Algumas notas sobre a história contemporânea de África

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Algumas notas sobre a História Contemporânea de África Carlos Filipe Afonso Instituto de Estudos Superiores Militares

Introdução A presente comunicação insere-se no programa do Curso de Estudos Africanos 2015. Gostaríamos de começar por invocar Fernand Braudel, reconhecido historiador francês e figura de proa de uma segunda geração da escola dos Annales de Histoire Économique et Sociale (e já agora, não escondemos, personagem que, pessoalmente muito admiramos). Defendia, Braudel, que a História devia ser vista na perspetiva do estudo do presente através do estudo do passado, incidindo no chamado estudo do “tempo longo” (longue durée). Esta noção de tempo longo remete-nos para uma história que não seja uma narrativa dos acontecimentos, mas sim a análise das estruturas e das suas transformações profundas, que são somente visíveis após várias gerações. É nesta linha que nos propomos apresentar esta sessão: observar alguns indicadores da África do presente e procurar no passado contemporâneo as suas justificações ou condicionantes principais. Para cumprir este propósito, organizámos esta comunicação em três partes, seguidas de umas notas finais: iniciaremos com uma reflexão sobre o que poderá ser uma história contemporânea de África, identificando as caraterísticas do tempo presente em relação às quais importa identificar um passado; na segunda e na terceira partes, focar-nos-emos, respetivamente, em algumas dinâmicas internas e externas que, na história contemporânea de África parecem ter sido determinantes para o que observamos hoje e, finalmente, concluiremos com algumas notas breves.

O que é uma história contemporânea de África? Num artigo publicado no International Journal of Psychology, em 2011, sobre as representações sociais da história e o futuro de seis países africanos 1, o coletivo de autores utiliza, como parte da construção do seu argumento, aquelas que refere como as quatro tendências instintivas do ser humano quando olha para o passado. A primeira é a de considerar os eventos mais recentes como mais importantes do que os mais remotos. Normalmente este fenómeno abrange três gerações (até aos avós), até onde o cidadão 1

Trata-se de um estudo coletivo levado a cabo por um conjunto de investigadores de Portugal, Nova Zelândia, Bélgica, Angola, Moçambique e Canadá, que estudaram a representação social do passado em seis países africanos: Angola, Burundi, Cabo Verde, Congo, Guiné-Bissau e Moçambique), tendo-se constatado uma maior prevalência da narrativa de libertação colonial nas três ex-colónias portuguesas (Cabecinhas, et al., 2013).

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comum consegue facilmente ordenar cronologicamente os fenómenos. O passado mais recuado tende a ser arrumado todo, em conjunto, numa outra gaveta. Outra tendência consiste na centralidade da política e da conflitualidade. Pela frequência com que ocorre e pelo impacto social, a conflitualidade tende a constituir-se numa espécie de fio condutor da história, a partir do qual se constrói tudo o resto. Os conflitos desempenham um papel central no processo de construção da nação, assumindo, frequentemente o caráter fundacional. Há ainda uma terceira tendência, para a visão sociocêntrica nacional. Cada sociedade tende a considerar que os eventos que lhe dizem diretamente respeito são mais importantes do que os que não se refiram ao seu país. Por último, assiste-se à tendência para a visão ocidental. É muito frequente quando se olha para o passado de espaços que não são Europa nem América do Norte, utilizar o passado destes espaços como referência para as outras regiões do Mundo. A história surge aqui como uma espécie de representação das culturas dominantes ocidentais, em que as restantes se encaixam e taxonomizam em função das primeiras. É esta quarta tendência que nos leva a perguntar qual o alcance de uma história contemporânea de África. Ou pelo menos se este título adquire o mesmo significado que a história contemporânea da Europa e do mundo ocidental em geral. É sabido que a divisão cronológica da história se deve a uma conveniência de estudo: não são os acontecimentos que determinam os períodos. São os investigadores que utilizam acontecimentos e transições sociais como referências balizadoras dos seus estudos. Os acontecimentos considerados dependem da área geográfica observada e a perspetiva da abordagem, que pode ser política, social, económica, militar e assim por diante. A África não é a Europa e apesar de ter parte de um passado comum, tem o seu próprio ritmo. Quando falamos de história contemporânea e nos referimos à Europa e às Américas e, em certa medida à Ásia, pensamos nos fenómenos políticos e culturais que usamos como marco inicial: a eclosão das filosofias da razão, do iluminismo e da sua materialização nas revoluções americana e francesa e nas repercussões no mundo na primeira metade do século XIX. Mas será que faz sentido pensar nesta contemporaneidade ocidental quando nos debruçamos sobre África? Em relação a África, esta contemporaneidade, consagrada nos compêndios de história, não parece fazer sentido: no início do século XIX, a esmagadora maioria dos africanos vivia o seu ritmo e não conhecia os europeus, que ocupavam as faixas costeiras e só se aventuravam no interland seguindo o curso dos rios principais. Na segunda metade do século XIX, há a corrida europeia para África e o grande esforço de colonização, que se prolonga até meados do século XX. Depois, temos o inverso: a descolonização. Neste momento vivemos um período que, aos olhos do mundo, começámos a chamar de pós-colonial. Até 1945, a história de África foi sendo claramente subordinada à colonização. Os trabalhos sobre o passado africano eram dominados pelas justificações ideológicas do domínio europeu no continente. Era uma história inspirada no pensamento social-darwinista, da evolução da humanidade. Não admitia uma história de África: a África tinha passado, mas não tinha História. Era um continente sem mudanças, sem dinâmica e sem conquista cultural. Assentava num conjunto de ideias preconcebidas sobre o caráter dos africanos: que eram

