Além da Tempestade: identidades latino-americanas e projetos políticos no Brasil no início do século XX

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FAYGA MARCIELLE MADEIRA DE OLIVEIRA

ALÉM DA TEMPESTADE: IDENTIDADES LATINO-AMERICANAS E PROJETOS POLÍTICOS NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX

CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

FAYGA MARCIELLE MADEIRA DE OLIVEIRA

Além da Tempestade: identidades latino-americanas e projetos políticos no Brasil no início do século XX

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Josianne Francia Cerasoli

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas para obtenção do título de Mestra em História, na Área de Política, Memória e Cidade.

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida pela aluna Fayga Marcielle Madeira de Oliveira e orientada pela Prof.ª Dr.ª Josianne Francia Cerasoli em __/__/____. ______________________

CAMPINAS 2015

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FOLHA DE APROVAÇÃO

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Resumo Este estudo investiga o debate entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, a partir das publicações dos livros dos autores, ambos chamados A América Latina (de 1905 e 1906). Visa à compreensão dos repertórios políticos e intelectuais mobilizados pelos autores e os projetos de nação que eles fundamentavam. Ademais, objetivou-se analisar o condensado conceitual compreendido na noção de América Latina para perceber como e por que este conceito funciona politicamente e quais os entendimentos possíveis dos intelectuais brasileiros no período sobre esta noção. Para tanto, além dos livros citados, pesquisou-se jornais e revistas, nacionais e estrangeiras, e correspondências entre dois importantes artífices da política externa no Brasil em plena vigência dos imperialismos, o ministro Barão do Rio Branco e o embaixador Joaquim Nabuco, a fim de problematizar os lugarescomuns presentes nas interpretações da contenda entre Bomfim e Romero e perceber a complexidade do conceito de América Latina além das marcantes imagens literárias representadas pelas personagens da peça shakespeariana A Tempestade.

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Abstract This study investigates the debate between Manoel Bomfim and Silvio Romero from the publications of the authors’ books, both called A América Latina (1905 and 1906). This is aimed at understanding the political and intellectual repertoires mobilized by the authors and the national projects from which they are based. Moreover, the objective was to analyze the conceptual condensate understood in the notion of Latin America to understand how and why this concept works politically and what are the possible understandings of Brazilian intellectuals in the period on this subject. Therefore, besides these books, it was researched newspapers and magazines, domestic and foreign, and matches between the two main architects of foreign policy in Brazil under full force of imperialisms, the minister Baron of Rio Branco and ambassador Joaquim Nabuco, to question the platitudes presented in the interpretations of the strife between Bomfim and Romero, and realize the complexity of the concept of Latin America beyond the striking literary images represented by the characters in the Shakespearean play The Tempest.

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Sumário Introdução ..........................................................................................................................1 Caleidoscópio identitário................................................................................................................ 1 Apresentação ..................................................................................................................................2 Tramas: conceito e linguagens........................................................................................................ 5

CAPÍTULO I - ¿América Latina? .......................................................................................... 9 Nossa América................................................................................................................................9 América Latina, urdidura de um conceito político ......................................................................... 13 Cartografia semântica: a América antes de se dizer latina ............................................................ 15 Ariel: a serviço do espírito latino-americano ................................................................................ 23 Caliban: um latino-americano ...................................................................................................... 26 Américas imaginadas.................................................................................................................... 30

CAPÍTULO II – América Latina em debate: Manoel Bomfim e Sílvio Romero ................... 33 Dos males, o maior ....................................................................................................................... 33 O moço escritor e o velho cacógrafo ............................................................................................. 36 Sílvio Romero e o parasitismo bomfínico ...................................................................................... 42 Manoel Bomfim: a extemporaneidade de um autor ou a eternidade dos problemas ....................... 48

CAPÍTULO III: Uma nação por construir: raça e história enquanto problemas ..................55 A nação em perspectiva ................................................................................................................ 55 A questão da raça: o dilema do naturalista ................................................................................... 57 A questão histórica: boas e más heranças ..................................................................................... 66 Colcha de retalhos e outras costuras ............................................................................................ 75 Repercussões e debates: leituras das Américas Latinas ................................................................. 78

CAPÍTULO IV – América Latina no Brasil dos anos 1900 .................................................. 85 E queremos ser americanos... ....................................................................................................... 85 O Barão da República .................................................................................................................. 90 Mais à pátria do que à República ................................................................................................. 96 Imigração: importação de braços ou de problemas ..................................................................... 101 A Águia, o Chanceler e a Pantera ............................................................................................... 104

Considerações finais – além da Tempestade ................................................................... 115 Referências bibliográficas ............................................................................................... 117 Fontes ........................................................................................................................................ 117 Referências ................................................................................................................................. 119

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Sítios eletrônicos ........................................................................................................................ 124

Anexo 1........................................................................................................................... 127

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Aos meus irmãos Nathália, Phelipe e Victor. xiii

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Agradecimentos Aos professores da área de Política, Memória e Cidade. E, com carinho, aos professores do Núcleo História e Linguagens Políticas: Razão, Sentimentos e Sensibilidades, pelos últimos anos de intenso aprendizado. Ao CNPq, pelo financiamento desta pesquisa. À professora Stella Bresciani, que generosamente aceitou meu projeto e me orientou nos primeiros passos. À professora Izabel Marson, que acompanhou a pesquisa bem de perto, como interlocutora atenta na revisão do projeto e na qualificação. Agradeço ainda o aceite em compor a banca da dissertação. Também pela disposição em aceitar o convite, agradeço à professora Virgínia Camilotti e ainda mais pelas preciosas contribuições para este trabalho. À professora Márcia Naxara pelo aceite em compor a banca e por todos os bons encontros. À Josi, já na impossibilidade de agradecer por tudo, não perco a oportunidade de fazê-lo. Agradeço pela confiança, reiterada em mais essa acolhida, com paciência e amizade. Por me ensinar a ser autora, não apenas das linhas que escrevo, mas das escolhas que faço. E, além disso, ainda me orienta... Obrigada. Agradeço ao Tiago, my Tea, pela amizade tão profunda, cheia de alegria e cumplicidade, renovadas dia-a-dia. Meu amigo de infância. Às minhas amigas Ariane e Cláudia, mulheres tão doces e tão fortes que sempre me inspiram. Ao Harlen, amigo sem o qual as pedras do caminho teriam sido muito maiores. A outra engenheira, Renata, pela amizade de sempre. À Bea, pelo carinho e apoio em todos os momentos. À Laura pelos olhinhos brilhantes tão dispostos a aprender, e pelo café colombiano! À Karla Bessa, com todas suas boas vibrações e leveza. À minha turma de mestrado, tão unida e alegre, seja na aula seja no bar. Em especial, as divas Legea, Gabe, Rae e Ana Carolina por toda ajuda, muito além da acadêmica. À Marina Martin, pela empolgação contagiante. À comadre Fernanda, por toda doçura. Ao Rafa, pelos bons momentos. Aos amigos do IFCH e do CIEC, por toda a jornada e todos os encontros, em especial, Clecia e Carlos Alberto. Aos amigos dos últimos anos, por tudo, Flaiane, Munis, Gustavo Henrique, Nádia, Felipe. Aos professores e amigos, Deivy Carneiro, Guilherme Amaral Luz e Jacy Seixas. Às minhas famílias adotadas. Do além-mar, Américo e Maria Júlia, carinho além do tempo e da distância. E das Campinas, a querida Tia Carme. Agradeço à minha família pelo porto-seguro que sempre tenho imensa alegria de voltar e pelo apoio incondicional, mesmo com tanta saudade. À vovó, tão generosa. À mamãe, com quem sempre posso contar. E ao papai, meu exemplo de guerreiro. Também aos meus três irmãozinhos, pelo nosso sempre divertido mundo paralelo, onde a infância nunca termina.

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AMÉRICA, no invoco tu nombre en vano. Canto General VI – Pablo Neruda

O Reno: no exato momento em que pronuncia esse breve nome, o homem de hoje sente brotar em si mesmo uma imagem. Sobre a página em branco de sua memória perfila-se, com uma nitidez singular, o traçado de um grande rio histórico: aquele que, do maciço do Andula até as margens do mar do Norte, desdobrando suas curvas contrariadas, desfia um leito onde correm, furiosamente de início, depois estrangulam-se e, finalmente, estendem-se águas poderosas. Nenhum mistério nessa evocação, nenhum problema nesse reconhecimento. Esse Reno é uma pessoa. Não hesitemos em reconhecer, ao vê-lo diante de nós, um velho amigo de sempre. O Reno – Lucien Febvre

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Introdução

Caleidoscópio identitário América Latina, expressão utilizada como título do livro lançado, em 1905, por Manoel Bomfim, insuspeita à primeira vista, pode revelar-se bastante controversa. Esta locução e seu uso pelo autor, para evocar um pertencimento comum entre o Brasil e seus vizinhos, provoca críticas após sua publicação, em especial de Sílvio Romero. Esse debate, protagonizado pelos dois autores, instiga importantes reflexões acerca do entendimento em torno do conceito de América Latina neste período e a possibilidade de desnaturalizar seu uso contemporâneo. A polêmica entre os autores não se dá pela contraposição de definições de América Latina, nem pela simples adesão ou rejeição a essa noção, mas pela mobilização de um amplo repertório intelectual que fundamenta projetos políticos – repertório compartilhado em resposta a questões comuns, mas em constante interação e confronto, enquanto linguagens políticas. A noção de América Latina permanece uma incógnita na escrita dos autores, carente de qualquer tentativa de precisão (seja por aparente desinteresse ou impossibilidade), fazendo com que uma questão central também permaneça: o que os autores brasileiros, ainda nos primeiros anos do século XX, possivelmente diziam ou pretendiam dizer quando se referiam a uma América Latina? A investigação do debate entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, com uma reflexão apoiada também na história dos conceitos políticos implicados na contenda, traz indícios para a proposição de hipóteses. Neste trabalho, considerou-se sobretudo o entendimento dos autores sobre América Latina como diretamente vinculado ao projeto de nação que defendiam. Esta identidade supranacional latino-americana lhes serviu como parâmetro para compreensão da nação na qual queriam intervir, pois julgavam inacabada, notadamente, em relação àquelas que projetavam.

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O caleidoscópio, invenção que encantou a Europa no início do século XIX, nos serve como metáfora a apreensão da noção de América Latina como algo perenemente impreciso, alterada em cores e padrões a cada volta e para cada observador. Em especial, porque se desenha em linhas político-identitárias e, tal como os projetos nacionais, evoca um suposto passado comum que pretensamente os justifica e projeta horizontes de expectativas que compõem uma comunhão de destino. Estas características, que permeiam as construções das identidades nacionais, são essencialmente fluidas. Assim, não há a pretensão de desvendá-las, mas de percebê-las em relação às linguagens políticas mobilizadas neste debate intelectual em plena era dos impérios1.

Apresentação Esta pesquisa teve início na tentativa de compreender a polêmica entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, com as publicações dos livros dos autores, ambos chamados A América Latina2, entre 1905 e 1906. A princípio, a análise voltava-se para os projetos políticos nacionais defendidos por Bomfim e Romero e as relações destes com um âmbito mais abrangente, supranacional, colocado em questão pela expressão América Latina. Todavia, as leituras da documentação, tanto das obras quanto da imprensa do período, me despertaram para a importância de problematizar os usos da noção de América Latina, para compreendê-la além de suas comuns referências atuais e dimensioná-la na escrita dos autores do período estudado. As disputas em torno de (im)possíveis identidades deste lugar político-cultural (re)conhecido por América Latina precisam ser entendidas e investigadas em sua complexidade, além dos lugares-comuns que evocam. Tal questão possui uma historicidade mais abrangente e tem como marco importante o início do século XX. A análise da questão 1

Expressão que dá nome ao livro de Eric Hobsbawm sobre o período entre finais do século XIX (1875) e a eclosão da Grande Guerra em 1914. Cf. HOBSBAWM, Eric J., A Era dos Impérios 1875-1914. Trad. Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009 [1ªed. 1988]. A Era dos Impérios faz parte de uma coleção de obras de história contemporânea de Hobsbawm, os outros volumes são: A Era das Revoluções (17891848), A Era do Capital (1848-1875) e A Era dos Extremos – O breve século XX (1914-1991). 2 BOMFIM, Manoel. A América Latina – males de origem. 4ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005 [1ªed. 1905]; ROMERO, Sílvio. A América Latina – Análise do livro de igual título do Dr. M. Bomfim. Porto: Livraria Chardon, 1906. Toda documentação foi transcrita em grafia atual.

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nesse período torna-se fundamental para o entendimento das relações entre os lugarescomuns e os conceitos, ao percebermos que a intelectualidade dos países americanos (em especial os de colonização ibérica) se debruçou largamente sobre questões identitárias nacionais e regionais. Estudos sociológicos fundamentados em leituras históricas e de cunho biológico, conforme o repertório intelectual cientificista de finais do século XIX, visavam seus projetos e atuações políticas. Tendo em vista essas reflexões, que motivaram esta pesquisa, e os próprios caminhos da investigação para a dissertação, desenvolvi os capítulos sintetizados a seguir.

No primeiro capítulo, ¿América Latina?, proponho situar historicamente, de acordo com a bibliografia, algumas das percepções político-identitárias vinculadas à noção de América Latina entre os séculos XIX e XX. Aparte sua invenção historicamente recente, em meados do século XIX, a expressão América Latina, longe de corresponder apenas ao topônimo de um subcontinente, é permeada por disputas políticas e identitárias que podem ser apreendidas também e de forma significativa na aparente naturalidade de seu uso corrente. Tendo como parâmetro tanto nossas compreensões atuais quanto aquelas que seriam possíveis para os autores no início do século XX. Tal apreensão visa privilegiar o entendimento dos autores a partir de seus horizontes de expectativas. Entretanto, o objetivo não é meramente negar o coletivo identitário e geográfico (re)conhecido como América Latina, mas compreender como e por que o conceito funciona politicamente. A análise histórica dos conceitos atenta para a ressignificação de termos, o advento de neologismos e as adequações dos conceitos a usos políticos específicos e, portanto, historicamente variáveis. Nisto reside sua característica projetiva, que constitui importante arma política por meio de seus processos de transformação, ao agregar valores ou negar preceitos. A partir dessa reflexão metodológica, presente em todo o texto, mas especial neste capítulo, busquei aventar possibilidades sobre a compreensão sincrônica e diacrônica do conceito de América Latina. No segundo capítulo, América Latina em debate: Manoel Bomfim e Sílvio Romero, apresento as obras de Bomfim e Romero, destacando a conjuntura intelectual de suas produções, pensadas sobretudo para compreensão e formação de uma nação considerada

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incompleta. Trata-se de uma questão persistente, em diferentes matizes, na bibliografia sobre o tema que, em linhas gerais, tende a focar a perenidade dos problemas nacionais brasileiros ou, em outra escala, latino-americanos. Esse tema é abordado a partir da leitura da América Latina de Manoel Bomfim, suas teses e pressupostos, e em relação às tensões provocadas pela interpelação de Sílvio Romero. Definidos os termos do debate entre os autores, a análise se desenvolve num diálogo crítico com a bibliografia sobre Manoel Bomfim, problematizando algumas hipóteses a fim de contribuir, de forma propositiva, com a historiografia sobre o tema. E questionar sobretudo a conclusão recorrente da extemporaneidade de Bomfim – ou dos problemas brasileiros. Em Uma nação por construir: raça e história enquanto problemas, terceiro capítulo, exploro dois eixos que me pareceram fundamentais para as teorias Bomfim e Romero, os problemas de raça e história, de grande apelo aos contemporâneos. Tais questões concentram aqueles que a intelectualidade entendia como os males de origem do país e da América de colonização ibérica. Entretanto, conforme a hipótese que discuto, a noção de América Latina mais do que às questões sobre as supostas origens comuns, estava essencialmente ligada aos projetos políticos que os autores defendiam. Projeções estas que os afastavam ou aproximavam deste pertencimento identitário – tema que não é respondido de maneira simples pelos autores. Por fim, abordo o debate suscitado na imprensa a partir da publicação das obras, bem como de discussões em torno desses temas que aparecem nas páginas dos periódicos. Priorizo os aspectos mais recorrentes nos escritos desses jornalistas que, ao discutirem as obras levantam questões sobre a compreensão no período da noção de América Latina. Desse modo, a análise pretende, a partir da inserção de Bomfim e Romero nos debates, compreender as possibilidades de se pensar uma América Latina/latina para a intelectualidade brasileira nos inícios do século XX. O último capítulo, América Latina no Brasil dos anos 1900, se ocupa de investigar a relação dialógica das obras de Bomfim e Romero com algumas das questões mais candentes na época. No período, os crescentes ânimos nacionalistas, os grandes fluxos migratórios da Europa para o país e a resolução dos problemas de fronteira dominavam a pauta da imprensa brasileira e mobilizavam a pena dos intelectuais na conformação das

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identidades (inter)nacionais. Nesse sentido, são analisadas as vertentes identitárias americanistas e europeístas a partir da tensão colocada pela proposição de uma América Latina. Destaca-se na cena política brasileira a atuação do Ministério das Relações Exteriores, por meio de figuras proeminentes como o chanceler Barão do Rio Branco e o embaixador Joaquim Nabuco. O debate entre eles e suas diferentes compreensões sobre o projeto pan-americano, e por representarem a política oficial do governo brasileiro, serve como contraponto para perceber a inserção das interpretações de Bomfim e Romero nas complexas discussões sobre a política internacional na Primeira República e, mais profundamente, da própria percepção da nação que se quer construir. Investigação que levanta outras possibilidades de apreensão da noção de América Latina neste período.

Tramas: conceito e linguagens O historiador inglês John G. A. Pocock, em debate sobre as relações possíveis entre a Begriffsgeschichte kosellekiana e a abordagem contextualista da Escola de Cambridge, defende a complementaridade das duas leituras.3 A partir de metáforas têxteis, o autor fala de diagrama de tecido, trama, urdidura, Pocock coloca que os fios verticais da trama poderiam corresponder a “história dos conceitos individuais” enquanto os fios horizontais seriam compostos pelas “linguagens ou discursos sincronicamente existentes”. Ainda que defenda a primazia da sua abordagem, a tecitura a que o autor se refere tornou-se importante como referência metodológica para este trabalho, pois esta metáfora dos fios de um mesmo tecido orienta para esse duplo entendimento: das construções históricas de um conceito e, ainda, de sua força no embate de diferentes linguagens políticas, simultaneamente. Em especial para esta pesquisa, na compreensão dos diferentes entendimentos do conceito de América Latina, bem como de suas permanências, por um

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Em ocasião da publicação do sétimo e último volume do dicionário Geschichtliche Grundbegriffe realizouse um simpósio patrocinado pelo German Historical Institute de Washington-DC (EUA) em 1992. Participaram do simpósio, entre outros, Reinhart Koselleck e John G. A. Pocock. Os trabalhos do evento foram publicados, em 1996, sob o título The meaning of historical terms and conepts. A edição brasileira, utilizada neste trabalho, História dos conceitos: debates e perspectivas, foi organizada por Marcelo Jasmin e João Feres Jr.. Cf. JASMIN, Marcelo Gantus; FERES, Jr., João (org.). História dos conceitos: debates e perspectivas. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Loyola, 2006.

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longo período, a preferência foi pela abordagem kosellekiana. Nas leituras sincrônicas privilegiadas na análise das disputas intelectuais protagonizadas por Manoel Bomfim e Sílvio Romero e com seus contemporâneos, notadamente através da imprensa, destaco as contribuições do contextualismo inglês. A necessidade de se ajustar o foco de análise relaciona-se com a natureza viva da linguagem e suas complexas interações que existem simultaneamente em determinado tempo. Segundo Pocock, essas interações abrangem “(...) um vocabulário, uma gramática, uma retórica e um conjunto de usos, pressupostos e implicações, que existem juntos no tempo e são empregáveis por uma comunidade semi-específica de usuários de linguagem para propósitos políticos (...).”4, portanto, linguagens ou discursos que existem em concorrência, confronto e contestação, se intervindo mutuamente. Para a análise dos debates entre os autores, em suas dinâmicas políticas, mobilizando o repertório disponível, justifica-se a referência ao enfoque collingwoodiano defendido por Skinner e Pocock. Especialmente deste último, pois enquanto Quentin Skinner centra seu trabalho na intencionalidade autoral, Pocock se preocupa com os deslocamentos conceituais introduzidos por um autor nas linguagens que lhe são contemporâneas, na expressão do autor, nos “vocabulários políticos”. Essas várias linguagens coexistem e muitas vezes possuem interesses conflitantes. Ainda que a metodologia collingwoodiana também seja comprometida com os aspectos mais estáticos da linguagem e suas lentas atualizações diacrônicas, Pocock destaca como ela funciona melhor na percepção sincrônica. Dessa forma, o autor dá preferência para a interpretação das possíveis inovações, ou suas tentativas, que surgem das interações, ou seja, na performance dos autores, “para então ver como este mundo [de linguagem] estava sendo usado no momento e como estava sendo modificado no curto prazo.”5 O conceito de performance, utilizado por Pocock na investigação das linguagens políticas, é voltado para o entendimento das mobilizações discursivas dos autores em um contexto de

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POCOCK, John G. A. Conceitos e discursos: uma diferença cultural? Comentário sobre o paper de Melvin Richter. In: JASMIN, Marcelo Gantus; FERES, Jr., João (org.). História dos conceitos: debates e perspectivas. Rio de Janeiro: PUC-Rio/Loyola, 2006, p.83-84. 5 POCOCK, John G. A., Ibid., 2006, p.85.

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langue, que envolve o conhecimento de seu repertório comum, aquelas que poderiam ser consideradas suas novidades e o campo de debate criado: A partir dos textos que eles escreveram, a partir do nosso conhecimento da linguagem que usavam, das comunidades de debate às quais pertenciam, dos programas de ação que foram colocados em prática e da história do período em geral, frequentemente é possível formular hipóteses referentes às necessidades que eles tinham e às estratégias que desejavam levar adiante, e testar essas hipóteses usando-as para interpretar as intenções e as ações dos próprios textos. 6

A partir dessas indicações é possível nuançar a problemática sintetizada anteriormente, a saber, o que os autores brasileiros, ainda nos primeiros anos do século XX, possivelmente diziam ou pretendiam dizer quando se referiam a uma América Latina? Indagação que se desdobra e nos permite inquerir outros aspectos na investigação das obras de Manoel Bomfim e Sílvio Romero e de suas comunidades de debates, entre eles: quais seriam seus pressupostos teóricos, e a abrangência destes; quais as discordâncias interpretativas e as principais hipóteses aventadas; quais poderiam ser suas motivações políticas e que projetos defendiam; e, com quais questões públicas contemporâneas estariam envolvidos.

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POCOCK, John G. Linguagens do Ideário Político. MICELI, Sérgio (org.). Trad. Fábio Fernandez. São Paulo: EDUSP, 2003, p.38.

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CAPÍTULO I - ¿América Latina? Poor Ariel sends this silent token Of more than ever can be spoken; Your guardian spirit, Ariel, who From life to life must still pursue Your happiness, for thus alone Can Ariel ever find his own. P. B. Shelley To a Lady, with a Guitar, 1821

Nossa América Cento e trinta anos atrás, José Martí celebrava a emancipação política das excolônias ibéricas. Creio que temos sido fiéis a essa emancipação. De colônias passamos à condição de Estados soberanos e hoje avançamos na construção de uma região cada dia mais integrada, uma América nossa, no dizer de José Martí. Região na qual nós, brasileiros, nos sentimos orgulhosos de viver. 1

Este trecho do discurso da presidenta brasileira Dilma Rousseff, na abertura da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos2 (CELAC), em janeiro de 2014, é paradigmático acerca da importância contemporânea das relações político-identitárias do Brasil com os outros países do continente. Relações, sem dúvida, de grande relevância econômica, mas que não se encerram em acordos comerciais, e mobilizam complexas conformações identitárias, neste caso, designadas como ‘latinoamericanas’. Se, por um lado, a invocação de Martí, com nuestra América, e a referência às independências coloniais (do início do século XIX) remetem, no discurso da presidenta, a uma identificação aparentemente segura e natural entre os países de colonização ibérica, 1

ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a I sessão de trabalho da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos – CELAC. Havana, Cuba, 28 de janeiro de 2014. Portal do Planalto. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-dapresidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-a-i-sessao-de-trabalho-da-ii-cupula-da-comunidade-dosestados-latino-americanos-celac Acesso: 06 de fev. 2014. 2 O projeto de lançamento da CELAC, considerado como primeiro encontro da cúpula ocorreu em 2008 no Brasil. E contou com a presença de representantes de todos os 33 países reconhecidos da região, inclusive de Cuba, sistematicamente excluída de encontros regionais desde o embargo norte-americano à ilha (em 1962), e que foi sede da segunda Cúpula, em 2014. Disponível em: www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-integracao-regional/celac; www.celac.gob.ve/ Acesso: 6 de fev. 2014

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por outro, não evita incômodos questionamentos, patentes na própria fala de Dilma Rousseff e que denotam os (não poucos) esforços políticos empreendidos na construção dessas identidades: Até cinco anos atrás, os chefes de Estado e de Governo da América Latina e do Caribe nunca [ênfase na pronúncia] se haviam reunido de forma exclusiva. A reunião que lançou o projeto CELAC, realizada na Bahia, no Brasil, em 2008, marcou esse encontro histórico e inédito. É inacreditável que tenhamos esperado 500 anos para que isso acontecesse. 3

A inacreditável espera de 500 anos pode tornar-se mais crível a partir da compreensão histórica do problema. A integração/identificação destas nações em torno de uma proximidade (linguística e cultural) de origem latina é historicamente recente (mais ainda com o adendo “caribenho”) e complexa. Envolve em seu fundamento disputas identitárias nas quais uma identidade da América Latina é historicamente bastante questionável e questionada. São disputas nas quais intelectuais, como José Martí, participaram de forma intensa entre o final do século XIX e todo o século XX. Nesse sentido, tanto o discurso presidencial quanto a própria iniciativa da CELAC figuram aqui como exemplos possíveis, entre inúmeros outros, das configurações identitárias de América Latina no século XXI. Estas configurações, que funcionam justamente apoiadas em uma pretensa naturalidade das relações e continuidades que evoca, nos serve, pelo contrário, como contraponto e questionamento. Ao se pensar a América Latina contemporaneamente não há a intensão de remeter a um porto seguro para o entendimento destas identidades. Pelo contrário, essa reflexão nos serve como ponto de partida para problematizar e historicizar seus usos. Entre relações possíveis/desejáveis com as América(s), o lugar do Brasil nesse jogo político tem sido percebido de forma ambivalente, com tentativas de identificação e integração cultural e acusações de exercício de um imperialismo brasileiro. Tal questão, na ordem do dia das relações internacionais do país, de querer fazer o “Caribe mais latino3

ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a I sessão de trabalho da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos – CELAC. Havana, Cuba, 28 de janeiro de 2014. In: Portal do Planalto: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-darepublica-dilma-rousseff-durante-a-i-sessao-de-trabalho-da-ii-cupula-da-comunidade-dos-estados-latinoamericanos-celac Acesso: 06 de fev. 2014.

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americano, e a América Latina mais caribenha”4, remete a uma historicidade mais abrangente e tem como marco importante o início do século XX. Período este fundamental para o entendimento destas relações, tanto no que concerne à produção intelectual brasileira e regional, quanto às questões de fronteira com intensa atuação da diplomacia brasileira. Não se trata, todavia, de simplesmente negar a existência de um coletivo identitário e geográfico (re)conhecido como América Latina. O interesse é justamente entender como e por que o conceito funciona politicamente. Nesse ponto é interessante fazer num paralelo com o trabalho do intelectual palestino Edward Said e os termos orientalismo/Oriente.5 Said, apesar de extremamente crítico ao orientalismo e, como sua decorrência, à imagem que este constrói do Oriente, não nega sua “realidade histórica” por mera oposição à ideia, mas reafirma essa realidade no discurso, ou em outras palavras, seu funcionamento enquanto prática discursiva6: Comecei com a suposição de que o Oriente não é um fato inerte da natureza. Não está meramente lá, assim como o próprio Ocidente não está apenas lá. Devemos levar a sério a notável observação de Vico segundo a qual os homens fazem sua própria história, e que só podem conhecer o que fizeram, e aplicá-la à geografia: como entidades geográficas e culturais – para não falar de entidades históricas –, os lugares, regiões e setores geográficos tais como o ‘Oriente’ e o ‘Ocidente’ são feitos pelo homem. Portanto, assim como o próprio Ocidente, o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, imagística e vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente. 7

A partir dessa problematização, Said faz algumas considerações metodológicas para seu trabalho sobre a ideia de Oriente, que pode ser pensado também para o objeto deste estudo. Primeiramente, o autor considera a consistência, criada por uma “constelação regular de ideias”, o que permite supor que ela – a ideia de Oriente –, não se resume a uma “estrutura de mentiras ou de mitos”. Ainda que considere o orientalismo, conforme suas 4

ROUSSEFF, Dilma. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante a I sessão de trabalho da II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos – CELAC. Havana, Cuba, 28 de janeiro de 2014. In: Portal do Planalto: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-darepublica-dilma-rousseff-durante-a-i-sessao-de-trabalho-da-ii-cupula-da-comunidade-dos-estados-latinoamericanos-celac Acesso: 06 de fev. 2014. 5 Orientalismo refere-se aos estudos e escritos sobre o Oriente, baseados “(...) em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre ‘o Oriente” e (a maior parte do tempo) ‘o Ocidente.”. SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 (1ªed. 1978), p.14. 6 Ibid., p.15. 7 Ibid., p.16-17 [grifos do autor].

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convicções políticas, sobretudo como mais um sinal de poder e dominação política do Ocidente sobre o Oriente, Said destaca a atuação do conceito de orientalismo como uma criação teórica/prática em que houve, por muitas gerações, um “considerável investimento material”8. Acrescento a essa observação o entendimento de que esse investimento não sé dá simplesmente de forma cumulativa, ou num sentido único. Dessa forma, poderíamos substituir na seguinte fala de Said, guardadas as proporções, os termos Oriente/orientalismo por correspondentes para esta pesquisa, como latino-americanismo/América Latina, para apreender sua relevância histórica e a contribuição do estudo do autor para forma como busco pensar estes conceitos: Apesar disso, o que temos de respeitar e tentar apreender é a força nua e sólida do discurso orientalista, os seus laços muito íntimos com as instituições socioeconômicas e políticas capacitantes, e a sua temível durabilidade. Afinal, qualquer sistema de ideias que possa permanecer inalterado como sabedoria que se pode ensinar (em academias, livros, congressos, universidades e instituto de relações exteriores) desde o período de Ernest Renan no final da década de 1840 até o presente nos Estados Unidos deve ser algo mais formidável que uma mera coleção de mentiras.9

A América Latina enquanto objeto de conhecimento crescente, utilizando os mesmos exemplos de Said, “em academias, livros, congressos, universidades e institutos de relações exteriores” oferece uma pista importante de sua força, impondo-se a necessidade de investigá-la enquanto conceito sócio-político. A história desse conceito, apesar de demasiado complexa para os limites e objetivos deste trabalho, é investigada a seguir no intuito de clarear o entendimento da utilização dos vocabulários políticos e das inovações possíveis a partir do debate estudado, entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, que se dá no início do século XX. A polêmica entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, registrada também na imprensa, é voltada para as questões políticas que lhe eram contemporâneos. América Latina, título da obra de Bomfim, aparece então como um caminho intrincado para abordagem de questões delicadas e importantes para a intelectualidade do período, notadamente ao mobilizar pertencimentos identitários na tentativa de intervir na formação da nação a partir da

8 9

Ibid., p.18. Ibid., p.18.

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compreensão daqueles que seriam seus males. A riqueza documental dessas obras está sobretudo em vincular a questão nacional à noção de América Latina (ou latina, como discutem os autores) numa época afastada da conformação sólida que lhe é imputada contemporaneamente, além de pouco comum nas preocupações dos intelectuais brasileiros. A percepção destas linguagens políticas sincrônicas pode também ampliar a compreensão contemporânea dessas identidades e seus usos na reposição de lugares-comuns.10

América Latina, urdidura de um conceito político A existência contemporânea de um espaço geopolítico reconhecido publicamente como América Latina, e suas formas possíveis, como latino-americano, não pode ser simplesmente negada. Entretanto, mesmo em razão desse reconhecimento, não uniforme ou unívoco, faz-se necessário compreendê-lo enquanto conceito político.11 Antes que seus significados possam ser tomados como “indicadores dos conteúdos extralinguísticos que recobrem, antes que possam ser empregados na análise das estruturas sociais ou de situações de conflito político” 12. As múltiplas representações que emprestam uma aparente concretude à identidade latino-americana não encerram a questão de seus usos políticos. Entre iniciativas oficiais e oficiosas, as possíveis América(s) Latina(s) têm conformações diversas entre intelectuais e agentes públicos. Diferenças que compõem ou denotam projetos políticos distintos e em embate, importantes de serem percebidos em sincronia, como nos debates de finais do XIX e início do XX, objeto desta pesquisa. Contudo, ao considerar a persistência das questões identitárias ligadas à América Latina, atento para a importância de uma análise diacrônica. Ainda que o resultado seja 10

Este conceito será mais bem desenvolvido no decorrer do trabalho. Cf. D'ALLONES, Myriam Revault. Le dépérissement de la politique: généalogie d'un lieu commun. Paris: Aubier, 1999. 11 A ideia de reconhecimento pode ser mais bem compreendida na observação de Koselleck quanto à forma generalizadora que os conceitos podem assumir, característica que reforça o grande interesse histórico da abordagem koselleckiana da história dos conceitos, como sintetiza Elias Palti: “Y allí radica también su interés histórico; tal capacidade de los conceptos de transpornerse a sus contextos específicos de enunciación, de generar asincronias semánticas, confiere a la historia de conceptos su rendimiento específico.” PALTI, Elías. Introducción. In: KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tiempo: estudios sobre la historia. Trad. Daniel Innerarity. Barcelona: Paidós Ibérica, 2001 (1ªed. 2000), p.16. 12 KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Trad. Wilma P. Maas; Carlos A. Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p.106.

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restrito, dada à amplitude da tarefa, uma reflexão sobre as distintas compreensões do conceito em diferentes temporalidades ajuda a delinear os entendimentos mais prováveis dos autores a respeito, e permite perceber com mais clareza seus usos políticos no período. Da análise histórica dos conceitos destacam-se a ressignificação de termos, bem como os neologismos, como batalhas semânticas que põem em jogo as adequações dos conceitos a determinados usos políticos. Daí sua característica projetiva, que aponta para o futuro, e muito além de nomear ideias, agrega valores, nega preceitos e dessa forma, constitui-se como armas potentes nas discussões políticas. Em consequência, tais conceitos, de acordo com Koselleck, (...) com o uso frequente, acabam por transformar o campo de experiência política e social, definindo novos horizontes de expectativas. Sem questionar a prioridade ‘pragmática’ ou ‘conceitual’ no processo das mudanças, o resultado permanece suficientemente elucidativo. A luta pelos conceitos ‘adequados’ ganha relevância social e política.13

Entretanto, refletir sobre a co-incidência14 de determinado conceito não significa julgar sua validade ou veracidade, mas percebê-lo em seus usos e capacidade de mobilização, que são, por definição, variáveis historicamente. O caráter polissêmico dos conceitos se evidencia em especial naqueles que referenciam identidades, pois são essencialmente campo de disputas e transformações. Por isso, não é suficiente investigar a etimologia do termo para compreender seu processo histórico, é necessário ampliar a investigação dos campos semânticos, suas relações, seus antônimos, a fim de “evidenciar os antagonismos do ponto de vista político”15. Isso nos permite, de acordo com Koselleck, verificar a capacidade de rendimento das definições contemporâneas, apesar (ou em virtude) de seus inúmeros deslocamentos. Nesse ponto, considero relevante explicar que estas orientações teóricometodológicas foram escolhidas também como boas opções para a compreensão das fontes investigadas, uma vez que a confusão conceitual sentida na escrita dos autores (conforme

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Ibid., p.101 [grifos meus]. Ibid., p.114. 15 Ibid., p.113. 14

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tratarei nos próximos capítulos) expôs minhas próprias incompreensões, estas baseadas teleologicamente em acumulados de leitura que nos separam no tempo. Sobretudo ao considerar que a noção de América Latina, amplamente utilizada contemporaneamente como de fácil, porém ampla, percepção identitária, possui uma historicidade. Daí pensá-la próxima às questões e ao repertório do período, tento em vista evitar ou problematizar as perspectivas carregadas com as nossas questões, fora do repertório dos autores. Precisar os usos do conceito na época implicou, neste trabalho, em pensá-lo em relação a outros tempos, questão que justifica as escolhas feitas para este capítulo. Primeiro como nota introdutória, para denotar sua vitalidade e aparente naturalidade nas relações políticas já no século XXI, como apontado anteriormente, e num segundo momento, para entender o processo de construção e surgimento do conceito, bem como, sua profunda transformação e estabelecimento no século XX. Com isso, explicito uma dificuldade do próprio processo de pesquisa e que se tornou parte importante dela, sobretudo, saber que significados América Latina seriam mais ou menos prováveis nos debates do período estudado.

