Aliança Nacional Libertadora (ANL): Uma alternativa ao projeto trabalhista de Vargas e a decretação de sua ilegalidade

July 18, 2017 | Autor: Mateus Freitas | Categoria: Estado Novo, Getúlio Vargas, Constituição
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XX Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 20 à 24 de Outubro de 2014

Aliança Nacional Libertadora (ANL): Uma alternativa ao projeto trabalhista de Vargas e a decretação de sua ilegalidade. Martonio Mont'Alverne Barreto Lima 1 (PQ), André Luiz Vieira de Brito 2* (IC), Mateus Oliveira de Freitas 3 (IC), Felipe Monteiro Andrade Araújo 4 (IC). 1. Universidade de Fortaleza – Curso Direito – Pesquisador/Orientador e coordenador do Grupo de Pesquisa “Constitucionalismo de 1937 e o Estado Novo: Presidência da República, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal em Matéria Constitucional”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. 2. Universidade de Fortaleza – Curso Direito – Estudante e integrante do Grupo de Pesquisa “Constitucionalismo de 1937 e o Estado Novo: Presidência da República, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal em Matéria Constitucional”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. 3. Universidade de Fortaleza – Curso Direito – Estudante e integrante do Grupo de Pesquisa “Constitucionalismo de 1937 e o Estado Novo: Presidência da República, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal em Matéria Constitucional”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. 4. Universidade de Fortaleza – Curso Direito – Estudante e integrante do Grupo de Pesquisa “Constitucionalismo de 1937 e o Estado Novo: Presidência da República, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal em Matéria Constitucional”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. E-mail do autor apresentador do trabalho: [email protected] Palavras-chave: Getúlio Vargas. Trabalhismo. Ilegalidade. Aliança Nacional Libertadora. Direitos Civis.

Resumo As intenções foram vendidas à grande massa brasileira como nobres e necessárias ao desenvolvimento nacional. No entanto, a “cultura trabalhista” de Vargas, ao passo que concedeu trabalho, privou a grande massa de sua liberdade individual. A Aliança Nacional Libertadora, surgida em 1935, aparece como alternativa ao ideário trabalhista varguista buscando a construção de um governo amplo, popular e revolucionário. Tal projeto, devido a fragilidades organizacionais e de caráter ideológico, não consegue força suficiente para agregar em torno de uma ideia comum setores sociais, políticos e profissionais tão distintos, que apresentavam necessidades específicas e que, por vezes, entravam em conflito. Aproveitando-se dessas fragilidades, o governo de Getúlio Vargas passa a perseguir os integrantes do movimento e decreta a ilegalidade da frente aliancista. Assim o grupo se desfaz e parte de seus membros passam a ser os alvos preferenciais das elites nacionais.

Introdução “O trabalho dignifica o homem.” Se até hoje a frase de efeito encontra ferrenhos defensores, no governo Vargas o dito popular era lei. Era por meio do trabalho que o cidadão ocuparia um lugar na sociedade e se relacionaria com o Estado. Ao aparato estatal, caberia promover a justiça social para assegurar a realização plena do cidadão. Mas o que fazer com os “marginalizados”, os não-inseridos no mercado de trabalho? Aos que obedeciam as leis trabalhistas que materializavam o “espírito do Estado Nacional” tudo e aos demais quase nada. É nesse cenário de conflito que surge em 1935 a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que apresenta uma proposta de união nacional para a defesa da pátria. A grande frente pretendia romper com o isolamento da classe operária com a proposta de criação de um governo popular em que os direitos civis pudessem ser assegurados. A “opressão trabalhista” deveria dar lugar à liberdade individual. ISSN 18088449

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No entanto, decretada a ilegalidade da ANL pelo governo varguista por meio do decreto especial nº 299, do dia 11 de julho de 1935, o “grande projeto” que a tantos entusiasmou acaba por fracassar.

Metodologia O presente artigo foi produzido a partir de pesquisa bibliográfica em livros, periódicos e base de dados, levando em consideração o período que antecede a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) até a decretação da sua ilegalidade e a sua consequente extinção (1934-1935). Colocamos em discussão a construção do projeto trabalhista do governo Vargas como meio de controle da sociedade pelo Estado. Também analisamos o papel da ANL enquanto um projeto político alternativo que tinha por intuito estabelecer um diálogo com as massas em prol de um governo democrático, livre e popular.