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imitadores e não criativos e que não tinham pensamento crítico. Para os europeus, qualquer avanço cultural africano era devido à emigração branca 2. Sob esta visão, justificava-se a subjugação colonial e a recusa em admitir a autodeterminação e a democracia. O que veio alterar este estado de coisas foram as condições que a Segunda Guerra Mundial impôs ao mundo em geral e a África em particular e que, virtualmente, criou oportunidade para que o pequeno grupo de africanos que foi recebendo formação académica, pudesse colocar em causa o desenho do passado feito pelos europeus. A África de 1945 não era já a mesma do período anterior. É interessante notar que, para os africanos, o conflito começou mais cedo do que para os europeus: em 1936, a Itália fascista invadiu e ocupou a Etiópia independente, tendo mobilizado 400 mil militares. O imperador Hailé Selassié permaneceu no exílio em Inglaterra, até 1941, quando tropas britânicas e indianas libertaram o país e permitiram o restabelecimento do governo. Sélassié viria a ser um dos protagonistas do movimento dos Não-Alinhados, em Bandung, 1955, e na primeira cimeira, de 1961. Foi, também, o primeiro presidente da Organização para a Unidade Africana, em 1963. A guerra teve implicações para África que acabaram por catalisar o processo de descolonização, que podemos considerar de duas ordens: i) decorrentes da intervenção indireta dos africanos no conflito; ii) decorrentes da intervenção direta. Poderemos considerar que as implicações indiretas se acentuaram depois da queda do sudeste asiático nas mãos dos japoneses, quando o continente africano se assumiu como principal gerador de matérias-primas para os aliados. Esta condição de “fornecedor” teve uma faceta positiva ao nível do desenvolvimento de infraestruturas agrícolas, mineiras, industriais e de transportes, nomeadamente portuárias e aeroportuárias. No entanto, a faceta negativa residiu no facto de que o incremento da produção assentou na imposição forçada de trabalho, o que contribuiu para o acentuar do ódio dos africanos para com as potências coloniais. As implicações diretas estão relacionadas com dois fatores. Em primeiro lugar, a África suprassariana foi Teatro de Guerra durante três anos. Para conseguir o apoio dos africanos, os Aliados prometeram contrapartidas quando alcançassem a vitória. Os europeus, em especial os franceses, sentiram-se em dívida para com os africanos devido à sua contribuição de guerra. Em 1943, na Tunísia, o Exército Francês de Libertação contava com 73.000 efetivos, dos quais 50.000 eram magrebinos. O mesmo exército entrou na Alemanha, em 1945, com um total de 267.000 efetivos, dos quais 130.000 eram magrebinos 3. Em segundo lugar, os soldados africanos que combateram ao lado dos beligerantes, regressaram a casa com a consciência da dimensão do mundo e de que as potências coloniais não eram invencíveis 4.

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Döpcke, 1994, p. 76. Recham, 2000, pp. 236-240. A participação de soldados africanos já tinha sido evidente na Primeira Guerra Mundial, mas num contexto diferente, muito relacionado ainda com a afirmação colonial e com vários espaços da África subsariana a constituirem-se como Teatro de Operações. No entanto, a França mobilizara, já nesta altura, grandes contingentes magrebinos para o Front ocidental europeu. 4 Kerr, 2013, pp. 140-142. 3

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A descolonização asiática imediatamente a seguir à guerra, nomeadamente nas Filipinas (1946), no Paquistão e Índia (1947) e na Birmânia e Sri Lanka (1948), demonstrou aos povos africanos que a independência não só era possível, como também não havia tempo a perder. Acompanhando a descolonização física de África, também foi necessário proceder à descolonização da História de África. A ideologia dos movimentos de libertação caiu no oposto: apagar tudo aquilo que era do colonizador e procurar ou redescobrir um passado africano que significava, ao mesmo tempo, a recuperação da dignidade. Foi este processo que permitiu fundar uma história de África e utilizá-la na consolidação de estados-nação. Só que, neste processo, com agenda política muito marcada pelos movimentos de libertação, os vazios foram, muitas vezes, preenchidos com as agendas desses mesmos movimentos. Nos dias de hoje já beneficiamos de uma visão africana sobre o passado. Nas últimas décadas foi-se desenvolvendo uma historiografia africana própria. Em Angola e Moçambique independentes, a interpretação da história passou a assentar na denúncia da exploração colonial como causadora das assimetrias sociais e das relações de poder, numa África que, afinal, até é berço da humanidade 5. A história contemporânea de África vive, então, entre dois mundos: a historiografia colonial e a pós-colonial. Para perceber o presente, parece-nos fundamental uma boa análise crítica a ambas. Também não se pode assumir que a verosimilhança histórica esteja a meio caminho entre as duas abordagens, porque não é assim tão simples. Sabemos, no entanto, que nesta contemporaneidade de África, para perceber o presente pós-colonial, é preciso entender o passado colonial. E é aqui, nesta faixa de pouco mais de um século, que vamos encontrar o tempo longo da história contemporânea de África. Sem pretender entrar nas temáticas de outras sessões no Curso de Estudos Africanos, vamos identificar o nosso ponto de partida: o tempo presente. Podemos afirmar que, de uma forma geral, no continente predominam o autoritarismo, a corrupção, a intervenção militar, os insucessos de liderança e uma crise socioeconómica generalizada, cujo principal sintoma visível é a pobreza. Estas realidades, observadas presentemente, não têm uma só causa nem pretendemos, nesta apresentação, encontrar no passado recente as causas de todas as problemáticas que possamos identificar. Tendo sempre consciência que estamos a tratar de todo um imenso continente e que qualquer generalização é perigosa, a nossa abordagem irá no sentido de identificar, no passado colonial e pós colonial africano, algumas das dinâmicas internas e externas que afetaram e condicionaram o presente político e os seus reflexos sociais.

