Alfabetizacao Ecologica ABCERRADO

June 2, 2017 | Autor: R. Azevedo Corrêa | Categoria: Educação Ambiental, Ecologia Humana, Cerrado
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Sensibilização para recuperação de áreas degradadas Sensibilizar moradores de áreas rurais para o melhor conhecimento do potencial natural do local em que vivem e para cuidados especiais em áreas de nascentes foi o desafio do Projeto Semeando o Bioma Cerrado, da Rede de Sementes do Cerrado, que esteve na região do Lago Oeste/Sobradinho-DF e na cidade da Fraternidade/ Alto Paraíso realizando cursos práticos e teóricos para informações sobre a grande importância dos recursos hídricos dessas regiões, apresentando ainda técnicas conservacionistas e atitudes individuais que permitam a estas comunidades conservar suas nascentes e, se necessário, recuperar suas áreas degradadas com plantios orientados.

Conhecer para proteger O objetivo é mais que capacitar pessoas em simples procedimentos de recuperação de áreas degradas, mas, sim, fortalecer um movimento baseado em valores para a transformação do cidadão na sua relação com a natureza. As equipes de educação ambiental da Associação dos Amigos das Florestas (AAF) escolhem para os cursos que ministram temas entre os objetivos da Carta da Terra, tais como: “Conheça mais sobre o lugar em que vive”, “Utilize com cuidado o que a natureza oferece”. Esses cursos podem ter continuidade se inseridos à Agenda 21 de escolas dessas comunidades, pois a proteção das nascentes dessas regiões sem dúvida precisa ser fortalecida. Entre os diversos recursos que a natureza disponibiliza, a água é o mais essencial à vida do homem e de todas as espécies de plantas e animais que habitam as várias partes do nosso planeta, é, indiscutivelmente, um recurso natural de altíssimo valor econômico, estratégico e social, sendo considerada também um importante regulador do clima na Terra. A construção de horta comunitária, com o envolvimento, inclusive, de igrejas, aproximou pessoas, estimulou o respeito às diferenças de crenças e fortaleceu objetivos coletivos de produção de alimentos, de segurança e, principalmente, de manutenção da qualidade de vida que ainda desfrutam por estarem mais próximos da natureza. A capacitação de membros da comunidade não deve ser vista como isolada da escola, e sim integrada a ela, com permanentes trocas de saberes e fazeres entre todos. Com oficinas voltadas à comunidade, o que se pretende é formar multiplicadores da mensagem ecológica e aproximar professores, alunos, pais e lideranças como uma forma positiva de se estabelecer uma rotina de aprendizagem e de respeito à natureza, com abordagem multidisciplinar baseada na experiência e na participação do coletivo.

Alfabetização ecológica: ABCerrado Profa. Dra. Rosângela Azevedo Corrêa A ecologia surgiu no campo das ciências da vida como uma área voltada para o estudo das relações entre os seres vivos. Daí nasceu também a noção de ecossistema, quando se colocou a necessidade de não ver os seres vivos de modo isolado, mas perceber as interações que ocorrem nas trocas de energia e matéria entre o meio e os seres vivos, formando ciclos e fluxos contínuos. Aplicada às ciências humanas, esta noção permite enfocar a relação entre os processos culturais e as condições Prof. Rosângela prepara Educadores para a alfabetização ecológica ambientais neles envolvidas, mostrando a importância dos processos criativos da cultura que orientam as relações entre humanos e o ambiente que habitam, o seu oikos, palavra grega que significa o espaço ocupado e o modo de ocupá-lo. No campo da psicologia, por exemplo, a noção de ecologia permitiu ver a pessoa humana como um conjunto de dimensões e funções psíquicas que integram os níveis físico, emocional, mental e espiritual numa totalidade complexa.

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Educando pelas Trilhas do Cerrado: um roteiro de ações para a educação ambiental em escolas e comunidades

