PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO
PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (C EBES)
Diretoria Nacional Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 3104-7251 E-mail:
[email protected] Home page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html
National Board of Directors Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brazil Tel: (21) 3882-9140, 3882-9141 Fax.: (21) 3104-7251 E-mail:
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DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2003-2006)
NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2003-2006)
Presidente 1O Vice-Presidente 2O Vice-Presidente 3O Vice-Presidente 4O Vice-Presidente
Sarah Escorel (RJ) José Gomes Temporão (RJ) Carlos Octavio Ocké Reis (RJ) Rita Sório (DF) Jacob Portela (RJ)
President 1 st Vice-President 2 nd Vice-President 3 rd Vice-President 4 th Vice-President
Sarah Escorel (RJ) José Gomes Temporão (RJ) Carlos Octavio Ocké Reis (RJ) Rita Sório (DF) Jacob Portela (RJ)
1O Suplente 2O Suplente
Maria Ceci Misoczky (RS) Carmen Teixeira (BA)
1 st Substitute 2 nd Substitute
Maria Ceci Misoczky (RS) Carmen Teixeira (BA)
CONSELHO FISCAL Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) & Nelson Rodrigues dos Santos (SP) CONSELHO CONSULTIVO Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA), Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF) CONSELHO EDITORIAL
FISCAL COUNCIL Anamaria Testa Tambellini (RJ), Áquilas Nogueira Mendes (SP) & Nelson Rodrigues dos Santos (SP) ADVISORY COUNCIL Ary Carvalho de Miranda (RJ), Eduardo Jorge Alves Sobrinho (SP), Gastão Wagner de Souza Campos (SP), Gilson Cantarino O‘Dwyer (RJ), Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Hésio de Albuquerque Cordeiro (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ), José Carvalho de Noronha (RJ), José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), José da Rocha Carvalheiro (SP) Roberto Passos Nogueira (DF), Sebastião Loureiro (BA), Sonia Maria Fleury Teixeira (RJ), Volnei Garrafa (DF) PUBLISHING COUNCIL
Coordenador: Emerson Elias Merhy (SP)
Coordinator: Emerson Elias Merhy (SP)
Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)
Ana Maria Malik (SP), Carlos Botazzo (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco Antonio de Castro Lacaz (SP), José Augusto Cabral de Barros (PE), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE), Lígia Bahia (RJ), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Júnior (PR), Luiz Augusto Facchini (RS), Luís Carlos de Oliveira Cecílio (SP), Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA), Nilson do Rosário Costa (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)
SECRETARIA EXECUTIVA Ana Cláudia Gomes Guedes & Renata Machado da Silveira EDITOR Emerson Elias Merhy EDITORA EXECUTIVA Ana Cláudia Gomes Guedes INDEXAÇÃO
EXECUTIVE SECRETARIES Ana Cláudia Gomes Guedes & Renata Machado da Silveira PUBLISHER Emerson Elias Merhy EXECUTIVE PUBLISHER Ana Cláudia Gomes Guedes INDEXATION
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe
The articles about Health History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin America and the Caribbean)
Apoio A Revista Saúde em Debate é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos
REVISÃO DE TEXTO Maria Fernanda Magro Dionysio – português e revisão tipográfica, Sonia Regina P. Cardoso – português e revisão tipográfica, Nívea Segretto – português e revisão tipográfica & Juliana Monteiro Samel – inglês CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa
PROOFREADING Maria Fernanda Magro Dionysio – portuguese & proofreading, Sonia Regina P. Cardoso – portuguese & proofreading, Nívea Segretto - portuguese & proofreading & Juliana Monteiro Samel – english COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
PRINT AND FINISH
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NUMBER OF COPIES
3.000 exemplares
3,000 copies
Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em março de 2004.
This publication was printed in Rio de Janeiro on march, 2004.
Capa em papel couche 180 gr
Cover in couche paper 180 gr
Miolo em papel off set 75 gr
Core in off set paper 75 gr
Saúde em Debate, Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1 (out./nov./dez. 1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES, 2003. v. 27; n. 65; 27 cm Quadrimestral ISSN 0103-1104 1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES CDD 362.1
Rio de Janeiro
v. 27
n. 65
set./dez. 2003
ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ISSN 0103-1104
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003
179
SUMÁRIO / SUMMARY
EDITORIAL / EDITORIAL
182
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES A saúde é um direito ! Health is a right ! Carlos Emmanuel F. Bartolomei, Mariana S. de Carvalho & Maria Célia Delduque
184
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS) Health Promotion and Different Sectors: contributions and limitations of Worker Health surveillance within the Unified Health System (SUS) Marcelo Firpo de S. Porto, Francisco A. de C. Lacaz & Jorge Mesquita H. Machado 192 As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão The three spheres of government and the building of SUS: a revision Celia Almeida 207 Descentralização e accontability em uma Região de Saúde Decentralization and accountability in a Health District Juliano de Carvalho Lima
221
Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde Needs, demand and offer: a few contributions on the meaning, sense and value in the construction of integrality within the Health Sector reform José Paulo V. da Silva, Roseni Pinheiro & Felipe Rangel de S. Machado 234 Avaliação das características organizacionais dos serviços de Atenção Básica em Petrópolis: teste de uma metodologia Evaluation of the Primary Care services organization in Petrópolis: a methodological test James Macinko, Célia Almeida & Eliane Oliveira 243 A mudança do modelo de atenção à saúde no SUS: desatando nós, criando laços The change in the model of health care in SUS: untying knots and creating links Carmen Fontes Teixeira 257
180 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003
Porta de entrada pela Atenção Básica? Integração do PSF à rede de serviços de saúde Entrance through Basic Care? Integration of the Family Health Program to the network of health services Lígia Giovanella, Sarah Escorel & Maria Helena Mendonça 278 Educação permanente de profissionais em saúde mental: competências para o trabalho interdisciplinar Permanent education of mental health professionals: competencies for interdisciplinary work João Paulo Lyra da Silva & Cláudia Mara de M. Tavares 290 Trabalho em Saúde: quem implementa o Sistema Único de Saúde no hospital universitário conhece sua filosofia? Work in Health: do those who make the Unified Health System work in the university hospital know its philosophy? Islândia M. C. de Sousa, Adriana F.B. Bezerra & Ana Paula de O. Marques 302 Recursos Humanos em Saúde: reflexões sobre o cotidiano do SUS que temos e as possibilidades do SUS que queremos Humans Resources in Health: reflections about everyday life in the SUS we have and the possibilities in the SUS we want Denise R. Bourguignon, Geruza R. P. Tavares, Liliana Graça Santana, Marta Z. e Silva, Rita de Cássia D. Lima & Scheila S. Rasch 310 Por uma Composição Técnica do Trabalho em Saúde centrada no campo relacional e nas tecnologias leves. Apontando mudanças para os modelos tecnoassistenciais For a Technical Composition of Health Work Based on the Relationship Field and Light Technology. Pointing to Changes in the Technical-Assistance Models Emerson Elias Merhy & Túlio B. Franco 316 O processo de construção do controle social no Sistema Único de Saúde e a gestão nos espaços institucionais The building process of social control in the Brazilian Unified Health System and administration in institutional areas Marluce Maria Araújo Assis 324 Gestão participativa em saúde: potencialidades e desafios para o aprofundamento da democracia Participative management in health: potentialities and challenges for deepening democracy Maria Ceci Misoczky 336
DOCUMENTOS / DOCUMENTS
Controle Social: de quem? Para o quê? Social control: of who? For what? Soraia Dornelles & Maria Teresa Locks
348
Controle Social na Saúde: construindo a Gestão Participativa Social Control in Health: building a Participative Administration Ana Maria Costa & José Carvalho de Noronha
358
A participação popular na vigilância sanitária para a garantia do direito à saúde Popular participation in health surveillance as a guarantee of the enforcement of the right to health Sueli Gandolfi Dallari 364 Alocação Eqüitativa de Recursos Financeiros: uma alternativa para o caso brasileiro Equity in the distribution of financial resources: an alternative for the Brazilizn case Silvia M. Porto, Francisco Viacava, Célia Landmann Szwarcwald, Mônica Martins, Claudia Travassos, Solon Magalhães Vianna, Sérgio Piola, Maria Alicia Ugá & Cid Manso Vianna 376 Os (Des) caminhos do financiamento do SUS The Sinuous ways of SUS financing Áquilas Nogueira Mendes e Rosa Maria Marques
Transgênicos: decisões açodadas envolvendo uma questão de perigo que exige maior segurança Transgenic: diligent decisions involving a matter of danger that requires greater security 429 Carta Aberta ao Presidente Luis Inácio Lula da Silva Open Letter to President Luis Inácio Lula da Silva
431
1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica: um olhar sobre os acontecimentos 1 st National Conference of Medications and Pharmaceutical Assistance: an eye on the news 433 Convocatória do IX Congresso da Associação Latino-americana de Medicina Social (ALAMES) Call for the 9 th Latin-American Association Social Medicine (A LAMES) Congress 437
389
O SUS que temos e a informação como estratégica de (in)visibilidade The SUS we have and information as strategy of (in)visibility Fábio L. Tavares, Mariana R. Laignier, Raphaella F. Daros, Marta Zorzal da Silva e Rita de C.D Lima 405 ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES Seguridade Social: a agenda pendente Social Security: incomplete agenda Sonia Fleury
414
O Financiamento do SUS SUS Financing Elias Jorge
425
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003
181
EDITORIAL
E
ste número da revista Saúde em Debate foi elaboa
A posição política do Centro Brasileiro de Estudos
rado especialmente para a 12 Conferência Nacio-
de Saúde (CEBES) será apresentada, em conjunto com a
nal de Saúde Sergio Arouca. Agradecemos a todos os
Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Cole-
que responderam à nossa convocatória para o envio de
tiva (ABRASCO ), no documento “Saúde, justiça e inclusão
artigos relacionados com os dez eixos temáticos da Con-
social”, a ser distribuído aos delegados.
ferência. Recebemos um número muito maior do que foi
Apresentamos neste número, sob a denominação de
possível publicar, mas fizemos um esforço para não ‘des-
Carta em Defesa da Saúde do Povo Brasileiro, o docu-
perdiçar’ qualquer contribuição. Por isso, a revista está
mento elaborado na reunião de 13 de setembro de 2002
com um número de páginas muito maior do que o habi-
– em pleno processo eleitoral para presidente da Repú-
tual e com mais do dobro de artigos. Os textos envia-
blica, governadores, parlamentares federais e estaduais.
dos, para os quais os pareceristas sugeriram modifica-
Avaliamos que, mesmo tendo sido publicada na Saúde
ções, impossíveis de serem realizadas no curto tempo
em Debate 62, contém considerações e propostas atinen-
disponível, serão publicados nos próximos números de
tes a quase todos os eixos temáticos da 12 a Conferência.
nossa Saúde em Debate.
Julgamos que o texto continua representando nosso ideá-
Com a nova metodologia da Conferência, para esta a
rio a ser conquistado, nossa ‘utopia’ a ser alcançada.
12 edição, não foram encomendados textos que sub-
Essas são as nossas contribuições no sentido de sem-
sidiassem o debate. Desta vez os delegados terão o Con-
pre produzir e divulgar conhecimento e intervir politica-
solidado dos Relatórios Finais das Conferências Estadu-
mente na defesa da Saúde como um direito de cidada-
ais de Saúde como documento de base para suas delibe-
nia e como um bem comum. Mas, é preciso um salto de
rações. Assim, este número de Saúde em Debate pode ser
qualidade na forma como a saúde é distribuída e usu-
a
considerado, ao nosso ver, como os ‘Cadernos da 12 ’. Nem todos os eixos temáticos foram abordados pelos autores e sobre alguns temas há mais artigos
fruída em nosso país. É preciso fazer chegar o ideário da Reforma Sanitária ao cidadão no seu dia-a-dia. Essa é, ao nosso ver, a nossa tarefa e a tarefa do governo.
do que sobre outros. Isso permite analisar a relação entre a produção de conhecimento, as necessidades da população e as demandas da gestão em suas respostas ao tema central “A saúde que temos, o SUS que queremos”. Tempos diferentes de elaboração e de respostas é a confluência, que confere a característica central do Movimento da Reforma Sanitária: a convergência das práticas política, científica e ideológica para a transformação das condições de saúde e de atenção à saúde da população brasileira.
182 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003
A Diretoria Nacional
EDITORIAL
T
his issue of Saúde em Debate was specially
The political position of the Health studies Brazilian
th
prepared for the 12 Sergio Arouca National
Center (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES)
Health Conference. We thank all who have answered
shall be presented, along with that of the Brazilian
our call to send articles related to the Conference’s ten
Association of Post-graduation in Collective Health
theme axles. We have received a much greater number
(Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde
than what it was possible to publish and we have
Coletiva – ABRASCO) in the document “health, justice and
made every effort to avoid ‘wasting’ any
social inclusion” to be distributed to delegates.
contributions. Therefore, the magazine has many more
We present in this issue, under the denomination of
pages than the usual, with double the number of
Letter in Defense to the Health of the Brazilian People,
articles. Texts forwarded to which modifications were
the document prepared in the meeting held on 13 th
suggested by the revisers, impossible to be carried out
September 2002 – during the voting process to choose
under the short available time, shall be published in
the President of the Republic, governors, federal and
the next issues of our Saúde em Debate. With the new Conference methodology, for this 12
state deputies. We have evaluated that, even if th
published in Saúde em Debate 62, it contains
issue, no texts subsidizing the debate were requested.
considerations and proposals pertinent to almost all
This time the delegates shall have the Health State
them axles of the 12th Conference. We therefore, think
Conferences Final Reports consolidated as the base
that the text remains representative of our ideals to be
document for their deliberations. Thus, this issue of
conquered, our ‘utopia’ to be reached.
Saúde em Debate may be considered, in our point of th
view, as the ‘12 ’s Books’. Not all theme axles were discussed by the authors
These are our contributions in order to always produce and disclose knowledge and politically intervention in defense of Health as a citizenship right
and regarding some themes there are more articles
and as a common asset. But it is necessary a
then others. This allows the analysis of the
considerable quality improvement in the way how
relationship between the product of knowledge,
health is distributed and enjoyed in our country. It is
population’s needs and the management demand in
necessary to make the ideal Sanitary reform reach the
the response to the central theme - “The health we
citizen in his/her day-to-day routine. This is, in our
have, the Unified Health System we have”, different
view, our task and the task of the government.
times for the preparation and the responses is the confluence that grants the central characteristic of the
The National Board
Sanitary reform movement: the convergence of political, scientific and ideological practices in order to transform health conditions and attention to the health of the Brazilian population.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 182-183, set./dez. 2003
183
BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
A Saúde é um Direito! Health is a Right!
Carlos Emmanuel Fontes Bartolomei1 Mariana Siqueira de Carvalho2 Maria Célia Delduque3
Consultor BIREME/OPAS /OMS, editor executivo da revista de direito sanitário Journal of Health Law do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário e Núcleo de Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Direito, pós-graduando da USP Rua Ministro Sinésio Rocha, 198 – Sumaré CEP 05030-000 – São Paulo – SP e-mail:
[email protected] 1
Oficial de Chancelaria, técnica de Cooperação Técnica Recebida Multilateral (CTRM), Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo (USP), mestranda em Direito Público pela Universidade de Brasília SQS 315 – Bl. G – Ap. 302 CEP: 70384-070 – Brasília – DF e-mail:
[email protected] 2
Advogada do Núcleo de Direito Sanitário da Diretoria (DIREB) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) em Brasília, especialista em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo (USP), mestranda em Gestão e Planejamento em Meio Ambiente na Universidade Católica de Brasília SHIS QI –03 Conjunto 5 Casa 9 CEP: 71605-250 – Brasília – DF e-mail:
[email protected] 3
RESUMO Traça-se uma retrospectiva dos direitos fundamentais até o direito à saúde, trazendo a visão de como os direitos fundamentais estão dispostos na Constituição Federal de 1988, como os direitos sociais fazem parte deste rol e como o direito à saúde é tratado pelo ordenamento jurídico nacional. Salienta-se a necessidade de implementação do direito à saúde pela vontade política para realizar políticas públicas. DESCRITORES: Direito à Saúde; Direito Sanitário; Legislação Sanitária.
ABSTRACT This article aims present a retrospective of fundamental rights up until the right to health, bringing forward the view of how fundamental rights are approached in the 1988 Brazilian Constitution, how social rights integrate them and how the right to health is regarded by the National Law. The need to implement the right to health through political will to realize public policies is reinforced. DESCRIPTORS: Right to Health; Health Law; Legislation Health.
184 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
A Saúde é um Direito!
O DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
mos citar o Petition of Rights (Peti-
do Homem e do Cidadão, de 1789,
ção de Direitos) de 1668, Ata de
decorrente da Revolução Francesa
Habeas Corpus de 1679 e Bill of
protegiam os direitos em uma acep-
A idéia de direito humano sem-
Rights (Declaração de Direitos) de
ção individualista, isto é, a função
pre esteve presente nas sociedades,
1689. Embora a concessão dos di-
do Estado restringia-se apenas a
seja por razões religiosas ou filosó-
reitos assegurados nessas declara-
proteger a propriedade e a seguran-
ficas. Portanto, faz-se necessário co-
ções ficasse condicionada à vonta-
ça dos indivíduos, e as relações
nhecer a evolução da idéia de direito
de do soberano, é indiscutível que
sociais e econômicas desenvolviam-
humano e de direito fundamental
houve um avanço, que fará das re-
se sem a interferência estatal. Foi
para que se possa compreender a
voluções liberais do século XVIII o
a fase da consagração dos direi-
moderna noção do Direito à Saúde.
marco inicial da fase das reivindi-
tos de liberdade.
O primeiro documento estatal a
cações dos direitos humanos dos
No entanto, não era suficiente
proteger os direitos fundamentais é
oprimidos contra os opressores e da
apenas garantir a liberdade formal
espanhol, concedido pelo rei Afonso
dos indivíduos, precisava-se avan-
IX, nas cortes de Leão, em 1188,
çar mais. Com a revolução indus-
que, já na época, protegia os bens
trial iniciada em meados do século
dos súditos, tais como a vida, a
XIX ficou evidente a necessidade de
honra e a propriedade. Contudo, o
AO LADO DOS DIREITOS
mais famoso texto é da Idade Mé-
INDIVIDUAIS JÁ GARANTIDOS
derivados das reclamações resultantes dos problemas sociais e econô-
garantia aos direitos fundamentais,
PELO E STADO LIBERAL,
micos surgidos com a industriali-
a Magna Carta de João-Sem-Terra
SURGE UM NOVO ELENCO
zação. Assim, ao lado dos direitos
(Magna Charta Libertatum), elabo-
DE DIREITOS , OS DIREITOS SOCIAIS
individuais já garantidos pelo Esta-
dia, esboçando as linhas iniciais de
rada no ano de 1215, na Inglaterra.
reconhecer certos direitos sociais
Muito embora os direitos não fossem
do Liberal, surge um novo elenco de direitos, os direitos sociais.
assegurados a todos os súditos, ape-
Após a Segunda Guerra Mundial,
nas às classes privilegiadas, pro-
quando o mundo inteiro ficou estar-
prietárias de terras e capazes de ler
constitucionalização dos direitos
recido com as atrocidades sofridas
em latim, o texto restringia o poder
fundamentais. Assim, os ex-colonos
durante o conflito, começou-se a
do monarca e apresentava as primei-
ingleses que viviam na América edi-
questionar as condições humanas e
ras chamas de garantia de direitos.
taram suas declarações de direito
a necessidade de garantia efetiva dos
A partir de então e antes do libe-
e, do mesmo modo, os burgueses
direitos humanos. Os Estados viram-
ralismo, começaram a surgir nume-
franceses, ao tomarem o poder po-
se obrigados a dar sentido concreto
rosas declarações visando garantir
lítico dos nobres, aprovaram sua
aos direitos sociais. Tal movimento
aos súditos determinados direitos,
declaração. A Declaração de Direi-
iniciou-se com a própria Organiza-
como a liberdade de expressão e a
tos da Virgínia, de 1776, decorren-
ção das Nações Unidas (ONU), que
liberdade política. Como exemplos
te da Revolução Americana, e a
elaborou a Declaração Universal dos
ingleses desses documentos pode-
Declaração Universal dos Direitos
Direitos Humanos (DUDH) em 1948,
1
1
O texto da Magna Charta Libertatum era escrito em latim, sendo traduzido para o inglês somente no século XVI.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
185
BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia
“fonte mais importante das moder-
berdades; os direitos sociais, de se-
ra geração, pois tanto diz respeito à
nas constituições” (S ÜSSEKIND, 1986
gunda geração, consistem em pode-
individualidade como à coletividade,
p.21) estabelecendo um vasto cam-
res, que se realizam por intermédio
em uma idéia de direito difuso.
po de dispositivos referentes aos di-
da imposição de obrigações a ou-
A Constituição Federal do Brasil
reitos sociais, em especial à saú-
tros, incluído o poder público, e os
erigiu a dignidade da pessoa huma-
de, a saber:
de terceira geração são os direitos
na a um princípio fundamental. Este
individuais e coletivos inexistindo
é o núcleo informador do ordena-
determinação de seus titulares.
mento jurídico brasileiro e o crité-
Schwartz (2003. p.118) particulari-
rio de valoração a orientar a inter-
za esta idéia com a saúde, esclare-
pretação e compreensão do sistema
cendo que esta é um direito de pri-
instaurado em 1988. Ou seja:
Art. XXV – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
meira geração, caracterizado pela titularidade individual e pela possibi-
A partir desses documentos, os
AS NORMAS SOBRE
ordenamentos jurídicos de cada país tenderam a garantir internamente os
DIREITOS FUNDAMENTAIS
direitos fundamentais (sem perder de
CONCRETIZAM-SE POR
vista a necessidade conjunta de in-
INTERMÉDIO DO AGIR POLÍTICO ,
ternacionalização), sob uma perspectiva de generalização (extensão
SOBRETUDO EM SUA
da titularidade desses direitos a to-
DIMENSÃO SOCIAL
dos os indivíduos). Fruto desse pro-
A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro. (B ARROS, 1996. p.141)
No entanto, para a realização do direito à saúde e demais direitos fundamentais não é suficiente que os mesmos estejam consagrados na Constituição; eles precisam ser vividos indivíduo a indivíduo na sociedade e estará tanto mais cumpri-
cesso, a Constituição brasileira de
do quanto mais os indicadores so-
1988 é um marco no que tange à
ciais refletirem condições ideais de
garantia dos direitos fundamentais.
lidade de ser oposto à vontade do
vida para todos. Assim, as normas
Em seu Título II – Dos Direitos e
Estado e que por isso se torna um
sobre direitos fundamentais concre-
Garantias Fundamentais, o texto
direito irrenunciável, indisponível e
tizam-se por intermédio do agir po-
constitucional desfia um rol desses
inalienável. Esclarece também que a
lítico, sobretudo em sua dimensão
direitos, que vão desde os direitos
saúde é um direito de segunda gera-
social. É fácil perceber que a efeti-
fundamentais de primeira geração,
ção porque está ligada a um pensa-
vação desses direitos torna-se uma
passando pelos de segunda geração
mento preventivo e que, portanto,
questão de operação sistêmica de
até os de terceira geração.2
constitui uma vinculação direta e
uma política de direitos fundamen-
Bobbio (1992. p.21) assevera que
orgânica aos poderes instituídos.
tais e que se de um lado está o di-
os ditos direitos fundamentais, de
Aduz ainda o autor que a saúde é
reito à saúde, constitucionalmente
primeira geração, consistem em li-
compreendida como direito de tercei-
estabelecido, do outro está o dever
2
Classificação segundo a Teoria da Geração de Direitos, extraída dos ensinamentos de Norberto Bobbio.
186 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
A Saúde é um Direito!
do Estado em garantir o gozo desse
esse tema: Direito à Saúde, Direito
direito à população, por intermédio
da Saúde e Direito Sanitário.
E, por fim, o direito sanitário, conceituado como o estudo interdis-
da adoção de políticas públicas que
O direito à saúde pode ser con-
ciplinar que permite aproximar co-
têm como instrumentos de realiza-
ceituado como o valor ideal da ex-
nhecimentos jurídicos e sanitários.
ção o arcabouço legal, a execução
periência humana, tanto na dimen-
Em outras palavras, é a disciplina
de ações e a eleição de prioridades.
são individual como na coletiva,
que estuda o conjunto de normas
erigido a preceito constitucional.
jurídicas que estabelecem direitos e
ACEPÇÕES DOS TERMOS ‘DIREITO’ E ‘SAÚDE’
Já o direito da saúde é conceitua-
obrigações em matéria de saúde.
do como o conjunto de normas jurí-
É no escopo do direito da saúde
dicas que regulam as atividades
que está o tratamento jurídico do
Tem o Estado a missão de asse-
sanitárias estatais e definem os mei-
tema em toda a sua complexidade
gurar a dignidade da pessoa huma-
os de que o Estado dispõe para con-
de planos constitucional, legal, ad-
na, por meio da concretização da
cretizar esse direito, desde a defini-
ministrativo, regulatório, civil, pe-
igualdade em situações reais. As-
nal e internacional. É a legislação
sim, no que se refere à saúde, di-
em saúde, muito embora este ter-
reito humano e fundamental, deixa
mo tenha um sentido estreito que não alberga a acepção jurídica em
protagonista de prestações positi-
A C ONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO B RASIL ADOTOU O ENTENDIMENTO
vas que são implementadas medi-
DE QUE SAÚDE É UM DIREITO ADVINDO
a interpretação da literatura dou-
ante políticas e ações estatais. A Or-
DA CONDIÇÃO DE PESSOA HUMANA,
trinária nem a sucessão convergente
(OMS), em 1946, quando do preâm-
INDEPENDENTEMENTE DE QUAISQUER
ou de resoluções administrativas
bulo de sua Constituição procla-
OUTRAS CONDIÇÕES
de ser mero garantidor de direitos e liberdades individuais para ser
ganização Mundial da Saúde
toda a sua amplitude, como as fontes do direito, os usos e costumes,
e coincidente de decisões judiciais (jurisprudência).
mou que “saúde é o completo bem-
FUNDAMENTOS DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO
estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou outros agravos”, ofereceu a matriz
ção dos aspectos organizacionais e
embrionária ao ordenamento jurí-
operacionais do sistema de saúde,
Como dito, a Constituição da Re-
dico constitucional da atualidade,
o estabelecimento da forma e dos cri-
pública do Brasil adotou o entendi-
que acolheu o conceito sob dupla
térios a serem observados na formu-
mento de que saúde é um direito
perspectiva: a individual, de busca
lação e implementação das políticas
advindo da condição de pessoa hu-
de ausência de moléstia e a coleti-
de saúde até as normas específicas
mana, independentemente de quais-
va, de promoção da saúde em co-
aplicáveis a bens e serviços de inte-
quer outras condições, redundando
munidade. Essa confluência das
resse à saúde. É o sistema de nor-
na afirmação de acesso universal e
duas dimensões, individual e cole-
mas jurídicas que disciplinam as
igualitário às ações e serviços de
tiva, do direito à saúde é que per-
situações que têm a saúde por obje-
saúde. O modelo de saúde adotado
mite estabelecer algum critério na
to e regulam a organização e o fun-
pela ordem jurídica brasileira trou-
diferenciação das expressões geral-
cionamento das instituições destina-
xe um enfoque das ações de saúde
mente utilizadas para se referir a
das à promoção e defesa da saúde.
pública, não mais com ações pre-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
187
BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia
dominantemente curativas, mas com
p. 101). O federalismo, como ex-
(BERCOVICI, 2002). Este tipo de repar-
ações preventivas e a idéia de que
pressão de Direito Constitucional,
tição é chamada de competência
as doenças não têm apenas causas
baseia-se na união de coletividades
concorrente e está prevista no arti-
biológicas, mas também causas
políticas autônomas que são:
go 24 da Constituição de 1988. Já
sociais: alimentação, moradia,
União, Estados Federados, Distrito
no artigo 23, nas chamadas compe-
saneamento básico, meio ambiente,
Federal e Municípios.
tências comuns, se revela a coope-
trabalho, renda, educação, transpor-
A Carta Magna descreve, expres-
ração. Nesta, a decisão é de todos,
te, lazer e acesso a bens e serviços
samente, as competências de cada
mas a execução se realiza em se-
essenciais. Além disso, o texto cons-
esfera de poder público. “Esta dis-
parado, muito embora possa haver,
titucional reconheceu a essência co-
tribuição constitucional de poderes
no que se refere ao financiamento
letiva do direito à saúde, condicio-
é o ponto nuclear do Estado Fede-
das políticas públicas, uma atua-
nando sua garantia à execução de
ral” (SILVA, 1995. p. 454). No federa-
ção conjunta. O Brasil é um exem-
políticas públicas:
lismo, as competências são distri-
plo de federação em que a cooperação é obrigatória.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
No que se refere às competências em matéria de saúde, observase, que “a CF/88 não isentou qual-
Mas, enquanto o legislador cons-
O TEXTO CONSTITUCIONAL
quer ente federativo da obrigação de
RECONHECEU A
de”. (D ALLARI, 1995. p. 42). A atuação
ESSÊNCIA COLETIVA
tituinte não almejou construir um
DO DIREITO À SAÚDE
Estado de modelo neoliberal – e para
proteger, defender e cuidar da saúconjunta e coordenada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios é uma imposição constitucio-
averiguar esta afirmativa basta a
nal. Portanto, a saúde – “dever do
leitura dos artigos 1° a 4° da Consti-
Estado” (artigo 196) – é responsabi-
tuição – o Poder Executivo apoiado
lidade constitucional de todos.
pelo Legislativo tem caminhado na direção contrária, mediante a trans-
buídas, necessariamente entre os
ferência da prestação dos serviços
entes públicos e podem se dar de
públicos para a iniciativa privada.3
maneira coordenada ou cooperada.
