia. A paciente mesma chegou a conclusão do fenômeno. Resultado: Paciente diferencia fantasia de realidade, a partir da vivência psicodramática. É proposta uma reflexão sobre o comportamento de “vítima x protagonista da situação”.

Sessão: 10 – 18/10/04 – “Interrupção 2: porém, com paciente assumindo protagonismo da situação” Observação: Devido a problemas pessoais, de ordem profissional, o psicólogo entrou em contato telefônico com a paciente, informando-lhe de suas faltas (respectivamente 27/09; 04/10 e 11/10).

A 10ª sessão teve como objetivo o encerramento do processo psicoterápico comigo e encaminhamento da paciente para unidade funcional da ABPS.

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Paciente reage a situação expressando seus sentimentos de desagrado ante as faltas do psicólogo, e diz que não é possível a continuidade do processo desta forma. A orientação prévia em supervisão era a de transferir, caso a paciente aceitasse, o atendimento para uma unidade funcional na própria ABPS. Sua manifestação, embora sob circunstâncias não desejadas, foi valorizada, sobretudo devido a sua história de falta de iniciativa e assertividade. Desta vez, ela tomou a frente ante a problemática situacional (em consultório) e se colocou em cena, se posicionou (no caso, frente as faltas do psicólogo) e manifestou claramente seu interesse em resolver a situação. No balanço do processo de acompanhamento psicológico a paciente relata que estava ocorrendo uma “evolução”, porém foi interrompida, mas que o encaminhamento aos outros colegas será bem aceito por ela.

Descrição das Sessões – Bloco 2: Atendimento Individual Com Unidade Funcional

A proposta de acompanhamento do Bloco 2 de atendimentos, feita pela unidade funcional não foi expressa da mesma forma que no Bloco 1, no entanto, lendo os relatórios de apontamento da UF, observamos uma estratégia de atendimento muito semelhante a nossa, por isso a incluímos neste trabalho. A seguir apresentamos os registros complementares das sessões em unidade funcional, às quais a paciente foi encaminhada. As sessões também são norteadas pela Teoria da Matriz de Identidade e podemos observar o esforço da unidade funcional em objetivar as escolhas que a paciente pode vir a fazer em sua vida, deixando o tratamento da doença para a medicina psiquiátrica. Estas informações mostraram-se fundamentais para nossas considerações neste trabalho. A unidade funcional assumiu o caso em 27/11/2004, seguindo seu trabalho com a paciente até 21/05/2005, totalizando 19 sessões. Após a décima nona sessão, com a saída do diretor desta unidade funcional, a paciente segue tratamento tendo como novo diretor o terapeuta que era seu ego-auxiliar. Mas esta terceira etapa do acompanhamento psicológico não foi analisada aqui. O Relatório de acompanhamento das sessões em unidade funcional seguiu novo formato, contendo os seguintes itens de norteamento: queixa inicial;

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aquecimento

inespecífico;

aquecimento

específico;

papel

(social,

cultural,

psicossomático) adotado pelo paciente; dramatização; instrumentos; comentários; auto-supervisão; além do quadro descrito abaixo: 1ª Fase ( ) 2ª Fase ( ) 3ª Fase ( ) Tipologia

( ) Neurose ( ) Psicopatia ( )

Paranóide ( ) Histérico ( ) Obsessivo ( ) Depressivo ( ) Conversivo ( ) Fóbico

( ) Psicopático ( ) Depressivo ( ) Rituais Obsessivos ( ) Idéias Obsessivas

Angústia: Vital ( ) Real ( ) Existencial ( ) Moral ( ): ( ) Consciente ( ) Inconsciente

Quadro 3 – Orientação para diagnóstico

A paciente D. volta a colocar sua queixa como sendo sua dificuldade em lidar com sua doença, a esquizofrenia, de criar e manter vínculos, tendência em se isolar e dificuldade em arrumar / manter-se no emprego. Não pretendemos nesta seção, apresentar na íntegra todas as sessões em unidade funcional, mas destacar algumas ocorrências que, a nosso ver, agregaram valor ao estudo. Resumidamente destacamos dos relatórios estudados o seguinte:

Sessão: 1 – 27/11/04 – “Apresentação da doença x apresentação da pessoa” Seu problema é a esquizofrenia, sua família não aceitou bem sua doença. Até hoje sua irmã que mora na Alemanha não aceita isso, acha que é “coisa do demônio”. Ouve vozes, agora “sabe que elas existem”. As vozes a acusam. Afirma estarem controladas, no entanto, outro dia viu um homem em frente ao seu trabalho, acha que era um detetive, e a estava seguindo. Tem um currículo profissional “pobre” e isso a atrapalha em conseguir bons trabalhos. Quer muito se relacionar com outros, mas não consegue. Diretor faz anamnese e enquadre do processo terapêutico.

Sessão: 2 – 04/12/2004 – “Sintomas da doença X Drama profissional” Desligou-se do emprego, e se arrependeu de se despedir dos colegas, pois ninguém se importou com sua saída. Diretor pergunta então como era seu relacionamento com seus colegas, paciente diz que se isolava, evitava contato. Diretor indaga; “Como estes se incomodariam com ela, se esta os evitava e se isolava?” (Espelho). [A nosso ver, diretor também fez interpolação de resistência. Neste caso,

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a resistência em enxergar as conseqüências de seu isolamento. É impossível sentir a falta de alguém com quem não se conviveu. Caberia também inversão de papel – assumir o contrapapel dos colegas de trabalho para que pudessem lhe fazer um espelho].

Sessão: 3 – 11/12/2004 – “Fantasia x doses de realidade” Elogiou sessão passada, pois começou a observar o quanto se isola. Mas não consegue evitar isso. Disse que é economista e gostaria de trabalhar na área mas seu currículo é pobre, gostaria de trabalhar em “gerência”. Sua irmã na Alemanha acha que deve parar de tomar o remédio, mas D. disse que não, pois o remédio a ajuda a controlar a doença. Diretor trabalha no sentido de checar a realidade com a paciente, inclusive abordando a dificuldade que é disputar o mercado de trabalho sem aprimoramento profissional.

Sessão: 4 – 18/12/2004 – “Fantasias se sobrepondo a realidade” Diretor aborda a idéia de a paciente participar de um grupo psicoterápico. Paciente gosta da idéia de conversar com pessoas que têm a mesma doença. Paciente rejeita proposta de emprego para trabalhar numa secretaria escolar, e justifica que quer algo melhor, como trabalhar como gerente. Diretor novamente trabalha a relação entre desejo e realidade. Unidade funcional já sente dificuldades em abordar as idéias delirantes da paciente.

Sessão: 5 – 22/01/05 - “Avança o quadro psicótico sobre a personalidade” Paciente alega estar se isolando. D. expressa ter capacidade para ser gerente ou algo mais. Está em um novo emprego, e se isola cada vez mais. Às vezes as fantasias acabam atrapalhando o exercício de suas tarefas. Segundo anotações no relatório diretor diz sobre a paciente: “Às vezes se deita e acorda com aqueles sonhos; pensa na emissora de rádio e naquele radialista que ‘Me xingou’” (fala sobre seus delírios). Diretor trabalha a técnica do espelho para demonstrar a diferença entre o que ela pensa / deseja e o que ela faz. [Analisando esta sessão, notamos indícios de

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que a paciente está sobre forte influência de seu quadro clínico psicótico. As sessões seguintes vão confirmando esta hipótese].

Sessão: 6 – 29/01/2005 – “Conserva psicótica: a doença corrompendo processos de espontaneidade da paciente” Novamente desempregada por causa do término do contrato de trabalho. E novamente se queixa da frieza das pessoas ao se despedir dela no antigo emprego. A mesma situação descrita na sessão 2. Diretor sente muita dificuldade em lidar com a paciente. Processo terapêutico entra numa “espiral para baixo”. Dificuldade de manejo e de resposta da paciente.