Resultados e Discussão 1. Os Direitos Civis e a “Cultura Trabalhista” na Era Vargas Comumente desrespeitados na América Latina, especialmente no Brasil, os direitos civis são definidos por T. H. Marshall como aqueles que são imprescindíveis à liberdade individual. Esses direitos estão relacionados à liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Mesmo quando constam do texto constitucional costumam ser ineficazes, a exemplo do que ocorrera com a Constituição de 1934. Em seu artigo 113, o caput prevê “a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade”, e em seu inciso IX, afirma que “é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura”. No entanto, essas garantias não se efetivam dentro do projeto trabalhista construído pela ditadura varguista e imposto à nação brasileira. Considerava esse projeto que “pelo trabalho o cidadão encontraria sua posição na sociedade e estabeleceria relações com o Estado” (GOMES, 1982, p. 127). Dessa forma, caberia ao Estado assegurar a realização da classe trabalhadora enquanto promotor único e individual da justiça social. A relação trabalhista vincularia os cidadãos ao Estado, como se o trabalho fosse o único elo de ligação possível a permitir o exercício da cidadania e a participação das massas no destino da nação. Elementos considerados nocivos ao projeto trabalhista de Vargas como o subversivo, os anarquistas e comunistas não encontravam espaço dentro desse projeto político, uma vez que pleiteavam um projeto político-ideológico que contrariava os interesses do Estado getulista. Outro elemento também excluído era o “malandro”, que se “recusava conscientemente integrar-se ao mercado de trabalho, projetando um mundo em que a justiça e a felicidade eram encontradas fora das regras políticas vigentes” (GOMES, 1982, p. 164). Essa grande massa de excluídos que foi se avolumando ao passar do tempo encontrou na Lei de Segurança Nacional uma das mais significativas tentativas de barrar o seu poder de atuação na construção desse projeto político alternativo. Dizia a referida Lei, promulgada em 04 de abril de 1935, em seu Art. 20 que “promover, organizar ou dirigir sociedade de qualquer espécie, cuja atividade se exerça no sentido de subverter ou modificar a ordem política ou social por meios não consentidos em lei”, ficava vedado, apenando aqueles que a descumprissem de 06 meses a 02 anos de prisão. Tal lei praticamente colocava qualquer reação das “classes marginalizadas” a perigo, visto que o governo varguista poderia coibir atos, opiniões e manifestações de livre pensamento como uma tentativa de subverter a ordem ora estabelecida na cena política nacional. É sabido que, durante o seu governo, o ISSN 18088449

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“movimento operário é controlado pelo Ministério do Trabalho, órgão que não só regula a liberdade de ação trabalhista, como justifica ideologicamente o comportamento a ser dado” (CARONE, 1976, p.133). A postura repressora de Vargas é por muitos considerada antidemocrática e fascista, nesse ínterim a sociedade brasileira, não mais suportando os desmandos cometidos pela ditadura trabalhista, clama por um novo regime político em que haja espaço para a democracia, a liberdade de expressão e a construção de uma efetiva unidade, com o diálogo e a participação dos diferentes setores da vida política nacional. Porém, tal projeto ainda parecia algo distante, pois Getúlio encontrava-se: Prestigiado pelo Exército, pela Marinha, pela Ação Integralista Brasileira, e as organizações brasileiras, que nesta hora se congregam no mesmo espírito de nacionalismo, disciplina, culto das tradições nacionais e sustentação do Poder central. (CARONE, 1976, p.194).

