ALMEIDA FILHO, André Luiz Ribeiro de. Relações e Perspectivas Angolanas com a América Latina - Da Independência ao Presente

July 13, 2017 | Autor: A. Ribeiro de Alm... | Categoria: Angola, Relações Internacionais, América Latina, Povos Indígenas, História da África
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES Centro de Estudos Afro-Asiáticos Núcleo de Educação a Distância Pós-Graduação lato sensu

HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO NEGRO NO BRASIL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

André Luiz Ribeiro de Almeida Filho Turma: 302 Relações e perspectivas angolanas com a América Latina: Da independência ao presente

RIO DE JANEIRO ABRIL/2014 1

Resumo A proposta do presente trabalho é a de analisar as relações de Angola com três países da América Latina, que são Cuba, Brasil e Bolívia. O trabalho busca apontar através de um panorama histórico, ações que podem ser empregadas em Angola, levando em consideração a história compartilhada – no caso de Cuba e Brasil – e da conjuntura internacional de 1960 até a primeira década do século XXI, onde mudanças em países como a Bolívia, que apesar de não possuir um laço histórico com Angola como os demais, oferece exemplos de solução para questões que países como Angola também possuem. Palavras chaves: História da África, Angola, América Latina, Relações Internacionais, Povos Indígenas.

Resumen La propuesta del presente trabajo es la análisis de las relaciones de Angola con tres países de Latinoamérica, son ellos Cuba, Brasil y Bolivia. El trabajo busca apuntar atreves de un panorama histórico, acciones que pueden ser empleadas en Angola, llevando en cuenta la historia compartida – no caso de Cuba y Brasil – y de la coyuntura internacional de 1960 hasta la primera década del siglo XXI donde cambios en países como la Bolivia, que pesar no poseer un lazo histórico con Angola como los demás, oferta ejemplos de soluciones para cuestiones que países como Angola también tienen. Palabras claves: Historia de África, Angola, Latinoamérica, Relaciones Internacionales, Pueblos Indígenas.

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SUMÁRIO

Introdução .................................................................................................................... 04 I – Independência e assistência cubana ......................................................................... 06 II – Brasil e relações Sul-Sul ......................................................................................... 09 III – Bolívia e o pensar um estado plurinacional ........................................................... 13 Considerações finais .................................................................................................... 18 Referências bibliográficas ........................................................................................... 20

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Introdução Angola é um país africano, independente desde 1975, e que nasceu em uma conjuntura ambígua. Se por um lado a polarização da Guerra Fria permitiu que Angola saísse do modelo colonial imposto por Portugal, também permitiu que uma guerra civil eclodisse por mais de 40 anos. Se no início pela busca da independência, alcançada esta, o conflito perdurou pelos interesses de grupos locais e estrangeiros, com a finalidade de obter o poder e direcionar o país a sua corrente “ideológica”. Numa analise simplista tivemos o conflito ideológico internacional entre Comunismo e Capitalismo, onde os interesses sociais e econômicos envolvidos, além das realidades locais, muitas vezes superavam esse conflito principal, buscando um nacionalismo onde elementos dos dois blocos ideológicos interagiam. Nesse contexto, o não alinhamento adotado por vários países recém independentes ou não, se tornou uma opção, mas as pressões e o aliciamento advindos principalmente do bloco capitalista, aliado a instabilidade de alguns dos países componentes, tornaram os não alinhados não tão fortes quanto poderiam ser. Durante as décadas de 60 e 70 do século XX, Cuba participou com apoio direto de movimentos pró-independência em alguns países africanos. Bloqueada de dar apoio aos movimentos de esquerda na América Latina, para que a Revolução iniciada em 1959 fosse ampliada, não havia espaço para auxilio cubano a não ser na distante África. Se distante geograficamente, muito menos pelo âmbito cultural, visto que na história colonial cubana este país foi um receptor de escravos africanos tanto quanto o Brasil, possuindo uma população negra significativa e consequentemente uma cultura próxima da existente em África. Se bem que o apoio cubano se inicia num país islâmico e árabe, a Argélia, mas essa foi a primeira oportunidade de auxilio internacional, e conforme o modelo de política internacionalista adotada por Cuba, que visava o apoio indistinto às nações que solicitassem, essa acabou sendo a primeira missão de assistência Cubana na África. Em apoio à Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLN), estava iniciado o apoio contra a dominação colonialista e imperialista, fosse dos EUA ou da Europa. Cuba de fato foi um país de muita relevância para o processo de independência africano, não se podendo dizer muito do Brasil. Em 1964 foi dado um golpe de Estado com apoio dos EUA, derrubando o governo legítimo e democraticamente eleito de João Goulart. O Brasil que em sua história republicana pouca participação havia dado à sua população, mais uma vez lhes afastava da política, mal este que se tornou uma 4

característica da sociedade brasileira, o desinteresse político. Mas se por um lado o governo militar se posicionava de forma inconstitucional e arbitrária internamente, na política externa o posicionamento foi outro. Antes da deposição de João Goulart, a posição brasileira já era autonomista, simpática ao não alinhamento. Essa política independente da influência dos blocos conflitantes da Guerra Fria, fez com que os EUA apoiassem a implantação de uma ditadura militar no Brasil, só não haveriam de esperar que no tocante às relações internacionais os governos militares mantivessem as diretrizes universalista e autônoma da inserção internacional do Brasil. Cabe ressalva que tanto antes do Golpe Militar de 1964, a posição do Brasil quanto aos movimentos de independência africanos não foi de apoio. Se na questão argelina o Brasil esperava que “espontaneamente a França concedesse a independência política à Argélia, em respeito à autodeterminação dos povos”1, quando Portugal estava envolvido o posicionamento era outro, mesmo que estivesse sendo implementada uma política externa independente. Em discurso proferido em 1963 por Juscelino Kubitschek em visita a Portugal, declarava que: tenho para comigo que a política externa do Brasil só pode ser uma: aquela que melhor convier aos interesses de Portugal. Mesmo quando fui presidente da República, nunca fiz distinção entre a política externa do Brasil e a política externa de Portugal. As fronteiras entre Portugal e Brasil acabarão por extinguir-se.2