Sessão: 7 – 19/02/2005 – “Domínio dos sintomas psicóticos” Paciente chega agitada. Referiu-se novamente a situação do rádio [a situação é que quando trabalhava numa estação de rádio, ao pegar o elevador por duas vezes, encontra-se com um radialista, o qual a olha de forma séria, uma das vezes ele a olhou e ela respondeu com uma careta. Depois disto, segundo ela, ele manda mensagens para ela através do rádio. Como ela não lhe corresponde, ele a ofende no ar]. Paciente fica em casa o dia todo vendo TV, porém gostaria de casar, ter filhos. Mas argumenta: “Quem iria namorar com uma esquizofrênica?” Diretor e ego sentemse impotentes no apoio psicológico, segundo consta no relatório de atendimento: “Paciente, embora medicada, entra constantemente em seu mundo. Não consegue ver outra coisa além da doença”.

Sessão: 8 – 26/02/2005 – “Quadro psicótico agravando-se” D. diz sentir-se fraca, desanimada e sem vontade de levantar da cama. Há tempo não vai à psiquiatra, tem a sensação de que vai surtar. Acha que a médica a tratou mal da última vez. Está tomando o remédio, mas não vê efeito. Diretor trabalha na idéia dela voltar à psiquiatra e checar sua percepção a seu respeito. E ela revê sua opinião.

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Sessão: 9 – 05/03/2005 – “Unidade funcional compartilha o drama da dificuldade do acompanhamento psicológico / busca compromisso a retomada do tratamento psiquiátrico” Paciente diz que não está bem, acorda e dorme com as idéias do “rádio” (delírios). Diretor sugere novamente a necessidade de acompanhamento psiquiátrico e expõem as dificuldades de avançar o acompanhamento psicológico nas condições do momento (demonstra através de inversão de papéis com a paciente). Também procura ampliar o contexto trazido pela paciente, abordando outros aspectos de sua vida. Diretor dramatiza uma cena em que o ego inverte de papel com a paciente. Paciente entrevista o ego (que faz seu papel). A inversão de papel é usada como instrumento, para a técnica do espelho. O intuito é que a paciente perceba seu estado deprimido e delirante e admita a necessidade premente de apoio psiquiátrico.

Sessão: 10 – 12/03/2005 – “Drama: Falar da doença em mim ou Falar de mim?” Paciente responde a sessão anterior e disse que foi à médica, e que ela lhe aumentou a dose do remédio. Nesta sessão foi feito um espelho muito interessante, onde utilizou-se da seguinte estratégia psicodramática: dividiu-se a sala em duas partes, por almofadas. O lado esquerdo representaria o assunto esquizofrenia, o lado direito representaria todos os demais assuntos (emprego, família, namoro etc). Assim o diretor abriu com a pergunta: “O que você quer falar hoje?”. Começou a falar do emprego mas logo voltava à esquizofrenia, com isto começou a perceber que ficava muito mais tempo do lado esquerdo da sala, em torno do assunto de sua doença do que do lado direito, ou seja, daquilo que poderia lhe permitir melhorar sua qualidade de vida. Paciente percebeu sua atitude e a sessão fechou com o depoimento dela de que a médica havia citado que poderia surtar mesmo com o remédio, e que isto poderia se dar devido a percepção ou experiência muito negativa de sua própria realidade.

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Sessão: 11 – 19/03/2005 – “Sintomas negativos da doença x Apoio psicoterápico e compromisso do paciente” Paciente diz ter tido uma semana em que nada havia mudado. Ainda desempregada. Paciente muito desmotivada. Pensou até em parar a terapia por falta de dinheiro. Diretor trabalha com ego-auxiliar para fazer espelho sobre a postura pessimista da paciente e suas conseqüências. Trabalha alternativas práticas, reais e viáveis junto a paciente, embora ela não quisesse pensar a respeito. Ainda assim listam um conjunto de possibilidades no quadro-negro e pedem a D. que pense numa solução durante a semana para apresentá-la na próxima sessão. Diretor chegou a formular a hipótese de que a paciente não estava comprometida com seu drama fora da sessão. Sessão: 12 – 26/03/2005 – “Tentativa de destacar a personalidade dos sintomas da doença” Paciente diz que as vezes ainda sente desânimo, mas também reconhece que algumas coisas dependiam dela. Sente que o remédio ajuda um pouco, mas diz “Às vezes sinto-me sem ânimo para reagir ... Penso em ter um namorado. Penso em arrumar um trabalho. Mas... É como se alguém me impedisse”. Diretor chama paciente para contracenar com ego sua angústia. O ego-auxiliar, neste episódio, representa uma massa de argila em que a paciente molda a ela mesma (seu estado de espírito). O diretor e a paciente entrevistam os sentimentos do “ego-argila” que retrata a paciente e na seqüência, o diretor pede para a paciente inverter de papel com o egoauxiliar, assumindo seu lugar (que representa ela mesma). Explora-se a primeira e segunda fase da matriz de identidade.

Sessão: 13 – 02/04/2005 – “Drama: compromisso com o acompanhamento psiquiátrico” D. não se sente bem, como se tudo fosse voltar de novo (refere-se ao episódio do rádio). Diretor lembra a paciente de procurar sua psiquiatra. D. manifesta que não se sente bem numa encenação psicodramática (sente-se ridícula). Diretor fecha acordo de não mais chamá-la para encenação, e tem da paciente a aprovação de usar apenas o ego auxiliar para isto. Diretor valoriza o fato da paciente ter se posicionado na sessão, parte do princípio que dizer o que sente para as pessoas é se relacionar.

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Usa a relação aqui-agora paciente-terapeuta como modelo para a vida. Paciente compromete-se a ir à psiquiatra durante a semana.

Sessão: 14 – 09/04/2005 – “Drama de vida: manter a casa própria ou viver de renda? (leitura da realidade)” Paciente relata ter ido à psiquiatra. Relata que foi bom ter checado, novamente, que a psiquiatra a trata bem, que foi apenas uma impressão errada que havia tido da médica (doses de realidade). Novo aumento de dose do medicamento, mas ainda não percebeu o efeito. Cita um fato novo. Fala que a irmã que está na Alemanha, e que mantém financeiramente ela e a mãe no Brasil, pediu para venderem a casa e se mudarem para Foz do Iguaçu. Com isto viveriam de renda. Após indagação do diretor sobre a viabilidade deste plano, D. faz a seguinte análise: “Sabe Aparício, acho que isso não irá acompanhar a inflação e a desvalorização [do dinheiro]”. E como estratégia, para impedir a venda, ela e a mãe combinaram de colocar o preço de venda bem acima do mercado, impedindo a venda do imóvel. Diz que seria terrível ter que viver de aluguel. [A nosso ver, o que impressiona nesta sessão é a análise realista que a paciente faz da situação. Lembremos inclusive que ela é formada em economia].

Sessão: 15 - 16/04/2005 – “Drama de vida: o meu futuro a partir do meu presente” Paciente sente ligeira melhora. Diretor pergunta sobre seu retorno à psiquiatra, e paciente diz que volta no próximo mês. Paciente retoma o assunto sobre a estratégia adotada de “não venda” de sua casa, e diz ter pensado muito no futuro (sua mãe já está velha, e ela acabará por ficar sozinha). Diretor fala sobre aposentadoria, mas paciente diz que ainda quer trabalhar. Diz que vai continuar mandando currículo e tentar um concurso público. Diz que já passou em um concurso da Petrobrás uma vez, mas não conseguiu reunir documentação necessária para ingressar na empresa. Diretor trabalha alternativas reais e viáveis com paciente.

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Sessão: 16 – 30/04/2005 – “Drama de vida: o desejo de relações sociais e afetivas x o isolamento social” Acha que o remédio está fazendo efeito, diz: “Aquela fantasia do rádio, não estou mais sentindo”. Relata que pensou na falta que sente de ter um namorado, mas coloca o impedimento da doença (“Quem namoraria com uma esquizofrênica?”). Diretor se prontifica a procurar juntos um grupo em que ela possa se inserir (com a mesma problemática dela). Paciente gosta da idéia, embora tema um pouco não conseguir vencer a tendência que a doença provoca ao isolamento. Diretor faz a contra-posição entre a tendência ao isolamento e a necessidade de relacionamento social e afetivo [interpolação de resistência]. Como a paciente responde com receio a esta questão o ego entra com a técnica do duplo: “Me sinto incapaz”; “É difícil”; “Quem vai me querer?”. Diretor espelha: “Me parece que você já inicia algo não acreditando que dará certo”.