Cartografia semântica: a América antes de se dizer latina A compreensão histórica dos conceitos é relevante para percebermos a constituição de múltiplos projetos que fundamentam (com seus deslocamentos) politicamente as instrumentalizações desses conceitos. Desse modo, considero que o termo América Latina pode ser mais bem compreendido no âmbito de uma hispanoamericanicidade em construção durante o século XIX. Essa construção gera disputas em torno de algumas terminologias identitárias que ganharam força a partir do período das guerras de independência e investiga-las nos auxilia na compreensão das possibilidades de surgimento e aceitação de uma identidade baseada na ascendência hispânica, sobretudo linguísticocultural. Essa opção, dentre outras disponíveis, era diretamente interessante à elite crioulla e seus projetos de emancipação nacional/regional, pois recorta “una pertenencia étnico-

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social cruzada por la condición de ‘criollo’, ‘blanco’, mayoritariamente ‘propietario’ y − sobre todo – ‘hispanohablante’.”16 Patrícia Funes identifica, a partir do final do século XVIII, a afirmação do sintagma nuestra América como expressão de uma totalidade, quando o pronome possessivo nuestra passa a ser adotado. Registrado pela primeira vez no discurso de Francisco de Miranda em 180617, nuestra América dá conta, segundo a autora, de “una nueva dimensión del pensar social, político y cultural de la región”18 que, por um lado, serve à propaganda anticolonial, mas por outro, marca na comunidade linguística hispanohablante um caminho claro de definição identitária. Escolha facilmente apreensível na fundamentação de projetos de integração regional, nos seus mais diferentes tons, dos quais o de Bolívar é um paradigmático representante: “Ya que tienen un origen, una lengua, unas costumbres y una religión, deberían, por consiguiente, tener un solo gobierno que confederase los diferentes Estados que hayan de formarse”.19 A “hispanoamericanicidade” se conforma da necessidade de uma afirmação identitária comum, concomitante aos processos de independência no continente americano e a possíveis ameaças europeias aos projetos emancipatórios, e ainda enquanto defesa à expansão dos Estados Unidos, percebida no slogan da Doutrina Monroe, em 1823, A América para os americanos, ou para os “norte-americanos”, como foi largamente interpretada. Esta contraposição aos Estados Unidos da América é relevante para análise da gênese do nome América Latina e as implicações de seus usos, pois fundamenta ainda

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FUNES, Patricia. América Latina. Los nombres del Nuevo Mundo. Buenos Aires: Explora – Las ciencias en el mundo contemporâneo, 2009, p.5. 17 El Precursor, como ficou conhecido por seu papel pioneiro nas lutas de independência, o venezuelano Francisco de Miranda cunhou o termo “nuestra América” no seguinte trecho de um discurso em 1806, ao qual se refere Patricia Funes: “Con estos auxilios podemos seguramente decir que llegó el día, por fin, en que, recobrando nuestra América su soberana independencia, podrán sus hijos libremente manifestar al universo sus ánimos generosos”. MIRANDA, Francisco de. Proclamción de Coro – Comandante General del Ejército Colombiano: a los Pueblos habitantes del Continente Américo-Colombiano [02.ago.1806]. In: ROMERO, José Luis; ROMERO, Luis Alberto (org.). Pensamiento político de la emancipacion (1790-1825). Caracas: Biblioteca Ayacucho, s/d, p.20, [grifos meus]. 18 FUNES, op. cit., p.5. 19 BOLIVAR, Simón. “Carta de Jamaica” - Contestación de un americano meridional a un caballero de esta isla [Henri Cullen], Kingston, 06.sep.1815. In: Para nosotros la patria es América. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2010 (1ªed. 1991), p.83.

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durante o século XIX os epítetos Nuestra América, Hispanoamérica e ainda no esforço feito em querer chamar por Colômbia à América hispânica. O nome de Colômbia, para os intelectuais defensores dessa denominação para o conjunto de nações de colonização hispânica do continente, representava uma postura política entendida como contrária às injustiças e espoliações históricas. Referencia-se no entendimento de que a descoberta do Novo Mundo havia sido feita por Cristóvão Colombo e, a seu ver, usurpada por Américo Vespúcio. Nessa chave de leitura podemos compreender a rejeição de José Maria Samper, já na década de 1860, ao nome América, e mesmo sua legítima atribuição aos Estados Unidos: Referiéndose ese trabajo (...) á los pueblos de 'Colombia'. Esta última palabra exige una explicación de nuestra parte. Hemos creido tener plena razon para iniciar en la prensa una innovación en el terminología histórico-geográfica del Nuevo Mundo [com o uso do nome Colômbia]. (...) los ciudadanos de Confederación del Norte llamada “Estados Unidos”, se han arrogado para sí solos, y con razon, el nombre de Americanos, como expresion de su nacionalidad política, – así como designan con el nombre general de América la Confederacion fundada por Washington. La Europa ha aceptado tan decididamente esas denominaciones, que estas no solo son habituales para los escritores europeos, sino también en el lenguage comun. (...) Esta denominacion ha defraudo la gloria de Cristóval Colom, y atribuídole al descubridor secundario, Amerigo Vespucci, lo que no le pertence. – La justicia exige que el mundo moderno restablezca la clasificacion histórica; tanto mas cuanto que así desaparecerá toda confusion en las denominaciones.20

Como Arturo Ardao assinala, Bolívar, pelo menos até 1814, faz referência constante a um hemisfério colombiano claramente em menção ao conjunto de países de colonização espanhola, nomeado também de Magna Colômbia21. Não se trata de uma mera sucessão de nomes, menos ainda em qualquer sentido evolutivo, mas de uma possibilidade para perceber inúmeras mudanças e tentativas de estabelecer alguma identidade comum e construir formas de relação com o passado, mais ou menos abrangente de acordo com o

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SAMPER, José M. Ensaio sobre las revoluciones políticas y la condicion social de las repúblcias colombianas (hispano-americnas): con un apéndice sobre la orografía y la población de la confederacion granadina. Paris: E. Thunot Y., 1864 (1ªed. 1861), p.XII-XIII; XIV. [grifo do autor] 21 Segundo Ardao, apenas após a Carta da Jamaica, a chamada Grã-Colômbia irá designar para Bolívar o projeto de união apenas de Venezuela, Equador e Nova Granada (atual Colômbia), efetivado entre 1819 e 1831. Cf. ARDAO, Arturo. La idea de la Magna Colombia – de Miranda y Hostos [texto de 1975]. In: ZEA, Leopoldo (org.). Fuentes de la cultura latinoamericana. Tomo I. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. Interessante notar que a proclamação anteriormente citada de Francisco de Miranda, de 1806, destina-se a população do Continente Américo-Colombiano.

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projeto. Entre a nuestra América de Bolívar e a de Marti, no final do XIX, por exemplo, há a incorporação do Brasil nesse coletivo nós. Essas alterações, entre as quais destaquei a atribuição do termo América aos Estados Unidos, aceita e estimulada em parte pelos intelectuais latino-americanos no século XIX, e a compreensão de uma identidade pautada especialmente numa base linguística comum – a hispânica –, são relevantes quando se busca compreender o processo de gênese do nome América Latina, bem como na reflexão sobre sua predominância frente a demais termos empregados na definição de uma identidade continental, como Ardao sintetiza quando se refere à ideia de Magna Colombia: Fue, ao contrário, un episodio más en el prolongado empeño de nuestra América, como amaba decir Martí, o de América nuestra, como gustaba escribir Rodó, por la definición de su identidad a través de la determinación de su nombre. Ese empeño ha tenido mucho de drama. Las sucessivas generaciones, desde aquellos fines del siglo XVIII a nuestro días [refere-se a 1975], lo han venido sintiendo, cada una a su modo, pero siempre bajo la necesidad de dar respuesta a cambiantes desafíos a la autonomía de su personalidad común. O sea, a su existencia misma.22

A invenção do termo América Latina em meados do século XIX é bastante conhecida na historiografia sobre o tema, sem, entretanto, gerar consenso sobre seu surgimento, como discorro a seguir. Menos do que propor uma resposta definitiva, o relevante é compreender como estas explicações fornecem indícios da formação e do aceite de uma ideia de América Latina. Primeiro, faz-se necessário destacar o papel do político francês Michel Chevalier que faz as primeiras referências a uma América latina ainda na década de 1830, como ideólogo do panlatismo imperialista francês, que postulava a primazia da França frente às outras nações de origem latina. A bibliografia o considera importante no surgimento da associação entre o termo América e seu qualificativo “latina”, sobretudo por sua relevância na justificação do panlatinismo. Entretanto, a utilização do par América/Latina e seu desenvolvimento como conceito ocorre, de acordo com os autores, apenas a partir de 1850. Em linhas gerais, entre as décadas de 1960 e 1990, os estudos sobre o conceito de América Latina consideram como hipóteses principais da precedência do uso do termo o francês 22

Idem, p.45-46.

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Tisserand em 1861 (L’Amerique Latine), o chileno Francisco Bilbao e o colombiano Torres Caicedo, em 1856 , ambos residentes em Paris. 23 Para o historiador norte-americano John L. Phelan, considerado uma das primeiras referências no estudo desse conceito, o termo América Latina teria sido escrito primeiramente pelo escritor francês L. M. Tisserand em 1861 na Revue des Races Latines, publicação de orientação panlatina que circulou em Paris entre 1857 e 1861, quando dos preparativos para a invasão francesa no México (1862). Esta afirmação é questionada por Arturo Ardao, que atribui o pinoneirismo ao jornalista colombiano residente em Paris, Torres Caicedo, em seu poema Las dos Américas (setembro de 1856) e defende em Caicedo a primeira utilização substantiva da palavra “latina”, ou seja, além de sua adjetivação à América24. Ardao considera esse o caso de Francisco Bilbao, que utilizou o termo numa conferência em Paris três meses antes da publicação de Caicedo. Por essa razão, o autor não considera a anterioridade de Francisco Bilbao, que teria feito uso de “latina” como adjetivo25. 23

Os estudos sobre a gênese do nome América Latina se iniciam no final da década de 1960. Esta bibliografia trata também as relações com o panlatinismo francês do século XIX e fundamenta minha discussão. O primeiro estudo de destaque sobre o tema foi o ensaio do historiador norte-americano John Leddy Phelan, Pan-latinism, French Intervention in México (1861-1867) and the Genesis of the Idea of Latin America, de 1968, constituem referências fundamentais os vários trabalhos de Arturo Ardao, especialmente Génesis de la idea y el nombre de América Latina, de 1980; e de Miguel Rojas Mix, Los cien nombres de América (1991). Este debate pode ser acompanhado nas análises historiográficas de Héctor Bruit (2000), João Feres Jr. (2004), Leslie Bethell (2010) e sobre latinidade com Virgínia Camilotti (2013). Cf.: PHELAN, John Leddy. PanLatinism, French Intervention in Mexico (1861-1867) and the Genesis of the Idea of Latin America. In: ORTEGA Y MEDINA, Juan A. (org.). Conciencia y autenticidad históricas: escritas en homenaje a Edmundo O’Gorman. Ciudad de México: Universidad Autónoma de México, 1968. BRUIT, Héctor. A invenção da América Latina. Belo Horizonte: Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC, 2000; FERES Jr., João. A história do conceito de Latin America nos Estados Unidos. Bauro-SP: EDUSC, ANPOCS, 2004; BETHELL, Leslie. O Brasil e a ideia de “América Latina” em perspectiva históricas. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Vol. 22, n.44, p. 289-321, jul./dez 2009; BETHELL, Leslie. Brazil and ‘Latin America’. In: Journal Latin America Studies. Cambridge: Cambridge University Press, 2010; CAMILOTTI, Virgínia. Variação lexical e performance semântica de um conceito político: latinidade, ideia latina e romanidade. In: CERASOLI, Josianne; NAXARA, Marcia; SEIXAS, Jacy (org.). Tramas do político: linguagens, formas, jogos. Uberlândia: EDUFU, 2013, p.45-70. 24 ARDAO, Arturo. Génesis de la idea y el nombre de América Latina. Caracas: Centro de Estudios Latinoamericanos Romulo Gallegos, 1980. Trecho do poema Las dos Américas, de Caicedo, escrito em 1856: “La raza de la América latina/Al frente tiene la sajona raza,/Enemiga mortal que ya amenaza/Su liberdad destruir y su pendón.” TORRES CAICEDO, José Maria. Las dos Américas [Venecia, 26 de setiembre de 1856]. In: El Correo de Ultramar: Paris, 15 Feb. 1857. Disponível em “Proyeto filosofia en español”: http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm Acesso: 29/03/2014. 25 A primazia de Bilbao na utilização de América Latina é defendida pelo historiador Miguel Rojas Mix em seu trabalho Los cien nombres de América, de 1991. A seguir o trecho da Conferência de Francisco Bilbao,

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A partir do que foi exposto, podemos notar a forte vinculação ao repertório político francês dos intelectuais considerados pioneiros no uso do termo América latina/Latina, conclusão para a qual convergem Phelan e Ardao, “(...) trata-se do contexto histórico e geográfico em que aquele se deu, isto é, o do panlatinismo da França de meados do século XIX.”26 Entretanto, o contexto histórico do panlatinismo francês não encerra a questão sobre o surgimento e utilização da associação entre América e Latina para os intelectuais do período. Segundo Virgínia Camilotti, nesse período a noção de latinidade não possuía uma conotação geopolítica que postulasse a união dos povos de origem latina, aparecendo enquanto conceito engajado nesse sentido apenas a partir no final do século XIX. De acordo com Camilotti: Alguns estudiosos consideram a noção de latinidade já em operação em meados do século XIX, sobretudo entre representantes do governo francês devotados a cimentar a ideia de América Latina como uma “estratégia para melhorar a posição da França entre os impérios europeus e sobre as novas entidades soberanas da América”. No entanto, o vocábulo latinidade foi adotado naquele momento, não o foi enquanto um conceito engajado, vetor de uma ação política que visasse à união dos povos de origem latina ou à constituição de uma fronteira identitária precisa, a justificar ações solidárias para sua preservação no Ocidente. Neste sentido, as investigações de Pierre Rivas [2005] sobre o conceito são decisivas: é somente após 1870 que “latino” adquiriu conotação civilizacional e passou a integrar a “língua política da Europa”; donde latinidade, por sua vez, assumiu conotação geopolítica.27

Desse modo, a relevância de uma ideia latina em meados do XIX está em fornecer outra possibilidade de identificação comum, fundamentada também em um substrato linguístico e cultural, como a hispanicidade referida anteriormente, mas com outras potencialidades políticas. Entre as hipóteses a serem consideradas estaria sua maior

em junho de 1856, Paris: “Pero la América vive, la América latina, sajona e indígena protesta, y se encarga de representar la causa del hombre (...)”. BILBAO, Francisco. Iniciativa de la América. Idea de un congreso federal de las repúblicas. In: ZEA, Leopoldo (org). Fuentes de la cultura latinoamericana. Tomo I. México: Fondo de Cultura Económica, 1993, p.51. C.f: ROJAS MIX, Miguel. Los cien nombres de América – Eso que descubrió Colón. San José – Costa Rica: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 1997 (1ªed.1991). Segundo Bruit, é interessante apontar também a primeira utilização acadêmica de América Latina, por Carlos Calvo, em 1862. Cf. CALVO, Carlos. Recueil complet des traités, conventions, capitulations, armistices et autres actes diplomatiques de tous les états de l'Amérique latine (...). Paris: Librarie de A. Durand, 1862. 26 FERRET, Rafael L; PINTO, Simone R. América Latina: da construção do nome à consolidação da ideia. In: Topoi – Revista de História. Rio de Janeiro: UFRJ, v.12, n.23, jul.-dez./2011, p.37. Neste artigo autores fazem uma análise mais detalhada sobre esse debate historiográfico. 27 CAMILOTTI, op. cit., p.47-48 [grifo da autora].

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abrangência (comparativamente, por exemplo, à Hispanoamérica). Em decorrência, poderia conferir maior força aos combates políticos frente à América “saxônica”, de grande importância na época, como explicitado no poema de Torres Caicedo contra raza sajonica, enemiga mortal. O intelectual colombiano pretendeu criar uma liga Latino-Americana, conforme seu livro Unión Latinoamericana, de 1865. Ardao afirma que “O projeto de Caicedo era organizar um movimento contrário a política pan-americana dos Estados Unidos.” E cita do autor o seguinte trecho: “Hay una América anglosajona, dinamarquesa, holandesa etc., hay uma española, francesa, portuguesa e a este grupo que denominación científica darle sino el de latina?”28 A construção da ideia de uma América latina se faz de forma importante nessa relação de oposição a uma América não-latina, ou mais precisamente, saxônica. Como podemos observar, esta foi a tônica dos escritos políticos desde finais do século XVIII, bastante fortalecida após os períodos de independências nas nações americanas de colonização espanhola, tanto por prevenção à crescente política expansionista dos Estados Unidos, quanto por servir de amálgama às pretensões de união regional, pautadas em alardeadas origens comuns. Essa contraposição é importante na fundamentação das várias denominações identitárias elaboradas no período, tais como Magna Colômbia, Nossa América, Hispanoamérica e América Latina frente à América (como nome próprio estadunidense), América do Norte, América Saxônica, entre outras. Os debates historiográficos sobre o surgimento da noção de América Latina têm sido profícuos e levantam questões importantes na compreensão do conceito em sua dimensão histórica. Os primeiros usos do nome e/ou da ideia de América Latina, conforme separam alguns autores, já possui longa bibliografia de análise. Deste modo, destaquei apenas alguns pontos mais relevantes para a discussão conceitual, em especial, duas características forjadas desde o final do século XVIII, fundamentais para o entendimento de América Latina, a saber, uma identidade linguístico-cultural (primeiramente hispânica, num segundo momento latina), e as disputas políticas que envolvem os Estados Unidos, crescentes desde o início do XIX. 28

TORRES CAICEDO, José Maria apud ARDAO, Arturo. Panamericanismo y Latinoamericanismo. In: ZEA, Leopoldo (org.). América Latina en sus Ideas. México: Siglo XXI/ UNESCO, 1986, p. 157-171. Cf: BRUIT, op. cit., p.2.

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A questão da hispanoamericanicidade ou latinidade tratada nessa pesquisa deve levar em consideração o lugar do sujeito de enunciação. Grosso modo, da perspectiva americana valoriza-se as raízes linguísticos-culturais hispânicas, que remetem já no início do XIX, com Simón Bolívar, a uma identidade criolla – de filiação europeia (branca). Mas, sendo nascida da América, preservava-se genuína e independente. Por outro lado, a ideia latina que adjetiva América provém de um lugar de enunciação europeu, especificamente no século XIX, francês. O panlatinismo francês, que ganha conotação civilizacional apenas a partir de 1870, se opõe ao pangermanismo e pan-eslavismo preconizando a liderança da França sobre os “povos latinos”. 29 Contudo, já nas referências à América Latina, em Rodó (Ariel, 1900), por exemplo, a latinidade é entendida como oposição ao anglo-saxão pressupondo um espírito essencialista latino-americano e não remete ao panlatinismo francês. Pelo menos a partir deste início de século, no continente americano, a latinidade parece se aproximar de forma muito mais relevante de uma conotação ibérica/hispânica imbuída em Latina. Entretanto, a questão permanece: quais seriam as motivações ou escolhas políticas que permitiram a predominância e a vitalidade da locução “América Latina” frente às outras possibilidades? Para concluir este capítulo, pontuo algumas transformações políticas que envolvem o conceito de América Latina, a fim de perceber as condições da ampla apreensão e divulgação que envolve seus usos contemporâneos, conforme abordei no início do capítulo. Como justificado anteriormente, na tentativa de desnaturalizar o uso do conceito e, dessa forma, inscrever o debate dos intelectuais do início do século XX de forma mais clara, visando não projetar expectativas além do horizonte possível de seu repertório político.

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Segundo Pierre Rivas, essa característica civilizacional do panlatinismo ocorre como reação às teorias da “decadência latina”, defendida por autores como Lapouge, Gobineau e Le Bon. E excluía a conotação racial que fundamentava as noções de pangermanismo e pan-eslavismo. RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. São Paulo: Hucitec, 2005.

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Ariel: a serviço do espírito latino-americano Cuarenta y seis países, territorios dependientes y departamentos de ultramar componen esta parte del mundo que oficialmente se denomina América Latina y el Caribe. Es la región que más nombre por sumatoria posee. El agregado “y el Caribe” fue para incorporar aquellas áreas de lenguas y tradidiciones no latinas. El nombre ‘América Latina e el Caribe’ fue – entonces – producto de varios agregados algo aleatorios: el invento de modernos monges “franco-alemães” que no conocieron la empresa de Colón, de una latinidad heredera de Napoleón III y de genealogias románicas, y de un nombre geográfico (paradójicamente indígena, “caribe”) para incorporar sociedades sajonas.30

Essa caracterização oficial de América Latina e Caribe dista bastante tanto do entendimento de América Latina em construção em meados do século XIX quanto dos debates dos intelectuais no início do XX. Distancia-se ainda da incorporação da denominação Caribe e mesmo de um referencial conceitual tão reconhecido e claro de América Latina, sendo o Brasil um importante ponto de dúvida. A partir da década de 1940, esta denominação de América Latina e Caribe passa a ser delineada e reforçada. Para apreender algumas das transformações na apropriação do termo América Latina opto por uma leitura através da simbologia da peça The Tempest (1610-11), de William Shakespeare. Esta obra do dramaturgo inglês foi largamente entendida como representação do empreendimento colonial no continente americano e mobilizada em várias interpretações acerca de seus três personagens principais: Próspero, Ariel e Caliban31. O foco da análise que se segue é entender a significante mudança representada pela adoção da figura de Caliban como representação da América Latina. Desse modo, utilizo-os a seguir não apenas por sua simbologia, mas por serem paradigmáticos em relação às transformações que o significado do vocábulo América Latina sofreu durante o século passado. Para tanto, é preciso atentar para o uso mais notório

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FUNES, Patricia. Salvar la nación: intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006, p.258 [grifos da autora]. 31 Caliban é um anagrama de Canibal criado por Shakespeare, que deriva de Caribe/Caraíba, inspirado na leitura do autor inglês de Des Cannibales (1580), de Michel Montaigne. Verbete Calibán. In: Diccionario de Filosofía Latinoamericana - Biblioteca Virtual Latinoamericana. México: UNAM. http://www.cialc.unam.mx/pensamientoycultura/biblioteca%20virtual/diccionario/caliban.htm Acesso: 18-052014.

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das personagens de A Tempestade na retórica identitária latino-americana: a obra Ariel, do escritor uruguaio José Enrique Rodó32. Rodó, direcionando-se aos jovens, propunha a valorização do ideal encarnado pelo espírito Ariel, servo de Próspero, considerando a nobreza e elevação espiritual por ele simbolizada. O chamado ecoou nos anseios da juventude intelectual do período ao congregar na figura deste espírito um conjunto de características comuns, supostamente reconhecidas nos modos de pensar de ascendência latina, marcadas por sua inclinação à reflexão. Constituindo uma oposição ao material e utilitarista Caliban, personificação dos Estados Unidos e daquelas que eram percebidas como suas pretensões de dominação33. Dominação esta não apenas no âmbito político-militar, territorial ou econômico, mas também de acedência moral (ou espiritual) tão temida por Rodó – receio expresso pelo autor em sua rejeição à nordomania, a saber, a imolação dos valores norte-americanos, que ele desprezava. As lições do mestre Próspero, porta-voz de Rodó em Ariel, foram bastante lidas, debatidas e aceitas pela intelectualidade da época. Tornaram-se um importante catalisador de relações de solidariedade entre os latino-americanos, atuando de forma significativa na própria construção deste pertencimento. Nas leituras das obras de Rodó encontravam inspiração para a constituição da ideia de uma identidade comum espiritualmente elevada, latina, tão bem sintetizada pelo maestro de la juventud, como ficou conhecido.34 Segundo 32

RODÓ, José Enrique. Ariel. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991 [1ªed. 1900]. Antes de Rodó, o franco-argentino Paul Groussac, em 1898, refere-se ao “espírito yanke” como “informe y ‘calibanesco’. José Rodó foi leitor de Ernest Renan, vale lembrar que Renan identifica de forma negativa Caliban com o povo da Comuna de Paris. Cf. ABDALA Jr., Benjamin. De Vôos e Ilhas – Literatura e Comunitarismos. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2003. 33 Caliban é considerado escravo não apenas de Próspero, mas de seu próprio pensamento mesquinho e imediatista. 34 Além da paradigmática obra Ariel (1900), Rodó publicou Motivos de Proteo em 1910. São bastante documentadas as comunicações de Rodó com vários escritores do período: Francisco Garcia Calderón (peruano), Alcides Arguedas (boliviano), Pedro Henriquez Ureña (dominicano); e a reconhecida admiração de outros, como Carlos Arturo Torres (venezuelano). Henríquez Ureña, ainda em 1910, promoveu ciclos de conferências sobre Rodó, no México. Em suas palavras, entre os mestres da América, juntamente com Andrés Bello, Domingo Sarmiento, Juan Montalvo e Eugenio Hostos já figurava Rodó: “(...) es el maestro que educa con sus libros, el primero quizá, que entre nosotros, influye con la sola palabra escrita. No a todos será fácil, sin duda, conocer la extensión de esa influencia; pero quién observe la descubrirá a pouco ahondar, esparcida por donde quiera: los partidarios de Ariel, los futuros secuaces de Proteo, son multitud que crece cada día.” [Artigo de Ureña publicado originalmente no México (1910) em Conferencias del Ateneo de la Juventud] apud DEVÉS VALDÉS, Eduardo. Del Ariel de Rodó a la CEPAL (1900-1950) – El pensamiento

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Eduardo Devés Valdés, ainda que não tenha gerado obras semelhantes a Ariel, de sentido “poético-místico”, Rodó é chave, pois Ariel converteu-se em símbolo para a escrita da jovem geração do início do século. Geração que se apresentava como disposta a desvendar a realidade social de seus países, bem como a regional, sobretudo a partir de uma perspectiva crítica ao que representava para eles o projeto norte-americano, de matriz anglo-saxã. Para este estudo, o intuito é destacar a centralidade do arielismo de Rodó, que tão latino quanto americano, mobilizou elementos politicamente relevantes para a construção de identidades latino-americanas para os intelectuais que se debruçavam sobre essas questões. Importante frisar que o uso da expressão América Latina por Rodó e seus interlocutores busca e estabelece uma origem comum, latina. Todavia, percebe-se que o entendimento predominante de latino se refere a ibérico, notadamente de ascendência espanhola e em relação apenas ao continente americano35. Como conclui Bruit, essas iniciativas não participam de ideais panlatinos: José Enrique Rodó (...) usou a expressão América Latina duas vezes em seu livro Ariel, publicado em 1900, em um discurso de 1905 em homenagem a Anatole France que visitava Montevideo, em uma curta nota jornalística com o título de “La voz de la Raza” a propósito da Primeira Guerra Mundial e no Mirador de Próspero. Porém, a expressão só tem significado literário, sem conotações que a vinculem com a latinidade. Muito pelo contrário, quando Rodó fala sobre o continente, sobre a unidade americana, sempre está pensando em HispanoAmérica.36

Compreendo a expressão “significado literário” de Bruit sobretudo como uma apreensão política do conceito, na qual a expressão América Latina em Rodó pode ser mais bem entendida. . Expressão que está afastada de ideais de latinidade, conforme apontado por Bruit, mas figura de modo representativa para uma solidariedade hispano-americana latinoamericano en el siglo XX. Entre la modernización y la identidad. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2000, p.35-36. A partir de série de conferências (entre as quais Rodó foi tema), os intelectuais que viviam no México, como Pedro Ureña, criaram o Ateneo de la Juventud Mexicana em 1909, uma associação civil dedicada a uma “revolução cultural” no México contra o porfiriato e o positivismo, e pela valorização nacional mexicana e latino-americana. 35 No decorrer do trabalho estas questões, seus afastamentos e aproximações em relação ao Brasil e à intelectualidade brasileira serão tratadas de forma mais acurada, pois ser uma temática central no entendimento dos autores estudados no período e dos intelectuais que se dedicaram a pensar as (im)possibilidades de alguma identidade latino-americana. 36 BRUIT, op. cit., p.6.

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instigada pelo arielismo. Como o próprio Bruit conclui, a referência de unidade para Rodó era pensada para uma Hispano-América, por isso destaco sua relevante conotação política. Este ponto é relevante dada a poderosa referência na qual se converteu Rodó para intelectualidade da região no período.

Caliban: um latino-americano Após a década de 1940, os contornos de uma unidade geopolítica denominada de América Latina ganham tons mais nítidos, que informam, em parte, a compreensão atual do conceito. Perceber essa perspectiva é essencial para o entendimento das distâncias e diferenças semânticas entre os usos políticos do debate estudado nesta pesquisa, do início do XX, e a compreensão contemporânea, inscrevendo-os nos tempos e horizontes de debates possíveis. Esta escolha se justifica pela percepção de transformações relevantes na apreensão do conceito, sobretudo enquanto conformação identitária, marcada por uma intensa produção intelectual e política em várias áreas do conhecimento após 194037. No período anterior, dificilmente se pode fazer referência a uma ideia de América Latina como unidade geopolítica ou enquanto campo de estudos, como é comum contemporaneamente. Estudos que reúnem aspectos dessa(s) sociedade(s), tal como história/cultura/religião/economia da/na América Latina, com frequência não veem necessidade de referenciar esse lugar, por supor ser amplamente divulgado e compreendido. Por isso, a importância de desnaturalizar o conceito a fim de problematizar seus usos atuais e apreendê-lo em sua historicidade. Eduardo Devés Valdés desenvolve um amplo estudo sobre o pensamento latinoamericano38, destacando a centralidade da fundação pelo Conselho Econômico e Social da 37

Segundo Bruit, foi no período da Segunda Guerra que o nome de América Latina se popularizou nos estudos sociais norte-americanos. O autor cita alguns trabalhos importantes da década de 1940 que trazem a expressão já nos títulos: Preston E. James, Latin American (1942); William Rex Crawford, A Century of Latin-American Thought, (1949); Willy Feuerlein e E. Hannan, Dollars in Latin American (1941); Fred J. Rippy, Latin América and the industrial age (1947); Samuel F. Bemis, The Latin American policy of United State (1943). Ibid., 2000, p.9. 38 A partir de suas pesquisas, Eduardo Devés Valdés publicou três volumes sobre o “pensamento latinoamericano” no século XX: Del Ariel de Rodó a la CEPAL (1900-1950) e Desde la CEPAL al neoliberalismo (1950-1990). O autor reconhece o quão abrangente e mesmo vago, o termo “pensamento”, entretanto estabelece seu entendimento sobre isso da seguinte maneira: “La constituición de un pensamiento estuvo dada

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ONU da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL, em 194839. Compreende a Comissão sobretudo como iniciativa institucional relacionada ao repertório político que circulou profusamente na década de 1950 e tem como conceitos-chave: industrialização/desenvolvimento. Visto como um problema, o tema da não industrialização nos países “subdesenvolvidos” da América, notadamente de colonização ibérica, foi objeto preferencial dos cientistas sociais no período. Os engajados esforços ensaísticos das décadas anteriores perdem notoriedade para as redes de debates acadêmicas (não menos engajadas) que foram fortalecidas pela institucionalização universitária na região. Os debates políticos suscitados nesse contexto, nos quais os conceitos de desenvolvimento e seu par subdsenvolvimento são centrais, nas palavras de Vadés, são “(...) tan marcante que puede afirmar-se que divide el pensamiento del siglo en dos partes.”40 Especialmente interessante para essa discussão é a relação, analisada pelo autor, da produção das ciências sociais (não se restringe à economia) sobre o desenvolvimento e a busca persistente por uma suposta “especificidade” latino-americana (subdesenvolvida ou terceiro-mundista).41 Base, por exemplo, do trabalho do economista brasileiro Celso Furtado, que Valdés destaca: “Desde esta perspectiva aparece [Furtado] como uno de los más esforzados en constituir un pensamiento latino-americano (o tercermundista) para entender los proprios fenómenos y alcançar formas de superación.”42. Os diagnósticos e proposições apresentados pela intelectualidade têm como premissa um nós subdesenvolvido, que compartilharia uma fraqueza político-econômica, por n conjunto de factores: temas comunes, autores que hacían referencias recíprocas (e incluso una red de relaciones), referencias a una historia, un estilo peculiar.” In: DEVÉS VALDÉS, op. cit., p.307; Cf. DEVÉS VALDÉS, Eduardo. Desde la CEPAL al neoliberalismo (1950-1990) – El pensamiento latinoamericano en el siglo XX. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2003 e DEVÉS VALDÉS, Eduardo. Las discusiones y las figuras del fin de siglo, los años 90 – Pensamiento Latinoamericano en el Siglo XX. Tomo III. Buenos Aires; Santiago: Biblos; DIBAM, 2004. 39 A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), fundada em 1948, é uma das cinco comissões econômicas da ONU. Sediada em Santiago, Chile, foi criada para monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana. O Caribe foi incorporado à Comissão apenas em 1984. 40 Para Valdés, foi no âmbito das discussões sobre desenvolvimento que se constitui o que hoje se entende por “pensamento latino-americano”. DEVÉS VALDÉS, 2003, p.21. 41 No período, vários autores tem como cerne de seus trabalhos questões relacionadas ao desenvolvimento, como Octavio Paz, Carlos Fuentes, Antônio Cândido, Leopoldo Zea, Eduardo Galeano. Em seu livro, Devés Valdés se detém bem mais detalhadamente nessas questões, trabalhando com diversos autores e suas polêmicas. In: DEVÉS VALDÉS, 2003, p.42. 42 DEVÉS VALDÉS, 2003, p.31.

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possível de ser superada, para vários deles, com uma efetiva integração latino-americana, sendo condição para o seu desenvolvimento. Citando Eduardo Valdés: El problema del desarrollo se planteó con un importante grado de radicalidad pues, al proponer el desfafio práctico, se profundizó en cuestiones teóricas e epistemológicas que son particularmente interessantes para quien estudia la historia del pensamiento, especilamente si se realiza desde la pergunta por la constituición de un pensamiento latinoamericano; es decir, interrogándose por la manera en que se van incorporando nuevos elementos a la discusión sobre lo que es o puede ser América Latina y la manera con se van articulando para configurar un objeto de pensamiento que, en esta medida y dialécticamente, debe trasnformarse en sujeto.43

Retomada algumas vezes após a publicação de Ariel, de Rodó, as personagens de Skakespeare são apropriadas de diferentes maneiras enquanto representações simbólicas de identidades. Esse novo arranjo na clave do pertencimento identitário latino-americano, relacionado ao repertório político fundado nas noções de desenvolvimento e subdesenvolvimento, inspira outras figurações, aparentemente não mais atendidas pelo espírito Ariel, trazendo Caliban para o primeiro plano. Invertendo os sinais do arielismo, a opção representada pela adoção da figura de Caliban na identificação de uma América Latina parece mais apropriada à necessidade de superação do subdesenvolvimento44. Assim, a áurea superior de Ariel é substituída pela maltratada figura de Caliban.45 A transformação de Caliban em personagem símbolo de uma América Latina, com o caráter de “herói pós-colonial”, foi forjada no decorrer da década de 1960 e recebe com o poeta e crítico literário cubano Roberto Retamar, sua conformação mais notória46. Caliban,

43

DEVÉS VALDÉS, 2003, p.43-44. Conforme leitura de Pedro Monteiro. Cf. MONTEIRO, Pedro Meira. As raízes do Brasil no espelho de Próspero. In: Novos estudos – CEBRAP. São Paulo: nº83, mar./2009, p.169. 45 A primeira identificação de Caliban a questão colonial, como América Latina, é feita pelo psicanalista Octave Mannoni em Psychologie de la colonization (1950), no qual defendia a tese do “complexo de Próspero”, se propondo à explicar como certos povos estão preparados para ser colonizados e guiados. A interpretação polêmica foi prontamente contestada pelo francês martinicano Frantz Fanon, anticolonialista e um dos fundadores do pensamento terceiro-mundista, em Peau noire, masques blancs (1952). Cf. FERNANDÉS RETAMAR, Roberto. Caliban. In: Todo Caliban. Buenos Aires: CLACSO, 2005 (1ªed. 2000), p.31. O texto Caliban, foi originalmente publicado como artigo na revista cubana Casa de las Américas [nº68, 1971]. 46 Citando Retamar, em texto publicado em 1971: “Nuestro símbolo no es pues Ariel, como pensó Rodó, sino Caliban. Esto es algo que vemos con particular nitidez los mestizos que habitamos estas mismas islas donde vivió Caliban: Próspero invadió las islas, mató a nuestros ancentros, esclavizó a Caliban y le enseñó su idioma para entenderse con él: ¿Qué otra cosa puede hacer Caliban sino utilizar ese mismo idioma para maldecir, 44

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o escravo desprezado e disforme explorado por Próspero (protótipo do colonizador) representaria não apenas todos os explorados latino-americanos como também a própria possibilidade de superação, no caso de Retamar, em 1969, pela via revolucionária. 47 Essa leitura, de matriz politicamente identificada às chamadas esquerdas, é uma das respostas importantes

à

questão

de

uma

identificação

latino-americana

unida

pelo

subdesenvolvimento. O par conceitual desenvolvimento/subdesenvolvimento possui uma historicidade bem mais complexa do que seria possível discutir aqui. Entretanto, referenciá-lo se justifica na tentativa de perceber as instrumentalizações contemporâneas do conceito de América Latina, bem como seus possíveis reconhecimentos, uma vez que a noção de desenvolvimento permanece como objetivo da CEPAL. Essas noções são reconhecíveis quando se fala de América Latina, sob a qual ainda se representa também sob o signo do subdesenvolvimento, ou “em desenvolvimento”, como se utiliza correntemente. Dessa forma, visando contrastar a visão contemporânea de América Latina (por mais difusa e imprecisa que possa ser) e o repertório dos autores pesquisados, considerei relevante pensar alguns elementos dessa construção identitária, sobretudo para tentar apreender a distâncias deste e dos debates sobre América Latina entre o final do século XIX e o início do XX, que possuem outra conformação, distante de Caliban. Trata-se de um período no qual as supostas identificações entre os países de colonização ibérica eram alvo de negações e desconfianças que se evidenciavam na profusão de debates a respeito das iniciativas de integração latino-americanas. Questionar a aparente tranquilidade a que remete a noção de América Latina a partir dos percursos anteriormente discutidos nos permite perceber a relevância política do problema: o que os autores brasileiros, ainda nos primeiros anos do século XX, possivelmente pensavam quando falavam em América Latina? Algumas respostas serão exploradas a seguir no âmbito das linguagens políticas

para desear que caiga sobre él la ‘roja plaga’? No conozco otra metáfora más acertada de nuestra situación cultural, de nuestra realidade.” FERNANDÉS RETAMAR, Roberto. Ibid., p.33-34. 47 Em 1969, Fernandes Retamar faz a defesa da via revolucionária para superar a América Latina superar sua condição de colonizado: “La verdadera patria de un colonizado es una colonia en revolución y puesto que nuestras revoluciones son una sola revolución entonces nuestros países, al parecer heterogéneos, forman una unidad.”. In: FERNANDÉS RETAMAR, Roberto. Ensayo de otro mundo. Santiago: Universitária, 1969, p.112. apud DEVÉS VALDÉS, 2003, p.201.

