Anais do FoMerco – Fórum Universitário Mercosul - XV Congresso Internacional

June 13, 2017 | Autor: Glauber Carvalho | Categoria: Regional Integration, Integración Regional, Integração Regional
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Copyright @2015 by Fórum Universitário do Mercosul – FoMerco @ Os autores É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a devida citação. Editoração: Glauber Cardoso Carvalho Ilustração: Estopim Comunicação e Eventos Capa com inspiração na imagem “América Invertida” de Torres García.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A532

Anais do FoMerco – Fórum Universitário Mercosul / [organização de] Ingrid Sarti e Glauber Carvalho Rio de Janeiro: FoMerco, 2015. n. 2 ISSN 2359-6872 1. Integração regional – Peiódicos. 2. América do Sul Periódicos. 3. Desenvolvimento – Periódicos 4. Política Externa Periódicos. I. FoMerco II. Sarti, Ingrid. III. Carvalho, Glauber CDU 332.135

XV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco Desenvolvimento e autonomia: os rumos da integração De 2 a 4 de setembro de 2015. Universidad Católica “Nuestra Señora de la Asunción” Asunción – Paraguay O XV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco foi viabilizado mediante uma estreita cooperaçao institucional plurinacional. A Comissão Coordenadora foi formada por duas Comissões Organizadoras, a geral e a local, composta pelos membros da UCA e de entidades de pesquisa paraguaias. É também composta por membros de notável saber presentes em uma Comissão Científica, uma Financeira e uma Cultural. Conta ainda com a coordenação dos Eixos de Trabalho, responsável pela atividade de encontros de grupos de pesquisa que ocorre a cada dois anos nos Congressos do FoMerco. Comissão Organizadora Ingrid Sarti (UFRJ) presidente Gizlene Neder (UFF) Gonzalo Berrón (FES) Gustavo Codas (FPA) Igor Fuser (Ufabc) José Renato Vieira Martins (Unila) Mônica Bruckmann (UFRJ) Mônica Leite Lessa (PPGRI/Uerj) Williams Gonçalves (PPGRI/Uerj) Glauber Carvalho (doutorando UFRJ/Centro Internacional Celso Furtado) Tamara Lajtman Bereicôa (mestre Unam)

Núcleo Paraguai Coordenação e Produção: Barbara Gomez (Icso) Anibal Orué (CDE/UNE) Comissão Organizadora Blanca Aquino (Instituto Desarrollo) Diego Segovia (ORMC) Galo Bogarín (Cepag) José Carlos Rodrigues (CDE) Luis Ortiz (Icso/UCA) Marcello Lachi (Ceepg) Maria Belén Senvis (Cadep) Marielle Palau (Base-IS) Miguel Enciso (Ceri) Sarah Zevaco (Seppy)

Comissão Científica

Núcleo Cultural

Dionisio Borda (Caped, Py) Ennio Candotti (SBPC) Gerardo Caetano (UdelaR) Hernan Thomas (Quilmes, Arg.) José Luis Fiori (UFRJ) Marcos Costa Lima (UFPE) Mariana Vázquez (UBA, Arg.) Ramon Fogel (Ceri, Py) Susana Novick (UBA) Theotônio dos Santos (Reggen) Tullo Vigevani (Unesp)

Mônica Leite Lessa (PPGRI/UERJ) Maria Luiza Franco Busse (UFRJ) Olga Maria Zarza (Centro Cultural de la Ciudad) Coordenação de Eixos-GTs Karina Pasquariello Mariano (Unesp) Hugo Agudelo (UEM) Comissão de Finanças Frederico Katz (UFPE) Gizlene Néder (UFF) Maria Belén Senvis (Cadep)

Fórum Universitário Mercosul – FoMerco (Gestão 2013-2015) Presidenta Ingrid Sarti (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) Vice-presidente José Renato Vieira Martins (Universidade da Integração Latino-Americana – Unila) Conselho Consultivo Membros Efetivos Alejandro Casas (UdelaR) Filipe Reis (UEPB) Hugo Agudelo (UEM) Jamile Bargamaschine Mata Diz (UFMG) Monica Aparecida Rocha (UFT) Membros Suplentes Daniela Perrota (UBA) Frederico Katz (UFPE) Gustavo Codas Mônica Leite Lessa (UERJ) William Gonçalves (UERJ) Coordenadores de Grupos de Trabalho (GT) Karina Pasquariello Mariano (Unesp) Hugo Agudelo Murillo (UEM) Presidentes de Honra Gisálio Cerqueira Filho (UFF) Susana Novick (UBA) Marcos Costa Lima (UFPE) Ayrton Fausto (Flacso) Tullo Vigevani (Unesp) Sônia de Camargo (PUC-RJ) Guy de Almeida (PUC-MG)

SUMÁRIO Introdução. Ingrid Sarti Apresentação dos Eixos. Hugo AgudeloMurillo e Karina Pasquariello Mariano Programação do XV Congresso Relatórios dos Painéis La nueva estructura financiera regional y la cuestión energética como estrategia de desarrollo Gustavo Rojas Fazendo ciência e tecnologia a partir da periferia: como derrubar as fronteiras de uma epistemologia eurocêntrica Flávia Guerra Cavalcanti Industrialización versus primarización: un dilema del desenvolvimiento Tamara Lajtman El Mercosur de los pueblos Leonardo Granato Poder e narrativa na democracia da América Latina: o papel da cultura nos processos de integração Leonardo Valente Participação social para uma integração soberana e emancipadora Carolina Albuquerque Silva

Eixo I Territórios, Fronteira e Infraestrutura de Integração Coordenação 2015: Karina Benito (UBA) ARTIGOS Diagnóstico da Infraestrutura Logística de Mato Grosso do Sul: Uma abordagem geográfica Danilo Sanches Dantas Adauto de Oliveira Souza Governo e Infraestrutura Econômica: a logística no processo de reestruturação espacial da região Centro-Oeste, no Brasil Adauto de Oliveira Souza Silvana de Abreu

O Território da Cidadania da Grande Dourados: possibilidades de inclusão social Gilson Carlos Visú Silvana de Abreu Adauto de Oliveira Souza RESUMOS Companhia Matte Laranjeira: complexo silvo-mercantil-industrial na Bacia do Prata no Século XIX Antonio Sergio Lima Braga Lucia Helena C. Anjos El papel de la Amazonía en la integración: impactos del IIRSA y el rol de la OTCA José Bruno Fenerick Júnior Maya Verazain Zuazo

Eixo II Questão Agrária, Movimentos Sociais e Matrizes de Sustentabilidade no Desenvolvimento Regional Coordenação 2015: Edvaldo C. Moretti (UFGD) ARTIGOS A agenda de políticas públicas da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAF) Guilherme Augusto Guimarães Ferreira Vivian Lie Kato de Lima Regina Claudia Laisner A capacidade de suporte como metodologia de planejamento para a atividade turística no Pantanal: Brasil e Bolívia Silvana Aparecida Lucato Moretti O território turístico Pantanal e a produção da natureza na fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bolívia Edvaldo Cesar Moretti Uso e ocupação das terras de Bonito-MS: turismo, agricultura e preservação ambiental na Serra da Bodoquena Ângelo Franco do Nascimento Ribeiro O valor da terra e a reprodução das desigualdades sociais e regionais no Brasil – Modernização e planejamento estatal no século XXI Rangel Lima Garcia

RESUMOS Associativismo nos assentamentos da reforma agrária no centro-norte tocantinense José Pedro Cabrera Cabral Lilian Bispo das Neves Caracterização da produção da agricultura familiar no Projeto de Assentamento Panelão no município de Careiro Castanho - AM Lindomar de Jesus de Sousa Silva Ariane Angélica Moreno Gilmar Antonio Meneghetti José Olenilson Costa Pinheiro Raimundo Nonato Carvalho Rocha Flaviana Augusto Mujeres abriendo caminos Maria Lilia Macedo Macarena Mercado Mott

Eixo III Integração e Cooperação Econômica Regional Coordenação 2015: Hugo Agudelo (UEM) Frederico J. Katz (UFPE) ARTIGOS A relação comercial entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai: Potencialidades para a integração regional Fábio de Lima O Mercosul e o Brasil como campo de observação dos impactos econômicos da integração e da busca de desenvolvimento e autonomia regional Albene Miriam Menezes Klemi O Mercosul frente ao novo padrão de reprodução do capital Daniela Andreia Schlogel Os limites de uma integração monetária na Unasul Lucas Gabriel Campos Balog Mariusa Momenti Pitelli Os processos de integração regional e a efetivação das políticas públicas Sérgio Luiz Pinheiro Sant'Anna Sobre o papel do Brasil no processo de integração da América do Sul Luciano Wexell Severo

RESUMOS A integração regional e a crise internacional: implicações para as relações BrasilArgentina Marcelo Marques de Almeida Filho Ana Paula Brito Vila Nova Ricardo César Barbosa Júnior Potencialidades y dificultades del CCR Leandro Rudas Medina

Eixo IV Regionalismos e Relações entre Blocos Coordenação 2015: Fabricio Pereira da Silva (Unirio) ARTIGOS A Aliança do Pacífico e a fragmentação na integração regional latino-americana: consequências para a atuação externa brasileira e o Mercosul Clarissa Correa Neto Ribeiro Julia de Souza Borba Gonçalves Análise da atuação da América do Sul nas fases do regionalismo e a eficácia de suas iniciativas no cenário internacional Joana Larissa Silveira de Aguiar Laíssa Maia Amorim Esmeraldo Philippe Hubert Gidon Modelos de integración regional divergentes: caso ALBA-TCP y Alianza del Pacífico Wanderley dos Reis Nascimento Júnior Jesus Ibáñez Ojeda RESUMO A projeção do Brasil ante seus vizinhos: a Unasul é a alternativa? Arthur Felipe Murta Rocha Soares

Eixo V Desafios Teóricos para a Integração Regional Coordenação 2015: Flávia Guerra Cavalcanti (UFRJ) ARTIGOS Mercosul, Unasul e Celac: trajetórias e reflexões na perspectiva brasileira Glauber Cardoso Carvalho Leonardo Granato

Integración latinoamericana: desafíos desde la Teoría Marxista de la Dependencia Angela Analía Garofali Patrón O Brasil como influência integracionista para a região sul-americana nas décadas de 1980 e 1990 Ana Beatriz da Costa Mangueira Uma outra integração do Mercosul: diálogos com o novo regionalismo, desenvolvimento e justiça social Regina Claudia Laisner Paula Pavarina Camila De Mario Guilherme Guimarães Ferreira Unasul: a construção de uma autonomia sul-americana? Jóhidson André Ferraz de Oliveira Cynthia Leonor Centurión Cáceres

Eixo VI Estado e Atores Institucionais de Integração Regional Coordenação 2015: Karina Pasquariello Mariano (Unesp) ARTIGOS A função consultiva do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e seus reflexos na promoção das relações intrabloco Patricia Ayub da Costa Ligmanovski Tânia Lobo Muniz A reestruturação da indústria petrolífera, nos países do Mercosul como alternativa para a integração regional João Rodrigues Neto RESUMO Polícia e Mediação de Conflitos como integração no âmbito da Segurança Pública. Ana Paula Brito Vila Nova Marcelo Marques de Almeida Filho Suelia Nunes da Gama

Eixo VII Desenvolvimento, Inovação e Produção do Conhecimento Coordenação 2015: Edison Rodrigues Barreto Jr. ARTIGO Políticas de qualificação de profissionais brasileiros em torno da formação em Instituições de Ensino Superior Internacionais Lana Rodrigues Araújo Antônio Walber Matias Muniz RESUMOS Perfil das Indicações Geográficas Brasileiras - aspectos comerciais. Agnes de Freitas Melo Levorato Cezar Augusto Miranda Guedes Sistema de Inovação pernambucano: uma análise sobre o papel da Universidade Federal de Pernambuco Caroliny Wanderley de Macêdo

Eixo VIII Comunicação, Informação e Poder na América do Sul Coordenação 2015: Filipe Reis Melo (UEPB) Leonardo Valente (UFRJ) ARTIGOS A cultura de mediação no Brasil: a influência do modelo argentino e a importância da comunicação regional Regina Rosari Mugayar Guedes Liberdade de expressão, direitos fundamentais e meios de comunicação Eduardo Matos Oliveira RESUMO Fins políticos e aplicação seletiva: a regulação da propriedade dos meios de comunicação na Argentina e na Venezuela Ana Tereza Duarte Lima de Barros

Eixo IX Identidade e Direitos na América do Sul Coordenação 2015: Jayme Benvenuto (Unila) ARTIGOS Cooperação Jurídica Criminal e Mercosul: uma análise em prospecção Caíque Ribeiro Galícia Imigração e igualdade: o diagnóstico dos imigrantes acerca da marginalização jurídica do estrangeiro no Brasil Cynthia Soares Carneiro José Medina Echavarría e o lugar da sociologia do desenvolvimento no estruturalismo cepalino Gustavo Louis Henrique Pinto Mulheres e democracia na América do Sul: um debate sobre representação especial de grupos minoritários Fernanda Argolo Dantas O trabalho dos carroceiros em Teresina-PI: terceirização e precarização Poliana de Sousa Silva Os direitos humanos no Mercosul e a construção de uma cidadania sul-americana Manoela Marli Jaqueira Fernando José Martins RESUMOS A crise da identidade homossexual na América Latina: a consolidação dos direitos, proteção jurídica e inclusão social da comunidade gay sul-americana Amanda Castro Dantas Reginaldo Alves Lins de Araújo Neto Direito à identidade cultural dos povos indígenas no Brasil Joselaine Dias de Lima Silva Identidade e cidadania sul-americana: como construir o sul-americano a partir de uma política migratória baseada nos direitos humanos Flavia Guerra Cavalcanti Oliveira Vianna e a Imigração de 3.000 Chineses ao Brasil na Década de 1930: Pontos de Inflexão para a Análise do Pensamento Vianniano Felipe Fontana

Começa a acção da justiça, cessa a acção da polícia: as Faculdades de Direito e a Reforma Judiciária de 1871 Gabriel Souza Cerqueira Uma análise dos direitos humanos e integração regional a partir do projeto da Unasul Raquel Paz dos Santos

Eixo X Políticas Sociais para a Integração Regional Coordenação 2015: Alejandro Pablo Casas Gorgal (UdelaR) ARTIGOS Configuração de políticas sociais em processos de integração alternativos: uma análise das Misiones Sociales no âmbito da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) Mariana Davi Ferreira João Mário Ferreira Pinto Integração regional e justiça social: o caso da saúde no Mercosul Camila Gonçalves De Mario Tatiana Barbarini Analice Pinto Braga RESUMO A Intersetorialidade nas Políticas Sociais de Transferência de Renda no Brasil: um comparativo entre o Programa Bolsa Família e as políticas de transferência de renda nos demais países do Mercosul Solange Silva Pereira Santos Antônio Eduardo Alves Oliveira

Eixo XI O Mercosul Educacional Coordenação 2015: Maria Madalena Queiroz (PUC-GO) ARTIGOS A integração acadêmica em fronteira mercosulina da Amazônia Patrícia Helena dos Santos Carneiro Júlio César Barreto Rocha Mercosul Educacional: rumo a expansão ou estagnação? Anna Karollinne Lopes Cardoso Thalita Franciely de Melo Silva

RESUMOS Contradições da democratização recente da educação superior Máximo Augusto Campos Masson Desafios do ensino superior no Mercosul: permanência e inclusão no ensino superior. Rita de Cassia França Fontoura O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) como política de formação de professores: a experiência do curso de Geografia/UFGD Silvana de Abreu Adauto de Oliveira Souza Produção acadêmica e lixo científico no Brasil Flávio Bezerra de Farias

Eixo XII Espaço, Arte e Cultura na América Latina Coordenação 2015: Mônica Leite Lessa (UERJ) Ana E. Wortman (UBA/IGG) ARTIGOS América do Sul na Bahia Antonio Albino Canelas Rubim Lindinalva Silva Oliveira Rubim Renata Rocha A identidade cultural na América Latina e o impacto da globalização nos países latinoamericanos Joalyson da Silva Amorim Atuação do Projeto ALMA no processo de empoderamento das Comunidades Quilombolas de Alcântara - MA Domingos Alves de Almeida Maria dos Reis Dias Rodrigues Veríssima Dilma Nunes Clímaco Maria Luísa Rodrigues de Sousa Milene Vieira Santos Rocha Herli de Sousa Carvalho Interculturalidade latino-americana e a geografia escolar no ensino fundamental Bárbara Regina Ferrari Oslon Carlos Estigarribia Paes de Barros Pontos de Cultura: participação social e empoderamento das bases comunitárias da América Latina Gleise Cristiane Ferreira de Oliveira

Representações da mulher em Dilma Bolada: cultura, identidade e humor nas redes sociais Adriana Jacob Carneiro RESUMOS Políticas culturais e políticas de evento na cidade de Salvador Ana Beatriz Costa Ferreira dos Santos Polos de Cinema: formas de desenvolvimento e integração entre nações Cleber Fernando Gomes

Eixo XIII Defesa e Política Externa Coordenação 2015: Thomas Heye (UFF) Alexandre Fuccille (Unesp) ARTIGOS A segurança dos recursos naturais como estratégia de política externa regional Bernardo Salgado Rodrigues Políticas de Defesa e Segurança contemporâneas do Brasil na América do Sul: algumas reflexões Márcio Roberto Coelho dos Reis RESUMO A fragilização da hegemonia estadunidense no contexto sul-americano Camila Alves da Costa

O FoMerco

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Introdução

E

m seu décimo quinto ano de existência, o Fórum Universitário Mercosul reafirma o seu compromisso com a integração regional ao organizar o XV Congresso Internacional do FoMerco em Assunção do Paraguai, após haver realizado os congressos em Buenos Aires e

Montevidéu. Espera-se que o Congresso constitua um espaço privilegiado de encontro entre intelectuais e pesquisadores e formuladores de políticas públicas da região que incida sobre os rumos da integração. Acolhido pela Universidade Católica, pelos centros de pesquisa paraguaios e por órgãos do Mercosul, o XV Congresso Internacional do FoMerco dá continuidade à reflexão e à análise crítica do processo de integração promovido pelos governos progressistas eleitos na região no início deste milênio. A partir desses governos, novos caminhos da integração foram trilhados. Dois marcos que agora completam dez anos atestam essa mudança de rumos: a criação do Fundo de Convergência Estrutural – Focem, primeiro mecanismo de financiamento solidário próprio dos países do Mercosul, que reiterou, concretamente, o empenho no combate às assimetrias no interior do bloco; e o NÃO à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), na 4ª Cúpula das Américas, que refutou a pretensão de abertura aos mercados e aos acordos de livre-comércio bilaterais. A superação das assimetrias sempre foi um desafio a ser enfrentado conjuntamente por todos os países, interna e regionalmente, como condição tanto para superar as profundas desigualdades da região como para configurar um Mercosul ampliado em sua pauta e em seu território: da dimensão estritamente comercial para o desenvolvimento cultural, econômico, social e político democrático em todo o continente. Outro desafio enfrentado pelo Mercosul refere-se à estratégia da autonomia da política externa regional no sistema internacional. Exitosamente formulada e executada, a política regional externa promoveu o sim à cooperação Sul-Sul como chave para as relações soberana dos países sul-americanos. A crise financeira de 2008 iniciada originalmente no centro hegemônico atingiu o sistema global e se irradiou por todo o sistema mundo afetando particularmente a economia política dos países do Sul e debilitando o desenvolvimento regional mais justo e igualitário que se quer. Como agravante, o controle oligopólico dos meios de comunicação ostensivamente busca obstruir a possibilidade de uma narrativa libertária própria dos feitos da última década, narrativa que se faz cada vez mais necessária para um diálogo democrático e amplamente participativo de nossas sociedades. Em 2015, autonomia e desenvolvimento permanecem objetivos candentes que orientam a reflexão crítica dos avanços obtidos e dos obstáculos a serem enfrentados na marcha da integração sulamericana. Os organizadores do XV Congresso elegeram algumas questões consideradas chave para promover o debate sobre esse momento crucial de transição, privilegiando a presença de nosso anfitrião, o Paraguai, em mais essa edição do FoMerco. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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O FoMerco publica em seus Anais os textos-síntese que registram os seis painéis de debates e os trabalhos e resumos apresentados nos 13 Eixos em seu XV Congresso Internacional, realizado na Universidad Católica “Nuestra Señora de la Asunción”, em Asunción, Paraguay, de 2 a 4 de setembro de 2015. .

Ingrid Sarti Presidenta Fórum Universitário Mercosul - FoMerco

José Renato Vieira Martins Vice-presidente Fórum Universitário Mercosul - FoMerco

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Apresentação dos Eixos

A

criação do Fórum Universitário Mercosul (FoMerco) obedeceu à demanda crescente dos pesquisadores ligados ao tema de integração regional por um espaço próprio para a troca de conhecimento, informações e pesquisas que refletissem o “estado da arte” do pensamento acadêmico sobre o processo de integração e a evolução dos diferentes arranjos institucionais

criados a partir da aparente consolidação do Mercosul. Nos primeiros Encontros do FoMerco os debates estavam restritos a grupos de trabalho (GT’s) criados a partir do tema geral do evento e cujas áreas temáticas contemplavam primordialmente os resultados das pesquisas ligadas diretamente ao processo integrador e seus atores, nas suas dimensões política, econômica, educacional e cultural num cenário de globalização crescente. O crescimento exponencial do número de trabalhos enviados, a diversidade dos temas tratados e a ampliação da reflexão sobre o alcance da integração e seu “transbordamento” (spillover effect) para os mais diversos campos do conhecimento, mostrou a necessidade de ampliar o debate para além dos temas tradicionais e novos eixos temáticos foram incorporados permitindo maior interdisciplinaridade.

As

ementas dos grupos de trabalho se descolaram do tema geral dos congressos e os GT’s se tornaram permanentes, o que permitiria, em tese, maior colaboração e troca de informações sobre as pesquisas em andamento além de ampliar o conhecimento sobre os diferentes temas. O descolamento dos trabalhos dos GT's do tema principal do evento permitiu a institucionalização de grupos com temáticas próprias, mas sempre incorporando a perspectiva da integração regional em suas atividades. Com isso, os eventos promovidos pelo FoMerco assumiram uma diversidade muito maior e permitiram uma maior interdisciplinaridade. Contudo, o desenvolvimento desse projeto levou a um aumento no número de GT's (que chegaram a 27 em atividade em 2013) e a uma tendência de maior especialização nas discussões, e em alguns casos a sobreposições temáticas. Diante desta nova realidade e visando manter o espírito original do FoMerco - de promover o intercâmbio acadêmico entre as diferentes áreas do conhecimento -, a coordenação do FoMerco propôs uma reestruturação institucional em 2009. O primeiro passo nessa proposta de reestruturação se deu com a montagem de uma Comissão para avaliar a atuação dos GT's e propor alterações em seu funcionamento, visando evitar a dispersão temática e garantir o debate interdisciplinar. Como resultado desse trabalho, os GT’s deram origem aos Eixos temáticos, que congregaram os antigos grupos, buscando agregar afinidades antes dispersas. Em 2013 foi aprovado um 13º Eixo, consolidado o novo formato. O XV Congresso do FoMerco – que deu origem a este livro- organizou-se a partir dos Eixos Temáticos, refletindo a vocação multidisciplinar do

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FoMerco, em pensar a integração como um processo que transcende a simples analise políticoeconômica. Essa mudança possibilitou amplos debates e maior intercâmbio de conhecimento entre diferentes áreas, propiciando um adensamento na produção acadêmica, o qual se traduziu nas páginas que conformam este livro. O objetivo do FoMerco é continuar neste trabalho de fortalecimento da reflexão sobre integração na América Latina e contribuir para uma maior qualificação desse debate.

Hugo Agudelo Murillo e Karina L. Pasquariello Mariano Coordenadores-gerais dos Eixos Temáticos do FoMerco

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XV Congresso Internacional Desenvolvimento e autonomia: os rumos da integração Programação Dia 2/9 | quarta-feira | miércoles Abertura: 19h Painel de Abertura: 19:30 – 20:30 Autonomia e Desenvolvimento: os rumos da integração sul-americana Palestrantes Jorge Lara Castro (Universidad Católica, Asunción) Miguel Angel Contreras (Instituto Social del Mercosur – IMS) Ramón Fogel (Un. Nacional/Centro de Estudios Rurales Interdisciplinarios CERI) Samuel Pinheiro Guimarães (MRE/Brasil) Williams Gonçalves (PPGRI/UERJ) Dia 3/9 | quinta-feira | jueves Dilemas do Desenvolvimento e da Cooperação Internacional: infraestrutura, finanças, defesa, meio-ambiente e industrialização A nova estrutura financeira regional e a questão energética como estratégia de desenvolvimento – 10 – 11:30 Coordenador: Dionísio Borda (Cadep) Angel Cardenas (CAF) José Felix Rivas (Mercosur) Ricardo Canese (Parlasur, Paraguai) Relator: Gustavo Rojas de Cerqueira César (Cadep) Políticas de cooperação internacional: fronteiras e defesa, Amazônia e C & T como instrumento de desenvolvimento – 11:45 – 13:15 Coordenação: Mônica Bruckmann (UFRJ) Andres Arauz (Ministro de Conhecimento e Talento Humano, Equador) Ennio Candotti (SBPC/Museu da Amazônia) Sergio Duarte (Conacyt, Py)

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Tomáz Esposito (UFGD) Relator: Flávia Guerra Cavalcanti (UFRJ) Industrialização versus primarização: um dilema do desenvolvimento? 15:30 – 17:30 Coordenação: Igor Fuser (Ufabc) Alberto Alderete (Servicio Jurídico Integral para el Desarrollo Agrario-Seija) Edison Rodrigues Barreto Jr. (UFS) Fernando Masi (Cadep) Theotônio dos Santos (Reggen) Magui Balbuena (CONAMURI) Relator: Tamara Lajtman Bereicôa (UNAM) Atividade Cultural local Debate sobre as Redes de Cooperação Acadêmica e Apresentação de Livros 18:30 – 19:30 Local: Centro Cultural de la Ciudad Carlos Colombino Coordenação: Anibal Orué Pozzo(CDE/UNE) Daniela Perrotta (Clacso), Maria Belén Servin (Cadep) Fabríco Pereira da Silva, Theotonio dos Santos, Filipe Reis Melo e Tomaz Esposito Dia 4/9 | sexta-feira | viernes Desafios para uma Integração Soberana: Democracia,Direitos e Cultura Direitos: políticas e instituições e seu impacto na integração 10 – 11:30 Instituições da integração; o Mercosul Social; direitos humanos; trabalho; migrações Coordenação: Gizlene Neder (UFF) Fernando Milano (UBA) Gisálio Cerqueira Filho (UFF) Hugo Ruiz Diaz Paulo Abrão IPPDH (Mercosul) Roberto Ruiz Diaz Labrano (Arbitro TPR) Relator: Leonardo Granato (UNISC) Cultura e comunicação: poder e narrativa na democracia da América do Sul 11:45 – 13:15 Coordenação: Mônica Leite Lessa (PPGRI/Uerj) Anibal Orué Pozzo (CDE/UNE) Antonio Albino Rubim (Ufba)

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Diego Segovia (ORMC) Relator: Leonardo Monteiro Valente (UFRJ) Participação social para uma integração soberana e emancipadora – 15:30-17:30 Coordenação: José Renato Vieira Martins (Unila) Jeferson Miola (SGPR) Maria Silvia Portela de Castro Mariana Vázquez (Unidade de Participação Social – UPS/Mercosul) Rafael Reis (Alta Representação Geral do Mercosul) Relator: Carolina Albuquerque Assembleia Geral do FoMerco: 18h * Grupos de Trabalho: 8:30 – 10 dias 3 e 4

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RELATÓRIOS DOS PAINÉIS

La Nueva Estructura Financiera Regional y la Cuestión Energética como Estrategia de Desarrollo Gustavo Rojas1

E

n la mañana del jueves, 3 de septiembre, se ha realizado el primer panel de trabajo de FOMERCO, denominado “La Nueva Estructura Financiera Regional y la Cuestión Energética como Estrategia de Desarrollo”. El Ex Ministro de Hacienda de Paraguay, Dr.

Dionisio Borda, ha coordinado los trabajos de la mesa, también integrada por el Ejecutivo del Banco de Desarrollo de América Latina (CAF), Ángel Cárdenas, y el Diputado paraguayo del Parlamento del Mercosur (PARLASUR), Ricardo Canese. El investigador del Centro de Análisis y Difusión de la Economía Paraguaya (CADEP), Gustavo Rojas, ha sido el relator de la mesa. Borda ha abierto los trabajos afirmando que la crisis económica internacional, desatada en 2008, ha tenido importantes impactos sobre la trayectoria de crecimiento de los países en desarrollo, particularmente de aquellos de menor desarrollo relativo, como el Paraguay. Los países se encuentran en búsqueda de nuevas respuestas ante la tarea de rediseñar sus economías. En ese sentido, la política energética desempeñaría un rol crucial, puesto que está íntimamente vinculada a la estrategia de desarrollo. Los esfuerzos de integración energética constituyen una oportunidad para construir consensos en torno a la estrategia de desarrollo regional, elevando conjuntamente la eficiencia y competitividad de las economías. El Ejecutivo de CAF, Ángel Cárdenas, ha abierto su exposición realizando un rápido traspaso sobre la evolución institucional de la CAF. La institución financiera regional ha iniciado sus actividades en los años 60, como brazo financiero de apoyo al comercio entre los países miembros del antiguo Grupo Andino. La institución se ha expandido y “latinoamericanizado” a partir de los noventa, particularmente en los años 2000. Además de la ampliación de sus países miembros, que actualmente suman a 19 países de la región, ha diversificado sus áreas de actuación, ingresando en sectores con reducida asistencia por parte de los organismos multilaterales de crédito, como infraestructura. Cárdenas afirma que la disponibilidad de energía es un factor administrador de crecimiento, fundamental para repuntar el desarrollo de la región. La demanda por energía es creciente en América Latina. Actualmente, 35% de su población ya vive en ciudades con poblaciones superiores a 1 millón de habitantes; 80% de la población de la región ya vive en regiones urbanas. El consumo promedio de energías carburantes por habitante en la región es superior al promedio mundial, con significativos Possui graduação em Relações Internacionais pela PUC-MG (2005), mestrado em Relações e Negociações Internacionais pela FLACSO e Universidade de San Andrés - Argentina (2012) - reconhecido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - e mestrado em Relações Econômicas Internacionais - Universidade de Barcelona - Espanha (2013). É professor-adjunto da Universidade de Belgrano (Argentina) e pesquisador associado do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (CADEP). Foi Assessor Econômico da Embaixada do Brasil em Buenos Aires, consultor da FLACSO e do IIPE/UNESCO. 1

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impactos sobre el medio ambiente. El fuerte crecimiento de la urbanización ha sido acompañado de un fuerte aumento de la demanda energética, ampliando preocupaciones cuanto a la calidad y el acceso a la energía. La ampliación de las clases medias urbanas se ha reflejado en una mayor sofisticación del perfil de consumo energético. El consumo de energía eléctrica se ha elevado a un ritmo anual promedio de 4% desde 2000. La región cuenta con un amplio potencial de recursos energéticos, distribuidos de forma heterogenia por el continente. El desafío regional es transformar este potencial en oferta concreta. La región cuenta con una buena cobertura eléctrica, con significativos avances en distribución y generación en los últimos años. El sector energético ha sido un importante receptor de IED, contando con activa participación del sector privado, que ya responde por 40% de las inversiones energéticas en América Latina. Cada país ha encontrado su nicho en el sector. Según Cárdenas, desde hace cuatro años la CAF ofrece una línea de crédito específica para el sector energético, ofreciendo mayores plazos y mejores condiciones que la mayoría de las líneas actualmente ofertadas. Con una actuación más concentrada en el sector de renovables, busca promover la creación de nuevos mercados donde aún se muestra incipiente la actuación de la iniciativa privada. Igualmente, por medio de la asistencia técnica a los gobiernos, la institución también busca fomentar la planificación y mejorías de eficiencia en el sector energético. Por fin, la exposición del Ejecutivo de CAF ha estado centrada en las tendencias aguardadas para el sector energético en América Latina y la planificación de las acciones futuras de CAF. Cárdenas parte de la perspectiva de que la estabilización de las cotizaciones de las commodities deberá redundar en una reducción de la rentabilidad de las inversiones energéticas. Las restricciones financieras enfrentadas por los Estados deberán reducir la participación de las inversiones públicas en energía a apenas un tercio del total. Esta situación contrasta con la existencia de un inmenso potencial de inversiones presentado por la región. Por lo tanto, la CAF y otras instituciones de crédito regionales están llamadas a jugar un importante rol catalizador de recursos privados para apuntalar los proyectos energéticos. Los Gobiernos deberían repensar sus marcos institucionales de impacto socioambiental, concediendo una mayor importancia a la calidad de los proyectos elaborados. Se debe fomentar la construcción de una visión más allá de la coyuntura, reduciendo los potenciales efectos de la actual volatilidad de los precios. En ese sentido, los debidos manejos de contractos constituyen un tema central en la agenda. Igualmente, no resta duda de que Brasil está llamado a desempeñar un rol muy importante en esta agenda puesto que dos tercios de los recursos demandados a lo largo de la próxima década por el sector energético en América Latina serían en proyectos a ser desarrollados en ese país. Para los próximos años, CAF buscará: i) fortalecer su presencia en transmisión, ampliando su impacto directo junto a los ciudadanos; ii) mapear el potencial de energía sostenible en la región, fortaleciendo la participación de energías limpias en la matriz energética regional; iii) promover prontas mejoras de eficiencia energética por medio de la sustitución de tecnologías desfasadas, particularmente XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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en antiguas hidroeléctricas; iv) difundir y ampliar la iniciativa regional de registro de patentes; v) ampliar su cartera de proyectos energéticos por medio de convenios con agencia de inversión. A su vez, para el Diputado del PARLASUR, Ricardo Canese, el proceso de globalización ha sido acompañado por una intensificación de la integración de los países en bloques regionales. Los centros de poder mundiales, EUA, China y Europa, ya han concluido sus procesos de integración en torno a un Estado (EUA y China) o se encuentran en etapas avanzadas de integración regional (Unión Europea). En todos estos casos, se ha contado con un substrato económico para apuntar ese proceso (Europa: carbón y acero; China: base productiva/científica). Según Canese, América Latina apenas ha dado pasos incipientes en esa dirección. En ese sentido, ve como una oportunidad perdida el hecho de que los gobiernos progresistas de la región no hayan logrado sentar bases para nuevos paradigmas de integración, adoleciendo, al mismo tiempo, de ausencia de implementación. La ausencia de integración productiva/energética es una de las caras más visibles de ese cuadro. Los recursos naturales y energéticos son sobreexplotados y destinados a la exportación. La no priorización del mercado interno eleva los costos de producción y reduce los potenciales eslabonamientos de las cadenas de valor. Los relativos altos costos energéticos y baja diversificación de transportes de la región reducen la competitividad de los sistemas productivos. En la visión de Canese, la integración energética podría contribuir significativamente para elevar la competitividad y eficiencia de las economías de la región. Si, por un lado, el mercado ha fomentado interconexiones eléctricas con baja efectividad, por otro lado, los pocos gasoductos construidos han ampliado la participación de una energía más limpia dentro de la matriz regional. Oposiciones sectoriales persisten. Desentendimientos cuanto al costo al paso de transmisión demandados por Argentina han frustrado entendimientos de Paraguay para la venta de su energía eléctrica a Chile y Uruguay. Al mismo tiempo, tras el golpe al Gobierno Lugo, el poco interés demostrado por el Gobierno paraguayo en promover la integración de las líneas de transmisión entre Asunción, Itaipú y Yacyretá ha desalentado el desarrollo de la agenda de integración energética. Paraguay es clave en esta agenda puesto que responde por 90% del comercio regional de energía eléctrica. Finalmente, siguen estancadas las negociaciones del Acuerdo Energético de Unasur y del Banco del Sur. Si no pensamos como bloque, porque las potencias extrarregionales nos tratarían como bloque? Debemos pensar en el potencial de ampliación del mercado regional con la integración y el aumento de poder en negociaciones extrarregionales.