Sessão: 17 – 07/05/2005 – “Drama de vida: o que é minha doença, o que sou eu?” Paciente refletiu muito sobre a idéia de participar de um grupo. Gostou da idéia. Diretor explora se há algum apoio familiar que a paciente goze. Segundo ela, todos a consideram doente (de forma pejorativa). Diretor lembra que em sessão passada ela afirmava não acreditar em si (ser incapaz). Diretor questiona sobre de quem é a percepção de “incapacidade”, da família ou da paciente? A paciente fica pensativa. Diretor faz duplo: “Sinto-me mal, confusa... É como se fosse uma coitada... fraca... doente...”. Paciente confirma o duplo e chora. Diretor contrapõe valorizando alguns passos importantes dados pela paciente: o fato de ter ido ao médico, de estar fazendo terapia [interpolação de resistência]. Diretor procura então analisar o contexto dizendo que a doença impõe algumas condições limitantes mas que a paciente pode adotar ações concretas que melhoram efetivamente sua vida.

Sessão: 18 – 14/05/2005 – “Drama de vida: protagonismo” Paciente relata que ficou um pouco “pesada” com a sessão anterior, no entanto, “as coisas ficaram mais claras”. As coisas que ficaram mais claras para a paciente, segundo ela, foram:

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a) Como a família a vê (como uma doente); e b) Percebeu também que o fato de ter uma doença não significa que não possa fazer outras coisas, como continuar procurando emprego, sem desistir, mandando currículo.

Diretor adotou a tática de perguntar “como realizar” estas coisas que havia percebido. Listou tarefas a serem realizadas. E diante da “dificuldade financeira” em pegar ônibus e metrô, diretor falou da possibilidade de se conseguir uma carteira especial de embarque livre para portadores de necessidades especiais. Paciente ignorava este direito. Antes do término da sessão, diretor fala sobre sua saída da unidade funcional, prevista para a 19ª sessão. [Lembro-me que nas primeiras sessões do Bloco 1 de Atendimentos, a paciente queixava-se de um “vazio”. Parece-me que a unidade funcional conseguiu “dar peso” a este “vazio”. “Dar peso” neste caso significou tornar as coisas “mais claras”. A paciente compreendeu, numa importante medida, que a doença impõe limites, mas não impõe as suas escolhas de vida].

Sessão: 19 – 21/05/2005 “Colhendo alguns frutos...” Paciente sente-se bem e diz que o medicamento parece estar ajudando. Também relata que foi atrás da carteira especial para transporte (ônibus e metrô) e que já estava encaminhada a solução. Diretor disse que esta carteirinha poderia ajudá-la inclusive em uma colocação profissional, já que algumas empresas teriam menor custo com ela. Esta foi a sessão de fechamento da unidade funcional. O motivo apontado foi a complementação das horas de diretor, enquanto que o ego se prontificou, caso a paciente concordasse, em continuar o trabalho e assumir a posição de diretor, mas sem compor nova unidade funcional. Paciente aceitou. Relato final da paciente: “Vocês foram sempre profissionais comigo. Sempre éticos. Sempre me comunicando das coisas. Vocês sempre ligando, avisando de horários e oportunidades para mim. Como no caso do curso “Desempregado”. Obrigado. Não tive sorte com outros profissionais, mas vocês foram sempre éticos e profissionais comigo” [No final, o que vale, é a humanidade!]

Diretor termina concluindo a sessão com a música “Amanhã” (Guilherme Arantes), e agradece a dedicação da paciente e a possibilidade de aprendizado da unidade funcional proporcionado por ela.

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4. DISCUSSÃO / REFLEXÃO

Sobre a doença sabemos que seu curso passa por fases bem distintas: fase prodrômica (prenúncio da doença); fase ativa da doença (crise); depois da recuperação da crise chega-se a fase residual (pelo resto da vida). A evolução da doença faz-se sob episódios. Observamos, a partir da análise dos atendimentos, que a paciente corresponde ao quadro de esquizofrenia relatado no DSM-VI, pois apresentou delírio (persecutório), relatou alucinações e demonstrou forte presença de sintomas negativos (com destaque a avolição) - Critérios A1, A2 e A5. “Durante esses períodos prodrômicos ou residuais, os sinais da perturbação podem ser manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A presentes de uma forma atenuada” (17). Também pode ser observado o critério B presente, pela sua dificuldade na adaptação social e no trabalho e tendência ao isolamento. Os demais critérios também foram atendidos. A dificuldade em lidar com uma paciente psicótica foi imensa! Tanto no primeiro como no segundo bloco de atendimentos. A começar pela falta de referência do que é esquizofrenia. A tentativa de aplicar os conceitos, técnicas e instrumentos do psicodrama neste caso, teria sido heróica, não fossem as orientações em supervisão. Funcionou, como pretendemos argumentar aqui, mas a que preço? De qualquer forma, valeu o aprendizado. E o que pudemos aprender? Primeiro que é “loucura” um psicólogo assumir acompanhamento psicoterápico de paciente psicótico (ou psicopata, neurótico, seja lá o que for), sem fundamentação teórica sobre o nicho de doença mental que pretende atuar. Este é o “b-a-bá” do aprendizado. Também que uma boa supervisão é essencial. Segundo que é necessário uma anamnese mais direcionada para casos que envolvam esquizofrenia (vide Apêndice A). Esta anamnese daria informações relevantes, que ao longo do acompanhamento poderiam ser de alguma valia. Investigar dados como: 

Interajustamento prévio a doença;



Início agudo ou crônico da doença;



Idade (quanto mais cedo a doença, mais grave);



Evento(s) precipitador(es);

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Perturbação do Humor associada;



Duração dos sintomas na fase ativa (quanto maior o tempo, maior a gravidade);



Presença de sintomas residuais (quanto mais e mais freqüentes, mais grave);



Presença ou não de alguma anomalia cerebral;



Funcionamento neurológico;



Histórico familiar de transtorno do Humor;



História familiar de esquizofrenia.

Desconhecemos, por exemplo, se houve algum fator precipitante que desencadeasse a doença e, portanto, se esta informação poderia ser utilizada a benefício do acompanhamento. A capacidade de resposta da paciente ao acompanhamento psicológico mostrou-se inversamente proporcional ao agravamento de seu quadro psicótico, ou seja, quanto mais afetada estava pela doença, menos respondia, menos era influenciada, mais se fechava em seu mundo. A nosso ver, a estratégia adotada de não focalizar a doença foi primordial para lidar com esta situação limite. Lembremos que, quando o quadro psicótico ficou mais agudo (sessões 5 à 9 – bloco 2 de atendimentos), a unidade funcional procurou elaborar o drama deste momento, ou seja, a realidade psicótica como entrave ao acompanhamento psicológico. A nosso ver, utilizou-se o tempo em sessão de forma produtiva na medida em que, em vez de “tratar” de sua psicose nas sessões, a UF focalizou a realidade clínica da paciente, espelhando a necessidade de tratar seus sintomas com quem era competente para isto – sua psiquiatra. Este havia sido o enquadre inicial proposto a paciente. Era imperativo que D. se apresentasse em condições de fazer escolhas para que o acompanhamento psicológico pudesse surtir seu efeito. A paciente mostrou-se sim, influenciável ao processo psicoterapêutico, como podemos constatar. Foi a busca da porção extra-psicótica da paciente, descrita por Schneider (9, p.157), e o investimento em seu desenvolvimento que contribuíram para a retomada e progressão do acompanhamento psicológico.

