Alocação Eqüitativa De Recursos Financeiros: Uma Alternativa Para O Caso Brasileiro*(Equity In the Distribution of Financial Resources: An Alternative for the …

May 22, 2017 | Autor: Monica Martins | Categoria: Saúde
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PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO

PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES)

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES)

Diretoria Nacional Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 3104-7251 E-mail: [email protected] Home page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html

National Board of Directors Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brazil Tel: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 3104-7251 E-mail: [email protected] Home-page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html

DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2003-2006)

NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2003-2006)

Presidente 1O Vice-Presidente 2O Vice-Presidente 3O Vice-Presidente 4O Vice-Presidente

Sarah Escorel (RJ) José Gomes Temporão (RJ) Carlos Octavio Ocké Reis (RJ) Rita Sório (DF) Jacob Portela (RJ)

President 1 st Vice-President 2 nd Vice-President 3 rd Vice-President 4 th Vice-President

Sarah Escorel (RJ) José Gomes Temporão (RJ) Carlos Octavio Ocké Reis (RJ) Rita Sório (DF) Jacob Portela (RJ)

1O Suplente 2O Suplente

Maria Ceci Misoczky (RS) Carmen Teixeira (BA)

1 st Substitute 2 nd Substitute

Maria Ceci Misoczky (RS) Carmen Teixeira (BA)

CONSELHO FISCAL Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) & Nelson Rodrigues dos Santos (SP) CONSELHO CONSULTIVO Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA), Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF) CONSELHO EDITORIAL

FISCAL COUNCIL Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) & Nelson Rodrigues dos Santos (SP) ADVISORY COUNCIL Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA), Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF) PUBLISHING COUNCIL

Coordenador: Emerson Elias Merhy (SP)

Coordinator: Emerson Elias Merhy (SP)

Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)

Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)

SECRETARIA EXECUTIVA Ana Cláudia Gomes Guedes & Renata Machado da Silveira EDITOR Emerson Elias Merhy EDITORA EXECUTIVA Ana Cláudia Gomes Guedes INDEXAÇÃO

EXECUTIVE SECRETARIES Ana Cláudia Gomes Guedes & Renata Machado da Silveira PUBLISHER Emerson Elias Merhy EXECUTIVE PUBLISHER Ana Cláudia Gomes Guedes INDEXATION

Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)

Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)

Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe

The articles about Health History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin America and the Caribbean)

Apoio A Revista Saúde em Debate é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos

REVISÃO DE TEXTO Maria Fernanda Magro Dionysio – português e revisão tipográfica, Sonia Regina P. Cardoso – português e revisão tipográfica, Nívea Segretto – português e revisão tipográfica & Juliana Monteiro Samel – inglês CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa

PROOFREADING Maria Fernanda Magro Dionysio – portuguese & proofreading, Sonia Regina P. Cardoso – portuguese & proofreading, Nívea Segretto - portuguese & proofreading & Juliana Monteiro Samel – english COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

PRINT AND FINISH

TIRAGEM

NUMBER OF COPIES

3.000 exemplares

3,000 copies

Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em março de 2004.

This publication was printed in Rio de Janeiro on march, 2004.

Capa em papel couche 180 gr

Cover in couche paper 180 gr

Miolo em papel off set 75 gr

Core in off set paper 75 gr

Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2003. v. 27; n. 65; 27 cm Quadrimestral ISSN 0103-1104 1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES CDD 362.1

Rio de Janeiro

v. 27

n. 65

set./dez. 2003

ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ISSN 0103-1104

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003

179

SUMÁRIO / SUMMARY

EDITORIAL / EDITORIAL

182

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES A saúde é um direito ! Health is a right ! Carlos Emmanuel F. Bartolomei, Mariana S. de Carvalho & Maria Célia Delduque

184

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS) Health Promotion and Different Sectors: contributions and limitations of Worker Health surveillance within the Unified Health System (SUS) Marcelo Firpo de S. Porto, Francisco A. de C. Lacaz & Jorge Mesquita H. Machado 192 As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão The three spheres of government and the building of SUS: a revision Celia Almeida 207 Descentralização e accontability em uma Região de Saúde Decentralization and accountability in a Health District Juliano de Carvalho Lima

221

Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde Needs, demand and offer: a few contributions on the meaning, sense and value in the construction of integrality within the Health Sector reform José Paulo V. da Silva, Roseni Pinheiro & Felipe Rangel de S. Machado 234 Avaliação das características organizacionais dos serviços de Atenção Básica em Petrópolis: teste de uma metodologia Evaluation of the Primary Care services organization in Petrópolis: a methodological test James Macinko, Célia Almeida & Eliane Oliveira 243 A mudança do modelo de atenção à saúde no SUS: desatando nós, criando laços The change in the model of health care in SUS: untying knots and creating links Carmen Fontes Teixeira 257

180 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003

Porta de entrada pela Atenção Básica? Integração do PSF à rede de serviços de saúde Entrance through Basic Care? Integration of the Family Health Program to the network of health services Lígia Giovanella, Sarah Escorel & Maria Helena Mendonça 278 Educação permanente de profissionais em saúde mental: competências para o trabalho interdisciplinar Permanent education of mental health professionals: competencies for interdisciplinary work João Paulo Lyra da Silva & Cláudia Mara de M. Tavares 290 Trabalho em Saúde: quem implementa o Sistema Único de Saúde no hospital universitário conhece sua filosofia? Work in Health: do those who make the Unified Health System work in the university hospital know its philosophy? Islândia M. C. de Sousa, Adriana F.B. Bezerra & Ana Paula de O. Marques 302 Recursos Humanos em Saúde: reflexões sobre o cotidiano do SUS que temos e as possibilidades do SUS que queremos Humans Resources in Health: reflections about everyday life in the SUS we have and the possibilities in the SUS we want Denise R. Bourguignon, Geruza R. P. Tavares, Liliana Graça Santana, Marta Z. e Silva, Rita de Cássia D. Lima & Scheila S. Rasch 310 Por uma Composição Técnica do Trabalho em Saúde centrada no campo relacional e nas tecnologias leves. Apontando mudanças para os modelos tecnoassistenciais For a Technical Composition of Health Work Based on the Relationship Field and Light Technology. Pointing to Changes in the Technical-Assistance Models Emerson Elias Merhy & Túlio B. Franco 316 O processo de construção do controle social no Sistema Único de Saúde e a gestão nos espaços institucionais The building process of social control in the Brazilian Unified Health System and administration in institutional areas Marluce Maria Araújo Assis 324 Gestão participativa em saúde: potencialidades e desafios para o aprofundamento da democracia Participative management in health: potentialities and challenges for deepening democracy Maria Ceci Misoczky 336

DOCUMENTOS / DOCUMENTS

Controle Social: de quem? Para o quê? Social control: of who? For what? Soraia Dornelles & Maria Teresa Locks

348

Controle Social na Saúde: construindo a Gestão Participativa Social Control in Health: building a Participative Administration Ana Maria Costa & José Carvalho de Noronha

358

A participação popular na vigilância sanitária para a garantia do direito à saúde Popular participation in health surveillance as a guarantee of the enforcement of the right to health Sueli Gandolfi Dallari 364 Alocação Eqüitativa de Recursos Financeiros: uma alternativa para o caso brasileiro Equity in the distribution of financial resources: an alternative for the Brazilizn case Silvia M. Porto, Francisco Viacava, Célia Landmann Szwarcwald, Mônica Martins, Claudia Travassos, Solon Magalhães Vianna, Sérgio Piola, Maria Alicia Ugá & Cid Manso Vianna 376 Os (Des) caminhos do financiamento do SUS The Sinuous ways of SUS financing Áquilas Nogueira Mendes e Rosa Maria Marques

Transgênicos: decisões açodadas envolvendo uma questão de perigo que exige maior segurança Transgenic: diligent decisions involving a matter of danger that requires greater security 429 Carta Aberta ao Presidente Luis Inácio Lula da Silva Open Letter to President Luis Inácio Lula da Silva

431

1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica: um olhar sobre os acontecimentos 1 st National Conference of Medications and Pharmaceutical Assistance: an eye on the news 433 Convocatória do IX Congresso da Associação Latino-americana de Medicina Social (ALAMES) Call for the 9 th Latin-American Association Social Medicine (A LAMES) Congress 437

389

O SUS que temos e a informação como estratégica de (in)visibilidade The SUS we have and information as strategy of (in)visibility Fábio L. Tavares, Mariana R. Laignier, Raphaella F. Daros, Marta Zorzal da Silva e Rita de C.D Lima 405 ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES Seguridade Social: a agenda pendente Social Security: incomplete agenda Sonia Fleury

414

O Financiamento do SUS SUS Financing Elias Jorge

425

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003

181

EDITORIAL

E

ste número da revista Saúde em Debate foi elaboa

A posição política do Centro Brasileiro de Estudos

rado especialmente para a 12 Conferência Nacio-

de Saúde (CEBES) será apresentada, em conjunto com a

nal de Saúde Sergio Arouca. Agradecemos a todos os

Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Cole-

que responderam à nossa convocatória para o envio de

tiva (ABRASCO ), no documento “Saúde, justiça e inclusão

artigos relacionados com os dez eixos temáticos da Con-

social”, a ser distribuído aos delegados.

ferência. Recebemos um número muito maior do que foi

Apresentamos neste número, sob a denominação de

possível publicar, mas fizemos um esforço para não ‘des-

Carta em Defesa da Saúde do Povo Brasileiro, o docu-

perdiçar’ qualquer contribuição. Por isso, a revista está

mento elaborado na reunião de 13 de setembro de 2002

com um número de páginas muito maior do que o habi-

– em pleno processo eleitoral para presidente da Repú-

tual e com mais do dobro de artigos. Os textos envia-

blica, governadores, parlamentares federais e estaduais.

dos, para os quais os pareceristas sugeriram modifica-

Avaliamos que, mesmo tendo sido publicada na Saúde

ções, impossíveis de serem realizadas no curto tempo

em Debate 62, contém considerações e propostas atinen-

disponível, serão publicados nos próximos números de

tes a quase todos os eixos temáticos da 12 a Conferência.

nossa Saúde em Debate.

Julgamos que o texto continua representando nosso ideá-

Com a nova metodologia da Conferência, para esta a

rio a ser conquistado, nossa ‘utopia’ a ser alcançada.

12 edição, não foram encomendados textos que sub-

Essas são as nossas contribuições no sentido de sem-

sidiassem o debate. Desta vez os delegados terão o Con-

pre produzir e divulgar conhecimento e intervir politica-

solidado dos Relatórios Finais das Conferências Estadu-

mente na defesa da Saúde como um direito de cidada-

ais de Saúde como documento de base para suas delibe-

nia e como um bem comum. Mas, é preciso um salto de

rações. Assim, este número de Saúde em Debate pode ser

qualidade na forma como a saúde é distribuída e usu-

a

considerado, ao nosso ver, como os ‘Cadernos da 12 ’. Nem todos os eixos temáticos foram abordados pelos autores e sobre alguns temas há mais artigos

fruída em nosso país. É preciso fazer chegar o ideário da Reforma Sanitária ao cidadão no seu dia-a-dia. Essa é, ao nosso ver, a nossa tarefa e a tarefa do governo.

do que sobre outros. Isso permite analisar a relação entre a produção de conhecimento, as necessidades da população e as demandas da gestão em suas respostas ao tema central “A saúde que temos, o SUS que queremos”. Tempos diferentes de elaboração e de respostas é a confluência, que confere a característica central do Movimento da Reforma Sanitária: a convergência das práticas política, científica e ideológica para a transformação das condições de saúde e de atenção à saúde da população brasileira.

182 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003

A Diretoria Nacional

EDITORIAL

T

his issue of Saúde em Debate was specially

The political position of the Health studies Brazilian

th

prepared for the 12 Sergio Arouca National

Center (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES)

Health Conference. We thank all who have answered

shall be presented, along with that of the Brazilian

our call to send articles related to the Conference’s ten

Association of Post-graduation in Collective Health

theme axles. We have received a much greater number

(Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde

than what it was possible to publish and we have

Coletiva – ABRASCO) in the document “health, justice and

made every effort to avoid ‘wasting’ any

social inclusion” to be distributed to delegates.

contributions. Therefore, the magazine has many more

We present in this issue, under the denomination of

pages than the usual, with double the number of

Letter in Defense to the Health of the Brazilian People,

articles. Texts forwarded to which modifications were

the document prepared in the meeting held on 13 th

suggested by the revisers, impossible to be carried out

September 2002 – during the voting process to choose

under the short available time, shall be published in

the President of the Republic, governors, federal and

the next issues of our Saúde em Debate. With the new Conference methodology, for this 12

state deputies. We have evaluated that, even if th

published in Saúde em Debate 62, it contains

issue, no texts subsidizing the debate were requested.

considerations and proposals pertinent to almost all

This time the delegates shall have the Health State

them axles of the 12th Conference. We therefore, think

Conferences Final Reports consolidated as the base

that the text remains representative of our ideals to be

document for their deliberations. Thus, this issue of

conquered, our ‘utopia’ to be reached.

Saúde em Debate may be considered, in our point of th

view, as the ‘12 ’s Books’. Not all theme axles were discussed by the authors

These are our contributions in order to always produce and disclose knowledge and politically intervention in defense of Health as a citizenship right

and regarding some themes there are more articles

and as a common asset. But it is necessary a

then others. This allows the analysis of the

considerable quality improvement in the way how

relationship between the product of knowledge,

health is distributed and enjoyed in our country. It is

population’s needs and the management demand in

necessary to make the ideal Sanitary reform reach the

the response to the central theme - “The health we

citizen in his/her day-to-day routine. This is, in our

have, the Unified Health System we have”, different

view, our task and the task of the government.

times for the preparation and the responses is the confluence that grants the central characteristic of the

The National Board

Sanitary reform movement: the convergence of political, scientific and ideological practices in order to transform health conditions and attention to the health of the Brazilian population.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003

183

BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

A Saúde é um Direito! Health is a Right!

Carlos Emmanuel Fontes Bartolomei1 Mariana Siqueira de Carvalho2 Maria Célia Delduque3

Consultor BIREME/OPAS /OMS, editor executivo da revista de direito sanitário Journal of Health Law do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário e Núcleo de Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Direito, pós-graduando da USP Rua Ministro Sinésio Rocha, 198 – Sumaré CEP 05030-000 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] 1

Oficial de Chancelaria, técnica de Cooperação Técnica Recebida Multilateral (CTRM), Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo (USP), mestranda em Direito Público pela Universidade de Brasília SQS 315 – Bl. G – Ap. 302 CEP: 70384-070 – Brasília – DF e-mail: [email protected] 2

Advogada do Núcleo de Direito Sanitário da Diretoria (DIREB) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) em Brasília, especialista em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo (USP), mestranda em Gestão e Planejamento em Meio Ambiente na Universidade Católica de Brasília SHIS QI –03 Conjunto 5 Casa 9 CEP: 71605-250 – Brasília – DF e-mail: [email protected] 3

RESUMO Traça-se uma retrospectiva dos direitos fundamentais até o direito à saúde, trazendo a visão de como os direitos fundamentais estão dispostos na Constituição Federal de 1988, como os direitos sociais fazem parte deste rol e como o direito à saúde é tratado pelo ordenamento jurídico nacional. Salienta-se a necessidade de implementação do direito à saúde pela vontade política para realizar políticas públicas. DESCRITORES: Direito à Saúde; Direito Sanitário; Legislação Sanitária.

ABSTRACT This article aims present a retrospective of fundamental rights up until the right to health, bringing forward the view of how fundamental rights are approached in the 1988 Brazilian Constitution, how social rights integrate them and how the right to health is regarded by the National Law. The need to implement the right to health through political will to realize public policies is reinforced. DESCRIPTORS: Right to Health; Health Law; Legislation Health.

184 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

A Saúde é um Direito!

O DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

mos citar o Petition of Rights (Peti-

do Homem e do Cidadão, de 1789,

ção de Direitos) de 1668, Ata de

decorrente da Revolução Francesa

Habeas Corpus de 1679 e Bill of

protegiam os direitos em uma acep-

A idéia de direito humano sem-

Rights (Declaração de Direitos) de

ção individualista, isto é, a função

pre esteve presente nas sociedades,

1689. Embora a concessão dos di-

do Estado restringia-se apenas a

seja por razões religiosas ou filosó-

reitos assegurados nessas declara-

proteger a propriedade e a seguran-

ficas. Portanto, faz-se necessário co-

ções ficasse condicionada à vonta-

ça dos indivíduos, e as relações

nhecer a evolução da idéia de direito

de do soberano, é indiscutível que

sociais e econômicas desenvolviam-

humano e de direito fundamental

houve um avanço, que fará das re-

se sem a interferência estatal. Foi

para que se possa compreender a

voluções liberais do século XVIII o

a fase da consagração dos direi-

moderna noção do Direito à Saúde.

marco inicial da fase das reivindi-

tos de liberdade.

O primeiro documento estatal a

cações dos direitos humanos dos

No entanto, não era suficiente

proteger os direitos fundamentais é

oprimidos contra os opressores e da

apenas garantir a liberdade formal

espanhol, concedido pelo rei Afonso

dos indivíduos, precisava-se avan-

IX, nas cortes de Leão, em 1188,

çar mais. Com a revolução indus-

que, já na época, protegia os bens

trial iniciada em meados do século

dos súditos, tais como a vida, a

XIX ficou evidente a necessidade de

honra e a propriedade. Contudo, o

AO LADO DOS DIREITOS

mais famoso texto é da Idade Mé-

INDIVIDUAIS JÁ GARANTIDOS

derivados das reclamações resultantes dos problemas sociais e econô-

garantia aos direitos fundamentais,

PELO E STADO LIBERAL,

micos surgidos com a industriali-

a Magna Carta de João-Sem-Terra

SURGE UM NOVO ELENCO

zação. Assim, ao lado dos direitos

(Magna Charta Libertatum), elabo-

DE DIREITOS , OS DIREITOS SOCIAIS

individuais já garantidos pelo Esta-

dia, esboçando as linhas iniciais de

rada no ano de 1215, na Inglaterra.

reconhecer certos direitos sociais

Muito embora os direitos não fossem

do Liberal, surge um novo elenco de direitos, os direitos sociais.

assegurados a todos os súditos, ape-

Após a Segunda Guerra Mundial,

nas às classes privilegiadas, pro-

quando o mundo inteiro ficou estar-

prietárias de terras e capazes de ler

constitucionalização dos direitos

recido com as atrocidades sofridas

em latim, o texto restringia o poder

fundamentais. Assim, os ex-colonos

durante o conflito, começou-se a

do monarca e apresentava as primei-

ingleses que viviam na América edi-

questionar as condições humanas e

ras chamas de garantia de direitos.

taram suas declarações de direito

a necessidade de garantia efetiva dos

A partir de então e antes do libe-

e, do mesmo modo, os burgueses

direitos humanos. Os Estados viram-

ralismo, começaram a surgir nume-

franceses, ao tomarem o poder po-

se obrigados a dar sentido concreto

rosas declarações visando garantir

lítico dos nobres, aprovaram sua

aos direitos sociais. Tal movimento

aos súditos determinados direitos,

declaração. A Declaração de Direi-

iniciou-se com a própria Organiza-

como a liberdade de expressão e a

tos da Virgínia, de 1776, decorren-

ção das Nações Unidas (ONU), que

liberdade política. Como exemplos

te da Revolução Americana, e a

elaborou a Declaração Universal dos

ingleses desses documentos pode-

Declaração Universal dos Direitos

Direitos Humanos (DUDH) em 1948,

1

1

O texto da Magna Charta Libertatum era escrito em latim, sendo traduzido para o inglês somente no século XVI.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

185

BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia

“fonte mais importante das moder-

berdades; os direitos sociais, de se-

ra geração, pois tanto diz respeito à

nas constituições” (S ÜSSEKIND, 1986

gunda geração, consistem em pode-

individualidade como à coletividade,

p.21) estabelecendo um vasto cam-

res, que se realizam por intermédio

em uma idéia de direito difuso.

po de dispositivos referentes aos di-

da imposição de obrigações a ou-

A Constituição Federal do Brasil

reitos sociais, em especial à saú-

tros, incluído o poder público, e os

erigiu a dignidade da pessoa huma-

de, a saber:

de terceira geração são os direitos

na a um princípio fundamental. Este

individuais e coletivos inexistindo

é o núcleo informador do ordena-

determinação de seus titulares.

mento jurídico brasileiro e o crité-

Schwartz (2003. p.118) particulari-

rio de valoração a orientar a inter-

za esta idéia com a saúde, esclare-

pretação e compreensão do sistema

cendo que esta é um direito de pri-

instaurado em 1988. Ou seja:

Art. XXV – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

meira geração, caracterizado pela titularidade individual e pela possibi-

A partir desses documentos, os

AS NORMAS SOBRE

ordenamentos jurídicos de cada país tenderam a garantir internamente os

DIREITOS FUNDAMENTAIS

direitos fundamentais (sem perder de

CONCRETIZAM-SE POR

vista a necessidade conjunta de in-

INTERMÉDIO DO AGIR POLÍTICO ,

ternacionalização), sob uma perspectiva de generalização (extensão

SOBRETUDO EM SUA

da titularidade desses direitos a to-

DIMENSÃO SOCIAL

dos os indivíduos). Fruto desse pro-

A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro. (B ARROS, 1996. p.141)

No entanto, para a realização do direito à saúde e demais direitos fundamentais não é suficiente que os mesmos estejam consagrados na Constituição; eles precisam ser vividos indivíduo a indivíduo na sociedade e estará tanto mais cumpri-

cesso, a Constituição brasileira de

do quanto mais os indicadores so-

1988 é um marco no que tange à

ciais refletirem condições ideais de

garantia dos direitos fundamentais.

lidade de ser oposto à vontade do

vida para todos. Assim, as normas

Em seu Título II – Dos Direitos e

Estado e que por isso se torna um

sobre direitos fundamentais concre-

Garantias Fundamentais, o texto

direito irrenunciável, indisponível e

tizam-se por intermédio do agir po-

constitucional desfia um rol desses

inalienável. Esclarece também que a

lítico, sobretudo em sua dimensão

direitos, que vão desde os direitos

saúde é um direito de segunda gera-

social. É fácil perceber que a efeti-

fundamentais de primeira geração,

ção porque está ligada a um pensa-

vação desses direitos torna-se uma

passando pelos de segunda geração

mento preventivo e que, portanto,

questão de operação sistêmica de

até os de terceira geração.2

constitui uma vinculação direta e

uma política de direitos fundamen-

Bobbio (1992. p.21) assevera que

orgânica aos poderes instituídos.

tais e que se de um lado está o di-

os ditos direitos fundamentais, de

Aduz ainda o autor que a saúde é

reito à saúde, constitucionalmente

primeira geração, consistem em li-

compreendida como direito de tercei-

estabelecido, do outro está o dever

2

Classificação segundo a Teoria da Geração de Direitos, extraída dos ensinamentos de Norberto Bobbio.

186 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

A Saúde é um Direito!

do Estado em garantir o gozo desse

esse tema: Direito à Saúde, Direito

direito à população, por intermédio

da Saúde e Direito Sanitário.

E, por fim, o direito sanitário, conceituado como o estudo interdis-

da adoção de políticas públicas que

O direito à saúde pode ser con-

ciplinar que permite aproximar co-

têm como instrumentos de realiza-

ceituado como o valor ideal da ex-

nhecimentos jurídicos e sanitários.

ção o arcabouço legal, a execução

periência humana, tanto na dimen-

Em outras palavras, é a disciplina

de ações e a eleição de prioridades.

são individual como na coletiva,

que estuda o conjunto de normas

erigido a preceito constitucional.

jurídicas que estabelecem direitos e

ACEPÇÕES DOS TERMOS ‘DIREITO’ E ‘SAÚDE’

Já o direito da saúde é conceitua-

obrigações em matéria de saúde.

do como o conjunto de normas jurí-

É no escopo do direito da saúde

dicas que regulam as atividades

que está o tratamento jurídico do

Tem o Estado a missão de asse-

sanitárias estatais e definem os mei-

tema em toda a sua complexidade

gurar a dignidade da pessoa huma-

os de que o Estado dispõe para con-

de planos constitucional, legal, ad-

na, por meio da concretização da

cretizar esse direito, desde a defini-

ministrativo, regulatório, civil, pe-

igualdade em situações reais. As-

nal e internacional. É a legislação

sim, no que se refere à saúde, di-

em saúde, muito embora este ter-

reito humano e fundamental, deixa

mo tenha um sentido estreito que não alberga a acepção jurídica em

protagonista de prestações positi-

A C ONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO B RASIL ADOTOU O ENTENDIMENTO

vas que são implementadas medi-

DE QUE SAÚDE É UM DIREITO ADVINDO

a interpretação da literatura dou-

ante políticas e ações estatais. A Or-

DA CONDIÇÃO DE PESSOA HUMANA,

trinária nem a sucessão convergente

(OMS), em 1946, quando do preâm-

INDEPENDENTEMENTE DE QUAISQUER

ou de resoluções administrativas

bulo de sua Constituição procla-

OUTRAS CONDIÇÕES

de ser mero garantidor de direitos e liberdades individuais para ser

ganização Mundial da Saúde

toda a sua amplitude, como as fontes do direito, os usos e costumes,

e coincidente de decisões judiciais (jurisprudência).

mou que “saúde é o completo bem-

FUNDAMENTOS DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou outros agravos”, ofereceu a matriz

ção dos aspectos organizacionais e

embrionária ao ordenamento jurí-

operacionais do sistema de saúde,

Como dito, a Constituição da Re-

dico constitucional da atualidade,

o estabelecimento da forma e dos cri-

pública do Brasil adotou o entendi-

que acolheu o conceito sob dupla

térios a serem observados na formu-

mento de que saúde é um direito

perspectiva: a individual, de busca

lação e implementação das políticas

advindo da condição de pessoa hu-

de ausência de moléstia e a coleti-

de saúde até as normas específicas

mana, independentemente de quais-

va, de promoção da saúde em co-

aplicáveis a bens e serviços de inte-

quer outras condições, redundando

munidade. Essa confluência das

resse à saúde. É o sistema de nor-

na afirmação de acesso universal e

duas dimensões, individual e cole-

mas jurídicas que disciplinam as

igualitário às ações e serviços de

tiva, do direito à saúde é que per-

situações que têm a saúde por obje-

saúde. O modelo de saúde adotado

mite estabelecer algum critério na

to e regulam a organização e o fun-

pela ordem jurídica brasileira trou-

diferenciação das expressões geral-

cionamento das instituições destina-

xe um enfoque das ações de saúde

mente utilizadas para se referir a

das à promoção e defesa da saúde.

pública, não mais com ações pre-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

187

BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia

dominantemente curativas, mas com

p. 101). O federalismo, como ex-

(BERCOVICI, 2002). Este tipo de repar-

ações preventivas e a idéia de que

pressão de Direito Constitucional,

tição é chamada de competência

as doenças não têm apenas causas

baseia-se na união de coletividades

concorrente e está prevista no arti-

biológicas, mas também causas

políticas autônomas que são:

go 24 da Constituição de 1988. Já

sociais: alimentação, moradia,

União, Estados Federados, Distrito

no artigo 23, nas chamadas compe-

saneamento básico, meio ambiente,

Federal e Municípios.

tências comuns, se revela a coope-

trabalho, renda, educação, transpor-

A Carta Magna descreve, expres-

ração. Nesta, a decisão é de todos,

te, lazer e acesso a bens e serviços

samente, as competências de cada

mas a execução se realiza em se-

essenciais. Além disso, o texto cons-

esfera de poder público. “Esta dis-

parado, muito embora possa haver,

titucional reconheceu a essência co-

tribuição constitucional de poderes

no que se refere ao financiamento

letiva do direito à saúde, condicio-

é o ponto nuclear do Estado Fede-

das políticas públicas, uma atua-

nando sua garantia à execução de

ral” (SILVA, 1995. p. 454). No federa-

ção conjunta. O Brasil é um exem-

políticas públicas:

lismo, as competências são distri-

plo de federação em que a cooperação é obrigatória.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No que se refere às competências em matéria de saúde, observase, que “a CF/88 não isentou qual-

Mas, enquanto o legislador cons-

O TEXTO CONSTITUCIONAL

quer ente federativo da obrigação de

RECONHECEU A

de”. (D ALLARI, 1995. p. 42). A atuação

ESSÊNCIA COLETIVA

tituinte não almejou construir um

DO DIREITO À SAÚDE

Estado de modelo neoliberal – e para

proteger, defender e cuidar da saúconjunta e coordenada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios é uma imposição constitucio-

averiguar esta afirmativa basta a

nal. Portanto, a saúde – “dever do

leitura dos artigos 1° a 4° da Consti-

Estado” (artigo 196) – é responsabi-

tuição – o Poder Executivo apoiado

lidade constitucional de todos.

pelo Legislativo tem caminhado na direção contrária, mediante a trans-

buídas, necessariamente entre os

ferência da prestação dos serviços

entes públicos e podem se dar de

públicos para a iniciativa privada.3

maneira coordenada ou cooperada.