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Fazendo ciência e tecnologia a partir da periferia: como derrubar as fronteiras de uma epistemologia eurocêntrica Flávia Guerra Cavalcanti1 Introdução:

O

desenvolvimento da América do Sul não pode ser alcançado a não ser por um investimento sistemático e uma visão estratégica no campo da ciência e da tecnologia. O tema já havia sido debatido em maio de 2013, em Caracas, na Primeira Conferência da União das Nações

Sul-americanas sobre Recursos Naturais e Desenvolvimento Integral da Região. Desta reunião, resultou o Foro da União das Nações Sul-americanas sobre Ciência, Tecnologia, Inovação e Industrialização na América do Sul, realizado em dezembro de 2013 no Rio de Janeiro. De certa forma, o painel 2 do XV Congresso Internacional do FoMerco (Fórum Universitário Mercosul), intitulado “Políticas de cooperação internacional: fronteiras e defesa, Amazônia e C & T como instrumento de desenvolvimento” dá continuidade a esse debate sobre a importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento regional. Neste artigo, trataremos das visões sobre o tema apresentadas no XV FoMerco (2015) assim como dos debates que as antecederam. Uma política de descolonização epistemológica e tecnológica No texto “La ciência y la tecnologia en el proyecto de autodeterminación nacional”, Enrique Dussel afirma que é necessário “uma política de descolonização epistemológica e tecnológica” (2014, p. 32). Um dos problemas da ciência e da tecnologia em países periféricos ocorre quando os cientistas acreditam que a ciência deve se desenvolver da mesma forma em todas as partes. Para Dussel, são as necessidades tecnológicas de cada local que devem apontar a direção para as ciências básicas. O esquema mais comum apresentado nas aulas de metodologia das ciências é aquele segundo o qual a ciência se aplica à tecnologia e esta se aplica ao processo produtivo, que, por sua vez, produzirá riqueza. Num segundo momento, a riqueza levaria à autodeterminação de um povo. Na visão de Dussel sobre ciência e tecnologia, o processo é exatamente o inverso da sequência acima apresentada. “É a vontade política de um povo de autodeterminarse politicamente que resulta numa autodeterminação econômica” (DUSSEL, 2014, p.30). E a autodeterminação econômica exigirá um processo mais competitivo e uma tecnologia que crie produtos inovadores. Em outras palavras, não é o investimento em ciência, entendida como universal, que levará à autodeterminação política. Ao contrário, é o projeto Possui Doutorado em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio (2012), mestrado em Ciência Política pela UFRJ (2005) e graduação em Comunicação Social pela UFRJ (1997). Atualmente é professora adjunta e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participa como coordenadora e pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da UFRJ. 1

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político que determinará quais tecnologias são fundamentais para o desenvolvimento nacional. Uma vez escolhidas as tecnologias prioritárias, estas determinarão quais áreas da ciência deverão ser exploradas. O investimento financeiro em ciência e tecnologia só valerá a pena se for precedido por este debate político sobre que setores nacionais devem ser priorizados. Não basta termos cientistas desenvolvendo tecnologias “se estas apenas servirem para obter royalties de transnacionais e não para nossa particularidade nacional” (DUSSEL, 2014, p. 33). Este raciocínio é corroborado pela professora uruguaia Judith Sutz, que destaca a importância de usar a ciência e a tecnologia para diminuir as desigualdades. O mero investimento em ciência e tecnologia não significa que estas resultem em benefícios para todos. Os dados mostram que apenas uma parcela da população tem se beneficiado dos avanços tecnológicos. Em vez de utilizar tecnologia produzida nos grandes centros e que reproduzem a desigualdade nas sociedades menos desenvolvidas, deveríamos investir em “inovação frugal” (SUTZ, 2014), ou seja, fazer mais com poucos recursos e, assim, propiciar tecnologias mais baratas que possam beneficiar um número maior de pessoas. Biodiversidade e conhecimento ancestral. Em sua apresentação no FoMerco 2015, o ministro do conhecimento e talento humano do Equador, Andres Arauz, apresentou uma visão sobre ciência e tecnologia que se aproxima da proposta de Dussel. O Equador possui 130 Km² de território amazônico, o que representa 46% da superfície do país. Pensar a Amazônia é, portanto, fundamental para o projeto de desenvolvimento do país. No entanto, é imperativo fazer a pergunta sobre que tipo de desenvolvimento os equatorianos querem para a “sua Amazônia”. É esta pergunta - e as respostas a ela - que deve guiar qualquer projeto estratégico para a região. Arauz destaca que a narrativa dominante aponta para a necessidade do extrativismo dos recursos naturais, porém de que forma isto poderia ser realizado de forma sustentável, sem colocar em risco a biodiversidade da Amazônia? O Equador está hoje sujeito à dependência tecnológica no seu processo extrativista. “Não é suficiente dizer que nacionalizamos nossos recursos se ainda temos dependência tecnológica no nosso processo extrativista” (ARAUZ, 2015). Desta forma, faz-se necessário repensar o projeto de autodeterminação nacional, pois é a partir dele que se pode desenvolver uma tecnologia própria, voltada para os interesses do país, uma tecnologia que esteja subordinada ao projeto de um extrativismo que preserve os recursos naturais. Nesse ponto, destaca Arauz, os conhecimentos ancestrais sobre a diversidade biológica e as formas de manejo da floresta são essenciais para as políticas governamentais. Não faria sentido nem seria produtivo e eficiente adotar desenvolvimentos científicos e tecnológicos produzidos pelo centro do poder mundial, que resultariam num extrativismo predatório e desconectado das necessidades concretas do povo equatoriano. O resultado disto seria a “petrificação XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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das relações coloniais”, segundo Arauz. Portanto, a superação dessas relações coloniais passa necessariamente por uma reconsideração do projeto de desenvolvimento equatoriano. Retomando Dussel, podemos dizer que o projeto de autodeterminação política do Equador só poderá vingar se incluir a contribuição do conhecimento ancestral indígena e seu comprometimento com a preservação ambiental. O conhecimento local na Amazônia e a divulgação da ciência O cientista Ennio Candotti, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do Museu da Amazônia, destacou os obstáculos e limites de um projeto de desenvolvimento para a Amazônia. Apesar do Tratado de Cooperação Amazônica, os países que compartilham a floresta ainda têm políticas nacionais para seus respectivos territórios na Amazônia. “A integração para a Amazônia é imprescindível. Não há passaportes para as formigas equatorianas e brasileiras” (CANDOTTI, 2015). Outro entrave para o desenvolvimento é a ausência de um patrimônio genético. Na visão de Candotti, as referências a um patrimônio genético são equivocadas, uma vez que patrimônio só existe quando é conhecido. O que teríamos hoje seria um patrimônio virtual, ainda não conhecido e explorado. Um exemplo desta dificuldade é o fato de não termos um banco de sementes. “Nosso discurso sobre diversidade não tem efeito prático. Não temos um banco de sementes” (CANDOTTI, 2015). A precariedade de equipamentos para o conhecimento da Amazônia é patente quando constatamos que a Bacia Amazônica conta com 10 hidroaviões, enquanto o Canadá possui 10 mil hidroaviões. Para Candotti, o desconhecimento sobre a região leva também à propagação de mitos, como o de que a floresta absorveria mais carbono do que emite. A solução para lidar com este desconhecimento e promover o desenvolvimento da região seria a popularização da ciência. Apenas uma população informada e interessada na preservação da natureza poderá pensar num projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Neste aspecto, o discurso de Candotti se alinha com o de Dussel e Arauz. Precisamos de um conhecimento local para fazer investigação científica. É o local, o concreto, o cotidiano que nos dará a direção do que deve ser priorizado em termos tecnológicos e, consequentemente, que áreas da ciência devem receber mais recursos. Por isso, não adiantaria, diz Candotti, enviar estudantes para Harvard, pois, estes retornariam para a América do Sul com conhecimentos sobre química, matemática e física que não os tornariam aptos a pensar um projeto de autodeterminação política. Sem conhecimento sobre as especificidades da região - o conhecimento local - o estudante que volta de Harvard praticaria o que Dussel denomina “ciência universal”. Candotti acredita que mais atenção deve ser dispensada ao reconhecimento de diplomas no Parlasul, assim como aos programas científicos que já foram elaborados, mas estancaram por falta de financiamento. É imprescindível ainda criar um financiamento para “cerebrodutos” (CANDOTTI, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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2015), o que permitirá que as próximas gerações de cientistas da América do Sul circulem entre os países. A integração passa por uma “valorização do conhecimento para que os laboratórios naturais possam ser estudados. Assim, não haveria ‘fronteiras entre as formigas’” (Idem). Fronteiras como espaço de encontro A intervenção de Tomaz Espósito Neto, professor da Universidade Federal da Grande Dourados, no painel do Fomerco, também tratou de fronteira, mas esta foi considerada em uma outra perspectiva. Lembrando o discurso do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, de que a verdadeira integração se faz nas fronteiras e não nos gabinetes, Espósito mostra que houve uma mudança de paradigma em relação à fronteira. Se antes pensávamos na fronteira como um espaço de conflito e separação, hoje a fronteira significa uma oportunidade para a cooperação. Precisamos pensar a fronteira, pois, é nela que se dão os impasses e os desafios da integração. Entre os problemas que ocorrem na fronteira Brasil-Paraguai, estão as disputas sobre a posse da terra, a questão dos imigrantes, a existência de bairros segregados e um território indígena que não tem acesso à cidade. Esses obstáculos têm de ser resolvidos com uma integração produtiva, que vá além de uma integração das commodities. Para alcançar este objetivo, faz-se necessário, como já havia apontado Enio Candotti, com sua ideia de cerebroduto, um intercâmbio de estudantes na região. “É preciso mudar a mentalidade da população para que entendam que a fronteira une e não é apenas uma fonte de problemas” (ESPÓSITO, 2015). Uma proposta, diz Espósito, seria revitalizar os conselhos e as políticas de fronteiras. A criação do Conselho de Defesa Sul-americano e o papel que ele pode desempenhar no combate ao tráfico na América do Sul é um exemplo de integração que vai além da questão meramente comercial e exige um comprometimento político muito mais amplo. O “Estatuto da Fronteira Brasil-Uruguai” também aponta nessa direção. O documento é uma resposta aos problemas colocados pela disjunção entre a legislação vigente e a realidade local. Atos cotidianos da vida civil, como uma simples compra em um mercado de um lado da fronteira e a transferência da mercadoria para o outro lado, podem significar uma infração. O estatuto visa a criar um marco regulatório específico para a fronteira, tentando aproximar a legislação da realidade local. A partir da criação do “Estatuto da Fronteira Brasil-Uruguai”, foi estabelecido um programa voltado para a saúde e a educação dos “cidadãos fronteiriços”, identificados como tais por um documento emitido pelas embaixadas. O tema da fronteira nos coloca ainda diante da alteridade. Pensada como separação entre dois territórios, a fronteira estabelece a diferença entre o eu e o outro, ou entre aquele que poderá se beneficiar de determinados serviços oferecidos pelo Estado e aqueles que serão excluídos. Na área de relações XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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internacionais, a fronteira é entendida, pelo menos nas teorias tradicionais, como o limite que estabelece a separação. Portanto, ela seria também um instrumento de constituição de identidades, diferenciando uma comunidade política, com valores, normas e hábitos, de outras comunidades políticas, com suas particularidades. Nos processos de integração mais avançados, ou seja, naqueles que não se limitam ao aspecto comercial e visam a promover uma integração e uma solidariedade entre os povos, a fronteira ganha outra conotação e passa a ser um espaço privilegiado, um laboratório para a integração. É ali que as identidades podem ser reformuladas, não teoricamente, como costumamos encontrar nos trabalhos de relações internacionais de viés construtivista, mas na prática cotidiana. É o fazer diário na fronteira e os mecanismos produzidos no cotidiano que poderão mostrar que tipos de pertencimento estão sendo recriados durante o processo de integração. Conclusão O desenvolvimento econômico, científico, tecnológico, social e político da América do Sul não poderá ocorrer senão a partir de uma conscientização sobre o caráter dependente de nossa epistemologia. Na visão de Walter Mignolo (2003), estamos subordinados a uma epistemologia eurocêntrica e colonialista que elege determinados saberes (aqueles produzidos no centro do sistema-mundo) em detrimento dos saberes locais. Uma tecnologia e uma ciência voltadas para o desenvolvimento da América do Sul necessita, portanto, como sugerido por Enrique Dussel, se basear nas particularidades da região. É o projeto de autodeterminação política que apontará quais tecnologias são essenciais e, consequentemente, quais áreas da ciência devem receber mais investimentos. A integração regional depende de nossa reformulação das fronteiras, não apenas das geográficas, mas, sobretudo, das simbólicas. Não basta propiciar a circulação de pesquisadores (o cerebroduto de Ennio Candotti) entre os países da América do Sul. É necessário que tais profissionais rompam com a epistemologia produzida nos centros do poder mundial e valorizem os saberes locais. Como lembrou Andres Arauz, os conhecimentos ancestrais daqueles que vivem na floresta precisam ser compreendidos e valorizados se queremos construir tecnologia e ciência relevantes para a Amazônia. Mas o conhecimento local não se limita àquele produzido num outro tempo e, portanto, entendido como parte da tradição dos povos. O conhecimento local também é produzido cotidianamente no século XXI pelas práticas que se dão na fronteira, como mostrou Espósito no caso do Estatuto de Fronteira Brasil-Uruguai. O conhecimento local, tanto ancestral quanto contemporâneo, pode derrubar ainda uma outra fronteira: aquela entre os incluídos e os excluídos pelo avanço da ciência (SUTZ, 2014). Um projeto de autodeterminação política que seja inclusivo terá, portanto, de começar por uma descolonização intelectual, incentivando a produção do conhecimento realizada a partir das margens do sistema moderno/colonial, para usarmos os termos de Mignolo. Seria importante debater os limites de uma epistemologia eurocêntrica que estabelece uma fronteira entre o eu e o outro, entre o sujeito e o XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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objeto, e quais as suas consequências para o projeto moderno/colonial de controle da natureza. Qual epistemologia poderíamos obter a partir dos conhecimentos ancestrais? Qual epistemologia podemos construir a partir das práticas cotidianas ocorridas na fronteira? Referências CANDOTTI, Ennio. Diez mil hacia el Sur! In: Ciencia, Tecnología, Innovación e Industrialización en América del Sur: hacia uma estratégia regional. Publicação da Secretaría Geral da UNASUR, Quito, 2014. _______. Palestra no XV Formerco. Assunção. 3.set. 2015. DUSSEL, Enrique. La ciência y la tecnologia en el proyecto de autodeterminación nacional. In: Ciencia, Tecnología, Innovación e Industrialización en América del Sur: hacia uma estratégia regional. Publicação da Secretaría Geral da UNASUR, Quito, 2014. ESPÓSITO, Tomáz. Palestra no XV Formerco. Assunção. 3.set. 2015. MIGNOLO, Walter. Histórias locais/Projetos Globais: Colonialidade, Saberes Subalternos e Pensamento Liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. ARAUZ, Andres. Palestra no XV Formerco. Assunção. 3.set. 2015. SUTZ, Judith. Ciencia, tecnologia, innovación e inclusión social: el desafío contemporáneo. In: Ciencia, Tecnología, Innovación e Industrialización en América del Sur: hacia uma estratégia regional. Publicação da Secretaría Geral da UNASUR, Quito, 2014.

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Industrialización versus primarización: ¿un dilema del desarrollo? Tamara Lajtman1

E

l tercer panel de trabajo de FoMerco, denominado “Industrialización versus primarización: ¿un dilema del desarrollo?”. Con coordinación de Igor Fuser (Ufabc) y también integrada por Edison Rodrigues Barreto Jr. (UFS), Fernando Masi (Cadep), Theotônio dos Santos (Reggen),

Magui Balbuena, dirigente campesina da Conamuri (Coordinadora Nacional de Mujeres Trabajadoras Rurales e Indígenas) Edison Rodrigues Barreto Jr. (UFS) La exposición del profesor Edison Rodrigues tuvo como tema central el proceso de desindustrialización de Brasil y la forma por la cual China intensifica ese proceso. En un primer momento se describió de forma sintética los modelos de crecimiento de los respectivos países. En relación a Brasil, el análisis empieza teniendo como marco la inflexión del modelo agroexportador y la amplia diversificación de la actividad industrial en la segunda mitad del siglo XX. Se identifica la ruptura de este proceso en la década de 1990, a medida que es priorizada la especialización en sectores considerados más competitivos. A finales del siglo XX el país, según Rodrigues, se encuentra en el contexto de “tercerización empobrecedora” con actividades productivas concentradas en el sector terciario de bajo valor agregado. Tal momento es caracterizado por una especialización productiva y la reprimarización de la pauta exportadora. Es en este contexto que la pérdida del producto industrial va siendo compensada por la actividad extractiva y se verifica una reducción dramática en la industria de transformación. El conjunto de estas variables se denomina “proceso de desindustrialización precoz”. Por otro lado, las principales características del modelo de crecimiento chino son la de una diversificación industrial con énfasis en sectores de elevado contenido tecnológico, la conquista de mercados para direccionamiento de productos y la inserción agresiva al mercado internacional. El “gigante desproporcional” con un 20% de la riqueza mundial ejerce influencia central sobre la demanda mundial de commodities. En términos de comercio, la relación entre China y Brasil se configura como centro/periferia, con Brasil ocupando el rol periférico. El expositor argumenta que la responsabilidad de esta relación vendría desde el lado brasileño e ilustra tal dinámica a partir de un gráfico de la evolución de los términos

Possui mestrado Estudos Latinoamericanos pela Universidade Nacional Autonoma do México (UNAM) e é bacharel em Ciencias Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 1

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de intercambio entre ambos países. Aquí, se verifica que los términos de intercambio eran favorables para Brasil, pero no fueron aprovechados. Hasta el 2008, China venía ocupando mercados tradicionales de Brasil y América Latina, creciendo en sectores de alto contenido tecnológico. Internamente, la amenaza generada era menos visible en la medida que se ocupaba el espacio de otros proveedores de Brasil, o sea, que eran importaciones que se harían de todas maneras. Pero a partir del 2008, en un contexto internacional de fuerte competencia, China pasa a penetrar en mercados ocupados hasta aquél entonces por la industria nacional, intensificando aún más el retroceso del sector industrial nacional. Como conclusión, se plantea a necesidad de una agenda nacional de inversiones en sectores de alto contenido tecnológico basada en la investigación de C&T&I (Ciencia, Tecnología e Innovación), además de una política que obligue la transferencia tecnológica de Brasil. Fernando Masi (CADEP) La exposición de Fernando Masi tuvo especial importancia en la media que discutió la inserción de Paraguay en la economía global y regional, tras una relación de dependencia con Brasil. Asimismo, puso en evidencia el lado perverso del elevado crecimiento de la economía paraguaya en los últimos años cuyo trasfondo es el despojo de la mayoría de la población. Actores como Brasil, Argentina, México y Colombia desarrollaron significativos procesos industrialización en distintos momentos. Sin embargo, en la mayoría de los países latinoamericanos el extractivismo aparece como una constante a lo largo de la historia. Actualmente, plantea Masi, observamos una diversificación productiva en América Latina que no necesariamente pasa por las industrias. Un buen ejemplo de ello es el caso de Chile que tradicionalmente tuvo su economía basada en la exportación del cobre, pero que desde los años noventa emprende un esfuerzo para diversificar su producción a partir de productos de la pesca, frutas, madera etc.; que no son productos propiamente industriales. Asistimos los procesos de integración regional en distintas modalidades, lo que coincide con la globalización y la aparición de las grandes cadenas globales de valor. América Latina participa se inserta en ellas como proveedor de materias primas. Observamos, actualmente, una mayor participación de las industrias nacionales latinoamericanas. Ahora bien, aunque entre los países de la región se vendan más productos industriales, esto no representa tanto en términos generales, ya que el mayor porcentaje de las exportaciones siguen siendo de materias primas para otros países. Paraguay es fundamentalmente agrícola a lo largo de la historia con una composición de grandes latifundios y pequeña producción agrícola (ej: algodón). Tradicionalmente la madera y la carne fueron los principales rubros de exportación. En un momento posterior ganan preponderancia el algodón y la soja. Actualmente la soja y la carne ocupan los primeros lugares en la pauta exportadora. En este panorama, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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¿Cómo aparece el proceso de industrialización en Paraguay? El marco central, según Masi, sería el boom de Itaipú. El capital que ingresó al país en los años 70 por medio de la hidroeléctrica era tres veces más grande que el PIB. Es a partir de ahí que en los años 80 se verifica un desarrollo de industrias como la química, de plástico y metal mecánica. El nivel histórico de exportación de Paraguay en los últimos años se dio gracias a la ganadería extensiva e intensiva y soja. Aquí, vemos un quiebre muy importante en lo que significa el crecimiento económico en Paraguay y la importancia que tiene eso en el PIB. Cuando uno mira la composición de esas exportaciones, en una primera mirada, puede interpretar que se tratan exclusivamente de materias primas. Sin embargo, 40% de estas exportaciones son de productores industriales (alimentos procesados, etc.) oriundos de la “agroindustria”. No solamente la soja y la carne participan de este proceso, sino que otros productos tales como el sésamo, stevia y mandioca, provenientes de la agricultura familiar, también entran en esta pauta exportadora. Ahora bien, aunque Paraguay se inserte en las cadenas mundiales de valor como proveedor de soja y carne, y en las cadenas regionales a través fundamentalmente de la carne, hay que considerar el rol que juega Brasil en este proceso. Como ejemplo de ello, está el dato de que la mayoría de los frigoríficos el país son de capital brasileño. Paraguay también está “unido” a Brasil en la cadena regional por las industrias de la maquila, y acá se consideran de especial importancia las montadoras automovilísticas de Brasil. En síntesis, “Paraguay en el Mercosur significa Brasil” ya que funciona acoplado a Brasil en esta cadena de valor regional. Como consecuencia de un modelo cuya base está en la producción extensiva en los latifundios y la inmediata expulsión da las poblaciones rurales, se registran migraciones masivas hacia ciudades o poblaciones urbanas. Masi plantea que los paraguayos no tienen en mente de que 60% de territorio es el Chaco. Hay soja, ganadería, producción menonita, por lo tanto, la gente que está siendo expulsada de la región oriental tampoco va al Chaco. Es fundamental tener en cuenta que el modelo paraguayo tiene una historia diferente de la de Brasil, de Argentina. En este sentido, las soluciones (aunque limitadas) propuestas por los gobiernos progresistas, no tuvieron el mismo impacto. En Paraguay, pese al alto crecimiento de PIB tras la bonanza sojera, no hay bien estar para la población. Magui Balbuena (Coordinadora Nacional de Mujeres Trabajadoras Rurales e Indígenas CONAMURI) La dirigente campesina, Magui Balbuena empieza su exposición con la idea de que el tema de la mesa sería muy distante de la realidad del campo. Pero, afirma: “si bien estamos tan lejos vivimos la consecuencia todos los días”.

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La desigualdad social es una característica del Paraguay que se profundiza con el neoliberalismo, un modelo totalmente excluyente que da la espalda al pueblo mayoritario. El débil Estado paraguayo es instrumento del neoliberalismo y toda la política del gobierno actual funciona a partir de la exclusión de la mayoría de los ciudadanos impulsando un modelo de desarrollo elitista. Nunca, después de Gaspar Rodríguez de Francia, Paraguay ha tenido un gobierno con interés popular. Tal afirmación aparece como evidente cuando miramos la distribución de la tierra en Paraguay, la más desigual de América Latina. La realidad actual es la de la “extinción del campesinado” que es enmascarada tras un crecimiento económico record en el país. Los bienes naturales siempre fueron valorados por los campesinos e indígenas pero pasan a ser mercancía en la lógica extractivista (bienes naturales Vs. recursos naturales). En este sentido, la “extinción del campesinado” es condición necesaria para el éxito del modelo de acumulación vigente. Por un lado, es fundamental tener en cuenta que el modo de vida campesino está anclando en otra lógica de producción y, por otro, que su mano de obra aparece como desnecesaria en la medida el agronegocio tiene su base en la agricultura y ganadería extensiva. Se busca de todas las manera garantizar que el campo este sin campesinos, considerados un estorbo. En este esta ofensiva, la prensa ocupa un rol fundamental y aparece como vocera de los intereses hegemónicos en el esfuerzo por deslegitimar la cultura campesina. Tanto campesinado como la reforma agraria son términos de desuso y símbolos del atraso según el discurso dominante. En este contexto, se pregunta ¿De qué industrialización se puede hablar sin una verdadera reforma agraria? ¿Para quién es la industrialización? Un modelo de desarrollo sustentable debe depender del Estado, pero el Estado paraguayo actúa como protector de los interese extranjeros que desde la guerra de la Triple Alianza tiene una política entreguista. Como ejemplo de eso, parafrasea al actual presidente Horacio Cartes (“el presidente de los empresarios, narcotraficantes y corruptos”) cuando dice “usen y abusen del Paraguay”. Necesitamos un desarrollo para el sur, afirma. Para nosotros, no para el norte. En nuestro caso, el dilema de mantener la primarización o instalar la industrialización es falso, porque no tiene implícito un cambio en el patrón de desarrollo. Theotônio dos Santos (REGGEN) Theotônio dos Santos abre su exposición en un tono optimista considerando la rearticulación de la problemática de la integración en distintos lugares por los que ha circulado recientemente. Frente a la ofensiva de la derecha, se identifican distintos esfuerzos en pro de la integración regional. Las condiciones de dependencia explican mucho la situación económica y política actual. El proceso de colonización creó en el mundo situaciones muy parecidas con la latinoamericana. La

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superación de la dependencia no pasaba por una “independencia” nacional, sino que la dependencia tiene que ser entendida como fenómeno global articulado con la historia del capitalismo. Interpreta la Guerra Fría como “invención” de EEUU para mantener su hegemonía mundial en el contexto de la derrota del nazismo. Es este contexto que se forja una falsa amenaza soviética. El discurso hegemónico es el de que el proceso de globalización está por arriba de los Estados. No obstante, lo que vemos es justamente lo contrario en la medida que estamos frente a una economía integrada mundialmente de forma desequilibrada con los Estados ocupando rol central. El crecimiento de la concentración económica, los monopolios y el capitalismo de Estado, son disimulados tras una ideología neoliberal que subordina las relaciones sociales a la competencia ideal del mercado. La decadencia de la hegemonía de los Estados Unidos explica gran parte de la complejidad de la política internacional global actual. El país dejó de ser el grande acreedor mundial pasando a ser uno de los mayores deudores. Eso implicaría una disminución de la capacitad de control en la economía global. La disminución de los gastos militares (“es decisión del pentágono no hacer más de una guerra por vez”, afirma) también aparece como factor clave. Otra situación importante que marca es el hecho de que se alteraron los poderes relativos en función del ascenso de economías emergentes como China, India, Rusia, Brasil, Indonesia. El rol de los BRICs como fortalecedor de las relaciones Sur-Sur profundiza el desplazamiento de los polos de poder económico. Es en este este contexto que ubica el rol de la integración como nuevo patrón de desarrollo y condición para que pasemos a una etapa histórica nueva en el continente.

