Algumas considerações sobre parte da produção historiográfica da Educação Física das décadas de 1980 e 1990

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16/06/2015

Algumas considerações sobre parte da produção historiográfica da Educação Física das décadas de 1980 e 1990

Algumas considerações sobre parte da produção  historiográfica da Educação Física das décadas de 1980 e 1990 Algunas consideraciones sobre parte de la producción historiográfica de la Educación Física de las décadas de 1980 a 1990 Mestrando em Educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF (Brasil)

 

 

 

Felipe Lameu dos Santos [email protected]

 

  Resumo           O objetivo desse texto é apresentar alguns apontamentos sobre três trabalhos importantes da produção historiográfica da Educação Física brasileira dos anos de 1980 e 1990. Irei apresentar as ideias principais defendidas pelos autores, suas formas de análise e as fontes utilizadas centrando meu olhar no período do século XIX.           Unitermos: Historiografia. História da Educação Física. Crise de identidade.   Resumen           El objetivo de este artículo es presentar algunas notas sobre tres importantes trabajos de producción historiográfica de la Educación Física brasileña entre 1980 y 1990. Voy a presentar las ideas principales defendidas por los autores, de sus formas de análisis y las fuentes utilizadas concentrando la mirada en el periodo del siglo XIX.           Palabras clave: Historiografía. Historia de la Educación Física. Crisis de identidad.   Recepção: 14/05/2015 ­ Aceitação: 12/06/2015   EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires ­ Año 20 ­ Nº 205 ­ Junio de 2015. http://www.efdeportes.com/

 

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Introdução     O objetivo desse texto é apresentar alguns apontamentos sobre três trabalhos importantes da produção historiográfica da Educação Física brasileira dos anos de 1980 e 1990. Esses textos são: “Educação Física Progressista” de Paulo Ghiraldelli Júnior (1989); “Educação Física:  raízes  européias  e  Brasil”  de  Carmen  Lúcia  Soares  (2004)  e  “Educação  Física  no  Brasil:  a  história  que  não  se  conta”  de  Lino Castellani Filho (1988).

    Esses textos foram produzidos em meio à efervescência dos acontecimentos políticos que marcaram a redemocratização do Brasil na década de 1980. Momento em que se voltou a se cogitar a possibilidade de intervenção na realidade após tantos anos de ditadura militar. Um momento que ficou conhecido na Educação Física como “Crise de Identidade” da Educação Física (Medina, 2010).     Esses textos foram de grande importância para a História da Educação Física, pois mudaram radicalmente a produção historiográfica da  área  servindo  de  contraponto  de  toda  a  História  da  Educação  Física  que  já  tinha  sido  escrita  no  Brasil  e  influenciaram  e  ainda  são influenciam estudos posteriores.     Nesse texto irei apresentar as ideias principais defendidas pelos autores, suas formas de análise e as fontes utilizadas centrando meu olhar no período do século XIX. Sem a pretensão de esgotar o tema, tenha apenas a finalidade de apresentar algumas considerações de um aprendiz do fazer historiográfico. Síntese das idéias centrais dos autores     Paiva (2003) discute o que ela chamou de o “senso comum acadêmico da Educação Física”. Ela não pensa “senso comum” como algo,