O SUS COMO INSTRUMENTO PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS SANITÁRIAS

Assim, no federalismo cooperativo

Como já exposto, a implementa-

os resultados buscados são comuns

ção do direito à saúde vincula-se

e do interesse de todos. A decisão

intrinsecamente a elaboração e rea-

“O Brasil é uma República Fede-

tomada em escala federal é adapta-

lização de políticas públicas. Para

rativa, isto é, optou pela Federação

da e executada de modo autônomo

tanto, a Constituição previu instru-

como forma de organização polí-

pelo ente federado, adequando-a às

mentos realizadores ou garantido-

tico-administrativa” (S ILVA , 1995.

suas peculiaridades e necessidades

res dessa implementação. O Siste-

COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DE SAÚDE

Ver o “Plano Diretor da Reforma do Estado”, documento emanado pela Presidência da República em novembro de 1995, proposto pelo então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, sr. Luiz Carlos Bresser Pereira. 3

188 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

A Saúde é um Direito!

ma Único de Saúde (SUS) é o mais importante deles.

O SUS tem as suas principais atribuições previstas no art. 200,

PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA APLICAÇÃO DAS NORMAS SANITÁRIAS – O CONTROLE SOCIAL

A criação constitucional do SUS

da CF/88, que vão desde “controlar

é uma vitória dos movimentos so-

e fiscalizar procedimentos, produ-

ciais de apoio à Reforma Sanitária,

tos e substâncias de interesse para

A pressão dos movimentos soci-

que acabaram sensibilizando um

a saúde” (inciso I) até “colaborar

ais sanitários realizada no momen-

grupo de parlamentares membros

na proteção do meio ambiente, nele

to da Constituinte ensejou a intro-

da Assembléia Nacional Constituin-

compreendido o do trabalho” (inci-

dução de novos instrumentos de par-

te com a demonstração pungente da

so VIII). “As suas atribuições têm

ticipação social na formulação, exe-

inadequação do sistema de saúde

como objetivo a promoção (elimi-

cução e fiscalização das políticas

então vigente, que não conseguia

nar ou controlar as causas das do-

públicas, em especial no que tange

enfrentar problemas sanitários como: quadro de doenças de todos

enças e dos agravos), proteção (prevenir riscos e exposições a doen-

os tipos, baixa cobertura assisten-

tos públicos etc., conforme Westphal & Almeida (2001). A partir dessa pressão social, a Constituição Federal de 1988 pre-

dade’ como diretriz do SUS.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, APOIANDO-SE

A Lei 8.080/90 reafirmou a participação da comunidade no SUS,

NESTES IDEAIS DE DEMOCRATIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DECISÓRIOS, CONSAGROU

viços de saúde em um sistema úni-

A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

ta a possibilidade de os entes pú-

ando-se nestes ideais de democratisagrou a ‘participação da comuni-

viu a estruturação das ações e serco, o SUS. A idéia de unidade afas-

a Constituição Federal de 1988, apoização dos espaços decisórios, con-

cial da população, ausência de critérios e de transparência dos gas-

ao setor saúde. Em seu artigo 198,

COMO DIRETRIZ DO

SUS

porém, teve seu artigo 11, que regulamentava esta participação, vetado pelo então Presidente da República Fernando Collor. O dispositivo estava inserido no capítulo “Da Organização, da Direção e da Gestão”,

blicos componentes do SUS cons-

e o seu veto demonstrou a enorme

tituírem sistemas autônomos ou

dificuldade que existia (e ainda existe) para a implementação das con-

subsistemas de saúde. Aliás, a própria referência constitucional a um

ças) e recuperação (atuar sobre o

sistema de saúde já traz de ime-

dano já existente) da saúde” (WESTPHAL;

diato a idéia de ordenação e uni-

A LMEIDA , 2001. p. 36). Para alcan-

dade, ou seja, “um conjunto de co-

çar essas metas, o SUS, por meio

nhecimentos ordenados segundo

de sua direção em cada esfera go-

princípios que devem ser seguidos

vernamental (Secretários de Saúde,

de forma unívoca pelas três esfe-

Estaduais e Municipais, e Ministro

ras de governo” (CANARIS, 1996. p. 9).

da Saúde), deverá promover as po-

Para Afonso (1994. p. 360), o úni-

líticas públicas necessárias, com

co programa setorial de descentra-

determinada autonomia, até para

lização que relativamente prospe-

destinar recursos para programas

rou foi o da saúde.

de saúde específicos.

quistas da Reforma Sanitária já consagradas na Magna Carta. A Lei 8.142/90 retomou quase literalmente o dispositivo vetado, regulamentando assim a participação da comunidade no SUS. Em seu artigo 1º, estabelece que cada esfera do governo deve contar com a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde como instâncias colegiadas de participação social. Tem-se, assim, a tentativa de desdobramento inicial da previsão cons-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

189

BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia

titucional de construção de esferas

rágrafo 2º, da Lei 8.142/90, e po-

sibilitam a participação sistemáti-

de participação social, com o obje-

dem ser divididas em dois grandes

ca de milhares de pessoas no deba-

tivo de efetivar o princípio da de-

campos: a área de planejamento e

te e na busca de soluções para os

mocracia participativa no âmbito

controle, cujo tema principal é o do

problemas de saúde.

da saúde. A Constituição Federal de

financiamento; e a área de articula-

1988, de forma tímida, porém con-

ção com a sociedade, com a atribui-

creta e incontestável, contempla tal

ção de organizar as conferências de

princípio, ao dispor que “Todo po-

saúde, examinar denúncias e pro-

der emana do povo, que o exerce

postas populares, e também estimu-

por meio de representantes eleitos

lar a participação comunitária no

ou diretamente, nos termos desta

controle da administração do SUS

Constituição” (art. 1º, § único), além

(Resolução 33/92, do Conselho Na-

de prever, em outros dispositivos,

cional de Saúde – CNS). As atribui-

É possível que hoje o número de conselheiros de saúde, entre os quais os usuários são maioria, já se aproxime, talvez ultrapasse, o número de vereadores, o que configura uma situação inédita não só no setor saúde, mas no conjunto das políticas públicas. (C ARVALHO, 1995. p. 30-31)

a participação social na implemen-

Dessa forma, os conselhos de

tação de políticas públicas no que

saúde são importante instrumento

tange não só à saúde, mas à assis-

para a efetivação do SUS e para a

A SAÚDE É DIREITO FUNDAMENTAL , INDIVIDUAL E COLETIVO, E NÃO MERA

garantia do direito à saúde a todos.

CONCESSÃO DO PODER ESTATAL

saúde direta ou indiretamente, exi-

tência social, à criança e do adolescente, ao processo de organização das cidades, etc. Percebe-se, portanto, que “a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais, surgidos na sociedade, na institucionalidade

OU PALAVRAS BONITAS

emergente, abrindo espaço para a

ESCRITAS NA C ONSTITUIÇÃO

prática da democracia participativa”

Por meio de suas atribuições e poderes, esses órgãos podem intervir nas políticas estatais referentes à gindo que o Estado atue quando omisso e controlando as suas ações.

CONSTRUÇÃO DO DIREITO DA SAÚDE

(S ANTOS, 2002. p. 33). Nesse contexto, surgem os conselhos de saúde. Não é um fenômeno novo no Brasil, nem exclusivo da área da saúde, porém não há na atualidade nada semelhante aos conselhos de saúde, com a sua expressiva representatividade social, atribuições e poderes legais, além da extensão de sua implementação, englobando as esferas municipais, estaduais e federal e, em alguns lugares, ainda há conselhos locais e regionais. (CARVALHO,1995. p. 30-31)

É preciso que todos saibam que ções específicas de caráter executivo

a saúde é direito fundamental, indi-

também estão na seara da competên-

vidual e coletivo, e não mera con-

cia legal dos conselhos, que cada vez

cessão do poder estatal ou palavras

mais participam na cadeia decisória

bonitas escritas na Constituição. É

da administração do SUS, como ins-

certo que a legislação sanitária bra-

tância deliberativa e recursal.

sileira é muito mais avançada que

Pelo exposto, parece claro que os

a situação fática do país, o que não

conselhos de saúde significam hoje

invalida o paradigma do conceito de

bem mais que uma prescrição legal

saúde amplo, que deve ser persegui-

de alcance duvidoso. Eles entraram

do pelo esforço de todos os atores

As competências legais básicas

em cena, trazendo consigo a estréia

sociais comprometidos com o siste-

dos conselhos de saúde em todas as

de alguns novos atores sociais. A

ma a fim de buscar e construir o

esferas encontram-se no art. 1º, pa-

sua existência e funcionamento pos-

SUS que queremos.

190 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

A Saúde é um Direito!

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003

191

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS) Health Promotion and Different Sectors: contributions and limitations of Worker Health Surveillance within The Unified Health System (SUS) Marcelo Firpo de Souza Porto 1 Francisco Antonio de Castro Lacaz2 Jorge Mesquita Huet Machado 3 RESUMO Discute-se de que forma as ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VST) vêm propiciando a construção de um modelo de promoção da saúde, dentro de um novo paradigma intersetorial e participativo para o SUS. A base conceitual do trabalho reside na discussão sobre VST e na conceituação de redes intersetoriais, uma aproximação teórica para compreender e operacionalizar estratégias de ações intersetoriais de promoção da saúde. Considera-se necessário um aprofundamento da reflexão crítica e síntese sobre as discussões conceituais e as práticas de promoção da saúde desenvolvidas no âmbito do SUS, particularmente em torno do futuro das ações de vigilância. Pesquisador do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH), da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Av. Leopoldo Bulhões, 1.480 – Manguinhos CEP 21041-210 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: [email protected] 1

DESCRITORES: Vigilância Sanitária; Promoção da Saúde; SUS.

ABSTRACT The basic aim of this article is to discuss in which ways actions of Worker Health Surveillance (WHS) have provided tools to build a model

Professor da Universidade Federal de São Paulo (U NIFESP) da Escola Paulista de Medicina (EPM) Rua Jader de Andrade, 322/202 CEP 52061-060 – Recife – PE e-mail: [email protected]

of health promotion, within a new inter-sector and participative paradigm

Tecnologista da Coordenação de Saúde do Trabalhador da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e-mail: [email protected]

synthesis over conceptual discussions and practices of health promotion

2

3

for SUS. This work’s conceptual basis resides mainly in the discussion of WHS and in the concepts of inter-sector networks, a theoretical approach to understand and operate strategies for inter-sector actions of health promotion. We consider it necessary to deepen the critical reflection and developed within SUS, specially regarding the future of surveillance actions. DESCRIPTORS: Health Surveillance; Health Promotion; SUS.

192 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

LIMITES E POSSIBILIDADES DE AVANÇO DA(S) VIGILÂNCIA(S)

de, mas como este interage com a

as práticas clássicas de vigilância

sociedade através de políticas pú-

não sofreram mudanças estruturais,

blicas intersetoriais e práticas trans-

embora tenham ocorrido avanços

A discussão sobre promoção da

formadoras. Para tanto, buscou-se

localizados, como na formação de

saúde e o futuro do Sistema Único

a universalização do acesso à saú-

recursos humanos e na infra-estru-

de Saúde (SUS) relaciona-se à neces-

de e a descentralização, abrindo sua

tura institucional. As práticas intra-

sidade de substituição dos modelos

gestão à participação popular e,

setoriais mantêm-se ‘ilhadas’ den-

médico-assistencial e assistencial-

desde então, avanços têm ocorrido

tro dos setores clássicos da vigilân-

‘sanitarista’ ainda hegemônicos en-

com a realização das Conferências

cia, notadamente a epidemiológica,

tre nós (PAIM, 1994). Nestes, as prá-

e a criação dos Conselhos de Saúde.

a sanitária e a ambiental, com re-

ticas de vigilância estão baseadas

Tais avanços, contudo, não são

cortes específicos de objetos de con-

no modelo ecológico de explicação

suficientes em si para a revisão dos

trole e intervenção. Esta setorializa-

das doenças e na epidemiologia clás-

modelos médico-assistencial e ‘sa-

ção coloca entraves para o desen-

sica, tendo por objeto o controle dos

volvimento da promoção e preven-

modos de transmissão. Esta delimi-

ção, seja em relação à eficiência das

tação permite uma certa governabi-

ações intra-setoriais, seja quanto ao necessário desenvolvimento de

to de casos de doenças, em articu-

A DISCUSSÃO SOBRE PROMOÇÃO DA SAÚDE E O FUTURO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) RELACIONA-SE À NECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DOS MODELOS MÉDICOASSISTENCIAL E ASSISTENCIAL -‘SANITARISTA’

lação com análises epidemiológicas,

AINDA HEGEMÔNICOS ENTRE NÓS

agravos relacionados ao trabalho,

lidade e eficácia das ações no âmbito intra-setorial da saúde, principalmente para as doenças infecto-contagiosas e outras evitáveis com medidas pontuais. Estas intervenções podem incluir o monitoramen-

ações intersetoriais. As formas clássicas de intervenção simplesmente não dão conta de uma série de problemas de saúde, os quais não se restringem aos ‘compartimentos setoriais’ das vigilâncias, como os

bem como a vacinação, o controle

ao ambiente, às causas externas, às

de vetores, de riscos ambientais e

doenças crônicas, dentre outros.

da qualidade da água, por exemplo.

Obviamente, quanto mais distan-

A crítica à eficácia deste mode-

nitarista’. Além disso, o próprio

tes da lógica dos modelos assisten-

lo, quando se depara com o novo

quadro político internacional e na-

cial e ‘sanitarista’ estão os proces-

perfil de doenças de massa, está no

cional na década de 1990 não foi

sos saúde-doença, maior será a ne-

centro das formulações da Medici-

favorável para que mudanças mais

cessidade de serem construídas prá-

na Social Latino-americana e da

radicais ocorressem nas políticas

ticas alternativas e intersetoriais que

Saúde Coletiva que, no Brasil, atra-

públicas do país. O SUS foi pressio-

superem seus limites intrínsecos.

vés do movimento pela Reforma

nado por uma crise financeira agra-

Não existem ‘vacinas’ contra aciden-

Sanitária, contribuiu para a cons-

vada pelo déficit público e pela po-

tes de trânsito e do trabalho, tam-

trução do SUS. Seus princípios e

lítica econômica em curso, bem

pouco substâncias ou barreiras que

diretrizes foram calcados na visão

como pela demanda espontânea das

‘higienizem’ ambientes gerais ou do

de que a melhoria da qualidade de

populações mais carentes, fato agra-

trabalho contaminados e que, mais

vida e saúde da população não se

vado pelo aumento do desemprego

tarde, podem ser implicados no cân-

limita somente ao sistema de saú-

e da exclusão social. Por seu turno,

cer das pessoas expostas. Quanto

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

193

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

mais analisamos a gênese destes

privilegiaria a construção de políti-

o significado e a operacionalização

riscos e seus efeitos, mais nos en-

cas públicas com atuação interse-

das ações intersetoriais, restringin-

caminhamos para um emaranhado

torial e intervenções integradas de

do-se basicamente àquelas intrínse-

de políticas públicas, práticas so-

promoção, prevenção e recuperação,

cas ao setor saúde. Nos itens seguin-

ciais e processos decisórios que es-

em torno de problemas de grupos

tes, discutimos algumas questões

tão fora do âmbito do setor saúde.

populacionais específicos, tendo por

relacionadas à implementação da

Epistemologicamente, trata-se de

base o planejamento das ações e as

intersetorialidade a partir de expe-

constatar os reducionismos e buscar

análises das necessidades de saúde

riências acumuladas pela Saúde do

possibilidades de avanços concei-

nos territórios. A VS também pres-

Trabalhador no SUS, em especial as

tuais e metodológicos frente aos pro-

supõe a produção de dados de modo

ações de vigilância.

cessos saúde-doença mais comple-

sistemático e contínuo através da

xos. Em termos político-institucio-

criação e manutenção de sistemas

nais, trata-se de avançar nas práti-

de informação para problemas con-

A PROPOSTA DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (VST)

cas intersetoriais e de relação com a sociedade para que critérios sanitários estejam cada vez mais presentes

Neste artigo, a base empírica

TRATA-SE DE AVANÇAR NAS PRÁTICAS

para o entendimento das ações in-

das políticas públicas que afetam a

INTERSETORIAIS E DE RELAÇÃO COM A

resultados do Estudo da Situação e

saúde das populações. Em outras

SOCIEDADE PARA QUE CRITÉRIOS

Tendências da Vigilância em Saúde

no conjunto dos processos decisórios

palavras, é necessário superar a concepção biológica e medicalizante da

SANITÁRIOS ESTEJAM CADA VEZ MAIS

doença e internalizar a idéia de saú-

PRESENTES NO CONJUNTO DOS PROCESSOS

de como critério central dos modelos de desenvolvimento do país. Nos anos 1990, a discussão so-

DECISÓRIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS QUE AFETAM A SAÚDE DAS POPULAÇÕES

tersetoriais em VST foi baseada nos

do Trabalhador no Brasil (L ACAZ; MACHADO ; PORTO, 2002), que atendeu à demanda da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador, órgão assessor do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo desenvolvido

bre Vigilância da Saúde (VS) (T EIXEI-

mediante parceria entre a Organiza-

RA;

ção Panamericana de Saúde (OPS) e

PAIM ; VILASBÔAS , 1998) coloca as

bases de um novo modelo de vigi-

siderados essenciais. Nesse caso, a

a Associação Brasileira de Pós-Gra-

lância que visa superar os modelos

intersetorialidade também implica a

duação em Saúde Coletiva (ABRASCO).

médico-assistencial e ‘sanitarista’,

integração entre os sistemas de in-

Devido à limitação de espaço, utili-

apontando caminhos para a confi-

formação existentes em diferentes

zamos os resultados do referido es-

guração de um novo modelo de aten-

instituições, setores e níveis de go-

tudo para analisar as ações interse-

ção que busca superar os paradig-

verno, exigindo a constituição de

toriais em VST sem contudo apro-

mas médico-sanitários ainda vigen-

instâncias supra-institucionais e

fundar a base empírica, a descrição

tes no SUS (PORTO ; MACHADO; FREITAS,

mecanismos de gestão e controle

dos instrumentos de coleta de da-

2000). Na nova concepção, o objeto

adequados de tais sistemas.

dos, assim como a organização e o

das ações de saúde caminharia do

As propostas da Promoção da

tratamento dos mesmos. O estudo,

dano para os riscos, necessidades e

Saúde e da VS ainda necessitam de

pautado num universo inicial de 183

determinantes dos modos de vida e

maior aprofundamento conceitual e

serviços de níveis estadual e muni-

saúde. A organização deste modelo

metodológico, pois não aprofundam

cipal distribuídos por todo o país,

194 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

revelou uma forte concentração na

Assim, a VST será aqui entendi-

sive gerenciais, como a atuação in-

região Sudeste (cerca de 80% do total

da como um processo contínuo que

tersetorial, a descentralização dos

de serviços), com grande relevância

articula conhecimentos e práticas de

serviços e das práticas de saúde ao

para São Paulo. Apesar desta concen-

controle sanitário em um território,

nível loco-regional. Os processos de

tração, observa-se que o desenvolvi-

buscando a promoção, a proteção e

trabalho em saúde são reorganiza-

mento de ações de saúde dos traba-

a assistência à saúde dos trabalha-

dos, visando intervir sobre proble-

lhadores, seja de assistência e/ou de

dores, tendo como alvo de sua ação

mas sanitários de maneira contínua,

vigilância, ocorre atualmente em to-

a análise e posterior intervenção nos

num dado território, por meio de pro-

dos os estados do Brasil, ainda que

nexos entre os processos de traba-

cedimentos que buscam atingir os

com grandes diferenças quanto ao

lho e suas repercussões à saúde dos

determinantes das condições de vida

seu grau de organização e maturi-

trabalhadores, contando com sua

e do processo saúde-doença de gru-

dade, o que leva a uma flutuação

participação (MACHADO, 1996). O pres-

pos populacionais em diversos pe-

no seu número, dependendo do mo-

suposto da ação é o controle da ex-

ríodos etários (MONKEN, 2000).

mento em que o estudo é realizado

No caso das relações trabalho-

(LACAZ; MACHADO ; P ORTO, 2002). As ações em saúde dos trabalhadores no Brasil na rede básica iniciaram-se em meados dos anos 1980, influenciadas pela Medicina Social Latino-americana, Saúde Coletiva,

saúde e da evolução histórica do

A ÊNFASE HISTÓRICA DA ATUAÇÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA SOBRE PRODUTOS COMO FÁRMACOS , ALIMENTOS

Reforma Sanitária Italiana e pela re-

E SERVIÇOS DIFICULTOU A INCORPORAÇÃO

emergência do movimento sindical em

DOS PROCESSOS DE TRABALHO E SUAS

suas reivindicações por melhores condições de trabalho e defesa da saúde (LACAZ, 1996). Desde seu início, as

sistema de saúde no Brasil, do ponto de vista institucional e operacional criou-se uma dicotomia que restringiu à Vigilância Epidemiológica o limite técnico das informações sobre a ocorrência e a distribuição das doenças e dos acidentes do trabalho. Ao lado disso, cristalizou-se

REPERCUSSÕES À SAÚDE DOS

uma Vigilância Sanitária cujo papel

TRABALHADORES EM SUA ATUAÇÃO

é intervir sobre riscos específicos que

ações de VST buscaram se constituir

estejam contribuindo para a ocor-

a partir de uma compreensão inte-

rência de doenças e acidentes, colo-

grada entre promoção e proteção,

posição/sujeição aos riscos, exigên-

cando em perigo a saúde das popu-

nesta incluída a prevenção de agra-

cias e cargas, visando prevenir agra-

lações trabalhadoras (WÜNSCH FILHO

vos, além da assistência, mediante

vos à saúde dos trabalhadores que

et al., 1993). A ênfase histórica da

diagnóstico, tratamento e reabilita-

se manifestam como sofrimento,

atuação da Vigilância Sanitária so-

ção. A ênfase na necessidade de trans-

dano, desgaste, doenças e acidentes

bre produtos como fármacos, ali-

formações dos processos e ambien-

do trabalho (L AURELL; NORIEGA, 1989).

mentos e serviços dificultou a incor-

tes de trabalho favoreceu a constru-

A concepção de VST é influencia-

poração dos processos de trabalho

ção de uma abordagem multiprofis-

da pelo conceito de VS e pela opera-

e suas repercussões à saúde dos tra-

sional, interdisciplinar, intersetorial

cionalização do conceito de ‘risco’, e

balhadores em sua atuação.

e participativa, pautada pela compre-

está calcada numa proposta de rear-

As ações de VST no SUS têm bus-

ensão de que os trabalhadores devem

ticulação das práticas sanitárias de

cado superar tais dicotomias e li-

ser sujeitos no planejamento e imple-

promoção, prevenção e cura que

mites através da integração das di-

mentação das ações de vigilância.

combina tecnologias distintas, inclu-

ferentes ‘vigilâncias’, desde a iden-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

195

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

tificação e localização dos proble-

devido à falta de uma política inte-

de canais de comunicação e de es-

mas de saúde, até a intervenção e o

grada de seguridade social e, no in-

tratégias de ação conjunta, estabe-

controle dos processos e condições

terior desta, de saúde e segurança

lecendo novos compromissos entre

de trabalho nocivas (L ACAZ, 2002).

dos trabalhadores. Outra restrição

instituições e atores sociais organi-

A VST busca conhecer a realidade

decorre das contradições do atual

zados em torno da análise e enfren-

de trabalho de populações trabalha-

momento histórico, que tolhe a or-

tamento de problemas locais ou re-

doras, intervir nos determinantes dos

ganização dos trabalhadores.

gionais considerados relevantes.

agravos, avaliar o impacto das medidas corretivas adotadas, subsidiar a tomada de decisões pelos

São justamente os problemas de

AÇÕES INTERSETORIAIS EM VST E O CONCEITO DE REDES INTERSETORIAIS

órgãos competentes do governo, no

natureza mais complexa que exigem ações integradas e intersetoriais. A noção de rede compreende a

nível federal, estadual, municipal,

Para melhor compreendermos o

presença de organizações e entida-

e estabelecer sistemas de informa-

desenvolvimento das ações interse-

des interdependentes e ao mesmo

ção em saúde e trabalho que incor-

tempo autônomas, e a dinâmica de

porem, além das informações tradi-

funcionamento das redes construídas

cionalmente existentes e coletadas,

AS REDES INTERSETORIAIS SÃO ESTRUTURAS

depende da capacidade de serem uni-

prio processo de vigilância e de pes-

FLEXÍVEIS QUE PERMITEM A CONSTRUÇÃO

políticos existentes num dado terri-

quisas, ainda que limitados a al-

DE CANAIS DE COMUNICAÇÃO E DE

tório. Trata-se, portanto, de um processo dialético que inclui tanto o

Constitui-se numa prática interins-

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO CONJUNTA,

aproveitamento dos recursos existen-

titucional e intersetorial que ultra-

ESTABELECENDO NOVOS COMPROMISSOS

tes quanto a transformação das prá-

passa os limites do setor Saúde, mas

ENTRE INSTITUIÇÕES E ATORES

ticas políticas e culturais em direção

bases de dados provindas do pró-

guns segmentos populacionais.

subordina-se aos princípios/diretri-

SOCIAIS ORGANIZADOS

zes do SUS e usa métodos da epidemiologia, da higiene e segurança do

ficados os esforços institucionais e

a processos democráticos voltados para os direitos e necessidades das populações daquele território.

trabalho, da ergonomia, entre outros,

Podemos compreender as ações

não prescindindo do conhecimento e

toriais em VST, incorporamos o con-

intersetoriais de VST a partir da cons-

participação dos trabalhadores (MA -

ceito de rede intersetorial (PORTO;

tituição de redes intersetoriais – ori-

CHADO, 1996). Tal perspectiva tem en-

MACHADO; FREITAS , 2000), pois o mes-

ginalmente intra-setoriais – articu-

contrado dificuldades para sua con-

mo propicia uma concepção moder-

ladas em torno de problemas mais

solidação devido às dicotomias in-

na e flexível das potencialidades de

complexos num dado território,

tra-institucionais do setor saúde que,

articulação e construção de novos

como casos de acidentes e doenças

ao criar novas práticas de organiza-

modelos de gestão que favorecem

provocados por riscos ocupacionais.