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El Mercosur de los pueblos Leonardo Granato1 Consideraciones iniciales

A

bordar la integración regional en América del Sur desde el prisma del desarrollo y de la autonomía de sus países componentes, tal como se ha propuesto en el Congreso de FoMerco de este año de 2015, nos invita a transitar por múltiples conceptos, tradiciones de pensamiento,

características y dimensiones relativos a la esencia de este “fenómeno social” (Puig, 1986). En esa línea se desarrolló el Panel sobre “Derechos, políticas e instituciones y su impacto en la integración”, cuyo principal objetivo era, en palabras de su coordinadora, Profa. Gizlene Neder, “deslocarmos a nossa discussão para além do econômico”. Como veremos más adelante, es la propia naturaleza de la integración en América Latina la que nos impone, en definitiva, tal objetivo, y partiendo de esa base daremos comienzo al presente trabajo. En este sentido, nos proponemos articular las valiosas contribuciones efectuadas en el marco del referido Panel2, en una línea de raciocinio que explique la integración regional en el continente a partir de los ideales emancipatorios de desarrollo, igualdad y autonomía, y no solamente por oportunidades o restricciones sistémicas. En esta delicada coyuntura por la que atraviesa nuestro Mercosur, y de forma más amplia, la integración en América del Sur, resulta fundamental que el conocimiento y la discusión con sentido crítico, guíen nuestras reflexiones académicas sobre el pasado y presente de la región, contribuyendo con la ampliación de posibilidades de los pueblos latinoamericanos de construir ese futuro libertador, emancipador, imaginado y deseado. Política e integración en América Latina Retomando lo expuesto en las consideraciones iniciales, el objetivo de nuestro Panel se vincula necesariamente con la propia naturaleza política de la integración regional en estos sures, en tanto unión de Estados soberanos en torno de intereses comunes. Es justamente esta naturaleza política la que nos insta a refinar nuestras miradas, análisis y discusiones más allá del componente económico privilegiado por visiones restrictas de la integración. Professor Adjunto da Escola de Administração-EA da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS (RS). Possui graduação em Direito pela Universidad de Belgrano, Argentina, e mestrado em Direito da Integração Econômica pela Universidad del Salvador, Argentina, e pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, França. É doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). E-mail: [email protected] 2 El Panel estuvo integrado por el profesor de la Universidad de Buenos Aires, Fernando Milano; por el actual presidente del Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur, Roberto Ruíz Díaz Labrano; por el profesor de la Universidade Federal Fluminense, Gisálio Cerqueira Filho; y por el profesor de la Universidad Católica “Nuestra Señora de la Asunción”, Hugo Ruíz Díaz Balbuena. 1

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Esta naturaleza política en virtud de la cual se define la integración como “una política y no solamente como una fórmula” (Lanús, 1972), está vinculada con dos cuestiones. En primer lugar, con el hecho de que en un contexto en el que el movimiento natural de los Estados es el de “cerrarse” dentro de sus fronteras con miras a la auto-preservación y supervivencia, la integración regional, al ser visualizada como un instrumento de fortalecimiento de las capacidades nacionales, emerge como un contramovimiento producto de la voluntad y racionalidad política de los actores involucrados (Gonçalves, 2013). En este sentido, la búsqueda de una convergencia entre los diferentes objetivos, intereses y expectativas de los Estados partes del emprendimiento, y la creación de mecanismos institucionales a través de los cuales canalizar las diferencias y conflictos entre los mismos, revela, sin dudas, la complejidad de la integración. En segundo lugar, tal naturaleza política de la integración en América Latina también está relacionada con la idea de articular una “defensa conjunta” frente al propio sistema capitalista que colocó a los países del continente, frágiles y con estructuras productivas desarticuladas, en la periferia de la geopolítica mundial (Jaguaribe, 1973; Guimarães, 2002). En otras palabras, de la misma manera que para Ferrer (2006) el dilema del desarrollo e inserción internacional de los países de la región no es nada nuevo, para Paradiso (2008, 2009) la singularidad de este continente está en haber mantenido un “ideal unificador” por más de doscientos años: la condición de periferia del capitalismo, subdesarrollada y dependiente de los países centrales; la convivencia dentro del mismo espacio geopolítico continental con un poder hegemónico; y la “latinoamericanidad” o idea de “comunidad de destino solidaria”3, explican los tres factores estructurales que conforman ese ideal unificador, siendo ellos el desarrollo (dimensión económica), la autonomía (dimensión política) y la igualdad (dimensión cultural). De la fragmentación que reinó en el continente hasta mediados del siglo XX, así como de las experiencias integracionistas que tuvieron lugar en lo sucesivo y hasta la actualidad, deviene la importancia del conocimiento mutuo para crear lazos de confianza y de pertenencia, esenciales para viabilizar emprendimientos asociativos de tamaña importancia. En esa línea de raciocinio, la Profa. Neder argumentó que “conhecemos pouco as variações das culturas jurídicas de nossos países”, siendo, en este sentido, de vital relevancia promover discusiones sobre los corpus normativos de los países latinoamericanos en general, y de los sudamericanos en particular. De forma complementaria, el Prof. Cerqueira Filho apuntó con ahínco la dimensión estratégica que el estudio de las culturas jurídicas nacionales tiene para la integración regional, debido a que las mismas pueden ser “colonizadoras” o “modernizadoras” de nuestras sociedades, y dependiendo de la tendencia de que se

Cabe aclarar que estas nociones encontraron históricamente mayor expresión en la América Española, toda vez que, en Brasil, solamente a partir de la segunda mitad del siglo XX, la discusión en torno de una “consciencia común” y de un sentido de pertenencia e identidad tendrá lugar a partir de las formulaciones de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL) sobre el esquema de centro-periferia (Lima, 2007). 3

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trate, puede influenciar positiva o negativamente la configuración de una integración emancipadora y solidaria en el continente. En suma, la integración regional es un proceso complejo, que deberá impulsarse en todas sus diversas formas posibles, y no únicamente en su dimensión económica, apelando a una concepción “integral” de la integración que favorezca la creación de valores y objetivos compartidos y el fortalecimiento de las capacidades nacionales. Si bien la política externa, en tanto política pública, y la integración como instrumento de aquélla, son proyectadas teniendo en cuenta objetivos nacionales, valores como la reciprocidad y el reconocimiento de las grandes asimetrías y desigualdades nacionales y sociales dentro de cada país y del bloque de integración como un todo, serán esenciales para fortalecer la interdependencia de la región, y promover la inserción soberana de la misma en el sistema internacional. Conforme quedó evidenciado a través de las intervenciones antes mencionadas, el estudio de las culturas jurídicas de los países del continente reafirma la importancia de la multidimensionalidad de la integración regional, a partir de constituirse como una de sus dimensiones, la jurídica; del conocimiento recíproco para avanzar en la consolidación del proceso asociativo; y de la premisa que la integración debe ser pensada a partir de la región como un todo, y no apenas sobre la óptica de las realidades nacionales de cada uno de los países componentes. Reflexiones sobre el Mercosur Esa integración sobre la cual discutimos en el punto anterior, se ha manifestado históricamente y se manifiesta actualmente a través de experiencias concretas, entre las que se encuentra el bloque que ha sido objeto de referencia por todos los integrantes del Panel, el Mercosur. Ya el Prof. Milano al reflexionar sobre los avances experimentados por el citado proceso de integración, así como sus desafíos, destacó como punto de inflexión la convergencia argentino-brasileña en 2003. De esta forma, previo a la discusión sobre el Mercosur actual, efectuaremos unas breves consideraciones para contextualizar tales avances. En el inicio del nuevo milenio, grandes sectores de la población de los países latinoamericanos eligieron democráticamente fuerzas políticas de izquierda y centro-izquierda que construyeron proyectos de gobierno alternativos para hacer frente a los impactos recesivos del neoliberalismo en el continente. Así las cosas, esta última década no puede ser comprendida sino a través de la referencia a este contexto de transformaciones, producto de la voluntad política de un grupo de gobiernos que asumieron la tarea de lograr su propio desarrollo y que concibieron a la integración regional como expresión de una política exterior autónoma y como factor coadyuvante para tal fin. Para comprender el proceso de integración en el Cono Sur necesitamos prima facie enfrentar tres mitos subyacentes en los estudios de muchos analistas: el de que Argentina y Brasil son “rivales” en el plano bilateral, el de que el Mercosur debería erguirse bajo el modelo integracionista de la Unión Europea y, el de que el Mercosur “no funciona”. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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En referencia al primero de los mitos, podemos expresar que los dos gigantes sudamericanos fueron rivales durante la formación de los Estados nacionales, y, si bien durante muchos años crecieron “dándose las espaldas”, a partir de fines de los años ’70 y principios de los ’80 esa situación cambió a los fines de dar los primeros pasos en la re-significación de la relación bilateral que derivaría en nuestro actual proceso de integración del Mercosur. En referencia al segundo de los mitos, podemos decir que tomar a la Unión Europea como “modelo” o “paradigma” del Mercosur supone que el mismo se trata de un proceso lineal que avanza gradualmente. Entendemos que ello no es así. De la misma manera que la construcción europea tuvo fracasos y dificultades, la evolución del Mercosur tampoco es lineal, y de esta manera, también está atravesada por avances y retrocesos. Finalmente, y en referencia al tercer mito, retomaremos, de alguna manera, el sentimiento y entusiasmo colocados por los integrantes del Panel al reconocer que mucho se ha logrado en estos 24 años de existencia del Mercosur, y que en definitiva, los retrocesos y lo mucho que queda aún por hacer son inherentes a todo proceso en construcción. El Mercosur se basa en la tradicional cooperación estratégica de Argentina y Brasil; en la conquista histórica de ambos actores de haber eliminado la hipótesis de conflicto con el país vecino. El Mercosur se inició con el retorno de las democracias, se adaptó a la globalización neoliberal, y después de 2003, con la llegada de los gobiernos de Néstor Kirchner (2003-2007) y de Lula da Silva (2003-2006; 20072010), este bloque fue “reformulado” (Granato, 2014, 2015), adquiriendo un carácter mucho más amplio al meramente económico-comercial (tal como fue plasmado originalmente en el Tratado de Asunción de 1991), y convirtiéndose en una herramienta al servicio de los respectivos proyectos nacionales de desarrollo, que tiene en la inclusión social y productiva, en la profundización del proceso de aproximación de las sociedades y en la creación de una identidad común, sus principales dimensiones. Uno de los principales objetivos del proceso de integración del Mercosur a partir de 2003 fue construir un espacio regional común que además de ampliar las oportunidades de generación de empleo, inversiones, energía, infraestructura y comercio, se constituya en una verdadera estrategia de desarrollo productivo y bienestar social. Porque como enfatizó Ruíz Díaz Labrano, el Mercosur representa ante todo un instrumento que debe contribuir “para mejorar la vida de los ciudadanos”. Asimismo, este objetivo se articula con la búsqueda de autonomía en el plano internacional y con el objetivo de crear un polo de poder regional que permita a sus países hacer frente a los desafíos de la multipolaridad del siglo XXI. Son justamente estas dimensiones las que caracterizan el modelo de inserción impulsado por la alianza argentino-brasileña, y materializado en los llamados “Consenso de Buenos Aires” y “Compromiso de Puerto Iguazú”, de octubre de 2003 y noviembre de 2005, respectivamente. Asimismo, en su intervención, el Prof. Milano efectuó una reseña del impacto que ese “cambio de visión”, y las políticas consecuentes, tuvieron en la institucionalidad del bloque, creándose un nuevo patrón de cooperación e integración (Sarti, 2014). Sin dejar de lado el capítulo económico-comercial, nuevas dimensiones emergieron en el bloque favoreciendo avances en los temas más variados.

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En este sentido, conforme reseñado por el Prof. Milano, cabe mencionar algunos de los ejemplos más salientes de este redimensionamiento del Mercosur tales como la creación y puesta en marcha del Fondo de Convergencia Estructural del Mercosur (Focem), que busca combatir las grandes asimetrías existentes; la creación y puesta en marcha del Parlamento del Mercosur (Parlasur), para avanzar rumbo a la ampliación de la representación política, democratización y legitimación del proceso de integración; la creación y puesta en marcha del Instituto Social del Mercosur y aprobación del Plan Estratégico de Acción Social, que buscan articular esfuerzos en el combate de las desigualdades y en la promoción de la inclusión social; la creación y puesta en vigencia del Instituto de Políticas Públicas de Derechos Humanos, con el objetivo de contribuir con el fortalecimiento del Estado Democrático de Derecho en todos los países miembros; la creación y puesta en marcha de una Unidad concebida como un canal institucional de diálogo con los diversos movimientos y organizaciones de la sociedad civil; y un sinnúmero de avances relativos a la conformación de una ciudadanía común en el ámbito del bloque. Si bien lo expresado anteriormente permite afirmar que mucho se ha avanzado desde 2003, en nada obsta reconocer que también existen múltiples problemas, nudos críticos, dificultades, que en un contexto como el actual, descripto por el Prof. Ruíz Díaz Balbuena como de “ofensiva y deslegitimación de nuestros procesos democráticos”, exigen un mayor compromiso y voluntad política por parte de los gobiernos de los Estados partes para enfrentar el desafío de la solución. De la misma manera que el Prof. Milano hizo referencia al serio déficit registrado en el proceso de incorporación de la normativa Mercosur en los ordenamientos jurídicos internos de los Estados miembros a efectos de su vigencia, también se refirió a la necesidad de dotar de capacidad decisoria al Parlasur, y de crear un verdadero sistema judicial y no solo arbitral-comercial, que permita el acceso directo a los ciudadanos del bloque. De forma complementaria a esta visión, podemos hacer mención a otros nudos críticos tales como la urgencia de perfeccionar los espacios de participación en la esfera pública no estatal, buscando la transparencia, prestación de cuentas y control social de las políticas públicas; la necesidad de implementar, en el marco del Focem, un verdadero programa de recuperación y cambio estructural; y la pérdida de dinamismo del programa de reestructuración productiva y de un mínimo de convergencia macroeconómica (financiera y fiscal). En ese marco, inclusive, el Mercosur parece no haber logrado modificar la tradicional relación estructural con los países centrales, que no solamente se mantiene con los Estados Unidos y con Europa, sino también con China, con quien existirían indicios de repetir el modelo de fuerte dependencia con relación a las exportaciones de recursos naturales, productos de bajo valor agregado, con la contrapartida de la dependencia externa de bienes de fuerte contenido tecnológico. En este punto cabe hacer mención también a la reflexión del Prof. Ruíz Díaz Balbuena sobre el rol de los grandes traders, que son las empresas multinacionales, y que él denomina “grupos fácticos de poder”, cuya lógica de actuación corporativa continúa teniendo una fuerte presencia en el Mercosur.

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Lo anterior nos vincula nuevamente con el carácter político de la integración en la periferia del capitalismo, y con la necesidad de llevar a la práctica aquella lucha contra la división internacional del trabajo que impide el desarrollo, autonomía e igualdad de nuestros países. Según enfatizó el Prof. Ruíz Díaz Balbuena, en un contexto de deslegitimación de ciertos elementos de cambio, cabe preguntarnos cuáles son los límites de ruptura en el proceso de integración, y es en ese sentido fundamental afirmar la importancia de promover una discusión y deliberación autónomas en el ámbito del Mercosur que involucre a todos los sectores de nuestras sociedades. A modo de conclusión En aras de ir finalizando la presente contribución, y en referencia a los rumbos del proceso de integración, consideramos importante expresar que, probablemente, gran parte de las discusiones que nos debemos como Mercosur, nos remitan a un cuadro de reflexión más amplio, que el Prof. Cerqueira Filho definió como de relaciones entre Estado y sociedad. Porque son, en definitiva, tales relaciones fundantes, estructurantes las que dotarán de sentido toda expresión concreta de la integración en nuestras sociedades. En un contexto de crisis mundial y regional, de fragmentación y de dificultades en la gestión de la integración del Mercosur, fomentado en muchos casos por aquellos que tienen una visión restricta de la integración y quieren “reducir” al bloque a un área de libre comercio; los países del Mercosur deben apostar por más integración, avanzando en la conciliación de una nueva agenda que posibilite conciliar diferencias en los objetivos, conflictos y desavenencias; superar las desigualdades y asimetrías; favorecer la convergencia de políticas públicas de desarrollo con inclusión social; y consolidar una estrategia de desarrollo e inserción autónomas, no subordinadas, en el sistema internacional. En esa “apuesta” por más integración, los espacios académicos y universidades están llamados a cumplir un rol fundamental; rol que, como destacó Ruíz Díaz Labrano, debe estar comprometido con todos los aspectos y dimensiones de la integración, que nunca debe perder de vista las necesidades y proyectos de nuestras sociedades latinoamericanas.

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Poder e narrativa na democracia da América Latina: o papel da cultura nos processos de integração Leonardo Valente1 Apresentação

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m tempos onde é cada vez mais forte a pressão para que o regionalismo aberto e os grandes acordos transoceânicos de livre-comércio substituam os modelos estratégicos de integração na América Latina, em particular na América do Sul, a cultura e a política cultural ganham

ainda mais relevância para a continuidade desses processos de integração, e condição de elemento importante de resistência às forças desagregadoras. A questão foi o tema principal do Painel 5, “Cultura e Comunicação: Poder e Narrativa na Democracia da América Latina”, do XV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul (FoMerco), realizado em setembro de 2015, em Assunção, no Paraguai. Mediado pela professora Mônica Leite Lessa, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o painel contou com as participações do professor Antonio Albino Rubim, titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e de Anibal Orué Pozzo, professor paraguaio do CDE/UNE. Enquanto Rubim enfatizou os programas culturais, com ênfase no Cultura Viva, como exemplos de políticas culturais que se concretizam como espaços de resistência e ao mesmo tempo promotoras de integração, Pozzo ressaltou a necessidade de reflexão e de elaboração de ações na esfera da cultura para se quebrar o modelo de pensamento colonial que ainda vigora na região. Ambos concordam que o momento atual, marcado por uma rápida ofensiva de forças políticas conservadoras em vários países latino-americanos, representa um desafio tanto para as políticas culturais promotoras de integração quanto para o pensamento da cultura como um campo relevante para a redução das desigualdades e para a construção de novas identidades. Rubin enfatiza que os novos tempos necessitam de uma rápida readaptação de atores políticos e culturais. Discutimos agora integração em circunstâncias bem distintas das discussões há cinco anos, é preciso ter em conta que a conjuntura é outra e que impõe ao mesmo tempo novos desafios e reflexões. O avanço conservador impõe a necessidade de novas fórmulas (RUBIM, 2015).2

Pozzo segue na mesma direção, afirmando que o avanço conservador é uma ameaça a qualquer política cultural capaz de quebrar paradigmas e criar novas identidades em conformidade com os objetivos da integração regional. Um avanço conservador que implique na reversão de políticas culturais voltadas para a quebra do modelo colonial de se pensar a região e as identidades certamente atuará contra o desenvolvimento. O modelo colonial de se pensar, tão resistente na América Professor adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutor em Ciência Política, mestre em Relações Internacionais e jornalista. 2 Todos os trechos foram transcritos durante o Painel 5 do XV Congresso Internacional do Fomerco. 1

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 46 Latina, é apenas para alguns grupos sinal de desenvolvimento. Para a maioria da população, no entanto, resulta em exclusão (POZZO, 2015).

Neste contexto, a experiência da Política Nacional do Cultura Viva, explicada por Rubim, e o desafios no Paraguai para a construção de um paradigma cultural mais inclusivo e resistente às forças desagregadoras, expostos por Pozzo, constituem-se em dois casos de extrema importância para se compreender os processos culturais e comunicacionais regionais, e seus desafios no trabalho pelo aprofundamento de uma integração estratégica, soberana e inclusiva. O exemplo do Cultura Viva Os projetos de Cultura Viva existem há cerca de uma década, mas a Política Nacional de Cultura Viva foi criada em 2014, com o objetivo de garantir a ampliação do acesso da população aos meios de produção, circulação e fruição cultural a partir do Ministério da Cultura, e em parceria com governos estaduais e municipais e por outras instituições, como escolas e universidades. Importante ressaltar que o Ministério da Cultura no Brasil foi criado em 1985 e que, em nove anos de atuação, teve dez responsáveis pela pasta. Isso é um exemplo de como a política cultural era levada no país. Apenas em 2003 o ministério foi redimensionado e o conceito de cultura passou por uma redefinição, se tornando mais amplo. É este contexto que abre espaço para novas ações como o Cultura Viva. O Estado passou a não ter apenas a noção elitista da cultura, que contempla apenas os artistas e os atores culturais. Outros atores e expressões foram incorporados à essa noção, abrangendo uma séria de outras manifestações culturais e consequente muito mais gente envolvida (RUBIM, 2015)

O Cultura Viva se tornou uma das políticas culturais com mais capilaridade e visibilidade do Ministério da Cultura, presentes nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, além de cerca de mil municípios, promovendo os mais diversos segmentos da cultura brasileira. Atualmente, atende iniciativas dos mais diversos segmentos da cultura: cultura de base comunitária, com ampla incidência no segmento da juventude, Pontos de Cultura Indígenas, Quilombolas, de Matriz Africana, a produção cultural urbana, a cultura popular, abrangendo todos os tipos de linguagem artística e cultural. Desde 2004, foram implementados 4.500 Pontos de Cultura em todo o país. Até 2020 a SCDC pretende fomentar mais 10.500 Pontos de Cultura para atingir a meta prevista no Plano Nacional de Cultura de 15 mil pontos em funcionamento. Os pontos já existentes englobam de forma esporádica cerca de 8 milhões de pessoas em atividades culturais. Trata-se de um projeto que teve a capacidade de mudar radicalmente em alguns anos a participação popular em atividades culturais. Isso é uma pequena revolução se levarmos em conta o cenário de décadas anteriores. (RUBIM 2015)

Em 22 de julho de 2014, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.018, que institui a Política Nacional de Cultura Viva, simplificando e desburocratizando os processos de prestação de contas e o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil. Entre os principais beneficiários e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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protagonistas do Cultura Viva estão a juventude e os grupos tradicionais, alcançando a produção cultural que vem das periferias e do interior do Brasil, passando da cultura digital às tradições dos povos indígenas. Os Pontos de Cultura se tornaram uma referência de política cultural dentro e fora do Brasil, tendo sido adotados em vários países da América Latina, como Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Costa Rica. Destaco importantes iniciativas internacionais que mostram que os conceitos relacionados ao Cultura Viva ganham dimensão regional: o Fórum de Cultura Comunitária, ocorrido na Colômbia, e Congresso de Cultura Comunitária, realizado em La Paz, na Bolívia e, numa iniciativa de grande importância, a criação do Conselho Latino-Americano da Cultura Viva Comunitária. Essa disseminação dessa forma de implementar políticas culturais é de grande relevância. Existem diferenças entre o modelo brasileiro e o modelo latino-americano. No Brasil, o programa não contempla apenas as diferentes formas comunitárias de expressão cultural, mas também muitos projetos de plataformas digitais, e ambos recebem ajuda do governo federal. Nos demais países, a ênfase é quase exclusiva nos projetos comunitários, uma vez que as bases digitais não são bem consolidadas, e o repasse de recursos governamentais é bem mais raro. Mesmo assim, é evidente os avanços obtidos nos últimos anos (RUBIM, 2015).

Em 22 de julho de 2014, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 13.018 que transformou a sua ação estruturante mais conhecida, os Pontos de Cultura, na Política Nacional de Cultura Viva simplificando e desburocratizando os processos de prestação de contas e o repasse de recursos para as organizações da sociedade civil. A Lei Cultura Viva foi o resultado de um intenso processo de escuta e participação social, que envolveu os Pontos de Cultura, parlamentares, gestores estaduais e municipais, universidades e órgãos de controle. Foram propostos dois novos instrumentos de gestão da política, uma reivindicação histórica dos Pontos: a autodeclaração dos Pontos de Cultura, por meio do Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura, e o Termo de Compromisso Cultural (TCC). A autodeclaração dos Pontos permite o reconhecimento, o mapeamento e a certificação de entidades e coletivos culturais que queiram se tornar Pontos de Cultura. Já o TCC é um novo instrumento de parceria entre a Administração Pública e os Pontos que receberão recursos, mais simplificado e adequado à realidade dos agentes culturais. Ele garante o pleno exercício dos direitos culturais aos cidadãos brasileiros, dispondo-lhes os meios e insumos necessários para produzir, registrar, gerir e difundir iniciativas culturais; estimula o protagonismo social na elaboração e na gestão das políticas públicas da cultura; promove uma gestão pública compartilhada e participativa, amparada em mecanismos democráticos de diálogo com a sociedade civil; consolidar os princípios da participação social nas políticas culturais; garante o respeito à cultura como direito de cidadania e à diversidade cultural como expressão simbólica e como atividade econômica; também estimula iniciativas culturais já existentes, por meio de apoio e fomento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; promover o acesso aos meios de fruição, produção e difusão cultural; potencializar iniciativas culturais, visando à construção de novos valores de cooperação e solidariedade, e ampliar instrumentos de educação com educação; fomenta a exploração, o uso e a apropriação dos códigos, linguagens artísticas e espaços públicos e privados disponibilizados para a ação cultural. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Outra mudança relevante diz respeito ao novo instrumento jurídico: o Termo de Compromisso Cultural (TCC). Ele substitui os convênios no repasse dos recursos para as entidades culturais, superando o modelo inadequado para a realidade da cultura no Brasil. Os convênios permanecem apenas para as parcerias entre o Governo Federal e os estados e municípios, a fim de implantação de Redes de Pontos de Cultura. Também foram regulamentados, além do Termo de Compromisso Cultural (TCC), os prêmios e bolsas. Dessa forma, a Política Nacional Cultura Viva passa a contar com diversas formas de apoio e fomento: fomento a projetos culturais de Pontos e Pontões de Cultura juridicamente constituídos, por meio da celebração de TCC; premiação de projetos, iniciativas, atividades, ou ações de pontos de cultura, de pessoas físicas, entidades e coletivos culturais; e concessão de bolsas a pessoas físicas, visando o desenvolvimento de atividades culturais. Também foram atualizados os valores a serem repassados aos Pontos e Pontões de Cultura, com base na correção de valores conforme o Índice de Preços ao Consumidor do (IBGE). No caso de Pontos de Cultura, o valor total do repasse será de até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e valor da parcela anual de até R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Para os Pontões de Cultura o valor total de até R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) e valor da parcela anual de até R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais). O repasse de recursos para esses projetos é um dos pontos diferenciais do modelo brasileiro, e permite que os projetos sejam realizados com mais rapidez que em lugares onde os recursos são mais escassos, e permite também que manifestações culturais que não teriam condições de serem executadas se torem realidade. (RUBIM, 2015)

O Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura é estabelecido como o instrumento de reconhecimento, mapeamento e certificação simplificada da Política Nacional Cultura Viva (PNCV), e oferece ferramentas de interação e comunicação, possibilitando o reconhecimento por parte do Ministério da Cultura e a auto-declaração como Ponto ou Pontão de Cultura por parte das entidades e coletivos culturais. Sobre as instituições públicas de ensino, a IN traz uma mudança significativa: a possibilidade dessas instituições (federais, estaduais ou municipais) serem certificadas como Pontões de Cultura através do Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura, mas sem o repasse de recursos através de TCC. Ou seja, essas instituições não podem concorrer a editais de Pontões de cultura, mas podem ser reconhecidas pelo trabalho que realizam como parte da Política Nacional de Cultura Viva. A IN segue as regras de parcerias do governo, em que o Ministério da Cultura, os entes federados parceiros, os Pontos e Pontões de Cultura poderão estabelecer parceria e intercâmbio com instituições públicas e privadas, em especial com escolas e instituições da rede de educação básica, do ensino fundamental, médio e superior, do ensino técnico e com entidades de pesquisa e extensão. Como salienta Rubim, “trata-se de um projeto que, em amplo sentido, contribui para a descolonização do saber e da noção de cultura. É a América Latina sendo reinventada no século XXI.”.

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As estratégias contra o imperialismo cultural e o risco do retrocesso O imperialismo cutural pode ser definido como o conjunto dos processos pelos quais uma sociedade é introduzida no seio do sistema moderno mundial e a maneira como a sua camada dirigente é levada, pelo fascínio, a pressão, a força ou a corrupção, a modelar as instituições sociais para que correspondam aos valores e às estruturas do centro dominante do sistema ou a tornar-se no seu promotor. Na América Latina, esse tipo de dominação substitui, gradualmente, a divisão do trabalho como meio de penetração imperialista. Esse Imperialismo Cultural tem por objectivo a conquista de corações e mentes, e se caracteriza por mudar a forma e conteúdo, de acordo com as fases de expansão política e económica, e por se adaptar a diferentes realidades e contextos nacionais. Em meio ao avanço conservador na América do Sul, discutir essa forma de imperialismo e estratégias para contê-lo foi o tema principal da exposição do professor paraguaio Anibal Orvé Polzo. Segundo ele, parte dos trabalhos que foram implementados a partir do início do século XXI para redimensionar a relação da região com a cultura foi desfeita e outra parte encontra-se ameaçada. É necessário e urgente pensar a América Latina a partir de outra perspectiva. Várias propostas neste sentido começaram e ser implementadas há alguns anos em vários países. No Paraguai, iniciamos um amplo projeto durante o governo Lugo de reformulação da produção de conteúdo, pois acreditamos que a mídia é fundamental no processo de reversão do imperialismo cultural. E uma democracia participativa é fundamental para se promover uma mudança substancial na produção de conteúdo. No entanto, após o golpe de 2012, tudo isso se perdeu. É um alerta para os demais países (POZZO, 2015).

Entre as muitas iniciativas citadas por POZZO como relevantes no projeto paraguaio de construção de um paradigma cultural autônomo, integracionista, inclusivo e voltado para os interesses do país e da região estavam a criação da TV Pública do Paraguai, a transformação da Rádio Nacional do Paraguai em Rádio Pública do Paraguai e a criação pioneira de cursos de graduação em Comunicação para o Desenvolvimento. A iniciativa da criação do curso de Comunicação para o Desenvolvimento foi inovadora na região e partiu do princípio de era necessário formar os profissionais de comunicação em sua base, para que pudessem atuar na perspectiva de uma produção de conteúdo inclusiva e voltada para o desenvolvimento. Era necessário quebrar a perspectiva liberal, que doutrinava a futuras gerações de profissionais de mídia a partir da lógica de mercado, e totalmente subordinados à cultura das elites dominantes. (POZZO, 2015).

Outra questão de grande relevância na visão do professor, fruto direto do imperialismo cultural, está na relação entre o uso do guarani e do espanhol como idiomas do país. Primeira língua indígena a dividir com o espanhol o título de idioma oficial em um país da América Latina, o guarani é, no entanto, cada vez menos falado por crianças paraguaias por conta, segundo ele, das imposições culturais dos centros de poder. É a língua original do país, mas o imperialismo europeu sobre nossa realidade sufoca a cada dia a expressão de nossas raízes. O guarani é uma expressão legítima de nossa XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 50 ancestralidade. A preponderância do espanhol, no entanto, faz parte de uma lógica ainda colonial que impõe seus valores e idiomas como os mais nobres e cultos, e como os verdadeiros elementos de identificação nacional. Reverter esse processo é, em parte, reverter também a lógica da dominação colonialista (POZZO 2015).

Os desafios e retrocessos ocorridos no Paraguai, especialmente desde 2012, são exemplos, segundo Pozzo, do que pode acontecer em outros países se outros processos de ruptura institucional ocorreram, especialmente seguidos da ascensão de governos de orientação liberal. Para o professor, ‘É necessário ter em mente que muitos avanços foram perdidos e outros tantos também podem ser perder. Refletir sobre como evitar esse retrocesso é fundamental.”. Comentários finais A necessidade do aprofundamento dos processos culturais de integração, especialmente em meio a uma ofensiva conservadora marcada pela imposição de valores culturais tradicionais dos centros de poder, é urgente e interessa na prática a todos os povos e países da região. As diversas regiões do mundo estão se integrando e constituindo blocos econômicos e políticos, e não faria sentido que apenas a América Latina e o Caribe deixassem de unir-se. Para isso, no entanto, o papel da cultura se torna cada vez mais relevante e estratégico. Na última década, foram obtidas conquistas importantes em matéria de parcerias e cooperação. Aumentaram a confiança e o diálogo substantivo entre os países da região, sem os quais não se conseguiria fortalecer instituições como o Mercosul e criar outras, como a Unasul e a Celac. As relações econômicas também se expandiram consideravelmente. O comércio, por exemplo, cresceu de modo impressionante. Em 2002, segundo a CEPAL, o fluxo total do comércio intrarregional na América do Sul era de U$33 bilhões; em 2011, já havia atingido os U$ 135 bilhões. No mesmo período, o fluxo no conjunto da América Latina passou de U$ 49 bilhões para U$ 189 bilhões. E o seu horizonte de crescimento é enorme, pois trata-se de u mercado de 400 milhões de pessoas, com apenas uma pequena parte de potencial de trocas explorado. Sem a construção de elementos identitários por meio de um amplo processo de integração cultural e de redução da distância comunicacional entre os povos, todos esses feitos econômicos são facilmente revertidos a partir das mudanças na orientação política dos governos nacionais. Uma integração cultural bem-sucedida, sem dúvida, é um fator que dificulta a reversão das políticas de integração e eleva consideravelmente os custos para governos que tentem seguir nessa direção. Os projetos e reflexões apontados pelos palestrantes do Painel 5 do XV Congresso Internacional do Fomerco são fundamentais para uma reflexão mais densa sobre esta questão e apontam que, apesar de muito já ter sido feito, é necessário construir bem mais para que tudo não seja perdido.