Um pouco distante das influencias diretas dos acontecimentos globais, e alheia às interferências ocorridas tanto para o auxílio quanto para prejudicar os países africanos, a Bolívia em 1964 também entrava na sua ditadura militar. Mas a Bolívia neste trabalho nos é interessante a partir da ascensão de Evo Morales em 2006, como o primeiro indígena eleito presidente por voto popular. As reformas implementadas pelo governo Morales na Bolívia, com especial atenção às mudanças de status do país como pluricultural, nos apontarão um modelo onde países que possuem grupos étnicos distintos devem se ater, buscando uma harmonização política com esses grupos e suas identificações e participações como elementos na construção do Estado Nacional. A Bolívia assim como os demais países no mundo, seguindo as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde sua convenção de 1957, trata a questão indígena por uma lógica de integração, etnocêntrica e preconceituosa, pautada numa teoria de

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ALTEMANI, Henrique. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 97. Ibidem, p. 103.

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evolução linear, onde todas as sociedades passariam pelos mesmos estágios evolutivos. Tal ponto de vista teórico reforça a tendência em não se trabalhar os Estados como pluriculturais e multiétnicos, mantendo o Estado Unitário uma posição hostil às políticas de atendimento aos grupos indígenas, encarando-os como elementos desagregadores do Estado ainda em formação.3 Com base nesses três países, as relações de Angola com Cuba e Brasil, e o exemplo Boliviano de diálogo com os grupos étnicos componentes de sua sociedade, servindo de sugestão a Angola, o panorama que se pretende elaborar servirá de forma ampla, não apenas as relações políticas entre os países analisados, mas a todo tipo de relação África – América Latina. Independência e assistência cubana Partindo do início dos movimentos pró-independência, as configurações político-ideológicas e o contexto internacional de Guerra Fria, além do fim do regime salazarista, temos uma apresentação da situação angolana no início de seu processo de independência. No tocante ao viés ideológico, segundo elementos que compuseram os antigos quadros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), os integrantes do partido não eram adeptos dos conceitos marxistas, mas isto teria sido apenas um facilitador em angariar apoio para a luta pela independência. O que de fato se sucedeu, inclusive, e com importante auxilio cubano no processo.4 A derrocada do regime salazarista com a queda de Marcelo Caetano em 1974 após a Revolução dos Cravos em Portugal, enfraqueceu o aparato colonial português convertendo os esforços à mesa de negociação. Porém, se Portugal saía da cena possibilitando o diálogo para a independência de Angola, outros países, africanos e ocidentais, procuravam se infiltrar no jogo político nacional, para lançarem bases que lhes favoreceriam. Angola além das questões políticas que era empurrada para um ou outro principio ideológico, possuía ainda uma questão étnica que já existia durante a independência, e que permanece na atualidade, como elemento de rixas políticopartidárias. O MPLA ao se consolidar no poder do novo país, concentrou seu poder 3

CAMARGO, Alfredo José Cavalcanti Jordão de. Bolívia - A Criação de um Novo País: a Ascensão do Poder Político Autóctone das Civilizações pré-Colombianas a Evo Morales. Brasília: FUNAG, 2006, p. 176. 4 BITTENCOURT, Marcelo. Angola - Tradição, modernidade e cultura política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 3.

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político sobre bases étnicas, desagradando a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) que apelava para essa questão em seus discursos. Mesmo sem uma consciência de justiça social como base na formação de um Estado justo e recémindependente, fatores que compreenderíamos como naturais devido à cooperação cubana e o exemplo de sua transformação no campo social após sua Revolução pouco foram explorados pelos angolanos. Antes de auxiliar os angolanos, Cuba já havia dado importante apoio à Argélia, Guiné-Bissau e Congo. Não apenas com força militar ou de inteligência, Cuba enviou médicos e recebeu alunos, oferecendo bolsas de estudo com a intenção de especializar indivíduos para ocupar os postos dos, no caso de Angola, portugueses que se foram, fazendo parar a máquina pública e os serviços vitais. Muitas das questões internacionalistas e anti-imperialismo que Cuba levou para a África eram desconhecidas ou não era compartilhada pelos africanos. Das hierarquias mais altas à população mais simples, o desinteresse ou falta de envolvimento com as operações ou com o desenrolar das próprias questões políticas nacionais, foi um desestimulante para a participação cubana. Che Guevara quando do infortúnio no Congo percebeu bem essas questões. As relações de Cuba com outros grupos que lutavam pela independência embasaram bem essa divergência. Tanto no MPLA, como no Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), os cubanos perceberam que as divergências dentro da África não eram superadas com o sentimento de identificação do inimigo comum, o imperialismo (entenda-se estadunidense e europeu). Diferente do que muitos pensam, Cuba não era um “satélite” da ex-União Soviética.5 Muito por sinal desagradava a Moscou as atitudes autônomas que Havana tomava. Mas apesar de Havana testar a paciência da diplomacia Soviética, esta tinha uma dívida com aquela. Moscou dependia de Havana como ícone idológico, e tirar-lhe o apoio teria mais efeitos negativos para si do que para a própria ilha. Cuba, que não poderia ser considerada autossuficiente nem independente da economia do bloco socialista, a qual foi jogada graças às políticas americanas que ao invés de cooptar o governo revolucionário de 1959, dando respaldo a conquista dos anseios do povo, optou por criminalizá-lo, visto que a postura nacionalista adotada a partir de 1959 desagradava profundamente os capitalistas americanos que na ilha investiam. Apesar das incertezas sob as quais vivia em termos econômicos, Cuba deu suporte de pessoal e material às 5

GLEIJESES, Piero. Misiones en Conflicto: La Habana, Washington y África. 1959-1976. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2007, p. 581.