O SUS COMO INSTRUMENTO PARA A APLICAÇÃO DAS NORMAS SANITÁRIAS
Assim, no federalismo cooperativo
Como já exposto, a implementa-
os resultados buscados são comuns
ção do direito à saúde vincula-se
e do interesse de todos. A decisão
intrinsecamente a elaboração e rea-
“O Brasil é uma República Fede-
tomada em escala federal é adapta-
lização de políticas públicas. Para
rativa, isto é, optou pela Federação
da e executada de modo autônomo
tanto, a Constituição previu instru-
como forma de organização polí-
pelo ente federado, adequando-a às
mentos realizadores ou garantido-
tico-administrativa” (S ILVA , 1995.
suas peculiaridades e necessidades
res dessa implementação. O Siste-
COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DE SAÚDE
Ver o “Plano Diretor da Reforma do Estado”, documento emanado pela Presidência da República em novembro de 1995, proposto pelo então ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, sr. Luiz Carlos Bresser Pereira. 3
188 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
A Saúde é um Direito!
ma Único de Saúde (SUS) é o mais importante deles.
O SUS tem as suas principais atribuições previstas no art. 200,
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA APLICAÇÃO DAS NORMAS SANITÁRIAS – O CONTROLE SOCIAL
A criação constitucional do SUS
da CF/88, que vão desde “controlar
é uma vitória dos movimentos so-
e fiscalizar procedimentos, produ-
ciais de apoio à Reforma Sanitária,
tos e substâncias de interesse para
A pressão dos movimentos soci-
que acabaram sensibilizando um
a saúde” (inciso I) até “colaborar
ais sanitários realizada no momen-
grupo de parlamentares membros
na proteção do meio ambiente, nele
to da Constituinte ensejou a intro-
da Assembléia Nacional Constituin-
compreendido o do trabalho” (inci-
dução de novos instrumentos de par-
te com a demonstração pungente da
so VIII). “As suas atribuições têm
ticipação social na formulação, exe-
inadequação do sistema de saúde
como objetivo a promoção (elimi-
cução e fiscalização das políticas
então vigente, que não conseguia
nar ou controlar as causas das do-
públicas, em especial no que tange
enfrentar problemas sanitários como: quadro de doenças de todos
enças e dos agravos), proteção (prevenir riscos e exposições a doen-
os tipos, baixa cobertura assisten-
tos públicos etc., conforme Westphal & Almeida (2001). A partir dessa pressão social, a Constituição Federal de 1988 pre-
dade’ como diretriz do SUS.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, APOIANDO-SE
A Lei 8.080/90 reafirmou a participação da comunidade no SUS,
NESTES IDEAIS DE DEMOCRATIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DECISÓRIOS, CONSAGROU
viços de saúde em um sistema úni-
A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE
ta a possibilidade de os entes pú-
ando-se nestes ideais de democratisagrou a ‘participação da comuni-
viu a estruturação das ações e serco, o SUS. A idéia de unidade afas-
a Constituição Federal de 1988, apoização dos espaços decisórios, con-
cial da população, ausência de critérios e de transparência dos gas-
ao setor saúde. Em seu artigo 198,
COMO DIRETRIZ DO
SUS
porém, teve seu artigo 11, que regulamentava esta participação, vetado pelo então Presidente da República Fernando Collor. O dispositivo estava inserido no capítulo “Da Organização, da Direção e da Gestão”,
blicos componentes do SUS cons-
e o seu veto demonstrou a enorme
tituírem sistemas autônomos ou
dificuldade que existia (e ainda existe) para a implementação das con-
subsistemas de saúde. Aliás, a própria referência constitucional a um
ças) e recuperação (atuar sobre o
sistema de saúde já traz de ime-
dano já existente) da saúde” (WESTPHAL;
diato a idéia de ordenação e uni-
A LMEIDA , 2001. p. 36). Para alcan-
dade, ou seja, “um conjunto de co-
çar essas metas, o SUS, por meio
nhecimentos ordenados segundo
de sua direção em cada esfera go-
princípios que devem ser seguidos
vernamental (Secretários de Saúde,
de forma unívoca pelas três esfe-
Estaduais e Municipais, e Ministro
ras de governo” (CANARIS, 1996. p. 9).
da Saúde), deverá promover as po-
Para Afonso (1994. p. 360), o úni-
líticas públicas necessárias, com
co programa setorial de descentra-
determinada autonomia, até para
lização que relativamente prospe-
destinar recursos para programas
rou foi o da saúde.
de saúde específicos.
quistas da Reforma Sanitária já consagradas na Magna Carta. A Lei 8.142/90 retomou quase literalmente o dispositivo vetado, regulamentando assim a participação da comunidade no SUS. Em seu artigo 1º, estabelece que cada esfera do governo deve contar com a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde como instâncias colegiadas de participação social. Tem-se, assim, a tentativa de desdobramento inicial da previsão cons-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
189
BARTOLOMEI, Carlos Emmanuel Fontes; CARVALHO, Mariana Siqueira de & DELDUQUE, Maria Célia
titucional de construção de esferas
rágrafo 2º, da Lei 8.142/90, e po-
sibilitam a participação sistemáti-
de participação social, com o obje-
dem ser divididas em dois grandes
ca de milhares de pessoas no deba-
tivo de efetivar o princípio da de-
campos: a área de planejamento e
te e na busca de soluções para os
mocracia participativa no âmbito
controle, cujo tema principal é o do
problemas de saúde.
da saúde. A Constituição Federal de
financiamento; e a área de articula-
1988, de forma tímida, porém con-
ção com a sociedade, com a atribui-
creta e incontestável, contempla tal
ção de organizar as conferências de
princípio, ao dispor que “Todo po-
saúde, examinar denúncias e pro-
der emana do povo, que o exerce
postas populares, e também estimu-
por meio de representantes eleitos
lar a participação comunitária no
ou diretamente, nos termos desta
controle da administração do SUS
Constituição” (art. 1º, § único), além
(Resolução 33/92, do Conselho Na-
de prever, em outros dispositivos,
cional de Saúde – CNS). As atribui-
É possível que hoje o número de conselheiros de saúde, entre os quais os usuários são maioria, já se aproxime, talvez ultrapasse, o número de vereadores, o que configura uma situação inédita não só no setor saúde, mas no conjunto das políticas públicas. (C ARVALHO, 1995. p. 30-31)
a participação social na implemen-
Dessa forma, os conselhos de
tação de políticas públicas no que
saúde são importante instrumento
tange não só à saúde, mas à assis-
para a efetivação do SUS e para a
A SAÚDE É DIREITO FUNDAMENTAL , INDIVIDUAL E COLETIVO, E NÃO MERA
garantia do direito à saúde a todos.
CONCESSÃO DO PODER ESTATAL
saúde direta ou indiretamente, exi-
tência social, à criança e do adolescente, ao processo de organização das cidades, etc. Percebe-se, portanto, que “a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais, surgidos na sociedade, na institucionalidade
OU PALAVRAS BONITAS
emergente, abrindo espaço para a
ESCRITAS NA C ONSTITUIÇÃO
prática da democracia participativa”
Por meio de suas atribuições e poderes, esses órgãos podem intervir nas políticas estatais referentes à gindo que o Estado atue quando omisso e controlando as suas ações.
CONSTRUÇÃO DO DIREITO DA SAÚDE
(S ANTOS, 2002. p. 33). Nesse contexto, surgem os conselhos de saúde. Não é um fenômeno novo no Brasil, nem exclusivo da área da saúde, porém não há na atualidade nada semelhante aos conselhos de saúde, com a sua expressiva representatividade social, atribuições e poderes legais, além da extensão de sua implementação, englobando as esferas municipais, estaduais e federal e, em alguns lugares, ainda há conselhos locais e regionais. (CARVALHO,1995. p. 30-31)
É preciso que todos saibam que ções específicas de caráter executivo
a saúde é direito fundamental, indi-
também estão na seara da competên-
vidual e coletivo, e não mera con-
cia legal dos conselhos, que cada vez
cessão do poder estatal ou palavras
mais participam na cadeia decisória
bonitas escritas na Constituição. É
da administração do SUS, como ins-
certo que a legislação sanitária bra-
tância deliberativa e recursal.
sileira é muito mais avançada que
Pelo exposto, parece claro que os
a situação fática do país, o que não
conselhos de saúde significam hoje
invalida o paradigma do conceito de
bem mais que uma prescrição legal
saúde amplo, que deve ser persegui-
de alcance duvidoso. Eles entraram
do pelo esforço de todos os atores
As competências legais básicas
em cena, trazendo consigo a estréia
sociais comprometidos com o siste-
dos conselhos de saúde em todas as
de alguns novos atores sociais. A
ma a fim de buscar e construir o
esferas encontram-se no art. 1º, pa-
sua existência e funcionamento pos-
SUS que queremos.
190 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
A Saúde é um Direito!
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 184-191, set./dez. 2003
191
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS) Health Promotion and Different Sectors: contributions and limitations of Worker Health Surveillance within The Unified Health System (SUS) Marcelo Firpo de Souza Porto 1 Francisco Antonio de Castro Lacaz2 Jorge Mesquita Huet Machado 3 RESUMO Discute-se de que forma as ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VST) vêm propiciando a construção de um modelo de promoção da saúde, dentro de um novo paradigma intersetorial e participativo para o SUS. A base conceitual do trabalho reside na discussão sobre VST e na conceituação de redes intersetoriais, uma aproximação teórica para compreender e operacionalizar estratégias de ações intersetoriais de promoção da saúde. Considera-se necessário um aprofundamento da reflexão crítica e síntese sobre as discussões conceituais e as práticas de promoção da saúde desenvolvidas no âmbito do SUS, particularmente em torno do futuro das ações de vigilância. Pesquisador do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH), da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Av. Leopoldo Bulhões, 1.480 – Manguinhos CEP 21041-210 – Rio de Janeiro – RJ e-mail:
[email protected] 1
DESCRITORES: Vigilância Sanitária; Promoção da Saúde; SUS.
ABSTRACT The basic aim of this article is to discuss in which ways actions of Worker Health Surveillance (WHS) have provided tools to build a model
Professor da Universidade Federal de São Paulo (U NIFESP) da Escola Paulista de Medicina (EPM) Rua Jader de Andrade, 322/202 CEP 52061-060 – Recife – PE e-mail:
[email protected]
of health promotion, within a new inter-sector and participative paradigm
Tecnologista da Coordenação de Saúde do Trabalhador da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e-mail:
[email protected]
synthesis over conceptual discussions and practices of health promotion
2
3
for SUS. This work’s conceptual basis resides mainly in the discussion of WHS and in the concepts of inter-sector networks, a theoretical approach to understand and operate strategies for inter-sector actions of health promotion. We consider it necessary to deepen the critical reflection and developed within SUS, specially regarding the future of surveillance actions. DESCRIPTORS: Health Surveillance; Health Promotion; SUS.
192 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
LIMITES E POSSIBILIDADES DE AVANÇO DA(S) VIGILÂNCIA(S)
de, mas como este interage com a
as práticas clássicas de vigilância
sociedade através de políticas pú-
não sofreram mudanças estruturais,
blicas intersetoriais e práticas trans-
embora tenham ocorrido avanços
A discussão sobre promoção da
formadoras. Para tanto, buscou-se
localizados, como na formação de
saúde e o futuro do Sistema Único
a universalização do acesso à saú-
recursos humanos e na infra-estru-
de Saúde (SUS) relaciona-se à neces-
de e a descentralização, abrindo sua
tura institucional. As práticas intra-
sidade de substituição dos modelos
gestão à participação popular e,
setoriais mantêm-se ‘ilhadas’ den-
médico-assistencial e assistencial-
desde então, avanços têm ocorrido
tro dos setores clássicos da vigilân-
‘sanitarista’ ainda hegemônicos en-
com a realização das Conferências
cia, notadamente a epidemiológica,
tre nós (PAIM, 1994). Nestes, as prá-
e a criação dos Conselhos de Saúde.
a sanitária e a ambiental, com re-
ticas de vigilância estão baseadas
Tais avanços, contudo, não são
cortes específicos de objetos de con-
no modelo ecológico de explicação
suficientes em si para a revisão dos
trole e intervenção. Esta setorializa-
das doenças e na epidemiologia clás-
modelos médico-assistencial e ‘sa-
ção coloca entraves para o desen-
sica, tendo por objeto o controle dos
volvimento da promoção e preven-
modos de transmissão. Esta delimi-
ção, seja em relação à eficiência das
tação permite uma certa governabi-
ações intra-setoriais, seja quanto ao necessário desenvolvimento de
to de casos de doenças, em articu-
A DISCUSSÃO SOBRE PROMOÇÃO DA SAÚDE E O FUTURO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) RELACIONA-SE À NECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DOS MODELOS MÉDICOASSISTENCIAL E ASSISTENCIAL -‘SANITARISTA’
lação com análises epidemiológicas,
AINDA HEGEMÔNICOS ENTRE NÓS
agravos relacionados ao trabalho,
lidade e eficácia das ações no âmbito intra-setorial da saúde, principalmente para as doenças infecto-contagiosas e outras evitáveis com medidas pontuais. Estas intervenções podem incluir o monitoramen-
ações intersetoriais. As formas clássicas de intervenção simplesmente não dão conta de uma série de problemas de saúde, os quais não se restringem aos ‘compartimentos setoriais’ das vigilâncias, como os
bem como a vacinação, o controle
ao ambiente, às causas externas, às
de vetores, de riscos ambientais e
doenças crônicas, dentre outros.
da qualidade da água, por exemplo.
Obviamente, quanto mais distan-
A crítica à eficácia deste mode-
nitarista’. Além disso, o próprio
tes da lógica dos modelos assisten-
lo, quando se depara com o novo
quadro político internacional e na-
cial e ‘sanitarista’ estão os proces-
perfil de doenças de massa, está no
cional na década de 1990 não foi
sos saúde-doença, maior será a ne-
centro das formulações da Medici-
favorável para que mudanças mais
cessidade de serem construídas prá-
na Social Latino-americana e da
radicais ocorressem nas políticas
ticas alternativas e intersetoriais que
Saúde Coletiva que, no Brasil, atra-
públicas do país. O SUS foi pressio-
superem seus limites intrínsecos.
vés do movimento pela Reforma
nado por uma crise financeira agra-
Não existem ‘vacinas’ contra aciden-
Sanitária, contribuiu para a cons-
vada pelo déficit público e pela po-
tes de trânsito e do trabalho, tam-
trução do SUS. Seus princípios e
lítica econômica em curso, bem
pouco substâncias ou barreiras que
diretrizes foram calcados na visão
como pela demanda espontânea das
‘higienizem’ ambientes gerais ou do
de que a melhoria da qualidade de
populações mais carentes, fato agra-
trabalho contaminados e que, mais
vida e saúde da população não se
vado pelo aumento do desemprego
tarde, podem ser implicados no cân-
limita somente ao sistema de saú-
e da exclusão social. Por seu turno,
cer das pessoas expostas. Quanto
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
193
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
mais analisamos a gênese destes
privilegiaria a construção de políti-
o significado e a operacionalização
riscos e seus efeitos, mais nos en-
cas públicas com atuação interse-
das ações intersetoriais, restringin-
caminhamos para um emaranhado
torial e intervenções integradas de
do-se basicamente àquelas intrínse-
de políticas públicas, práticas so-
promoção, prevenção e recuperação,
cas ao setor saúde. Nos itens seguin-
ciais e processos decisórios que es-
em torno de problemas de grupos
tes, discutimos algumas questões
tão fora do âmbito do setor saúde.
populacionais específicos, tendo por
relacionadas à implementação da
Epistemologicamente, trata-se de
base o planejamento das ações e as
intersetorialidade a partir de expe-
constatar os reducionismos e buscar
análises das necessidades de saúde
riências acumuladas pela Saúde do
possibilidades de avanços concei-
nos territórios. A VS também pres-
Trabalhador no SUS, em especial as
tuais e metodológicos frente aos pro-
supõe a produção de dados de modo
ações de vigilância.
cessos saúde-doença mais comple-
sistemático e contínuo através da
xos. Em termos político-institucio-
criação e manutenção de sistemas
nais, trata-se de avançar nas práti-
de informação para problemas con-
A PROPOSTA DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (VST)
cas intersetoriais e de relação com a sociedade para que critérios sanitários estejam cada vez mais presentes
Neste artigo, a base empírica
TRATA-SE DE AVANÇAR NAS PRÁTICAS
para o entendimento das ações in-
das políticas públicas que afetam a
INTERSETORIAIS E DE RELAÇÃO COM A
resultados do Estudo da Situação e
saúde das populações. Em outras
SOCIEDADE PARA QUE CRITÉRIOS
Tendências da Vigilância em Saúde
no conjunto dos processos decisórios
palavras, é necessário superar a concepção biológica e medicalizante da
SANITÁRIOS ESTEJAM CADA VEZ MAIS
doença e internalizar a idéia de saú-
PRESENTES NO CONJUNTO DOS PROCESSOS
de como critério central dos modelos de desenvolvimento do país. Nos anos 1990, a discussão so-
DECISÓRIOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS QUE AFETAM A SAÚDE DAS POPULAÇÕES
tersetoriais em VST foi baseada nos
do Trabalhador no Brasil (L ACAZ; MACHADO ; PORTO, 2002), que atendeu à demanda da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador, órgão assessor do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo desenvolvido
bre Vigilância da Saúde (VS) (T EIXEI-
mediante parceria entre a Organiza-
RA;
ção Panamericana de Saúde (OPS) e
PAIM ; VILASBÔAS , 1998) coloca as
bases de um novo modelo de vigi-
siderados essenciais. Nesse caso, a
a Associação Brasileira de Pós-Gra-
lância que visa superar os modelos
intersetorialidade também implica a
duação em Saúde Coletiva (ABRASCO).
médico-assistencial e ‘sanitarista’,
integração entre os sistemas de in-
Devido à limitação de espaço, utili-
apontando caminhos para a confi-
formação existentes em diferentes
zamos os resultados do referido es-
guração de um novo modelo de aten-
instituições, setores e níveis de go-
tudo para analisar as ações interse-
ção que busca superar os paradig-
verno, exigindo a constituição de
toriais em VST sem contudo apro-
mas médico-sanitários ainda vigen-
instâncias supra-institucionais e
fundar a base empírica, a descrição
tes no SUS (PORTO ; MACHADO; FREITAS,
mecanismos de gestão e controle
dos instrumentos de coleta de da-
2000). Na nova concepção, o objeto
adequados de tais sistemas.
dos, assim como a organização e o
das ações de saúde caminharia do
As propostas da Promoção da
tratamento dos mesmos. O estudo,
dano para os riscos, necessidades e
Saúde e da VS ainda necessitam de
pautado num universo inicial de 183
determinantes dos modos de vida e
maior aprofundamento conceitual e
serviços de níveis estadual e muni-
saúde. A organização deste modelo
metodológico, pois não aprofundam
cipal distribuídos por todo o país,
194 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
revelou uma forte concentração na
Assim, a VST será aqui entendi-
sive gerenciais, como a atuação in-
região Sudeste (cerca de 80% do total
da como um processo contínuo que
tersetorial, a descentralização dos
de serviços), com grande relevância
articula conhecimentos e práticas de
serviços e das práticas de saúde ao
para São Paulo. Apesar desta concen-
controle sanitário em um território,
nível loco-regional. Os processos de
tração, observa-se que o desenvolvi-
buscando a promoção, a proteção e
trabalho em saúde são reorganiza-
mento de ações de saúde dos traba-
a assistência à saúde dos trabalha-
dos, visando intervir sobre proble-
lhadores, seja de assistência e/ou de
dores, tendo como alvo de sua ação
mas sanitários de maneira contínua,
vigilância, ocorre atualmente em to-
a análise e posterior intervenção nos
num dado território, por meio de pro-
dos os estados do Brasil, ainda que
nexos entre os processos de traba-
cedimentos que buscam atingir os
com grandes diferenças quanto ao
lho e suas repercussões à saúde dos
determinantes das condições de vida
seu grau de organização e maturi-
trabalhadores, contando com sua
e do processo saúde-doença de gru-
dade, o que leva a uma flutuação
participação (MACHADO, 1996). O pres-
pos populacionais em diversos pe-
no seu número, dependendo do mo-
suposto da ação é o controle da ex-
ríodos etários (MONKEN, 2000).
mento em que o estudo é realizado
No caso das relações trabalho-
(LACAZ; MACHADO ; P ORTO, 2002). As ações em saúde dos trabalhadores no Brasil na rede básica iniciaram-se em meados dos anos 1980, influenciadas pela Medicina Social Latino-americana, Saúde Coletiva,
saúde e da evolução histórica do
A ÊNFASE HISTÓRICA DA ATUAÇÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA SOBRE PRODUTOS COMO FÁRMACOS , ALIMENTOS
Reforma Sanitária Italiana e pela re-
E SERVIÇOS DIFICULTOU A INCORPORAÇÃO
emergência do movimento sindical em
DOS PROCESSOS DE TRABALHO E SUAS
suas reivindicações por melhores condições de trabalho e defesa da saúde (LACAZ, 1996). Desde seu início, as
sistema de saúde no Brasil, do ponto de vista institucional e operacional criou-se uma dicotomia que restringiu à Vigilância Epidemiológica o limite técnico das informações sobre a ocorrência e a distribuição das doenças e dos acidentes do trabalho. Ao lado disso, cristalizou-se
REPERCUSSÕES À SAÚDE DOS
uma Vigilância Sanitária cujo papel
TRABALHADORES EM SUA ATUAÇÃO
é intervir sobre riscos específicos que
ações de VST buscaram se constituir
estejam contribuindo para a ocor-
a partir de uma compreensão inte-
rência de doenças e acidentes, colo-
grada entre promoção e proteção,
posição/sujeição aos riscos, exigên-
cando em perigo a saúde das popu-
nesta incluída a prevenção de agra-
cias e cargas, visando prevenir agra-
lações trabalhadoras (WÜNSCH FILHO
vos, além da assistência, mediante
vos à saúde dos trabalhadores que
et al., 1993). A ênfase histórica da
diagnóstico, tratamento e reabilita-
se manifestam como sofrimento,
atuação da Vigilância Sanitária so-
ção. A ênfase na necessidade de trans-
dano, desgaste, doenças e acidentes
bre produtos como fármacos, ali-
formações dos processos e ambien-
do trabalho (L AURELL; NORIEGA, 1989).
mentos e serviços dificultou a incor-
tes de trabalho favoreceu a constru-
A concepção de VST é influencia-
poração dos processos de trabalho
ção de uma abordagem multiprofis-
da pelo conceito de VS e pela opera-
e suas repercussões à saúde dos tra-
sional, interdisciplinar, intersetorial
cionalização do conceito de ‘risco’, e
balhadores em sua atuação.
e participativa, pautada pela compre-
está calcada numa proposta de rear-
As ações de VST no SUS têm bus-
ensão de que os trabalhadores devem
ticulação das práticas sanitárias de
cado superar tais dicotomias e li-
ser sujeitos no planejamento e imple-
promoção, prevenção e cura que
mites através da integração das di-
mentação das ações de vigilância.
combina tecnologias distintas, inclu-
ferentes ‘vigilâncias’, desde a iden-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
195
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
tificação e localização dos proble-
devido à falta de uma política inte-
de canais de comunicação e de es-
mas de saúde, até a intervenção e o
grada de seguridade social e, no in-
tratégias de ação conjunta, estabe-
controle dos processos e condições
terior desta, de saúde e segurança
lecendo novos compromissos entre
de trabalho nocivas (L ACAZ, 2002).
dos trabalhadores. Outra restrição
instituições e atores sociais organi-
A VST busca conhecer a realidade
decorre das contradições do atual
zados em torno da análise e enfren-
de trabalho de populações trabalha-
momento histórico, que tolhe a or-
tamento de problemas locais ou re-
doras, intervir nos determinantes dos
ganização dos trabalhadores.
gionais considerados relevantes.
agravos, avaliar o impacto das medidas corretivas adotadas, subsidiar a tomada de decisões pelos
São justamente os problemas de
AÇÕES INTERSETORIAIS EM VST E O CONCEITO DE REDES INTERSETORIAIS
órgãos competentes do governo, no
natureza mais complexa que exigem ações integradas e intersetoriais. A noção de rede compreende a
nível federal, estadual, municipal,
Para melhor compreendermos o
presença de organizações e entida-
e estabelecer sistemas de informa-
desenvolvimento das ações interse-
des interdependentes e ao mesmo
ção em saúde e trabalho que incor-
tempo autônomas, e a dinâmica de
porem, além das informações tradi-
funcionamento das redes construídas
cionalmente existentes e coletadas,
AS REDES INTERSETORIAIS SÃO ESTRUTURAS
depende da capacidade de serem uni-
prio processo de vigilância e de pes-
FLEXÍVEIS QUE PERMITEM A CONSTRUÇÃO
políticos existentes num dado terri-
quisas, ainda que limitados a al-
DE CANAIS DE COMUNICAÇÃO E DE
tório. Trata-se, portanto, de um processo dialético que inclui tanto o
Constitui-se numa prática interins-
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO CONJUNTA,
aproveitamento dos recursos existen-
titucional e intersetorial que ultra-
ESTABELECENDO NOVOS COMPROMISSOS
tes quanto a transformação das prá-
passa os limites do setor Saúde, mas
ENTRE INSTITUIÇÕES E ATORES
ticas políticas e culturais em direção
bases de dados provindas do pró-
guns segmentos populacionais.
subordina-se aos princípios/diretri-
SOCIAIS ORGANIZADOS
zes do SUS e usa métodos da epidemiologia, da higiene e segurança do
ficados os esforços institucionais e
a processos democráticos voltados para os direitos e necessidades das populações daquele território.
trabalho, da ergonomia, entre outros,
Podemos compreender as ações
não prescindindo do conhecimento e
toriais em VST, incorporamos o con-
intersetoriais de VST a partir da cons-
participação dos trabalhadores (MA -
ceito de rede intersetorial (PORTO;
tituição de redes intersetoriais – ori-
CHADO, 1996). Tal perspectiva tem en-
MACHADO; FREITAS , 2000), pois o mes-
ginalmente intra-setoriais – articu-
contrado dificuldades para sua con-
mo propicia uma concepção moder-
ladas em torno de problemas mais
solidação devido às dicotomias in-
na e flexível das potencialidades de
complexos num dado território,
tra-institucionais do setor saúde que,
articulação e construção de novos
como casos de acidentes e doenças
ao criar novas práticas de organiza-
modelos de gestão que favorecem
provocados por riscos ocupacionais.