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O grande desafio durante todo o acompanhamento para os terapeutas – e muito mais para a paciente – foi distinguir o que era função da doença, e o que era função da personalidade. Concomitante a isso, pudemos constatar que o principal conflito vivido pela paciente é mesmo a angústia da inconciliação, e ao mesmo tempo da indiferenciação, entre a fantasia e a realidade. Observamos que métodos meramente discursivos para o convencimento do que é real ou fantástico nas percepções / concepções do paciente não têm valor terapêutico. Primeiro porque se trata de uma percepção externa ao paciente, ele teria que abandonar o que vê em si para adotar o que não vê proveniente do outro (no caso, do psicólogo). Impossível de acontecer, sobretudo a pessoas com baixa tele. Segundo porque, invertendo de papel com a paciente, o discurso de convencimento mostra-se impositivo e unilateral, acirrando o conflito entre o desejo individual do paciente e as limitações do mundoreal-circundante e indo na contramão da adequada interpolação de resistência. A solução psicodramática para lidar com o discurso fantasioso do esquizofrênico foi trazer este discurso para um campo “tridimensional”, quer dizer, colocando-o em cena (palco psicodramático). Abstemo-nos de interpretar suas fantasias e delírios para que, no concreto, pudéssemos avaliar a sua ação no mundo real, não o seu discurso fantástico. A psicologia da ação permite trazer para o concreto aquilo que é imaginário. Com isto, permitiu também à paciente revisar percepções distorcidas da realidade, dando-lhe o ensejo de rever conclusões enviesadas que levavam a comportamentos prejudiciais ao seu viver no mundo. O objetivo do acompanhamento psicológico foi demonstrar que nem tudo era atributo da doença, havia conseqüências em sua vida provocadas por ela mesma. A “boa notícia” é que a paciente não estava TOTALMENTE a mercê de sua patologia. “Distinguir para alargar”: nosso foco terapêutico foi o de ampliar o contexto para clarificar a percepção da realidade, e vice-versa. Este é um trabalho psicológico portentoso. Se observarmos a evolução tecnológica da humanidade notaremos rapidamente que o ser humano deu um salto extraordinário nos últimos 50, 60 anos. O que dizer, no entanto, de nossa evolução moral, social, política? Tivemos mudanças, mas não na mesma velocidade comparativa. O que queremos dizer com esta pequena digressão é que se fosse fácil “mudar comportamento” – sobretudo DO OUTRO, psiquiatria e psicologia seriam profissões rentabilíssimas, tamanho poder (e status) que estes profissionais teriam sobre as pessoas. O poder de “mudar o outro”.

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Imagine então facultar mudança de comportamento em pacientes esquizofrênicos? A esquizofrenia - como doença - pelo que pudemos vislumbrar nestas poucas, e elucidativas 29 sessões, mostrou-se poderosamente “CONSERVADORA”. Como existe a “conserva cultural” denunciada por Moreno, podemos dizer que existe também uma “conserva psicótica”, uma espécie de conserva “encéfalo-mórbidocultural”, pois que agrega aos aspectos psico-culturais também os comprometimentos neurológicos já mencionados neste trabalho. Antagonicamente, muitas vezes, mais importante que a velocidade da mudança, é a ocorrência de mudanças significativas. Pequenas correções de rota aqui podem surtir extraordinários efeitos acolá. No caso da esquizofrenia, em especial naquilo que foi observado nas sessões analisadas, foram fundamentais algumas “pequenas” e significativas mudanças, ocorridas na vida de D. A retomada ao tratamento psiquiátrico, a carteirinha especial para trânsito gratuito em transporte coletivo, são alguns exemplos de quanto isto pôde impactar positivamente na qualidade de vida da paciente. E tudo isto se deu, em grande parte, por influência do acompanhamento psicológico. Como dissemos anteriormente, a passagem entre fantasia e realidade, entre mundo real e imaginação se mostrou muito difícil para D. Inaptidão, inadaptabilidade, baixo fator “e” dificultam muito a fluência desta transição. Justamente por isto que ela nos procurou. Para pedir ajuda! Pelo que pudemos concluir, ao ler e reler as sessões, é que foi necessário fazer um “garimpo” meticuloso entre o que era sintoma esquizofrênico e o que era a expressão do “eu” da paciente, em vistas do “eu extrapsicótico”. Então, o primeiro passo foi conseguir da paciente seu compromisso com o processo psicoterápico FORA da sessão. Passo importantíssimo. O destaque deste compromisso foi a retomada do tratamento psiquiátrico. Segundo passo dificílimo que teve que ser dado pela paciente foi vivenciar seu conflito nuclear. Sabemos, pelos nossos estudos, que a diferenciação da realidade e da fantasia ocorrente no segundo universo infantil não se faz sem a experimentação de conflitos. Qual é o conflito central mesmo na esquizofrenia? É o conflito entre “a vontade individual do enfermo” e a “vontade total da comunidade” (4, p.492). Então aí surge toda uma cadeia de embates que a paciente não deseja, mas precisa, vivenciar. Como por exemplo, o desejo de relacionamento afetivo e reconhecimento x isolamento; o desejo de crescimento profissional x limitação de performance; imagem que fazem dela (doente) x autoimagem pejorativa; usar a doença para se proteger x aprender com a doença;

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reconhecer que a doença precisa ser continuamente tratada x sucumbir a ela; o que será dela quando a mãe morrer? x dependência simbiótica; como ampliar mais sua autonomia x “conserva psicótica”; como lidar com suas fantasias x como lidar melhor com sua realidade; etc, etc, etc. Como nos ensinam os relatos das sessões, lidar com o conflito para o esquizofrênico é algo realmente difícil! Qual o papel do psicoterapeuta diante da dificuldade do paciente? Quando a paciente se recusava a pensar em alternativas, adotando um papel “vitimizado”, o psicólogo precisava assumir um contra-papel que pudesse, ao mesmo tempo, “exigir” o protagonismo da paciente e apoiar seu intento. Vimos isso, por exemplo, quando a paciente entrou com o discurso de parar a psicoterapia por não ter dinheiro para pagar (segundo bloco de atendimentos). Qual o cenário real: a paciente era atendida por uma entidade que não visa lucro, por uma clínica escola (ABPS). Então o valor da consulta tem o objetivo muito mais do exercício de protagonismo, que geração de receita. Na queixa a paciente expunha seu mal estar em ter um serviço pelo qual não pagava, sentimento legítimo este, mas ao mesmo tempo colocou impedimentos em buscar alternativas. Aprendi que encontramos justificativas para não realizarmos aquilo que realmente não queremos realizar, e alternativas para aquilo que realmente desejamos. Quando o diretor da sessão tentou dela compromisso em buscar alternativas, encontrou resistência da paciente, que queria furtar-se deste exercício de responsabilidade, e não simplesmente da condição de constrangimento. Queria a paciente não viver seu conflito existencial de interajustamento, em contrapartida, o diretor foi firme o suficiente em “cobrar” isto dela, apoiando, auxiliando, até o limite de não roubar-lhe a decisão final de escolha. A nosso ver, apoiar é isto, é estar junto na dificuldade, sem tirar do autor o seu direito e seu dever de protagonizar. Apoiar é extrair, nunca subtrair. Sabemos que o ego do paciente esquizofrênico necessita de outro, auxiliar. Vamos chamar este fato de dependência. A dependência não é uma ocorrência exclusiva do ambiente psicoterápico, é fato muito observado nas relações entre os seres vivos. Na natureza, por exemplo, temos a simbiose, o mutualismo, o comensalismo. Extrapolando para uma visão de mundo sob a ótica do pensamento sistêmico, poder-se-ia dizer que “as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes”. (2, p.40). Segundo o pensamento

