Alimento, Alimentação, Comida, Comensalidade: percurso histórico e embate ontológico

June 2, 2017 | Autor: Francisco Aragão | Categoria: Epistemologia, Filosofia da Alimentação, Cultura comensal
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ALIMENTO, ALIMENTAÇÃO, COMIDA, COMENSALIDADE1: PERCURSO HISTÓRICO E EMBATE ONTOLÓGICO 2

Francisco José Alves de Aragão e; 3 José Arimatea Barros Bezerra

RESUMO O presente artigo trata de percorrer sinteticamente o embate ontológico em torno dos conceitos de alimento, alimentação, comida e comensalidade no decorrer da História humana. Partindo das Ontologias Regionais estabelecidas por Cossio, com base nas ideias de Husserl, colocam-se os conceitos de alimento e alimentação como objetos naturais, de um lado; e de outro, comida e comensalidade como objetos culturais. A partir daí, discorre-se sobre a inserção do homem no mundo da Cultura e o consequente desenvolvimento de todo o processo civilizatório, baseado na beleza, na limpeza e na ordem. Nesse ínterim, evidencia-se o contexto alimentar e comensal desde a obstinação do homem em selecionar e domesticar plantas e animais para sua base alimentar, interferindo no meio natural e fragilizando as espécies escolhidas para tal mister, passando pelo contexto da Modernidade/ contemporaneidade e apontando as últimas previsões para o decorrer do Século XXI. Palavras-chave: Filosofia da Alimentação. Epistemologia. Cultura Comensal.

ABSTRACT This article discusses briefly the clash ontological go around the concepts of food, feed, food and commensality in the course of human history. Starting from the Regional Ontologies established by Cossio, based on the ideas of Husserl, put the concepts of food and feed as natural objects, on the one hand, and another, food and commensality as cultural objects. From there, it talks about is the inclusion of man in the world of culture and the consequent development of the whole process of civilization, based on beauty, cleanliness and order. Meanwhile, it is clear context and diner food since the obstinacy of the man in select and domesticate plants and animals for their food base, interfering with the natural environment and weakening the species chosen for such a task, through the context of modernity / contemporaneity and pointing the latest forecasts for the course of the twenty-first century. Keywords: Philosophy of Food. Epistemology. Culture Dinner.

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COMENSAL: adj. e s.m. e f. Cada um dos que comem habitualmente à mesma mesa. O que frequenta assiduamente uma casa e aí toma as suas refeições. Convidado para banquete ou jantar. In: Dicionário On-line de Português. Disponível em: , Acesso em: 29.06.2012. 2 Autor do presente artigo. Graduando em História (Bach.) pela UFC -2012.1-. Este artigo foi retirado do bojo da Monografia/TCC “OVINOS E CAPRINOS COMO HÁBITUS ALIMENTAR NA HISTÓRIA DO POVO DO SERTÃO DOS INHAMUNS”, de minha autoria. e-mail: [email protected] . 3 Professor Dr.; Orientador. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará- Faced/UFC. Orientador da Monografia referida na nota anterior e do presente artigo científico. e-mail: já[email protected] .

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SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O HOMEM E SUA NATUREZA GENERALISTA. 3 A INSERÇÃO NO MUNDO CULTURAL. 4 A REVOLUÇÃO NEOLÍTICA E OS PRIMÓRDIOS DA CULTURA: A ORDENAÇÃO DAS PLANTAS E ANIMAIS. 5 O EMBATE ONTOLÓGICO ALIMENTAÇÃO X COMENSALIDADE. 6 O CONTEXTO ALIMENTAR E COMENSAL CONTEMPORÂNEO. 7 O FUTURO ALIMENTAR E COMENSAL. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

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INTRODUÇÃO

Procuraremos construir uma interpretação aceitável acerca da trajetória alimentar humana, desde os tempos mais remotos até a contemporaneidade, passando pela Idade Moderna, momento em que se deu o fenômeno conhecido por Revolução Industrial, com o estabelecimento das novas práxis socioeconômicas direcionadoras da nossa realidade capitalista, bem como discorrer sobre as projeções acerca do contexto alimentar e comensal para o decorrer do Século XXI. Destarte, faz-se mister evidenciar o embate entre natureza e cultura4 no tocante ao primeiro e essencial problema da humanidade, que foi e sempre será o da questão alimentar e comensal que, visto de qualquer prisma ou ângulo interpretativo, colidirá com a história do homem e sua luta por adaptação e sobrevivência no meio terreno em que vive. De acordo com Cossio, os objetos do conhecimento são divididos em quatro grandes grupos: a) objetos ideias; b) objetos naturais; c) objetos culturais; e d) objetos metafísicos. São as denominadas Ontologias Regionais, que assim se chamam pelo fato de cada uma delas formar como que uma região distinta, um conjunto de seres que apresentam características iguais. Resulta disso, a respeito do objeto, ente (ontos), uma teoria (logos) comum possível, que o faz pertencer a um mesmo grupo, a uma mesma região. Daí o motivo da denominação Ontologias Regionais5.

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“ [...] O homem (Homo Sapiens Sapiens) distingue-se dos outros primatas por apoiar-se exclusivamente sobre os dois membros posteriores[...] É o único ser vivo, na terra, capaz de simbolizar, consequentemente de ter linguagem articulada e, portanto, de criar, receber e transmitir CULTURA.” (grifos nossos) In: MAGALHÃES, Álvaro. História da Civilização-Enciclopédia Globo-. Porto Alegre: Ed. Globo, 1979. p. 185. 5 Cfe.: FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997., p. 15-16.

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Para o que aqui nos interessa, cabe-nos evidenciar a classe ontológica dos objetos naturais e dos objetos culturais, tendo em vista os objetos tratados no presente artigo: alimento (natureza) e comida (cultura); alimentação (natureza) e comensalidade (cultura). Assim, FALCÃO (1997) reporta-se desta maneira com referência aos objetos naturais:

[...] Os objetos naturais têm existência no tempo e no espaço, assim como estão na experiência sensível. Há ampla possibilidade de se lhes ter acesso cognitivo pela via da explicação, o que enseja a utilização do método indutivo, fundado em critérios empíricos. Quanto ao valor, caracterizam-se por elevada neutralidade, que, no entanto, não chega ao nível de que se verifica em relação aos objetos ideais[...] Inexiste como negar-se que alguém possa admirar mais uma árvore do que uma pedra, uma visão de montanha do que a apreciação da aridez da caatinga ou a dos 6 desertos . (grifos nossos)

E com relação aos objetos culturais, prossegue o autor em sua ensinança:

[...] Os objetos culturais existem no tempo e no espaço. Estão na experiência sensível. O ato gnosiológico tendente a captá-los é a compreensão, podendo ser utilizado, preponderantemente, o método indutivo, porém carregado de ponderável conotação dialética. São completamente abertos às valorações, as quais entram diretamente na composição de sua ontologia. Quer positiva, quer negativamente, o valor está na essência dos objetos culturais, de uma feita que eles nada mais são do que um sentido que o homem agrega aos objetos naturais. O homem apanha um bloco de mármore e nele esculpe uma estátua; encontra o solo virgem, desmata-o, ara-o e o aduba para o plantio; começa a ouvir os sons da natureza, modula-os, transformando-os em fonemas e belíssimas composições musicais; Para tudo isso usou uma base natural. Portanto, serviu-se de objetos naturais, acrescentando-lhes, todavia, um sentido tal que até de denominação eles mudam. Já não mais são mármore, mas estátua; deixam de ser solo, já são lavoura; perderam o nome de som, passando a fonemas ou música. Os objetos culturais, por 7 conseguinte, são o sentido que o homem agrega à natureza. (grifos nossos)

Pelo que depreendemos das citações acima, os objetos culturais são também

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Ibid., p. 16. Ibid., p. 16.