ção e atuação em ST, acabou por

processos de descentralização, par-

Diversas experiências de construção

gerar ‘feudos’ freqüentemente para-

ticipação e o estabelecimento de

de redes intersetoriais em ST vêm

lelos às estruturas do SUS, os Cen-

parcerias entre instituições públicas

sendo desenvolvidas nos programas,

tros de Referência em Saúde do Tra-

e a sociedade civil organizada. As

centros de referência, serviços, nú-

balhador (CRST) (RIBEIRO et al., 1998).

redes intersetoriais são estruturas

cleos ou coordenações em estados e

O mesmo se dá intersetorialmente

flexíveis que permitem a construção

municípios. Através do desenvolvi-

196 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

mento sistemático das ações, um

mal e transitório, gerando o que po-

as redes mais informais e transitó-

conjunto de instituições públicas,

deria ser denominado de proto-rede.

rias possuem um importante papel

sindicatos, universidades, associa-

Muitas vezes, tais espaços surgem

na organização inicial de espaços

ções profissionais, ONG e diversos

após a ocorrência de eventos graves

mais formais, ao mesmo tempo que

outros atores sociais buscam inte-

e se concentram em ações pontuais

são mais flexíveis e agilizam dis-

grar-se na análise e no enfrentamento

de intervenção em empresas e ambi-

cussões sobre estratégias e ações

dos problemas, configurando uma

entes de trabalho específicos. Com o

conjuntas que, em contextos autori-

série de pontes intersetoriais. Estas

passar do tempo, tais relações po-

tários e vulneráveis, seriam dificul-

experiências possuem diferentes

dem amadurecer e transformar-se em

tadas por relações institucionais

graus de organização, competên-

espaços mais formais e instituciona-

mais formalizadas.

cias, atribuições, recursos e práti-

lizados de planejamento e decisão,

As redes devem ser vistas como

cas de atuação, sendo desencadea-

como convênios ou comissões inte-

dinâmicas e de estabilidade provi-

das por grupos institucionais locali-

rinstitucionais, coordenados ou não

sória, pois traduzem a conjunção de

zados em vários pontos do Brasil. As

diferentes interesses nas ações em

características destas experiências

relação a certos problemas de saú-

dependem de questões como a força de organização dos trabalhadores e

AS REDES DEVEM SER VISTAS COMO

das questões de saúde e, em termos

DINÂMICAS E DE ESTABILIDADE PROVISÓRIA,

institucionais, dependem das políti-

POIS TRADUZEM A CONJUNÇÃO DE DIFERENTES

cas regionais, da estrutura organizacional, da capacidade instalada, da

INTERESSES NAS AÇÕES EM RELAÇÃO A CERTOS

qualificação dos profissionais e de

PROBLEMAS DE SAÚDE, BEM COMO A FORÇA

influências das instituições acadêmi-

DOS TRABALHADORES, DO SETOR SAÚDE E

cas. Portanto, cabe reconhecer que as experiências avançadas dependem

SEUS USUÁRIOS, DENTRE OUTROS ATORES

de, bem como a força dos trabalhadores, do setor saúde e seus usuários, dentre outros atores. A construção de determinadas redes pode desarticular outras, dado que os comportamentos dos vários atores refletem estruturas de poder e práticas culturais que precisam ser desestabilizadas, para que práticas mais efetivas e democráticas de pro-

mais de uma constelação positiva

moção e prevenção tomem seu lu-

destes fatores do que do seu reconhe-

gar. Neste processo, inevitavelmen-

cimento enquanto uma política ins-

pelo SUS e eventualmente organiza-

te ocorrem mudanças nos objetivos

titucional de Estado.

dos por problemas, por exemplo se-

iniciais, uma vez que a construção

As formas de ação coordenada em

gundo o tipo de risco (setor econô-

de uma rede com atores heterogê-

rede geram relações que possuem

mico ou agente exposto) ou de doen-

neos a partir de diferentes formas

diferentes características e gradien-

ça. Embora desejáveis, as redes ins-

de relações (formais e informais) im-

tes de formalização e organização,

titucionalizadas implicam problemas

plica um processo contínuo de re-

com implicações para o planejamen-

de gestão mais difíceis de serem

negociação. Com isso, os objetivos

to, a responsabilização e a institu-

manejados, envolvendo aspectos ad-

iniciais que um ator tenha, podem

cionalização das ações. Em sua fase

ministrativos, orçamentários e de

se transformar em novos, redefini-

inicial, freqüentemente as relações

execução, ou ainda aqueles relacio-

dos coletivamente a partir das pos-

configuram-se enquanto espaços

nados à cultura técnica das institui-

sibilidades e necessidades dos dife-

ampliados de discussão e troca de

ções e à interferência do poder políti-

rentes atores. Adotar o conceito de

experiências, de caráter mais infor-

co sobre as mesmas. Por outro lado,

rede implica compreendermos e tra-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

197

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

balharmos tais dinâmicas como par-

mais importantes que tendem a es-

brasileira, sendo objetivo da rede a

te integrante do processo de desen-

truturar as redes intersetoriais de

própria transformação de tais rela-

volvimento de ações intersetoriais e

VST. O foco central do esquema é a

ções que condicionam a qualidade

de promoção da saúde.

relação potencialmente conflituosa

do trabalho e da saúde dos traba-

entre o processo de trabalho e a saú-

lhadores nas empresas.

A CONFIGURAÇÃO DAS REDES E AS PRINCIPAIS INSTITUIÇÕES E ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS

de, já que o objetivo é mostrar que

No centro da rede, como objeto

os problemas não surgem ao aca-

em torno do qual ela é tecida, en-

so, mas são conformados a partir

contram-se os trabalhadores expos-

de relações sociais, econômicas, ins-

tos e os processos/ambientes de tra-

A Figura 1 apresenta, esquema-

titucionais e tecnológicas existentes

balho geradores de riscos, cuja di-

ticamente, os elementos e processos

em sociedades capitalistas como a

nâmica de relação é estruturada

FIGURA 1 – Rede de Vigilância em Saúde do Trabalhador

198 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

pelos dois pólos fundamentais: o

do-se por sua lógica sistêmica e ori-

calização e normatização no campo

dos representantes dos trabalhado-

gem político-institucional em um

das relações entre trabalho e saúde,

res e o das empresas. As institui-

espaço estruturador de conexões das

embora suas ações de inspeção se-

ções constituem-se em pontos de

redes. Em sua estrutura, estão ba-

jam criticadas por seu caráter exces-

encontro, conflito e de desencadea-

sicamente os serviços assistenciais

sivamente normativo (OLIVEIRA, 1994).

mento de ações em várias camadas

em geral, de vigilância epidemioló-

As ações desenvolvidas pelas

concêntricas e polares, que corres-

gica e sanitária e os serviços que

empresas correspondem ao segun-

pondem ao tipo de poder de inter-

atuam em saúde dos trabalhadores.

do pólo do núcleo da rede e são

venção e, em última instância, ao

Estes serviços representam os focos

exercidas nas grandes empresas pe-

poder de influência de trabalhado-

de articulação de ações do próprio

las gerências e pelos serviços espe-

res e das empresas sobre a socieda-

SUS e deste com outras instituições.

cializados em engenharia de segu-

de, os governos e as instituições.

Executam funções de referência

rança e medicina do trabalho (SES-

clínica, vigilância sanitária e epide-

METS ). Dada

As redes de VST são freqüente-

a ausência de tais servi-

mente constituídas por meio de de-

ços nas pequenas empresas, nestas,

núncias dos trabalhadores envolvi-

as ações são exercidas exclusiva-

dos diretamente em situações de ris-

mente pela própria gerência. Em ge-

co, ou de casos de acidentes e doen-

AS REDES SÃO FREQÜENTEMENTE

ças relacionadas ao trabalho. As

CONSTITUÍDAS POR MEIO DE

tentam provocar mudanças nas prá-

denúncias mais organizadas ocor-

DENÚNCIAS DOS TRABALHADORES

ticas gerenciais e nos S ESMETS. Um

rem a partir de representantes dos trabalhadores, como comissões internas das empresas, associações de contaminados, sindicatos, centrais sindicais, ONG e mídia. Freqüentemente, o clima autoritário e pater-

ENVOLVIDOS DIRETAMENTE EM SITUAÇÕES DE RISCO, OU DE

ral, os processos de vigilância in-

dos pontos frágeis da intervenção são as ações que envolvem pequenas e médias empresas e, de forma

CASOS DE ACIDENTES E DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO

ainda mais radical, o setor informal da economia, cuja precariedade de vínculos dificulta a presença

nalista dentro das empresas impede

de interlocutores e a própria confi-

uma exposição pública dos traba-

guração de redes.

lhadores diretamente envolvidos, o

miológica aos agravos do trabalho,

Inúmeras outras instituições po-

que aumenta a importância da atua-

constituindo um subsistema de vi-

dem fazer parte das redes interse-

ção dos sindicatos como porta-vo-

gilância em saúde do trabalhador,

toriais de VST, como os órgãos am-

zes e instâncias mediadoras dos in-

desencadeando o processo de controle

bientais, as secretarias estaduais de

teresses dos trabalhadores afetados.

com ações em torno de casos especí-

trabalho, as instâncias ligadas à

As instâncias executivas das re-

ficos. O MTE, através das Delegacias

Previdência Social – como a perícia

des de VST representam sua primei-

Regionais do Trabalho (DRT), com-

médica e a reabilitação – dentre ou-

ra camada em contato direto com o

põe a rede como ator que gravita

tros (L ACAZ; MACHADO; PORTO , 2002).

núcleo – trabalhador e ambiente de

entre o pólo empresarial e o dos tra-

Estas instituições se situam, pelo

trabalho – sendo as duas instâncias

balhadores, em contato direto com

aspecto executivo e complementar

principais o SUS e o Ministério do

seu núcleo. Sua característica insti-

de suas ações, no interstício entre a

Trabalho e Emprego (MTE). O SUS

tucional mais relevante é o amplo

primeira e a segunda camada. Ain-

exerce função múltipla, configuran-

reconhecimento de seu poder de fis-

da neste nível destacam-se as arti-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

199

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

culações, aqui de caráter formal,

titucional (saúde, trabalho, meio

to técnica do processo de vigilância

mediante convênios, com os Minis-

ambiente, previdência social, minis-

e, ao mesmo tempo que desenvol-

térios Públicos (MP) – o Estadual

térios públicos, representações po-

vem ações de planejamento e avali-

e/ou o do Trabalho, de âmbito fe-

líticas no congresso/assembléias/

ação, são espaços formais de forta-

deral – atores com maior poder de

câmaras) e econômico (empresa por

lecimento das ligações entre os pon-

arbitragem e penalização nos pro-

tipo de risco, ramo econômico). Esta

tos da rede de vigilância.

cessos de negociação com empre-

camada é o espaço, por excelência,

A mídia desempenha função de

sas e de conscientização do empre-

de configuração e atuação de redes

contato com a sociedade, sendo es-

sariado, principalmente em situa-

mais abrangentes e formais, pois

trategicamente importante para a

ções críticas de maior conflito e re-

pode reunir múltiplas instituições e

visibilidade e legitimização social

sistência. Por isso, os MP têm exer-

atores sociais em processos decisó-

das ações de vigilância. Sua cola-

cido papel de destaque na consti-

rios que visam transformar as rela-

boração, entretanto, é restrita e con-

tuição de redes em situações de

ções que condicionam a qualidade

traditória, dada a banalização da

maior conflito e fragilidade insti-

morte de trabalhadores e das denún-

tucional do SUS ou das DRT.

cias no país, bem como a influência

Em uma segunda camada de

das empresas de maior poderio eco-

apoio, destacam-se as ações desen-

AS REDES MAIS FORMALIZADAS

cadeadas por projetos acadêmicos e

PODEM SE CONFIGURAR POR MEIO

cândalos noticiados podem abalar

de ensino, desenvolvidas por insti-

DE NUMEROSOS FORMATOS,

a imagem de empresas, setores eco-

tuições principalmente da saúde coletiva. Elas têm importante papel

COMO GRUPOS GESTORES ,

nômico. Os acidentes e casos de es-

nômicos e mesmo instituições públicas responsáveis e, por isso, têm

no desenvolvimento e estabilização

CONVÊNIOS INTERINSTITUCIONAIS,

de experiências através do suporte

COMISSÕES, CÂMARAS TÉCNICAS

ras técnicas autoritárias e engessa-

E CONSELHOS

queiam o processo coletivo de apren-

técnico-científico, da divulgação e do apoio interdisciplinar em casos

o papel de desestabilizar as cultudas das organizações, as quais blo-

de maior complexidade, sendo ain-

dizagem necessário para a evolução

da fundamentais na formação de

dos padrões preventivos. Os casos

novos profissionais e na legitima-

do trabalho e da saúde dos traba-

de escândalos com mobilizações

ção técnica, fortalecendo as insti-

lhadores nas empresas. Conforme já

coletivas permitem ‘furar’ esse blo-

tuições e servindo de contraposição

apontado no item anterior, as redes

queio e transformar prevenções sim-

ao saber empresarial.

mais formalizadas podem se confi-

bólicas, mais voltadas ao controle

Finalmente, o esquema apresen-

gurar por meio de numerosos for-

da força de trabalho, em prevenções

ta uma terceira camada que repre-

matos, como grupos gestores, con-

práticas mais efetivas (P ORTO, 1994).

senta a esfera estratégica de negocia-

vênios interinstitucionais, comis-

ção e definição de políticas públi-

sões, câmaras técnicas e conselhos.

cas, leis e acordos desenvolvidos por

Organizadas pelo SUS nos vários

ações intersetoriais em diferentes

níveis, as Comissões Interinstitucio-

níveis de agregação que vão do lo-

nais de Saúde do Trabalhador (CIST)

Nesse item, apresentamos algu-

cal ao global (distrito/município/es-

existentes funcionam como elemen-

mas características das experiên-

tado/país/âmbito internacional), ins-

tos de condução tanto política quan-

cias intersetoriais desenvolvidas

200 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

A EXPERIÊNCIA DE AÇÕES INTERSETORIAIS EM VST NO SUS

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

pelo SUS com alguns setores e ór-

pectivamente. O SUS estabelece re-

quanto à adoção desta estratégia

gãos específicos, tendo como base

lações intersetoriais – algumas for-

(BINDER; CORDEIRO, 2003; L ACAZ, 2000),

empírica a investigação já referida

mais, muitas informais – com múl-

gera uma base de dados amplamente

sobre as ações de VST desenvolvi-

tiplas instituições, e as principais

incorporada pelo SUS na análise

das nos serviços do SUS que atua-

indicadas pelo estudo, são apresen-

epidemiológica dos acidentes e doen-

vam em saúde dos trabalhadores

tadas a seguir.

ças do trabalho. As relações com o

entre os anos de 2001 e 2002 (LACAZ;

As articulações com o Instituto

INSS são freqüentemente conflituo-

M ACHADO ; PORTO, 2002). Conforme

Nacional de Seguro Social (INSS)

sas e marcadas por certo grau de

veremos mais a frente, tais experi-

vêm ocorrendo desde o início da

informalidade, já que a política ins-

ências encetadas nesses anos de

implantação dos primeiros Progra-

titucional da previdência social nos

construção do campo da Saúde do

mas de Saúde do Trabalhador (PST)

últimos anos possuiu um caráter

Trabalhador no SUS expressam si-

criados nos anos 1980. Dois objeti-

bastante conservador e burocráti-

multaneamente fragilidades, contra-

vos principais se destacam nessa

co, em especial em relação à saúde

dições e potencialidades que podem

dos trabalhadores.

contribuir para o debate sobre inter-

Outra importante relação inter-

setorialidade na constituição de um

setorial é com o MTE, através das

novo modelo de promoção da saúde. Existe uma grande heterogeneidade quanto à inserção dos servi-

E XISTE UMA GRANDE HETEROGENEIDADE QUANTO À INSERÇÃO DOS SERVIÇOS

DRT. O MTE, cujo papel na inspeção do trabalho foi assumido desde os anos 1930, alijou a Saúde Pública

ços investigados dentro da estrutu-

INVESTIGADOS DENTRO DA ESTRUTURAS

da intervenção sobre ambientes e

ras estaduais e municipais do SUS,

ESTADUAIS E MUNICIPAIS DO SUS, QUE

condições de trabalho até os anos

que podem incluir programas, centros de referência, divisões ou coordenadorias vinculadas principal-

PODEM INCLUIR PROGRAMAS, CENTROS DE REFERÊNCIA, DIVISÕES OU COORDENADORIAS

1980, momento em que surgem os primeiros PST (LACAZ, 1996). Esta trajetória tem reflexos sobre a atua-

mente às estruturas das vigilâncias

ção das instâncias do setor Saúde

sanitária e/ou epidemiológica, mas

e, malgrado os embates e disputas

também ligados a hospitais univer-

existentes entre os setores Trabalho

sitários, com níveis variados de in-

relação: (1) o estabelecimento do

e Saúde (OLIVEIRA , 1994), uma maior

tegração com o SUS. Em termos de

nexo entre a incapacidade causada

integração de ações, guiada por es-

relações intra-institucionais, é mar-

por doenças e/ou acidentes do tra-

tratégia comum, seria bastante de-

cante a atuação integrada assistên-

balho e direitos previdenciários, fre-

sejável. Tal afirmativa torna-se mais

cia-vigilância, tanto para aqueles que

qüentemente negados aos trabalha-

verdadeira ao se considerar que o

realizam ações de assistência na rede

dores afastados ou demitidos; (2) a

SUS, em função dos seus princí-

especializada quanto na básica.

análise pelos serviços dos bancos de

pios, diretrizes e vocação, deveria

O estudo indica que as relações

dados gerados a partir das comuni-

ser a instância nucleadora da polí-

intersetoriais encontram-se presen-

cações de acidentes do trabalho

tica de assistência, prevenção e pro-

tes na maioria dos serviços anali-

(CAT). Este instrumento de notifica-

moção em saúde dos trabalhadores,

sados, em percentuais que variam

ção usado pela Previdência desde

envolvendo instituições da Previdên-

de 55 a 80% quando se trata dos

1976, apesar do seu viés securitá-

cia Social, Saúde, Trabalho, Meio

serviços municipais e estaduais res-

rio e dos limites já assinalados

Ambiente e Agricultura, dentre ou-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

201

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

tras. Apesar das articulações com

fortalecida pelo papel definido na

serviços que permitiu a continuida-

as DRT referidas pelos serviços pos-

Constituição Federal de 1988 na de-

de das ações frente a cenários polí-

suírem um tendência de crescimen-

fesa da cidadania e dos chamados

tico-administrativos conservadores

to, elas ainda possuem um caráter

direitos coletivos e difusos, que en-

e privatistas que se abateram sobre

restrito a certas regiões e capitais, e

volvem a relação trabalho-saúde. As

os sistemas de saúde em diferentes

ocorrem freqüentemente a partir de

articulações ocorrem tanto com o

regiões. A relação com o MP tam-

contatos pessoais com técnicos mais

Ministério Público do Trabalho, de

bém é um indicador de que o poder

engajados, não existindo envolvi-

âmbito federal, quanto com os Mi-

de intervenção dos serviços que

mento formal da direção da institui-

nistérios Públicos Estaduais. Nestas

atuam na VST ainda é frágil e ne-

ção. Apesar dessa limitação, as co-

‘parcerias’ existe o risco de que os

cessita de melhor amparo técnico e

operações técnicas existentes podem

serviços tornem-se ‘braços técnicos’

jurídico para sua efetivação. O MP

envolver distintas formas, como a

do MP (RIBEIRO et al., 1998), empo-

tem sido um ‘parceiro’ importante

vigilância de ambientes de trabalho,

brecendo a dinâmica dos serviços,

na investigação de acidentes e do-

a participação no Programa de Er-

enças do trabalho e são inúmeros

radicação do Trabalho Infantil,

os casos de ações conjuntas pelo

ações conjuntas na investigação de acidentes graves e fatais, ou ainda em problemas e setores específicos, como as Comissões do benzeno e das indústrias de construção civil. Ou-

AS COOPERAÇÕES TÉCNICAS EXISTENTES PODEM ENVOLVER DISTINTAS FORMAS,

país, em particular na retaguarda

COMO A VIGILÂNCIA DE AMBIENTES DE

cos, como os termos de ajuste de

tra instituição do MTE mencionada

TRABALHO, A PARTICIPAÇÃO NO PROGRAMA

é a Fundação Jorge Duprat Figuei-

DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO I NFANTIL,

redo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) que, por ser

AÇÕES CONJUNTAS NA INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES GRAVES E FATAIS

órgão de pesquisa e formação de

técnica de apoio ao MP em suas investigações e instrumentos específiconduta e as ações cíveis. Em alguns estados, o MP está a frente de acordos interinstitucionais que objetivam o planejamento, a priorização e a implementação de ações de controle em processos e ambientes de trabalho.

abrangência nacional, tem contribu-

As relações com a ‘Universida-

ído para a capacitação técnica nos

de’, marcantes principalmente no

serviços em todo o país. Isto envol-

cuja lógica de intervenção, levando-

âmbito estadual dos serviços inves-

ve a realização de cursos, seminári-

se em conta o conceito de VST aqui

tigados (73%), envolvem vários as-

os, palestras e apoio bibliográfico.

adotado, deveria ser pautada pelo

pectos, como estágios de graduação

Ademais, a articulação acontece pela

método epidemiológico (L ACAZ; MA -

e de pós-graduação, assim como

atuação da FUNDACENTRO em comissões

CHADO; PORTO , 2002; MACHADO , 1996) e

assessoria técnica, capacitação e o

nacionais e regionais, ou no suporte

não exclusivamente pela lógica do

desenvolvimento de pesquisas e es-

técnico em avaliações clínicas, diag-

direito quando do embate trabalha-

tudos. A aproximação serviços-aca-

nóstico de intoxicações químicas e

dor ‘lesado’ versus empresa ‘infra-

demia, preconizada por estudos da

desenvolvimento de projetos especí-

tora’. Por outro lado, o apoio do MP

área (L ACAZ, 1996; MACHADO , 1996;

ficos, como na vigilância de câncer

tem sido fundamental em conjuntu-

RIBEIRO et al., 1998), fortalece a com-

ocupacional (MG e BA).

ras políticas desfavoráveis à cons-

petência técnica dos serviços no en-

O Ministério Público (MP) vem

trução do SUS, pois em várias situa-

frentamento de problemas de maior

ganhando crescente importância,

ções foi justamente a parceria MP-

complexidade. Por outro lado, a re-

202 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

lação do SUS com a Universidade

relevante. A relação pode se dar de

continuada dos trabalhadores or-

também espelha a fragilidade dos

distintas formas, como o forneci-

ganizados na gestão e no controle

serviços e costuma ser marcada por

mento de informações sobre os ti-

das ações de vigilância, isto não

relações informais com grupos de

pos de lavouras existentes, a toxi-

significa que inexistam outras ins-

pesquisa isolados, sem compromis-

cologia dos agrotóxicos utilizados,

tâncias de controle social. O estu-

sos formais de longo prazo. Acor-

as ações conjuntas de vigilância e

do revelou que a demanda sindi-

dos de cooperação com Centros de

o suporte técnico para o uso con-

cal junto aos serviços ocorre em

Excelência em temáticas específicas

trolado ou a eliminação de agro-

87% dos municipais e 50% dos es-

e o financiamento de projetos prio-

tóxicos através da agricultura or-

taduais, expressando um modelo

ritários apoiados pelo Ministério da

gânica. O restrito interesse do se-

participativo e com forte influên-

Saúde (MS) e agências de fomento,

tor agrícola com questões de saú-

cia dos sindicatos de trabalhado-

poderão contribuir futuramente para

de e ambiente limitam a evolução

res. A maior presença levantada de

superar tais deficiências.

dessa importante relação interse-

conselhos gestores no nível muni-

As instituições de dois outros

cipal indica a facilidade que o ní-

setores envolvidos também mere-

vel local possui para envolver di-

cem destaque. As relações com as

retamente trabalhadores e cidadãos

uma tendência de incremento, o que

O ESTUDO APONTA DIFICULDADES ENVOLVENDO A PARTICIPAÇÃODOS TRABALHADORES, O QUE

reflete tanto o crescimento da te-

PODE SIGNIFICAR TANTO UM ALHEAMENTO DOS

ra seja no município que as pres-

‘instâncias ambientais’ apresentam

mática ambiental quanto os investimentos na criação da vigilância ambiental, principalmente a partir da implantação do VIGISUS e da criação de estrutura específica dessa área no MS. Várias temáticas têm

SERVIÇOS DAS INSTÂNCIASDE REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES, COMO UMA FALTA DE PRIORIDADE POR PARTE DO MOVIMENTO SINDICAL PARA ATUAR NESTE NÍVEL DE CONTROLE

em problemas mais diretamente vinculados à sua realidade, embosões maiores ocorrem, tornando tais conselhos mais vulneráveis que os de âmbito estadual. Apesar da relevância das demandas sindicais, o estudo aponta dificuldades envolvendo a participação

sido trabalhadas conjuntamente

dos trabalhadores, o que pode sig-

entre o SUS e os órgãos que com-

nificar tanto um alheamento dos

põem o Sistema Nacional de Meio

torial, o que deve ser superado

serviços das instâncias de represen-

Ambiente (S ISNAMA ), abarcando te-

através de novos e continuados es-

tação dos trabalhadores, como uma

mas como resíduos sólidos, polui-

forços de âmbito federal e regio-

falta de prioridade por parte do mo-

ção atmosférica e ruído urbano.

nal, dada a importância do proble-

vimento sindical para atuar neste

Em estados como a Bahia, as arti-

ma dos agrotóxicos e as expecta-

nível de controle. Nesse último caso

culações avançaram através da in-

tivas de uma intensificação da re-

expressa, provavelmente, o declí-

serção da saúde dos trabalhado-

forma agrária no país.

nio da ação sindical como conse-

res na Lei Estadual do Meio Ambien-

Com relação às instâncias de

qüência das alterações do mundo

te e nos processos de licenciamen-

participação, apesar da maioria dos

do trabalho, caracterizadas pelo

to. Quanto aos ‘órgãos da Agricul-

serviços investigados (57% dos mu-

desemprego, pela flexibilização dos

tura’, a articulação vem se desen-

nicipais e 73% dos estaduais) não

direitos e pelas relações de traba-

volvendo em algumas regiões onde

contarem com um conselho gestor

lho, e precarização dos vínculos

a problemática dos agrotóxicos é

específico que propicie a atuação

(LACAZ, 2001).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

203

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

CONCLUSÃO

como o aprofundamento de ações

o que não deveria significar a di-

articuladas e integradas envolven-

luição da importância do papel do

Apesar das diversas fragilidades

do várias instâncias intra e extra-

SUS. Nesse sentido, o setor Saúde

encontradas nas experiências inter-

setoriais ao setor saúde. Por exem-

funciona mais como um catalisa-

setoriais de VST do SUS, como a

plo, precisam ser ampliadas as re-

dor do que como executor das ações

ausência de vínculos formais entre

lações com várias organizações não-

de promoção, que dependem de

as instituições para dar sustentação

governamentais e os setores respon-

outros setores de governo dentro de

às ações e que pudessem caracteri-

sáveis pela formação de recursos

uma política intersetorial.

zar uma política efetiva nessa área,

humanos, inovação e desenvolvi-

estas apresentam uma rica varieda-

mento tecnológico.

O futuro das ações de promoção da saúde está fortemente relaciona-

de de práticas que caminham na di-

Acreditamos que a proposta con-

do à articulação não só entre as vi-

reção dos princípios do SUS, apon-

ceitual apresentada de redes inter-

gilâncias, mas também com os mo-

tando para uma visão democrática

setoriais para compreender o desen-

vimentos sociais e as instâncias es-

de promoção da saúde e que pode

truturantes dos processos de desen-

progredir em direção a um novo

volvimento regional, caminhos im-

modelo. Os dados do estudo empíri-

portantes que começam a ser trilha-

co revelam relações intersetoriais ainda limitadas, com ações em rede ainda incipientes e que exigem maior nível de coordenação e formalização para uma maior efetivação do potencial existente. Boa par-

CONTANDO COM A DEDICAÇÃO DE INÚMEROS PROFISSIONAIS QUE ‘REMAM CONTRA A MARÉ’, PODE -SE APREENDER A

dos. Ao pensarmos no papel do SUS

EMERGÊNCIA DE UM MODELO QUE CONJUGA

análises de situação de saúde visan-

te desta limitação decorre da falta

A ASSISTÊNCIA E A VIGILÂNCIA/ INTERVENÇÃO

do interesse político na década de

E QUE PRECISA AVANÇAR

na perspectiva do desenvolvimento, torna-se imperativo serem ampliadas as concepções de território e do incluir, além dos moradores e usuários dos serviços locais, os trabalhadores, os ambientes de traba-

1990 do próprio governo federal e,

lho e os riscos ambientais enquanto

conseqüentemente, de uma Política

objetos de investigação e intervenção

de Estado de saúde dos trabalhado-

no conjunto das questões locais de

res mais abrangente. Tal limitação

volvimento das ações integradas e

saúde, integrando-as com uma con-

dificulta o engajamento das instân-

intersetoriais de VST pode ser in-

cepção abrangente de desenvolvimen-

cias dirigentes nos vários setores e

corporada por outras áreas da saú-

to regional e local sustentável.

instituições com as quais o SUS se

de para discutir o desenvolvimento

O atual momento histórico, que

articula em suas ações de VST. Ape-

de ações intersetoriais de promo-

vem fragilizando o pólo trabalho

sar disso, e contando com a dedica-

ção da saúde, dado que a interse-

e suas formas clássicas de repre-

ção de inúmeros profissionais que

torialidade é reconhecidamente im-

sentação, também indica a neces-

‘remam contra a maré’, pode-se

portante em todas as áreas. A cons-

sidade de novas estratégias de ar-

apreender a emergência de um mo-

trução de redes surge como estra-

ticulação e intervenção com e na

delo que conjuga a assistência e a

tégia de fortalecimento do SUS para

sociedade. Ao longo dos anos 1990,

vigilância/intervenção e que preci-

enfrentar problemas complexos, as-

esta fragilidade pôde ser observa-

sa avançar. Para tanto, vários desa-

sociando inúmeros e heterogêneos

da no emperramento de espaços in-

fios ainda necessitam ser superados,

atores através de diferentes formas,

terinstitucionais de negociação e

204 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)

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nistérios da Saúde, Trabalho e Pre-

localidade de São Paulo. Revista de

vidência Social. As ações do GEI -

Saúde Pública, São Paulo, v. 37, n.