Aplicada a visão transformadora da educação em situações de crise, a noção de ecologia aponta para a busca de compreensão das causas que geram o desequilíbrio nas relações entre os seres vivos, incluindo os comportamentos destrutivos dos seres humanos. Como fundamento para uma ação educativa, essa compreensão permite identificar os pontos em que os modos humanos de compartilhar o espaço habitado com os demais seres vivos foram desviados do equilíbrio do todo. Esses modos humanos desorganizadores incluem, por exemplo, as formas como lidamos com as águas, a agricultura, a infraestrutura das cidades, a extinção das espécies vegetais e animais, inclusive a própria saúde humana. Se a educação for encarada como uma relação humana voltada para promover a autoeducação e a cidadania entre aqueles que compartilham de uma mesma situação socioambiental, poderemos então falar de um trabalho de ecologia humana e dizer que toda educação é uma ação ecológica. A visão ecológica, portanto, implica rever a nossa ética, isto é, valores que orientam as nossas ações pessoais e coletivas, aquilo que julgamos certo e errado, o que valorizamos ou desprezamos em nós mesmos e na natureza. Uma maneira de repensarmos nossas ações, especialmente aquelas que vivemos nos grandes centros urbanos, é conhecer e aprender com outras culturas diferentes da nossa o que no passado e também no momento presente elas criaram e ainda preservam em termos de modelos ecológicos de compartilhamento do espaço ambiental em perfeito equilíbrio dinâmico, dentro da preocupação de proteger a vida. Ética e ecologia são inseparáveis, como mostram, por exemplo, as sociedades nas quais a natureza é alvo de uma reciprocidade em que os sentimentos, os afetos e os gestos humanos se dirigem aos demais seres vivos, tidos também como portadores de subjetividade.

Professores da rede de ensino-DF, capacitados na Escola da Natureza para semear o bioma Cerrado

Nas sociedades nas quais existe respeito recíproco e solidariedade entre humanos, os mesmos valores são transpostos para as relações de trabalho ou para qualquer outra atividade em que existam trocas recíprocas entre humanos e natureza. É claro que onde domina a violência e a exploração egoísta do mundo e do outro não poderá existir equilíbrio ecológico. Por isso, a questão ética, a mudança de valores, o criar interiormente as condições afetivas e racionais para novos valores é um ponto fundamental da educação ambiental. Não podemos separar a sociedade da natureza como se fossem duas coisas distantes e desconectadas, pois a natureza não é um grande supermercado à nossa disposição para satisfazer os nossos desejos, afinal, nossas vidas dependem da natureza porque fazemos parte dela. Criamos necessidades artificiais representadas pela mídia, que tenta nos vender felicidade por meio do “ter”, e acreditamos que é assim que as coisas devem ser; contaminamos nossos sentimentos e percepções, assim como nossas relações com a família, com o território, com a comunidade e com nossa história pessoal e comunitária. Hoje, todos podemos reconhecer que existem inumeráveis problemas socioambientais urbanos e rurais no mundo inteiro, como crescimento desordenado e a enorme pegada ecológica por meio da produção de alimentos em larga escala, insumos externos como água, lixo, energia, extração de matérias-primas, impermeabilização