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incipientes nações africanas que buscavam sua independência. Enfrentou o posicionamento soviético, atacando a falta de compromisso deste com o apoio aos países que lutavam contra o imperialismo, enquanto que a União Soviética buscava uma distensão, um equilíbrio com os Estados Unidos a fim de manter uma coexistência pacífica. Se não bastassem as questões de interesse externo, a União Soviética não confiava no MPLA, e ainda suspeitava de interesses brasileiros em Angola, visto o rápido reconhecimento dado à recém-independente República Popular de Angola. Para os soviéticos era uma atitude suspeita que pudesse ter a influência dos EUA, visto que para o Brasil seria fácil lidar com o MPLA.6 O apoio cubano foi diversificado, repercutindo em ações que permitiram a independência da Namíbia, e o fim do governo racista na África do Sul, depois do revés militar em 1975 na Operação Carlota, onde tropas sul-africanas com apoio dos EUA e da França foram rechaçadas e tiveram que retornar ao seu território. Em Angola, quando do auxilio a província de Cabinda, era notório o distanciamento da população com o projeto nacionalista, os cubanos auxiliaram para dar coesão ao MPLA e angariaram o apoio da população, principalmente através assistência de saúde, educação e construção. Além de Angola, cubanos trabalharam em Moçambique, Cabo Verde, Guiné, GuinéBissau, Etiópia, São Tomé e Príncipe, Tanzânia, Congo e Benin.7 O papel da participação cubana na África, e em especial em Angola tem sido pouco ou nada abordado. Mesmo após o colapso da União Soviética em 1991, Cuba ainda manteve seu apoio internacionalista, como em 2002, havia ainda mais de 2000 médicos cubanos em 21 países africanos, vivendo e trabalhando nas áreas mais pobres. O exemplo cubano, de um país pobre ajudando outro país pobre, como o que é feito há quatro décadas, desde que os cubanos foram para Argélia, são um dos maiores exemplos que Angola pode ter de tudo que Cuba representou para sua independência e de seu povo.8 Em recente notícia, o governador da província angolana de Huila, Joao Tyipinge, em visita realizada ao país pelo chanceler cubano Bruno Rodríguez em 3 de dezembro de 2013, agradeceu o gesto solidário de Cuba “primero para combatir al enemigo y hoy por ayudarnos a eliminar el hambre y la pobreza”. Lamentou também o embargo aplicado pelos EUA sobre a ilha, afirmando o apoio angolano para com Cuba, e terminou emocionado afirmando “Nosotros (y los cubanos) somos hermanos 6

GLEIJESES, 2007, p. 569. Ibidem, p. 609. 8 Ibidem, p. 612. 7

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especiales, batallamos juntos, luchamos juntos y pasamos juntos los momentos más difíciles en nuestro país, y Cuba fue una de las naciones que más nos ayudó en el momento crucial para obtener la independencia final”.9 O papel da participação cubana em África, e em especial seu apoio a Angola devem sempre ser lembrados. Com toda a adversidade imposta e demonização midiática que sofre desde sua Revolução em 1959, Cuba ainda é um exemplo de internacionalismo desinteressado. Um país comprometido com a ajuda mútua entre os povos. En Julio de 1991, Nelson Mandela visito La Habana escribiendo en esa ocasión el epitafio para la historia de la ayuda de Cuba a África durante la guerra fría. Sus palabras provocaron “una ola de censura” en los Estados Unidos. “Venimos aquí con el sentimiento de la gran deuda que hemos contraído con el pueblo de Cuba”, dijo. “¿Qué otro país tiene una historia de mayor altruismo que la que Cuba puso de manifiesto en sus relaciones con África?”10

Brasil e relações Sul-Sul En una breve ceremonia en el palacio del gobernador “en que no estuvo presente ningún angolano”, el alto comisionado portugués, almirante Leonel Cardoso, anunció que en nombre del presidente de Portugal transfería la soberanía al “pueblo angolano”. La declaración de Cardoso, observaba el Times, confirma la política de Portugal de no entregar el poder a ninguno de los tres movimientos de liberación. Se arrió la bandera de Portugal y Cardoso dejó el palacio en una limosina negra rodeado de sus tropas. Varios helicópteros volaron sobre la columna según se dirigía al puerto, donde esperaban tres transportadores. La Agencia France Press decía: “Así fue como Portugal puso fin hoy, con poca gloria y nada de pompas y ceremonias, a casi cinco siglos de dominio colonial.”11

E assim Portugal não apenas deixava um país sem governo e sem estrutura, mas sem referências. Durante o período colonial, Portugal remodelou a sociedade Angolana, introduziu novas estruturas e modificou, assim como todos os países que participaram do processo de colonização da África, todos os elementos de identificação e organização que pudessem fazer objeções ou trazer problemas ao projeto colonial. Angola, a partir de sua data de independência, ficou imobilizada para recolocar em funcionamento a máquina administrativa. Mesmo com o apoio cubano no início, 9

AGRADECE gobernador de provincia angoleña solidaridad de Cuba. Radio Havana Cuba, Havana, 3 dez. 2013. Nacionales. Disponível em: < http://radiohc.cu/noticias/nacionales/7475-agradece-gobernadorde-provincia-angolena-solidaridad-de-cuba >. Acesso em: 11 mar. 2014. 10 GLEIJESES, 2007, p. 613. 11 Ibidem, p. 488.