Dinâmicas internas Os africanos depositavam uma grande esperança na independência, esperando que trouxesse a solução para os seus problemas. Aguardavam-se grandes e rápidas mudanças mas, 5

Cabecinhas, et al., 2013.

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em muitos dos novos estados africanos, o entusiasmo acabou por ser de pouca dura. Uma visão panorâmica do processo revela que algo correu bastante mal neste percurso de independência e autogoverno. Vejamos, então cinco razões, apontadas por Donald Gordon 6. 1.Para a maioria dos estados africanos, a independência veio de forma abrupta A independência surgiu após uma ou duas décadas de ativismo político levado a cabo por uma parcela pequena das sociedades africanas. A maioria dos líderes africanos estava preparada para lutar pela independência, mas não para pensar no que fazer após a independência. Apesar dos diferentes tipos de colonização, em termos gerais, as potências coloniais não criaram condições para o fim da era colonial. Este aspeto das políticas coloniais tem importância porque, no caso da França e especialmente da Inglaterra, em que houve alguma preocupação, os resultados foram melhores do que nos espaços português e belga. Mesmo assim, ficaram muito aquém do que seria necessário porque os sistemas democráticos ou pseudodemocráticos criados pelas primeiras duas potências nunca estiveram verdadeiramente em sintonia com as culturas dos espaços onde eram implementadas. Vale a pena determo-nos um pouco mais nesta primeira razão, porque nos parece mais determinante do que as restantes quatro. Se tivéssemos que eleger os casos de maior sucesso, estariam certamente entre as antigas colónias britânicas. Mesmo não registando um procedimento uniforme em todos os espaços, o percurso colonial britânico passou pela doutrina de indirect rule, que preconizava que os europeus procuravam somente controlar os dirigentes tradicionais africanos, deixandolhes a tarefa mais difícil de manter a ordem entre a população. O sistema foi primeiramente experimentado pelo governador Frederick Lugard, no início do século XX, no norte da Nigéria, tendo passado depois a ser o modelo de quase todas as administrações coloniais britânicas, vigente entre o início da década de 1920 e o fim da década de 1940. A finalidade última do indirect rule era tornar as colónias autónomas, embora numa autonomia preferencialmente assente nas minorias brancas, que dominavam os conselhos legislativos. O sistema prevaleceu nas colónias do sul, como no caso da Rodésia do Sul, e veio contribuir para a manutenção de governos de minoria branca até muito tarde, mas o Quénia, logo em 1923, abriu um precedente para a aceitação de nativos nos conselhos executivos e legislativos. Naquele protetorado, a população de colonos europeus foi rapidamente ultrapassada em número pela de colonos indianos, igualmente súbditos britânicos, que se queixavam de não ter representatividade no conselho legislativo nem de poderem adquirir terras livremente 7. A pressão dos indianos acabou por resultar na sua aceitação no conselho, através do memorandum de Devonshire, que continha, logo no primeiro artigo, uma particularidade que se veio a revelar determinante porque abriu a porta para o autogoverno africano. Reconhecia a primazia dos interesses dos africanos e que sempre que os interesses dos colonos colidissem 6 7

Gordon, 2007, p. 62 e seguintes. Fage, 2002, p. 423.

