ALFONSINA STORNI, LAURA RESTREPO E A PALAVRA ARMA

May 30, 2017 | Autor: Hugo Retamar | Categoria: Literatura Latinoamericana, Poesía, Literatura Femenina Hispano americana
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ALFONSINA STORNI, LAURA RESTREPO E A PALAVRA ARMA Hugo Jesus Corrêa Retamar*

RESUMO: A palavra “mágica”, que tem o poder e que determina e traça novos rumos, é o tema central deste trabalho. Não a palavra dos que sempre a tiveram, os donos da história, mas a palavra daqueles que estiveram à margem desta história. A palavra que mostra o outro lado, a história não oficial, a palavra dos que foram condenados, durante séculos, ao silêncio, a palavra da mulher. Para tanto, serão comparadas duas autoras latino-americanas. De um lado a poeta argentina dos princípios do século XX, Alfonsina Storni, de outro a romancista colombiana do final do século, Laura Restrepo. A comparação se efetuará para que se percebam as diferenças e semelhanças das vozes submersas nas palavras, na escrita, de ambas escritoras que estão afastadas tanto temporal, como espacialmente, mas que, assim mesmo, possuem um tema que as alinha, a vontade de transgredir, de transformar, de lutar com a força do verbo, das palavras, da escrita. RESUMEN: La palabra “mágica” que tiene el poder, que determina y traza nuevos rumbos, es el tema central de este trabajo. No la palabra de los que siempre la tuvieron, los dueños de la historia, sino la palabra de aquellos que estuvieron al margen de esta historia. La palabra que muestra el otro lado, la historia no oficial; la palabra de los que fueron condenados, durante siglos, al silencio;, la palabra de la mujer. Para tanto, compararemos a dos autoras latinoamericanas. De un lado la poeta argentina de principios del siglo XX, Alfonsina Storni; de otro, la novelista colombiana surgida en los finales del siglo XX, Laura Restrepo. La comparación se efectuará para que se perciban las diferencias y similitudes de las voces sumergidas en las palabras, en la escritura, de ambas escritoras que se encuentran alejadas tanto temporal, como espacialmente, pero que, aún así, poseen un tema que las alinea, las ganas de transgredir, de transformar, de luchar con la fuerza del verbo, de las palabras, de la escritura. PALAVRAS-CHAVE: Palavra-Poder-Escrita. PALABRAS-CLAVE: Palabra-Poder-Escritura.

Ese día Belisa Crepusculario se enteró que las palabras andan sueltas sin dueño y cualquiera con un poco de maña puede apoderárselas para comerciar con ellas. Consideró su situación y concluyó que aparte de prostituirse o emplearse como sirvienta en las cocinas de los ricos, eran pocas las ocupaciones que podía desempeñar. Vender palabras le pareció una alternativa decente. (ALLENDE, 1990, p. 17) *

Licenciado em Letras, UFRGS, [email protected]

Assim como a personagem do conto Dos Palabras de Isabel Allende, as escritoras analisadas neste trabalho vêem nas palavras a saída, a arma, a cura de uma sociedade latinoamericana repressora e unilateral. Não é de hoje a magia exercida pela força das palavras. Já nas sociedades pré-colombianas aqueles que tinham o poder sobre as palavras, recebiam um lugar de destaque na hierarquia social, os chamados Tlatoani, ou, aquele que possui a palavra. Os astecas, civilização da interpretação segundo Todorov, tinham uma série de regras do bem falar, uma delas recolhidas do Codex Florentino, dizia: “Você deve falar lentamente, bem pausadamente; não deve falar precipitadamente, nem ofegando, nem em falsete, senão dirão que você é um gemedor, um resmungão, um tagarela. Você também não deve gritar, senão será tratado de imbecil, de sem vergonha, de bruto, de verdadeiro bruto. (...) Você deve esmerar-se, adoçar suas palavras, sua voz”. (Codex Florentino apud TODOROV, 1993, p.75.)