ção e atuação em ST, acabou por
processos de descentralização, par-
Diversas experiências de construção
gerar ‘feudos’ freqüentemente para-
ticipação e o estabelecimento de
de redes intersetoriais em ST vêm
lelos às estruturas do SUS, os Cen-
parcerias entre instituições públicas
sendo desenvolvidas nos programas,
tros de Referência em Saúde do Tra-
e a sociedade civil organizada. As
centros de referência, serviços, nú-
balhador (CRST) (RIBEIRO et al., 1998).
redes intersetoriais são estruturas
cleos ou coordenações em estados e
O mesmo se dá intersetorialmente
flexíveis que permitem a construção
municípios. Através do desenvolvi-
196 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
mento sistemático das ações, um
mal e transitório, gerando o que po-
as redes mais informais e transitó-
conjunto de instituições públicas,
deria ser denominado de proto-rede.
rias possuem um importante papel
sindicatos, universidades, associa-
Muitas vezes, tais espaços surgem
na organização inicial de espaços
ções profissionais, ONG e diversos
após a ocorrência de eventos graves
mais formais, ao mesmo tempo que
outros atores sociais buscam inte-
e se concentram em ações pontuais
são mais flexíveis e agilizam dis-
grar-se na análise e no enfrentamento
de intervenção em empresas e ambi-
cussões sobre estratégias e ações
dos problemas, configurando uma
entes de trabalho específicos. Com o
conjuntas que, em contextos autori-
série de pontes intersetoriais. Estas
passar do tempo, tais relações po-
tários e vulneráveis, seriam dificul-
experiências possuem diferentes
dem amadurecer e transformar-se em
tadas por relações institucionais
graus de organização, competên-
espaços mais formais e instituciona-
mais formalizadas.
cias, atribuições, recursos e práti-
lizados de planejamento e decisão,
As redes devem ser vistas como
cas de atuação, sendo desencadea-
como convênios ou comissões inte-
dinâmicas e de estabilidade provi-
das por grupos institucionais locali-
rinstitucionais, coordenados ou não
sória, pois traduzem a conjunção de
zados em vários pontos do Brasil. As
diferentes interesses nas ações em
características destas experiências
relação a certos problemas de saú-
dependem de questões como a força de organização dos trabalhadores e
AS REDES DEVEM SER VISTAS COMO
das questões de saúde e, em termos
DINÂMICAS E DE ESTABILIDADE PROVISÓRIA,
institucionais, dependem das políti-
POIS TRADUZEM A CONJUNÇÃO DE DIFERENTES
cas regionais, da estrutura organizacional, da capacidade instalada, da
INTERESSES NAS AÇÕES EM RELAÇÃO A CERTOS
qualificação dos profissionais e de
PROBLEMAS DE SAÚDE, BEM COMO A FORÇA
influências das instituições acadêmi-
DOS TRABALHADORES, DO SETOR SAÚDE E
cas. Portanto, cabe reconhecer que as experiências avançadas dependem
SEUS USUÁRIOS, DENTRE OUTROS ATORES
de, bem como a força dos trabalhadores, do setor saúde e seus usuários, dentre outros atores. A construção de determinadas redes pode desarticular outras, dado que os comportamentos dos vários atores refletem estruturas de poder e práticas culturais que precisam ser desestabilizadas, para que práticas mais efetivas e democráticas de pro-
mais de uma constelação positiva
moção e prevenção tomem seu lu-
destes fatores do que do seu reconhe-
gar. Neste processo, inevitavelmen-
cimento enquanto uma política ins-
pelo SUS e eventualmente organiza-
te ocorrem mudanças nos objetivos
titucional de Estado.
dos por problemas, por exemplo se-
iniciais, uma vez que a construção
As formas de ação coordenada em
gundo o tipo de risco (setor econô-
de uma rede com atores heterogê-
rede geram relações que possuem
mico ou agente exposto) ou de doen-
neos a partir de diferentes formas
diferentes características e gradien-
ça. Embora desejáveis, as redes ins-
de relações (formais e informais) im-
tes de formalização e organização,
titucionalizadas implicam problemas
plica um processo contínuo de re-
com implicações para o planejamen-
de gestão mais difíceis de serem
negociação. Com isso, os objetivos
to, a responsabilização e a institu-
manejados, envolvendo aspectos ad-
iniciais que um ator tenha, podem
cionalização das ações. Em sua fase
ministrativos, orçamentários e de
se transformar em novos, redefini-
inicial, freqüentemente as relações
execução, ou ainda aqueles relacio-
dos coletivamente a partir das pos-
configuram-se enquanto espaços
nados à cultura técnica das institui-
sibilidades e necessidades dos dife-
ampliados de discussão e troca de
ções e à interferência do poder políti-
rentes atores. Adotar o conceito de
experiências, de caráter mais infor-
co sobre as mesmas. Por outro lado,
rede implica compreendermos e tra-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
197
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
balharmos tais dinâmicas como par-
mais importantes que tendem a es-
brasileira, sendo objetivo da rede a
te integrante do processo de desen-
truturar as redes intersetoriais de
própria transformação de tais rela-
volvimento de ações intersetoriais e
VST. O foco central do esquema é a
ções que condicionam a qualidade
de promoção da saúde.
relação potencialmente conflituosa
do trabalho e da saúde dos traba-
entre o processo de trabalho e a saú-
lhadores nas empresas.
A CONFIGURAÇÃO DAS REDES E AS PRINCIPAIS INSTITUIÇÕES E ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS
de, já que o objetivo é mostrar que
No centro da rede, como objeto
os problemas não surgem ao aca-
em torno do qual ela é tecida, en-
so, mas são conformados a partir
contram-se os trabalhadores expos-
de relações sociais, econômicas, ins-
tos e os processos/ambientes de tra-
A Figura 1 apresenta, esquema-
titucionais e tecnológicas existentes
balho geradores de riscos, cuja di-
ticamente, os elementos e processos
em sociedades capitalistas como a
nâmica de relação é estruturada
FIGURA 1 – Rede de Vigilância em Saúde do Trabalhador
198 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
pelos dois pólos fundamentais: o
do-se por sua lógica sistêmica e ori-
calização e normatização no campo
dos representantes dos trabalhado-
gem político-institucional em um
das relações entre trabalho e saúde,
res e o das empresas. As institui-
espaço estruturador de conexões das
embora suas ações de inspeção se-
ções constituem-se em pontos de
redes. Em sua estrutura, estão ba-
jam criticadas por seu caráter exces-
encontro, conflito e de desencadea-
sicamente os serviços assistenciais
sivamente normativo (OLIVEIRA, 1994).
mento de ações em várias camadas
em geral, de vigilância epidemioló-
As ações desenvolvidas pelas
concêntricas e polares, que corres-
gica e sanitária e os serviços que
empresas correspondem ao segun-
pondem ao tipo de poder de inter-
atuam em saúde dos trabalhadores.
do pólo do núcleo da rede e são
venção e, em última instância, ao
Estes serviços representam os focos
exercidas nas grandes empresas pe-
poder de influência de trabalhado-
de articulação de ações do próprio
las gerências e pelos serviços espe-
res e das empresas sobre a socieda-
SUS e deste com outras instituições.
cializados em engenharia de segu-
de, os governos e as instituições.
Executam funções de referência
rança e medicina do trabalho (SES-
clínica, vigilância sanitária e epide-
METS ). Dada
As redes de VST são freqüente-
a ausência de tais servi-
mente constituídas por meio de de-
ços nas pequenas empresas, nestas,
núncias dos trabalhadores envolvi-
as ações são exercidas exclusiva-
dos diretamente em situações de ris-
mente pela própria gerência. Em ge-
co, ou de casos de acidentes e doen-
AS REDES SÃO FREQÜENTEMENTE
ças relacionadas ao trabalho. As
CONSTITUÍDAS POR MEIO DE
tentam provocar mudanças nas prá-
denúncias mais organizadas ocor-
DENÚNCIAS DOS TRABALHADORES
ticas gerenciais e nos S ESMETS. Um
rem a partir de representantes dos trabalhadores, como comissões internas das empresas, associações de contaminados, sindicatos, centrais sindicais, ONG e mídia. Freqüentemente, o clima autoritário e pater-
ENVOLVIDOS DIRETAMENTE EM SITUAÇÕES DE RISCO, OU DE
ral, os processos de vigilância in-
dos pontos frágeis da intervenção são as ações que envolvem pequenas e médias empresas e, de forma
CASOS DE ACIDENTES E DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO
ainda mais radical, o setor informal da economia, cuja precariedade de vínculos dificulta a presença
nalista dentro das empresas impede
de interlocutores e a própria confi-
uma exposição pública dos traba-
guração de redes.
lhadores diretamente envolvidos, o
miológica aos agravos do trabalho,
Inúmeras outras instituições po-
que aumenta a importância da atua-
constituindo um subsistema de vi-
dem fazer parte das redes interse-
ção dos sindicatos como porta-vo-
gilância em saúde do trabalhador,
toriais de VST, como os órgãos am-
zes e instâncias mediadoras dos in-
desencadeando o processo de controle
bientais, as secretarias estaduais de
teresses dos trabalhadores afetados.
com ações em torno de casos especí-
trabalho, as instâncias ligadas à
As instâncias executivas das re-
ficos. O MTE, através das Delegacias
Previdência Social – como a perícia
des de VST representam sua primei-
Regionais do Trabalho (DRT), com-
médica e a reabilitação – dentre ou-
ra camada em contato direto com o
põe a rede como ator que gravita
tros (L ACAZ; MACHADO; PORTO , 2002).
núcleo – trabalhador e ambiente de
entre o pólo empresarial e o dos tra-
Estas instituições se situam, pelo
trabalho – sendo as duas instâncias
balhadores, em contato direto com
aspecto executivo e complementar
principais o SUS e o Ministério do
seu núcleo. Sua característica insti-
de suas ações, no interstício entre a
Trabalho e Emprego (MTE). O SUS
tucional mais relevante é o amplo
primeira e a segunda camada. Ain-
exerce função múltipla, configuran-
reconhecimento de seu poder de fis-
da neste nível destacam-se as arti-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
199
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
culações, aqui de caráter formal,
titucional (saúde, trabalho, meio
to técnica do processo de vigilância
mediante convênios, com os Minis-
ambiente, previdência social, minis-
e, ao mesmo tempo que desenvol-
térios Públicos (MP) – o Estadual
térios públicos, representações po-
vem ações de planejamento e avali-
e/ou o do Trabalho, de âmbito fe-
líticas no congresso/assembléias/
ação, são espaços formais de forta-
deral – atores com maior poder de
câmaras) e econômico (empresa por
lecimento das ligações entre os pon-
arbitragem e penalização nos pro-
tipo de risco, ramo econômico). Esta
tos da rede de vigilância.
cessos de negociação com empre-
camada é o espaço, por excelência,
A mídia desempenha função de
sas e de conscientização do empre-
de configuração e atuação de redes
contato com a sociedade, sendo es-
sariado, principalmente em situa-
mais abrangentes e formais, pois
trategicamente importante para a
ções críticas de maior conflito e re-
pode reunir múltiplas instituições e
visibilidade e legitimização social
sistência. Por isso, os MP têm exer-
atores sociais em processos decisó-
das ações de vigilância. Sua cola-
cido papel de destaque na consti-
rios que visam transformar as rela-
boração, entretanto, é restrita e con-
tuição de redes em situações de
ções que condicionam a qualidade
traditória, dada a banalização da
maior conflito e fragilidade insti-
morte de trabalhadores e das denún-
tucional do SUS ou das DRT.
cias no país, bem como a influência
Em uma segunda camada de
das empresas de maior poderio eco-
apoio, destacam-se as ações desen-
AS REDES MAIS FORMALIZADAS
cadeadas por projetos acadêmicos e
PODEM SE CONFIGURAR POR MEIO
cândalos noticiados podem abalar
de ensino, desenvolvidas por insti-
DE NUMEROSOS FORMATOS,
a imagem de empresas, setores eco-
tuições principalmente da saúde coletiva. Elas têm importante papel
COMO GRUPOS GESTORES ,
nômico. Os acidentes e casos de es-
nômicos e mesmo instituições públicas responsáveis e, por isso, têm
no desenvolvimento e estabilização
CONVÊNIOS INTERINSTITUCIONAIS,
de experiências através do suporte
COMISSÕES, CÂMARAS TÉCNICAS
ras técnicas autoritárias e engessa-
E CONSELHOS
queiam o processo coletivo de apren-
técnico-científico, da divulgação e do apoio interdisciplinar em casos
o papel de desestabilizar as cultudas das organizações, as quais blo-
de maior complexidade, sendo ain-
dizagem necessário para a evolução
da fundamentais na formação de
dos padrões preventivos. Os casos
novos profissionais e na legitima-
do trabalho e da saúde dos traba-
de escândalos com mobilizações
ção técnica, fortalecendo as insti-
lhadores nas empresas. Conforme já
coletivas permitem ‘furar’ esse blo-
tuições e servindo de contraposição
apontado no item anterior, as redes
queio e transformar prevenções sim-
ao saber empresarial.
mais formalizadas podem se confi-
bólicas, mais voltadas ao controle
Finalmente, o esquema apresen-
gurar por meio de numerosos for-
da força de trabalho, em prevenções
ta uma terceira camada que repre-
matos, como grupos gestores, con-
práticas mais efetivas (P ORTO, 1994).
senta a esfera estratégica de negocia-
vênios interinstitucionais, comis-
ção e definição de políticas públi-
sões, câmaras técnicas e conselhos.
cas, leis e acordos desenvolvidos por
Organizadas pelo SUS nos vários
ações intersetoriais em diferentes
níveis, as Comissões Interinstitucio-
níveis de agregação que vão do lo-
nais de Saúde do Trabalhador (CIST)
Nesse item, apresentamos algu-
cal ao global (distrito/município/es-
existentes funcionam como elemen-
mas características das experiên-
tado/país/âmbito internacional), ins-
tos de condução tanto política quan-
cias intersetoriais desenvolvidas
200 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
A EXPERIÊNCIA DE AÇÕES INTERSETORIAIS EM VST NO SUS
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
pelo SUS com alguns setores e ór-
pectivamente. O SUS estabelece re-
quanto à adoção desta estratégia
gãos específicos, tendo como base
lações intersetoriais – algumas for-
(BINDER; CORDEIRO, 2003; L ACAZ, 2000),
empírica a investigação já referida
mais, muitas informais – com múl-
gera uma base de dados amplamente
sobre as ações de VST desenvolvi-
tiplas instituições, e as principais
incorporada pelo SUS na análise
das nos serviços do SUS que atua-
indicadas pelo estudo, são apresen-
epidemiológica dos acidentes e doen-
vam em saúde dos trabalhadores
tadas a seguir.
ças do trabalho. As relações com o
entre os anos de 2001 e 2002 (LACAZ;
As articulações com o Instituto
INSS são freqüentemente conflituo-
M ACHADO ; PORTO, 2002). Conforme
Nacional de Seguro Social (INSS)
sas e marcadas por certo grau de
veremos mais a frente, tais experi-
vêm ocorrendo desde o início da
informalidade, já que a política ins-
ências encetadas nesses anos de
implantação dos primeiros Progra-
titucional da previdência social nos
construção do campo da Saúde do
mas de Saúde do Trabalhador (PST)
últimos anos possuiu um caráter
Trabalhador no SUS expressam si-
criados nos anos 1980. Dois objeti-
bastante conservador e burocráti-
multaneamente fragilidades, contra-
vos principais se destacam nessa
co, em especial em relação à saúde
dições e potencialidades que podem
dos trabalhadores.
contribuir para o debate sobre inter-
Outra importante relação inter-
setorialidade na constituição de um
setorial é com o MTE, através das
novo modelo de promoção da saúde. Existe uma grande heterogeneidade quanto à inserção dos servi-
E XISTE UMA GRANDE HETEROGENEIDADE QUANTO À INSERÇÃO DOS SERVIÇOS
DRT. O MTE, cujo papel na inspeção do trabalho foi assumido desde os anos 1930, alijou a Saúde Pública
ços investigados dentro da estrutu-
INVESTIGADOS DENTRO DA ESTRUTURAS
da intervenção sobre ambientes e
ras estaduais e municipais do SUS,
ESTADUAIS E MUNICIPAIS DO SUS, QUE
condições de trabalho até os anos
que podem incluir programas, centros de referência, divisões ou coordenadorias vinculadas principal-
PODEM INCLUIR PROGRAMAS, CENTROS DE REFERÊNCIA, DIVISÕES OU COORDENADORIAS
1980, momento em que surgem os primeiros PST (LACAZ, 1996). Esta trajetória tem reflexos sobre a atua-
mente às estruturas das vigilâncias
ção das instâncias do setor Saúde
sanitária e/ou epidemiológica, mas
e, malgrado os embates e disputas
também ligados a hospitais univer-
existentes entre os setores Trabalho
sitários, com níveis variados de in-
relação: (1) o estabelecimento do
e Saúde (OLIVEIRA , 1994), uma maior
tegração com o SUS. Em termos de
nexo entre a incapacidade causada
integração de ações, guiada por es-
relações intra-institucionais, é mar-
por doenças e/ou acidentes do tra-
tratégia comum, seria bastante de-
cante a atuação integrada assistên-
balho e direitos previdenciários, fre-
sejável. Tal afirmativa torna-se mais
cia-vigilância, tanto para aqueles que
qüentemente negados aos trabalha-
verdadeira ao se considerar que o
realizam ações de assistência na rede
dores afastados ou demitidos; (2) a
SUS, em função dos seus princí-
especializada quanto na básica.
análise pelos serviços dos bancos de
pios, diretrizes e vocação, deveria
O estudo indica que as relações
dados gerados a partir das comuni-
ser a instância nucleadora da polí-
intersetoriais encontram-se presen-
cações de acidentes do trabalho
tica de assistência, prevenção e pro-
tes na maioria dos serviços anali-
(CAT). Este instrumento de notifica-
moção em saúde dos trabalhadores,
sados, em percentuais que variam
ção usado pela Previdência desde
envolvendo instituições da Previdên-
de 55 a 80% quando se trata dos
1976, apesar do seu viés securitá-
cia Social, Saúde, Trabalho, Meio
serviços municipais e estaduais res-
rio e dos limites já assinalados
Ambiente e Agricultura, dentre ou-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
201
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
tras. Apesar das articulações com
fortalecida pelo papel definido na
serviços que permitiu a continuida-
as DRT referidas pelos serviços pos-
Constituição Federal de 1988 na de-
de das ações frente a cenários polí-
suírem um tendência de crescimen-
fesa da cidadania e dos chamados
tico-administrativos conservadores
to, elas ainda possuem um caráter
direitos coletivos e difusos, que en-
e privatistas que se abateram sobre
restrito a certas regiões e capitais, e
volvem a relação trabalho-saúde. As
os sistemas de saúde em diferentes
ocorrem freqüentemente a partir de
articulações ocorrem tanto com o
regiões. A relação com o MP tam-
contatos pessoais com técnicos mais
Ministério Público do Trabalho, de
bém é um indicador de que o poder
engajados, não existindo envolvi-
âmbito federal, quanto com os Mi-
de intervenção dos serviços que
mento formal da direção da institui-
nistérios Públicos Estaduais. Nestas
atuam na VST ainda é frágil e ne-
ção. Apesar dessa limitação, as co-
‘parcerias’ existe o risco de que os
cessita de melhor amparo técnico e
operações técnicas existentes podem
serviços tornem-se ‘braços técnicos’
jurídico para sua efetivação. O MP
envolver distintas formas, como a
do MP (RIBEIRO et al., 1998), empo-
tem sido um ‘parceiro’ importante
vigilância de ambientes de trabalho,
brecendo a dinâmica dos serviços,
na investigação de acidentes e do-
a participação no Programa de Er-
enças do trabalho e são inúmeros
radicação do Trabalho Infantil,
os casos de ações conjuntas pelo
ações conjuntas na investigação de acidentes graves e fatais, ou ainda em problemas e setores específicos, como as Comissões do benzeno e das indústrias de construção civil. Ou-
AS COOPERAÇÕES TÉCNICAS EXISTENTES PODEM ENVOLVER DISTINTAS FORMAS,
país, em particular na retaguarda
COMO A VIGILÂNCIA DE AMBIENTES DE
cos, como os termos de ajuste de
tra instituição do MTE mencionada
TRABALHO, A PARTICIPAÇÃO NO PROGRAMA
é a Fundação Jorge Duprat Figuei-
DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO I NFANTIL,
redo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) que, por ser
AÇÕES CONJUNTAS NA INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES GRAVES E FATAIS
órgão de pesquisa e formação de
técnica de apoio ao MP em suas investigações e instrumentos específiconduta e as ações cíveis. Em alguns estados, o MP está a frente de acordos interinstitucionais que objetivam o planejamento, a priorização e a implementação de ações de controle em processos e ambientes de trabalho.
abrangência nacional, tem contribu-
As relações com a ‘Universida-
ído para a capacitação técnica nos
de’, marcantes principalmente no
serviços em todo o país. Isto envol-
cuja lógica de intervenção, levando-
âmbito estadual dos serviços inves-
ve a realização de cursos, seminári-
se em conta o conceito de VST aqui
tigados (73%), envolvem vários as-
os, palestras e apoio bibliográfico.
adotado, deveria ser pautada pelo
pectos, como estágios de graduação
Ademais, a articulação acontece pela
método epidemiológico (L ACAZ; MA -
e de pós-graduação, assim como
atuação da FUNDACENTRO em comissões
CHADO; PORTO , 2002; MACHADO , 1996) e
assessoria técnica, capacitação e o
nacionais e regionais, ou no suporte
não exclusivamente pela lógica do
desenvolvimento de pesquisas e es-
técnico em avaliações clínicas, diag-
direito quando do embate trabalha-
tudos. A aproximação serviços-aca-
nóstico de intoxicações químicas e
dor ‘lesado’ versus empresa ‘infra-
demia, preconizada por estudos da
desenvolvimento de projetos especí-
tora’. Por outro lado, o apoio do MP
área (L ACAZ, 1996; MACHADO , 1996;
ficos, como na vigilância de câncer
tem sido fundamental em conjuntu-
RIBEIRO et al., 1998), fortalece a com-
ocupacional (MG e BA).
ras políticas desfavoráveis à cons-
petência técnica dos serviços no en-
O Ministério Público (MP) vem
trução do SUS, pois em várias situa-
frentamento de problemas de maior
ganhando crescente importância,
ções foi justamente a parceria MP-
complexidade. Por outro lado, a re-
202 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
lação do SUS com a Universidade
relevante. A relação pode se dar de
continuada dos trabalhadores or-
também espelha a fragilidade dos
distintas formas, como o forneci-
ganizados na gestão e no controle
serviços e costuma ser marcada por
mento de informações sobre os ti-
das ações de vigilância, isto não
relações informais com grupos de
pos de lavouras existentes, a toxi-
significa que inexistam outras ins-
pesquisa isolados, sem compromis-
cologia dos agrotóxicos utilizados,
tâncias de controle social. O estu-
sos formais de longo prazo. Acor-
as ações conjuntas de vigilância e
do revelou que a demanda sindi-
dos de cooperação com Centros de
o suporte técnico para o uso con-
cal junto aos serviços ocorre em
Excelência em temáticas específicas
trolado ou a eliminação de agro-
87% dos municipais e 50% dos es-
e o financiamento de projetos prio-
tóxicos através da agricultura or-
taduais, expressando um modelo
ritários apoiados pelo Ministério da
gânica. O restrito interesse do se-
participativo e com forte influên-
Saúde (MS) e agências de fomento,
tor agrícola com questões de saú-
cia dos sindicatos de trabalhado-
poderão contribuir futuramente para
de e ambiente limitam a evolução
res. A maior presença levantada de
superar tais deficiências.
dessa importante relação interse-
conselhos gestores no nível muni-
As instituições de dois outros
cipal indica a facilidade que o ní-
setores envolvidos também mere-
vel local possui para envolver di-
cem destaque. As relações com as
retamente trabalhadores e cidadãos
uma tendência de incremento, o que
O ESTUDO APONTA DIFICULDADES ENVOLVENDO A PARTICIPAÇÃODOS TRABALHADORES, O QUE
reflete tanto o crescimento da te-
PODE SIGNIFICAR TANTO UM ALHEAMENTO DOS
ra seja no município que as pres-
‘instâncias ambientais’ apresentam
mática ambiental quanto os investimentos na criação da vigilância ambiental, principalmente a partir da implantação do VIGISUS e da criação de estrutura específica dessa área no MS. Várias temáticas têm
SERVIÇOS DAS INSTÂNCIASDE REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES, COMO UMA FALTA DE PRIORIDADE POR PARTE DO MOVIMENTO SINDICAL PARA ATUAR NESTE NÍVEL DE CONTROLE
em problemas mais diretamente vinculados à sua realidade, embosões maiores ocorrem, tornando tais conselhos mais vulneráveis que os de âmbito estadual. Apesar da relevância das demandas sindicais, o estudo aponta dificuldades envolvendo a participação
sido trabalhadas conjuntamente
dos trabalhadores, o que pode sig-
entre o SUS e os órgãos que com-
nificar tanto um alheamento dos
põem o Sistema Nacional de Meio
torial, o que deve ser superado
serviços das instâncias de represen-
Ambiente (S ISNAMA ), abarcando te-
através de novos e continuados es-
tação dos trabalhadores, como uma
mas como resíduos sólidos, polui-
forços de âmbito federal e regio-
falta de prioridade por parte do mo-
ção atmosférica e ruído urbano.
nal, dada a importância do proble-
vimento sindical para atuar neste
Em estados como a Bahia, as arti-
ma dos agrotóxicos e as expecta-
nível de controle. Nesse último caso
culações avançaram através da in-
tivas de uma intensificação da re-
expressa, provavelmente, o declí-
serção da saúde dos trabalhado-
forma agrária no país.
nio da ação sindical como conse-
res na Lei Estadual do Meio Ambien-
Com relação às instâncias de
qüência das alterações do mundo
te e nos processos de licenciamen-
participação, apesar da maioria dos
do trabalho, caracterizadas pelo
to. Quanto aos ‘órgãos da Agricul-
serviços investigados (57% dos mu-
desemprego, pela flexibilização dos
tura’, a articulação vem se desen-
nicipais e 73% dos estaduais) não
direitos e pelas relações de traba-
volvendo em algumas regiões onde
contarem com um conselho gestor
lho, e precarização dos vínculos
a problemática dos agrotóxicos é
específico que propicie a atuação
(LACAZ, 2001).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
203
PORTO, Marcelo Firpo de Souza; LACAZ, Francisco Antonio de Castro & MACHADO, Jorge Mesquita Huet
CONCLUSÃO
como o aprofundamento de ações
o que não deveria significar a di-
articuladas e integradas envolven-
luição da importância do papel do
Apesar das diversas fragilidades
do várias instâncias intra e extra-
SUS. Nesse sentido, o setor Saúde
encontradas nas experiências inter-
setoriais ao setor saúde. Por exem-
funciona mais como um catalisa-
setoriais de VST do SUS, como a
plo, precisam ser ampliadas as re-
dor do que como executor das ações
ausência de vínculos formais entre
lações com várias organizações não-
de promoção, que dependem de
as instituições para dar sustentação
governamentais e os setores respon-
outros setores de governo dentro de
às ações e que pudessem caracteri-
sáveis pela formação de recursos
uma política intersetorial.
zar uma política efetiva nessa área,
humanos, inovação e desenvolvi-
estas apresentam uma rica varieda-
mento tecnológico.
O futuro das ações de promoção da saúde está fortemente relaciona-
de de práticas que caminham na di-
Acreditamos que a proposta con-
do à articulação não só entre as vi-
reção dos princípios do SUS, apon-
ceitual apresentada de redes inter-
gilâncias, mas também com os mo-
tando para uma visão democrática
setoriais para compreender o desen-
vimentos sociais e as instâncias es-
de promoção da saúde e que pode
truturantes dos processos de desen-
progredir em direção a um novo
volvimento regional, caminhos im-
modelo. Os dados do estudo empíri-
portantes que começam a ser trilha-
co revelam relações intersetoriais ainda limitadas, com ações em rede ainda incipientes e que exigem maior nível de coordenação e formalização para uma maior efetivação do potencial existente. Boa par-
CONTANDO COM A DEDICAÇÃO DE INÚMEROS PROFISSIONAIS QUE ‘REMAM CONTRA A MARÉ’, PODE -SE APREENDER A
dos. Ao pensarmos no papel do SUS
EMERGÊNCIA DE UM MODELO QUE CONJUGA
análises de situação de saúde visan-
te desta limitação decorre da falta
A ASSISTÊNCIA E A VIGILÂNCIA/ INTERVENÇÃO
do interesse político na década de
E QUE PRECISA AVANÇAR
na perspectiva do desenvolvimento, torna-se imperativo serem ampliadas as concepções de território e do incluir, além dos moradores e usuários dos serviços locais, os trabalhadores, os ambientes de traba-
1990 do próprio governo federal e,
lho e os riscos ambientais enquanto
conseqüentemente, de uma Política
objetos de investigação e intervenção
de Estado de saúde dos trabalhado-
no conjunto das questões locais de
res mais abrangente. Tal limitação
volvimento das ações integradas e
saúde, integrando-as com uma con-
dificulta o engajamento das instân-
intersetoriais de VST pode ser in-
cepção abrangente de desenvolvimen-
cias dirigentes nos vários setores e
corporada por outras áreas da saú-
to regional e local sustentável.
instituições com as quais o SUS se
de para discutir o desenvolvimento
O atual momento histórico, que
articula em suas ações de VST. Ape-
de ações intersetoriais de promo-
vem fragilizando o pólo trabalho
sar disso, e contando com a dedica-
ção da saúde, dado que a interse-
e suas formas clássicas de repre-
ção de inúmeros profissionais que
torialidade é reconhecidamente im-
sentação, também indica a neces-
‘remam contra a maré’, pode-se
portante em todas as áreas. A cons-
sidade de novas estratégias de ar-
apreender a emergência de um mo-
trução de redes surge como estra-
ticulação e intervenção com e na
delo que conjuga a assistência e a
tégia de fortalecimento do SUS para
sociedade. Ao longo dos anos 1990,
vigilância/intervenção e que preci-
enfrentar problemas complexos, as-
esta fragilidade pôde ser observa-
sa avançar. Para tanto, vários desa-
sociando inúmeros e heterogêneos
da no emperramento de espaços in-
fios ainda necessitam ser superados,
atores através de diferentes formas,
terinstitucionais de negociação e
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Promoção da Saúde e Intersetorialidade: contribuições e limites da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS)
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Saúde Pública, São Paulo, v. 37, n.
