Amazônia audiovisual – representatividades contemporâneas. Cinema documentário na Amazônia no período de 1997 a 2013

July 15, 2017 | Autor: Gustavo Soranz | Categoria: Amazonia, Documentário
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GT 03 – Comunicação, Culturas e Complexidade na Panamazônia

Amazônia audiovisual – representatividades contemporâneas. Cinema documentário na Amazônia no período de 1997 a 2013

Gustavo Soranz Doutorando em cinema pelo programa de Pós-graduação em Multimeios (Unicamp). Professor do Uninorte. Pesquisador do NAVI/UFAM e Documentarista.

Resumo Buscamos apresentar o projeto de pesquisa Amazônia Audiovisual – representatividades contemporâneas, destacando como escolhemos o seu objeto de interesse, como optamos em recortar esse objeto e problemáticas e contingências surgidas dessas opções. Palavras-chave: Amazônia. Cinema. documentário Abstract We seek to present the research project Audiovisual Amazon - contemporary representativeness, highlighting how we choose your subject of interest, as we chose to cut this object and issues arising and contingencies of these options. Key-Words: Amazonia. cinema. documentary film

Introdução Com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre o cinema que vem sendo produzido na região amazônica no período de 1997 até o ano de 2013, o Núcleo de Antropologia Visual – NAVI – da Universidade Federal do Amazonas, está conduzindo a pesquisa Amazônia Audiovisual – representatividades contemporâneas, que conta com financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Amazonas e está sendo realizado no período de 2012 a 2014. Neste artigo apresentaremos os elementos que contribuíram para conformar o projeto de pesquisa, destacando as motivações atuais e histórico do NAVI acerca do tema; os critérios do recorte no objeto de interesse; a definição da metodologia da coleta de dados e os objetivos de análise propostos inicialmente.

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A Amazônia no cinema e o cinema na Amazônia O NAVI é um grupo de pesquisas vinculado ao CNPq que tem como interesse principal o estudo das imagens para a compreensão dos fenômenos sociais, trabalhando com questões relacionadas a imagens e imaginário, manifestações artístico-culturais e representações do mundo urbano e rural relacionadas, sobretudo, à Amazônia. O interesse em refletir sobre a representação da Amazônia por meio das imagens técnicas levou o NAVI a constituir um banco de imagens sobre a região, composto principalmente por filmes nela realizados ou que tematizam questões relacionadas às suas problemáticas principais. Iniciado em 2006, o acervo reúne desde produções internacionais de filmes de ficção, que tiveram ampla circulação internacional em circuitos comerciais ou de festivais, até documentários de realizadores independentes produzidos em diferentes localidades da extensa área amazônica, que tiveram pouca ou nenhuma circulação e visibilidade. Os filmes ligados a esse último caso, praticamente desconhecidos de um circuito mais amplo para além do seu contexto imediato de produção, motivou o grupo a conceber a Mostra Amazônica do Filme Etnográfico 89, destinada justamente a reunir filmes contemporâneos realizados na região amazônica, incluída aqui em sua dimensão transnacional. É importante destacar aqui que o NAVI nasceu e continua no seio do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Essa filiação coloca o grupo em contato direto com preocupações importantes no âmbito desse programa, quais sejam, buscar interpretar a Amazônia segundo seus processos socioculturais próprios, assim como reinterpretar as interpretações historicamente construídas sobre a região, revelando de onde emanam e como são elaborados discursos e representações que acabaram por se difundir sobre a região e que ainda hoje são evocadas para a análise de sua situação particular, baseando-se em noções pré-concebidas, ignorando sua realidade concreta.

Nessa perspectiva queremos sugerir que o processo de formação do pensamento que construiu a Amazônia, como um espaço natural e cultural, vem ao longo desses cinco séculos produzindo e continuamente reinventando, a partir de um conjunto relativamente limitado de ideias, as percepções que se tornaram as mais

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Cinco edições da mostra já foram realizadas – 2006, 2007, 2008, 2009 e 2011. Em todas elas contou com mostra competitiva e mostras em homenagem a diretores cuja obra tem longa relação com a região. Para saber mais acesse www.navi.ufam.edu.br.