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utilizadas no debate entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, especialmente por essa ser a primeira discussão sobre o tema na intelectualidade brasileira, mas em consonância com os trabalhos de latino-americanos publicados no mesmo período, como buscarei problematizar nos próximos capítulos.

Américas imaginadas No início do século XX, a tensa conformação da noção de América Latina suscitou, mais do que interpretações, usos políticos, melhor compreendidos em sua vinculação com a chamada questão nacional e com o nacionalismo48. Este tópico alcança grande relevância político-social no período por sua vasta capacidade de mobilização de ideias e povos, ampliando paixões que seriam importantes armas de guerra, tanto ideológica quanto militar. A ideia de uma pátria grande na América de ascendência hispânica, uma América nuestra, precede tais questões e tem seus primeiros contornos em ações independentistas de homens como Francisco de Miranda e Simón Bolívar, mas se relaciona a conjunturas políticas diferentes pós 1900, partícipes de outras construções, fundamentalmente de apelo nacional. São construções baseadas não apenas num passado percebido como comum (colonial), mas também em aspectos culturais e raciais dessas sociedades, bem como na expectativa de um futuro comum. Nessas projeções, sobressaía o sentimento da necessidade de superação dos atrasos, seja de raça (conceito central no período, aqui problematizado), seja do aspecto histórico-social, para se alcançar o progresso e entrar no rol das nações civilizadas. Desse modo, a tentativa de estabelecer alguma identidade que englobasse esta América, a partir de parâmetros nacionais, encontrou uma de suas expressões mais importantes na noção de América Latina, tanto aceita, quanto criticada e debatida. Mas, por 48

Diz respeito aqui ao período estudado por Benedict Anderson e Eric Hobsbawm em seus trabalhos sobre a constituição da força política da ideia de nação e de nacionalismo em sua acepção contemporânea. Hobsbawm situa a partir de 1875 a passagem do que era conhecido como “o princípio de nacionalidade” para o nacionalismo, largamente baseado no que ambos autores consideram como uma “invenção de tradições”. Nacionalismo considerado de grande apelo para as conquistas imperialistas de finais do século XIX e de forte impacto simbólico na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, em 1914. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [1ªed. 1983]; HOBSBAWN, Eric. A Era dos Impérios 1875-1914. Trad. Yolanda Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009 [1ªed. 1988]; HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780 – Programa, mito e realidade. Trad. Maria Celia Paoli; Anna Maria Quirino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 [1ªed. 1990].

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essa mesma razão, encontrava-se na ordem do dia do repertório intelectual de início do século XX. Ao atentar para a importância de se considerar a construção de uma identidade latino-americana, dentro dos parâmetros da ascensão da ideia de nação, não me refiro a projetos de formação de qualquer administração comum. A ideia de uma administração comum é um elemento ausente desde o fim da “Colômbia bolivariana” pós-independência, conforme abordei anteriormente, e incompatível com a própria noção de soberania nacional predominante no início do XX. Entretanto, considero que tais identidades latino-americanas podem ser percebidas a partir da caracterização de Homi Bhabha sobre a narrativa nacional. Para o autor, essas narrativas funcionam como “estratégias complexas de identificação cultural e interpelação discursiva” mobilizadas em nome do povo ou da nação que “os tornam sujeitos imanentes e objetos de uma série de narrativas sociais e literárias.”49 Percebo a noção supranacional de América Latina, apesar de suas fronteiras tênues, pensada enquanto “comunidade imaginada” constituída, conforme Bhabha, na dupla temporalidade da ideologia nacional: pedagógica e performativa. A primeira configura-se enquanto processo de identidade constituída pela sedimentação histórica, e a segunda relacionando-se à perda dessa identidade no processo de sua significação cultural, continuamente reposta na construção de identidades essencialistas, nesse caso, a latinoamericana. Para o autor, é na cisão deste dialógico tempo-duplo, pedagógico e performativo, que a nação passa a ser escrita como uma narrativa, sempre conflituosa. A compreensão do latino-americanismo como uma narrativa nacional é importante na análise que se segue, pois atua enquanto um amálgama, rejeitado ou requerido, mas politicamente relevante. As disputas a respeito do nome da região hoje conhecida como América Latina não se reduzem a uma questão de nomear um território estabelecido a partir de supostas fronteiras naturais, como se frequentemente denota na historiografia, mas revela implicações políticas, como as estudadas pela historiadora argentina Patricia Funes. Em sua pesquisa sobre os intelectuais dos anos 1920, Funes levanta questões que são fundamentais 49

BHABHA, Homi K. DissemiNação – O Tempo, a Narrativa e as Margens da Nação Moderna. In: O local da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana Reis, Gláucia Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998 (1ªed. 1994), p.199.

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também para esta investigação, como a possibilidade de desconstruir, através da história dos conceitos, as blindadas representações nacionais, bem como pensar os projetos políticoidentitários bastante distintos presentes, por exemplo, nas denominações Latinoamérica e Panamericanismo ou Iberoamérica e Indoamérica50. As questões do nome são representativas politicamente. De acordo com a autora: Los intelectuales de los años veinte se detuvieron a repensar el nombre de la región. Representativas de esta pretensión por analizar y definir este “continente” son las polémicas acerca de las formas de nombrarlo. “Latinoamérica”, “Iberoamérica”, “Hispanoamérica”, “Indoamérica”, “Los Estados Des-Unidos del Sur”, o bien, “Interamericanismo”, “Panamericanismo’, “Wilsonismo”, son expressiones que denotan y connotan diferentes formas de apropiación conceptual, ideológica, política.51

O desenvolvimento da pesquisa implicou em pensar sobre quais seriam as perspectivas políticas implicadas na consolidação da locução América Latina em detrimento de outras, em especial, Ibero-américa e Hispano-américa. Estas, essencialmente caras à intelectualidade da região nas primeiras décadas do século XX, foram preteridas no processo de escolha de uma denominação geopolítica do subcontinente. Esta questão intrigante, e profundamente complexa, tem sido pouco abordada pela historiografia e não poderia ser analisada neste trabalho, que se ocupa dos usos políticos de América Latina para a intelectualidade brasileira do 1900, mas servirá de norte para o desenvolvimento para a continuidade de futuras pesquisas, considerando-se sua relevância e as imbricações significativas em relação aos temas aqui estudados.

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Esses termos, sobretudo panamericano e latinoamericano, têm bastante destaque na política e na intelectualidade do início do século XX, por isso serão trabalhados de forma mais acurada no decorrer do trabalho. 51 FUNES, 2006, p.246.

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CAPÍTULO II – América Latina em debate: Manoel Bomfim e Sílvio Romero Dos males, o maior Debemos convenir francamente, vigorosamente y directamente que estamos enfermos, o más bien que hemos nacido enfermos.1

Ariel de Rodó, considerado um marco, devido a sua grande repercussão nas discussões do período sobre as supostas diferenças entre os povos latinos e saxônicos, é seguido de uma série de publicações com questões baseadas em motivações semelhantes. Trabalhos estes, voltados fundamentalmente para discussão de identidades nacionais e regionais, a partir de análises histórico-sociais. Os intelectuais hispano-americanos, que se preocupavam com estas questões, compuseram uma série de diagnósticos sobre aqueles os problemas percebidos como de formação de suas nações e de outras entendidas como estando em condições semelhantes. Apesar de, em grande medida, orientados para a compreensão de questões internas aos próprios países, essas obras, bem como as discussões balizadas através da imprensa, colocam de forma premente a América Latina em pauta, negando ou afirmando tal identidade, bem como seus fundamentos. Estes questionamentos, aparecem sobretudo como resposta às questões políticas em pauta no início do século XX com a afirmação do nacionalismo, que tendeu a expressar-se na difusão pela intelectualidade de que suas nações estavam inconclusas.2 O que chama atenção é a profusão e a dispersão de títulos publicados nesses primeiros anos do século XX, compartilhando um repertório político e intelectual oitocentista interessado em seguir o caminho do progresso. Dentre eles destaco algumas

1

ARGUEDAS, Alcides. Pueblo enfermo: contribuición a la psicologia de los pueblos hispano-americanos. Santiago de Chile: Ed. Ercilla, 1937 [1ªed. 1909], p.176 [grifos do autor]. 2 SANTOS, Davi Siqueira. A América Latina, de Manoel Bomfim, e Ariel, de José Enrique Rodó: ensaios de interpretação latino-americana. Dissertação (Mestrado em Literatura). Assis: UNESP, 2011.

33

obras de intelectuais proeminentes em seus países que trataram dessas questões3: Evolución política del pueblo mexicano, de Justo Sierra (México, 1902); Os Sertões, de Euclides da Cunha (Brasil, 1902); Nuestra América, de Carlos Octavio Burge (Argentina, 1903); Raza chilena, de Nicolas Palácios (Chile, 1904); A América Latina – males de origem, de Manoel Bomfim (Brasil, 1905); A América Latina, de Sílvio Romero (Brasil, 1906); Pueblo enfermo, de Alcides Arguedas (Bolívia, 1909) e Las democracias latinas de America e La creación de un continente, já em 1912 e 1913, respectivamente, ambos de Garcia Calderón (Peru).4 Dada a quantidade e complexidade das obras não é possível abordar todas em detalhe, mas podemos perceber de modo mais amplo algumas importantes convergências, que aparecem como preocupações comuns destes intelectuais. Tais obras atravessam recorrentemente a descrição das características de seus povos autóctones, bem como de outras raças, segundo terminologia da época, consideradas constituintes da nação, suas respectivas colonizações, processos de independência e, dentre tais temas, aqueles que consideravam seus maiores desafios para se alcançar o progresso. Neste último aspecto, os considerados “problemas raciais” imperam nas interpretações dos autores do período. Tais referências se relacionavam diretamente com as inclinações mais ou menos afeitas a adoção

3

Os historiadores Charles Hale e Susana Zanetti, sob diferentes perspectivas, tratam das ideias políticas latino-americanas no período, citam especialmente essas obras. O historiador Charles Hale faz um abrangente apanhado da maioria destes livros, analisando suas características principais, as referências bibliográficas dos autores, bem como os projetos políticos a que se vinculavam, procurando perceber as leituras dos intelectuais do repertório sociológico do século XIX a partir de suas práticas políticas, afastando-se da ideia de cópia ou imitação. Ver: HALE, Charles. As ideias políticas e sociais na América Latina, 1870-1930. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. Vol. IV – de 1870 a 1930. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: EDUSP, 2009; ZANETTI, Susana. Modernidad y religación: una perspectiva continental (1880-1916). In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. Vol.2 – Emancipação do Discurso. Campinas-SP: UNICAMP, 1994. 4 Algumas destas obras compõem as coleções de textos e documentos históricos disponibilizados gratuitamente na íntegra, virtualmente, pela Biblioteca Ayacucho (do Gobierno Bolivariano de Venezuela), que tem como proposta reunir um acervo sobre “pensamento latino-americano”, enfatizando seu vínculo histórico e cultural: “Esta institución adscrita al Ministerio del Poder Popular para la Cultura, orienta su atención hacia un vínculo con el pasado cultural, examinado desde la perspectiva contemporánea, para registrarlo en un amplio repertorio bibliográfico que evidencia la relación profunda de los pueblos de América Latina a través de su creación artística y literaria, creencias, tradiciones y pensamiento.” In: http://www.bibliotecayacucho.gob.ve/fba/ . Acesso: 12 jun. 2013

34

de uma identidade latino-americana, amparados na percepção de um passado comum e atravessados por um questionamento fundamental: “¿De qué estamos enfermos?”.5 As tentativas de perceber (e superar) as causas do que percebiam como entraves ao progresso ou, conforme tais autores, das enfermidades que assolavam suas nações e, de forma geral, as nações de colonização hispânica, aparece como elemento comum que balizava esses escritos6. Segundo Eve-Marie Fell, a ideia de patologia como obstáculo ao progresso demonstra sua força argumentativa na forma como se revela nessa profusão de escritos, figurando como algo cientificamente evidente. As moléstias precisariam ser compreendidas e combatidas, não mais comprovadas. De acordo com Fell: “(...) parecendo la patología del continente como un hecho científico que no exige demostración. En esta amplísima producción, amparada por la sombra tutelar de Gustave Le Bon, descuellan dos obras famosas: Nuestra América del (...) Bunge y Pueblo enfermo del (...) Arguedas.” 7 Essa ideia de patologia, independente do tipo, aparecia como fator determinante na escrita

político-social

no

período

e

embasava

as

configurações

identitárias

existentes/desejadas, como a latino-americana. Importante perceber o lugar destes escritos no sentido de pensar uma identidade comum do subcontinente de “origem latina” na América, apelando a sentimentos de pertença e origem, ou religación. A noção de religación é utilizada por Susana Zanetti para apreender esse sentimento latinoamericanista expresso pelos autores: Los letrados encaran su experiencia singular, y nacional – mexicana, colombiana –, desde una dimensión mayor que las contiene y que empieza a reconocer modelos propios. (...) También se consolida un grupo numeroso de intelectuales de nuevo cuño en los que prevalecen sentimientos de pertencia y perspectivas latinoamericanistas. Los análisis y reflexiones de Ugarte, Rodó, García Calderón,

5

Em todos esses trabalhos é possível identificar um pessimismo racial, expressão de Charles Hale, e em alguns o entendimento do perigo que a mestiçagem representava, me refiro à Sierra, Bunge, Arguedas, Calderón e Palacios. HALE, op. cit. 6 A metáfora orgânica da enfermidade é bastante eficaz e facilmente apreendida, bem como seus desdobramentos, diagnóstico e tratamento/cura. No Capítulo III, retomarei esta questão para compreende-la enquanto fundamento de um lugar-comum, tendo como referência o trabalho de Myriam D’allones. Cf. D'ALLONES, op. cit. 7 FELL, Eve-Marie. Del pensamento racista al despertar de la consciência revolucionaria. In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. Vol.2 – Emancipação do Discurso. Campinas-SP: UNICAMP, 1994, p.581.

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Blanco Fombona o Justo Sierra, aun si encaram cuestiones locales, se suelen colocar in el ámbito totalizador del continente. 8

As construções da noção de América Latina imbricadas em constituições identitárias nacionais também são discutidas pela intelectualidade brasileira no início do XX. A busca pelas origens (dos males) nacionais, que tem tanto destaque na escrita social brasileira durante o século XX, cresce substancialmente a partir do início da República e na primeira década deste século está às voltas com a percepção de frustração com o novo regime. 9 A formação dessas autoimagens da nação e do povo, configuradas como identidade, está intimamente ligada à percepção do outro. Entre identificações possíveis/desejáveis, os homens de letras10 pensaram seus projetos políticos nacionais em diálogo frequente com as relações internacionais num intrincado jogo de espelhos, no qual o vago conceito de América Latina, de origem bastante estudada, ganha outros contornos e assume outros papéis políticos. Nós e eles, com várias nuances, mobilizados em diferentes ideais de integração americana.

O moço escritor e o velho cacógrafo O debate é daqueles nos quais nunca é demasiado insistir e em que se deve entrar munido de todas as armas. Sílvio Romero – América Latina (1906)

Os intelectuais brasileiros do início do XX, que se arrogavam o papel de condutores políticos da nação, empenharam-se em buscar aqueles elementos que pudessem ser elencados como as causas para os males do Brasil. Construção implicada nas diferentes 8

ZANETTI, Susana. Modernidad y religación: una perspectiva continental (1880-1916). In: PIZARRO, Ana (org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. Vol.2 – Emancipação do Discurso. Campinas-SP: UNICAMP, 1994, p.492. 9 Essas obras de interpretação e de definição identitária brasileira adquirem grande importância já a partir da independência do Brasil, especialmente após a fundação do IHGB (em 1838). No século XX, considerando-se seus deslocamentos, esse tipo de obra tem lugar importante nas ciências sociais, e consagra grandes intérpretes do Brasil, aos quais me refiro de forma especial a autores como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior. 10 A noção de homens de letras foi comum no final do XIX início XX para designar o trabalho intelectual não especializado academicamente, que abrangia a escrita politica de jornalistas, engenheiros, bacharéis e outros profissionais com formação superior que se propunham a fazer trabalhos de reflexão.

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apreensões da história nacional, da formação do povo e do lugar do país na América e no almejado caminho do progresso. Manoel Bomfim e Sílvio Romero, em momentos bastante distintos de suas vidas e carreiras, protagonizam uma das importantes contendas intelectuais sobre esses temas no século XX. Bomfim, então com 37 anos, publicava sua primeira obra sociológica e se dedicava ao trabalho na área educacional, enquanto Romero, crítico já consagrado (e temido nos debates intelectuais) com 54 anos de idade e mais de 30 de anos de escrita política, entram em seu primeiro debate público de ideias. A apresentação que se segue a esse respeito tem dois objetivos principais: situar, em linhas gerais, os autores centrais no debate analisado nesta pesquisa, Manoel Bomfim e Sílvio Romero, para podermos apreender o momento político e intelectual de suas trajetórias, no qual se dá o debate em questão, e ainda, descrever as fontes da pesquisa, seus aportes, condições de escrita e possibilidades de divulgação. O sergipano Manoel José do Bomfim, nascido em 1868, foi médico de formação, mas pouco clinicou. Em 1894, apenas três anos depois de formado na Faculdade de Medicina da Bahia, abandonou o ofício e a carreira iniciada em Mococa, no interior de São Paulo, em virtude do precoce falecimento de sua primeira filha. Mudando-se para o Rio de Janeiro, investiu em estudos de psicologia e pedagogia, e optou pela carreira docente e por cargos voltados para políticas públicas de educação. 11 Bomfim dedicou-se ao trabalho com a educação formal, cerne de suas preocupações políticas, primeiro como diretor do Pedagogium por dezessete anos (1896-1905 e 19111919) – instituição fundada em 1890, proposta como um “museu pedagógico nacional” nos moldes do norte-americano Bureau of Education, que ganhou a propriedade de órgão normativo nacional de políticas educacionais. Atuou também como Diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, convidado pelo prefeito Pereira Passos, em 1905, e ainda, eleito em 1907, exerceu um mandato como deputado estadual por Sergipe.12

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Essas informações constam na biografia sociológica de Manoel Bomfim, de autoria do sociólogo Ronaldo Conde Aguiar. A obra O Rebelde Esquecido é referência fundamental sobre Manoel Bomfim, e objetiva, segundo seu autor, tratar dos percursos pessoal e intelectual de Bomfim. AGUIAR, Ronaldo Conde. O Rebelde Esquecido – Tempo, Vida e Obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. 12 AGUIAR, Ibid., p.189.

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Manoel Bomfim possui vasta obra relacionada às questões educacionais e pedagógicas, à psicologia, além de vários livros didáticos (alguns em parceria com Olavo Bilac) e; como era comum entre os letrados na época, teve uma ativa militância jornalística. Entre os livros de análise histórico-sociológica, além de A América Latina (1905), escreveu, já acamado e debilitado pelo câncer: O Brasil na história: deturpação dos trabalhos, degradação política (1928), O Brasil na América: caracterização da formação brasileira (1929) O Brasil nação [I e II]: realidade da soberania brasileira (1929 e 1930) e Cultura e educação do povo brasileiro (1931). Faleceu em abril de 1932, deixando inacabada a obra Moral de Darwin.13 Em 1905, Manoel Bomfim publica pela Editora Garnier o livro A América Latina – males de origem. Sem saber, iniciaria assim uma a polêmica com Sílvio Romero.14 Na obra, escrita em 1903 durante sua temporada de estudos em Paris, Bomfim tem como centro de sua interpretação a ideia de parasitismo, que segundo ele teria contaminado todas as estruturas de relações sociais da América Latina e do Brasil em especial.15 A relação de exploração parasitária das metrópoles ibéricas com suas colônias americanas seria responsável, em sua análise, pela violência que permeava as sociedades que foram formadas e pelo predomínio dos traços de não-solidariedade, pelo Estado violento e opressor e pelas elites exploradoras e extremamente conservadoras. Dada a centralidade da tese do parasitismo enquanto princípio explicativo da obra será necessário explicá-la mais detalhadamente adiante, depois de apresentados alguns aspectos mais gerais da publicação. Conforme se pode notar, os subtítulos dos capítulos do livro de Bomfim já sugerem a confusão e sobreposição presente em toda obra entre os termos “América Latina” e “América do Sul” ou latino-americano e sul-americano.16 Esta questão e suas possíveis 13

Para uma lista completa de trabalhos de Manoel Bomfim, consultar: AGUIAR, Ibid., p.521-525. O crescente interesse por Manoel Bomfim tem levado, além de análises sobre suas obras, a novas reedições de seus livros. Além da edição do centenário da obra, de 2005, utilizada nessa pesquisa, A América Latina foi editada anteriormente em 1993, com prefácios de Darcy Ribeiro e Franklin de Oliveira e em 1938, com prefácio de Azevedo Amaral. Todos os prefácios constam na edição de 2005: BOMFIM, Manoel. A América Latina – males de origem. 4ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005 [1ªed. 1905]. 15 Manoel Bomfim viveu em Paris de 1902 a 1905 para especializar-se em pedagogia e psicologia, tendo frequentado Psicologia na Universidade de Sorbonne. 16 A América Latina de Manoel Bomfim divide-se em cinco partes: A América Latina: estudo de Parasitismo Social; Parasitismo e Degeneração; As Nações Colonizadoras da América do Sul; Efeitos do Parasitismo sobre as novas sociedades; e As novas sociedades. 14

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implicações serão analisadas no próximo capítulo. Porém, o que chamou especial atenção sobre a obra de Bomfim não foi precisamente sua organização, mas o rápido e enérgico ataque do famoso crítico Sílvio Romero. Logo após a publicação de América Latina de Bomfim, Romero começa a publicar suas críticas à obra que, posteriormente, seriam publicadas como um livro. Também nascido em Sergipe, em 1851, Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero, formado em 1873 na Faculdade de Direito de Recife, é autor de tão extensa quanto multifacetada produção intelectual.17 Renomado intelectual brasileiro, foi crítico literário, ensaísta, folclorista, professor e historiador de literatura brasileira. Conhecido pelo temperamento combativo e pelo teor virulento de suas críticas, envolveu-se em numerosas polêmicas com intelectuais contemporâneos, como o escritor português Teófilo Braga e os brasileiros Araripe Júnior, Castro Alves, Machado de Assis, Capistrano de Abreu, além de um longo embate com o estudioso e, como Romero, crítico literário, José Veríssimo. Cerca de três meses após o lançamento de A América Latina, de Bomfim, o já experiente polemista iniciou através da imprensa seu debate com Manoel Bomfim, publicando extensos artigos na revista Os Annaes, na qual ambos eram colaboradores. Foram 25 artigos publicados de outubro de 1905 a abril de 1906, totalizando mais de 400 páginas, reunidas em livro ainda em 1906, intitulado A América Latina – Análise do livro de igual título do Dr. M. Bomfim.18 Já conhecido por sua verborragia insultante, Romero não poupou Bomfim, em suas palavras, “mestrinho das tortas psicologias” e “escritorzinho de sexta ou sétima ordem”. Estes foram alguns dos qualificativos pautados sobretudo a partir de uma autoridade 17

O eixo da historiografia literária de Sílvio Romero foi Introdução à História da Literatura Brasileira, publicada 1882, hoje se encontra editada em cinco volumes. Para lista de obras de Romero. Obras consultadas sobre Sílvio Romero: SCHNEIDER, Alberto Luiz. Sílvio Romero – hermeneuta do Brasil. São Paulo: Annablume, 2005; MOTA, Maria Aparecida Rezende. Sílvio Romero: dilemas e combates no Brasil na virada do século XX. Rio de Janeiro: FGV, 2000. 18 ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: anos II-III, nº 54-72, nº77 [tréplica], out./1905-abr./1906. A revista semanal Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e indústria, publicada no Rio de Janeiro, dirigida por Domingos Olímpio, teve os números 1-102, distribuídos entre 1904 a 1906 (ano I ao III), e registrou parte da crítica de Sílvio Romero a Bomfim. Resultando, no ano seguinte, em sua publicação em livro: ROMERO, Sílvio. A América Latina – Análise do livro de igual título do Dr. M. Bomfim. Porto: Livraria Chardon, 1906.

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geracional reivindicada por Romero, diante da criancice do moço escritor. Reiteradamente demonstrava não reconhecer na escrita de Bomfim a referência ou deferência da qual se julgava merecedor, sobretudo porque esta falta de consideração vinha de um escritor sergipano como ele, que apenas iniciava seus trabalhos na escrita político-social, conforme Romero explicita em vários trechos: “O mestrinho do pedagogium [sic] ainda estava no abc das classes primárias, quando eu já caracterizava os latino-americanos, respectivé [sic] os brasileiros, por estas palavras, que não troco por toda a América Latina, com todos os seus parasitismos, falsos ou verdadeiros.”19 Publicada como livro em 1906, a América Latina de Romero não teve outras edições, e possui uma fortuna crítica significativamente menor. Suas críticas, em tom bastante ácido, percorrem todos os argumentos de Bomfim, procurando apontar aquilo que identifica como erros históricos, interpretativos e até gramaticais. Romero estabelece alternativas às interpretações de Bomfim, propondo outros projetos, por vezes opostos. Ao investigar os números posteriores da revista percebe-se a continuação da polêmica, instigada pelos Annaes ao procurar Manoel Bomfim oferecendo as colunas do periódico para “uma resposta à altura da agressão”. Oferta recusada por Bomfim, que responde apenas com uma breve carta, na qual fundamentalmente desacredita as qualidades de Romero como crítico, sobretudo pelo seu tom desrespeitoso. Nesta carta, encaminhada ao secretário da revista, Walfrido Ribeiro, Bomfim agradece a disposição da revista em publicar a resposta que quisesse a Romero.20 O moço escritor não deixou por menos e, em sua breve carta-resposta a Walfrido (apenas indiretamente a Romero), não poupou o adversário de insultos, apelando também para a distância geracional entre ambos. Referindo-se a Sílvio Romero como o velho cacógrafo e um homem cuja insensatez mais se acentua com a velhice, portanto, já não mais conceituado entre o público letrado carioca. Entretanto, o autor estava determinado em

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ROMERO, Ibid., p.198 [grifos do autor]. Ao publicar a carta, a revista traz a seguinte epígrafe: “PARA PROVAR a isenção com que acolhemos a critica do Sr. Sílvio Romero ao livro América Latina, do Sr. Manoel Bomfim, escrevemos a este nosso colaborador abrindo-lhe as colunas dos Annaes a uma resposta na altura da agressão. O Sr. Bomfim respondeu-nos porém, com a carta que abaixo vai.” [caixa alta e grifos no original]. BOMFIM, Manoel. Uma carta: a propósito da crítica do Sr. Sílvio Romero ao livro A América Latina. In: Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: ano III, nº74, 22/03/1906, p.9 20

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não dar continuidade à polêmica: “Não quero que seja assim.”. Alega que não responderia à crítica por considerar Romero “um indivíduo que não tem, sequer, o pouco de educação e de bom gosto necessários para mascarar em público os furores da inveja e da cólera.” E portanto, motivado por mesquinharia, diferentemente de seu livro que teria sido movido por motivações de outra ordem, “uma obra de amor – de muito amor à minha terra”. Para que não restassem dúvidas de que não considerava o trabalho sobre “os fatos sociais” de Romero digno de nota, diz que nunca que lhe ocorrera citá-lo e nem se lembrou sequer de oferecer um exemplar do livro, pois “Desprezava e desprezo esquecidamente o infeliz grosseirão.”21 No mesmo sentido, Sílvio Romero escreve sua tréplica, também destinada a Walfrido Ribeiro, afirmando sua autoridade intelectual, encerrando com uma longa lista com mais de 50 nomes que, segundo o autor, atestam sua credibilidade.22 Elenca não apenas amigos, mas polemistas adversários que reconheceriam sua importância enquanto crítico, como José Veríssimo e Araripe Júnior. A carta de Romero, que se ocupa sobretudo de discutir a questão da era glaciária, citada por Bomfim em sua tréplica, é permeada por colocações ácidas ao estilo de Romero, que termina por lamentar a ingratidão de Bomfim: Coitado Invejado! (...) Como dá trabalho, como é aborrecido lidar com um rapaz tão tapado! (...) Que trabalheira, meu amigo! Estou quase arrependido de ter escrito aqueles artigos, porque só a eles devo a obrigação desta nova maçada: ensinar, de graça, a quem, nem sequer, entendeu o que se lhe ensina! Mas, é meu fado!

Sem deixar de lamentar Bomfim não querer dar continuidade a polêmica: O Bomfim, como todo autor que sente o peso de censuras sérias, nomeadamente quando esse autor é um mal polemista, forçou demasiado a nota, quis cantar em clave muito alta e desafinou completamente. É lamentável. Porque eu queria, já agora, ser menos cruel com esse rapaz. 23

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BOMFIM, Manoel. Uma carta: a propósito da crítica do Sr. Sílvio Romero ao livro A América Latina. In: Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: ano III, nº74, 22/03/1906, p.9 22 Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: ano III, nº 77, 12/04/1906, p.2-5. 23 ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: anos III, nº77 [tréplica], 12/04/1906, p.3 [grifo do autor].

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Sílvio Romero e o parasitismo bomfínico A abordagem deste trabalho sobre essa polêmica não se restringe a considerar simplesmente as oposições entre os autores. À parte as significativas diferenças entre eles, as sutilezas são importantes de serem percebidas para a compreensão de suas percepções sobre América Latina, além do uso do mesmo referencial teórico (seja como adesão ou contraponto) e de frequentarem o mesmo meio intelectual24. É notável ainda que a convergência da principal motivação da escrita – a ação política – produz um rico debate, muito além da dicotomia ou da oposição na argumentação de ambos. Situar esse debate, discutir suas referências, estabelecer as relações e repercussões são escolhas feitas para este trabalho com o fito de apreender de maneira mais ampla e matizada as proposições identitárias no jogo das linguagens políticas a partir dessa polêmica. Primeiramente, faz-se necessário apresentar a ideia fundamental do livro de Manoel Bomfim, a partir da qual se desenrola suas noções sobre América Latina, teoria que nomeia de Parasitismo, tese esta que estrutura toda sua interpretação. O uso desta poderosa metáfora orgânica, apropriada por Bomfim, é justificado com rigor pelo autor, aparentemente preocupado em evitar ser visto como ingênuo ou atrasado. Bomfim ressalta não ser possível nem intencional utilizar as leis que regem os organismos biológicos como parâmetros absolutos para compreensão dos organismos sociais. Em suas palavras: “Está um tanto desacreditado, em sociologia, esse vezo de assimilar, em tudo e para tudo, as sociedades aos organismos biológicos.”25 Mas afirma que o estatuto de ciência da sociologia implicava na possibilidade de compreensão de suas leis e dos “organismos sociais” aos quais se aplicava, e nisto, se igualava aos estudos biológicos, ainda que em outro grau de complexidade: Em suma, não é o conceito que é condenável, e sim a estreiteza de vistas que o aplicam à crítica dos fatos sociais (...). Uma verdade, porém, é hoje universalmente aceita – que as sociedades existem como verdadeiros organismos, sujeitos a leis categóricas. Deste consenso unânime vem – exatamente o

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Meio que gravitava em torno da editora e livraria Garnier, a principal editora do país no período. C.f: DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes literários da República – história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. 25 BOMFIM, 2005, p.57.

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considerar-se a sociologia como ciência, isto é - o estudo de um conjunto de fatos dependentes de leis fatais (...).26

Para introduzir sua argumentação a respeito do parasitismo o autor apresenta vários exemplos de organismos parasitários na natureza, suas formas de vida e aqueles que seriam os efeitos evolutivos da vida parasitária. Em especial, destaca o desuso de membros e funções ocasionado pela subsistência de tipo parasita como capaz de levar à atrofia, degenerescência e, em último estágio, a involução do próprio parasita, bem como ao enfraquecimento e adaptação do parasitado às condições de violência que lhe foram impostas.27 Então pergunta: “Sucederá o mesmo com os organismos sociais?”, e conclui taxativamente: “Sim; é impossível negá-lo.”28 A partir dessa analogia, Bomfim propõe que tal compreensão pode ser pensada para o estudo da nacionalidade, segundo sua perspectiva, “o produto de uma evolução” pois “seu estado presente é forçosamente a resultante de ação do seu passado, combinada à ação do meio.”29 O autor, em consonância com essa proposta, atesta o estado de enfermidade das “nações sul-americanas”. Doença que só poderia ser compreendida e curada com o exame apurado do histórico do paciente: A cura depende, em grande parte, da importância desse “histórico”, principalmente quando as condições presentes são relativamente favoráveis, e são tais que a elas o indivíduo poderia adaptar facilmente, se não tivesse contra si uma herança funesta. (...) Imediatamente, o prático voltará para os antecedentes do doente, e aí buscará a causa do mal atual e os meios eficazes de combatê-lo. (...) Tal é o caso das nacionalidades sul-americanas30

A principal referência de Bomfim para desenvolver sua teoria do parasitismo é o livro Parasitisme organique et parasitisme social, dos belgas socialistas Jean Massart (botânico) e Émile Vandervelde (cientista social). Lançado em 1893, na França, o livro tem como cerne a analogia entre as relações parasitárias orgânicas e aqueles, que segundo os 26

BOMFIM, Ibid., 2005, p.57. Segundo Renato Ortiz e Ronaldo Conde Aguiar, alguns argumentos de Bomfim se aproximam de Émile Durkheim, especialmente da obra Divisão do trabalho social, no que concerne ao entendimento do biológico enquanto modelo para compreensão do social. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.23; AGUIAR, Ronaldo Conde. O Rebelde Esquecido – Tempo, Vida e Obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000, p.308. 28 BOMFIM, op. cit., p.65. 29 BOMFIM, op. cit., p.58. 30 BOMFIM, op. cit., p.59. 27

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autores, seriam os parasitismos entre os grupos sociais, exploradores e explorados. Para exemplificar o parasitismo, os autores o aplicam historicamente no estudo do Império Romano e da decadência colonial dos povos ibéricos, mas não há a ideia do “parasitismo colonial” como em Bomfim 31. O historiador português Oliveira Martins, referencial importante em todo o livro de Bomfim, também utiliza a metáfora do parasitismo em suas obras sobre a história de Portugal. Entretanto, em Martins a elite portuguesa seria a classe parasitária não apenas da colônia, mas do próprio Estado da metrópole. Segundo Flora Sussekind e Roberto Ventura, o uso da ideia de parasitismo estaria em outro grau de importância, uma vez que estrutura toda interpretação em Bomfim, mas é apenas pontual em Martins.32 Cumpre destacar também que as noções de parasita e parasitado não possuem um valor absoluto em América Latina, servindo para o autor como categorias de compreensão das relações de exploração historicamente referenciadas, representando tanto metrópole e colônia, quanto senhor e escravo, Estado e povo, elite conservadora e povo, capital estrangeiro e nacional. Entretanto, a teoria do parasitismo se justifica enquanto interpretação histórica, de acordo com o autor, por ser hereditária. Daí sua validade tanto para o período de formação dos Estados nacionais ibéricos (Espanha e Portugal), quanto para a colonização da América e por reverberação, posteriormente, nas novas sociedades formadas no novo continente. Citado várias vezes em América Latina, o psicólogo francês Théodule Ribot é a principal referência de Manoel Bomfim sobre esta “hereditariedade social”, que consistiria na transmissão dos caracteres culturais e qualidades psicológicas como herança socialmente difundida.33 Nesse caso, a hereditariedade é entendida pelo autor

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Cf. SANTOS Jr., Valdir Donizete dos. A trama das ideias: Intelectuais, ensaios e construção de identidades na América Latina (1898-1914). Dissertação (Mestrado em História Social). São Paulo: FFLCH-USP, 2013. 32 A principal referência da obra de Martins empregada por Bomfim é a História de Portugal (1880). SUSSEKIND, Flora; VENTURA, Roberto. História e Dependência – Cultura e Sociedade em Manoel Bomfim. São Paulo: Ed. Moderna, 1984, p.27. 33 Théodule-Armand Ribot (1839-1916) é considerado um dos pais fundadores da Psicopatologia e um dos principais nomes da história da psicologia. Para o autor, o estudo da psicologia devia ser feito também através do entendimento da evolução biológica (ou física) das patologias mentais, avaliando especialmente suas características hereditárias. Ribot é um dos autores mais citados por Bomfim, em especial, por seu livro L'hérédité psychologique, trabalho de tese de doutorado de mesmo título de 1873 [Bomfim cita a 4ª edição, de 1890]. Em 1885, Ribot abriu o primeiro curso de Psicologia Experimental na Universidade de Sorbonne, curso que Manoel Bomfim viria a frequentar em 1903. Sobre Ribot C.f: CONTRERAS, Gonzalo Salas. Ribot,

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na disposição das novas nacionalidades latino-americanas a manter modos de vida parasitários, transmitidos pela colonização ibérica. A disposição dos capítulos e subtítulos do livro evidencia a escolha de Bomfim em estruturar sua obra em torno do estudo do parasitismo social. Na primeira parte do livro, A América Latina: Estudo de Parasitismo Social, Manoel Bomfim faz a exposição do problema que irá tratar, ou mais precisamente, faz o diagnóstico da enfermidade que entende ser vítima a América Latina. Feita a diagnose do parasitismo, o autor se propõe a explicar como chegou a esse entendimento através do paralelo entre organismos sociais e biológicos, na parte denominada Parasitismo e Degeneração. Na seguinte, As Nações Colonizadoras da América do Sul, faz um histórico do surgimento da educação parasitária que seria constituinte da própria Península Ibérica e causa da degeneração desta. Educação parasitária que teria sido ocasionada pelo longo período de guerras ocorrido na península, que os impeliria, portanto, a uma vivência depredadora, aos saques e ao máximo aproveitamento de suas conquistas. Na penúltima parte, Efeitos do Parasitismo sobre as Novas Sociedades, disserta sobre os efeitos desta educação parasitária sobre as colônias. E por fim, depois do diagnóstico e histórico da enfermidade parasitária a ser compreendida, Bomfim analisa o presente das sociedades formadas e postula a cura aos efeitos do parasitismo, em As Novas Sociedades. A teoria do parasitismo social de Bomfim é o principal alvo da resposta de Sílvio Romero à obra América Latina – males de origem. “O abuso das metáforas, fundadas em ilusórias relações de semelhança, é o flagelo da sociologia.”34, sentenciou Sílvio Romero ao condenar o uso da ideia de parasitismo. Flagelo que tributa diretamente à sociologia de Massart e Vandervelde que, “por meio de erros e exagerações” teria encaixado o parasitismo vegetal/animal no reino social. Desse modo, “a façanha do Sr. Bomfim” foi apenas aplicar a teoria destes autores, desvirtuar a história e aplicá-la a colonização de portugueses e espanhóis na América, base mesquinha e fútil do “parasitismo bomfinico.”35

Janet y Binet: Pioneros de la Psicología Francesa Contemporánea, In: Eureke – revista de Investigação científica em Psicologia. Asunción (Paraguay): 7(2), 2010. 34 ROMERO, 1906, p.40. 35 ROMERO, Ibid., p.78 e 163.