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ainda seria necessário esperar o final da guerra civil em 2002 para se reorganizar politicamente e estruturalmente, passando a se integrar ao comércio global. Angola e Brasil não possuem expressivos laços históricos contemporâneos. Ambos ex-colônias portuguesas, Angola foi fornecedor de escravos não só para o Brasil mas para outros países no período colonial até o final do século XIX. Uma cultura parecida devido a essa “colonização negra” tendo em vista o número de escravos que ao Brasil chegaram, Angola e Brasil são potenciais parceiros quando os assuntos envolvem África e América Latina. Durante os governos anteriores ao Golpe Militar de 1964, os governos civis de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, mantiveram uma postura independente, de não alinhamento com os blocos ideológicos na Guerra Fria. Principalmente após o governo de JK, em que o Brasil passou por um forte crescimento industrial, os curtos governos seguintes buscaram ampliar seus parceiros comerciais no mundo. Nesse aspecto, Jânio Quadros conferiu destaque às relações com países em desenvolvimento. Um dos objetivos de Jânio era constituir um grupo de trabalho com o objetivo de preparar a representação diplomática brasileira nos novos Estados africanos, reexaminando a política brasileira no continente em todos os seus aspectos, principalmente no político, cultural e econômico.12 Se durante o governo JK, segundo palavras do próprio, a política externa brasileira deveria estar em sintonia com a política externa portuguesa, nos curtos governos anteriores a 1964, o esboço de uma política externa independente e direcionada apenas aos interesses do Brasil haviam lançado suas bases. Durante os debates na ONU em 1961, sobre a questão angolana, a posição declarada da delegação brasileira foi que apesar dos laços históricos com Portugal a posição anticolonial brasileira prevaleceria.13 Embora não claramente explicitado, a tentativa de relacionamento comercial com a África naquele momento pode ser considerado como resultado da tomada de consciência inicial das desigualdades no plano internacional e da necessidade e conveniência de um relacionamento entre os países em desenvolvimento, não intermediado pelas grandes potências do Norte industrializado.14

12

ALTEMANI, 2005, p. 93. Ibidem, p. 97. 14 Ibidem, p. 102. 13

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Após 1964 a política externa brasileira em relação à África muda um pouco de configuração. Passa a ser compreendido que sem o apoio de Portugal o Brasil não teria acesso ao continente, afastando-se da linha africanista elaborada por Quadros e Goulart. Além do mais outra coisa estava em jogo, a segurança do Atlântico Sul. Os governos militares deram ênfase a essa questão, buscando uma estabilidade na região, entre América e África com tendência ocidental, o que envolvia uma relação positiva com Angola (Portugal) e África do Sul. Portugal passa a ser considerado mais importante do que a África em si, visto que se nesse continente Portugal era uma porta de entrada, também o era para os produtos brasileiros no mercado europeu. Dentro do projeto de Brasil Potência elaborado durante o governo Médici, a dificuldade em encontrar espaço nos mercados industrializados do norte alterou as expectativas e o direcionamento da atenção do governo em busca de potenciais novos compradores. É dentro desse quadro que se pode entender a prioridade que a política do Itamaraty passou a conferir à cooperação Sul-Sul e, particularmente, às relações com América e a África Meridional, regiões onde, por razões históricas e geográficas, o Brasil teria condições de maximizar suas “vantagens comparativas”.15

O Brasil mantinha assim uma posição ambígua, onde se por um lado propagava o direito a autodeterminação dos povos e a resolução de conflitos de forma não belicosa, por outro se abstinha de ir contra o posicionamento português no tratamento de suas colônias. Somente após as mudanças ocorridas em Portugal em 25 de abril de 1974, com a Revolução dos Cravos, permitiram ao Brasil liberdade para romper o apoio que havia mantido à posição portuguesa para com a África.16 Objetivando manter seu projeto de diversificação de parcerias, e sob risco de boicote no fornecimento de petróleo pelos países árabes, tendo em vista sua posição dúbia ou falta de apoio para questões internacionais, o Brasil opta por tomar algumas medidas que passam a afirmar claramente qual o seu posicionamento internacional, entre eles “o reconhecimento da independência de Angola e do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) como o legítimo representante do povo angolano”17. Até o final da Ditadura no Brasil, e nos primeiros governos democraticamente eleitos, as relações com a África, e em especial com Angola, foram as mesmas com tendências a encolher, principalmente devido as consequências da crise econômica dos 15

