Algumas questões metodológicas da pesquisa em música popular: notas sobre a obra de Garoto

June 13, 2017 | Autor: Flavio Barbeitas | Categoria: Popular Music Studies, Cultural Musicology, Guitar
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Algumas questões metodológicas da pesquisa em música popular: notas sobre a obra de Garoto JUNQUEIRA, Humberto (UEMG) [email protected] BARBEITAS, Flávio Terrigno (UFMG) [email protected] Resumo: A presente comunicação decorre de trabalho de mestrado sobre a obra violonística de Garoto, realizado na linha de pesquisa em Performance Musical, do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre os anos de 2008 e 2010. Buscamos aqui refletir sobre 1) o conceito de obra aplicado às particularidades da música popular; 2) a mediação como característica principal da produção de Garoto; 3) os cuidados metodológicos requeridos para uma pesquisa de cunho histórico em música popular; 4) as características estilísticas do conjunto de obras trabalhadas possíveis de serem captadas por meio das gravações originais e em conjunto com a análise contextual e documental. Paralelamente a essa reflexão, que lança mão de conceitos e noções tais como mediação cultural (Peter Burke; Carlo Ginzburg), é abordada a maneira como a obra de Garoto sobreviveu aos anos, tanto do ponto devista dos suportes materiais – sendo relevante o papel dos colecionadores e acervos para a manutenção dos vários documentos – quanto da sua significação cultural. Palavras-chave: Garoto, Violão, pesquisa em Música Popular. Abstract: This paper is based on a Master research in Music Performance held in Federal University of Minas Gerais (UFMG) and dedicated to the guitar works of Garoto. It aims to discuss 1) the concept of musical work applied to the particularities of popular music; 2) mediation as a main feature of Garoto's production; 3) the required methodological care for a historical research in popular music; 4) the general stylistic characteristics of this repertoire which can be deduced from the original recordings together with contextual and documental analysis. Alongside this reflection, which makes use of concepts and notions such as cultural mediation (Peter Burke; Carlo Ginzburg), we discuss how the work of Garoto survived the years both from the point of view of its physical supports - for which is relevant the role of collectors and collections - as well as its cultural significance. Keywords: Garoto, Guitar, Popular Music research. Introdução Em 2015 comemora-se o centenário de nascimento do compositor e multiinstrumentista Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto. A sua obra em geral, mas principalmente a composta para violão, vem se transformando e ganhando novos significados na cultura brasileira desde sua produção entre as décadas de 1930 e 1950. Produzida em torno do ambiente do rádio e da música popular que se praticava no período que antecede o surgimento da Bossa Nova no Rio de Janeiro, a obra violonística de Garoto, sobretudo após a última organização e edição de algumas de

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suas peças pelo eminente músico Paulo Bellinati40, passou a circular fortemente no repertório do violão erudito. Nessa perspectiva, passou a integrar, juntamente com a de outros nomes do choro, tais como João Pernambuco, Dilermando Reis e Canhoto, a parte mais "popular" do repertório do violão erudito brasileiro. Num contexto em que mesmo os compositores eruditos, ao escreverem para violão, não raro se referenciavam na cultura musical popular, a obra de Garoto se apresentava como uma produção mais original, autêntica e "verdadeira". Ao mesmo tempo, sua música, ainda que igualmente dotada de traço estilístico muito próprio, exibia referências variadas, tratamento harmônico moderno e sofisticado, além de inequívoco refinamento idiomático, que de alguma forma a tornavam distinta da obra dos demais compositores-chorões citados. O brilho intenso da obra de Garoto, enfim, clamava por um aprofundamento reflexivo que, ao menos à época em que nos debruçamos sobre o tema para uma pesquisa de Mestrado41, ainda era pouco expressivo, sendo que o único trabalho realmente acadêmico a respeito de Garoto parecia ser a dissertação de mestrado de Silvio Merhy (1995). Trataremos a seguir das questões mais importantes que balizaram o trabalho, com o objetivo de que possam oferecer uma referência válida a outras pesquisas com repertório da mesma natureza. Rediscussão do conceito de "obra musical" As perguntas iniciais da pesquisa realizada giravam em torno do universo da Análise Musical, no sentido de identificar e parametrizar elementos objetivos e intrínsecos da obra de Garoto que respondessem pela sua especificidade, pelo seu caráter, pelo seu estilo, pelas suas influências. Rapidamente, essas perguntas encontraram uma barreira certamente conhecida de todos aqueles que se debruçam sobre o repertório popular: não há um documento que possa legitimamente conter a totalidade dos dados musicais que, em estado congelado, se ofereceriam docilmente às ferramentas analíticas para serem decifrados. Em outras palavras, no repertório popular (embora não apenas nele), a partitura responde muito parcialmente pela 40