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naturais, estão inseridos no grande grupo destes, porém foram transformados pelo homem, que lhes adiciona/ carrega valor, que lhes atribui sentidos os mais variados, tornando-os assim, culturais em sua essência ontológica. Assim, podemos desde já colocar em lados opostos as noções de alimento e alimentação (objetos naturais) e de comida e comensalidade (objetos culturais). Mas devemos iniciar nosso debate em um tempo muito distante, quando o homem começou a se diferenciar dos outros animais, como um ser naturalmente generalista e, ao mesmo tempo, ao adentrar no novo mundo cultural, culturalmente (ou não) especialista.

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O HOMEM E SUA NATUREZA GENERALISTA

Está bem claro para nós e corroboramos, portanto, com a noção de que o homem é, por excelência, uma “criatura naturalmente generalista”. Não por que queira ser, mas porque assim se encontra neste momento de sua caminhada evolutiva. Enquanto todas as outras criaturas seguem um caminho naturalmente “especializante”, nós nos desdiferenciamos e nos tornamos, pela interferência da cultura, ou seja, pela inserção humana em um mundo culturalmente construído, criaturas naturalmente “generalistas”. Avancemos o raciocínio e explicitemos ainda mais: embora dentro do mundo cultural/ fabricado pelo homem existam especializações (culturais), nós nos tornamos criaturas “generalizantes” (no mundo natural não resta dúvida e, mesmo no âmbito cultural, se assim quisermos ser), posto que podemos ser e fazer tudo o que quisermos ser ou ter. Revendo as teorias antropológicas a respeito da inserção do homem no mundo cultural, as mesmas sustentam que isso se deu por três motivos interdependentes: primeiro, pelo nosso cérebro, que é avantajado, maior, devendo isso ter relação com a memória e a capacidade cognitiva; segundo, pela nossa mão, que é uma

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ferramenta em forma de pinça, em virtude de o polegar estar em oposição aos demais dedos, o que nos permitiu construir toda a civilização, todo o ambiente artificial em que vivemos e; por último, pelo nosso aparelho fonador, que é capaz de articular e emitir sons que foram sendo sistematizados e organizados de forma compreensível, o que nos proporcionou toda uma simbologia, um sistema de signos capazes de transmitir idéias e conhecimentos, facilitando, portanto, a mediação comunicativa entre os homens8. Diante disso e, retomando o diálogo anterior (generalidade/ especialidade), refletimos que nos tornamos organismos técnicos e possuidores de todas as valências: que a mão desespecializada é uma ferramenta universal que bate, talha, esculpe, desenha e conta; que o orifício chamado de “boca” canta, morde e contesta; que o cérebro como ferramenta de excelência universal, abstrai, inventa, recria, sonha e concretiza projetos utópicos. É neste sentido, pela totipotência desses órgãos, pela perda das suas adaptabilidades naturais e, melhor dizendo, por certa “suspensão” do projeto evolutivo natural no ser humano, que poda toda e qualquer ação natural em seu corpo, que pedimos ao leitor intérprete desta escritura o entendimento do que seja o ser “generalizante” que nos tornamos e que, aqui, tentamos definir.

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A INSERÇÃO NO MUNDO CULTURAL

“[...] O que chamamos de seleção natural levaria os pré-hominídeos em direção à bipedalidade e ao caráter verdadeiramente hominídeo. A bipedalidade apresentou efeitos colaterais benéficos que reforçaram a seleção natural. Os membros dianteiros ficavam livres para outros usos que não de apoio. As MÃOS, agora liberadas, podiam manipular porções do ambiente, senti-las, levá-las próximas aos olhos, ouvidos e nariz, fazendo com que o cérebro fosse continuamente inundado de sensações novas. Foi necessário então que o CÉREBRO se tornasse um pouco maior e mais complexo para que pudesse abrigar com maior eficiência a quantidade de sensações e isto levou a uma chance maior de sobrevivência. Portanto, a seleção natural promoveu a formação de cérebros maiores e melhores”. (grifos nossos). In: ASIMOV, Isaac. Cronologia das ciências e das descobertas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 46. “[...] Houve outras mudanças que são muito mais difíceis de especularmos. O início da FALA é a mais nebulosa de todas, pois embora algumas mudanças pequenas e secundárias nos ossos tenham sido associadas com a aquisição de nossas cordas vocais avançadas, nada é completamente convincente. Não sabemos com precisão quando os primeiros gritos passaram de boca em boca através de um bando nômade, ou quando um velho passou o benefício de sua experiência para um jovem admirador.” (grifos nossos). In: FORTEY, Richard A. Vida: uma biografia não autorizada. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000. p. 333.

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Entrementes, começa, dessa forma, o longo embate entre a natureza e a cultura. Enquanto nos pássaros, por exemplo, continuam a se desenvolver garras, bicos e cores diversas, em uma constante apropriação e mistura simbióticoevolutiva, nós seres humanos inventamos cassetetes, lanças, lâminas de arado e martelos, expulsando a interatividade natural, fazendo cessar a evolução natural em nossos corpos. Devido a isso temos mudado pouco e lentamente nosso atual estado “natural”, todavia, nos diferenciamos muitíssimo “culturalmente”. São muitos os mitos, técnicas, modos, saberes, profissões, línguas, deuses, sentidos, etc. Repare o intérprete leitor, apenas a título de exemplo, que chega mesmo a causar imbróglio ao atual debate Pós-Moderno as noções de indivíduo, pessoa, sujeito, identidade, identificação, e de onde se situam tais conceitos na hodiernidade9. Por que nos separamos da natureza? Na realidade, a cultura e a natureza estão caminhando em direções opostas, pois quando a natureza recua, a cultura explode e, quando a natureza se enriquece, a cultura empobrece. É o que nos alerta o filósofo SERRES (2005), aduzindo que “[...] cada vez mais nos assemelharemos a flácidos fetos dependentes de armas e blindagens, que foram inventadas devido à nossa falta de garras, chifres e bicos”10. Para esse autor, a nossa inadaptação à natureza levou-nos a construir órteses, por meio da técnica e, com isso, ao enfrentarmos os riscos naturais poupamos uma 9

“[...] a identidade é o suporte teórico do sujeito individual e é, com certeza, bem típica em certos momentos do pensamento ocidental, mas que não é um valor universal e atemporal. Mesmo nesse ocidente, está, às vezes, muito fragilizada[...] direi que existe uma dupla natureza da individualidade de base que, segundo as circunstâncias, pode ou exprimir-se pela forma do indivíduo que tem uma identidade forte e particularizada, ou perder-se num processo de pertencer a um conjunto mais vasto. Esta segunda modulação, produzindo, então, a persona, procedendo por identificações sucessivas. Ao indivíduo, oposto à pessoa, corresponderia a identidade, oposta à identificação[...] deve-se reconhecer que ela delimita bem a dupla relação que constitui toda vida social. De um lado o fato de ser autônoma, relacionar-se a si, e, de outro lado, o fato de relacionar-se ao outro, o que determina o modo de ser heterônomo”. (grifos nossos). In: SIMMEL, G. Apud MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 309. 10 In: SERRES, Michel. O incandescente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p 65.