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sistêmico, a vida é constituída em rede. Uma rede de interdependências. Se a interdependência parece irremediavelmente certa, se todos dependemos de todos, resta-nos saber com que finalidade a estabelecemos em nosso dia-a-dia? Em nosso estudo observamos uma clara dependência da paciente com o terapeuta15. Essa dependência foi positiva? Para saber se é ou não é positiva uma relação de dependência, precisamos visualizar a conseqüência da mesma. Vamos pegar um exemplo em paralelo. Atualmente acompanho o desenvolvimento de meu sobrinho, que nasceu prematuro. Hoje com pouco mais de um ano começa a dar os primeiros passos. Começa a aprender a andar. É uma graça vê-lo “correr” seus poucos centímetros, que vão da minha irmã (sua mãe) até a avó na sala ou na cozinha de casa. Sabe que vai ser apoiado, por isto se atira. Sabe que tem uma mão como guia, a lhe sustentar, por isto arisca tanto. Se tem medo de cair? Claro que tem. Por isto precisa tanto de apoio. E como o apoio vem abundante, ele se entrega. Aqui vemos um exemplo de dependência (e interdependência) saudável. Dependência, pois, um menino de 1 ano depende de cuidados (para andar, comer etc). Interdependência porque observei o quanto os adultos da família também foram e são influenciáveis pelo meu sobrinho (sobretudo, afetivamente). A observação concreta da conseqüência desta relação de dependência é que meu sobrinho APRENDEU a ANDAR! SORRINDO! BRINCANDO! Em outras palavras, a relação de dependência foi um SUCESSO porque estimulou a autonomia. Mas em que situações as relações de dependência poderiam ser maléficas? Vamos pensar um pouco. Por exemplo, e se em vez de basearmos a dependência no apoio, baseássemos na super-proteção? Isso seria benéfico? A super-proteção poderia deformar o desenvolvimento do ego? Sua percepção de mundo? Poderia distorcer o auto-conceito de nossas possibilidades de superação? Podemos afirmar que toda “superproteção” se baseia no exagero da realidade. Neste caso, a conseqüência poderia ser imprimir um medo muito maior do que o necessário. Sabemos, por experiência própria, que o medo imaginário é frequentemente “maior” que o medo real. E tem “efeitos colaterais” muito negativos. A conseqüência observável quando vemos instalado o medo imaginário é a restrição da ação, ou sua

Fonseca, falando sobre as relações recíprocas, chega a dizer que “nossos pacientes nos tratam”. Fonseca, Psicodrama da Loucura, 1980, pág. 36. 15

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imobilização. A super-proteção estimularia a continuidade da dependência. Enquanto o apoio fortalece, a super-proteção fragiliza. Outro aspecto nas relações humanas de interdependência é que ela ocorre sob a dualidade “papel e contra-papel”. Sempre. Então, para se ter um algoz é preciso termos uma vítima. Para subsistir um acompanhante fóbico é preciso que exista um fóbico. Se não tivesse bandido, para que serviriam os policiais? Só há um papel se houver o contra-papel correspondente de “encaixe”. Relacionamento é “encaixe”, ainda que para alguns, relacionar-se signifique bater, brigar, perseguir, xingar ... No mundo da interdependência, não podemos escolher ser ou não ser dependente. Todos, de alguma forma e em alguma medida, estamos ligados a todos. Todavia, podemos - e devemos - escolher sob que base estabeleceremos nossa dependência. A dicotomia entre a dependência e a autonomia deve fazer parte da visão terapêutica. Apoiar para libertar fomenta a autonomia. Isto pressupõe uma visão crítica e auto-crítica ampla, lúcida e muito bem contextualizada de mundo. Eis o “paradoxo da dependência libertadora”: a questão “Como posso ser livre se sou dependente?” traduz um paradoxo aparente. Estar livre, ao menos do ponto de vista psicológico, está remetido à qualidade das relações que estabelecemos. Independência, liberdade ou autonomia, não podem ser confundidas com “isolamento asséptico” do outro. Toda terapia que se preze deve ter como objetivo a autonomia do paciente. Por outro lado, todo paciente que procura por terapia é paciente porque dependente da ajuda terapêutica (e do terapeuta). Não fosse por isto, resolveria sozinho seu problema. É preciso que em algum momento do processo de acompanhamento psicológico se dê o ponto de mutação entre a “dependência dependente” e a “dependência autônoma” do paciente. E a tônica desta dinâmica quem deve dar é o psicólogo. Ele é quem deve centrar-se num contra-papel que puxe do paciente o papel de protagonista. Temos para nós que o resultado positivo alcançado no segundo bloco de atendimentos se deu muito em função desta abordagem explicitada na condução dos atendimentos pela unidade funcional. Ainda que saibamos que nos quadros clínicos de esquizofrenia o referido “ponto de mutação” não ocorra sobrepujantemente, a relação de dependência deve ser conduzida com o foco da independência. A nosso ver a paciente teve apoio, a favor de seu protagonismo. E isto surtiu efeitos positivos durante o acompanhamento psicológico.

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Outra particularidade que gostaríamos de tratar nesta reflexão é o processo de aquecimento preparatório, crucial para o desenvolvimento da espontaneidade. O psicólogo do bloco 1 de atendimentos e a unidade funcional no bloco 2 trabalharam o aquecimento inespecífico e específico, sem dúvida, mas não tinham em mente o fator estratégico do aquecimento preparatório nos casos de esquizofrenia. Por exemplo, não trabalharam exercícios de aquecimento preparatório, nem de auto-arranques. A paciente chegou a expressar sentir-se ridícula em fazer encenações com o egoauxiliar (sessão 13 – bloco 2 de atendimentos). Teria sido uma falha no processo de aquecimento? Por não experimentarem mais vigorosamente métodos neste sentido, podemos apenas conjecturar sua relevância nestes quadros clínicos, mas não ratificála. Sabemos, por exemplo, que exercícios respiratórios têm influência muito positiva no tratamento de angústias 16. A este respeito - a dos processos de aquecimento preparatório - cabe mais um comentário. Observando longitudinalmente as sessões com a paciente, poderíamos concluir que o tempo de aquecimento de pacientes psicóticos é diferente dos não psicóticos, ou seja, exponencialmente mais longo. A paciente, desde a primeira sessão, chegou consciente de sua doença. Mas com certeza, não a compreendendo. Conhecia seu diagnóstico, conhecia até alguns sintomas. Chegou a afirmar numa sessão que “sabia que as vozes existiam”, (sessão 1, bloco 2), mas procurava se proteger em seu diagnóstico. Jaspers lembra que o indivíduo é sempre tendencioso: “ou está doente, ou está são. Se julgar que está são, o que concluirá relativamente ao desconforto [que sente] é que não deve importar-se com ele; se, pelo contrário, julgar que está doente, o desconforto que sente, a diminuição da produtividade levá-lo-á a exigir que o poupem, o tratem, o curem (...) a atitude fundamental do indivíduo é, por vezes, de importância decisiva para o curso das manifestações somáticas mórbidas” (4, p.507).

Podemos citar dois livros de J.A. Gaiarsa que correlacionam respiração e angústia: “Respiração e Circulação”, 2ª edição, Ed. Brasiliense/SP, 1.990 e “Respiração, Angústia e Renascimento”, 2ª edição, Ed. Ícone/SP, 1.994. Também existe uma série de trabalhos que correlacionam a respiração a distúrbios de Humor, como por exemplo os realizados pelo projeto AmBan – Ambulatório de Ansiedade, Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Hospital das Clínicas, dentre outros. 16

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A paciente se “poupava”, refugiava-se em sua doença. Dizia-se “presa”. Mas pelo que? Ou por quem? Pelo que analisamos agora, presa a ela mesma, e à sua doença. O papel do acompanhamento psicológico foi fundamental neste processo de “desvitimização” e “libertação”. Era necessário adotar uma postura antagônica e complementar junto a paciente no acompanhamento. De um lado, utilizar as técnicas ao alcance do psicodrama para inocular doses de realidade na paciente, para isto serviram o “duplo”, o “espelho” e a “inversão de papel”, assim como os instrumentos “interpolação de resistência”, o “role playing”, “solilóquio” etc. Também “exigir” seu compromisso com seu drama fora da psicoterapia, dentre outras coisas, que fizesse empenho ao acompanhamento psiquiátrico (fundamental em nossa abordagem). Outra coisa importantíssima neste processo foi lidar com a realidade em termos bem práticos: elaboração e envio de currículo profissional, apresentação em entrevistas de trabalho, pagamento das sessões com bolachas, carteira especial para pegar ônibus e metrô, cursos etc. Mas nada disso teria sido suficiente sem o APOIO à paciente, que foi decisivo. Como já dissemos, o apoio para a autonomia.