SAT

têm sido limitadas diante da

falta de políticas integradas na esfera federal, refletindo a fragmentação e descontinuidade de políticas entre instituições que possuem culturas diferenciadas. Do ponto de vista intra-setorial e enquanto fator condicionante do próprio desenvolvimento das ações intersetoriais pelo setor saúde, uma importante questão a ser enfrentada é a da integração entre as várias vigilâncias e os modelos de promoção da saúde atualmente em discussão no país. Nesse sentido, o Congresso da ABRASCO de 2003 trou-

4, p. 409-416, 2003. L ACAZ, Francisco Antonio de Castro. Saúde do Trabalhador: um estudo sobre as formações discursivas da academia, dos serviços e do movimento sindical. Tese (Doutorado). Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP , 1996. . Sobre a necessidade de revisão do atual modelo de atenção à saúde do trabalhador no SUS. Livro de Resumos... VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, 2000,

. Saúde do Trabalhador:

integradas, pela primeira vez, dos

cenários e perspectivas numa con-

diferentes grupos temáticos que

juntura privatista. Conferência pro-

possuem interesses comuns, embo-

ferida nos Seminários de Saúde e

ra tradicionalmente suas reflexões

Trabalho. Departamento de Medici-

e propostas venham sendo produ-

na Preventiva e Social (DMPS) da

zidas de forma isolada. As temáti-

Faculdade de Medicina (FM) da Uni-

cas são: vigilâncias sanitária, saú-

versidade Federal de Minas Gerais

de ambiental, educação em saúde,

(UFMG), 2001.

máticas e a construção de uma agenda comum de aprofundamento conceitual e troca de experiências poderá se configurar numa es-

L AURELL, Asa C.; NORIEGA, M. Processo de Produção e Saúde. Trabalho e Desgaste Operário. São Paulo: C EBES/

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P ORTO, Marcelo Firpo de Souza. Trabalho Industrial, Saúde e Ecologia.

tratégia que contribua para a mu-

L ACAZ, Francisco Antonio de Castro;

Tese (Doutorado). Coordenação dos

dança dos atuais paradigmas que

MACHADO, Jorge Mesquita Huet; POR-

Programas de Pós-Graduação em

dão sustentação ao SUS.

TO,

Engenharia da Universidade Fede-

Marcelo Firpo de Souza. Estudo

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

205

PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet

ral do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 1994. PORTO , Marcelo Firpo de Souza; MA CHADO,

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206 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão The Three Spheres of Government and the building of SUS: a revision

Celia Almeida 1 RESUMO A reforma na setorial e a criação do SUS significou de fato, no plano legal, uma mudança extremamente expressiva na política de saúde brasileira. A descentralização do SUS é o eixo central de sua implementação. Pretendese privilegiar a análise das relações intergovernamentais estabelecidas pelo processo de descentralização. Sugere-se a revisão dos mecanismos de transferências financeiras e de indução implementados pelo nível central. Propõe-se, também, repensar a atuação dos fóruns participativos institucionalizados com a reforma. Conclui-se que é necessário repensar que sistema de saúde queremos e quais mecanismos devem ser privilegiados na sua implementação. DESCRITORES: Descentralização; Financiamento da Saúde; SUS.

ABSTRACT The sector reform and the creation of SUS meant in fact a legal change, extremely expressive in the Brazilian health policy. The decentralization of SUS is the core axis of its implementation, focusing on the analysis of intergovernmental relations established by the process of decentralization. MD, MPH, Ph. D, pesquisadora, docente do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (D APS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) Av. Brasil, 4.036 – sala 707 – Manguinhos CEP 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: [email protected] 1

A revision of financial transfer and induction mechanisms implemented by the central level is suggested. It is also proposed that the role of institutionalized participation forums be reviewed with the reform. It is imperative to reanalyze the kind of health system we want and which mechanisms should be privileged in its implementation. DESCRIPTORS: Decentralization; Health Financing; SUS.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

207

ALMEIDA, Celia

INTRODUÇÃO

tação da reforma, mudando a ma-

existindo diversas maneiras de me-

neira de alocação de recursos, ins-

dir o cumprimento de objetivos na

A Reforma Sanitária brasileira foi

titucionalizando os fóruns partici-

sua implementação. Cada uma delas

formulada na perspectiva de rom-

pativos no processo decisório, de-

produz diferentes resultados. A atua-

per com o modelo corporativista tra-

finindo estratégias prioritárias e

ção do Estado no campo social e sua

dicional, reverter a linha privatizante

mecanismos de indução que preten-

inter-relação com a sociedade tam-

da política setorial e integrar áreas

dem impulsionar a reorganização

bém podem ser examinadas acom-

correlatas de política social, histó-

dos sistemas locais de saúde numa

panhando as conseqüências das po-

rica e estruturalmente tratadas em

perspectiva transformadora.

líticas de reforma já institucionali-

separado. Formalizou um conceito

Pode-se afirmar, hoje, que a des-

zadas, pois, uma vez implementa-

ampliado de saúde (correlacionan-

centralização do sistema de servi-

das, interferem com interesses cons-

do-a com condições de vida, traba-

ços de saúde para o nível munici-

tituídos, mudam a agenda pública e

lho e lazer) e mecanismos de parti-

pal, sobretudo da atenção básica e

os padrões de conflito entre grupos

cipação e controle social. Propôs a

que impulsionam as mudanças sub-

instituição do Sistema Único de Saú-

seqüentes (SKOCPOL; AMENTA , 1986). Em

de (SUS), com acesso universal e

síntese, as causas e os objetivos ori-

igualitário, atenção integral em to-

A REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA FOI

dos os níveis, com privilégio do se-

FORMULADA NA PERSPECTIVA DE ROMPER COM

não são necessariamente os mesmos

tor público e regulação efetiva so-

O MODELO CORPORATIVISTA TRADICIONAL,

que determinam os seus desenvolvi-

para sua operacionalização, recupe-

REVERTER A LINHA PRIVATIZANTE DA POLÍTICA

resistência dos perdedores ou oposi-

ração e ampliação do sistema de

SETORIAL E INTEGRAR ÁREAS CORRELATAS

cionistas, mas pela inerente dinâmi-

serviços de saúde segundo a base

DE POLÍTICA SOCIAL, HISTÓRICA E

ca de sua operacionalização: freqüen-

ESTRUTURALMENTE TRATADAS EM SEPARADO

política de reforma traz resultados

bre o setor privado. Pressupunha,

geográfico-territorial, além de descentralização e fortalecimento do

ginais de uma determinada política

mentos. E isto se dá não apenas pela

temente a implementação de uma

poder local; revisão das fontes e

inesperados ou não previstos por

mecanismos de financiamento (in-

seus formuladores.

clusive tributação); mudança dos

ambulatorial, é inegável. Entretan-

As estruturas estatais e o dese-

mecanismos de compra de serviços

to, vários têm sido os percalços e

nho institucional afetam o processo

e das relações com os produtores de

as dificuldades nesse percurso. Ava-

decisório de uma determinada polí-

insumos e equipamentos. Com a

liar a gestão de uma política de re-

tica, a partir de mecanismos admi-

implementação do SUS pretendia-se,

forma setorial cujos mecanismos de

nistrativos e também políticos (EVANS;

portanto, materializar o direito de

operação do sistema de serviços fo-

RUESCHEMEYER ; SKOCPOL , 1985; S KOCPOL;

cidadania na saúde.

ram seu principal eixo de implemen-

AMENTA, 1986; ARRETCHE, 2003). Po-

A reforma setorial e a criação

tação pressupõe analisar em que

rém, a forma de implementação, os

do SUS significou, de fato, no pla-

medida esses instrumentos estão, de

mecanismos e incentivos, os instru-

no legal, uma mudança extrema-

fato, possibilitando o alcance dos

mentos de indução e controles esco-

mente expressiva na política de saú-

objetivos formulados inicialmente.

lhidos para operacionalizar e gerir

de brasileira. A descentralização do

Os efeitos de uma política podem

determinada política interferem na

SUS é o eixo central da implemen-

ser analisados de várias formas,

qualidade de ação dos governos,

208 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão

assim como nas formas de medir

temáticos, discutidos pelo Ministé-

esferas governamentais. Fatores po-

seus resultados, e refletem valores

rio da Saúde (MS) – que identifica

líticos e conjunturais foram particu-

e escolhas políticas em momentos

para cada um deles lacunas e desa-

larmente importantes nesse proces-

específicos, revelando os objetivos

fios a serem enfrentados e diretrizes

so (como a ‘era Collor’ e a sua desti-

estratégicos de diferentes opções.

de atuação para o avanço na con-

tuição), porém, a especificidade do

Sendo assim, não são apenas os

solidação do SUS e da reforma se-

novo pacto federativo brasileiro, que

atributos da gestão local que garan-

torial (BRASIL, 2003).

começou a ser desenhado na década

tem o cumprimento dos objetivos da

Este artigo pretende contribuir

de 1980, refletiu de forma particular

reforma. “Modificações nos instru-

para a discussão, privilegiando a

na área da saúde, condicionando o

mentos não significam (...) modifi-

análise de um desses eixos temáti-

ritmo de implementação da reforma

cação de paradigma, isto é, na hie-

cos que, por outro lado, é uma das

e alguns de seus impasses.

rarquia de objetivos de uma política

dimensões centrais da implementa-

Na área social como um todo, e

pública” (HALL, 1993 apud ARRETCHE ,

ção do SUS: as relações intergover-

de saúde em particular, como se tra-

2003. p. 332). Apesar disso, os ins-

ta de políticas nacionais com cará-

trumentos escolhidos e a forma de

ter redistributivo (S ANTOS, 1998), nos

operacionalização do desenho insti-

diversos países a estrutura federa-

tucional podem, de fato, alterar os objetivos iniciais de uma política. Daí a necessidade de um processo

O DIREITO LEGAL DE ACESSO UNIVERSAL E EQÜITATIVO A AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE

tiva do Estado sem sombra de dúvida é um fator importante mas não impeditivo a priori da implementa-

contínuo e permanente de avaliação,

EM TODOS OS NÍVEIS DE COMPLEXIDADE VEM

ção dessas políticas. O desenvolvi-

revisão e correção de rota, desde que

SENDO ASSEGURADO A TODO CIDADÃO

mento histórico dos sistemas de saú-

os objetivos iniciais se mantenham vigentes, assim como a vontade po-

BRASILEIRO COMO REGISTRADO NA

C ONSTITUIÇÃO DE 1988?

lítica de alcançá-los.

de no século XX oferece exemplos elucidativos do esforço desenvolvido para a garantia de implementa-

Nessa perspectiva, a pergunta

ção de direitos universais de acesso

fundamental que permanece no de-

a serviços de saúde, segundo prin-

bate é: o direito legal de acesso uni-

cípios nacionais, tanto em países

versal e eqüitativo a ações e servi-

namentais estabelecidas pelo proces-

com sistemas centralizados em ter-

ços de saúde em todos os níveis de

so de descentralização do sistema.

mos de financiamento e mais orga-

complexidade vem sendo assegurado a todo cidadão brasileiro como registrado na Constituição de

nizados em redes regionais, hierar-

RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS

1988? Ou, em outras palavras, em

quizadas e articuladas localmente (como o Reino Unido) (RUGGIE, 1996; BUTLER , 1994) quanto em países

que medida o processo de imple-

A implementação do SUS teve um

muito descentralizados (como Sué-

mentação do SUS está caminhan-

caráter claramente municipalista.

cia e Canadá) (TSALIKIS, 1989; IMMERGUT ,

do nessa direção?

Ainda que constitucionalmente o

1992). Também temos exemplos pa-

Com a realização da 12 Confe-

município seja definido como respon-

radigmáticos da importância da re-

rência Nacional de Saúde (CNS, de-

sável pela gestão de serviços e ações

gulação em sistemas fragmenta-

zembro de 2003), essa discussão é

de saúde, previa também a coopera-

dos, mas administrados corporati-

crucial e foram definidos dez eixos

ção técnica e financeira das demais

vamente e sob segura batuta cen-

a

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

209

ALMEIDA, Celia

tral (como a Alemanha) (L EICHTER,

A descentralização setorial no Bra-

constrangimentos econômicos ganha-

1979; S TONE, 1980; GIOVANELLA, 2001);

sil está inserida num processo mais

ram destaque (ALMEIDA, 1996. p. 16).

assim como da implementação de

amplo de passagem de uma forma

A Constituição de 1988 de fato

programas nacionais em países

extrema de federalismo centralizado

definiu um novo arranjo federativo,

igualmente descentralizados, mas

para alguma modalidade de federa-

com significativa transferência de

sem uma política de saúde univer-

lismo cooperativo, ainda não comple-

recursos, capacidade decisória e

sal (como os EUA) (RUGGIE , 1996;

tamente definido (veja-se o atual de-

funções. A federação brasileira re-

STARR, 1991). O que muda em cada

bate sobre a reforma tributária). O fato

desenhada se caracteriza por forte

país é o caráter da política de saúde

desse processo ter sido iniciado antes

descentralização das competências

como política social (ordem e ritmo

de 1988 está mais vinculado à dinâ-

tributárias, sem mecanismos de re-

da intervenção estatal, escopo da le-

mica da democratização e crise fis-

distribuição horizontal da receita

gislação, esquema de financiamen-

cal do Estado, que foram os grandes

arrecadada, perpetuando as dispa-

to, formato burocrático e institucio-

condicionantes e determinantes da

ridades inter-regionais; alta descen-

nal de administração); e a natureza

tralização do gasto final de governo

do federalismo, das transferências

(maior inclusive para o gasto so-

e dos incentivos, como também a

cial, com exceção da Previdência So-

forma de implementá-los. O federalismo pressupõe relações intergovernamentais “constitutiva-

A DESCENTRALIZAÇÃO SETORIAL NO B RASIL ESTÁ INSERIDA NUM PROCESSO MAIS AMPLO

cial); e elevado nível de autonomia orçamentária, principalmente para os municípios (A FONSO, 1994; D AIN,

mente competitivas e cooperativas”,

DE PASSAGEM DE UMA FORMA EXTREMA DE

1995; P RADO, 2001). Isto significou

com modalidades de interação en-

FEDERALISMO CENTRALIZADO PARA ALGUMA

também, inicialmente, uma subs-

tre níveis “necessariamente baseadas na negociação”. Entretanto, as

MODALIDADE DE FEDERALISMO COOPERATIVO,

relações entre federalismo e descen-

AINDA NÃO COMPLETAMENTE DEFINIDO

tancial perda relativa da União na receita fiscal do país (ROSA , 1989 apud MELO ; AZEVEDO , 1996), recupe-

tralização são sempre complexas,

rada depois com o aumento da car-

pois configuram “um compromis-

ga e recentralização tributária (com

so particular entre difusão e con-

o Fundo de Estabilização Fiscal e a

centração do poder político em vir-

transformação do sistema federativo

Lei Kandir) (PRADO, 2001; L ESBAUPIN,

tude de algum modelo compartilha-

brasileiro, em curso há praticamen-

2000), e transferiu primeiro recursos,

do de nação e de graus socialmen-

te duas décadas, no qual a política

sem definição clara dos encargos cor-

te desejados de integração política

social é apenas um dos elementos

respondentes e sem uma estratégia

e de eqüidade social” (ALMEIDA ,

(A LMEIDA, 1995; 1996; M ELO, 1993;

de redefinição das respectivas com-

1996. p. 14). E, no caso brasileiro,

MELO; AZEVEDO, 1996), do que especi-

petências dos níveis de governo (AFON -

esse compromisso e esse modelo

ficamente à política de reforma seto-

SO, 1994; MELO ;A ZEVEDO, 1996; PRADO,

não são claros e os formatos im-

rial. Esses dois fatores – econômico

2001), retirando-os posteriormente,

plementados são carregados de con-

e político – ainda que concomitan-

mas mantendo os encargos e sobre-

tradições, moldados à princípio

tes, tiveram pesos e influência diver-

carregando o nível local.

pela transição política e, posterior-

sos, sendo que nos anos 1980 os

Esse desenvolvimento peculiar

mente, pela dinâmica dos ajustes

impulsos democratizantes foram

teve duas conseqüências principais:

macroeconômicos.

mais importantes e, após 1988, os

não há qualquer orientação geral

210 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão

para a necessária adequação dos

‘aproximar’ os governantes das ne-

O recurso às normas operacio-

mecanismos de financiamento fede-

cessidades da população, responsa-

nais para implementar a descentra-

rativo, sendo que grande parte do

bilizando-os por suas políticas, e in-

lização na saúde foi a resposta do

processo de descentralização é co-

crementar o acesso da população aos

executivo setorial frente a essa si-

mandado pela dinâmica desse finan-

serviços sociais. A falta de um cen-

tuação federativa e a partir delas

ciamento, e inverte-se a relação de

tro de comando do processo foi par-

tem-se tentado estruturar uma des-

determinação: é a descentralização

ticularmente importante, resultando

centralização planejada de encargos

financeiro-orçamentária que define

em disputas e explicitação de dis-

entre níveis de governo. O SUS,

a descentralização dos encargos, ou

tintos projetos com diferentes obje-

como política nacional e como op-

em outras palavras – “a receita ten-

tivos e prioridades, perpetuando

ção de implementação da reforma

de a gerar seus próprios gastos”

lógicas particulares de ações seto-

na saúde, não partiu de um modelo

(PRADO, 2001. p. 2). Embora alguns

riais que presidiram a redistribui-

acabado, mas foi se desenhando

municípios tenham ampliado de for-

ção de competências e atribuições

paulatinamente, ao sabor dos diri-

ma importante suas receitas pró-

gentes no poder e das formas espe-

prias e inovado de forma significati-

cíficas encontradas para superar os

va a gestão local (L ESBAUPIN, 2000), os

freqüentes impasses conjunturais,

instrumentos que operam a distribuição dos recursos entre níveis de governo ganham especial importância, sendo essencial avaliar os mecanismos que determinam a capacidade de gasto dos governos sub-nacionais, especialmente os municípios. No âmbito das políticas sociais,

NOS ANOS 1990,

financeiros e políticos. Por outro lado, a arena decisória estruturada

A ÁREA SOCIAL FOI

com a descentralização politizou de

NEGLIGENCIADA, EM

forma importante o processo de decisão. Daí os sucessivos ajustes que

FUNÇÃO DAS PRIORIDADES

as diferentes normas proporciona-

ESTABELECIDAS PELO AJUSTE

ram. A forma de transferência de recursos aos estados e municípios

MACROECONÔMICO

a descentralização teve motivações

anteriores aos anos 1990 teve ca-

diversas daquelas que geraram a

racterísticas bastante diferentes da-

redefinição do pacto federativo, mas

quelas verificadas ao longo da dé-

também apontaram para a munici-

nas diferentes áreas (ALMEIDA, 1996.

cada (MÉDICI, 1996, VIANA, 1996;

palização. Além disso, não existe

p. 17-18). E, nos anos 1990, a área

C OSTA ; SILVA ; RIBEIRO , 1999; COSTA ,

consenso sobre os graus desejados

social foi negligenciada, em função

2001; L EVCOVITZ ; L IMA ; M ACHADO ,

de integração política e eqüidade so-

das prioridades estabelecidas pelo

2001). O importante é analisar os ru-

cial, embora esses termos freqüen-

ajuste macroeconômico.

mos que essas sucessivas correções

tem o discurso político-reformista.

O que se espera do atual gover-

de rota estão imprimindo à reforma.

Concretamente, nos anos 1980, com

no Lula é a reversão desse modelo e

a transição, não se tratava de redefi-

a priorização da política social como

nir a natureza da intervenção públi-

metapolítica (S ANTOS, 1998), isto é,

ca de caráter social no âmbito de um

a política que deveria orientar to-

A questão central que permane-

novo pacto federativo que fortaleces-

das as demais, e não a perpetuação

ce no debate é a da autonomia da

se os estados, mas de redistribuir

de sua submissão às políticas ma-

gestão local versus implementação

competências e funções de forma a

croeconômicas de ajuste financeiro.

de políticas de escopo nacional: a

AUTONOMIA LOCAL X CONTROLE CENTRAL

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

211

ALMEIDA, Celia

autonomia plena seria desejável em

mendação de mecanismos que indu-

rogeneidade não significam neces-

nome da democracia e da heteroge-

zam maior ou menor autonomia,

sariamente fragmentação e impos-

neidade, mas é fortemente dependen-

uma análise mais precisa depende-

sibilidade de implementação de prin-

te da eficiência e competência dos

ria de vários fatores, mas ressalta-

cípios nacionais. E as diferentes

sistemas decisórios locais e tenden-

se entre eles a necessidade de maior

transferências financeiras para dis-

te a produzir mais fragmentação e

clareza sobre o padrão de autono-

tintos programas ou atividades, tam-

perpetuar desigualdades; a vincula-

mia municipal vigente na enorme

bém não são uma invenção brasilei-

ção condicionada, tal como imple-

diversidade da realidade local. Por

ra nem um problema per se, poden-

mentada, transformou os municípios

outro lado, a vinculação é uma al-

do ser interpretadas como respostas

em ‘preenchedores de requisitos

ternativa correta para o SUS, mas

específicas a distintos problemas.

burocráticos’, inibindo a criativida-

deve ser formatada para ajustar as

Mas as formas de pagamento e os

de e o desenvolvimento de capaci-

transferências efetuadas de forma

mecanismos que balizam essas trans-

dade local para enfrentar demandas

dinâmica e eficiente (P RADO, 2001),

ferências fazem toda a diferença.

diferenciadas (GOULART, 2001; BARROS, 2001). Aparentemente, essa dinâmica espelha, por um lado, a falta de confiança do nível central na capa-

O RESULTADO CONCRETO TEM SIDO

TRANSFERÊNCIAS FINANCEIRAS E INDUÇÃO CENTRAL

cidade de implementação local, que

EXCESSIVA NORMATIZAÇÃO BUROCRÁTICA,

Na experiência de diversos paí-

não é infundada; mas também o afã

REDUÇÃO DO PODER DE DECISÃO LOCAL E

ses, sobretudo os desenvolvidos e

do executivo federal na definição de critérios ‘precisos’, que garantam o

CONTROLES FUNCIONAIS DESVINCULADOS DA

cumprimento de parâmetros de po-

AVALIAÇÃO DE RESULTADOS, CONFIGURANDO

lítica nacional fixados centralmen-

O QUE ALGUNS AUTORES DENOMINARAM

te. O resultado concreto tem sido excessiva normatização burocrática,

“DESCENTRALIZAÇÃO TUTELADA”

que incluem a saúde na cesta de benefícios do Estado de Bem-estar Social, por sua natureza e por opção política, a área de saúde tem sempre algum grau de gestão centralizada de recursos, ainda que a

redução do poder de decisão local e

execução do gasto seja (e em geral

controles funcionais desvinculados

é) descentralizada. E isto é verdade

da avaliação de resultados, configu-

mantendo coerência entre os instru-

mesmo em países em que a maior

rando o que alguns autores denomi-

mentos introduzidos e os objetivos

parte da arrecadação de recursos

naram “descentralização tutelada”

da política que se quer implemen-

que financia o sistema é local, como

(ARRETCHE; RODRIGUEZ , 1999. p. 130).

tar. Apontaremos apenas algumas

na Suécia. Em geral, os aportes fe-

questões para reflexão que nos pa-

derais (ou estaduais) priorizam ati-

recem importantes.

vidades ou programas que induzem

Sendo assim, a diretriz do Ministério da Saúde de “superação do processo burocrático-normativo”

Os objetivos gerais de uma polí-

um nível de gasto superior ao que

(B RASIL, 2003. p. 11) é correta, mas

tica de saúde que se pretende uni-

resultaria de decisão orçamentária

seria importante discutir melhor os

versal podem (e devem) ser nacio-

local e se destinam à indução do

instrumentos e mecanismos a se-

nais e similares, mas não necessa-

cumprimento de determinados obje-

rem instituídos.

riamente a sua implementação deve

tivos, definidos pelos governos de

Embora seja difícil estabelecer

ser “isonomista” (G OULART, 2001); em

níveis superiores ou acordados no

uma base lógica e simples de reco-

outras palavras, diversidade e hete-

pacto federativo, normalmente com

212 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão

a finalidade de superar desigualda-

pecífico de gasto, o que reduziria o

De uma maneira geral, quando

des e heterogeneidades. E, para tal,

custo marginal do gasto social e ten-

a demanda e a necessidade podem

as condicionalidades são necessá-

deria a superar a sub-otimalidade do

ser quantificadas com alguma pre-

rias e amplamente utilizadas. Nor-

gasto local (P RADO, 2001; FERREIRA ,

cisão, o que não é tarefa fácil mas

malmente são operadas como

2002). O problema é que esse siste-

não impossível, a vinculação entre

transferências negociadas, ou con-

ma exige um monitoramento rigoro-

o recurso financeiro repassado e as

dicionadas, de caráter complemen-

so para coibir o incentivo às fraudes

atividades específicas têm grande

tar e adicionais às transferências le-

embutido na contabilização dos gas-

chance de ser bem sucedidas, como

gais, sendo mais ‘flexíveis’ e diri-

tos. Federações altamente descentra-

por exemplo, no controle das ende-

gidas a políticas seletivas, na pers-

lizadas, com estados e municípios

mias (e outros programas verticais).

pectiva de propiciar maior unifor-

extremamente autônomos, inclusive

No caso brasileiro, esse controle his-

midade nos padrões do gasto per

em termos de arrecadação fiscal,

toricamente era realizado de forma

capita, ou para atender situações

como por exemplo, o Canadá (S TE-

centralizada, com relativo grau de

emergenciais ou excepcionais.

sucesso, e foi desorganizado tanto

O sistema de transferência de re-

pelo stress fiscal quanto pelo pro-

cursos ‘em bloco’ (block grants), uti-

cesso de descentralização, com re-

lizado pelo SUS, é independente da contribuição do nível local para a

A VINCULAÇÃO ENTRE O RECURSO

provisão de serviços, induz as áreas

FINANCEIRO REPASSADO E AS ATIVIDADES

menos povoadas a gastarem menos com saúde e privilegia as áreas ur-

ESPECÍFICAS TÊM GRANDE CHANCE DE SER

banas, estimulando a competição fis-

BEM SUCEDIDAS, COMO POR EXEMPLO, NO

cal com municípios vizinhos. O re-

CONTROLE DAS ENDEMIAS

curso a limites mínimos do gasto em

crudescimento de epidemias. Naqueles anos, quando a disponibilidade financeira foi menor, o programa que mais sofreu cortes foi o de Controle de Doenças Transmissíveis que, em 1996, alcançou o patamar mais baixo de gasto e, embora tendo recuperado mais recursos na segun-

saúde (Emenda Constitucional 29)

da metade da década, a proporção

também tenderá a prejudicar aque-

que lhe foi destinada em 1999 era

les municípios menores (menos de 10

menor que a de 1993 (REIS; R IBEIRO;

mil habitantes), uma vez que os

VENSON ;

WILLIANS; V AYDA, 1988) e a

P IOLA, 2001). E existem indícios de

maiores já atingiram o patamar de

Suécia (I MMER GUT, 1992; A NELL ,

que a descentralização também afe-

gasto preconizado (FERREIRA, 2002. p.