SAT
têm sido limitadas diante da
falta de políticas integradas na esfera federal, refletindo a fragmentação e descontinuidade de políticas entre instituições que possuem culturas diferenciadas. Do ponto de vista intra-setorial e enquanto fator condicionante do próprio desenvolvimento das ações intersetoriais pelo setor saúde, uma importante questão a ser enfrentada é a da integração entre as várias vigilâncias e os modelos de promoção da saúde atualmente em discussão no país. Nesse sentido, o Congresso da ABRASCO de 2003 trou-
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. Saúde do Trabalhador:
integradas, pela primeira vez, dos
cenários e perspectivas numa con-
diferentes grupos temáticos que
juntura privatista. Conferência pro-
possuem interesses comuns, embo-
ferida nos Seminários de Saúde e
ra tradicionalmente suas reflexões
Trabalho. Departamento de Medici-
e propostas venham sendo produ-
na Preventiva e Social (DMPS) da
zidas de forma isolada. As temáti-
Faculdade de Medicina (FM) da Uni-
cas são: vigilâncias sanitária, saú-
versidade Federal de Minas Gerais
de ambiental, educação em saúde,
(UFMG), 2001.
máticas e a construção de uma agenda comum de aprofundamento conceitual e troca de experiências poderá se configurar numa es-
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dança dos atuais paradigmas que
MACHADO, Jorge Mesquita Huet; POR-
Programas de Pós-Graduação em
dão sustentação ao SUS.
TO,
Engenharia da Universidade Fede-
Marcelo Firpo de Souza. Estudo
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
205
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206 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 192-206, set./dez. 2003
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão The Three Spheres of Government and the building of SUS: a revision
Celia Almeida 1 RESUMO A reforma na setorial e a criação do SUS significou de fato, no plano legal, uma mudança extremamente expressiva na política de saúde brasileira. A descentralização do SUS é o eixo central de sua implementação. Pretendese privilegiar a análise das relações intergovernamentais estabelecidas pelo processo de descentralização. Sugere-se a revisão dos mecanismos de transferências financeiras e de indução implementados pelo nível central. Propõe-se, também, repensar a atuação dos fóruns participativos institucionalizados com a reforma. Conclui-se que é necessário repensar que sistema de saúde queremos e quais mecanismos devem ser privilegiados na sua implementação. DESCRITORES: Descentralização; Financiamento da Saúde; SUS.
ABSTRACT The sector reform and the creation of SUS meant in fact a legal change, extremely expressive in the Brazilian health policy. The decentralization of SUS is the core axis of its implementation, focusing on the analysis of intergovernmental relations established by the process of decentralization. MD, MPH, Ph. D, pesquisadora, docente do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (D APS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) Av. Brasil, 4.036 – sala 707 – Manguinhos CEP 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ e-mail:
[email protected] 1
A revision of financial transfer and induction mechanisms implemented by the central level is suggested. It is also proposed that the role of institutionalized participation forums be reviewed with the reform. It is imperative to reanalyze the kind of health system we want and which mechanisms should be privileged in its implementation. DESCRIPTORS: Decentralization; Health Financing; SUS.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
207
ALMEIDA, Celia
INTRODUÇÃO
tação da reforma, mudando a ma-
existindo diversas maneiras de me-
neira de alocação de recursos, ins-
dir o cumprimento de objetivos na
A Reforma Sanitária brasileira foi
titucionalizando os fóruns partici-
sua implementação. Cada uma delas
formulada na perspectiva de rom-
pativos no processo decisório, de-
produz diferentes resultados. A atua-
per com o modelo corporativista tra-
finindo estratégias prioritárias e
ção do Estado no campo social e sua
dicional, reverter a linha privatizante
mecanismos de indução que preten-
inter-relação com a sociedade tam-
da política setorial e integrar áreas
dem impulsionar a reorganização
bém podem ser examinadas acom-
correlatas de política social, histó-
dos sistemas locais de saúde numa
panhando as conseqüências das po-
rica e estruturalmente tratadas em
perspectiva transformadora.
líticas de reforma já institucionali-
separado. Formalizou um conceito
Pode-se afirmar, hoje, que a des-
zadas, pois, uma vez implementa-
ampliado de saúde (correlacionan-
centralização do sistema de servi-
das, interferem com interesses cons-
do-a com condições de vida, traba-
ços de saúde para o nível munici-
tituídos, mudam a agenda pública e
lho e lazer) e mecanismos de parti-
pal, sobretudo da atenção básica e
os padrões de conflito entre grupos
cipação e controle social. Propôs a
que impulsionam as mudanças sub-
instituição do Sistema Único de Saú-
seqüentes (SKOCPOL; AMENTA , 1986). Em
de (SUS), com acesso universal e
síntese, as causas e os objetivos ori-
igualitário, atenção integral em to-
A REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA FOI
dos os níveis, com privilégio do se-
FORMULADA NA PERSPECTIVA DE ROMPER COM
não são necessariamente os mesmos
tor público e regulação efetiva so-
O MODELO CORPORATIVISTA TRADICIONAL,
que determinam os seus desenvolvi-
para sua operacionalização, recupe-
REVERTER A LINHA PRIVATIZANTE DA POLÍTICA
resistência dos perdedores ou oposi-
ração e ampliação do sistema de
SETORIAL E INTEGRAR ÁREAS CORRELATAS
cionistas, mas pela inerente dinâmi-
serviços de saúde segundo a base
DE POLÍTICA SOCIAL, HISTÓRICA E
ca de sua operacionalização: freqüen-
ESTRUTURALMENTE TRATADAS EM SEPARADO
política de reforma traz resultados
bre o setor privado. Pressupunha,
geográfico-territorial, além de descentralização e fortalecimento do
ginais de uma determinada política
mentos. E isto se dá não apenas pela
temente a implementação de uma
poder local; revisão das fontes e
inesperados ou não previstos por
mecanismos de financiamento (in-
seus formuladores.
clusive tributação); mudança dos
ambulatorial, é inegável. Entretan-
As estruturas estatais e o dese-
mecanismos de compra de serviços
to, vários têm sido os percalços e
nho institucional afetam o processo
e das relações com os produtores de
as dificuldades nesse percurso. Ava-
decisório de uma determinada polí-
insumos e equipamentos. Com a
liar a gestão de uma política de re-
tica, a partir de mecanismos admi-
implementação do SUS pretendia-se,
forma setorial cujos mecanismos de
nistrativos e também políticos (EVANS;
portanto, materializar o direito de
operação do sistema de serviços fo-
RUESCHEMEYER ; SKOCPOL , 1985; S KOCPOL;
cidadania na saúde.
ram seu principal eixo de implemen-
AMENTA, 1986; ARRETCHE, 2003). Po-
A reforma setorial e a criação
tação pressupõe analisar em que
rém, a forma de implementação, os
do SUS significou, de fato, no pla-
medida esses instrumentos estão, de
mecanismos e incentivos, os instru-
no legal, uma mudança extrema-
fato, possibilitando o alcance dos
mentos de indução e controles esco-
mente expressiva na política de saú-
objetivos formulados inicialmente.
lhidos para operacionalizar e gerir
de brasileira. A descentralização do
Os efeitos de uma política podem
determinada política interferem na
SUS é o eixo central da implemen-
ser analisados de várias formas,
qualidade de ação dos governos,
208 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão
assim como nas formas de medir
temáticos, discutidos pelo Ministé-
esferas governamentais. Fatores po-
seus resultados, e refletem valores
rio da Saúde (MS) – que identifica
líticos e conjunturais foram particu-
e escolhas políticas em momentos
para cada um deles lacunas e desa-
larmente importantes nesse proces-
específicos, revelando os objetivos
fios a serem enfrentados e diretrizes
so (como a ‘era Collor’ e a sua desti-
estratégicos de diferentes opções.
de atuação para o avanço na con-
tuição), porém, a especificidade do
Sendo assim, não são apenas os
solidação do SUS e da reforma se-
novo pacto federativo brasileiro, que
atributos da gestão local que garan-
torial (BRASIL, 2003).
começou a ser desenhado na década
tem o cumprimento dos objetivos da
Este artigo pretende contribuir
de 1980, refletiu de forma particular
reforma. “Modificações nos instru-
para a discussão, privilegiando a
na área da saúde, condicionando o
mentos não significam (...) modifi-
análise de um desses eixos temáti-
ritmo de implementação da reforma
cação de paradigma, isto é, na hie-
cos que, por outro lado, é uma das
e alguns de seus impasses.
rarquia de objetivos de uma política
dimensões centrais da implementa-
Na área social como um todo, e
pública” (HALL, 1993 apud ARRETCHE ,
ção do SUS: as relações intergover-
de saúde em particular, como se tra-
2003. p. 332). Apesar disso, os ins-
ta de políticas nacionais com cará-
trumentos escolhidos e a forma de
ter redistributivo (S ANTOS, 1998), nos
operacionalização do desenho insti-
diversos países a estrutura federa-
tucional podem, de fato, alterar os objetivos iniciais de uma política. Daí a necessidade de um processo
O DIREITO LEGAL DE ACESSO UNIVERSAL E EQÜITATIVO A AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE
tiva do Estado sem sombra de dúvida é um fator importante mas não impeditivo a priori da implementa-
contínuo e permanente de avaliação,
EM TODOS OS NÍVEIS DE COMPLEXIDADE VEM
ção dessas políticas. O desenvolvi-
revisão e correção de rota, desde que
SENDO ASSEGURADO A TODO CIDADÃO
mento histórico dos sistemas de saú-
os objetivos iniciais se mantenham vigentes, assim como a vontade po-
BRASILEIRO COMO REGISTRADO NA
C ONSTITUIÇÃO DE 1988?
lítica de alcançá-los.
de no século XX oferece exemplos elucidativos do esforço desenvolvido para a garantia de implementa-
Nessa perspectiva, a pergunta
ção de direitos universais de acesso
fundamental que permanece no de-
a serviços de saúde, segundo prin-
bate é: o direito legal de acesso uni-
cípios nacionais, tanto em países
versal e eqüitativo a ações e servi-
namentais estabelecidas pelo proces-
com sistemas centralizados em ter-
ços de saúde em todos os níveis de
so de descentralização do sistema.
mos de financiamento e mais orga-
complexidade vem sendo assegurado a todo cidadão brasileiro como registrado na Constituição de
nizados em redes regionais, hierar-
RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS
1988? Ou, em outras palavras, em
quizadas e articuladas localmente (como o Reino Unido) (RUGGIE, 1996; BUTLER , 1994) quanto em países
que medida o processo de imple-
A implementação do SUS teve um
muito descentralizados (como Sué-
mentação do SUS está caminhan-
caráter claramente municipalista.
cia e Canadá) (TSALIKIS, 1989; IMMERGUT ,
do nessa direção?
Ainda que constitucionalmente o
1992). Também temos exemplos pa-
Com a realização da 12 Confe-
município seja definido como respon-
radigmáticos da importância da re-
rência Nacional de Saúde (CNS, de-
sável pela gestão de serviços e ações
gulação em sistemas fragmenta-
zembro de 2003), essa discussão é
de saúde, previa também a coopera-
dos, mas administrados corporati-
crucial e foram definidos dez eixos
ção técnica e financeira das demais
vamente e sob segura batuta cen-
a
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
209
ALMEIDA, Celia
tral (como a Alemanha) (L EICHTER,
A descentralização setorial no Bra-
constrangimentos econômicos ganha-
1979; S TONE, 1980; GIOVANELLA, 2001);
sil está inserida num processo mais
ram destaque (ALMEIDA, 1996. p. 16).
assim como da implementação de
amplo de passagem de uma forma
A Constituição de 1988 de fato
programas nacionais em países
extrema de federalismo centralizado
definiu um novo arranjo federativo,
igualmente descentralizados, mas
para alguma modalidade de federa-
com significativa transferência de
sem uma política de saúde univer-
lismo cooperativo, ainda não comple-
recursos, capacidade decisória e
sal (como os EUA) (RUGGIE , 1996;
tamente definido (veja-se o atual de-
funções. A federação brasileira re-
STARR, 1991). O que muda em cada
bate sobre a reforma tributária). O fato
desenhada se caracteriza por forte
país é o caráter da política de saúde
desse processo ter sido iniciado antes
descentralização das competências
como política social (ordem e ritmo
de 1988 está mais vinculado à dinâ-
tributárias, sem mecanismos de re-
da intervenção estatal, escopo da le-
mica da democratização e crise fis-
distribuição horizontal da receita
gislação, esquema de financiamen-
cal do Estado, que foram os grandes
arrecadada, perpetuando as dispa-
to, formato burocrático e institucio-
condicionantes e determinantes da
ridades inter-regionais; alta descen-
nal de administração); e a natureza
tralização do gasto final de governo
do federalismo, das transferências
(maior inclusive para o gasto so-
e dos incentivos, como também a
cial, com exceção da Previdência So-
forma de implementá-los. O federalismo pressupõe relações intergovernamentais “constitutiva-
A DESCENTRALIZAÇÃO SETORIAL NO B RASIL ESTÁ INSERIDA NUM PROCESSO MAIS AMPLO
cial); e elevado nível de autonomia orçamentária, principalmente para os municípios (A FONSO, 1994; D AIN,
mente competitivas e cooperativas”,
DE PASSAGEM DE UMA FORMA EXTREMA DE
1995; P RADO, 2001). Isto significou
com modalidades de interação en-
FEDERALISMO CENTRALIZADO PARA ALGUMA
também, inicialmente, uma subs-
tre níveis “necessariamente baseadas na negociação”. Entretanto, as
MODALIDADE DE FEDERALISMO COOPERATIVO,
relações entre federalismo e descen-
AINDA NÃO COMPLETAMENTE DEFINIDO
tancial perda relativa da União na receita fiscal do país (ROSA , 1989 apud MELO ; AZEVEDO , 1996), recupe-
tralização são sempre complexas,
rada depois com o aumento da car-
pois configuram “um compromis-
ga e recentralização tributária (com
so particular entre difusão e con-
o Fundo de Estabilização Fiscal e a
centração do poder político em vir-
transformação do sistema federativo
Lei Kandir) (PRADO, 2001; L ESBAUPIN,
tude de algum modelo compartilha-
brasileiro, em curso há praticamen-
2000), e transferiu primeiro recursos,
do de nação e de graus socialmen-
te duas décadas, no qual a política
sem definição clara dos encargos cor-
te desejados de integração política
social é apenas um dos elementos
respondentes e sem uma estratégia
e de eqüidade social” (ALMEIDA ,
(A LMEIDA, 1995; 1996; M ELO, 1993;
de redefinição das respectivas com-
1996. p. 14). E, no caso brasileiro,
MELO; AZEVEDO, 1996), do que especi-
petências dos níveis de governo (AFON -
esse compromisso e esse modelo
ficamente à política de reforma seto-
SO, 1994; MELO ;A ZEVEDO, 1996; PRADO,
não são claros e os formatos im-
rial. Esses dois fatores – econômico
2001), retirando-os posteriormente,
plementados são carregados de con-
e político – ainda que concomitan-
mas mantendo os encargos e sobre-
tradições, moldados à princípio
tes, tiveram pesos e influência diver-
carregando o nível local.
pela transição política e, posterior-
sos, sendo que nos anos 1980 os
Esse desenvolvimento peculiar
mente, pela dinâmica dos ajustes
impulsos democratizantes foram
teve duas conseqüências principais:
macroeconômicos.
mais importantes e, após 1988, os
não há qualquer orientação geral
210 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão
para a necessária adequação dos
‘aproximar’ os governantes das ne-
O recurso às normas operacio-
mecanismos de financiamento fede-
cessidades da população, responsa-
nais para implementar a descentra-
rativo, sendo que grande parte do
bilizando-os por suas políticas, e in-
lização na saúde foi a resposta do
processo de descentralização é co-
crementar o acesso da população aos
executivo setorial frente a essa si-
mandado pela dinâmica desse finan-
serviços sociais. A falta de um cen-
tuação federativa e a partir delas
ciamento, e inverte-se a relação de
tro de comando do processo foi par-
tem-se tentado estruturar uma des-
determinação: é a descentralização
ticularmente importante, resultando
centralização planejada de encargos
financeiro-orçamentária que define
em disputas e explicitação de dis-
entre níveis de governo. O SUS,
a descentralização dos encargos, ou
tintos projetos com diferentes obje-
como política nacional e como op-
em outras palavras – “a receita ten-
tivos e prioridades, perpetuando
ção de implementação da reforma
de a gerar seus próprios gastos”
lógicas particulares de ações seto-
na saúde, não partiu de um modelo
(PRADO, 2001. p. 2). Embora alguns
riais que presidiram a redistribui-
acabado, mas foi se desenhando
municípios tenham ampliado de for-
ção de competências e atribuições
paulatinamente, ao sabor dos diri-
ma importante suas receitas pró-
gentes no poder e das formas espe-
prias e inovado de forma significati-
cíficas encontradas para superar os
va a gestão local (L ESBAUPIN, 2000), os
freqüentes impasses conjunturais,
instrumentos que operam a distribuição dos recursos entre níveis de governo ganham especial importância, sendo essencial avaliar os mecanismos que determinam a capacidade de gasto dos governos sub-nacionais, especialmente os municípios. No âmbito das políticas sociais,
NOS ANOS 1990,
financeiros e políticos. Por outro lado, a arena decisória estruturada
A ÁREA SOCIAL FOI
com a descentralização politizou de
NEGLIGENCIADA, EM
forma importante o processo de decisão. Daí os sucessivos ajustes que
FUNÇÃO DAS PRIORIDADES
as diferentes normas proporciona-
ESTABELECIDAS PELO AJUSTE
ram. A forma de transferência de recursos aos estados e municípios
MACROECONÔMICO
a descentralização teve motivações
anteriores aos anos 1990 teve ca-
diversas daquelas que geraram a
racterísticas bastante diferentes da-
redefinição do pacto federativo, mas
quelas verificadas ao longo da dé-
também apontaram para a munici-
nas diferentes áreas (ALMEIDA, 1996.
cada (MÉDICI, 1996, VIANA, 1996;
palização. Além disso, não existe
p. 17-18). E, nos anos 1990, a área
C OSTA ; SILVA ; RIBEIRO , 1999; COSTA ,
consenso sobre os graus desejados
social foi negligenciada, em função
2001; L EVCOVITZ ; L IMA ; M ACHADO ,
de integração política e eqüidade so-
das prioridades estabelecidas pelo
2001). O importante é analisar os ru-
cial, embora esses termos freqüen-
ajuste macroeconômico.
mos que essas sucessivas correções
tem o discurso político-reformista.
O que se espera do atual gover-
de rota estão imprimindo à reforma.
Concretamente, nos anos 1980, com
no Lula é a reversão desse modelo e
a transição, não se tratava de redefi-
a priorização da política social como
nir a natureza da intervenção públi-
metapolítica (S ANTOS, 1998), isto é,
ca de caráter social no âmbito de um
a política que deveria orientar to-
A questão central que permane-
novo pacto federativo que fortaleces-
das as demais, e não a perpetuação
ce no debate é a da autonomia da
se os estados, mas de redistribuir
de sua submissão às políticas ma-
gestão local versus implementação
competências e funções de forma a
croeconômicas de ajuste financeiro.
de políticas de escopo nacional: a
AUTONOMIA LOCAL X CONTROLE CENTRAL
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
211
ALMEIDA, Celia
autonomia plena seria desejável em
mendação de mecanismos que indu-
rogeneidade não significam neces-
nome da democracia e da heteroge-
zam maior ou menor autonomia,
sariamente fragmentação e impos-
neidade, mas é fortemente dependen-
uma análise mais precisa depende-
sibilidade de implementação de prin-
te da eficiência e competência dos
ria de vários fatores, mas ressalta-
cípios nacionais. E as diferentes
sistemas decisórios locais e tenden-
se entre eles a necessidade de maior
transferências financeiras para dis-
te a produzir mais fragmentação e
clareza sobre o padrão de autono-
tintos programas ou atividades, tam-
perpetuar desigualdades; a vincula-
mia municipal vigente na enorme
bém não são uma invenção brasilei-
ção condicionada, tal como imple-
diversidade da realidade local. Por
ra nem um problema per se, poden-
mentada, transformou os municípios
outro lado, a vinculação é uma al-
do ser interpretadas como respostas
em ‘preenchedores de requisitos
ternativa correta para o SUS, mas
específicas a distintos problemas.
burocráticos’, inibindo a criativida-
deve ser formatada para ajustar as
Mas as formas de pagamento e os
de e o desenvolvimento de capaci-
transferências efetuadas de forma
mecanismos que balizam essas trans-
dade local para enfrentar demandas
dinâmica e eficiente (P RADO, 2001),
ferências fazem toda a diferença.
diferenciadas (GOULART, 2001; BARROS, 2001). Aparentemente, essa dinâmica espelha, por um lado, a falta de confiança do nível central na capa-
O RESULTADO CONCRETO TEM SIDO
TRANSFERÊNCIAS FINANCEIRAS E INDUÇÃO CENTRAL
cidade de implementação local, que
EXCESSIVA NORMATIZAÇÃO BUROCRÁTICA,
Na experiência de diversos paí-
não é infundada; mas também o afã
REDUÇÃO DO PODER DE DECISÃO LOCAL E
ses, sobretudo os desenvolvidos e
do executivo federal na definição de critérios ‘precisos’, que garantam o
CONTROLES FUNCIONAIS DESVINCULADOS DA
cumprimento de parâmetros de po-
AVALIAÇÃO DE RESULTADOS, CONFIGURANDO
lítica nacional fixados centralmen-
O QUE ALGUNS AUTORES DENOMINARAM
te. O resultado concreto tem sido excessiva normatização burocrática,
“DESCENTRALIZAÇÃO TUTELADA”
que incluem a saúde na cesta de benefícios do Estado de Bem-estar Social, por sua natureza e por opção política, a área de saúde tem sempre algum grau de gestão centralizada de recursos, ainda que a
redução do poder de decisão local e
execução do gasto seja (e em geral
controles funcionais desvinculados
é) descentralizada. E isto é verdade
da avaliação de resultados, configu-
mantendo coerência entre os instru-
mesmo em países em que a maior
rando o que alguns autores denomi-
mentos introduzidos e os objetivos
parte da arrecadação de recursos
naram “descentralização tutelada”
da política que se quer implemen-
que financia o sistema é local, como
(ARRETCHE; RODRIGUEZ , 1999. p. 130).
tar. Apontaremos apenas algumas
na Suécia. Em geral, os aportes fe-
questões para reflexão que nos pa-
derais (ou estaduais) priorizam ati-
recem importantes.
vidades ou programas que induzem
Sendo assim, a diretriz do Ministério da Saúde de “superação do processo burocrático-normativo”
Os objetivos gerais de uma polí-
um nível de gasto superior ao que
(B RASIL, 2003. p. 11) é correta, mas
tica de saúde que se pretende uni-
resultaria de decisão orçamentária
seria importante discutir melhor os
versal podem (e devem) ser nacio-
local e se destinam à indução do
instrumentos e mecanismos a se-
nais e similares, mas não necessa-
cumprimento de determinados obje-
rem instituídos.
riamente a sua implementação deve
tivos, definidos pelos governos de
Embora seja difícil estabelecer
ser “isonomista” (G OULART, 2001); em
níveis superiores ou acordados no
uma base lógica e simples de reco-
outras palavras, diversidade e hete-
pacto federativo, normalmente com
212 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão
a finalidade de superar desigualda-
pecífico de gasto, o que reduziria o
De uma maneira geral, quando
des e heterogeneidades. E, para tal,
custo marginal do gasto social e ten-
a demanda e a necessidade podem
as condicionalidades são necessá-
deria a superar a sub-otimalidade do
ser quantificadas com alguma pre-
rias e amplamente utilizadas. Nor-
gasto local (P RADO, 2001; FERREIRA ,
cisão, o que não é tarefa fácil mas
malmente são operadas como
2002). O problema é que esse siste-
não impossível, a vinculação entre
transferências negociadas, ou con-
ma exige um monitoramento rigoro-
o recurso financeiro repassado e as
dicionadas, de caráter complemen-
so para coibir o incentivo às fraudes
atividades específicas têm grande
tar e adicionais às transferências le-
embutido na contabilização dos gas-
chance de ser bem sucedidas, como
gais, sendo mais ‘flexíveis’ e diri-
tos. Federações altamente descentra-
por exemplo, no controle das ende-
gidas a políticas seletivas, na pers-
lizadas, com estados e municípios
mias (e outros programas verticais).
pectiva de propiciar maior unifor-
extremamente autônomos, inclusive
No caso brasileiro, esse controle his-
midade nos padrões do gasto per
em termos de arrecadação fiscal,
toricamente era realizado de forma
capita, ou para atender situações
como por exemplo, o Canadá (S TE-
centralizada, com relativo grau de
emergenciais ou excepcionais.
sucesso, e foi desorganizado tanto
O sistema de transferência de re-
pelo stress fiscal quanto pelo pro-
cursos ‘em bloco’ (block grants), uti-
cesso de descentralização, com re-
lizado pelo SUS, é independente da contribuição do nível local para a
A VINCULAÇÃO ENTRE O RECURSO
provisão de serviços, induz as áreas
FINANCEIRO REPASSADO E AS ATIVIDADES
menos povoadas a gastarem menos com saúde e privilegia as áreas ur-
ESPECÍFICAS TÊM GRANDE CHANCE DE SER
banas, estimulando a competição fis-
BEM SUCEDIDAS, COMO POR EXEMPLO, NO
cal com municípios vizinhos. O re-
CONTROLE DAS ENDEMIAS
curso a limites mínimos do gasto em
crudescimento de epidemias. Naqueles anos, quando a disponibilidade financeira foi menor, o programa que mais sofreu cortes foi o de Controle de Doenças Transmissíveis que, em 1996, alcançou o patamar mais baixo de gasto e, embora tendo recuperado mais recursos na segun-
saúde (Emenda Constitucional 29)
da metade da década, a proporção
também tenderá a prejudicar aque-
que lhe foi destinada em 1999 era
les municípios menores (menos de 10
menor que a de 1993 (REIS; R IBEIRO;
mil habitantes), uma vez que os
VENSON ;
WILLIANS; V AYDA, 1988) e a
P IOLA, 2001). E existem indícios de
maiores já atingiram o patamar de
Suécia (I MMER GUT, 1992; A NELL ,
que a descentralização também afe-
gasto preconizado (FERREIRA, 2002. p.
