Alguns Traços Estruturais e uma Particular Intensidade da Imagem-câmera

May 19, 2017 | Autor: Fernão Ramos | Categoria: Film Theory, Film and Philosophy, Cinema Studies
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ALGUNS TRAÇOS ESTRUTURAIS E UMA PARTICULAR INTENSIDADE DA IMAGEM-CÂMERA








Fernão Pessoa Ramos








A imagem cinematográfica e a mediação da
câmera que lhe é própria inauguram uma forma imagética que pode ser
singularizada. Esta singularidade deve ser contraposta à visão gradualista
de sua evolução, muito em voga hoje em dia. A especificidade da
cinematografia surge em sua proximidade para com outras imagens-câmera,
inclusive a videográfica, em relação às quais as semelhanças que as
aproximam são bem mais densas do que pequenos detalhes técnicos que as
distanciam. Trata-se de imagens que têm por base mediação de uma máquina
com evidentes traços comuns, a câmera, que, em uma situação de mundo que
denominamos tomada, permite com que este mundo deixe seu traço, seu índice,
em um suporte que, no caso da imagem móvel, movimenta-se nesse aparelho. No
âmago de sua natureza localizamos o binômio tempo por movimento, binômio
este que Deleuze em seus livros dedica-se a estirpar, através da
interposição de uma forte camada estilística (o cinema moderno). Já no
século XIX existem diversas máquinas que reproduzem o movimento,
inicialmente utilizando-se de aparelhos múltiplos de fotografia como nas
conhecidas experiências de Edward Muybridge ou através de um só aparelho
como no "fuzil fotográfico" de Etienne Marey. Estas tentativas são
seguidas, já em 1882, do registro do movimento em suportes fixos, através
de procedimentos que, incidindo no objeto fotografado, permitem a
sobreposição de várias tomadas na mesma chapa sem que o registro seja o
traço borrado do movimento, característico de sua impressão fotográfica.
Para tal, utilizam-se objetos claros em contraste com o obrigatório fundo
negro, onde diversas posições do movimento do objeto fotografado podem ser
sobrepostas sem velar o negativo. Trata-se da câmera cronofotográfica que
Marey e de seu auxiliar Georges Demeny desenvolvem na recém inaugurada
Estação Fisiológica em Paris onde trabalham com experiências diversas
registrando movimento. A partir de 1888, com a introdução do suporte móvel
no registro e, principalmente, a partir de 1890 com o suporte celulóide e a
câmera cronofotográfica à película, já existe um nível de definição
bastante satisfatório na apreensão fotográfica de movimentos diversos e o
delinear da consecução estática de suas formas. Este registro é seguido da
projeção do mesmo movimento, em 1891, com o projetor cronofotográfico. As
filmagens realizadas por George Demeny, no início dos anos 90, são
efetivamente impressionantes pela nitidez na reprodução do movimento.
Também nos Estados Unidos, em 1891, Thomas Edison apresenta ao público uma
primeira versão do quinetoscópio (visor individual de imagens móveis), que
só seria explorado comercialmente em 1894 com a construção de um estúdio, o
"Black Maria", para a captação de imagens. A câmera do quinetoscópio,
chamada de quinetógrafo, era pouco ágil e muito grande, necessitando de
condições especiais para seu aproveitamento pleno, geralmente ambientes
fechados.
A singularidade da imagem cinematográfica,
tomando-se por base o ano de 1895 e a máquina Lumière, não localiza-se
portanto na questão da reprodução do movimento fotográfico mas na conjunção
de uma série de fatores estéticos e econômicos que delineiam, de maneira
espantosamente precisa, os futuros contornos imagéticos da reprodução e da
exploração da representação do movimento em sua duração. A historiografia
tradicional localiza na projeção ampliada da imagem a principal deficiência
do quinetoscópio que teria sido vencida pelo cinematógrafo Lumière. Mais do
que a projeção da imagem (que os irmãos Max e Emile Skladonowsky, entre
outros pioneiros menos documentados, já haviam realizado na Alemanha meses
antes de 28 de dezembro de 1895), talvez possamos localizar o salto
qualitativo da imagem móvel cinematográfica em um outro degrau. Ao
operacionalizar projetor e câmera em um mesmo pequeno e portátil aparelho
os irmãos Lumière não só compuseram a fruição que seria a do espectador
cinematográfico durante décadas (projeção da imagem gigante na sala escura
pública), mas permitiram igualmente que a máquina-câmera tivesse condições
concretas para ocupar o lugar que seria o seu dali em diante: solta e
imiscuída no mundo, extraindo do espetáculo da interação com o que lhe é
exterior sua primeira fonte de atração. Mais do que inventores de algo
indefinido chamado cinema, Louis Lumière e seus operadores talvez tenham
sido os primeiros cineastas, os primeiros fotógrafos do movimento,
explorando com incrível agilidade as potencialidades estéticas da imagem-
câmera móvel e inaugurando um padrão imagético: movimento em profundidade
de campo, primeiros planos, entrada e saída de campo e mais do que tudo, um
enquadramento refinado e marcado. Enquadramento que revela uma intimidade
insuspeita com a câmera fotográfica, conseqüência inevitável da principal
atividade industrial dos irmãos: fabricantes de placas fotográficas. Estes
procedimentos fazem com que A Chegada do Trem na Estação de Ciotat seja
pioneiro, não do cinema como nova imagem (o que efetivamente não foi, tendo
sido produzido, provavelmente, já em 1996), mas pioneiro de uma estílistica
da imagem que já explora com agilidade as principais potencialidades
estéticas proporcionadas pelo movimento com relação ao quadro em que se
insere. O que surge na tela para os espantados espectadores, é aquilo que
nunca se viu antes, naquela forma: rolos de fumaça, grandes massas em
movimento, velocidade, carros, transeuntes, ruas habitadas, faces e
expressões familiares, paisagens remotas e insólitas, e mais do que tudo,
movimento, o gosto pelo espanto provocado pelas formas inauditas do
movimento. O que irá atrair o espectador não será apenas a imagem
fotográfica deste mundo dotado de movimento mas os efeitos sensacionais
deste movimento manipulado. Em outras palavras, a principal atração, neste
primeiro momento, parece ser as potencialidades da câmera na reprodução e
na variação do movimento daquilo que lhe foi exterior.
É nesse quadro que podemos delinear a
singularidade da imagem "cinematográfica" no campo imagético, em
continuidade com outras imagens-câmera: a partir de sua abertura para as
formas da vida e sua duração, conforme experimentadas pelo sujeito, a
partir de seu corpo, em interação com a exterioridade a que chamamos mundo.
Abertura esta que se dá a partir de uma imagem que possui fortes traços
analógicos, com evidentes similaridades no contorno de suas formas para com
as imagens especulares. Esta imagem, que imprecisamente chamamos de
cinematográfica, deve ser entendida como determinada em suas
particularidades estruturais pela máquina através da qual é produzida (a
câmera), em interação com a máquina que a veicula (o projetor ou aparelho
exibidor), evidentemente a partir do estilo criativo dos sujeitos que
manipulam esta matéria prima. Cinema é uma denominação imprecisa pois
restringe-se à forma fílmica (imagens, com estatuto ficcional ou não,
exploradas através de forma narrativa com um padrão pré-determinado de
duração), não tematizando as potencialidades da imagem-câmera que a
ultrapassam. É igualmente dentro deste quadro que poderemos pensar a imagem-
câmera fílmica, pois muito de suas potencialidades advêm do material mesmo
que a constitui. Em outras palavras, advêm da maneira através da qual a
mediação da câmera conforma seus traços. Elemento próprio a esta imagem é,
neste sentido, a constituição em bloco dos traços da imagem (o espaço do
"instante" configurado em todos seus elemenos simultaneamente), a partir de
uma situação de mundo, anterior ou simultânea à exibição, situação esta que
denominamos "tomada". Além disso, mencionaríamos os fortes traços de
semelhança da imagem-câmera para com as imagens formadas em superfícies
mais ou menos especulares, dentro da diversidade dos materiais que possuem
qualidade refletora. Podemos pensar estas potencialidades como relativas ao
caráter necessariamente indicial da imagem-câmera, geralmente acompanhado
(embora não obrigatoriamente) de formas icônicas com traços analógicos.
Esses elementos são decorrência da natureza
mais íntima da máquina que compõe a imagem-câmera e farão com que o cinema
sinta em relação às artes modernas e à conformação pictórica dominante no
século XX, um nítido complexo de inferioridade. Complexo sobre o qual se
debatem a quase totalidade dos teóricos do cinema mudo ao tentarem afirmar
o cinema como arte "pura" (e não como "imitação" da natureza), atacando,
simultaneamente, a questão da especificidade (cinema não é teatro, não é
literatura, etc) e da semelhança surpreendente entre o automatismo na
conformação da imagem-câmera e as formas reflexas conforme emergem no
mundo. Na realidade, talvez pudéssemos apontar aqui para um divórcio entre
aspectos estruturais próprios à mediação da câmera e temas caros ao
pensamento contemporâneo, conforme vem se delineando principalmente a
partir dos anos 60. A teoria do cinema francesa e americana dos anos 60/70
contém um misto de condenação "ontológica" de deficiências ideológicas da
representação inerentes à natureza da imagem-câmera móvel, junto à
esperança (e uma tábua normativa) que procedimentos estilísticos possam
contornar esta natureza da conformação câmera, em si mesma condenável.
Entre os elementos sujeitos à forte condenação ideológica estão: a
afirmação de uma noção de sujeito centrado e pontual que vem se conformar a
partir de um ponto de vista unitário, determinado pela posição da câmera; a
representação do mundo como totalidade delineada a partir desse ponto de
vista privilegiado; a transparência do discurso, que esta imagem permite,
em direção à dimensão referencial da tomada, negando a ênfase na
reflexividade e a espessura do trabalho da representação; a quasi-
objetividade desse referente conforme aparece na imagem-câmera com
aparência de universo fechado, para além da incidência subjetiva em sua
conformação, etc. Esse choque da consciência moderna com os traços mais
evidentes da forma câmera é antigo, podendo ser remontado aos vitupérios
levantados por Baudelaire, em meados do séc. XIX, contra a imagem
fotográfica, sua forma perspectiva e a potencialidade de trazer o traço do
mundo como marca. Na realidade, estamos face a uma visão de mundo que irá
se constituir a partir de um questionamento radical do sujeito todo
poderoso, seja como foco cognitivo exponenciando sua racionalidade, seja
como ponto de vista a partir do qual a representação do mundo poderá se
efetivar. É à esse saber subjetivo como ponto unitário, característico da
imagem que possui composição perspectiva, que a visão moderna do sujeito
irá se contrapor. A forma-câmera, ao ir de encontro a esta disposição da
representação, sofrerá imediata desconfiança sobre suas potencialidades
alienatórias. A isso se adicione a desconfiança com relação à aparente
transparência, em seus traços especulares, do referente na representação,
principalmente numa forma imagética que, por possuir a aparência especular,
tem a tendência de ser identificada com o próprio reflexo. A plena inserção
da reflexão sobre a imagem cinematográfica no pensamento dominante de sua
época (inserção que ocorre plenamente nos anos 60-70, em particular a
partir do chamado pós-estruturalismo francês), faz com que, muitas vezes,
traços estruturais dessa imagem não possam ser tematizados com a
abrangência e a relevância que lhe são devidos.