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necessariamente  pejorativo.  Para  ela,  esta  expressão  representa  os  lugares  comuns  em  que  as  ideias  de  um  determinado  campo  se encontram  em  consenso.  No  senso  comum  da  Educação  Física  está  a  ideia  de  que  a  medicina  de  cunho  higienista  forjou  uma  visão anatomofisiológica do corpo durante o século XIX e início do XX. Nessa visão, a Educação Física passava a ser pensada como uma forma de intervenção para melhorar o estado de saúde do corpo individual e, por consequência, do corpo social como um todo.     Ainda segundo Paiva (2003), as obras mais importantes para a formulação desse “senso comum” sobre os anos finais do século XIX na Educação Física foram os trabalhos de Paulo Ghiraldelli Júnior (1989) e Lino Castellani Filho (1988). Além desses dois trabalhos, pode­ se adicionar o livro de Carmen Lúcia Soares (2004), pois ele trata, especificamente, da relação do pensamento médico com a Educação Física no final do século XIX e início do XX, tendo tido grande repercussão na área.     Soares (2004), Castellani Filho (1988) e Ghiraldelli Júnior (1989) concordam com a proposição de que a Educação Física no Brasil é devedora dos saberes vindos dos meios militares e da medicina. Os três autores seguem com o argumento de que a Educação Física do período final do dezenove era pensada como uma forma de melhorar o estado de saúde do brasileiro. Para Castellani Filho (1988), os médicos se preocuparam em denunciar, ao longo do século XIX, os malefícios das formas e estruturas coloniais de se lidar com o corpo, e,  se  autoproclamaram  como  os  mais  competentes  para  redefinir  os  padrões  de  conduta  física,  moral  e  intelectual  dos  brasileiros calcados numa medicina de cunho higienista. Nesse projeto dos médicos, a Educação Física seria uma forma de redefinição do corpo do brasileiro  agindo  nos  aspectos  físicos  e  morais.  Já  para  Ghiraldelli  Júnior  (1989)  a  Educação  Física  tinha  como  objetivo  disciplinar  os hábitos para que elas se afastassem de práticas capazes de provocar a deterioração da saúde e da moral. Ainda segundo Ghiraldelli foi nesse período que a tendência da Educação Física que ele classificou como “higienista” foi predominante tendo como principal objetivo criar “homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação.” (p. 17).         Soares  (2004)  também  concorda  com  essas  proposições.  Todavia,  sua  análise  é  mais  detalhada  e  profunda.  Um  ponto  muito importante  sinalizado  em  seu  trabalho  é  a  distinção  entre  Educação  Física,  e,  educação  física.  A  primeira  como  um  componente  da educação  formal  ligada  à  prática  de  atividades  físicas,  a  segunda  como  algo  mais  amplo  não  necessariamente  ligado  ao  corpo  em movimento, algo próximo à educação do corpo.         Para  os  três  autores,  a  Educação  Física  estaria  ligada  a  um  projeto  de  educação  que  propunha  uma  educação  intelectual,  moral  e física. Essa educação teria como objetivo moldar um novo povo necessário para a instalação do capitalismo no Brasil.     Como porta­voz desse modelo de educação os três autores citam Rui Barbosa e o seu parecer destinado à câmara sobre a reforma do ensino  primário  e  várias  instituições  complementares  da  instrução  pública  de  1883.  O  parecer  de  Rui  Barbosa  foi  tão  importante  nas análises  feitas  por  esses  autores  que  certos  pontos  retirados  do  texto  de  Rui  Barbosa  se  repetem  nos  trabalhos  de  Soares  (2004)  e Ghiraldelli Júnior (1989), como por exemplo:         A  ignorância  que  nos  afligem  é  está,  e  somente  esta:  a  ignorância  popular,  mãe  da  servilidade  e  da  miséria.  Eis  o formidável  inimigo  intestino,  que  se  asila  nas  entranhas  do  país.  (Barbosa,  1883,  apud  Guiraldelli  Júnior,  (1989),  p.  22; Barbosa, 1883, apud Soares, 2004, p. 88)     Para os autores, esse projeto de educação via a ignorância popular como o maior obstáculo para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil  e  a  solução  desse  problema  viria  por  uma  educação  física,  moral  e  intelectual.  Sendo  que,  segundo  os  autores,  o  corpo  era pensado a partir do viés anatomofisiológico muito influenciado pelas interpretações vindas do saber médico que começa a se legitimar como o hegemônico sobre o corpo. Soares (2004) sintetiza esses argumentos da seguinte forma:     O pensamento médico higienista [...] construiu um discurso normativo, disciplinador e moral. A abordagem positivista de ciência e a moral burguesa estiveram na base de suas propostas de disciplinamento dos corpos, dos hábitos e da vida dos indivíduos. Tudo em nome da saúde, da paz e da harmonia social... em nome da civilização! (Soares, 2004, p. 70).     Assim para os autores, nesse período, a Educação Física representou o papel da prática que tinha como principal objetivo disciplinar os corpos para a implantação do capitalismo que começava a se instaurar no Brasil no final do período Imperial. Abordagens metodológicas         Os  três  trabalhos,  principalmente  os  de  Castellani  (1988)  e  Ghiraldelli  Júnior  (1989),  são  bem  panorâmicos.  Isso  se  explica  pelo momento  da  produção  historiográfica  onde  se  buscava  um  contraponto  com  a  produção  anterior.  Isso  fez  com  que  um  produção panorâmica  fosse  uma  forma  de  encarar  o  estudo  histórico  da  Educação  Física,  pois  com  poucos  trabalhos  se  poderia  contrapor  a “História  oficial  da  Educação  Física”  representada  principalmente  pelos  os  estudos  de  Inezil  Penna  Marinho,  sobre  esse  assunto  vale  à pena conferir Ferreira Neto (1996).

