Amizade na linha de chegada

May 24, 2017 | Autor: R. Venancio | Categoria: Sports History, Motorsports
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Amizade na linha de chegada Rafael Duarte Oliveira Venâncio

“Bom dia, bom dia”. As garagens da pista de corrida argentina eram invadidas por uma voz alegre que a todos cumprimentava. Afinal, era a primeira vez que o jovem Pedro ia participar do campeonato mundial de corrida de carros, e ele não se continha de tanta felicidade. Pedro tinha 18 anos e um fôlego de carro novo. Nascido em uma pequena cidade da Inglaterra, o menino de cabelos pretos e olhos amendoados via o seu sonho se tornar realidade. Aquele que antes corria pelos bosques, imitando o som de potentes carros, agora pilota um deles. “Bom dia, patrão”, disse Pedro ao ver o dono de sua equipe. Um italiano de cabelos brancos e óculos bem grossos, o patrão era um mito das corridas. Amigo de uns, inimigo de outros, mas sempre respeitado por sua competência de montar carros rápidos e de contratar pilotos extremamente competentes. A escolha do patrão por Pedro foi simples. Jovem, rápido e uma promessa local. Pedro era amado pelo por todos. O menino do interior inglês tinha tudo para construir uma longa carreira na equipe italiana. Junto com Pedro, o patrão também apostava em outra promessa: Luiz. O menino Luiz, com cabelos crespos e olhos escuros, era italiano que nem a equipe. Quando ele foi anunciado pelo patrão nos jornais locais, a Itália inteira começou a comemorar. Na sua cidade, até mesmo uma macarronada gratuita foi oferecida pelo prefeito para todos festejarem. Só que a contrário de Pedro, Luiz não tinha um jeito alegre. Não dizia bom dia, nem mesmo olhava no rosto das pessoas. Ele se achava mais importante que os demais, porque corria na famosa equipe de carros de corrida de seu país. De todos os meninos italianos, ele foi o escolhido do patrão. Isso só o deixava vaidoso e cercado de pessoas muito estranhas. Era com algumas dessas pessoas que Luiz estava falando nas garagens da equipe quando Pedro o encontrou. “Bom dia!”, disse o menino inglês. “Não para você”, respondeu o italiano seguido das risadas dos seus amigos. “Silêncio aqui! Respeito com o campeão do mundo, que está descansando”, disse o patrão. “Calma, calma! Não precisa de tanta comoção! Estamos todos nos preparando”, disse a voz, no fundo da garagem. O tom da voz descrevia o seu dono. Era uma voz de autoridade tal como os cabelos grisalhos que possuía, emoldurando uma bela de uma careca. O campeão era famoso mundialmente, e o começo do campeonato era na Argentina porque ele nascera lá. Todos o amavam porque era educado, justo e leal. Nunca deixou de ajudar um piloto e sempre era uma voz amiga para qualquer amante das corridas de carro. Todos achavam isso, menos Luiz. Luiz gostava de dizer para qualquer um que o campeão era um grande mal-educado. Ele dizia que 8 Rafael Duarte Oliveira Venâncio.indd 8