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com os dos nativos, prevaleciam os nativos. Foi uma declaração política feita somente em relação ao Quénia e com o propósito de dissuadir a imigração de mais indianos, através do bloqueio da sua progressão para o interior e para os territórios dos Massais, dos Quicuius e dos Luos. Mas a ideia alastrou rapidamente para outros territórios sob domínio britânico e, em 1930, durante o governo do Partido Trabalhista, o ministro das colónias, Lord Passfield, promulgou um novo memorando. Nele, a Inglaterra declarava, expressamente, que a sua principal responsabilidade era a tutela das populações indígenas que não eram ainda capazes de se governar a si próprias, deixando implícito que, mais cedo ou mais tarde, os africanos poderiam vir a participar na governação em pé de igualdade com os colonos 8. Foi assim que logo na década de 1930, mas especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria das colónias britânicas introduziu reformas que aumentaram a representatividade das populações locais. Os membros dos conselhos legislativos e executivos foram sendo cada vez mais escolhidos através de eleições e a maioria dos membros desses conselhos passou a ser nativa. Na década de 1950, os conselhos eleitos ao nível local foram proliferando, chegando a reduzir e substituir o poder dos chefes tradicionais. Foi assim que, na África britânica, os africanos se habituaram a governar segundo modelos ocidentais. A África do Sul e as Rodésias do Norte e do Sul também viram aumentar a representatividade dos nativos nos seus governos, mas de forma bem mais limitada, devido ao facto de desde muito cedo os colonos europeus que governavam estas colónias terem beneficiado de grande autonomia em relação à coroa britânica. Foi desta forma que, excecionalmente no que respeita ao espaço colonial britânico, o domínio branco permaneceu até muito tarde. O sistema britânico da generalidade das colónias proporcionou melhores condições de autogoverno após as independências por duas vias: por um lado, o indirect rule fomentou a manutenção das estruturas tradicionais de governação; por outro lado, o aumento da representatividade dos nativos, nos conselhos legislativos e executivos, foi permitindo a ascensão de africanos às estruturas superiores de governo. Nas colónias francesas também teve lugar um processo semelhante de liberalização política. Primeiro, os franceses tentaram assimilar os povos africanos na cultura francesa. Mas, pela década de 1920, as convicções racistas da superioridade da cultura ocidental, confrontadas com o grande enraizamento das crenças e costumes tradicionais africanos acabaram por afastar aquela intenção. Os franceses optaram, então, por um programa mais limitado de assimilação das elites africanas na cultura ocidental, e usá-las, depois, como administradores locais, na condição de elos de ligação com a restante população. O caso francês deparou-se com sociedades africanas bastante distintas, sendo de notar que grande parte das colónias francesas era a norte do Sara e já tinham um histórico de autogoverno mais desenvolvido do que na África subsariana. Na Tunísia, antes da dominação francesa já existia um governo “constitucional” islâmico, no quadro de uma autonomia bastante alargada em relação ao império otomano. A 8

Idem, pp. 465-466.

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penetração francesa no território foi relativamente fácil. Na sequência de uma bancarrota tunisina, a França adquiriu a administração direta do território pelo tratado de Bardo e pelas convenções de Marsa, entre 1881 e 1883, bastando controlar o governo do Bei, para controlar todo o país. Em contrapartida, esta reduzida interferência francesa nas estruturas locais, também deu espaço para que logo no final da década de 1930, emergisse um partido político local, o “Neo-Destur” – “Nova Constituição”, liderado por Habib Bourguiba, que teve um papel central na independência, em 1957 9. Em Marrocos foi mais difícil. O primeiro representante-geral francês, o general Lyautey, teve de impor a ordem pela força e, em 1918, estava estabelecido o domínio francês em todas as terras junto à fronteira com a Argélia e no litoral. Mas para progredir para o interior tornou-se necessário um método mais engenhoso. O general promoveu a restauração do prestígio do Sultão, mantendo a estrutura de governação tradicional, o mahkzin, mas inserindo-o numa moderna administração superior, controlada por franceses. Em Marrocos e na Tunísia, consideradas protetorados, a França governava em nome do soberanos locais, mantendo as estruturas pré-existentes adaptadas, mas funcionais. Na Argélia, os franceses levaram a cabo uma guerra de conquista, entre 1830 e 1871, quando foi sufocada a última grande revolta. O país foi dividido em três départements, governados como se se tratassem de départements da própria França Europeia e os argelinos passaram a ser súbditos franceses. A governação da Argélia passou a ser assegurada por uma assembleia eleita, composta por 24 cidadãos franceses metropolitanos e 21 representantes nativos argelinos. O grau de intervenção dos argelinos na política do seu território melhorou ainda mais depois da sua participação na Primeira Guerra Mundial, em reconhecimento seu esforço de guerra. As colónias francesas subsarianas e equatoriais foram adquiridas pela força e aqui, o sistema de administração colonial não favoreceu a participação dos nativos. As principais entidades políticas africanas da região, como os Tuculores e os Samoris, ou o reino de Daomé, viram os seus sistemas de governo tradicional totalmente desmantelados e substituídos por um sistema governativo centralizado e autoritário. O Ministério das Colónias, em Paris, superentendia o Governador de cada colónia, que tinha delegados e comandants de cercle, responsáveis pelos distritos. Neste modelo, os africanos participavam somente como auxiliares locais. Entre as administrações coloniais que concederam menos espaço à participação dos nativos, encontram-se a portuguesa e a belga. Na segunda metade do século XIX, Portugal começou a enveredar pela descentralização do governo das colónias, mas este continuava a ser exercido por pessoal enviado da Metrópole, que ocupava os cargos mais elevados, e por colonos brancos nos níveis distrital e municipal. A Primeira República ainda tentou alguma abertura, a partir de 1920, mas o Estado Novo retrocedeu nesse movimento. Portugal considerava-se à frente de qualquer outra potência europeia no direito à posse de colónias, invocando o imperativo histórico dos descobrimentos. Acreditava na possibilidade de desenvolvimento dos africanos negros, mas sob tutela.

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Fage, 2002, p. 449.