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Não menos dura é a crítica de Romero a Oliveira Martins, bem como à leitura deste autor feita por Bomfim. Romero ataca Oliveira Martins, um “gerador de extravagâncias”, por considerar seu trabalho extremamente ofensivo à colonização portuguesa no Brasil, da qual Romero defende o legado. Pela utilização constante de Oliveira Martins por Bomfim como referência em América Latina, Romero sugere ironicamente que o autor português deveria ser considerado o verdadeiro autor dessa teoria, pois haveria “dúzias e dúzias de citações” e Bomfim estaria apenas “copiando páginas e páginas, (...) muito do gosto e da admiração de todos os mendigos de ideias e saber, que enchem a atual fase literária brasileira.”36 Deste modo, Sílvio Romero desaprova toda a teoria do parasitismo social de Bomfim e, consequentemente, todo o livro. Em um parágrafo Romero sintetiza a natureza de suas críticas à América Latina, no que concerne à aplicação do parasitismo social na interpretação da colonização ibérica: J. Massart e E. Vandervelde forneceram-lhe as miragens do parasitismo social, com aplicações especiais às colônias do novo continente. Oliveira Martins encheu-lhe os bolsos de notas falsas acerca da Espanha, Portugal e Brasil, mui aptas para serem grudadas pelo parasitismo de Massart e Vandervelde. Rocha Pombo esvoaçou lhe sobre a América nuns reacionarismos anti-europeus de quinta ou sexta ordem pelo atraso das investidas e a pulhice dos conceitos. Com tão falhos e suspeitos elementos é que arquitetada a América Latina. Avaliem.37

O estilo peculiar da escrita de Sílvio Romero, denota não apenas a autoridade intelectual que o caracterizava, mas um traço distintivo de seu trabalho ainda em seus inícios. Como o lendário episódio de sua defesa de doutorado em Direito, em 1875, que irritado com a arguição, mandou a banca “ir estudar” e se retirou da sala.38 Mais de 30 anos depois, e com uma longa carreira de polemista, Romero não poupa Bomfim em críticas 36

ROMERO, Ibid., p.136. ROMERO, Ibid., p.52. 38 A seguinte narrativa sobre a defesa de Romero pertence a Clóvis Beviláqua: “‘A metafísica — treplica o doutorando — não existe mais, Sr. doutor. Se não sabia, saiba!’ — ‘Não sabia...’ , retruca este. — ‘Pois vá estudar e aprender para saber que a metafísica está morta’. — ‘Foi o Sr. quem a matou?’ pergunta-lhe, então, o Dr. Coelho Rodrigues. — ‘Foi o progresso, foi a civilização!’ responde-lhe o bacharel Sílvio Romero, que, ato contínuo, se ergue, torna dos livros que estavam sobre a mesa e diz: ‘Não estou para aturar essa corja de ignorantes, que não sabem nada!’ E retira-se, vociferando pela sala afora...” [p.136]. Carlos Mendonça reuniu várias versões sobre o incidente, dentre os quais constam o próprio Sílvio Romero, Araripe Júnior, Clóvis Beviláqua, José Veríssimo e Tobias Barreto, este último presente na ocasião da defesa. A partir desses relatos, Mendonça também alega que o caso teria se desdobrado em um processo administrativo, dado ao seu caráter inédito e fora de precedentes. In: MENDONÇA, Carlos Süssekind de. Sílvio Romero - sua formação intelectual 1851-1880. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p.124-138. 37

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com elegantes jogos de palavras permeados por ironias e deboches. Além dos vários neologismos, como o “parasitismo bomfínico”, nas próprias citações que faz de Bomfim, a fim de rebatê-las, o autor faz pequenos comentários, entre parênteses, expressando suas opiniões: É falso; Esta errado; Que milagre!, Está exagerado...; Que extravagância!; Pudera não!; Ingênua confissão!, entre outras, sugerindo inclusive: “Ora, Sr. Bomfim, queira arrolhar o garrafão.”39 A despeito do eloquente uso de expressões que não deixariam indiferente o leitor, estas críticas de Sílvio Romero relacionam-se significativamente com o discordante posicionamento político dos autores. Bomfim identificava-se com as ideias socialistas40. Ainda que, em América Latina, Manoel Bomfim não faça nenhuma referência explícita a essas ideias, a maioria dos textos citados por ele são de autores considerados com posicionamentos políticos críticos à sociedade, ao capitalismo belicista e à exploração da classe trabalhadora.41 Estas preferências evidenciam-se também na trajetória de Bomfim enquanto jornalista e na defesa, em América Latina, da questão da industrialização do país e da classe operária, ambas bastante condenadas por Romero.42 Sílvio condena o “louco industrialismo 39

ROMERO, Ibid., p.234. São conhecidas algumas referências nesse sentido, como seu artigo para revista A Universal, fundada em 1901 em parceria com Tomás Delfino e Rivadávia Correia. Neste artigo, A sociedade do futuro, Bomfim refuta o professor de economia política da Universidade de Colúmbia (EUA), B. Clark. Segundo Clark, o desenvolvimento do capitalismo traria, pouco a pouco, às classes operárias o mesmo desenvolvimento que conforto que oferecia às classes abastadas, acabando com toda rivalidade entre capital e trabalho. Para Bomfim, o capitalismo jamais realizar tal projeto, pois se perpetuava justamente na desigualdade entre a maioria explorada e a minoria exploradora. BOMFIM, Manoel. A sociedade do futuro. In: A Universal [revista]. Rio de Janeiro: ano I, n.26, 1901. Segundo seu biógrafo, Ronaldo Conde Aguiar, em 1901 Bomfim já havia tido contato com teóricos anarquistas, como Proudhon, Bakunin e Kropotkin e pelo menos, em edição francesa, com algumas obras de Karl Marx, como o Manifesto do partido comunista (1848), As lutas de classe na França (1850) e O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852). AGUIAR, op. cit., p.244. 41 Segundo Valdir Santos Jr., estes autores, socialistas ou anarquistas, eram especialmente “críticos da guerra, da exploração de uma classe sobre a outra e das doutrinas racialistas.” Santos Jr. faz uma leitura acurada de alguns desses autores que serviam de referência para os autores latino-americanos no início do século XX. Em especial para Manoel Bomfim destaca a sua interlocução com o pensador russo Jacques Novicow, antibelicista e crítico do darwinismo social, e com os já citados J. Massart e E. Vandervelde. SANTOS Jr., op. cit., p.156. Entre os autores que Bomfim critica mais de uma vez, destacam-se, segundo Santos Jr., “conhecidos conservadores”, como Louis Agassiz, Auguste Comte, Ludwig Gumplowicz, Gustave Le Bon, Charles Letourneau, Quatrefages de Bréau, Herbert Spencer, Paul Topinard. Ver Anexo. 42 Em 1903, junto com Alcindo Guanabara, Bomfim lança o jornal A Nação, apresentando em editorial a defesa das questões operárias: “A Nação propugnará a efetividade do regime democrático republicano, a eliminação das distinções de classe e o realçamento das classes operárias.” (A Nação, 11/12/1903). Menos de duas semanas depois, Bomfim afastou-se d’ A Nação em virtude de um discurso de Rui Barbosa que foi 40

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moderno”, pois além de considerar o Brasil um país essencialmente agrícola, refletia sobre a relação da agricultura com a questão da formação nacional. Romero a proclamava como superior à indústria e ao comércio “como força nacional e princípio de conservação” 43. Além disso, expressa grande receio da formação de um operariado de catecismo socialista, pregado, segundo ele, por propagandistas como Bomfim: A nefasta propaganda dos Bonfins, que vivem sonhar com um socialismo bastardo em nossas maiores cidades, maximé no Rio de Janeiro, onde, por amor à pagodeira e a calaçaria, se acumulam os destroços do operariado refugado de todo o mundo; onde se tenta fundar um industrialismo esconso, que melhor faria em ir lavrar inteligentemente os campos e produzir nossa independência econômica, – a nefasta propaganda dos Bonfins retóricos e desnorteados, faria bem mudar de rumo.44

Manoel Bomfim: a extemporaneidade de um autor ou a eternidade dos problemas No emaranhado de opiniões a proclamarem o pioneirismo de suas avaliações do Brasil e dizendo a mesma coisa de modo diverso, forma-se o lugar-comum na imagem do país desencontrado consigo mesmo. Stella Bresciani (2001)

Os trabalhos analíticos sobre Manoel Bomfim, e especialmente sobre América Latina são bastante numerosos. Dessa forma, optou-se pela sistematização especialmente de algumas leituras confluentes sobre o autor, no intuito de problematizar essas repetições. Nesse sentido, a ideia do parasitismo se destaca entre os estudiosos. Nos primeiros trabalhos que se debruçaram sobre a América Latina, entre as décadas de 1960 e 1970, conformam-se dois entendimentos persistentes sobre Bomfim, que são importantes para esta pesquisa. Primeiramente, os autores seguem a interpretação de Sílvio Romero, de que havia um esquematismo na transposição das categorias biológicas utilizadas por Bomfim,

publicado por Guanabara no jornal. Para Bomfim, a publicação de um discurso de cunho cristão-católico representava uma incoerência inaceitável numa folha de orientação socialista, como explicou na carta de afastamento que enviou a Alcindo. As cartas enviadas por Bomfim para Alcindo são transcritas por Ronaldo Conde Aguiar, que descreve detalhadamente esta discordância entre os jornalistas: AGUIAR, op. cit., p.257267. 43 ROMERO, 1906, p.188. 44 ROMERO, Ibid., p.186-187 [grifo do autor].

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denunciando-se a “estreiteza de analogias organicistas” ou lamentando “metáfora levada a sério” pelo autor45. Vários desses pesquisadores destacam também a percepção de que Manoel Bomfim (em América Latina) revela uma sensibilidade singular para os problemas nacionais, adiantado em relação ao seu tempo e por isso, relegado ao esquecimento por aqueles que não puderam compreendê-lo. Essas duas chaves de leitura estão conectadas uma vez que se tenta justificar o pioneirismo de Bomfim ainda que o autor tenha se valido de categorias biológicas antiquadas, na visão dos intérpretes. A comparação que alça Bomfim à categoria de visionário fundamenta-se na contraposição que os autores fazem a outros intelectuais do período que, contrariamente a Manoel Bomfim, estariam ligados às teses da inferioridade racial e não vislumbrariam a importância da educação.46. Assim, como sintetiza Moreira Leite, autor e obra teriam sido ignorados e esquecidos, pois propunha “uma perspectiva para a qual esses intelectuais não estavam preparados”, “nacionalista num período de pessimismo” e por sua matriz socialista.47 Em 1993, Antônio Cândido, tendo em vista avaliar o quão revolucionário é o projeto de Bomfim, classifica o autor como tendo uma “consciência amena de atraso”, própria de um “pré-moderno”. Em Radicalismos, Cândido, ao propor uma investigação do pensamento radical no Brasil, para além de apontar a lucidez e o avanço das ideias de Bomfim, classifica o autor como um radical – um quase 45

A expressão “estreiteza de analogias organicistas” pertence a um texto de Antonio Candido, de 1964. E já em 1977, Wilson Martins lamenta a “metáfora levada a sério” por Bomfim. Publicado em 1984, o livro de Flora Sussekind e Roberto Ventura, faz um balanço das interpretações anteriores sobre Manoel Bomfim e a América Latina, a saber, os trabalhos de Alves Filho (1979), Wilson Martins (1977), Dante Moreira Leite (1976) e de dois artigos de Antonio Candido publicados até então, em 1964 e 1973. Candido ainda publicaria outros dois textos sobre Bomfim em 1990 e 1993. Cf. CANDIDO, Antonio. A sociologia no Brasil [verbete]. In: Enciclopédia Delta-Larrousse. Vol.4. Rio de Janeiro: Delta, 1964; CANDIDO, Antonio. Literatura e Subdesenvolvimento. In: Argumento. Rio de Janeiro: out./1973; LEITE, Dante Moreira. Prenúncios da libertação. In: O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia. São Paulo: Pioneira, 1976; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira – 1897-1914. Vol.5. São Paulo: Cultrix, 1978; ALVES FILHO, Aluízio. Pensamento político no Brasil – Manoel Bomfim: um ensaísta esquecido. Rio de Janeiro: Achiamá, 1979; CÂNDIDO, Antônio. Radicalismos. Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo, vol.4, n.8, 1990; CANDIDO, Antonio. Os brasileiros e a nossa América. In: Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 46 Alves Filho, por exemplo, contrapõe autores ligados à tese da inferioridade racial (Nina Rodrigues, Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna) a Bomfim e considera que Manoel Bomfim teria sido esquecido por causa de sua posição teórica e ideológica incômoda, social e academicamente falando. ALVES FILHO, Aluízio. Pensamento político no Brasil – Manoel Bomfim: um ensaísta esquecido. Rio de Janeiro: Achiamá, 1979. 47 LEITE, Dante Moreira. Prenúncios da libertação. In: O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia. São Paulo: Pioneira, 1976, p.23.

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revolucionário, pois teria proposto apenas uma solução ilustrada: a difusão da instrução popular, mesmo após um diagnóstico tão avançado dos problemas nacionais. Nesse sentido, História e Dependência, de Flora Sussekind e Roberto Ventura, parece tentar equacionar a questão, propondo compreender o parasitismo social de Bomfim como uma teoria biológica da mais-valia. Os autores consideram que Bomfim estava de acordo com a linguagem intelectual do XIX e o aproximam de Marx48: “A analogia com o biológico se torna o terreno privilegiado, onde se forma seu molde interpretativo. Daí podemos falar, não sem certa ironia, de uma teoria biológica da mais-valia que percorre a obra de Manoel Bomfim.”49 Para os autores, ainda que não produza um “sistema metafórico-conceitual despregado do biológico”50, Bomfim seria inovador, não apesar de sua leitura biológica, como a bibliografia anterior tratava, mas por causa dela, pois agindo dentro do discurso dominante conseguira subvertê-lo. Desmistificaria assim ideológica e cientificamente a questão racial, identificando a causa histórica do atraso brasileiro e latino-americano. Constituiria, desse modo, um contradiscurso, inserido no panorama intelectual (não a frente do seu tempo) mas reelaborado no interior do discurso predominante, como seu negativo ou sua contradição. Tanto o entendimento do contradiscurso da obra de Bomfim, quanto de sua originalidade têm desdobramentos em outras análises de América Latina.51 Darcy Ribeiro, em prefácio à 3ª edição (1993) de A América Latina, considera ser a grande contribuição de Bomfim e o cerne de sua originalidade a compreensão própria do processo de formação do Brasil. Para Ribeiro, Bomfim distancia-se de explicações mistificadas, que apenas serviriam para encobrir as causas verdadeiras do atraso brasileiro, expressão do autor. Dessa forma, pautando os supostos erros de outros intelectuais na compreensão do descompasso histórico do Brasil, Darcy Ribeiro avalia positivamente Bomfim,

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Definição do estado por meio de metáforas ligadas ao parasitismo também é feita por Marx (A guerra civil na França). SUSSEKIND; VENTURA, Ibid. p.46. 49 SUSSEKIND; VENTURA, Ibid., p.34. 50 SUSSEKIND; VENTURA, Ibid., p.24. 51 O termo contradiscurso é usado posteriormente também por Aguiar (1999) e Valdir Jr. (2013), já referenciados e por Mário Henrique Baroni. Cf. BARONI, Márcio Henrique de Moraes. Bomfim: entre continente e nação. Mestrado (Dissertação em Sociologia). Campinas-SP: IFCH-Unicamp, 2003.

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diferenciando-o dos outros “papagaios da sabedoria alheia”52, que constituiriam a intelectualidade brasileira do período, por sua análise lúcida da realidade nacional. Em 1999, em uma biografia sociológica de Manoel Bomfim, Ronaldo Conde Aguiar faz um apanhado das interpretações sobre a questão do parasitismo da América Latina a fim de contestá-las: Portanto, mais que preconceituoso (apud José Veríssimo), exagerado (apud Maria Thetis Nunes), moralista (apud Luiz Costa Lima) ou tosco (apud Aluizio Alves Filho), o texto de Manoel Bomfim era, antes de tudo, inovativo e corajoso, pois buscava uma interpretação “dos males da América Latina” inteiramente contrária à interpretação da ciência – e, também, da ideologia – dos seus contemporâneos, que limitavam-se a orbitar em torno da questão étnica. Donde, portanto, os virulentos ataques que recebeu de Sílvio Romero, e o “esquecimento deliberado” a que foi condenado, uma espécie de “punição” a quem transgrediu os cânones e valores do campo intelectual. Por décadas, Bomfim foi ignorado pelos poderosos da política, da imprensa e das instituições (...).53

Ao rejeitar os qualificativos anteriores dados a Bomfim, o autor acrescentar outros dois (inovativo e corajoso) e neste trecho acaba por justificar o título de sua obra, O Rebelde Esquecido. Há ainda um deslocamento relevante desta análise que aparece em Aguiar. O autor, ainda que considere as inovações do pensamento de Bomfim, considera uma ideia totalmente falsa a perspectiva pioneira atribuída ao autor. Aguiar inverte a leitura e propõe que o fato de Bomfim parecer adiantado em relação aos problemas latinoamericanos não significa uma visão prospectiva, mas que tais problemas perduraram no tempo. “E é isto, nada mais, que garante trágica e triste atualidade à sua obra.”54 Essa ideia é desenvolvida também por Celso Uemori, que percebe a atualidade de América Latina a partir da ideia de “multissecularidade dos problemas brasileiros”. 55 Tais análises destacam Bomfim fora do seu tempo e, por essa razão, um incompreendido, ainda,

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RIBEIRO, Darcy. Prefácio 3ª edição (1993). In: BOMFIM, 2005, p.13. AGUIAR, op. cit., p.307-308 [grifo meu]. 54 AGUIAR, Ibid., p.342. 55 Sobre a atualidade de Bomfim, o autor destaca: “Trabalhos acadêmicos e artigos publicados na imprensa ressaltam a “atualidade” de uma obra [A América Latina] que não perdeu o vigor, servindo de material para refletir sobre um país que convive com problemas multisseculares, como a posse privada do Estado e em que recursos públicos são desviados para um setor restrito da sociedade, em detrimento de áreas como educação e saúde. As ideais de Bomfim tem servido para criticar os economistas brasileiros que estudam no exterior e trazem na bagagem fórmulas prontas para resolver os problemas nacionais num passe de mágica.” UEMORI, Celso Nobrou. Explorando em campo minado: a sinuosa trajetória intelectual de Manoel Bomfim em busca da identidade nacional. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). São Paulo: PUC-SP, 2006, p.7. 53

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e cada vez mais, atual. Evidentemente, apesar de se ocuparem da questão, a bibliografia abordada não se reduz a esse aspecto. Mas tensionar a conclusão da extemporaneidade de Bomfim – ou dos problemas brasileiros – é importante na análise proposta nesta dissertação, a fim de compreender as linguagens políticas mobilizadas pelos autores em debate no início do século XX. Isso sem entrar no mérito de se ou o quanto Manoel Bomfim seria visionário, o que por definição está fora do alcance do trabalho intelectual do autor ou desta análise. Supostamente, Bomfim teria concluído de forma precoce a causa real dos problemas brasileiros e latino-americanos, desmentindo a falácia da ideologia racial dos seus contemporâneos e vislumbrado as raízes históricas da questão. O que pondero é que a aparente necessidade de se enxergar em Bomfim esse precursor da compreensão dessas causas reais, apontada já no prefácio à segunda edição América Latina56 (1938), foi capaz de tornar menos perceptíveis as sutilezas de seu trabalho, inscrito em seu próprio tempo. Em si mesma, a busca pela origem e pelas verdadeiras causas dos nossos males é problemática, pois repõe insistentemente lugares-comuns relacionados às análises políticas brasileiras. Essa reflexão se fundamenta no trabalho de Myriam R. D´Allonnes com o conceito de lugar-comum, conforme a autora: “Les lieux communs ne sont pas seulement des clichés ou des poncifs. Ils son aussi les lieux du 'commun', le fonds où s'échangent les paroles, les croyances, les préjugés, les arguments et les opinions de la cité réele.”57 Constatar uma suposta perenidade dos problemas brasileiros como a trágica atualidade da obra tende não apenas a embotar a compreensão dos projetos políticos em articulação com os contextos específicos de sua produção, como também repõe ou reatualiza os lugares-comuns que fundamentam essas obras. Traz a conclusão já em suas formulações negativas que buscam, de diversas formas, responder quais seriam as falhas de 56

A América Latina foi editada novamente em 1938, no contexto do Estado Novo. O prefácio de Azevedo Amaral, para essa edição, dedica a obra ao primeiro aniversário do Estado Novo e atribui a Bomfim uma contribuição sobre a realidade nacional, como uma ação que teria possibilitado aquele momento político importante e festejado por Amaral: “Não é, portanto, inoportuna a passagem do primeiro aniversário do Estado Novo para fazer da reedição da América Latina uma expressão do reconhecimento nacional a um dos mais esclarecidos precursores do movimento do realismo político, que nos integrou afinal no curso normal da nossa evolução histórica. In: AMARAL, Azevedo. Prefácio à 2ª Edição [1938]. In: BOMFIM, 2005, p.34. 57 “(...) que simples clichés ou banalidades. Eles são também os lugares do “comum”, ou seja, um fundo compartilhado de ideias, noções, teorias, crenças, preconceitos, argumentos e opiniões sobre uma comunidade política efetiva.” In: D'ALLONES, op. cit., p.9. [tradução minha]

52

nossa formação nacional e porque elas persistiriam. Buscas que só poderiam concluir pela afirmação de tais defeitos e incompletudes, como se pode perceber nas duas tendências interpretativas que destaquei sobre o legado de América Latina, de Manoel Bomfim. Seja o Bomfim à frente do seu tempo, que já enxergava as causas reais dos problemas brasileiros, seja a inversa, que conclui pela persistência de tais problemas através do tempo, ambas se inscrevem nesse mesmo círculo interpretativo. Atentamos assim, acompanhando especialmente as análises de Maria Stella Bresciani sobre os “intérpretes do Brasil”, para a necessidade de pensar os trabalhos da intelectualidade como respostas à leitura de suas preocupações políticas contingentes, longe de cristalizá-los em supostos problemas multisseculares do país. De acordo com Bresciani: Cristalizar a “explicação” de sucessos e fracassos em terras brasileiras formulada em um tempo preciso de lutas políticas implica, a meu ver, trair a própria intenção dos autores que escreveram seus trabalhos como instrumentos de luta e base de projetos delineados com autoridade ao próprio texto escrito.58

Desse modo, é importante considerar como as projeções de expectativas podem turvar a análise de América Latina, pois, ter como pressuposto que Bomfim tinha uma interpretação “inteiramente contrária” a de seus pares pode fechar compreensões que contrariem essa hipótese. Primeiramente, ao se considerar que, a partir dessa perspectiva, se colocaria um problema quando o autor não aparentasse ser tão adiantado (como em relação à questão racial, que será tratada a seguir); e, por fim, ao tomar a ideia de América Latina enquanto um dado, percebida inclusive através de seus problemas perenes, restringindo o espaço para arguir seus significados para os autores no início do século XX. Os autores em

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BRESCIANI, Maria Stella. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil – 2.ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2007, p.16. Stella Bresciani trata profundamente esta questão, compondo um quadro dos lugares-comuns mais recorrentes no estudo sócio-histórico brasileiro, marcado por exemplo pela incessante busca pelas (falhas) de origem, pelo apontamento das carências do país, pelas ideias importadas e determinismo geográfico e étnico. Não obstante perceber a complexidade do trabalho de Bresciani que propõe compreender o lugar de Oliveira Vianna entre outros intérpretes do Brasil, que conforme demonstra, participavam (e participam) de seus mesmos lugares-comuns. Problematizar essa questão é importante para escapar da adoção acrítica da perspectiva de importação de ideias, de falha e etc. Cf.: BRESCIANI, Maria Stella. Identidades inconclusas no Brasil do século XX – Fundamentos de um lugar-comum. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. (org.). Memória e (res)sentimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004; BRESCIANI, Maria Stella M; SEIXAS, Jacy A.(org.). Assédio moral: desafios políticos, considerações sociais, incertezas jurídicas. Uberlândia, MG: EDUFU, 2006.

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debate, bastante distantes de uma América Latina Caliban, unida sob o signo do subdesenvolvimento, tinham outros horizontes de questionamentos políticos, que incluía, conforme a hipótese que discuto, a própria existência ou não de uma América Latina. As muitas referências feitas a um Bomfim fora ou a frente do seu tempo apontam para noções que podem ser repensadas ainda a partir do pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben. Ao questionar o significado do que é ser contemporâneo, o autor o caracteriza precisamente por ser aquele que não coincide perfeitamente com seu tempo, que teria com ele uma relação singular, pois ao mesmo tempo em que adere, dele toma distâncias. O que permite a este contemporâneo fixar o olhar sobre sua própria época, ao contrário daqueles que coincidem muito plenamente com ela e não conseguem vê-la ou fixar-lhe o olhar. Para Agamben, essa dissociação e anacronismo do contemporâneo com seu próprio tempo permite a ele neutralizar as luzes da época para perceber seus escuros e não deixar de interpretá-lo, ação que não se dá pelo seu arbítrio, mas como um imperativo. De acordo com Agamben, o contemporâneo (...) é aquele também que dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de “citá-la” segundo uma necessidade que não provém de maneira alguma do seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode responder.59

Os questionamentos de Manoel Bomfim ao pensamento de seu tempo, ainda que precisem ser matizados para a compreensão dos problemas que o autor se propôs a discutir, podem ser compreendidos por meio dessa perspectiva: ou seja, como demandas de um contemporâneo sobre a luz de sua época, projetando-lhe sombras que nos auxiliam em seu entendimento, precisamente pelos contrastes que provoca.

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AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó-SC: Argos, 2009, p.72.

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CAPÍTULO III: Uma nação por construir: raça e história enquanto problemas

A nação em perspectiva As críticas de Sílvio Romero, publicadas na dinâmica de artigos mensais na revista Os Annaes, possibilitou ao autor responder ao público e aos pares, característica própria do gênero da polêmica. Em alguns de seus artigos1, Romero expressa sua irritação com uma suposta boa recepção da América Latina de Bomfim entre os intelectuais: “E haver quem tenha batido palmas de tais dislates!”2 E sob a justificativa de combater as ideias de Manoel Bomfim, ou erros segundo o autor, e conter a efusão pela publicação do livro, inicia o debate: Passado o primeiro momento de efusão do clan literário e profissional de que faz parte o autor do livro encomiado, já é tempo de sobra para dizer a verdade e mostrar que o novo produto do jovem professor não passa de um acervo de erros, sofismas e contradições palmares. Falsa é a sua base científica, falsa a etnográfica, falsa a histórica, falsa a econômica. Não admira, portanto, que falsa seja também a causa a que atribui os desvios e atropelos da evolução latinoamericana, e sofrivelmente ineficaz a medicação que propõe para corrigi-los.3

É necessário considerar que a boa recepção que Sílvio Romero imputa a obra de seu adversário pode ser um artifício para incluir em sua crítica possíveis opiniões favoráveis à obra, ou ainda como forma de estendê-la a outros intelectuais ligados a Bomfim, a seu clan literário. Segundo Roberto Ventura, a polêmica – modalidade de escrita política que já estava em declínio no início do século XX – possui entre suas características principais esse “duplo interlocutor”, pois o intelectual não se dirige somente ao seu oponente, uma vez que objetiva sensibilizar e convencer também o leitor. “O ‘inimigo’ se torna o intermediário de

1

Correspondem aos primeiros artigos nos nº54 e nº57 dos Os Annaes, e ao último, nº72. ROMERO, 1906, p.45. 3 ROMERO, Ibid., p.11-12 [grifo do autor]. 2

55

um processo comunicativo entre o polemista e seu público, cuja adesão é disputada pelos contendores.” 4 e, ao final, o público é alçado à posição de árbitro da disputa. Para Romero, a obra de Manoel Bomfim possui erros de toda sorte, mas se pauta na questão essencial aos intelectuais no período, de encontrar as causas para o atraso sentido nos países de colonização hispânica do continente, mais precisamente, suas causas reais. A ideia de buscar um entendimento real para os problemas nacionais fundamenta nos dois autores críticas à política republicana do período que, conforme acreditavam, era alheia aos problemas

nacionais

e

importava

soluções

descompassadas

com

a

realidade

brasileira/latino-americana. Em ambos os autores, a crítica é direta e incisiva às práticas políticas contemporâneas, como coloca Manoel Bomfim, mantendo o criticismo mesmo tendo sido membro da esfera governamental republicana: “Adota-se o regime para possuirse esta coisa mirífica – REPÚBLICA!... (...) E dos estadistas se exige que a façam concreta.”5. Por isso, mais do que pela discordância interpretativa, tanto a obra de Bomfim, quanto a contestação de Sílvio Romero guiaram-se pela urgência política na qual sobressai a questão do progresso nacional. A principal forma de desvendá-la estaria na investigação das origens. Nas palavras de Romero: “Trata-se num e noutro livro de descobrir a causa originária, constitucional, orgânica, dos males que nos oprimem, dos defeitos que nos afetam como nação, causa sempre oculta aos politiqueiros de todos os tempos, que se arrogam o direito de dirigir os nossos destinos.”6 A própria constituição de uma nacionalidade é questionada pelos autores. E, a partir desta visão, há a valorização do papel do intelectual como seu agente formador, tomando para si tal dever, como bem sintetiza Manoel Bomfim: Povo, consciente de sua existência, tal como exige uma democracia, não existe aqui; é preciso fazê-lo. Não haverá, nestes germes de sociedades e pátrias, algumas almas generosas e fortes para empenhar-se nessa empresa? Certamente

4

VENTURA, Roberto. Estilo Tropical – História Cultural e polêmicas literárias no Brasil (1870-1914). São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.148. 5 BOMFIM, 2005, p.222 [caixa alta e grifo do autor]. 6 ROMERO, op. cit., p.10-11.

56

que sim; e esperamos que elas, aceitando a tarefa como um dever social, se agitarão e conseguirão impor o assunto à indiferença dos governantes.7

Na análise das causas dos entraves ao progresso nacional os autores utilizam o repertório corrente para intelectualidade do período, no qual se destacam as teorias históricos-sociais e as histórico-biológicas, estas últimas expressam-se sobretudo na noção de raça, de grande apelo aos contemporâneos. As duas linhas argumentativas começam a lidar com um elemento recente e pouco usual, até então, na escrita social brasileira, a ideia da existência seja de uma raça ou de uma história comum de origem latina. Esse problema, que dá título à obra de Manoel Bomfim, não é respondido de maneira simples pelo autor ou por seu desafiante, mas pode ser compreendido nas leituras dos autores, em seus diagnósticos e projetos. Desse modo, a análise que se segue objetiva compreender as possibilidades de se pensar uma América Latina/latina para a intelectualidade brasileira do período a partir da inserção dos autores no debate. Mesmo o qualificativo latina não é óbvio e possui contornos específicos que serão abordados no decorrer deste capítulo. Nesse momento, uma conceituação seria precipitada e perderia em complexidade. A escolha de dois grandes eixos de discussão visa seguir as bases fundamentais do diálogo dos autores, e em grande medida do repertório intelectual do período, a raça e a história. Esses temas, tidos como essenciais na compreensão dos fundamentos da nação, me permitirão agrupar as críticas dos autores e fazer uma leitura dialógica a fim de pensar a América Latina como um ponto sensível de suas discussões.

A questão da raça: o dilema do naturalista A discussão entre os autores envolve posicionamentos diante de múltiplas questões, que passam pela história da ocupação dos povos na Europa, na Península Ibérica, as supostas diferenças entre as raças, a história colonial americana, escolhas bibliográficas e problemas contemporâneos aos autores, tais como relações internacionais, migração e soberania nacional. Entretanto, proponho como eixos de leitura principais das obras dois

7

BOMFIM, op. cit., p.375 [grifo do autor].

57

temas fundamentais que as perpassam e figuram na pauta da intelectualidade do período: o tema da raça e da história. Essa escolha relaciona-se diretamente à escrita dos autores e está na base para a compreensão das pautas elencadas anteriormente, oferecendo uma compreensão mais ampla do debate entre eles, bem como o entendimento de seus projetos políticos, sobretudo, para esta pesquisa, no que concerne à ideia de América Latina. No período eram considerados os principais âmbitos de ações políticas para o desenvolvimento nacional os fatores: hereditários (pensados a partir da noção de raça); de educação, com a finalidade de moldar o comportamento; e do meio, pensado através de intervenções tidas como essencialmente técnicas (urbanísticas, médicas, sanitárias). A construção de uma nação rica e próspera tinha assim, de modo abrangente, na perspectiva da intelectualidade, essencialmente uma conformação “histórico-eugênica”, tida como definidora da desordem social, e consequentemente, como lócus para as ações políticas voltadas à construção da nacionalidade e do progresso da nação 8. Nesse sentido, destaca-se a relevância das análises histórico-raciais, presentes nos trabalhos dos autores escolhidos para este estudo e para a compreensão das discussões nacionalistas do período. Segundo André Mota: As ações eugênicas, diante desses aspectos, deveriam ser vistas como intervenções que, mesmo respaldadas na ciência e no determinismo científico, possuíam um forte caráter nacionalista e por isso deveriam ser encaradas como um pilar sobre o qual se iniciaria a construção de um novo Brasil. 9

Apesar de cunhado em 1883, pelo primo de Darwin, o cientista britânico Francis Galton, o termo eugenia dava nome a ideias amplamente divulgadas e discutidas por cientistas de todo tipo (médicos, higienistas, juristas e políticos) desde meados do século XIX. Unia a consagrada ideia de evolução das espécies darwinista ao determinismo hereditário-biológico (o termo genética foi utilizado pela primeira vez apenas em 1905), aplicada a grupos humanos. A historiadora norte-americana da ciência Nancy Stepan considera a importância das ideias eugênicas, como discurso cientificamente autorizado, nos campos de debate na 8

MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.51. 9 Idem, p.50.