4.1 Aspectos Críticos deste Processo de Acompanhamento Psicológico

1. O bloco 1 de atendimentos teve dois episódios que não contribuíram para o processo de acompanhamento psicológico como um todo. O primeiro foram as férias marcadas pelo psicólogo numa fase tão inicial do acompanhamento. Analisando a luz do que foi proposto até agora, o “compromisso” assumido pela paciente na sessão 5, no sentido de experimentar uma maior autonomia em relação a psicoterapia, não tinha a consistência necessária. Não havia base de sustentação para isto. Numa fase tão inicial, era necessário APOIO, mas em vez disso, ocorreu o distanciamento. O outro fato foram as faltas seqüenciais que aconteceram, culminando no encerramento do atendimento e encaminhamento da paciente. É preciso que se diga que a intenção só não basta. Como na antiga propaganda, “Não basta ser pai, tem que participar!”. As faltas seqüenciais, mesmo justificadas, repercutiram muito negativamente no processo terapêutico. Dada a impossibilidade de se

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assumir o compromisso requerido, o melhor foi mesmo repassar a paciente para outros estagiários; 2. O role playing foi subutilizado. Se ele tem um grande potencial para auxiliar na organização interna do paciente e como modelo vivo de ensaio social, só podemos lamentar que ele não tenha sido utilizado de forma mais contundente. Segundo a teoria moreniana, a aprendizagem e o ensaio de papéis no cenário psicodramático ajudam na adequação de seu desempenho em situações da vida real; 3. Subliminarmente ao item 2, também podemos conjecturar deficiência no manuseio de processos mais eficazes de aquecimento preparatório.

4.2 Mapeamento das Sessões

Adotamos um modelo gráfico para explicar a dinâmica das sessões de acompanhamento psicológico observadas longitudinalmente. A visão sistêmica deste conjunto de sessões é revelador. Queremos apenas salientar que não se trata de um modelo quantitativo. Nosso intuito é apresentar um modelo qualitativo, embora contenha dados quantificáveis. Também, na análise e reflexão do gráfico, pedimos que o leitor não exija uma precisão científica estritamente mensurável, já que sua função é ilustrar a fluência das sessões segundo o objetivo norteador do acompanhamento psicológico: alcançar o drama de vida da paciente, em vez de se perder na sintomática do distúrbio esquizofrênico. Tornamos a seguir esquemática nossa estratégia de “levar” a paciente de seu quadro psicótico ao seu drama de vida. Esperamos que fique claro ao leitor. “ZONA” FOCO DE CADA SESSÃO: Drama de Vida

Zona de Interface Quadro de Sintomas da Doença

Quadro 4 – “Zona” Foco de cada Sessão

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Dividimos empiricamente, durante todo o processo de acompanhamento psicológico, as sessões em três “zonas”: (a) “Drama de Vida”: representam as sessões que alcançam os conflitos nucleares, ou abordam conflitos de vida do paciente, de superação da rotina, ou ainda que se prestam a aprendizagem e treinamento de papéis a serem aplicados no seu dia-a-dia; (b) “Zona de Interface”: sessões que trazem alguma carga sintomática da doença, porém, ou como parte da angústia real do paciente, ou de alguma forma vinculada ao aqui-e-agora de sua vida. Há forte pressão psicótica; (c) “Quadro de Sintomas da Doença”: sessões sob domínio de discurso patológico. Acentuada “conserva psicótica”. Sessões onde o discurso do paciente fecha-se no sintoma da doença ou de quadro psicótico muito acentuado. Ou ainda, sugerindo baixo nível de resposta ao antipsicótico. Nosso objetivo, como já dissemos, foi o de elevar as sessões ao nível de “Drama de Vida” (como ilustrado no quadro 5). Esta é a condição mais favorável ao paciente. Nesta condição o paciente se apresenta mais lúcido, e o manejo tende a tornar-se mais fácil. É o campo mais fértil para o paciente apresentar respostas à psicoterapia. O condicionante para alcançar a zona em questão é que o paciente tenha preservado o mínimo de equilíbrio de suas funções cognitivas e de percepção (menos suscetível a psicose) e o psicoterapêuta tenha conduzido o manejo técnico adequadamente nos momentos em que o paciente tenha se situado na “Zona de Interface”. Em caso mais crítico, em que o paciente estava em “Quadro de Sintomas da Doença”, o psicólogo deve conseguir o compromisso do paciente pelo trato psiquiátrico. OBJETIVO GERAL DO ACOMPANHAMENTO

Drama de Vida Zona de Interface

Quadro de Sintomas da Doença Quadro 5 – Objetivo Geral do Acompanhamento Psicológico

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O quadro acima representa o esforço do psicólogo em levar o paciente para o “alvo” estratégico do acompanhamento psicológico. Foram reunidas todas as 29 sessões e estudado a “flutuação” do atendimento sob as 3 “Zonas” apresentadas. O gráfico a seguir mostra a evolutiva do acompanhamento psicoterápico, representando a dinâmica sequencial das 29 sessões:

Zonas da

Acompanhamento Longitudinal das 29

SESSÃO

9 Drama de Vida

7

6 Zona de Interface

16

8

10

15 14

2 3

3 4

11 4

10

17 18

13 12

5 Quadro de Sintomas da Doença

19

5

9 6

2 1

1 BLOCO I de Atendimentos

7 8 BLOCO 2 de Atendimentos Gráfico 1 – Acompanhamento Longitudinal das Sessões

Atendimentos críticos devido ao agravamento do quadro psicótico

No bloco 1, observamos que o processo de acompanhamento psicológico até a quinta sessão não decolou. Podemos apontar como fatores que contribuíram para esta baixa eficácia: desconhecimento do quadro psicótico e dificuldades de manejo. Depois do período de férias observamos uma outra postura do psicólogo no bloco 1, sua ação foi mais efetiva, e os resultados apareceram. Durante todo o bloco 1, o

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psicólogo teve problemas de cunho profissional que o atrapalharam nos seus compromissos com a paciente, interferindo negativamente em seu desempenho e que culminaram no encerramento desta etapa na sessão 10. O saldo positivo foi que, mesmo com estas limitações o “modelo” de atendimento mostrava potencial terapêutico. No bloco 2 de atendimentos, observamos um pico inicial (sessão 2 – bloco 2 de atendimentos) com relação ao foco desejado no processo psicoterápico, mas que se mostrou insustentável, aparentemente por dois grandes motivos: a) Inabilidade momentânea da unidade funcional em lidar com quadro esquizofrênico; b) Paciente começa a ingressar em quadro psicótico devido, pelo que pudemos perceber nos relatórios, a falta de acompanhamento psiquiátrico. O ápice da crise esquizofrênica ocorre entre as sessões 6 e 8. Ao mesmo tempo, estas sessões foram fundamentais no acompanhamento psicoterápico, e provavelmente, para a vida da paciente naquela ocasião. A unidade funcional conseguiu perpassar as dificuldades impostas pela paciente e obteve seu compromisso em retomar o tratamento psiquiátrico. Depois de administrada esta crise, o acompanhamento deu um salto qualitativo fantástico, em se tratando de paciente esquizofrênica. O processo de acompanhamento psicológico termina com um fechamento bastante sensível e comovente, e o reconhecimento da paciente de que “valeu à pena o trabalho”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos encerrar este Ensaio Científico falando que a teoria do PSICODRAMA foi extremamente aplicável neste caso. Como disse uma vez o diretor de teatro Abujamra17, em seu programa “Provocações”, da TV Cultura: “Nada mais prático do que uma boa teoria”. Embora não tenha sido nada fácil este processo, seja do ponto de vista da aprendizagem, seja do ponto de vista prático dos resultados, ele é promissor.