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A seguir à Segunda Guerra Mundial, com as vozes da emancipação a multiplicarem-se, Portugal foi concedendo mais direitos de representação política às populações, embora sempre com alterações mínimas. Em 1951 é revisto o “Acto Colonial” de 1930, que consagrava a colonização como “essência orgânica da nação portuguesa” e abria caminho para um conceito de império colonial. Em 1930 era um decreto com força de lei; em 1951 o conceito passava a integrar a Constituição. As colónias passavam a designar-se por províncias e Portugal deixava de ser um Império para ser uma Nação multirracial e pluricontinental. É nas teorizações do sociólogo brasileiro Gilberto Freire que o Estado Novo da década de 1950 vai encontrar o suporte científico para este novo conceito: a colonização portuguesa é diferente e exemplar, porque é “pacífica, tolerante, propensa à fusão de culturas e mestiçagem e o português é um europeu que tem caraterísticas únicas que lhe permitem conviver bem com o ambiente, sociedade e cultura tropicais” 10. Em 1961, com Adriano Moreira na pasta das Colónias, passou-se a reconhecer a cidadania portuguesa a todos os habitantes dos territórios ultramarinos. Apesar de tudo o sistema português tendia a eliminar as autoridades tradicionais em vez de as usar como intermediárias. A ideia de cultura unificada era artificial e só começou a ser implementada em contraciclo com a tendência geral de descolonização e num momento em que os movimentos de libertação já tinham enveredado pela luta armada. Paradoxalmente, o esforço português de criação de uma identificação cultural entre a metrópole e os territórios ultramarinos também favoreceu os movimentos independentistas, na medida em que forneceu elementos aglutinadores essenciais à formação das novas identidades nacionais 11. A Bélgica talvez tenha sido a potência colonial com menor abertura à participação dos africanos na governação. Atuou no Congo sempre com uma postura muito centralizadora, concedendo muito pouca autonomia, inclusive aos colonos brancos. Estes constituíam somente 1% da população, mas detinham 95% das estruturas económicas em 1958 12. A centralização belga era de tal modo evidente que havia uma diferenciação clara entre os belgas com estatuto metropolitano e os colonos, a ponto destes últimos verem negada uma tentativa de estabelecimento de um parlamento local, em 1946, que não contaria com a presença de nativos até que estes atingissem um “nível suficiente de maturidade política”. Um número significativo de colonos integrava a Fédération congolaise des Classes moyennes (FEDACOL), que assumiu sempre oposição a quaisquer tentativas de integração social. Em relação aos africanos, a Bélgica mantinha uma postura de tal modo paternalista que, em 1950, 1/12 da população nativa frequentava as escolas primárias, um valor muito superior a qualquer outra colónia da África tropical. Mas já no que toca ao ensino secundário, o rácio descia brutalmente. Por cada 870 escolas primárias, havia somente uma secundária. Os belgas mantiveram o Congo, até ao fim, como se fosse uma espécie de reserva. Quando a independência chegou, a 30 de junho de 1960, o país estava totalmente impreparado.

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Torgal, et al., 2008, p. 51. Idem, p. 54. 12 Dunigan & Gann, 1975, p. 181. 11

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Vistas, em traços muito gerais, as principais modalidades de administração colonial (não referimos a alemã a italiana e a espanhola), estas mostram que as diferentes colónias dispunham de diferentes níveis de integração de nativos na sua governação e este fator teve implicações após a independência. Há também um dado interessante que está relacionado com os sistemas políticos estabelecidos nos novos estados, antigas colónias britânicas e francesas, cuja transição para a independência foi relativamente pacífica. O sistema britânico, por exemplo, é parlamentar, liderado por um primeiro-ministro. O Gana, a Nigéria e a Serra Leoa implementaram este modelo. O Senegal, a Costa do Marfim e o Mali herdaram o sistema francês de democracia presidencial. É interessante notar também que Angola e Moçambique a, depois de passarem por modelos governativos socialistas, foram-se aproximando do modelo português. Há ainda a referir uma outra consequência da independência abrupta: os casos em que se assistiu ao completo desmantelamento das estruturas de governação coloniais, feito pelos próprios administradores europeus, no momento da partida. Queimaram-se papéis e deixaram-se os edifícios a saque, em vez de se efetuar uma passagem para os novos líderes locais. Em muitos casos, este procedimento esteve associado à ocultação de provas de atrocidades contra os povos colonizados, mas pelo menos até certo ponto, pode-se pensar numa perspetiva de “mau perder”, como aconteceu na Guiné-Conacri, com a administração francesa. 2. O legado político do colonialismo não estava em sintonia com os modelos democráticos implementados a seguir. Independentemente do modelo seguido, a administração colonial era tendencialmente autoritária; os novos governos independentes eram, usualmente, socialistas e nem um modelo, nem o outro, estavam em sintonia com as idiossincrasias e tradições dos povos governados. A maioria das sociedades africanas vivia localmente antes da colonização europeia e o poder central ou colonial era exercido através de polícias, forças militares e presença destas forças em postos territoriais. Quem controlasse a força, controlava o território. Os novos líderes independentes perceberam isso rapidamente: que o autoritarismo era a forma mais eficaz de governação política e que a força era um instrumento aceitável para impor essa governação. Com a exceção de muito poucos países da África Negra, com destaque para o Botswana e a Gâmbia, a seguir à independência assistiu-se a uma rápida fuga ao pluralismo na direção da centralização do poder nas mãos de um partido único. Dos 17 novos estados surgidos em 1960, a esmagadora maioria obteve a independência da França. Desses, 13 estados estabeleceram regimes pluripartidários e os restantes 4 regimes de partido único ou de partido largamente dominante: o Alto Volta, a Costa do Marfim, o Mali e o Níger. Em 1976, quando terminam os processos de descolonização portugueses, Angola, Moçambique e GuinéBissau também têm regimes de partido único ou de partido claramente dominante. Nesse ano, dos 17 estados de 1960, seis vivem sob ditadura militar; dois, o Benim e a Republica Popular do Congo são manifestamente socialistas e os restantes nove são regimes de partido único.