1996), historicamente têm utiliza-

tou de forma importante esses pro-

6), além de praticamente pouco ou

do ambos os métodos de transferên-

gramas, primeiro porque não foram

nada alterar em relação ao gasto

cias, mas sempre na perspectiva de

contemplados nas primeiras nor-

atual (MÉDICI, 2002). Outra alternati-

garantir a coordenação central dos

mas, centradas fundamentalmente

va, bastante utilizada em certos

rumos do sistema de saúde numa

na assistência médica; e segundo

países são as chamadas ‘transferên-

perspectiva universal e mais eqüi-

pela desorganização local frente à

cias casadas’ (matching grant),

tativa. Em síntese, centralização e

retirada do nível central que coman-

quando o governo central paga uma

descentralização pressupõem o es-

dava e operava os programas verti-

parcela fixa do total de gastos do ní-

tabelecimento de uma relação dia-

cais localmente (BRITO, 2002).

vel local, regulado em função do seu

lética entre distintos níveis e ato-

Quanto à priorização da atenção

interesse em incentivar um tipo es-

res e não polarizações excludentes.

básica e dos repasses de recursos

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

213

ALMEIDA, Celia

per capita, são recomendados para

nova sistemática distributiva, ape-

(como os programas especiais – Pro-

os casos de países com níveis ele-

sar de igualar valores per capita

grama Saúde da Família [PSF] e Pro-

vados de pobreza e grande desigual-

para o financiamento de atividades

grama de Agentes Comunitários de

dade de distribuição de renda, na

ambulatoriais consideradas básicas,

Saúde [P ACS]), por um lado, e os de-

perspectiva de garantir níveis míni-

não leva em conta as desigualda-

mais procedimentos de maior com-

mos de atendimento de serviços bá-

des inter-regionais, seja no que se

plexidade e a atenção hospitalar, por

sicos, não proporcionados por boa

refere às necessidades de saúde, seja

outro, não estão direcionados para

parte dos governos locais. Por ou-

em relação à rede existente de ser-

induzir a maior integração dos dis-

tro lado, a experiência de países da

viços nas diferentes regiões (A LMEIDA

tintos níveis de complexidade da

OECD demonstra que a atenção pri-

et al., 1999). Portanto, o efeito ho-

atenção e aumentar a resolutivida-

mária (ou básica) tem sido priori-

mogeneizador do PAB (L EVCOVITZ;

de do sistema, nem levam em con-

zada, mesmo naqueles sistemas

LIMA ; MACHADO , 2001. p. 288), embo-

sideração a especificidade da reali-

mais hospitalocêntricos (como a

ra possa ser mais redistributivo,

dade local, configurando, de fato,

Suécia), ou nos tipicamente ‘libe-

um ‘pacote básico’ e ‘gargalos’ de

rais’ nesse nível de atenção (como

acesso que dificultam a mobilidade

a França). Os mecanismos e metas

OS PLANOS PRIVADOSDE SAÚDE REPRESENTAM

do usuário entre distintos serviços

variando do repasse per capita, pa-

MAIS UMA SEGMENTAÇÃO NA ESTRUTURA DE

assimetrias históricas entre o setor

gamento por capitação, por proce-

CONSUMO DE SERVIÇOS, QUE APROFUNDA AS

público e o privado, cujo mix de ser-

são diferentes de um país a outro,

dimento ou contratos, dependendo da especificidade de cada sistema.

DESIGUALDADES GEOGRÁFICAS E SOCIAIS

no sistema. Tampouco alteram as

viços é diferente em cada localidade, estruturado segundo uma lógi-

Mas de uma maneira geral, essas

EXISTENTES , UMA VEZ QUE A DISTRIBUIÇÃO

reformas têm a perspectiva de di-

DAPOPULAÇÃO COBERTA E NÃO-COBERTAÉ

ca, sem relação com as necessida-

HETEROGÊNEA E PRIVILEGIA AS REGIÕESMAIS RICAS

planos privados de saúde represen-

minuir o gasto hospitalar e reduzir o número de leitos, por um lado,

ca de oferta desordenada e casuístides de saúde da população. E os

mas também buscam melhorar a

tam mais uma segmentação na es-

eficiência produtiva nesse nível de

trutura de consumo de serviços, que

atenção, definir porta de entrada no

pode não ser mais eqüitativo, uma

aprofunda as desigualdades geográ-

sistema, promover a integração pla-

vez que o alcance da eqüidade pres-

ficas e sociais existentes, uma vez

nejada entre níveis e focalizar em

supõe a distribuição desigual de

que a distribuição da população

medidas de prevenção (O R, 2002;

recursos, para compensar as desi-

coberta e não-coberta é heterogênea

SMEE, 2002; REHNQVIST , 2002; KLAZIN -

gualdades (P ORTO, 1997; A LMEIDA et

e privilegia as regiões mais ricas

GA,

al., 1999). Além disso, o uso das

(T RAVASSOS et al., 2000).

D ELNOIJ ; KUL U-G LASGOW , 2002;

WOFSON ; ALVAREZ, 2002).

séries históricas como base de cál-

Os incentivos, por sua vez, não

Com as mudanças na alocação

culo para o financiamento da aten-

necessitam ser exclusivamente fi-

de recursos para a atenção básica

ção básica, sem ajustes por algum

nanceiros, podendo estar direciona-

no SUS, a partir de 1998 (com o Piso

indicador de necessidades, perpetua

dos para as ‘funções nobres’ do ní-

de Atenção Básica - PAB), observa-

a desigualdade ou as carências his-

vel federal (BARROS, 2001), fundamen-

se alguma melhora na redistribui-

tóricas. E as diferentes estratégias e

talmente redistributivas, isto é, me-

ção de recursos. Entretanto, essa

os incentivos para a atenção básica

lhorar os níveis de eqüidade do sis-

214 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão

tema de serviços – investimento em

tratos ‘em bloco’, que preservam a

dá) (WOLSON ; A LVAREZ, 2002; CIHI ,

capacidade instalada, avaliação tec-

experiência histórica dos serviços e

2001) e Suécia (REHNQVIST , 2002; ANE -

nológica, suporte técnico, desenvol-

os custos de transação são altos,

LL ,

vimento de capacidade de implemen-

postergando a avaliação das neces-

Reino Unido) (S MEE, 2001).

tação, regulação e distribuição da

sidades de saúde, que deveria nor-

A dinâmica recente desse proces-

força de trabalho, sistemas de infor-

tear a elaboração dos contratos de

so em alguns países é ilustrativa:

mação e produção de indicadores de

serviços a serem oferecidos (HAM ,

cada vez mais o debate tem enfati-

resultados, etc. A adesão dos níveis

1996; ILIFE; MUNRO , 2000).

zado os aspectos políticos das polí-

1996) ou centralizados (como o

sub-nacionais deve ser induzida,

A revisão da tendência munici-

ticas de saúde (S MEE, 2002) e tem nos

sem dúvida, mas a pletora de ins-

palista (com a Norma Operacional

suscitado a revisão dos objetivos dos

trumentos e de exigências burocrá-

de Assistência à Saúde [NOAS] 2001

sistemas de serviços – o que se quer

ticas, atrelada a repasses e incenti-

e 2002), com recuperação do papel

com as reformas? A questão do de-

vos financeiros, tem levado à ade-

do nível estadual e a organização

sempenho dos serviços de saúde,

são formal aos requisitos, para ter

ponto central dessa agenda, tem

acesso ao financiamento e não ne-

obrigado a refletir sobre o “que se

cessariamente vinculada ao alcan-

entende por sistema de saúde”

ce de determinados resultados. A utilização do instrumento contrato, de forma genérica, como su-

PODER-SE-IA APROVEITAR, PORTANTO, PARA DESENCADEAR UM PROCESSO AMPLO DE

gere a diretriz do Ministério da Saú-

REVISÃO DO SUS, SEJA DAS PRIORIDADES DA

de anteriormente mencionada (BRA-

POLÍTICA DE REFORMA, SEJA DAS RELAÇÕES

SIL,

2003. p. 11), pode ser uma al-

ternativa, mas requer grande capa-

INTERGOVERNAMENTAIS, SEJA DAS FORMAS DE

cidade de implementação, seja do

TRANSFERÊNCIA E MECANISMOS DE INCENTIVOS

(quais os seus limites) (WOLFSON; A LVAREZ, 2002. p. 134; PAHO, 2001a; 2001b; 2001c) e quais os objetivos se pretende priorizar. Essa dinâmica tem apontado para a mudança de foco nos controles, monitoramentos e mecanismos de indução. Poder-se-ia aproveitar, portanto, para

nível central, seja do nível estadual

desencadear um processo amplo de

e local, uma vez que exige a defini-

revisão do SUS, seja das priorida-

ção clara do que se quer contratar,

des da política de reforma, seja das

das metas que se quer alcançar e

de regiões, é bem-vinda e quase tar-

relações intergovernamentais, seja

dos indicadores de desempenho para

dia. Nas últimas décadas observa-

das formas de transferência e meca-

medir o alcance do cumprimento das

se essa tendência à regionalização

nismos de incentivos, aliás, como

cláusulas contratuais, assim como

também nos distintos países, numa

preconizado no documento do Mi-

permitir um adequado monitora-

perspectiva de fortalecer a condução

nistério (BRASIL; 2003 p. 12), mas

mento e uma avaliação dos resulta-

coordenada do sistema, vinculada

levando em conta o aprendizado da

dos. Por outro lado, exigem consi-

a metas de maior responsabilização

experiência passada e, principal-

derável tempo de negociação entre

com a coisa pública e medidas de

mente, os problemas que emergiram

‘compradores’ e ‘vendedores’ de ser-

desempenho. Isso acontece mesmo

ou não foram resolvidos.

viços (os chamados ‘custos de tran-

naqueles países historicamente mu-

Seria necessário, portanto, inves-

sação’). Nesse aspecto, a experiên-

nicipalistas (como a Itália) (BRENNA;

tir com vigor nos sistemas de infor-

cia inglesa pode ser uma referência:

M APELLI ; T ROGNI , 1988; BARILETTI ,

mação e monitoramento, vincula-

cada vez mais predominam os con-

1990), descentralizados (como Cana-

dos, porém, à elaboração de indica-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

215

ALMEIDA, Celia

dores de resultados e de um siste-

de atendimento que avilta o cidadão

reforma de fato implementada. O in-

ma de avaliação de desempenho

e, muitas vezes, pode resultar na

vestimento programado nas áreas

que obrigaria repensar não apenas

sua morte, piora da enfermidade ou

com maior demanda e necessidades

as formas de transferências e defi-

dano mais profundo.

de saúde, mas com oferta inadequa-

nição de papéis dos diferentes ní-

Isto suscita a discussão sobre as

da, deveria estar embutido, portan-

veis de governo, mas também as

dimensões do sistema que não fo-

to, nas revisões sugeridas acima, o

prioridades e os rumos que se quer

ram tocadas na reforma da saúde e

que implica distribuição desigual de

imprimir ao sistema. E para o isso,

que agravam a heterogeneidade e a

recursos numa perspectiva de mai-

o próprio nível central teria que se

fragmentação. Entre elas, algumas

or busca da eqüidade.

capacitar, para induzir de forma

seguem seu próprio curso, como a

efetiva e apoiar o desenvolvimento

natureza do mix público e privado

dos níveis subnacionais.

de serviços, a produção e distribui-

ARENA DECISÓRIA, PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

ção de insumos médico-hospitalares,

FLUXO DE PACIENTES E REDES DE SERVIÇOS

Um outro ponto relacionado a essa temática e que merece reflexão é a natureza dos mecanismos de

Quanto ao fluxo de pacientes en-

ESSA ASSIMETRIA ENTRE O

tre redes de serviços de distintos

AVANÇO NO PROCESSO DE

tucionalizados com a reforma. Con-

municípios, também mencionado

DESCENTRALIZAÇÃO E AS ÁREAS

figurou-se uma dinâmica inovadora

como um desafio pelo documento do Ministério (BRASIL, 2003), é o recur-

NÃO TOCADAS NÃO É CASUAL,

so natural, legítimo e legal do usuá-

NEM É UMA QUESTÃO MENOR E

rio/cidadão frente a uma oferta desigual e heterogênea, que o obriga

DESVELA A NATUREZA DA REFORMA DE FATO IMPLEMENTADA

a compor a ‘cesta de consumo’ ne-

participação e controle social insti-

no processo decisório setorial, que tem alterado a correlação de forças na arena decisória e permitido a negociação na formulação e implementação da política de saúde. Desenhados numa perspectiva democratiza-

cessária para curar suas mazelas

dora, os diferentes fóruns consti-

segundo sua capacidade de deslo-

tuem arenas privilegiadas em que os

camento e acesso a sistemas mais

a regulação da força de trabalho

representantes dos diversos interes-

bem equipados, principalmente

(dimensão, distribuição, ‘dupla mi-

ses setoriais expressam sua voz e

quando não pode comprar no mer-

litância’, formas de remuneração,

voto. E as diferentes normas operaci-

cado os serviços de que necessita.

etc.); e outras que estão sendo me-

onais que regulamentam o processo

Também não é uma especificidade

xidas há pouco tempo, como a re-

de descentralização restauraram o

do sistema brasileiro, pois vários

gulação dos planos de saúde priva-

poder de comando do sistema pelo Mi-

outros países enfrentam esse proble-

dos, a vigilância sanitária e epide-

nistério de Saúde, deslocando outras

ma. Entretanto, a solução não está

miológica, a produção/distribuição

esferas de poder (como o Legislativo).

apenas nos mecanismos de ressar-

de medicamentos. Essa assimetria

Entretanto, “a dinamização e amplia-

cimento, uma vez que não resolvem

entre o avanço no processo de des-

ção do processo de negociação e pac-

a questão da sobrecarga de deter-

centralização e as áreas não toca-

tuação” (BRASIL, 2003. p. 12) deveria

minados serviços, das filas de espe-

das não é casual, nem é uma ques-

levar em consideração algumas ques-

ra ou da peregrinação pela busca

tão menor e desvela a natureza da

tões, que destacamos a seguir.

216 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão

O processo de decisão institucio-

tividade prática de discussões e deci-

te é necessário. Queremos um ‘sis-

nalizado tem deslocado os movi-

sões (C ORTES, 1998; VALLA, 1998; C AR-

tema nacional de saúde’ ou um

mentos de participação e expressão

VALHO, 1995; LABRA, 2001).

‘subsetor público para pobres’ ou

na área setorial para as Comissões

Atualiza-se, assim, a discussão

menos aquinhoados, isto é, mais

Intergestoras – CIT (em nível federal

sobre os mecanismos mais adequa-

de 70% da população? Na realida-

e estadual), eminentemente tecnobu-

dos para o exercício da democracia

de nunca houve consenso entre os

rocráticas. E a CIT cumpre papel

participativa, além de suscitar a re-

diversos atores sobre a ‘imagem-

arbitral nas complicadas negocia-

flexão sobre a funcionalidade e per-

objetivo’ do SUS.

ções relativas à descentralização

tinência desses arranjos institucio-

Sem desqualificar os avanços

política, administrativa e financei-

nais (S ANTOS, 1998; L ESBAUPIN, 2000).

conseguidos (que não são poucos)

ra do SUS, uma vez que reúne, em

A maior politização das discussões

e a complexidade desse empreendi-

nível federal, os principais gestores

sobre a reforma setorial, a comple-

mento, num país continental, com

da arena, e sua pauta de discussão

xificação das negociações e a obri-

enorme heterogeneidade e imensas

é praticamente elaborada pelo exe-

desigualdades, até o momento o re-

cutivo central. Essa institucionali-

sultado do processo de reforma não

zação resgata, em certa medida, o

tem apontado para a construção do

poder da tecnoburocracia setorial e traz para esse fórum de negociação entre gestores os conflitos inerentes

O GRANDE DESAFIO PARA A

SUS tal como formulado na Carta Magna e nas leis que o instituíram.

REFORMA NA SAÚDE ESTÁ

Inicialmente pensado como um sis-

às relações entre os diversos níveis

EM EXPLICITAR CLARAMENTE O

tema nacional de saúde, predomi-

de governo, tendendo a favorecer

QUE SE PRETENDE COM O SUS

nantemente público, que harmoni-

detinham maior poder de barganha,

E DIMENSIONAR QUE TIPO

público e privado de serviços (sua

ou que passam de um cargo a ou-

DE AJUSTE É NECESSÁRIO

aqueles atores que historicamente já

zasse e regulasse o complexo mix marca histórica e estrutural), o SUS

tro, permanecendo na esfera de po-

é visto hoje pela população, policy

der, não raro em diferentes níveis de

makers, analistas, pesquisadores e

governo. Mais ainda, essa dinâmi-

outros diferentes atores, como o

ca legitima as propostas de política

gatoriedade de exposição ao debate

‘subsistema’ público, ou a ‘alterna-

do governo federal.

de diferentes ‘projetos’ e perspecti-

tiva’ para os que ‘não podem pagar’,

Isso se dá também em detrimento

vas na implementação da reforma é

ou a ‘oportunidade’ de uso de cer-

de certo desprestígio dos foros cole-

um ganho em si, mas não elimina

tos serviços para os que pagam por

giados com participação paritária da

ou minimiza necessidades de ajus-

serviços privados, mas dispõem de

sociedade civil, como os Conselhos

tes e revisões de mecanismos.

acesso diferenciado ao SUS a par-

de Saúde, nos diversos níveis, nos quais persistem muitos problemas,

tir de canais privilegiados. A frag-

PARA CONCLUIR

mentação e dualidade do sistema

mencionados na literatura, desde a

têm sido confirmadas (vingou a seg-

dificuldade de participação em discus-

O grande desafio para a refor-

mentação perversa e o mix públi-

sões técnicas, falta de rotatividade das

ma na saúde está em explicitar cla-

co/privado desordenado), a hetero-

representações, até o desvirtuamento

ramente o que se pretende com o

geneidade e as desigualdades não

do papel dos Conselhos e falta de efe-

SUS e dimensionar que tipo de ajus-

têm sido superadas.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003

217

ALMEIDA, Celia

Isto não quer dizer que não ca-

ARRETCHE , M. Financiamento federal

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minhamos nada. Ao contrário, ca-

e gestão local de políticas sociais: o

Institute, 1994. p. 12-23).

minhamos bastante, mas numa di-

difícil equilíbrio entre regulação,

reção diferente daquela preconiza-

responsabilidade e autonomia. Saú-

da pelo impulso inicial da reforma.

de & Ciência Coletiva, Rio de Janei-

Talvez assumir essa constatação

ro, v. 8, n. 2. 2003. p. 331-343.

seja o primeiro passo para mudar e isso só será possível repensando que sistema de saúde queremos e quais mecanismos devem ser privilegiados na sua implementação.

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Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde Decentralization and Accountability in a Health District

Juliano de Carvalho Lima 1 RESUMO Este artigo tem o objetivo de discutir a relação prática entre dois conceitos fundamentais para a administração pública da saúde: descentralização e accountability. Toma-se como referência para reflexão a experiência da 6ª Região de Saúde no Rio Grande do Sul. A assessoria descentralizada aos municípios e o modelo de financiamento promoveram descentralização e autonomia. Ao mesmo tempo, a 6ª Coordenadoria Regional de Saúde buscou fortalecer o sistema de petição e prestação de contas em relação aos municípios ampliando a participação da população no controle das políticas públicas. DESCRITORES: Descentralização; Accountability; Sistema de Saúde; Administração Pública; SUS.

ABSTRACT This article’s goal is to discuss the practical relationship between two fundamental concepts of Public Administration of Health: decentralization Mestre em Saúde Pública, professor de Planejamento em Saúde da Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, tutor do Curso de Aperfeiçoamento Gestão em Saúde – Ensino a Distância da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ), assessor-chefe de Planejamento da Fundação Municipal de Saúde de Niterói (RJ) Rua Benjamin Constant, 135/308 CEP 20241-150 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: [email protected] 1

and accountability. We take the experience in the 6th Health Region in Rio Grande do Sul, Brazil, as a reference to reflection. The decentralized consulting applied to the municipalities and the financing model both promoted decentralization and autonomy. At the same time, the 6th Health Region strengthened the requisition and accountability systems, increasing popular participation in public policy control. DESCRIPTORS: Decentralization; Accountability; Health System; Public Administration; SUS.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

221

LIMA, Juliano de Carvalho

INTRODUÇÃO Em estudo realizado sobre a gestão de um sistema regional de saú-

e o fato de estarmos trabalhando com

também ser capaz de melhor pres-

foco voltado para o processo de ges-

tar contas.”

tão global não nos permitiu um aprofundamento dessa discussão.

Neste artigo buscaremos explorar alguns dos resultados obtidos no

de no Rio Grande do Sul, pudemos

No entanto, esses resultados nos

referido estudo, resultados estes que

observar a conformação de uma

remetem, agora, para uma discus-

permitam lançar alguma luz sobre

gestão descentralizada, com envol-

são sobre um tema bastante caro à

aquela pergunta, no âmbito do sis-

vimento de vários atores no proces-

administração pública do setor saú-

tema de saúde brasileiro. Para tan-

so de tomada de decisão e, ao mes-

de: como conciliar maior descentra-

to, focalizaremos brevemente as atu-

mo tempo, a organização de meca-

lização com maior responsabilida-

nismos que visavam garantir que

de para com os cidadãos?

os gestores municipais de saúde

Dentre as principais idéias de

prestassem conta de suas ações

Contandriopoulos (1996. p. 60) para

(L IMA, 2003).

clusivamente da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde (6ª CRS) sobre os municípios, mas sim organizados de modo a permitir maior en-

apresentaremos o caso da 6ª Região de Saúde do Rio Grande do Sul, destacando alguns dos aspectos da sua ram para combinar descentralização

ênfase desses mecanismos de petitarem voltados para a regulação ex-

ção e accountability. Em seguida,

gestão que, ao nosso ver, contribuí-

Chamou-nos a atenção o fato da ção e a prestação de contas não es-

ais discussões sobre descentraliza-

A DESCENTRALIZAÇÃO TEM SIDO UM DOS MAIORES CONSENSOS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS, INCLUSIVE ENTRE OS DIFERENTES

e accountability.

DESCENTRALIZAÇÃO E ACCOUNTABILITY: BREVE DISCUSSÃO CONCEITUAL A descentralização tem sido um

volvimento da população no pro-

MOVIMENTOS DE REFORMA DO E STADO

dos maiores consensos no âmbito

cesso de prestação de contas atra-

E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

os diferentes movimentos de refor-

vés, principalmente, dos conselhos

das políticas públicas, inclusive entre ma do Estado e da administração

de saúde e de audiências públicas

pública. Ela tem sido difundida tan-

nos municípios.

to pelos movimentos mais conser-

Naquele momento destacávamos

superar a crise mundial na saúde e

vadores, quanto pelos mais progres-

a importância destes mecanismos

organizar uma nova utopia para o

sistas. Variam, porém, a percepção

para ampliar a accountability na

setor, está a necessidade de se “As-

e os objetivos: redução do tamanho

região, compreendendo esta última

segurar o papel central dos cidadãos

do Estado e maior eficiência no pri-

como a existência de mecanismos

no sistema de saúde; descentralizar

meiro caso, e maior eficácia, justi-

institucionais efetivos que permitem

as decisões e o funcionamento dos

ça social e democracia no segundo

aos cidadãos serem esclarecidos e

sistemas de saúde; associar a auto-

(JUNQUEIRA , 1997).

cobrarem o cumprimento das res-

nomia sobre os modos de fazer e

Muito tem sido escrito e discuti-

ponsabilidades dos governantes,

uma obrigação de prestar contas dos

do sobre o tema. Mas qualquer que

gerando comprometimento perma-

resultados obtidos”.

seja o conceito de descentralização

nente dos dirigentes públicos em

Para Trosa (2001. p. 47), trata-

que se adote, ele pressupõe, sem-

relação às necessidades da popula-

se de uma verdadeira revolução

pre, transferência de poder do nível

ção. A pouca interação com o tema

cultural: “Sou mais livre mas devo

central para os outros espaços de

222 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde

poder, garantindo maior controle

sistas (A NDRADE, 1996). Por isso a

gressiva de responsabilidades para os

das instâncias descentralizadas so-

descentralização é tão associada

governos estaduais e municipais.

bre a tomada de decisão.

tanto à maior possibilidade de exe-

Uma análise cuidadosa da descentra-

Misoczky(2002) diferenciadescentralização administrativa de descentralização política. Na primeira, prevaleceria uma transferência de competências e funções, com o objetivo de alcançar maior eficiência na gestão. Neste texto, no qual se busca uma articulação entre descentralização e accountability, adotamos uma

cução das políticas sociais – como

lização no Brasil demonstra a sua

exemplo, ver associação entre des-

complexidade e ambigüidade:

abordagem de cunho mais político,

tralização vem sendo relativizado.

centralização e acesso aos serviços de saúde, estabelecida por Hortale (2000) – quanto à maior possibilidade de democratização, através da maior participação e controle realizado pela população. No entanto, o potencial democratizante da descen-

aproximando o tema de idéias como democracia, transferência de poder e justiça social. Este tipo de abordagem

Os conflitos de interesse entre as esferas de governo, as prioridades divergentes das elites políticas locais, a aparente ampliação da corrupção e o fraco desempenho de muitos governos subnacionais em combater as maiores chagas da sociedade – a fome e a pobreza – são características do atual processo de descentralização (BROSE , 2002. p. 93).

Existem sérios desvios daquilo

A ESTRUTURA DE PODER LOCAL,

que deveria ser um ‘bom governo

pressupõe autonomia de recursos e de poder de decisão nos níveis des-

PRINCIPALMENTE NOS MUNICÍPIOS

destaca-se não apenas a corrupção,

centralizados, e o estabelecimento de

MENORES, AINDA É UM POTENTE FATOR

espaços de participação dos cidadãos. Ao mesmo tempo consideramos, em

EXPLICATIVO PARA AS DIFICULDADES DA

função da natureza do caso apresen-

DESCENTRALIZAÇÃO, POIS NESTES MUNICÍPIOS

tado (uma região de saúde), as duas dimensões abordadas por Hortale (1997): a dimensão territorial, pela

AINDA PREVALECE UMA ESTRUTURA POLÍTICA PATRIMONIALISTA

local’ (BROSE, 2002). Neste sentido, mas o autoritarismo e o amadorismo. A estrutura de poder local, principalmente nos municípios menores, ainda é um potente fator explicativo para as dificuldades da descentralização, pois nestes municípios ainda prevalece uma estrutura política pa-

maior proximidade do nível local com

trimonialista, com pouca distinção

os serviços, quando haveria maior

entre o público e o privado.

possibilidade de controle por parte dos

Trosa (2001) relata experiências

Em Minas Gerais foi realizada

setores organizados; e a dimensão fun-

de países da OCDE que investiram

uma pesquisa, coordenada por Fi-

cional, pela criação de espaços de au-

na descentralização e, hoje, sentem

gueiredo et al. (1998), com o objeti-

tonomia e participação.

alguns efeitos negativos deste pro-

vo de analisar a estrutura de poder

No Brasil a descentralização en-

cesso. Determinados problemas

local e suas relações com o sistema

trou em cena de maneira pragmáti-

surgiram na tentativa de imple-

de saúde. Dentre as conclusões das

ca a partir da redemocratização do

mentação de objetivos transminis-

autoras, estão as seguintes: em al-

País. Houve várias razões para isto,

teriais devido à fragmentação e ao

guns casos não foram observadas

dentre elas a percepção de um défi-

isolamento das organizações.

mudanças na gestão da saúde e nem

cit de efetividade e responsabiliza-

Já no Brasil, a descentralização

na ampliação dos canais de parti-

ção nas políticas sociais (COSTA, SIL-

é impulsionada a partir da Constitui-

cipação; o despreparo das burocra-

e RIBEIRO , 1999) e o desejo de de-

ção Federal de 1988, e a partir de en-

cias municipais dificulta a imple-

mocratização dos setores progres-

tão tem havido uma transferência pro-

mentação da gestão descentraliza-

VA

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

223

LIMA, Juliano de Carvalho

da; com a descentralização da saú-

privilegiado mecanismos que colo-

sabilidade para com seu presiden-

de, a assistência à saúde tem se tor-

cam a ênfase nos clientes e nos re-

te...” (FERLIE et al., 1999. p. 325).

nado objeto de barganha política; em

sultados através da avaliação do

Neste modelo de prestação de con-

alguns municípios, a descentraliza-

desempenho individual, das compe-

tas o verdadeiro interessado, o cida-

ção da saúde vem fortalecendo o cli-

tências e das relações contratuais.

dão, fica de fora, mesmo sendo ele,

entelismo; quando não há disposi-

Este tipo de sistema de prestação de

em última análise, o financiador de

ção das administrações para apoiar

contas se contrapõe à administração

todas as atividades do setor públi-

a descentralização pode haver pio-

burocrática, cujas formas de ava-

co. Os mecanismos de controle e de

ra da prestação de serviços; os con-

liação estão baseados nos proces-

prestação de contas internos à bu-

selhos têm pouca atuação na ges-

sos e no controle hierárquico.

rocracia são, portanto, insuficien-

tão da política municipal de saúde.