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imensa quantidade de cadáveres. Sigamos adiante, para o exato momento em que o homem começa sua História Civilizacional, uma saga rumo à ordenação, classificação, seleção, limpeza, beleza e tudo o mais para onde nos levou um mundo já culturalmente construído.

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A REVOLUÇÃO NEOLÍTICA E OS PRIMÓRDIOS DA CULTURA: A ORDENAÇÃO DAS PLANTAS E ANIMAIS

Devemos, neste momento, levar o intérprete leitor a uma aproximação da “Revolução Neolítica”11, momento em que nós, humanos, desistimos de andar de um lado para o outro e resolvemos nos estabelecer em um só ponto, passando a cavar, capinar e lavrar a terra. Naquele momento da História, há cerca de 8.000 anos a.C., as pessoas começaram a plantar sementes, vê-las crescer, regá-las e colher os resultados. Antes, porém, vivíamos seguindo as migrações das manadas, pois éramos caçadores. Quando a caça diminuía em um local, era a hora de mudar para outro. A vida nômade era inconstante, sem incentivo para desenvolver-se ou aperfeiçoar um lugar específico e é realmente incrível quando o homem descobriu uma razão para ficar em um só lugar, com o descobrimento da técnica agrícola, logo acrescida da criação de animais. Como a fonte alimentar já não tinha mais de ser perseguida, as pessoas

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Nota sobre a caracterização do NEOLÍTICO: “[...] No período Neolítico o homem passou de caçador a pastor, domesticou alguns animais (cabras, bois, porcos, cavalos), fez arpões, agulhas e outros objetos de osso. Inventou o arco que lhe facilitou o ataque e a defesa contra animais. A habitação não era mais a caverna, mas toscas choupanas, que se agrupavam formando as aldeias, algumas construídas sobre estacas (palafitas), fincadas em lagos, não longe das margens. Surgiram as primeiras plantações de cereais. Fabricavam o pão, faziam cordas, redes. A roda foi inventada, proporcionando uma maneira rápida de transporte e uma integração maior entre as aldeias. O homem já possuía as primeiras noções de astronomia e realizava os primeiros ensaios de arquitetura, cujos impressionantes testemunhos são os monumentos megalíticos, construídos com grandes blocos de pedra, sendo considerados monumentos funerários. O homem tornou-se sedentário, possuindo sua terra, sua criação, sua família organizada. Nasceu o sentido de propriedade, elemento que provocou os primeiros conflitos e guerras da Pré-História”. (grifos nossos) In: MAGALHÃES. op. cit., p. 190.

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começaram a criar “raízes”, “laços” com a terra, com o seu solo, a estabelecer suas “origens”. Era o início da civilização: criação de povoações, abrigos, estruturas; idéias e sistemas, pois, enfim, tinha-se tempo para pensar, formular, inventar. Por volta do ano 5.000 a.C. o homem começou a cavar canais ligando as margens dos rios às terras próximas, pois se não houvesse água, as sementes não vingariam. E com os canais de irrigação, a demandar coordenação, colaboração, manutenção constante, iniciaram-se as Cidades-Estado, as precursoras das futuras nações. Sigamos falando, nesse ínterim, da questão alimentar e comensal. O homem começou a travar, então, a sua obstinação em selecionar, domesticar plantas e animais. Por que capinar e lavrar a terra? Simplesmente para eliminar todas as espécies selvagens que poderiam matar as frágeis plantas domesticadas. As chamadas ‘ervas daninhas’, fortificadas pela seleção natural, não poderiam ameaçar o frágil trigo, selecionado artificialmente durante anos a fio. Por que cercar os pastos, murar as granjas, entabular os ninhos, colocar arame nos galinheiros e nos pombais? Simplesmente para que cordeiros e aves, enfraquecidos, também selecionados pelo homem, pudessem ser protegidos das investidas astutas do lobo e da raposa, livres e mais fortes, naturalmente acostumados a caçar por milhões de anos. Lavoura e pastoreio. Continuávamos a jornada. A colheita aumentava e os bois engordavam. Floresciam nossas culturas alimentares (artificializadas): trigo, milho, aveia, cavalos, vacas, porcos, perus, galinhas-d’angola, todas elas submetidas à nossa ordenação, classificação, seleção. E assim se fez todo o processo civilizatório, baseado na limpeza, na beleza e na ordem. Vejamos o que nos diz o velho filósofo SERRES (2005) sobre isso:

[...] Viveiros, chiqueiros e pombais garantiram colheitas e ninhadas abundantes [...] a casa limpa e arrumada garantiu um espaço hospedeiro asséptico e estéril para os homens, livre de ratos, aranhas, moscas ou larvas [...] o dinheiro (ficha de equivalência geral, volátil, abstrata) passou a

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assumir qualquer valor, equivaler a todas as coisas do mundo [...] o corpo, artificialmente plastificado, adequou-se a todas as profissões [...] o mercado, o templo, o tribunal, locais onde o homem equilibrou as tensões, as forças opostas, onde a palavra substituiu as lesões, os 12 hematomas e o sangue. (grifos nossos).

Pois bem, até aqui explicamos essa viagem histórica do homem, que vinha de um sistema de total integração ao mundo natural, andarilho e caçador que era, até o momento em que se inseriu profundamente em um mundo construído, artificializado. Um mundo, enfim, de cultura humana, possibilitado simplesmente pelo “não deslocamento”, pela “implementação agrícola” e pela “criação de animais”. Mas não podemos deixar passar sem comentário, nesse contexto, a invenção da roda de oleiro13 e dos primeiros arados14 com pontas de bronze e à tração animal, que penetravam mais no solo, aumentando consideravelmente a produtividade das plantações. Vimos, portanto, que a agricultura transformou a existência humana, posto que, com a produção maior do que o consumo, as pessoas puderam se dedicar aos mais diversos afazeres e ofícios, passando a acumular bens e a realizar outras atividades além daquelas relacionadas à subsistência. Surgiram então as primeiras civilizações às margens dos rios e, com os excedentes alimentares tendo de ser administrados, surgiram soberanos, reis e imperadores. Como bem nos lembra DANIEL’S (2004): “[...] reis e imperadores colheram os frutos da civilização, mas foram os mais simples lavradores que plantaram as suas sementes”15.

