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May 23, 2017 | Autor: Sabrina Sedlmayer | Categoria: Literatura, Poesia Brasileira, Carlos Drummond de Andrade
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AMAR O PERDIDO É quase sempre da ordem das paixões alegres descobrir que há poemas novos para serem lidos de autoria de um poeta que admiramos. Mais ainda, se esses poemas foram descobertos por uma estudante, em uma pesquisa de iniciação científica, em uma universidade pública brasileira. Neste gesto, plasma a visão do passado como algo vivo, novo, mutável; a potência do estudo, da tarefa interminável da busca, como, também, a compreensão de que o cânone literário não é uma lista cerrada de obras, e deve ser sempre revigorado, aberto, relido, analisado.
Foi em 2015 que a graduanda em letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Mayra de Souza Fontebasso, orientada pelo professor Wilton José Marques – especialista em literatura brasileira e responsável pela pesquisa 'Os modernistas e a revista Raça (1927-1934)' –, encontrou três poemas de Carlos Drummond de Andrade durante a análise de um determinado número do periódico, textos nunca antes catalogados ou incluídos na obra completa do escritor mineiro.
Trata-se de poemas de um jovem e titubeante autor, elaborados nos anos 20 do século passado e publicados na revista, com abrangência local, em 1929. Impossível não pontuar que se trata de um Drummond antes do encontro com o moderno Mário de Andrade, antes de ser leitor confesso do paradoxo chamado Fernando Pessoa, autor que não olhava para o passado como fonte inesgotável de interpretações, que ainda não morava no Rio de Janeiro e de lá via o mundo, nem discorria acerca da finitude humana.
Mas se são três poemas de um Drummond sem a rubrica do gauche, por que o lampejo de ineditismo e de vigor da descoberta?
Além das duas razões mencionadas no primeiro parágrafo deste texto, os 'poemas perdidos', como vêm sendo apelidados, são capazes de marcar referências dentro da trajetória do autor; convidam especialistas e leitores a analisar como, no início da carreira, o corpo (dois poemas falam sobre as mãos, mãos soluçantes e mãos que não terão outras mãos; o outro, sobre os olhos que adormecem vendo a beleza da terra) aparece de forma sinestésica e com cadência musical, substantivado; porque sobreviveram, apesar do silêncio do autor (como se sabe, Drummond foi responsável pela seleção e organização crítica de antologias excelentes da sua própria obra), ou seja, apesar de ele não os querer como exemplos.
Não se trata, assim, de poemas inéditos – porque foram publicados –, mas de poemas editados em uma revista quase desconhecida nacionalmente, que abrigou vozes experimentais que se transformaram, tempos depois, num coro inquieto e absurdamente criativo, no que hoje reconhecemos, em nossa identidade nacional, como o nosso Modernismo.

Sabrina Sedlmayer é professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e editora da revista Aletria.


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