ALTEMANI, 2005, p. 144. Ibidem, p. 148. 17 Ibidem, p. 153. 16

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anos 80, onde a política de incentivos à exportação subsidiada de bens e serviços pelo Brasil foi encerrada. Nos governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso as diretrizes básicas de uma política externa independente, lançadas no governo Jânio Quadros em 1961 serão retomadas. O governo Lula, a partir de 2003 também irá manter essa linha independente, diversificando parcerias comerciais no cenário internacional. Talvez devido ao projeto social desenvolvido no governo Lula, entre as diversas questões trabalhadas, as que envolvem identidade e que tem por base a formação cultural do Brasil, diversificada e dinâmica, certamente foram responsáveis por trazer à discussão temas que as elites brasileiras sempre evitaram conversar e muitos ainda fazem vista grossa por puro preconceito e desconhecimento do processo histórico brasileiro. Processo esse que envolve inevitavelmente a África. As políticas que mais resultados trouxeram à sociedade brasileira nos governos Lula (2003-2011) foram as de alcance social. Numa sociedade onde a maioria dos pobres também é negra, e justamente quando políticas do governo atendem essa parcela da sociedade, recolocando-os em meio a grupos sociais – em geral brancos, como a elite histórica do Brasil –, uma sensação de insatisfação e repúdio afloram, e devido a ausência de debate sobre a própria história do país, onde esses grupos antes ocupavam a marginalidade, o preconceito antes velado sob o manto da “democracia racial” se torna destaque através de casos pontuais de racismo e de ataques diversos ao governo. O mal estar gerado nos grupos não negros no Brasil indica que as políticas sociais e assistencialistas, mesmo com os defeitos que possam ser encontrados, atenderam seu propósito, e de forma indireta criaram um ambiente favorável ao debate e a pesquisa quanto à situação do negro no Brasil, sua trajetória histórica e o resgate de identidade, aproximando o país da África e permitindo a implantação de projetos de combate ao racismo. A constituição de um momento onde a história nacional possa ser revisitada, questões possam ser rediscutidas e compreendias, seja no tocante aos mais pobres quanto ao racismo, é inevitável que tais caminhos nos conduzam o debate ou a pesquisa à África, no passado ou no presente. E antes de Brasil e Angola verem-se como potenciais parceiros comerciais, visto que o laço sociocultural é muito mais complexo, podemos sugerir que ambos busquem-se no outro um intercâmbio sociocultural, principalmente devido à presença de grupos étnicos angolanos que ajudaram a colonizar o Brasil. Assim o Brasil poderá revendo sua história, auxiliar Angola a fazer o mesmo 12

na sua, a (re)construir laços entre seus grupos étnicos, descendentes de traficados e nativos, dialogando também com os grupos não negros que participaram na construção de ambos os países. Assim como no Brasil, essas ações devem visar ao diálogo, ao debate para a construção do conhecimento histórico com a participação da sociedade e dos grupos diretamente envolvidos – no caso do Brasil as comunidades Quilombolas –, e consequentemente a elaboração de políticas públicas que combatam o racismo.18 Relacionando o aspecto sociocultural com o econômico, o Brasil deve se lembrar que: é o único país sul-americano que é também negro e que tem excelentes oportunidades econômicas no território subsaariano, em infraestrutura e serviços, mas também na indústria e na capacitação da sua mão de obra. Entretanto, para manter sua decisão estratégica e conquistar espaços, o Brasil tem que estar disposto e preparado para enfrentar a pesada concorrência das velhas e novas potências, como China e Índia, que tem muito maior capacidade imediata de mobilização econômica e militar. E terá que começar pela conscientização e mobilização da sua própria sociedade, e em particular, de suas elites brancas que sempre tiveram enorme dificuldade de reconhecer, aceitar e valorizar as raízes africanas e negras do seu próprio país.19

Bolívia e o pensar um estado plurinacional Disposições relativas à proteção dos aborígines, dos missionários e dos viajantes, assim como a liberdade religiosa. Todas as Potências que exercem direitos de soberania ou uma influência nos referidos territórios, comprometem-se a velar pela conservação das populações aborígines e pela melhoria de suas condições morais e materiais de existência e em cooperar na supressão da escravatura e principalmente no tráfico dos negros; elas protegerão e favorecerão, sem distinção de nacionalidade ou de culto, todas as instituições e empresas religiosas, científicas ou de caridade, criadas e organizadas para esses fins ou que tendam a instruir os indígenas e a lhes fazer compreender e apreciar as vantagens da civilização.20

Desde a realização da Conferência de Berlim em 1885 com o objetivo de partilhar o continente africano entre as nações imperialistas europeias, as ideias de domínio e colonização, territorial e cultural, se sobressaíram à proposta de “conservação 18

MANO, Maíra Kubik. Ponte sobre o Atlântico - Os novos ventos do sul. IPEA, Salvador, Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2862:catid%3D28 &Itemid=23 >. Acesso em: 12 mar. 2014. 19 FIORI, José Luiz. O Brasil e a África Negra. 30 nov. 2013. Controvérsia. Disponível em: < http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=17300&utm_source=twitterfeed&utm_mediu m=twitter >. Acesso em 12 mar. 2014. 20 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Berlim. Ata geral da reunião realizada no dia 26 de fevereiro de 1885. p. 3 Art. 6.

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das populações”. No caso angolano, o reflexo do projeto colonizador, com o intuito de desarticular os diversos grupos étnicos, se dará em 1926 através de um projeto da Sociedade de Geografia de Lisboa. Esta, criada em 1875, tornou possível a elaboração de projetos para a exploração da África.21 Com o desmonte de seus território e grupamentos étnicos originais, os nativos angolanos procuraram preservar os valores fundamentais de suas identidades, sob estruturas fabricadas e impostas pelo colonizador de forma discriminatória. Como consequência, acabou-se por facilitar a construção de uma identidade angolana. Mesmo com o projeto colonial, os grandes

grupos

étnicos

de

angola

permaneceram com sua relação local de identidade cultural. Como observação ao mapa que reporta a disposição étnica no território angolano durante os conflitos no processo de independência,22 este dá base para

compreensão

do

apoio

que

as

entidades belicosas, que buscavam dominar o cenário político na Angola independente, recebiam dos grupos que se identificavam com cada entidade, conforme sua origem. Assim, enquanto a UNITA recebia o apoio dos Ovimbundo, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) baseava-se na etnia Bakongo, e o MPLA pelo povo Kimbundu e por assimilados mulatos.23 Sem contar outros grupos que se dividiam no apoio à FNLA e a UNITA, como Bakongos, Lunda, Ambó e Nganguela, a situação no período de independência angolano foi um reflexo, por mais impreciso que possa se afirmar, das políticas de desestruturação dos grupos étnicos, com a finalidade de controle e expansão do domínio colonial português. O governador Norton de Matos procurou destruir as unidades tradicionais angolanas

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HENRIQUES, Isabel Castro. Território e Identidade - O Desmantelamento da Terra Africana e a Construção da Angola Colonial. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003, p. 7. 22 OLIVEIRA, Pedro de. L'évolution de la maîtrise territoriale du MPLA (1956 - 2002). 15 dez. 2012. Lingalog. Disponível em: < http://lingalog.net/dokuwiki/cours/jpc/palops/alunos/mpla >. Acesso em 13 mar. 2014. 23 VISENTINI, Paulo Fagundes. As Revoluções Africanas: Angola, Moçambique e Etiópia. São Paulo, Unesp, 2012, p. 65.