Na administração clássica (bu-

Toda essa discussão remete para

rocrática) pode-se dizer que os ins-

a necessidade de se conciliar maior

trumentos utilizados para a presta-

tes para garantir accountability (C AMPOS, 1990). A tradição do controle sempre

descentralização e autonomia com

esteve voltada para dentro do apa-

maior responsabilidade e dever de

relho do Estado. A população rara-

prestar contas, ampliando a accoun-

A TRADIÇÃO DO CONTROLE SEMPRE ESTEVE

mente é consultada e, muito menos,

VOLTADA PARA DENTRO DO APARELHO DO

recursos que saem do seu bolso para financiar os serviços públicos.

cia dos mecanismos de prestação de

E STADO. A POPULAÇÃO RARAMENTE É CONSULTADA E, MUITO MENOS , ESCLARECIDA

contas. Em primeiro lugar, não há

SOBRE A DESTINAÇÃO DOS RECURSOS QUE

monstrado preocupação com a ques-

tability, ou responsabilidade final. No setor público, e na área da saúde em especial, há inúmeras razões para a insuficiência e ineficá-

uma cultura neste sentido; em segundo lugar, há uma certa visão de

SAEM DO SEU BOLSO PARA FINANCIAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS

que os mecanismos de avaliação

esclarecida sobre a destinação dos

Mesmo o atual movimento da Nova Administração Pública, que tem detão da responsabilidade, tem dado ênfase ao controle de cima para baixo. A obrigatoriedade de prestação

servem mais para punir do que para

de contas aos parlamentos, pelos di-

qualquer outra coisa; em geral não

rigentes dos serviços descentraliza-

há incentivos por desempenho; de-

ção de contas enfatizam uma respon-

dos, tem sido a tônica da responsa-

vido à grande autonomia dos pro-

sabilidade ‘em direção ao topo’.

bilização em vários países da OCDE.

fissionais de saúde, a avaliação é

Numa pesquisa realizada junto aos

Christensen e Laegreid (2001)

vista como uma interferência que

membros das diretorias do National

acreditam que o modelo da Nova

ameaça tal autonomia.

Health Service na Inglaterra, desta-

Administração Pública tem dado

A preocupação com a falta de

ca-se uma percepção substancial de

muita atenção à prestação de con-

transparência no setor público é

responsabilidade para cima, princi-

tas de corte gerencial, mas tido pou-

acompanhada da preocupação com

palmente para o Ministério da Saú-

ca consideração com a responsabi-

a eficiência dos mecanismos tradi-

de (MS) e para o Ministro. “Dentro

lidade política.

cionalmente utilizados para tentar

da própria diretoria local, 71% dos

A accountability implica no es-

assegurar a tal responsabilidade. Por

diretores executivos das organiza-

tabelecimento de garantias para a

isso, as recentes reformas no âmbi-

ções semi-autônomas do NHS rela-

atuação da população, desenvolven-

to da administração pública têm

taram um senso pessoal de respon-

do ações que levem em conta suas

224 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde

necessidades e dando transparência

desrespeito e não-atendimento das

cendo no Reino Unido. A população

às ações. Por isso, deve-se incorpo-

necessidades da população, são de-

é vista cada vez mais como cliente,

rar elementos morais aos instrumen-

correntes da falta de transparência

consumidor. Os serviços públicos

tos de prestação de contas, pois,

administrativa aliada à fragilidade

perdem a noção de direito e passam

segundo Christensen e Laegreid

política da sociedade civil, resultante

a se organizar como resposta a de-

(2001), não há uma relação tão di-

da sua falta de organização.

mandas de grupos específicos.

reta entre prestação de contas e res-

Aliás, no que diz respeito a esta

Nos países em desenvolvimento,

ponsabilidade. Ou seja, seria possí-

última situação, nestes ‘novos’ tem-

como o Brasil, o problema é ainda

vel haver prestação de contas sem

pos parece que a sociedade cada vez

maior: a sociedade se individualiza

responsabilidade.

mais se desorganiza em função de

mas não reclama. Impera a passivi-

No caso do Brasil, o caráter cen-

novos valores como a competição e

dade diante dos abusos dos gover-

tralista e autoritário de sua admi-

o individualismo. Até mesmo nas

nos e dos serviços públicos. Esta

nistração pública, e conseqüente

pressões por um Estado mais res-

situação coloca vários desafios. Se-

falta de accountability, possui de-

gundo Campos (1990. p. 35) “so-

terminantes internos à própria bu-

mente a partir da organização de

rocracia e também externos (C AMPOS, 1990). Da parte da burocracia a autora destaca a imunidade a controles externos, a falta de transparência, a pouca preocupação com o desempenho, a ênfase nos meios e

PASSADOS 14 ANOS DA INSTAURAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E APESAR DOS MECANISMOS PENSADOS PARA SE VIABILIZAR O MAIOR CONTROLE DA SOCIEDADE SOBRE O

procedimentos e a tendência exage-

SISTEMA, AINDA NOS VEMOS ENREDADOS NOS

rada para regras e normas que,

CONTROLES BUROCRÁTICOS INTERNOS QUE SÃO,

muitas vezes, não são cumpridas. Da parte do contexto, é destaca-

NA MAIOR PARTE DAS VEZES, POUCO EFICAZES

cidadãos vigilantes e conscientes de seus direitos haverá condição para a accountability”. No processo de descentralização da saúde no Brasil a preocupação com a questão da responsabilidade e accountability também é grande. No entanto, passados 14 anos da instauração do Sistema Único de Saúde (SUS) e apesar dos mecanis-

da a passividade e a aceitação, por

mos pensados para se viabilizar o

parte da sociedade, da negligência,

maior controle da sociedade sobre

do favoritismo e do nepotismo. Os

ponsável, a justificativa tem sido

o sistema, ainda nos vemos enreda-

determinantes desta situação são a

uma sociedade que “se individuali-

dos nos controles burocráticos in-

debilidade das instituições, o bai-

za e reclama” (TROSA , 2001. p. 40).

ternos que são, na maior parte das

xo nível de organização da socie-

Os usuários já não querem mais

vezes, pouco eficazes.

dade civil, o baixo nível de expec-

soluções gerais para seus proble-

Uma expressão disso é a nova

tativa da população em relação aos

mas, que são individuais. As exi-

Norma Operacional do SUS, a Nor-

governos e o baixo nível de partici-

gências são legítimas. O problema

ma Operacional de Assistência à Saú-

pação da população, que termina

está colocado nos motivos e nas so-

de (NOAS), que acentua a introdução

por tornar-se mero objeto das polí-

luções que são engendradas. Nestas

de instrumentos burocráticos de con-

ticas públicas.

situações a receita já está pronta:

trole e avaliação dos serviços. É sa-

A falta de controle em relação ao

serviços personalizados (e melhores)

bido que tal norma concentra-se na

Estado e sua máquina administra-

para aqueles que pagarem pelo ser-

assistência à saúde e não se propõe

tiva, e os conseqüentes desmandos,

viço sob medida, como vem aconte-

a abordar outras questões relativas

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

225

LIMA, Juliano de Carvalho

ao controle externo do sistema. Mas

se de uma instância de gestão regio-

documental. O estudo se deu na 6ª

é justamente este aspecto que chama

nal tentando garantir maior acoun-

Região de Saúde do Rio Grande do

a atenção: há uma tendência de des-

tability através da cobrança de pres-

Sul, gestão 1999-2002.

politização do sistema de saúde.

tação de contas pelos municípios para

Como o objeto do estudo era a

“De modo coerente com um tipo

a população e ao mesmo tempo ten-

gestão, foram organizadas três ca-

de descentralização que exclui a di-

tando estruturar uma instância regi-

tegorias de análise, adaptadas da

mensão política e, cada vez mais, a

onal de controle da sociedade sobre o

Teoria das Macroorganizações (MA -

social [a NOAS] nega a possibilidade

sistema de saúde.

TUS , 1996), que foram desagregadas

de reconstrução da malha territorial de acordo com as aspirações dos que nela vivem” (MISOCZKY, 2002. p. 129). A obsessão do Ministério da Saú-

em variáveis para o estudo. No qua-

DESCENTRALIZAÇÃO E ACCOUNTABILITY NA 6ª REGIÃO DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO SUL

de pelo controle dos meios, o cres-

dro abaixo são apresentadas as variáveis das categorias Responsabilidade e Descentralização e Autonomia, mais diretamente ligadas ao

cente interesse pelo controle advin-

A estratégia metodológica utili-

objeto desta discussão.

do de outras esferas administrati-

zada foi o estudo de caso. Para a

Não vamos abordar, no âmbito

vas, e o forte processo regulatório

coleta de dados lançou-se mão de

deste trabalho, o conjunto de resul-

instaurado no setor marcam a ela-

entrevistas com a equipe coordena-

tados alcançados no referido estudo,

boração da NOAS.

dora, bem como de questionários

mas apenas aqueles que nos permi-

Por isso, é importante a visuali-

respondidos pelos secretários muni-

tam fazer a reflexão proposta sobre

zação e discussão de outros movi-

cipais de saúde da região e análise

descentralização e accountability.

mentos que ainda mantenham a ênfase no componente político e social do sistema de saúde, e não apenas no componente técnico e administrativo. Neste sentido, a ex-

CATEGORIAS DE ANÁLISE

VARIÁVEIS

Responsabilidade/sistema de petição e prestação de contas

Sistematicidade da prestação de contas; contas prestadas publicamente; tipo de prestação de contas; forma de definição dos critérios de avaliação e acompanhamento; instrumentos utilizados; sistema de incentivo/punição

Descentralização e autonomia/sistema de gerência por operações

Planejamento/plano; financiamento; alocação de recursos; participação no processo decisório; espaços de comunicação/negociação; gerência por produtos/resultados

periência da região da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde, tanto pelos seus pontos positivos quanto negativos, pode trazer alguns elementos para se pensar a accountability

Os resultados alcançados apon-

recursos financeiros do estado para

taram para a organização de uma

os municípios de maneira regular e

A seguir, buscaremos expor al-

gestão descentralizada na região,

automática.

guns resultados do trabalho realiza-

prezando a autonomia municipal. A

O recurso repassado pelo Gover-

do naquela região. Dois aspectos cha-

principal evidência disso foi a polí-

no Estadual não é ‘carimbado’, ou

mam a atenção: em primeiro lugar,

tica de financiamento adotada. A

seja, o município define como e onde

percebeu-se uma tendência de descen-

lógica de financiamento da Região

implementar o recurso, podendo

tralização e preservação da autono-

segue a mesma orientação da pro-

empregá-lo de acordo com a sua

mia municipal na região, aliada a um

posta da Municipalização Solidária

necessidade e realidade. Em função

aumento das cobranças de prestação

da Saúde, implementada em todo o

disso, 16 dos 28 secretários muni-

de contas e, em segundo lugar, trata-

estado e que realiza o repasse de

cipais de saúde que responderam ao

no setor saúde.

226 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde

questionário por nós encaminhado

Deste modo, permite a partici-

para toda a população. No entan-

afirmaram que os municípios ga-

pação da população no momento

to, esta lei está longe, muito longe

nharam autonomia durante a ges-

da formulação das ações e da deci-

aliás, de ser cumprida.

tão da 6ª CRS de 1999 a 2002; 20

são sobre onde empregar os recur-

Os municípios não têm atentado

desses mesmos secretários afirma-

sos públicos. Neste sentido, a pre-

para esta função; a diversidade dos

ram que a 6ª CRS estimula a auto-

sença dos Delegados do OP é im-

conselhos e o seu caráter incipiente

nomia municipal. Além do caráter

portante. Tais mecanismos contri-

fazem com que estes não cobrem de

inovador, chama a atenção nessa

buem, sem dúvida, para o desen-

seus gestores a prestação de contas

política a transparência, a eqüida-

volvimento da accountability, for-

devida. Não são muitas as ações

de e o estímulo à descentralização.

talecendo os conselhos como espa-

espontâneas por parte dos gestores

A transparência porque estabe-

ços privilegiados para determina-

para elaborar e apresentar aos con-

ção do interesse público.

selhos o Relatório de Gestão.

lece critérios técnicos de repasse de recursos para os municípios, em

Associada à liberdade de onde em-

Na 6ª Coordenadoria Regional

contraposição à política comum nos

pregar os recursos, a 6ª CRS imple-

de Saúde, a coordenação encarre-

estados de repasse via convênio,

gada de fazer o acompanhamento

onde os municípios são obrigados

e a avaliação dos sistemas muni-

a ficar de ‘pires na mão”, implorando por algum recurso e onde nunca se sabe quais os critérios que

ATRAVÉS DO R ELATÓRIO DE GESTÃO, TAMBÉM APROVADO PELOS CONSELHOS LOCAIS

cipais é a Coordenação de Descentralização, Municipalização e Controle Social.1 Logo no início da ges-

fazem com que este município seja

E APRESENTADO EM AUDIÊNCIA PÚBLICA,

contemplado e aquele não. A ado-

VERIFICA -SE SE O RECURSO FOI REALMENTE

um levantamento dos municípios

após discussões com o Conselho Es-

EMPREGADO NAQUILO QUE O GESTOR HAVIA

Gestão para a Coordenadoria nos

tadual de Saúde, permite a todos

SE COMPROMETIDO DIANTE DA POPULAÇÃO

ção de critérios técnicos, definidos

tão, este setor tratou de realizar que haviam enviado Relatório de anos de 1997, 1998 e 1999. O re-

saberem o quanto vão receber,

sultado confirma nossas afirma-

quando e o porquê da quantia.

ções feitas antes. Somente dois mu-

Aliado a isso, é exigido dos mu-

nicípios haviam elaborado e enca-

nicípios um plano de aplicação do

mentou um forte esquema de cobran-

minhado para a CRS o Relatório de

recurso, aprovado pelo conselho

ça de contas junto aos municípios.

Gestão devidamente aprovado pelo

municipal de saúde, com a partici-

Consta nas leis que regulamen-

pação dos Delegados do Orçamento

tam o funcionamento do SUS que é

Participativo (OP). Através do Rela-

obrigação dos gestores, em todos

A cobrança foi imediata. O prin-

tório de Gestão, também aprovado

os níveis de governo, a prestação

cipal mecanismo utilizado pela 6ª

pelos conselhos locais e apresenta-

de contas das ações e dos recursos

CRS para fazer com que os municí-

do em audiência pública, verifica-

utilizados trimestralmente. Tal ati-

pios apresentassem o Relatório de

se se o recurso foi realmente empre-

vidade deveria ser feita pelos con-

Gestão foi condicionar o repasse de

gado naquilo que o gestor havia se

selhos de saúde e em Audiência Pú-

recursos estaduais à apresentação

comprometido diante da população.

blica, junto ao poder legislativo e

do relatório pelos municípios aos

1

conselho de saúde nos anos anteriores a 1999.

A 6ª CRS é a única Coordenadoria de Saúde do Rio Grande do Sul que possui esta estrutura.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

227

LIMA, Juliano de Carvalho

conselhos de saúde.2 O resultado

taram no ano de 2001 quatro Rela-

lação em geral, através das Audiên-

também foi imediato. Praticamente

tórios de Gestão. No ano de 2002 o

cias Públicas.

todos os 51 municípios da época

processo se deu da mesma forma.

A 6ª CRS dedicou-se ao fortaleci-

habilitados em alguma condição de

A 6ª Coordenadoria teve uma

mento da participação popular e do

gestão elaboraram e apresentaram

atuação dura em relação à cobran-

controle social. O primeiro passo foi

o Relatório de Gestão aprovado pelo

ça dos Relatórios de Gestão dos mu-

estruturar e consolidar o Conselho

conselho municipal de saúde.

nicípios. 53% dos secretários muni-

Regional de Saúde.

Mas além de realizar a cobran-

cipais de saúde que responderam ao

Na Política de Relações estabele-

ça, a 6ª CRS e, em especial, a Coor-

questionário por nós enviado afir-

cida pela Coordenadoria, explicita-

denação de Descentralização, Mu-

maram que a Coordenadoria estimu-

da no planejamento realizado em

nicipalização e Controle Social, se

la as SMS a prestarem contas ao

1999, a relação com o Conselho Re-

preocupou em assessorar os muni-

Conselho e 42% acreditam que a 6ª

cípios na construção desse instru-

CRS vem obrigando os municípios

2. Relação com o Conselho Regi-

mento de gestão.

onal de Saúde

No ano de 1999, a 6ª CRS aceitou que os municípios apresentas-

A 6ª CRS DEDICOU- SE AO

sem apenas o Relatório de Gestão anual. Já a partir de 2000, passou a exigir a apresentação trimestral. Neste ano, os 58 municípios 3 da região apresentaram quatro Relatórios de Gestão, tanto no conselho municipal de saúde quanto em Audiência Pública na câmara de vereado-

gional de Saúde é destacada:

• Participante na mesa do CRS • Apoio e assessoria ao CRS

FORTALECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO

• Formação de Conselheiros

POPULAR E DO CONTROLE SOCIAL.

• Auxiliar no processo de regu-

O PRIMEIRO PASSO FOI ESTRUTURAR E CONSOLIDAR O C ONSELHO REGIONAL DE SAÚDE

res, voltada para toda a população.

lamentação

• Que o CRS tenha o controle social

• Relatório de Planejamento – 1999.

O ano de 2001 não foi diferente.

Ao observarmos o funcionamen-

Na avaliação feita até o dia 23/04/ 2002, apenas um município não

a fazê-lo. Nenhum gestor respondeu

to do Conselho Regional de Saúde,

havia apresentado nenhum Relató-

que a Coordenadoria não interfere

podemos evidenciar três pontos que

rio de Gestão, um não apresentou

neste processo. No entanto, o mais

demonstram o seu fortalecimento:

três (2º, 3º e 4º trimestres), um não

importante e interessante é que a

apresentou dois (3º e 4º trimestres)

exigência maior não foi de que os

e dois não apresentaram um (4º tri-

municípios prestassem contas à 6ª

2) Apoio da 6ª CRS no que diz

mestre). A exceção deste grupo, to-

CRS, mas sim para os conselhos

respeito à infra-estrutura;

dos os demais municípios apresen-

municipais de saúde e para a popu-

3) Ampliação da participação.

1) Regularidade das reuniões;

Note-se que este foi um procedimento utilizado em todo o estado como parte da política de financiamento adotada – Municipalização Solidária da Saúde. 2

Devido à reestruturação das regiões do estado do Rio Grande do Sul, houve alterações no número de municípios pertencentes à 6ª Região, passando de 51 para 58. 3

228 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde

Durante o ano de 2001 foram rea-

contando com uma partic ipação

não apenas através do Conselho Re-

lizadas 11 reuniões, quase que inin-

maior que nas microrregionais. Já

gional, mas no dia-a-dia, chaman-

terruptamente. Em torno de 90% das

em 2001, nova rodada de capaci-

do-os a participar de reuniões e

reuniões houve quorum.

tação atingiu 1.136 conselheiros de

eventos importantes na região. Um

Além disso, desde praticamen-

saúde. Neste período abriu-se es-

exemplo disso é que as visitas rea-

te o início da gestão o Conselho dis-

paço para a participação de outras

lizadas pelas Equipes de Assesso-

põe de infra-estrutura à sua dis-

entidades não necessariamente pre-

ria exigiam sempre a presença do

posição dentro da própria Coorde-

sentes nos conselhos, tais como

conselho local, bem como nas audi-

nadoria, com sala, computador e

sindicatos, delegados do Orçamen-

torias nos serviços localizados nos

mobiliário. Também dispõe de

to Participativo, movimentos popu-

municípios. Também as reuniões

apoio financeiro.

lares, o que demonstra a visão am-

feitas entre a Coordenadoria e os

pliada da participação popular,

municípios, importante canal de co-

não restrita aos canais institucio-

municação entre esses níveis de ges-

Por fim, quando falamos na ampliação da participação, trata-se não

tão, contavam sempre com a partici-

apenas do aumento da freqüência

pação de pelo menos um represen-

dos participantes, mas também da ampliação do número de assentos

tante dos conselhos locais, sendo que

existentes no conselho. Ampliou-se

E M 1999 FOI

o convite partia sempre da 6ª CRS:

o espaço para a participação dos

REALIZADO UM CURSO

uma forma de comprometer de fato

gestores e profissionais representantes dos municípios, através de vagas dadas às microrregiões. Já em relação aos conselhos municipais de saúde da região, a 6ª CRS, em conjunto com o Conselho

“...a gente achou que tinha que criar o gestor junto com o Conselho, por-

DE CAPACITAÇÃO DE

que a gente estava naquele momen-

CONSELHEIROS EM

to de trabalhar junto” (Coordenadora

CADA MICRORREGIÃO

de Descentralização, Municipalização e Controle Social).

DE SAÚDE

Estas características relatadas

Regional, investiu na capacitação

até agora correlacionam-se com al-

dos conselheiros para torná-los eficientes na formulação das políticas municipais de saúde e na fiscalização da execução das ações e recursos por parte do gestor municipal.

guns dos aspectos importantes para nalizados no interior do estado,

a accountability. O primeiro e mais

como os conselhos.

relevante é a importância de que as

Para o ano de 2002 a Coordena-

contas sejam prestadas publicamen-

doria possuía um projeto de capaci-

te, ou difundidas junto à população.

Em 1999 foi realizado um cur-

tação para as chamadas Câmaras

A aposta feita pela 6ª CRS de fazer

so de capacitação de conselheiros

Técnicas dos conselhos municipais,

com que os gestores cumpram a lei

em cada microrregião de saúde.

quando procuravam tratar de temas

que obriga à prestação de contas

Este curso contou com uma parti-

mais específicos e técnicos, como or-

aos conselhos e, ao mesmo tempo,

cipação média de 40% dos conse-

çamento, tecnologia, entre outros.

empenhar-se no fortalecimento des-

lheiros. Já no ano de 2000 foram

Além das capacitações, a CRS

ses conselhos em parceria com o Con-

realizados encontros com os con-

procurou envolver os conselhos

selho Regional, faz com que se am-

selheiros municipais de saúde em

municipais de saúde nas discussões

plie a transparência na gestão no

56 dos 58 municípios da região,

a respeito das questões regionais,

âmbito do sistema regional de saú-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

229

LIMA, Juliano de Carvalho

de. Também permite que a popula-

Controle Social fazem a comparação

guma pessoa da Coordenadoria pro-

ção conheça e se aproprie das ques-

do Relatório de Gestão com o plano

cura estar presente nas Audiências

tões fundamentais das políticas de

de aplicação dos recursos da Muni-

Públicas realizadas pelos municí-

saúde municipais, tornando-se mais

cipalização Solidária, buscando

pios. A Coordenação de Descentra-

capaz de controlar a coisa pública e

identificar possíveis desvios.

lização também identifica proble-

colocá-la a seu serviço.

Em relação às atividades descri-

mas na maneira como são presta-

Outro ponto importante diz res-

tas nos relatórios de gestão, a com-

das essas contas.

peito à regularidade da prestação de

paração se faz com o plano munici-

Através de exemplos de municí-

contas, a cada três meses no caso

pal de saúde, ou seja, busca-se fazer

pios da região, a Coordenadora de

em estudo. Esta regularidade, ao

uma comparação entre aquilo que foi

Descentralização aponta o quanto os

nosso ver, é propícia para gerar uma

planejado e definido como prioritá-

secretários municipais de saúde tem

cultura de responsabilidade pois

rio e aquilo que foi executado. Al-

dificuldades para organizar uma

‘habitua’ aqueles que devem pres-

guns problemas são identificados:

Audiência Pública de maneira clara

tar contas das suas ações a atua-

e de fácil entendimento para a po-

rem com mais transparência.

pulação, embora sejam orientados

Além da participação dos conselheiros, a 6ª CRS tem estimulado a

A 6ª CRS TEM ESTIMULADO A PARTICIPAÇÃO

pela Coordenadoria. Assim, a 6ª CRS tem observado

participação de outros segmentos

DE OUTROS SEGMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL

algumas debilidades nesse proces-

da sociedade civil organizada, como

ORGANIZADA, COMO POR EXEMPLO OS

so. A Coordenadora aponta quatro

por exemplo os Delegados do Orçamento Participativo, que acompa-

DELEGADOS DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO,

nham a apreciação e aprovação dos

QUE ACOMPANHAM A APRECIAÇÃO E APROVAÇÃO

planos de aplicação dos recursos da Municipalização Solidária da Saúde, bem como a prestação de contas do

DOS PLANOS DE APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA

M UNICIPALIZAÇÃO SOLIDÁRIA DA SAÚDE

problemas principais: o uso de uma linguagem excessivamente técnica no momento da apresentação para a população, principalmente em relação a recursos financeiros; a não demarcação daquilo

referido recurso. O envolvimento de

que é importante (resultados); a

movimentos populares, independen-

não mobilização da população para

te da participação nos conselhos também foi observada na região. Além disso, a 6ª CRS buscava assegurar maior amplitude à prestação de contas dos municípios através das Audiências Públicas, quando toda a população era chamada. A prestação de contas financeira

O que ele precisa é: que ações eu desenvolvi? o que eu ampliei dentro dos serviços? eu ampliei algum tipo de serviço? que ações eu desenvolvi e que geraram impacto? Porque a maioria dos municípios ainda colocava assim: ofertou tantas consultas, tantos exames, tantos isso, tanto aquilo... (Coordenadora de Descentralização).

participar das audiências e a pouca motivação da maioria dos gestores para prestar contas. Apesar das dificuldades, visualizamos a experiência da região da 6ª Coordenadoria como válida no sentido de criar uma organização mais responsável. Este processo ini-

é avaliada, principalmente no que

A Coordenadoria, além de orien-

ciado na 6ª CRS, bem como em todo

diz respeito aos recursos de fonte

tar a elaboração do Relatório de

o estado do Rio Grande do Sul, tem

estadual. Para esta análise os fun-

Gestão, assessora a prestação de

obrigatoriamente um período de

cionários da Coordenação de Des-

contas em si, realizada nas Audiên-

amadurecimento, de fortalecimento

centralização, Municipalização e

cias Públicas. De maneira geral al-

dos conselhos para que passem a

230 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde

cobrar a prestação de contas, e da

ção possa garantir o ‘bom governo’.

No entanto, essa recentralização,

população em geral para se habituar

No setor saúde, apesar de toda a ên-

cuja expressão maior é a Norma

a participar e fiscalizar.

fase dada à correlação entre demo-

Operacional de Assistência à Saúde,

Um fato que comprova isso diz

cracia e saúde durante o movimento

se dá conjuntamente com um certo

respeito à própria visão dos secretá-

da Reforma Sanitária, temos assisti-

abandono do controle político e so-

rios municipais de saúde da região,

do, nos últimos anos, a um recru-

cial sobre a gestão do sistema.

que apontaram o ‘avanço no contro-

descimento do controle burocrático.

A ascensão de um partido de ca-

le social’ como o principal resultado

Um processo de descentraliza-

ráter popular ao governo do país traz

da pressão da 6ª CRS para que os

ção, que não foi acompanhado do

alguma esperança de mudança. No

municípios prestassem contas trimes-

aumento da responsabilidade espe-

nível setorial, algumas modificações

tralmente, pois 18 dos 28 secretários

rado, possibilitou até mesmo, como

já são observadas. Na linha da nos-

que responderam ao questionário

vimos nos relatos de alguns muni-

sa discussão neste trabalho, a cria-

apontaram esta alternativa.

cípios de Minas Gerais, uma acen-

ção de uma Secretaria de Gestão Par-

Além do fortalecimento do con-

ticipativa já demonstra maior preo-

trole social, ‘menor possibilidade

cupação com a participação da so-

de desvio de recursos (11 secretá-

ciedade na condução e acompanha-

rios) e mudanças no perfil do ges-

mento do sistema. Mas enquanto es-

tor (8)’, como a necessidade de tra-

A ASCENSÃO DE UM

balhar mais em equipe e interse-

PARTIDO DE CARÁTER

torialmente, foram apontados pelos secretários municipais de saú-

POPULAR AO GOVERNO

de da região como avanços decor-

DO PAÍS TRAZ ALGUMA

rentes daquela estratégia. Em outra pergunta, relativa às

sas mudanças estruturais não adquirem caráter de resultado, a pouca qualidade dos serviços públicos de saúde e a baixa capacidade de indignação da população usuária continuam predominantes.