Formado pelo Conservatório de São Paulo, Paulo Bellinati viveu por seis anos na Suíça, continuando seus estudos musicais no Conservatório de Genebra. Gravou seu primeiro disco solo com obras de Garoto em 1986, resultado de anos de pesquisa com manuscritos e gravações. Bellinati também transcreveu e arranjou as peças que foram lançadas em dois volumes em 1991, pela editora norteamericana GSP. 41 A pesquisa foi realizada na Escola de Música da UFMG, vinculada à linha de pesquisa Performance Musical entre os anos de 2008 e 2010. I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE

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realidade da música. Existem, por exemplo, outros suportes a considerar, tais como as gravações que, no caso em tela, significavam praticamente a fonte primária do material musical. Garoto deixou muito poucos manuscritos de suas obras para violão42, e as edições existentes são transcrições de outros músicos43, o que abre uma série de não desprezíveis questões: as diferentes possibilidades de notação; a escolha dos elementos e parâmetros a transcrever, se apenas durações e alturas ou também os vários elementos relativos a timbre, interpretação e agógica. Por outro lado, pareceu fundamental que a abordagem da gravação não a tomasse também como uma espécie de documento absoluto, reproduzindo para esse tipo de fonte a mesma prática fetichista que já houve, por exemplo, na musicologia quanto ao manuscrito. Grava-se sempre e fundamentalmente um momento, nunca um fato total e imutável. Ou seja, foi importante historicizar a gravação, submetendo-a a uma necessária relativização. Essa mesma perspectiva histórica, aliás, está presente também na compreensão das modificações sofridas pela obra durante o passar das décadas, tornando mais fácil identificar e localizar novas interpretações das obras, novas “leituras”, sucessivas transcrições das partituras e reedições – mapeando a construção de diferentes significados da produção violonística de Garoto. Ainda que, do ponto de vista metodológico, a musicologia em geral tenha se transformado ao longo dos anos e passado a considerar qualquer obra como algo muito mais vasto do que o suporte físico que imediatamente a expressa44, o caso de Garoto parecia levar esse novo postulado a um grau ainda mais elevado: tornou-se importante considerar a obra uma teia em que, além de partituras, transcrições e gravações coletadas em diferentes acervos (falaremos disso adiante), compareciam também documentos menos divulgados que ajudavam a contextualizar as fontes, dando-lhes o devido peso e valor.

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É possível afirmar com segurança que Garoto deixou escritas 8 peças para violão. São elas: A caminho dos Estados Unidos, Doce Lembrança, Enigma, Canção de Portugal, Inspiração, Mazurka nº 3, Naqueles velhos tempos e Nosso choro. 43 Além de Bellinati, também Geraldo Ribeiro, em 1980, gravou e editou peças de Garoto. 44 Basta pensar nas contribuições da chamada Nova Musicologia que, desde os anos 1970, vem alimentando a discussão musical com contribuições advindas do pós-estruturalismo. Ver Nattiez, 2001.