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In: SERRES., op. cit., p 82. “[...] A RODA DE OLEIRO é uma forma milenar de produzir peças, com uma roda feita a partir de madeira ou ferro. O movimento é feito pela perna que vai sendo jogada contra a roda e assim um movimento necessário para se produzir artefactos cerâmicos”. Cfe. Britannica Encyclopedia Academic Edition. Disponível em >, Acesso em: 29.06.2012 14 “[...] O ARADO é um instrumento que serve para lavrar (arar) os campos, revolvendo a terra com o objetivo de descompactá-la e, assim, viabilizar um melhor desenvolvimento das raízes das plantas. Os sumérios foram os primeiros a utilizarem arados tracionados por animais. Foi uma das grandes invenções da humanidade, por permitir a produção de crescentes quantidades de alimentos e o estabelecimento de populações estáveis”. Cfe. Britannica Encyclopedia Academic Edition. Disponível em >, Acesso em: 29.06.2012. 15 DANIELS, Patrícia S. Atlas da História do mundo. São Paulo: Editora Abril, 2004. p 17. 13

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O EMBATE ONTOLÓGICO ALIMENTAÇÃO X COMENSALIDADE

Após esse debate inicial acerca do caminho humano, em meio ao embate natureza versus cultura, cabe-nos aprofundar um pouco mais sobre os conceitos de alimento, alimentação, comida, comensalidade e o debate que se vem travando em torno desses institutos, situados, como vimos alhures, em lados opostos. Há algum tempo tem-se debatido academicamente a explicitação das concepções de alimentação e de comensalidade, ademais por se tratar de uma área de domínio compartilhado entre várias correntes epistemológicas. Em busca dessa precisão conceitual, considera-se que as concepções de alimento e comida, na perspectiva das Ciências Humanas, extrapolam o aspecto nutricional. De acordo com SANTOS (2007),

[...] O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudança dos hábitos e práticas alimentares têm referência na própria dinâmica social. Os alimentos não são somente alimentos. Alimentar-se é um ato nutricional, comer é um ato social, pois constitui atitudes ligadas aos usos, costumes protocolos, condutas e situações. 16 Nenhum alimento que entra em nossas bocas é neutro. (grifos nossos)

De fato, não há como negar que a comensalidade aproxima alimentos e seres humanos, tornando-os íntimos, partilhando significados, representações coletivas. DA MATTA, por sua vez, apresenta uma perspectiva antropológica local, concebendo “comida” como um importante “código de expressão da sociedade brasileira”17, assim como a política, a economia, a família, o espaço e o tempo. O referido sociólogo também diferencia comida de alimento, acentuando que

[...] O alimento é uma categoria mais ampla, que abrange o universo daquilo que pode ser ingerido para manter a vida biológica; no caso da 16

SANTOS, Carlos R. A. História da alimentação no Paraná. Curitiba, PR: Juruá, 2007, p 12. DA MATTA, Roberto. Sobre comidas e mulheres. In: DaMatta, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997. p. 49. 17

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comida, esta está relacionada a escolhas feitas dentro desse universo, 18 guiadas pelo prazer e por normas de comunhão e comensalidade” .

Já MACIEL (2003) parece apenas englobar o termo alimentação em ambas as categorias, de uma maneira generalizante:

[...] Alimentação refere-se a um conjunto de substâncias que uma pessoa ou grupo costuma ingerir, implicando a produção e o consumo, técnicas e formas de aprovisionamento, de transformação e de ingestão de alimentos. Deste modo, alimentação vai além do biológico, relacionando 19 com o social e o cultural. (grifos nossos)

De todo modo, para o presente trabalho, é importante diferenciar esses conceitos, haja vista que o comer envolve várias questões, para além do nutrir-se, do alimentar-se. Registramos também a brilhante definição de MONTANARI (2008) acerca dessa problemática:

[...] Comida é cultura quando é preparada, porque, uma vez adquiridos os produtos-base, da sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas de cozinha. Comida é cultura quando consumida, porque embora o homem podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste. Por meio de tais percursos, a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade humana e 20 como um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la. (grifos nossos).

Ficam mais aclaradas as noções de alimento/ alimentação e comida/ comensalidade, após essa última citação. Não resta dúvida alguma quanto às diferenciações ontológicas naturais e culturais no tocante à questão alimentar/

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Ibid., p. 50. MACIEL, Janecléa Cabral. Descentralização dos recursos da merenda escolar: valorização da economia local? Monografia de conclusão de Curso de Pedagogia. Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central. Universidade Estadual do Ceará. Quixadá: 2003, p 26. 20 MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. Tradução de Letícia Martins de Andrade. São Paulo: Editora SENAC, 2008. p 16. 19

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comensal. Pelo exposto até aqui, depreendemos que o alimentar-se pressupõe um “ato natural” e, o comer, um “ato cultural”. Fica também elucidada a noção de que, pelos rituais de produção, preparação e consumo alimentar, emerge a sua dimensão cultural, a acepção de comida como elemento definidor de identidade. Comer é, assim, uma assinatura, uma marca. Para além do alimento, a comida é um dos aspectos centrais da coexistência humana, carregando valores simbólicos, entendimentos de laços de pertença social e de solidariedade, bem como aspectos da dinâmica social. Vale lembrar, nesse contexto, que o consumo de alimentos é um dado revelador da natureza dos agrupamentos sociais, pois expõe, simbolicamente, os modos dominantes de uma sociedade21. É sabido mesmo que, em certos grupos humanos, as trocas alimentares exprimem até as relações de parentesco. Portanto, como depreendemos, é a cultura quem, em última análise, estabelece o que é “comida”, dizendo “o que pode ser ingerido”, “o quando comer”, “o que comer”, “o como comer” (vivo, cru, assado, cozido, apodrecido), “o bom”, “o ruim”, “o forte”, “o fraco”, conforme suas definições, suas classificações, suas hierarquias. Assim, a mediação cultural é quem dirá o que é “comida” em uma cultura, o que não é, e assim por diante22.

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“ [...] Por exemplo, no caso de alguns grupos melanésios, nos quais o homem é obrigado a doar parte da colheita à sua irmã, enquanto sua esposa recebe uma parcela igual de seu irmão “ Cfe.: ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994., p. 77. 22 “[...] No Turquestão um prato de gafanhotos assados, polvilhado de sal, vale para a população tanto quanto uma salada de camarões para um ocidental. As larvas, ratos, lagartos, são delícias que repugnam a todos nós[...] Os sertanejos, no Nordeste do Brasil, comem os preás, os mocós, camaleões e tiju-açus, insuportáveis para qualquer homem das cidades litorâneas. Os macacos amazônicos assados são manjares disputados e causam náuseas aos brasileiros em geral[...] O tabu sagrado defende as vacas hindus do consumo[...] Carne de gato, pastel de ratazana, gafanhoto torrado, larva cozida, estão fora dos nossos padrões. São, entretanto, iguarias normais e provadamente limpas e saborosas quando ingeridas sem identificação[...] O porco mereceu proibição de Iavé (Levítico, XI, 7-8, 22) e de Maomé (Alcorão, surata-II, v-168, V, v-4). Abominável no Egito (Heródoto, Euterpe, XLVII) mas conserva zona de conforto nas populações insulares da Polinésia, Melanésia, América, África e Ásia para não-brâmanes e não-maometanos”. (grifos nossos) In.: CASCUDO, Luis da Câmara. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004. p. 2124. /(O mestre Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) presenteou-nos com essa profunda obra de pesquisa

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Mas, cabe aqui uma interessante questão: e o “gosto”? Afinal, o que é o gosto? Como defini-lo e onde se situa nesse embate ontológico? Como determinada cultura tem a força de impor toda uma tradição gustativa coletiva (em detrimento do gosto individual/ particular) diante de tantos sabores naturais a escolher?