Também nas mesmas sociedades, as palavras estavam associadas às mulheres, enquanto aos homens cabiam as armas. Apesar dessa predestinação às palavras, durante séculos e séculos as mulheres estiveram em silêncio, e submissas à história alheia, à história contada pelos dominantes que lhes negavam o discurso próprio, que lhes negavam a construção de uma identidade feminina. Segundo Todorov, a palavra da mulher que não luta com as flechas, que não designa o mundo, tem razão de ser na ação sobre outrem, e talvez por isso Alfonsina Storni, a mulher nascida no fim do século XIX teve um papel crucial na literatura Argentina de princípios do século XX, e foi um marco na poesia e na descoberta desta identidade feminina suprimida. Storni é uma mulher com ânsias de vida, criada no interior da Argentina que chega à capital Buenos Aires, nas duas primeiras décadas do século XX, com a necessidade de viver, de ser livre, fugindo da mentalidade provinciana de Rosário de Santa Fé que não via com bons olhos uma mulher que quer assumir-se como sujeito, trabalhando e tendo as rédeas de seu destino. Porém a jovem não encontra na cidade grande a compreensão, a acolhida a uma mãe solteira, que sente e que quer sentir, quer amar, quer desejar. Então Alfonsina Storni, de temperamento intimista, que desde sua juventude já flertava com a morte, começa a escrever para não se deixar morrer e assim faz seu primeiro livro La inquietud Del Rosal de 1916, sobre o qual confessará anos mais tarde:

“Clavada en mi sillón, al lado de un horrible aparato para imprimir discos, dictando órdenes y correspondencias a la mecanógrafa, escribo mi primer libro de versos. ¡Dios te libre amigo mío, de La inquietud del rosal!...Pero escribí para no morir. [sem grifo no original]” (Storni apud OROSCO, 1940, p. 254.)

A escrita então, apresenta-se à poeta como a outra opção que não a morte, ou seja, já que não pode fazer de sua vida aquilo que sonhava, já que não pode ser livre como mulher, as palavras passam a ser o desafogar das mágoas, o curar. As palavras a livram dos males que se acumulam em sua alma. No primeiro livro, Alfonsina Storni fala de amor, porém nos seguintes livros, a poeta que falava apenas de si, começa a falar de um Nós e se torna social, um Nós que abarca a todas as mulheres que não tem voz, que não tem direitos em uma sociedade dominada por poucos que ditam regras e comportamentos. Tratarão desse tema diversos de seus poemas como Hombre Pequeñito, Bien Pudiera Ser, Capricho, Tu me Quieres Blanca, e Veinte Siglos em que diz: “PARA decirte, amor, que te deseo, Sin los rubores falsos Del instinto, Estuve atada como Prometeo, Pero una tarde me salí del cinto. Son veinte siglos que movió mi mano Para poder decirte sin rubores: “Que la luz edifique mis amores”. ¡Son veinte siglos los que alzó mi mano! Pasan las flechas sobre mis cabellos, Pasan las flechas, aguzados dardos... ¡Son veinte siglos de terribles fardos! Sentí su peso al libertarme de ellos.” [sem grifo no original] (STORNI, 1956, p.54.)

Alfonsina é a mulher que quer agir sobre outrem, que quer negar o silencio e que têm na palavra o poder que consegui-lo. A palavra serve como maneira de extravasar o guardado, o reprimido, não só para curar-se do peso dos vinte séculos de silêncio, mas para curar a sociedade, tendo coragem de transgredir com essa palavra os limites impostos ao gênero feminino. Alfonsina Storni busca seu espaço na sociedade e passa através da poesia, do uso das palavras, a fazer parte dos salões literários de Buenos Aires, fato este não comum a uma mulher da época. Porém já cansada de lutar, de não encontrar a vida que buscava nos versos, a poeta que transgride e luta com as palavras se suicida, deixando-se levar pelo mar aos 46 anos, porém

como ela mesma disse em seu poema La palabra, tem plena consciência que está gravada para sempre nos homens: “NATURALEZA: gracias por este don supremo Del verso, que me diste; Yo soy la mujer triste A quien Caronte ya mostró su remo ¿Qué fuera de mi vida sin la dulce palabra? Como el óxido labra Sus arabescos ocres, Yo me grabé en los hombres, sublimes o mediocres Mientras vaciaba el pomo, caliente, de mi pecho, No sentía el acecho Torvo y feroz, de la sirena negra Me salí de mi carne, gocé el goce más alto: Oponer una frase de basalto Al genio oscuro que nos desintegra.” [sem grifo no original]