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restantes, fragmentando ligações tradicionais e costumes que pudessem indicar qualquer tipo de unidade. Crenças religiosas e laços linguísticos também foram atacados.24 Durante a guerra civil, o deslocamento de pessoas fugindo dos conflitos, acabou por misturar um pouco a população. Porém, a questão de identidade na formação do povo angolano vai acabar por ser delineado não apenas pelas consequências do projeto colonial, mas pela própria composição da intelectualidade angolana formada na Europa. Estes estavam mais próximos dos acontecimentos internacionais, e acabavam por elaborar projetos nacionalistas que fizessem sentido e atendessem ao contexto de Guerra Fria de emancipação nacional, fugindo do debate étnico. Angola que durante e após a independência manteve uma posição socialista, instituiu um governo preocupado com fortalecimento da Nação como um todo, principalmente no seu funcionamento, visto que os portugueses debandaram após 1975. Não havia espaço para atendimento às aspirações locais naquele momento, havia um projeto nacional a ser executado, e quando este tema era abordado, tal assunto recaía nos grupos em conflito pelo controle político nacional, que já haviam se instituído como representantes deste ou daquele grupo étnico. Não era o melhor momento interno nem externo para repensar a sociedade, apenas para fazê-la comprometer-se com a identidade angolana, não a étnica. O FNLA usava esse argumento, étnico, para desmoralizar o MPLA como não sendo africano, afinal, era o grupo mais heterogêneo. Em compensação, ele era o único grupo que possuía um projeto nacional para a sociedade. Dentre os argumentos que o MPLA utilizava para cooptar os angolanos, argumentava que as etnias, o racismo, a exploração do homem pelo homem, entre outras coisas, deveriam ser extintas, passando a considerar o tradicional como atrasado. Durante seu processo de independência e consolidação como Estado, Angola acabou indo em direção a uma descaracterização nacional para criar uma nova identidade. Longe de ser a influência socialista que o MPLA abraçou em seus projetos, a questão de identidade nacional era um projeto intelectual, visando de fato à construção de uma nova sociedade (socialista), mas sem as características consideradas como atrasadas pelo grupo idealizador. Essas características se perpetuam até os dias atuais, visto que o processo ainda segue para o objetivo citado. Cabe a observação que apesar do empenho do MPLA em tirar Angola do obscurantismo e forjar a identidade nacional

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VISENTINI, 2012, p. 47.

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angolana, este mesmo grupo ainda se utiliza do favorecimento e da organização política com base étnico-regional sobre a qual se sustenta desde o processo de independência.25 Apesar de grupos de características distintas como idiomas, costumes, espaços e valores estarem espalhados pelo território angolano, a visão etnocêntrica europeia de formação do Estado-Nação era de ordem primeira. Sabendo que os grupos étnicos angolanos são uma construção pós-colonial, visto que a categorização desses grupos foi um arranjo português como instrumento de dominação, e considerando que o que torna um grupo culturalmente ligado é a comunicação entre seus membros, o reescrever a história angolana de forma honesta passará por uma inevitável reorganização e redescobrimentos dos grupos étnicos por eles mesmos. Caso contrário, qualquer solicitação feita em prol desses grupos seguirá a cartilha colonial de dominação, o que resultará em efeito contrário ao que se busca, isto é, a recuperação e a preservação das culturas pré-coloniais de Angola.26 Do outro lado do oceano Atlântico, um país possui história semelhante quanto ao tratamento dispensado desde o período colonial aos seus povos indígenas. Como citado na introdução desse artigo, na Bolívia, a visão que se tinha do indígena, amparada por órgãos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho, entendiam o indígena como elemento folclórico, que com o avanço da própria sociedade em que estivesse inserido passaria a se complementar a mesma, saindo de seu estágio “inferior” de evolução técnica e social, abandonando seus costumes e tradições e incorporando-se a uma nova sociedade. Tal visão simplista de desconsideração com os elementos indígenas da sociedade boliviana vieram se arrastando desde a constituição do próprio Estado Nacional, refletindo o pensamento oligárquico que conduzia o país, antes e pósindependência, e ajudando a manter um preconceito com esses grupos na Bolívia contemporânea.27 Composto por grupos nativos diversos28, a Bolívia passou por uma reformulação no tratamento com os grupos indígenas após a ascensão ao cargo de presidente do indígena Juan Evo Morales Ayma, em 2006.

25

BITTENCOURT, 2010, p. 139. AMSELLE, Jean-Loup. Etnias e Espaços - Por uma antropologia topológica. Poche, La Découverte, 1999, p. 8. 27 CAMARGO, 2006, p. 176. 28 CENSO Nacional de Bolivia 2012. Mira Bolivia, Bolivia, 11 mai. 2011. Foro. Disponível em: < http:// www.mirabolivia.com/foro_total.php?id_foro_ini=194847&linksorden=3&pag=1 >. Acesso em: 14 mar. 2014. 26

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De caráter socialista, e comprometido com os interesses indígenas,

Morales

iniciou

diversas medidas de interesse nacional e de atendimento aos anseios

dessas

comunidades.