Certo é que, ao nascermos, nosso meio sociocultural já tinha como préestabelecido uma hierarquia alimentar, com parâmetros diversos e que já se encontravam inscritos naquele contexto. SAVARIN (1995) considerou o “gosto” como “um sentido, o mais importante, o que oferece mais prazer ao ser humano”. Destarte, para esse autor o gosto é definido como “o sentido por meio do qual o sabor é percebido” 23. É o que também parece afirmar FLANDRIN (apud CHARTIER 1991), já que, para este, “os órgãos evoluem ao ritmo da natureza, mas as percepções, ao ritmo das culturas” 24. Esta formidável observação leva-nos a definir o objeto “gosto” (uma percepção, um sentido) como um objeto cultural, evidenciando mais um viés desse embate ontológico. Ou seja, o de que o “sabor” é natural e geral e, o “gosto” é cultural e particular. Para fechar os raciocínios empregados até aqui, citaremos o brilhante estudioso potiguar25 Luís da Câmara CASCUDO (2004), em sua magnífica obra “História da Alimentação no Brasil”. Neste trecho o estudioso deixa explícito o que ele chamou de “tradição gustativa”, fruto de um complexo cultural inflexível:

[...] Todos os povos possuem limitações inarredáveis no tocante à sua comida[...] A escolha dos nossos alimentos diários está intimamente ligada a um complexo cultural inflexível. É preciso um processo de ajustamento em condições especiais de excitação para modificá-lo com o recebimento de outros elementos e abandono dos antigos[...] Uma larva de taquara é mais substancial em gordura, cálcio, ferro, iodo que a lagosta, sobre a história da alimentação no Brasil, obra insuperável de referência a todos os pesquisadores dessa temática transdisciplinar. Deixamos registrado aqui nossos agradecimentos e reverências à sua memória)/. 23

SAVARIN, B. Fisiologia do gosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Cfe. FLANDRIN , Jean-Louis. A distinção pelo gosto. In: CHARTIER, Roger. História da vida privada, vol 3. São Paulo: Cia. Das Letras, 1991., p. 42 25 Natural do Rio Grande do Norte, Brasil. 24

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apesar do aspecto asqueroso para a nossa tradição gustativa. O nosso menu está sujeito a fronteiras intransponíveis, riscadas pelo costume de milênios[...] Explicita-se que a alimentação humana esteja muito mais poderosamente vinculada a fatores espirituais em exigência tradicional que aos próprios imperativos fisiológicos. Comemos não o substancial, mas o habitual, o lícito pela norma. Comemos, nós, os modernos citadinos, pela propaganda industrial irresistível[...] Quando 26 saímos do costume dizem ser uma depravação do paladar . (grifos nossos)

Quando CASCUDO diz “É preciso um processo de ajustamento em condições especiais de excitação para modificá-lo com o recebimento de outros elementos e abandono dos antigos”, está se reportando à notável fixidez de que se valem as tradições, notadamente as alimentares. É o que também assevera FEBVRE (1936) citado por ORTIZ (1994), nesta passagem:

[...] A técnica culinária que usa preferencialmente as gorduras, para cozinha trivial ou excepcional, parece de uma fixidade notável: em todos os lugares, ela possui a solidez dos hábitos que não são nunca questionados. A fixidez dos modos de cozinhar revela a permanência da 27 tradição .

Também na penúltima citação, o mestre CASCUDO elucidou-nos várias questões que resumem tudo o que já dissemos alhures, no tocante à alimentação, à comensalidade, à natureza (sabores, substâncias), à cultura (tradição gustativa, fatores espirituais, normas comensais, costumes, habitualidades). E, por fim, esta próxima passagem desse mestre traduz, magistral e implicitamente, o caminho do ato alimentar ao ato comensal, ou seja, a natureza virando cultura:

26 27

In.: CASCUDO., op. cit., p. 21-36. FEBVRE, L. Apud ORTIZ, Renato. op. cit., p. 78.

15

[...] De todos os atos naturais, o alimentar-se foi o único que o homem cercou de cerimonial e transformou lentamente em expressão de sociabilidade, ritual político, aparato de alta etiqueta. Compreendeu-lhe a significação vitalizadora e fê-la uma função simbólica de fraternidade, um rito de iniciação para a convivência, para a confiança na continuidade dos contatos[...] Comer é um ato orgânico que a inteligência tornou 28 social .(grifos nossos)

Cremos não haver mais nada a falar sobre a natureza ontológica dos institutos debatidos, depois dessas insofismáveis considerações. Melhor prosseguir caminho, pois maiores aprofundamentos históricos ou filosóficos acerca dessa questão desviariam nossas atenções para outras veredas que não fazem parte dos nossos objetivos. Sigamos, debatendo a questão alimentar e comensal na contemporaneidade e seus impactos nas formas e hábitos tradicionais: Estudos mais recentes dão conta de toda a reviravolta havida em torno da questão alimentar e comensal desde os fenômenos da Mundialização Cultural/ Globalização Econômica, havidos na contemporaneidade. Destarte, os hábitos comensais tradicionais de que tanto falamos até aqui, seus rituais de produção, preparação e consumo, foram impactados sobremaneira pelos movimentos aludidos, encontrando-se em um momento de tensão entre os particularismos regionais e as tendências homogeneizantes dos movimentos globalizatórios. Estudos sobre modernização dos países subdesenvolvidos (anos 1950/60) chegaram a declarar que consideravam os hábitos alimentares tradicionais como “obstáculos ao progresso”29. Em realidade, História, Sociologia, Antropologia e Geografia sempre convergiram na afirmação de que a territorialidade natural dos alimentos moldaram os hábitos (culturais) comensais no espaço.

28 29

In.: CASCUDO., op. cit., p. 36. In.: ORTIZ., op. cit., p. 77.

16

No entanto, diante do recente contexto contemporâneo ou Pós-Moderno30, não é bem assim. Dá-se justamente o contrário da fixidez, pela noção de mobilidade, de circulação.