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América Latina sobre evolução, degeneração, progresso e civilização, embasando uma preocupação comum, a saber, “(...) como criar, partindo de suas populações heterogêneas, uma homogeneidade nova e purificada sobre a qual uma verdadeira ‘nacionalidade’ pudesse ser erigida.” 10 Ainda que exista diferenças sensíveis entre os autores, o tema da raça é fundamental no tratamento da questão da nacionalidade na época e, por conseguinte, na abordagem das identidades nacionais e regionais. O darwinismo aplicado às sociedades humanas norteia a apreensão dos autores não apenas na utilização da ideia de raça, mas também de sua compreensão evolutiva, que favoreceria os mais aptos. As teorias de Charles Darwin, debatidas em diversas áreas do conhecimento, aparecem explicitamente como aporte teórico dos autores investigados nessa pesquisa, apesar de suas leituras divergentes. Após a publicação de A origem das espécies (1859), Darwin transforma-se em referência obrigatória, que de acordo com Lilia Schwarcz, representa uma “reorientação teórica consensual”.11 No entanto, à parte sua autoridade intelectual e científica no período, a interpretação do evolucionismo de Darwin não foi unívoca. Apesar do enfoque biológico do trabalho de Darwin, sua teoria desdobrouse e vários de seus conceitos (competição, seleção do mais apto, evolução, hereditariedade) foram amplamente utilizados também fora do âmbito da biologia e do estudo dos animais, como nas ciências humanas. Uma só teoria fundamentava diferentes e conflitantes interpretações, importantes de serem compreendidas a fim de se perceber as proposições sócio-políticas delas derivadas. Podemos considerar também que essas interpretações múltiplas da teoria de Darwin foram estimuladas pela própria indecisão que marca o pensamento do autor no tocante à aplicação de sua teoria aos grupos humanos. O naturalista dividia-se entre suas concepções prévias e as evidências que, a partir de seus métodos de observação, pareciam insistir em desmenti-las. A taxonomia humana revelou-se um grande problema para Darwin, e ainda que quisesse entender a grande distância física e “moral” que observava, não podia admitir que se tratasse de espécies distintas, pois considerava “impossível descortinar entre elas 10

STEPAN, Nancy Leys. “A hora da eugenia”: raça, gênero e nação na América Latina. Trad. Paulo M. Garchet. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005 (1ªed. 1991), p.23. 11 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças – Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 (1ªed. 1993).

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claros traços distintivos”12. A noção de raça também lhe parecia complicada ao observar, por exemplo, a alta fertilidade na mestiçagem humana, o que contrariava seus pressupostos teóricos. São notáveis as hesitações e perplexidades do cientista diante dos indícios aparentemente discrepantes. Segundo Bracinha Vieira, neste tema, Darwin não chegou a alguma conclusão, sem argumentos para classificar o homem e por prudência científica, optou por não fazê-lo. A esse respeito, Darwin atesta: “Se (um naturalista) for prudente, acabará por reunir todas as formas gradativas numa só espécie, dizendo a si mesmo que não tem o direito de denominar objetos que não pode definir.”13 Assim, o essencial é perceber que o uso do darwinismo nas ciências humanas, em sua pluralidade, ultrapassa muito os já polêmicos estudos em biologia e reforça sua dimensão política nos temas de caráter especificamente social e cultural. Ao ser trazido às questões raciais, em especial por suas leituras antropológicas e históricas, esse uso assume crescente efeito político entre meados do século XIX e décadas inicias do XX. Daí a relevância de se perceber as nuanças e orientações diferenciadas de um substrato teórico comum que comporta diferentes usos políticos também entre a intelectualidade brasileira. Para Manoel Bomfim, a obra genial de Darwin era usada enquanto justificativa pseudo-científica pelos doutrinários do parasitismo, que a deturpavam. Esta leitura darwiniana de Bomfim se assemelha àquela feita pelo filósofo anarquista Piotr Kropotkin, que não é diretamente referenciado pelo autor, mas que pode ter sido lido por ele. As semelhanças que aponto se referem à principal obra do escritor russo sobre essa temática, Ajuda mútua: um fator de evolução, publicada em Londres em outubro de 1902, na qual o autor defende as noções de solidariedade e cooperação como meios de desenvolvimento das sociedades humanas. Explorando a teoria de Darwin, Kropotkin acredita que entre animais da mesma espécie e com alto grau de sociabilidade a seleção natural atuaria através da cooperação entre seus membros e não da luta. Em termos bastante semelhantes, Manoel Bomfim conclui: 12

DARWIN, Charles. [The Descent of Man, 1871: 270] apud VIEIRA, António Bracinha. Darwin e as raças humanas. In: Antropologia Portuguesa. Coimbra-PT: nº26/27, 2009/2010, p.91. 13 DARWIN, Charles. [The Descent of Man, 1871: 271] apud VIEIRA, António Bracinha. Darwin e as raças humanas. In: Antropologia Portuguesa. Coimbra-PT: nº26/27, 2009/2010, p.91. António Bracinha Vieira analisa alguns escritos de Darwin e demonstra a tensão do naturalista frente a estas questões. In: VIEIRA, Ibid., 2009/2010.

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Ali [na obra Descendência do homem e seleção sexual] acompanha ele [Darwin], demoradamente, o progresso moral e social, e mostra como este progresso se faz pelo desenvolvimento crescente dos sentimentos altruísticos, pela solidariedade cada vez mais forte entre os homens, sendo isto o que lhes confere superioridade; e designa como o termo deste progresso – a solidarização de todos os povos, combatendo, assim, tudo que se possa opor à harmonia e a unificação da espécie humana.14

Bomfim, como homem de seu tempo, considera não apenas a raça, como a desigualdade entre elas fator determinante no entendimento dos problemas de caráter nacional. O que incomodava Bomfim era a alegada incapacidade do progresso das consideradas raças inferiores, sobretudo quando essa inferioridade era tida uma característica inata, por tanto, intransponível. A interpretação pouco comum de Bomfim em relação à teoria das raças está na atribuição do seu uso político. O autor, através de sua noção de parasitismo social, entende que os intelectuais europeus se valiam da ideia da superioridade das raças brancas como estratégia de dominação política e imperialista sobre as populações não-brancas. Apesar do tratamento da bibliografia sobre o tema da raça na América Latina de Manoel Bomfim, o autor não desmerece a importância daquilo que, no período, consideravam como atributos raciais na formação dos povos e das nacionalidades, ainda que seja um conceito eminentemente sociológico. Para Bomfim, “A noção de raça (...) baseia-se não só nos traços anatômicos como nos caracteres psicológicos.”, complexo de características biológicas e psicológicas próprias na qual o caráter nacional seria “a expressão última da hereditariedade social”15. No caso da conformação racial das nacionalidades colonizadas pelos povos ibéricos sua percepção era de que a influência dos selvagens – negros e índios – fora bastante reduzida. Ainda que numericamente superiores, estes povos seriam, de acordo com suas convicções, tão atrasados que “não possuíam nem qualidades, nem defeitos” que pudessem provocar imitação. Pelo contrário, essa ausência de atributos próprios funcionaria como

14 15

BOMFIM, op. cit., p.275. BOMFIM, Ibid., p.174.

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quadros vazios, facilmente contemplados pelo progresso e pela civilização, dada a grande “receptividade moral” da qual seriam dotados.16 Ao contrário do que possa parecer a priori, esse ponto de vista aparece na escrita de Manoel Bomfim como bastante favorável às “raças inferiores”, que por serem “gentes infantis”, “são mais progressistas – adaptáveis” e, portanto, pouco decisivas na formação (e na conformação de problemas) das nacionalidades. Esse argumento é criticado por Sílvio Romero, que o considera elogioso aos indígenas e negros. Irritado, Romero qualifica este posicionamento como “reacionarismo negrista e caboclisante [sic]”, que atribui ao historiador português Oliveira Martins, bibliografia fundamental de Bomfim: “Martins, sem o querer talvez com suas grosseiríssimas objurgatórias, suas pesadíssimas descomposturas a seus compatriotas, veio dar mão forte ao reacionarismo negrista e caboclisante [sic] contra as raças superiores, mui da moda atualmente entre os agitadores da América latina.”17 É importante destacar que quando Romero diz “sem o querer talvez” faz referência não a uma valorização em Oliveira Martins dos povos não-brancos, que o historiador português não faz, pelo contrário. Mas que sua visão negativa sobre os ibéricos contribuía para este tipo de interpretação, negrista e caboclisante, que ele julgava ser a de Manoel Bomfim. Para Bomfim, a dificuldade racial para o progresso do país e da região estaria no fardo histórico das raças latinas, em especial a ibérica, já carregada de vícios e hábitos de parasitismo, por entender que “os povos feitos (...) formam uma bagagem muito pesada para quem pretenda correr o progresso”.18 Aos povos ibéricos, portugueses e espanhóis, que seriam distinguíveis entre si apenas por diferenças de temperamento, Bomfim atribui duas qualidades primordiais: uma hombridade patriótica e um extraordinário poder de assimilação social.19 A última derivada de uma “grande plasticidade intelectual e de uma 16

Podemos verificar este pensamento entre as páginas 257-279, como nos trechos a seguir: “Quanto às qualidades positivas, próprias, que elas possuem, estas são tão reduzidas, tão poucas, em comparação às novas qualidades adquiridas, que não se fazem quase sentir, principalmente se lhes são em opostas; o influxo das ideias e sentimentos irá pouco a pouco modificando seu caráter primitivo, (...)”. BOMFIM, Ibid., p.261. 17 ROMERO, op. cit., p.94-95 [grifo do autor]. 18 BOMFIM, op. cit., p.261. 19 As diferenças entre portugueses e espanhóis aparecem, mas de forma secundária, nos trabalhos dos autores. Manoel Bomfim, profundamente interessado em psicologia social, separa os tipos espanhol-português e espanhol-castelhano, afirmando que tais diferenças seriam apenas de temperamento, conservando assim características básicas: “No Brasil a história política é, no fundo, a mesma [das nações da América Latina], as modificações que traduzem os traços particulares do caráter espanhol-português e o distinguem do espanhol-

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sociabilidade desenvolvidíssima”, mas degenerada pelo parasitismo, e a primeira a qual tributa a extrema violência que observava nas colônias latinas da América: “Desta hombridade patriótica derivam todos os exageros e perversões guerreiras dos povos ibéricos, as desvairadas expansões e conquistas; (...) é nisto que se alimentam, em parte, as infinitas revoltas e o caudilhismo americano.”20 Esta apreensão do caráter das raças ibéricas desagradou imensamente Sílvio Romero, defensor do legado português, apesar de suas críticas.21 Romero, adepto da teoria de inferioridade racial, via na “numerosa população branca” o verdadeiro núcleo e “nervo principal da resistência deste povo como nacionalidade.”22, apropriando-se de outra leitura importante feita a partir do trabalho de Darwin, o evolucionismo spenceriano (posteriormente chamado de darwinismo social23). Teoria a qual o autor se filia diretamente já nas primeiras páginas de seu livro, citando seu prefácio à obra Questões econômicas nacionais (1904) de Arthur Guimarães. Notadamente, o autor se referencia no estudo das Ciências Sociais desenvolvido por Frédéric Le Play, que defendia a observação direta e minuciosa como forma de investigação social, a partir de um enfoque spenciariano, de cunho evolucionista. No entanto, segundo Alberto Luiz Schneider, a inclinação de Sílvio Romero pela “escola de Le Play” pode ser explicada pela preferência do autor de um duplo entendimento da noção de raça, um antropológico (propriamente genético) e outro sociológico. A partir das teorias de Le Play, com este enfoque conhecido na época como etnográfico, Romero se inclinava para o “conceito sociológico” de raça, pois, essencialmente histórico e cultural e, portanto, mais passível de intervenção política. Assim, Romero explicita seu método de análise e suas referências teóricas:

castelhano. (...). Nos sucessos da independência do Brasil, ainda o gênio português se retrata tão bem como nos lances das suas aventuras marítimas: a passos medidos, cauteloso, resistente, aventuroso, mas sem audácia... O espanhol – afirmativo, absoluto, gritante, violento, trágico e abundante nas crises, rastaquera e espalhafatoso no fausto; o português – solene, composto, severo e morno nos heroísmos e transes, cabotino nas expansões e festas; ambos igualmente enérgicos e resistentes; mas aquele – decidido, vivo, agudo, pronto; este – apagado, triste, inconsistente, duro sem rijeza, carola – quando o outro é fervente, compósito – quando o outro é original.” Idem, p.301 [grifo do autor]. 20 Idem, p.257. 21 SCHNEIDER, op.cit. 22 ROMERO, op.cit., p.176 [grifo do autor]. 23 Termo criado em 1944 pelo historiador norte-americano Richard Hofstadter em seu livro Social Darwinism in American Thought 1860-1915, trabalho profundamente crítico à obra de Spencer.

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(...) a observação atenta dos fatos passados do período republicano, que vai decorrendo, e o conhecimento mais íntimo das doutrinas e ensinamentos da chamada Escola de Ciência Social de Le Play, H. de Tourville, Ed. Demolins, P. de Préville, P. Bureau e tantos outros, aos quais se devem os melhores trabalhos existentes sobre a índole das nações. (...) As doutrinas do evolucionismo spenceriano tinham-me posto na pista do desdobramento natural dos vários ramos da atividade humana (...). As doutrinas da escola de Le Play, posteriormente, fizeram-me penetrar mais fundo na trama interna das formações sociais e completar as observações exteriores do ensino spenceriano.24

Contemporâneo a Darwin, o filósofo inglês Herbert Spencer foi considerado o principal pensador das teorias da evolução aplicadas às sociedades humanas. Desde 1851, em Social Statics, afirmava também a contingência do progresso e seu movimento sempre evolutivo. Após a publicação do clássico de Darwin em 1859, Spencer incorpora a seu trabalho importantes contribuições do estudo da origem das espécies. E passa a considerar a civilização como produto direto da luta pela sobrevivência e, portanto, como justificativa para o domínio dos menos aptos pelos mais aptos. A partir dessas leituras, defensor das doutrinas racialistas do período, Sílvio Romero faz referências laudatórias não apenas a Spencer, mas a pensadores como Gobineau e Le Bon a fim de comprovar o caráter estritamente científico (que considerava imparcial) do pensamento racial e afastar as motivações políticas atribuídas por Bomfim. Segundo Romero: As diferenciações entre as raças humanas, a maior ou menor progressibilidade [sic] entre elas – não é coisa para ser apagada por motivos tão fúteis. É velha, é secular doutrina, estribada nos mais imparciais estudos da pré-história e da história, da antropologia e da etnografia, com que a política nada tem a ver. São investigações sinceras, objetivas, meramente científicas em que têm tomado parte os maiores espíritos e os mais profundos sábios. 25

Na visão de Sílvio Romero, sua crítica a Bomfim se estabelece a partir de parâmetros completamente distintos de análise e de referencial. Todavia, é possível perceber várias confluências relevantes. Os autores caminham juntos na teoria das raças em mais um ponto importante, na compreensão de que ibéricos e saxões constituiriam raças distintas, facilmente caracterizáveis. Tanto Bomfim quanto Romero contrapõem o espírito 24 25

ROMERO, op.cit., p.7-9. Idem, p.212-213 [grifo do autor].

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prático e progressista saxão (e para Romero também teutônico) ao que seria o formalismo anti-progressista próprio dos ibéricos. Nesse tema, as semelhanças são bastante evidentes e podem ser relacionadas a uma longa tradição de compreensão do pensamento ocidental26 na qual se destaca o arielismo de Rodó. Entretanto, nenhum dos autores consideraria positivo esse reflexivo espírito, classificado por eles pejorativamente como bacharelismo. Sobretudo sob o ponto de vista do progresso, como nos trechos a seguir: De Manoel Bomfim: A massa geral da população, formada e nutrida por essa cultura intensiva da ignorância e da servidão (...) inteiramente nula para o progresso, é facilmente aproveitada pela caudilhagem nas más aventuras e assaltos políticos. As classes dirigentes (...) qualquer que seja o seu ponto de partida e o seu programa, o traço ibérico lá está – o conservantismo, o formalismo, a ausência de vida, o tradicionalismo, a sensatez conselheiral, um horror instintivo ao progresso, ao novo, ao desconhecido, horror bem instintivo e inconsciente, pois é herdado.27

e de Sílvio Romero: Enfim, não terá, talvez, muito errado quem disser dos latino-americanos tomados em geral, como tipo étnico, serem eles um singular misto de curiosidade e superficialidade, de leguleísmo [legalismo?] e chicana, de irreverência e rotina, de efusões líricas e mediocridade filosófica e científica. Mais do que à primeira vista pode parecer, seu proverbial desrespeito, a sua notada irreverência encobre um real fundo de incapacidade, de fraqueza das forças criadoras do espírito.28

São concordâncias em relação a termos e ideias que esbarram na atribuição das causas dessas qualidades. Para Romero, são indubitavelmente constituintes e elementos irredutíveis próprios da raça, enquanto Bomfim, de modo menos assertivo, considera características advindas da raça, mas notadamente fruto de uma educação depredadora e parasita da própria da história da Península Ibérica e que fora transplantada para as suas colônias. A partir da discussão sobre a questão racial para Manoel Bomfim e Sílvio Romero temos indícios importantes sobre como se desenrola o tema da América Latina. Primeiramente, podemos considerar que entre os males de origem, incessantemente

26

MORSE, Richard. O espelho de Próspero – Cultura e ideias nas Américas. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 27 BOMFIM, op. cit., p.357-358. 28 ROMERO, op. cit., p.201.

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buscados pela intelectualidade, a raça aparece como tema crucial e urgente em seus diagnósticos sobre a formação nacional. Em decorrência dessa compreensão compartilhada por eles conclui-se que, de acordo com os autores, há um problema na formação racial no Brasil e nas ex-colônias ibéricas. Esse problema, equacionado no mito das três raças formadoras é resolvido de formas distintas pelos autores.29 Bomfim desacredita que as raças não-europeias tenham tido um papel determinante no continente americano, por serem incivilizadas e portanto, abertas e receptivas a qualquer aprendizado. Disso conclui que o elo fraco na questão racial deveria ser tributado aos povos latinos e suas arraigadas características antiprogressistas e parasitárias. Entretanto, seriam apenas psicologicamente hereditárias logo mutáveis e históricas. Para Romero, de acordo com a teoria das raças inferiores, os não-brancos com suas características deletérias, orgânicas e intrínsecas seriam responsáveis pelos problemas de origem racial da região. E por isso, as raças brancas, no caso específico, a latina, devia ser valorizada e estimulada. Mesmo com seus problemas relacionados à falta de pragmatismo e às dificuldades para o progresso, a ela cabia o núcleo da nacionalidade. Há, em qualquer uma das interpretações anteriores, a afirmação de um elemento essencial, mobilizado pelos autores através da noção de raça, de raiz latina, uma raça latina. Ainda que haja uma imprecisão evidente, pois latino e ibérico se sobrepõem em várias passagens, esta conclusão será importante para compreender os posicionamentos dos autores sobre a América Latina e sobre uma identidade latino-americana.

A questão histórica: boas e más heranças Os vários estudos pautados na ideia da nação enquanto construção destacam a utilização da história como um de seus elementos fundamentais. Não são poucos os exemplos de tradições, origens raciais, linguísticas, convenções inventadas ou imaginadas a

29

No pensamento brasileiro, o mito das três raças, possui longa tradição. O alemão Friedrich von Martius foi primeiro a sistematizá-lo, em Como se deve escrever a história do Brasil, vencedor do concurso do então recém-criado IHGB, em 1840.

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fim de dar densidade histórica às nações.30 Estes elementos constituem linguagens políticas poderosas, recorrentemente utilizada para os pensadores da nação, não como objeto de dúvida, mas como fundamento para compreensão daquela que esses pensadores consideravam sua realidade nacional. Dessa forma, o segundo eixo proposto para à análise do debate entre os autores está nas interpretações da história nacional que eles empreenderam. Ainda que a noção de raça seja, em parte compreendida por eles como um problema histórico, ela diz respeito às narrativas sobre o passado que teriam constituído as nações de ascendência ibérica. Destaca-se na escrita dos autores análises sobre o período colonial e ainda a própria história da Península Ibérica anterior aos descobrimentos. Manoel Bomfim e Sílvio Romero têm interpretações históricas bastante discrepantes. Toda a argumentação de Manoel Bomfim, em América Latina, se desenvolve em torno da tese do parasitismo social, que o autor tributa aos ibéricos. O entendimento de Bomfim sobre o parasitismo fundamenta-se justamente numa hereditariedade histórica dos vícios do parasita. O autor busca entender os mecanismos dessa hereditariedade, e por isso, reserva uma importância especial à busca dessas origens. Bomfim não tem dúvidas de que as características observadas nas sociedades herdeiras podem ser percebidas já no processo de ocupação da Península Ibérica, antes da constituição dos Estados português e espanhol. O autor inicia sua digressão histórica citando as invasões cartaginesas na península, no século IV a.C, quando a “Espanha aparece na história”31, sendo posteriormente latinizada pela ocupação romana. Ainda que cite as lutas entre os povos bárbaros, Bomfim enxerga na ocupação árabe da península o principal problema de sua formação. Para o autor, o muçulmano representaria o “tipo 30

Desde a já bastante conhecida fraude literária de Ossian, baladas compostas no século XVIII atribuídas a um guerreiro irlandês primitivo que remontariam um passado longínquo e glorioso escocês, ao polêmico trabalho de Schlomo Sand, publicado em 2011. Sand contesta vários dos pressupostos nos quais estão fundados a ideia de uma nação/povo judaico de existência imemorial, como sua suposta singularidade racial, sua língua comum ou mesmo as história das diásporas. SAND, Schlomo. A invenção do povo judeu: da Bíblia ao sionismo. Trad. Eveline Bouteiller. São Paulo: Benvirá, 2011. Ao utilizar a expressão “imaginada”, Benedict Anderson afasta a ideia de que seria sinônimo de falsidade, o que sugeriria que existiriam comunidades verdadeiras, ou melhores. A expressão é utilizada aqui com a mesma ressalva, conforme o autor: “As comunidades se distinguem não por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo que são imaginadas.”. ANDERSON, op. cit., p.33. 31 BOMFIM, op. cit., p.75.

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perfeito de civilização expansiva, guerreira, depredadora”32. A eles atribui um estado de guerra contínuo na península, pois seriam altamente beligerantes entre si, e resistentes à reconquista por séculos, até 1492. O que resulta de sua interpretação é a percepção de guerras generalizadas durante 12 séculos, “de todos contra todos, violenta, terrível, implacável; guerra de religião”. A partir dessas narrativas, Bomfim se pergunta sobre o efeito de séculos de guerra sobre o caráter das nacionalidades ibéricas e o que teria provocado sobre o futuro delas. A conclusão categórica é a inabilidade ibérica para o trabalho pacífico, fruto da “educação guerreira” que impeliria aos saques e às, sempre crescentes, “tendências depredadoras”. Para Bomfim, este seria o verdadeiro impulso, disfarçado por uma retórica de motivos metafísicos, que impeliram os povos ibéricos para o mar. Devorar o descoberto, seguindo o exemplo árabe, é para Bomfim característica indistinta de portugueses e espanhóis, devido a sua própria formação histórica, que os lançava incessantemente à procura de novos tesouros. “Preparem-se para ouvir ousadas extravagâncias.”33, avisa Sílvio Romero ao iniciar suas contestações sobre a explicação histórica de Manoel Bomfim sobre a Península Ibérica. Romero entra nas minucias a respeito das ocupações do território ibérico para rebater Bomfim. Em especial, opõem-se à ideia de a que a história da península teria sido de sucessivas guerras. A partir de outros autores, Sílvio Romero conclui que apenas séculos de paz e estabilidade explicariam a difusão dos idiomas, costumes e leis. Para o autor, a “trôpega aventura etnográfica” de Bomfim, que ele considerava sem fundamento, tinha como intenção apenas “destacar o gênio turbulento dos povos hispânicos, fazer sobressair a guerra, a luta, a desordem constante, a rebelião endêmica.”34 e poderiam ser facilmente desmentidas observando a riqueza cultural hispânica. Dessa forma, Romero conclui que a narrativa de Bomfim centrada nas guerras de ocupação da península visavam apenas justificar a teoria do parasitismo: “(...) é para arranjar um período de lutas e depredações que lhe parece o prólogo indispensável a todo parasitismo social.”35. 32

Idem, p.85. ROMERO, op. cit., p.55. 34 Idem, p.57. [grifos do autor] 35 Idem, p.76. 33

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O essencial é perceber que apesar das consideráveis discordâncias factuais dos autores em relação às interpretações da história da Península Ibérica, ambos têm como princípio a existência de uma história ibérica, comum, portanto, a espanhóis e portugueses. Essa convergência tem como desdobramento o entendimento, para ambos, da existência de uma história colonial ibérica/hispânica, a partir da constatação desse fundo comum histórico e étnico de mesma origem. Para Bomfim, o desdobramento lógico da história peninsular, de educação guerreira e depredadora, não apenas lança os povos ibéricos ao mar, mas também pauta o tipo de colonização imposta por eles às terras descobertas. Já pervertidas em sua origem, seria “uma fatalidade histórica”36, por ser hereditário, o desenvolvimento do mesmo caráter vicioso nas colônias: “Quando começou a colonização da América, já as nações peninsulares estavam viciadas no parasitismo, e o regime estabelecido é, desde o começo, um regime preposto exclusivamente à exploração parasitária.”37 Bomfim se põe a explorar “os fatos históricos” da formação colonial por entender que “eles se devem grande parte dos males que têm atormentado a evolução destas nações”.38 As conclusões dos autores sobre esses males se relacionam aos projetos políticos que defendem e, por sua vez, podem revelar seus entendimentos sobre América Latina, como argumentarei adiante. Por enquanto, cumpre destacar a ênfase de Bomfim

nas

violências da história colonial, como os massacres das populações autóctones, a depredação das riquezas em favor da metrópole (dos “aventureiros luso-espanhóis”) e os efeitos malefícios da escravidão. Este último é visto pelo autor não apenas como evidente sintoma do parasitismo ibérico, mas como fonte de inúmeros vícios desenvolvidos nas colônias. Entre esses vícios decorrentes do escravismo, Bomfim elenca algumas situações, como a desvalorização do trabalho, a estagnação das técnicas produtivas e as perversões sexuais. Conforme conclui: “Português ou espanhol, ele vinha entesourar e não para trabalhar; e era

36

BOMFIM, op. cit., p.236 [grifo do autor]. Idem, p.128. 38 Idem, p.236. 37

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logo a caça implacável ao índio. (...) estava normalizado o cativeiro, estava sistematizado o parasitismo, na sua forma ideal: uns a trabalhar e outros a engordar e a gozar.”39 Sílvio Romero se opõe categoricamente ao entendimento de Bomfim sobre a história colonial. As principais críticas de Romero estão direcionadas à questão da violência. Primeiramente, por considerá-la desproporcional, pois para o autor a “colonização dos povos ibéricos na América foi singularmente branda”40, sobretudo ao se considerar os benefícios da civilização. Defensor do legado ibérico, Romero diz que, se comparado aos demais processos de conquista da história, a colonização ibérica poderia ser vista como “folguedos de rapazes alegres”. Por fim, Romero contesta a conclusão de Bomfim sobre a miséria na qual teriam sido deixadas as ex-colônias dos “povos ibéricos”, que “(...) no entender do moço escritor, era do mais completo atraso, da mais acentuada miséria, miséria econômica, miséria política, miséria intelectual, miséria moral.”41 Para tanto, se apoia em outros escritores, em especial Abreu e Lima e Varnhagen, atribuindo à análise de Bomfim, novamente, apenas à pretensão deste em comprovar sua tese do parasitismo. Sílvio Romero ainda faz uma ressalva ao relatar os crimes da fase colonial, como “fenômenos mórbidos”, mas processos normais pois “desgraçadamente presos à pecaminosa e imperfeita organização humana e social.” Ainda sim, minimiza estes fenômenos por causa da função que atribui à história, como mestra da vida. Portanto, para o autor, apenas os bons feitos, aqueles capazes de instruir, deveriam ser valorizados no trabalho histórico. Por esse motivo, censura outra vez Manoel Bomfim: Não vejo, porém, onde se possa deparar a vantagem de generalizar, de dar como fato explicativo e exponencial de uma época, a triste ocorrência alegada pelo Sr. Bomfim (...). A história não tem por função apanhar essas degradações, essas eructações de esgoto que não esclarecem nem instruem.42

Mais uma vez, a comparação com os Estados Unidos, neste caso com a história colonial norte-americana, representa um papel importante no entendimento dos autores 39

Idem, p.146. ROMERO, op. cit., p.116. 41 Idem, p.163. 42 Idem, p.158. 40

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sobre a história. Bomfim defende que a colonização dos Estados Unidos foi bastante diferente da latino-americana. Aquela, resultado da vontade de um povo em realizar uma nação e esta, do ímpeto predatório e aventureiro ibérico. Assim, segundo o autor, “Os Estados Unidos, no dia em que afirmaram a sua independência, eram uma nação feita, constituída espontaneamente, livre desde o seu nascimento; as repúblicas sul-americanas, no dia da separação, eram nações em que tudo estava por fazer.”43 Manoel Bomfim não deixa de considerar aquelas que seriam as diferenças intrínsecas de caráter entre anglosaxões – gentes práticas, de grande energia e tenacidade –, e latinos, tidos como formalistas, conservadores e com instintivo horror ao progresso. Mas exige que os críticos (políticos e sociólogos) que condenam os povos da América Latina reflitam também sobre as “condições favorabilíssimas em que se achavam os mesmos norte-americanos (...).”44. Submetidos, teoricamente, a um processo de colonização diferente, que os teria permitido constituírem sociedades homogêneas, voltadas para seus próprios interesses e não a mercê da exploração da metrópole. Em relação a este tema os autores têm entendimentos semelhantes, uma vez que consideram como essencial as características distintivas entre latinos e anglo-saxões. A crítica de Romero, por exemplo, concerne apenas ao que seria uma incoerência argumentativa de seu opositor que, em sua leitura, faz ataques ao ímpeto conquistador dos Estados Unidos, enquanto é elogioso às características progressistas deles. No mais, a caracterização de latinos e saxões é plenamente corroborada por Sílvio Romero, opondo assim o pragmatismo atribuído aos norte-americanos e sua tendência ao progresso ao formalismo e falta de observação dos latino-americanos. Sobre estes, conclui: “Mais do que à primeira vista pode parecer, seu proverbial desrespeito, a sua notada irreverência encobre um real fundo de incapacidade, de fraqueza das forças criadoras do espírito.”45. No que concerne a este tópico, as diferenças entre os autores são sutis, mas importantes. Para Romero, tais atributos eram compreendidos através do “tipo étnico” de cada povo e não ao parasitismo da teoria de Bomfim. Desse modo, para Romero, além dos outros qualificativos usados por Bomfim, a “falta de observação, de que padecem os latino43

BOMFIM, op. cit., p.312. Idem, p.312. 45 ROMERO, op. cit., p.201. 44

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americanos” seria “um traço verdadeiro, [mas] posto a perder pelo autor por suas exagerações e pela mania de atribuir tudo e até isto ao parasitismo.”46 Nesse caso faz-se necessário perceber como Romero lida com o legado ibérico. Segundo Alberto Luiz Schneider, esta é uma ambiguidade que permeia toda a obra intelectual de Sílvio Romero, uma vez que o autor estaria sempre dividido entre o que considerava ideal e aquilo que ponderava como sendo o melhor nos limites das condições nacionais e das possibilidades históricas. A encruzilhada de Romero estava entre valorizar o elemento europeu formador, ainda que ibérico e considerado refratário ao progresso.47 Esta parecia ser para o autor a única forma de se formar uma nacionalidade numa sociedade mestiça. Para ele, se existia uma civilização em processo de construção no país, esta se devia indubitavelmente ao elemento europeu. Conforme Schneider: Uma das mais notáveis tensões patentes na obra de Sílvio Romero foi a leitura conflituosa que o autor estabeleceu dessa tradição colonial luso-brasileira. A herança cultural ibérica, herdada do período colonial, foi simultaneamente interpretada como positiva e negativa. No sentido da modernização e do progresso, a herança colonial lusitana foi lida em chave negativa, como atrasada, predatória, beata. Porém, no sentido cultural da nacionalidade, a mesma herança histórica foi tomada no sentido oposto, reputada como o “alicerce da nossa nacionalidade”, ou como a base histórica sobre a qual repousaria a tradição popular brasileira.48

Ainda que Romero rejeite seletivamente as características que considere refratárias ao progresso no povo ibérico, o valor dado pelos autores a esta herança é oposto. Para Bomfim, representa a chaga das nações latino-americanas, e para Romero a possibilidade de redenção das populações mestiças, a brasileira, em especial. Entretanto, para ambos a história ibérica, desde a ocupação da península até o modelo colonizador implantado na América, é tida como comum e necessariamente atuante sobre as nações resultantes do processo colonial. Trata-se portanto de uma história latina, de ascendência ibérica, que tem seus desdobramentos na história latina na América.

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Idem, p.197. Como lembra Schneider, o debate sobre a herança ibérica e as condições de atraso dos países da península teve desdobramentos também na chamada geração de 98 espanhola, com autores como Miguel de Unamuno e Ángel Gavinet, e mais tarde com Ortega y Gasset. E em Portugal com Oliveira Martins e Antero de Quental. SCHNEIDER, op. cit., p.153 e ss. 48 SCHNEIDER, op. cit. , p.133-134. 47

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A leitura dos autores sobre as características deletérias dos povos latinos para a constituição das nacionalidades fundamenta-se na teoria da decadência dos povos latinos. Segundo Pierre Rivas, entre 1870 e 1910, as polêmicas são completamente permeadas por essa pretensa decadência latina presente [n]às mitologias antilatinas e nórdicas da época, as dos Gobineau, Vacher de Lapouge, Gustave Le Bon, Emilie de Laveleye, Bazalgette, Demolin, etc. Decadência latina e superioridade anglo-saxã ou alemã: enuncia-se um novo paradigma que identifica latinidade, decadência, servidão, imoralidade, anarquia, decadência por hipertrofia da palavra e atrofia da ação.49

A partir do que foi analisado nos trabalhos dos autores percebe-se que essa interpretação é bastante relevante para ambos. Ainda que Bomfim condene veementemente a Le Bon e chame atenção para as motivações políticas que atribui a tais teorias, não deixa de qualificar os povos latinos a partir de fundamentos semelhantes, como observa com agudeza Sílvio Romero: “(...) o Sr. Manoel Bomfim tem momentos de cólera e não trepida em injuriar um homem como Gustavo Le Bon, cujo crime é ter dito, antes dele, metade das coisas feias com que brinda os povos enfaticamente apelidados os latinos da América.”50 Entretanto, não se pode concluir a partir dessa provocação de Romero que Manoel Bomfim corrobore com esses teóricos, pois o autor critica um de seus pressupostos fundamentais, a saber, a atribuição das características da decadência como algo inato. Para Bomfim, a existência de elementos deletérios no caráter latino derivava dos efeitos do parasitismo social hereditário e seria passível de transformação através da educação. Para ele, estas condenações desses povos ao atraso permanente seria portanto apenas uma teoria de dominação política. Ao observarmos o quadro de referências de Manoel Bomfim (ANEXO 1) destaca-se seu posicionamento crítico aos teóricos racialistas evolucionistas. Entre os mais citados aparecem o antropólogo francês Charles Letourneau, o sociólogo polonês Ludwig 49

RIVAS, Pierre. Diálogos interculturais. São Paulo: Hucitec, 2005, p.30-31. Essas teorias são importantes para a compreensão do surgimento do latinismo como mobilização reativa aos teóricos da decadência. Trazendo para o primeiro plano a ideia da tomada de consciência de um destino comum latino, um Renascimento latino, baseado na latinidade como um conceito civilizacional (não propriamente racial, como o pangermanismo e o pan-eslavismo) e, portanto, ecumênico, plástico e abrangente, pois essencialmente cultural. Cf. RIVAS, Primeira Parte – Latinidade. Ibid. 50 ROMERO, op. cit., p.16. [grifos do autor]

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Gumplowicz e, principalmente, o terribilíssimo filósofo, Gustave Le Bon. Bomfim percebia as teorias da inferioridade racial como tão somente um sofisma abjeto mascarado de ciência barata. Todavia, o questionamento do autor não estava em reconsiderar eventuais características positivas das raças selvagens, que ele denegava, mas em perceber seu valor absoluto e sua capacidade progressista natural (equivalente a das raças brancas), que os sociólogos do egoísmo e da exploração negavam. Sobretudo pelas implicações políticas desse pensamento, “covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes.”51 Desse modo, não é propriamente o juízo que fazem sobre a América Latina a que Bomfim se opõe, mas àquele que considera seu uso político: “Quando os publicistas europeus nos consideram como países atrasadíssimos, têm certamente razão; não é tal juízo que nos deve doer, e sim a interpretação que dão a esse atraso, e principalmente as conclusões que daí tiram, e com que nos ferem.”52 Esse aspecto é tão relevante para Bomfim que expressa sua decepção com intelectuais que admirava, como o anarquista francês Charles Malato, por não perceber os ideais de exploração contidos nestas formulações pessimistas: O pessimismo geral sobre a América do Sul vai ao ponto de induzir indivíduos como Charles Malato, cuja vida tem sido uma luta implacável contra os fortes e exploradores, a escrever impiedades como esta: “Abrutis par leurs moines, mystifiés par leurs avocats, fusilés par leurs généraux, les peuples de L’Amérique Latine ne semblent pas avoir grand’ chose à perdre en tombant sous la coupe des Vanderbilt, des Morgan et des Rockefeller, et ces messieurs ne s’amausant pas aux agitations inutiles, peut-être y gagneront-ils une tranquilité qui pourra leur paraître donnée.”53

Sílvio Romero dedica atenção especial à questão “da decantada decadência das nações ibéricas”, considerando sua “vasta literatura”, opta por analisar “quatro dos mais correntes estudos consagrados ao assunto: os de Antero Quental, de Oliveira Martins, de Th. Buckle e de Pompeyo Gener.”54 Nas vinte páginas seguintes, Romero sistematiza os estudos desses autores e ao mesmo tempo em que considera verdadeiras as atribuições feitas ao caráter atrasado e inferior dos ibéricos destaca o exagero desses defeitos pelos 51

BOMFIM, op. cit., p.268. Idem, p.53. 53 BOMFIM, Idem. , p.53. [grifo do autor]. Referência a Malato: MALATO, Charles. L'Amérique Latine. In: Les Annales de la Jeunesse Laïque. Paris: nº1, juin 1902, p.18. 54 ROMERO, op. cit., p.133. 52

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teóricos: “Todas essas doutrinas, que, aliás, se podem reduzir a uma só e cujo valor intrínseco não tenho que discutir, repousam na falta de certas distinções, que, se fossem feitas lhes mostrariam quanto forçam alguns fatos.” Ainda sim o autor não poupa Bomfim de críticas e desconstrói o fundamento de seu trabalho, a teoria do parasitismo: Por mais minuciosas que sejam ou tenham pretendido ser as considerações devidas aos vários autores citados acerca das causas da decadência das nações peninsulares, Antero, Martins, Buckle e Pompeyo Gener, não é menos verdade que a estes escritores não se deparou a conveniência ou a oportunidade de reduzir aqueles povos a meros parasitas. Qualidade é esta que não pode convir a uma nação inteira. Estava reservado ao nosso Manoel Bomfim essa maravilha histórica e sociológica. Todos eles notaram a desorganização do trabalho entre castelhanos; mas não chegaram à conclusão tão absurda.55

A evidente convergência de Romero para a teoria da decadência latina, ainda que minimizada pelo autor, é colocada por ele em outros parâmetros, que visam não apenas desacreditar a ideia do parasitismo social de Manoel Bomfim mas em descontruir as motivações políticas nela presentes.