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Garoto como mediador cultural Toda essa discussão em torno do corpus45 a ser considerado como "a obra violonística" de Garoto veio se juntar ao desafio teórico de abordagem históricosocial do compositor e de como aspectos singulares de sua atuação musical condicionaram sua obra. Nesse sentido, a noção de mediação cultural46 nos pareceu apropriada para buscar as respostas sobre as especificidades deste compositor e sua produção para violão. Partimos da hipótese de que a obra de Garoto para violão solo era resultado musical da mediação realizada pelo autor entre universos culturais distintos. Ou seja, a obra de Garoto para violão solo foi observada em perspectiva com a variedade da cultura brasileira por meio das seguintes questões, entre outras: de que forma Garoto teria exercido o papel de mediador cultural na música brasileira? Em que medida sua obra para violão refletia essa mediação? Para buscar respostas para essas e outras perguntas, foi necessário examinar os contextos aos quais esse compositor esteve vinculado, bem como o percurso de sua obra em diferentes “mundos” culturais. A trajetória do compositor, com reflexos na obra, revelava uma capacidade de “negociação cultural” entre diferentes tradições musicais e através da atuação em subcampos profissionais distintos. Duas contas, Gente humilde, Meditação, Vivo sonhando, Debussyana, Um rosto de mulher, Lamentos do morro entre outras, são exemplos de peças que revelam substancialmente esse agenciamento de tradições. Não é incomum encontrar certas abordagens genéricas da música popular que a enquadram em categorias ou esquemas fixos, imóveis, estáveis. Com isso, comprometem-se os debates, análises e interpretações a respeito das eventuais trocas e tensões entre as diversas tradições culturais que constituem a sociedade, especialmente a brasileira. Garoto (e sua produção violonística) não escapa às frequentes descrições românticas que concebem a música popular como um sistema autônomo, enraizado e coerente. No entanto, se Garoto foi fundamentalmente um músico prático, atuante em espaços tradicionalmente ligados ao ambiente popular, como rádio, cassinos, circos e rodas de choro, é preciso destacar também a sua atuação em outros universos 45

Em artigo produzido e publicado durante o Mestrado, procuramos delimitar a obra de Garoto para violão solo (Junqueira, 2010). 46 O conceito de mediação cultural é amplamente utilizado por teóricos e estudiosos das sociedades diversas. Utilizamos nessa pesquisa as proposições dos historiadores Burke (1999) e Ginzburg (2008), e de Travassos (2006).

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culturais. Exemplos de suas múltiplas atividades são o ofício de arranjador, escrevendo para diferentes grupos instrumentais (incluindo orquestras); a faceta de intérprete erudito com participação em obras camerísticas, a atuação docente junto a movimentos de vanguarda47. Não resta dúvida de que o rádio, por si só, já representava, à época, uma espécie de caldeirão cultural, um ambiente de trocas extremamente ricas e de muita exigência na produção musical em geral. Foi no rádio que se estabeleceu a parceria entre Garoto e o versátil compositor Radamés Gnattali, que rendeu, de ambas as fontes, obras de significativa importância para o repertório violonístico, além de uma amizade refletida em vários trabalhos profissionais48. Particularidades metodológicas da pesquisa Durante a pesquisa, foi muito grande o empenho tanto para o acesso a documentos relevantes quanto para contatar pessoas que, de alguma forma, pudessem elucidar questões relativas à obra de Garoto. De imediato, é preciso salientar as dificuldades que um trabalho desse tipo muitas vezes impõe ao pesquisador, principalmente os menos experientes. Os documentos mais interessantes – manuscritos originais, gravações, diários e toda sorte de raridades – se encontram, principalmente, em coleções particulares. Dessa forma, a pesquisa documental frequentemente foi condicionada ao contato pessoal entre os colecionadores particulares e o pesquisador, causando forte dependência deste em relação aos primeiros. Além de muita segurança e honestidade em torno dos propósitos da pesquisa, é preciso flexibilidade e paciência para superar resistências de todo tipo. Por serem coleções privadas, o acesso aos acervos depende da disponibilidade e do interesse dos colecionadores pela pesquisa em questão. Não obstante essas dificuldades - e também graças a muitas horas de internet , conseguimos, por exemplo, a maioria das gravações originais de Garoto que foram disponibilizadas comercialmente, desde a década de 1950 até os dias de hoje. Dados que não se encontravam disponibilizados em livros podiam ser rastreados em sites e blogs com a consistente pesquisa de Jorge Carvalho de Mello49, um dos importantes colecionadores que visitamos, a respeito da vida e obra de Garoto. O contato pessoal 47

Kater (2001) menciona a participação de Garoto na conferência de inauguração da Universidade do Povo, iniciativa ligada ao movimento Música Viva. 48 Valha como exemplo, entre outros, o fato de importantes obras de Radamés para violão, como as duas Toccatas "em ritmo de samba", segundo depoimento de Ronoel Simões, terem o forte dedo de Garoto. 49 Esses dados terminaram reunidos em livro. Ver Mello (2012).