Baudelaire - ainda o mesmo Baudelaire que
lança manifestos contra a aparência da imagem que possui a forma-câmera -
teve o desejo irreprimível de possuir uma fotografia de sua mãe quando essa
estava se aproximando da velhice. Não de qualquer imagem de sua mãe, como
ele mesmo explicita, mas uma imagem fotográfica. De maneira mais explícita,
uma imagem não de qualquer fotógrafo, mas de Nadar, o mestre inigualável
das expressões. Nadar, o que fazia emergir na imagem, no retrato
fotográfico, algo indefinido que só lá, através da mediação da câmera,
poderia surgir aos olhos dos franceses do séc. XIX como inefável, singular,
e que os retratos pictóricos não pareciam poder possuir. Em suas palavras,
"um retrato exato que tivesse a forma de um desenho". Mais do que isso, no
entanto, Baudelaire exige que ele mesmo esteja presente, condição que
considera indispensável para a tomada da foto e que faz, com que, ao final,
o retrato não seja feito. Efetivamente, para o poeta, parece não haver
sentido na foto sem que sua presença testemunhe a tomada. Presença que irá
certamente compor uma particularidade essencial para sua posterior fruição
como espectador dessa imagem. Está em jogo aqui, para o espectador
Baudelaire, não só a curiosidade em conhecer a marca, o traço que sua mãe
deixaria na máquina-câmera de Nadar, mas, elemento central, uma marca que
fosse contemporânea à sua presença como espectador, compondo a imagem, para
si, como testemunha. Temos aqui potencializado um elemento característico
da mediação da câmara que estabelece, entre tomada e imagem posterior, o
traço de uma presença, relação que iremos tentar estabelecer a seguir como
estrutura particularmente interessante da cinematografia.
Ainda um outro amante meio complexado da
fotografia, da imagem-câmera e de suas potencialidades (complexo que agora
tem suas raízes nas abordagens semiológicas dos anos 60), e ainda mais uma
fotografia de mãe. Roland Barthes olhando a foto de sua mãe, recentemente
morta, aquela foto única que nunca mostra aos leitores, tema central deste
livro sensível que é A Câmera Clara. O que Barthes busca no apartamento
vazio onde se depara com imagens diversas de sua mãe é a foto que - como se
lembra ao referir-se à frase de Godard ("não uma imagem justa, mas
justamente uma imagem") pelo avesso - seja não somente uma imagem qualquer
mas "uma imagem justa", a verdadeira, imagem que constitua e suscite não
apenas a identidade da mãe mas sua verdade. Em suas palavras, "a ciência
impossível do ser único". Ser único, singularidade, que, para Barthes,
somente a fotografia pode compor através da identidade e onde, pela
dimensão do punctum, a experiência pessoal do referente, vem delimitar a
dimensão da verdade. Identidade e verdade coincidem então aqui, delimitando
o campo da subjetividade do espectador e a dimensão do fotográfico.
Dimensão que é encontrada pelo ensaísta somente nesta foto de sua mãe,
anterior a seu nascimento, e não em outras com a mesma figura. É nessa
conjunção entre uma experiência pessoal própria da figura da mãe, inserida
naquilo que é particular à imagem fotográfica, que Barthes define o noema
da fotografia como isso foi ou ainda o que chama de intratável. Um noema
indiferente (milhares de fotos o possuem), mas que somente o punctum da
imagem de sua mãe no jardim de inverno faz existir como verdade. É desta
maneira que pode dizer dessa foto particular: "o que vejo encontrou-se lá,
nesse lugar que se estende entre o infinito e o sujeito (operador ou
espectador), e todavia de súbito foi separado: (...) irrecusavelmente
presente (agora) e no entanto já diferido"[1] E explicando a verdade do
retrato como relativa a uma identidade particular que só o gênio da
fotografia pode conferir: "sob o efeito de uma experiência nova (...) eu
confundira verdade e realidade em uma emoção única, na qual eu colocava
doravante a natureza - o gênio - da Fotografia, já que nenhum retrato
pintado, supondo que ele me parecesse "verdadeiro", podia impor-me que seu
referente tivesse realmente existido"[2].
É este noema, este núcleo comum a todas as
imagens que possuem a mediação da câmera, que tentarei analisar trabalhando
com a especificidade da imagem cinematográfica. Em artigo do início de sua
carreira no qual aborda a imagem cinematográfica[3], Merleau-Ponty define
com bastante precisão a inserção singular da câmera no mundo e suas
conseqüências para a composição imagética: "uma boa parte da filosofia
fenomenológica ou existencial consiste na admiração dessa inerência do eu
ao mundo e ao próximo, em nos descrever esse paradoxo e essa desordem, em
nos fazer ver o elo entre o indivíduo e o universo, entre o indivíduo e
seus semelhantes (...). Pois o cinema está particularmente apto a tornar
manifesta a união do espírito com o corpo, do espírito com o mundo, e a
expressão de um dentro do outro"[4]. Essa característica do que Merleau-
Ponty chama "cinema", de aderir ao transcorrer da duração em que o sujeito
está imerso, leva a que a identificação sujeito-câmera (identificação
aproximativa certamente, e que se concretiza no campo da fruição do
espectador) se aproxime das condições de percepção que são próprias à
"admiração" da presença do corpo do eu subjetivo no mundo, através da
sensação de vida. E é essa proximidade da imagem-câmera em movimento com as
condições de percepção do sujeito em sua inerência ao mundo e a outrem, que
irá permitir ao espectador fundar sua fruição em torno da noção de presença
da câmera no campo da tomada. É esta mesma inerência ao transcorrer e à
sensação do sujeito desse transcorrer como duração, que irá fazer com que a
imagem-câmera em movimento, em sua tradição cinematográfica, seja pensada,
dentro do corte fenomenológico, como "imagem do presente", ou, em outro
corte teórico (Deleuze), como "imagem qualquer" .
Albert Laffay, contemporâneo de Merleau-
Ponty e um dos mais instigantes intelectuais que pensaram a questão da
imagem cinematográfica, define o cinema como "arte do presente", na medida
desta aderência da câmera ao transcorrer, em sua abertura para a
casualidade e o indeterminado, próprios à forma do acontecer na franja da
consecução temporal[5]. Presente esse no qual está necessariamente embutida
a noção de presença, aí fundadora daquilo que pode ser definido como
simultaneidade do ser à duração, a sobredeterminando. No entanto, Laffay
irá opor ao cinema como "presente", como "mundo", como aderência ao
transcorrer, o que ele chama do "grande mostrador". Conceito caro a uma das
mais fortes correntes contemporâneas da análise cinematográfica, a
narratologia, o grande mostrador é, segundo as palavras de Laffay, o
"mestre de cerimônias" que vira as páginas da narrativa cinematográfica, a
instância narrativa que assume a "mostração" das imagens através da
câmera.[6] Um dos maiores obstáculos ao trabalho com a reflexão de Laffay é
a sobreposição conceitual entre a forma particular cinema narrativo e a
imagem-câmera pensada em sua generalidade. Sobreposição que também
encontramos em Merleau-Ponty e que gera algumas imprecisões. Para fugir da
amarração conceitual do termo "cinema" e dar à reflexão de ambos uma
dimensão mais ampla, podemos tentar trabalhar essa interessante idéia do
cinema como arte do presente, frisando-a como característica própria à
imagem-câmera móvel entendida em sua aderência ao transcorrer, para, em
seguida, analisar em que medida a tradição fílmica irá trabalhar e
manipular estilisticamente as imagens a partir dessas potencialidades. A
definição de cinema como arte do presente contém para Laffay uma dicotomia
que faz com que a idéia, muitas vezes lhe atribuída, do cinema como "eterno
presente" possa ser vista como simplista. É na contradição entre "presente"
e indeterminação, acaso (da imagem) e "arte"/relato (do cinema) que irá se
constituir o que determina como os "dois pólos do cinema".
Pier Paolo Pasolini distingue de um modo
mais definido imagem e cinema o que o leva evitar algumas das confusões em
que Laffay se vê enredado ao tematizar as potencialidades da imagem-câmera
face a gravidade narrativa. Cinema, para o cineasta é um grande plano-
sequência, do tamanho de uma vida, sem cortes: um grau zero de aderência da
imagem-câmera ao transcorrer, à duração. Em oposição a esse plano ideal,
surge o nível do filme quando, segundo suas palavras, "o presente se
transforma em passado", através da montagem. A noção de cinema, próxima do
que venho definindo como sendo as potencialidades da imagem-câmera, é
presente, adere ao que é sentido como transcorrer pelo sujeito. Em
Pasolini, o conceito cinema adquire uma consistência particular ao ser
oposto à noção de morte, que é identificada ao filme propriamente dito.
Especialmente atraído pela dimensão cinema da imagem, pela tomada em sua
adesão plena ao transcorrer, Pasolini possui belos trechos escritos onde
analisa o cinema de vanguarda americano dos anos 60, e a tendência de
alguns diretores em trabalhar com planos longuíssimos (vide Andy Wharol).
Contra o cinema eleva-se então o filme, que "mata" através do corte, da
montagem, dissipando a presença que abre-se para o indefinido sempre
renovado e presente, do mesmo modo que para o sucessivo uniforme. O filme é
a morte e o sentido, corte do plano-sequência infinito que dá significância
à abertura inconclusa. Esta, enquanto permanece aberta, como cinema, é
indeterminada e insignificante. Fazer cinema (e não filme), diz o diretor
em uma definição particularmente inspirada, "é escrever sobre papel que
queima". A morte no fechamento da abertura do cinema, ilumina
retrospectivamente o plano-sequência, agora finito, fazendo com que "a
linguagem da ação" possa fechar-se sobre si mesma compondo sua
significância. Morrer, então, para o autor, "é absolutamente necessário,
pois, enquanto estivermos vivos nos falta sentido", a morte "compõe uma
montagem fulgurante de nossa vida (...) e é graças à ela que nossa vida
pode servir para nos exprimir"[7]. Na relação entre cinema e filme, para
Pasolini, está contida a abertura infinita da imagem-câmera para o presente
e o sentimento trágico da finitude da vida, ao qual, como consolação,
corresponde o corte de significado. Entre sentido e vida o cinema é, no
limite, uma experiência impossível. É na contraposição desta
impossibilidade que Pasolini intui tragicamente a dimensão do "seu" plano-
sequência, e a maneira brusca e cristalizadora pela qual o findou.




A potencialidade da imagem-câmera em aderir
ao transcorrer adquire sua relevância completa ao adicionarmos, à forma
particular de inserção da câmera no mundo, a aparência com traços
especulares de sua forma. É ela que faz com que, para imagem-câmera, sejam
intuitivamente transferidas potencialidades próprias à imagem reflexa. Há
todo um pensamento que tematiza o cinema sob o impacto dessa proximidade. A
reflexão contemporânea é um pouco monocórdica no constante frisar da
dimensão discursiva; da armadilha que é acreditar na aparência especular
dos traços da imagem-câmera. Experimentemos fazer o caminho inverso,
cientes que proximidade não é identidade. Para alguns dos chamados
"impressionistas franceses" essa disposição particular dos traços da imagem-
câmera, aliada à sua inserção no transcorrer, faz com que o mundo surja
transfigurado, exponenciando uma intensidade. Para designar esta
intensidade, Jean Epstein dizia que o cinema é como um vulcão. Imagem por
excelência adequada para designar o vibrar da natureza que surge
transfigurada na imagem, caracterizando a novidade que apresenta para a
sensibilidade estética da época. O mundo transfigurado, talvez seja um
termo preciso para descrever a sensibilidade imagética de Jean Epstein,
Germaine Dulac, Louis Delluc, Elie Faure, Riccioto Canudo e outros.
