Ambição política definiu tom da diplomacia

Share Embed


Descrição do Produto

Ambição política definiu tom da diplomacia


CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
Junta desde 2003, a troica formada pelo presidente Lula, pelo chanceler
Celso Amorim e por Marco Aurélio Garcia, assessor do Planalto, mudou a
ênfase da política externa brasileira.
Ao foco econômico-comercial predominante desde a redemocratização foi
agregado um viés político, definido como uma aposta na multipolaridade e no
aumento da projeção do Brasil --com o reforço do pleito à cadeira
permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O caminho para esse objetivo ora seguiu regras estabelecidas --como na
decisão de aceitar o comando da missão no Haiti, revendo a posição de não
participar de forças de intervenção--, ora passou pelo questionamento do
status quo, caso do voto contrário às sanções contra o projeto nuclear do
Irã. Como instrumento, houve reforço do Itamaraty, com aumentos de 48% no
total de diplomatas (para 1.591), de 127% nos salários e de 39% nas
representações no exterior --61 foram abertas, a maioria na África, no
Caribe e na Ásia.
Para desagrado de quadros antigos, Amorim alçou uma nova geração ao comando
da pasta. Hoje, a maioria dos ocupantes de cargos importantes foi promovida
a embaixador por ele, entre os quais seu ex-chefe de gabinete Antonio
Patriota, que será seu sucessor no governo de Dilma Rousseff.
Os resultados das mudanças são controvertidos; os críticos falam em
dispersão de esforços e em confundir prestígio com resultados. Mas os
fatores que a embasaram são claros.
Internamente, eles incluem a chegada ao poder do PT, com histórico de
desconfiança em relação aos EUA, e a redução da vulnerabilidade econômica
externa, que levava a posições defensivas.
Sandra Rios e Pedro da Motta Veiga, do Centro de Estudos de Integração e
Desenvolvimento, elencam também a afirmação do agronegócio e da mineração
como exportadores competitivos e os interesses das multinacionais
brasileiras.
No mundo, houve o fim do consenso liberal dos anos 90, a "negligência" dos
EUA em relação à América Latina, devido às guerras no Iraque e no
Afeganistão, e a consolidação de novos polos econômicos, China à frente.
Combinados, os dois cenários mudaram a geografia comercial brasileira e
resultaram numa proliferação de fóruns, com presença ou de iniciativa do
Brasil.
G20 financeiro, G20 comercial, Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), Ibas
(Índia, Brasil e África do Sul) e Unasul (União Sul-Americana de Nações),
por exemplo, não existiam em 2002.
Parte desses grupos --a maioria no eixo Sul-Sul-- teve mais efeito no
reforço do peso do país do que na promoção de posições comuns, dada a
heterogeneidade de seus integrantes.
COMÉRCIO
No período, os EUA passaram de segundo destino das exportações nacionais
(25,7% do total), logo atrás dos europeus, para o quarto lugar (9,8%) neste
ano, em que a Ásia lidera (28,1%), seguida da América Latina.
A relação ambígua com a China --importadora de matérias-primas e
competidora das manufaturas nacionais-- vem exigindo um planejamento
estratégico que deixou de ser feito.
O governo deu prioridade à Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do
Comércio), com o objetivo de abrir os mercados ricos aos produtos
agrícolas, mas a crise de 2008 inviabilizou um acordo. Fez, com o Mercosul,
poucos tratados comerciais --com Israel, Egito, Índia, andinos e África
Austral.
Há quem reclame uma reorientação do comércio para os países desenvolvidos,
mas a eficácia disso é posta em dúvida pelas dificuldades enfrentadas pelos
países que privilegiaram a parceria com os EUA, como o México.
Na América do Sul, maior mercado da indústria nacional, o problema é
inverso. A Unasul, voltada à coordenação política, é vista como uma "fuga
para a frente" diante das dificuldades de avançar na integração econômica
regional.
O Brasil acumula superavits com os vizinhos. Mais citado como líder
regional, segundo a pesquisa Latinobarómetro, é cobrado pela redução dessa
assimetria.
Mas falta consenso interno sobre o custo da liderança sul-americana, como
se viu na reação negativa à posição branda do governo na nacionalização da
refinaria da Petrobras na Bolívia e à renegociação do preço pago ao
Paraguai pela energia de Itaipu.
CONTRADIÇÕES
Definido pela revista "Foreign Policy" como "the ultimate soft-power power"
(a quintessência da potência de poder brando), o Brasil de Lula e Amorim
gosta de enfatizar a paz com os vizinhos, o multilateralismo e a qualidade
de mediador neutro, destacada na superativa diplomacia presidencial.
Mas a retórica idealista esbarrou várias vezes na realidade do poder. Foi o
que ocorreu no caso do Irã, quando China e Rússia aderiram à posição dos
EUA e o americano Barack Obama recuou da carta em que incentivava Brasil e
Turquia a negociar.
Foi o que se viu também nas derrotas em disputas por cargos relevantes --as
direções da OMC, do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e da OMPI
(órgão de propriedade intelectual).
O país aderiu a preceitos do "poder duro", como no reforço da dissuasão
militar e na defesa do desenvolvimento autônomo da tecnologia nuclear. A
política de não condenar países acusados de violar direitos humanos é
relacionada à expectativa de apoio em disputas futuras.
Criticada pela contradição com os princípios nacionais, a atuação nessa
área causou rivalidade entre o círculo de Dilma Rousseff e o Itamaraty. O
primeiro atribui a Amorim leniência com violadores, enquanto diplomatas
notam que foi Lula quem demonstrou mais efusividade com dirigentes
autoritários.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.