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Uma outra evidência desta incompatibilidade é a incidência de golpes de estado no continente africano. Entre 1960 e 1985, registaram-se 131 tentativas de golpe militar em África, em que cerca de 60 tiveram sucesso. Em 54 países atualmente independentes, há só seis que não viveram um golpe, ou tentativa de golpe desde a independência. 3. Pouca preparação das colónias africanas para a autossobrevivência no que respeita às estruturas de produção, colapsando economicamente. As potências coloniais subordinaram a produção das colónias às necessidades da Europa e não às locais. As políticas económicas foram conduzidas em função da exploração dos melhores recursos do território e não da exploração dos recursos necessários à subsistência do território. Não está em causa a existência de estruturas de produção; o que está em causa é que as estruturas deixadas pelos colonos não se adequaram às necessidades dos novos estados independentes, gerando economias fracas e desajustadas. As culturas africanas privilegiadas no período colonial eram o café, o tabaco, o chá, o cacau, o sisal, o algodão e a borracha. Estes produtos não podem ser usados como géneros alimentícios e, além disso, à medida que estas produções aumentavam, nas colónias, o progresso tecnológico fazia reduzir as pessoas necessárias para as cultivar. Curiosamente, também neste campo os domínios britânicos criaram algumas condições para uma sorte diferente: durante a Segunda Guerra Mundial os espaços colonias britânicos desenvolveram condições para a produção agrícola de excedentes alimentares para o fornecimento das tropas de Sua Majestade 13. Durante a década de 1960, a estratégia de crescimento conduzida pela maior parte dos estados africanos independentes começou por correr bem. O crescimento das economias independentes a sul do Sara não acompanhava o das economias suprasarianas, mas ainda assim registava uma média positiva de 3% ao ano. Na década seguinte, a estratégia de desenvolvimento começou a ter problemas e na década de 1980, só seis países apresentaram crescimento positivo. Há vários fatores a considerar, destacando-se a carência de fontes de produção de energia, a dependência de produtos petrolíferos e a falha de produção de alimentos para consumo próprio. No início da década de 1980, a maioria dos estados africanos não conseguia corresponder às suas obrigações financeiras. Com todas as fragilidades pré-existentes, provenientes das condições da independência, qualquer oscilação, interna ou externa, tem um impacto devastador: aumento do preço do petróleo, descida dos preços nas escassas exportações, aumento populacional, etc. são suficientes para que o estado deixe de conseguir cumprir os serviços, já escassos, que cumpre. A partir da década de 1990, a maioria dos estados subsarianos deixou de conseguir pagar os juros da dívida. Passaram, então, a ser dependentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), que implementou Programas de Ajustamento Estrutural. Estes programas têm acabado por fazer naqueles estados aquilo que a administração colonial fazia: têm obrigado as estruturas a ajustarem-se, desta vez de maneira a tornarem-se rentáveis para o 13

Kerr, 2013, p. 141.

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próprio Fundo. No campo da economia, o FMI está hoje para muitos estados africanos, como estavam as potências coloniais no passado. 4. Forma como os africanos encaram os cargos políticos As realidades pós independência em África e a pobreza generalizada fizeram com que os cargos políticos, em vez de serem encarados como serviço à comunidade, passassem a ser, de imediato, posições de fuga à pobreza e de serviço ao próprio, à família e aos círculos próximos. Claro que este fator não deve ser visto assim, isolado, porque também há questões das formas tradicionais de governo, mas de uma forma geral a tendência para encarar a política como fuga à pobreza tem sido comum. As sociedades africanas pós-coloniais são fracas do ponto de vista das instituições e isso faz com que as regras formais/ legais estabelecidas não tenham força suficiente para verdadeiramente condicionar o comportamento do governante. Este não é afetado por eleições ou por limitações constitucionais, uma vez que é ele próprio quem controla estas instituições formais e muda-as como lhe convém. Estes regimes caraterizam-se pela falência dos mecanismos institucionais formais e pela existência de mecanismos informais que afetam o governante. Neste caso, as maiores ameaças aos governantes são os golpes de estado e a competição com outras elites políticas 14. 5. Acentuação dos ancestrais antagonismos étnicos O ativismo político anterior à independência criou condições para o surgimento de diversos partidos políticos, alinhados com afinidades étnicas e potenciando relações de clientela e dependência diversas. Há várias razões para isso, destacando-se o facto de África ser um continente com escassas comunicações e, por conseguinte, a maneira mais fácil de conseguir adeptos para uma causa é apelar para os laços étnicos. A forma mais comum de agregar esses grupos foi sendo através de promessas de benefícios a tribos ou etnias específicas. Essas promessas de benefício, em troca de apoio e de votos, criaram as relações de clientela, que proliferaram em África no período pós-colonial. Ainda hoje, na maior parte dos casos, quando uma fação política é afastada, perseguida ou, mais brandamente, se constitui em oposição, busca apoio em etnias com quem tem ou gera afinidades em troca de promessas. A consequência é que a elite governante se ocupa de fortalecer as fundações da sua própria posição, usando ela própria clientelismo e favorecimento a fim de criar apoios e dependências que apoiem a sua posição. Um exemplo de reforço de poder através de um grupo étnico é o do presidente Daniel Arap Moi, do Quénia, que inverteu as políticas de favorecimento da tribo Kukuyou do seu antecessor, privilegiando a atribuição de cargos nos serviços nacionais (como os correios) para a sua própria etnia, os Kelenjin. O principal problema do favorecimento, que se tornou elemento central na política dos estados africanos, é que depreda os tesouros nacionais. Manter uma rede segura de entidades apoiantes custa muito dinheiro e custa-o, não uma só vez, mas em permanência. Significa 14