Descrições ufanistas de flores desabrochando, de seres nunca antes vistos
em proximidade, de movimentos insuspeitos que se revelam em câmera lenta,
em retrocesso, em acelerado: uma interjeição de exclamação com a
intensidade da natureza revelada e transfigurada pela imagem percorre o
conjunto desses textos. A natureza está lá (de volta o velho noema) e surge
transfigurada não como pintura, mas como revelação. Delluc cunha o termo de
fotogenia para designar o efeito da intensidade: deslumbre, "frisson",
espanto. O adjetivo faz escola nomeando o mundo transfigurado pelo
movimento variável, em seu efeito sobre o espectador. Não apenas uma
imagem, uma imagem abstrata, mas a transfiguração do traço, do índice
daquilo que é exterior à câmera e simultâneo ao sujeito. Animismo e
fotogenia são os elementos centrais dessa nova representação do mundo. Os
contornos das formas e os volumes permanecem idênticos e estáveis em sua
bidimensionalidade, dentro da similitude com a imagem reflexa, mas a
variação possível do movimento (acelerado, lento, retrocesso), o recorte
variável do espaço pela câmera, os dilui, fazendo emergir a particular
intensidade fotogênica. As coisas inertes adquirem movimento, as plantas
transferem-se para o reino animal, os animais tornam-se minerais estáticos:
Epstein nos afirma que o cinematógrafo demonstra não haver mais substância
no reino do movimento manipulado. Há apenas o ritmo do movimento visual,
matéria por excelência cinematográfica. Poderíamos afirmar que essa
sensibilidade (principalmente em Epstein, Germaine Dulac, nas intuições de
Elie Faure) localiza-se na percepção da imagem como dotada de intensidade
particular: no mundo transfigurado e idêntico perdem-se as qualidades
diferenciais, tudo se reduz a uma mesma alma quantitativa que o habita, o
movimento. A estética, a criação cinematográfica, deve então exponenciar
essas características. No mundo tudo é número, nos diz Epstein, lembrando a
tradição pitagórica-platônica. Tudo é número pois o todo pode ser reduzido
a uma grande e uniforme substância - o movimento - que manifesta-se como se
dotada de uma grande alma, com diferenciais quantitativos e não
qualitativos em sua natureza. Fotogenia e animismo: a câmera faz com que as
coisas pareçam ter uma vida particular que lhes é própria, uma
espiritualidade que nos revela a natureza mais íntima de nosso mundo
concreto.
Anos mais tarde Edgar Morin, em Le Cinéma ou
l'Homme Imaginaire[8], irá descrever com outra ênfase essas
potencialidades. Nos anos 50, toda uma tradição crítica forma-se pensando
essa questão da grande alma do mundo na transfiguração da imagem-câmera.
Agora, no entanto, o animismo dos anos 20 surge como transcendência pensada
dentro de um recorte delimitado por dogmas do cristianismo. É assim que, em
Amedée Ayfre e Henri Agel, numa abordagem com tonalidades existencialistas
cristãs, essa temática é problematizada a partir de diretores como Robert
Bresson, Carl Dreyer e Roberto Rossellini. Trata-se aqui de tentar
preservar a ambigüidade como campo para o exercício da liberdade, vista
como manifestação da fé, delimitando a emergência do sublime e do sagrado
na imagem, através de uma "face humana do Mistério transcendente de Deus".
A transcendência, o inefável na imagem, surge como manifestação do
mistério, campo para o exercício da liberdade. A proximidade do estilo neo-
realista de um lado e a influência do pensamento fenomenológico de outro
(Ayfre escreve um artigo intitulado Neorealismo e Fenomenologia[9]), abrem
espaço para a tematização do "estar-aí" da câmera no mundo e sua inserção,
através dessa posição, em um Mistério que é o da dimensão sagrada.
Tematização essa que muitas vezes nos remete ao deslumbre "impressionista"
com as formas liberadas do movimento e com o animismo nelas reinante. Henri
Agel chega inclusive a criticar o panteísmo e a visão que chama
"preconceituosa" de Epstein, por achar que tal manifestação seja uma
"invenção do diabo" e não expressão estética da Revelação.
Não há como negar que os dois cortes
críticos, apesar das diferenças, se aproximam, unindo-se nessa percepção de
que a imagem-câmera parece fechar-se em si mesma, dotando o mundo
representado de uma animação própria. Epstein nos fala de seu espanto em
ver, na tela, a natureza levando uma vida que lhe é inteiramente própria,
fechada à mediação do campo subjetivo: "se quisermos compreender como um
animal, uma planta, uma pedra, podem inspirar o respeito, o medo, o horror,
três sentimentos sagrados, é necessário vê-los viver na tela suas vidas
misteriosas, mudas, estrangeiras à sensibilidade humana"[10]. Um dos
críticos com sensibilidade aguçada para esta transfiguração do mundo pela
imagem-câmera é sem dúvida André Bazin, autor onde a influência da formação
cristã deve ser vista de maneira distinta da mencionada acima. Na
realidade, a paixão baziniana pelos filmes com animais, regiões
inexploradas, mundo submarino ou microscópio, pólos ou selva africana, pelo
muito pequeno, o muito rápido, o muito lento revelado pela câmera, situa-se
de maneira bastante particular no quadro ideológico do pós-guerra francês.
Ao lermos a descrição de Epstein da explosão de um vulcão e imaginarmos o
filme perdido que realizou sobre a erupção do Etna, não há como deixarmos
de lembrar da sensibilidade baziniana para com esse tipo de imagem, que
realça o transcorrer, a duração, em sua abertura para o indeterminado.
Imagens onde o mundo surge com toda a intensidade da vida, borbulhando de
movimento, em um misterioso fechamento em si mesmo, completamente
independente da presença humana que ali deveria estar marcando a percepção
com sua interferência e que, na ausência, surge mediada pela câmera como
sujeito ideal. Os bons filmes de vida animal constituem aqui a imagem, por
excelência adequada, para a manifestação dessa vida que parece se delinear
para além do campo transcendental em que podemos conceber o "estar aí"
subjetivo.




Essas potencialidades singulares da imagem-
câmera adquirem relevo particular quando, à intensidade animista, vem se
sobrepor a dimensão do extraordinário. No aderir ao transcorrer próprio da
câmera, a abertura ao indeterminado é então exponenciada. A imagem adquire
uma intensidade inaudita, principalmente quando, na forma vídeo-televisiva,
é constituída em simultaneidade ao transcorrer da matéria que lhe conforma.
A imagem do perigo, da testemunha ocular ocasional, do inesperado trágico
ou do inesperado cômico (como em vídeos familiares em que a surpresa
irrompe no cotidiano), conforma-se a partir de uma imagem que surge através
da mediação da câmera, imagem esta com a qual a tradição fílmica mantém um
diálogo surdo. É como se outra camada de intensidade fosse acrescida à
transfiguração animista do mundo, camada que a sensibilidade atenta de
Roland Barthes para estas potencialidades designa como traumática. O que é
a imagem traumática? O trauma para o autor "é precisamente aquilo que
interrompe a linguagem e bloqueia a significação (...) a fotografia
traumática é aquela de que nada se tem a dizer(...): a foto-choque é
estruturalmente insignificante". Que imagens seriam estas? Ainda segundo o
Barthes de A Mensagem Fotográfica (o texto é de 1961), imagens de
"incêndios, naufrágios, catástrofes, mortes violentas, tomadas 'ao
vivo'"[11]. O traumático barthesiano articula-se, portanto, em função desta
intensidade singular à imagem-câmera, decorrente das particularidades que
envolvem sua constituição a partir da circunstância da tomada.
Circunstância esta que atrai em particular o "olho" barthesiano e que será
tematizada exaustivamente, anos mais tarde, como um tema recorrente, em A
Câmara Clara[12]. No trauma está contido uma estrutura central da imagem-
câmera, bastante próxima daquilo que o autor apontaria em A Câmara Clara
como o noema da fotografia, uma mistura de isso foi mais intratável (o
inesperado, a força compacta do mundo que rebela-se às expectativas e à
marca da intervenção do sujeito que, sustentando a câmera, lá esteve na
tomada): "as fotos propriamente traumáticas são raras, pois na fotografia o
trauma é, na verdade, a conseqüência da certeza de que a cena realmente
aconteceu: o fotografo tinha que estar lá (é a definição mítica de
denotação)"[13]. Podemos dizer, com mais precisão, que a dimensão do
intratável é esse arrepio, essa forma de anterioridade, essa emanação do
referente, que através e pela subjetividade, vem se chocar ao indivíduo que
manipula a câmera. A intensidade para Barthes é o punctum da imagem, bem
além do mera atenção subjetiva para o detalhe (sua primeira definição deste
campo). Punctum é o tempo dilatado que surge na imagem através do noema
isso foi. O trauma imagético potencializando a dimensão do intratável -
bloqueando a retórica estilística e exponenciando a circunstância da tomada
-, permite que, através do choque, o referente aflore em si, como se
estivesse para além da significância.
Tematizando esta particular intensidade da
imagem-câmera dois autores da geração "anos 70" do Cahiers du Cinéma,
Pascal Bonitzer e Serge Daney, publicam, em março de 1972, artigo
intitulado L'Écran du Fantasme[14], onde acertam as contas com o passado
baziniano. Escrito a quadro mãos, em colunas separadas para cada autor,
problematiza, dentro de contexto de uma época "mao-bretchniana", a dimensão
traumática que pode ser aberta pelo traço da presença da câmera na
circunstância da tomada. Abordando um tema ao qual ainda retornará outras
vezes Bonitzer define de maneira crítica o que chama de paradigma da fera.,
"uma das metáforas mais radicais do real"[15]. Presente no núcleo da
sensibilidade baziniana, este paradigma implica uma estética que é antes de
tudo uma ética da imagem face à circunstância da tomada: "foi a câmera que
"devorou" a fera, mas poderia ter sido o contrário, a fera poderia ter
devorado o câmera e do diretor". Metáfora da presença na circunstância da
tomada e de seu traço na imagem, traz em si um efeito amplo. De um lado o
"frisson", por exemplo a comicidade da unidade espacial, a "marca" da fera:
Chaplin e o leão na jaula. De outro, o dilema que traz seu limite, a
impossível imagem do selvagem cortador de cabeças (que deixa de ser
selvagem se não corta a cabeça do operador da câmera). Entre os dois o
espectador e uma ética da fruição da imagem. Em um texto já bem posterior,
publicado nos anos 80[16], Bonitzer volta a utilizar um termo (já
mencionado por Serge Daney em L'Écran du Fantasme) cunhado por André Bazin
para trabalhar com este paradoxo: o complexo de Nero. Definidor da fruição
estética da imagem traumática, da imagem que dilata ao máximo o "grão do
real", "excedendo toda figuração", o complexo de Nero define a voracidade
do espectador face a uma imagem onde "não basta mais caçar o leão, se ele
não come os caçadores", ou, em última instância se não come o câmera.
Limite último da imagem-câmera que resulta no fato de que "Nero era uma
artista frustrado", como insiste Bonitzer, querendo enfatizar a
impossibilidade da criação artística sobreviver neste registro da
imagem[17]. A consumação do traumático barthesiano é então voraz e envolve,
além do aspecto ético, a contradição com a trivialidade "qualquer" da
imagem-câmera, contraposta à singularidade exponenciada do regime
traumático[18]. É neste ponto que coloca-se a questão ética, tema que será
debatido exaustivamente por André Bazin, e com relação ao qual, Serge Daney
desenvolve uma abordagem particular onde coloca fortes traços
biográficos[19]. Através de Kapo e seu travelling deslocado, Daney crê
poder traçar um retrospecto da evolução pessoal de sua sensibilidade
cinematográfica. O "travelling de Kapo" surge quase como uma grande
metáfora de seu desenvolvimento como crítico: da ética baziniana, passando
pelos anos "vermelhos", terminando com documentários televisivos e show de
rock, o dilema "Kapo" marcaria como um todo sua carreira. A expressão
"travelling de Kapo" estabelece os limites éticos da imagem traumática como
uma estética. O esteticismo, o maneirismo do procedimento, o Nero artista,
não é aceitável face a um tipo particular de imagem. Se entendemos, como
quer Bazin, que "a morte é um dos raros eventos que justifica o termo de
especificidade cinematográfica", se estamos trabalhando (e mais do que
isto, fruindo como espectadores) a força indicial intrínseca à imagem-
câmera, devemos ficar aquém da fruição do "travelling de Kapo". O famoso
travelling compõe-se de um maneirismo estilístico desnecessário que incide
sobre uma imagem onde, sobretudo, isto não é admissível. Definido a partir
de um artigo de Jacques Rivette sobre o filme Kapo de Franco Solinas e
Gillo Pontecorvo[20], intitulado significativamente De l'Abjection, contém
em si mesmo um mais puros exemplos da ética traçada por Bazin para a
fruição da imagem do extraordinário. Se esta ética surge em sua pureza no
texto de Rivette é interessante notar a dimensão de sua influência em
autores como Bonitzer e Daney pertencentes a uma geração que,
principalmente nos anos 70, nega com ênfase qualquer proximidade com este
horizonte. O texto de Daney termina com um exemplo da atualidade do "limite
Kapo" que poderíamos estabelecer, como paradigma, em comparação ao "limite
Nero" baziniano: crianças famintas e esqueléticas sobrepostas, em fusão, a
astros do rock no show em escala planetária, o "we are the children, we are
the world". Da fusão ao travelling, a imagem traumática não pode servir de
base para o exercício estilístico. O "grão" denso do real, marcado pela
intensidade, quando emerge exige sobriedade no limite da fronteira solene
onde o recorte do campo espectorial tende à diluição.