17

Antonio Abujamra, ator, diretor teatral, apresentador de TV.

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As técnicas fundamentais do Psicodrama (Duplo, Espelho e Inversão de Papéis) foram extremamente úteis no acompanhamento. A interpolação de resistência, ou como chamou Calvente, “interpolação de aquecimento” (1, p.131) também foi imprescindível no processo, ainda que seu manuseio necessite de melhor refinamento. Em suma, para nós a estratégia de focalizar a pessoa, não a doença, traduzida pela estratégia clínica de levar a paciente para a condição de “Drama de Vida”, onde pudéssemos falar de seus conflitos de personalidade (porção extra-psicótica da personalidade), se mostrou possível e viável. Pacientes psicóticos SÃO influenciáveis, por isto, “psicoterapeutizáveis”. Mas têm seu ritmo próprio. Lento. O DSM-IV, no capítulo que trata do curso da doença esquizofrenia nos diz que a variabilidade deste distúrbio impossibilita um prognóstico preciso, embora a doença apresente evidências de que sua remissão completa é improvável (17). Do primeiro para o segundo universo infantil, vemos a criança dependente, com seu ego em formação, necessitando de um ego-auxiliar para alcançar níveis mais altos de independência. Em certa medida, mesmo um adulto maduro e saudável sempre terá, por todo resto de sua vida, algum nível de dependência do outro. Em maior ou menor grau. O paciente esquizofrênico tem uma defasagem neste processo de independência, muito profunda, em comparação a pessoa “normal”. Provavelmente carece de um ego-auxiliar por toda uma vida, se quiser viver minimamente bem em sociedade, nesta sociedade! O perfil “autista” do esquizofrênico é muito peculiar a ele, e não se encaixa no nosso modelo social e de relacionamento. Isto ele leva para o resto de sua vida. Mas sendo a proposta do acompanhamento psicológico que o indivíduo possa aprender a conviver com quem ele é, do jeito que ele é, então há espaço para o desenvolvimento pessoal do esquizofrênico. Jaspers é primoroso em suas conclusões, quando diz que “Não há nas psicoses, compreensão plena que dure. Quando esta persiste, não falamos em psicose, e sim em psicopatia” (4, p.504). O trabalho deve ser vigoroso e constante. O psicólogo deve ter esta dimensão em sua mente, especialmente em seu coração. Ou simplesmente abster-se de trabalhar com este tipo de quadro clínico. Por telefone, um pouco antes de concluir este trabalho, conversei com o psicólogo que havia continuado o atendimento da paciente D., depois de desfeita a unidade funcional. Disse ele que ficou mais um ano com a paciente e adotou a

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modalidade

de

“acompanhante

terapêutico”.

Observou

melhoras

em

seu

comportamento, mas que o caso era deveras “truncado”. A paciente chegou a participar de um grupo de psicóticos, mas como havia poucas mulheres no grupo e se sentiu assediada sexualmente [terá sido delírio, alucinação?], saiu no nono mês. Conseguiu uma aposentadoria por invalidez. Fez um curso para “Vitrinistas” (para prestar serviços em lojas, shopping etc), embora ainda não tenha conseguido um emprego como tal. Passou num concurso público (prova de conhecimento específico), mas não passou na avaliação psicológica (dinâmica de grupo). Recentemente parou o acompanhamento psicológico alegando que, como estava com falta de dinheiro e um padre conhecido seu (e também psicólogo) se prontificara em atendê-la, ela estava decidindo fazer esta troca. Como psicólogos, só podemos atuar tecnicamente se houver possibilidade de escolha consciente por parte do paciente. A função da medicina psiquiátrica é trazer o paciente para uma condição de “escolha consciente”, a função da psicologia é ajudálo nestas escolhas. É preciso enxergar além da cura, para podermos dar uma contribuição efetiva ao paciente esquizofrênico!

5.1 Epílogo: Nossas Recomendações

Lendo sobre estudos de psicose em crianças e adolescentes, não descobrimos trabalhos demonstrando a eficácia de psicoterapia no tratamento da esquizofrenia na infância (13, p.7). Outro aspecto importante no acompanhamento psicológico de esquizofrênicos é uma abordagem que leve mais efetivamente em consideração a família do paciente. Estudos demonstram que ações sócio-educativas que abordem o funcionamento da família “têm sido mais efetivas na diminuição das crises” (13, p.7). A orientação familiar, não abordada durante os atendimentos da paciente D., mostra-se como um importante diferencial em trabalhos futuros. Como podemos ver, ainda há muito que se estudar, aperfeiçoar e fazer neste campo da psicologia.

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Também queremos citar três autores que podem acrescentar muito a este trabalho, mas que infelizmente, ao menos diretamente, não puderam ser incluídos aqui:  Héctor Juan Fiorini, com o livro “Teoria e Técnica de Psicoterapias – Ed. Martins Fontes”;  John Bowlby, com o livro “Formação e Rompimento dos Laços Afetivos – Ed. Martins Fontes”; e  Patch Adams, com o livro “A Terapia do Amor – Mondrian Editora”.

Contato com o autor Caso queira entrar em contato com o autor deste trabalho, por favor, envie correio eletrônico para: [email protected] Grato.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1) CALVENTE, Carlos. Interpolação de resistências. In: MONTEIRO, Regina (Org.). Técnicas Fundamentais do Psicodrama. São Paulo: Brasiliense, 1ª Edição, 1993. p.121-131. (2) CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida “The web of Life” – Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos. São Paulo: Cultrix, 9ª Edição, 2000.

(3) FONSECA FILHO, José de souza. Psicodrama da Loucura. Correlações entre Buber e Moreno. São Paulo: Ágora, 1980.

(4) JASPERS, Karl. Psicopatologia Geral. Psicologia Compreensiva, Explicativa e Fenomenologia. São Paulo: Atheneu, Vol. 1, 8ª Edição, 2000.

(5) KAPLAN, Harold I. e SADOK, Benjamim J. Compêndio de Psiquiatria Dinâmica. São Paulo: Artes Médicas Editora, 1984.

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(6) KAUFMAN, Artur. Role-Playing. In: MONTEIRO, Regina (Org.). Técnicas Fundamentais do Psicodrama. São Paulo: Brasiliense, 1ª Edição, 1993. p.191-205.

(7) MORENO, J.L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 9ª Edição, 1993.

(8) SABBATINI, Renato M.E, PhD. A História da Terapia por Choque em Psiquiatria. Revista Cérebro & Mente, Dezembro 1997/Março 1998.

(9) SCHNEIDER, Kurt. Psicopatologia Clínica. São Paulo: Mestre Jou, 2ª Edição em português, 1976. (10)SILVA FILHO, Luís Altenfelder. Técnicas exclusivas para psicóticos. In: MONTEIRO, Regina (Org.). Técnicas Fundamentais do Psicodrama. São Paulo: Brasiliense, 1ª Edição, 1993. p.102-111. (11)SOLIANE, Maria L. carvalho. Realização simbólica e realidade suplementar. In: MONTEIRO, Regina (Org.). Técnicas Fundamentais do Psicodrama. São Paulo: Brasiliense, 1ª Edição, 1993. p.69-84. (12)SILVEIRA, Nise da. Entrevista “Nise da Silveira”, Revista “Psicologia, Ciência e Profissão”, ano 14, número 1,2 e 3, 1994. (13)TENGAN, Sérgio K. e MAIA, Anne K. Psicoses funcionais na infância e adolescência (Functional psycosis in childhood and adolescence). Jornal de Pediatria – Vol. 80, Nº 2 (supl), 2004. (14)BALLONE, G.J. Psicoses. Disponível em: . Atualizado em 2002. Acesso em 28/02/2007. (15)CID – 10. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados a Saúde; Décima Revisão; Volume I. Disponível em: . Acesso em: 26/06/2007. (16)DICIONÁRIO DE PSIQUIATRIA. Disponível em: . Site Oficial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Acesso em 28/02/2007. (17)DSM – IV. Diagnostic and Statistical of Mental Disorders. . Acesso em: 26/06/2007.