1996), historicamente têm utiliza-
tou de forma importante esses pro-
6), além de praticamente pouco ou
do ambos os métodos de transferên-
gramas, primeiro porque não foram
nada alterar em relação ao gasto
cias, mas sempre na perspectiva de
contemplados nas primeiras nor-
atual (MÉDICI, 2002). Outra alternati-
garantir a coordenação central dos
mas, centradas fundamentalmente
va, bastante utilizada em certos
rumos do sistema de saúde numa
na assistência médica; e segundo
países são as chamadas ‘transferên-
perspectiva universal e mais eqüi-
pela desorganização local frente à
cias casadas’ (matching grant),
tativa. Em síntese, centralização e
retirada do nível central que coman-
quando o governo central paga uma
descentralização pressupõem o es-
dava e operava os programas verti-
parcela fixa do total de gastos do ní-
tabelecimento de uma relação dia-
cais localmente (BRITO, 2002).
vel local, regulado em função do seu
lética entre distintos níveis e ato-
Quanto à priorização da atenção
interesse em incentivar um tipo es-
res e não polarizações excludentes.
básica e dos repasses de recursos
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
213
ALMEIDA, Celia
per capita, são recomendados para
nova sistemática distributiva, ape-
(como os programas especiais – Pro-
os casos de países com níveis ele-
sar de igualar valores per capita
grama Saúde da Família [PSF] e Pro-
vados de pobreza e grande desigual-
para o financiamento de atividades
grama de Agentes Comunitários de
dade de distribuição de renda, na
ambulatoriais consideradas básicas,
Saúde [P ACS]), por um lado, e os de-
perspectiva de garantir níveis míni-
não leva em conta as desigualda-
mais procedimentos de maior com-
mos de atendimento de serviços bá-
des inter-regionais, seja no que se
plexidade e a atenção hospitalar, por
sicos, não proporcionados por boa
refere às necessidades de saúde, seja
outro, não estão direcionados para
parte dos governos locais. Por ou-
em relação à rede existente de ser-
induzir a maior integração dos dis-
tro lado, a experiência de países da
viços nas diferentes regiões (A LMEIDA
tintos níveis de complexidade da
OECD demonstra que a atenção pri-
et al., 1999). Portanto, o efeito ho-
atenção e aumentar a resolutivida-
mária (ou básica) tem sido priori-
mogeneizador do PAB (L EVCOVITZ;
de do sistema, nem levam em con-
zada, mesmo naqueles sistemas
LIMA ; MACHADO , 2001. p. 288), embo-
sideração a especificidade da reali-
mais hospitalocêntricos (como a
ra possa ser mais redistributivo,
dade local, configurando, de fato,
Suécia), ou nos tipicamente ‘libe-
um ‘pacote básico’ e ‘gargalos’ de
rais’ nesse nível de atenção (como
acesso que dificultam a mobilidade
a França). Os mecanismos e metas
OS PLANOS PRIVADOSDE SAÚDE REPRESENTAM
do usuário entre distintos serviços
variando do repasse per capita, pa-
MAIS UMA SEGMENTAÇÃO NA ESTRUTURA DE
assimetrias históricas entre o setor
gamento por capitação, por proce-
CONSUMO DE SERVIÇOS, QUE APROFUNDA AS
público e o privado, cujo mix de ser-
são diferentes de um país a outro,
dimento ou contratos, dependendo da especificidade de cada sistema.
DESIGUALDADES GEOGRÁFICAS E SOCIAIS
no sistema. Tampouco alteram as
viços é diferente em cada localidade, estruturado segundo uma lógi-
Mas de uma maneira geral, essas
EXISTENTES , UMA VEZ QUE A DISTRIBUIÇÃO
reformas têm a perspectiva de di-
DAPOPULAÇÃO COBERTA E NÃO-COBERTAÉ
ca, sem relação com as necessida-
HETEROGÊNEA E PRIVILEGIA AS REGIÕESMAIS RICAS
planos privados de saúde represen-
minuir o gasto hospitalar e reduzir o número de leitos, por um lado,
ca de oferta desordenada e casuístides de saúde da população. E os
mas também buscam melhorar a
tam mais uma segmentação na es-
eficiência produtiva nesse nível de
trutura de consumo de serviços, que
atenção, definir porta de entrada no
pode não ser mais eqüitativo, uma
aprofunda as desigualdades geográ-
sistema, promover a integração pla-
vez que o alcance da eqüidade pres-
ficas e sociais existentes, uma vez
nejada entre níveis e focalizar em
supõe a distribuição desigual de
que a distribuição da população
medidas de prevenção (O R, 2002;
recursos, para compensar as desi-
coberta e não-coberta é heterogênea
SMEE, 2002; REHNQVIST , 2002; KLAZIN -
gualdades (P ORTO, 1997; A LMEIDA et
e privilegia as regiões mais ricas
GA,
al., 1999). Além disso, o uso das
(T RAVASSOS et al., 2000).
D ELNOIJ ; KUL U-G LASGOW , 2002;
WOFSON ; ALVAREZ, 2002).
séries históricas como base de cál-
Os incentivos, por sua vez, não
Com as mudanças na alocação
culo para o financiamento da aten-
necessitam ser exclusivamente fi-
de recursos para a atenção básica
ção básica, sem ajustes por algum
nanceiros, podendo estar direciona-
no SUS, a partir de 1998 (com o Piso
indicador de necessidades, perpetua
dos para as ‘funções nobres’ do ní-
de Atenção Básica - PAB), observa-
a desigualdade ou as carências his-
vel federal (BARROS, 2001), fundamen-
se alguma melhora na redistribui-
tóricas. E as diferentes estratégias e
talmente redistributivas, isto é, me-
ção de recursos. Entretanto, essa
os incentivos para a atenção básica
lhorar os níveis de eqüidade do sis-
214 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão
tema de serviços – investimento em
tratos ‘em bloco’, que preservam a
dá) (WOLSON ; A LVAREZ, 2002; CIHI ,
capacidade instalada, avaliação tec-
experiência histórica dos serviços e
2001) e Suécia (REHNQVIST , 2002; ANE -
nológica, suporte técnico, desenvol-
os custos de transação são altos,
LL ,
vimento de capacidade de implemen-
postergando a avaliação das neces-
Reino Unido) (S MEE, 2001).
tação, regulação e distribuição da
sidades de saúde, que deveria nor-
A dinâmica recente desse proces-
força de trabalho, sistemas de infor-
tear a elaboração dos contratos de
so em alguns países é ilustrativa:
mação e produção de indicadores de
serviços a serem oferecidos (HAM ,
cada vez mais o debate tem enfati-
resultados, etc. A adesão dos níveis
1996; ILIFE; MUNRO , 2000).
zado os aspectos políticos das polí-
1996) ou centralizados (como o
sub-nacionais deve ser induzida,
A revisão da tendência munici-
ticas de saúde (S MEE, 2002) e tem nos
sem dúvida, mas a pletora de ins-
palista (com a Norma Operacional
suscitado a revisão dos objetivos dos
trumentos e de exigências burocrá-
de Assistência à Saúde [NOAS] 2001
sistemas de serviços – o que se quer
ticas, atrelada a repasses e incenti-
e 2002), com recuperação do papel
com as reformas? A questão do de-
vos financeiros, tem levado à ade-
do nível estadual e a organização
sempenho dos serviços de saúde,
são formal aos requisitos, para ter
ponto central dessa agenda, tem
acesso ao financiamento e não ne-
obrigado a refletir sobre o “que se
cessariamente vinculada ao alcan-
entende por sistema de saúde”
ce de determinados resultados. A utilização do instrumento contrato, de forma genérica, como su-
PODER-SE-IA APROVEITAR, PORTANTO, PARA DESENCADEAR UM PROCESSO AMPLO DE
gere a diretriz do Ministério da Saú-
REVISÃO DO SUS, SEJA DAS PRIORIDADES DA
de anteriormente mencionada (BRA-
POLÍTICA DE REFORMA, SEJA DAS RELAÇÕES
SIL,
2003. p. 11), pode ser uma al-
ternativa, mas requer grande capa-
INTERGOVERNAMENTAIS, SEJA DAS FORMAS DE
cidade de implementação, seja do
TRANSFERÊNCIA E MECANISMOS DE INCENTIVOS
(quais os seus limites) (WOLFSON; A LVAREZ, 2002. p. 134; PAHO, 2001a; 2001b; 2001c) e quais os objetivos se pretende priorizar. Essa dinâmica tem apontado para a mudança de foco nos controles, monitoramentos e mecanismos de indução. Poder-se-ia aproveitar, portanto, para
nível central, seja do nível estadual
desencadear um processo amplo de
e local, uma vez que exige a defini-
revisão do SUS, seja das priorida-
ção clara do que se quer contratar,
des da política de reforma, seja das
das metas que se quer alcançar e
de regiões, é bem-vinda e quase tar-
relações intergovernamentais, seja
dos indicadores de desempenho para
dia. Nas últimas décadas observa-
das formas de transferência e meca-
medir o alcance do cumprimento das
se essa tendência à regionalização
nismos de incentivos, aliás, como
cláusulas contratuais, assim como
também nos distintos países, numa
preconizado no documento do Mi-
permitir um adequado monitora-
perspectiva de fortalecer a condução
nistério (BRASIL; 2003 p. 12), mas
mento e uma avaliação dos resulta-
coordenada do sistema, vinculada
levando em conta o aprendizado da
dos. Por outro lado, exigem consi-
a metas de maior responsabilização
experiência passada e, principal-
derável tempo de negociação entre
com a coisa pública e medidas de
mente, os problemas que emergiram
‘compradores’ e ‘vendedores’ de ser-
desempenho. Isso acontece mesmo
ou não foram resolvidos.
viços (os chamados ‘custos de tran-
naqueles países historicamente mu-
Seria necessário, portanto, inves-
sação’). Nesse aspecto, a experiên-
nicipalistas (como a Itália) (BRENNA;
tir com vigor nos sistemas de infor-
cia inglesa pode ser uma referência:
M APELLI ; T ROGNI , 1988; BARILETTI ,
mação e monitoramento, vincula-
cada vez mais predominam os con-
1990), descentralizados (como Cana-
dos, porém, à elaboração de indica-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
215
ALMEIDA, Celia
dores de resultados e de um siste-
de atendimento que avilta o cidadão
reforma de fato implementada. O in-
ma de avaliação de desempenho
e, muitas vezes, pode resultar na
vestimento programado nas áreas
que obrigaria repensar não apenas
sua morte, piora da enfermidade ou
com maior demanda e necessidades
as formas de transferências e defi-
dano mais profundo.
de saúde, mas com oferta inadequa-
nição de papéis dos diferentes ní-
Isto suscita a discussão sobre as
da, deveria estar embutido, portan-
veis de governo, mas também as
dimensões do sistema que não fo-
to, nas revisões sugeridas acima, o
prioridades e os rumos que se quer
ram tocadas na reforma da saúde e
que implica distribuição desigual de
imprimir ao sistema. E para o isso,
que agravam a heterogeneidade e a
recursos numa perspectiva de mai-
o próprio nível central teria que se
fragmentação. Entre elas, algumas
or busca da eqüidade.
capacitar, para induzir de forma
seguem seu próprio curso, como a
efetiva e apoiar o desenvolvimento
natureza do mix público e privado
dos níveis subnacionais.
de serviços, a produção e distribui-
ARENA DECISÓRIA, PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL
ção de insumos médico-hospitalares,
FLUXO DE PACIENTES E REDES DE SERVIÇOS
Um outro ponto relacionado a essa temática e que merece reflexão é a natureza dos mecanismos de
Quanto ao fluxo de pacientes en-
ESSA ASSIMETRIA ENTRE O
tre redes de serviços de distintos
AVANÇO NO PROCESSO DE
tucionalizados com a reforma. Con-
municípios, também mencionado
DESCENTRALIZAÇÃO E AS ÁREAS
figurou-se uma dinâmica inovadora
como um desafio pelo documento do Ministério (BRASIL, 2003), é o recur-
NÃO TOCADAS NÃO É CASUAL,
so natural, legítimo e legal do usuá-
NEM É UMA QUESTÃO MENOR E
rio/cidadão frente a uma oferta desigual e heterogênea, que o obriga
DESVELA A NATUREZA DA REFORMA DE FATO IMPLEMENTADA
a compor a ‘cesta de consumo’ ne-
participação e controle social insti-
no processo decisório setorial, que tem alterado a correlação de forças na arena decisória e permitido a negociação na formulação e implementação da política de saúde. Desenhados numa perspectiva democratiza-
cessária para curar suas mazelas
dora, os diferentes fóruns consti-
segundo sua capacidade de deslo-
tuem arenas privilegiadas em que os
camento e acesso a sistemas mais
a regulação da força de trabalho
representantes dos diversos interes-
bem equipados, principalmente
(dimensão, distribuição, ‘dupla mi-
ses setoriais expressam sua voz e
quando não pode comprar no mer-
litância’, formas de remuneração,
voto. E as diferentes normas operaci-
cado os serviços de que necessita.
etc.); e outras que estão sendo me-
onais que regulamentam o processo
Também não é uma especificidade
xidas há pouco tempo, como a re-
de descentralização restauraram o
do sistema brasileiro, pois vários
gulação dos planos de saúde priva-
poder de comando do sistema pelo Mi-
outros países enfrentam esse proble-
dos, a vigilância sanitária e epide-
nistério de Saúde, deslocando outras
ma. Entretanto, a solução não está
miológica, a produção/distribuição
esferas de poder (como o Legislativo).
apenas nos mecanismos de ressar-
de medicamentos. Essa assimetria
Entretanto, “a dinamização e amplia-
cimento, uma vez que não resolvem
entre o avanço no processo de des-
ção do processo de negociação e pac-
a questão da sobrecarga de deter-
centralização e as áreas não toca-
tuação” (BRASIL, 2003. p. 12) deveria
minados serviços, das filas de espe-
das não é casual, nem é uma ques-
levar em consideração algumas ques-
ra ou da peregrinação pela busca
tão menor e desvela a natureza da
tões, que destacamos a seguir.
216 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
As três esferas de governo e a construção do SUS: uma revisão
O processo de decisão institucio-
tividade prática de discussões e deci-
te é necessário. Queremos um ‘sis-
nalizado tem deslocado os movi-
sões (C ORTES, 1998; VALLA, 1998; C AR-
tema nacional de saúde’ ou um
mentos de participação e expressão
VALHO, 1995; LABRA, 2001).
‘subsetor público para pobres’ ou
na área setorial para as Comissões
Atualiza-se, assim, a discussão
menos aquinhoados, isto é, mais
Intergestoras – CIT (em nível federal
sobre os mecanismos mais adequa-
de 70% da população? Na realida-
e estadual), eminentemente tecnobu-
dos para o exercício da democracia
de nunca houve consenso entre os
rocráticas. E a CIT cumpre papel
participativa, além de suscitar a re-
diversos atores sobre a ‘imagem-
arbitral nas complicadas negocia-
flexão sobre a funcionalidade e per-
objetivo’ do SUS.
ções relativas à descentralização
tinência desses arranjos institucio-
Sem desqualificar os avanços
política, administrativa e financei-
nais (S ANTOS, 1998; L ESBAUPIN, 2000).
conseguidos (que não são poucos)
ra do SUS, uma vez que reúne, em
A maior politização das discussões
e a complexidade desse empreendi-
nível federal, os principais gestores
sobre a reforma setorial, a comple-
mento, num país continental, com
da arena, e sua pauta de discussão
xificação das negociações e a obri-
enorme heterogeneidade e imensas
é praticamente elaborada pelo exe-
desigualdades, até o momento o re-
cutivo central. Essa institucionali-
sultado do processo de reforma não
zação resgata, em certa medida, o
tem apontado para a construção do
poder da tecnoburocracia setorial e traz para esse fórum de negociação entre gestores os conflitos inerentes
O GRANDE DESAFIO PARA A
SUS tal como formulado na Carta Magna e nas leis que o instituíram.
REFORMA NA SAÚDE ESTÁ
Inicialmente pensado como um sis-
às relações entre os diversos níveis
EM EXPLICITAR CLARAMENTE O
tema nacional de saúde, predomi-
de governo, tendendo a favorecer
QUE SE PRETENDE COM O SUS
nantemente público, que harmoni-
detinham maior poder de barganha,
E DIMENSIONAR QUE TIPO
público e privado de serviços (sua
ou que passam de um cargo a ou-
DE AJUSTE É NECESSÁRIO
aqueles atores que historicamente já
zasse e regulasse o complexo mix marca histórica e estrutural), o SUS
tro, permanecendo na esfera de po-
é visto hoje pela população, policy
der, não raro em diferentes níveis de
makers, analistas, pesquisadores e
governo. Mais ainda, essa dinâmi-
outros diferentes atores, como o
ca legitima as propostas de política
gatoriedade de exposição ao debate
‘subsistema’ público, ou a ‘alterna-
do governo federal.
de diferentes ‘projetos’ e perspecti-
tiva’ para os que ‘não podem pagar’,
Isso se dá também em detrimento
vas na implementação da reforma é
ou a ‘oportunidade’ de uso de cer-
de certo desprestígio dos foros cole-
um ganho em si, mas não elimina
tos serviços para os que pagam por
giados com participação paritária da
ou minimiza necessidades de ajus-
serviços privados, mas dispõem de
sociedade civil, como os Conselhos
tes e revisões de mecanismos.
acesso diferenciado ao SUS a par-
de Saúde, nos diversos níveis, nos quais persistem muitos problemas,
tir de canais privilegiados. A frag-
PARA CONCLUIR
mentação e dualidade do sistema
mencionados na literatura, desde a
têm sido confirmadas (vingou a seg-
dificuldade de participação em discus-
O grande desafio para a refor-
mentação perversa e o mix públi-
sões técnicas, falta de rotatividade das
ma na saúde está em explicitar cla-
co/privado desordenado), a hetero-
representações, até o desvirtuamento
ramente o que se pretende com o
geneidade e as desigualdades não
do papel dos Conselhos e falta de efe-
SUS e dimensionar que tipo de ajus-
têm sido superadas.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 207-220, set./dez. 2003
217
ALMEIDA, Celia
Isto não quer dizer que não ca-
ARRETCHE , M. Financiamento federal
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minhamos nada. Ao contrário, ca-
e gestão local de políticas sociais: o
Institute, 1994. p. 12-23).
minhamos bastante, mas numa di-
difícil equilíbrio entre regulação,
reção diferente daquela preconiza-
responsabilidade e autonomia. Saú-
da pelo impulso inicial da reforma.
de & Ciência Coletiva, Rio de Janei-
Talvez assumir essa constatação
ro, v. 8, n. 2. 2003. p. 331-343.
seja o primeiro passo para mudar e isso só será possível repensando que sistema de saúde queremos e quais mecanismos devem ser privilegiados na sua implementação.
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Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde Decentralization and Accountability in a Health District
Juliano de Carvalho Lima 1 RESUMO Este artigo tem o objetivo de discutir a relação prática entre dois conceitos fundamentais para a administração pública da saúde: descentralização e accountability. Toma-se como referência para reflexão a experiência da 6ª Região de Saúde no Rio Grande do Sul. A assessoria descentralizada aos municípios e o modelo de financiamento promoveram descentralização e autonomia. Ao mesmo tempo, a 6ª Coordenadoria Regional de Saúde buscou fortalecer o sistema de petição e prestação de contas em relação aos municípios ampliando a participação da população no controle das políticas públicas. DESCRITORES: Descentralização; Accountability; Sistema de Saúde; Administração Pública; SUS.
ABSTRACT This article’s goal is to discuss the practical relationship between two fundamental concepts of Public Administration of Health: decentralization Mestre em Saúde Pública, professor de Planejamento em Saúde da Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, tutor do Curso de Aperfeiçoamento Gestão em Saúde – Ensino a Distância da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ), assessor-chefe de Planejamento da Fundação Municipal de Saúde de Niterói (RJ) Rua Benjamin Constant, 135/308 CEP 20241-150 – Rio de Janeiro – RJ e-mail:
[email protected] 1
and accountability. We take the experience in the 6th Health Region in Rio Grande do Sul, Brazil, as a reference to reflection. The decentralized consulting applied to the municipalities and the financing model both promoted decentralization and autonomy. At the same time, the 6th Health Region strengthened the requisition and accountability systems, increasing popular participation in public policy control. DESCRIPTORS: Decentralization; Accountability; Health System; Public Administration; SUS.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
221
LIMA, Juliano de Carvalho
INTRODUÇÃO Em estudo realizado sobre a gestão de um sistema regional de saú-
e o fato de estarmos trabalhando com
também ser capaz de melhor pres-
foco voltado para o processo de ges-
tar contas.”
tão global não nos permitiu um aprofundamento dessa discussão.
Neste artigo buscaremos explorar alguns dos resultados obtidos no
de no Rio Grande do Sul, pudemos
No entanto, esses resultados nos
referido estudo, resultados estes que
observar a conformação de uma
remetem, agora, para uma discus-
permitam lançar alguma luz sobre
gestão descentralizada, com envol-
são sobre um tema bastante caro à
aquela pergunta, no âmbito do sis-
vimento de vários atores no proces-
administração pública do setor saú-
tema de saúde brasileiro. Para tan-
so de tomada de decisão e, ao mes-
de: como conciliar maior descentra-
to, focalizaremos brevemente as atu-
mo tempo, a organização de meca-
lização com maior responsabilida-
nismos que visavam garantir que
de para com os cidadãos?
os gestores municipais de saúde
Dentre as principais idéias de
prestassem conta de suas ações
Contandriopoulos (1996. p. 60) para
(L IMA, 2003).
clusivamente da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde (6ª CRS) sobre os municípios, mas sim organizados de modo a permitir maior en-
apresentaremos o caso da 6ª Região de Saúde do Rio Grande do Sul, destacando alguns dos aspectos da sua ram para combinar descentralização
ênfase desses mecanismos de petitarem voltados para a regulação ex-
ção e accountability. Em seguida,
gestão que, ao nosso ver, contribuí-
Chamou-nos a atenção o fato da ção e a prestação de contas não es-
ais discussões sobre descentraliza-
A DESCENTRALIZAÇÃO TEM SIDO UM DOS MAIORES CONSENSOS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS, INCLUSIVE ENTRE OS DIFERENTES
e accountability.
DESCENTRALIZAÇÃO E ACCOUNTABILITY: BREVE DISCUSSÃO CONCEITUAL A descentralização tem sido um
volvimento da população no pro-
MOVIMENTOS DE REFORMA DO E STADO
dos maiores consensos no âmbito
cesso de prestação de contas atra-
E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
os diferentes movimentos de refor-
vés, principalmente, dos conselhos
das políticas públicas, inclusive entre ma do Estado e da administração
de saúde e de audiências públicas
pública. Ela tem sido difundida tan-
nos municípios.
to pelos movimentos mais conser-
Naquele momento destacávamos
superar a crise mundial na saúde e
vadores, quanto pelos mais progres-
a importância destes mecanismos
organizar uma nova utopia para o
sistas. Variam, porém, a percepção
para ampliar a accountability na
setor, está a necessidade de se “As-
e os objetivos: redução do tamanho
região, compreendendo esta última
segurar o papel central dos cidadãos
do Estado e maior eficiência no pri-
como a existência de mecanismos
no sistema de saúde; descentralizar
meiro caso, e maior eficácia, justi-
institucionais efetivos que permitem
as decisões e o funcionamento dos
ça social e democracia no segundo
aos cidadãos serem esclarecidos e
sistemas de saúde; associar a auto-
(JUNQUEIRA , 1997).
cobrarem o cumprimento das res-
nomia sobre os modos de fazer e
Muito tem sido escrito e discuti-
ponsabilidades dos governantes,
uma obrigação de prestar contas dos
do sobre o tema. Mas qualquer que
gerando comprometimento perma-
resultados obtidos”.
seja o conceito de descentralização
nente dos dirigentes públicos em
Para Trosa (2001. p. 47), trata-
que se adote, ele pressupõe, sem-
relação às necessidades da popula-
se de uma verdadeira revolução
pre, transferência de poder do nível
ção. A pouca interação com o tema
cultural: “Sou mais livre mas devo
central para os outros espaços de
222 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde
poder, garantindo maior controle
sistas (A NDRADE, 1996). Por isso a
gressiva de responsabilidades para os
das instâncias descentralizadas so-
descentralização é tão associada
governos estaduais e municipais.
bre a tomada de decisão.
tanto à maior possibilidade de exe-
Uma análise cuidadosa da descentra-
Misoczky(2002) diferenciadescentralização administrativa de descentralização política. Na primeira, prevaleceria uma transferência de competências e funções, com o objetivo de alcançar maior eficiência na gestão. Neste texto, no qual se busca uma articulação entre descentralização e accountability, adotamos uma
cução das políticas sociais – como
lização no Brasil demonstra a sua
exemplo, ver associação entre des-
complexidade e ambigüidade:
abordagem de cunho mais político,
tralização vem sendo relativizado.
centralização e acesso aos serviços de saúde, estabelecida por Hortale (2000) – quanto à maior possibilidade de democratização, através da maior participação e controle realizado pela população. No entanto, o potencial democratizante da descen-
aproximando o tema de idéias como democracia, transferência de poder e justiça social. Este tipo de abordagem
Os conflitos de interesse entre as esferas de governo, as prioridades divergentes das elites políticas locais, a aparente ampliação da corrupção e o fraco desempenho de muitos governos subnacionais em combater as maiores chagas da sociedade – a fome e a pobreza – são características do atual processo de descentralização (BROSE , 2002. p. 93).
Existem sérios desvios daquilo
A ESTRUTURA DE PODER LOCAL,
que deveria ser um ‘bom governo
pressupõe autonomia de recursos e de poder de decisão nos níveis des-
PRINCIPALMENTE NOS MUNICÍPIOS
destaca-se não apenas a corrupção,
centralizados, e o estabelecimento de
MENORES, AINDA É UM POTENTE FATOR
espaços de participação dos cidadãos. Ao mesmo tempo consideramos, em
EXPLICATIVO PARA AS DIFICULDADES DA
função da natureza do caso apresen-
DESCENTRALIZAÇÃO, POIS NESTES MUNICÍPIOS
tado (uma região de saúde), as duas dimensões abordadas por Hortale (1997): a dimensão territorial, pela
AINDA PREVALECE UMA ESTRUTURA POLÍTICA PATRIMONIALISTA
local’ (BROSE, 2002). Neste sentido, mas o autoritarismo e o amadorismo. A estrutura de poder local, principalmente nos municípios menores, ainda é um potente fator explicativo para as dificuldades da descentralização, pois nestes municípios ainda prevalece uma estrutura política pa-
maior proximidade do nível local com
trimonialista, com pouca distinção
os serviços, quando haveria maior
entre o público e o privado.
possibilidade de controle por parte dos
Trosa (2001) relata experiências
Em Minas Gerais foi realizada
setores organizados; e a dimensão fun-
de países da OCDE que investiram
uma pesquisa, coordenada por Fi-
cional, pela criação de espaços de au-
na descentralização e, hoje, sentem
gueiredo et al. (1998), com o objeti-
tonomia e participação.
alguns efeitos negativos deste pro-
vo de analisar a estrutura de poder
No Brasil a descentralização en-
cesso. Determinados problemas
local e suas relações com o sistema
trou em cena de maneira pragmáti-
surgiram na tentativa de imple-
de saúde. Dentre as conclusões das
ca a partir da redemocratização do
mentação de objetivos transminis-
autoras, estão as seguintes: em al-
País. Houve várias razões para isto,
teriais devido à fragmentação e ao
guns casos não foram observadas
dentre elas a percepção de um défi-
isolamento das organizações.
mudanças na gestão da saúde e nem
cit de efetividade e responsabiliza-
Já no Brasil, a descentralização
na ampliação dos canais de parti-
ção nas políticas sociais (COSTA, SIL-
é impulsionada a partir da Constitui-
cipação; o despreparo das burocra-
e RIBEIRO , 1999) e o desejo de de-
ção Federal de 1988, e a partir de en-
cias municipais dificulta a imple-
mocratização dos setores progres-
tão tem havido uma transferência pro-
mentação da gestão descentraliza-
VA
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
223
LIMA, Juliano de Carvalho
da; com a descentralização da saú-
privilegiado mecanismos que colo-
sabilidade para com seu presiden-
de, a assistência à saúde tem se tor-
cam a ênfase nos clientes e nos re-
te...” (FERLIE et al., 1999. p. 325).
nado objeto de barganha política; em
sultados através da avaliação do
Neste modelo de prestação de con-
alguns municípios, a descentraliza-
desempenho individual, das compe-
tas o verdadeiro interessado, o cida-
ção da saúde vem fortalecendo o cli-
tências e das relações contratuais.
dão, fica de fora, mesmo sendo ele,
entelismo; quando não há disposi-
Este tipo de sistema de prestação de
em última análise, o financiador de
ção das administrações para apoiar
contas se contrapõe à administração
todas as atividades do setor públi-
a descentralização pode haver pio-
burocrática, cujas formas de ava-
co. Os mecanismos de controle e de
ra da prestação de serviços; os con-
liação estão baseados nos proces-
prestação de contas internos à bu-
selhos têm pouca atuação na ges-
sos e no controle hierárquico.
rocracia são, portanto, insuficien-
tão da política municipal de saúde.