O que significa dizer que Getúlio Vargas tinha em suas mãos todos os poderes que lhe foram conferidos pelos atores sociais que a ele atribuíram o direito de falar em nome do Brasil. É justamente nesse conturbado cenário de conflitos e choque de interesses que Roberto Sisson, membro influente da Aliança Nacional Libertadora, percebe a atuação desse partido como um meio de se dirimir esses conflitos levando a questão a uma solução pacífica. Dizia ele que a ANL “não é uma força de extremismos. É um partido de democratas que tem por fim especial e imediato o prestígio da democracia do Brasil.” (CARONE, 1976, p.225). É na construção dessa democracia que oportunamente esse movimento político e social procurará trabalhar. 2. Movimento Popular, Resistência e Opressão: O Surgimento da ANL Data de janeiro de 1935, as primeiras notícias sobre a Aliança Nacional Libertadora. Sua luta se resume na sigla “USA”, que significa a União Patriótica Nacional, a defesa da siderurgia nacional e a ampla anistia para os presos políticos do Brasil. O movimento desejava “a união nacional para a defesa da pátria, sob a direção do Presidente da República” (CARONE, 1976, p.226). Não se desejava um completo rompimento com as estruturas sociais vigentes, o que se desejava era uma ampliação dos setores sociais partícipes na construção da nação. A ANL reunia socialistas, comunistas, liberais e antifascistas, procurando incorporar os pontos de vista e as necessidades desses segmentos sociais e políticos. Como prioridades, o novo grupo político ideológico pretendia combater o imperialismo e o fascismo. Uma das dificuldades verificadas na formação do movimento aliancista era a incorporação dos comunistas. Estes aceitavam e defendiam uma política de união entre todos os setores da sociedade, mas não pretendiam abandonar a sua ilegalidade e nem sua organização partidária. “Foi somente com a proposta da criação da ANL, em março de 1935, que o PCB conseguiu formular um programa justo e que permitiu um novo, embora brevíssimo, avanço do movimento de massas” (ANTUNES, 1982, p.162). Os desdobramentos de toda essa movimentação política, inicialmente, não poderiam ser previstos pelo governo varguista. A classe assalariada brasileira, enfim, as massas em geral viram a possibilidade de romper com o isolamento que até então lhes afastava da participação nas decisões políticas do país. A ANL acabou por incorporar em seu grupo operários, camponeses, soldados, marinheiros, estudantes, intelectuais e a pequena burguesia urbana em uma luta que se tornou comum a todos: o enfrentamento da miséria, da ISSN 18088449

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extrema pobreza e da fome em que se encontrava significativa parcela da população brasileira. Assim sendo, pretendia-se criar um governo popular revolucionário que atendesse aos anseios desses segmentos sociais. Tal fato acabou por gerar grande descontentamento entre as elites brasileiras e o governo Vargas. Para realizar seu projeto político, a Aliança Nacional Libertadora defendia uma intervenção direta e efetiva das massas populares no Estado brasileiro. Essa intervenção se daria a partir de ações como o rompimento com o imperialismo norte-americano e a extinção do latifúndio rural. Por si só, além de polêmicos, esses objetivos em muito contribuíram para acirrar os ânimos entre segmentos sociais tão distintos que, inicialmente, se uniram na perspectiva de construir uma nação integrada, coesa, mas dirigida pelo Presidente da República. O apogeu aliancista se deu entre os meses de março a julho de 1935, e com apenas 04 meses de existência, o governo Vargas decreta a sua ilegalidade. 3. A Ilegalidade da Aliança Nacional Libertadora “O discurso de 05 de julho de 1935, comemorativo da data das revoluções tenentistas de 1922 e 1924, é pretexto para o governo de Getúlio invadir e fechar as sedes da Aliança Nacional Libertadora em todo o Brasil” (CARONE, 1991, p. 200). A chance de usar a tão conturbada e polêmica Lei de Segurança Nacional havia aparecido. As acusações contra a Aliança se evidenciaram na imprensa, fazendo com que logo em seguida fosse decretada sua ilegalidade, em 13 de julho de 1935, com a alegação de que o movimento praticava “atividade subversiva de ordem política e social”. Tal ação estatal tinha apoio na Lei nº 38, de 04 de Abril de 1935, a Lei de Segurança Nacional, conhecida por seus opositores como “Lei Monstro”, que definia os crimes contra a ordem política e social. O objetivo desta era transferir e especificar para uma nova legislação os crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias processuais. Prevendo movimentos radicais de oposição, o governo getulista, antes mesmo da criação oficial da ANL, levou ao Congresso o projeto da LSN, conseguindo aprovação com pouca resistência devido ao sentimento de “perigo iminente do comunismo” lançado sobre o Congresso, de forma estratégica. Claramente esta foi uma medida de caráter autoritário e centralizador, podendo ser considerada o embrião da ditadura que surgiria com o golpe de 1937. Ao mesmo tempo em que os direitos sociais e as liberdades civis eram garantidos pela Constituição de 1934, essas últimas eram constantemente violadas pelo próprio governo federal, ou seja, as garantias constitucionais são esquecidas em nome da manutenção do poder. Com o fechamento legal da ANL, a 11/07/1935, “muitos elementos da sua liderança, especialmente aqueles que não eram comunistas ou que eram oriundos das camadas médias, abandonaram a organização, que a partir daí passou a ser dirigida pelos comunistas” (ANTUNES, 1982, p.165). Após a decretação da ilegalidade pelo governo Vargas, o movimento em muito reduziu as suas possibilidades de implantar um governo com uma participação popular atuante. Os ideais de um governo popular e revolucionário se tornaram cada vez mais distantes. Um dos mais relevantes aspectos que contribuíram para tal decretação pelo governo Vargas foi o manifesto, escrito por Luís Carlos Prestes e lido por Carlos Lacerda, no qual se afirmava que a ANL era uma “continuação da luta dos 18 do Forte de Copacabana” (CARONE, 1976, p. 259). A reação apática do movimento aliancista diante do decreto de ilegalidade da ANL pode ser em parte justificada por seu breve período de existência legal, não suficiente, para unir em torno de um projeto comum, setores sociais, políticos e profissionais tão distintos, como comunistas, tenentistas, camponeses, operários entre outros. ISSN 18088449