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Participação social para uma integração soberana e emancipadora Carolina Albuquerque Silva1

N

os últimos anos, tem ganhado importância o debate sobre a atuação da sociedade civil nas relações internacionais e sobre o acesso dos segmentos sociais interessados aos processos de formulação e implementação das

estratégias de inserção regional e internacional de seus países. Nesse contexto, a integração regional sul-americana tem sido objeto de grande atenção. Tanto os governos quanto os movimentos sociais têm dado prioridade aos processos de integração no continente, engajando-se ativamente em iniciativas mais recentes como a Unasul2 e a Celac3. O Mercosul, por sua vez, teve seu número de integrantes ampliado e se buscou adicionar conteúdo social e político à sua agenda eminentemente econômica. Criado em 1991 como um acordo fundamentalmente comercial, o bloco regional tem avançado na integração das políticas sociais, cujo adensamento guarda estreita relação com a ampliação da participação social verificada nos últimos anos. No que concerne à institucionalização de instrumentos de participação social, o Mercosul apresenta hoje em dia o maior acúmulo. Merece destaque a experiência das Cúpulas Sociais, realizadas pelos governos do bloco desde 2006 e, ainda, a implantação da Unidade de Apoio à Participação Social, criada em 2010, em funcionamento desde 2014. Esses movimentos na esfera regional foram acompanhados por iniciativas nacionais. No Brasil, o Programa “Mercosul Social e Participativo”, instituído pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio do Decreto nº 6594, de 6 de outubro de 2008, consolidou um conjunto de ações voltadas para a ampliação da participação da sociedade civil. O PMSP reúne-se quatro vezes ao ano e conta com representantes de centrais sindicais e trabalhadores rurais, organizações de estudantes, mulheres, juventude, educação, cultura, direitos humanos, direitos sexuais, cooperativas, economia solidária, imigrantes, meio-ambiente, movimento negro, etc. O Programa garante o acesso às informações sobre as negociações em curso e

Graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP e mestranda do Programa de Pesquisas e Pós-Graduação em Estudos Americanos da Universidahde de Brasília (PPG-CEPPAC/UnB). 1

2

União das Nações Sul-Americanas, criada em 2008.

3

Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, criada em 2011.

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busca, dessa forma, contribuir para a superação do déficit de participação no processo de integração. A Argentina conta com um espaço similar, denominado Conselho Consultivo da Sociedade Civil, que funciona desde 2003 no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Experiência semelhante ocorre também no Uruguai, que em 2005 iniciou um processo de debate entre governo e sociedade civil com vistas à criação de um espaço de diálogo social permanente acerca da inserção regional do país, resultando no Sistema de Diálogo e Consulta, criado em 2014. O SDC, instituído pelo Decreto Nº 25/014, estabelece canais institucionais de intercâmbio de informação, opinião e diálogo com a sociedade civil em uma área antes tida como exclusiva dos Estados Nacionais e de alguns grupos empresariais. As modalidades de participação previstas pelo decreto uruguaio são quatro: acesso à informação, diálogo com a cidadania, consulta à cidadania e participação direta. Acontecimentos como esse têm impactos sobre a academia, que vê recrudescer o interesse em pesquisas relacionadas a temas como a estrutura de governança e os novos formatos de ação coletiva no contexto da integração regional. O debate sobre a estrutura de governança do Mercosul e o papel dos movimentos e organizações sociais nos processos relacionados à integração regional foi contemplado no XV FoMerco por meio do painel Participação social para uma integração soberana e emancipadora, realizado na tarde do dia 4 de setembro. O painel teve por objetivo promover um balanço crítico da participação social no contexto do Mercosul, a partir dos depoimentos tanto de representantes de espaços institucionais criados pelo bloco regional para lidar com esta demanda, quanto das experiências de movimento sociais que se envolveram no debate público sobre os rumos do processo de integração regional. A mesa contou com a participação de Maria Silvia Portela de Castro, da Central Única dos Trabalhadores (CUT); Mariana Vázquez, Coordenadora da Unidade de Participação Social do Mercosul e de Rafael Reis, Chefe de Gabinete do Alto Representante Geral do Mercosul. A coordenação dos debates coube a José Renato Vieira Martins, professor da Unila e presidente do Fomerco. Para Mariana Vázquez, vincular o tema da participação social com o processo de integração significa pensar no modelo de integração que está sendo construído, no lugar que a participação social ocupa nesse projeto e nos instrumentos e institucionalidades disponíveis para a participação. Segundo a coordenadora da UPS, esse debate se torna ainda mais urgente no atual contexto de restauração conservadora. Já Rafael Reis focou sua exposição na relação entre direitos individuais e coletivos e participação, destacando o Estatuto da Cidadania, cuja

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implementação é uma das prioridades da Alta Representação Geral do Mercosul. As falas dos representantes do Mercosul foram complementadas com o depoimento de Maria Silvia Portela, da CUT-Brasil, que enfatizou o envolvimento do movimento sindical da região na construção do Mercosul. Evolução da agenda do Mercosul, estrutura institucional e participação Em sua exposição, Mariana Vázquez ressaltou que o Mercosul foi criado como um projeto neoliberal, reflexo das políticas de privatização, ajuste fiscal, desregulamentação dos mercados e flexibilização dos direitos sociais e trabalhistas que, com diferentes matizes, eram aplicadas por todos os países do bloco à época da assinatura do Tratado de Assunção (1991). As estratégias neoliberais adotadas nos inícios do Mercosul minimizavam o papel ou excluíam da agenda a participação social e as questões sociais, políticas, culturais, ambientais e identitárias. Nesse contexto, deve-se entender que os primeiros mecanismos de participação que surgem, ainda na década de 1990, na institucionalidade do bloco, como o Foro Consultivo Econômico e Social (FCES) e os órgãos sociolaborais, não foram resultado da visão de projeto da qual estavam imbuídos os gestores do processo, mas fruto da luta e da pressão do movimento sindical. Ou seja, mesmo durante a vigência da ortodoxia neoliberal, a conquista de mecanismos de participação social estava vinculada a uma proposta emancipadora. Foi apenas a partir de 2003 ou 2004 que o tema da participação ganhou alguma centralidade na agenda oficial do Mercosul, o que resultou na ampliação das bases da participação social. Há que se destacar que essa expansão teve lugar em um contexto de governos populares e progressistas, revelando novamente os nexos entre as realidades nacional e regional. Os diferentes avanços que foram conquistados no tocante à institucionalização de mecanismos de participação social até o momento não significam, entretanto, que a disputa pelo modelo de integração tenha se encerrado. A luta pela hegemonia ainda está se desenrolando e a disputa se dá, por vezes, entre os próprios funcionários de um mesmo governo – de um lado os tradicionalistas centrados no comércio, de outro os que defendem um Mercosul multidimensional, parte de um processo emancipatório, que reconhece e inclui agendas ausentes nos anos 1990. A questão da estrutura institucional também continua sendo um grande desafio. O organograma do Mercosul não é funcional para um processo de integração regional inclusivo,

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simplesmente porque foi concebido para um outro projeto. Os instrumentos criados na década de 2000 para as agendas social e participativa são periféricos ao núcleo duro de tomada de decisões do Mercosul – como o Conselho do Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC) – e o essencial continua respondendo à lógica comercialista. A experiência institucional que se destaca neste panorama é a Cúpula Social do Mercosul. As Cúpulas Sociais constituem espaços de diálogo entre governos e organizações da sociedade civil e fazem parte desta nova institucionalidade do bloco que começou a ser esboçada na primeira década do século XXI. Elas contribuem para a ampliação da esfera pública regional e para a incorporação, à agenda da integração, das demandas geradas pelos movimentos sociais na defesa de direitos e de políticas públicas regionais. As Cúpulas são realizadas semestralmente no âmbito da Presidência Pro Tempore dos países, de forma coordenada com a Cúpula de Chefes de Estado. As sugestões resultantes dos debates realizados são encaminhadas às Cúpulas de Chefes de Estado do Mercosul para apreciação por parte dos presidentes dos Estados Partes. A organização do evento cabe ao país que exerce a Presidência Pro Tempore. Em 2015 completa-se uma década de Cúpulas Sociais e, de modo a contribuir para o esforço de balanço e avaliação dessa experiência, a UPS lançou um edital público com o objetivo de selecionar especialistas para a produção de um artigo sobre a história e o acervo propositivo e político das Cúpulas (atualmente em fase de conclusão). A proposta do estudo foi a de fazer um balanço do processo dos últimos dez anos, reconhecendo os avanços conquistados, mas também a necessidade de aprimoramento da inciativa, de modo a dar resposta à percepção de que há um esgotamento da fórmula que vem sendo utilizada pelas Cúpulas Sociais até o momento. Nesta trajetória é preciso destacar o papel dos movimentos e organizações sociais que se firmam como novos sujeitos da integração regional e constroem, conjuntamente com os governos, os espaços institucionais que se abrem para a participação social no Mercosul – como a Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF), a Reunião Especializada de Cooperativas (RECM), a Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos (RAADH) e a Reunião de Ministras e Altas Autoridades de Mulheres (RMAAM). Tratam-se de novas dimensões que se plasmam na agenda da integração regional, a partir da articulação entre os governos e as organizações e movimentos sociais. A constituição da Unidade de Participação Social significou um passo a mais neste caminho. A UPS foi criada em dezembro de 2010, em Foz do Iguaçu, durante a XL Reunião

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Ordinária do Conselho do Mercado Comum, (Decisão CMC Nº 65/104). Implantada como órgão auxiliar do Alto Representante-Geral do Mercosul, trabalha em coordenação com os representantes nacionais do Programa “Somos Mercosul”. O espaço é responsável pela interlocução institucional entre a sociedade civil e o bloco regional, pelo registro das entidades socais diversas que trabalham com temas relacionados à integração regional e pelo financiamento para a participação social em atividades do bloco. Para tanto, deverá ser criado e regulamentado um Fundo de Participação Social. Também é atribuição da UPS apoiar a organização das Cúpulas Sociais do Mercosul. A criação destas novas instâncias institucionais soma-se à constituição de um incipiente acervo normativo voltado para a participação social, com destaque para a Decisão Nº 10/15, “Organizações e Movimentos Sociais do Mercosul”, por meio da qual o CMC determina que a Cúpula Social é um evento oficial do organograma do bloco, que deve ser realizado semestralmente. Estatuto da Cidadania do Mercosul A articulação entre a agenda cidadã e a da participação social foi destacada por Rafael Reis, chefe de gabinete do Alto Representante Geral do Mercosul. Para compreender essa trajetória é necessário resgatar a inflexão sofrida pelo bloco na década passada e destacar as diferenças entre o Mercosul de hoje e o de dez anos atrás. Um do marcos políticos dessa inflexão foi o Consenso de Buenos Aires, declaração emitida por Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner em 2003, por meio da qual os recémeleitos presidentes de Brasil e Argentina se comprometiam com a agenda social e produtiva do Mercosul e atestavam a importância da participação social no processo de integração5. Ainda em 2003, por meio da Decisão nº26/03 do CMC, foi aprovado o Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006, que incluía um capítulo denominado “Mercosul Social” que trazia, em seu inciso primeiro, a questão da participação da sociedade civil. No mesmo capítulo, apresentava-se o conceito do “Mercosul cidadão”, relacionando-o com os aspectos educacionais, sociais e culturais da integração regional.

Todas as normativas Mercosul citadas podem ser consultadas no portal do bloco: http://www.mercosur.int/innovaportal/v/4059/2/innova.front/normativa-y-documentos-oficiales 5 Parágrafo 3 do Consenso de Buenos Aires: ”Convenimos en impulsar decididamente en el proceso de integración regional la participación activa de la sociedad civil, fortaleciendo los órganos existentes, así como las iniciativas que contribuyan a la complementación, la asociatividad y el diálogo amplio y plural.” Disponível em: http://www.resdal.org/ultimosdocumentos/consenso-bsas.html 4

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Outro marco foi a criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), aprovado em 20046, primeira medida concreta tomada para enfrentar a questão das assimetrias entre as economias do bloco. Em operação desde 2008, o Focem é destinado a financiar programas em quatro diferentes linhas de atuação: (i) convergência de obras de integração física; (ii) desenvolvimento da competitividade das economias menores e regiões menos desenvolvidas; (iii) promoção da coesão social e (iv) funcionamento da estrutura institucional do bloco. O Fundo é constituído por contribuições anuais não-reembolsáveis dos quatro Estados Partes no valor de US$ 100 milhões. O Brasil aporta 70% dos recursos do Fundo, a Argentina 27%, o Uruguai 2% e o Paraguai 1%. Paraguai e Uruguai são destinatários de 80% dos recursos do Fundo. Embora ainda modesto para os objetivos que pretende alcançar, o FOCEM sinalizou para uma lógica distinta de integração, mais voltada para a cooperação e não apenas para a liberalização dos mercados, foco predominante nas fases iniciais da integração. Mai recentemente, destaca-se a criação, em 2010, da figura do Alto Representante Geral do Mercosul7, instância responsável, entre outras atribuições, por coordenar a nova institucionalidade voltada para o social e o participativo. Uma das atribuições do cargo, atualmente ocupado pelo brasileiro Florisvaldo Fier (Dr. Rosinha), é acompanhar a implementação do Estatuto da Cidadania do Mercosul8. O Estatuto objetiva levar para a esfera regional um conjunto de direitos fundamentais já reconhecidos, na maioria dos casos, nos planos domésticos. Foi concebido no formato de um plano de ação, vigente até 2021, composto pelos seguintes elementos: 1. Circulação de pessoas 2. Fronteiras 3. Identificação (harmonização das informações para a emissão de documentos de identificação) 4. Documentação e cooperação consular 5. Trabalho e Emprego 6. Previdência Social 7. Educação 8. Transporte 9. Comunicações 10. Defesa do consumidor 11. Direitos políticos

MERCOSUL/CMC/DEC. N° 45/04 MERCOSUL/CMC/DEC. N° 63/10 8 MERCOSUL/CMC/DEC. N° 64/10 6 7

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O grau de implementação do Estatuto varia muito segundo o setor e se observa que alguns avançaram mais que outros. Alguns elementos conseguiram avanços significativos, como o dos direitos previdenciários, por meio da adoção do Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercosul9. O Acordo representa um avanço para a extensão dos direitos previdenciários dos trabalhadores migrantes formais, aos quais ficou permitido combinar períodos de contribuição em diferentes países do bloco para fins de requisição de benefícios previdenciários10. Contabilizam-se avanços parciais na área de educação, principalmente por meio da articulação das agências de acreditação no nível superior. O Mercosul tem hoje 180 cursos superiores acreditados em áreas como engenharia e agronomia. Resta, entretanto, uma série de dificuldades a serem vencidas, como a oposição feita pelos colégios profissionais no Brasil e a baixa mobilidade estudantil. Também em um estágio intermediário de implementação encontra-se o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, Bolívia e Chile, aprovado pela Decisão CMC Nº 28/0211, que concede o direito à residência e ao trabalho para os cidadãos sem outro requisito que não a nacionalidade. Peru, Colômbia e Equador também aderiram – na prática, quase toda a Unasul o fez, com exceção de Guiana e Suriname. Apesar da adesão formal da maioria dos países da região, a aplicabilidade do Acordo ainda precisa ser acompanhada por medidas concretas de facilitação da mobilidade dos trabalhadores. Outros temas incluídos no Estatuto da Cidadania ainda apresentam um tratamento regional insatisfatório. Uma matéria em que o Mercosul deve se focar nos próximos meses é o da integração fronteiriça, que hoje em dia é muito bilaterizada. É intenção do Alto Representante vincular esta agenda com a academia, o que abre possibilidades de trabalho conjunto com o Fomerco. A plena realização do Estatuto da Cidadania esbarra, no entanto, na escassez de financiamento. Para a construção de uma agenda para a integração regional com um componente fortalecido de participação social o tema do financiamento é central. O movimento sindical no Mercosul

MERCOSUL/CMC/DEC. N° 19/97 Este é o sentido apresentado pelo art. 2º do Acordo Multilateral de Seguridade Social destas nações: “Os direitos à Seguridade Social serão reconhecidos aos trabalhadores que prestem ou tenham prestado serviços em quaisquer dos Estados Partes, sendo-lhes reconhecidos, assim como a seus familiares e assemelhados, os mesmos direitos e estando sujeitos às mesmas obrigações que os nacionais de tais Estados Partes com respeito aos especificamente mencionados no presente Acordo.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5722.htm 11 http://www.mercosur.int/innovaportal/file/5838/1/56-acuerdoresidenciamsur-boliviaychile.pdf 9

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As falas dos representantes da Alta Representação Geral e da UPS foram complementadas com o depoimento de Silvia Portela, da CUT-Brasil, para quem o Mercosul é o processo de integração regional existente mais permeável à participação social. Nessa trajetória destaca-se e o movimento sindical, que jogou um papel protagonista na construção do bloco, desde o princípio das negociações. Para os sindicatos, as mobilizações pela integração regional, na década de 1990, tinham também um forte componente nacional e faziam parte da plataforma política de oposição aos governos neoliberais. Quando o Mercosul teve início, os então presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menen escolheram o modelo da União Europeia ao do NAFTA, a união aduaneira ao livre comércio. Essa escolha se deu em função do temor do Brasil e da Argentina de que houvesse triangulação de produtos, prejudicando seus parques industriais. Paraguai e Uruguai não tinham muita margem de manobra e, de qualquer forma, Argentina e Brasil já eram, então, seus principais parceiros comerciais. Da parte do Brasil não havia medo de uma associação com os outros três, porque o tamanho do mercado de trabalho era tão desproporcional que não oferecia competição. Já os movimentos sindicais na Argentina e no Uruguai tinham receio de que acontecesse um rebaixamento de seus estandartes laborais. Após análises mais profundas, entretanto, ficou provado que as legislações laborais dos quatro países eram muito parecidas e que as maiores diferenças estavam no poder das negociações coletivas. De qualquer modo, no Mercosul forjou-se uma unidade sindical que nenhum outro acordo de integração regional logrou atingir. O Mercosul surgiu como um acordo estritamente comercial e a flexibilização que aconteceu, abrindo lugar para outras agendas, como a do trabalho, foi resultado da pressão do movimento sindical, que deu lugar, por exemplo, à criação do Subgrupo de Trabalho Nº 11 (Assuntos Trabalhistas) e do Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul (FCES). O Foro, que teve um papel muito importante a seu momento, encontra-se hoje em dia debilitado – no caso do Brasil, por exemplo, foi difícil aproximar o terceiro setor das atividades do FCES, por falta de financiamento. No contexto atual são muitos os desafios, tanto para o movimento sindical quanto para o andamento do processo de integração como um todo. Falta supranacionalidade e, apesar da aprovação de uma série de normas, muitas delas não são implementadas. Aa estrutura existente também é insuficiente – a Comissão Sociolaboral, por exemplo, não tem arquivo nem secretaria. Outros avanços que ainda precisam ser conquistados dizem respeito

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ao livre trânsito de profissionais, à promoção de uma maior aproximação com a academia e a escassez de medidas voltadas para a divulgação cultural entre os países do bloco. Para a representante do movimento sindical, do ponto e vista dos instrumentos de participação social, é preciso repensar as Cúpulas Sociais do Mercosul. A participação do tipo assembleísta deveria vir acompanhada de possibilidades de incidência sobre o processo real, os subgrupos de trabalho, reuniões especializadas, etc. A conjuntura também apresenta possibilidades de retrocesso no campo doméstico. Corre-se o risco de uma desindustrialização e uma internacionalização do processo industrial brasileiro. Há mudanças em curso no Uruguai e o caso do Paraguai é particularmente preocupante. É necessário lidar com o caso das empresas brasileiras que aumentam sua presença em um Paraguai sob um governo anti-sindical e anti-laboral. Para vencer os desafios que se interpõe atualmente ao fortalecimento do Mercosul, portanto, existem tarefas a serem feitas no nível nacional, como a regulação da mídia nos países que ainda não o fizeram. Considerações Finais Na visão de Renato Martins, professor da Unila e coordenador do painel, 2008 foi um ano decisivo para a inflexão em direção à democracia participativa debatida pelos integrantes da mesa. Quando surgiram os primeiros sinais de que a crise financeira mundial iniciada em 2007 também atingiria a América Latina, os presidentes dos países do Mercosul buscaram coordenar ações para amortizar os efeitos da crise na região. Em 2008 foi realizada reunião do Conselho Mercado Comum (CMC), com a presença dos presidentes dos bancos centrais, na qual se decidiu preservar o nível de investimento nas áreas produtivas e sociais. Foi uma resposta inédita, pois o padrão de enfrentamento das crises financeiras pelos governos da região sempre foi o da recessão, do desemprego, do arrocho salarial e do endurecimento das políticas fiscais recomendados pelo FMI. Paralelamente se decidiu que as reuniões do Conselho Mercado Comum, até então acompanhadas pelos ministros de Relações Exteriores e Economia, passariam a contar com a participação de ministros das áreas sociais. Ao colocar as políticas sociais no centro das estratégias de enfrentamento da crise mundial, ficou evidente o processo de inflexão social que vinha ocorrendo no Mercosul. Com o recrudescimento da crise internacional nos últimos anos, o papel das políticas sociais e produtivas tornou-se ainda mais importante – em parte pela percepção do agravamento da situação mundial e dos seus riscos para a região, em parte pela necessidade de assegurar os avanços sociais já conquistados.

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É importante ressaltar os nexos entre os novos espaços para a participação social e o fortalecimento da agenda do desenvolvimento social integrado no processo de construção do Mercosul. Ressalta-se a criação do Instituto Social do Mercosul12 (criado em 2007, em funcionamento desde 2011); da Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do Mercosul13 (CCMASM), em 2008; e do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul14 (IPPDH), em 2009. Diversas políticas setoriais de alcance regional, implementadas ao longo das últimas décadas em áreas como agricultura familiar, saúde, educação e cultura, traduzem igualmente a inflexão em direção a um enfoque mais integral da integração regional. Nesse panorama, destaca-se o Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul. O PEAS, como é chamado, visa harmonizar as políticas sociais entre os países do bloco, promover a integração das mesmas e avançar para além dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas. O Plano incorpora uma série de recomendações emanadas das Cúpulas Sociais. Seus dez eixos de atuação estabelecem: 1) Erradicar a fome, a pobreza e combater as desigualdades sociais; 2) Garantir os direitos humanos, a assistência humanitária e a igualdade étnica e de gênero; 3) Universalizar a saúde pública; 4) Universalizar a educação e erradicar o analfabetismo; 5) Valorizar e promover a diversidade cultural; 6) Garantir a inclusão produtiva; 7) Assegurar o acesso ao trabalho decente e aos direitos previdenciários; 8) Promover a sustentabilidade ambiental; 9) Assegurar o diálogo social; 10) Estabelecer mecanismos de cooperação regional para a implementação e financiamento de políticas sociais. Esse somatório de fatores permitiu dar início à superação do déficit de participação social que caracterizou o Mercosul durante a primeira década da integração. A agenda recente do bloco – mais voltada para os temas do desenvolvimento social – está intimamente associada à emergência de uma agenda de participação social como novo elemento da governança. Finalmente, há que se ressaltar que iniciativas como as Cúpulas Sociais tiveram que vencer uma dupla barreira, cultural e política, para firmar-se: sofreram resistência tanto do lado dos governos – que resistem até hoje à participação social real, principalmente nas políticas “duras”, como as econômicas – como também do lado da sociedade civil, da qual se requer predisposição para agir nos espaços institucionais que se abrem no Mercosul. Nesse MERCOSUL/CMC/DEC. Nº 03/07 MERCOSUL/CMC/DEC. N° 39/08 14 MERCOSUL/CMC/DEC. Nº 14/09 12 13

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sentido, é prematuro categorizar como esgotamento as dificuldades de um processo de mudança cultural como o representado pelas Cúpulas Sociais, que envolve diálogo e corresponsabilidade. O formato de diálogo das Cúpulas, que poderia parecer natural, é na realidade o resultado de uma lenta mudança de cultura política que vem ocorrendo na região.

Referências CAETANO, G. (Coord.). Mercosur – Breve Historia, cronología y marco conceptual. CEFIR, Montevidéu, 2011. CAETANO, G. VENTURA, D. e VAZQUEZ, M. Reforma Institucional del Mercosur. Análisis de un reto. In: CAETANO, G. (Coord.). La reforma institucional del Mercosur. Del diagnóstico a las propuestas. CEFIR, Montevidéu, 2009. FALERO, Alfredo. “Diez tesis equivocadas sobre la integración regional en la America Latina” IN: VVAA (Orgs). La Habana: Instituto Cubano del Libro, 2006, pp. 308-337. MARTINS, J.R.V. Mercosul: a Dimensão Social e Participativa da Integração Regional. In: Desiderá Neto, W.A. (Org.). O Brasil e novas dimensões da integração regional. IPEA. Rio de Janeiro, 2014. MIRZA, C., A dimensão social do Mercosul – Marco conceitual. ISM. Assunção, 2013. PRECIADO CORONADO, Jaime Antonio; ALEJO, Ágel Florido. “La Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (Celac); integración ‘postneoliberal, neoliberal ortodoxa y contrahegemónica”. In: FLORES, Consuelo; MARTINS, Carlos Eduardo. Nuevos escenários para la integración en América Latina. Santiago, Chile: Editorial ARCIS/CLACSO, 2012. _______. “La nueva gramática democrática frente a la integración autônoma latinoamericana y caribeña”. In: MESSENBERG, Débora; BARROS, Flávia Lessa de; PINTO, Júlio (Orgs.). Dossiê Desafios da consolidação democrática na América Latina. Revista Sociedade e Estado. Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, 2014. SILVA, C. A.; MARTINS, J. R. V. Políticas sociais e participação social: a constituição de uma esfera pública regional no Mercosul. In Boletim de Política Internacional, nº 5, p. 65-73, Ipea, Brasília, jan./mar. 2011. SILVA, C. A.; MARTINS, J. R. V.; GOMENSORO, F. Mercosul Social e Participativo: a ampliação da esfera pública regional. In Mercosur 20 Años, CEFIR, Montevidéu, p. 137-160, dez. 2010.

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I

Territórios, Fronteira e Infraestrutura de Integração

ARTIGOS

Diagnóstico da infraestrutura logística de Mato Grosso do Sul: uma abordagem geográfica Danilo Sanches Dantas1 Adauto de Oliveira Souza2 Notas Introdutórias

A

velocidade com que circula a informação resultou, principalmente a partir da última década, em mudanças no perfil da sociedade que está cada vez mais preocupada em criar e obter soluções para otimizar o tempo.

A dinamicidade do cotidiano acabou por criar uma abreviação dos processos e procedimentos

sendo que a produção e circulação de produtos e serviços foi um dos setores que sofreu mudanças relevantes em sua organização. O fenômeno da globalização provocou um aumento significativo dos fluxos o que tem exigido melhorias na infraestrutura logística disponível para concretização das trocas comerciais. No entanto, vale ratificar que estas mudanças não estão ligadas apenas aos aspectos de estrutura e operação. Nas palavras de Silveira, 2013: Entre as diversas estratégias para fomentar a competição global, via integração econômica, há algumas que vêm se destacando na ampliação e dinamização da circulação do capital: 1) a utilização seletiva das estratégias logísticas (estratégias competitivas e de cunho organizacional para os transportes e armazenamento); 2) a readequação dos sistemas de normas e tributação para os transportes (como Lei dos Portos, criação de Agências Reguladoras, modelos de concessões de serviços públicos à iniciativa privada, normatização internacional dos transportes); 3) as tecnologias da informação de transportes e armazenamento (Sistemas de Informações Geográficas para Transportes – SIG-T); 4) os sistemas de transportes (meios e vias), de comunicação e de armazenamento (bitrens, autoestradas, pedagiamento eletrônico). (SILVEIRA, 2013, p 43)

O mesmo autor ao tratar do processo de integração econômica, hora denominado de mundialização do capital ou simplificadamente de “globalização” ocorrido no Brasil a partir da década de 1990 explica que a inserção do país foi: [...] mais significativa no oferecimento das condições ideais para a entrada dos Investimentos Externos Diretos (IED) do que para a criação de iniciativas internas, capazes de integrar o território nacional (integração incompleta) e desenvolvê-lo a ponto de diminuir as disparidades regionais. (...) No Brasil, é construída, ampliada e reformada uma série de infraestruturas de circulação e armazenamento que atendem, especialmente, as demandas corporativas globais. Nesse ponto, em algumas partes do território brasileiro, em particular no estado de São Paulo e na sua região macrometropolitana, formam-se corredores de exportação e “eixos de circulação” com forte presença de empresas internacionais. Outro fato é que, junto às infraestruturas de transportes houve o desenvolvimento de um sistema de normas e de tributação para aumentar a fluidez territorial nos espaços corporativamente escolhidos. (SILVEIRA, 2013, p 43) 1 2

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD. E-mail: [email protected] Professor Doutor em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD E-mail: [email protected]

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A eleição dos espaços pelas empresas está pautada na busca pelo maior índice de competitividade possível, por isso prima-se pela redução dos custos, fato que, via de regra, está atrelado à existência de uma infraestrutura mais adequada, eficiente e que oferte uma maior variedade de modais. Ao abordar esta temática, Luna et. al. (2011) lembra que além das questões de infraestrutura, a utilização de procedimentos mais eficientes aliada a aplicação de tecnologia de informação e comunicação para atender às demandas logísticas mais sofisticadas, ou seja, um conjunto de variáveis que, quando otimizadas e aplicadas garantem maior eficiência e por consequência, competitividade. Num cenário no qual as empresas aprimoram seus sistemas de logística para otimizar a distância entre a matéria-prima e o centro de transformação, seja a fábrica, a indústria, a usina, etc e desta ao mercado consumidor a escolha do espaço sempre é decisiva ao bom funcionamento e desempenho do processo de produção/comercialização. Neste sentido, o Estado de Mato Grosso do Sul tem se apresentado enquanto um espaço geográfico economicamente viável à expansão de algumas atividades de produção e distribuição de bens e serviços. Sua localização estratégica tem garantindo a vinda de grandes empresas do setor de papel e celulose, sucroenergético, frigorífico, entre outras que têm encontrado nesta Unidade da Federação uma reunião de fatores que vão desde a abundância na oferta de terras de qualidade para, na mão de obra qualificada e certa medida desmobilizada do ponto de vista sindical, relativa proximidade dos grandes centros consumidores e uma gama variada de incentivos fiscais e tributários oferecidos pelos Municípios e também pelo Estado. Um dos elementos que parece não favorecer sobremaneira a expansão das grandes empresas no território sul-mato-grossense é da infraestrutura logística que, seguindo o modelo adotado no cenário nacional, prima pela utilização do modal rodoviário em detrimento aos pequenos investimentos nos modais hidroviário e ferroviário. Com base nas informações levantadas junto aos órgãos oficiais, mídias eletrônicas e literatura específica apresentaremos detalhadamente as características principais de cada um dos três modais (Rodo, Ferro e Hidro) apontando os entraves e os possíveis pontos de nodalidade que se materializam no território estadual.3 Antes de passarmos à análise e caracterização dos modais de transporte, vamos apresentar de forma sucinta algumas das principais características geográficas desta Unidade da Federação. Breve caracterização do espaço sul-mato-grossense

Vale ratificar que no presente trabalho nos debruçaremos a analisar a situação da infraestrutura disponível para o transporte de cargas, portanto não nos deteremos a analisar o cenário inerente ao do modal aéreo, que no caso de Mato Grosso do Sul está quase em sua totalidade dedicado ao transporte de passageiros. 3

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O estado de Mato Grosso do Sul está localizado no sul da região Centro-Oeste do Brasil e tem como limites Goiás ao nordeste, Minas Gerais ao leste, Mato Grosso ao norte, Paraná ao sul, São Paulo ao sudeste, Paraguai ao oeste e sul e a Bolívia ao noroeste. Figura 01 – Localização de Mato Grosso do Sul

A localização geográfica aliada à organização econômica existente permite ao Estado exercer o papel de centro distribuidor de insumos e produtos, oriundos dos grandes centros de produção para a região Centro-Oeste e Norte do Brasil. Por outro lado, é reconhecido nacionalmente pela grande produção de grãos e carnes, recebendo o título de celeiro do Brasil. Pelas rodovias sul-mato-grossenses circula boa parte da produção agropecuária oriunda do estado de Mato Grosso seguindo em direção aos portos do sul e sudeste, principalmente Paranaguá-PR e Santos-SP. Criado em 11 de outubro de 1977 a partir da concretização do sonho do movimento separatista dos habitantes da porção sul do então estado de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul possui uma área de 357.145,532 km² e conta, segundo dados do IBGE com uma população de 2.619.657 habitantes4 apresentando uma taxa de 85,64% de urbanização segundo dados do Censo do IBGE de 2010. Em relação à economia, o estado traz em seu bojo as heranças do sistema agropecuário ocupando lugar de destaque no cenário nacional na produção de carne e grãos.