André Bazin teve a sensibilidade original de
tatear este horizonte, a partir do que surge como uma preocupação, cercada
por um marcado gosto estético. Se absolutamente não o repugna este gosto, a
preocupação ética é uma maneira de traçar suas fronteiras. Que gosto é
esse? O próprio crítico o confessa: gosto pela imagem una do espaço
homogêneo, tencionada pela intensidade (o momento paradigmático da montagem
proibida). Seja na comédia (Chaplin na jaula do leão), no drama (o âmago da
tensão estilística do neo-realismo, o estilo Renoir, Welles, Wyler, etc),
na imagem do extraordinário (os sensíveis artigos sobre O Mundo do
Silêncio, O Eterno Silêncio, Nanook, O Homem de Aran, Kon-Tiki, etc), na
transfiguração do filme científico (artigos sobre Jean Painlevé), na
sensibilidade para filmes de vida animal, na extensa e pouco conhecida
crítica televisiva. O que está em jogo aqui não é o que a imagem mostra mas
como, através do campo aberto do estilo, lida com o contexto da
circunstância da tomada. Campo aberto do estilo que não se restringe aos
procedimentos técnicos espaciais geralmente realçados no autor (plano
sequência, profundidade de campo), mas abre-se decididamente para esta
forma privilegiada da retórica baziniana que é a elipse. O realismo
baziniano é rodeado de proibições sobre o que se pode mostrar. Em linhagem
direta com as interdições de "Kapo", deve-se mostrar de uma maneira própria
o que constitui o núcleo de uma imagem que caracteriza-se pela evidência (o
trauma). As interdições aqui possuem um recorte que tem no fundo a mesma
preocupação ética: quanto à forma, a proibição da montagem (particularmente
enfática nesta imagem); quanto à intensidade, o limite da obscenidade. A
intensidade baziniana da imagem, e o relacionamento privilegiado que o
crítico mantém com este tipo imagético, só pode ser compreendido se
analisarmos o paradigma da unidade espacial a partir do que Bazin chama
complexo de múmia. Recorte temporal do espaço unitário, figura da
subjetividade espectorial que circunda e sobredetermina a ontologia da
imagem baziniana, o complexo de múmia e a obsessão em preservar compõem o
quadro em que a intensidade emerge e é fruída pelo espectador[21]. É a
partir desta potencialidade da imagem-câmera (ontológica à sua
constituição, por assim dizer), que corresponde antes de mais nada a uma
obsessão do espectador que a determina, que podemos ver emergir a
intensidade e a transfiguração do real própria a esta forma imagética. É o
saber do espectador (saber da tomada) e sua obsessão - e não a imagem
analógica - que diz ser este traço tremido índice de perigo, signo quase
abstrato.
No ponto culminante do realismo de Bazin
está duplamente a elipse: como imagem obscena do que não se mostra
(ontologicamente o sexo e a morte) e como suspensão da tomada, índice que
traz em si a intensidade máxima do trauma. Em Kon-tiki, a expressão desse
realismo mais forte, que atinge a sensibilidade do crítico, está no corte
da tomada, na interrupção da imagem: símbolo, pela elipse (ou índice pelo
corte), de que a tripulação, face ao perigo, "tinha mais coisa para fazer
do que filmar". Índice portanto do perigo, e do tubarão que o provoca quase
virando a jangada, e não imagem realista do mesmo. Imagem que deve ser
pensada em sua negação, como elipse, como significado negativo de sua
adesão a transcorrer da circunstância da tomada, como corte motivado pelo
que interessa o espectador: a intensidade do perigo. O realismo baziniano é
bem pouco realista no sentido clássico do termo. Dentro da especificidade
da imagem com que trabalha, dirige-se para a marca da intensidade da
circunstância, pouco importando os contornos, "realistas" ou não, deste
traço. O outro lado da sensibilidade baziniana à dimensão traumática da
imagem compõe-se de maneira mais decidida a partir dos limites éticos da
representação, embora também aí a tentação de uma ontologia que sustente a
ética esteja presente. Bazin constrói uma moral da intensidade, buscando
delimitar os parâmetros, os limites, a partir dos quais se constitui o que
chama de obscenidade da imagem. O obsceno baziniano coteja o traumático de
Barthes, na medida em que ambos exploram a intensidade máxima da imagem,
proporcionada de maneira singular pela mediação da câmera. Nessa escala,
para Bazin, o obsceno é o limite da imagem como representação que a partir
daí torna-se intolerável para o espectador. Avançando-se mais nesta linha é
rompido o pacto ficcional e o intratável adquire as cores do intolerável.
Obscenas são, para Bazin, a imagem do sexo e mais do que tudo a imagem da
morte. A imagem da morte, efetivamente ocorrida diante da câmera,
potencializa ao extremo a intensidade traumática e, furando a densidade da
representação onde se situa a fruição espectorial, adentra o nível da
obscenidade. Esta idéia do limite da intensidade da imagem como obscenidade
percorre o conjunto de seus textos sendo definida de maneira clara em Morte
todas as Tardes, onde à morte de um toureiro (imagem traumática) é
contraposta a banalidade da reprodução técnica da imagem (a "imagem-
qualquer" de Deleuze, Laffay, Mitry). Esta é a "contradição ontológica"
(assim a define) que delimita o campo da obscenidade, do irrepresentável, e
traça os contornos da fruição. Não se trata, no entanto, de uma norma, mas
de uma melancolia do espectador Bazin, face ao conflito insolúvel entre a
intensidade preservada, a singularidade no tempo exponenciada pela
unicidade da morte, e a "contradição" da infinita e banal reprodutibilidade
da técnica, a "contradição" da capacidade da máquina-câmera em aderir ao
transcorrer uniformemente, como imagem-qualquer. Qualquer determinado
duplamente pela natureza infinita da reprodução próprio à máquina que
parece poder coincidir em sua natureza com a banalidade dos instantes
quaisquer que se sucedem. Estamos novamente face à natureza particular da
imagem-câmera na representação do extraordinário, e os dilemas estilísticos
que a envolvem. É aqui que Daney proíbe os maneirismos, os travellings e as
fusões, que Bazin sente a necessidade de um limite no "mostrar" e opta pela
elipse disfarçando seu olho guloso, que Bonitzer é ácido para com a
voracidade tentando delimitar um campo espectorial, que Barthes é o poeta
melancólico da intensidade e de seu efeito. É importante frisar que o
efeito traumático não se reduz à imagem violenta mas compõe de maneira mais
ampla a gama de transfigurações abertas pelos efeitos próprios à presença
da câmera na circunstância da tomada. Efeitos que contextualizam-se entre o
espanto epsteiniano face as novas formas do mundo transfigurado, passando
pela melancolia face a preservação do traço e a tensão espectorial aberta
pela intensidade traumática que estoura a espessura da significação. Itens
que se sobrepõem e se misturam dentro deste leque restrito, mas ainda pouco
estudado, das potencialidades da composição imagética que tem os seus
traços, e a circunstância de sua composição, marcados mediação dessa
máquina de imagens que denominamos câmera.






















Ao terminar esta comunicação gostaria de
lembrar, de maneira incompleta e em função da disponibilidade de imagens,
alguns autores que trabalham de modo particularmente talentoso com essas
potencialidades dentro da tradição cinematográfica. Iniciaremos projetando
"ZOO - Um Z e dois Zeros" de Peter Greenway, filme no qual iremos nos
aproximar ao máximo da imagem por definição tabu da tradição fílmica: a
imagem da morte humana. Tematizando a morte a partir da variedade das
formas de vida e de sua conformação, Greenway depara-se face à intensidade
dessa imagem. A intensidade da imagem da morte, efetivamente ocorrida
dentro da situação ficcional, é uma imagem com intensidade máxima, com
traumatismo máximo, e que portanto não existe. Greenway irá apontar em
direção a uma imagem também tabú que é a imagem da decomposição do corpo
humano. Usando o acelerado, um pouco dentro da tradição da transfiguração
do mundo pelo movimento, Greenway e seus personagens (pois nào há dúvidas
que aqui há mais do que personagens em jogo) vai filmando para nosso
espanto e asco diversos corpos em putrefação, sempre apontando para a
imagem proibida, que, afinal, não nos é mostrada: a da decomposição de um
corpo humano. Este é um exemplo característico da imagem obscena baziniana,
proibida em função da intensidade particular que é própria à mediação da
câmera (que mal haveria afinal em pintarmos ou relatarmos essa
decomposição). Próxima da imagem por excelência obscena, a morte real na
tomada ficcional, está a morte efetiva de animais em filmes de ficção, que
carregam consigo igualmente uma forte carga de intensidade (a ponto de
alguns filmes, também em função da consciência ecológica de nossa época,
alertarem para fato de, apesar das aparências ficcionais, nào haver
prejuízo real aos bichos).
Em seu pólo invertido, mas também com forte
carga traumática está o sexo, momento em que igualmente a representação não
é possível. Evidentemente os filmes estão repletos de atores representando
o sexo, mas há uma fronteira nítida que talvez seja a penetração, ou a
manipulação das partes genitais. Será exibido um trecho, um plano sequência
bem ao gosto baziniano, sem cortes quando a simultaneidade é essencial, de
"O Império dos Sentidos", filme em que a representação e a vivência efetiva
do prazer sexual estão evidentemente sobrepostas. Apesar da intensidade da
imagem do sexo ser máxima, e aparecer como ocorrendo em uma região que
sobrepÆe prazer real e interpretação dos atores, é evidente que as imagens
do estrangulamento do amante no final são completamente ficcionais. Pode-se
ver nitidamente o laço frouxo com o qual o pescoço do protagonista é
pressionado. Essa é a imagem proibida, a imagem de intensidade obscena
máxima e que efetivamente não existe enquanto imagem fílmica.
A camada da intensidade originária da imagem-
câmera é trabalhada como matéria estilística por uma série de diretores,
sobre os quais seria demorado me deter aqui, explorando as particularidades
de cada estilo. Poderia mencionar os casos mais evidentes iniciando por
Rosselini que possui uma força particular em fazer com que no meio da
ficção mais anódida emerja, como em uma erupção, a intensidade traumática;,
não de uma tomada documental, mas da câmera imersa e solta na força da
imponderabilidade. Robert Flaherty, muitas vezes criticado pelo uso abusivo
da montagem em seus documentários, possui planos fortes com essa "aura"
traumática, aura essa que passa ao largo da dimensão "realista" da
representação. Nas imagens de Flaherty, como também nas de Murnau para
mencionar um companheiro seu de filmagem, vemos emergir a força da presença
do mundo aos burbulhÆes. Poderíamos também nos lembrar de Jean Renoir, John
Huston, de Jean Rouch, de Epstein, de Oshima, de Hawks, do qual vou exibir
um trecho de Hatari, de Glauber Rocha, enfim não gostaria de reduzir aqui
ao mesmo denominador comum estilos e imagens bastante distintas. Mesmo no
campo mais sujeito à interferência da montagem e da cenografia, mesmo no
cinema hollywoodiano mais fechado no estúdio, como veremos na caçada do
rinoceronte em Hatari, a imagem da câmera no transcorrer presente
tencionando a abertura para o indeterminado como intensidade (perigo,
morte, sexo, extraordinário) flexiona os elementos narrativos e introduz
uma forte coloração própria na imagem que lhe é singular. Há ainda um
elemento sobre o qual infelizmente não terei tempo para me deter, mas que,
em si mesmo, conforma toda a dimensão da irrupção da tomada, do "isso foi",
na imagem-camêra em sua tradição cinematográfica, e principalmente no
cinema hollywoodiano: a figura do ator e a circunstância de seu estar no
mundo, que surge na imagem da narrativa clássica, para o espectador, como
marca do envelhecimento progressivo do corpo desse ator no decorrer de sua
filmografia. Marca essa que irá por sua vez conformar e determinar a
dimensão da incorporação do personagem.