6

O CONTEXTO ALIMENTAR E COMENSAL CONTEMPORÂNEO

As várias reformas no contexto das ditas Revoluções Industriais31, reformas urbanas, reforma dos meios de transporte, da moda, penetraram também nos hábitos mais recônditos, como é o caso comensal. Pautadas no princípio da circulação, da fragmentação e da rapidez do mundo moderno, abalaram todas as estruturas antes tidas por tradicionais, desde o próprio Estado Nacional, os modos de produção, as noções de temporalidades/ espacialidades, o Direito e até mesmo as noções de sujeitos e de identidades32. Nesse contexto, o advento das técnicas de conservação, o barateamento do transporte e a invenção da comida industrial levaram também a uma transformação nos

hábitos

alimentares/

comensais

tradicionais,

que

se

definiu

como

33

“internacionalização dos comportamentos alimentares” .

30

[...] A era pós-moderna se destaca por sua negação a realidades de significados fixos, de fatos e da teoria da correspondência da verdade. Produz, destarte, instabilidades, estilo e moda, a “virada lingüística”, presentismo, relativismo, o “efeito de realidade”, desconstrucionismo, autorreflexividade na história e na literatura, dúvidas sobre referencialidade e, finalmente, o fracasso da narrativa como modo de representação. A Pós-modernidade encoraja a dúvida e a incerteza, desafia a hierarquia e a autoridade e promove a aceitação “do outro” como legítima. (grifos nossos) Cfe.: MUNSLOW, Alun. Desconstruindo a história. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 245. 31 [...] Os motores da primeira revolução industrial, o tear mecânico e a máquina a vapor, instauraram o primeiro desemprego tecnológico em massa da história, mas, confirmando a “teoria dos grandes ciclos”, ao aumentar a produtividade, as máquinas tornaram os produtos mais baratos, aumentando a demanda, o consumo pelas massas[...] O mesmo ocorreu com a segunda revolução industrial, irrompida pela indústria automobilística[...] Agora, com a chamada terceira revolução industrial (da microeletrônica), dá-se pela primeira vez na história da humanidade, uma tecnologia capaz de economizar trabalho. Ou seja, a capacidade de racionalização é maior que a de expansão. De acordo com Robert Kurz, há menos trabalho do que o necessário para a expansão dos mercados e dos novos produtos. In.: ARAGÃO, Francisco José Alves de. Uma proposta "propedêuticotransdisciplinar" de ensino jurídico na pós-modernidade: estudo de caso da cátedra de "tópicos especiais em direito I", da Faculdade Christus. Fortaleza: Faculdade Christus, 2011., p. 70-71. 32 o Vide Nota de Rodapé n . 9. 33 Cfe.: ORTIZ. op. cit., p. 79.

17

Esse processo de mundialização fora marcado profundamente, entre outras coisas, pela diversificação de produtos e pela passagem de uma cozinha tradicional para uma cozinha industrial. Os alimentos descolaram de suas territorialidades para serem distribuídos em escala mundial, pelos grupos multinacionais. Rompeu-se, assim, a relação entre lugar e alimento, pois a comida industrial não possui nenhum vínculo territorial. Os pratos tradicionais foram sendo integrados à cozinha industrial, perdendo grande parte de sua singularidade. CASCUDO (2004) já prenunciara e repudiava, em 1967, todo um contexto que viria cada vez mais a se instalar e intensificar-se por todo o mundo: a refeição standardizada, padronizada, a mecânica dos self-services. Sua crítica é ácida e mordaz a esse respeito:

[...] O signo da velocidade anula e desmoraliza as demoradas preparações que orgulhavam os antigos gourmets. A industrialização dos alimentos reduz a cozinha a um armário de latas. A técnica essencial limita-se a saber abrir uma lata sem ferir os dedinhos. Um jantar egresso de latas é o ato de comer, mas não no nível de uma refeição. Para facilitar a ampliação mecânica da produção enlatada impõese a cozinha “internacional”, padronizando-se médias abstratas e convencionais de pratos que não são de nação alguma e menos constituíram alimentos regulares no tempo. Criação racionalista contra a tradição humana e lógica da preferência. Domina o cardápio de que ninguém gosta e com que todos se habituam. Uma cozinha “internacional” é a derradeira submissão humana à sugestão da propaganda comercial[...] Uma alimentação mecanizada, sequência de pratos escolhidos maquinalmente e trazida na ração individual, como tigre que recebe o naco sangrento, é uma homenagem ao Jardim Zoológico e aos Parques Animais. Uma vitória da falsa economia sobre a normalidade da alimentação. Do “progresso” contra a tradição valorizada da refeição. Comer de pé, elegendo os pratos pela pressão de uma mola, é modalidade de pasto, indispensável, justo, mas não-humano, nãonatural, não-social. Anúncio de refeições em latas, pastilhas, comprimidos, cápsulas, água sintética, pílulas contendo essência de café e chá, para findar, é uma padronização do robot sobre o sapiens. A mesa substituída pela mecânica dos self-services[...] A arte de comer, cerimonial festivo e íntimo, é um patrimônio que orgulha o homem, distiguindo-o do gorila, do orangotango e do chimpanzé, senhores de uma norma nutricinista bem superior à dos humanos[...] Todo animal sabe escolher e saborear seu alimento. Não sei se posso afirmar o mesmo dos meus semelhantes, implumes e bípedes. Comer para viver e viver para comer são formas excepcionais, irracionais e criminosas do direito de existir. Delitos contra a natureza selecionadora e lírica da espécie

18

humana. Tempo é dinheiro mas dinheiro não é tempo. Cronológico ou 34 dimensional . (grifos nossos)

Argumentação brilhante, para dizer o mínimo, dita em um momento em que ainda não se enxergava claramente o que seria o ápice da Solidariedade Mecanicista, indutora de todo o processo de coisificação do mundo35. O exemplo do McDonald’s é paradigmático para todo o contexto alimentar/ comensal desses novos tempos, que exprimiu um novo padrão alimentar, o fastfood, inicialmente, em sistema de drive in.36 O fast-food está ligado a uma profunda mudança nos hábitos alimentares, em decorrência da emergência e da rapidez da vida nas cidades. Não há mais tempo para se comer em casa, com a imposição desse novo ritmo do homem (Pós) moderno. Os primeiros drive-in já exprimiam uma adequação da refeição ao movimento dos automóveis. O fast-food o acelerou. No fundo, o que os irmãos McDonald’s fizeram foi aplicar o modelo de Taylorização37 conhecido nas fábricas, na produção de sanduíches e no atendimento ao cliente. E a outra questão crucial para o novo contexto alimentar fora a mudança radical que se estabeleceu com a abertura dos “super” e “hiper” mercados. Se antes