IBGE. Diretoria de Pesquisas - DPE - Coordenação de População e Indicadores Sociais - COPIS. Disponível em ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/estimativa_dou_2014.pdf Acesso em 21.07.15 4

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Dados divulgados pelo IBGE mostram que no ano de 2013, Mato Grosso do Sul se posicionou como o quinto Estado agrícola do País, com uma produção de 13.703.363 t representando 7,3% da colheita nacional de grãos, obteve ainda como destaque 42.399.659 t de cana-de-açúcar o quinto produtor nacional e 721.870 t de mandioca, décimo produtor nacional. A produção de papel e celulose encontra-se concentrada na região de Três Lagoas. Na região do Pantanal além da criação de gado de corte há destaque para a exploração de ferro, manganês e calcário o que acabou conferindo, principalmente ao município de Corumbá, o título de Distrito Mineral. De acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico - SEMAD no Diagnóstico Sócio Econômico de 2015: [...] as principais reservas destes minérios no Estado estão estimadas em 6,1 bilhões de toneladas de ferro (terceira maior reserva do país), 31,3 milhões de toneladas de manganês (terceira maior reserva nacional), 19,9 bilhões de toneladas de calcário, com destaque para os Municípios de Bodoquena e Miranda, e 623,0 milhões de m³ de mármore concentrado e afins, no Município de Bonito,(...).(SEMAD/MS, 2015, p. 14)

A pecuária representa a atividade mais tradicional da economia sul-mato-grossense, constituída principalmente pela criação de bovinos, aves, suínos, equinos, ovinos, caprinos e bubalinos. Dados da Pesquisa da Pecuária Municipal–PPM realizada pelo IBGE apontam que em 2013 o rebanho de: bovinos era de cerca de 21,0 milhões de cabeças, o de aves 24,5 milhões de animais e dos suínos 1,159 milhão cabeças. Conforme demonstrado em levantamento realizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e de Tecnologia (SEMAC/MS) o setor secundário como um todo representa 21,69% na formação de renda no Estado, no entanto a maior contribuição para a economia é dada pelo setor terciário, constituído pelo comércio e atividades de serviços conforme citado em documento da SEMAD/MS. “O conjunto das atividades de comércio e serviços responde por 62,87% da geração de riqueza no Estado, conforme dados do PIB/MS de 2012, tendo contribuído com 78,37% do montante do ICMS em 2012.” (SEMAD/MS, 2015, p. 88) O Estado tem demonstrado considerável potencial no fornecimento de matérias-primas para a agroindústria, tanto no segmento da vegetal bem como animal e reserva de minérios, o que acabou resultando na expansão de sua base produtiva. Considerando o potencial existente, tanto para a diversificação da base econômica, como para a agregação de valores à sua produção, as administrações federal, estadual e municipal vem, ao longo dos anos, trabalhando na implementação de políticas públicas pautadas na aceleração do processo de industrialização, modernização e diversificação da infraestrutura logística de transportes, além de um contínuo trabalho de concessão benefícios fiscais, contando, inclusive, com aporte de recursos oriundos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) para investimentos privados no setor. É neste cenário que passaremos a apresentar uma breve caracterização dos três principais modais de transporte utilizados na movimentação de cargas e serviços no estado. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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O Modal Hidroviário Seguindo o cenário nacional, no qual o modal rodoviário responde por mais de 70% do transporte de carga5 em Mato Grosso do Sul a realidade se repete mesmo estando o estado inserido em duas bacias hidrográficas, a do Paraná e a do Paraguai, consideradas o terceiro mais importante complexo hidroviário mundial a circulação de cargas e passageiros ocorre prioritariamente através das rodovias. O Governo Brasileiro, visando dar maior dinamismo e competitividade à economia do país, implementa continua política para promoção do transporte hidroviário interior com o objetivo, segundo o discurso oficial de ampliar as alternativas de escoamento da produção, contribuindo para uma redução dos custos logísticos e apoiando o desenvolvimento sustentável da economia do país. Sendo assim, o Ministério dos Transportes (MT) iniciou o projeto denominado “Plano Hidroviário Estratégico‟ (PHE) em julho de 2012. Este projeto tem como objetivo viabilizar o transporte hidroviário interior em larga escala de forma a consagrá-lo como uma alternativa para o escoamento da produção, bem como para o deslocamento de pessoas, contribuindo para a redução do custo-Brasil. (BRASIL/MT-PHE– Sumário Executivo, p. 5)

De acordo com levantamentos realizados pelo Ministério dos Transportes, Mato Grosso do Sul tem cerca de 3.000 km de vias navegáveis em trechos de rios pertencentes às bacias hidrográficas dos rios Paraná e Paraguai conforme detalhamento apresentado no Quadro 01. Apesar da extensão expressiva o transporte de cargas está concentrado apenas nos rios Paraná e Paraguai. Neste último a navegação comercial, com comboios 4x4, pode ser observada entre a foz do rio Apa divisa entre o Brasil e Paraguai, e as cidades de Ladário (MS)/Corumbá (MS). Nesse trecho as principais dificuldades à navegação comercial se remetem às curvas com raios de curvatura acentuados e duas pontes, que exigem o desmembramento do comboio. O rio Paraguai é importante para o transporte de minério de ferro e de manganês da região de Corumbá. Sua capacidade de transporte é de cerca de 75 milhões de toneladas por ano. Atualmente, o THI transporta aproximadamente 5,4 milhões de toneladas em minério de ferro. No rio Paraná, os volumes são altos (aproximadamente 1,7milhão de toneladas) sendo areia e milho as commodities mais transportadas. Outras potencialidades têm sido vislumbradas a partir da implementação do polo de papel e celulose em Três Lagoas e sistema de logística do etanol.

Em valores aproximados, a rodovia responde pela movimentação de 58% dos fluxos de carga (se excluído o transporte de minério de ferro, esta participação supera 70%) conforme divulgado no Relatório Executivo – PNLT, 2007. 5

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Quadro 01 – Rios com potencial de navegação em Mato Grosso do Sul Via Navegável

Trecho

Amambai Brilhante (formador do rio Ivinheima) Corumbá Iguatemi Inhanduí ou Inhanduí-Guaçu (afluente do rio Pardo)

da longitude 53º50’ Oeste à foz, no rio Pardo

Ivinhema Paranaíba Pardo Sucuriú Verde Coxim (afluente do rio Taquari) Miranda Taquari Total

da cidade de Porto Felicidade (MS) à foz, na margem direita do rio Paraná da latitude 21º 25’ Sul à foz, no rio Ivinhema, tributário do rio Paraná da cidade de Pires do Rio (GO) à foz, no rio Paranaíba do rio Jogui, afluente da margem esquerda, à foz, na margem direita do rio Paraná

da confluência dos rios Brilhante e Santa Maria, seus formadores, à foz, no rio Paraná de Cachoeira Dourada à confluência com o rio Grande da cidade de Ribas do Rio Pardo (MS) à foz, no rio Paraná do remanso da barragem de Jupiá à antiga foz, no rio Paraná da latitude 19º40’ Sul à foz, no lago da Represa de Porto Primavera, no rio Paraná da longitude 54º15’ Oeste, a montante da foz do ribeirão Camapuã, seu afluente da margem direita, à foz, no rio Taquari da latitude 20º55’ Sul à foz, no rio Paraguai da cidade de Alto Taquari (MT) à foz, no rio Paraguai

Extensão

Região Hidrográfica

90

Paraná

120

Paraná

170

Paraná

90

Paraná

70

Paraná

270

Paraná

335

Paraná

280

Paraná

85

Paraná

315

Paraná

165

Paraguai

400

Paraguai

655

Paraguai

3045 Fonte: Plano Hidroviário Estratégico - Ministério dos Transportes, 2013. Adaptação: Dantas, 2015.

Analisando os dados apresentados no Quadro 01 constatamos que dos treze rios que compõem o sistema hidroviário de Mato Grosso do Sul apenas seis estariam aptos a utilização comercial, pois possuem trechos com distâncias superiores a 250km. Destes, o rio Taquari, o mais extenso do sistema, apresenta sérios problemas relacionados ao assoreamento do trecho Coxim – Corumbá o que inviabiliza a navegação em diversos segmentos. Ademais, os rios Coxim, Verde e Sucuriú apresentam pontos com corredeiras que também inviabilizam a continuidade da navegação. Somente os rios Miranda, Ivinhema e Pardo reúnem as condições necessárias à navegação (extensão, profundidade, largura e curvas com raios de curvatura XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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menos acentuados) além de apresentam potencial para interconexão com os rios Paraguai e Paraná respectivamente. O Modal Ferroviário A primeira estrada de ferro construída no território do atual estado de Mato Grosso do Sul, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) data da primeira metade do século XX. A construção da NOB representou um marco nos fluxos de transporte desta porção do país que até então era abastecida pelas vias fluviais. A estrada de ferro NOB permaneceu até o ano de 1912 tendo como ponto final Porto Esperança localizado na margem esquerda do rio Paraguai, e foi somente em 1953 que o transporte férreo foi estabelecido regularmente entre Corumbá e Bauru. Foi também nesse ano que o ramal ferroviário chegou à cidade de Ponta Porã, tendo passado por Dourados6 e Maracajú7. Ao longo do século XX, principalmente após a construção das rodovias federais BR 262, 267 e 163, a ferrovia foi perdendo importância no fluxo de cargas e passageiros e apresenta atualmente baixa capacidade operacional com uma única secção em funcionamento fazendo a ligação entre Corumbá e Puerto Suárez, na Bolívia8, e Bauru-SP. Depois de implementada vieram as mudanças institucionais e conforme Losnak (2004) a partir da década de 1950 o estado brasileiro começa a diminuir os investimentos no modal ferroviário. “Com a intenção de melhor gerenciar as linhas federais e com o argumento de modernizá-las, foi criada em 1957, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA).” (LOSNAK, 2004, p. 25). As poucas estações da antiga NOB que foram aproveitadas para este uso são raridade, estando então a maioria em estado de completo abandono. Em relação ao ramal de Ponta Porã, sequer trafegam as composições cargueiras desde então, estando o trecho atualmente em pleno abandono, resultado do desinteresse econômico das concecionárias responsáveis pelo trecho visto que o escoamento da safra de grãos da região de Ponta Porã e Maracajú foi direcionado para o modal rodoviário restando. Neste corredor, encontram-se distribuídos pela malha ferroviária aproximadamente 52 terminais para carga e descarga, sendo estes de propriedade das próprias concessionárias ou dos clientes que a utilizam. São 15 no trecho Corumbá - Campo Grande, 8 no trecho Campo Grande – Bauru. Em vários trechos, porém, a situação da via faz com que a composição trafegue com velocidades não superiores à Distrito de Itahum em maio de 1949. (Queiroz, 2004, p. 526) Abril de 1944. (Queiroz, 2004, p. 526) 8 O transporte de mercadorias para a Bolívia funciona na forma de baldeação de composição, pois assim as locomotivas da ALL não entram em território boliviano. No entanto os vagões são levados até Estação Aduaneira Armazéns Gerais Alfandegados – Agesa de onde seguem tracionados por locomotivas bolivianas. No município de Puerto Suárez as cargas são baldeadas para os vagões das empresas bolivianas sendo devolvidos em seguida para o território brasileiro. Entrevista com Sr. Neimar Pasqualin Machado de Aguiar, Supervisor de Operações - Estação da ALL - Corumbá concedida à Valquíria de Araújo Oliveira em 20 de novembro de 2009. 6 7

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5 km/h o que prejudica o tempo médio do percurso. Essa situação se repete em vários trechos da malha sul-mato-grossense, principalmente entre os km 1.330 (Corumbá) e km 1.022 (Aquidauana) que compreende a região pantaneira cortada pela linha férrea. A outra estrada de ferro passa pelo extremo nordeste do estado entre as cidades de Aparecida do Taboado e São Gabriel do Oeste. Faz parte da Ferronorte e apresentando condições operacionais mais dinâmicas e tendo sido construída no final da década de 1990 no modelo bitola larga9 operacionalizada desde 2006 pela América Latina Logística Malha Norte S.A. São 449 km que atravessam o estado entre as cidades de Aparecida do Taboado na divisa com a cidade paulista de Rubinéia até chegar a Chapadão do Sul se dirigindo em norte do estado em direção à cidade de Alto Taquari – MT (veja o mapa 02). Em 1992 teve inicio a construção do primeiro segmento e em 1998 a ponte rodoferroviária entre Rubinéia e Aparecida do Taboado foi inaugurada, possibilitando o escoamento da produção de grãos do Mato Grosso através do modal ferroviária em direção aos portos do Sudeste. Além das linhas existentes, Mato Grosso do Sul conta com projetos para construção de mais três estradas de ferro, sendo uma em Bitola Larga, ligando a cidade de Porto Murtinho (Oeste) localizada às margens do Rio Paraguai, com a cidade Panorama – SP perfazendo um trajeto de 750km em terras sulmato-grossenses. Essa ferrovia tem sido intitulada de Estrada de Ferro (EF 267- Mapa 02) e faria conexão com a (EF 151) Ferrovia Norte-Sul. O segundo projeto, esse em Bitola Métrica, prevê a ligação dos trilhos da antiga NOB à partir da cidade de Maracajú até Cascavel no Paraná, de onde seguirá pelos trilhos da já existente FERROESTE até o porto de Paranaguá-PR. Mapa 02 – Estradas de Ferro em funcionamento e projetos de implantação

9

Vide quadro 01.

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O terceiro projeto prevê a ligação dos trilhos da Ferrovia Norte-Sul a partir da cidade de Estrela do Oeste-SP até Três Lagoas-MS. Este projeto está inserido no bojo do Programa de Investimento em Logística lançado pelo Governo Federal em junho de 2015. O Modal Rodoviário A importância do modal rodoviário no transporte de cargas em Mato Grosso do Sul segue a vertente do cenário Nacional. Dada a importância deste modal nos deslocamentos de fluxos a própria divisão das nove regiões administrativas tem como principal capilaridade de ligação inter‐regional os três grandes eixos rodoviários: as BR 163, BR 262 e BR 267, rodovias federais que cortam o território estadual nos sentidos Norte‐Sul e Leste‐Oeste. A interface regional estabelecida com os grandes eixos rodoviários, além de aproximar e facilitar o intercâmbio inter‐regional dentro do Estado, amplia o alcance e os impactos das políticas públicas a serem definidas e estabelece uma maior relação de complementariedade, principalmente no que se refere às demandas por serviços sociais como: saúde e educação, bem como ao fortalecimento comercial entre as regiões de Mato Grosso do Sul. (SEMAC/MS, 2008, p 10)

O Estado conta atualmente com aproximadamente 65.679 km de rodovias, sendo mais de 7.950 km de rodovias pavimentadas (SEMAD/MS, 2015, p 7). A malha rodoviária do Estado de Mato Grosso do Sul apresenta a seguinte distribuição acerca da jurisdição: 72% municipal, 22% estadual e 6% federal. A localização destas rodovias federais permite o deslocamento de bens, serviços e pessoas entre os extremos estaduais servindo, principalmente, para a conexão entre os estados de Mato Grosso, Paraná, São Paulo e Goiás10. Tratam-se de rodovias estratégias para integração regional e também interligação entre os extremos do estado, estando inclusive, no caso da BR 262 e 267 inseridas no contexto da rota Bioceânica. No bojo do Programa de Investimento em Logística (PIL) que, anteriormente viabilizou a concessão da BR 163/MS no ano de 2014, incluiu o trecho leste da BR 262 numa extensão total de 327 km entre Campo Grande e a Divisa com São Paulo (Três Lagoas/Castilho SP 300) com investimentos estimados em R$ 2,5 bilhões para execução de obras de duplicação e também da BR 267 entre Nova Alvorada do Sul (BR 163) e a Divisa com São Paulo (Bataguassu/Presidente Epitácio SP 270) num trecho com extensão total de 249 km e investimento estimado de R$ 2 bilhões para obras de duplicação. De acordo com Correa & Ramos (2010) o protagonismo exercido pela região Centro-Oeste na produção e exportação de grãos, de maneira especial a soja não condiz com a infraestrutura ofertada para um adequado o escoamento da oleaginosa, transportado prioritariamente no modal rodoviário. As De acordo com informações divulgadas no documento intitulado “Infraestrutura no Brasil: projetos, financiamentos e oportunidades” elaborado pelo Ministério da Fazenda em 2013, as três rodovias federais 163, 262 e 267 apresentaram em 2012 um Volume Médio Diário de 5,8 mil veículos/dia, desse total 62% de veículos leves. Disponível em: www.fazenda.gov.br/divulgacao/publicacoes/infraestrutura-no-brasil/road_show_infraestrutura_no_brasil _2013.pdf 10

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condições precárias de conservação das rodovias sob a administração do Estado refletem em perdas na produção. (CORREA & RAMOS, 2010, p. 449). Em relação às rodovias federais existente no estado o cenário segue detalhado no Quadro 2. Quadro 2 – Situação das rodovias federais em Mato Grosso do Sul Rede Não Pavimentada Rede Pavimentada Leito Em Obras Pista Em Planejad Natura Implantada Pavimentaçã Sub- Simple obra Pista Suba l s o Total s s Dupla Total 9.239, 1.999,0 4.233,6 4.306,3 699,2 1 3.417,8 11,5 45,4 3.474,7 Fonte: Ministério dos Transportes, 2015. Adaptação: Dantas, 2015.

Total 14.712, 8

Mapa 03 – Principais Rodovias Federais em Mato Grosso do Sul

Além das rodovias federais, o estado consta com diversas rodovias estaduais de relevância no transporte de cargas, dentre elas MS-134, MS-217, MS-240, MS-276, MS-306, MS-377, MS-39, MS-444 e MS-480. A grande maioria destas rodovias exercem papel de interconexão com as rodovias federais. Como citado anteriormente, cerca de 12% do total de rodovias existente no estado estão pavimentadas e, de acordo com a pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Transportes – CNT em 2014, 62% do total de rodovias pesquisadas estavam classificadas como Regular, Ruim e Péssimo acerca

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de seu estado geral de conservação. Dentre as nove rodovias estaduais pesquisadas, apenas a MS 480 apresentava classificação de estado geral como Bom11. Diante o exposto, fica clara a necessidade de investimentos no modal rodoviário, que mesmo representando o maior percentual no fluxo de cargas e passageiros, deixa a desejar nos quesitos segurança e conservação. Considerações Finais Tema de grande relevância nos cenários político e econômico, a existência de infraestrutura logística tem exercido historicamente papel central na espacialização dos sistemas de produção capitalista. Grande e pequenas empresas tem se atentado à disponibilidade de meios de transporte, dentre outros elementos, na hora de escolher uma região para o desenvolvimento de suas atividades. Mato Grosso do Sul, apesar de sua localização privilegiada não apresenta uma integração entre os modais de transporte que, exceto algumas exceções, atuam individualmente no transporte de cargas. A construção do Terminal Intermodal em Campo Grande está em fase final de execução numa área 611 mil m2, localizada no Anel Rodoviário de Campo Grande no Km 349, entre as saídas para Sidrolândia e São Paulo e com acesso a linha ferroviária atualmente operada pela empresa ALL Malha Oeste. A infraestrutura do Terminal tem obras de pavimentação de quase sete quilômetros de vias, construção de 23 quilômetros de ramal ferroviário e estacionamento com capacidade de 290 vagas para carretas. Esta seria a primeira experiência e implementação de intermodalidade rodo-férreo no estado, no entanto, a demora na execução da obra, e a baixa capacidade operacional da Ferrovia AAL-Malha Oeste põe em xeque a viabilidade do empreendimento. Outro ponto de destaque a ausência de terminais intermodais rodo-hidroviário. O terminal construído na margem esquerda do Rio Pardo, no município de Bataguassu foi entregue no ano de 2001 e nunca foi ativado. Na ocasião de sua construção, que custou R$ 6,8 milhões, recursos oriundos da Cesp (Companhia Energética de São Paulo) como compensação pela inundação do lago da Usina Sérgio Motta, no rio Paraná esperava-se uma redução de cerca de 33% no valor do frete de grãos escoados de Mato Grosso do Sul para o porto de Paranaguá. Com capacidade de carregar até 200 toneladas por hora o porto ainda dispõe de um armazém com capacidade de 12 mil toneladas de grãos. Trata-se de um cenário que se mantém historicamente e que, apesar dos pequenos avanços verificados, principalmente, a partir dos anos 2000, necessita de especial atenção por parte dos poderes federal, estadual e municipal na identificação dos pontos de entrave para implementação de políticas que Vale ressaltar que esta rodovia faz a ligação entre a MS 276 e o estado de São Paulo passando sobre a Barragem da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta com extensão total de 52km tendo sido revitalizada no ano de 2013 pelo governo do estado de Mato Grosso do Sul. 11

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ajudem a promover maior integração dos modais disponíveis, além, do contínuo investimento para expansão da infraestrutura de transportes.

Referências BRASIL, Ministério dos Transportes – Plano Hidroviário Estratégico. Brasília, 2013. CORREA, V. H. C e RAMOS P. A Precariedade do Transporte Rodoviário Brasileiro para o Escoamento da Produção de Soja do Centro-Oeste: situação e perspectivas. RESR, Piracicaba, SP, vol. 48, nº 02, p. 447-472, abr/jun 2010 – Impressa em mês 2010. LOSNAK, Célio José. Nos trilhos da memória: ferro e sangue. Histórias de vida de ferroviários da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e RFFSA. coordenador – Bauru: Prefeitura Municipal de Bauru/ secretaria de Cultura, 2004, p. 24-25. LUNA, M. M. M. L. ; LUNA, P. T. M. ; FRIES, C. E. ; MOTTA, K. S. . Planejamento de logística e Transporte no Brasil: Uma análise dos Planos Nacional e Estaduais. In: XXV Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, Belo Horizonte-MG, 2011. Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes, Rio de Janeiro: Anpet, 2011. v. 1. p. 1738-1749. MATO GROSSO DO SUL, Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e de Tecnologia (SEMAC) - Estudo da Dimensão Territorial do Estado de Mato Grosso do Sul: Regiões de Planejamento. SEMAC/MS, Campo Grande, 2008. MATO GROSSO DO SUL, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico (SEMAD) - Diagnóstico Sócio Econômico de Mato Grosso do Sul – 2015. SEMAD/MS, Campo Grande, 2015. QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos: a E. F. Noroeste do Brasil na primeira metade do século 20. Bauru: EDUSC; Campo Grande. Ed. UFMS, 2004. ________, Paulo Roberto Cimó. As curvas do trem e os meandros do poder: o nascimento da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (1904-1908). Campo Grande. Ed. UFMS, 1997. SILVEIRA, Márcio Rogério Silveira. Infraestruturas e logísticas de transportes no processo de integração econômica e territorial. Mercator, Fortaleza, v. 12, n. 2, p. 41-53, set. 2013.

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Governo e infraestrutura econômica: a logística no processo de reestruturação espacial da região Centro-Oeste, no Brasil Adauto de Oliveira Souza1 Silvana de Abreu2 Introdução

O

objetivo principal deste trabalho é debater a logística na Região Centro-Oeste brasileira, com destaque para as suas relações com o processo de reestruturação espacial – suas tensões e articulações. Assim, a análise geográfica dos planos, programas e projetos governamentais

relacionados ao processo de expansão, racionalização, integração, modernização dos transportes é muito importante uma vez que o estudo destas políticas poderá contribuir para a compreensão da produção do espaço regional. Refletindo acerca dessa temática, Castillo (2012, p.4), argumenta que do ponto de vista geográfico: [...] cumpre reconhecer que a logística reúne três categorias de atributos: tecnologias infraestruturais (modais de transporte e seus terminais, sistemas de telecomunicações, armazéns, Estações Aduaneiras do Interior etc.), sistemas normativos e regulatórios (concessões de serviços públicos a empresas privadas, regimes fiscais, leis locais de trânsito, pedágios, regulações locais para carga e descarga, restrições para circulação de veículos de grande porte em determinadas áreas de grandes cidades etc.) e competências estratégicas e operacionais (conhecimento especializado sobre as variáveis infraestruturais e normativo-regulatórias), na forma de prestação de serviços. Esses atributos envolvem particularmente o Estado (em suas diversas escalas de atuação) e os operadores logísticos, reunindo objetos e ações capazes de ampliar a fluidez potencial (SANTOS & SILVEIRA, 2001) e a mobilidade espacial sobretudo das empresas do circuito superior da economia (SANTOS, 2004).

Portanto, a logística em sentido amplo e o transporte como atividade-meio, de apoio à produção de bens e serviços, são essenciais para o aproveitamento do potencial produtivo de um determinado território, estando estreitamente relacionados às questões vinculadas ao desenvolvimento econômico e social, (re)produção espacial, geração e transmissão de energia, comunicação e ao meio ambiente. Ademais, requerem para a manutenção, operação e ampliação de seus serviços, substanciais parcelas de recursos públicos. Em síntese, como assevera Castillo (2012, p.5): [...] a logística envolve estratégias competitivas das empresas, é um elemento da competitividade espacial, uma política territorial dos Estados, um setor de atividade econômica e, também, um discurso que inclui termos como gargalos, apagões, custopaís e sustentabilidade.

1 2

Universidade Federal da Grande Dourados. Doutor em Geografia. [email protected] Universidade Federal da Grande Dourados. Doutora em Geografia. [email protected]

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Com tais pressupostos, organizamos o trabalho a partir da contextualização histórica da ascensão da logística no território brasileiro, no contexto dos anos de 1990 e pautada na substituição da política dos pólos de desenvolvimento – que sustentou teoricamente os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) e seus derivados Planos de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste, nos anos de 1970 e 1980 - para a política dos chamados Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ABREU, 2015; SOUZA, 2008). Referimo-nos aos dois governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/98 e 1999/2002). Ainda, elaboraremos algumas considerações acerca da logística no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC 2007-2011) e no Plano Estratégico de Desenvolvimento do Centro-Oeste, para o período 2007-2020. Mudanças produtivas e evolução na logística Parece não existir dúvidas quanto à indução que a logística (em sentido amplo) e os transportes, como um dos mais importantes elos da cadeia logística, exercem sobre o processo econômico e espacial. O movimento de diferentes vias, instalações e equipamentos eliminam obstáculos à propagação de inovações, fluxos mais intensos, extensos e coletivos, de um lado, e, de outro, propiciam a expansão de mercados e a mobilidade dos meios de produção. Assim, participam na determinação do processo de (re)estruturação do espaço geoeconômico, ao condicionar a produção espacial e a localização das atividades, e requerem para a sua manutenção a operação e ampliação de vultosos fundos públicos. Blanco & Rodriguez (2011, p.3) argumentam que: The importance of logistics in the functioning of the current capitalism, as well as its territorial implications, is undeniable. This is one of the key elements of the new mode of production and consumption and it has resulted in deep transformations in the organization of the circulation systems in the territory. In spite of its territorial implications, the analysis of logistics from a geographical point of view “remains relatively unexplored” (Hesse and Rodrigue; 2004, p.172).

Estudando essa questão Braga & Castillo (2013, p.236) afirmam que: O Estado, (...), através de planos e programas federais e estaduais, demonstra ter incorporado definitivamente a logística, reservando-lhe um papel protagonista nas políticas públicas e a ela subordinando os investimentos em transportes e comunicações. A criação pelo Banco Mundial, nos anos 2000, do Logistics Performance Index, que classifica os países segundo seu desempenho no setor, considerando infraestruturas, normas e serviços, aponta o caminho aos Estados sobre como se inserir de forma competitiva nos mercados internacionais através de investimentos materiais e, sobretudo, de regulações mais favoráveis à fluidez de mercadorias.

Por sua vez, Kurz (1998, p.99) afirma que as áreas infraestruturais desenvolveram-se com a industrialização e a cientifização da produção como necessidades práticas de uma produção total de mercadorias. Em suas palavras:

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul| 78 Trata-se de inputs gerais, relativos à sociedade como um todo, que entram na produção ao nível da empresa, sem que eles mesmos possam ser representados em medida suficiente pela racionalidade da administração empresarial (...). Por isso, não é por caso que os agregados infra-estruturais são operados (ou subsidiados), na sua maior parte, pelo Estado em todos os lugares e, com isso, abre-se mais um campo gigantesco da reprodução social, que faz inchar a atividade estatal e as finanças públicas.