Colcha de retalhos e outras costuras A partir de uma leitura ampla das obras, que privilegiasse a interlocução entre elas, com seus afastamentos e aproximações, foi possível perceber a centralidade dos conceitos de raça e história em meio à grande variedade de questões nelas presentes. Essas questões, que não são apresentadas de forma explícita pelos autores, denotam a relevância dessas temáticas na escrita social do período – consequentemente, sinalizam a possibilidade de contribuir com a historiografia sobre o tema ao dar relevo a esta discussão que aparece de forma tácita no debate, sobretudo, considerando-se a intersecção que os autores fazem entre seus diagnósticos e as soluções/cura para os males que afligiriam a nação, e impediriam sua formação definitiva, atravancando o seu progresso. Conforme expus, tanto em Bomfim quanto em Romero há o entendimento que há uma raça/história latina, precisamente ibérica, da qual as ex-colônias são continuadoras e herdeiras. Uma história que poderíamos considerar, a partir destas leituras, latino55

Idem, p.148-149 [grifos do autor].

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americana. Uma vez que o elemento ibérico seria o principal, tanto nas críticas de Manoel Bomfim a esta herança funesta, quanto à valorização da raiz europeia requerida por Romero. Este último, mesmo utilizando bastante o termo latino-americano em suas assertivas, nega, logo nas primeiras páginas, que vá sequer tratar de América Latina: Como se vê, é o mesmo problema abordado, por outras vias, por outros processos, por outras doutrinas, pelo Sr. Dr. Manoel Bomfim em seu livro, aparecido em junho de 1905, sob o título de – A América Latina. O seu quadro é apenas mais vasto, porque ele cogita de todo o continente e eu me refiro somente ao Brasil.56

Romero descarta de forma bastante direta a intensão de tratar sobre todo o continente, como atribui a Bomfim. Não apenas porque interessaria ao autor pensar somente os problemas nacionais, mas por rejeitar a identificação de nações hispânicas, ao menos que incluam o Brasil, enquanto projeto político. A contradição entre o entendimento de uma história/raça latino-americana e negação da existência de uma América Latina é apenas aparente e pode ser mais bem compreendida no significado que esta identidade teria nos projetos políticos de Romero. Para deixar clara sua oposição à ideia de uma América Latina, Romero, que assim como Bomfim não se detém em explicações a esse respeito, expressa de maneira veemente sua posição, primeiramente através da grafia. A expressão América Latina, Romero escreve em maiúsculo o vocábulo apenas quando remete à obra de Bomfim, entendida por ele nada mais do que “manto de retalhos a que deu o nome de América Latina”57 de um desses “novos cerzidores de remendos para essas colchas de retalhos chamadas Américas Latinas...”58 A escolha do autor, então, ao se referir a temas latino-americanos, é por usar América latina, coerente com a leitura a histórica e racial que faz dos povos de origem latina. Para Romero, este seria o limite para a uma América Latina/latina, rejeitando assim a equivalência defendida por Manoel Bomfim de que o fundamento racial e cultural dos povos com a mesma ascendência América implicaria num pertencimento ou identidade comum, compreendida, neste caso, em “América Latina”.

56

Idem, p.10-11. Idem, p.67. 58 Idem, p.82 [grifo do autor]. 57

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Considero que América latina de Romero se distancia drasticamente da América Latina de Manoel Bomfim não pela negação de uma raiz comum, mas como opção de Sílvio Romero em renegar que houvesse uma identidade presente entre o Brasil e as outras repúblicas latino-americanas, e principalmente uma comunhão de futuro e destino entre elas. Esta última ideia é sustenta por Manoel Bomfim, que ao fazer seu diagnóstico tinha em mente a cura para “as nacionalidades sul-americanas”. Para Bomfim, a América Latina se formou a partir dos mesmos males, advindos da colonização e do caráter deturpado dos povos ibéricos, mas simultaneamente funcionava enquanto uma projeção, pois as nações poderiam superar o legado ibérico e alcançar o progresso: A opinião publica europeia sabe que existe a América Latina... e sabe mais: que é um pedaço de continente muito extenso, povoado por gentes espanholas, continente riquíssimo, e cujas populações revoltam-se frequentemente. (...) são questões que não se definem, sequer, no obscuro longínquo desta visão única – a América do Sul. Mesmo quando venham nomes particularizados – Peru, Venezuela, Uruguai... não importa: o que esta ali, a imagem que se tem na mente é a América do Sul.59

Na citação anterior transparece a confusão entre América Latina e América do Sul, presente em todo livro de Bomfim. A despreocupação em conceituar esses termos pode indicar que o foco do autor era fazer referência menos a uma identidade latino-americana e mais ao entendimento político da questão, que para ele consistia em defender da exploração externa de que seriam vítimas os povos da América Latina (ou do Sul). Para tanto, Bomfim utiliza dois parâmetros que definem sua escolha pela noção de América Latina, logo no título do trabalho, mas simultaneamente a torna de passível de ser sobreposta, sem grandes problemas, seja por América do Sul ou por, como prefere em seus escritos posteriores, nações neoibéricas60. Primeiramente, a utilização de América Latina faz nítida oposição à Europa, mais precisamente aos juízos negativos dos intelectuais europeus sobre os latino-americanos, que ele entende serem doutrinas imperialistas pensadas para justificar sua exploração. E ainda para diferenciá-la da América não latina, ou anglo-saxônica, intuito para o qual servem as 59

BOMFIM, op. cit., p.41 [grifo do autor]. BOMFIM, Manoel. O Brasil na História: deturpação das tradições, degradação política. Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Topbooks, Ed. PUC-MG, 2013 [1ªed. 1930]. 60

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duas denominações. É possível perceber esta escolha no uso de expressões que denotam essa oposição como “nas duas Américas”, “americanos do Sul” e “esta América”, as duas últimas implicitamente se referem aos americanos do Norte e à outra América. Estas opções de Manoel Bomfim reforçam o entendimento de que a América Latina a que se referia, deriva não somente da origem comum que atribui a essas nações, mas a dimensão projetiva do trabalho intelectual do autor, interessado em implementar projetos que superassem a condição de atraso que percebia nelas, sobretudo frente a Europa e a outra América – os Estados Unidos –, como afirma: “Façamos a campanha contra a ignorância; não há outro meio de salvar esta América.”61

Repercussões e debates: leituras das Américas Latinas O aprofundamento da pesquisa demostrou a relevância de se pensar esse debate além da polêmica restrita aos livros de Bomfim e Romero. Primeiramente, ao constatar a ampla divulgação quando da publicação de América Latina, de Bomfim, em 1905, seu primeiro trabalho de expressiva repercussão. Entre os periódicos consultados, sobressaem algumas resenhas críticas sobre livro de Bomfim. Apenas uma semana após o lançamento da publicação, Alcindo Guanabara, sob o pseudônimo de Pangloss, comenta A América Latina em artigo no jornal diário O Paiz (autointitulado “a folha de maior tiragem e de maior circulação na América do Sul”), destacando, segundo o autor, seu aspecto inovador e sua qualidade como obra de protesto:62 Esse quadro do estado das populações do nosso continente é pintado diariamente na imprensa dos grandes centros diretores das nações chamadas fortes e os seus filósofos e publicistas, verdadeiros batedores dos exércitos para as conquistas concluem apressadamente desses fatos o que esses povos são inferiores, ingovernáveis, inadaptáveis à vida civilizada e consequentemente devem ser escravizados ou eliminados pelos povos civilizados que são os que têm o direito 61

BOMFIM, 2005, p.361. Considero o primeiro anúncio do livreiro-editor Garnier, de 8 de junho de 1905 n'O Paiz: “A América Latina - O parasitismo social e a evolução, males de origem pelo Dr. Manoel Bomfim: É um largo estudo das condições atuais – econômicas, políticas e sociais – dos países sul-americanos, estudo onde se demonstra que todos os males e dificuldades presentes derivam imediatamente das condições de formação destes mesmos países. O autor estuda todos os vícios e defeitos reais das nacionalidades sul-americanas, principalmente do Brasil mostra como todas elas são remediáveis. Tudo depende de que elas se resolvam romper com um passado de rotina e ignorância, e queiram preparar-se para a vida moderna, de acordo com as suas exigências.” [Preço anunciado: 5$000]. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7548, 08/06/1905, p.6. 62

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de deter os territórios, porque são os que sabem colher todos os proventos deles. É contra essa conclusão que se rebela a alma de americana do Dr. Bomfim: esse livro é um grito de protesto, um brado de alarme e um evangelho de civilização. 63

Alguns dias depois, também n’O Paiz, Pedro do Couto critica exageros da obra de Bomfim, mas destaca seu valor como obra sociológica e, assim como Alcindo Guanabara, destaca sua importância política, como prática de “(...) reação necessária contra a exploração de que fomos e somos vítima, e bem assim contra labéo [sic] imbecil de povos decadentes que o velho mundo, através de escritores ignorantes até de geografia, lançam à América latina [sic].”64 No semanário carioca Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e indústria, o crítico Nestor Victor dedicou três das dezesseis páginas, dispostas em colunas, da edição nº51 da revista para resenhar América Latina. Mais moderadamente, Victor considera que a obra não é “(...) uma apologia sistemática do sul-americano e da sua obra, muito pelo contrario (...) ele reconhece, mesmo com severidade algo demasiada, a parte de verdade que existe nesse conceito.” Para ele, a injustiça a que Bomfim se refere “está em nos atribuírem uma obra que não é propriamente nossa”. Nesta resenha, Nestor Victor tece elogios à obra, mas marca diferenças significativas em relação à concepção de Bomfim sobre os problemas latino-americanos. As maiores críticas do jornalista referem-se à questão racial, para Victor é essencial considerar o atraso das nações como fruto de sua formação racial, ideia rechaçada por Bomfim; e à solução incompleta dada pelo autor de América Latina, que postula a democratização da instrução primária. Além dos aspectos educacionais e culturais, para Nestor Victor são necessários a povoação do território, o armamento e fortalecimento da defesa do território, para afastar a possibilidade de qualquer domínio externo e “mostrar, numa palavra, que somos povos que merecem viver e que estão aptos a defender-se, mesmo, se tanto for necessário, a agredir.”65 63

Alcindo Guanabara utilizou este pseudônimo em seus artigos publicados nos jornais O Dia e O Paiz. Personagem do romance Candide (1759), de Voltaire, Pangloss acreditava que o mundo era perfeito e que o mal é apenas o caminho para um bem maior, o personagem funciona como crítica ao otimista exagerado que distorce a realidade. GUANABARA, Alcindo (pseudônimo Pangloss). O Dia. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7551, 11/06/1905, p.2. 64 COUTO, Pedro do. América Latina (Manoel Bomfim). In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7593, 23/07/1905, p.3. 65 VICTOR, Nestor. A América Latina. In: Os Annaes (revista). Rio de Janeiro: nº51, 05/10/1905, p.4.

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Ainda nos Annaes, Nunes Vidal, ao resenhar Alemanismo no sul do Brasil, obra de Romero publicada em 1906, tenta dirimir a disputa entre os autores, destacando o que ele percebe como essencial dos trabalhos de Bomfim e Romero: sua importância política. Voltados para a compreensão daquilo que era percebido como limitações do progresso, tanto brasileiras quanto latino-americanas (dependendo da ênfase), os autores estariam contribuindo para tirar os povos da inépcia e inopia, que de acordo com Vidal seria “a causa principal de uma merecida catástrofe para a nossa raça nesta parte do continente.” Segundo Vidal: São trabalhos [América Latina e Alemanismo no sul do Brasil] estes dos mais indispensáveis entre nós no momento atual. É preciso que o Brasil inteiro se convença de que a época dos expedientes passou; que, ou trabalhamos, de verdade, e nos mostramos capazes, sem mais delongas, ou então inevitavelmente sucumbimos, por um modo ou outro. Esta, tudo faz supor, vai ser a época mais decisiva dos nossos destinos como nação entre quantas temos atravessado até aqui.66

Mais duas críticas elogiosas foram publicadas no importante jornal carioca, Gazeta de Notícias. A primeira, não assinada, aparece na primeira página da edição do dia 10 de junho de 1905. Ao final da resenha, que destaca o grande valor intelectual do livro, o autor recomenda: “América Latina é um livro magnífico. Devem lê-lo todos os que pensam. Há nesse volume aquilo que o filósofo considerava o maior dos bens: a revelação das verdades.”67 Na seguinte, Frota Pessoa faz uma resenha bastante detalhada de América Latina e corrobora também com a solução dada por Bomfim aos problemas nacionais, a democratização da educação: “A casa Garnier acaba de publicar, com este título, um livro do Dr. Manoel Bomfim, cujas ideias urge propagar de toda a forma, porque encerram a verdadeira e única solução de um complexo problema social relativo às nações sulamericanas.”68 66

VIDAL, Nunes. A LIVRARIA – O “Alemanismo no Brasil” [sic], por Sílvio Romero. Os Annaes (Revista). Rio de Janeiro: ano III, nº81, 17/05/1906, p.13. No período, era bastante difundida a compreensão de que existia apenas duas alternativas possíveis para os povos: civilizar-se ou desaparecer. Colocada de forma categoria por Euclides da Cunha, em Os Sertões: “Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desapareceremos.” CUNHA, Euclides da. Os Sertões – Obras completas. vol. II. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966 [1ª ed. 1902], p. 141. 67 Sem título. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº161, 10/06/1905, p.1. 68 PESSOA, Frota. A América Latina - Estudo do parasitismo social. . In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.173, 25/06/1905, p.5.

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Todavia, a obra não perdeu seu potencial polêmico e, dez anos após sua publicação, ainda seria lembrada pelos exageros de Bomfim – interpretação que pode ter sido provocada pela crítica sistemática e imediata de Romero, ainda que ponderassem o valor do autor. Ao comentar o livreto de Bomfim, A obra do Germanismo, de 1915, um jornalista da Gazeta lembra América Latina e destaca a seriedade e os elevados propósitos que julga haver na obra, atributos que persistiam no trabalho do autor: Desde a publicação da “América Latina”, o Sr. Manoel Bomfim ocupa um lugar de destaque entre nossos mais festejados publicistas. (...). Certo que num ou noutro lanço da “América Latina”, não nos parece esteja o Sr. Bomfim com a verdade; mas seria injustiça negar-lhes os nossos aplausos, sobretudo pela elevação e pela seriedade de sua arte. O livro de que ora nos ocupamos, sobre a obra do germanismo, em nada desmente as qualidades já reveladas pelo escritor sergipano.69

Apesar da diversidade de críticas acerca das obras e da polêmica entre Manoel Bomfim e Sílvio Romero, os críticos convergem ao considerar a relevância política destes escritos, sobretudo porque atuariam na resolução do atraso, como evangelho de civilização. A pesquisa feita nos periódicos brasileiros da capital Federal (Rio de Janeiro) no período da polêmica levantou problemáticas importantes. Entre os periódicos analisados, escolhidos devido a sua abordagem político-cultural, destaco as revistas Renascença, Kosmos e Os Annaes e os jornais diários Gazeta de Notícias e O Paiz. Chama atenção a indefinição de termos como América Latina e América do Sul, aparecendo inclusive como sinônimos, sem que fossem problematizados, além do predomínio da percepção, independentemente do conceito utilizado, de que a união das nações americanas (aspecto definido de forma mais ou menos abrangente de acordo com o autor) seria uma necessidade política. N’O Paiz, Leôncio Correia inicia seu artigo em 1904 69

Bibliografia - A obra do germanismo de Manoel Bomfim. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº178, 27/06/1915, p.1. A obra do Germanismo foi editada a partir de dois artigos publicados por Bomfim no Jornal do Commercio, em agosto de 1914, sobre o perigo das pretensões expansionistas da Alemanha. O autor destinou o rendimento da venda da publicação à Cruz Vermelha da Bélgica, o que lhe valeu, ao final da guerra, uma condecoração pelo rei Alberto I da Bélgica com a Ordem Leopoldo. Cf: GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim. Coleção Educadores - MEC. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, p.152. Romero, morto em junho de 1914, não chegou a ler tais artigos de Bomfim, mas relembrando as pesadas críticas dele a ausência do tema do germanismo em América Latina, consideraria, talvez, uma vitória frente ao adversário que havia declinado ao combate intelectual. BOMFIM, Manoel. A obra do germanismo. In: Jornal do Commercio (jornal). Rio de Janeiro: 17 ago. 1914; BOMFIM, Manoel. A obra do germanismo. Rio de Janeiro: Typ. Besnard Frères, 1915.

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fazendo referência às hostilidades entre Rússia e Japão, mas se dedica em especial a afirmar a necessidade de uma fraternidade americana: Sem nos deixarmos dominar de veleidades hostis a respeito de nação alguma do mundo, o que nossos destinos nos aconselham, e até nos impõe - é a aliança geral, a concórdia de todas as nacionalidades latino-americanas, uma espécie de liga continental, de modo que todos, unidos e confraternizado, não fiquemos no risco de que a tormenta nos venha encontrar despercebidos.70

Para os propagandistas da solidariedade americana, o desconhecimento recíproco dos latino-americanos era danoso e precisava ser superado, tendo como amálgama o afeto mútuo. A jornalista Júlia Lopes de Almeida sintetiza essa ideia no seu artigo Boa ocasião, no qual se refere à boa oportunidade que o Pan-americano de 1906 oferece para o estreitamento dos laços entre os latino-americanos: “Para nós, o segredo americano principia da fronteira do México para cá, exatamente onde começam as afinidades de raça! (...) É que não basta a política para que os países se amem; é preciso também que se conheçam.”71 Os congressos são vistos como meios eficazes contra esse desconhecimento: “A ideia da reunião periódica desses congressos foi sugerida naturalmente para por um termo feliz a essa situação [de afastamento] (...)”72. Dessa forma, a imprensa atribui um grande valor simbólico aos congressos mesmo quando sua relevância científica, ou prática, é questionada. Alcindo Guanabara faz a seguinte avaliação sobre o Congresso Científico Latino-americano:73 Os resultados desses congressos estão visivelmente muito abaixo do que deles legitimamente se poderia esperar. O único efeito algum tanto prático que eles podem ter, é o que, aqui há dias, acentuamos: será um ensejo para que homens de vários países do continente se aproximem, se conheçam e se estimem; foi para nós uma oportunidade para mostrarmos a representantes das várias repúblicas vizinhas o que temos feito e como temos progredido moral, intelectual e

70

CORREIA, Lêoncio. A semana. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7251, 15/08/1904, p.1. ALMEIDA, Júlia Lopes de. Boa ocasião. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7969, 29/07/1906, p.1. 72 Congresso Científico Latino-americano. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7617, 16/08/1905, p.1. 73 Esse entendimento, predominante, mas não único, no jornal O Paiz se afina com o posicionamento oficial da diplomacia brasileira, de acordo com o discurso de Rio Branco, reproduzido no periódico: “(...) [os participantes dos congressos] pelo que podem ver e estudar, ficam habilitados para em sua pátria, embora incidentalmente, no terreno da política, desfazer preconceitos e dissipar mal entendidos, colaborando assim na grande obra da pacificação dos espíritos e da amizade entre as nações. Nenhuma forma de propaganda oficial e tendenciosa vale essa, espontaneamente exercida por homens de valor, convencidos, e alheios às paixões políticas.” In: Congresso Científico Latino-americano. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro: nº7608, 07/08/1905, p.1-2. 71

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praticamente. (...) [No mais] Em suma, o congresso foi um simples pretexto para uma quinzena de festas.74

A

solidariedade

americana,

especialmente

latino-americana

para

esses

propagandistas, é uma das feições que assume o tema das relações exteriores para os letrados da época. Entretanto, não é o único entendimento da questão, na qual se destacava também os sentimentos europeístas, que priorizavam a proximidade com a Europa e o rechaço à ideia de América Latina. Essa abordagem, menos comum nas páginas dos jornais, afasta-se da orientação defendida pelo ministério do chanceler Rio Branco e é mais cuidadosamente veiculada nos periódicos. O artigo Política continental, de Joaquim Vianna, publicado em março 1906 na Gazeta de Notícias, registra a seguinte posição do autor: “A América latina, sem um ridículo imenso, não é possível que se pretenda representar esses ideais de tendências e afirmações continentais.” Atentando para a grafia minúscula de latina, como em Sílvio Romero, o autor nega que o Brasil seja ou possa ser um país latino-americano.75 Ainda que publicado na primeira página, o editor do jornal deixa como prólogo o seguinte alerta, que se destaca pois incomum nas colunas assinadas por colaboradores: Abaixo publicamos um interessantíssimo artigo do nosso distinto colaborador Dr. Joaquim Vianna, sobre política continental americana. Tratando-se de assunto tão importante, não é demais repetir, ainda mais uma vez, que deixamos aos nossos colaboradores a inteira liberdade das suas opiniões. 76

Além de afastada da orientação oficial do Ministério das Relações Exteriores no período, o anti-americanismo ficou marcado como um posicionamento identificado ao monarquismo. Esta pecha, que foi tensionada pelo próprio Rio Branco, ainda rendia desconfianças e polêmicas na primeira década do século XX, como abordarei no próximo

74

GUANABARA, Alcindo (pseudônimo Pangloss). A indicação Acevedo. In: O Paiz (jornal). Rio de Janeiro:nº7619, 18/08/1905, p.2. 75 Joaquim Vianna argumenta ainda que a ideia de uma “América latina” não passa de um francesismo, danoso ao pensamento nacional: “Pois não significará também um enfeudamento à mentalidade francesa a persistência do ideológico e sentimental latino-americanismo?” VIANNA, Joaquim. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.87, 28/03/1906, p.1. Esta ideia também é cara a Sílvio Romero, crítico em sua América Latina aos galicismos que aponta em Manoel Bomfim. 76 VIANNA, Joaquim. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.87, 28/03/1906, p.1[grifo meu].

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capítulo. Considerando, à guisa de conclusão, o debate entre Bomfim e Romero nesta perspectiva de leitura.

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CAPÍTULO IV – América Latina no Brasil dos anos 1900 As análises feitas por Manoel Bomfim e Sílvio Romero, interessadas na compreensão histórica e racial da nação e em estabelecer seu caminho para o progresso, ou seja, um aspecto notadamente projetivo, possuem de forma inextricável uma relação dialógica com as questões políticas contemporâneas. A reflexão a seguir visa atentar para algumas das questões mais candentes na época a partir da análise da atuação do Ministério das Relações Exteriores, que dominava a pauta da imprensa num período de acirramento das tensões nacionalistas, da explosão das correntes migratórias da Europa para a América e, para o Brasil, de resolução de seculares problemas de fronteira. Esta proposta de leitura não se fundamenta em uma compreensão dicotômica das obras dos autores, mas em seu caráter ambivalente, ao se considerar que a própria necessidade de se pensar a nação configura uma demanda política central para os autores e os contemporâneos. Desse modo, não se pode dizer também que sejam leituras complementares, no sentido de compreender uma suposta totalidade, mas de ampliação das possibilidades interpretativas. Sobretudo acerca das questões identitárias compreendidas na locução América Latina que, requerida ou censurada, é lida de forma indireta e pautada por temas diversos, perante os quais os autores se posicionavam. Para entender os desafios que estavam postos no período, a escolha foi por investigar as referências da imprensa dos primeiros anos do século XX, e as questões mais abordadas por ela acerca das relações internacionais do país, sob a notória égide do Barão do Rio Branco. Investigação que levanta outras possibilidades de compreensão da noção de América Latina no período.

E queremos ser americanos... No Brasil, as discussões identitárias americanas passaram por transformações relevantes a partir de 1889. A rejeição do Império brasileiro a vínculos e relações diplomáticas com os países vizinhos foi evidente, segundo Luís Cláudio Villafãne Santos,

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nas sucessivas ausências de representação brasileira nos Congressos Pan-americanos durante o século XIX – fundamentado em uma postura que oscilava entre preocupação e desinteresse.1 Segundo Santos, a diplomacia imperial tendia a considerar os congressos como um ambiente hostil, capaz de criar contexto para que os vizinhos fizessem causa comum de suas disputas com o Brasil, expor a singularidade da monarquia brasileira no continente e levantar questões delicadas para o país, como a escravidão e, até 1850, o tráfico de escravos. Em linhas gerais, com o avanço da propaganda republicana no Brasil, a partir de 1870, o tema foi apropriado politicamente para reforçar a ideia republicana do estrangeirismo do Império, bem sintetizado na famosa frase do Manifesto Republicano: “Somos da América e queremos ser americanos.”2 Entre denegações e afastamentos, a autoimagem do Império fundamentou-se em uma alegada superioridade da civilização que seu regime político representaria (próximo às monarquias europeias), portanto, distante das repúblicas vizinhas, tidas como instáveis e desorganizadas. Assim, propostas recorrentes surgidas nos congressos, como a bastante discutida união ou confederação entre os Estados americanos, contrariavam a conformação desta identidade: A ideia de união e confederação com os vizinhos hispano-americanos seria a própria negação da autoimagem do Império. Identificado com a ideia de

1

Com diferentes participantes e objetivos aconteceram os congressos do Panamá (1826), Lima (1847-1848), Santigo e Washington (ambos em 1856), Lima (1864-1865), Caracas (1883), Montevideo (1889) e Washington (1889-1890). Cf. SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: UNESP, 2004. A prática das conferências internacionais, crescente na primeira década do século XX, foi acompanhada do interesse do Estado brasileiro em se representar oficialmente nas reuniões. É longa a lista e variedade temática desses encontros para os quais o país enviou representação, não apenas aqueles de caráter diplomático, por exemplo: em 1904, Congresso Sanitário de Montevidéu; em 1906 – Conferência de Genebra sobre a Cruz Vermelha, Conferência do Açúcar em Bruxelas e Conferência Internacional de Radiotelegrafia em Berlim; em 1907, Conferência de Paz de Haia; em 1908 –, Congresso Geográfico Internacional de Genebra, Congresso Médico Pan-Americano na Guatemala, Congresso Internacional dos Americanistas em Viena, 4º Congresso Internacional de Pesca em Washington, Congresso Internacional de Irrigação de Albuquerque-EUA, Congresso Internacional de Indústrias de Refrigeração em Paris, Congresso de Unidades e Padrões Elétricos em Londres, Congresso Científico Pan-Americano de Santiago e Conferência Telegráfica Internacional de Lisboa ;em 1910 – Quarta Conferência Pan-Americana de Buenos Aires. In: PINHEIRO, Paulo Sérgio [et al.]. O Brasil republicano: sociedade e instituições (1889-1930). v.9. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006 (1ª.ed 1997), p.425-426. 2 Manifesto Republicano (3 dezembro 1871) apud BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto (org.). Textos Políticos da História do Brasil. Vol II. Brasília: Senado Federal, 2002, p.495.

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civilização europeia, ele via na anarquia que projetava nas repúblicas vizinhas ‘o outro’ que confirmava sua identidade.3

Apenas em 1889, já sob a bandeira no pan-americanismo, a diplomacia imperial enviou representantes para a Conferência de Washington. O termo pan-americanismo, criado na década de 1880, foi capitaneado pelos Estados Unidos como forma de liderar as iniciativas interamericanas no final do século XIX. Entretanto, as orientações levadas pela delegação do Império à Conferência eram, em geral, contrárias a qualquer acordo multilateral em temas específicos como: questões aduaneiras, patentes e autorias, sistema de medidas, padrões de higiene, extradição de criminosos e meios de comunicação. Os vários documentos da diplomacia imperial analisados por Luís V. Santos possuem o mesmo tom assertivo de afastamento, como este exemplo relativo ao item da uniformização de pesos e medidas: “O Brasil adotou há muito tempo o sistema métrico, que é evidentemente o melhor. Nada mais tem que fazer a este respeito.”4 No entanto, durante os meses em que a Conferência aconteceu (de outubro de 1889 a abril de 1890) a delegação brasileira foi surpreendida com a mudança de regime.5 Adotando ainda nesta conferência novos parâmetros nas relações internacionais com os países do continente de acordo as orientações do governo republicano: (...) o Estado brasileiro (...) passou a ver de modo positivo a ideia de reforçar uma identidade americana, que era o corolário do republicanismo. A participação do Brasil na conferência de 1889-1890 é emblemática dessa evolução. (...) Passavase de uma situação marcadamente isolada e contrária a qualquer avanço no plano interamericano para uma atuação de destaque, consonante com o peso que o Brasil passaria a ter nas iniciativas futuras no âmbito da União Pan-Americana e, depois, na Organização dos Estados Americanos. 6

3

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: UNESP, 2004, p.101. 4 AHI/RJ, 273/3/5 apud SANTOS, op. cit., p.122. 5 A Conferência de Washington (1889), sob a bandeira do pan-americanismo, foi a primeira convocada pelos Estados Unidos, da qual se sucederam outras periodicamente, resultando na criação de um escritório de comércio para as repúblicas americanas. Cf. DULCI, Tereza Maria Spyer. As Conferências Pan-americanas (1889 a 1928): identidade, união aduaneira e arbitragem. São Paulo: Alameda, 2013, SANTOS, Luis Claudio Villafañe. Las relaciones interamericanas. In: MORA, Enrique Ayala; CARBÓ, Eduardo Posada (org.). Historia General de América Latina VII: Los proyectos nacionales latinoamericanos: sus instrumentos y articulación. Madrid: Ediciones UNESCO/Editorial Trotta, 2008. 6 SANTOS, 2004, p.128-129.

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Ao destacar esta reorientação da política internacional brasileira relacionada ao advento da República não entendo que haja uma alteração súbita nos significados dessas relações para o país ou uma pronta aproximação com os países do continente. Entretanto, traz elementos que tensionam o debate intelectual e coloca em pauta na imprensa, juntamente com as polêmicas fronteiras brasileiras, as relações americanas no Brasil. O caráter americanista do posicionamento republicano e antimonarquista, remetia aos tempos de propaganda, como do Manifesto de 1870, encampada por republicanos históricos como Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça. Mas ganhou outras nuances com as contendas políticas da década de 1890, e seguiu forte nos primeiros anos da república, sendo aprofundada nas crises do período. Sobretudo no governo Floriano Peixoto (1891-1894), com a irrupção da Revolta da Armada (1893), os florianistas, especialmente os jacobinos, exploraram o antilusitanismo associado ao republicanismo e ao antimonarquismo como pilares da identidade nacional.7A ingerência europeia era considerada por esses grupos nativistas como um perigo eminente de restauração monárquica.8 A instabilidade desses primeiros anos do novo regime fomentaram as disputas políticas e o endurecimento do governo com os oposicionistas. Temor monarquista que não era subestimado pelos contemporâneos, segundo Maria de Lourdes Janotti, “(...) temeramno como uma constante ameaça ao regime republicano e, por isso, consequentemente, tomaram medidas de defesa contra os chamados subversivos do regime, isto é, os monarquistas.” 9

7

A Revolta da Armada foi um movimento de algumas unidades da Marinha Brasileira contra o governo do presidente Floriano Peixoto em 1893, acusado de permanecer irregularmente na presidência após a renúncia de Deodoro da Fonseca em 1891. A eclosão da Revolta ocorreu em setembro de 1893, quando a cidade do Rio de Janeiro foi cercada pelo arsenal da Marinha, que trocou canhonadas com as tropas governistas em terra. Em março de 1894, com a atuação do Exército e o apoio decisivo de marinhas estrangeiras, os revoltosos foram derrotados. 8 Segundo Amanda Gomes “Foi, entretanto, no governo de Floriano Peixoto que o termo [jacobinos] adquiriu um sentido ímpar, ao ser aplicado aos jovens que se alistaram voluntariamente nos batalhões patrióticos quando da irrupção da Revolta da Armada, a 6 de setembro de 1893. (...) E esse era o sentido atribuído à palavra tanto pelos autodenominados jacobinos quanto por seus desafetos.” GOMES, Amanda Muzzi. Monarquistas restauradores e jacobinos: ativismo político. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol.21, n.42, jul/dez., 2008, p.287. 9 JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.7.

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Nesse período, a relação com os portugueses é especialmente problemática, às antigas desconfianças somou-se a percepção que os portugueses eram potenciais conspiradores monarquistas, como esclarece Lúcia Lippi de Oliveira: Após a República, aumentaram as tensões entre portugueses e nacionais, e novas formas de rejeição passaram a ser inscritas no imaginário nacional. À antiga imagem do português, visto pela população brasileira como colonizador explorador, acrescentou-se a de estrangeiro, monarquista e conspirador. O momento político da Revolta da Armada, em setembro de 1893, produziu mesmo o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. Isso gerou uma onda de indignação popular contra Portugal, considerado inimigo da causa nacional republicana e, por extensão, do povo brasileiro.10

A intervenção norte-americana na Revolta da Armada, com sua ação naval contribuindo decisivamente para o desfecho favorável a Floriano Peixoto, teve implicações duradouras na política externa dos dois países e reanimou a identidade americanista da república.11 Ao aprofundar, segundo Steven Topic, a ideia de que os Estados Unidos e a política americanista representavam a salvaguarda da república e da nação que, para os grupos nacionalistas, estava fundada no paralelo histórico com aquele país e a percepção de uma especificidade continental: Os nativistas distinguiam os Estados Unidos das potências europeias pelo fato de o país ser igualmente americano, ser uma ex-colônia e uma república. Como estado americano, os Estados Unidos podiam ajudar a rechaçar a ameaçadora influência política e econômica da Europa.12

Esta importante apreensão do americanismo ganharia outras conformações na década seguinte, mas que estava muito longe de ser unânime, como aponta claramente a obra A Ilusão Americana (1893) do monarquista Eduardo Prado, obra que mais de dez anos depois continuava a incomodar americanistas, como seu antigo partidário e então

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OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Nós e eles: relações culturais entre brasileiros e imigrantes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p.128. 11 Cf. BUENO, Codoaldo. A República e sua Política Exterior (1889-1902). São Paulo/Brasília: Ed. UNESP/Fundação Alexandre Gustão, 1995; DORATIOTO, Francisco. O Brasil no Mundo – Idealismo, novos paradigmas e voluntarismo. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). A abertura para o mundo 1889-1930 – História do Brasil nação 1808-2010. Vol.3. Rio de Janeiro; Madri: Objetiva; MAPFRE, 2012. 12 TOPIK, Steven C. Comércio e canhoneiras – Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97). Trad. Angela Pessoa. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.189-190.