É então também através desse campo que veio
se delinear a tradição da cinematografia que está perto de completar seu
centenário. A relaçào entre filme e realidade não existe, a não ser que
pensemos em uma realidade fílmica que é a própria circunstância de exibição
da película para o espectador. O que existe é a presença particular desse
universo, que designamos como exterior e mediado por nossa subjetividade,
nessa imagem que por sua vez é obtida através do meio câmera. Traço forte e
que vem compor de maneira incisiva a fruição do espectador. O interessante
é notar a dificuldade que tem o pensamento contemporâneo para lidar com
esses elementos, e o fato de serem em geral abordados de maneira um tanto
reducionista. Temos a impressão de girar em torno de um mesmo disco
riscado: existe o discurso, existe a linguagem, existe construção por trás
da aparente transparência da representação. A pergunta que se coloca é: até
quando vamos estar imersos neste caldo ideológico, que constitui e delimita
o horizonte de nosso século ?






ALGUNS TRAÇOS ESTRUTURAIS E UMA PARTICULAR INTENSIDADE DA IMAGEM-CÂMERA








Fernão Pessoa Ramos








A imagem cinematográfica e a mediação da
câmera que lhe é própria inauguram uma forma imagética que pode ser
singularizada. Esta singularidade deve ser contraposta à visão gradualista
de sua evolução, muito em voga hoje em dia. A especificidade da
cinematografia surge em sua proximidade para com outras imagens-câmera,
inclusive a videográfica. Trata-se de imagens que têm por base mediação de
uma máquina com evidentes traços comuns, a câmera, que, em uma situação de
mundo que denominamos tomada, permite com que este mundo deixe seu traço,
seu índice, em um suporte que, no caso da imagem móvel, movimenta-se nesse
aparelho. No âmago de sua natureza localizamos o binômio tempo por
movimento, binômio que a crítica pós-estruturalista busca diluir através da
interposição de uma forte camada estilística (o cinema moderno).
A singularidade da imagem cinematográfica
não localiza-se na questão da reprodução do movimento fotográfico mas na
conjunção de uma série de fatores estéticos e econômicos que delineiam, de
maneira espantosamente precisa, os futuros contornos imagéticos da
reprodução e da exploração da representação do movimento em sua duração. A
historiografia tradicional localiza na projeção ampliada da imagem a
principal deficiência do quinetoscópio que teria sido vencida pelo
cinematógrafo Lumière. Mais do que a projeção da imagem (que os irmãos Max
e Emile Skladonowsky, entre outros pioneiros menos documentados, já haviam
realizado na Alemanha meses antes de 28 de dezembro de 1895), talvez
possamos localizar o salto qualitativo da imagem móvel cinematográfica em
um outro degrau. Ao operacionalizar projetor e câmera em um mesmo pequeno e
portátil aparelho os irmãos Lumière não só compuseram a fruição que seria a
do espectador cinematográfico durante décadas (projeção da imagem gigante
na sala escura pública), mas permitiram igualmente que a máquina-câmera
tivesse condições concretas para ocupar o lugar que seria o seu dali em
diante: solta e imiscuída no mundo, extraindo do espetáculo da interação
com o que lhe é exterior sua primeira fonte de atração. Mais do que
inventores de algo indefinido chamado cinema, Louis Lumière e seus
operadores talvez tenham sido os primeiros cineastas, os primeiros
fotógrafos do movimento, explorando com incrível agilidade as
potencialidades estéticas da imagem-câmera móvel e inaugurando um padrão
imagético: movimento em profundidade de campo, primeiros planos, entrada e
saída de campo e, mais do que tudo, um enquadramento refinado revelando uma
intimidade insuspeita com a câmera.
É nesse quadro que podemos delinear a
singularidade da imagem "cinematográfica" no campo imagético, em
continuidade com outras imagens-câmera: a partir de sua abertura para as
formas da vida e sua duração, conforme experimentadas pelo sujeito, a
partir de seu corpo, em interação com a exterioridade a que chamamos mundo.
Abertura esta que se dá a partir de uma imagem que possui fortes traços
analógicos, com evidentes similaridades no contorno de suas formas para com
as imagens especulares. Esta imagem, que imprecisamente chamamos de
cinematográfica, deve ser entendida como determinada em suas
particularidades estruturais pela máquina através da qual é produzida (a
câmera), em interação com a máquina que a veicula (o projetor ou aparelho
exibidor), evidentemente a partir do estilo criativo dos sujeitos que a
manipulam. É igualmente dentro deste quadro que poderemos pensar a imagem-
câmera fílmica, pois muito de suas potencialidades advêm do material mesmo
que a constitui. Em outras palavras, advêm da maneira através da qual a
mediação da câmera conforma os traços da imagem que produz: constituição em
bloco da imagem (o espaço do "instante" configurado em todos seus elemenos
simultaneamente), a partir de uma situação de mundo, anterior ou simultânea
à exibição, que denominamos "tomada". Outra singularidade da imagem-câmera
em sua diferentes formas está na sua semelhança para com as imagens
formadas em superfícies mais ou menos especulares, dentro da diversidade
dos materiais que possuem qualidade refletora. Podemos pensar estas
potencialidades como relativas ao caráter necessariamente indicial da
imagem-câmera, geralmente acompanhado (embora não obrigatoriamente) de
formas icônicas com traços analógicos.
Esses elementos são decorrência da natureza
mais íntima da máquina que compõe a imagem-câmera e farão com que o cinema
sinta em relação às artes modernas e à conformação pictórica dominante no
século XX, um nítido complexo de inferioridade. Complexo sobre o qual se
debatem a quase totalidade dos teóricos do cinema mudo ao tentarem afirmar
o cinema como arte "pura" (e não como "imitação" da natureza), atacando,
simultaneamente, a questão da especificidade (cinema não é teatro, não é
literatura, etc) e da semelhança surpreendente entre o automatismo na
conformação da imagem-câmera e as formas reflexas conforme emergem no
mundo. Na realidade, talvez pudéssemos apontar aqui para um divórcio entre
aspectos estruturais próprios à mediação da câmera e temas caros ao
pensamento contemporâneo, conforme vem se delineando principalmente a
partir dos anos 60. A teoria do cinema francesa e americana dos anos 60/70
contém um misto de condenação "ontológica" de deficiências ideológicas da
representação inerentes à natureza da imagem-câmera móvel, junto à
esperança (e uma tábua normativa) que procedimentos estilísticos possam
contornar esta natureza da conformação câmera, em si mesma condenável.
Entre os elementos sujeitos à forte condenação ideológica estão: a
afirmação de uma noção de sujeito centrado e pontual que vem se conformar a
partir de um ponto de vista unitário, determinado pela posição da câmera; a
representação do mundo como totalidade delineada a partir desse ponto de
vista privilegiado; a transparência do discurso, que esta imagem permite,
em direção à dimensão referencial da tomada, negando a ênfase na
reflexividade e a espessura do trabalho da representação; a quasi-
objetividade desse referente conforme aparece na imagem-câmera com
aparência de universo fechado, para além da incidência subjetiva em sua
conformação, etc. Esse choque da consciência moderna com os traços mais
evidentes da forma câmera é antigo, podendo ser remontado aos vitupérios
levantados por Baudelaire, em meados do séc. XIX, contra a imagem
fotográfica, sua forma perspectiva e a potencialidade de trazer o traço do
mundo como marca. Na realidade, estamos face a uma visão de mundo que irá
se constituir a partir de um questionamento radical do sujeito todo
poderoso, seja como foco cognitivo exponenciando sua racionalidade, seja
como ponto de vista a partir do qual a representação do mundo poderá se
efetivar. É à esse saber subjetivo como ponto unitário, característico da
imagem que possui composição perspectiva, que a visão moderna do sujeito
irá se contrapor. A forma-câmera, ao ir de encontro a esta disposição da
representação, sofrerá imediata desconfiança sobre suas potencialidades
alienatórias. A isso se adicione a desconfiança com relação à aparente
transparência, em seus traços especulares, do referente na representação,
principalmente numa forma imagética que, por possuir a aparência especular,
tem a tendência de ser identificada com o próprio reflexo. A plena inserção
da reflexão sobre a imagem cinematográfica no pensamento dominante de sua
época (inserção que ocorre plenamente nos anos 60-70, em particular a
partir do chamado pós-estruturalismo francês), faz com que, muitas vezes,
traços estruturais dessa imagem não possam ser tematizados com a
abrangência e a relevância que lhe são devidos.




Baudelaire - ainda o mesmo Baudelaire que
lança manifestos contra a aparência da imagem que possui a forma-câmera -
teve o desejo irreprimível de possuir uma fotografia de sua mãe quando essa
estava se aproximando da velhice. Não de qualquer imagem de sua mãe, como
ele mesmo explicita, mas uma imagem fotográfica. De maneira mais explícita,
uma imagem não de qualquer fotógrafo, mas de Nadar, o mestre inigualável
das expressões. Nadar, o que fazia emergir na imagem, no retrato
fotográfico, algo indefinido que só lá, através da mediação da câmera,
poderia surgir aos olhos dos franceses do séc. XIX como inefável, singular,
e que os retratos pictóricos não pareciam poder possuir. Em suas palavras,
"um retrato exato que tivesse a forma de um desenho". Mais do que isso, no
entanto, Baudelaire exige que ele mesmo esteja presente, condição que
considera indispensável para a tomada da foto e que faz, com que, ao final,
o retrato não seja feito. Efetivamente, para o poeta, parece não haver
sentido na foto sem que sua presença testemunhe a tomada. Presença que irá
certamente compor uma particularidade essencial para sua posterior fruição
como espectador dessa imagem. Está em jogo aqui, para o espectador
Baudelaire, não só a curiosidade em conhecer a marca, o traço que sua mãe
deixaria na máquina-câmera de Nadar, mas, elemento central, uma marca que
fosse contemporânea à sua presença como espectador, compondo a imagem, para
si, como testemunha. Temos aqui potencializado um elemento característico
da mediação da câmara que estabelece, entre tomada e imagem posterior, o
traço de uma presença, relação que iremos tentar estabelecer a seguir como
estrutura particularmente interessante da cinematografia.
Ainda um outro amante meio complexado da
fotografia, da imagem-câmera e de suas potencialidades (complexo que agora
tem suas raízes nas abordagens semiológicas dos anos 60), e ainda mais uma
fotografia de mãe. Roland Barthes olhando a foto de sua mãe, recentemente
morta, aquela foto única que nunca mostra aos leitores, tema central deste
livro sensível que é A Câmera Clara. O que Barthes busca no apartamento
vazio onde se depara com imagens diversas de sua mãe é a foto que - como se
lembra ao referir-se à frase de Godard ("não uma imagem justa, mas
justamente uma imagem") pelo avesso - seja não somente uma imagem qualquer
mas "uma imagem justa", a verdadeira, imagem que constitua e suscite não
apenas a identidade da mãe mas sua verdade. Em suas palavras, "a ciência
impossível do ser único". Ser único, singularidade, que, para Barthes,
somente a fotografia pode compor através da identidade e onde, pela
dimensão do punctum, a experiência pessoal do referente, vem delimitar a
dimensão da verdade. Identidade e verdade coincidem então aqui, delimitando
o campo da subjetividade do espectador e a dimensão do fotográfico.