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com Mello, além de proporcionar uma pequena quantidade de documentos que foram apresentados na pesquisa, foi particularmente útil por uma pista muito interessante a respeito da proverbial, mas muito pouco analisada, influência de Garoto sobre a Bossa Nova. Trata-se da semelhança entre Relógio da Vovó, música de Garoto gravada no disco do Trio Surdina, em 1953, e Desafinado, de Tom Jobim. No trabalho, aprofundamos a análise e demonstramos inequivocamente a grande afinidade melódica existente entre ambas. Além de Jorge de Melo, a colaboração de Ronoel Simões, grande colecionador paulista de documentos violonísticos em geral, foi decisiva, pois se tratava, na prática, de uma testemunha ocular de cenas do processo criativo de Garoto. Por fim, não podia faltar a uma pesquisa sobre Garoto a conversa com Paulo Bellinati – último editor e talvez a maior autoridade em se tratando de sua obra violonística. Em suma, do ponto de vista da escolha e reunião das fontes, a pesquisa sobre Garoto – e talvez o exemplo valha para outras de cunho histórico sobre repertório popular – mostra que o universo vai se montando aos poucos. Como ressaltamos anteriormente, a própria delimitação da obra e de seu respectivo suporte vão mudando na medida em que considerações de ordem sociocultural impõem olhares mais amplos sobre o objeto. Por outro lado, não se podem desprezar as informações colhidas em entrevistas, mas sempre com o cuidado de não tomar os depoimentos sem as devidas e fundamentais contextualizações ponderações críticas. O conjunto é ainda moldado de acordo com o olhar teórico escolhido para traçar o quadro de atuação do compositor e de inserção de sua obra. No caso, a chave para a compreensão da obra de Garoto foi, como vimos, a noção de mediação cultural. Características estilísticas Verifica-se nas composições violonísticas de Garoto forte influência dos padrões sistematicamente adotados no choro, como forma, harmonia, textura e ritmo. Entretanto, o autor busca, através de recursos ligados à técnica violonística e/ou mecanismos composicionais, romper ou alargar as possibilidades mais óbvias. Esse procedimento é apontado como índice de “modernidade” por muitos daqueles que se debruçam sobre essa produção. Contudo, vale notar que modernidade na arte costuma vir associada a processos de ruptura. Ou seja, a ideia de pertencimento à tradição não faria parte das aspirações do artista moderno. Nesse sentido, a modernidade em