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uma vez, quando ele estava nos campeonatos menores da Itália, o velho piloto aparecera para conversar com os amigos. Assim, quando o menino italiano veio pedir uma dica, o campeão foi grosso. “Use o pé direito para acelerar e tome cuidado para não usar os dois pés ao mesmo tempo”, teria dito o campeão. “Quem esse velho acha que é para falar uma idiotice como essa?”, pensou Luiz, enfurecido na hora e sempre que relembrava esse fato. Quando Pedro soube dessa história, recebeu com desconfiança, mas não queria desacreditar no novo parceiro. Afinal, o campeão, mesmo argentino, era ídolo do menino inglês. E não só dele. As garagens do patrão precisavam ser vigiadas na pista de corrida na Argentina, pois todos queriam ver um pouquinho do campeão. Todos queriam vê-lo vencer em sua terra natal. E, assim, uma festa logo se montou na largada da corrida. O campeão saía na liderança, seguido por Luiz. Pedro, na emoção do momento, não soltou o carro propriamente e iniciou sua corrida cantando os pneus, custando algumas posições. Depois de 30 voltas na liderança, o carro do campeão quebrou, para tristeza dos argentinos na pista. Querendo agradar o povo local, na parada para trocar pneus de Luiz, agora na liderança, o patrão o mandou entregar o carro para o campeão. “Mas, patrão, é a minha chance de vencer”, disse um Luiz inconformado. “Me obedeça, garoto. Você terá muitas chances. Honre a carreira do campeão e empreste o carro para ele vencer na frente de sua gente”, ordenou um patrão muito sisudo. Dito e feito. O campeão venceu. Luiz enfureceu, e Pedro teve que lidar com um motor quebrado que o deixou fora do encerramento da corrida. “Acho que usei demais o freio junto do acelerador”, pensou o pobre menino inglês, enquanto empurrava o seu carro de volta para a garagem. Pedro não sabia da ordem do patrão e, quando chegou às garagens, viu um Luiz aos berros. “Nunca mais! Nunca mais, seus velhos! Agora, eu corro por mim!”, gritava o italianinho para o patrão e, de quebra, para o campeão. A promessa feita por Luiz se cumpriu. Com os seus amigos, ele dividiu a equipe do patrão em duas. Uma dele e outra composta pelo campeão e Pedro. No entanto, ele não conseguiu herdar o bom trabalho para conseguir vitórias. Em Mônaco, outra vitória do campeão e o segundo lugar de Luiz, em uma disputa curva a curva. Pedro quebrou a direção do carro e pôde assistir toda a corrida no camarote do príncipe. Já na Bélgica, Pedro resolveu seguir de perto a disputa na pista do campeão e de Luiz. Na última volta, o italiano, em segundo lugar, tentou ultrapassar por dentro o campeão em uma curva. Com isso, furou o pneu do adversário e fez o argentino desistir. Só que o menino italiano perdeu tempo e foi ultrapassado por Pedro. Foi uma primeira vitória acidental do menino inglês. Uma alegria tímida invadiu o moço no alto do pódio e disfarçou para tentar não irritar mais Luiz. Na Inglaterra, terra de Pedro, o menino inglês venceu com folga, seguido por Luiz novamente. O 9 Rafael Duarte Oliveira Venâncio.indd 9

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campeão sequer correu, ficou acamado de gripe. Só que não houve comemoração. O clima na equipe, instaurado por Luiz, era cada vez mais triste. Pareciam que não tinham mais nenhuma felicidade em participar dos eventos do campeonato mundial. Junto com essa tristeza, os amigos de Luiz só o deixavam mais irritado com o fato de que ele ficou em segundo lugar em todas as corridas. Com a confusão dentro da equipe do patrão, as outras equipes podem desenvolver, e o principal rival do campeão, um Sir inglês pode ganhar espaço. Assim, as duas corridas seguintes, na Alemanha, nos Estados Unidos e na França, não só Luiz continuou a cometer erros bobos e ficar no segundo lugar do pódio, mas o Sir venceu as duas corridas. Dessa maneira, na corrida final na Itália, campeão, Pedro e Sir chegavam com duas vitórias. Quem vencesse, tinha a chance de ser campeão mundial. Mas, para Luiz, nada disso era importante. Afinal, a corrida era em sua terra natal, e ele queria vencer a qualquer custo. As primeiras voltas são um embate na liderança entre o campeão e Luiz, seguidos de perto por Sir. Pedro vai atrás, dirigindo com cautela. Na volta 25, o carro do campeão quebra. Luiz vê essa situação e resolve ir para a garagem. Enquanto completavam o combustível no tanque, ele olhou para o campeão com desprezo. “Essa vitória é minha, e nada de emprestar o meu carro para você”, disse o menino italiano com arrogância no olhar. Pedro entrou na garagem logo em seguida com o seu carro. Ao ver o campeão sem carro, ele saiu prontamente e chamou o argentino para pilotá-lo. “Mas, Pedro, você tem chance de vencer o campeonato”, disse o campeão emocionado. “Ainda sou jovem. Posso vencer muitas outras vezes. Você merece esse título”, respondeu Pedro, abanando as mãos, enquanto se despedia. O campeão retornou na terceira posição e viu Luiz, na liderança, fazer um erro bobo logo na última curva. Enquanto Sir se aproveitava para ultrapassá-lo por fora, o campeão acelerou o seu carro e, no limite, passou os dois por dentro. O patrão pulou de alegria na reta de chegada com mais um título para sua equipe e para o seu mais famoso piloto. Pedro vê tudo com felicidade. Enquanto arrumava suas coisas para sair, o patrão encostou a mão no seu ombro e deu de presente a bandeira quadriculada da vitória do campeão. “É sua, menino! Você foi o verdadeiro campeão de hoje. Seu futuro será brilhante conosco”, falou o patrão com orgulho. Pedro apenas pôde dar um abraço de tão emocionado. Chegando a casa, na Inglaterra, deu a bandeira para o seu pai colocar em cima da lareira onde ficava os troféus que ganhara. Junto da bandeira, ele colocou uma foto sua com o patrão e o campeão abraçados. Afinal, não há troféu melhor que a prova de uma amizade verdadeira.

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