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        Falando  especificamente  de  Castellani  Filho  (1988),  este  autor  baseia­se  no  materialismo  histórico  dialético.  Inspirado  em  Adam Schaff,  o  autor  não  vê  a  história  como  verdade  absoluta,  definitivamente  acabada,  mas  como  processo  sujeito  a  constantes reinterpretações.     No método ele pensa em desnudar a Educação Física a partir de uma perspectiva histórica “para ver o que ela realmente é”.     [...] para descrevermos com propriedade a Educação Física, teríamos que despi­la das vestes por ela até então trajadas (descaracterizá­la,  portanto),  pretendendo­se,  com  o  gesto  de  desnudá­la,  desvendarmos  e  passarmos  a  entender  a personagem por ela representada no cenário educacional armado no palco social brasileiro. (Castellani Filho, 1988, p. 11).     Ele acredita que a Educação Física ao longo de sua história representou diferentes papeis. Só desnudando a Educação Física podemos compreender o verdadeiro papel por ela representado ao longo da história.     Castellani (1988) pensava que no momento histórico em que ele vivia (1980­90) uma nova história da Educação Física precisava ser escrita, por isso ele propõe reescrevê­la. A ideia que a História da Educação Física precisava ser reescrita também se encontra, de certa forma, nos trabalhos de Soares (2004) e Ghiraldelli Júnior (1989).     A diferença principal do método de Soares (2004) é a utilização de Foucault para analisar o controle dos corpos por meio da educação física na sociedade moderna, de forma menos profunda esse argumento pode ser encontrado em Castellani Filho (1988). Soares (2004), assim  como  Castellani  Filho  (1988)  e  em  Ghiraldelli  Júnior  (1989)  analisam  conjuntura  com  forte  influência  do  materialismo  histórico dialético.     Um ponto interessante em Ghiraldelli (1989) é que o autor não se propõe fazer um trabalho histórico. “É preciso alertar que este texto não  é,  de  forma  alguma,  um  texto  de  ‘História  da  Educação  Física’.”  (p.  35).  Na  verdade  o  objetivo  do  texto  era  estabelecer  relações entre o pensamento de diversos setores da sociedade ao longo do tempo e a Educação Física. Mesmo deixando isso claro em seu texto ele foi e ainda é tratado em muitos momentos na Educação Física como um trabalho histórico.     Os três trabalhos são bem panorâmicos. Isso deixou espaço para estudos posteriores se aprofundarem nos temas apontados. Esses três  trabalhos  serviriam  como  um  contraponto  de  toda  a  história  da  Educação  Física  que  tinha  sido  escrita  no  Brasil  por  trazer  novos métodos até então pouco utilizados na Educação Física. Fontes     Sobre as fontes ocorreu uma surpresa. Os autores praticamente não utilizam fontes primarias para falar sobre o período do século XIX.     Ghiraldelli (1989) não utiliza nenhuma fonte primaria para tratar o período. A única fonte por ele utilizada foi o Parecer de Rui Barbosa, contudo de segunda mão. O Parecer foi citado a partir de um texto de 1954 “A Pedagogia de Rui Barbosa” de autoria de Lourenço Filho. Ou seja, para falar sobre o período ele utiliza apenas uma fonte, sendo está, uma fonte secundária.         Castellani  Filho  (1988)  também  não  utiliza  nenhuma  fonte  primaria  para  tratar  do  período.  Ele  também  utiliza  Rui  Barbosa  só  que citado  a  partir  do  livro  “História  Geral  da  Educação  Física”  de  Inezil  Penna  Marinho.  Outras  principais  fontes  secundárias  que  ele  usou foram outros trabalhos de Inezil Penna Marinho, Jurandir Freire Costa com “Ordem médica e norma familiar” e Francisco Alencar com “História da sociedade brasileira”.     Já Soares (2004) utiliza algumas fontes primárias para falar sobre o período, embora a maior parte das fontes fossem secundárias. Dentre as fonte primárias podemos encontrar o Decreto n. 7.247 de 19 de Abril de 1879 (Reforma Leôncio de Carvalho) e o Parecer de Rui Barbosa. As principais fontes secundárias foram os estudos de Inezil Penna Marinho e Jurandir Freire Costa.     É curioso perceber que o principal autor que eles buscavam criticar (Inezil Penna Marinho) também era o mais utilizado para falar sobre a História da Educação Física. Também podemos perceber a carência de fontes primarias em seus estudos. Palavras finais     A leitura desses três textos demonstrou que embora tenha sido de grande importância para a área nas décadas de 1980 e 1990 hoje devem  ser  lidos  com  muita  cautela.  Principalmente  quando  se  trata  do  período  do  século  XIX,  isso  pela  carência  de  fontes  por  eles utilizadas para tratar de um objeto tão amplo como o Panorama da História da Educação Física no século XIX. Um objeto tão amplo não pode ser tratado historicamente sem um conjunto de fontes que possam dar conta desse objeto.