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persistentes, dentro certamente do quadro mais amplo e diversificado da geografia do Novo Mundo. (Pinto, 2006, p.13)

Alinhado a esses interesses, os trabalhos desenvolvidos pelo NAVI na organização de mostras e debates, os projetos de pesquisa de seus pesquisadores e estudantes, assim como os filmes realizados por membros do grupo, buscam trazer o cinema para o centro deste esforço de reflexão e análise sobre as representações construídas sobre a Amazônia, tomando-o como objeto de pesquisa. Desde as experiências com os dispositivos de registro de imagens técnicas que buscavam a decomposição do movimento promovidas pelo médico fisiologista Etienne-Jules Marey e pelo fotógrafo Eadweard Muybridge, em meados do século XIX, até a invenção propriamente dos dispositivos cinematográficos, com a chegada do cinematógrafo dos irmãos Lumière no final do mesmo século, entre outros mecanismos de registro de imagens em movimento, o cinema tem sido utilizado como instrumento em pesquisas científicas no campo das ciências humanas e sociais. Podemos tomar como exemplo a expedição da Universidade de Cambridge ao Estreito de Torres em 1898, liderada por Alfred Cort Haddon, onde um cinematógrafo Lumière estava relacionado como um dos instrumentos centrais da pesquisa de campo. Desta expedição resultam as primeiras imagens antropológicas tomadas em campo. Registros de um mundo evanescente, tomados para a observação posterior. Com o advento do cinema as ciências humanas e sociais passaram a contar com um poderoso instrumento na atividade de campo, que permite o registro do mundo histórico, assim como de processos socioculturais, em sua dinâmica, registrando os movimentos dos corpos e das coisas que, dadas suas condições técnicas, permite a observação diferida, o que amplia as possibilidades de análise de uma realidade sociocultural. Tal possibilidade alçou o cinema à condição de objeto de pesquisa nesses campos de conhecimento.

Nesta vertente do campo de estudos que, acompanhando Claudine de France, chamaremos de “antropologia fílmica”, o objetivo primeiro é a análise meticulosa de filmes – documentários ou não – cujas temáticas sejam suscetíveis de fornecer subsídios para o estudo de um grupo humano qualquer ou de aspectos específicos da vida de um determinado grupo. O interesse de tal estudo repousa sobre elementos que se constituem na própria especificidade do cinema: a sua possibilidade de perenizar a fugacidade de um sem-número de manisfetações humanas, contrariando assim a temporalidade sempre evancescente do mundo histórico. (Freire, 2012, p. 107)

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Como assinalado acima, buscamos, à partir da análise de filmes realizados na Amazônia, ampliar a possibilidade de observação sobre sua dimensão sociocultural. Em outras palavras, buscamos utilizar o cinema como forma legítima de interpretar e reinterpretar a Amazônia.

O recorte no objeto Ao nos debruçarmos sobre um projeto de pesquisa que tem como foco de interesse um objeto tão amplo como a Amazônia, ou, mais precisamente, filmes sobre a Amazônia, diversas questões se impõem: de que filmes sobre a Amazônia estamos falando? Tratam-se de filmes realizados efetivamente na região ou que apenas a tomam como tema ou a ela fazem alusão? Há diferença entre documentários, filmes de ficção ou produções experimentais? Como teremos acesso a esses filmes? Para tentar delimitar nosso projeto a fim de definir critérios mais claros para o andamento da pesquisa, nos dedicamos a tentar responder essas perguntas na etapa inicial da pesquisa. Em primeiro lugar, buscamos delimitar sobre que Amazônia estamos falando. Partimos da noção de Amazônia Legal, que considera, dentro do território brasileiro, como pertencentes à Amazônia os seguintes estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, incluídos em sua totalidade, e os estados do Mato Grosso e do Maranhão parcialmente. Como não nos interessa uma noção temática sobre a Amazônia – não nos restringimos a filmes sobre a relação do homem com a floresta ou de grupos indígenas, por exemplo – excluímos do nosso recorte os estados do Mato Grosso e do Maranhão, uma vez que teríamos dificuldade em delimitar quais filmes desses estados poderiam ser considerados como pertencentes à região Amazônica. Baseado em nossa experiência na condução da Mostra Amazônica do Filme Etnográfico, resolvemos excluir também o estado do Tocantins, devido a este não ter apresentado produção significativa dentro do período coberto pelas edições da Mostra. 90 Então, nossa pesquisa considera, para efeito de levantamento de seu corpus de filmes, os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima.

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É evidente que não consideramos que a Mostra Amazônica do Filme Etnográfico teve condições de reunir a totalidade de filmes produzidos nos estados amazônicos dentro de seu período histórico de abrangência. Porém, consideramos que a experiência com a Mostra serviria de parâmetro importante para delimitarmos inicialmente este nosso projeto de pesquisa.