Assim, as definições de políticas governamentais e de instrumentos de planejamento adquirem especial relevância nos momentos em que são exigidas – neste caso pelo mercado – reformulações na estratégia, diretrizes e nos objetivos de expansão da economia. No decorrer do século XX ocorreram profundas transformações no processo de produção industrial. A partir da década de 1980, todavia, as características da produção alteraram radicalmente em consequência da acelerada evolução tecnológica e da intensificação das trocas internacionais. De acordo com Barat (2007, p.20), o conceito de logística acompanhou essas mudanças, apesar de ter se originado na aplicação militar, com seu objetivo envolvendo os processos de abastecimento para suporte às operações bélicas. Foi somente a partir das expressivas ações e estratégias militares na Segunda Guerra Mundial que a logística passou a abranger toda uma plêiade de atividades. Envolveu desde planejamento, execução de projeto e desenvolvimento técnico até as etapas de obtenção, armazenamento, transporte, distribuição, reparação, manutenção e evacuação de material (para fins operativos ou administrativos). A aplicação da logística às atividades voltou-se, mormente, para a compatibilidade das etapas dos processos de escoamento e distribuição, além da redução de custos decorrentes de gargalos físicos, ineficiências operacionais e obstáculos burocráticos, institucionais e jurídicos. O processo de consolidação da “globalização” na última década do século XX fez com que as prioridades e as estratégias fossem alteradas: racionalizar o tempo/espaço e o custo passou a ser primordial e concorrer unicamente em razão de qualidade e preço já não garantiria a sustentação de uma vantagem competitiva significativa. Assim, a demanda pela utilização de operadores logísticos tem aumentado. Esse novo contexto e o intenso debate sobre os rumos históricos do capitalismo para o século XXI levaram às máximas: “Fim do Estado”, “globalização”, “inserção e competitividade internacional” e, sobretudo, “liberalização econômica”. Na prática, governos de países da Europa, dos Estados Unidos e também países da América Latina privatizaram empresas públicas, desregulamentaram as relações de trabalho e os processos produtivos, precarizaram as carreiras tipicamente públicas como de professores e trabalhadores da saúde. O mote era o “Estado mínimo” e o mercado a frente da definição de prioridades e investimentos. No Brasil, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ao assumir o governo em 1995 assumiria que o modelo de crescimento econômico sustentando na teoria dos pólos de desenvolvimento (elaborada por Perroux, 1967) e a estratégia de planejamento governamental

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regionalizado, realizados por meio das superintendências regionais de desenvolvimento (SUDECO, SUDAM, SUDENE e SUDESUL) estavam esgotados. Seu governo imporia o neoliberalismo e o Estado Mínimo como sustentáculos para definição do investimento (“Risco Brasil”) e os novos rumos da política de desenvolvimento (nacional/regional). Tratou-se de conceber novas estratégias, rever políticas, reestruturar instituições e renovar instrumentos de ação a fim de que as regiões periféricas pudessem dispor das condições de enfrentar os desafios impostos pela competitividade e pelo desenvolvimento sustentável. Não é aleatório que o documento básico de sustentação da política de investimentos do “Brasil em Ação” (Plano Plurianual de Investimentos - PPA 1996/99), na sua primeira gestão (FHC, 1995/98), contemplasse críticas ao planejamento executado durante o chamado período “Brasil Potência”, fundamentalmente a partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND 1975/79) apontando para o século XXI a necessidade de novas concepções, diretrizes e instrumentos para pensar o desenvolvimento regional e a política econômica no Brasil. O sentido de regional não mais se basearia nas macrorregiões do IBGE e a contiguidade espacial não era uma condição a priori, como era anteriormente nos pólos de desenvolvimento econômico e da integração nacional. Uma das “novas” concepções seria a dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento: [...] como uma tentativa de traçar uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil que permitisse a redução dos desequilíbrios regionais e sociais. A idéia básica era tratar esses desequilíbrios sob uma nova ótica, levando em conta a geografia econômica do País e os fluxos de bens e serviços, sem considerar, para efeito do planejamento, os limites dos Estados e regiões.3

Tal concepção foi expressada na fala do então Presidente: [...] precisamos integrar o Brasil de maneira equilibrada. E, precisamos preparar o Brasil para que ele possa participar da economia, em nível internacional. (...) é a concepção moderna de desenvolvimento. Não se trata de um pólo de desenvolvimento que se concentre numa região, mas de um eixo que distribua seus efeitos numa área mais ampla, pois é necessário que o Governo preste atenção ao conjunto do Brasil.4

O segundo Governo de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) lançou o segundo PPA (20002003), denominado Programa “Avança Brasil”, dentro do qual o País foi delimitado geograficamente em nove Eixos de Integração e Desenvolvimento: 1) Arco Norte; 2) Madeira-Amazonas; 3) Oeste; 4) Araguaia-Tocantins; 5) Transnordestino; 6) São Francisco; 7) Rótula; 8) Sudoeste e 9) Mercosul. Nesta concepção a ideia de integração também está colocada, mas sob outras bases: [...] como relação de interdependência passa pelas seguintes combinações de articulações: espacialmente, entre Eixos, entre um dado Eixo e o mercado internacional, entre um dado Eixo e o Mercosul, e um dado Eixo e a costa (cabotagem); funcionalmente, entre enfoques de natureza setorial [...]5

"Origem, estrutura e métodos de estudo" In: www.eixos.gov.br 24.04.2001. BRASIL. Presidência da República (1996, p.13). 5 Consórcio Brasiliana (1997, p. 1-51) apud Souza (2008, p.22). 3 4

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Por sua vez, o Eixo foi definido como: Corte espacial composto por unidades territoriais contíguas, efetuado com objetivos de planejamento, e cuja lógica está relacionada às perspectivas de integração e desenvolvimento (...). Nesse sentido, dois critérios devem ser levados em conta na sua definição e delimitação: a existência de rede multimodal de transporte de carga (...) e a presença de possibilidades de estruturação produtiva interna, em termos de um conjunto de atividades econômicas que definem a inserção do eixo em um espaço mais amplo e a maximização dos efeitos multiplicadores dentro de sua área de influência.6

Assim, para a definição dos Eixos se utilizou o critério da “logística” para o atendimento de fluxos de bens e serviços em suas áreas de influências. Isto é: “os eixos devem ser aptos à agilização e barateamento de todas as operações de logística ligadas aos fluxos de bens e serviços.” Consórcio Brasiliana (1997, p.I-51). Veja-se que nessa base metodológica e de definição de investimentos, as redes de transportes assumem papel estruturador, aglutinador e dinamizador dos Eixos. Eles foram elaborados pela empresa transnacional de consultoria Consórcio Brasiliana que foi contratada por meio de licitação para elaborar o diagnóstico geoeconômico e indicar os pontos de estrangulamento em infraestrutura, as oportunidades de investimentos e, principalmente, definiria os espaços e os setores prioritários na execução dos projetos governamentais. Em outros termos, quais os setores e lugares seriam contemplados com a aplicação dos investimentos públicos. Isso foi elaborado para cada Eixo. Fernando Henrique Cardoso inauguraria no Brasil a materialidade de ações governamentais para superar os problemas advindos de um padrão de competitividade da economia nacional que era, no seu dizer, obstaculizada, dentre outros fatores, pelo próprio planejamento e pelo que se convencionou chamar "custo Brasil". Esse paradigma de desenvolvimento pressupunha, de um lado, a liberalização econômica, o fortalecimento da economia de mercado como base para a inserção competitiva nos mercados estrangeiros e, de outro lado, a reforma do Estado com a revisão de suas relações com a economia e a sociedade. Neste contexto teórico-prático se definiu o montante de investimentos para o País, conforme exposto no Quadro 1. Como, onde e para quem investir no Brasil foi uma decisão estabelecida a partir dos problemas e potencialidades estabelecidos para o mercado, sobretudo mundial.

6

Consórcio Brasiliana. (1998a, p.9.)

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Quadro 1 Brasil - Portfólio de investimentos por áreas (2000-2007) (em US$ bilhões) Áreas de investimentos

Valor

Percentual (%)

Infraestrutura econômica

101,4

61,41

Desenvolvimento social

52,1

32,16

Meio ambiente

9,00

5,45

Informação e conhecimento

1,6

0,98

TOTAL

165,1

100,00

Fonte: PPA 2000-2003 apud Piva (1999). Apesar da crítica ao planejamento elaborada pelo então presidente, o PPA, tanto no primeiro governo, quanto no segundo mandato são intervenções governamentais planejadas, cujas premissas estão voltadas para a viabilização de grandes eixos de transporte multimodal definidos como Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento que visaram eliminar desvantagens locacionais das regiões periféricas fundamentalmente na sua relação com o mercado exportador. Nesse sentido, procura-se enquadrar o espaço regional a partir de um balizamento externo. Na Região Centro-Oeste podemos citar alguns projetos como Gasoduto Bolívia-Brasil; Ferrovia da Produção e a Ferronorte, dentre outros. (ABREU, 2001) O discurso dominante é competitividade e inserção mundial. São estes os pressupostos ideológicos que buscavam reconhecer que o então Governo adotava uma visão de longo prazo para o “desenvolvimento sustentável” do País e que vão justificar os elevados dispêndios em infraestrutura no “Brasil em Ação” (PPA 1996/99) e no “Avança Brasil” (PPA 2000/03). Portanto, em toda a segunda metade dos anos de 1990 e início do século XXI, até a mudança para o Governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) os eixos se constituíram como pontos de ligação entre riqueza natural a ser extraída (matéria-prima) e produção (produto processado ou in natura), em grande parte para exportação, como baixo padrão de riqueza agregada em seu “caminho”, condição bem diferente do “desenvolvimento sustentável” apresentado. Será em 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em seu segundo governo, que o Governo do Presidente Lula colocaria a questão da logística de forma mais evidente, ainda que no contexto da infraestrutura mais ampla. O PAC foi lançado pelo Governo em janeiro de 2007, com investimentos previstos em R$503,9 bilhões, para serem executados através de um cronograma inicial de quatro anos e que se estendeu a 2011. A abrangência foi atender a infraestrutura básica para o desenvolvimento social, produtivo e urbano: transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos. Fundamentalmente, a proposta pauta-se

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na necessidade de promover o crescimento econômico, investindo em grandes obras sociais e de produção, na construção de moradias e ampliação do consumo de bens de consumo duráveis. Segundo o Governo Federal, o PAC era um Programa de desenvolvimento que promoveria: “a aceleração do crescimento econômico; o aumento do emprego; e a melhoria das condições de vida da população brasileira”. Nesse sentido, o Programa consistiu em um conjunto de medidas destinadas a: a) incentivar o investimento privado; b) aumentar o investimento público em infraestrutura; e c) remover obstáculos (burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos) ao crescimento.” Quadro 2 PREVISÃO DE INVESTIMENTO DO PAC (2007-2010) R$ bilhões SETORES

2007

2008-2010

TOTAL

%

Logística

13,4

44,9

58,3

11,6

Energia

55,0

219,8

274,8

54,5

Social e Urbana

43,6

127,2

170,8

33,9

TOTAL

112,0

391,9

503,9

100

Fonte: www.planejamento.gov.br 01.08.2008. Elaboração: Souza (2009) Nota-se que há uma atenção especial nas questões relacionadas à melhoria na infraestrutura. Acerca dessa questão, o governo brasileiro afirma que: A expansão do investimento em infraestrutura é condição fundamental para a aceleração do desenvolvimento sustentável no Brasil. Dessa forma, o país poderá superar os gargalos da economia e estimular o aumento da produtividade e a diminuição das desigualdades regionais e sociais. Mais que um plano de expansão do investimento, o PAC quer introduzir um novo conceito de investimento em infraestrutura no Brasil. Um conceito que faz das obras de infraestrutura um instrumento de universalização dos benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do país, para que elas sejam capazes de trazer riqueza a todos e não apenas lucro para poucos. (grifo nosso) (www.brasil.gov.br/pac)

São pelo menos duas diretrizes governamentais. A primeira, os investimentos foram concentrados na infraestrutura, entendida como condição para a aceleração do desenvolvimento da economia também “sustentável” porque envolveu grande investimento em saneamento e urbanização nas cidades brasileiras, além de investir em recuperação cultural e histórica; a segunda é o aumento da produtividade, com a incorporação de técnicas e desconcentração produtiva e da produção do conhecimento no território, com diminuição das desigualdades regionais e sociais.

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Uma “leitura” da região Centro-Oeste O Plano Estratégico de Desenvolvimento Regional do Centro-Oeste (2007-2020) segundo o discurso governamental: [...] deve orientar e organizar as iniciativas e ações dos governos e da sociedade, e preparar a região para os desafios do futuro. Nesse sentido, o plano constitui referencial para negociação e implementação articulada de projetos de desenvolvimento, que envolve o governo federal, por meio de seus órgãos, ministérios, governos estaduais e diversos segmentos da sociedade centrooestina.(...) Deve constituir, de fato, referencial para a sociedade regional, seus atores sociais e agentes públicos. (BRASIL. Ministério da Integração Nacional, S.d, p.3) A região Centro-Oeste voltou a contar a partir de 2008, com a “nova” SUDECO que passou a ser a base do sistema de gestão para a execução do citado Plano, principal instrumento de orientação de suas ações e projetos de desenvolvimento regional. Vale mencionar que a antiga SUDECO havia sido extinta, em 1991, pelo então Presidente Collor (Abreu, 2000). No interior desse Plano Estratégico, adota-se oficialmente o desenvolvimento sustentável como modelo futuro, indicando os principais problemas e as potencialidades regionais. Dentre as potencialidades do Centro-Oeste consta a “posição estratégica no contexto sulamericano” no qual é concebida como a região que articula as regiões do Brasil e o território nacional com parte da América do Sul, através da Bolívia e do Paraguai. A integração físico-territorial das áreas mais industrializadas do Brasil com os países andinos e com uma eventual saída para o Pacífico, passa necessariamente pelo Centro-Oeste. Portanto, concebe-se, governamentalmente, que sua localização confere um papel central no processo de integração regional. Argumenta que caso sejam implantados os projetos defendidos pela Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana (IIRSA, hoje denominada COSIPLAN – Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento) o continente sul-americano terá uma forte integração físico-territorial e logística que ampliará o comércio regional, além de possibilitar uma saída dos produtos brasileiros para o Pacífico, facilitando o acesso aos mercados asiáticos. Constatamos ações nesse sentido. No início de julho de 2008, aconteceu em Campo Grande (MS) o “Encontro Trilateral sobre o Corredor Interoceânico Chile–Bolívia–Brasil”, contando com a participação de representantes do Governo brasileiro que mostraram as ações que beneficiam o referido corredor. O objetivo foi identificar problemas e discutir alternativas que pudessem contribuir para a ativação desse elemento de integração entre os países.

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Segundo a Secretaria de Política Nacional de Transportes (DNIT), o Plano Nacional de Logística e Transportes, que é o principal instrumento de planejamento de transporte do governo brasileiro, também inclui projetos de integração regional sul-americana.7 Dos 3.300 quilômetros que constituem esse corredor internacional, 1.500 estão em território brasileiro. Este vetor logístico inclui os Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, sudeste de Minas Gerais, sul de Goiás, sul de Mato Grosso e norte do Paraná. Esta área possui 31,5% da população nacional e produz 42,5% do PIB nacional (dados de 2002). O corredor interoceânico vai passar pelas rodovias SP-150, SP-280, SP-209, SP-300 e pela BR262. Estão previstos investimentos de US$ 250 milhões em Mato Grosso do Sul, alguns já realizados. Em Corumbá foram investidos US$10 milhões para o contorno rodoviário da cidade; mais US$170 milhões para o trecho entre Corumbá e Aquidauana e mais US$60 milhões para a ponte que liga o Estado de Mato Grosso do Sul a São Paulo, em Três Lagoas, e ainda US$10 milhões para a rodovia entre as cidades de Campo Grande e Aquidauana.8 Na mesma reunião foi dito que os 450 quilômetros de estradas bolivianas não-pavimentadas que integram o corredor interoceânico Chile-Bolívia-Brasil já estão sendo alvo de ação de empreiteiras. Esse trecho rodoviário na região oriental da Bolívia é o último que falta para completar a pavimentação completa do corredor. Havia previsão era de que as obras estivessem prontas em 2009. No território brasileiro, o principal eixo do corredor interoceânico compreende a BR-262 - que cruza Mato Grosso do Sul de Oeste a Leste e segue em território paulista. A referida rodovia, segundo o governo brasileiro já está recebendo investimentos para recuperar diversos trechos que precisam de melhoria de trafegabilidade. Além da BR-262, outras duas importantes rodovias integram o corredor: a Castello Branco (no Oeste de São Paulo) e a Imigrantes (ligação da Capital paulista ao litoral atlântico). Diversos organismos internacionais têm se dedicado a estudos, proposições e financiamentos da logística e dos transportes na América do Sul: Banco Mundial, Corporación Andina de Fomento (CAF), Fundo para o Desenvolvimento do Prata (FONPLATA), a IIRSA/COSIPLAN, dentre outros. A IIRSA/COSIPLAN, por exemplo, delimitou dez Eixos de Integração continental dos quais o Eixo Interoceânico tem um grande impacto no Centro-Oeste, integrando com os países andinos e funcionando como passagem para os produtos das áreas mais industrializadas do País. Tais proposições de integração da infraestrutura regional sul-americana vêm ao encontro do Plano Estratégico de Desenvolvimento do Centro-Oeste (BRASIL, s.d., p.131), no interior do qual se aponta que um dos problemas centrais da região é a desarticulação do sistema logístico e gargalos na infraestrutura econômica. O documento aponta que o Centro-Oeste apresenta “elevada produtividade

7 8

Ações do governo federal beneficiam Corredor Interoceânico. In: www.noticias.ms.gov.br 04.07.2008. Idem

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agrícola e com condições favoráveis de solo e água, (...) é altamente competitivo “dentro da porteira”, mas padece de grandes restrições logísticas para alcançar os mercados consumidores. O documento aponta rodovias deterioradas (além da carência), e a ausência de rede estruturada e eficiente de transporte hidroviário de carga; as hidrovias são ainda incipientes e os terminais portuários de baixa expressão, operando abaixo da capacidade e com custos operacionais elevados. Da mesma forma, as ferrovias – que poderiam ter um papel fundamental no movimento da carga regional – ainda é deficiente e incompleta.” As estratégias de desenvolvimento são articuladas em vetores estratégicos de desenvolvimento que explicitam as escolhas e pilares básicos ao estruturar as iniciativas e ações que promovem as mudanças necessárias ao Centro-Oeste. (BRASIL, s.d., p.150) De acordo com o Ministério da Integração Nacional, os vetores de desenvolvimento da Região Centro-Oeste são estes, elencados no Quadro 3: Quadro 3 Investimentos no Plano de Desenvolvimento do Centro-Oeste por vetores estratégicos (2007-2020) Vetores

Investimentos R$ em bilhões 780

Percentual

Média anual R$ em milhões 195

Democratização e 1,5 melhoria da gestão pública Gestão ambiental e 1.200 2,3 300 recuperação do ambiente Melhoria da educação 10.880 20,9 2.720 e fortalecimento de P&D Ampliação da 2.653 5,1 663,25 infraestrutura social e urbana Ampliação da 7.955 15,3 1.988,75 infraestrutura econômica e logística Diversificação e 28.630 54,9 7.157,50 adensamento das cadeias produtivas TOTAL 52.118 100 13.029,50 Fonte: BRASIL. Ministério da Integração Nacional (s.d., p.190) Neste contexto se insere como um dos macro-objetivos

[...] o aumento da competitividade econômica regional, de modo a consolidar sua posição como grande centro exportador do Brasil, com diversificação da XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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pauta de produtos voltados para o mercado nacional e internacional. Consta também a integração físico-territorial com o resto do Brasil e com a América do Sul contribuindo para a intensificação do comércio regional. (BRASIL, s.d, p.151) Como um dos vetores vetor estratégicos de desenvolvimento regional, consta a “ampliação da intraestrutura econômica e logística” foi pensada em três grandes Programas – transportes nos seus diversos modais, energia e telecomunicação. (BRASIL, s.d. p.170) O principal instrumento de financiamento dessa estratégia é o Fundo Constitucional de Financiamento para o Centro-Oeste (FCO) que conta com recursos assegurados constitucionalmente. Ademais, além do FCO, com o processo de recriação da SUDECO – na gestão do Presidente Lula, em janeiro de 2009 – surge o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO) com a finalidade de assegurar recursos para os projetos de desenvolvimento em infraestrutura, ações e serviços públicos. Portanto, são basicamente estas as fontes governamentais que darão sustentação financeira à implementação destes vetores de desenvolvimento regional. Considerações finais O debate teórico-político instalado a partir dos anos de 1990 implicou em redefinição de caminhos a serem traçados para os investimentos governamentais, mas que contraditoriamente, na Região Centro-Oeste (e no Brasil de maneira geral) vai conviver com a política regional de fortalecimento de velhos conceitos, agora travestidos de novos: dos pólos de desenvolvimento e dos corredores de exportação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND, 1975-79), mudamos pelo menos na forma, para os Eixos de Integração e Desenvolvimento, a logística e a integração física como instrumento de desenvolvimento regional, a busca da competitividade, a inserção global e a redução de custos. Assim, como apontam Benjamin et al. (1998, p.61), hoje estamos esmagados pelo discurso da competitividade, com o agravante de que a competitividade segue a mesma lógica da guerra: conquistar supremacia sobre o outro, exigindo apenas um tipo de progresso, de natureza tecnológica. A logística também teve sua origem na guerra, como vimos. Neste contexto de choque de competitividade aplicado ao parque produtivo brasileiro observa-se uma crescente desnacionalização, conforme apontado por Gonçalves (1999). Do ponto de vista regional, esta opção tende a valorizar os espaços mais dinâmicos economicamente, secundarizando as regiões menos competitivas. (ARAÚJO, 2000, p.15) A promoção do desenvolvimento, por meio do planejamento regional, implica na crescente intervenção governamental na atividade econômica. O Estado é programaticamente compelido a investir em atividades que exigem grandes volumes de recursos e lento retorno do capital investido. Por outro lado, as atividades mais rentáveis ficam como prerrogativas do grande capital. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Se os Estados socorrem o capital com vultosos recursos públicos é de se supor que outros setores – sociais como educação e saúde públicas – sejam sacrificados. Como nos lembra Oliveira (1998, p.44), o fundo público aprofunda seu lugar como pressuposto do capital. Para Castells (1975, p.153/4), a produção espacial, em nível geral, é dirigida pela organização do processo produtivo tomado no conjunto de suas operações, mais propriamente a divisão do trabalho. Neste contexto, o referido autor assinala que, com a normalização correspondente à fase do capital monopolista, assistimos a uma racionalização máxima da utilização do espaço pelo capital: é o que se chama ordenación del territorio. As políticas regionais, políticas governamentais de logística e de transportes ao delimitar as regiões de planejamento, definir as prioridades setoriais e espaciais a serem contempladas com a aplicação de recursos, representam um caso exemplar de ordenación del territorio em nossa sociedade: pôr em uníssono os projetos de empresários, dos trabalhadores e os do Estado, em função dos interesses dos primeiros. Porém, tendo em conta o conjunto das contradições que resultam do desenvolvimento desigual. Nesse contexto, aprofundamento dos processos de concentração e centralização do capital intensifica o uso corporativo do território, com desdobramentos nos espaços regionais, devido a economia mundial mais aberta e independente e com uma crescente força política dos grandes grupos transnacionais para determinar o uso do território: os “novos Leviatãs” no dizer de Boron (1999). A divisão do trabalho entre os territórios nacionais confunde-se com uma divisão do trabalho criada pelas transnacionais, que contam também com a participação de empresas de consultoria, de gestão e de planejamento territorial. Foi este o caso da empresa Consórcio Brasiliana, que fez o estudo que deu origem ao “Avança Brasil” no governo FHC. São novas concepções e novos agentes, que controlam a instrumentalização do processo de regionalização, vindo desestabilizar a estrutura espacial existente, ao mesmo tempo, em que consolida novas/velhas relações capital/trabalho/governo. Enfim, a política dos Eixos de Integração substitui a dos pólos de desenvolvimento que vinha sendo implementada no Brasil desde início dos anos de 1950, e que deu sustentação a todas as ações de planejamento regional no Brasil e em diversos outros países da América Latina. Nesse sentido, poderíamos dizer que houve uma readaptação de porções do espaço à economia globalizada e aos mercados internacionais.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul| 88 BENJAMIN, C. et al. A opção brasileira. Rio de Janeiro : Contraponto, 1998. BLANCO, J. & RODRIGUEZ, D. “Territory, transportation and logistic integration: na approach to the argentinean case” In: TERRAE. V.8. nº1-2 Campinas, Unicamp, 2011, p.3-12. BORON, A.A. “Os novos “Leviatã” e a pólis democrática: neoliberalismo, decomposição estatal e decadência da democracia na América Latina” In: E. Sader & Gentili P. (orgs). Pós-neoliberalismo II. Petrópolis : Vozes, 1999, p.767. BRAGA, V. & CASTILLO, R. A. “Tipologia e topologia de nós logísticos no território brasileiro: uma análise dos terminais ferroviários e das plataformas multimodais” In: Boletim Campineiro de Geografia. V.3, nº 2 Campinas : AGB, 2013, p.235-258. BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Plano Estratégico de Desenvolvimento de Desenvolvimento Regional (2007-2020). Brasília : MIN, s.d. BRASIL. Ministério do Planejamento e Orçamento. Indicações para uma nova estratégia de desenvolvimento regional. Brasília : Universa/UCB, junho 1997. CASTILLO, R. A. “Abordagem geográfica da logística: uma proposta” 20.07.2012. In: http://colunaterritorium.blogspot.com.br/2012/08/abordagem-geografica-da-logistica-uma_10.html Acesso em 20.06.2015. CONSÓRCIO BRASILIANA. Identificação de oportunidades de investimentos públicos e/ou privados: proposta técnica. V.1. São Paulo, outubro 1997. CONSÓRCIO BRASILIANA. Delimitação geográfica dos Eixos: relatório preliminar. São Paulo, junho 1998. KURZ, R. Os últimos combates. 4.ed. Petrópolis : Vozes, 1998. OLIVEIRA, F. Os direitos do antivalor. Petrópolis (RJ) : Vozes, 1998. PERROUX, F. A economia do século XX. Trad. José L. Freitas. Lisboa : Morais, 1967. PIVA, L. G. Plano Plurianual - PPA 2000-2003: principais aspectos. Brasília (DF) : Câmara dos Deputados/Assessoria Técnica, out. 1999. SANTOS, M. & SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. SOUZA, Adauto de O. A estratégia dos distritos industriais como instrumento de desenvolvimento regional e sua aplicabilidade em Mato Grosso do Sul. São Paulo : USP, 2003. SOUZA, Adauto de O. Mato Grosso do Sul no contexto dos novos paradigmas de integração e desenvolvimento. Dourados: Editora UFGD, 2008.

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O Território da Cidadania da Grande Dourados: possiblidades de inclusão social Gilson Carlos Visú1 Silvana de Abreu2 Adauto de Oliveira Souza3 Introdução

O

s lugares, as regiões, os estados, não possuem um equilíbrio quanto a capacidade de gerar e manter riquezas. O desenvolvimento ocorre de maneira desigual, não há uma uniformidade na distribuição espacial das riquezas. Por isso é necessária a intervenção dos governos nas

economias. A tese da Causação Circular de Myrdal é importante para compreendermos a necessidade de políticas públicas para indução de desenvolvimento em regiões ou territórios (EGLER: 2008, pág. 210211). Após a II Guerra Mundial foi criada a ONU – Organização das Nações Unidas – para direcionar as relações diplomáticas e dar rumo às economias dos países envolvidos na guerra. Neste interim, o Secretário Geral Gunnar Myrdal, defendeu a tese da “causação circular”, que se tratava do acumulo de desenvolvimento em regiões onde a indústria se concentra. Isto porque a remuneração tende a ser maior do que em regiões que ficam fora dos eixos de desenvolvimento. Para controlar esta tendência natural de acumulo de desenvolvimento em determinadas regiões era preciso o Estado intervir no mercado através de mecanismos controladores. (EGLER: 2008, pág. 210-211) Tais mecanismos, podem ser entendidos como as políticas de governo e políticas públicas de cunho desenvolvimentista. Estas políticas sempre utilizaram alguma escala geográfica para orientar os esforços em lugares específicos, bem delimitados, a exemplo tivemos políticas que utilizaram e utilizam delimitações regionais, tais como SUDENE, SUDECO, SUDAM entre outros. Devido a diferença das regiões, provadas pela localização geográfica e o histórico de ocupação desde o início da colonização brasileira (concentrou-se no litoral), tivemos alguns programas com o objetivo de promover desenvolvimento nas regiões fora do eixo centro-sul. No Nordeste o problema da seca disseminava pobreza e migração para o sul, na Região Norte a distância, a falta de infraestrutura (de difícil acesso via estradas até hoje) impedia a ocupação, e no Centro-Oeste a necessidade de ocupar o oeste e aumentar os espaços produtivos. Este avanço para o Oeste asseguraria a manutenção do controle do território nacional e ao mesmo tempo ampliaria a base econômica do país, aumentando a produção de comodities e formando polos regionais, que seriam equipados de parque industrial para atender a região do polo e receber populações Doutorando na Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD – [email protected]. Universidade Federal da Grande Dourados. Doutora em Geografia. [email protected] 3 Professor Doutor em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD E-mail: [email protected] 1 2

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excedente dos centros industriais que já estavam consolidados no país. Desta lógica de expansão produtiva e de alocação populacional surgiu a Colônia Agrícola da Grande Dourados. Na década de 2000 até o presente, tivemos uma reorientação das políticas de desenvolvimento voltadas para múltiplas escalas, objetivando atender a totalidade de sujeitos que formam o território nacional. Nesta variedade de escalas pretendemos focar o Programa Territórios da Cidadania (PTC) que utiliza a escala território como delimitação e conceito para indução de desenvolvimento em espaços com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) e que contemplem as diretrizes pactuais do Programa. Participando deste Programa (PTC), temos na região do munícipio de Dourados, localizado no sul de Mato Grosso do Sul (MS), o território da Grande Dourados, que possuí características bem definidas e identidade própria se compararmos com outros territórios de MS, que ainda buscam se firmar enquanto território oriundo das interpelações sócio-econômico-sociais. Esta identidade bem definida do território que abordamos neste texto, deve-se principalmente aos programas de ocupação do Oeste brasileiro ainda nos anos 1930, que originou a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND). O PTC propõe o desenvolvimento territorial sustentável para os atores sociais do território, envolvendo principalmente os excluídos étnico-socialmente. Assim, o foco do Programa são: os agricultores familiares, as comunidades tradicionais e quilombolas e as mulheres, principalmente aquelas ligadas ao campo. O campo como espaço de inserção principal das ações que o referido Programa prevê vem da gênese do desenvolvimento do mesmo. O Programa Territórios Rurais que teve início em 2003, foi o precursor deste atual. A diferença é a extensão do foco, ampliando as ações para as cidades e questões sociais de emergência, como a inclusão de temas ligados à gênero, cultura e participação social. Podemos dizer que houve um avanço na pauta do PTC, sobretudo no que diz respeito ao foco na escala do território. O conceito de território4 utilizado pelo Programa dá condições a está ampliação de pauta, que antes tinha como foco a Agricultura Familiar. O território com as suas características de sobreposições culturais, expressões de vontades dos grupos variados, diversas forças e interesses, e o reflexo da produção local na impressão de um modo de vida, permitiu que em 2008, quando o Programa Territórios da Cidadania foi ampliado, passa por questões mais delicadas, como a indígena, com mais desenvoltura e propriedade. A ampliação do PTC e a continuidade do mesmo por mais de uma década (se contarmos desde os Territórios Rurais) nos motivou a fazer uma reflexão sobre a problemática indígena no Território da Grande Dourados, um território que compartilha o mesmo espaço com o agronegócio. E deste compartilhamento surgem tensões, na maioria das vezes silenciosas, mas que certamente interferem nos encaminhamentos das ações projetadas pelos “atores” do território. Para um futuro próximo, Segundo Haesbaert (2005, p. 19), “[...] a multiterritorialidade é, se não a forma dominante, pelo menos a forma contemporânea ou ‘pós-moderna’ da reterritorialização, a qual muitos autores, equivocadamente, preferem caracterizar como desterritorialização. Ela é consequência direta da predominância dos territórios rede, sobrepostos e descontínuos, sobre os territórios zona, exclusivistas e contínuos, que marcaram aquilo que se pode denominar de modernidade clássica, dominada pela lógica territorial exclusivista de padrão estatal”. 4

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pretendemos fazer um estudo mais detalhado do Território da Grande Dourados, apresentando ações implementadas pelo Programa, o funcionamento do mesmo, o grau de envolvimento dos “atores” do território e a complexidade dos objetivos de promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, para o momento, este texto visa abordar a tensão entre fazendeiros e indígenas para preparar bases para o desenvolvimento de uma pesquisa mais pormenorizada. O Território da Grande Dourados O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) criou em 2003 a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) e o Programa Nacional de Desenvolvimento Territorial (PRONAT). Estas ações tiveram como finalidade fomentar o desenvolvimento rural sustentável. Tal desenvolvimento foi focado na assistência à agricultura familiar, que ganhou importância no Brasil com assentamentos rurais (via movimentos pró Reforma Agrária). No caso do Território da Grande Dourados, além de destes aspectos ligados aos encaminhamentos via movimentos sociais (ex. Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST), já havia uma estrutura de pequenas propriedades oriundas da CAND. A Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) foi derivada do Programa de Colonização “Marcha para o Oeste” criado pelo governo de Getúlio Vargas em 1938. No entanto a CAND foi implementada somente em 1948. Sobre a CAND Santana Júnior (2009) afirma que: O processo de colonização esteve atrelado a diretrizes governamentais, com incentivos à produção agrícola, através da distribuição de terras gratuitas, visando o aumento da oferta de alimentos. Nesse sentido, pretendia-se desenvolver regiões urbanas e industriais, para qual, tornava-se necessário integrar o interior do país à economia nacional. Almejava-se povoar imensas áreas pouco ocupadas do território nacional e, sobretudo, temia-se que as áreas de fronteira fossem apoderadas por outros países. Assim, o Sul do então estado de Mato Grosso, por ser uma área de fronteira, com baixa densidade demográfica, foi escolhida para sediar um dos projetos de colonização do país. (SANTANA JUNIOR; J. R: 2009, pág. 92).