Bethke, 2002, p. 2.

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também que sendo o pouco dinheiro existente canalizado para este fim, torna-se difícil dispor de capital para garantir o bem-estar das populações e cumprir os compromissos internacionais. A história contemporânea pós-colonial demonstra que é a preocupação com a consolidação do poder que esgota os recursos do Estado. Um dos poucos exemplos de sucesso na colocação do Estado à frente da tribo ou da etnia é o da Tanzânia do presidente Julius Nyerere. Presidente do Tanganica, a partir de 1962, e da Tanzânia depois de 1964, preconizou uma política que praticamente neutralizou as tensões interétnicas num país em que convivem 120 grupos diferentes. No entanto, o facto deste espaço beneficiar, na sua maioria, de um idioma comum – o suaíli - contribuiu em grande medida para as populações criarem mais facilmente um sentimento de pertença a uma mesma comunidade nacional.

Dinâmicas externas Passemos, agora, à terceira parte, das dinâmicas externas. A trajetória das políticas africanas não depende somente do legado do colonialismo e das dinâmicas internas que proporcionou. A África contemporânea foi também influenciada por dinâmicas externas, destacando-se o quadro da Guerra Fria, em que as grandes potências intervieram no continente, direta e indiretamente. É claro que esta divisão entre dinâmicas internas e externas é discutível e a linha de fronteira não será uma “linha”, mas antes uma faixa bastante larga. Assumimos, pois, que quando nos referimos a dinâmicas externas falamos já num quadro em que há potências ditas “não coloniais”, pelo menos em relação a África, a intervir diretamente nos destinos do continente africano. Estamos, sobretudo, a falar de um tempo, mais recente, em que África experimentou mudanças estruturais na interação com o sistema internacional. Durante a Guerra Fria, as superpotências procuraram aliados nos novos estados e nos movimentos independentistas no seio dos territórios que ainda se mantinham coloniais. Nos estados independentes, quando a superpotência não controlava a elite no poder, procurava apoiar a oposição. A União Soviética foi interventora em África desde a década de 1950. Os movimentos de libertação, maioritariamente de inspiração marxista-leninista, beneficiaram do apoio do Bloco Socialista, não só material e doutrinariamente, mas também com a presença física. Logo em 1956, a intervenção de Moscovo na crise do Suez foi determinante para a retirada das forças britânicas, francesas e israelitas da zona do canal. Menos de uma década depois, a União Soviética apoiou o governo de Lumumba no Congo, que, em contrapartida, facilitou o desenvolvimento de relações dos soviéticos com um grande número de países africanos e de movimentos de libertação. A União Soviética celebrou acordos com 37 países africanos. Mais de 200 000 africanos receberam formação e assessoria nos seus países e mais de 25 000 estudaram nas universidades, nas escolas técnicas e nas escolas militares soviéticas. Entre estes alunos 12