(STORNI, 1956, p.128). Da mesma forma, muitos anos mais tarde, ou seja, final do século XX, em outro lugar da América Latina, Colômbia, uma outra escritora com um outro tipo de produção, o romance, traz à discussão a palavra da mulher. Laura Restrepo, em sua ficção Dulce Compañía de 1995, traz como narradora uma jornalista que escreve a história de um suposto anjo que havia aparecido na Colômbia. O anjo que arrasta um bairro pobre inteiro para seu culto é filho de uma mulher. Uma mulher pobre que é estuprada quando jovem e que estava prometida por seu pai a um velho rico, que exigia como única condição ao casamento, a virgindade da noiva. Após o estupro, a menina fica grávida e é levada pelo pai para longe do povoado em que viviam com o intuito de que o noivo não descubra o ocorrido. A criança nasce, é tirada dos braços da mãe e vendida pelo avô. A menina então volta ao povoado e é forçada a casar-se. O noivo descobre que ela não é mais virgem e a devolve. A menina arrasada e sem o filho, passa a trabalhar com um padre ajudando-o nas missas, porém todos os dias sai em busca do filho perdido. Muitos anos depois, com o antigo padre já morto e após passar por uma série de dificuldades, a já mulher e com um novo filho, de um outro padre que a obrigava a cumprir outras funções além de preparar a missa, a personagem reencontra o filho perdido, reconhecendo-o pelo olfato. O rapaz falava idiomas estranhos e tinha um comportamento diferente, o que levou a todos a ver neste algo de sobrenatural, algo de divino e que ocasionou o culto ao anjo.

Sete anos antes da aparição do anjo, sua mãe tinha transes em que não parava de escrever e enchia cadernos inteiros, essas palavras da mãe foram consideradas por todos a anunciação da chegada do anjo, que se comunicava através dos livros, já que não falava o espanhol. A jornalista narradora, ao conhecer o anjo se impressiona e se apaixona por ele, mas com os olhos da razão desconfia que ele sofra de algum problema mental como o autismo, já que parece viver em um mundo paralelo. Para as pessoas do lugar os ditos cadernos são da autoria do anjo, mas será que uma mulher com a trajetória de sua mãe não poderia, utilizando-se do conceito de Lacan tomado por Yanira Alemán da palavra que cura, curar-se de todos as dificuldades e repressões sofridas através da liberação de tudo na forma de palavras? E será que estas palavras seriam propagadas e disseminadas se tivessem como autor uma mulher? Nas palavras do anjo podemos encontrar uma visão sobre a mulher negada pela história e pela bíblia, uma visão “transgressora”, ‘libertadora” do papel dessa mulher na sociedade. O anjo, ao contrário da sociedade repressora, sabe, como se sentisse o peso de vinte séculos de repressão e esperasse a hora da mudança. Diz o anjo: “Bien lo dijo el profeta cuando dijo: ‘Tendrías que ser mujer para saber lo que significa vivir con el desprecio de Dios” (RESTREPO, 1997, p.88). E mais adiante nos mesmos cadernos encontramos a vontade do anjo: “A cambio, abriré las puertas de tu templo interior y dejaré que tus ojos vean el misterio. El misterio inefable, que Dios ha querido hacer accesible sólo a sacerdotes y hierofantes. Yo lo pondré en tus manos, mujer. Ha llegado la era en que también tú conozcas los arcanos. Volarás sobre mi lomo y te será dado ver los cimientos del universo, la piedra angular de la tierra, las cuatro columnas del cielo, los secretos del tiempo que se vuelve espacio y puede recorrerse hacia delante y hacia atrás. Los escondites del viento, las llanuras donde pastan las nubes, los depósitos de granizo, las inmensas albercas donde espera la lluvia...” (RESTREPO, 1997, p.90).