Na administração clássica (bu-
Toda essa discussão remete para
rocrática) pode-se dizer que os ins-
a necessidade de se conciliar maior
trumentos utilizados para a presta-
tes para garantir accountability (C AMPOS, 1990). A tradição do controle sempre
descentralização e autonomia com
esteve voltada para dentro do apa-
maior responsabilidade e dever de
relho do Estado. A população rara-
prestar contas, ampliando a accoun-
A TRADIÇÃO DO CONTROLE SEMPRE ESTEVE
mente é consultada e, muito menos,
VOLTADA PARA DENTRO DO APARELHO DO
recursos que saem do seu bolso para financiar os serviços públicos.
cia dos mecanismos de prestação de
E STADO. A POPULAÇÃO RARAMENTE É CONSULTADA E, MUITO MENOS , ESCLARECIDA
contas. Em primeiro lugar, não há
SOBRE A DESTINAÇÃO DOS RECURSOS QUE
monstrado preocupação com a ques-
tability, ou responsabilidade final. No setor público, e na área da saúde em especial, há inúmeras razões para a insuficiência e ineficá-
uma cultura neste sentido; em segundo lugar, há uma certa visão de
SAEM DO SEU BOLSO PARA FINANCIAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS
que os mecanismos de avaliação
esclarecida sobre a destinação dos
Mesmo o atual movimento da Nova Administração Pública, que tem detão da responsabilidade, tem dado ênfase ao controle de cima para baixo. A obrigatoriedade de prestação
servem mais para punir do que para
de contas aos parlamentos, pelos di-
qualquer outra coisa; em geral não
rigentes dos serviços descentraliza-
há incentivos por desempenho; de-
ção de contas enfatizam uma respon-
dos, tem sido a tônica da responsa-
vido à grande autonomia dos pro-
sabilidade ‘em direção ao topo’.
bilização em vários países da OCDE.
fissionais de saúde, a avaliação é
Numa pesquisa realizada junto aos
Christensen e Laegreid (2001)
vista como uma interferência que
membros das diretorias do National
acreditam que o modelo da Nova
ameaça tal autonomia.
Health Service na Inglaterra, desta-
Administração Pública tem dado
A preocupação com a falta de
ca-se uma percepção substancial de
muita atenção à prestação de con-
transparência no setor público é
responsabilidade para cima, princi-
tas de corte gerencial, mas tido pou-
acompanhada da preocupação com
palmente para o Ministério da Saú-
ca consideração com a responsabi-
a eficiência dos mecanismos tradi-
de (MS) e para o Ministro. “Dentro
lidade política.
cionalmente utilizados para tentar
da própria diretoria local, 71% dos
A accountability implica no es-
assegurar a tal responsabilidade. Por
diretores executivos das organiza-
tabelecimento de garantias para a
isso, as recentes reformas no âmbi-
ções semi-autônomas do NHS rela-
atuação da população, desenvolven-
to da administração pública têm
taram um senso pessoal de respon-
do ações que levem em conta suas
224 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde
necessidades e dando transparência
desrespeito e não-atendimento das
cendo no Reino Unido. A população
às ações. Por isso, deve-se incorpo-
necessidades da população, são de-
é vista cada vez mais como cliente,
rar elementos morais aos instrumen-
correntes da falta de transparência
consumidor. Os serviços públicos
tos de prestação de contas, pois,
administrativa aliada à fragilidade
perdem a noção de direito e passam
segundo Christensen e Laegreid
política da sociedade civil, resultante
a se organizar como resposta a de-
(2001), não há uma relação tão di-
da sua falta de organização.
mandas de grupos específicos.
reta entre prestação de contas e res-
Aliás, no que diz respeito a esta
Nos países em desenvolvimento,
ponsabilidade. Ou seja, seria possí-
última situação, nestes ‘novos’ tem-
como o Brasil, o problema é ainda
vel haver prestação de contas sem
pos parece que a sociedade cada vez
maior: a sociedade se individualiza
responsabilidade.
mais se desorganiza em função de
mas não reclama. Impera a passivi-
No caso do Brasil, o caráter cen-
novos valores como a competição e
dade diante dos abusos dos gover-
tralista e autoritário de sua admi-
o individualismo. Até mesmo nas
nos e dos serviços públicos. Esta
nistração pública, e conseqüente
pressões por um Estado mais res-
situação coloca vários desafios. Se-
falta de accountability, possui de-
gundo Campos (1990. p. 35) “so-
terminantes internos à própria bu-
mente a partir da organização de
rocracia e também externos (C AMPOS, 1990). Da parte da burocracia a autora destaca a imunidade a controles externos, a falta de transparência, a pouca preocupação com o desempenho, a ênfase nos meios e
PASSADOS 14 ANOS DA INSTAURAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E APESAR DOS MECANISMOS PENSADOS PARA SE VIABILIZAR O MAIOR CONTROLE DA SOCIEDADE SOBRE O
procedimentos e a tendência exage-
SISTEMA, AINDA NOS VEMOS ENREDADOS NOS
rada para regras e normas que,
CONTROLES BUROCRÁTICOS INTERNOS QUE SÃO,
muitas vezes, não são cumpridas. Da parte do contexto, é destaca-
NA MAIOR PARTE DAS VEZES, POUCO EFICAZES
cidadãos vigilantes e conscientes de seus direitos haverá condição para a accountability”. No processo de descentralização da saúde no Brasil a preocupação com a questão da responsabilidade e accountability também é grande. No entanto, passados 14 anos da instauração do Sistema Único de Saúde (SUS) e apesar dos mecanis-
da a passividade e a aceitação, por
mos pensados para se viabilizar o
parte da sociedade, da negligência,
maior controle da sociedade sobre
do favoritismo e do nepotismo. Os
ponsável, a justificativa tem sido
o sistema, ainda nos vemos enreda-
determinantes desta situação são a
uma sociedade que “se individuali-
dos nos controles burocráticos in-
debilidade das instituições, o bai-
za e reclama” (TROSA , 2001. p. 40).
ternos que são, na maior parte das
xo nível de organização da socie-
Os usuários já não querem mais
vezes, pouco eficazes.
dade civil, o baixo nível de expec-
soluções gerais para seus proble-
Uma expressão disso é a nova
tativa da população em relação aos
mas, que são individuais. As exi-
Norma Operacional do SUS, a Nor-
governos e o baixo nível de partici-
gências são legítimas. O problema
ma Operacional de Assistência à Saú-
pação da população, que termina
está colocado nos motivos e nas so-
de (NOAS), que acentua a introdução
por tornar-se mero objeto das polí-
luções que são engendradas. Nestas
de instrumentos burocráticos de con-
ticas públicas.
situações a receita já está pronta:
trole e avaliação dos serviços. É sa-
A falta de controle em relação ao
serviços personalizados (e melhores)
bido que tal norma concentra-se na
Estado e sua máquina administra-
para aqueles que pagarem pelo ser-
assistência à saúde e não se propõe
tiva, e os conseqüentes desmandos,
viço sob medida, como vem aconte-
a abordar outras questões relativas
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
225
LIMA, Juliano de Carvalho
ao controle externo do sistema. Mas
se de uma instância de gestão regio-
documental. O estudo se deu na 6ª
é justamente este aspecto que chama
nal tentando garantir maior acoun-
Região de Saúde do Rio Grande do
a atenção: há uma tendência de des-
tability através da cobrança de pres-
Sul, gestão 1999-2002.
politização do sistema de saúde.
tação de contas pelos municípios para
Como o objeto do estudo era a
“De modo coerente com um tipo
a população e ao mesmo tempo ten-
gestão, foram organizadas três ca-
de descentralização que exclui a di-
tando estruturar uma instância regi-
tegorias de análise, adaptadas da
mensão política e, cada vez mais, a
onal de controle da sociedade sobre o
Teoria das Macroorganizações (MA -
social [a NOAS] nega a possibilidade
sistema de saúde.
TUS , 1996), que foram desagregadas
de reconstrução da malha territorial de acordo com as aspirações dos que nela vivem” (MISOCZKY, 2002. p. 129). A obsessão do Ministério da Saú-
em variáveis para o estudo. No qua-
DESCENTRALIZAÇÃO E ACCOUNTABILITY NA 6ª REGIÃO DE SAÚDE DO RIO GRANDE DO SUL
de pelo controle dos meios, o cres-
dro abaixo são apresentadas as variáveis das categorias Responsabilidade e Descentralização e Autonomia, mais diretamente ligadas ao
cente interesse pelo controle advin-
A estratégia metodológica utili-
objeto desta discussão.
do de outras esferas administrati-
zada foi o estudo de caso. Para a
Não vamos abordar, no âmbito
vas, e o forte processo regulatório
coleta de dados lançou-se mão de
deste trabalho, o conjunto de resul-
instaurado no setor marcam a ela-
entrevistas com a equipe coordena-
tados alcançados no referido estudo,
boração da NOAS.
dora, bem como de questionários
mas apenas aqueles que nos permi-
Por isso, é importante a visuali-
respondidos pelos secretários muni-
tam fazer a reflexão proposta sobre
zação e discussão de outros movi-
cipais de saúde da região e análise
descentralização e accountability.
mentos que ainda mantenham a ênfase no componente político e social do sistema de saúde, e não apenas no componente técnico e administrativo. Neste sentido, a ex-
CATEGORIAS DE ANÁLISE
VARIÁVEIS
Responsabilidade/sistema de petição e prestação de contas
Sistematicidade da prestação de contas; contas prestadas publicamente; tipo de prestação de contas; forma de definição dos critérios de avaliação e acompanhamento; instrumentos utilizados; sistema de incentivo/punição
Descentralização e autonomia/sistema de gerência por operações
Planejamento/plano; financiamento; alocação de recursos; participação no processo decisório; espaços de comunicação/negociação; gerência por produtos/resultados
periência da região da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde, tanto pelos seus pontos positivos quanto negativos, pode trazer alguns elementos para se pensar a accountability
Os resultados alcançados apon-
recursos financeiros do estado para
taram para a organização de uma
os municípios de maneira regular e
A seguir, buscaremos expor al-
gestão descentralizada na região,
automática.
guns resultados do trabalho realiza-
prezando a autonomia municipal. A
O recurso repassado pelo Gover-
do naquela região. Dois aspectos cha-
principal evidência disso foi a polí-
no Estadual não é ‘carimbado’, ou
mam a atenção: em primeiro lugar,
tica de financiamento adotada. A
seja, o município define como e onde
percebeu-se uma tendência de descen-
lógica de financiamento da Região
implementar o recurso, podendo
tralização e preservação da autono-
segue a mesma orientação da pro-
empregá-lo de acordo com a sua
mia municipal na região, aliada a um
posta da Municipalização Solidária
necessidade e realidade. Em função
aumento das cobranças de prestação
da Saúde, implementada em todo o
disso, 16 dos 28 secretários muni-
de contas e, em segundo lugar, trata-
estado e que realiza o repasse de
cipais de saúde que responderam ao
no setor saúde.
226 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde
questionário por nós encaminhado
Deste modo, permite a partici-
para toda a população. No entan-
afirmaram que os municípios ga-
pação da população no momento
to, esta lei está longe, muito longe
nharam autonomia durante a ges-
da formulação das ações e da deci-
aliás, de ser cumprida.
tão da 6ª CRS de 1999 a 2002; 20
são sobre onde empregar os recur-
Os municípios não têm atentado
desses mesmos secretários afirma-
sos públicos. Neste sentido, a pre-
para esta função; a diversidade dos
ram que a 6ª CRS estimula a auto-
sença dos Delegados do OP é im-
conselhos e o seu caráter incipiente
nomia municipal. Além do caráter
portante. Tais mecanismos contri-
fazem com que estes não cobrem de
inovador, chama a atenção nessa
buem, sem dúvida, para o desen-
seus gestores a prestação de contas
política a transparência, a eqüida-
volvimento da accountability, for-
devida. Não são muitas as ações
de e o estímulo à descentralização.
talecendo os conselhos como espa-
espontâneas por parte dos gestores
A transparência porque estabe-
ços privilegiados para determina-
para elaborar e apresentar aos con-
ção do interesse público.
selhos o Relatório de Gestão.
lece critérios técnicos de repasse de recursos para os municípios, em
Associada à liberdade de onde em-
Na 6ª Coordenadoria Regional
contraposição à política comum nos
pregar os recursos, a 6ª CRS imple-
de Saúde, a coordenação encarre-
estados de repasse via convênio,
gada de fazer o acompanhamento
onde os municípios são obrigados
e a avaliação dos sistemas muni-
a ficar de ‘pires na mão”, implorando por algum recurso e onde nunca se sabe quais os critérios que
ATRAVÉS DO R ELATÓRIO DE GESTÃO, TAMBÉM APROVADO PELOS CONSELHOS LOCAIS
cipais é a Coordenação de Descentralização, Municipalização e Controle Social.1 Logo no início da ges-
fazem com que este município seja
E APRESENTADO EM AUDIÊNCIA PÚBLICA,
contemplado e aquele não. A ado-
VERIFICA -SE SE O RECURSO FOI REALMENTE
um levantamento dos municípios
após discussões com o Conselho Es-
EMPREGADO NAQUILO QUE O GESTOR HAVIA
Gestão para a Coordenadoria nos
tadual de Saúde, permite a todos
SE COMPROMETIDO DIANTE DA POPULAÇÃO
ção de critérios técnicos, definidos
tão, este setor tratou de realizar que haviam enviado Relatório de anos de 1997, 1998 e 1999. O re-
saberem o quanto vão receber,
sultado confirma nossas afirma-
quando e o porquê da quantia.
ções feitas antes. Somente dois mu-
Aliado a isso, é exigido dos mu-
nicípios haviam elaborado e enca-
nicípios um plano de aplicação do
mentou um forte esquema de cobran-
minhado para a CRS o Relatório de
recurso, aprovado pelo conselho
ça de contas junto aos municípios.
Gestão devidamente aprovado pelo
municipal de saúde, com a partici-
Consta nas leis que regulamen-
pação dos Delegados do Orçamento
tam o funcionamento do SUS que é
Participativo (OP). Através do Rela-
obrigação dos gestores, em todos
A cobrança foi imediata. O prin-
tório de Gestão, também aprovado
os níveis de governo, a prestação
cipal mecanismo utilizado pela 6ª
pelos conselhos locais e apresenta-
de contas das ações e dos recursos
CRS para fazer com que os municí-
do em audiência pública, verifica-
utilizados trimestralmente. Tal ati-
pios apresentassem o Relatório de
se se o recurso foi realmente empre-
vidade deveria ser feita pelos con-
Gestão foi condicionar o repasse de
gado naquilo que o gestor havia se
selhos de saúde e em Audiência Pú-
recursos estaduais à apresentação
comprometido diante da população.
blica, junto ao poder legislativo e
do relatório pelos municípios aos
1
conselho de saúde nos anos anteriores a 1999.
A 6ª CRS é a única Coordenadoria de Saúde do Rio Grande do Sul que possui esta estrutura.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
227
LIMA, Juliano de Carvalho
conselhos de saúde.2 O resultado
taram no ano de 2001 quatro Rela-
lação em geral, através das Audiên-
também foi imediato. Praticamente
tórios de Gestão. No ano de 2002 o
cias Públicas.
todos os 51 municípios da época
processo se deu da mesma forma.
A 6ª CRS dedicou-se ao fortaleci-
habilitados em alguma condição de
A 6ª Coordenadoria teve uma
mento da participação popular e do
gestão elaboraram e apresentaram
atuação dura em relação à cobran-
controle social. O primeiro passo foi
o Relatório de Gestão aprovado pelo
ça dos Relatórios de Gestão dos mu-
estruturar e consolidar o Conselho
conselho municipal de saúde.
nicípios. 53% dos secretários muni-
Regional de Saúde.
Mas além de realizar a cobran-
cipais de saúde que responderam ao
Na Política de Relações estabele-
ça, a 6ª CRS e, em especial, a Coor-
questionário por nós enviado afir-
cida pela Coordenadoria, explicita-
denação de Descentralização, Mu-
maram que a Coordenadoria estimu-
da no planejamento realizado em
nicipalização e Controle Social, se
la as SMS a prestarem contas ao
1999, a relação com o Conselho Re-
preocupou em assessorar os muni-
Conselho e 42% acreditam que a 6ª
cípios na construção desse instru-
CRS vem obrigando os municípios
2. Relação com o Conselho Regi-
mento de gestão.
onal de Saúde
No ano de 1999, a 6ª CRS aceitou que os municípios apresentas-
A 6ª CRS DEDICOU- SE AO
sem apenas o Relatório de Gestão anual. Já a partir de 2000, passou a exigir a apresentação trimestral. Neste ano, os 58 municípios 3 da região apresentaram quatro Relatórios de Gestão, tanto no conselho municipal de saúde quanto em Audiência Pública na câmara de vereado-
gional de Saúde é destacada:
• Participante na mesa do CRS • Apoio e assessoria ao CRS
FORTALECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO
• Formação de Conselheiros
POPULAR E DO CONTROLE SOCIAL.
• Auxiliar no processo de regu-
O PRIMEIRO PASSO FOI ESTRUTURAR E CONSOLIDAR O C ONSELHO REGIONAL DE SAÚDE
res, voltada para toda a população.
lamentação
• Que o CRS tenha o controle social
• Relatório de Planejamento – 1999.
O ano de 2001 não foi diferente.
Ao observarmos o funcionamen-
Na avaliação feita até o dia 23/04/ 2002, apenas um município não
a fazê-lo. Nenhum gestor respondeu
to do Conselho Regional de Saúde,
havia apresentado nenhum Relató-
que a Coordenadoria não interfere
podemos evidenciar três pontos que
rio de Gestão, um não apresentou
neste processo. No entanto, o mais
demonstram o seu fortalecimento:
três (2º, 3º e 4º trimestres), um não
importante e interessante é que a
apresentou dois (3º e 4º trimestres)
exigência maior não foi de que os
e dois não apresentaram um (4º tri-
municípios prestassem contas à 6ª
2) Apoio da 6ª CRS no que diz
mestre). A exceção deste grupo, to-
CRS, mas sim para os conselhos
respeito à infra-estrutura;
dos os demais municípios apresen-
municipais de saúde e para a popu-
3) Ampliação da participação.
1) Regularidade das reuniões;
Note-se que este foi um procedimento utilizado em todo o estado como parte da política de financiamento adotada – Municipalização Solidária da Saúde. 2
Devido à reestruturação das regiões do estado do Rio Grande do Sul, houve alterações no número de municípios pertencentes à 6ª Região, passando de 51 para 58. 3
228 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde
Durante o ano de 2001 foram rea-
contando com uma partic ipação
não apenas através do Conselho Re-
lizadas 11 reuniões, quase que inin-
maior que nas microrregionais. Já
gional, mas no dia-a-dia, chaman-
terruptamente. Em torno de 90% das
em 2001, nova rodada de capaci-
do-os a participar de reuniões e
reuniões houve quorum.
tação atingiu 1.136 conselheiros de
eventos importantes na região. Um
Além disso, desde praticamen-
saúde. Neste período abriu-se es-
exemplo disso é que as visitas rea-
te o início da gestão o Conselho dis-
paço para a participação de outras
lizadas pelas Equipes de Assesso-
põe de infra-estrutura à sua dis-
entidades não necessariamente pre-
ria exigiam sempre a presença do
posição dentro da própria Coorde-
sentes nos conselhos, tais como
conselho local, bem como nas audi-
nadoria, com sala, computador e
sindicatos, delegados do Orçamen-
torias nos serviços localizados nos
mobiliário. Também dispõe de
to Participativo, movimentos popu-
municípios. Também as reuniões
apoio financeiro.
lares, o que demonstra a visão am-
feitas entre a Coordenadoria e os
pliada da participação popular,
municípios, importante canal de co-
não restrita aos canais institucio-
municação entre esses níveis de ges-
Por fim, quando falamos na ampliação da participação, trata-se não
tão, contavam sempre com a partici-
apenas do aumento da freqüência
pação de pelo menos um represen-
dos participantes, mas também da ampliação do número de assentos
tante dos conselhos locais, sendo que
existentes no conselho. Ampliou-se
E M 1999 FOI
o convite partia sempre da 6ª CRS:
o espaço para a participação dos
REALIZADO UM CURSO
uma forma de comprometer de fato
gestores e profissionais representantes dos municípios, através de vagas dadas às microrregiões. Já em relação aos conselhos municipais de saúde da região, a 6ª CRS, em conjunto com o Conselho
“...a gente achou que tinha que criar o gestor junto com o Conselho, por-
DE CAPACITAÇÃO DE
que a gente estava naquele momen-
CONSELHEIROS EM
to de trabalhar junto” (Coordenadora
CADA MICRORREGIÃO
de Descentralização, Municipalização e Controle Social).
DE SAÚDE
Estas características relatadas
Regional, investiu na capacitação
até agora correlacionam-se com al-
dos conselheiros para torná-los eficientes na formulação das políticas municipais de saúde e na fiscalização da execução das ações e recursos por parte do gestor municipal.
guns dos aspectos importantes para nalizados no interior do estado,
a accountability. O primeiro e mais
como os conselhos.
relevante é a importância de que as
Para o ano de 2002 a Coordena-
contas sejam prestadas publicamen-
doria possuía um projeto de capaci-
te, ou difundidas junto à população.
Em 1999 foi realizado um cur-
tação para as chamadas Câmaras
A aposta feita pela 6ª CRS de fazer
so de capacitação de conselheiros
Técnicas dos conselhos municipais,
com que os gestores cumpram a lei
em cada microrregião de saúde.
quando procuravam tratar de temas
que obriga à prestação de contas
Este curso contou com uma parti-
mais específicos e técnicos, como or-
aos conselhos e, ao mesmo tempo,
cipação média de 40% dos conse-
çamento, tecnologia, entre outros.
empenhar-se no fortalecimento des-
lheiros. Já no ano de 2000 foram
Além das capacitações, a CRS
ses conselhos em parceria com o Con-
realizados encontros com os con-
procurou envolver os conselhos
selho Regional, faz com que se am-
selheiros municipais de saúde em
municipais de saúde nas discussões
plie a transparência na gestão no
56 dos 58 municípios da região,
a respeito das questões regionais,
âmbito do sistema regional de saú-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
229
LIMA, Juliano de Carvalho
de. Também permite que a popula-
Controle Social fazem a comparação
guma pessoa da Coordenadoria pro-
ção conheça e se aproprie das ques-
do Relatório de Gestão com o plano
cura estar presente nas Audiências
tões fundamentais das políticas de
de aplicação dos recursos da Muni-
Públicas realizadas pelos municí-
saúde municipais, tornando-se mais
cipalização Solidária, buscando
pios. A Coordenação de Descentra-
capaz de controlar a coisa pública e
identificar possíveis desvios.
lização também identifica proble-
colocá-la a seu serviço.
Em relação às atividades descri-
mas na maneira como são presta-
Outro ponto importante diz res-
tas nos relatórios de gestão, a com-
das essas contas.
peito à regularidade da prestação de
paração se faz com o plano munici-
Através de exemplos de municí-
contas, a cada três meses no caso
pal de saúde, ou seja, busca-se fazer
pios da região, a Coordenadora de
em estudo. Esta regularidade, ao
uma comparação entre aquilo que foi
Descentralização aponta o quanto os
nosso ver, é propícia para gerar uma
planejado e definido como prioritá-
secretários municipais de saúde tem
cultura de responsabilidade pois
rio e aquilo que foi executado. Al-
dificuldades para organizar uma
‘habitua’ aqueles que devem pres-
guns problemas são identificados:
Audiência Pública de maneira clara
tar contas das suas ações a atua-
e de fácil entendimento para a po-
rem com mais transparência.
pulação, embora sejam orientados
Além da participação dos conselheiros, a 6ª CRS tem estimulado a
A 6ª CRS TEM ESTIMULADO A PARTICIPAÇÃO
pela Coordenadoria. Assim, a 6ª CRS tem observado
participação de outros segmentos
DE OUTROS SEGMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL
algumas debilidades nesse proces-
da sociedade civil organizada, como
ORGANIZADA, COMO POR EXEMPLO OS
so. A Coordenadora aponta quatro
por exemplo os Delegados do Orçamento Participativo, que acompa-
DELEGADOS DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO,
nham a apreciação e aprovação dos
QUE ACOMPANHAM A APRECIAÇÃO E APROVAÇÃO
planos de aplicação dos recursos da Municipalização Solidária da Saúde, bem como a prestação de contas do
DOS PLANOS DE APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA
M UNICIPALIZAÇÃO SOLIDÁRIA DA SAÚDE
problemas principais: o uso de uma linguagem excessivamente técnica no momento da apresentação para a população, principalmente em relação a recursos financeiros; a não demarcação daquilo
referido recurso. O envolvimento de
que é importante (resultados); a
movimentos populares, independen-
não mobilização da população para
te da participação nos conselhos também foi observada na região. Além disso, a 6ª CRS buscava assegurar maior amplitude à prestação de contas dos municípios através das Audiências Públicas, quando toda a população era chamada. A prestação de contas financeira
O que ele precisa é: que ações eu desenvolvi? o que eu ampliei dentro dos serviços? eu ampliei algum tipo de serviço? que ações eu desenvolvi e que geraram impacto? Porque a maioria dos municípios ainda colocava assim: ofertou tantas consultas, tantos exames, tantos isso, tanto aquilo... (Coordenadora de Descentralização).
participar das audiências e a pouca motivação da maioria dos gestores para prestar contas. Apesar das dificuldades, visualizamos a experiência da região da 6ª Coordenadoria como válida no sentido de criar uma organização mais responsável. Este processo ini-
é avaliada, principalmente no que
A Coordenadoria, além de orien-
ciado na 6ª CRS, bem como em todo
diz respeito aos recursos de fonte
tar a elaboração do Relatório de
o estado do Rio Grande do Sul, tem
estadual. Para esta análise os fun-
Gestão, assessora a prestação de
obrigatoriamente um período de
cionários da Coordenação de Des-
contas em si, realizada nas Audiên-
amadurecimento, de fortalecimento
centralização, Municipalização e
cias Públicas. De maneira geral al-
dos conselhos para que passem a
230 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
Descentralização e Accountability em uma Região de Saúde
cobrar a prestação de contas, e da
ção possa garantir o ‘bom governo’.
No entanto, essa recentralização,
população em geral para se habituar
No setor saúde, apesar de toda a ên-
cuja expressão maior é a Norma
a participar e fiscalizar.
fase dada à correlação entre demo-
Operacional de Assistência à Saúde,
Um fato que comprova isso diz
cracia e saúde durante o movimento
se dá conjuntamente com um certo
respeito à própria visão dos secretá-
da Reforma Sanitária, temos assisti-
abandono do controle político e so-
rios municipais de saúde da região,
do, nos últimos anos, a um recru-
cial sobre a gestão do sistema.
que apontaram o ‘avanço no contro-
descimento do controle burocrático.
A ascensão de um partido de ca-
le social’ como o principal resultado
Um processo de descentraliza-
ráter popular ao governo do país traz
da pressão da 6ª CRS para que os
ção, que não foi acompanhado do
alguma esperança de mudança. No
municípios prestassem contas trimes-
aumento da responsabilidade espe-
nível setorial, algumas modificações
tralmente, pois 18 dos 28 secretários
rado, possibilitou até mesmo, como
já são observadas. Na linha da nos-
que responderam ao questionário
vimos nos relatos de alguns muni-
sa discussão neste trabalho, a cria-
apontaram esta alternativa.
cípios de Minas Gerais, uma acen-
ção de uma Secretaria de Gestão Par-
Além do fortalecimento do con-
ticipativa já demonstra maior preo-
trole social, ‘menor possibilidade
cupação com a participação da so-
de desvio de recursos (11 secretá-
ciedade na condução e acompanha-
rios) e mudanças no perfil do ges-
mento do sistema. Mas enquanto es-
tor (8)’, como a necessidade de tra-
A ASCENSÃO DE UM
balhar mais em equipe e interse-
PARTIDO DE CARÁTER
torialmente, foram apontados pelos secretários municipais de saú-
POPULAR AO GOVERNO
de da região como avanços decor-
DO PAÍS TRAZ ALGUMA
rentes daquela estratégia. Em outra pergunta, relativa às
sas mudanças estruturais não adquirem caráter de resultado, a pouca qualidade dos serviços públicos de saúde e a baixa capacidade de indignação da população usuária continuam predominantes.
ESPERANÇA DE MUDANÇA
Ainda assim, algumas boas ex-
mudanças gerenciais causadas pela
periências são vivenciadas. A 6ª
prestação de contas, 23 secretários
CRS, principalmente através do for-
municipais de saúde apontaram que
talecimento do controle social na
a principal mudança no seu traba-
tuação das práticas clientelistas e
região, imprimiu ao sistema maior
lho, resultante da prestação de con-
partimonialistas em alguns locais.
accountability, procurando através
tas sistemática através do Relatório
Este tipo de situação parece ter fei-
da reestruturação e do apoio ao
de Gestão, deve-se ao fato de ‘tor-
to com que a direção nacional do
Conselho Regional de Saúde, do en-
nar a gestão mais transparente e
SUS despertasse para a importância
volvimento dos conselhos de saú-
permeável ao controle social’.
de se aliar responsabilidade à des-
de em espaços de tomada de deci-
centralização. No entanto, a via es-
são regional, da capacitação de con-
colhida foi a da ampliação dos me-
selheiros e da vinculação de recur-
canismos reguladores internos e de
sos ao exercício da prestação de
Em um Estado com tradição au-
uma esfera de gestão sobre a outra.
contas em Audiências Públicas,
toritária e excludente, mecanismos
Não negamos a importância de tais
ampliar o espaço de atuação da
de accountability não têm tido o es-
instrumentos, que são necessários
população no controle dos serviços
paço necessário para que a popula-
para o funcionamento do sistema.
públicos de saúde. Além disso pro-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
231
LIMA, Juliano de Carvalho
curou articular-se com movimen-
rotado no segundo turno das eleições
em Debate, Londrina, PR, n. 49-50,
tos sociais e populares.
para o governo do estado. É impor-
dez./95-mar./96, 1996, p.53-64.