34

In.: CASCUDO., op. cit., p. 37-38. Sobre a questão das novas noções de tempo introduzidas pelo Capitalismo Industrial vide THOMPSON, E.P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das letras, 1998. 36 “[...] Em 1940, os irmãos McDonald’s abrem um drive-in em São Bernardino, ao lado de Los Angeles. Este tipo de restaurante floresce na Califórnia, incentivado pela abertura das rodovias e pela expansão da indústria automobilística[...] Eles observaram que 80% do consumo era de hambúrguer e resolveram simplificar as ofertas. Reformam o restaurante dentro de um novo tipo de atendimento. As mudanças principais são: padronização do menu, o cliente serve-se a si mesmo. [...] Inaugura-se assim uma fórmula rápida de servir e de comer[...] A cozinha é alterada. Limitado, o menu pode ser decomposto em operações rápidas, repetitivas[...] A equipe é composta, portanto, de especialistas.” (grifos nossos) In.: ORTIZ. Ibid., p. 82. 37 TAYLORISMO: Sistema de gerência científica defendida por Fred W. Taylor. Na visão de Taylor, a tarefa da gerência fabril foi determinar o melhor caminho do funcionário para fazer o emprego, fornecer os instrumentos próprios e o treinamento, e fornecer estímulos da boa realização. Ele rompeu cada emprego nos seus movimentos individuais, analisou esses para determinar que foram essenciais, e determinaram os funcionários com um cronômetro. Com o movimento desnecessário eliminado, o funcionário, depois de uma rotina parecida a uma máquina, ficou muito mais produtivo. In.: Britannica Encyclopedia Academic Edition. Disponível em >, Acesso em: 29.06.2012. 35

19

predominavam as relações pessoais (a simpatia do dono da loja e a familiaridade do lugar), agora predominam as relações impessoais. Os supermercados se constituíram no principal modo de abastecimento da população. Os estabelecimentos tradicionais começaram a declinar, pois os produtos foram deixando de ser comprados na “loja do lado”. Essa transformação, associada ao desenvolvimento de uma indústria agroalimentar, dissociou os alimentos do ritmo das estações. As conquistas tecnológicas libertaram, portanto, os alimentos do solo que os prendia às regiões. Na ponta do novo sistema, o restaurante nos sistemas de self-service e fastfood redefiniram o significado do que seja “refeição”. Esta que se constituía em uma verdadeira instituição social, agregando modos de vida dos grupos e classes sociais, passaria a ser vista como “arcaica”, “ultrapassada”. A “refeição”, que fora considerada pela Sociologia como o modelo de congregação dos membros da família, uma espécie de comunhão coletiva, um momento ritualístico da reunião de todos, a partilha da mesma mesa, a unidade da vida doméstica, viu-se modificada pelo mundo moderno38. A comunhão alimentar, tida como modo de se conseguir a estabilidade da família proletária, viu o mundo (Pós)moderno modificá-la de forma intensa (de início, nas grandes e médias cidades). Acrescentando ao que já nos disse CASCUDO (2004) sobre os novos sentidos dados à refeição, vejamos o que agrega ORTIZ (1994), acerca da refeição fragmentada, dessincronizada, deslocalizada:

[...] A refeição estruturada cedeu lugar a uma alimentação fragmentada; a refeição tradicional em horário fixo cedeu à refeição em horas variadas; em relação ao tempo e lugar em que os alimentos são ingeridos, ocorre uma dessincronização entre os membros da família, pois, se antes eles se sentavam à mesa em um momento comum, hoje cada um coordena o seu tempo em função de suas próprias atividades; há uma deslocalização do ato de comer, pois, se antes a refeição se concentrava em lugares

38

In.: ORTIZ., op. cit., p. 85.

20

39

fixos, hoje as novas modalidades alimentares favorecem a mobilidade . (grifos nossos)

O ritmo da alimentação, pautado agora pelas novas exigências da sociedade, desestruturou, fragmentou a instituição “refeição”. R. BARTHES (1970) nos diz que “a polissemia dos alimentos caracteriza a Modernidade”40. Cada situação social (a festa, o esporte, o lazer, o trabalho) conteria assim uma expressão alimentar. Por isso o autor citado infere que “tomar cafezinho, por exemplo, é percebido mais como um ato que reenvia à suspensão do trabalho, do que propriamente ao gosto do café”41. No mundo (Pós)moderno, o alimento perde em substância e ganha em circunstância, associando-se, assim, às situações nas quais ele é consumido. A circunstância é decorrente da funcionalidade das coisas, não de suas identidades (ligadas à substância). A circunstância é, desse modo, móvel, circular. Nesse novo mundo funcional, os alimentos perderam a fixidez dos territórios e dos costumes, não havendo mais centralidade nem oposição entre alimentos autóctones e estrangeiros. Entrementes, para finalizarmos este debate sobre o percurso históricoontológico da questão alimentar e comensal humana, devemos apontar as tendências para o futuro. É o que faremos agora, ancorados na obra de ATTALI (2001):

7

O FUTURO ALIMENTAR E COMENSAL

Corroborando com as noções de circunstância e de circularidade, e em detrimento das de substância e identidade, as expectativas no tocante ao “gosto” é a

39

Ibid., p. 85. BARTHES, R. Apud ORTIZ, Renato. Ibid., p. 86. 41 BARTHES, R. Apud ORTIZ, Renato. Ibid., p. 87. 40

21

de que essa sensação/ percepção tenderá a se uniformizar, homogeneizar-se. É o que vemos nesta rápida passagem da obra futurológica de ATTALI (2001):

[...] A demanda de cereais, em especial, aumentará em proporções considerável no Sul, em decorrência do aumento da demanda de carne e da uniformização do gosto, que induz a consumir produtos originários da 42 zona temperada. (trigo, milho, algodão) .

De acordo com esse autor, comer nunca será um ato inocente, pois “além do prazer do paladar (gosto), um produto alimentar serve também para denotar, para quem o consome, a apropriação de uma força vital e a filiação a um grupo”43. Tanto mais que em todos os lugares onde o consumo for solvente, a alimentação ocupará cada vez mais o tempo. As pessoas se alimentarão constantemente, fora das refeições, nos transportes, no escritório, nos espetáculos, em bandejas, sem prato, com os dedos, etc. Segundo a projeção que faz esse autor acerca do contexto alimentar/ comensal humano para o decorrer do Século XXI, há quatro funções esperadas para a alimentação/ comensalidade e que se espera que sejam cumpridas. Vejamos a primeira delas, a da alimentação como tratamento:

[...] Tratar: o alimento se aproximará da terapêutica. As pessoas desejarão, ao comer, limpar-se de tudo que o mundo veicula em matéria de impurezas reais ou imaginárias. Algumas só aceitarão produtos puros, isentos de qualquer gordura, de qualquer colorante ou aditivo, de qualquer mutação genética artificial. Vai-se comer cada vez menos carne, e talvez se pare de todo. O peixe natural será um luxo. Serão consumidos basicamente produtos vegetais ou lácteos, alimentos ligados a um ideal de plenitude ou permitindo precaver-se contra uma doença. A eles serão misturados medicamentos, genéricos ou protegidos por patente, para tratamento (nutracética). Graças à genética, vai-se entender melhor para que serve o alimento e como é afetado pelas especificidades de cada indivíduo. A tendência será então para uma alimentação sob medida. Os ricos, finalmente, procurarão prevenir-se contra os riscos de sobrecarga ponderal

42 43

ATTALI, Jacques. Dicionário do Séc. XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 42. Ibid., p. 55.