Dimensão que é encontrada pelo ensaísta somente nesta foto de sua mãe,
anterior a seu nascimento, e não em outras com a mesma figura. É nessa
conjunção entre uma experiência pessoal própria da figura da mãe, inserida
naquilo que é particular à imagem fotográfica, que Barthes define o noema
da fotografia como isso foi ou ainda o que chama de intratável. Um noema
indiferente (milhares de fotos o possuem), mas que somente o punctum da
imagem de sua mãe no jardim de inverno faz existir como verdade. É desta
maneira que pode dizer dessa foto particular: "o que vejo encontrou-se lá,
nesse lugar que se estende entre o infinito e o sujeito (operador ou
espectador), e todavia de súbito foi separado: (...) irrecusavelmente
presente (agora) e no entanto já diferido"[22] E explicando a verdade do
retrato como relativa a uma identidade particular que só o gênio da
fotografia pode conferir: "sob o efeito de uma experiência nova (...) eu
confundira verdade e realidade em uma emoção única, na qual eu colocava
doravante a natureza - o gênio - da Fotografia, já que nenhum retrato
pintado, supondo que ele me parecesse "verdadeiro", podia impor-me que seu
referente tivesse realmente existido"[23].
É este noema, este núcleo comum a todas as
imagens que possuem a mediação da câmera, que tentarei analisar trabalhando
com a especificidade da imagem cinematográfica. Em artigo do início de sua
carreira no qual aborda a imagem cinematográfica[24], Merleau-Ponty define
com bastante precisão a inserção singular da câmera no mundo e suas
conseqüências para a composição imagética: "uma boa parte da filosofia
fenomenológica ou existencial consiste na admiração dessa inerência do eu
ao mundo e ao próximo, em nos descrever esse paradoxo e essa desordem, em
nos fazer ver o elo entre o indivíduo e o universo, entre o indivíduo e
seus semelhantes (...). Pois o cinema está particularmente apto a tornar
manifesta a união do espírito com o corpo, do espírito com o mundo, e a
expressão de um dentro do outro"[25]. Essa característica do que Merleau-
Ponty chama "cinema", de aderir ao transcorrer da duração em que o sujeito
está imerso, leva a que a identificação sujeito-câmera (identificação
aproximativa certamente, e que se concretiza no campo da fruição do
espectador) se aproxime das condições de percepção que são próprias à
"admiração" da presença do corpo do eu subjetivo no mundo, através da
sensação de vida. E é essa proximidade da imagem-câmera em movimento com as
condições de percepção do sujeito em sua inerência ao mundo e a outrem, que
irá permitir ao espectador fundar sua fruição em torno da noção de presença
da câmera no campo da tomada. É esta mesma inerência ao transcorrer e à
sensação do sujeito desse transcorrer como duração, que irá fazer com que a
imagem-câmera em movimento, em sua tradição cinematográfica, seja pensada,
dentro do corte fenomenológico, como "imagem do presente", ou, em outro
corte teórico (Deleuze), como "imagem qualquer" .
Albert Laffay, contemporâneo de Merleau-
Ponty e um dos mais instigantes intelectuais que pensaram a questão da
imagem cinematográfica, define o cinema como "arte do presente", na medida
desta aderência da câmera ao transcorrer, em sua abertura para a
casualidade e o indeterminado, próprios à forma do acontecer na franja da
consecução temporal[26]. Presente esse no qual está necessariamente
embutida a noção de presença, aí fundadora daquilo que pode ser definido
como simultaneidade do ser à duração, a sobredeterminando. No entanto,
Laffay irá opor ao cinema como "presente", como "mundo", como aderência ao
transcorrer, o que ele chama do "grande mostrador". Conceito caro a uma das
mais fortes correntes contemporâneas da análise cinematográfica, a
narratologia, o grande mostrador é, segundo as palavras de Laffay, o
"mestre de cerimônias" que vira as páginas da narrativa cinematográfica, a
instância narrativa que assume a "mostração" das imagens através da
câmera.[27] Um dos maiores obstáculos ao trabalho com a reflexão de Laffay
é a sobreposição conceitual entre a forma particular cinema narrativo e a
imagem-câmera pensada em sua generalidade. Sobreposição que também
encontramos em Merleau-Ponty e que gera algumas imprecisões. Para fugir da
amarração conceitual do termo "cinema" e dar à reflexão de ambos uma
dimensão mais ampla, podemos tentar trabalhar essa interessante idéia do
cinema como arte do presente, frisando-a como característica própria à
imagem-câmera móvel entendida em sua aderência ao transcorrer, para, em
seguida, analisar em que medida a tradição fílmica irá trabalhar e
manipular estilisticamente as imagens a partir dessas potencialidades. A
definição de cinema como arte do presente contém para Laffay uma dicotomia
que faz com que a idéia, muitas vezes lhe atribuída, do cinema como "eterno
presente" possa ser vista como simplista. É na contradição entre "presente"
e indeterminação, acaso (da imagem) e "arte"/relato (do cinema) que irá se
constituir o que determina como os "dois pólos do cinema".
Pier Paolo Pasolini distingue de um modo
mais definido imagem e cinema o que o leva evitar algumas das confusões em
que Laffay se vê enredado ao tematizar as potencialidades da imagem-câmera
face a gravidade narrativa. Cinema, para o cineasta é um grande plano-
sequência, do tamanho de uma vida, sem cortes: um grau zero de aderência da
imagem-câmera ao transcorrer, à duração. Em oposição a esse plano ideal,
surge o nível do filme quando, segundo suas palavras, "o presente se
transforma em passado", através da montagem. A noção de cinema, próxima do
que venho definindo como sendo as potencialidades da imagem-câmera, é
presente, adere ao que é sentido como transcorrer pelo sujeito. Em
Pasolini, o conceito cinema adquire uma consistência particular ao ser
oposto à noção de morte, que é identificada ao filme propriamente dito.
Especialmente atraído pela dimensão cinema da imagem, pela tomada em sua
adesão plena ao transcorrer, Pasolini possui belos trechos escritos onde
analisa o cinema de vanguarda americano dos anos 60, e a tendência de
alguns diretores em trabalhar com planos longuíssimos (vide Andy Wharol).
Contra o cinema eleva-se então o filme, que "mata" através do corte, da
montagem, dissipando a presença que abre-se para o indefinido sempre
renovado e presente, do mesmo modo que para o sucessivo uniforme. O filme é
a morte e o sentido, corte do plano-sequência infinito que dá significância
à abertura inconclusa. Esta, enquanto permanece aberta, como cinema, é
indeterminada e insignificante. Fazer cinema (e não filme), diz o diretor
em uma definição particularmente inspirada, "é escrever sobre papel que
queima". A morte no fechamento da abertura do cinema, ilumina
retrospectivamente o plano-sequência, agora finito, fazendo com que "a
linguagem da ação" possa fechar-se sobre si mesma compondo sua
significância. Morrer, então, para o autor, "é absolutamente necessário,
pois, enquanto estivermos vivos nos falta sentido", a morte "compõe uma
montagem fulgurante de nossa vida (...) e é graças à ela que nossa vida
pode servir para nos exprimir"[28]. Na relação entre cinema e filme, para
Pasolini, está contida a abertura infinita da imagem-câmera para o presente
e o sentimento trágico da finitude da vida, ao qual, como consolação,
corresponde o corte de significado. Entre sentido e vida o cinema é, no
limite, uma experiência impossível. É na contraposição desta
impossibilidade que Pasolini intui tragicamente a dimensão do "seu" plano-
sequência, e a maneira brusca e cristalizadora pela qual o findou.




A potencialidade da imagem-câmera em aderir
ao transcorrer adquire sua relevância completa ao adicionarmos, à forma
particular de inserção da câmera no mundo, a aparência com traços
especulares de sua forma. É ela que faz com que, para imagem-câmera, sejam
intuitivamente transferidas potencialidades próprias à imagem reflexa. Há
todo um pensamento que tematiza o cinema sob o impacto dessa proximidade. A
reflexão contemporânea é um pouco monocórdica no constante frisar da
dimensão discursiva; da armadilha que é acreditar na aparência especular
dos traços da imagem-câmera. Experimentemos fazer o caminho inverso,
cientes que proximidade não é identidade. Para alguns dos chamados
"impressionistas franceses" essa disposição particular dos traços da imagem-
câmera, aliada à sua inserção no transcorrer, faz com que o mundo surja
transfigurado, exponenciando uma intensidade. Para designar esta
intensidade, Jean Epstein dizia que o cinema é como um vulcão. Imagem por
excelência adequada para designar o vibrar da natureza que surge
transfigurada na imagem, caracterizando a novidade que apresenta para a
sensibilidade estética da época. O mundo transfigurado, talvez seja um
termo preciso para descrever a sensibilidade imagética de Jean Epstein,
Germaine Dulac, Louis Delluc, Elie Faure, Riccioto Canudo e outros.
Descrições ufanistas de flores desabrochando, de seres nunca antes vistos
em proximidade, de movimentos insuspeitos que se revelam em câmera lenta,
em retrocesso, em acelerado: uma interjeição de exclamação com a
intensidade da natureza revelada e transfigurada pela imagem percorre o
conjunto desses textos. A natureza está lá (de volta o velho noema) e surge
transfigurada não como pintura, mas como revelação. Delluc cunha o termo de
fotogenia para designar o efeito da intensidade: deslumbre, "frisson",
espanto. O adjetivo faz escola nomeando o mundo transfigurado pelo
movimento variável, em seu efeito sobre o espectador. Não apenas uma
imagem, uma imagem abstrata, mas a transfiguração do traço, do índice
daquilo que é exterior à câmera e simultâneo ao sujeito. Animismo e
fotogenia são os elementos centrais dessa nova representação do mundo. Os
contornos das formas e os volumes permanecem idênticos e estáveis em sua
bidimensionalidade, dentro da similitude com a imagem reflexa, mas a
variação possível do movimento (acelerado, lento, retrocesso), o recorte
variável do espaço pela câmera, os dilui, fazendo emergir a particular
intensidade fotogênica. As coisas inertes adquirem movimento, as plantas
transferem-se para o reino animal, os animais tornam-se minerais estáticos:
Epstein nos afirma que o cinematógrafo demonstra não haver mais substância
no reino do movimento manipulado. Há apenas o ritmo do movimento visual,
matéria por excelência cinematográfica. Poderíamos afirmar que essa
sensibilidade (principalmente em Epstein, Germaine Dulac, nas intuições de
Elie Faure) localiza-se na percepção da imagem como dotada de intensidade
particular: no mundo transfigurado e idêntico perdem-se as qualidades
diferenciais, tudo se reduz a uma mesma alma quantitativa que o habita, o
movimento. A estética, a criação cinematográfica, deve então exponenciar
essas características. No mundo tudo é número, nos diz Epstein, lembrando a
tradição pitagórica-platônica. Tudo é número pois o todo pode ser reduzido
a uma grande e uniforme substância - o movimento - que manifesta-se como se
dotada de uma grande alma, com diferenciais quantitativos e não
qualitativos em sua natureza. Fotogenia e animismo: a câmera faz com que as
coisas pareçam ter uma vida particular que lhes é própria, uma
espiritualidade que nos revela a natureza mais íntima de nosso mundo
concreto.
Anos mais tarde Edgar Morin, em Le Cinéma ou
l'Homme Imaginaire[29], irá descrever com outra ênfase essas
potencialidades. Nos anos 50, toda uma tradição crítica forma-se pensando
essa questão da grande alma do mundo na transfiguração da imagem-câmera.