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do solo, emissão de gases, etc. O discurso dos governos, especialmente no Brasil, é que precisamos crescer para que possamos nos tornar um país desenvolvido, mas é válido crescer a qualquer preço? De acordo com Sachs (1988), não se trata de crescer menos ou negar o desenvolvimento de um país, mas reconhecer que o limite é uma categoria necessária para planejar as ações futuras. Portanto, temos de considerar os aspectos sociais, econômicos, ecológicos, espaciais, culturais e políticos no planejamento de políticas públicas para uma efetiva sustentabilidade no planeta Terra. Além disso, precisamos “pensar local (mas conhecendo os vínculos com o global) e agir local” para que possamos encontrar soluções para os problemas imediatos e urgentes que atingem diretamente as pessoas e todas as formas de vida. Ringquist (1997) reconhece que a observação da realidade local e o consequente enfoque dos problemas existentes auxiliam a percepção dos sujeitos sociais mais expostos ao risco ambiental. É por essa razão que insistimos na necessidade de a escola trabalhar sobre a realidade de seu entorno para que os estudantes e suas famílias possam perceber a necessidade de participar na solução dos problemas locais. No Brasil, a Lei no 9.795, de 27/04/1999, dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental, definida como: Processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Os princípios básicos desta lei são: enfoque humanista e participativo; concepção do meio ambiente em sua totalidade; pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva de inter, multi e transdisciplinaridade; vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; garantia de continuidade e permanência do processo educativo; abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; reconhecimento e respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. A educação ambiental é definida neste documento como um processo dinâmico integrativo, transformador, participativo, abrangente, globalizador, permanente e contextualizador. Mas existe um aspecto praticamente negligenciado nessa definição: conceber a educação como um instrumento no processo de gestão ambiental. As primeiras propostas de se considerar a educação como um instrumento para a gestão ambiental surgem no Brasil a partir de 1995 com um documento elaborado por José da Silva Quintas e Maria José Gualda, educadores da Divisão de Educação Ambiental do Ibama, no qual a gestão ambiental é compreendida como um processo de mediação de conflitos de interesses (IBAMA, 1997). Essa concepção de educação ambiental surge como resposta a um momento histórico específico, quando a questão ambiental no Brasil começava a explicitar sua face política de modo mais evidente pela radicalização dos conflitos e pela percepção mais aguda e participante dos movimentos sociais e dos agentes do poder público envolvidos nas situações de gestão ambiental. As soluções que temos para os problemas passam necessariamente pela participação política de todos os indivíduos para a superação das carências cotidianas. Entendemos o político como a forma de participação de todos os cidadãos na solução dos problemas locais na busca do bem comum, o que não exige necessariamente o envolvimento dos partidos políticos, que muitas vezes estão atrelados a acordos entre partidos, campanhas eleitorais produzidas pela mídia, produção midiática de candidatos e da opinião pública, etc. Há necessidade de se criar mecanismos de participação social direta no nível local. Isso significa que precisamos criar espaços de exercício do poder cidadão para a gestão ambiental para exercer uma cidadania planetária, o que implicaria se prever formas de compartilhamento das informações necessárias à compreensão da complexidade dessas questões com as populações locais envolvidas nas questões ambientais, bem como a criação de espaços de decisão quanto às políticas públicas a serem adotadas. A participação das pessoas não é algo que acontece apenas devido a um convite ou espontaneamente. Numa sociedade em que prevalece o individualismo devemos pensar em processos educativos que venham a superar a dicotomia entre indivíduo e coletividade, atuando na rede de significados que é a própria cultura e reforçando a percepção dos interesses comuns compartilhados, que são a essência da cidadania e do poder local. Acreditamos, como Mourão (2002), que [...] a tarefa transformadora da educação implica gerar um efeito turbilhonar na consciência coletiva e pessoal, atuando sobre o imprinting cultural que organiza os princípios inconscientes, propiciando o contexto de novas interações que permitam reorganizar nossos comportamentos, nossas premissas de compreensão do mundo, a organização de nossas ideias.

Quando sabemos o que está acontecendo e o porquê, só temos duas saídas: fechar os olhos para os problemas e esperar que alguém os resolva ou juntar-se a outras pessoas para solucionar os problemas dentro das nossas possibilidades, potencialidades e expectativas, mas para termos o desejo de mudança é preciso que cada um tenha o desejo de participar. E a participação só pode ser aprendida e aperfeiçoada se for praticada. Existem três

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aspectos que devem ser obrigatoriamente contemplados para que haja participação: 1) o sentimento de pertencimento ao grupo; 2) diálogo baseado em uma escuta sensível; 3) determinação das necessidades coletivas. Daí nossa preocupação com os problemas ambientais locais, que, sem excluir a escola, a expande e a incorpora dentro da comunidade como um ator que, sensível à crise ambiental e à urgência de mudar os padrões de distribuição e uso dos recursos naturais, consegue pensar, questionar e agir além das necessidades imediatas para a resolução de conflitos socioambientais.

A educação para a gestão ambiental ocorre, então, por meio de um processo participativo no qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, adquirem conhecimentos, atitudes e competências voltados para a conquista e a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Loureiro (2002, p. 103) salienta que: A educação ambiental é um trabalho que exige continuidade e constantes reflexões relativas à qualidade de vida. Assim, é necessário que, cada vez mais, se expanda o número das pessoas que acreditam ser capazes de criar uma consciência conservacionista por meio de seu trabalho, atitudes e palavras. Essas pessoas vão muito além do educador formal. Elas podem ser estudantes, donas de casa, aposentados, crianças, adultos ou técnicos de qualquer profissão.

Portanto, a ação educativa só se justifica com o envolvimento da comunidade e sua orientação para as possíveis soluções de problemas comunitários. Como Gadotti (2000, p. 251) explicita, a educação deve: Amar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de contentamento cultural; [...] selecionar e rever criticamente a informação; formular hipóteses; ser criativa e inventiva (inovar); ser provocadora da mensagem e não pura receptora; produzir, construir e reconstruir conhecimentos elaborados. E mais: numa perspectiva emancipadora da educação, a escola tem que fazer tudo em favor dos excluídos. Não discriminar o pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode construir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder. Numa perspectiva emancipadora da educação, a tecnologia não é nada sem a cidadania.