contam-se os atuais presidentes de Angola e de Moçambique. José Eduardo dos Santos licenciou-se em Engenharia de Petróleos em Baku e depois frequentou um curso militar de comunicações; Armando Guebuza estudou numa escola na Ucrânia. Cuba foi o outro protagonista da exportação da Revolução. Os primeiros conselheiros militares cubanos começaram a operar no continente em 1961. Em 1965, Che Guevara e mais de uma centena de combatentes estiveram igualmente no Congo. A intervenção cubana em África continuou por mais de duas décadas em conflitos como a disputa territorial entre a Etiópia e a Somália sobre o território do Ogaden e a Guerra Civil Angolana. Em 1987, na batalha do Cuito Cuanavale, Havana apoiou o MPLA com mais de um milhar de militares. O Bloco Ocidental também teve a sua intervenção. Os Estados Unidos da América procuraram estabelecer uma cintura anti-comunista em África, fomentando como aliados a Etiópia, a Libéria, o Zaire e, especialmente, o designado “Reduto Branco” dos estados da África austral controlado pelas minorias brancas. A França, por seu turno, foi estabelecendo relações do tipo neo-colonial com boa parte das suas ex-colónias, o que permitiu que esses estados permanecessem do lado do Bloco Ocidental. Do ponto de vista africano, a pertença a um dos blocos contribuiu para fortalecer o peso internacional dos novos estados independentes. Quando terminou a Guerra Fria e deixou de haver dois blocos em confronto, as prioridades da política internacional alteraram-se, passando a focar-se mais em aspetos como a democracia e o respeito pelos direitos humanos. Em África isto teve um grande impacto, porque esta postura do Primeiro Mundo tende a enfraquecer os governos autoritários e a fortalecer as oposições. Paradoxalmente, este fortalecimento das oposições criou condições para a intensificação do conflito aberto com os respetivos governos. Nalguns casos, o balanço foi positivo: foram legalizados partidos políticos e conduzidas eleições livres. Houve muitos estados que beneficiaram de transições pacíficas de poder. O regime de Apartheid, por exemplo, acabou. Noutros casos, o fortalecimento das oposições criou conflito aberto com os poderes instituídos, resultando violência e guerra. O fim da Guerra Fria também não determinou o afastamento imediato das intervenções externas nas questões internas dos países africanos. Em Angola, a UNITA continuou a ser apoiada pelos Estados Unidos, pelo menos até meados da década de 1990, e pelo governo de apartheid sul-africano. As eleições africanas continuaram a não ser completamente livres e justas. Os candidatos que ganham as eleições usam, frequentemente, a combinação de subornos, fraude eleitoral e intimidação. Uma vez que uma boa parte dos regimes existentes assentam nestas atividades, a Organização para a Unidade Africana, criada em 1963, em Adis Abeba, hoje União Africana, é ineficaz quando tenta exercer pressão sobre os estados cuja maioria dos líderes ascende por fraudulentos 15.

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Collier, 2008, p. 204.

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Desde o fim da Guerra Fria, há 25 anos, o vaticínio e a constatação para África foi a estagnação. Ao contrário da Ásia pós-colonial, o continente africano não experimentou modificações profundas nem arranques económicos. No princípio da década de 1990, surgiram movimentos pró-democracia por toda a África subsariana, liderados por elementos da classe média influenciados pelos acontecimentos da Europa Central e de Leste, onde o comunismo e os regimes de partido único tinham sido afastados. A influência internacional nestes países tornou-se muito evidente e condicionadora, porque os governos doadores faziam depender a atribuição das suas ajudas da inversão das políticas dos países apoiados. Os líderes africanos, desesperados por ajuda externa, acabavam por se comprometer com a introdução de reformas que levassem a uma política multipartidária e ao respeito pelos direitos humanos. Depositou-se alguma esperança numa geração nova de lideranças africanas: Thabo Mbeki, na África do Sul (sucessor de Mandela, como presidente), Meles Zenawi, na Etiópia (presidente do governo de transição, de 1991 e 1995, e depois primeiro-ministro) e Yoweri Museveni, no Uganda (presidente até aos dias de hoje). Mas o passar do tempo revelou que estes governantes pouco conseguiram fazer para contrariar as tendências e solucionar os principais problemas endémicos 16.

Notas Finais Nesta apresentação, procurou-se oferecer uma panorâmica da história contemporânea de África, centrada no aspeto político e nas suas consequências sociais. Não escondemos que esta é a história mais acessível, do ponto de vista de quem tem de fazer uma síntese. A generalidade da historiografia que versa sobre a África Contemporânea incide, precisamente, sobre as facetas política, conflitual e dos problemas sociais do continente, quer no período colonial, quer pós-colonial. Uma síntese histórica do subalterno e dos povos da África, à semelhança dos trabalhos de Dipesh Chakrabarty para a Índia, seria muito mais sujeita a imprecisões e não estaria, seguramente, tão disponível para aceitar algumas das generalizações grosseiras que uma história política de cem anos de um continente admite. Mesmo podendo vir a propósito, acabámos por não abordar espaços como a África do Sul ou os espaços insulares. Também evitámos, deliberadamente, abordar assuntos muito recentes ou cujo desfecho esteja ainda envolto numa certa névoa de desconhecimento. No início dos anos 90, pensou-se que o continente africano tinha virado a página e criara condições para um novo rumo democrático e mais próspero. Os acontecimentos que se seguiram desmentiram as perspetivas otimistas. O estudo do tempo longo pode permitir-nos aventar hipóteses sobre as origens e os rumos de alguns fenómenos bem recentes, como a chamada “Primavera Árabe” ou o surgimento do mais recente estado africano, o Sudão do Sul, mas preferimos jogar pelo seguro e deixar esses temas para outras sessões do Curso de Estudos Africanos, apresentadas por especialistas nessas matérias.

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Idem, p. 203.

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Para que a generalização fosse possível, buscámos o máximo de aspetos comuns e selecionámos as que nos pareceram as principais dinâmicas internas e externas que, tendo ocorrido na história contemporânea de África, condicionaram o presente. Na segunda década do século XXI, ao olhar para o panorama político-social de África, percebe-se claramente que, bem ao contrário da visão que os europeus tiveram até há algumas décadas atrás, o continente africano tem uma História riquíssima, de múltiplos passados, e em relação à qual ainda existem muitas páginas por escrever.

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