ESPERANÇA DE MUDANÇA

Ainda assim, algumas boas ex-

mudanças gerenciais causadas pela

periências são vivenciadas. A 6ª

prestação de contas, 23 secretários

CRS, principalmente através do for-

municipais de saúde apontaram que

talecimento do controle social na

a principal mudança no seu traba-

tuação das práticas clientelistas e

região, imprimiu ao sistema maior

lho, resultante da prestação de con-

partimonialistas em alguns locais.

accountability, procurando através

tas sistemática através do Relatório

Este tipo de situação parece ter fei-

da reestruturação e do apoio ao

de Gestão, deve-se ao fato de ‘tor-

to com que a direção nacional do

Conselho Regional de Saúde, do en-

nar a gestão mais transparente e

SUS despertasse para a importância

volvimento dos conselhos de saú-

permeável ao controle social’.

de se aliar responsabilidade à des-

de em espaços de tomada de deci-

centralização. No entanto, a via es-

são regional, da capacitação de con-

colhida foi a da ampliação dos me-

selheiros e da vinculação de recur-

canismos reguladores internos e de

sos ao exercício da prestação de

Em um Estado com tradição au-

uma esfera de gestão sobre a outra.

contas em Audiências Públicas,

toritária e excludente, mecanismos

Não negamos a importância de tais

ampliar o espaço de atuação da

de accountability não têm tido o es-

instrumentos, que são necessários

população no controle dos serviços

paço necessário para que a popula-

para o funcionamento do sistema.

públicos de saúde. Além disso pro-

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

231

LIMA, Juliano de Carvalho

curou articular-se com movimen-

rotado no segundo turno das eleições

em Debate, Londrina, PR, n. 49-50,

tos sociais e populares.

para o governo do estado. É impor-

dez./95-mar./96, 1996, p.53-64.

Em relação aos municípios, con-

tante se verificar a continuidade do

comitante a um estímulo à autono-

movimento instaurado em 1999 para

mia, garantida principalmente atra-

se avaliar se houve sustentabilidade

vés da liberdade para decidir a apli-

na proposta e se o processo foi con-

cação de recursos repassados pelo

sistente o suficiente para garantir

estado, foi rigorosa na cobrança de

independência aos espaços de in-

contas. A exigência da prestação de

fluência da população na formula-

ção Pública em Ação. Brasília, DF:

contas das secretarias municipais de

ção das políticas de saúde na região.

Editora Universidade de Brasília/

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Tínhamos como objetivo neste trabalho discutir modos de se conciliar descentralização e accountability. Estávamos interessados em discutir formas de controle que envolvessem os principais interessados, os cidadãos, e, deste modo, contribuirmos para uma discussão sobre as

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do poderemos traduzí-la para o por-

ca, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1,

lização no sistema de saúde brasi-

tuguês? Revista de Administração

2000. p. 231-239.

leiro. A experiência da 6ª Região de

Pública, v. 24, n. 2, fev.-abr., 1990.

Saúde, e este artigo, certamente não

p. 30-50.

dão conta de abranger todos os aspectos da accountability, mas trazem algumas questões importantes ao debate, relacionadas à necessidade de se retomar o componente político do controle do sistema. Vale, finalmente, destacar que a

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não se sustentou no poder, tendo o

tema de saúde: uma utopia para sair

ganizações, Dissertação (Mestrado),

Partido dos Trabalhadores sido der-

de um status quo inaceitável. Saúde

Escola Nacional de Saúde Pública

232 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003

233

SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

José Paulo Vicente da Silva1 Roseni Pinheiro2 Felipe Rangel S. Machado3

Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde*

Mestre em Saúde Coletiva, professor e pesquisador visitante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (F IOCRUZ), integrante do Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ ), que conta com apoio do CNPq, da FAPERJ e do Ministério da Saúde Av. Roberto da Silveira, 358/701 CEP 24230-153 – Niterói – RJ e-mail: [email protected]

Needs, demand and offer: a few contributions on the meaning, sense and value in the construction of integrality within the Health Sector reform

1

Doutora em Saúde Coletiva, professora do Instituto de Medicina Social, coordenadora do Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde, do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (U ERJ), que conta com apoio do CNPq, da FAPERJ e do Ministério da Saúde Rua Cândido Mendes, 279/307 CEP 20241-220 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: [email protected] 2

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo contribuir para a discussão sobre a construção da integralidade da atenção, entendida como princípio norteador das ações e dos serviços de saúde – preventivos e curativos, individuais e coletivos – nos diversos níveis de complexidade do sistema. Grande parte dos cidadãos, principalmente os mais carentes de assistência, se depara com muitos obstáculos para conseguir acesso ao atendimento de qualidade capaz de responder positivamente às suas necessidades. Para tanto, propomos um olhar sobre os sentidos, significados e valores atribuídos às categorias necessidade, demanda e oferta, ampliando o leque de noções necessárias à materialização da integralidade, a fim de garantir o acesso universal com efetividade e ‘resolutividade’ como o grande desafio a ser enfrentado na luta pela implementação efetiva do Sistema Único de Saúde (SUS). DESCRITORES: Necessidades e Demanda de Serviços de Saúde; Cuidados Inte-

Graduando em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ ), bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ , no Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde do Instituto de Medicina Social(IMS) da UERJ , que conta com apoio do CNPq, da F APERJ e do Ministério da Saúde Rua Califórnia, 326 CEP 24465-120 – São Gonçalo – RJ e-mail:[email protected]

grais de Saúde; Serviços de Saúde; SUS.

Este trabalho é parte integrante da dissertação de mestrado em Saúde Coletiva “Gestão Compartilhada e Construção da Integralidade da Atenção no SUS: a experiência da 4a região sanitária do estado do Rio Grande do Sul – período: 19992002”, de José Paulo Vicente da Silva, defendida em abril de 2003, orientada pela professora Roseni Pinheiro.

their needs. The authors propose a new view on senses, meanings and

3

*

ABSTRACT This article aims to contribute to the discussion on the construction of care integrality, as the principle that orientates preventive and healing, individual and collective health actions and functions on the several complex levels of the health system. Most people, especially the less assisted ones, face many obstacles in their search for a health care service able to meet values given to categories called needs, demands, and offer, widening the notions required for the fulfillment of integral care, in order to guarantee universal and effective access to health care, the great challenge to be faced in the struggle for the implementation of an efficient Unified Health System. DESCRIPTORS: Health Services Need and Demand; Comprehensive Health Care; Health Services; SUS.

234 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde

INTRODUÇÃO

letivo a serem realizados pelo Mi-

tia do acesso universal com efetivi-

nistério da Saúde (MS) e as ações e

dade e ‘resolutividade’ permanece,

O texto constitucional de 1988,

serviços assistenciais de cunho in-

ainda, como um grande desafio a

que institui o Sistema Único de Saú-

dividual, a serem implementados

ser enfrentado na luta pela imple-

de (SUS), aponta sua organização de

pelo Ministério da Previdência e As-

mentação efetiva do SUS.

acordo com as seguintes diretrizes:

sistência Social (MPAS), por meio

“descentralização, com direção úni-

do Instituto Nacional de Previdên-

ca em cada esfera de governo; aten-

cia e Assistência Social (I NAMPS) –,

dimento integral, com prioridade

o SUS deve combinar de forma har-

para as atividades preventivas, sem

mônica e igualitária a cobertura

prejuízo dos serviços assistenciais;

desses serviços à totalidade da po-

e participação da comunidade”. Es-

pulação, na direção da superação

tas dizem respeito ao controle social

de tal dicotomia.

sobre as ações e serviços públicos de saúde (B RASIL, 1988. art. 198). Em consonância com essas diretrizes constitucionais, o SUS orienta-se ainda, e principalmente, pelo princípio da ‘universalidade do aces-

D O PONTO DE VISTA JURÍDICOINSTITUCIONAL , A INTEGRALIDADE É

Segundo Mendes, a aplicação do princípio da integralidade (...) implica reconhecer a unicidade institucional dos serviços de saúde para o conjunto de ações promocionais, preventivas, curativas e reabilitadoras e que as intervenções de um sistema de saúde sobre o processo saúde/doença conformam uma totalidade que engloba os sujeitos do sistema de saúde e suas inter-relações com os ambientes natural e social (MENDES, 1993. p. 149).

Para tanto, “a integralidade exige,

DEFINIDA COMO UM CONJUNTO

exatamente, uma intervenção integra-

ARTICULADO DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE ,

dora no seu âmbito tecnológico sobre

os níveis de assistência’. Cabe salientar que, antes da institucionalização

PREVENTIVOS E CURATIVOS, INDIVIDUAIS E

so aos serviços de saúde em todos

do SUS, o acesso aos serviços e ações de saúde só estava garantido aos contribuintes do sistema previdenci-

COLETIVOS NOS DIVERSOS NÍVEIS DE

ambiente” (MENDES, 1993. p. 150). tica de saúde deverão corresponder a uma abordagem das práticas sa-

1988 assegura, legalmente, a atennia a todo o povo brasileiro.

coletivos, grupos sociais e o meio Essas dimensões da macropolí-

COMPLEXIDADE DO SISTEMA

ário. Neste sentido, a Constituição de ção à saúde como direito de cidada-

os indivíduos, famílias, ambientes

Então, do ponto de vista jurídico-institucional, a integralidade é

nitárias que se traduza em duas dimensões, quais sejam:

A integralidade – termo que, de

definida como um conjunto articu-

acordo com Mattos (2001), tem sido

lado de ações e serviços de saúde,

usado de forma corrente como re-

preventivos e curativos, individuais

ferência à diretriz da atenção inte-

e coletivos nos diversos níveis de

gral – deve ter sua leitura combi-

complexidade do sistema. Mas, de

nada com o princípio da igualdade

acordo com Carvalho e Santos

da assistência (B RASIL, 1988. art.

(2002), grande parte dos cidadãos,

198. inciso IV). Em contraposição

principalmente os mais carentes de

Outrossim, no sentido da supe-

ao antigo sistema de saúde – o qual

assistência, se depara com muitos

ração das desigualdades que se re-

incluía a dicotomia entre as ações

obstáculos para conseguir atendi-

ferem a diferentes padrões de saúde

e serviços preventivos de cunho co-

mento médico-hospitalar. A garan-

dos variados grupos populacionais

(...) numa integração, definida por um problema a enfrentar através de um conjunto de operações articuladas pela prática da vigilância em saúde; (...) numa integração dentro de cada unidade de saúde, entre as práticas sanitárias de atenção à demanda e da vigilância em saúde (MENDES, 1993. p. 150).

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

235

SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.

e ao acesso desigual desses distin-

tuindo-se, portanto, na “essência

tos segmentos da população às ações

mesma da política pública de saú-

e serviços de prevenção e cura de

de” (CAMARGO J ÚNIOR, 2001. p. 11).

NECESSIDADES DE SAÚDE: INTERAÇÃO DE SUJEITOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS NA GESTÃO DA OFERTA NA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE

doenças, o sistema de saúde deve

Parte-se da premissa de que não

ser, também, orientado pelo princí-

existe a possibilidade de constru-

pio da eqüidade. Esta deve ser com-

ção da integralidade e da eqüida-

De acordo com Stotz (1991), as

preendida como

de – os verdadeiros objetivos da

necessidades de saúde situam-se no

política de saúde, que vão além do

nível das necessidades sociais mais

consumo de determinadas tecnolo-

gerais. Ainda que estas sejam deter-

gias e serviços – sem a garantia

minadas e constituídas social e his-

do acesso universal a todos os ní-

toricamente, só poderão ser apreen-

veis de atenção. Essa perspectiva

didas em sua dimensão individual,

implica o reconhecimento da ação

expressando uma relação dialética

(...) a superação das desigualdades que, em determinado contexto histórico e social, são evitáveis e consideradas injustas, implicando que necessidades diferenciadas da população sejam por meio de ações governamentais também diferenciadas (...). Subjacente a este conceito está o entendimento de que as desigualdades sociais entre as pessoas não são dadas ‘naturalmente’, mas sim criadas pelo processo histórico e pelo modo de produção e organização da sociedade (MALTA, 2001. p. 135-136).

entre o individual e o social. O autor está interessado em observar

UNIVERSALIDADE, INTEGRALIDADE E

como demandas sociais por saúde

EQÜIDADE DA ATENÇÃO À SAÚDE

jeitos coletivos, tendo em vista que

CONSTITUEM, POIS, A FINALIDADE

podem constituir determinados suessas demandas expressam determi-

ÉTICO-POLÍTICA DO SISTEMA DE SAÚDE ,

nadas ‘carências’ ou ‘necessidades’

EXPRESSA EM CONTRIBUIÇÃO PARA A

ca) geradas pelo modo de produção

tica do sistema de saúde, expressa

MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE

e pela organização da sociedade.

em contribuição para a melhoria

E VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Universalidade, integralidade e eqüidade da atenção à saúde constituem, pois, a finalidade ético-polí-

das condições de saúde e vida da

vê esses três princípios como formadores de “um conceito tríplice, entrelaçado, quase um signo”, ca-

Na busca por explicações acerca das mediações da prática social que dizem respeito à atuação dos

população brasileira. Com efeito, Cecílio (2001. p. 113)

(termos utilizados na Saúde Públi-

movimentos sociais, recorre-se à recíproca existente entre a macro

compreensão de carência como uma

e a micropolítica de saúde. A bus-

idéia que sempre tem por referên-

ca pela integralidade e pela eqüi-

cia o conceito de indivíduo: alguém

dade deve ser orientada por meio

é carente de algo.

paz de expressar com todo vigor a

de uma abordagem totalizante ao

Contudo, como o indivíduo com-

luta por cidadania, justiça e demo-

repensar a “organização do proces-

partilha o processo de determinação

cracia, consubstanciada no ideário

so de trabalho, gestão, planejamen-

de suas carências/necessidades –

da Reforma Sanitária brasileira.

to e construção de novos saberes

pois pertence a um determinado gru-

A “visão ampliada da idéia de inte-

e práticas em saúde” (CECÍLIO, 2001.

po (família, colegas de trabalho,

gralidade” seria capaz de incorpo-

p. 113). Para esta reflexão sobre

seita religiosa etc.) –, é influencia-

rar as propostas de integralidade

integralidade e eqüidade, o autor

do pelos valores do grupo.

(no seu entendimento corrente),

toma como ‘analisador’ as neces-

eqüidade e universalidade, consti-

sidades de saúde.

236 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

Sendo assim, o processo de determinação das carências individuais

Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde

é vivenciado com o grupo: tem uma dimensão coletiva. Trata-se, pois, de

tadores de uma generalidade de uma essência universal(STOTZ, 1991. p. 107).

des) cujo atendimento é socialmente sancionado como legítimo (inclusive,

uma mediação fundamental da prá-

Ao propor um conceito operacio-

em certos casos, do ponto de vista

xis social inerente à vida em socieda-

nal de necessidades de saúde capaz

jurídico) e implica obrigação política

de. As necessidades de saúde expres-

de contemplar a perspectiva dos su-

na sua atenção (NUNES, 1989).

sam as carências de milhões de indi-

jeitos individuais e coletivos, o autor

No entanto, quando se entra em

víduos e também, simultaneamente,

vislumbra propiciar uma ferramenta

contato com determinado conceito

as necessidades coletivas.

que, potencialmente, contribua tanto

operacional de necessidades de saú-

Nessa visão de mundo, o ser

para a superação do reducionismo

de, descobre-se que tal conceito já

humano é, ao mesmo tempo, uni-

inerente ao enfoque normativo de pla-

demarca a priori uma classificação

versal e particular. O sujeito indivi-

nejamento quanto para a superação

baseada em critérios definidos an-

dual está dialeticamente referido ao

das incoerências e insuficiências con-

teriormente. A existência prévia de

seu grupo ou, como em Marx, à sua

tidas no enfoque situacional. Tem-se

tal taxonomia aponta para a domi-

classe social, negando a perspecti-

nância de determinada concepção de

va do sujeito individual portador de

necessidades de saúde. Para Stotz (1991), na Saúde Públi-

necessidades, descolado das suas relações sociais. A última perspectiva subjaz ao enfoque atomista-individualista, cujo pressuposto é a existência de uma sociedade que é a soma de indivíduos isolados e livres (o homo economicus) para sa-

O SUJEITO INDIVIDUAL ESTÁ DIALETICAMENTE REFERIDO AO SEU GRUPO OU, COMO EM M ARX, À SUA CLASSE SOCIAL, NEGANDO A PERSPECTIVA DO SUJEITO INDIVIDUAL

tisfazer suas necessidades de acor-

PORTADOR DE NECESSIDADES, DESCOLADO

do com a lei de oferta e procura por

DAS SUAS RELAÇÕES SOCIAIS

ca, as duas vertentes da perspectiva individual do ‘sujeito de necessidades’ – a liberal e a funcionalista – foram incorporadas de forma pragmática ao enfoque normativo de planejamento. Nesse caso, ‘necessidades sentidas’, ‘expressas’, ‘normativas’ e ‘comparativas’ informam um critério que tra-

bens e serviços (a lei natural do

duz uma acepção naturalista do su-

mercado). De outro lado, informa

jeito, na qual as necessidades se cons-

também o enfoque funcionalista que

tituíram na ausência de algo cuja

reconhece o sujeito individual como

em mente que é essa racionalidade

natureza se refere à idealização e à

uma unidade da estrutura do siste-

instrumental e economicista que vem

generalidade, excluindo as relações

ma social e busca, por meio de me-

permeando, hegemonicamente, a for-

sociais e, portanto, a sociedade.

canismos de regulação, a normali-

mulação das políticas públicas de

Dessa forma, problemas e neces-

zação dos hábitos da sociedade.

saúde por meio do planejamento. Essa

sidades de saúde apresentam-se como

outra perspectiva possibilitaria a

noções conexas: a necessidade é, de

construção de novas mediações, ago-

algum modo, a tradução de proble-

ra entre sujeitos individuais e coleti-

ma em termos operacionais. Enquan-

vos e critérios de legitimação do po-

to um determinado problema informa

der político estatal.

a existência de um estado de saúde

Entretanto, a crítica é dirigida também à visão marxista-estruturalista, posto que nessa perspectiva a noção de sujeito não passa de uma noção ideológica: os sujeitos concretos são erigidos em dados absolutos, como indivíduos empíricos cujos atributos são gerais, universais. Os sujeitos são por-

Nesse tipo de mediação, a referên-

definido como deficiente, seja pelo in-

cia se dá em relação à existência de

divíduo, pelo profissional médico ou

um conjunto de carências (necessida-

mesmo pela coletividade, a necessi-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

237

SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.

dade é a expressão de um desvio ou

nocrática do planejamento normati-

a diferença entre o estado ótimo, defi-

vo de necessidades de saúde quan-

nido de modo normativo.

to na ‘ausência’ de um conceito ope-

os diferentes lugares ocupados por homens e mulheres na sociedade capitalista como as explicações mais importantes para adoecer e morrer.

Tal concepção dispensa mediações

racional de necessidades de saúde

do conceito de necessidades de saú-

no enfoque estratégico, há um gran-

O segundo “(...) fala da necessida-

de, pois a explicação da situação em

de problema a ser enfrentado quan-

de de se ter acesso e se poder consu-

questão cede lugar a um diagnósti-

do se formula determinada política

mir toda tecnologia de saúde capaz

co com base em uma realidade obje-

social. Isso porque, em última ins-

de prolongar a vida (...)”. Um terceiro

tiva que se controla e mensura por

tância, essa taxonomia orientará a

meio de indicadores tradicionais ex-

definição dos parâmetros de cober-

ternos ao planificador.

tura e seletividade de tal política.

(...) diz respeito à insubstituível criação de vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou um profissional (...) significa o estabelecimento de uma relação contínua no tempo, pessoal e intransferível, calorosa: encontro de subjetividades.

Quanto ao enfoque estratégico,

Tendo como referência o caminho

Stotz conclui que não existe qual-

percorrido por Stotz (1991), Cecilio

quer menção dirigida ao conceito de necessidades de saúde, tanto no pensamento estratégico de Mario Testa, quanto no planejamento situacional de Carlos Matus, para quem o planejamento do tipo estratégico é passível de incorporar determinados ele-

À MEDIDA QUE SE CONSIDERA O PROCESSO SAÚDE /DOENÇA COMO AO MESMO TEMPO INDIVIDUAL

mentos do enfoque normativo. Para

E COLETIVO, HÁ UM GRANDE

o primeiro, o diagnóstico de saúde

PROBLEMA A SER ENFRENTADO

do tipo tradicional, no qual os problemas de saúde são informados por

QUANDO SE FORMULA

indicadores objetivos e não definidos

DETERMINADAPOLÍTICA SOCIAL

O quarto e último (...) diz respeito à necessidade de cada pessoa ter graus crescentes de autonomia no seu modo de levar a vida (...) informação e educação são em saúde apenas parte do processo (...) implicaria a possibilidade de reconstrução, pelos sujeitos, dos sentidos de sua vida (...) incluindo aí a luta pela satisfação de suas necessidades, de forma mais ampla possível.

por sujeitos individuais ou coletivos,

De acordo com este autor, a es-

é indispensável na formulação do

cuta dessas necessidades tem o po-

plano. Já de acordo com Matus, (...) a planificação é uma atribuição governamental, relativa ao presente, que exige cálculo e se refere a problemas reais (...) empiricamente constatáveis, capturados através de uma técnica específica como parte dos procedimentos do momento explicativo, a saber, o fluxograma situacional (MATUS, 1989. p. 20).

À medida que se considera o processo saúde/doença como ao mesmo tempo individual e coletivo, tanto na perspectiva reducionista e tec-

(2001. p. 114-115) propõe “uma

tencial de ampliar a capacidade e

taxonomia das necessidades de saú-

as possibilidades de intervenção por

de totalizadora da visão dos sujei-

parte dos trabalhadores de saúde em

tos individuais e coletivos organi-

relação aos problemas daqueles que

zada em quatro grandes conjuntos”.

procuram os serviços de saúde.

O primeiro conjunto (...) diz respeito a se ter ‘boas condições de vida’ (...) que poderiam ser entendidas tanto no sentido mais funcionalista, que enfatiza os fatores do ‘ambiente’, ‘externos’, que determinam o processo saúde-doença (...), como nas formulações de autores de extração marxista (...), que enfatizam

238 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

DEMANDA EM SAÚDE: PLURALIDADE DE CONTEXTOS E PRÁTICAS PARA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE A integralidade, em seu sentido ampliado, constitui ‘objetivo de rede’

Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde

acabam por manter a distinção entre as categorias oferta e demanda, e pela qual o consumidor ou usuário vai para um lado e o prestador e o agente vão para outro, numa ação descolada do contexto em que estão inseridos (P INHEIRO, 2000. p. 16).

e sua concretização depende de uma

Setor Saúde. A autora ressalta a

articulação entre a micro e a ma-

urgência de se ultrapassar as for-

cropolítica, e não apenas do espaço

mulações originárias desses termos,

singular dos serviços – mesmo que

já que o campo da economia tem

esses cumpram a contento a sua

exercido enorme influência na área

função social. Para ser alcançada,

da saúde, estendendo seus braços

depende de uma articulação entre

em diferentes áreas do conhecimen-

Dessa forma, ‘demanda’ e ‘ofer-

serviços e ações setoriais e interse-

to, em particular, na área do plane-

ta’ são categorias que permitem

toriais. Isso porque, conforme o

jamento em saúde.

apreender as dimensões assisten-

momento que vive o usuário, a tec-

Para Pinheiro (2000), diferente-

cial, tecnológica e política, que têm

nologia de saúde que necessita pode

mente da economia e do planejamen-

no cotidiano das instituições de saú-

estar em uma unidade básica de

to em saúde, deve-se evitar a divi-

de seus elementos constitutivos. Afi-

saúde ou em algum serviço produ-

são peculiar entre demanda e ofer-

nal, são essas dimensões que en-

tor de procedimentos mais sofisti-

volvem a formulação, a execução

cados, ou até mesmo poderá depen-

e a análise das políticas de saúde

der de uma cooperação com outros setores da política governamental (CECILIO, 2001. p. 117). Nessa perspectiva, o acesso da população a todos os níveis de com-

C ABE DIZER QUE ‘NECESSIDADES’, ASSIM COMO ‘DEMANDAS ’, SÃO

no campo da organização dos pró-

CATEGORIAS QUE DEVEM SER

entende-se que a demanda e a ofer-

plexidade é uma das condições para

COMPREENDIDAS DE MANEIRA

que haja garantia da integralidade da

CONTEXTUALIZADA, O QUE REMETE

atenção no SUS. Mas, o acesso per si não garante a integralidade, à medida que a mesma depende de outros

PARA A UTILIZAÇÃO DE OUTROS REFERENCIAIS TEÓRICOS

prios serviços que as instituições mantêm dentro do sistema. Assim, ta são construídas a partir de uma ação social, podendo incluir tanto a objetividade quanto a subjetividade de seus atores, assim como suas falas e práticas no interior das instituições de saúde.

fatores para a sua materialização.

É importante notar que, diferen-

Cabe dizer que ‘necessidades’, as-

temente da afirmação de Cecílio

sim como ‘demandas’, são catego-

ta, pois essa visão impede que a

(2001), as demandas podem não ser

rias que devem ser compreendidas de

relação entre as duas categorias seja

necessidades moduladas pela ofer-

maneira contextualizada, o que reme-

vista, reproduzindo-se o caráter di-

ta dos serviços, a não ser que conti-

te para a utilização de outros referen-

cotômico e até estático das mesmas.

nuemos somente a utilizar referen-

ciais teóricos, que não somente os do campo da economia, mas também das ciências políticas e sociais. A discussão proposta por Pinheiro (2000) aponta para a importância de se reconstruir os conceitos de ‘demanda’ e ‘oferta’, no sentido de se apreender diferentes aspectos presentes nas propostas de reforma no

(...) os estudos realizados sob esse prisma tendem a analisar os seus componentes separadamente, de modo que a demanda seja relacionada apenas aos usuários ou consumidores e a oferta seja ligada somente aos serviços propriamente ditos. Há nessa forma de elaboração estreita ligação com os conceitos econômicos clássicos, que, assentados no mercado, via consumo,

ciais conceituais originários dessas categorias na formulação e no planejamento da oferta em saúde ou na própria análise das políticas. Por outro lado, se ampliarmos os conteúdos de diferentes campos de conhecimento, a demanda pode ganhar novos contornos conceituais, conforme proposto por Stotz (2001)

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

239

SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.

na discussão sobre a definição de

tre a nossa política e as formulações

necessidades. Compreendemos a

das agências internacionais, como é

demanda como fruto de uma rela-

o caso do Banco Mundial.

ção e interação entre atores que têm

Posto isso, retomamos a perspec-

necessidades, desejos e projetos ins-

tiva dialógica do princípio da inte-

titucionais distintos e que, portan-

gralidade. Esta se afirma numa ação

to, devem ser considerados.

recíproca entre a micro e a macro-

Partindo dessa compreensão, a

política (CECÍLIO, 2001), entre o geral

integralidade apresenta potenciali-

e o particular, e entre o individual e

dades que sugerem a construção

o coletivo, pois as necessidades de

de inovações no campo político e

saúde espelham as mediações da

institucional, desde que apreendi-

prática social dos sujeitos individuais

das como eixo estruturante de no-

e coletivos (S TOTZ, 1991) que, em in-

vas práticas sanitárias nos diferen-

teração com o centro da ‘socieda-

tes níveis de complexidade de aten-

de civil’, lutam pela saúde. Dessa

ção à saúde.

forma, a integralidade, em seu sen-

De acordo com Ceccim e Armani

tido ampliado, só poderá ser fruto

(2002), essa questão remete para a

da ação social concreta e, portanto,

garantia de amplo acesso à partici-

da co-produção intencional de su-

pação e ao controle social na plani-

jeitos individuais e coletivos livres,

ficação, na avaliação e no controle

conscientes das suas necessidades

em saúde, à articulação com os

de saúde (consciência sanitária).

Mattos afirma (2001. p. 61): quer tomemos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho, quer da organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação ao diálogo.

E conclui que a luta pela integralidade (...) é travada cotidianamente no interior dos serviços de saúde, nas reuniões de técnicos e gestores do SUS nos seus diversos níveis, nas novas arenas de negociação e pactuação entre gestores e nos debates nas instâncias que contam com a participação popular (M ATTOS, 2001. p .61).