Consequentemente, a prática da educação voltada para a gestão ambiental chama a atenção para os problemas ambientais locais em detrimento dos globais, não menos importantes, mas menos prioritários. É nesse sentido que Ribeiro (1992) reforça a ideia de que o eixo da gestão ambiental deve se localizar na ação local. Também nesse sentido, a Organization for Economic Co-Operation and Development (OECD) julga que a apropriação do contexto local para a educação ambiental permite o desenvolvimento do senso de responsabilidade entre os educandos (CERI, 1995). Que metodologia desenvolver para atender às expectativas de participação social de uma dada comunidade? Primeiro, é preciso convidar as pessoas para se conhecerem e e, assim, possibilitar a criação de um sentimento de pertencimento a essa comunidade. Entendemos “comunidade” como um grupo de pessoas que têm um objetivo em comum, uma ação e uma identidade em comum; a escola pode ser considerada uma comunidade. Assim, as reuniões entre professores e pais não podem ficar restritas apenas à entrega de notas e a relatórios comportamentais dos alunos dentro da escola. Um segundo passo seria o conhecimento da comunidade sobre sua própria realidade para que todos possam contribuir na elaboração de um diagnóstico socioambiental local, pois apesar de as pessoas viverem numa comunidade nem sempre têm uma escuta sensível para as coisas que acontecem no lugar. É preciso traçar o mapa político local, identificando quem é quem, quais as lideranças comunitárias mais expressivas e quais dessas lideranças podem influenciar positiva ou negativamente na consecução de um projeto. É muito importante fazer com que os mais diferentes setores da comunidade estejam envolvidos, comprometidos e atuantes em seus próprios espaços com a produção, a criação e a preservação da qualidade socioambiental. É preciso estimular para que cada vez mais os diversos setores venham a se tornar atores proativos no gerenciamento ambiental. Um dos assuntos que a maioria das escolas brasileiras elege para trabalhar em projetos de educação ambiental é a coleta seletiva de resíduos sólidos. Raramente esses projetos chamam a atenção dos estudantes para o consumo exacerbado e a produção indiscriminada de embalagens não recicláveis (multiplicadas principalmente pelo sistema de franquias), os hábitos alimentares artificializados (fast-food e congelados), o hábito de jogar o lixo no chão, nas praias e nos rios, menos numa lixeira, etc.; tampouco estimulam os estudantes a conhecerem a natureza das fontes geradoras de resíduos, seus impactos na população e no ambiente urbanos, especialmente na realidade local em seus aspectos socioeconômicos, políticos, pessoais e coletivos, além de articulá-los com

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os impactos da dimensão global para que se obtenha uma visão real da complexidade da questão. Além disso, a escola nunca considera a inserção dos catadores, que se encontram sempre sob o controle da indústria da reciclagem, com pouca ou nenhuma margem de negociação quanto aos preços de mercado, permanecendo em condições de trabalho e de vida desumanas e inaceitáveis. Muitas pessoas acham que a implantação da coleta seletiva de lixo seria suficiente para resolver o problema, mas não conseguem ver que os poucos projetos implantados pelo poder público no Brasil se restringem aos aspectos técnicos do sistema de gestão, descuidando-se da dimensão educativa/comunicativa, que é o instrumento básico para priorizar o repensar a forma como estamos vivendo, o recusar alimentos industrializados com alto teor de sódio e açúcar que afetam nossa saúde, o reduzir a compra de coisas supérfluas, reutilizar resíduos sólidos ou produtos como roupas, latas, garrafas pets, etc. e destinar os resíduos sólidos como lâmpadas, pilhas e celulares para as empresas produtoras utilizando a logística reversa. Dessa forma, tanto as unidades familiares, que geram lixo por meio do consumo, quanto as empresas, cujo lixo gerado advém do processo de produção e colocação no mercado, não são atingidas por propostas concretas de mudança dos hábitos de consumo e produção. Quem são os segmentos envolvidos na gestão dos resíduos sólidos em uma cidade? São os consumidores, os produtores, os catadores, o poder público, os serviços privados, os intermediários e as empresas que utilizam os resíduos como matéria-prima. Desse modo, deveria haver um diálogo entre todos os atores e os setores envolvidos no sentido de integrar a todos na gestão dos resíduos sólidos. Entretanto, o que assistimos na maioria dos municípios brasileiros é à incapacidade das políticas públicas de tocar na essência da crise ambiental, que se deve à insustentabilidade dos padrões de consumo exacerbado e da relação socioambiental vigentes. Só a reciclagem de resíduos sólidos não será suficiente para solucionar a questão do lixo hoje no mundo, é imprescindível a discussão das causas desse problema em suas dimensões política, econômica, social e cultural. Se persistirmos na neutralidade ideológica, omitindo-nos quanto à criação de demandas por políticas públicas voltadas ao enfrentamento concomitante dos problemas ambientais e da injustiça social, nada poderá avançar a contento. Educador que só fica em sala de aula perde a oportunidade de contribuir com a construção de um mundo melhor. Por isso acreditamos que a educação ambiental é muito mais que ações pontuais de como fazer horta na escola ou coleta seletiva de lixo. Precisamos sensibilizar, envolver, mobilizar, estimular, ouvir as pessoas para que qualquer projeto não seja apenas de um professor bem intencionado; a educação ambiental só dará certo quando o projeto for coletivo. Como nos ensinou Paulo Freire (1976, p. 66): Somente os seres humanos que podem refletir sobre sua própria limitação são capazes de libertarse, desde, porém, que sua reflexão não se perca numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da realidade condicionante. Desta forma, consciência de e ação sobre a realidade são inseparáveis constituintes do ato transformador pelo qual homens e mulheres se fazem seres de relação. A prática consciente dos seres humanos, envolvendo reflexão, intencionalidade, temporalidade e transcendência, é diferente dos meros contatos dos animais com o mundo.