Como resultados das pressões internas sobre autonomias e conflitos de grupos de interesse a favor e contrários ao seu governo, Morales deu a resposta, e consequentemente a solução na nova constituição da Bolívia promulgada em 2009.29 Passou assim a Bolívia, de um Estado Unitário, a um Estado de autonomias, aumentando a autogestão de seus Departamentos e garantido maior controle do Estado central. Vemos que com essa mudança em relação a seus grupos sociais, ao dar maior liberdade a cada região do país de decidir, o Estado Boliviano, agora Estado Plurinacional da Bolívia30, garantiu maior controle administrativo, por atender as especificidades do país numa administração flexível e personalizada. Um Estado com as características da Bolívia atual, deverá se comprometer com a defesa das liberdades individuais, assim como os direitos culturais coletivos. Deve seguir uma linha de afastamento dos princípios neoliberais, para reforçar uma postura igualitária de atendimento aos seus diversos grupos componentes.31 O processo de globalização acabou por aumentar a pressão sobre as tradições culturais nativas, transformando-as em subalternas da cultura ocidental. Isto nada mais é do que uma dominação que deve ser repensada, para dar garantia a esses grupos que podem ou não

29

GISBERT, Carlos Diego Mesa. Bolívia: autonomias y pluralismo político – Un modelo condicionado por el horizonte indígena. In: Descentralización y democratización en Bolivia: La historia de Estado débil, la sociedad rebelde y el anhelo de democracia. Friedrich Ebert Stiftung, La Paz, Bolivia, 2012, p. 54. 30 BOLÍVIA, Constituição (2009). Constitución Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Oruro. Asamblea Constituyente de Bolivia. 2009, Disponível em: < www.presidencia.gob.bo/documentos/ publica ciones/constitucion.pdf >. Acesso em: 1 jan. 2014. p. 11. 31 ARRIARÁN, Samuel. La derrota del Neoliberalismo en Bolivia. Editorial Torres Asociados, México, D.F.. 2007, p. 94.

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ser composto de minorias. O modelo neoliberal sempre manterá a exclusão desses grupos.32 Consideramos portanto que a Bolívia possui um modelo de organização nacional com base em grupos étnicos que serviria de base para Angola elaborar seu projeto de como manter uma sociedade democrática através de um Estado plurinacional. Entendemos que a Bolívia possui particularidades, tanto dos grupos indígenas quanto da formação histórica e de sua situação contemporânea, diferente de Angola. Porém, é o único país até a presente data que elaborou algum projeto do tipo. Com problemas étnicos semelhantes causados ora pelo colonialismo ora pelo imperialismo em sua história, Angola deve buscar uma compreensão de como tratar a questão indígena baseada na Declaração da ONU dos Direitos dos Povos Indígenas33, e flexibilizar o Estado de forma a atender o Artigo 4 da Declaração: Os povos indígenas no exercício do seu direito à livre determinação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como os meios para financiar suas funções autônomas.

A Bolívia, um país onde Che Guevara lutou e sucumbiu, assim como o continente africano que ele buscou auxiliar durante os processos de independência nos anos 6034, acaba por oferecer como um legado tardio da Revolução Cubana a qual participou ativamente, das experiências socialistas postas em prática em ambos os países, uma proposta, ainda que imperfeita, para a construção da democracia étnicosocial em Angola. Considerações finais As tradições luso-hispânicas que outrora ligaram Cuba ao comércio atlântico de escravos – com o Brasil e Angola, e com Espanha e Portugal – são um elemento forte da história...35

O laço histórico entre os três países, de forma direta ou indireta, por governos ou vultos históricos, assim como problemas comuns em que a troca de soluções adotadas 32

ARRIARÁN, 2007, p. 98. ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Nova Iorque, 2007, Disponível em: < http://pib.socioambiental.org/pt/c/ direitos/internacional/declaracao-da-onu-sobre-direitos-dos-povos-indigenas >. Acesso em: 14 mar. 2014. 34 GOTT, Richard. Cuba: Uma Nova História. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2006, p. 262. 35 Ibidem, 2006, p. 283. 33

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podem ser utilizadas de forma adaptada a cada realidade, tornam a elaboração da proposta deste trabalho mais do que um anseio em estimular o debate envolvendo historia, relações internacionais e direitos indígenas na África ou na América Latina, mas resgatar os elementos comuns e positivos que a história desses países que sempre estiveram sobre a opressão de terceiros, tanto em seus períodos coloniais quanto nos mais contemporâneos, possam assim cultivar o internacionalismo onde a cooperação seja produtiva e as peculiaridades de cada país seja respeitada. Angola, assim como o Brasil precisam se livrar dos danos causados pela concepção luso-tropicalista que contaminou a cultura popular e científica de ambos os países desde os anos 50.36 Na mesma linha de raciocínio, trabalhando contra a mídia comprada e/ou tendenciosa, a demonização da Revolução e da própria sociedade cubana merece atenção para que injustiças não sejam feitas, e que levando ao esclarecimento de seus povos as criticas, positivas ou não, sejam baseadas em fatos verídicos. O mesmo vale para a Bolívia, sempre acusada de envolvimento com o narcotráfico, mas nunca abordada a questão das plantações de coca com o papel dessa planta para a cultura andina como um todo. O presente trabalho não objetivou análises particulares nem extensas dos grupos políticos, econômicos e internacionais que participaram direta ou indiretamente dos processos históricos de cada um dos três países. Sem dúvida alguma os motivos que levam ao alimento das disputas étnicas em Angola possuem interferência externa, assim como os grupos que atuam em defesa dos indígenas no Brasil, em geral financiada por entidades ligadas a governos com intenções duvidosas. Fora a questão racial, onde por maiores que sejam as políticas contrárias ao racismo, a própria mídia, nacional e internacional, acaba por fazer a manutenção do preconceito e inclusive da suposta “democracia racial”. Na Bolívia, o interesse de empresas estrangeiras que foram afetadas pelas medidas do governo Morales, certamente causaram consequências diversas sobre a população indígena e não indígena. Se quisermos saber se os pontos abordados neste trabalho possuem algum indicador de que são um caminho possível, de reflexão e diálogo, podemos citar as propostas de valorização de línguas nacionais, que em Angola já existem algumas, aos poucos resgatando a memória e contribuindo para a construção de um Estado plural,

36

PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: Uma política externa em contexto de crise (1975-1994). 1999. 179 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999, p. 74.