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embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Joaquim Nabuco13: “No tempo em que foi escrita [A Ilusão Americana], era um desabafo inocente. Hoje, que há uma política mundial ativa por toda parte, seria um auxiliar das cobiças estrangeiras.”14

O Barão da República Na primeira década do século XX, a diplomacia brasileira passa por importantes transformações sob o comando de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. Segundo Luis Villafañe Santos, a chefia de Rio Branco à frente da chancelaria brasileira entre 1902 e 1912 (ano de sua morte) “consolidou uma determinada visão da identidade internacional do país e o papel que a política externa deveria desempenhar na construção e reafirmação dessa identidade.”15 A relevância dos parâmetros de Rio Branco

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É preciso lembrar que, segundo Izabel Marson, a crítica de Joaquim Nabuco ao republicanismo fundamentava-se naquilo que o autor percebia como inadequação deste regime à América do Sul. Para Nabuco, as experiências republicanas no continente eram instáveis, “degeneradas” e “anárquicas”, pois aplicadas a populações incapacitadas para a vivência de uma prática republicana aceitável, sendo presas fáceis de ditadores. Exceção feita aos Estados Unidos, de matriz anglo-saxã, e ao Chile, com sua república parlamentarista de caráter aristocrático. Para criticar os regimes republicanos latino-americanos, e brasileiro em particular, Nabuco escreve Balmaceda [1895], defendendo a bem-sucedida Revolta da Armada chilena e a instauração da república parlamentarista. De acordo com Marson: “Dessa forma, Nabuco se vale do evento para realizar um estudo comparativo de supostas experiências históricas – a chilena e a brasileira no século XIX e das repúblicas instauradas nos dois países – para apontar o distanciamento entre elas e reconhecer os motivos da ‘solidez’ da ‘única república parlamentarista’, sul-americana; ainda e especialmente da inadequação do regime republicano ao Brasil.”. In: MARSON, Izabel Andrade. Política e conhecimento: a crítica de Joaquim Nabuco à república brasileira e suas congêneres latino-americanas. In: SEIXAS, Jacy; CERASOLI, Josianne; NAXARA, Márcia (org.). Tramas do político: linguagens, formas, jogos. Uberlândia: EDUFU, 2012, p.106-107. Para uma leitura ainda mais aprofundada sobre a atuação política de Joaquim Nabuco Cf. MARSON, Izabel Andrade. Política, História e método em Joaquim Nabuco. Tessituras da revolução e da escravidão. Uberlândia: EDUFU, 2008. 14 NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco - Ministro das Relações Exteriores [Washington, 18 jan. 1908]. In: NABUCO, Carolina (org.). Cartas a amigos [Obras Completas – Joaquim Nabuco, XIV]. Vol. II. São Paulo: Ipê – Instituto do Progresso Editorial, 1949, p.300. Nabuco que nem sempre foi americanista, provavelmente não classificaria em 1893 o livro de Paulo Prado como um desabafo inocente. Ângela Alonso aborda as transformações sobre o pensamento de Nabuco sobre a política externa e destaca sua atividade mesmo quando afastado dos cargos públicos, na década de 1890. “Assim, embora Nabuco não tivesse cargo na diplomacia durante quase toda a década de 1890, emitiu sistematicamente opiniões sobre a política externa. O Brasil devia se manter no rumo dado pelo Império, de amizade sólida com a Europa, independência em relação aos Estados Unidos e diferenciação crítica em relação à América Espanhola.” ALONSO, Ângela. Joaquim Nabuco: diplomata americanista. In: PIMENTEL, José Vicente de Sá (org.). Pensamento Diplomático Brasileiro – Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Vol. II. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão – FUNAG, 2013, p.367. 15 SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O evangelho do Barão – Rio Branco e a identidade brasileira. São Paulo: Ed. Unesp, 2012, p.10.

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nas relações internacionais podem ser percebidas na forma como sua herança diplomática seria reivindicada repetidas vezes durante o século XX como forma de legitimação de políticas adotadas pelo Itamaraty.16 Entre os principais desdobramentos da política de Rio Branco estaria a busca por uma relação especial com os Estados Unidos e o papel de intermediação do Brasil entre este e a América Latina. Segundo Luís Villafañe Santos, a opção da política externa em priorizar a relação com os Estados Unidos respondia, a partir da leitura de Rio Branco, a necessidades concretas do contexto internacional no período. Em intensidades diferentes, tanto para este quanto para Nabuco, convertia-se numa opção viável para resguardar o país do imperialismo europeu, conquistar poder regional (com o aval de Washington) e desfrutar de certa autonomia, em tese, possibilitada pela distância geográfica da grande potência americana. Rio Branco difundiu a ideia de que era necessário que o Itamaraty tivesse um caráter eminentemente prático em suas orientações e que deveria estar alheio às paixões políticas nacionais. O Barão, seguindo a máxima de seu pai, estadista e diplomata do Império, defendia a condução da política externa supostamente distante dos impasses e paixões da política

doméstica.

Postura

que

revela

uma

alternativa

a

clivagem

entre

americanistas/republicanos e europeístas/monarquistas, importante na época em que assumiu o ministério, conforme abordado anteriormente.17 Princípio que, segundo Tereza Malatian, pautou toda a gestão de Rio Branco, na qual se percebe “um jogo de duplo movimento”, pois ao mesmo tempo em que se aproximava da esfera de domínio dos Estados Unidos, por motivações comerciais e estratégicas, não denegava as ligações com a Europa, de onde vinham investimentos e imigrantes.18 Visava relações amistosas mas, sobretudo, não conflitivas com os Estados Unidos, opondo-se a iniciativas que pudessem indispor a diplomacia brasileira com o governo norte-americano. Evita assim, por exemplo, a discussão da Doutrina Drago durante a 16

Idem, p.120-121. “Não por acaso, o pai do Barão, ao aceitar a missão no Prata a ele oferecida em um gabinete liberal, explicou que ‘sempre professei e ainda hoje professo que a política externa não deve estar sujeita às vicissitudes da política interna.’” Idem, 2012, p.94. 18 MALATIAN, Tereza. Oliveira Lima e a construção da nacionalidade. Bauru-SP; São Paulo: EDUSC, FAPESP, 2001, p.187. 17

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Conferência Pan-americana de 1906, na qual estava presente, na primeira visita oficial de um secretário de Estado norte-americano a outro país, Elihu Root.19 Rio Branco também contorna a discussão na manifestação radicalmente contrária à constituição de uma liga latino-americana, como

evidencia na carta remetida a Oliveira Lima, em missão

diplomática na Venezuela, em 1905. Quando Lima acenou essa possibilidade, a resposta do Barão foi categórica: “Devo desde já dizer que o Governo Brasileiro não concorrerá de modo algum para que se forme semelhante liga e nela não entrará, caso possa vir a ser constituída.”20 No entendimento de Rio Branco, uma liga desse tipo, totalmente contrária aos interesses norte-americanos, poderia trazer hostilidade do governo dos Estados Unidos ao Brasil, além de não considerá-la especialmente benéfica para o país. A ação do Ministério das Relações Exteriores brasileiro pautou-se dessa forma no ideal pan-americano, para o qual contribuiu efetivamente também em ações pontuais. Por exemplo, ao reconhecer prontamente o Panamá em 1904, coordenando ainda com o reconhecimento da Argentina, Chile e México; amenizando na América do Sul as prevenções contra os Estados Unidos.21

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A importância simbólica dessa visita foi evidenciada pela imprensa brasileira. Sobre a Doutrina Drago: “A 'Doutrina Drago' foi resultado de protesto formal do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Luis Maria Drago, realizado em 1902, contra represálias da Grã-Bretanha, da Alemanha e da Itália, realizadas através do bloqueio e o bombardeamento da costa venezuelana (...) em razão do inadimplemento do pagamento da Venezuela a credores súditos dos três países. Indignado com a ação dos Estados extracontinentais, Drago proclamou que as dívidas públicas dos Estados jamais poderiam servir de justificativa para a intervenção armada, e muito menos para a invasão territorial do continente americano, por parte de países da Europa, porque condenaria as nações mais fracas à ruína e à submissão perante as nações mais poderosas.” A Doutrina Drago teve grande repercussão, sendo submetida à Conferência de Paz em Haia (1907), sendo chamada de Convenção Porter. In: MENEZES, Wagner. A Contribuição da América Latina para o Direito Internacional: o Princípio da Solidariedade. Tese (Doutorado em Integração da América Latina). São Paulo: PROLAM-USP, 2007, p.119-120. 20 RIO BRANCO, Barão do. Minuta de despacho à Legação de Caracas, 23 out. 1905. apud MALATIAN, op. cit., p.196. Tereza Malatian investiga o percurso político-intelectual de Oliveira Lima, detalhando sua adesão ao monarquismo e as severas críticas ao pan-americanismo, asseverado após o tempo de serviço na Venezuela. As análises de Oliveira Lima foram reunidas no livro Pan-americanismo em 1907, no qual destaca os perigos e realizações da Doutrina Monroe e da Doutrina Drago. In: LIMA, Oliveira. Panamericanismo - (Monroe-Bolivar-Roosevelt). Rio de Janeiro: Editora Garnier, 1907. 21 Como destaca Clodoaldo Bueno, ainda no período de Rio Branco no ministério, a diplomacia brasileira teve outras ações importantes na política pan-americana: “Itamaraty encontrou solução para o impasse relativo às pretensões Alsop [1909] que ameaçavam as relações entre o Chile e os Estados Unidos, e instou com os Estados Unidos que mandassem um representante diplomático permanente ao Paraguai.” BUENO, op. cit, p.427. Elevar a legação em Washington à categoria de embaixada foi uma decisão aplaudida por importantes órgãos da imprensa, como O Paiz, a Gazeta de Notícias e o Jornal do Commércio. Cf. ALONSO, op.cit., p.375.

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Além da própria resolução das fronteiras brasileiras com vários países, o que poderia representar grandes dificuldades ao pan-americanismo.22 A partir dessas contribuições, a política de Rio Branco favoreceu o fortalecimento do pan-americanismo. Entretanto, sem a exclusividade almejada por Joaquim Nabuco na relação com os Estados Unidos. Nabuco foi nomeado o primeiro embaixador brasileiro nos Estados Unidos por Rio Branco, em 1905.23 Burilou, a partir de então, exponencialmente seu americanismo monroísta: “Eu falo a linguagem monroísta.” 24 Linguagem esta que, em diversas ocasiões, resultaria em problemas de comunicação com o Barão, de posição mais moderada, como observa Ângela Alonso: Mas Rio Branco não era americanista à maneira de Nabuco. Ao mesmo tempo em que criou a embaixada nos Estados Unidos, abriu outra, no Vaticano e representações menores no continente americano quase inteiro – excluídos Haiti e São Domingos. Tampouco fechou às portas ao latino-americanismo e à aliança ABC [Argentina, Brasil e Chile]. De modo que não tinha a inclinação exclusiva pelos Estados Unidos, como lhe pedia Nabuco, antes buscava manter a linha do Segundo Reinado, discurso de independência e alianças seletivas com os Estados Unidos. Eram graus diversos de americanismo, o de Rio Branco mais moderado, enquanto era enfático o de Nabuco.25

Na análise de Nabuco, o pan-americanismo pouco convicto do Barão deixava o país em uma posição vulnerável e comprometia o prestígio junto a Washington. Enquanto para Rio Branco um alinhamento automático com os Estados Unidos, por menor que fosse seu pendor por aliança latino-americana efetiva, diminuía a ascendência do país na região, para a qual tanto concorria. Nabuco, em termos bem claros, opõe a política americana a latinoamericana:

22

Exemplos sobre a resolução de problemas de fronteira resolvidos por meio dos arbitramentos foram os seguintes sucessos diplomáticos de Rio Branco: a Questão de Palmas (fronteira com Argentina, oeste do Paraná e Santa Catarina, 1895); Fronteira noroeste definida no rio Oiapoque (Amapá, 1900) e a anexação do Acre (1902-1903). O diplomata fora responsável por coordenar os memorais apresentados ao arbitramento internacional e pelos acordos diretos que, nestes casos, deram ganho de causa ao Brasil. De menos destaque, houve acordos de fronteiras acertados com o Equador em 1904; com a Venezuela em 1905; Suriname em 1906 e com a Colômbia em 1907. Ao final dos mais de 15 anos de atuação de Rio Branco nas questões lindeiras havia sido adicionado ao território brasileiro cerca de 885.000 quilômetros quadrados, uma área superior ao território da França. Cf. DORATIOTO, op. cit., p.414. 23 Posto que ocupou até seu falecimento em Washington em 1910. 24 NABUCO, Joaquim. Carta de Nabuco a Graça Aranha [17/12/1905]. In: NABUCO, Carolina, op. cit., p.235. 25 ALONSO, op. cit.. p.379-380.

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Nunca em minha opinião, um brasileiro teve tanta responsabilidade nos destinos do nosso país como você [Rio Branco] ante os dois caminhos que se deparam: o americano e o outro, a que não sei como chamar, se latino-americano, se de independente, se de solitário.26

No trecho anterior e em várias de suas comunicações com Rio Branco, Joaquim Nabuco rejeita com veemência a possibilidade de uma política externa latino-americana. Para o embaixador, a política pan-americana pró-estadunidense era, para o Brasil, não apenas a melhor alternativa como, em sua visão, a única possível: Essa é uma política que tem a vantagem, a maior de todas as vantagens que possa ter qualquer política: a de não ter alternativas, a de nada haver que se possa por em lugar dela. Com efeito, que alternativa seria possível? A política do isolamento não é uma alternativa e não bastaria para solver os imensos problemas que espera o futuro deste país. A política de aproximação com as Repúblicas latino-americanas à parte ou em desconfiança com os Estados Unidos seria impossível, nenhuma nação sensata estaria nela. (...) É, repito, uma política que não tem alternativa, porque se baseia na força inelutável das coisas.27

No período em que foi embaixador em Washington, Nabuco alerta constantemente Rio Branco sobre o que considerava os perigos de uma política externa que não primasse pelo alinhamento com os Estados Unidos e põe o cargo à disposição no caso de uma mudança. Nota-se que tal oposição era considerada não apenas por sua preferência monroísta, mas especialmente por ser direcionada contra uma opção sul-americana (especialmente a conhecida por ABC), como expressa em carta a Rio Branco em janeiro de 1908: (Se) Bem aceita pelo americano, a nossa tríplice aliança [Argentina, Brasil, Chile] daria força aos desejos dos alemães aqui de que a América do Sul seja excluída da proteção da Doutrina Monroe. (...) Mal aceita, ela seria causa de desconfiança e atritos, impediria toda intimidade entre os dois governos brasileiro e americano e o resultado mais certo dela seria que os países ribeirinhos superiores do Amazonas procurariam colocar-se sob uma espécie de protetorado americano. Sei, como você me diz, que temos o direito [grifo do autor] de celebrar as alianças que quisermos sem dar explicações. Mas se por infelicidade celebrássemos qualquer aliança sul-americana, penso que devemos tranquilizar sobre os motivos e o alcance dela a nação amiga, à qual teríamos que recorrer em 26

NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco - Ministro das Relações Exteriores [Washington, 19 dez. 1905]. In: NABUCO, Carolina (org.). Cartas a amigos [Obras Completas, XIV]. Vol. II. São Paulo: Ipê – Instituto do Progresso Editorial, 1949, p.238. 27 NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco – O banquete no casino. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.

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qualquer grave emergência. (...) vá pensando em dar-me substituto, se nossa política externa passar por transformação de mudar o seu eixo de segurança dos Estados Unidos para o Rio da Prata.28

Na mesma correspondência, Nabuco explicita seu descontentamento com a divulgação, na imprensa norte-americana, da América Latina de Bomfim: Mando-lhe um número do Independent com a interpolação e um número de Colliers, que tem uma circulação enorme, com um artigo contra nós baseado na obra do Dr. Manoel Bomfim. Quando eu estava na Europa pediram informações ao Amaral sobre o autor para a divulgação dos juízos dessa obra, e o Amaral disse nunca ter ouvido falar em tal nome para não concorrer para o artigo enunciado. Você pode avaliar o mal que essa desfiguração de tudo que é nosso, feita por “educador” brasileiro, pode fazer à nossa reputação entre as classes ilustradas do país. Não respondo em Colliers mesmo desde já para não chamar maior atenção pela polêmica e prolongar o efeito do artigo. Mas procurarei que a Colliers, sem referência a ele, dê outro ponto de vista sobre as nossas coisas. 29

“The best book we know on South America is ‘A América Latina’.” é como inicia o questionador editorial sobre América Latina, assinado por Peter e Robert Collier, pai e filho, proprietários da nova-iorquina Colliers, uma revista de grande circulação nos Estados Unidos naquele período. A resenha crítica descreve a obra de Bomfim em linhas gerais, destacando apenas a tese do parasitismo e, para situar o leitor, lembra que o estudo se referencia nas teses do economista britânico Walter Bagehot. A Colliers não especifica as motivações dessa resenha em sua seção editorial, talvez por curiosidade sobre o autor e a obra, ou ainda motivada pela própria falta de informações sobre o escritor brasileiro. Segundo a revista foram procuradas a embaixada e o consulado brasileiro em Washington e ainda o Bureau of American Republics e nada conseguiram apurar: “none of these can tell anything about the author of the best book on South America.” A falta de esclarecimentos sobre Bomfim, que pode ter sido interpretada como indisposição deliberada da representação brasileira, talvez tenha chamado atenção dos editores do periódico, que em tom irônico, ao mencionarem de passagem a tradicional publicação “Who’s Who”, perguntam se haveria interesse no continente sul-americano em conhecer seus próprios protagonistas, ou “Who's Who in South America”: 28

NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores. [Washington, janeiro, 18, 1908]. In: NABUCO, Carolina., op. cit., p.302 [grifo meu]. 29 Idem.

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Is not this a picturesque example of that ignorance which Latin-Americans have of each other, no less than North Americans have of them? Say one: “Some one should publish a ‘Who's Who in South America.’ I have tried to get a number of people interested in it, but have not succeded as yet in getting any one take it up.” Some sort of light ought surely to be struck in all this darkness. 30

Podemos aventar, lembrando a correspondência do embaixador a Rio Branco, o tamanho incômodo que causou a Nabuco ser questionado sobre uma obra de um autor, que não gostaria de modo algum que ganhasse projeção. A resposta de Nabuco à posição polêmica de Bomfim, que em todas as letras se opunha ao pan-americanismo, foi o mais retumbante e planejado silêncio: “Não respondo em Colliers mesmo desde já para não chamar maior atenção pela polêmica e prolongar o efeito do artigo.” As sutis, mas relevantes diferenças entre os posicionamentos de Rio Branco e Nabuco apontam para a complexidade da política americanista no período, como argumento a seguir.

Mais à pátria do que à República A política externa brasileira na primeira década do século XX, voltada para os interesses junto a Washington, ressignificou o slogan americanista do Manifesto de 1870, notadamente a partir da ação de dois antigos monarquistas. A política pan-americana empreendida por Rio Branco e Nabuco buscou relativizar a importância do teor republicano que a caracterizava, sem deixar de aclamar a singularidade continental americana, mas com sua bússola voltada para o norte. Como se pode perceber nas palavras de Joaquim Nabuco, em seu primeiro pronunciamento público no Brasil como embaixador da República, durante o discurso no banquete de homenagem que lhe foi oferecido às vésperas da Conferência Pan-Americana, em julho de 1906:

30

O artigo não é indicado no corpo da correspondência, mas há no editorial da Colliers de 12 de outubro um comentário sobre América Latina de Manoel Bomfim. In: COLLIER, Peter F.; COLLIER, Robert. “Who's Who in South America”. Collier's - national weekly. New York: volume XL, n.3, oct./12, 1907, p.9. In: Collier's. Vol.40, n.2-10, 1907. State College - Pennsylvania: Penn State, s/d.

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Senhores, desde o dia em que a América se constituiu independente da Europa, formou-se um sistema político americano, distinto da Europa. Temos a maior estima, gratidão e amizade pela Europa; os Estados Unidos a tem tanto quanto nós. Toda ela está a disputar aos Estados Unidos a sua confiança e preferência; mas com toda essa cordialidade recíproca a Europa não tem dúvida de que para os Estados Unidos a doutrina da órbita separada e distinta do continente americano é um dogma, pelo qual todos os americanos estão dispostos a derramar seu sangue como pelas estrelas da União.31

Discurso afinado com o pan-americanismo da fala do secretário de Estado norteamericano Elihu Root e o apelo à singularidade continental americana: Semelhantes como somos a muitos respeitos, nisto nos parecemos ainda mais: estamos todas empenhadas em novos moldes livres das formas tradicionais e das limitações do velho mundo, na solução do mesmo problema de governo do povo pelo povo. (...) Em parte alguma do mundo foi este progresso mais acentuado que na América Latina.32

A partir dessa perspectiva, a opção pan-americana era considerada apenas como dando continuidade às relações com os Estados Unidos, e com a América, que teria sido constituída já no Império. Ainda na noite do banquete, em seu pronunciamento, Nabuco se refere à relação com os Estados Unidos reivindicando-a como uma tradição de inícios do Império e sempre baseada no corolário de Monroe (de 1823): Essa aproximação dos Estados Unidos não é uma novidade, é uma política que se prende às mais antigas tradições do país; pois o império nascente, logo depois de ser lançada a mensagem do presidente Monroe produz aos Estados Unidos uma aliança ofensiva e defensiva, sob a base daquela doutrina. 33

É possível perceber que posicionamentos como o de Rio Branco e Joaquim Nabuco buscaram reescrever a narrativa das relações entre Brasil e Estados Unidos difundindo a imagem de uma suposta continuidade de relações estreitas entre os dois países desde a fundação do Império. A partir dessa busca, propunham dirimir a identificação do americanismo com a República, e como contraposição ao Império, de forma a valorizar a diplomacia imperial, projetando-a sobre o novo regime. Resultado de uma visão das 31

NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco – O banquete no casino. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2. 32 ROOT, Elihu. [Trad. Olavo Bilac]. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.213, 01/08/1906, p.2. 33 NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco – O banquete no casino. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.

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relações internacionais a partir da qual, políticos como Rio Branco entendiam que naquele momento um alinhamento com os Estados Unidos era necessário, mas sem deixar de frisar seu afastamento das polêmicas americanistas e qualquer vinculação de sua postura com algum ideal republicano ou antimonarquista. Segundo Villafañe Santos: O debate sobre a amizade com os Estados Unidos e a adesão ao monroísmo confundia-se com a clivagem entre republicanos e monarquistas. O gesto de Paranhos no sentido de priorizar, de forma bombástica, as relações com os Estados Unidos, mais do que apenas representar sua adaptação ao americanismo republicano, contra o qual seria difícil lutar, respondia a necessidade concretas, com base em uma leitura pragmática do contexto internacional dos primeiros anos do século XX.34

Rio Branco, em razão das críticas recebidas na ocasião em que elevou a representação brasileira em Washington à embaixada, publicou um extenso artigo, bem ao seu estilo erudito, repleto de referências à documentação histórica, a fim de justificar a pretensa naturalidade do desenvolvimento dessas relações, calcada na longa amizade com os Estados Unidos que teria sido forjada desde primórdios do Império. Nas primeiras linhas do artigo, o Barão elege seus interlocutores privilegiados, os antigos monarquistas e busca desfazer as prevenções acerca da política americanista apelando para o argumento da continuidade dessas relações: As manifestações de recíproco apreço e amizade entre os Governos do Rio de Janeiro e Washington tem sido nestes últimos anos censuradas, às vezes com bastante injustiça e paixão, por alguns raros publicistas brasileiros que se supõem genuínos intérpretes e propagadores do pensamento político dos estadistas do Império.

E para comprovar sua tese, cita a fala do presidente republicano Rodrigues Alves: Concorrendo para isso [relações cordiais entre Brasil e Estados Unidos], não tenho feito mais do que seguir a política traçada desde 1822 pelos fundadores da nossa Independência e invariavelmente observada por todos os governos que o Brasil tem tido.35

34

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe. O evangelho do Barão – Rio Branco e a identidade brasileira. São Paulo: Ed. Unesp, 2012, p.101. 35 Quando publicou este texto, em 1905, o Barão utilizou o pseudônimo de J. Penn. O artigo foi republicado (após a morte de Rio Branco, s/d) pela Revista Americana: “Reproduzimos este artigo do Barão do Rio Branco que foi publicado pela primeira vez nos ‘A pedidos’ do Jornal do Commercio (...).” RIO BRANCO,

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Outrora monarquistas convictos e ardorosos defensores da necessária ascendência política e cultural europeia, Rio Branco e Nabuco foram importantes no estreitamento das relações com os Estados Unidos e na defesa do pan-americanismo. A despeito das ações de Rio Branco, a defesa de posicionamentos europeístas ou americanistas como definição da política externa continuava a mobilizar politicamente os intelectuais. Exemplo disso foi episódio envolvendo Oliveira Lima já em 1912, quando fez declarações de cunho monarquista à imprensa, que foram muito mal recebidas e culminaram no adiantamento de seu pedido de aposentadoria.36 Essa questão é relevante para se compreender a desconfiança sobre a fé republicana ou sobre a inclinação monárquica, que não poupava nem figuras proeminentes do governo republicano, como Joaquim Nabuco e Rio Branco. Na cobertura da Gazeta de Notícias sobre as homenagens a Nabuco, em julho de 1906, o tema é retomado seguidas vezes na mesma semana. Primeiramente, por um colunista do jornal em sua primeira página, a respeito da recepção popular a chegada de Nabuco. Não há, contudo, a pretensão de defender algum fervor republicano de Nabuco, mas em suavizar suas possíveis cores políticas em favor do valor de sua missão patriótica: A manifestação a Nabuco foi levada a efeito como prova do reconhecimento dos serviços que ele tem prestado, mais à pátria do que à República. Não indagamos se Nabuco, como Rio Branco e como raros filiados ao antigo regime, tem como melhor forma a que desde [18]89 predomina e rege o Brasil. (...) O que escusamos de investigar são os serviços prestados pelos dois eminentes cidadãos. O que, porém, ninguém pode negar é a natureza dos serviços prestados. Não são serviços republicanos nem serviços monarquistas, são serviços patrióticos. (...) E quem reconhece esses serviços, não são nem os republicanos de todos os matizes nem os monarquistas - é o povo, é a nação.37

Barão do. O Brasil, os Estados Unidos e o Monroísmo. In: SENADO FEDERAL. Revista Americana: uma iniciativa pioneira de cooperação intelectual, 1909-1919. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2001, p.119 e 120 [grifos no original]. 36 Em 1912, já após a morte do Barão, Oliveira Lima retorna da missão em Bruxelas ao Brasil visando atender suas aspirações diplomáticas de conseguir um posto em Londres, intento anteriormente dificultado pela inimizade de Lima com Rio Branco. Entretanto, em uma entrevista para um jornal na qual supostamente fazia uma profissão de fé monarquista, ainda que fosse ocupante de um cargo diplomático no governo republicano, foi explorada pela imprensa e por seus opositores, frustrando seus interesses e culminando em sua aposentadoria naquele mesmo ano. Cf. MALATIAN, op. cit.. 37 Não assinado. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº200, 19/07/1906, p.1 [grifo meu].

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Em discurso durante o banquete oferecido em sua homenagem, o próprio Joaquim Nabuco, desejando que a República “desminta todas as [suas] previsões do passado.”, justifica sua trajetória monarquista. Provavelmente em resposta às prevenções de que era alvo, Nabuco recorda que não se separou de repente do partido monarquista, mas que demorara dez anos para fazê-lo, ou seja, não era um adesista republicano, e que desde então “nenhuma aliança mais tive com a direção do partido monarquista.”. Explica também que sua persistência no monarquismo após a proclamação da república se devia ao trabalho árduo anteriormente dedicado a causa abolicionista e para aprovação do 13 de maio, que havia fortalecido suas convicções políticas naquele momento, “sentimentos que muitos não podem compreender, por que nunca o tiveram.” 38 Olavo Bilac, que também discursou naquela noite, reagiu à fala de Nabuco destacando, mais uma vez, seu serviço patriótico acima e a prova de quaisquer convicções políticas: A suma do discurso de Nabuco foi de uma rara nobreza. Não houve uma calúnia que não fosse rebatida, não houve um intuito que não fosse explicado. E as explicações eram inúteis. Nabuco continuou e continuará a prestar os seus serviços à Pátria, porque a Pátria não deve, não quer e não pode dispensar esses serviços. Roam-se de invejas os inúteis, e trabalhem os úteis! Os republicanos históricos (existe ou existiu realmente tal raça?) devem aplicar ao nosso ilustre embaixador nos Estados Unidos, com justiça e propriedade, aquele verso célebre: “Rien ne manque à sa gloire: il manquait à la notre.” [frase do poeta francês Bernard-Joseph Saurin]39

A suscetibilidade do tema, perceptível na persistência com que aparece nessas falas, parece desmentir Bilac e não dispensar explicações. A contraposição entre monarquismo e republicanismo não encerra os debates sobre relações internacionais e sobre projetos políticos neste período, mas é essencial para a compreensão dos debates analisados a seguir. Ainda que a política externa brasileira na Primeira República tenha se notabilizado pela vertente pan-americanista e alinhada aos Estados Unidos, sobretudo após 1902, marcada pela atuação de diplomatas como Joaquim Nabuco e Rio Branco, essa postura

38 39

NABUCO, Joaquim. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2. BILAC, Olavo [assinado O.B]. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº201, 20/07/1906, p.2.

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implicou em novas percepções a respeito dos vizinhos hispânicos. Nesses diálogos se inscreve a publicação de Manoel Bomfim em 1905 e seu debate com Sílvio Romero.

Imigração: importação de braços ou de problemas Entre 1890 e 1929 entraram ao todo no Brasil 3.533.591 imigrantes, sendo que na primeira década do período vieram 1.205.703.40 Além do número expressivo de pessoas e das diferentes nacionalidades que entraram no país, a forte onda migratória para o continente, Estados Unidos, Argentina e Brasil em particular, trouxe a questão da migração para o centro das reflexões intelectuais sobre a nacionalidade. Conforme Márcia Naxara, esta questão tem grandes implicações para a intelectualidade brasileira no período, em especial em seus questionamentos sobre o futuro do país e da identidade nacional, que ainda estaria em formação. De acordo com a autora: (...) essas análises [de Euclides da Cunha, Sílvio Romero e Manoel Bomfim] procuraram ver o particular – Brasil/América – no quadro amplo da história universal, num momento em que era grande a movimentação humana decorrente das correntes migratórias, bem como preocupantes as manifestações do imperialismo dos povos “adiantados”, que haviam alcançado o “progresso”, sobre os povos “atrasados”, quaisquer que fossem as causas do seu atraso. No caso brasileiro, o pensamento preocupado com a identidade nacional, (...), pensou e procurou essa identidade, sempre, em contraposição ao estrangeiro e à ameaça que representava a entrada de grandes quantidades de povos considerados superiores (racial ou culturalmente) para um povo ainda em formação, imaturo, como era representado, na época, o brasileiro.41

A respeito da imigração, Manoel Bomfim tem um posicionamento bastante polêmico e oposto ao de Sílvio Romero. No período, a vinda de imigrantes para o país (da boa imigração) é requerida por intelectuais de diversos posicionamentos políticos para suprir a carência de mão-de-obra, para ocupação de áreas do país e defesa de fronteiras e ainda, como em Romero, para a miscigenação e branqueamento da população do país. O posicionamento de Romero, favorável à imigração, via nos Estados Unidos um grande modelo de seus benefícios, considerado um dos fatores mais relevantes no progresso norte-

40

PINHEIRO, op. cit., p.110. NAXARA, Márcia Regina C. Estrangeiro em sua própria terra: representações do brasileiro, 1870/1920. São Paulo: Annablume, 2002 [1ªed. 1998], p.19. 41

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americano. Portanto, para o autor, o exemplo estadunidense devia ser emulado, não apenas com a preferência pelo imigrante europeu (branco), mas com a “assimilação total” do elemento estrangeiro através da integração cultural compulsória possibilitada pela difusão do idioma nacional. Bomfim rebate a argumentação corrente de que o progresso dos Estados Unidos se deu pelo grande número de imigrantes recebidos e introduz sua principal tese para explicar “o maravilhoso progresso da grande república”, a saber, o desenvolvimento do trabalho inteligente possibilitado pela generalização da instrução e, apenas posteriormente, a inserção de imigrantes. Para o autor, a imigração, além de não contribuir para as nações atrasadas, teria efeito contrário, por representar uma intromissão violenta e excessiva de povos refratários à assimilação ou ainda, incompatíveis com as gentes naturais. Situação que se agravaria, pois geraria ódio e desconfiança dos brasileiros, devido ao tratamento injusto dado pela Europa a América do Sul. Sua crítica se estende também as classes dirigentes e aos governantes que, ao estimular a importação de braços, “A expressão é técnica e preciosa”, reconhecia as condições de inferioridade que se atribuía ao país e desvalorizava o trabalhador nacional e as próprias classes dominantes, que seria responsável por educar esse povo: Não se lembram de que, ao condenar o trabalhador nacional – o elemento povo – como incapaz e inaproveitável, eles se condenam a si mesmos, porque, em suma, o povo não se dirige por si, não se fez por si, não tem sido o senhor dos seus destinos; tem sido dirigido, governado e educado pelas classes dominantes; eles é o que fizeram, e, se não presta, a culpa é de quem não o soube educar. 42

Na perspectiva de Bomfim, os problemas ocasionados pela imigração, em especial a não assimilação dos colonos, não se resolveria com os constantes decretos de nacionalização aos quais eles eram submetidos.43 Estas seriam falsas soluções que apenas encobriam a causa fundamental do atraso nacional, o problema da educação. A acidez de sua crítica às políticas de imigração considerava o próprio ponto de vista do emigrante que, segundo o autor, não saía de sua terra para fazer pátrias, mas para buscar uma vida melhor: 42

BOMFIM, 2005, p.199. Em 1925, José Tavares Bastos reúne em livro a vasta legislação sobre naturalização no país, empreendida já em 1890, e traz como apêndice o modelo de Formulário de naturalização para os estrangeiros interessados. Cf. BASTOS, José Tavares. Naturalização. Coimbra-PT: Coimbra Editora, 1925. 43

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“Quem emigra, emigra para melhorar de sorte, e não para organizar nações e fazer pátrias; e quando o faça, há de fazê-lo para si, e não para quem se confessa por si mesmo incompetente.”44 A diferença de argumentos entre os autores pode ser compreendida a partir do caráter racial das políticas migratórias. Bomfim, coerente com sua postura não racialista, não vê grandes benefícios na imigração, enquanto Romero percebe nela o principal meio de melhoramento do caráter do brasileiro. No período, a questão da imigração possuía forte teor racial. A promoção de padrões desejáveis de fluxos imigratórios através de políticas públicas foi intensa nos inícios do período republicano. Já em 1890, o Decreto nº 528, de 28 de junho, restringia a entrada de não-brancos no país. 45 Para o migrante desejável os estímulos foram crescentes. Um mês após a Proclamação da República, o Governo Provisório, atendendo aos interesses que tinha na imigração e na permanência de europeus, decreta sejam considerados cidadãos brasileiros todos os estrangeiros aqui residentes a 15 de novembro e aqueles que tiveram residência no país por dois anos. A questão persistia em 1905, quando foi apresentado, por Carneiro de Rezende, uma lei que desejava dar cumprimento aos decretos de naturalização anteriores. 46 No mesmo período são anunciados investimentos em políticas migratórias, como as empreendidas pelo estado de São Paulo e comemoradas pela Gazeta de Notícias, que tributa o desenvolvimento do estado a esses financiamentos: Todos sabem como esses serviços são feitos e quanta atenção tem merecido dos diversos governos estaduais. S. Paulo segue uma linha de há muito traçada para o povoamento do seu fertilíssimo solo, linha da qual não tem se afastado um único momento o que lhe tem valido uma prosperidade sempre crescente e ininterrupta.47

44

BOMFIM, 2005, p.197. “Art. 1º É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á ação criminal do seu país, excetuados os indígenas da Ásia, ou da África que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos de acordo com as condições que forem então estipuladas.” 46 A lei é publicada pela Gazeta de Notícias em 19 de julho de 1905: “Art. 1 Para a excussão do §4º da lei n.904 de 12 de novembro de 1902, o governo providenciará no sentido de serem recolhidos à secretaria da justiça e negócios interiores - os livros de declaração instituídos pelos decretos n.58A a 14 de dezembro de 1889 e n.396, de 15 de maio de 1890.” In: Não assinado. Naturalização de Estrangeiros. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº200, 19/07/1905, p.1. 47 Não assinado. Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº295, 22/10/1905, p.1. 45

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Além disso, a imprensa combatia a propaganda contra a imigração para o Brasil: É da Grécia que se levanta agora a campanha contra a emigração para o Brasil. (...) Já havia meses que não tínhamos o trabalho de rebater insinuações malévolas ou embustes pérfidos, quando agora dizem-nos de Paris, em telegrama de hoje, que a imprensa de Bruxelas assinala a campanha dos jornais da Grécia e os atos do governo de Atenas no sentido de impedir que a população grega emigre para o Brasil.48

A imigração também é um tema essencial para a discussão do ameaçador imperialismo europeu, notadamente do germanismo, muito divulgado como “perigo alemão”. Entretanto, faz-se necessário tratar a questão do imperialismo diretamente em relação com a Doutrina Monroe que traz indícios da delicada posição pan-americana para o Brasil, oscilante entre a adesão (e admiração) e o temor da política intervencionista norteamericana. E pautou decisivamente a política externa brasileira e suas percepções identitárias.