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        Contudo  a  leitura  desses  textos  ainda  é  importante  para  os  interessados  na  História  da  Educação  Física  pela  importância  que  eles representaram na mudança do paradigma de entendimento não só da História da Educação Física, mas também para toda a área. Bibliografia Castellani Filho, L. (1988). Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas, SP: Papirus. Ferreira Neto, A. (1996). O Contexto de Produção de Educação Física no Brasil: A História que não se Conta. In: A. Ferreira Neto (Org.). Pesquisa Histórica na Educação Física Brasileira. Vitória ES: CEFD/UFES, v.1, p. 189­229. Ghiraldelli Junior, P. (1989). Educação Física Progressista: a pedagogia crítico­social dos conteúdos e a Educação Física brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Loyola. Medina, J. P. S. (2010). Educação Física cuida do corpo... e “mente”: novas contradições e desafios do século XXI. Campinas, SP: Papirus. Paiva, F.  S.  L.  (2003).  Sobre  o  pensamento  médico­higienista  oitocentista  e  a  escolarização:  condições  de  possibilidade  para  o engendramento  do  campo  da  Educação  Física  no  Brasil.  452  f.  Tese  (Doutorado  em  Educação)  Universidade  Federal  de  Minas Gerais, Belo Horizonte. Soares, C. L. (2004). Educação Física: raízes européias e Brasil. 3ª Ed. Campinas, SP: Autores Associados. Outros artigos em Portugués

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 205 | Buenos Aires, Junio de 2015   Lecturas: Educación Física y Deportes ­ ISSN 1514­3465 ­ © 1997­2015 Derechos reservados

   

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