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Observações iniciais sobre o recorte proposto Este recorte geográfico para o levantamento dos filmes nos levou a uma série de contingências. Por exemplo, com o Maranhão de fora, não incluímos em nosso levantamento filmes do cineasta Murilo Santos, um importante cineasta do estado, que tem trabalhado junto a populações tradicionais e abordado assuntos importantes e caros à região, como a questão do conflito de terras, por exemplo. Do mesmo modo, ficando o Mato Grosso de fora, não contamos com parte significativa de filmes da Ong Vídeo nas Aldeias, que tem atuação importante junto a diversas etnias que hoje estão radicadas no Parque Indígena do Xingú, com um trabalho reconhecido de utilização do cinema como forma de autoexpressão de grupos indígenas no Brasil. Por outro lado, o recorte adotado nos permite levantar dados sobre uma realidade praticamente desconhecida dentro dos limites da cinematografia nacional, uma vez que, historicamente, estes estados tem produção pouco expressiva dentro da que podemos considerar como a cadeia produtiva do cinema nacional. Em segundo lugar, buscamos delimitar um período histórico. Para este fim, estabelecemos como marco inicial da pesquisa o filme “O cineasta da Selva”, dirigido pelo cineasta amazonense Aurélio Michiles, lançado em 1997. Uma série de fatores nos levou a escolher este filme: foi um filme lançado no período que ficou conhecido com de “retomada do cinema brasileiro”91; foi dirigido por um cineasta amazonense e tratava de um tema ligado à Amazônia.92 O marco final escolhido para o levantamento da pesquisa foi o ano de 2013, a fim de garantir um levantamento amplo da produção contemporânea da região. A escolha do filme “O cineasta da selva” nos colocou diante de uma série de questões, que nos confrontaram com os desafios da pesquisa que estávamos iniciando e os limites de nosso corpus de filmes. Com o levantamento de filmes avançando, começamos a notar que nosso marco inicial em tudo se distanciava da realidade da produção da região dali em diante. O filme de Aurélio Michiles foi filmado em película e teve distribuição comercial em salas de cinema. Muito provavelmente, ao final de nosso levantamento, não teremos nenhum outro filme com essas condições reunidas. Apesar de ser amazonense, o cineasta está radicada há 91

O período conhecido como retomada do cinema brasileiro ficou assim conhecido devido à reestruturação da produção de cinema no Brasil, após o desmonte ocorrido no governo do ex-presidente Fernando Collor, que acabou com a estrutura estatal de apoio à atividade no ano de 1992, o que levou à debacle da atividade no país. Como marco inicial da chamada retomada podemos tomar o filme “Carlota Joaquina – a princesa do Brasil”, dirigido por Carla Camurati, lançado em 1995. 92

No caso, uma cinebiografia do cineasta luso-brasileiro Silvino Santos, radicado em Manuas e pioneiro do cinema no Brasil.

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vários anos em São Paulo, tendo a produção sido conduzida com praticamente nenhuma presença de profissionais que trabalhavam efetivamente na cidade de Manaus. Tal situação nos levou a pensar na situação de uma condição necessária a todo filme que integrasse nosso corpus, a condição de pertencimento às cadeias produtivas locais. Por pertencimento às cadeias locais de produção, entendemos que o filme tem que ser conduzido por equipes, diretores ou produtoras que estão situadas nos 6 estados que estamos considerando para a pesquisa. Desse modo, não basta um filme apenas ser rodado nos estados da pesquisa para ser incluído em seu corpus. Estão excluídos assim filmes que são produzidos na Amazônia, mas que não são, propriamente, produções desses estados que listamos mais acima. Essa noção de pertencimento nos permite lançar um olhar sobre as cadeias produtivas locais e considerar como evoluiram ou se desenvolveram dentro do período histórico proposto para a análise, de modo que a pesquisa deve trazer, ao seu final, uma contribuição interessante sobre como estão se estabelecendo as cadeias produtivas de cinema nos estados da região amazônica exatamente em um período marcado por expansão da produção graças a facilidades tecnológicas e políticas públicas focadas cada vez mais claramente em regionalização e descentralização da produção cinematográfica no Brasil.

Considerações finais Buscamos aqui apresentar os elementos essenciais do projeto de pesquisa “Amazônia audiovisual – representatividades contemporâneas”, destacando as opções de recorte sobre seu objeto de pesquisa, um corpus fílmico reunido à partir da produção de 6 estados pertencentes à Amazônia: Amazonas, Acre, Pará, Rondônia, Roraima e Amapá, assim como evidenciar problemas e contingências surgidas no desenvolvimento do seu processo de coleta de dados, elementos com os quais nos debatemos para conduzir mais clara e criteriosamente o levantamento necessário às expectativas de um projeto dessa natureza. Como o projeto encontra-se atualmente em desenvolvimento, não temos ainda como apresentar o resultado das análises e dos dados levantados. Mas cabe aqui dizer que entre seus resultados esperados estão, além do levantamento quantitativo, um estudo qualitativo do corpus, com análises fílmicas específicas à partir de eixos temáticos e linhas de força ainda a serem definidas.

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