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Para essa direção, parece con-

política com a sociedade. Portanto,

vergir a perspectiva de Mattos

BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de se-

a disseminação dos princípios dou-

(2001), que apresenta a integrali-

tembro de 1990. Dispõe sobre as

trinários do SUS e de suas formas

dade como uma ‘bandeira-de-luta’

condições para a promoção, prote-

de materializá-los auxilia na quali-

compondo uma ‘imagem-objetivo’

ção e recuperação da saúde, a or-

ficação da participação política para

maior e cuja tradução se dá em um

ganização e o funcionamento dos

a defesa da saúde como direito.

projeto societário permeado pelos

serviços correspondentes e institu-

ideais de justiça e solidariedade.

cionaliza a descentralização e as

Essa tradução parece recompor a

relações entre União, Estados e

unidade dialética saúde/democra-

Municípios com relação à política

Pensar a integralidade da atenção

cia, que permeou a construção do

de saúde. Diário Oficial da Repú-

se justifica pelo fato dessa diretriz,

projeto político da Reforma Sanitá-

blica Federativa do Brasil. Brasí-

segundo hipótese de Mattos (2001) –

ria. Cabe ressaltar que aquele pro-

lia, DF, 29 de setembro de 1990.

com a qual concordamos –, demar-

jeto informava a ‘politização da

BRASIL . Lei n. 8.142, de 28 de dezem-

car a própria especificidade da polí-

saúde’ como estratégia central para

bro de 1990. Dispõe sobre a partici-

tica de saúde brasileira. Atualmen-

se alcançar os objetivos propostos,

pação da comunidade na gestão do

te, a integralidade parece constituir

entre os quais a integralidade da

Sistema Único de Saúde (SUS) e so-

uma das principais divergências en-

atenção se situa centralmente.

bre as transferências intergoverna-

CONSIDERAÇÕES FINAIS

240 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde

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242 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003

Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia Evaluation of the primary care services organization in Petrópolis: a methodological test

RESUMO James Macinko1 Celia Almeida2 Eliane Oliveira3

O objetivo da pesquisa foi adaptar e aplicar um instrumento para medir dimensões organizacionais do sistema de atenção básica no município de Petrópolis (RJ), comparando as dimensões organizacionais selecionadas em dois tipos de unidades: as do Programa Saúde da Família (PSF) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais. A pesquisa utilizou a metodologia de informantes-chave. A ferramenta testada foi aplicada de forma rápida o que sugere que ela pode ser empregada nas avaliações regulares do desempenho das unidades. Conclui-se que apesar de Petrópolis ter realizado avanços importantes na atenção básica, enfrenta vários desafios, incluindo: melhorar acesso, reforçar o papel da atenção básica como porta de entrada no sistema, alcançar maior integralidade na atenção à saúde, melhorar a coor-

Economista, Ph. D, ex-professor visitante do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (DAPS ) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ), professor de saúde pública na Universidade de Nova York e-mail: [email protected] 1

MD, MPH, Ph. D, pesquisadora titular do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (D APS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) Av. Brasil, 4.036 – sala 707 CEP 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: [email protected] 2

MPH, pesquisadora assistente do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (D APS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) Av. Leopoldo Bulhões, 1.480 – 7 0 andar CEP 21041-210 – Rio de Janeiro – RJ e-mail: [email protected] 3

denação e aumentar a orientação para a comunidade. DESCRITORES: Avaliação dos Serviços; Cuidados Primários de Saúde; Programa Saúde da Família.

ABSTRACT The purpose of the study was to adapt and apply an instrument to measure the organizational features of the primary care system in the municipality of Petrópolis (RJ), comparing the performance of its Family Health Program (PSF) with traditional primary care facilities (UBS). The study used the methodology of key reporters. The tool successfully employed a rapid assessment methodology suggesting that it could be used in on-going monitoring and evaluation of the performance of health facilities. In conclusion, in spite of making important advances in primary care, Petrópolis faces several challenges including the need to improve access, enforce the role of primary care as a gatekeeper to the health system, and improve the scope, coordination, and community orientation of both types of primary care services. DESCRIPTORS: Services Evaluation; Primary Health Care; Family Health Program.

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

243

MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane

INTRODUÇÃO

cas inovadoras do programa, in-

Petrópolis (Rio de Janeiro) essa nova

Durante a última década do sé-

cluem-se a ênfase em reorganizar

metodologia. Espera-se que no fu-

culo passado, o Brasil experimen-

serviços de atenção básica, cen-

turo esse instrumento possa ser apli-

tou grandes mudanças na organiza-

trando-os na família e na comuni-

cado a uma amostra nacional de

ção, no financiamento e na oferta de

dade e integrando-os aos outros

municípios para determinar tendên-

serviços de seu sistema de saúde,

níveis de atenção. Entretanto, as

cias no alcance das dimensões or-

sendo que a atenção básica tem

pesquisas e as metodologias exis-

ganizacionais da atenção básica e o

merecido especial cuidado, com a

tentes para medir o alcance do pro-

seu impacto na saúde da população

introdução de programas inovado-

grama nestas dimensões inovado-

em nível nacional.

res e estratégicos para a mudança

ras ainda são insuficientes.

do modelo assistencial no Sistema Único de Saúde (SUS). Estas mudanças realizaram-se

Na primeira parte do trabalho

Daí o interesse em avaliar o al-

discutimos o marco teórico utiliza-

cance destes programas e, mais am-

do e a metodologia empregada; na

plamente, o impacto dessas inova-

segunda, apresentamos e discutimos

devido a muitos fatores, entre eles

alguns dos principais resultados; e,

a necessidade de se desenvolver e

por fim, fazemos algumas conside-

disponibilizar para a população, ser-

rações sobre este trabalho e seus

viços básicos que sejam mais aces-

possíveis desdobramentos.

síveis, eqüitativos e de melhor qualidade. Para responder a esse desafio, o Ministério da Saúde (MS) vem

A ATENÇÃO BÁSICA TEM MERECIDO ESPECIAL CUIDADO, COM A INTRODUÇÃO DE

MARCO TEÓRICO

utilizando diversas estratégias, des-

PROGRAMAS INOVADORES E ESTRATÉGICOS

Nas décadas antes mencionadas,

tacando-se os programas especiais

PARA A MUDANÇA DO MODELO ASSISTENCIAL

de uma maneira geral, todos os paí-

– o Programa de Agentes Comunitá-

NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

ses reformaram seus sistemas de

rios de Saúde (PACS), desde 1991, e o

serviços de saúde, guiados por ob-

Programa Saúde da Família (PSF),

jetivos de alcance de maior eficiên-

desde 1994 – assim como o Piso da

cia, eqüidade e qualidade na aten-

Atenção Básica (PAB), introduzido

ção, sendo que novos modelos e

com a Norma Operacional Básica

ções na organização da atenção bá-

paradigmas de reforma têm sido di-

(NOB) 1996 e atualizado com a Nor-

sica e na provisão de serviços, as-

fundidos mundialmente. Na Améri-

ma Operacional de Assistência à Saú-

sim como o resultado da ação dos

ca Latina, esses processos têm sido

de (NOAS) 2001 e 2002, como parte

serviços de atenção primária na saú-

particularmente importantes, pois ao

do processo de descentralização.

de da população em nível local.

mesmo tempo que estão vinculados

O PSF em particular apresentou

Apresentamos aqui alguns resul-

às políticas de ajuste macroeconô-

um crescimento considerável. De

tados preliminares de uma pesqui-

mico e à reforma do Estado, são

900 equipes em 900 municípios em

sa que foi desenhada para validar

concomitantes ao aumento impac-

1996 (AGUIAR , 1998), passou para

uma metodologia de avaliação rá-

tante da pobreza e das desigualda-

quase cinco mil equipes em 1.870

pida dos elementos organizacionais

des, pari passu à deterioração das

municípios em 1999 e 10.025 equi-

e do desempenho do sistema de aten-

instituições públicas, exacerbadas

pes em 3.059 municípios em 2000

ção básica do SUS. O objetivo do

exatamente por essas mesmas polí-

(BRASIL, 2000). Entre as característi-

estudo foi testar, no município de

ticas (FANELLi et al., 1992; HOEVEN ;

244 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia

S TEWART, 1993; COMINETTI, 1994). Pa-

A discussão contemporânea so-

ralelamente, assistimos a mudanças

bre a avaliação dos sistemas de ser-

muito mais radicais dos sistemas de

viços de saúde reconhece a impor-

saúde, com resultados pífios em re-

tância de definir os seus limites,

lação ao preconizado pelas agendas

explicitando-se claramente as áreas

de reforma, ou mesmo piora das

passíveis de intervenção direta das

condições antes observadas (ALMEI-

autoridades sanitárias ( P AHO ,

DA, 2002a; 2002b). Mais recentemen-

2001a). No que toca à atenção bási-

te, esses resultados têm levado à

ca, a avaliação se depara com o pro-

formulação de estratégias que apon-

blema adicional de que não existe

tem para a (re)construção de siste-

consenso na literatura sobre seu

mas de saúde mais eqüitativos e

conceito, tendo sido definida de for-

com serviços de melhor qualidade

ma diferente, no tempo e no espaço.

(INFANTE, 2000).

pelo menos dois significados: uma prescrição geral que advogava que os sistemas sanitários deveriam dar tecipando/evitando os problemas de

desempenhado papel de destaque

saúde e os agravamentos das doen-

início pensada numa perspectiva

A ATENÇÃO PRIMÁRIA

restrita, como uma forma de dimi-

FOI APROVADA COMO

nuir o gasto hospitalar, particular-

Esse enfoque inter-relacionava

prioridade à assistência básica, an-

A atenção básica em saúde tem nessas reformas contemporâneas. De

tral dos SS de cada país e principal enfoque do desenvolvimento social e econômico da comunidade [...] É o primeiro nível de contato dos indivíduos, família e comunidade com a SS, levando a atenção de saúde mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde (WHO, 1978, tradução livre).

ças e quebrando os ciclos perversos produtores das enfermidades; e um conjunto mínimo de ações e servi-

A PRINCIPAL ESTRATÉGIA

ços que compunham a Atenção Pri-

saúde, ela vem pouco a pouco sen-

PARA ATINGIR A META DE

mária e se estendiam para além do

do retomada de forma mais ampla,

“SAÚDE PARA TODOS NO ANO 2000”

mente alto em todos os sistemas de

voltada para a ‘reversão do modelo

campo estrito dos serviços de assistência médica, focalizando as con-

assistencial’, excessivamente centra-

dições de vida e saúde das popula-

do na assistência médica, com a re-

ções, incorporando ações na área de

comendação de que deva fazer par-

educação, saneamento, promoção

te integral das estratégias de desen-

Assim, em 1978, na Declaração de

da oferta de alimentos e da nutrição

volvimento econômico e social

Alma Ata, a atenção primária foi apro-

adequada, saúde materno-infantil

(WORLD BANK 1993; WHO 2001a).

vada como a principal estratégia para

(incluindo planejamento familiar),

Entretanto, o impacto da atenção

atingir a meta de “Saúde para todos

medidas de prevenção, provisão de

básica no alcance desses objetivos

no Ano 2000” (ASSEMBLÉIA MUNDIAL

medicamentos essenciais, garantia

não foi investigado de maneira sis-

S AÚDE, 1977), e definida como:

temática. Quase um quarto de século após Alma Ata (1978), existe pouca evidência disponível sobre o impacto da atenção básica na saúde da população e, menos ainda, no desenvolvimento socioeconômico ao longo do tempo (HILL et al., 2000).

DA

A atenção essencial à saúde baseada em práticas e tecnologias cientificamente comprovadas e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis a indivíduos e famílias de uma comunidade, a um custo compatível com o estágio de desenvolvimento de cada país [...] É função cen-

de acesso aos serviços etc. (WALT, 1994; ALMEIDA , 1995). O enfoque de Atenção Primária, promovido também pela U NICEF , conjuntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi acolhido entusiasticamente pelos países da periferia, mas tratado de

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

245

MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane

forma muito mais cautelosa nos

FIGURA 1 – Atenção básica e sua relação com o sistema de saúde

países desenvolvidos. Mais tarde, esse significado foi mudando e se confundindo com o de atenção básica, sendo que, para alguns autores, refere-se a um determinado nível de atenção; para outros, é um conjunto de serviços ou intervenções em saúde ou uma estratégia de conscientização das comunidades para melhora de seus problemas coletivos de saúde (VUORI , 1985). Neste trabalho, elaboramos um modelo teórico (ou uma representação) da atenção básica que tenta incorporar essas diferentes dimensões (Figura 1). A ênfase está posta nas

muns; controles pré-natais e outros;

setores como os de educação, sa-

características e funções essenciais

vacinações; planejamento familiar;

neamento básico, meio ambiente ou

da atenção básica e nas suas rela-

educação em saúde; nutrição e

desenvolvimento econômico. No

ções com os outros elementos do

atenção a problemas não graves de

entanto, a atenção básica deve ser

sistema de saúde, definido de for-

saúde mental. Entretanto, a aten-

responsável pela criação e manu-

ma ampla pela Organização Mun-

ção básica tem uma abrangência

tenção da inter-relação entre esses

dial da Saúde como “todas as ações

maior do que o mero fornecimento

setores e a saúde das populações.

cuja principal intenção é promover

de serviços de assistência médica,

E o grau de participação da aten-

a saúde” (WHO, 2000. p. 5). Esse

inter-relacionando e integrando ou-

ção básica nessas ações vai variar

modelo pode ser utilizado para des-

tras dimensões funcionais do sis-

segundo o tipo de ação e a disponi-

crever qualquer unidade de aten-

tema de saúde, representadas pe-

bilidade de recursos.

ção básica, seja pública, privada ou

las linhas que irradiam do círculo

Devido à tendência mundial à

não governamental.

central e estabelecem as conexões

descentralização e à privatização

No meio do círculo, na Figura 1,

mencionadas. Ao conectar a aten-

de serviços públicos, hoje muitas

a atenção básica é composta pela

ção básica com outras ações inter-

das ações originalmente pensadas

assistência preventiva e curativa,

setoriais, o que se propõe é que ela

em Alma Ata como parte da aten-

centrada na pessoa, e deve resol-

possa influir nas demais ações ne-

ção básica estão sendo desenvol-

ver a maioria dos problemas de

cessárias para as mudanças nos de-

vidas por organizações não-gover-

saúde da população. Incluem-se aí

terminantes não biológicos da saú-

namentais ou empresas privadas,

serviços básicos de assistência

de, sem ser a responsável direta

que na maioria dos casos não têm

médica, como o tratamento cotidia-

pela execução dessas atividades,

relação formal com o setor saúde

no da maioria das doenças agudas,

que podem ser concebidas, finan-

(WHO, 2001b). Isso justifica a de-

crônicas e traumatismos mais co-

ciadas e implementadas por outros

finição da atenção básica pelas

246 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia

funções que cumpre, sendo que

dade), ao longo do tempo, fornece

(1992 e 1998) e na literatura disponí-

essas definições funcionais tam-

atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras,

vel que discute a meta de ‘Saúde para

bém são úteis para avaliar os determinantes da saúde que podem ser mais especificamente enfrenta-

e coordena ou integra os outros tipos de atenção fornecidos em algum outro lugar ou por terceiros. Assim,

Todos no Ano 2000’, elaboramos uma lista dos principais atributos da atenção básica (Quadro 1).

dos pelo setor de serviços de saú-

é definida como um conjunto de fun-

Pesquisas internacionais demons-

de. Do ponto de vista histórico, as

ções que, combinadas, são exclusi-

tram que sistemas de saúde que pos-

próprias definições de atenção bá-

vas da atenção primaria [...] A aten-

suem dimensões como as descritas

ção primaria aborda os problemas

na Quadro 1 estão, em geral, corre-

sica dificultaram a medida do seu impacto na saúde da população

mais comuns da comunidade ofere-

lacionados com custos mais baixos,

(S TARFIELD, 1992; 2003). Esse desa-

cendo serviços de prevenção, cura e reabilitação [...] Ela integra a aten-

fio pode ser superado pelo exame

ção quando existem múltiplos pro-

alto grau de satisfação do usuário

dos elementos estruturais e fun-

blemas de saúde [...] É a atenção

(BERMAN, 2000; B INDMAN et al., 1996;

maior qualidade dos serviços e um

BOERMA, FLEMING, 1998; B UNKER, 2001;

cionais da atenção básica. Entre os elementos estruturais,

CASANOVA; C OLOMER, 1996; S TARFIELD ,

quatro definem o potencial da aten-

1994). Estas dimensões também es-

ção primária – acessibilidade, elenco de serviços, população adscrita e continuidade (ou atenção contí-

O MINISTÉRIO DA SAÚDE DEFINIU A

tão correlacionadas com melhor saú-

ATENÇÃO BÁSICA COMO UM CONJUNTO

quando controladas por outros de-

de em nível populacional, mesmo

nua). E os elementos processuais

DE AÇÕES, DE CARÁTER INDIVIDUAL OU

terminantes como PIB per capita,

incluem a utilização de serviços e o

COLETIVAS , SITUADAS NO PRIMEIRO NÍVEL

renda per capita, número de médi-

reconhecimento das necessidades de saúde da população. São necessá-

DE ATENÇÃO DOS SISTEMAS DE SAÚDE ,

rios um dos quatro elementos estru-

VOLTADAS PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE

cos, uso de tabaco e uso de álcool (MACINKO et al., 2003). No Brasil, o Ministério da Saúde

turais e um dos dois elementos pro-

definiu a atenção básica como um

cessuais (desempenho) para medir

conjunto de ações, de caráter indi-

o potencial e o alcance de cada um

vidual ou coletivas, situadas no pri-

dos atributos da atenção primária,

que organiza e racionaliza o uso de

meiro nível de atenção dos sistemas

que são: porta de entrada, longitu-

todos os recursos, tanto básicos

de saúde, voltadas para a promo-

como especializados, direcionados

ção da saúde, a prevenção dos agra-

para a promoção, manutenção e me-

vos, o tratamento e a reabilitação

dinalidade, integralidade e coordenação (S TARFIELD, 2003). Nessa perspectiva, Barbara Star-

lhora da saúde.

(BRASIL, 1999). Esta definição inclui

É desejável combinar a definição

alguns elementos da definição de

orientada aos serviços de saúde, de

Starfield, tais como a porta de en-

Starfield, com uma noção mais am-

trada e a integralidade da atenção.

pla de atenção básica que reflete o

Mas outras dimensões essenciais da

conceito comunitário e multisseto-

atenção básica (tais como coorde-

rial da atenção primária, como desen-

nação da atenção, vínculo com o

blemas de saúde da pessoa (não di-

volvido nos países em desenvolvimen-

usuário, foco na pessoa) não apare-

recionadas apenas para a enfermi-

to. Baseados no trabalho de Starfield

cem na definição.

field (2003. p. 28) elaborou a seguinte definição de atenção básica: Aquele nível de um sistema de serviço de saúde que funciona como porta de entrada no sistema, atendendo todas as necessidades e pro-

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

247

MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane

QUADRO 1 - Definições das dimensões essenciais da atenção básica da saúde (STARFIELD, 2003) Dimensão

Definição

Acessibilidade

Envolve a localização do estabelecimento próximo da população à qual atende, os horários e dias em que está aberta para atender, o grau de tolerância para consultas não agendadas e o quanto a população percebe a conveniência destes aspetos da acessibilidade.

Porta de entrada

Implica acessibilidade e uso do serviço a cada novo problema ou novo episódio de um problema pelo qual as pessoas buscam atenção à saúde.

Vínculo ou longitudinalidade

Pressupõe a existência de uma fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo. Assim a unidade de atenção primária deve ser capaz de identificar a população adscrita, bem como os indivíduos dessa população, que deveriam receber atendimento na unidade de atenção básica, exceto quando for necessário realizar uma consulta fora ou fazer um encaminhamento. Além disso, o vínculo da população com sua fonte de atenção deveria estar refletido em fortes laços interpessoais que refletissem a cooperação mútua entre as pessoas da comunidade e os profissionais de saúde.

Elenco de serviços ou integralidade

Implica que as unidades de atenção primária devem fazer arranjos para que o paciente receba todos os tipos de serviços de atenção à saúde. Isto inclui o encaminhamento para serviços secundários para consultas, serviços terciários para manejo definitivo de problemas específicos, tais como internação domiciliar e outros serviços comunitários.

Coordenação ou integração dos serviços

Requer alguma forma de continuidade, seja por parte dos profissionais, seja por meio de prontuários médicos, ou ambos, além do reconhecimento de problemas – por exemplo, os observados em consultas anteriores ou pelos quais houve algum encaminhamento para outros profissionais deveriam ser avaliados nas consultas subseqüentes.

Centralidade na família

Resulta quando o alcance da integralidade fornece uma base para a consideração dos pacientes dentro de seus ambientes, quando a avaliação das necessidades para a atenção integral considera o contexto familiar e sua exposição a ameaças à saúde e quando o desafio da coordenação da atenção se depara com recursos familiares limitados.

Orientação para a comunidade

Resulta de um alto grau de integralidade na atenção primária. Todas as necessidades relacionadas à saúde dos pacientes ocorrem em um contexto social; o reconhecimento dessas necessidades freqüentemente requer o conhecimento do contexto social.

Formação profissional

Não é uma dimensão definida, para Starfield, mas representa um importante requisito para que os profissionais de saúde sejam capacitados para desempenhar suas funções segundo estas dimensões. Pressupõe que a atenção básica seja uma área de ‘especialização’ que requer formação específica.

METODOLOGIA

Hopkins (S TARFIELD, 2000; 1998). Pes-

plementação da política. Essas

quisadores norte-americanos de-

ações foram selecionadas segundo

Esta pesquisa foi desenhada para

monstraram que este instrumento

seu potencial para melhorar a efe-

validar uma metodologia de avalia-

possibilitou medir as dimensões es-

tividade da atenção primária.

ção rápida dos elementos organiza-

senciais da atenção básica de ma-

O município de Petrópolis, no Rio

cionais e de desempenho do siste-

neira válida e confiável (S HI et al.,

de Janeiro, foi escolhido para testar

ma de atenção básica do SUS. Foi

2001). O instrumento foi original-

a metodologia pela facilidade de

realizada pela adaptação de um ins-

mente desenhado para ser usado

acesso; por ter um sistema local de

trumento – o Primary Care Assess-

com informantes-chave e inclui

saúde com razoável tradição histó-

ment Tool (PCAT) – que é um ques-

questões referentes às dimensões

rica de desenvolvimento da atenção

tionário formulado e validado para

mencionadas antes. Cada uma des-

básica; e ter o PSF funcionando há

avaliar os aspectos críticos da aten-

sas dimensões está relacionada a

cerca de cinco anos, em algumas

ção primária em países industriali-

um determinado número de ações

localidades, sendo que atualmente

zados, como EUA e Canadá, desen-

específicas em nível da prática clí-

está em processo de implantação de

volvido na Universidade de Johns

nica, de saúde pública ou de im-

mais equipes. Além disso, possui

248 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia

unidades básicas tradicionais fun-

bém por tipo de programa (PSF

todo entrevistado foi solicitado a

cionando com regularidade.

ou Unidade de Saúde tradicional).

avaliar a sua própria confiança nas

Foram elaboradas duas versões

O fato de as perguntas e as escalas

respostas dadas, ou seja, foi pergun-

do instrumento: uma para ser apli-

serem iguais para cada pessoa en-

tado que porcentagem das respos-

cada aos profissionais que atuam

trevistada, facilita a comparação

tas havia sido extraída de dados

nas unidades de atenção básica –

entre as diferentes unidades, progra-

preexistentes e que porcentagem era

PSF e tradicionais – e outra aos ges-

ma e níveis (por exemplo, compa-

devida unicamente à opinião pes-

tores da Secretaria Municipal de

rando unidades com outras unida-

soal do informante. Por fim, como a

Saúde de Petrópolis (SMS/Petrópo-

des ou comparando programas com

primeira fase da pesquisa foi cen-

lis). Cada instrumento contém cem

outros programas).

trada em apenas um município, os

perguntas específicas sobre aspec-

Vários mecanismos foram utili-

tos da atenção básica, que correspon-

zados para assegurar a validade das

dem a indicadores de avaliação da

respostas. Primeiro, cada informan-

atenção básica tomados de pesqui-

res foram modificados em relação aos originalmente incluídos no questionário PCAT e o instrumento foi adap-

processo de ‘triangulação’ (usando

FOI REALIZADO UM PRÉ -TESTE COM ALGUNS INFORMANTES -CHAVE SELECIONADOS , POIS EMBORA A

tado para melhor refletir o contexto

METODOLOGIA JÁ TENHA SIDO APLICADA

brasileiro. Foi realizado um pré-teste

EM OUTROS PAÍSES LATINO -AMERICANOS,

com alguns informantes-chave selecionados, pois embora a metodolo-

AINDA NÃO HAVIA SIDO APLICADA NO B RASIL

perguntas segundo uma escala predefinida com valores de zero a cin-

mar a sua validade) é muito comum nas pesquisas qualitativas (GOMES VÍCTORIA et al., 2000). Diferenças nos resultados entre tipos de unidades (PSF e tradicional) foram testadas usando o teste X2 . A diferença entre as duas unidades nificativa se a probabilidade calcu-

países latino-americanos, ainda não Cada entrevistado respondeu às

várias fontes de dados para confir-

foi considerada estatisticamente sig-

gia já tenha sido aplicada em outros havia sido aplicada no Brasil. 1

dados secundários disponíveis, a concordância entre ambos. Esse

Cada indicador está relacionado tamcritas no Quadro 1. Alguns indicado-

parados com a análise de fontes de quanti e qualitativos, avaliando-se

sas e experiências internacionais. bém a uma das oito dimensões des-

resultados da sondagem foram com-

lada era menor que 0,05. Este limite-chave foi selecionado segundo os

te é considerado conservador, pois

critérios definidos – cargo atual,

o tamanho da amostra (n = 33) é

número de anos trabalhados na

pequeno (FISHER; VAN BELLE, 1993).

co. As respostas foram somadas e o

municipalidade pesquisada e cre-

valor médio das respostas de todas

denciais profissionais. Segundo,

as perguntas para cada dimensão

vários informantes-chave foram se-

foi calculado para cada pessoa en-

lecionados para abordar o mesmo

O município de Petrópolis fica

trevistada. Essas respostas foram

município, permitindo avaliar a con-

localizado na região serrana flumi-

analisadas individualmente e tam-

cordância inter-avaliador. Terceiro,

nense do estado do Rio de Janeiro.

RESULTADOS

Essa etapa da pesquisa foi financiada com alguns recursos da Bolsa Fulbright, assignada ao professor visitante da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ), James Macinko, e teve apoio operacional do Departamento de Administração em Planejamento e Saúde (DAPS ) e da Secretaria Municipal de Saúde de Petrópolis, Rio de Janeiro. 1

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003

249

MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane

Fundada em 1857, possui uma altitude de 809m, com uma área total de 776,6km² e uma população de 286.348 habitantes, perfazendo uma densidade demográfica de 359,49

TABELA 1 – Características do Município, 2002 Indicador

Petrópolis

Estado do Rio

2

Área (km )

811

43.696

Habitantes

286.348

14.724.479

habitantes/km², segundo o Censo

Renda per capita anual (R$)

7.588

9.788

Demográfico de 2002. Aos 160 anos,

Taxa de mortalidade infantil/1.000 NV

23,20

19,74

Petrópolis possui mais de 700 cons-

Proporção de NV com baixo peso ao nascer

10,34

8,58

truções históricas, tombadas em

Proporção de NV de mães com > 4 consultas pré-natais

90,53

89,67

prol da preservação do patrimônio.

Taxa de mortalidade por doenças cerebrovasculares/100,000)

79,57

60,23

Entre elas encontram-se o Museu

Cobertura pelo PSF (%) (2002)

14,66

12,87

Imperial, a casa de Santos Dumont,

Estabelecimentos de saúde

152

4.679

a catedral São Pedro de Alcântara,

Estabelecimentos públicos

41

1.765

o palácio Rio Negro, o Museu Casa

Estabelecimentos municipais

40

1.660

do Colono, o Palácio de Cristal e o

Estabelecimentos privados com fins lucrativos

100

2.644

palácio Quitandinha, que atraem

Estabelecimentos ambulatoriais

86

2.966

mais de 500 mil turistas por ano.

Serviços de Apoio a Diagnose e Terapia

52

1.183

Empregos de Saúde

6.724

249.704

Empregos médicos

2.505

29.885

276

11.964

A Cidade Imperial, como é chamada, fica a uma hora da capital e vem ganhando destaque no país como pólo de alta tecnologia. É a única cidade brasileira a fazer parte da World Tecnópolis Association (WTA), considerado o mais importante organismo internacional na promoção de projetos e estudos entre as tecnópolis espalhadas pelo mundo. Alguns dados sobre o município e sua inserção no estado do Rio de Janeiro estão resumidos na Tabela 1. Foram entrevistados profissionais (médico ou enfermeiro) de 23 (90%) das 26 unidades do PSF e dez (75%) dos 15 postos e centros de saú-

Empregos de Enfermeiros Fonte: IBGE, 2002.

ria da população, identificados pelo

de 5) para o PSF e 3.9 para os pos-

censo, com base no número de pro-

tos e centros de saúde. Esta diferen-

cedimentos executados por unidade

ça (p
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