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Garoto não deve ser tomada como atitude vanguardista, mas sim ambivalente, buscando se equilibrar em universos culturais distintos. Do ponto de vista técnico, peças como Lamentos do morro, Gracioso e Jorge do fusa, podem dar pistas a respeito da utilização de elementos incomuns ou estranhos ao idiomatismo violonístico no choro. A utilização dos cinco dedos da mão direita, o movimento do polegar nos sentidos ascendente e descendente (como uma palheta), passagens e frases com sabor altamente virtuosístico foram artifícios utilizados por Garoto nas peças citadas. Por outro lado, em Debussyana, Voltarei, Um rosto de mulher, Vivo sonhando, Improviso, Meditação, Garoto exibe recursos composicionais que se distanciam estilisticamente da música popular urbana. De caráter mais etéreo, a fluidez rítmica aqui difere bastante do binário tradicional característico do choro, onde a “tirania” do tempo forte se revela quase incontornável. Nesses exemplos, ao contrário, a necessidade passa a ser uma interpretação com bastante liberdade agógica. Isso nos leva imediatamente a refletir sobre a questão da interpretação de uma obra cujo suporte disponível é a gravação (na maioria das vezes, um registro precário, com muitos ruídos e trechos inaudíveis). Se comparadas duas transcrições de uma mesma peça com essas características, elas certamente destoarão em aspectos até básicos para a escrita musical, como compasso, tonalidade e forma. O tratamento harmônico que Garoto utiliza em suas peças, associado a um compasso binário mais lento resulta, frequentemente, numa semelhança flagrante com o que se conhece hoje como “bossa nova”. Peças como Duas Contas e Gente Humilde, apesar de terem sido compostas para violão solo, muito provavelmente na década anterior, fizeram parte do repertório dos cantores e músicos desse movimento carioca e se cristalizaram como canções bastante representativas do gênero. Ainda quanto à sofisticação harmônica de Garoto, ela pode ser verificada em toda a sua obra violonística. Um exemplo marcante é o choro A caminho dos Estados Unidos que, além do apuro harmônico, demanda do intérprete bons fundamentos técnicos. Só veio a público, a partir de manuscrito original, com o trabalho de pesquisa de Paulo Bellinati, não havendo indícios de gravações dessa peça pelo compositor. Segundo Bellinati, “Garoto deve ter composto a peça logo antes de viajar aos Estados Unidos com Carmem Miranda”. No entanto, de acordo com Jorge Mello, que possui em seu acervo uma cópia do diário do compositor, A Caminho dos Estados Unidos teria sido escrita depois da viagem à América do Norte. No referido diário há I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE

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um registro sobre data da composição, 19 de abril de 1945, e a música teria sido motivada por um sonho em que o compositor se via retornandoàquele país. Conclusão A pesquisa teve como objetivo verificar o resultado de um processo de mediação cultural vivenciado por Garoto em sua trajetória artística. Tratou-se de uma investigação que analisa o agenciamento realizado pelo compositor entre universos culturais distintos, sendo que a obra composta para violão solo foi observada a partir do diálogo que estabelece com o aspecto plural da cultura brasileira. Para tanto, focalizamos as tradições em que obra e autor se inserem, utilizando um suporte teórico que nos permitiu considerar um campo de cruzamentos culturais. Foram também abordadas as interpretações e significações conferidas à música popular na cultura brasileira, bem como as diferentes atividades musicais exercidas por Garoto em sua vida profissional. Referências BELLINATI, Paulo. The Guitar Works of Garoto. San Francisco: GSP, 1991 (2 v.). BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. JUNQUEIRA, Humberto. Uma discussão estética sobre a noção de obra na produção violonística de Garoto. Artefilosofia, n. 8, 2010, p. 169-180. KATER, Carlos Elias. Música Viva e H. J. Koellreutter: movimentos em direção à modernidade. São Paulo: Musa Editora: Atravez, 2001. MELLO, Jorge. Gente humilde; vida e música de Garoto. São Paulo: Sesc, 2012. MERHY, Silvio. Oscilações do centro tonal nos choros de Garoto. (mestrado em composição) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995. NATTIEZ, Jean-Jacques (org.). Il sapere musicale (Enciclopedia della musica. v. 5). Torino: Einaudi, 2001. TRAVASSOS, Elizabeth. A codificação musical da mediação cultural. In: III Encontro Internacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia (Universos da Música... cultura, sociabilidade e a política de práticas musicais), São Paulo, 2006. p. 124-129.

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A formação de professores de canto popular: perspectivas de professores da cidade de Florianópolis – SC KIMURA, Verônica (UDESC) [email protected] Resumo: No presente trabalho apresento um recorte de minha dissertação de mestrado procurando discutir aspectos da formação de professoras de canto popular que não tiveram esta formação específica. A partir de uma abordagem qualitativa, realizei um estudo de casos múltiplos adotando como ferramentas de coleta de dados entrevistas e observação participante. Aanálise dos dados coletados demonstrou tratar-se de uma “primeira geração” de professoras de canto popular, que construíram suas práticas apartir de adaptações do canto erudito e articulações com outras áreas deconhecimento. Palavras-chave: canto popular, formação de professores, educação musical. Abstract: In this work I present a discussion about the aspects of teacher training in popular singing that didn´t have this specific training, based on my master dissertation reflections. Through a qualitative approach, I did a multiply case study, adopting interviews and participant observation, as a data collection tool. The analysis of the collected data has demonstrated that it is a “first generation” of popular singing teacher, that have built their practices through adaptations of the erudite singing and articulations with other knowledge areas. Keywords: popular singing, teacher training, musical education.