Disponível

em:

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APÊNDICE A

ANAMNESE PARA PACIENTE ESQUIZOFRÊNICO EM FASE RESIDUAL DA DOENÇA

Sabendo que o prognóstico da esquizofrenia depende de uma série de fatores associados, incluímos este roteiro que pode ser utilizado como base para uma anamnese mais precisa do paciente. O objetivo deste instrumento é oferecer parâmetros mais claros ao psicólogo sobre o desafio que terá pela frente no acompanhamento psicológico. Nossa ressalva, entretanto, é que não utilize este modelo de anamnese para “rotular” o prognóstico do paciente. Nossa premissa é que a informação dá melhor sustentação ao acompanhamento psicológico. Mas a informação não é dada, é elaborada. A anamnese - em si - não oferece informação alguma, mas DADOS que devem ser transformados em informação. A transformação

dos

dados

em

informações

que

agreguem

valor

ao

acompanhamento psicológico é atributo do psicólogo, não do instrumento anamnese.

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MODELO DE ANAMNESE CABEÇÁRIO Nome: Idade: Sexo: Com quem vive / reside atualmente: TEMPORALIDADE Início dos 1ºs sintomas: Início da fase ativa: Início agudo da doença ( ) Tempo de duração da fase ativa:

Início crônico da doença (

)

FATOR PRECIPITANTE

Houve alguma ocorrência que possa ter desencadeado a doença?

ANTECEDENTES DA DOENÇA / INTERAJUSTAJUSTAMENTO PRÉVIO A DOENÇA 1. Histórico profissional 2. Histórico escolar 3. Histórico social / afetivo

SITUAÇÃO ATUAL 1. Profissional 2. Escolar 3. Social / afetivo

SINAIS E SINTOMAS ( ) Presença de sintomas depressivos.Quais? ( ) Sintomas positivos. Quais? ( ) Sintomas negativos. Quais? ( ) Comportamento autista RELAÇÃO FAMILIAR Como é a relação / aceitação na família? HISTÓRICO FAMILIAR DE DOENÇA MENTAL Existe algum histórico de doença mental na família?

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CRITÉRIOS PARA APURAÇÃO DOS DADOS COLETADOS 18 :

Fatores de um melhor prognóstico: Início tardio; Fator precipitante claro; Início agudo; Antecedente social favorável (como trabalho e relacionamentos interpessoais); Presença de sintomas depressivos; Ser casado; Sintomas positivos (delírios e alucinações); Suporte familiar e social favorável.

Fatores de um pior prognóstico: Início precoce; Não existência de fatores precipitantes; Fatores pré-mórbidos (como má adaptação social e no trabalho); Comportamentos autísticos; Predominância de sintomas negativos; Pouco suporte familiar e social; Não remissão no período de 3 anos, muitas recaídas.

Outros critérios podem ser observados: 

Perturbação do Humor associada;



Duração dos sintomas na fase ativa (quanto maior o tempo, maior a gravidade);



Presença de sintomas residuais (quanto mais e mais freqüentes, mais grave);



Presença ou não de alguma anomalia cerebral;



Histórico familiar de transtorno do Humor;



História familiar de esquizofrenia.

O artigo “Psicoses Funcionais na Infância e Adolescência”, de Tengan e Maia, publicado no Jornal de Pediatria (0021-7557/04/80-02-supl/S3), pela Associação Brasileira de Pediatria, serviu de base conceitual para a apresentação destes critérios. 18

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ANEXO A DADOS MÉDICOS SOBRE RISPERIDONA (RISPERDAL®; RISPERDON®; ZARGUS®)

Pertence ao grupo de antipsicóticos-neurolépticos atípicos que têm uma eficácia similar à dos clássicos, mas com um perfil de efeitos adversos diferentes deles, em especial nos sintomas extrapiramidais que ocorrem com freqüência muito menor. O mecanismo de ação da risperidona é desconhecido, embora se acredite que sua atividade é devida a um bloqueio combinado dos receptores dopaminérgicos D2 e dos receptores serotoninérgicos S2 (antagonista dopaminérgico-serotoninérgico). Outros efeitos da risperidona podem ser explicados pelo bloqueio dos receptores alfa 2-adrenérgicos e histaminérgicos H1. A risperidona é bem absorvida pela mucosa gastrintestinal e extensamente metabolizada pelo fígado. Indicações Controle das manifestações das afecções psicóticas. Como coadjuvante no tratamento de mudanças do comportamento ou transtornos afetivos em pacientes com deficiência mental. Esquizofrenia aguda ou crônica. Dose O tratamento é iniciado em forma gradual com doses moderadas que são progressivamente aumentadas. No primeiro dia recomenda-se 1mg, duas vezes por dia; 2mg, duas vezes por dia, no segundo dia; e 3mg, duas vezes por dia, no terceiro dia. A atividade antipsicótica máxima foi observada em uma faixa entre 4mg e 6mg/dia. Com doses superiores a 6mg não há benefícios clínicos adicionais, mas aumentase o risco de reações adversas. Para pacientes com doença hepática ou renal, indivíduos debilitados ou idosos recomenda-se uma dose inicial de 0,5mg, duas vezes ao dia, com incrementos de 0,5mg, duas vezes ao dia nos dias seguintes, até atingir a dose ótima.

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Em caso de mudar de outro antipsicótico para risperidona, recomenda-se a suspensão da administração do anterior e o início imediato do tratamento com risperidona; os dois antipsicóticos não devem ser administrados simultaneamente. Superdose Observam-se: anomalias eletrocardiográficas, reações extrapiramidais severas, hipotensão, sonolência e sedação. Tratamento: lavagem gástrica, assistência respiratória, administração de líquidos por via parenteral, vasopressores, tratamento anticolinérgico. Não administrar adrenalina nem dopamina. O paciente deve ser controlado até sua recuperação. Reações adversas Associadas com suspensão do tratamento: sintomas extrapiramidais (2,1%), tonturas, hiperquinesia, sonolência, náuseas. Durante o tratamento: insônia (26%), agitação (22%), ansiedade (12%), sonolência, agressão, sintomas extrapiramidais (17%), dor de cabeça (14%), tonturas, constipação, náuseas, dispepsia, vômitos, dor abdominal, sialorréia, dor dental, rinite (10%), tosse, sinusite, dor nas costas ou no peito, febre, seborréia, visão anormal, artralgia, taquicardia, diminuição do desejo sexual. A aparição dos efeitos extrapiramidais está relacionada com a dose de risperidona administrada. Precauções O tratamento com risperidona expõe o paciente a sérios riscos. Como com outros neurolépticos, o paciente pode desenvolver um quadro de discinesia tardia, potencialmente irreversível (maior risco em idosos); síndrome neuroléptica maligna, potencialmente mortal, que é manifestada com hiperpirexia, rigidez muscular, instabilidade autonômica e estado mental alterado. Foi observado um incremento do risco de aparição de tumores da pituitária, endócrinos e mamários em animais. A risperidona pode produzir hipotensão ortostática. O paciente que recebe risperidona não deve operar maquinaria pesada nem conduzir automóveis. Não consumir álcool durante o tratamento. Não amamentar. Não utilizar em mulheres grávidas, a menos que o benefício para a mãe supere o risco potencial para o feto.

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Interações Álcool e outros fármacos que tenham ação no SNC. A risperidona pode potenciar o efeito dos agentes hipotensores e antagonizar a levodopa e os agonistas dopaminérgicos. A carbamazepina pode incrementar o clearance da risperidona. A clozapina pode diminuir o clearance da risperidona. Os fármacos que inibem o citocromo P450IID6 e outras isoenzimas podem interferir na biotransformação da risperidona. Contra-indicações Hipersensibilidade à risperidona.

Fonte: http://www.psiqweb.med.br/farmaco/antipsicin2.html

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