Vieram para a Região da Grande Dourados migrantes de diversas partes do país, sobretudo nordestinos. Com este reordenamento territorial que deu origem à CAND, houve também um reposicionamento dos indígenas que viviam na região. Estes estavam dispersos pela região e foram conduzidos às chamadas reservas. Estas orientações dos indígenas para as reservas, conferiram ao município de Dourados a maior concentração de indígenas em zona urbana do Brasil. Cerca de 12.000 (doze mil) indígenas moram nas reservas de Dourados. Tais reservas não podem ser consideradas parte integrante do campo (zona rural) e também não é reconhecida pela população douradense como cidade. Funciona como uma fronteira física que serve par isolar ainda mais as diferenças culturais entre as pessoas da cidade integradas ao sistema produtivo local (agronegócio). Além dos agrupamentos indígenas de Dourados, temos também em Caarapó e em Juti. Assim, basta externarmos estes fatos, que mesmo alguém que nunca tenha pisado na região, visualize uma XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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situação cultural diferenciada no Território da Grande Dourados, dado a delicadeza e melindres que a questão indígena é tratada em nível nacional. Somados as características que a CAND imprimiu na consolidação da Região da Grande Dourados e os aspectos étnico-culturais extremamente particulares do local, não temos dúvida que a implementação de uma política de desenvolvimento como a proposta pelo PTC através do Território da Grande Dourados, já nasceu com uma identidade forte e carências latentes. Além disso, soma-se a importância que tal região tem para o Agronegócio em nível nacional. Dourados é centro de referência em produção e comercialização de comodities. Temos então uma concentração urbana que forjou a condição de Região da Grande Dourados através da implementação da CAND, mas que manteve tal status pela importância que a cidade de Dourados impôs a este entorno, a sua região (EGLER: 2008, p. 215). O Território da Grande Dourados abrange uma área de 21.329,50 Km², é composto por 12 municípios, que são: Caarapó, Deodápolis, Douradina, Dourados, Fátima do Sul, Glória de Dourados, Jatei, Juti, Itaporã, Nova Alvorada do Sul, Vicentina e Rio Brilhante, conforme destacadas na representação na figura nº 1 (Brasil: 2015). O município de Dourados, além de se destacar enquanto polo da região, está localizado no centro do Território da Grande Dourados, confirmando a centralidade que possui politicamente no processo de implementação do PTC. A proposta principal do PTC, como já abordamos acima, é o uso do conceito de território para promover o desenvolvimento territorial. O Programa escolheu a escala território para analisar o espaço e as suas variáveis socioeconômicas. Neste sentido, segundo Egler (1993): [...] a necessidade de compreender a espacialidade da dinâmica geral do capitalismo, sem perder de vista as especificidades do local, impõe que se estabeleça distinções entre as escalas geográficas ou entre os níveis de análise espacial, precisando-os como instrumentos interpretativos do processo de desenvolvimento desigual do capital em sua dimensão territorial. (EGLER: 1993, p. 22).

A distinção do uso das escalas geográficas como o autor defende, é fundamental no caso do PTC também. O Programa trabalha com a categoria geográfica território com a finalidade de inclusão social. Devido as disparidades sociais “naturais” do sistema capitalista, em algum momento precisam ser atenuadas. Para isso, pensar os espaços através das categorias adequadas para compreender a dinâmica colocada para cada região e principalmente das localidades.

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Figura 01: Território da Grande Dourados

O PTC utiliza ao utilizar a categoria geográfica território, demonstra preocupação com o desenvolvimento das localidades. Elas são habitadas por comunidades que habitam estes locais que servem como caminhos/passagens para alimentar setores maiores, como o de comodities, de extrema importância econômica para região da Grande Dourados. No entanto, do total de 359.799 habitantes que povoam o Território da Grande Dourados, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisas (IBGE: 2015), há um percentual considerável que não participa nem mesmo indiretamente da economia do agronegócio. Assim, para os grupos de agricultores familiares e comunidades indígenas, que ficam à margem deste processo fundado na agricultura e pecuária em grande escala, não eram atendidos pelas políticas que utilizavam escalas maiores, como as que utilizam a região como categoria de análise e planejamento. Desta forma, o território como nível de análise no PTC, permite brotar do local as principais carências, dando aos grupos excluídos do processo produtivo (macro) a oportunidade de propor/planejar alternativas para os lugares que vivem e torna-los produtivos dentro da escala que os atendem e os incluam minimamente na participação do desenvolvimento. Características sociais do Território da Grande Dourados O Território da Grande Dourados possuiu características sociais únicas, que não permite nem mesmo comparações quando o assunto é diversidade social. Temos um território em que transitam XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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sujeitos originários do próprio lugar e entorno, ao mesmo tempo sujeitos oriundos de várias levas de migrações que produziram a região da Grande Dourados. O resultado é uma região de formação complexa quanto a cultura e propósitos diferentes em relação ao que se espera em relação a extração ou produção de riquezas do solo. Por um lado fazendeiros, arrendatários e o agronegócio como engrenagem da região. De outro lado, agricultores familiares, alguns oriundos dos migrantes nordestinos que vieram por conta da CAND, e, indígenas, como os que se concentram na cidade de Dourados, formando a maior reserva indígena urbana do país. O Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável do Território da Grande Dourados (PTDRS), destaca que: O processo de ocupação da região onde se encontram os municípios que compõem o território da Grande Dourados tem seus registros com os índios Guarani e Kaiowá, no início do século XVIII, oportunidade em que eles habitavam todas as áreas compreendidas entre o atual município de Rio Brilhante até o Rio Amambaí e desde os campos de Maracajú até o Rio Ivinhema e o Rio Paraná, formando a nação Guaicurus. (PTDRS, 2011, p. 22)

Conforme a citação acima a região agora demarcada como Território da Grande Dourados é ocupada por indígenas a séculos. Com as adversidades impostas ao território em questão, tais como a Guerra do Paraguai, depois a ocupação do Oeste como execução de um projeto nacional, de proteger as fronteiras e fortalecer a identidade nacional, realocou os que aqui já estavam em espaços restritos, aproveitando das fronteiras culturais existentes para construir fronteiras físicas (as chamadas reservas) (Ferraz et al: 2011). O problema é que tais reservas não são suficientes para a demanda indígena, que não é apenas comercial, mas oriundas da ligação que possuem com a terra. Os conflitos entre fazendeiros latifundiários e indígenas passaram a ser frequentes na região, impulsionados ainda mais com o crescimento do agronegócio na região, conforme destacam Ferraz et al (2011): Devido à expansão das áreas de cultura de soja, de cana-de-açúcar e da produção de açúcar e álcool, instalou-se uma tensão entre os interesses econômicos dos grandes proprietários de terras e a tentativa de demarcação dos territórios indígenas, especialmente os ocupados pelos guaranis. (FERRAZ et al: 2011, p. 100)

O conflito se acirrou ainda mais, conforme exposto pelos autores acima, quando entra na pauta a demarcação das terras indígenas e ao mesmo tempo o agronegócio, principalmente a produção de açúcar e álcool ganharam destaque econômico e houve a necessidade de aumentar a produção. Os embates entre indígenas na Região da Grande Dourados é histórico. Mas ganhou um pouco mais de equilíbrio com o fortalecimento de universidades na região, que mantem linhas de pesquisa indígena e até mesmo cursos destinados ao povo indígena. Estas ações são reflexos que visivelmente tem fortaleceram a resistência da luta pelos seus tekoras (territórios).

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É importante destacar, que na região de Dourados temos um povo originário do lugar, com língua é cultura própria, reféns da colonização europeia no continente americano, que tiveram suas vidas afetadas pela ocupação do interior do país, quando seus territórios foram reordenados para as atuais reservas: Bororó, Jaguapiru e Panambizinho. Alguns indígenas do extremo sul e outros do centro de Mato Grosso do Sul foram trazidos para a reserva de Dourados. Dentre estes povos, há pelo menos 3 (três) nacionalidades diferentes, com línguas e costumes próprios. Acreditava-se que ao misturarem estes povos, os menos familiarizados a cultura ocidental, poderiam adquirir os hábitos daqueles que se integravam mais com os brancos (os Terenas por exemplo). Pelos documentos oficiais do Programa Territórios da Cidadania as ações destinadas aos indígenas não têm o objetivo de resolver a questão da terra. Busca dar possibilidades daqueles que já estão em reservas legalizadas ter condições de manterem-se na terra e sobreviverem dela. Isso implica em promoção de assistência técnica para produção de alimentos para o consumo e até mesmo para inserção no mercado. Um exemplo é a implantação da produção de produtos agroecológicos na aldeia Tey Kuê de Caarapó com o auxílio de membros do Colegiado de Desenvolvimento Territorial – CODETER do Território da Grande Dourados. Em visita a Aldeia, fizemos uma entrevista com um morador, que nos informou como estava sendo posto em pratica o projeto de produção de alimentos orgânicos. A implantação ocorreu por intermédio de uma freira, irmã Lucinda Moretti, militante das questões ligadas à agricultura familiar e a causa indígena. Com o trabalho desta freira e mais colaboradores, as sementes passaram a ser distribuídas juntamente com estercos e as orientações de como produzir os alimentos orgânicos. Após o falecimento da referida freira em um acidente, nas palavras do morador entrevistado, o grupo se encontram atualmente “órfãos” de incentivo. Provavelmente o grupo dependia de vínculos mais do que políticos ou participativos para implementar a agricultura orgânica na aldeia. A participação social em colegiados, debates, fóruns de decisões são ferramentas fundamentais para o PTC. No entanto, para a inclusão dos povos indígenas e dos agricultores familiares, certamente é preciso mais do que destinar ações a tal aldeia ou assentamento. A participação dos sujeitos envolvidos, que o PTC os chamam de “atores” seriam fundamentais para que as ações pudessem ser pensadas de maneira endógena (de dentro para fora). Enquanto o sucesso das ações que geram resultados positivos pelo Programa depender apenas do empenho de pessoas vinculadas a movimentos sociais ou a igrejas, dificilmente a consciência de participação coletiva dos grupos indígenas se fortalecerão. Da mesma forma as possibilidades de inclusão social são colocadas para os agricultores familiares. Como a diferença que estes, em geral, são oriundos de movimentos sociais ligados a Reforma Agrária. Isso permite que ocupem com mais propriedade os espaços de participação. Em estudos anteriores, comprovamos a participação de vários grupos de agricultores familiares nas reuniões do Colegiado de Desenvolvimento Territorial – CODETER – do Território Cone Sul. Ao mesmo tempo que XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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comprovamos a participação de agricultores assentados, comprovamos também a ausência de indígenas participando do referido colegiado. (VISU: 2013) As características sociais do Território da Grande Dourados, nos leva a cogitar que para que os propósitos do PTC sejam minimamente cumpridos, seria preciso o fortalecimento das ações que envolvem os “atores” do território. Estas ações precisariam nascer de discussões promovidas nos colegiados. Considerações finais Na área correspondente ao Território da Grande Dourados existem várias peculiaridades que indica a urgência de aplicabilidade dos objetivos do PTC. Assim, algumas ações poderiam resultar em lampejos de desenvolvimento e principalmente de inclusão dos sujeitos praticamente invisíveis deste território. Entendemos que os conflitos entre fazendeiros e indígenas dificultam o PTC alcançar os objetivos de inclusão social e promoção do desenvolvimento. Os indígenas do Território da Grande Dourados estão longe de estarem incluídos na participação do desenvolvimento local. Ao contrário, encontram-se marginalizados, principalmente os que vivem em Dourados, nas aldeias praticamente urbanas, vivem em condições precárias, confinados em uma área muito pequena. Por outro lado, temos os agricultores familiares, que se integram mais facilmente a Programas como o Território da Grande Dourados. Aproveitam mais os espaços de participação social e se organizam enquanto pequenos produtores. Este viés da vocação da Região da Grande Dourados nas pequenas propriedades, explica-se pela própria formação desta região através da implantação da CAND, que atraiu migrantes para trabalhar na terra e mais tarde os assentamentos por intermédio de movimentos ligados a luta pela Reforma Agrária. Do Território da Grande Dourados, podemos destacar o exemplo da atuação da Associação dos Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul – APOMS, que promove a produção de orgânicos. As diferenças marcantes encontradas no Território da Grande Dourados destacam-se pelos conflitos entre fazendeiros e indígenas. Neste caso, entendemos que mesmo com as dificuldades de implementação de ações e do envolvimento das comunidades indígenas nos colegiados, o Programa Territórios da Cidadania torna-se um espaço de poder empenhado na inclusão social e na promoção de desenvolvimento. Assim, inquestionavelmente, as ações produzidas pelo PTC são diferenciais nos conflitos existentes na Região da Grande Dourados, ou seja, é uma força a mais para fortalecer tanto a agricultura familiar como a de subsistência. Percebemos que o formato que o PTC é pensado, com proposito de inclusão social e desenvolvimento, se as ações forem realmente implementadas através do Colegiado do Território da Grande Dourados, teremos a possibilidade da construção de contra hegemonias diante dos XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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conflitos fundiários da região. Como destacamos, o objetivo do PTC não é promover demarcação de terras ou assentamentos, mas de desenvolver os sujeitos do território e transformá-los em possíveis “atores”. A discussão sobre a inclusão social e o desenvolvimento no Território da Grande Dourados não se esgota, ao contrário compreendemos a necessidade de perceber o que uma política como está possibilita em níveis locais, e como destes locais se estendem para outros locais, gerando boas práticas de autonomias. Um exemplo da importância de ações geradas pelos colegiados é o envolvimento da aldeia Tey Kuê em Caarapó com o cultivo de alimentos orgânicos incentivado pela finada irmã Lucinda.

Referências BRASIL. Territórios da Cidadania. 2015 Disponível http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/grandedouradosms/onecommunity?page_num=0

em:

BRASIL. Estimativa 2015. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – 2015. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2015/default.shtm EGLER; A. G. E. Crise e questão regional no Brasil. UNICAMP: Campinas, 1993. (Tese) _______. Questão regional e gestão do território no Brasil. IN: CASTRO; I. E. de; GOMES; P. C. da C; CORRÊA; R. L. Geografia: conceitos e temas. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2008. Pág. 207-238. HAESBAERT, R. Desterritorialização, multiterritorialidade e regionalização. In: Ministério da Integração Nacional. Para pensar uma Política Nacional de Ordenamento Territorial. Anais da Oficina sobre a Política Nacional de Ordenamento Territorial, realizada em 13-14 de novembro de 2003. Brasília, 2005. FERRAZ, C. B. O; NUNES, F. G; ALONSO JUNIOR, J. L. Identidade cultural e a construção do “outro” em Mato Grosso do Sul. Boletim Goiano de Geografia, v. 31, n. 2, p. 99 – 112, jul./dez. 2011. MATO GROSSO DO SUL. Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável (PTDRS) – Território da Grande Dourados. Campo Grande – MS, 2011, 190 p. SANTANA JUNIOR, J. R. Formação territorial da região da Grande Dourados: colonização e dinâmica produtiva. Geografia – V. 00, n. 0, jan./jun. 2009 – Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geociências. VISU, G. V. O Programa Territórios da Cidadania na Região Cone Sul (MS): diretrizes, instrumentos e repercussões espaciais. Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD): Dourados, 2013.

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RESUMOS

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Resumo

Companhia Matte Laranjeira: complexo silvo-mercantil-industrial na Bacia do Prata no Século XIX Antônio Sérgio Lima Braga Lucia Helena C. Anjos

A

os interessados no estudo dos processos de integração do Mercosul, estudar o Caso da Companhia Matte Laranjeira (CML) poderá ser útil na compreensão dos processos históricos e territoriais envolvidos. A CML controlou durante 50 anos vastas áreas, da porção central da bacia platina, onde era nativa a Ilex paraquariensis conhecida como erva-mate. Finda a Guerra do Paraguai, uma Comissão Mista de Limites Brasil-Paraguai, chefiada pelo Cel. Enéas Galvão, percorre a região ocupada pelos Guarani, entre o Rio Apa, MS e o Salto de Sete Quedas, PR. Em 1874, demarcadas as fronteiras Brasil/Paraguai, os membros da Comissão, Thomas Laranjeira e Francisco Mendes Gonçalvez, percebendo a grande quantidade de ervais nativos, a disponibilidade de mão-de-obra guarani/paraguaia, e a exaustão dos ervais argentinos, constituem a Sociedade Laranjeira, Mendes & Cia para explorar os ervais brasileiros. Por Decreto nº 8799/1882, Laranjeira obteve do Império o arrendamento das terras para a exploração da erva mate. A concessão da CML detinha o monopólio sobre uma área de 50.000Km². A CML estruturou vasto complexo silvo-mercantil-industrial, integrando a cadeia produtiva através Rio da Prata, com portos e ferrovias próprias, atuando em grande escala em território paraguaio. A CML verticalizou atividades, mediante aquisição de fábricas de beneficiamento da erva em Buenos Aires, Montevidéu, Rio de Janeiro e exportando para os EUA. A CML construiu ao longo de sua existência uma estrutura, baseada no trabalho indígena, que viabilizou o controle e a exploração dos ervais e das terras, impedindo a aquisição de suas terras por terceiros. No Governo Vargas, inicia-se a decadência da CML. Criados os Territórios de Ponta Porã e Iguaçu, as concessões não foram renovadas e os ativos da CML incorporados ao Serviço de Navegação do Rio da Prata. Praticavase o corte raso da planta para elevar a produtividade, matando-a, e destruindo os ervatais. Tal prática predatória terminou por levar a CML a decadência. O estudo compara a excelência logística, empresariais, integração da cadeia produtiva com a oportunista prática de relações atrasadas de trabalho e predatórias relações com a natureza.

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Resumo

El papel de la Amazonía en la integración: impactos del IIRSA y el rol de la OTCA José Bruno Fenerick Júnior Maya Verazain Zuazo

C

omprendiendo la Amazonia como un espacio fundamental para consolidar la integración en América del Sur, no podemos restarle importancia como se ha hecho históricamente. Llevando en cuenta eso y percibiendo una mayor efectividad solamente de los proyectos de infraestructura en el ámbito de la Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Suramericana (IIRSA) en la región, así como los impactos sociales/ambientales de sus proyectos y cómo éstos dificultan la integración regional siendo sobre todo económicos y comerciales, objetivamos demostrar el papel de la Amazonía en la integración y la necesidad de una mayor relevancia de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica (OTCA) como instrumento de mediación para buscar una integración que no sólo se enfoque en el desarrollo económico mediante la incorporación del sector social y cultural. La estructura de este trabajo es compuesta por una exposición de la importancia de la Amazonia para la región; la conceptualización de cooperación e integración para la Amazonia; el histórico de la cooperación amazónica; el papel de la OTCA; un análisis de los impactos de los proyectos del eje amazónico de la IIRSA mediante sus informes y las consideraciones finales.

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II

Questão Agrária, Movimentos Sociais e Matrizes de Sustentabilidade no Desenvolvimento Regional

ARTIGOS

A agenda de políticas públicas da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mecosul (REAF) Guilherme Augusto Guimarães Ferreira1 Vivian Lie Kato de Lima2 Regina Laisner3 Introdução

O

Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 26 de março de 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai4, construído sob os pilares do multilateralismo, do consenso e do primado do gradualismo5. (VAZ, 2002). Surgiu

à sombra do regionalismo aberto6, diante da “necessidade histórica” (OLIVEIRA, 2003, p.67), imposta pelos anos 1990, de um projeto de integração regional que operasse como uma etapa intermediária na busca de uma melhor inserção nos mercados internacionais, por meio da liberalização econômica multilateral (OLIVEIRA, 2003). Foi concebido em um contexto de políticas neoliberais quando, entre o final dos anos 1980 e início dos 1990, deu-se início a uma sistemática implantação dessas políticas na América do Sul, que tiveram como consequência a ampliação da concentração de renda e das desigualdades sociais, diante das ações de abertura comercial e de racionalização da participação do Estado na economia (BRICEÑO RUIZ, 2007; SOARES, 2009). 1 Mestrando em Relações Internacionais pelo PPGRI San

Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP). Membro do NEPPs - Núcleo de Estudos em Políticas Públicas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP – Campus de Franca. [email protected] 2 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro do NEPPs - Núcleo de Estudos em Políticas Públicas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP – Campus de Franca. [email protected] 3 Professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP – Campus de Franca. Coordenadora do NEPPs - Núcleo de Estudos em Políticas Públicas na mesma universidade. [email protected] 4Embora o Mercosul seja composto por quatro membros, seu núcleo central foi construído a partir das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, iniciada com a assinatura do acordo Itaipu - Corpus, em 1979, entre os governos brasileiro, argentino e paraguaio. Tal aproximação avançou no interior da Associação Latino-americana de Integração (ALADI), a partir de 1980, com o Tratado de Montevidéu e, após a redemocratização dos dois primeiros países, com a adoção da Declaração de Iguaçu (1985) e com o Programa de Integração e Cooperação Econômica (1986), sob os governos de Raul Alfonsin e José Sarney. Essas foram iniciativas que, fortalecendo as relações bilaterais entre os países, impulsionaram e influenciaram de maneira decisiva a construção do bloco (MARIANO, 2000). 5 O multilateralismo facilitou a manutenção do conjunto de iniciativas deslanchadas por Brasil e Argentina nos acordos bilaterais anteriores e que configuraram o núcleo principal do Mercosul, consagrou a democracia como valor e facilitou a operacionalização do processo decisório. A regra da decisão por consenso assegurou a garantia dos interesses essenciais dos países-membros, conferiu legitimidade e credibilidade às decisões e operou, em teoria, como elemento nivelador das assimetrias de poder entre os membros. Já o primado do gradualismo operou como estrutura condicionante e impulsionadora. Somado às metas estabelecidas para a consolidação do Mercado Comum, orientou e direcionou as discussões e restringiu a capacidade dos negociadores de modificar a agenda e/ou alterar o ritmo das negociações. (VAZ, 2002). 6 O regionalismo aberto, de acordo com a tipologia aqui utilizada, foi o período em que, na América Latina, os processos de integração regional foram pensados como instrumentos para enfrentar a globalização econômica e financeira, promover o comércio internacional e atrair investimentos estrangeiros. Abandonaram-se os ideais de industrialização propostos pelo regionalismo autônomo dos anos 1950, e buscou-se promover a competitividade internacional, a modernização tecnológica e a abertura comercial, conforme orientavam as políticas propostas pelo “Consenso de Washington” (BRICEÑO RUIZ, 2007).

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Diante deste cenário, embora essas preocupações não tenham sido incorporadas de forma destaca às ações iniciais do bloco, observa-se que já no preâmbulo do tratado de criação do Mercosul é expressa a vontade de direcionar a atuação do bloco no sentido de “acelerar seus [dos Estados Partes] processos de desenvolvimento com justiça social” (MERCOSUL, 1991). Isto, no entanto, não refletiu imediatamente na elaboração de estruturas que materializassem as demandas sociais, levando o bloco a assumir, quase que exclusivamente, um caráter comercial com objetivo limitado às questões ligadas à liberalização dos mercados e à disciplina comercial. No início dos anos 2000, porém, o bloco passou por um processo de ampliação do seu escopo e de incorporação das questões sociais em sua agenda. Tratou-se de um momento fortemente influenciado pelas demandas de atores não estatais que, fortalecidos pela realização do Fórum Social Mundial em 2006, acreditavam que outra integração é possível (LAISNER et al, 2013). É nessa perspectiva que se desenha esta comunicação, com o objetivo de apresentar a Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul e sua atuação na construção de políticas públicas regionais de inserção da agricultura familiar no âmbito da integração mercosulina, identificando seus conteúdos, impactos e resultados, à luz do debate do desenvolvimento regional. Refletir acerca do desenvolvimento regional implica olhar para a agricultura familiar de uma perspectiva que, para além da sua condição de produtor de produtos agrícolas, tenha por foco a própria família produtora e suas relações com a natureza e a sociedade, privilegiando suas formas próprias de produção e de dinâmica social (WANDERLEY, 2003). Afinal, é a partir de uma perspectiva de desenvolvimento que não se limite à renda e ao crescimento econômico que podemos pensar políticas públicas que atendam as necessidades individuais (alimentação, vestuário, moradia, acesso à educação, ao lazer, a bens culturais, a direitos civis e políticos, etc) e levem, de fato, à superação da condição de pobreza. A Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul O debate acerca da agricultura familiar no Mercosul surgiu em 1992 quando, na decisão 01/1992 do Grupo Mercado Comum (GMC)7, foi expressa a necessidade de “articular pequenos e médios produtores ao processo de integração” (MERCOSUL, 1992). Posteriormente, em 2003, motivados pelo amadurecimento do debate sobre agricultura familiar entre as organizações da sociedade civil e pela mudança da atuação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do Brasil, que passou a assumir uma agenda positiva com o Mercosul, foi formada uma articulação do MDA, juntamente com a Confederação de Organizações de Produtores Familiares do Mercosul (COPROFAM) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG),

O Grupo Mercado Comum (GMC) é o órgão executivo do bloco. A ele compete velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção e demais acordos firmados em seu âmbito (MARIANO, 2000). 7

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com o propósito de construir um espaço permanente de debates sobre a agricultura familiar no bloco (CARVALHO, 2011). Foram realizados diversos seminários conjuntos, com o objetivo de incluir as organizações sociais no debate sobre os processos internacionais de grande impacto no setor agrícola. Carvalho pontua: Tais eventos são entendidos como relevantes porque possibilitaram a aproximação de diversos atores, certamente fortalecendo canais de interlocução, facilitando a identificação de pautas comuns e a construção de ideias convergentes sobre a agricultura familiar e camponesa, sobre a ação do Estado e sobre o papel que o Mercosul poderia cumprir nesta área (CARVALHO, 2011, p.63).

Neste cenário foi possível uma convergência de vontades e interesses, tanto dos governos quanto das organizações da sociedade civil que, decidindo atuar diretamente sobre o Mercosul, levaram a criação da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAF) 8, pela resolução nº 11/04 do GMC, de 31 de Março de 2004. Tal como se constituiu, a REAF tem por objetivo o fortalecimento da agricultura familiar nos Estados-membros do bloco, por meio de políticas públicas comuns de promoção e facilitação da produção e comercialização dos produtos originários do setor na região, a partir do princípio da complementaridade (MERCOSUL, 2004). É um órgão assessor do GMC e está, portanto, sujeita aos princípios, regras e normas estabelecidas pelo órgão, com especial destaque ao seu caráter intergovernamental, o que exige que todas as decisões sejam consensuais. A figura 1 apresenta o esquema estrutural da reunião. Figura 1 – Esquema REAF

Fonte: RAMOS et al., 2014, p 4819.

Cumpre chamar a atenção para um aspecto deste texto: quando a sigla REAF for utilizada sem nenhum complemento está se referindo ao órgão Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul. Enquanto que, quando a sigla vier precedida por algarismo (I REAF, II REAF, etc), refere-se à alguma reunião regional específica da REAF. 9 A sigla AFC no quadro Organizaciones sociales de la AFC refere-se a Agricultura Familiar e Camponesa. 8

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As reuniões regionais ocorrem a cada 06 meses, sempre no final de cada presidência pro tempore. É o espaço em que as delegações dos governos e os representantes da sociedade civil se reúnem para deliberar e acordar sobre os diversos temas propostos. Para que ocorram, três outros órgãos internos à REAF são essenciais: as Seções Nacionais, os Grupos Temáticos e a secretaria técnica. De maneira geral, as Seções Nacionais são responsáveis pela realização de reuniões prévias à REAF, nas quais acontecem os debates e têm origem as decisões coletivas e as propostas de políticas públicas que serão debatidas nas Seções Regionais. Já os Grupos Temáticos (GTs) encontram-se uma vez a cada semestre, em Montevidéu, no prédio do Mercosul. Sua responsabilidade é abordar e discutir os temas da agenda da REAF, assessorando-os com estudos e informações técnicas. A Secretaria Técnica, por sua vez, é encarregada de preparar as REAFs, dando todo o respaldo logístico e operacional para que as reuniões ocorram adequadamente, fiscalizando o cumprimento das tarefas e prazos estabelecidos. Por ser uma instituição em constante construção, as atividades da REAF podem ser divididas em etapas, conforme proposto por Ramos et al (2014). A primeira etapa, que compreende o período entre a I e a V REAF, teve sua agenda ligada à construção institucional da reunião, materializada no seu regimento interno e na criação do Grupo para acompanhamento das negociações internacionais extrabloco. Dedicou-se, neste período, à realização de estudos com foco nos problemas ligados à oferta e acesso ao crédito, administração de riscos, acesso e uso sustentável dos recursos e inserção nos mercados. Foi firmado, ainda, um acordo junto ao Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) para financiamento da reunião. Em resumo, tratou-se de um período de consolidação institucional e de realização de estudos para a compreensão da representatividade da agricultura familiar nos países membros do bloco (COSTA E PIRES, 2008). Entre 2006 e 2011 ocorreu a segunda etapa da REAF. Nota-se claramente uma preocupação da reunião de ir além dos estudos, centrais na primeira etapa, partindo-se, efetivamente, para a implementação de políticas públicas regionais. As discussões acerca da estrangeirização da terra passaram a compor a agenda e foi construído um referencial regional de definição e caracterização da agricultura familiar. Criou-se, também, o Fundo da Agricultura Familiar do Mercosul (FAF) 10. A partir da XVII REAF, realizada em Buenos Aires entre os dias 4 e 7 de Junho de 2012, teve início a terceira etapa da REAF. Durante essa reunião foi anunciado, uma vez que todos os países membros do Mercosul haviam aprovado a criação do Fundo da Agricultura Familiar (FAF) em suas instâncias internas, que o FAF entraria em vigor a partir de 15 de Junho desse mesmo ano, colocando a

10Ver:

LAISNER, Regina; FERREIRA, Guilherme A. G. Políticas públicas de desenvolvimento no Mercosul: A Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar e o Fundo da Agricultura Familiar. Bahia Análise e Dados, v.24, n.3, p. 587-599, 2014.

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REAF em uma posição relativamente confortável financeiramente. Cabe destacar que, a partir da XVIII REAF, a reunião passou a contar com a Venezuela como membro pleno, conforme o exposto pela decisão CMC 04/93 e pelo Art. 2 da resolução GMC 26/01. Tendo em vista o apresentado, serão expostas, a seguir, as políticas públicas para agricultura familiar desenvolvidas pela REAF. Optamos aqui por fazê-lo a partir de cada grupo temático, órgãos técnicos e temáticos permanentes responsáveis pela coordenação das políticas públicas comuns da agenda do processo de integração. São eles: Acesso à terra e reforma agrária; Juventude rural; Gênero; Gestão de Riscos e Mudanças climáticas; e Facilitação do comércio. Grupo Temático de Acesso à Terra e Reforma Agrária O grupo temático de Acesso à Terra e Reforma Agrária tem por objetivo abordar as políticas públicas de aquisição da terra, diante de um processo de crescente concentração e estrangeirização da propriedade rural (REAF, 2010). Dentre os principais temas de trabalho, tem destaque: a função social da propriedade; o acesso à terra das mulheres; a concentração e estrangeirização da terra; e o acesso à terra pela juventude rural. Os trabalhos do GT vão em direção ao fortalecimento das políticas fundiárias dos países do bloco, tendo por suporte as atividades desenvolvidas pela Rede de Instituições Responsáveis por Políticas Fundiárias, de Acesso à Terra e Reforma Agrária (REDE), um espaço de intercâmbio de experiências formado pelos Institutos de Terra dos países. No âmbito do GT, em um primeiro momento, dedicou-se ao estudo do enquadramento jurídicoagrário e dos instrumentos utilizados para a obtenção da terra em cada país e, ainda, à avaliação dos marcos legais sobre a função social da propriedade, com o objetivo de obter e sistematizar as informações sobre os processos, causas e efeitos da concentração e da estrangeirização das terras. Têm acontecido, junto ao seu campo de ação, as atividades do Grupo Técnico de Registros da Agricultura Familiar. Tal grupo se responsabiliza por entregar à REAF os informes sobre os avanços dos registros de agricultores familiares em cada país, como um permanente sistema de registro e atualização dos cadastros da agricultura familiar, tendo por referência os critérios de reconhecimento da agricultura familiar consolidados pela Resolução do Grupo Mercado Comum (GMC) n ° 25/07, de setembro de 2007. Grupo Temático da Juventude rural O grupo temático da Juventude rural foi criado com o objetivo de desenvolver, no âmbito do Mercosul, iniciativas destinadas aos jovens rurais, num entendimento de que esse representa um grupo

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chave para a continuação de um modelo de produção de sustentação da segurança alimentar e da maioria dos empregos do setor rural (MDA, 2010). Reúne agentes públicos, jovens líderes rurais, agentes e organizações sociais em um espaço de promoção do diálogo, em que a preocupação central é a valorização da identidade e da autoestima da juventude. Sua agenda é marcada, sobretudo, por temas que tratam da promoção do acesso à terra aos jovens da agricultura familiar, da inserção produtiva deste grupo e da educação rural. Sua política pública de maior destaque é o Curso de Formação Regional da Juventude Rural. Trata-se de uma iniciativa de educação não formal, com o objetivo de formar lideranças juvenis da agricultura familiar que atuem como agentes de desenvolvimento e como atores econômicos empreendedores, favorecendo sua participação ativa e protagonista (REAF, 2007). Esse grupo tem por público alvo os líderes rurais vinculados às organizações da agricultura familiar de cada país-membro, com o objetivo de capacitar os quadros dirigentes das organizações juvenis agrárias, de modo a oferecer ferramentas para uma melhor gestão dos assuntos públicos e promover a geração de oportunidades para a permanência da juventude no campo. A primeira edição do curso ocorreu entre 2008 e 2009, seguida pela segunda edição em 2012, a terceira em 2013 e a quarta em 2014. Trata-se de um curso semestral, dividido em quatro módulos, com 40 horas presenciais cada. É composto por etapas de estudos individuais e de atividades práticas, com a preocupação de que, ao término do curso, os participantes estejam habilitados a reproduzir e/ou colocar em prática o conhecimento adquirido em seu local de origem. Na primeira edição do curso, os módulos foram compostos por conceitos teóricos para a compreensão e interpretação do desenvolvimento rural na região; metodologias para a realização das atividades de elaboração, execução, acompanhamento e avaliação de projetos que promovam o aumento do capital social e do protagonismo juvenil; apresentação da história e dos marcos legais da constituição do Mercosul como um sistema de integração regional, as formas de articulação entre os diferentes atores das cadeias agroalimentares e agroindustriais e os mecanismos de facilitação e fortalecimento do comércio entre produtores familiares e de seus produtos; e observações in loco de experiências desenvolvidas por instituições, movimentos sociais e associações produtivas de jovens (REAF, 2008). Já na segunda, terceira e quarta edições, os conteúdos foram direcionados para a caracterização da agricultura familiar (Quem sãos os Agricultores Familiares? Qual sua contribuição para a segurança alimentar, para a preservação ambiental e para a igualdade territorial?), da juventude rural e das suas organizações; para a apresentação da REAF e dos benefícios da cooperação, com foco nas novas dinâmicas da integração regional; para a problematização das políticas públicas, sobretudo no sentido de incluir o debate de gênero; e para a construção de uma agenda comum da juventude rural, para compor os trabalhos do próprio GT (REAF, 2009a). Os principais resultados atingidos, apontados nas atas das reuniões regionais e nas avaliações do GT, foram: a capacidade de gerar consenso acerca de uma identidade da juventude rural, apesar das XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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diferenças locais, e a construção de uma agenda comum de diagnósticos e propostas da problemática da juventude rural (REAF, 2009c). Grupo Temático de Gênero O grupo temático de Gênero tem como objetivo promover o fortalecimento e desenvolvimento de políticas de igualdade de gênero para a agricultura familiar (MDA, 2010). Em articulação com a Reunião Especializada da Mulher (REM), as organizações sociais e os ministérios dos países-membros, tem na sua agenda a temática da institucionalização de políticas de igualdade de gênero e dos direitos igualitários à terra. Em 2010 teve início o Programa Regional para o Fortalecimento das Políticas de Igualdade de Gênero na Agricultura Familiar do Mercosul, com financiamento da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento.