Em relação aos municípios, con-
tante se verificar a continuidade do
comitante a um estímulo à autono-
movimento instaurado em 1999 para
mia, garantida principalmente atra-
se avaliar se houve sustentabilidade
vés da liberdade para decidir a apli-
na proposta e se o processo foi con-
cação de recursos repassados pelo
sistente o suficiente para garantir
estado, foi rigorosa na cobrança de
independência aos espaços de in-
contas. A exigência da prestação de
fluência da população na formula-
ção Pública em Ação. Brasília, DF:
contas das secretarias municipais de
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Tínhamos como objetivo neste trabalho discutir modos de se conciliar descentralização e accountability. Estávamos interessados em discutir formas de controle que envolvessem os principais interessados, os cidadãos, e, deste modo, contribuirmos para uma discussão sobre as
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ca, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1,
lização no sistema de saúde brasi-
tuguês? Revista de Administração
2000. p. 231-239.
leiro. A experiência da 6ª Região de
Pública, v. 24, n. 2, fev.-abr., 1990.
Saúde, e este artigo, certamente não
p. 30-50.
dão conta de abranger todos os aspectos da accountability, mas trazem algumas questões importantes ao debate, relacionadas à necessidade de se retomar o componente político do controle do sistema. Vale, finalmente, destacar que a
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não se sustentou no poder, tendo o
tema de saúde: uma utopia para sair
ganizações, Dissertação (Mestrado),
Partido dos Trabalhadores sido der-
de um status quo inaceitável. Saúde
Escola Nacional de Saúde Pública
232 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 221-233, set./dez. 2003
233
SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
José Paulo Vicente da Silva1 Roseni Pinheiro2 Felipe Rangel S. Machado3
Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde*
Mestre em Saúde Coletiva, professor e pesquisador visitante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (F IOCRUZ), integrante do Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ ), que conta com apoio do CNPq, da FAPERJ e do Ministério da Saúde Av. Roberto da Silveira, 358/701 CEP 24230-153 – Niterói – RJ e-mail:
[email protected]
Needs, demand and offer: a few contributions on the meaning, sense and value in the construction of integrality within the Health Sector reform
1
Doutora em Saúde Coletiva, professora do Instituto de Medicina Social, coordenadora do Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde, do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (U ERJ), que conta com apoio do CNPq, da FAPERJ e do Ministério da Saúde Rua Cândido Mendes, 279/307 CEP 20241-220 – Rio de Janeiro – RJ e-mail:
[email protected] 2
RESUMO O presente trabalho tem como objetivo contribuir para a discussão sobre a construção da integralidade da atenção, entendida como princípio norteador das ações e dos serviços de saúde – preventivos e curativos, individuais e coletivos – nos diversos níveis de complexidade do sistema. Grande parte dos cidadãos, principalmente os mais carentes de assistência, se depara com muitos obstáculos para conseguir acesso ao atendimento de qualidade capaz de responder positivamente às suas necessidades. Para tanto, propomos um olhar sobre os sentidos, significados e valores atribuídos às categorias necessidade, demanda e oferta, ampliando o leque de noções necessárias à materialização da integralidade, a fim de garantir o acesso universal com efetividade e ‘resolutividade’ como o grande desafio a ser enfrentado na luta pela implementação efetiva do Sistema Único de Saúde (SUS). DESCRITORES: Necessidades e Demanda de Serviços de Saúde; Cuidados Inte-
Graduando em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ ), bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ , no Laboratório de Pesquisas de Práticas de Integralidade em Saúde do Instituto de Medicina Social(IMS) da UERJ , que conta com apoio do CNPq, da F APERJ e do Ministério da Saúde Rua Califórnia, 326 CEP 24465-120 – São Gonçalo – RJ e-mail:
[email protected]
grais de Saúde; Serviços de Saúde; SUS.
Este trabalho é parte integrante da dissertação de mestrado em Saúde Coletiva “Gestão Compartilhada e Construção da Integralidade da Atenção no SUS: a experiência da 4a região sanitária do estado do Rio Grande do Sul – período: 19992002”, de José Paulo Vicente da Silva, defendida em abril de 2003, orientada pela professora Roseni Pinheiro.
their needs. The authors propose a new view on senses, meanings and
3
*
ABSTRACT This article aims to contribute to the discussion on the construction of care integrality, as the principle that orientates preventive and healing, individual and collective health actions and functions on the several complex levels of the health system. Most people, especially the less assisted ones, face many obstacles in their search for a health care service able to meet values given to categories called needs, demands, and offer, widening the notions required for the fulfillment of integral care, in order to guarantee universal and effective access to health care, the great challenge to be faced in the struggle for the implementation of an efficient Unified Health System. DESCRIPTORS: Health Services Need and Demand; Comprehensive Health Care; Health Services; SUS.
234 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde
INTRODUÇÃO
letivo a serem realizados pelo Mi-
tia do acesso universal com efetivi-
nistério da Saúde (MS) e as ações e
dade e ‘resolutividade’ permanece,
O texto constitucional de 1988,
serviços assistenciais de cunho in-
ainda, como um grande desafio a
que institui o Sistema Único de Saú-
dividual, a serem implementados
ser enfrentado na luta pela imple-
de (SUS), aponta sua organização de
pelo Ministério da Previdência e As-
mentação efetiva do SUS.
acordo com as seguintes diretrizes:
sistência Social (MPAS), por meio
“descentralização, com direção úni-
do Instituto Nacional de Previdên-
ca em cada esfera de governo; aten-
cia e Assistência Social (I NAMPS) –,
dimento integral, com prioridade
o SUS deve combinar de forma har-
para as atividades preventivas, sem
mônica e igualitária a cobertura
prejuízo dos serviços assistenciais;
desses serviços à totalidade da po-
e participação da comunidade”. Es-
pulação, na direção da superação
tas dizem respeito ao controle social
de tal dicotomia.
sobre as ações e serviços públicos de saúde (B RASIL, 1988. art. 198). Em consonância com essas diretrizes constitucionais, o SUS orienta-se ainda, e principalmente, pelo princípio da ‘universalidade do aces-
D O PONTO DE VISTA JURÍDICOINSTITUCIONAL , A INTEGRALIDADE É
Segundo Mendes, a aplicação do princípio da integralidade (...) implica reconhecer a unicidade institucional dos serviços de saúde para o conjunto de ações promocionais, preventivas, curativas e reabilitadoras e que as intervenções de um sistema de saúde sobre o processo saúde/doença conformam uma totalidade que engloba os sujeitos do sistema de saúde e suas inter-relações com os ambientes natural e social (MENDES, 1993. p. 149).
Para tanto, “a integralidade exige,
DEFINIDA COMO UM CONJUNTO
exatamente, uma intervenção integra-
ARTICULADO DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE ,
dora no seu âmbito tecnológico sobre
os níveis de assistência’. Cabe salientar que, antes da institucionalização
PREVENTIVOS E CURATIVOS, INDIVIDUAIS E
so aos serviços de saúde em todos
do SUS, o acesso aos serviços e ações de saúde só estava garantido aos contribuintes do sistema previdenci-
COLETIVOS NOS DIVERSOS NÍVEIS DE
ambiente” (MENDES, 1993. p. 150). tica de saúde deverão corresponder a uma abordagem das práticas sa-
1988 assegura, legalmente, a atennia a todo o povo brasileiro.
coletivos, grupos sociais e o meio Essas dimensões da macropolí-
COMPLEXIDADE DO SISTEMA
ário. Neste sentido, a Constituição de ção à saúde como direito de cidada-
os indivíduos, famílias, ambientes
Então, do ponto de vista jurídico-institucional, a integralidade é
nitárias que se traduza em duas dimensões, quais sejam:
A integralidade – termo que, de
definida como um conjunto articu-
acordo com Mattos (2001), tem sido
lado de ações e serviços de saúde,
usado de forma corrente como re-
preventivos e curativos, individuais
ferência à diretriz da atenção inte-
e coletivos nos diversos níveis de
gral – deve ter sua leitura combi-
complexidade do sistema. Mas, de
nada com o princípio da igualdade
acordo com Carvalho e Santos
da assistência (B RASIL, 1988. art.
(2002), grande parte dos cidadãos,
198. inciso IV). Em contraposição
principalmente os mais carentes de
Outrossim, no sentido da supe-
ao antigo sistema de saúde – o qual
assistência, se depara com muitos
ração das desigualdades que se re-
incluía a dicotomia entre as ações
obstáculos para conseguir atendi-
ferem a diferentes padrões de saúde
e serviços preventivos de cunho co-
mento médico-hospitalar. A garan-
dos variados grupos populacionais
(...) numa integração, definida por um problema a enfrentar através de um conjunto de operações articuladas pela prática da vigilância em saúde; (...) numa integração dentro de cada unidade de saúde, entre as práticas sanitárias de atenção à demanda e da vigilância em saúde (MENDES, 1993. p. 150).
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
235
SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.
e ao acesso desigual desses distin-
tuindo-se, portanto, na “essência
tos segmentos da população às ações
mesma da política pública de saú-
e serviços de prevenção e cura de
de” (CAMARGO J ÚNIOR, 2001. p. 11).
NECESSIDADES DE SAÚDE: INTERAÇÃO DE SUJEITOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS NA GESTÃO DA OFERTA NA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE
doenças, o sistema de saúde deve
Parte-se da premissa de que não
ser, também, orientado pelo princí-
existe a possibilidade de constru-
pio da eqüidade. Esta deve ser com-
ção da integralidade e da eqüida-
De acordo com Stotz (1991), as
preendida como
de – os verdadeiros objetivos da
necessidades de saúde situam-se no
política de saúde, que vão além do
nível das necessidades sociais mais
consumo de determinadas tecnolo-
gerais. Ainda que estas sejam deter-
gias e serviços – sem a garantia
minadas e constituídas social e his-
do acesso universal a todos os ní-
toricamente, só poderão ser apreen-
veis de atenção. Essa perspectiva
didas em sua dimensão individual,
implica o reconhecimento da ação
expressando uma relação dialética
(...) a superação das desigualdades que, em determinado contexto histórico e social, são evitáveis e consideradas injustas, implicando que necessidades diferenciadas da população sejam por meio de ações governamentais também diferenciadas (...). Subjacente a este conceito está o entendimento de que as desigualdades sociais entre as pessoas não são dadas ‘naturalmente’, mas sim criadas pelo processo histórico e pelo modo de produção e organização da sociedade (MALTA, 2001. p. 135-136).
entre o individual e o social. O autor está interessado em observar
UNIVERSALIDADE, INTEGRALIDADE E
como demandas sociais por saúde
EQÜIDADE DA ATENÇÃO À SAÚDE
jeitos coletivos, tendo em vista que
CONSTITUEM, POIS, A FINALIDADE
podem constituir determinados suessas demandas expressam determi-
ÉTICO-POLÍTICA DO SISTEMA DE SAÚDE ,
nadas ‘carências’ ou ‘necessidades’
EXPRESSA EM CONTRIBUIÇÃO PARA A
ca) geradas pelo modo de produção
tica do sistema de saúde, expressa
MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE
e pela organização da sociedade.
em contribuição para a melhoria
E VIDA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
Universalidade, integralidade e eqüidade da atenção à saúde constituem, pois, a finalidade ético-polí-
das condições de saúde e vida da
vê esses três princípios como formadores de “um conceito tríplice, entrelaçado, quase um signo”, ca-
Na busca por explicações acerca das mediações da prática social que dizem respeito à atuação dos
população brasileira. Com efeito, Cecílio (2001. p. 113)
(termos utilizados na Saúde Públi-
movimentos sociais, recorre-se à recíproca existente entre a macro
compreensão de carência como uma
e a micropolítica de saúde. A bus-
idéia que sempre tem por referên-
ca pela integralidade e pela eqüi-
cia o conceito de indivíduo: alguém
dade deve ser orientada por meio
é carente de algo.
paz de expressar com todo vigor a
de uma abordagem totalizante ao
Contudo, como o indivíduo com-
luta por cidadania, justiça e demo-
repensar a “organização do proces-
partilha o processo de determinação
cracia, consubstanciada no ideário
so de trabalho, gestão, planejamen-
de suas carências/necessidades –
da Reforma Sanitária brasileira.
to e construção de novos saberes
pois pertence a um determinado gru-
A “visão ampliada da idéia de inte-
e práticas em saúde” (CECÍLIO, 2001.
po (família, colegas de trabalho,
gralidade” seria capaz de incorpo-
p. 113). Para esta reflexão sobre
seita religiosa etc.) –, é influencia-
rar as propostas de integralidade
integralidade e eqüidade, o autor
do pelos valores do grupo.
(no seu entendimento corrente),
toma como ‘analisador’ as neces-
eqüidade e universalidade, consti-
sidades de saúde.
236 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
Sendo assim, o processo de determinação das carências individuais
Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde
é vivenciado com o grupo: tem uma dimensão coletiva. Trata-se, pois, de
tadores de uma generalidade de uma essência universal(STOTZ, 1991. p. 107).
des) cujo atendimento é socialmente sancionado como legítimo (inclusive,
uma mediação fundamental da prá-
Ao propor um conceito operacio-
em certos casos, do ponto de vista
xis social inerente à vida em socieda-
nal de necessidades de saúde capaz
jurídico) e implica obrigação política
de. As necessidades de saúde expres-
de contemplar a perspectiva dos su-
na sua atenção (NUNES, 1989).
sam as carências de milhões de indi-
jeitos individuais e coletivos, o autor
No entanto, quando se entra em
víduos e também, simultaneamente,
vislumbra propiciar uma ferramenta
contato com determinado conceito
as necessidades coletivas.
que, potencialmente, contribua tanto
operacional de necessidades de saú-
Nessa visão de mundo, o ser
para a superação do reducionismo
de, descobre-se que tal conceito já
humano é, ao mesmo tempo, uni-
inerente ao enfoque normativo de pla-
demarca a priori uma classificação
versal e particular. O sujeito indivi-
nejamento quanto para a superação
baseada em critérios definidos an-
dual está dialeticamente referido ao
das incoerências e insuficiências con-
teriormente. A existência prévia de
seu grupo ou, como em Marx, à sua
tidas no enfoque situacional. Tem-se
tal taxonomia aponta para a domi-
classe social, negando a perspecti-
nância de determinada concepção de
va do sujeito individual portador de
necessidades de saúde. Para Stotz (1991), na Saúde Públi-
necessidades, descolado das suas relações sociais. A última perspectiva subjaz ao enfoque atomista-individualista, cujo pressuposto é a existência de uma sociedade que é a soma de indivíduos isolados e livres (o homo economicus) para sa-
O SUJEITO INDIVIDUAL ESTÁ DIALETICAMENTE REFERIDO AO SEU GRUPO OU, COMO EM M ARX, À SUA CLASSE SOCIAL, NEGANDO A PERSPECTIVA DO SUJEITO INDIVIDUAL
tisfazer suas necessidades de acor-
PORTADOR DE NECESSIDADES, DESCOLADO
do com a lei de oferta e procura por
DAS SUAS RELAÇÕES SOCIAIS
ca, as duas vertentes da perspectiva individual do ‘sujeito de necessidades’ – a liberal e a funcionalista – foram incorporadas de forma pragmática ao enfoque normativo de planejamento. Nesse caso, ‘necessidades sentidas’, ‘expressas’, ‘normativas’ e ‘comparativas’ informam um critério que tra-
bens e serviços (a lei natural do
duz uma acepção naturalista do su-
mercado). De outro lado, informa
jeito, na qual as necessidades se cons-
também o enfoque funcionalista que
tituíram na ausência de algo cuja
reconhece o sujeito individual como
em mente que é essa racionalidade
natureza se refere à idealização e à
uma unidade da estrutura do siste-
instrumental e economicista que vem
generalidade, excluindo as relações
ma social e busca, por meio de me-
permeando, hegemonicamente, a for-
sociais e, portanto, a sociedade.
canismos de regulação, a normali-
mulação das políticas públicas de
Dessa forma, problemas e neces-
zação dos hábitos da sociedade.
saúde por meio do planejamento. Essa
sidades de saúde apresentam-se como
outra perspectiva possibilitaria a
noções conexas: a necessidade é, de
construção de novas mediações, ago-
algum modo, a tradução de proble-
ra entre sujeitos individuais e coleti-
ma em termos operacionais. Enquan-
vos e critérios de legitimação do po-
to um determinado problema informa
der político estatal.
a existência de um estado de saúde
Entretanto, a crítica é dirigida também à visão marxista-estruturalista, posto que nessa perspectiva a noção de sujeito não passa de uma noção ideológica: os sujeitos concretos são erigidos em dados absolutos, como indivíduos empíricos cujos atributos são gerais, universais. Os sujeitos são por-
Nesse tipo de mediação, a referên-
definido como deficiente, seja pelo in-
cia se dá em relação à existência de
divíduo, pelo profissional médico ou
um conjunto de carências (necessida-
mesmo pela coletividade, a necessi-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
237
SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.
dade é a expressão de um desvio ou
nocrática do planejamento normati-
a diferença entre o estado ótimo, defi-
vo de necessidades de saúde quan-
nido de modo normativo.
to na ‘ausência’ de um conceito ope-
os diferentes lugares ocupados por homens e mulheres na sociedade capitalista como as explicações mais importantes para adoecer e morrer.
Tal concepção dispensa mediações
racional de necessidades de saúde
do conceito de necessidades de saú-
no enfoque estratégico, há um gran-
O segundo “(...) fala da necessida-
de, pois a explicação da situação em
de problema a ser enfrentado quan-
de de se ter acesso e se poder consu-
questão cede lugar a um diagnósti-
do se formula determinada política
mir toda tecnologia de saúde capaz
co com base em uma realidade obje-
social. Isso porque, em última ins-
de prolongar a vida (...)”. Um terceiro
tiva que se controla e mensura por
tância, essa taxonomia orientará a
meio de indicadores tradicionais ex-
definição dos parâmetros de cober-
ternos ao planificador.
tura e seletividade de tal política.
(...) diz respeito à insubstituível criação de vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou um profissional (...) significa o estabelecimento de uma relação contínua no tempo, pessoal e intransferível, calorosa: encontro de subjetividades.
Quanto ao enfoque estratégico,
Tendo como referência o caminho
Stotz conclui que não existe qual-
percorrido por Stotz (1991), Cecilio
quer menção dirigida ao conceito de necessidades de saúde, tanto no pensamento estratégico de Mario Testa, quanto no planejamento situacional de Carlos Matus, para quem o planejamento do tipo estratégico é passível de incorporar determinados ele-
À MEDIDA QUE SE CONSIDERA O PROCESSO SAÚDE /DOENÇA COMO AO MESMO TEMPO INDIVIDUAL
mentos do enfoque normativo. Para
E COLETIVO, HÁ UM GRANDE
o primeiro, o diagnóstico de saúde
PROBLEMA A SER ENFRENTADO
do tipo tradicional, no qual os problemas de saúde são informados por
QUANDO SE FORMULA
indicadores objetivos e não definidos
DETERMINADAPOLÍTICA SOCIAL
O quarto e último (...) diz respeito à necessidade de cada pessoa ter graus crescentes de autonomia no seu modo de levar a vida (...) informação e educação são em saúde apenas parte do processo (...) implicaria a possibilidade de reconstrução, pelos sujeitos, dos sentidos de sua vida (...) incluindo aí a luta pela satisfação de suas necessidades, de forma mais ampla possível.
por sujeitos individuais ou coletivos,
De acordo com este autor, a es-
é indispensável na formulação do
cuta dessas necessidades tem o po-
plano. Já de acordo com Matus, (...) a planificação é uma atribuição governamental, relativa ao presente, que exige cálculo e se refere a problemas reais (...) empiricamente constatáveis, capturados através de uma técnica específica como parte dos procedimentos do momento explicativo, a saber, o fluxograma situacional (MATUS, 1989. p. 20).
À medida que se considera o processo saúde/doença como ao mesmo tempo individual e coletivo, tanto na perspectiva reducionista e tec-
(2001. p. 114-115) propõe “uma
tencial de ampliar a capacidade e
taxonomia das necessidades de saú-
as possibilidades de intervenção por
de totalizadora da visão dos sujei-
parte dos trabalhadores de saúde em
tos individuais e coletivos organi-
relação aos problemas daqueles que
zada em quatro grandes conjuntos”.
procuram os serviços de saúde.
O primeiro conjunto (...) diz respeito a se ter ‘boas condições de vida’ (...) que poderiam ser entendidas tanto no sentido mais funcionalista, que enfatiza os fatores do ‘ambiente’, ‘externos’, que determinam o processo saúde-doença (...), como nas formulações de autores de extração marxista (...), que enfatizam
238 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
DEMANDA EM SAÚDE: PLURALIDADE DE CONTEXTOS E PRÁTICAS PARA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE A integralidade, em seu sentido ampliado, constitui ‘objetivo de rede’
Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde
acabam por manter a distinção entre as categorias oferta e demanda, e pela qual o consumidor ou usuário vai para um lado e o prestador e o agente vão para outro, numa ação descolada do contexto em que estão inseridos (P INHEIRO, 2000. p. 16).
e sua concretização depende de uma
Setor Saúde. A autora ressalta a
articulação entre a micro e a ma-
urgência de se ultrapassar as for-
cropolítica, e não apenas do espaço
mulações originárias desses termos,
singular dos serviços – mesmo que
já que o campo da economia tem
esses cumpram a contento a sua
exercido enorme influência na área
função social. Para ser alcançada,
da saúde, estendendo seus braços
depende de uma articulação entre
em diferentes áreas do conhecimen-
Dessa forma, ‘demanda’ e ‘ofer-
serviços e ações setoriais e interse-
to, em particular, na área do plane-
ta’ são categorias que permitem
toriais. Isso porque, conforme o
jamento em saúde.
apreender as dimensões assisten-
momento que vive o usuário, a tec-
Para Pinheiro (2000), diferente-
cial, tecnológica e política, que têm
nologia de saúde que necessita pode
mente da economia e do planejamen-
no cotidiano das instituições de saú-
estar em uma unidade básica de
to em saúde, deve-se evitar a divi-
de seus elementos constitutivos. Afi-
saúde ou em algum serviço produ-
são peculiar entre demanda e ofer-
nal, são essas dimensões que en-
tor de procedimentos mais sofisti-
volvem a formulação, a execução
cados, ou até mesmo poderá depen-
e a análise das políticas de saúde
der de uma cooperação com outros setores da política governamental (CECILIO, 2001. p. 117). Nessa perspectiva, o acesso da população a todos os níveis de com-
C ABE DIZER QUE ‘NECESSIDADES’, ASSIM COMO ‘DEMANDAS ’, SÃO
no campo da organização dos pró-
CATEGORIAS QUE DEVEM SER
entende-se que a demanda e a ofer-
plexidade é uma das condições para
COMPREENDIDAS DE MANEIRA
que haja garantia da integralidade da
CONTEXTUALIZADA, O QUE REMETE
atenção no SUS. Mas, o acesso per si não garante a integralidade, à medida que a mesma depende de outros
PARA A UTILIZAÇÃO DE OUTROS REFERENCIAIS TEÓRICOS
prios serviços que as instituições mantêm dentro do sistema. Assim, ta são construídas a partir de uma ação social, podendo incluir tanto a objetividade quanto a subjetividade de seus atores, assim como suas falas e práticas no interior das instituições de saúde.
fatores para a sua materialização.
É importante notar que, diferen-
Cabe dizer que ‘necessidades’, as-
temente da afirmação de Cecílio
sim como ‘demandas’, são catego-
ta, pois essa visão impede que a
(2001), as demandas podem não ser
rias que devem ser compreendidas de
relação entre as duas categorias seja
necessidades moduladas pela ofer-
maneira contextualizada, o que reme-
vista, reproduzindo-se o caráter di-
ta dos serviços, a não ser que conti-
te para a utilização de outros referen-
cotômico e até estático das mesmas.
nuemos somente a utilizar referen-
ciais teóricos, que não somente os do campo da economia, mas também das ciências políticas e sociais. A discussão proposta por Pinheiro (2000) aponta para a importância de se reconstruir os conceitos de ‘demanda’ e ‘oferta’, no sentido de se apreender diferentes aspectos presentes nas propostas de reforma no
(...) os estudos realizados sob esse prisma tendem a analisar os seus componentes separadamente, de modo que a demanda seja relacionada apenas aos usuários ou consumidores e a oferta seja ligada somente aos serviços propriamente ditos. Há nessa forma de elaboração estreita ligação com os conceitos econômicos clássicos, que, assentados no mercado, via consumo,
ciais conceituais originários dessas categorias na formulação e no planejamento da oferta em saúde ou na própria análise das políticas. Por outro lado, se ampliarmos os conteúdos de diferentes campos de conhecimento, a demanda pode ganhar novos contornos conceituais, conforme proposto por Stotz (2001)
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
239
SILVA, José Paulo Vicente da; PINHEIRO, Roseni & MACHADO, Felipe Rangel S.
na discussão sobre a definição de
tre a nossa política e as formulações
necessidades. Compreendemos a
das agências internacionais, como é
demanda como fruto de uma rela-
o caso do Banco Mundial.
ção e interação entre atores que têm
Posto isso, retomamos a perspec-
necessidades, desejos e projetos ins-
tiva dialógica do princípio da inte-
titucionais distintos e que, portan-
gralidade. Esta se afirma numa ação
to, devem ser considerados.
recíproca entre a micro e a macro-
Partindo dessa compreensão, a
política (CECÍLIO, 2001), entre o geral
integralidade apresenta potenciali-
e o particular, e entre o individual e
dades que sugerem a construção
o coletivo, pois as necessidades de
de inovações no campo político e
saúde espelham as mediações da
institucional, desde que apreendi-
prática social dos sujeitos individuais
das como eixo estruturante de no-
e coletivos (S TOTZ, 1991) que, em in-
vas práticas sanitárias nos diferen-
teração com o centro da ‘socieda-
tes níveis de complexidade de aten-
de civil’, lutam pela saúde. Dessa
ção à saúde.
forma, a integralidade, em seu sen-
De acordo com Ceccim e Armani
tido ampliado, só poderá ser fruto
(2002), essa questão remete para a
da ação social concreta e, portanto,
garantia de amplo acesso à partici-
da co-produção intencional de su-
pação e ao controle social na plani-
jeitos individuais e coletivos livres,
ficação, na avaliação e no controle
conscientes das suas necessidades
em saúde, à articulação com os
de saúde (consciência sanitária).
Mattos afirma (2001. p. 61): quer tomemos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho, quer da organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação ao diálogo.
E conclui que a luta pela integralidade (...) é travada cotidianamente no interior dos serviços de saúde, nas reuniões de técnicos e gestores do SUS nos seus diversos níveis, nas novas arenas de negociação e pactuação entre gestores e nos debates nas instâncias que contam com a participação popular (M ATTOS, 2001. p .61).