A educação atual não pode ser apenas um instrumento de informação sem implicar transformações significativas nos indivíduos no sentido da construção de um novo padrão social, de um novo pacto civilizatório, estimulando a capacidade dos seres humanos em ler o mundo e produzir sentidos. Não queremos continuar simplesmente alertando as pessoas com discursos catastróficos sobre o fim do planeta ou destacando os desastres ambientais que geram medo e impotência nas pessoas, como fazem os meios de comunicação. A informação é importante, mas o fundamental é o investimento na educação do sujeito ecológico, capaz de agir no mundo com base em valores éticos e estéticos. Partimos do pressuposto de que o processo educativo é um “ato político no sentido amplo, isto é, como prática social cuja vocação é a formação de sujeitos políticos, capazes de agir criticamente na sociedade” (CARVALHO, 2006, p. 186). As pessoas precisam se ter noção de que fazer horta na escola e/ou coleta seletiva de lixo não resolverá o problema do mundo, é preciso ir além da “consciência” dos problemas e da vontade de fazer alguma coisa. Consideramos que uma proposta de educação ambiental deve ser: […] um processo educativo eminentemente político, que visa ao desenvolvimento nos educandos de uma consciência crítica acerca das instituições, atores e fatores sociais geradores de riscos e respectivos conflitos socioambientais. Busca uma estratégia pedagógica do enfrentamento de tais conflitos a partir de meios coletivos de exercício da cidadania, pautados na criação de demandas por políticas públicas participativas, conforme requer a gestão ambiental democrática (LAYRARGUES, 2002, p. 169).

Algumas pessoas até estão preocupadas com a crise ambiental, mas a “consciência” e a vontade não são suficientes para mudar o quadro atual, pois existe uma contradição profunda entre a intenção e o comportamento das pessoas, porque existe uma descontinuidade entre o comportamento e as atitudes, entre o pensamento e a ação cotidiana, entre os valores e as atitudes. Temos boas intenções, no entanto nossas ações não condizem com aquilo que sabemos que precisamos mudar, como o consumo exacerbado e o individualismo.