Agora, no entanto, o animismo dos anos 20 surge como transcendência pensada
dentro de um recorte delimitado por dogmas do cristianismo. É assim que, em
Amedée Ayfre e Henri Agel, numa abordagem com tonalidades existencialistas
cristãs, essa temática é problematizada a partir de diretores como Robert
Bresson, Carl Dreyer e Roberto Rossellini. Trata-se aqui de tentar
preservar a ambigüidade como campo para o exercício da liberdade, vista
como manifestação da fé, delimitando a emergência do sublime e do sagrado
na imagem, através de uma "face humana do Mistério transcendente de Deus".
A transcendência, o inefável na imagem, surge como manifestação do
mistério, campo para o exercício da liberdade. A proximidade do estilo neo-
realista de um lado e a influência do pensamento fenomenológico de outro
(Ayfre escreve um artigo intitulado Neorealismo e Fenomenologia[30]), abrem
espaço para a tematização do "estar-aí" da câmera no mundo e sua inserção,
através dessa posição, em um Mistério que é o da dimensão sagrada.
Tematização essa que muitas vezes nos remete ao deslumbre "impressionista"
com as formas liberadas do movimento e com o animismo nelas reinante. Henri
Agel chega inclusive a criticar o panteísmo e a visão que chama
"preconceituosa" de Epstein, por achar que tal manifestação seja uma
"invenção do diabo" e não expressão estética da Revelação.
Não há como negar que os dois cortes
críticos, apesar das diferenças, se aproximam, unindo-se nessa percepção de
que a imagem-câmera parece fechar-se em si mesma, dotando o mundo
representado de uma animação própria. Epstein nos fala de seu espanto em
ver, na tela, a natureza levando uma vida que lhe é inteiramente própria,
fechada à mediação do campo subjetivo: "se quisermos compreender como um
animal, uma planta, uma pedra, podem inspirar o respeito, o medo, o horror,
três sentimentos sagrados, é necessário vê-los viver na tela suas vidas
misteriosas, mudas, estrangeiras à sensibilidade humana"[31]. Um dos
críticos com sensibilidade aguçada para esta transfiguração do mundo pela
imagem-câmera é sem dúvida André Bazin, autor onde a influência da formação
cristã deve ser vista de maneira distinta da mencionada acima. Na
realidade, a paixão baziniana pelos filmes com animais, regiões
inexploradas, mundo submarino ou microscópio, pólos ou selva africana, pelo
muito pequeno, o muito rápido, o muito lento revelado pela câmera, situa-se
de maneira bastante particular no quadro ideológico do pós-guerra francês.
Ao lermos a descrição de Epstein da explosão de um vulcão e imaginarmos o
filme perdido que realizou sobre a erupção do Etna, não há como deixarmos
de lembrar da sensibilidade baziniana para com esse tipo de imagem, que
realça o transcorrer, a duração, em sua abertura para o indeterminado.
Imagens onde o mundo surge com toda a intensidade da vida, borbulhando de
movimento, em um misterioso fechamento em si mesmo, completamente
independente da presença humana que ali deveria estar marcando a percepção
com sua interferência e que, na ausência, surge mediada pela câmera como
sujeito ideal. Os bons filmes de vida animal constituem aqui a imagem, por
excelência adequada, para a manifestação dessa vida que parece se delinear
para além do campo transcendental em que podemos conceber o "estar aí"
subjetivo.




Essas potencialidades singulares da imagem-
câmera adquirem relevo particular quando, à intensidade animista, vem se
sobrepor a dimensão do extraordinário. No aderir ao transcorrer próprio da
câmera, a abertura ao indeterminado é então exponenciada. A imagem adquire
uma intensidade inaudita, principalmente quando, na forma vídeo-televisiva,
é constituída em simultaneidade ao transcorrer da matéria que lhe conforma.
A imagem do perigo, da testemunha ocular ocasional, do inesperado trágico
ou do inesperado cômico (como em vídeos familiares em que a surpresa
irrompe no cotidiano), conforma-se a partir de uma imagem que surge através
da mediação da câmera, imagem esta com a qual a tradição fílmica mantém um
diálogo surdo. É como se outra camada de intensidade fosse acrescida à
transfiguração animista do mundo, camada que a sensibilidade atenta de
Roland Barthes para estas potencialidades designa como traumática. O que é
a imagem traumática? O trauma para o autor "é precisamente aquilo que
interrompe a linguagem e bloqueia a significação (...) a fotografia
traumática é aquela de que nada se tem a dizer(...): a foto-choque é
estruturalmente insignificante". Que imagens seriam estas? Ainda segundo o
Barthes de A Mensagem Fotográfica (o texto é de 1961), imagens de
"incêndios, naufrágios, catástrofes, mortes violentas, tomadas 'ao
vivo'"[32]. O traumático barthesiano articula-se, portanto, em função desta
intensidade singular à imagem-câmera, decorrente das particularidades que
envolvem sua constituição a partir da circunstância da tomada.
Circunstância esta que atrai em particular o "olho" barthesiano e que será
tematizada exaustivamente, anos mais tarde, como um tema recorrente, em A
Câmara Clara[33]. No trauma está contido uma estrutura central da imagem-
câmera, bastante próxima daquilo que o autor apontaria em A Câmara Clara
como o noema da fotografia, uma mistura de isso foi mais intratável (o
inesperado, a força compacta do mundo que rebela-se às expectativas e à
marca da intervenção do sujeito que, sustentando a câmera, lá esteve na
tomada): "as fotos propriamente traumáticas são raras, pois na fotografia o
trauma é, na verdade, a conseqüência da certeza de que a cena realmente
aconteceu: o fotografo tinha que estar lá (é a definição mítica de
denotação)"[34]. Podemos dizer, com mais precisão, que a dimensão do
intratável é esse arrepio, essa forma de anterioridade, essa emanação do
referente, que através e pela subjetividade, vem se chocar ao indivíduo que
manipula a câmera. A intensidade para Barthes é o punctum da imagem, bem
além do mera atenção subjetiva para o detalhe (sua primeira definição deste
campo). Punctum é o tempo dilatado que surge na imagem através do noema
isso foi. O trauma imagético potencializando a dimensão do intratável -
bloqueando a retórica estilística e exponenciando a circunstância da tomada
-, permite que, através do choque, o referente aflore em si, como se
estivesse para além da significância.
Tematizando esta particular intensidade da
imagem-câmera dois autores da geração "anos 70" do Cahiers du Cinéma,
Pascal Bonitzer e Serge Daney, publicam, em março de 1972, artigo
intitulado L'Écran du Fantasme[35], onde acertam as contas com o passado
baziniano. Escrito a quadro mãos, em colunas separadas para cada autor,
problematiza, dentro de contexto de uma época "mao-bretchniana", a dimensão
traumática que pode ser aberta pelo traço da presença da câmera na
circunstância da tomada. Abordando um tema ao qual ainda retornará outras
vezes Bonitzer define de maneira crítica o que chama de paradigma da fera.,
"uma das metáforas mais radicais do real"[36]. Presente no núcleo da
sensibilidade baziniana, este paradigma implica uma estética que é antes de
tudo uma ética da imagem face à circunstância da tomada: "foi a câmera que
"devorou" a fera, mas poderia ter sido o contrário, a fera poderia ter
devorado o câmera e do diretor". Metáfora da presença na circunstância da
tomada e de seu traço na imagem, traz em si um efeito amplo. De um lado o
"frisson", por exemplo a comicidade da unidade espacial, a "marca" da fera:
Chaplin e o leão na jaula. De outro, o dilema que traz seu limite, a
impossível imagem do selvagem cortador de cabeças (que deixa de ser
selvagem se não corta a cabeça do operador da câmera). Entre os dois o
espectador e uma ética da fruição da imagem. Em um texto já bem posterior,
publicado nos anos 80[37], Bonitzer volta a utilizar um termo (já
mencionado por Serge Daney em L'Écran du Fantasme) cunhado por André Bazin
para trabalhar com este paradoxo: o complexo de Nero. Definidor da fruição
estética da imagem traumática, da imagem que dilata ao máximo o "grão do
real", "excedendo toda figuração", o complexo de Nero define a voracidade
do espectador face a uma imagem onde "não basta mais caçar o leão, se ele
não come os caçadores", ou, em última instância se não come o câmera.
Limite último da imagem-câmera que resulta no fato de que "Nero era uma
artista frustrado", como insiste Bonitzer, querendo enfatizar a
impossibilidade da criação artística sobreviver neste registro da
imagem[38]. A consumação do traumático barthesiano é então voraz e envolve,
além do aspecto ético, a contradição com a trivialidade "qualquer" da
imagem-câmera, contraposta à singularidade exponenciada do regime
traumático[39]. É neste ponto que coloca-se a questão ética, tema que será
debatido exaustivamente por André Bazin, e com relação ao qual, Serge Daney
desenvolve uma abordagem particular onde coloca fortes traços
biográficos[40]. Através de Kapo e seu travelling deslocado, Daney crê
poder traçar um retrospecto da evolução pessoal de sua sensibilidade
cinematográfica. O "travelling de Kapo" surge quase como uma grande
metáfora de seu desenvolvimento como crítico: da ética baziniana, passando
pelos anos "vermelhos", terminando com documentários televisivos e show de
rock, o dilema "Kapo" marcaria como um todo sua carreira. A expressão
"travelling de Kapo" estabelece os limites éticos da imagem traumática como
uma estética. O esteticismo, o maneirismo do procedimento, o Nero artista,
não é aceitável face a um tipo particular de imagem. Se entendemos, como
quer Bazin, que "a morte é um dos raros eventos que justifica o termo de
especificidade cinematográfica", se estamos trabalhando (e mais do que
isto, fruindo como espectadores) a força indicial intrínseca à imagem-
câmera, devemos ficar aquém da fruição do "travelling de Kapo". O famoso
travelling compõe-se de um maneirismo estilístico desnecessário que incide
sobre uma imagem onde, sobretudo, isto não é admissível. Definido a partir
de um artigo de Jacques Rivette sobre o filme Kapo de Franco Solinas e
Gillo Pontecorvo[41], intitulado significativamente De l'Abjection, contém
em si mesmo um mais puros exemplos da ética traçada por Bazin para a
fruição da imagem do extraordinário. Se esta ética surge em sua pureza no
texto de Rivette é interessante notar a dimensão de sua influência em
autores como Bonitzer e Daney pertencentes a uma geração que,
principalmente nos anos 70, nega com ênfase qualquer proximidade com este
horizonte. O texto de Daney termina com um exemplo da atualidade do "limite
Kapo" que poderíamos estabelecer, como paradigma, em comparação ao "limite
Nero" baziniano: crianças famintas e esqueléticas sobrepostas, em fusão, a
astros do rock no show em escala planetária, o "we are the children, we are
the world". Da fusão ao travelling, a imagem traumática não pode servir de
base para o exercício estilístico. O "grão" denso do real, marcado pela
intensidade, quando emerge exige sobriedade no limite da fronteira solene
onde o recorte do campo espectorial tende à diluição.