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movimentos sociais e à negociação
Para essa direção, parece con-
política com a sociedade. Portanto,
vergir a perspectiva de Mattos
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a disseminação dos princípios dou-
(2001), que apresenta a integrali-
tembro de 1990. Dispõe sobre as
trinários do SUS e de suas formas
dade como uma ‘bandeira-de-luta’
condições para a promoção, prote-
de materializá-los auxilia na quali-
compondo uma ‘imagem-objetivo’
ção e recuperação da saúde, a or-
ficação da participação política para
maior e cuja tradução se dá em um
ganização e o funcionamento dos
a defesa da saúde como direito.
projeto societário permeado pelos
serviços correspondentes e institu-
ideais de justiça e solidariedade.
cionaliza a descentralização e as
Essa tradução parece recompor a
relações entre União, Estados e
unidade dialética saúde/democra-
Municípios com relação à política
Pensar a integralidade da atenção
cia, que permeou a construção do
de saúde. Diário Oficial da Repú-
se justifica pelo fato dessa diretriz,
projeto político da Reforma Sanitá-
blica Federativa do Brasil. Brasí-
segundo hipótese de Mattos (2001) –
ria. Cabe ressaltar que aquele pro-
lia, DF, 29 de setembro de 1990.
com a qual concordamos –, demar-
jeto informava a ‘politização da
BRASIL . Lei n. 8.142, de 28 de dezem-
car a própria especificidade da polí-
saúde’ como estratégia central para
bro de 1990. Dispõe sobre a partici-
tica de saúde brasileira. Atualmen-
se alcançar os objetivos propostos,
pação da comunidade na gestão do
te, a integralidade parece constituir
entre os quais a integralidade da
Sistema Único de Saúde (SUS) e so-
uma das principais divergências en-
atenção se situa centralmente.
bre as transferências intergoverna-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
240 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
Necessidades, demanda e oferta: algumas contribuições sobre os sentidos, significados e valores na construção da integralidade na reforma do Setor Saúde
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242 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 234-242, set./dez. 2003
Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia Evaluation of the primary care services organization in Petrópolis: a methodological test
RESUMO James Macinko1 Celia Almeida2 Eliane Oliveira3
O objetivo da pesquisa foi adaptar e aplicar um instrumento para medir dimensões organizacionais do sistema de atenção básica no município de Petrópolis (RJ), comparando as dimensões organizacionais selecionadas em dois tipos de unidades: as do Programa Saúde da Família (PSF) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais. A pesquisa utilizou a metodologia de informantes-chave. A ferramenta testada foi aplicada de forma rápida o que sugere que ela pode ser empregada nas avaliações regulares do desempenho das unidades. Conclui-se que apesar de Petrópolis ter realizado avanços importantes na atenção básica, enfrenta vários desafios, incluindo: melhorar acesso, reforçar o papel da atenção básica como porta de entrada no sistema, alcançar maior integralidade na atenção à saúde, melhorar a coor-
Economista, Ph. D, ex-professor visitante do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (DAPS ) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ), professor de saúde pública na Universidade de Nova York e-mail:
[email protected] 1
MD, MPH, Ph. D, pesquisadora titular do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (D APS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) Av. Brasil, 4.036 – sala 707 CEP 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ e-mail:
[email protected] 2
MPH, pesquisadora assistente do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (D APS) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ) Av. Leopoldo Bulhões, 1.480 – 7 0 andar CEP 21041-210 – Rio de Janeiro – RJ e-mail:
[email protected] 3
denação e aumentar a orientação para a comunidade. DESCRITORES: Avaliação dos Serviços; Cuidados Primários de Saúde; Programa Saúde da Família.
ABSTRACT The purpose of the study was to adapt and apply an instrument to measure the organizational features of the primary care system in the municipality of Petrópolis (RJ), comparing the performance of its Family Health Program (PSF) with traditional primary care facilities (UBS). The study used the methodology of key reporters. The tool successfully employed a rapid assessment methodology suggesting that it could be used in on-going monitoring and evaluation of the performance of health facilities. In conclusion, in spite of making important advances in primary care, Petrópolis faces several challenges including the need to improve access, enforce the role of primary care as a gatekeeper to the health system, and improve the scope, coordination, and community orientation of both types of primary care services. DESCRIPTORS: Services Evaluation; Primary Health Care; Family Health Program.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
243
MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane
INTRODUÇÃO
cas inovadoras do programa, in-
Petrópolis (Rio de Janeiro) essa nova
Durante a última década do sé-
cluem-se a ênfase em reorganizar
metodologia. Espera-se que no fu-
culo passado, o Brasil experimen-
serviços de atenção básica, cen-
turo esse instrumento possa ser apli-
tou grandes mudanças na organiza-
trando-os na família e na comuni-
cado a uma amostra nacional de
ção, no financiamento e na oferta de
dade e integrando-os aos outros
municípios para determinar tendên-
serviços de seu sistema de saúde,
níveis de atenção. Entretanto, as
cias no alcance das dimensões or-
sendo que a atenção básica tem
pesquisas e as metodologias exis-
ganizacionais da atenção básica e o
merecido especial cuidado, com a
tentes para medir o alcance do pro-
seu impacto na saúde da população
introdução de programas inovado-
grama nestas dimensões inovado-
em nível nacional.
res e estratégicos para a mudança
ras ainda são insuficientes.
do modelo assistencial no Sistema Único de Saúde (SUS). Estas mudanças realizaram-se
Na primeira parte do trabalho
Daí o interesse em avaliar o al-
discutimos o marco teórico utiliza-
cance destes programas e, mais am-
do e a metodologia empregada; na
plamente, o impacto dessas inova-
segunda, apresentamos e discutimos
devido a muitos fatores, entre eles
alguns dos principais resultados; e,
a necessidade de se desenvolver e
por fim, fazemos algumas conside-
disponibilizar para a população, ser-
rações sobre este trabalho e seus
viços básicos que sejam mais aces-
possíveis desdobramentos.
síveis, eqüitativos e de melhor qualidade. Para responder a esse desafio, o Ministério da Saúde (MS) vem
A ATENÇÃO BÁSICA TEM MERECIDO ESPECIAL CUIDADO, COM A INTRODUÇÃO DE
MARCO TEÓRICO
utilizando diversas estratégias, des-
PROGRAMAS INOVADORES E ESTRATÉGICOS
Nas décadas antes mencionadas,
tacando-se os programas especiais
PARA A MUDANÇA DO MODELO ASSISTENCIAL
de uma maneira geral, todos os paí-
– o Programa de Agentes Comunitá-
NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
ses reformaram seus sistemas de
rios de Saúde (PACS), desde 1991, e o
serviços de saúde, guiados por ob-
Programa Saúde da Família (PSF),
jetivos de alcance de maior eficiên-
desde 1994 – assim como o Piso da
cia, eqüidade e qualidade na aten-
Atenção Básica (PAB), introduzido
ção, sendo que novos modelos e
com a Norma Operacional Básica
ções na organização da atenção bá-
paradigmas de reforma têm sido di-
(NOB) 1996 e atualizado com a Nor-
sica e na provisão de serviços, as-
fundidos mundialmente. Na Améri-
ma Operacional de Assistência à Saú-
sim como o resultado da ação dos
ca Latina, esses processos têm sido
de (NOAS) 2001 e 2002, como parte
serviços de atenção primária na saú-
particularmente importantes, pois ao
do processo de descentralização.
de da população em nível local.
mesmo tempo que estão vinculados
O PSF em particular apresentou
Apresentamos aqui alguns resul-
às políticas de ajuste macroeconô-
um crescimento considerável. De
tados preliminares de uma pesqui-
mico e à reforma do Estado, são
900 equipes em 900 municípios em
sa que foi desenhada para validar
concomitantes ao aumento impac-
1996 (AGUIAR , 1998), passou para
uma metodologia de avaliação rá-
tante da pobreza e das desigualda-
quase cinco mil equipes em 1.870
pida dos elementos organizacionais
des, pari passu à deterioração das
municípios em 1999 e 10.025 equi-
e do desempenho do sistema de aten-
instituições públicas, exacerbadas
pes em 3.059 municípios em 2000
ção básica do SUS. O objetivo do
exatamente por essas mesmas polí-
(BRASIL, 2000). Entre as característi-
estudo foi testar, no município de
ticas (FANELLi et al., 1992; HOEVEN ;
244 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia
S TEWART, 1993; COMINETTI, 1994). Pa-
A discussão contemporânea so-
ralelamente, assistimos a mudanças
bre a avaliação dos sistemas de ser-
muito mais radicais dos sistemas de
viços de saúde reconhece a impor-
saúde, com resultados pífios em re-
tância de definir os seus limites,
lação ao preconizado pelas agendas
explicitando-se claramente as áreas
de reforma, ou mesmo piora das
passíveis de intervenção direta das
condições antes observadas (ALMEI-
autoridades sanitárias ( P AHO ,
DA, 2002a; 2002b). Mais recentemen-
2001a). No que toca à atenção bási-
te, esses resultados têm levado à
ca, a avaliação se depara com o pro-
formulação de estratégias que apon-
blema adicional de que não existe
tem para a (re)construção de siste-
consenso na literatura sobre seu
mas de saúde mais eqüitativos e
conceito, tendo sido definida de for-
com serviços de melhor qualidade
ma diferente, no tempo e no espaço.
(INFANTE, 2000).
pelo menos dois significados: uma prescrição geral que advogava que os sistemas sanitários deveriam dar tecipando/evitando os problemas de
desempenhado papel de destaque
saúde e os agravamentos das doen-
início pensada numa perspectiva
A ATENÇÃO PRIMÁRIA
restrita, como uma forma de dimi-
FOI APROVADA COMO
nuir o gasto hospitalar, particular-
Esse enfoque inter-relacionava
prioridade à assistência básica, an-
A atenção básica em saúde tem nessas reformas contemporâneas. De
tral dos SS de cada país e principal enfoque do desenvolvimento social e econômico da comunidade [...] É o primeiro nível de contato dos indivíduos, família e comunidade com a SS, levando a atenção de saúde mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde (WHO, 1978, tradução livre).
ças e quebrando os ciclos perversos produtores das enfermidades; e um conjunto mínimo de ações e servi-
A PRINCIPAL ESTRATÉGIA
ços que compunham a Atenção Pri-
saúde, ela vem pouco a pouco sen-
PARA ATINGIR A META DE
mária e se estendiam para além do
do retomada de forma mais ampla,
“SAÚDE PARA TODOS NO ANO 2000”
mente alto em todos os sistemas de
voltada para a ‘reversão do modelo
campo estrito dos serviços de assistência médica, focalizando as con-
assistencial’, excessivamente centra-
dições de vida e saúde das popula-
do na assistência médica, com a re-
ções, incorporando ações na área de
comendação de que deva fazer par-
educação, saneamento, promoção
te integral das estratégias de desen-
Assim, em 1978, na Declaração de
da oferta de alimentos e da nutrição
volvimento econômico e social
Alma Ata, a atenção primária foi apro-
adequada, saúde materno-infantil
(WORLD BANK 1993; WHO 2001a).
vada como a principal estratégia para
(incluindo planejamento familiar),
Entretanto, o impacto da atenção
atingir a meta de “Saúde para todos
medidas de prevenção, provisão de
básica no alcance desses objetivos
no Ano 2000” (ASSEMBLÉIA MUNDIAL
medicamentos essenciais, garantia
não foi investigado de maneira sis-
S AÚDE, 1977), e definida como:
temática. Quase um quarto de século após Alma Ata (1978), existe pouca evidência disponível sobre o impacto da atenção básica na saúde da população e, menos ainda, no desenvolvimento socioeconômico ao longo do tempo (HILL et al., 2000).
DA
A atenção essencial à saúde baseada em práticas e tecnologias cientificamente comprovadas e socialmente aceitáveis, universalmente acessíveis a indivíduos e famílias de uma comunidade, a um custo compatível com o estágio de desenvolvimento de cada país [...] É função cen-
de acesso aos serviços etc. (WALT, 1994; ALMEIDA , 1995). O enfoque de Atenção Primária, promovido também pela U NICEF , conjuntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi acolhido entusiasticamente pelos países da periferia, mas tratado de
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
245
MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane
forma muito mais cautelosa nos
FIGURA 1 – Atenção básica e sua relação com o sistema de saúde
países desenvolvidos. Mais tarde, esse significado foi mudando e se confundindo com o de atenção básica, sendo que, para alguns autores, refere-se a um determinado nível de atenção; para outros, é um conjunto de serviços ou intervenções em saúde ou uma estratégia de conscientização das comunidades para melhora de seus problemas coletivos de saúde (VUORI , 1985). Neste trabalho, elaboramos um modelo teórico (ou uma representação) da atenção básica que tenta incorporar essas diferentes dimensões (Figura 1). A ênfase está posta nas
muns; controles pré-natais e outros;
setores como os de educação, sa-
características e funções essenciais
vacinações; planejamento familiar;
neamento básico, meio ambiente ou
da atenção básica e nas suas rela-
educação em saúde; nutrição e
desenvolvimento econômico. No
ções com os outros elementos do
atenção a problemas não graves de
entanto, a atenção básica deve ser
sistema de saúde, definido de for-
saúde mental. Entretanto, a aten-
responsável pela criação e manu-
ma ampla pela Organização Mun-
ção básica tem uma abrangência
tenção da inter-relação entre esses
dial da Saúde como “todas as ações
maior do que o mero fornecimento
setores e a saúde das populações.
cuja principal intenção é promover
de serviços de assistência médica,
E o grau de participação da aten-
a saúde” (WHO, 2000. p. 5). Esse
inter-relacionando e integrando ou-
ção básica nessas ações vai variar
modelo pode ser utilizado para des-
tras dimensões funcionais do sis-
segundo o tipo de ação e a disponi-
crever qualquer unidade de aten-
tema de saúde, representadas pe-
bilidade de recursos.
ção básica, seja pública, privada ou
las linhas que irradiam do círculo
Devido à tendência mundial à
não governamental.
central e estabelecem as conexões
descentralização e à privatização
No meio do círculo, na Figura 1,
mencionadas. Ao conectar a aten-
de serviços públicos, hoje muitas
a atenção básica é composta pela
ção básica com outras ações inter-
das ações originalmente pensadas
assistência preventiva e curativa,
setoriais, o que se propõe é que ela
em Alma Ata como parte da aten-
centrada na pessoa, e deve resol-
possa influir nas demais ações ne-
ção básica estão sendo desenvol-
ver a maioria dos problemas de
cessárias para as mudanças nos de-
vidas por organizações não-gover-
saúde da população. Incluem-se aí
terminantes não biológicos da saú-
namentais ou empresas privadas,
serviços básicos de assistência
de, sem ser a responsável direta
que na maioria dos casos não têm
médica, como o tratamento cotidia-
pela execução dessas atividades,
relação formal com o setor saúde
no da maioria das doenças agudas,
que podem ser concebidas, finan-
(WHO, 2001b). Isso justifica a de-
crônicas e traumatismos mais co-
ciadas e implementadas por outros
finição da atenção básica pelas
246 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia
funções que cumpre, sendo que
dade), ao longo do tempo, fornece
(1992 e 1998) e na literatura disponí-
essas definições funcionais tam-
atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras,
vel que discute a meta de ‘Saúde para
bém são úteis para avaliar os determinantes da saúde que podem ser mais especificamente enfrenta-
e coordena ou integra os outros tipos de atenção fornecidos em algum outro lugar ou por terceiros. Assim,
Todos no Ano 2000’, elaboramos uma lista dos principais atributos da atenção básica (Quadro 1).
dos pelo setor de serviços de saú-
é definida como um conjunto de fun-
Pesquisas internacionais demons-
de. Do ponto de vista histórico, as
ções que, combinadas, são exclusi-
tram que sistemas de saúde que pos-
próprias definições de atenção bá-
vas da atenção primaria [...] A aten-
suem dimensões como as descritas
ção primaria aborda os problemas
na Quadro 1 estão, em geral, corre-
sica dificultaram a medida do seu impacto na saúde da população
mais comuns da comunidade ofere-
lacionados com custos mais baixos,
(S TARFIELD, 1992; 2003). Esse desa-
cendo serviços de prevenção, cura e reabilitação [...] Ela integra a aten-
fio pode ser superado pelo exame
ção quando existem múltiplos pro-
alto grau de satisfação do usuário
dos elementos estruturais e fun-
blemas de saúde [...] É a atenção
(BERMAN, 2000; B INDMAN et al., 1996;
maior qualidade dos serviços e um
BOERMA, FLEMING, 1998; B UNKER, 2001;
cionais da atenção básica. Entre os elementos estruturais,
CASANOVA; C OLOMER, 1996; S TARFIELD ,
quatro definem o potencial da aten-
1994). Estas dimensões também es-
ção primária – acessibilidade, elenco de serviços, população adscrita e continuidade (ou atenção contí-
O MINISTÉRIO DA SAÚDE DEFINIU A
tão correlacionadas com melhor saú-
ATENÇÃO BÁSICA COMO UM CONJUNTO
quando controladas por outros de-
de em nível populacional, mesmo
nua). E os elementos processuais
DE AÇÕES, DE CARÁTER INDIVIDUAL OU
terminantes como PIB per capita,
incluem a utilização de serviços e o
COLETIVAS , SITUADAS NO PRIMEIRO NÍVEL
renda per capita, número de médi-
reconhecimento das necessidades de saúde da população. São necessá-
DE ATENÇÃO DOS SISTEMAS DE SAÚDE ,
rios um dos quatro elementos estru-
VOLTADAS PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE
cos, uso de tabaco e uso de álcool (MACINKO et al., 2003). No Brasil, o Ministério da Saúde
turais e um dos dois elementos pro-
definiu a atenção básica como um
cessuais (desempenho) para medir
conjunto de ações, de caráter indi-
o potencial e o alcance de cada um
vidual ou coletivas, situadas no pri-
dos atributos da atenção primária,
que organiza e racionaliza o uso de
meiro nível de atenção dos sistemas
que são: porta de entrada, longitu-
todos os recursos, tanto básicos
de saúde, voltadas para a promo-
como especializados, direcionados
ção da saúde, a prevenção dos agra-
para a promoção, manutenção e me-
vos, o tratamento e a reabilitação
dinalidade, integralidade e coordenação (S TARFIELD, 2003). Nessa perspectiva, Barbara Star-
lhora da saúde.
(BRASIL, 1999). Esta definição inclui
É desejável combinar a definição
alguns elementos da definição de
orientada aos serviços de saúde, de
Starfield, tais como a porta de en-
Starfield, com uma noção mais am-
trada e a integralidade da atenção.
pla de atenção básica que reflete o
Mas outras dimensões essenciais da
conceito comunitário e multisseto-
atenção básica (tais como coorde-
rial da atenção primária, como desen-
nação da atenção, vínculo com o
blemas de saúde da pessoa (não di-
volvido nos países em desenvolvimen-
usuário, foco na pessoa) não apare-
recionadas apenas para a enfermi-
to. Baseados no trabalho de Starfield
cem na definição.
field (2003. p. 28) elaborou a seguinte definição de atenção básica: Aquele nível de um sistema de serviço de saúde que funciona como porta de entrada no sistema, atendendo todas as necessidades e pro-
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
247
MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane
QUADRO 1 - Definições das dimensões essenciais da atenção básica da saúde (STARFIELD, 2003) Dimensão
Definição
Acessibilidade
Envolve a localização do estabelecimento próximo da população à qual atende, os horários e dias em que está aberta para atender, o grau de tolerância para consultas não agendadas e o quanto a população percebe a conveniência destes aspetos da acessibilidade.
Porta de entrada
Implica acessibilidade e uso do serviço a cada novo problema ou novo episódio de um problema pelo qual as pessoas buscam atenção à saúde.
Vínculo ou longitudinalidade
Pressupõe a existência de uma fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo. Assim a unidade de atenção primária deve ser capaz de identificar a população adscrita, bem como os indivíduos dessa população, que deveriam receber atendimento na unidade de atenção básica, exceto quando for necessário realizar uma consulta fora ou fazer um encaminhamento. Além disso, o vínculo da população com sua fonte de atenção deveria estar refletido em fortes laços interpessoais que refletissem a cooperação mútua entre as pessoas da comunidade e os profissionais de saúde.
Elenco de serviços ou integralidade
Implica que as unidades de atenção primária devem fazer arranjos para que o paciente receba todos os tipos de serviços de atenção à saúde. Isto inclui o encaminhamento para serviços secundários para consultas, serviços terciários para manejo definitivo de problemas específicos, tais como internação domiciliar e outros serviços comunitários.
Coordenação ou integração dos serviços
Requer alguma forma de continuidade, seja por parte dos profissionais, seja por meio de prontuários médicos, ou ambos, além do reconhecimento de problemas – por exemplo, os observados em consultas anteriores ou pelos quais houve algum encaminhamento para outros profissionais deveriam ser avaliados nas consultas subseqüentes.
Centralidade na família
Resulta quando o alcance da integralidade fornece uma base para a consideração dos pacientes dentro de seus ambientes, quando a avaliação das necessidades para a atenção integral considera o contexto familiar e sua exposição a ameaças à saúde e quando o desafio da coordenação da atenção se depara com recursos familiares limitados.
Orientação para a comunidade
Resulta de um alto grau de integralidade na atenção primária. Todas as necessidades relacionadas à saúde dos pacientes ocorrem em um contexto social; o reconhecimento dessas necessidades freqüentemente requer o conhecimento do contexto social.
Formação profissional
Não é uma dimensão definida, para Starfield, mas representa um importante requisito para que os profissionais de saúde sejam capacitados para desempenhar suas funções segundo estas dimensões. Pressupõe que a atenção básica seja uma área de ‘especialização’ que requer formação específica.
METODOLOGIA
Hopkins (S TARFIELD, 2000; 1998). Pes-
plementação da política. Essas
quisadores norte-americanos de-
ações foram selecionadas segundo
Esta pesquisa foi desenhada para
monstraram que este instrumento
seu potencial para melhorar a efe-
validar uma metodologia de avalia-
possibilitou medir as dimensões es-
tividade da atenção primária.
ção rápida dos elementos organiza-
senciais da atenção básica de ma-
O município de Petrópolis, no Rio
cionais e de desempenho do siste-
neira válida e confiável (S HI et al.,
de Janeiro, foi escolhido para testar
ma de atenção básica do SUS. Foi
2001). O instrumento foi original-
a metodologia pela facilidade de
realizada pela adaptação de um ins-
mente desenhado para ser usado
acesso; por ter um sistema local de
trumento – o Primary Care Assess-
com informantes-chave e inclui
saúde com razoável tradição histó-
ment Tool (PCAT) – que é um ques-
questões referentes às dimensões
rica de desenvolvimento da atenção
tionário formulado e validado para
mencionadas antes. Cada uma des-
básica; e ter o PSF funcionando há
avaliar os aspectos críticos da aten-
sas dimensões está relacionada a
cerca de cinco anos, em algumas
ção primária em países industriali-
um determinado número de ações
localidades, sendo que atualmente
zados, como EUA e Canadá, desen-
específicas em nível da prática clí-
está em processo de implantação de
volvido na Universidade de Johns
nica, de saúde pública ou de im-
mais equipes. Além disso, possui
248 Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
Avaliação das características organizacionais dos serviços de atenção básica em Petrópolis: teste de uma metodologia
unidades básicas tradicionais fun-
bém por tipo de programa (PSF
todo entrevistado foi solicitado a
cionando com regularidade.
ou Unidade de Saúde tradicional).
avaliar a sua própria confiança nas
Foram elaboradas duas versões
O fato de as perguntas e as escalas
respostas dadas, ou seja, foi pergun-
do instrumento: uma para ser apli-
serem iguais para cada pessoa en-
tado que porcentagem das respos-
cada aos profissionais que atuam
trevistada, facilita a comparação
tas havia sido extraída de dados
nas unidades de atenção básica –
entre as diferentes unidades, progra-
preexistentes e que porcentagem era
PSF e tradicionais – e outra aos ges-
ma e níveis (por exemplo, compa-
devida unicamente à opinião pes-
tores da Secretaria Municipal de
rando unidades com outras unida-
soal do informante. Por fim, como a
Saúde de Petrópolis (SMS/Petrópo-
des ou comparando programas com
primeira fase da pesquisa foi cen-
lis). Cada instrumento contém cem
outros programas).
trada em apenas um município, os
perguntas específicas sobre aspec-
Vários mecanismos foram utili-
tos da atenção básica, que correspon-
zados para assegurar a validade das
dem a indicadores de avaliação da
respostas. Primeiro, cada informan-
atenção básica tomados de pesqui-
res foram modificados em relação aos originalmente incluídos no questionário PCAT e o instrumento foi adap-
processo de ‘triangulação’ (usando
FOI REALIZADO UM PRÉ -TESTE COM ALGUNS INFORMANTES -CHAVE SELECIONADOS , POIS EMBORA A
tado para melhor refletir o contexto
METODOLOGIA JÁ TENHA SIDO APLICADA
brasileiro. Foi realizado um pré-teste
EM OUTROS PAÍSES LATINO -AMERICANOS,
com alguns informantes-chave selecionados, pois embora a metodolo-
AINDA NÃO HAVIA SIDO APLICADA NO B RASIL
perguntas segundo uma escala predefinida com valores de zero a cin-
mar a sua validade) é muito comum nas pesquisas qualitativas (GOMES VÍCTORIA et al., 2000). Diferenças nos resultados entre tipos de unidades (PSF e tradicional) foram testadas usando o teste X2 . A diferença entre as duas unidades nificativa se a probabilidade calcu-
países latino-americanos, ainda não Cada entrevistado respondeu às
várias fontes de dados para confir-
foi considerada estatisticamente sig-
gia já tenha sido aplicada em outros havia sido aplicada no Brasil. 1
dados secundários disponíveis, a concordância entre ambos. Esse
Cada indicador está relacionado tamcritas no Quadro 1. Alguns indicado-
parados com a análise de fontes de quanti e qualitativos, avaliando-se
sas e experiências internacionais. bém a uma das oito dimensões des-
resultados da sondagem foram com-
lada era menor que 0,05. Este limite-chave foi selecionado segundo os
te é considerado conservador, pois
critérios definidos – cargo atual,
o tamanho da amostra (n = 33) é
número de anos trabalhados na
pequeno (FISHER; VAN BELLE, 1993).
co. As respostas foram somadas e o
municipalidade pesquisada e cre-
valor médio das respostas de todas
denciais profissionais. Segundo,
as perguntas para cada dimensão
vários informantes-chave foram se-
foi calculado para cada pessoa en-
lecionados para abordar o mesmo
O município de Petrópolis fica
trevistada. Essas respostas foram
município, permitindo avaliar a con-
localizado na região serrana flumi-
analisadas individualmente e tam-
cordância inter-avaliador. Terceiro,
nense do estado do Rio de Janeiro.
RESULTADOS
Essa etapa da pesquisa foi financiada com alguns recursos da Bolsa Fulbright, assignada ao professor visitante da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ ), James Macinko, e teve apoio operacional do Departamento de Administração em Planejamento e Saúde (DAPS ) e da Secretaria Municipal de Saúde de Petrópolis, Rio de Janeiro. 1
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 243-256, set./dez. 2003
249
MACINKO, James; ALMEIDA, Celia & OLIVEIRA, Eliane
Fundada em 1857, possui uma altitude de 809m, com uma área total de 776,6km² e uma população de 286.348 habitantes, perfazendo uma densidade demográfica de 359,49
TABELA 1 – Características do Município, 2002 Indicador
Petrópolis
Estado do Rio
2
Área (km )
811
43.696
Habitantes
286.348
14.724.479
habitantes/km², segundo o Censo
Renda per capita anual (R$)
7.588
9.788
Demográfico de 2002. Aos 160 anos,
Taxa de mortalidade infantil/1.000 NV
23,20
19,74
Petrópolis possui mais de 700 cons-
Proporção de NV com baixo peso ao nascer
10,34
8,58
truções históricas, tombadas em
Proporção de NV de mães com > 4 consultas pré-natais
90,53
89,67
prol da preservação do patrimônio.
Taxa de mortalidade por doenças cerebrovasculares/100,000)
79,57
60,23
Entre elas encontram-se o Museu
Cobertura pelo PSF (%) (2002)
14,66
12,87
Imperial, a casa de Santos Dumont,
Estabelecimentos de saúde
152
4.679
a catedral São Pedro de Alcântara,
Estabelecimentos públicos
41
1.765
o palácio Rio Negro, o Museu Casa
Estabelecimentos municipais
40
1.660
do Colono, o Palácio de Cristal e o
Estabelecimentos privados com fins lucrativos
100
2.644
palácio Quitandinha, que atraem
Estabelecimentos ambulatoriais
86
2.966
mais de 500 mil turistas por ano.
Serviços de Apoio a Diagnose e Terapia
52
1.183
Empregos de Saúde
6.724
249.704
Empregos médicos
2.505
29.885
276
11.964
A Cidade Imperial, como é chamada, fica a uma hora da capital e vem ganhando destaque no país como pólo de alta tecnologia. É a única cidade brasileira a fazer parte da World Tecnópolis Association (WTA), considerado o mais importante organismo internacional na promoção de projetos e estudos entre as tecnópolis espalhadas pelo mundo. Alguns dados sobre o município e sua inserção no estado do Rio de Janeiro estão resumidos na Tabela 1. Foram entrevistados profissionais (médico ou enfermeiro) de 23 (90%) das 26 unidades do PSF e dez (75%) dos 15 postos e centros de saú-
Empregos de Enfermeiros Fonte: IBGE, 2002.
ria da população, identificados pelo
de 5) para o PSF e 3.9 para os pos-
censo, com base no número de pro-
tos e centros de saúde. Esta diferen-
cedimentos executados por unidade
ça (p