A jornalista acaba envolvendo-se com o anjo e engravidando deste. Durante a gravidez o anjo morre e o povo do lugar tem a esperança do nascimento de um novo anjo, filho deste e da narradora. Porém quando nasce a criança as esperanças se diluem, pois ela dá a luz a uma menina e como se sabe pelas crenças e pela história, nunca a uma mulher seria concedida a benção de ser anjo: “Desde entonces es bien conocida la desconfianza que el Señor manifiesta hacia la mujer, pese ha haberla creado, por considerarla fuente de suciedad y de pecado, y es

voluntad del Señor que tanto sus ángeles en el cielo como sus santos varones en la tierra se mantengan alejados de ella como principal requisito para conservar su virtud.”

(RESTREPO, 1997,88). Sendo assim, as palavras de Doña Ara, a mãe do anjo, não teriam valor para a sociedade se lhe fosse concedida a autoria, razão pela qual o anjo serve de suporte para dar verdade à palavra que quer o desabafo, a cura, mas também da palavra que quer lutar, mudar o estático e liberar o silenciado. Como diz Márgara Russotto: “Pues si es verdad que las mujeres escriben sobre mujeres - son su propio objeto de ficcionalización - lo cierto es que son leídas y juzgadas por los hombres. O sea, por los “guardianes del discurso” en la feliz expresión de Terry Eagleton, quienes tienden a perpetuar los cánones literarios.” ( Russoto apud PIZARRO, 1994, p.809).

Retomando ainda Todorov, as mulheres que tomo a liberdade de chamar as novas Tlatoani (já que este papel cabia apenas ao homem nas sociedades pré-colombianas), ou seja, aquelas que possuem a palavra e que com ela tem a função não de designar o mundo de uma forma autoritária, mas de agir sobre outrem, se utilizam deste dom para transformá-lo em arma contra o silêncio, fazendo suas penas e dores conhecidos de todos e reivindicando seu espaço e o direito de construir uma identidade feminina, não simplesmente conformando-se de acatar o já estabelecido, mas transformando, libertando, abrindo caminhos. Alfonsina Storni é um marco na produção poética argentina e suas palavras duradouras permanecem até nossos dias fazendo eco em muitas outras produções como a de Laura Restrepo, que se encontra afastada tanto temporal como geograficamente, mas que reitera a luta pela liberdade e faz da palavra escrita que vence os séculos, a palavra mágica, sua arma de combate. Alfonsina se renovava a cada verso que vertia no papel, deixando sair o veneno acumulado durante vinte séculos de repressão. Foi a mulher que antes de Belisa Crepusculario, do conto de Isabel Allende que serviu de epígrafe para este trabalho, aprendeu qual a força das palavras e foi semente para muitas que como ela e posteriormente Laura Restrepo souberam que vender palavras mais que uma alternativa decente a uma existência sem escolhas é construir, é agir sobre e modificar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALEMÁN, Yanira. Secretos siniestros y el poder de las palabras en la literatura. Versão 1.0. Porto Alegre. Atualizado em 31 de julho de 2005. Referência obtida na Internet. (31 de julho de 2005) ALLENDE, Isabel. Cuentos de Eva Luna. Buenos Aires: Sudamericana, 1990. ETCHENIQUE, Nira. Alfonsina Storni. Buenos Aires: La Mandrágora, 1958 GUERRA, Lucía. La Mujer Fragmentada (Historias de un Signo). Colombia: Casa de las Américas, 1994. MACHADO, Ana Maria Netto. Presença e implicações da noção de escrita na obra de Jacques Lacan. Ijuí: Unijuí, 2000. OROSCO, María Teresa. Alfonsina Storni. Buenos Aires: Imprenta de la Universidad, 1940. (Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires, Instituto de Literatura Argentina, Sección de Crítica, V. II, num. 4) PERCAS, Helena. La Poesía Femenina Argentina. Madrid: Ediciones Cultura Hispánica, 1958. RESTREPO, Laura. Dulce Compañía. México: Editorial Grijalbo, 1997. RUSSOTO, Márgara. Punto y pomo del discurso: la voz femenina en la poesía latinoamericana. In: PIZARRO, Ana (Org.) América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. São Paulo: UNICAMP, 1994, V. 2. STORNI, Alfonsina. Antología Poética. Buenos Aires: Losada, 1956. _______.Poesías de Alfonsina Storni. Buenos Aires: Universitaria de Buenos Aires, 1961. TODOROV, Tzvetan. A conquista da América (A questão do outro). São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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