André Bazin teve a sensibilidade original de
tatear este horizonte, a partir do que surge como uma preocupação, cercada
por um marcado gosto estético. Se absolutamente não o repugna este gosto, a
preocupação ética é uma maneira de traçar suas fronteiras. Que gosto é
esse? O próprio crítico o confessa: gosto pela imagem una do espaço
homogêneo, tencionada pela intensidade (o momento paradigmático da montagem
proibida). Seja na comédia (Chaplin na jaula do leão), no drama (o âmago da
tensão estilística do neo-realismo, o estilo Renoir, Welles, Wyler, etc),
na imagem do extraordinário (os sensíveis artigos sobre O Mundo do
Silêncio, O Eterno Silêncio, Nanook, O Homem de Aran, Kon-Tiki, etc), na
transfiguração do filme científico (artigos sobre Jean Painlevé), na
sensibilidade para filmes de vida animal, na extensa e pouco conhecida
crítica televisiva. O que está em jogo aqui não é o que a imagem mostra mas
como, através do campo aberto do estilo, lida com o contexto da
circunstância da tomada. Campo aberto do estilo que não se restringe aos
procedimentos técnicos espaciais geralmente realçados no autor (plano
sequência, profundidade de campo), mas abre-se decididamente para esta
forma privilegiada da retórica baziniana que é a elipse. O realismo
baziniano é rodeado de proibições sobre o que se pode mostrar. Em linhagem
direta com as interdições de "Kapo", deve-se mostrar de uma maneira própria
o que constitui o núcleo de uma imagem que caracteriza-se pela evidência (o
trauma). As interdições aqui possuem um recorte que tem no fundo a mesma
preocupação ética: quanto à forma, a proibição da montagem (particularmente
enfática nesta imagem); quanto à intensidade, o limite da obscenidade. A
intensidade baziniana da imagem, e o relacionamento privilegiado que o
crítico mantém com este tipo imagético, só pode ser compreendido se
analisarmos o paradigma da unidade espacial a partir do que Bazin chama
complexo de múmia. Recorte temporal do espaço unitário, figura da
subjetividade espectorial que circunda e sobredetermina a ontologia da
imagem baziniana, o complexo de múmia e a obsessão em preservar compõem o
quadro em que a intensidade emerge e é fruída pelo espectador[42]. É a
partir desta potencialidade da imagem-câmera (ontológica à sua
constituição, por assim dizer), que corresponde antes de mais nada a uma
obsessão do espectador que a determina, que podemos ver emergir a
intensidade e a transfiguração do real própria a esta forma imagética. É o
saber do espectador (saber da tomada) e sua obsessão - e não a imagem
analógica - que diz ser este traço tremido índice de perigo, signo quase
abstrato.
No ponto culminante do realismo de Bazin
está duplamente a elipse: como imagem obscena do que não se mostra
(ontologicamente o sexo e a morte) e como suspensão da tomada, índice que
traz em si a intensidade máxima do trauma. Em Kon-tiki, a expressão desse
realismo mais forte, que atinge a sensibilidade do crítico, está no corte
da tomada, na interrupção da imagem: símbolo, pela elipse (ou índice pelo
corte), de que a tripulação, face ao perigo, "tinha mais coisa para fazer
do que filmar". Índice portanto do perigo, e do tubarão que o provoca quase
virando a jangada, e não imagem realista do mesmo. Imagem que deve ser
pensada em sua negação, como elipse, como significado negativo de sua
adesão a transcorrer da circunstância da tomada, como corte motivado pelo
que interessa o espectador: a intensidade do perigo. O realismo baziniano é
bem pouco realista no sentido clássico do termo. Dentro da especificidade
da imagem com que trabalha, dirige-se para a marca da intensidade da
circunstância, pouco importando os contornos, "realistas" ou não, deste
traço. O outro lado da sensibilidade baziniana à dimensão traumática da
imagem compõe-se de maneira mais decidida a partir dos limites éticos da
representação, embora também aí a tentação de uma ontologia que sustente a
ética esteja presente. Bazin constrói uma moral da intensidade, buscando
delimitar os parâmetros, os limites, a partir dos quais se constitui o que
chama de obscenidade da imagem. O obsceno baziniano coteja o traumático de
Barthes, na medida em que ambos exploram a intensidade máxima da imagem,
proporcionada de maneira singular pela mediação da câmera. Nessa escala,
para Bazin, o obsceno é o limite da imagem como representação que a partir
daí torna-se intolerável para o espectador. Avançando-se mais nesta linha é
rompido o pacto ficcional e o intratável adquire as cores do intolerável.
Obscenas são, para Bazin, a imagem do sexo e mais do que tudo a imagem da
morte. A imagem da morte, efetivamente ocorrida diante da câmera,
potencializa ao extremo a intensidade traumática e, furando a densidade da
representação onde se situa a fruição espectorial, adentra o nível da
obscenidade. Esta idéia do limite da intensidade da imagem como obscenidade
percorre o conjunto de seus textos sendo definida de maneira clara em Morte
todas as Tardes, onde à morte de um toureiro (imagem traumática) é
contraposta a banalidade da reprodução técnica da imagem (a "imagem-
qualquer" de Deleuze, Laffay, Mitry). Esta é a "contradição ontológica"
(assim a define) que delimita o campo da obscenidade, do irrepresentável, e
traça os contornos da fruição. Não se trata, no entanto, de uma norma, mas
de uma melancolia do espectador Bazin, face ao conflito insolúvel entre a
intensidade preservada, a singularidade no tempo exponenciada pela
unicidade da morte, e a "contradição" da infinita e banal reprodutibilidade
da técnica, a "contradição" da capacidade da máquina-câmera em aderir ao
transcorrer uniformemente, como imagem-qualquer. Qualquer determinado
duplamente pela natureza infinita da reprodução próprio à máquina que
parece poder coincidir em sua natureza com a banalidade dos instantes
quaisquer que se sucedem. Estamos novamente face à natureza particular da
imagem-câmera na representação do extraordinário, e os dilemas estilísticos
que a envolvem. É aqui que Daney proíbe os maneirismos, os travellings e as
fusões, que Bazin sente a necessidade de um limite no "mostrar" e opta pela
elipse disfarçando seu olho guloso, que Bonitzer é ácido para com a
voracidade tentando delimitar um campo espectorial, que Barthes é o poeta
melancólico da intensidade e de seu efeito. É importante frisar que o
efeito traumático não se reduz à imagem violenta mas compõe de maneira mais
ampla a gama de transfigurações abertas pelos efeitos próprios à presença
da câmera na circunstância da tomada. Efeitos que contextualizam-se entre o
espanto epsteiniano face as novas formas do mundo transfigurado, passando
pela melancolia face a preservação do traço e a tensão espectorial aberta
pela intensidade traumática que estoura a espessura da significação. Itens
que se sobrepõem e se misturam dentro deste leque restrito, mas ainda pouco
estudado, das potencialidades da composição imagética que tem os seus
traços, e a circunstância de sua composição, marcados mediação dessa
máquina de imagens que denominamos câmera.





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[1] Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.
pg 115/116.
[2] idem, ibidem. pg 116.
[3]Merleau-Ponty, Maurice. O Cinema e a Nova Psicologia. in Xavier, Ismail
(org.).A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro, Graal, 1983.
[4]idem, ibidem, pg 116.
[5]Laffay, Albet. Logique du Cinéma. Création et Spectacle. Paris, Masson
et Cie, 1964.
[6]É interessante notar como autores contemporâneos que se dedicam à
reflexão sobre a narração deixam completamente de lado a outra metade do
pensamento de Laffay, onde o que chama de "relato" é tencionado pelo
conceito de "presente".
[7]Pasolini,Pier Paolo. Observations sur le plan-séquence. in L'Expérience
Hérétique. Paris, Payot, 1976.
[8]Morin, Edgar. Le Cinéma ou l'Homme Imaginaire. Paris, Minuit, 1956.
[9]Ayfre, Amédée. Néo-realisme et Phénoménologie. CAHIERS DU CINÉMA, nº17,
novembro 1962.
[10]Epstein, Jean. Le Cinématographe vu de l'Etna. in Écrits sur le Cinéma.
Paris, Seghers, 1974.
[11]Barthes, Roland. A Mensagem Fotográfica. in O Óbvio e o Obtuso. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1990. pg 23, 24.
[12]Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984
[13]idem, ibidem pg 24. O grifo é do original.
[14]Bonitzer, Pascal e Daney, Serge. L'Écran du Fantasme. CAHIERS DU
CINÉMA, nº 236/7, março 1972.
i[15]op. cit. pg 37. Bonitzer volta a esta temática em Les Fauves du Réel ,
texto que, em nota, considera um "desenvolvimento" de L'Écran du Fantasme.
in Bonitzer, Pascal. Le Regard et la Voix. Paris, UGE; 1976.
[16]Le Grain du Réel. in Bonitzer, Pascal. Peinture et Cinéma - Décadrages.
Paris, E. de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1985.
[17]idem, ibidem, pg 24/25.
[18]A questão da "imagem-qualquer" é trabalhada por Deleuze em suas obras
sobre cinema. Apesar da tipologia peirceana que o autor utiliza, deixa
completamente de lado os aspectos indiciais da imagem próprios à
exponenciação da singularidade decorrente do campo traumático, entendido
como representação do extraordinário. Esta potencialidade da imagem-câmera
possui nítida presença na tradição fílmica, podendo ser trabalhada com
relação ao conceito de "imagem-qualquer".
[19]Daney, Serge. Le Travelling de Kapo. TRAFIC nº4, outono de 1992
[20]Rivette, Jacques. De l'Abjection. CAHIERS DU CINÉMA, nº 120, junho de
1961.
[21]Sobre estes aspectos ver o interessante artigo de Philip Rosen, History
of Image, Image of History: Subject and Ontology in Bazin (WILD ANGLE, vol
9, nº4, 1987).
[22] Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.
pg 115/116.
[23] idem, ibidem. pg 116.
[24]Merleau-Ponty, Maurice. O Cinema e a Nova Psicologia. in Xavier, Ismail
(org.).A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro, Graal, 1983.
[25]idem, ibidem, pg 116.
[26]Laffay, Albet. Logique du Cinéma. Création et Spectacle. Paris, Masson
et Cie, 1964.
[27]É interessante notar como autores contemporâneos que se dedicam à
reflexão sobre a narração deixam completamente de lado a outra metade do
pensamento de Laffay, onde o que chama de "relato" é tencionado pelo
conceito de "presente".
[28]Pasolini,Pier Paolo. Observations sur le plan-séquence. in L'Expérience
Hérétique. Paris, Payot, 1976.
[29]Morin, Edgar. Le Cinéma ou l'Homme Imaginaire. Paris, Minuit, 1956.
[30]Ayfre, Amédée. Néo-realisme et Phénoménologie. CAHIERS DU CINÉMA, nº17,
novembro 1962.
[31]Epstein, Jean. Le Cinématographe vu de l'Etna. in Écrits sur le Cinéma.
Paris, Seghers, 1974.
[32]Barthes, Roland. A Mensagem Fotográfica. in O Óbvio e o Obtuso. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1990. pg 23, 24.
[33]Barthes, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984
[34]idem, ibidem pg 24. O grifo é do original.
[35]Bonitzer, Pascal e Daney, Serge. L'Écran du Fantasme. CAHIERS DU
CINÉMA, nº 236/7, março 1972.
i[36]op. cit. pg 37. Bonitzer volta a esta temática em Les Fauves du Réel ,
texto que, em nota, considera um "desenvolvimento" de L'Écran du Fantasme.
in Bonitzer, Pascal. Le Regard et la Voix. Paris, UGE; 1976.
[37]Le Grain du Réel. in Bonitzer, Pascal. Peinture et Cinéma - Décadrages.
Paris, E. de l'Étoile/Cahiers du Cinéma, 1985.
[38]idem, ibidem, pg 24/25.
[39]A questão da "imagem-qualquer" é trabalhada por Deleuze em suas obras
sobre cinema. Apesar da tipologia peirceana que o autor utiliza, deixa
completamente de lado os aspectos indiciais da imagem próprios à
exponenciação da singularidade decorrente do campo traumático, entendido
como representação do extraordinário. Esta potencialidade da imagem-câmera
possui nítida presença na tradição fílmica, podendo ser trabalhada com
relação ao conceito de "imagem-qualquer".
[40]Daney, Serge. Le Travelling de Kapo. TRAFIC nº4, outono de 1992
[41]Rivette, Jacques. De l'Abjection. CAHIERS DU CINÉMA, nº 120, junho de
1961.
[42]Sobre estes aspectos ver o interessante artigo de Philip Rosen, History
of Image, Image of History: Subject and Ontology in Bazin (WILD ANGLE, vol
9, nº4, 1987).
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