22

(em 2050, no ritmo atual, todos os americanos serão obesos) nossos)

44

(grifos

Como percebemos, essa função aponta para uma integração alimentar à terapêutica, à medicina, à pureza, à limpeza. Pelo visto, a obstinação civilizacional de que tratamos alhures continuará ad eternum e, no caso alimentar, os sentidos que serão incorporados a esse ato serão muitíssimos. Como se aponta, não podemos vislumbrar comensalidade em uma “alimentação sob medida”, individual. Neste caso, o sentido de “filiação a um grupo”, dito anteriormente, transpassará a questão alimentar ou comensal original, sendo estas apenas vetores ou atividades-meio para alcançar novos objetivos ou finalidades completamente diversas em relação à comida e ao alimento. Vejamos

agora

a

segunda

função

esperada

para

a

alimentação/

comensalidade: a alimentação como distração:

[...] Distrair-se: o alimento será pretexto para viajar, descobrir uma forma original de nomadismo virtual. As pessoas comerão cada vez mais pratos originários de civilizações cada vez mais distantes, sob a forma de cardápios mistos, de misturas inéditas, viagens mestiças feitas sob medida. Será este o eixo da gastronomia. A alimentação será pretexto para jogos e espetáculos. E às vezes também para jogos proibidos, 45 transgressões. (grifos nossos)

Depreendemos, pelo exposto nesta função, a integração cada vez maior entre alimentação e turismo, diversão, ócio, aproximações gastronômicas, jogos. Aqui se verifica um novo arranjo, de ímpeto conciliador, pois como vimos nas críticas feitas alhures por teóricos mais conservadores, uma cozinha internacional seria uma submissão à lógica mercadológica globalizada, uma renúncia à tradição em favor de padronizações impostas pela indústria multinacional e sua propaganda de massa.

44 45

Ibid., p. 55. Ibid., p. 56.

23

Todavia, o sentido apontado por essa função inverte a lógica da aversão da alimentação tradicional à “nova alimentação/ standard/ internacional”, para um viés positivo, destarte, viabilizado por uma integração mundial de alimentos, agregando misturas inéditas proporcionadas pelas aproximações culturais, antes distantes. É esse o eixo da nova gastronomia que, com tanta novidade no cardápio, penderá para o espetáculo, para o show e até para transgressões culturais, diz a função elencada. Passemos à terceira função esperada para a alimentação/ comensalidade: a alimentação como pertencimento:

[...] Pertencer: Comer será o último elo entre indivíduos solitários, nostálgicos de uma certa vida coletiva, das refeições de festa. Os alimentos deverão permitir ao solitário acreditar que ainda leva, a sua maneira, uma vida de família equilibrada. As pessoas pertencerão a clubes de associação dos que consomem um mesmo produto e carregam seu emblema distintivo; serão imaginados produtos específicos a cada signo astral; ou concebidos e embalados para serem consumidos em grupo (um pacote de iogurtes diferentes com a indicação “Ela” e “Ele”; pratos preparados para avós e criancinhas; chocolates de tamanhos diferentes 46 para irmãos e irmãs, etc.) (grifos nossos)

Esta função é, para nós, a “comensalidade” em seu estágio de pico PósModerno, em seu estágio-limite. Caberá à comensalidade, na visão do autor citado, tentar religar o companheirismo, a percepção de certo tipo de família, quando esta, na realidade, não existirá mais. Como vimos anteriormente, já se sedimentou a dessincronização e a deslocalização entre os membros da família, com relação ao tempo e ao ato de comer. A família do futuro, ademais, estará cada vez mais desintegrada, fragmentada, desunida. Então, as futuras regras de comensalidade tenderão a levar esse ato, no limite, a reunir pessoas “as mais diversas” pelo consumo de alimentos em virtude de

46

Ibid., p. 56.

24

gostos em comum, e não pelo sentido original de “refeição”, de âmbito familiar, tradicional, já debatido alhures. Isso é, a nosso ver, uma tentativa de tornar as relações comensais mais pessoais, em um tempo de total impessoalidade. Uma tentativa de reviver experiências que já não estarão mais acessíveis, como as de comensalidade familiar. A experiência, enfim, de uma “utopia saudosista”, malgrado o termo assíncrono. Por último, a quarta função esperada à alimentação/ comensalidade elencada pelo eminente autor citado: a alimentação como um fazer:

[...] Fazer: Uma outra tendência forte consistirá na volta, através do simulacro, à cozinha feita à mão, sob medida. Como na música, na qual o karaokê dá a ilusão de poder fazê-la e de ser uma estrela, as pessoas gostarão de bancar o chef de cozinha. Para isto, comprarão ingredientes alimentares e os prepararão a seu gosto_ “cozinha Lego”_continuando ao mesmo tempo a misturar gastronomia, turismo e 47 terapêutica. (grifos nossos)

Esta função sintetiza, a nosso ver, a noção de Sujeito Pós-Moderno. Para além da identidade unificada e estável que detinham as pessoas na Idade Média, para além do sujeito heterônomo, identificado ao seu grupo social ou estereotipado, da Idade Moderna, a identidade na contemporaneidade está se tornando mais e mais fragmentada48. Assim, um sujeito pós-moderno, ao se revestir de várias identidades, poderá ser o que quiser, utilizar a persona que quiser, “brincar” do que quiser, inclusive de 47

Ibid., p. 56. “[...] o sujeito pós-moderno é conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia.” (grifos nossos) In.: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de 0 Janeiro: DP&A, 2006., p. 13. /(vide também nota-de-rodapé n . 9)/ 48

25

chef de cozinha, misturando os muitos alimentos disponibilizados em escala mundial, em uma terapêutica proporcionada pela “Cozinha Lego”, ou seja, uma “cozinha que eu monto do meu jeito”49.

8

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos concluir a presente escritura esclarecendo que, apesar de todos os conceitos e tendências aqui elencadas, a cultura e a natureza humanas não são estáveis, imutáveis; pelo contrário, são instáveis, estão sempre em processamento, em mudança. Portanto, não há nenhuma pretensão de estabelecer aqui verdades absolutas. Nosso intuito e objetivo, com estas breves linhas, foi o de situar o intérprete leitor acerca do percurso histórico-alimentar/ comensal através do tempo e do espaço, evidenciando os embates ontológicos entre alimento/ alimentação x comida/ comensalidade, no contexto dos conceitos de natureza e cultura. Se essas fórmulas e previsões se concretizarão ou não, só a passagem do tempo revelará e, ainda assim, uma vez concretizadas, terão sempre caráter provisório, instável. É isto que nos faz humanos: a inesgotabilidade do sentido. Uma coisa sabemos: “comer” envolverá sempre “emoção”, “memória”, “sentimento”, não importando, para isto, as formas de famílias ou grupos humanos que teremos no infinito futuro.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Francisco José Alves de. Uma proposta "propedêuticotransdisciplinar" de ensino jurídico na pós-modernidade: estudo de caso da cátedra de "tópicos especiais em direito I", da Faculdade Christus. Fortaleza: Faculdade Christus, 2011.

49

Consideração nossa.

26

ASIMOV, Isaac. Cronologia das ciências e das descobertas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. ATTALI, Jacques. Dicionário do Séc. XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001 Britannica Encyclopedia http://www.britannica.com>>.

Academic

Edition.

Disponível

em

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