A Águia, o Chanceler e a Pantera Eu acredito estar chocando para você e o Presidente um ovo de águia, mas tenho medo de que levado aí ele saia gorado por falta de calor monroísta do governo e no país. Joaquim Nabuco para Rio Branco, 1905

A Doutrina Monroe e o relacionamento brasileiro e latino-americano com os Estados Unidos são algumas das questões mais recorrentes e significativas de ambos os livros. Como se pode perceber em Manoel Bomfim, a característica fundamental para a conformação da noção de América Latina é a distinção racial e histórica das nações latinas ao sul do Rio Bravo com a Grande República anglo-saxônica ao norte. O tema, então na ordem do dia, é comentado pelos autores a partir de suas polêmicas mais recentes. Especialmente por Manoel Bomfim, crítico ferrenho do imperialismo49, problemas como o 48

Não assinado. Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº149, 29/05/1905, p.1. Esse conceito é bastante usado por Bomfim. Waldo Ansaldi resume o contexto de utilização e surgimento da ideia de imperialismo: “La expression imperialismo surgió en el Reino Unido hacia 1870 para designar originariamente a la política exterior del país impulsada por el primer ministro conservador Benjamin Disraeli. Su uso se generalizó en los medios políticos y periodísticos a partir de 1890, cuando surgieron los debates sobre la conquista colonial. Casi de imediato, el neologismo se convirtió en un concepto hecho suyo por teorias de signos bien diferentes. Si bien la primera de ellas (1902), la de John A. Hobson, fue liberal, las más difundidas fueran las socialistas – movimiento en el cual se debatió la cuestión en los 10 años que van del 49

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domínio norte-americano sobre o istmo do Panamá servem para a compreensão dos males, inclusive morais, do imperialismo estadunidense e da ameaça que também representaria para as outras nações latino-americanas. De acordo com Manoel Bomfim: Os sucessos do istmo do Panamá [novembro de 1903] nos mostram bem que não são diferentes dos da Europa os sentimentos dos Estados Unidos a nosso respeito. A ameaça é a mesma, pois que é a mesma política – a política dos fortes, ou melhor: a moralidade do salteador que apunhala o ferido na estrada deserta para despojá-lo.50

Bomfim, sem amenizar as críticas ao poderio norte-americano, destaca a sua importância na contenção do apetite imperialista europeu que, na visão do autor, já teria investido contra a América do Sul se não fosse pela Doutrina Monroe. O autor não esconde a grande admiração que sente pelos Estados Unidos e seu progresso, “nação cujo desenvolvimento e progresso todos os povos americanos veem com prazer e orgulho” 51. Mas, de modo ambíguo, compreende a manutenção da Doutrina Monroe pelos Estados Unidos como mais um efeito perverso da política imperialista europeia, que deixaria o continente em uma situação de constante ameaça à soberania e, portanto, o caráter humilhante da necessidade deste expediente, visto que nada garantiria a preservação do interesse norte-americano em “proteger” a América Latina: Por ora, preserva-nos a teoria de Monroe por detrás do poder e da riqueza dos Estados Unidos; e é este um dos graves inconvenientes da atitude malévola e agressiva da Europa. (...) nada nos garante que a grande Republica queira manter, para sempre, esse papel de salvaguarda e defesa das nações sul-americanas.52

O entendimento de Sílvio Romero também converge para a importância e necessidade da Doutrina Monroe na preservação da soberania nacional frente às ameaças de invasões europeias. Entretanto, entusiasmado, Romero defende que a proteção norte-

Congreso de Stuttgart de la Segunda Internacional (1907) a Revolución Rusa –, tanto en la versión socialdemócrata, especialmente en la formulación de Rudolf Hilferding (1910), como en la socialista revolucionaria, donde descollaron Rosa Luxemburg (1913), Nicolai Bujarin (1915) y Vladimir Lenin (1917), apareció la también liberal de Joseph Schumpeter.” In: ANSALDI, Waldo. El imperialismo en América Latina. In: MORA, Enrique Ayala (org.). Historia General de América Latina. Madrid/Paris: Trotta, UNESCO, 2008, p.332. 50 BOMFIM, 2006, p.314. 51 BOMFIM, 2006, p.50. 52 Idem, p.48.

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americana ao país precisa ser reconhecida e estimada, especialmente acerca dos perigos do germanismo, tema constante nos escritos do autor. Contrário aos que “proclamam que o monroísmo equivale a uma tutela humilhante, e outras sofisticarias do gênero.”53, o autor entende que apenas o receio de se indispor com os Estados Unidos estaria impedindo a conquista e anexação pela Alemanha da parte sul do Brasil: Só uma coisa nos salvou então, está salvando ainda agora e salvará no futuro, até certo tempo: a DOUTRINA DE MONROE, o receio de uma complicação com os Estados Unidos. Por isto, custa-se contar a indignação quando se a vê a inconsciente ingratidão do mestiço ibero-americano chasquear levianamente da doutrina de Monroe, a que devemos ter escapado da conquista alemã em terras do sul.54

Para comprovar sua tese sobre o perigo do domínio alemão nos estados do sul do Brasil, Romero cita vários artigos recentes da imprensa nacional e estrangeira 55. A gravidade do problema do Deutschtum – os interesses e a fortuna dos alemães –, no Brasil, com a difusão do idioma alemão e, segundo o autor, a total negação dos colonos alemães em aprender o português e se deixar assimilar pelos brasileiros, precisava ser combatida urgentemente. Nesse sentido, uma de suas críticas mais duras a Bomfim está na ausência de qualquer comentário sobre esse problema em um livro que se propunha discutir os problemas do futuro da nação: Por todos esses documentos, por todas estas citações, creio que se terá compreendido a gravidade do caso teuto-brasileiro. É vital para o Brasil iberolatino, e admira que o Sr. Dr. Manoel Bomfim, num livro em que discute o futuro das gentes latino-americanas e inúmeras teses de omni re scibili, não tivesse encontrado duas palavras para lhe consagrar.56

53

ROMERO, 1906, p.319 [grifo do autor]. Idem, p.280 [grifo e caixa alta do autor]. 55 El Tiempo, de Buenos Aires, de 12 de janeiro de 1906; Jornal do Commercio, 11 e 13 de janeiro de 1906; Gazeta de Notícias, de 18 de setembro de 1886; Jornal do Commercio, de 5 de agosto de 1904 (do Européen); Jornal do Commercio, de 18 de fevereiro de 1905 (originalmente publicado no Européen); Jornal do Commercio, 6 de janeiro de 1905; Jornal do Commercio, 14 de julho de 1904 e outro de 1886, para demonstrar como a questão era antiga. Jornal do Commercio, 29 de janeiro de 1906. “Notícias como esta andam nas folhas do tempo esparsas às dúzias.” Idem, p.286. 56 Idem, p.293. A expressão latina omni re scibili, divisa de Pico della Mirandola, significa “de todas as coisas que é possível saber”. Um crítico, possivelmente para ridicularizá-lo, acrescentou et quibusdam alliis (e até de algumas outras). Expressão provavelmente usada por Romero também de forma irônica. C.f. Dicionário da Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico. Porto: Porto Editora, 2003-2014. Acesso: 24/11/ 2014. http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/de 54

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Importante ponderar que a crítica de Sílvio Romero não era direcionada à raça germânica, pela qual possuía grande admiração. Esse seria para Romero o tipo ideal de imigrante (branco, dotado de espírito prático e ímpeto pelo trabalho), para que “esse modo de pensar e agir pudesse servir de REAGENTE, de TÔNICO para o caráter nacional.”57. Mas isso desde que, e nisso se concentrava sua militância, totalmente assimilado pela cultura nacional através da difusão da língua portuguesa. Entretanto, sua ardorosa defesa da difusão cultural da ascendência lusitana, o colocava em uma posição delicada e muito criticada na época, como pondera o autor: Falo como patriota, não tendo interesses imediatos na questão senão o amor entranhado que tenho a este desventurado Brasil. Inventaram agora de fresco que ando eivado de violento lusitanismo... Assim loucamente apelidam o ardente desejo que mostro de que esta pobre pátria brasileira assimile os elementos, todos os elementos estranhos que nela se tem vindo implantar, para não perder a sua feição histórica de povo – luso-americano, para não perder em parte alguma o uso da bela e majestosa língua de Camões.58

Justamente a acusação de lusitanismo, da qual Romero se defende por antecipação, é usada por Bomfim em sua carta resposta. O lusitanismo agudo de Romero era, para Manoel Bomfim, mais uma razão para não respondê-lo.59 Em sua tréplica, Romero não perde a oportunidade de voltar à questão e novamente se justificar, afastando a pecha que parecia tanto o incomodar: “Meu novo e ferrenho lusitanismo. Assim chama ele o desejar eu que as colônias alemãs do sul do Brasil sejam assimiladas às nossas populações pelo uso da língua portuguesa! Vai sem comentários.”60 Interessante observar como a insinuação de lusitanismo serve para desqualificar o oponente e seus argumentos. Em outra passagem, ao debochar sobre a inveja de que Bomfim se diz vítima, Romero retribui, em forma de gracejo, a provocação ao lusitanismo através da figura de Dom Sebastião: “O nosso ilustre dr. Manoel — o Invejado, espécie de d. Sebastião — o Encoberto (...).”61. 57

Idem, p. 324 [grifo e caixa alta do autor]. ‘ Idem, p.347 [grifo do autor]. 59 BOMFIM, Manoel. Uma carta: a propósito da crítica do Sr. Sílvio Romero ao livro A América Latina. In: Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e indústria (revista). Rio de Janeiro: ano III, nº74, 1906, p.10. 60 ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e indústria (revista). Rio de Janeiro: nº77, 1906, p.5. 61 ROMERO, Sílvio. Uma suposta teoria nova da história latino-americana. In: Os Annaes – Semanário de Literatura, arte, ciência e indústria (revista). Rio de Janeiro: nº77, 1906, p.4 [grifo do autor]. 58

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Contrariamente ao que alega Romero, Bomfim consagra duas palavras a questão da não assimilação de populações estrangeiras, sem o mesmo afinco de Romero, que tinha escritos programáticos para a contenção do germanismo, mas com uma posição bastante semelhante, de forte cunho nacionalista62: No Brasil, a indiferença dos políticos por essa questão é tal que se permite às colônias, ou zonas onde o elemento estrangeiro de uma certa nacionalidade é grande, o terem somente escolas suas, estrangeiras, escolas que, às vezes, são até subvencionadas pelos dinheiros públicos brasileiros. Assim, sucede que as gerações, já nascidas no Brasil, se passam sem misturar-se com os naturais, sem perder coisa alguma do seu estrangeirismo. O rei da Itália e o kaiser germânico têm tão bons súditos nascidos no Brasil como os de lá, ou talvez mais fieis – que a saudade da pátria nunca vista, suas glórias confrontadas à mesquinhez do país onde vivem, a ausência de queixas, pois que lá não estão, tudo isto mais os afervora no amor da nacionalidade recebida por herança. 63

Mesma crítica sintetizada por Olavo Bilac em A Notícia, também em 1906. Para ambos, militantes pela difusão da instrução primária, apenas a popularização da escola poderia preservar o país de qualquer perigo estrangeiro. Aqui nota-se uma pequena, mas fundamental, diferença com relação ao que defende Romero. Este preconiza a assimilação do estrangeiro pelo uso obrigatório da língua portuguesa e a proibição do uso público de outros idiomas, enquanto Bomfim e Bilac entendem que a própria democratização da educação primária já preservaria a nacionalidade das interferências estrangeiras: 64 O perigo alemão, o perigo italiano, o perigo inglês e todos os perigos que sobre nós pairam, consiste unicamente nisto: os idiomas estrangeiros progridem, difundem-se, espalham-se no Brasil, e o nosso idioma perde-se, míngua, enfraquece-se, desaparece de dia em dia. A desnacionalização, de que estamos ameaçados, não se fará pela conquista militar, nem pela conquista comercial: farse-á, porém, se não tivermos patriotismo e energia, pela falta de instrução. Quem desconhece ou esquece o idioma natal perde a pátria. A pátria não é o solo, nem a

62

Entre suas propostas sintetizadas em O alemanismo no sul do Brasil (1906), há a proibição de compras de terrenos por associações alemãs, a ocupação obrigatória por brasileiros em áreas com concentração de colônias, a proibição do uso do alemão em atos públicos, entre outras. ROMERO, Sílvio. O alemanismo no sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar. Rio de Janeiro: Typ. Heitor Ribeiro & C, 1906. Sobre o “perigo alemão”: Cf. GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1991. 63 BOMFIM, 2005, p.198. 64 Romero é resolutamente contra aquilo que chama de “panaceia da instrução” que não resolveria os problemas de índole apática e contemplativa do povo brasileiro. De acordo com o autor: “Não resta sombra de dúvida: a INSTRUÇÃO é o remédio proposto por Manoel Bomfim aos males latino-americanos, respectivé [sic] – aos males brasileiros. Inscrevo-me resolutamente contra essa tese. A instrução, com ser uma bela coisa e uma arma muito útil, é ineficaz de preparar um largo e brilhante futuro ao Brasil.” ROMERO, 1906, p.254 [grifo e caixa alta do autor].

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propriedade, nem a posição social: é a tradição, é a índole, é o passado, é o gênio da raça, – e tudo isto reside no idioma nacional. 65

Nota-se que era um problema fundamental no período, um tema de destaque na imprensa com posicionamentos diversos. No diário Gazeta de Notícias é desacreditado como risco ao Brasil. Para os colunistas do jornal, especialmente nas colunas de opinião assinadas por Joaquim Vianna, o perigo alemão era imputado apenas à propaganda da França, como “lastimações francesas ante a expansão do comércio alemão” e não como risco real ao Brasil.66 Na Gazeta, o tema é tratado frequentemente com ironia. Um dos artigos de Vianna tem como título, em letras grandes na primeira página: O perigo alemão e, logo abaixo em tipos bem menores, o subtítulo “na Europa, especialmente na França”. 67 Em tom provocador, um editor da Gazeta, ao apresentar aos leitores o projeto da nova sede do jornal, ressalta que a “armação de ferro já está encomendada na Alemanha”, e completa: “Ninguém veja na procedência de tais ferros uma manifestação contra os muitos adeptos do ‘perigo alemão’; fiquem tranquilos Sílvio Romero e Medeiros e Albuquerque, porque não se trata senão de uma conveniência industrial.”68 Entretanto, o caso da canhoneira alemã Panther ocupou as páginas da Gazeta por meses.

69

Um militar tripulante da Panther, aportada em Itajaí, considerado desertor, foi

perseguido na cidade por oficiais alemães na madrugada de 27 de novembro de 1905. Os

65

BILAC, Olavo. A escola contra a desnacionalização. A Notícia (jornal), 11/06/1906. In: Cf. BILAC, Olavo. Registro: crônicas da Belle Époque carioca. SIMÕES Jr., Alvaro Santos (org.). Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2011, p.410. São vários os artigos de Bilac defendendo a difusão da instrução, como se pode conferir na obra indicada. 66 Joaquim Vianna posteriormente foi editor da Revista Americana, mas dele “pouco se conhece. Era originário de Pernambuco e militou na imprensa. No arquivo do Barão do Rio Branco há carta em que pleiteia designação para um posto diplomático, pretensão a que o Ministro não atendeu.” In: FRANCO, Alvaro da Costa. Apresentação. In: SENADO FEDERAL. Revista Americana: uma iniciativa pioneira de cooperação intelectual, 1909-1919. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2001, p.12. Foi ainda colaborador do Almanaque Garnier. In: DANTAS, Carolina Vianna. Brasil “café com leite”: história, folclore, mestiçagem e identidade nacional em periódicos (Rio de Janeiro, 1903-1914). Tese (Doutorado em História). Departamento de História - UFF. Niterói: 2007. 67 “O Sr. senador Jules Méline, tão preocupado ultimamente com 'a volta aos campos e a superprodução industrial', tendo verificado a gravidade do 'perigo alemão' para a agricultura e indústrias francesas, entendeu dever estender esse famoso 'perigo' a todos os continentes e a todos os países do mundo.” In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº104, 16/04/1906, p.1. 68 Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: nº113, 23/04/1906, p.1. 69 Documentos enviados pela Alemanha para esclarecer o ocorrido. In: Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: nº139, 19/05/1906, p.1-2.

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militares alemães interrogaram brasileiros e invadiram um hotel em busca do desertor, ocorrido considerado gravíssimo, como um atentado à soberania brasileira. A troca de correspondências entre as duas diplomacias, e a justificativa alemã enviada ao ministro Rio Branco, em 06 de junho de 1906, foi acompanhada com atenção. No decorrer da resolução da crise não faltaram críticas à atuação alemã, como podemos notar na seguinte charge, que se destaca pelo tamanho que ocupa na capa da edição do primeiro domingo daquele ano, na qual a Pantera (referência ao nome do cruzador Panther) ou a fera, é confrontada pelo Chancelar Rio Branco.70

A Pantera – Eu ouvi dizer no louro Reno que esta terra era unicamente povoada por feras... O Chanceler – É quase isso com uma diferença: as nossas feras não invadem hotéis, nem mesmo na hora do “avança”. 71

70

“O Ministério das Relações Exteriores recebeu da Legação Imperial da Alemanha os dois documentos adiante publicados, sob os nº 1 e 2, ambos referentes ao incidente de Itajaí; em novembro último. O primeiro é uma carta de informações, escrita em Mendoza por Frederico Nussbaumer, em 14 de Abril último; o segundo, o termo de declarações feitas em Buenos Aires por Fritz Steinhauf, no dia 7 do corrente mês de maio. Sob o nº3 é publicada a carta verbal que o Ministro das Relações Exteriores dirigiu ao Ministro da Alemanha, agradecendo a comunicação desses dois documentos.” In: DOU – Diário Oficial da União, 19/05/1906, p.1-2. 71 Niebelungen (ou Nibelungensage) faz referência aos povos germânicos antigos. Gazeta de Notícias (jornal). Rio de Janeiro: n.7, 07/01/1906, p.1.

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Bastante descontente com a situação e ciente de que o agravo não poderia ficar sem resposta, Rio Branco, em telegrama para o embaixador nos Estados Unidos, Joaquim Nabuco, tenta resolver o impasse apelando para os ânimos monroístas da imprensa norteamericana: Trate de provocar artigos enérgicos monroístas contra esse insulto. Vou reclamar [a] entrega [do] preso [e] condenação formal do ato. Se inatendidos [sic] empregaremos força [para] libertar [o] preso ou meteremos a pique Panther. Depois aconteça o que acontecer.72

Seguindo as orientações do Barão, Nabuco incitou a imprensa norte-americana e a pressão monroísta foi estampada pelo The Chicago Tribune, em sua primeira página, na seguinte charge:

Brasil desafiando uma nuvem escura.73 72

RIO BRANCO, Barão do. Telegrama 09/12/1905. (ofício n.42, 16, dez., 1905 AHI 234/01/13). In: NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco, Embaixador. Vol I. 1905-1907. Rio de Janeiro/Brasília: CHDD/FUNAG, 2011, p.70 [destaques no original]. 73 The Chicago Tribune [1847-atual], Chicago-USA: 11 dez. 1905, charge, p.1; e artigo “President of Brazil and German Gunboat That Arouses His Ire”. Acesso: 01/01/2015. Disponível em:

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Em destaque no horizonte se nota a grande nuvem escura que se aproxima, com o bigode característico do kaiser Guilherme II, imperador alemão na época, do qual um militar brasileiro parece proteger o território do país com um pequeno canhão e um guardachuva com a inscrição “Monroe Doctrine” e, como um detalhe, se vê o navio. Nabuco, prestando contas de suas ações em Washington, enviou os recortes de jornais ao ministro, bem como toda comunicação com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Elihu Root, sobre o encaminhamento da questão.74 Na capa d’O Paiz, em 26 de dezembro de 1905, há a transcrição do editorial do periódico portenho El Diario que faz duras críticas a Roosevelt e a Doutrina Monroe. E, como um desafio, apresenta o caso Panther como uma oportunidade “indispensável aquele estadista [Roosevelt] produzir atos que ponham em prática sua doutrina”, ao qual credita “apenas resultados puramente econômicos (...) de modo que o Brasil não poderá contar senão com a própria ação, com a simpatia da América Latina e com a tácita solidariedade que existe entre os interesses de todas as suas repúblicas.”75 O jornalista argentino, conclui com a seguinte observação, que nos permite compreender a importância da questão com a canhoneira e sua escolha como roteiro dessa reflexão: Esperamos, entretanto, poder julgar ao mesmo tempo a atitude das duas grandes potências: - a da Alemanha, cujos oficiais atentaram contra a soberania do Brasil, e a dos Estados Unidos que, ontem mesmo, apresentava-se ao mundo como tutor voluntário do Brasil hoje ofendido.76

http://archives.chicagotribune.com/1905/12/11/page/4/article/president-of-brazil-and-german-gunboat-thatarouses-hi-ire 74 Nabuco relacionou em anexo artigos de sete jornais norte-americanos. The Chicago Tribune, The Evening Star, The Washington Post, The Brooklin Eagle, The New York Herald, The Sun, Baltimore American. In: Joaquim Nabuco, op. cit.. p.79. O fato de Nabuco ter procurado Elihu Root, ainda que informalmente, sobre o caso da canhoneira, acabou conhecido e criticado pela imprensa brasileira, enfureceu Rio Branco, pois denotava fragilidade da diplomacia brasileira, ao que ele imediatamente desmentiu que houvesse dado tal orientação a Nabuco. Ao ser procurado por Nabuco, Root chamou o embaixador alemão nos Estados Unidos para esclarecimentos, o que deu mais destaque a ação de Nabuco que, entretanto, questiona a reação de Rio Branco: “Você telegrafou que desmentira aí que me tivesse encarregado ao Departamento de Estado [dos Estados Unidos] e estou sem atinar com a razão desse desmentido. De certo não fui lá da sua parte, mas que pode ter havido tão desagradável na falsa notícia para você a esmagar publicamente e dar-me aviso de que o fizera?” NABUCO, Joaquim. Ao barão do Rio Branco - Ministro das Relações Exteriores [Washington, 19 dez. 1905]. In: NABUCO, Carolina (org.), Ibid., p.236-237. 75 Solidariedade Americana. In: O Paiz. Rio de Janeiro: nº7749, 26/12/1905, p.1. 76 O jornalista d’O Paiz transcreve além deste um artigo de outro periódico argentino, que possui o mesmo tom crítico. Entretanto, escolhe como título para sua coluna “Solidariedade Americana” e tenta amenizar o

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O objetivo não é julgar a atitude das duas potências, mas atentar para a sensibilidade à ideia do avanço imperialista europeu e a relação delicada e cheia de expectativas com os Estados Unidos, fundamental no entendimento da construção identitária da América Latina. A discussão sobre as identidades latino-americanas nas obras de Romero e Bomfim, assim como nos diálogos da intelectualidade pela imprensa, aparecem de forma indireta e tangencial, pautando-se, notadamente, nos debates sobre a nação que se quer construir. Problemática complexa que, no início do século XX, tem nesse jogo de espelhos uma das conformações mais relevantes, mas que não se encerram nas opções americanistas e europeístas. Ao mesmo tempo em que se pode notar a densidade que da noção de América Latina em uma contraposição a Europa e, especialmente, aos Estados Unidos, não se pode deixar de perceber o quanto ele enriquece e problematiza essas questões. Se constituindo como uma opção, tangencial (ou marginal) dentro da política externa oficial brasileira e dos escritos dos intelectuais, mas bastante relevante, que participa das mesmas relações, como observa Rubens Ricupero: “A República descobriu a América Latina ao mesmo tempo em que descobria a América do Norte. Na época, era bastante usual falar de americanismo abrangendo todo o hemisfério ocidental, base conceitual do pan-americanismo.”77 Os dois debates postos em paralelo, entre Bomfim e Romero e, apenas pontualmente, Nabuco e Rio Branco, nos possibilitam analisar as múltiplas respostas dada as questões identárias americanas no período, a fim de perceber as nuances, além da clivagem dicotômica entre americanismo/republicanismo e europeísmo/monarquismo e atentar para a construção conflituosa da noção de América Latina. Nabuco e Rio Branco, dois monarquistas de berço, artífices de destaque da política pan-americana da Primeira República deram conformações diferentes aos seus teor anti-panamericano que, provavelmente, contrariaria o governo e justifica sua escolha: “Certo, não endossamos todos dizeres nem perfilhamos todas as opiniões de El Diario; apenas visamos na transcrição feita, patentear o nobre sentimento de solidariedade com que o colega platino se colocou ao nosso lado.” E logo em seguida, sobre o outro artigo, de La Prensa, comenta: “Repetimos: transcrevendo os trechos acima, de artigos da imprensa portenha, outro intuito não nos move senão o por em evidência que a solidariedade é um fato entre os povos da raça latina na Sul América.” Solidariedade Americana. In: O Paiz. Rio de Janeiro: nº7749, 26/12/1905, p.1. 77 RICUPERO, Rubens. A Política Externa da Primeira República (1889-1930). In: PIMENTEL, José Vicente de Sá (org.). Pensamento Diplomático Brasileiro – Formuladores e Agentes da Política Externa (1750-1964). Vol. II. Brasília: Fundação Alexeandre Gusmão – FUNAG, 2013, p.339.

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americanismos. Aquele imerso no monroísmo defendido apaixonadamente e este, marcado pela moderação e pragmatismo que distinguiu sua atuação política à frente da pasta que comandou por dez anos, a partir de 1902 com Rodrigues Alves, e para a qual foi reconduzido por outros três presidentes.78 Republicanos, ainda que profundamente críticos à condução política de então, Bomfim e Romero também escapam a dicotomia. A América Latina de Bomfim, compreendida através de seus males de origem, é identificada também como possibilidade de se evitar a política imperialista que o autor tanto criticava e o impedia, apesar de toda admiração pela Grande República do Norte, de apoiar o panamericanismo. Sílvio Romero, ainda que acusado de lusitanismo, não abria mão da forte vinculação cultural (e racial) europeia e tomava os Estados Unidos justamente como exemplo dos inegáveis benefícios de sua tese europeísta e que o afastava de qualquer possibilidade de considerar uma América Latina, nos termos do seu adversário.

A reflexão feita neste capítulo corresponde a mais alguns fios, retomando a metáfora têxtil de John G. A. Pocock, da complexa urdidura histórica da noção de América Latina para a intelectualidade brasileira no início do século XX. A trama desse tecido, inapreensível em sua totalidade, pode ser percebida até em suas costuras mais delicadas pela investigação das linguagens ou discursos sincronicamente existentes. Como se buscou fazer neste capítulo de conclusão, através da leitura das obras de Manoel Bomfim e Sílvio Romero sob uma perspectiva mais ampla, atentando para outros entendimentos possíveis da questão e suas relações necessariamente dialógicas. Sem deixar de perceber o entretecer das outras possibilidades discutidas no decorrer do trabalho.

78

Rio Branco foi ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, nos governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca.

114

Considerações finais – além da Tempestade A Tempestade, tragicomédia de William Shakespeare do início do século XVII, possui um drama próprio. Por muito tempo considerado somente um clássico romance shakespeariano, uma comédia pastoral ou um drama de reconcialiação, apenas recentemente sofreu importantes releituras pós-colonialistas que hoje a caracterizam. A primeira intepretação que remete à questão colonial surge apenas ao final do século XIX, com J.S. Phillpot, em 1873. Contemporaneamente, há consenso entre os estudiosos, com diferentes ênfases, de que a peça do dramaturgo inglês tinha como um de seus temas fundamentais a relação da Europa com o Novo Mundo, a imagem que se fazia desse outro, encarnada no escravo Caliban e de si próprio, representada pelo velho e sábio aristocrata, Próspero.1 Entretanto, apenas em meados do século XX a reinterpretação baseada na leitura colonialista da peça passa a ser predominante, decisivamente delineada após a fundação da CEPAL

e

dos

desdobramentos

políticos

das

noções

de

desenvolvimento

e

2

subdesenvolvimento. É importante perceber ainda que essa nova conformação da alegoria representada pela Tempestade não se refere mais à colonização inglesa do Novo Mundo,

1

Algumas narrativas não ficcionais que circularam na época, as quais provavelmente Shakespeare tivera acesso, sustentam essa hipótese. Além da notória utilização do anagrama Caliban a partir do texto de Montaigne, como foi explicado no primeiro capítulo. Cf. O’SHEA, José Roberto. Shakespeare além do estético: A tempestade e o pós(-)colonial. In: Crop – Revista da Área de Estudos Linguísticos e Literários em Inglês – USP. São Paulo: dez./96; RODRIGUES, Fernando. A Tempestade e a questão colonial. In: Viso – Cadernos de Estética Aplicada. Rio de Janeiro: nº5, jul-dez/2008; BONNICI, Thomas. Introdução ao estudo das literaturas pós-coloniais. Mimesis. Bauru-SP: v. 19, n. 1, p. 07-23, 1998; Idem. O pós-colonialismo e a literatura – estratégias de leitura. Maringá-PR: Eduem, 2012 [1ªed. 2007]. 2 São de caribenhos as obras mais representativas da crítica anticolonialista a partir de 1950, além dos ensaios de Frantz Fanon e Fernandes Retamar, já citados, e The pleasures of exile (1960) de George Lamming, o martinicano Aimé Césaire reescreve A Tempestade. Na peça Une Tempête: d’après La Tempête de Shakespeare – Adaptation pour un théatre négre, escrita por Césaire em 1969, Ariel é um servo mulato, e Caliban um escravo negro e Próspero o homem branco senhor deles. Conforme Bonnitci: “O fato de que várias reescritas ficcionais de A Tempestade e um elenco considerável de estudos críticos focalizam a problemática metrópole-colônia mostra que a redescoberta do texto como seminal no projeto colonial inglês forneceu o locus de assentamento de argumentos e de preparação na formação ideológica de dominação mundial.” BONNICI, 2012, p.72.

115

como foi entendido em suas primeiras formulações, mas à América Latina.3 Trata-se de algo já percebido por Rodó em 1900 e, talvez, em relação direta com a obra do maestro de la juventude, sob a inspiração de inverter os sinais do arielismo, e alçar Caliban a figura de heróis pós-colonial, como na exemplar frase Retamar (já citada), de 1971: “Nuestro símbolo no es pues Ariel, como pensó Rodó, sino Caliban.” Essa reflexão, iniciada ainda no primeiro capítulo da dissertação, visava explicitar a distância da América Latina Caliban, subdesenvolvida, da América Latina debatida nas obras de Manoel Bomfim e Sílvio Romero. Entretanto, dificilmente a América Latina Ariel de Rodó, contemporâneo aos autores, poderia ser tida como representação das reflexões deles. Ainda que se considere que ambos apreendem alguma noção de um ethos latino, são extremamente críticos a ele, suas Américas Latina/latina não possuem traços comuns ao sublime Ariel.

Pelo contrário, os vícios, perversões e outras características pouco

louváveis, responsáveis pelo atraso das nações latino-americanas, em nada se assemelha ao elevado espírito reflexivo incensado por Rodó através das falas de Próspero. Esse entendimento não pretendeu desconsiderar a importância das personagens de A Tempestade na discussão identitária latino-americana, mas atentar para o funcionamento dessas personagens como vocabulário político de forte apelo, portanto, historicamente constituído. Percebe-se, assim, estar a América Latina além da Tempestade.

3

Phillpot, em seu prefácio a Rugby Edition de 1873 se refere à Tempestade como uma metáfora específica à colonização inglesa: “The character may have had a special bearing on the great question of a time when we were discovering new contries, subjecting unknown savages, and fouding fresh colonies. If Prospero might dispossesss Caliban, England might disspossess the aborigines of the colonies.” PHILLPOT, J.S [1873] apud ASHCROFT; GRIFFITHS ; TIFFIN. The Empire Writes Back – Theory and practice in post-colonial literatures. London; New York: Routledge, 2002 [1ªed. 1989], p.243. Cf. BONNICI, 2012.

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Anexo 1 Autor

Obra

Leitura

Sobre

AGASSIZ, Louis.

Voyage au Brésil (1869)

crítico

cientista suiço

Aristóteles

n/c

referência

filósofo grego

ASSIS, Machado de.

O Alienista (1882)

escritor referência/epígrafe brasileiro

BACON, Francis.

n/c

crítico

filófoso inglês

BAGEHOT, Walter.

Physics and Politics (1872)

referência

sociólogo inglês

BONIFÁCIO, José.

n/c

referência/fonte

político brasileiro

BOURGEOIS, León.

n/c

referência

político francês

BRAGA, Teófilo.

n/c

referência

ensaísta português

BÜCHNER, Ludwig.

À l'Aurore du siècle (version du Dr L. Laloy, 1901)

referência

naturalista alemão

CHATEAUNEUF, Benoiston.

Mémories de l´Académie des Sciences Morales et Politiques

referência

economista francês

CLEMENCEAU, Georges.

n/c

socialista referência/epígrafe francês

COMBES, Paul.

Les civilisations animales (1890)

não referência/epígrafe encontrei

COMTE, August.

n/c

crítico/referência

filósofo francês

COURIER, Paul L.

n/c

epígrafe

polemista francês

DARWIN, Charles

Descendência do homeml (1871), Variação das espécies, A origem das espécies (1859)

referência

naturalista britânico

DESCARTES, René.

n/c

referência

filósofo francês

DRUMMOND, Vasconcellos

Anotações de A.M.V de Drummond. (1836)

referência/fonte

político brasileiro

FOLKMAR, Daniel.

n/c

epígrafe

antropólogo americano

FRANCE, Anatole.

n/c

referência

escritor francês

GIARD, Alfred.

Sur l'autotomie parasitaire (1897)

referência

zoologista francês

GIRAUD, Eugene

n/c

referência

pintor francês

GOETHE, Johann W.

n/c

citação

filósofo alemão

GUÉTANT.

n/c

referência

artista francês

GUIZOT, François.

n/c

referência

político francês

127

sociológo polonês

GUMPLOWICZ, Ludwig.

n/c

crítico/epígrafe

HAECKEL, Ernst.

n/c

naturalista referência/epígrafe alemão

HAMON, Augustin.

n/c

epígrafe

anarquista francês

HAVET, Louis.

n/c

epígrafe

latinista, helenista francês

HOBBES, Thomas.

n/c

crítico

filófoso inglês

IBSEN, Henrik.

n/c

citação/referência

dramaturgo norueguês

JACOBY, Paul.

Estudos sobre a seleção no homem e suas relações com a hereditariedade (1881)

crítico

não encontrei

LAPOUGE, George.

n/c

referência

socialista francês

LAPPARENT, Albert.

Traité de Géologia (1883)

referência

geólogo francês

LE BON, Gustave.

n/c

crítico

sociológo francês

LETOURNEAU, Charles

n/c

crítico

antropólogo francês

LITTRÉ, Émile.

Philosophie positive (1858)

referência

filósofo francês

LIVINGSTONE, David.

n/c

crítico

missionário escocês

LUCAS, Prosper.

Traité philosophique et physiologique de l'hérédité naturelle (1847)

referência

médico francês

MAETERLINCK, Maurice.

n/c

referência

dramaturgo francês

MALATO, Charles.

L´Amérique Latine. Les annales de la jeunesse laique (1902)

referência

anarquista francês

MARTIN DE MOUSSY, Jean.

n/c

crítico

naturalista francês

MARTINS, Oliveira.

História de Portugal

crítico/referência

historiador português

MASSART, Jean.

Parasitisme organique et parasitisme social (1903)

referência

botânico belga

MAUDSLEY, Henry.

The Physiology and Pathology of Mind (1867)

referência

psiquiatra inglês

MELO, Francisco M.

Carta de guia de casados (1651)

referência/fonte

escritor português

referência/fonte

poeta e diplomata espanhol

crítico

economista e filósofo inglês

MENDOZA, Diego H.

MILL, John S.

Guerra de Granada (obra póstuma 1627)

n/c

128

MIRBEAU, Octave.

n/c

referência

escritor anarquista francês

MOMMSEN, Theodoro.

n/c

referência

historiador alemão

MONTAIGNE, Michel de.

n/c

citação

escritor francês

MONTESQUIEU, Charles de.

n/c

referência

filósofo francês

MOREAU DE TOURS, Jacques.

Psychologie morbide (1859)

referência

psquiatra francês

referência

pintor e escritor britânico

MORRIS, William.

n/c

NAQUET, Alfred.

n/c

referência

químico, médico, político francês

NIETZSCHE, Friedrich.

n/c

referência

filósofo alemão

NORDAU, Max.

Nouvelle théorie biologique du crime (1902)

referência

ativista sionista francês

NOVICOW, Jacques.

La Revue (1902)

referência

sociólogo russo

PASCAL, Blaise.

n/c

referência

matemático francês

Plínio, o Velho.

n/c

epígrafe

naturalista romano

QUATREFAGES DE BRÉAU.

n/c

crítico

naturalista francês

RENAN, J. Ernest.

n/c

crítico/referência

escritor francês

RENOUVIER, Charles.

n/c

referência

filósfofo francês

RIBEIRO DE ANDRADA, M.

Carta, setembro de 1824

referência

político brasileiro

RIBOT, Théodule A.

L'Hérédité. Étude psychologique (1873)

referência

psicólogo francês

ROCHA POMBO, José.

História da América (1900)

referência

escritor brasileiro

ROSCHER, Wilhelm.

Principes d'Économie Politique (1857)

referência

economista alemão

ROSSETTI, Mircia.

n/c

citação

não encontrei

RUSKIN, John.

n/c

referência

escritor britânico

SALVADOR, Frei V.

História do Brasil (1627)

referência/fonte

religioso português

129

cientista alemão

SCHAEFFLE, Albert.

n/c

referência

SÉAILLES, Gabriel.

Educação e Revolução (?))

historiador referência/epígrafe francês

SEIGNOBOS, Charles.

História da Civilização

crítico

historiador francês

SMITH, Adam.

n/c

crítico

economista e filósofo escocês

SOTO, Máximo.

n/c

referência

Não encontrei.

SPALIKOSKI, Edmond.

La colonisation et la paix (1902)

referência

historiador e poeta normando

SPENCER, Herbert.

Citação direta: Princípios da Biologia (1864)

crítico/referência

filósofo inglês

TARDE, Gabriel.

n/c

referência

filósfofo e psicólogo francês

TOLSTÓI, Léon.

n/c

referência

escritor russo

TOPINARD, Paul.

L'anthropologie et la science sociale (1900)

crítico

médico e antropólogo francês

TURGOT, Anne R.

n/c

referência

economista francês

VANDERVELDE, Émile.

Parasitisme organique et parasitisme social (1903)

referência

sociólogo belga

VARIGNY, Henry C.

La vie et la correspondance de C. Darwin (1889)

referência

biólogo francês

VIEIRA, Antônio.

A Arte de Furtar (1652)

referência/fonte

religioso português

crítico

psicólogo e antropólogo alemão

WAITZ, Theodor

n/c

130

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