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Em mais um episódio da história nacional a classe operária não conquistaria plenos direitos, sendo fortemente reprimida quanto à manifestação de pensamento e opinião. O sonho da conquista dos direitos civis pela grande massa mais uma vez seria adiado.

Conclusão Por sentença de 11 de Dezembro de 1935, do Juiz Federal da 1ª Vara do Distrito Federal, Dr. Edgard Ribas Carneiro, foi julgada procedente a ação sumária intentada pela União Federal, pelo 2º Procurador da República, interino, Dr. Himalaia Virgolino, e, em consequência, decretada, “para defesa dos mais altos interesses da Nação”, a dissolução da sociedade civil “Aliança Nacional Libertadora”. Considerou o juiz, fundamentando longamente a sua decisão, que os autos provaram de modo completo que a referida Aliança constituía um foco pernicioso à ordem legal. (COSTA, 1964, pp. 66-67).

E assim, em dezembro de 1935, tinha fim o movimento que pretendia unir toda a nação brasileira para a defesa da pátria. No entanto, o brevíssimo movimento de massas que deu voz a operários, camponeses, soldados, marinheiros, estudantes, intelectuais e a pequena burguesia foi sufocado. A extinção do latifúndio rural e o rompimento com o imperialismo não puderam se tornar realidade. Os aliancistas ainda forçaram uma saída insurrecional, em novembro de 1935, que por não contar com o apoio e a efetiva resistência das camadas populares foi facilmente vencida. Cerca de um mês depois, a União Federal consegue o seu intento por meio de decisão judicial que dissolve a Aliança Nacional Libertadora. Quem sabe esse acontecimento histórico tenha nos trazido grandes lições, pois como nos dizia Lukács: “Mesmo nos momentos de falsa consciência existe uma tendência objetiva para a verdade”. Que a história continue nos dando grandes lições. .

Referências ANTUNES, Ricardo. Classe Operária, Sindicatos e Partido no Brasil. São Paulo, Cortez, 1982. CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937). São Paulo, Difel, 2ª ed. 1976. CARONE, Edgard. A Segunda República (1930-1937). São Paulo, Difel, 2ª ed. 1974. CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). São Paulo, Difel, 1977. COSTA, Edgard. Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal – Segundo Volume. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira S.A., 1964. OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; CASTRO GOMES, Ângela Maria. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. ROSA, Ângelo Fernando Vaz. O cerceamento dos direitos civis durante o Estado Novo em decorrência da extinção da Justiça Federal. Revista CEJ, Brasília, v. 16, n. 57, p. 81- 87, maio/ago. 2012.

Agradecimentos A sempre valorosa colaboração do Professor Pós-Doutor Martonio Mont’Alverne Barreto Lima.

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