19

onde as diferenças, históricas e presentes, sejam identificadas e aceitas como elementos de formação da sociedade.37 38 Referências bibliográficas - AGRADECE gobernador de provincia angoleña solidaridad de Cuba. Radio Havana Cuba, Havana, 3 dez. 2013. Nacionales. Disponível em: < http://radiohc.cu/noticias/naci onales/7475agradece-gobernador-de-provincia-angolena-solidaridad-de-cuba >. Acesso em: 11 mar. 2014. - ALTEMANI, Henrique. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. - AMSELLE, Jean-Loup. Etnias e Espaços - Por uma antropologia topológica. Poche, La Découverte, 1999. - ANGOLANIDADE: construção das identidades angolanas, por Patrício Batsîkama. 10 set. 2013. Por Dentro da África. Disponível em: < http://www.pordentrodaafrica.com /cultura/angolanidade-construcao-das-identidades-angolanas-por-patricio-batsikama >. Acesso em: 14 mar. 2014. - ARRIARÁN, Samuel. La derrota del Neoliberalismo en Bolivia. Editorial Torres Asociados, México, D.F.. 2007. - BOLÍVIA, Constituição (2009). Constitución Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Oruro. Asamblea Constituyente de Bolivia. 2009, Disponível em: < www.presi dencia.gob.bo/documentos/publica ciones/constitucion.pdf >. Acesso em: 1 jan. 2014. - BITTENCOURT, Marcelo. Angola - Tradição, modernidade e cultura política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. - CAMARGO, Alfredo José Cavalcanti Jordão de. Bolívia - A Criação de um Novo País: a Ascensão do Poder Político Autóctone das Civilizações pré-Colombianas a Evo Morales. Brasília: FUNAG, 2006. - CENSO Nacional de Bolivia 2012. Mira Bolivia, Bolivia, 11 mai. 2011. Foro. Disponível em: < http://www.mirabolivia.com/foro_total.php?id_foro_ini=194847&link sorden=3&pag=1 >. Acesso em: 14 mar. 2014.

37

ANGOLANIDADE: construção das identidades angolanas, por Patrício Batsîkama. 10 set. 2013. Por Dentro da África. Disponível em: < http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/angolanidade-construcaodas-identidades-angolanas-por-patricio-batsikama >. Acesso em: 14 mar. 2014. 38 PLATAFORMAS angolanas para o aprendizado de línguas nacionais. 28 dez. 2013. Por Dentro da África. Disponível em: < http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/plataformas-angolanas-para-oaprendizado-de-linguas-nacionais >. Acesso em: 14 mar. 2014.

20

- FIORI, José Luiz. O Brasil e a África Negra. 30 nov. 2013. Controvérsia. Disponível em: < http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=17300&utm_source= twitterfeed&utm_medium=twitter >. Acesso em 12 mar. 2014. - GISBERT, Carlos Diego Mesa. Bolivia: autonomías y pluralismo político – Un modelo

condicionado

por

el

horizonte

indígena.

In:

Descentralización

y

democratización en Bolivia: La historia de Estado débil, la sociedad rebelde y el anhelo de democracia. Friedrich Ebert Stiftung, La Paz, Bolivia, 2012. - GLEIJESES, Piero. Misiones en Conflicto: La Habana, Washington y África. 19591976. Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007. - GOTT, Richard. Cuba: Uma Nova História. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2006. - HENRIQUES, Isabel Castro. Território e Identidade - O Desmantelamento da Terra Africana e a Construção da Angola Colonial. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003. - MANO, Maíra Kubik. Ponte sobre o Atlântico - Os novos ventos do sul. IPEA, Salvador, Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_ content&view=article&id=2862:catid%3D28 &Itemid=23 >. Acesso em: 12 mar. 2014. - OLIVEIRA, Pedro de. L'évolution de la maîtrise territoriale du MPLA (1956 - 2002). 15 dez. 2012. Lingalog. Disponível em: < http://lingalog.net/dokuwiki/cours/jpc/palops/ alunos/mpla >. Acesso em 13 mar. 2014. ONU. Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Nova Iorque, 2007, Disponível em: < http://pib.socioambiental. org/pt/c/direitos/internacional/declaracao-da-onu-sobre-direitos-dos-povos-indigenas >. Acesso em: 14 mar. 2014. - PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: Uma política externa em contexto de crise (1975-1994). 1999. 179 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. - PLATAFORMAS angolanas para o aprendizado de línguas nacionais. 28 dez. 2013. Por Dentro da África. Disponível em: < http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/ plataformas-angolanas-para-o-aprendizado-de-linguas-nacionais >. Acesso em: 14 mar. 2014. - UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Berlim. Ata geral da reunião realizada no dia 26 de fevereiro de 1885. - VISENTINI, Paulo Fagundes. As Revoluções Africanas: Angola, Moçambique e Etiópia. São Paulo, Unesp, 2012. 21

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