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Apenas reconhecer os problemas socioambientais não é suficiente. É preciso exercer nossa cidadania, que tampouco se resume a direitos e deveres; é algo muito maior, é agir junto com o outro. Precisamos, como Carvalho sugere, “desenvolver capacidades e sensibilidades para identificar e compreender os problemas ambientais, para mobilizar-se, no intuito de fazer-lhes frente e, sobretudo, para comprometer-se com a tomada de decisões, entendendo o ambiente como uma rede de relações entre sociedade e natureza” (2006, p. 181). Partimos do conceito de cidadão como aquele que “é capaz de identificar os problemas e participar dos destinos e decisões que afetam seu campo de existência individual e coletivo” (2006, p. 187); é a possibilidade de “fazer a própria história” e criar novas formas de conviver com absoluto respeito à diversidade e à alteridade. Mudar não é fácil porque implica criarmos um novo padrão social, um novo pacto civilizatório. Racionalmente podemos até pensar em mudar a nós mesmos, mas o que nos impede de mudar diante de situações tão sérias, como a que estamos vivendo, de desintegração social e degradação ambiental? Todos sabem que vivemos uma crise séria e urgente. Estamos vendo desastres ambientais no Brasil e no mundo. Isso pode nos levar a uma visão apocalíptica – o mundo vai acabar –, e aceitamos pacificamente tal determinação, o que gera medo e impotência. A outra possibilidade é reagirmos e agirmos. Considerando-se a proposta de educação ambiental, quando damos ênfase à ecologia humana estamos ressaltando o fato de que cabe à espécie humana a responsabilidade pela preservação ou pela destruição da vida no nosso planeta. A crise atual é fruto de condições patológicas, isto é, de uma espécie de doença coletiva que contaminou a consciência humana, levando-nos a destruir nossas condições de sobrevivência e reprodução, assim como as dos outros seres do planeta. Como escrevemos em outro artigo, a intervenção pedagógica da educação ambiental vem propor uma cura dessa patologia, atuando nos três níveis em que ela se manifesta. Primeiro, nas pessoas humanas individualmente, levando a atitudes de autoconhecimento e incentivando a capacidade criativa e autotransformadora, gerando novos hábitos e atitudes. Segundo, nas relações entre as pessoas, fazendo surgir uma verdadeira cidadania, baseada em laços de cooperação e ajuda mútua, superando os efeitos nocivos da competição, da violência e do individualismo egoísta. Terceiro, nas relações entre os humanos e os demais seres vivos, compartilhando das trocas energéticas e dos ciclos que formam os ecossistemas, na preservação da saúde do planeta. Assim, podemos falar de três ecologias, quer dizer, de uma ação educativa simultânea em três níveis, visando à correção dos modos de ser doentios que causaram a crise atual. Uma nova ética vai aos poucos sendo cultivada, trazendo a consciência humana para uma percepção atenta e inteligente do momento atual, estendendo a visão restrita dos “direitos humanos” para a defesa dos direitos de todos os seres vivos (MOURÃO; CORRÊA, 1998). A educação ambiental, com essa visão transformadora, exige um novo educador, não mais um mero repassador de informações (pois a internet já pode substituí-lo nesse papel), mas um agente de mudanças. A atuação do educador deve incluir também o aspecto da pesquisa científica, pois ele precisa estar constantemente conhecendo e reconhecendo a realidade à sua volta, integrando sua experiência de vida à vivência coletiva, contribuindo assim para a busca de soluções aos problemas existentes. O educador deve ser alguém capaz de contribuir para o enfrentamento das questões concernentes à qualidade de vida da comunidade, sendo um facilitador de sua organização política, no sentido de dinamizar as formas de cooperação e a criação coletiva de soluções comuns. Portanto, precisamos de projetos político-pedagógicos que incluam a dimensão da ecologia humana proposta neste artigo. Vivemos em um mundo no qual muitas pessoas estão apartadas, atomizadas, privadas da esfera das relações históricas e sociais coletivas, seres sem história e sem vínculos. Numa sociedade em que prevalecem a exclusão e o não reconhecimento do outro, estamos privados da luta por um mundo melhor, que nunca será perfeito porque não somos seres perfeitos, mas nosso desafio como humanidade é sempre buscar vivermos melhor. Em muitos aspectos, vivemos melhor que no começo do século XX, quando as mulheres não podiam estudar e eram obrigadas a aceitar a violência dos maridos porque não existia proteção às mulheres. Hoje existe a Lei Maria da Penha, e somos maioria nas universidades. É claro que temos muito por fazer, mas nada que seja impossível. Por isso acreditamos que a luta ecológica é uma luta cidadã em busca de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável. Compreendemos que a educação ambiental deve promover a compreensão dos problemas socioambientais em suas múltiplas dimensões: geográfica, histórica, biológica, social, cultural e espiritual, considerando o meio ambiente como o conjunto das inter-relações entre o mundo natural e o mundo social, mediado por saberes locais e tradicionais, além dos saberes científicos. É preciso proporcionar condições para o diálogo entre as áreas disciplinares, saberes e fazeres dentro da escola e com os diferentes atores sociais envolvidos com a gestão ambiental. Os professores, como homens e mulheres da prática educacional, em vez de serem apenas os consumidores da pesquisa realizada por outros, deveriam transformar suas próprias salas de aula em objetos de pesquisa.

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