Introdução Ao revisar a literatura sobre o canto popular brasileiro é possível perceber que o recente desenvolvimento nesta área tem ocorrido a partir das contribuições das áreas da Semiótica, da Educação Musical, da Etnomusicologia, da Fonoaudiologia, entre outras, e buscam conhecer, compreender e explicar a nossa forma de cantar música popular brasileira sob diferentes perspectivas (ver, por exemplo, Piccolo, 2005; Tatit, 2001; Machado 2007, 2012; Souza, Silva; Ferreira, 2010; Abreu, 2008; Assis, 2009; Queiroz, 2009; Lima, 2010). Entretanto, a produção relacionada à formação de professores na especificidade do canto popular é pouco focalizada e carece de pesquisas que possam apresentar sistematicamente aspectos relacionados a esta área. Movida pela busca de uma compreensão sobre se formaliza a docência em canto popular iniciei minha inserção no campo de pesquisa, a cidade de Florianópolis – SC, a fim de identificar como se constrói a formação do professor que trabalha com a abordagem popular do canto sem formação específica neste campo. O presente artigo apresenta um recorte de minha dissertação de mestrado,

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apresentando aspectos do processo de formação de três professoras de canto popular, que não possuem formação específica em canto populare que desenvolveram suas atividades musicais e didáticas a partir de adaptações do canto erudito. Além disso, estas profissionais têm em comum sua atuação como cantoras e a formação acadêmica em Licenciatura em Música. Desta forma, busco compreender a formação destas professoras como um processo que articula e agrega diferentes elementos, que são constantemente reelaborados através de suas práticas artísticas e docentes. Aspectos metodológicos Conhecer o universo de atuação dos profissionais que trabalham como professores de canto popular, compreendendo os fatores que compuseram seu processo de formação e os significados que atribuem a ele, permite a elaboração de um texto que parta das falas destes sujeitos reconhecendo que estas pertencem “a um todo maior, dinâmico e em permanente transformação” (Bresler, 2000, p. 61). Partindo desta perspectiva, optei por desenvolver um estudo qualitativo de casos múltiplos, realizado com três professoras de canto popular atuantes na cidade de Florianópolis – SC, adotando como procedimentos de coleta de dados entrevistas semiestruturadas e observações participantes de uma sequência de quatro aulas com cada uma das professoras participantes, com registro em vídeo e diário de campo. Para responder a questão norteadora desta pesquisa, entendendo a formação dos sujeitos como um processo que envolve diferentes fatores fez-se necessário conhecer-lhes aspectos tais como a formação musical e docente, a formação em canto, a busca pela adaptação de conteúdos, as atividades profissionais (artísticas e pedagógicas) que exercem, suas motivações para a prática profissional, suas concepções sobre as particularidades da modalidade popular do canto, suas reflexões acerca de seu processo de formação, entre outros aspectos que surgiram a partir da minha inserção no campo pesquisado. Nossas conversas foram pautadas por um roteiro de questões cujo objetivo consistia em identificar as fontes dos saberes musicais das entrevistadas, tanto formais quanto informais, buscando conhecer as motivações e concepções sobre sua formação musical, investigar as concepções das entrevistadas sobre as peculiaridades do canto popular, assim como identificar possíveis comparações que pudessem surgir entre o canto popular e o canto lírico, ou os demais tipos de canto, entre outros fatores que surgiram e se mostraram relevantes para esta pesquisa. I ENCONTRO BRASILEIRO DE MÚSICA POPULAR NA UNIVERSIDADE

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