É uma iniciativa que tem por objetivo consolidar a

institucionalidade das políticas de Gênero nos Ministérios de Agricultura e Desenvolvimento Agrário da Região, por meio do desenho e implementação de políticas dirigidas às agricultoras familiares (REAF, 2009b). Sob coordenação do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca da República Oriental do Uruguai, o programa tem: (a) realizado intercâmbios bilaterais entre organismos governamentais, com a participação da sociedade civil, para conhecer a institucionalidade responsável pelo desenho e implementação dos marcos normativos e das políticas dirigidas às mulheres agricultoras familiares; (b) sistematizado dados, pesquisas e estudos de caso sobre o acesso das mulheres às políticas da Agricultura Familiar e Reforma Agrária; (c) coordenado oficinas de análise das políticas públicas da Agricultura Familiar e Reforma Agrária com especial ênfase nos serviços rurais e de acesso à terra; (d) capacitado os tomadores e tomadoras de decisões, gestores e gestoras públicas, sobre o enfoque de gênero nas políticas e instrumentos dos ministérios nacionais; (e) elaborado recomendações para adequação de programas e criação de políticas específicas para as mulheres agricultoras familiares; e (f) capacitado mulheres agricultoras sobre aspectos legais de comércio, normas de comercialização, gestão de mercados e inserção nos mercados nacionais e regionais (REAF, 2009b). Em síntese, a iniciativa tem dado suporte para a formulação e a implementação de políticas para as mulheres rurais, estimulando a coordenação e o planejamento regional de políticas de igualdade de gênero, e promovendo sua incorporação à agenda da agricultura familiar. Grupo Temático de Gestão de Riscos e Mudanças Climáticas O Grupo Temático de Gestão de Riscos e Mudanças Climáticas foi criado a partir do debate realizado durante o Seminário sobre Seguro Agrícola para a Agricultura Familiar, em junho de 2006, seu XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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objetivo foi o de recomendar instrumentos, promover ações de intercâmbio de informações técnicas e o desenvolvimento de políticas públicas para a adaptação da agricultura familiar à mudança climática, bem como estabelecer sistemas de avaliação de riscos e mecanismos de segurança e de redução de riscos a eventos climáticos como secas e excesso de chuvas. O grupo é constituído por representantes oficiais e pelas organizações sociais de cada estadomembro e associados. Dentre as questões com que trabalham estão: o uso sustentável dos recursos naturais, principalmente da água; análise de ferramentas de gestão de risco; busca por articulações entre organizações e instituições da sociedade civil, dos governos e/ou internacionais. Suas atividades procuram respeitar as características específicas de cada região/país (sociedade, economia, clima, cultura, espécies). Além disso, procura realizar a capacitação de técnicos de seguro e de agricultores, além de estimular intercâmbios de cooperação. A política que se destaca é o projeto piloto de Seguro de Cobertura de Risco Climático para a Agricultura Familiar “Fondo de Seguro de Cosecha”, que foi implementado no Paraguai. Essa política baseouse em experiências de políticas de outros países da região e seu objetivo é garantir um seguro agrícola para perdas de safras de agricultores familiares ocasionadas por fenômenos climáticos e manter, assim, a segurança alimentar e nutricional dessas famílias. Além disso, serve de apoio para que o produtor continue produzindo e que realizem boas práticas indicadas pelo Ministerio de Agricultura y Ganadería. Os beneficiados são agricultores familiares que têm como principal fonte de renda a produção agrícola. O projeto foi elaborado com a intenção de se expandir na região e obter recursos do FOCEM. No âmbito do Paraguai, os recursos são constituídos por contribuições do Ministerio de Agricultura y Ganadería (MAG) e dos agricultores incluídos no programa. Outras atividades realizadas pelo GT consistiram em debates e seminários sobre segurança alimentar no contexto da mudança climática e na elaboração de leis para catástrofes e emergências e o manejo do risco sanitário e fitossanitário11. Além disso, observada uma significativa desigualdade na execução das políticas de gestão de risco nos países do bloco devido à variabilidade do clima na região, as delegações aprofundaram os debates acerca do tema e elaboraram medidas e diretrizes para políticas. O GT tem realizado, sobretudo, análises de políticas e outras experiências no tema e recomendado diretrizes e medidas nesse sentido. Grupo Temático de Facilitação do comércio O grupo temático de facilitação do comércio foi criado em 2005, após a III REAF e tem como objetivo realizar trabalhos em torno do tema das compras públicas da agricultura familiar. Assim, 11Segundo

a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), riscos sanitários e fitossanitários são aqueles oriundos de contaminantes, aditivos, toxinas, agrotóxicos, pestes e quaisquer outros organismos causadores de doenças. No caso específico da agricultura, tratam-se dos riscos de propagação de pragas e doenças, especialmente as exóticas, em biomas, plantações ou áreas livres em que os organismos não contam com defesas ou mecanismos naturais de controle biológico.

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analisam os modelos de agricultura familiar em cada país do bloco, identificando suas características, as potencialidades e as limitações na participação no mercado, principalmente no que tange à venda de produtos. A partir daí, buscam estabelecer diretrizes ou recomendações de políticas públicas para o comércio. O GT trabalha com discussões sobre políticas de facilitação do comércio e inclusão da agricultura familiar nos mercados; identificação dos agricultores familiares e das organizações existentes para a categoria e certificação de seus produtos; atuação em políticas para a geração de renda, facilitação do comércio e agregação de valor; ajuda na formação técnica dos agricultores; complementação produtiva; promoção de inovações tecnológicas na área; estímulos às associações e cooperativas; financiamento para as atividades e acesso ao crédito; e promoção do acesso das mulheres ao mercado. A política que foi elaborada nesse GT consiste no Programa Regional de Compras Públicas, que propunha atividades de intercâmbio de experiências com políticas no setor. Esse programa foi acordado durante a XIV REAF, em 2010, e foi implementado de 2011 a 2013, com financiamento da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Foram promovidos encontros envolvendo técnicos governamentais e membros da sociedade civil, principalmente da agricultura familiar, para a troca de experiências, visando estimular e potencializar as políticas públicas de compra institucional e então promover o comércio dos produtos da agricultura familiar da região, assim como gerar empregos, renda e ocupação de territórios, desenvolvendo o espaço rural. O primeiro módulo ocorreu no Brasil (Brasília, Goiás e Pernambuco), o segundo na Argentina (Mendoza e San Juan) e o terceiro no Uruguai. Como a troca de experiências foi proveitosa, houve a formulação do II Programa, cujo início deu-se em março de 2015 no Brasil, com debates sobre as experiências da Bolívia, Equador e Venezuela. Além disso, outro resultado dessa política consistiu na elaboração de um Projeto de Lei de Reserva de Mercado Estatal de Bens e Serviços Alimentícios para a Produção Agropecuária Familiar e a Pesca Artesanal, atualmente em tramitação no Poder Legislativo desse país. Outras atividades consistiram na elaboração e difusão dos selos da Agricultura Familiar, que consistem em uma certificação de origem do produto; incentivo às alianças produtivas, ao associativismo e ao cooperativismo; troca de experiências sobre vigilância sanitária; promoção de feiras regionais entre os países; e facilitação do intercâmbio de produtos. Considerações Finais A presente comunicação evidencia a contribuição da REAF como plataforma para a elaboração e execução de uma agenda de políticas públicas diferenciadas para a Agricultura Familiar - setor intrinsecamente relacionado com os demais problemas sociais, tão frequentes na região, e que, certamente, assume importante papel na superação da pobreza e na promoção do desenvolvimento.

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Em termos de políticas públicas regionais, a REAF tem construído sistemas e ferramentas de gestão de riscos climáticos e sanitários, e conquistado consideráveis avanços na inserção dos agricutores familiares aos mercados, notadamente com as práticas de compras públicas dos produtos da agricultura familiar. Desenvolve, ainda, políticas de inclusão e formação da juventude rural, políticas de igualdade de gênero e vem consolidando o entendimento da agricultura familiar como solução e não sinônimo da condição de pobreza. Contudo, para que essa políticas passem a produzir resultados efetivos na construção de uma integração que envolva fatores não apenas econômicos, mas também políticos e sociais, inúmeros desafios necessitam ser superados. Destaque para a insuficiência de autonomia na implementação das políticas públicas, o que demanda poder de decisão e recursos mais amplos. Todavia, ainda que as políticas apresentadas estejam em estágio embrionário e sejam incipientes, – consequência das dificuldades dos processos de negociações multilaterais e da debilidade financeira – são significativas da perspectiva do avanço na agenda social. Representam, assim, um importante passo para a consolidação de um Mercosul mais plural que, para além do crescimento econômico, forneça os vínculos necessários entre a sociedade e as instituições regionais. Desse modo, será possível pensar nas possibilidades de construção de um projeto de integração que reflita os interesses das pessoas envolvidas, na multiplicidade de dimensões que as atinge.

Referências BRICEÑO RUIZ, José. La integración regional en América Latina y el Caribe: Processos históricos y realidades comparadas. Mérida: Universidad de los Andes, 2007. CARVALHO, Priscila Delgado de. Ação coletiva transnacional e Mercosul: organizações da sociedade civil do Brasil e do Paraguai na construção da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011. COSTA, Júlia Jacomini. PIRES, Elson Luciano Silva. A institucionalização da Agricultura Familiar na esfera do Mercosul: avanços e desafios. Disponível em: < http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/Geografiasocioeconomica/Geografiaagricola/16.pdf >. Acesso em 14 AGO 2015. LAISNER, Regina C. et al. A integração social do Mercosul: uma agenda de Políticas Públicas. In: Anais do Fórum Universitario Mercosul. XIV Congresso Internacional Fomerco. De Norte a Sul: por uma integração do continente Sul-americano, Palmas: Fomerco, 2013. _______; FERREIRA, Guilherme A. G. Políticas públicas de desenvolvimento no MERCOSUL: A Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar e o Fundo da Agricultura Familiar. Bahia Análise e Dados, v.24, n.3, p. 587599, 2014. MARIANO, Marcelo Passini. A estrutura institucional do Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 2000. MDA. Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar. Publicação para a XIV REAF, 15 a 18 de Dezembro de 2010, Brasília/DF/Brasil Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA/Brasil), 2010. MERCOSUL. Tratado de Assunção. Assunção, 1991. _______. MERCOSUL/GMC/DEC. N° 01/92. Decisão. Cronograma de Medidas que assegurem o cumprimento dos objetivos do Tratado de Assunção, 1992. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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A capacidade de suporte como metodologia de planejamento para a atividade turística no Pantanal: Brasil e Bolívia Silvana Aparecida Lucato Moretti1 Introdução

O

objetivo deste texto é apresentar a analise da produção cientifica publicada sobre capacidade de suporte associada ao turismo realizada sobre o Pantanal no período de 1970 a 2014. A reflexão aqui apresentada é um dos objetivos do projeto Ciência e Sociedade no

Pantanal: integrando conhecimentos para a sustentabilidade socioambiental, coordenado pelo Centro de Pesquisa do Pantanal. Especificamente, o objetivo da analise esta associada ao Componente 5 “Capacidade de suporte e sustentabilidade do turismo no Pantanal”.2 O projeto tem como objetivo geral: Contribuir para a sustentabilidade sócio-econômico-ecológica da planície pantaneira, buscando a melhoria da qualidade de vida das populações locais, e o Componente 5, especificamente, participa deste objetivo geral ao analisar e propor ações visando qualificar, no sentido socioambiental, a prática turística no Pantanal. Durante o período de maio a novembro de 2014, foram levantadas e catalogadas publicações cientificas que tratam do turismo no Pantanal disponibilizadas na rede mundial de internet e nas bibliotecas das Universidade e Centros de Pesquisas localizadas no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. As obras catalogadas passaram por uma classificação de forma, considerando o local de publicação, o ano de publicação e os temas que abordam. A partir desta primeira classificação formal foram separadas as obras que tratam ou fazem referencia ao estudo da capacidade de suporte. Estas obras especificas foram analisadas e classificadas qualitativamente, considerando a metodologia utilizada e as indicações referente a capacidade de suporte que apresentam. Resultados preliminares das analises foram apresentadas a comunidade cientifica em duas oficinas realizadas uma em Cuiabá e outra em Campo Grande. Durante as oficinas os dados foram debatidos e foram apresentadas sugestões referentes as obras levantadas e aos dados coletados.

Docente da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. Doutora em Geografia. [email protected] A equipe de pesquisadores deste componente é constituida por pesquisadores com diferentes formações e instituições: Silvana Aparecida Lucato Moretti (geógrafa, UEMS); Alavaro Banducci Junior (antropólogo, UFMS); Edvaldo Cesar Moretti (geógrafo, UFGD); Gizelle Prado (geógrafa, Rede Estadual de Ensino do Mato Grosso); Heros Lobo (Turismologo, UFSC); Mara Aline Ribeiro (Geógrafa, UFMS); Jaime Okamura (CPP); Alisson Pereira (Ciências Sociais, UFGD) 1 2

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Levantamento de obras publicadas sobre turismo no Pantanal e relação com capacidade de suporte. O numero de obras levantadas e classificadas na primeira etapa da pesquisa totalizou 198 textos no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, entre livros, trabalhos de conclusão de cursos acadêmicos, relatórios de pesquisas. Os primeiros trabalhos disponibilizados datam do ano de 1978, com o registro de 1 trabalho publicado sobre turismo no Pantanal. Entre o período de 1978 e 1993 foram encontrados um trabalho por ano e a partir de 1995 o numero de publicações aumenta, culminando que nos anos 2000 as publicações são intensificadas e no ano de 2002 onze obras foram identificadas, marcando o inicio de um período de publicações regulares, coincidindo com os investimentos em turismo nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e com a implantação de cursos de graduação em turismo. Entre o ano de 2000 e 2013 foram catalogas 114 trabalhos sobre turismo no Pantanal, uma média de 9 trabalhos por ano, um numero razoável considerando que são obras cientificas, resultados de pesquisas ou comunicações cientificas. Na figura 1, são quantificados os trabalhos identificados por ano e divididos com relação ao local da analise – Pantanal do Mato Grosso, Pantanal do Mato Grosso do Sul e sobre o Pantanal como um todo. Os dados coletados indicam que nos últimos dez anos o Pantanal de Mato Grosso apresentou maior quantidade de publicações, se comparado à Mato Grosso do Sul e as publicações sobre o Pantanal de uma forma geral. Os anos com maior quantidade de publicações sobre o Pantanal de Mato Grosso foram de 2006, 2008 e 2011 e os anos com maior quantidade de publicações sobre o Pantanal de Mato Grosso do Sul foram os de 2000-2001, 2005-2006 e 2011 e, por fim, os anos com maior quantidade de publicações sobre o Pantanal em geral (MS/MT) foram: 2002, 2004 e 2006. Figura 1. Publicações sobre turismo no pantanal, 1978-2013 10 8 6 4 2

1978 1984 1988 1991 1992 1993 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

0

MS

MT

MT/MS

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Foi ainda identificado a modalidade das publicações analisadas, possibilitando aprimorar o perfil das publicações. As modalidades com maior número de publicações sobre turismo no Pantanal encontradas foram os Trabalhos de Conclusão de Curso de graduação, as dissertações, os artigos em revistas cientificas e os livros. Estes dados indicam a importâncias dos cursos de graduação em turismo e mesmo aqueles de áreas a fins, como Geografia, Historia, Ciências Sociais, entre outros, que passam a analisar a pratica turística no Pantanal. Os dados referentes à produção cientifica reforçam que a atividade turística a partir dos anos 2000 passa a ter importância fundamental na produção do lugar Pantanal, com relação a geração de emprego e renda, a economia, a cultura, ao ambiente, entre outros aspectos relevantes da constituição do Pantanal. É possível afirmar que o vertiginoso aumento de publicação de livros sobre turismo no Pantanal nos anos de 2005 e 2007 é resultado da consolidação das pesquisas realizadas no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul sobre o tema. Fato relevante, que aponta para um processo de analise fragmentada do Pantanal, é o fato de que existem mais publicações sobre o Pantanal realizadas para os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul de forma separadas do que as publicações sobre o Pantanal de uma forma integrada. Este indicador aponta para uma leitura fragmentada do lugar Pantanal pela Ciência, indicando a necessidade de refletir e buscar ações para pesquisas integradas. A figura 2 apresenta o recorte temático sobre a Capacidade de Suporte nos trabalhos sobre turismo no Pantanal. Percebeu-se nas leituras dos trabalhos que as publicações de Mato Grosso e sobre o Pantanal em geral, fazem indicações sobre a capacidade de suporte, sem aprofundamento metodológico. É relevante afirmar que as publicações que tratam do Pantanal de uma forma geral, são as que menos abordam a capacidade de suporte. Estes dados podem indicar alguns aspectos que diferenciam e aproximam a produção nos dois Estados brasileiros. No Mato Grosso do Sul é relevante a produção de pesquisa com o foco na Capacidade de Suporte no Planalto da Bodoquena, especificamente, no município de Bonito, permitindo a capacitação de técnicos e pesquisadores nesta temática e ao mesmo tempo possibilitando a valorização desta metodologia em grupos de pesquisas específicos. Quanto ao baixo numero de trabalhos de Capacidade de Suporte quando se trata do Pantanal em geral é necessário apontar para os limites das metodologias empregadas para a efetivação da Capacidade de Suporte. As metodologias adotadas são para áreas pequenas em tamanho e com características impares (por exemplo, cavernas, equipamentos turísticos específicos como hotéis, entre outros). Esta característica metodológica limita a efetivação de propostas de Capacidade de Suporte para o Pantanal como um todo.

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Os anos com maior abordagem da capacidade de suporte nas publicações sobre o Pantanal de Mato Grosso do Sul foram os de 2003, 2005, 2006 e 2011; Os anos em que as publicações menos abordaram a capacidade de suporte foram: 2000, 2001, 2004, 2005 e 2007 Com relação ao Pantanal do Mato Grosso os anos com maior abordagem da capacidade de suporte foram os de 2002, 2005, 2006, 2009. Os anos em que as publicações menos abordaram a capacidade de suporte foram: 2006, 2008 e 2011. Figura 2. Classificação dos trabalhos que tratam de capacidade de suporte no Pantanal - MS/MT

3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0

19781984199219961998200020012002200320042006200920112012 Sim

Não

Apenas faz indicação

Indefinido

A relevância destes números sobre o local e os anos de publicação de trabalhos sobre turismo e a Capacidade de Suporte e/ou ao menos sua indicação como metodologia para a pensar sobre a produção no Pantanal, é a indicação do baixo numero de trabalhos com esta perspectiva metodológica para o planejamento das atividades econômicas e especificamente do turismo no Pantanal. Dos 114 trabalhos identificados para este levantamento que tratam do turismo no Pantanal, apenas 17 apresentam a Capacidade de Suporte como preocupação central e/ou tema do texto, destes 13 são relativos ao Pantanal em sua porção do Mato Grosso do Sul, tendo profunda influencia dos trabalhos realizados no Planalto da Bodoquena. Construindo metodologia de analise com a comunidade local – oficinas de definição do roteiro metodológico Tendo em vista os objetivos do projeto "Ciência e Sociedade no Pantanal", no que diz respeito à sistematização e disponibilização pública de conhecimentos científicos sobre o Pantanal e a produção de XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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conhecimentos para subsidiar marcos regulatórios visando à sustentabilidade socioambiental da região, foi definida, como estratégia de ação do Componente 5 deste projeto, a realização de oficinas destinadas a promover o encontro e o diálogo com setores da sociedade direta ou indiretamente envolvidos com o empreendimento turístico na planície pantaneira, cuja experiência servisse como parâmetro para discutir e propor linhas de ação no que diz respeito à capacidade de suporte e sustentabilidade do turismo no Pantanal. Foram propostas duas oficinas para discussão e consolidação da metodologia proposta, uma no estado de Mato Grosso e outra em Mato Grosso do Sul. A primeira realizou-se no mês de agosto de 2014, na cidade de Cuiabá - MT, na sede do Centro de Pesquisa do Pantanal – CPP - INAU, na Universidade Federal de Mato Grosso. A segunda oficina aconteceu na cidade de Campo Grande - MS, no mês de dezembro de 2014, na sede do SEBRAE - MS. As oficinas visavam a promoção do debate com empresários e trabalhadores do turismo no Pantanal, com pesquisadores, técnicos e agentes públicos, além de representantes das comunidades locais, abordando o tema da capacidade de suporte como ferramenta para a promoção do turismo sustentável no Pantanal. Seus objetivos básicos foram: 1. Promover o encontro e o debate entre e com diferentes setores e agentes envolvidos com o turismo no Pantanal; 2. Discutir a necessidade de se avaliar a capacidade de suporte de atividades turísticas no Pantanal; 3. Levantar parâmetros de definição e regulação de capacidade de suporte de atividades turísticas no Pantanal; 4. Verificar as diferentes perspectivas e demandas em torno do turismo no Pantanal visando obter parâmetros de capacidade de suporte. As oficinas contaram com público diferenciado e amplo. Em Cuiabá - MT, participaram aproximadamente 30 pessoas, sendo empresários; professores universitários; representantes da Secretária Estadual de Turismo MT; representantes de ONGS; do Sistema S, como o Sesc; trabalhadores do turismo e estudantes de cursos de guias de turismo. Em Campo Grande - MS, o público foi mais expressivo, tendo 65 participantes, representantes de diferentes órgãos públicos vinculados ao turismo no estado, como o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e a Fundação Estadual de Turismo; do Sistema S, como o SENAI; representantes do trade turístico; professores universitários de diferentes instituições de ensino superior, tais como UEMS e UFMS; empresários do turismo; guias de turismo; representantes de ONGS ambientalistas e acadêmicos de turismo. A dinâmica dos trabalhos consistiu em reunir os participantes em pequenos grupos de caráter heterogêneo - de tal forma a que cada grupo dispusesse de representantes de distintos campos de atuação e áreas de interesse em relação ao turismo no Pantanal - e em promover o debate sobre o tema proposto

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tendo como parâmetro as experiências pessoais e institucionais e as referências expostas acerca do projeto. As oficinas mostraram-se produtivas no que se refere ao volume de informações e ao conteúdo das reflexões. Com base nelas foi possível estabelecer um panorama do modo como o empreendimento turístico tem se desenvolvido no Pantanal, seus benefícios e os impactos ambientais e sociais que porventura tem promovido. O primeiro aspecto a se evidenciar do debate é que os participantes das oficinas demonstraram ter clareza acerca da complexidade do Pantanal, que apresenta realidades sociais e ambientais muito diversas, mesmo quando referidas a atividades comuns. Uma região atingida pela cheia apresenta uma dinâmica distinta de outra que, no mesmo período, encontra-se em regime de vazante. No caso da pesca, por exemplo, as regulações normativas diferem conforme o estado a que se aplicam. Em relação a essa atividade, foi apontado que o esforço de pesca nos rios pantaneiros, decorrente de práticas abusivas, inclusive decorrentes do turismo, tem levado à redução significativa do estoque pesqueiro da bacia do rio Paraguai, exigindo medidas mais restritivas por parte do poder público. De outro lado, revelou-se a existência de um conflito de interesses entre agências públicas e o mercado. Quando estudos técnicos orientam para a contenção do esforço pesqueiro, pautando políticas de caráter restritivas e de teor conservacionista, o mercado não raro se insurge contra essas medidas, apontando para os seus prejuízos sociais. O contraste de interesses também ocorre em outros contextos como a relação entre proprietários rurais e trabalhadores que atuam na coleta de iscas vivas, sendo que estes últimos costumam ser acusados de invasores de terras, ao adentrarem nas propriedades para praticarem a coleta, bem como são vistos como responsáveis pelo declínio do número de pássaros nas áreas onde atuam, prejudicando o turismo. Evidenciou-se, mediante essas e outras situações apontadas no decorrer das oficinas, que a despeito das singularidades regionais, nos locais onde ocorrem atividades turísticas, a pressão ambiental e social tem se mostrado evidente. Foi mencionada nos depoimentos a dificuldade das agências públicas em promover o monitoramento da ação de turistas e dos empreendimentos turísticos no Pantanal, de tal modo a fazer prevalecer normas e legislações ambientais e trabalhistas relativas a essa e outras áreas de fragilidade ecossistêmica. Os debates permitiram vislumbrar um crescimento da atividade turística em toda a planície pantaneira, com a exploração de diferentes atrativos e a implantação de distintas modalidades de turismo. Essas iniciativas, entretanto, têm ampliado as áreas impactadas por essa atividade. Em Mato Grosso, por exemplo, espaços que até pouco tempo apresentavam baixo índice de visitação, têm se tornado polo de atração turística, como é o caso da Baía de Chacororé, no município de Barra do Garças, que vem sofrendo com a presença e a ação de visitantes com alto poder aquisitivo, que constroem moradias próximas às margens e navegam com barcos e lanchas de motores potentes, interferindo no ecossistema da baía. Em alguns locais da Estrada Transpantaneira a presença crescente do turismo de recreação, que XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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acontece num único dia, tem conflitado com os interesses de pousadas que praticam o turismo contemplativo e cultural. Em relação ao turismo contemplativo foram, do mesmo modo, levantadas críticas em relação a algumas práticas, tal como o avistamento de onças, da forma como vem ocorrendo na área do Parque Estadual “Encontro das Águas”, entre os rios Cuiabá e Piquiri, em Mato Grosso. De acordo com alguns depoimentos, nessa área, que recebe visitas em número crescente de barcos de turismo, estaria acontecendo a ceva de felinos, a fim de torná-los mais dóceis e visíveis aos visitantes, interferindo em seus hábitos. Houve posicionamentos contrários, que afirmaram ser essa visibilizdade decorrente do crescimento no número de animais em função do controle da caça e da matança indiscriminada dos felinos. O turismo de “avistamento” de animais, apresenta perspectivas promissoras para a atividade turística no Pantanal. Esse é o caso da observação de aves, que vem ganhando espaço na região pantaneira de Coxim e Rio Verde, em Mato Grosso do Sul. Reconhecido como atividade de baixo impacto ambiental e grande retorno social, a observação de aves é uma prática que, a julgar por alguns depoimentos tende a se expandir no mercado turístico pantaneiro, requerendo estímulo e controle. O turismo de base comunitária também se faz presente no contexto pantaneiro, sobretudo no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Comunidades tradicionais do rio Paraguai, localizadas na Foz do Rio São Lourenço, na Serra do Amolar e no Porto da Manga, envolvidas com a pesca e a produção de alimentos regionais, já fazem parte de roteiro turístico de base comunitária. A ONG Ecoa - Ecologia e Ação, desenvolve atividades sociais e de desenvolvimento econômico nessas comunidades e tem no turismo um campo para implantação de seus projetos. Assim é que já existe um roteiro proposto para essa atividade, mas que encontra dificuldades para implantar-se em razão do desinteresse de empresários de agências e do poder público, que não investem na promoção e viabilização mercadológica do empreendimento. Desse modo, as oficinas permitiram vislumbrar aspectos e condições em que o turismo é realizado no Pantanal. Existem iniciativas comprometidas com a ideia de sustentabilidade, como é o caso da campanha do "preço justo da isca", defendida por comunidades coletoras pantaneiras em Mato Grosso do Sul, enquanto que há outras completamente alheias às práticas e demandas de conservação. Em todos os casos, os participantes mostraram, a partir de suas experiências pessoais, que as metodologias com base na capacidade de carga tendem a ser um instrumento eficaz para se promover um turismo com perspectiva diferenciada para a região, pautado em parâmetros técnicos e socais. Considerações finais O levantamento das obras publicadas, sua analise e as oficinas com as comunidades permitem apontar para a construção de metodologias participativas para a construção de praticas de planejamento XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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da atividade turística no contexto do Pantanal. Esta conclusão exige pensar a proposta de planejamento para além das técnicas de controle e ordenamento, especificamente o projeto propõe o planejamento como um dos instrumentos de produção da pratica do turismo no Pantanal considerando sua construção coletiva e participativa, no sentido de propiciar que as comunidades envolvidas possam definir e usufruir do turismo como uma pratica social. Considerando a característica do lugar Pantanal, é essencial pensar em formas de construção da natureza e sua relação com as praticas turísticas, essa relação é pensada considerando a unidade entre cultura e natureza, superando a dicotomia e separação pratica e analítica. Neste sentido, a ideia do projeto é produzir metodologia que considere estes princípios e as características do lugar e da pratica turística. A capacidade de carga turística é um procedimento de planejamento e gestão do turismo que vem sendo utilizado, pelo menos há 40 anos para a obtenção de limites de uso turístico em áreas naturais, sobretudo em trilhas, cavernas e áreas protegidas (Cifuentes, 1992; Lobo et al., 2010), restringido suas possibilidades de contribuir com a produção do lugar para as comunidades locais. Neste intervalo, diferentes procedimentos foram desenvolvidos, em função de características ambientais, sociais, administrativas e políticas de cada realidade (Lobo et al., 2010). Dos diversos métodos existentes, destaca-se a iniciativa contemporânea de compreender a capacidade de carga no âmbito do planejamento e ordenamento territorial, a partir de demandas específicas de uso turístico – os cenários de visitação desejados – e de estudos temáticos sobre as características gerais do ambiente, na forma de fragilidades geoespacializadas (Lobo et al., 2013). Neste contexto, permite-se o planejamento participativo como essência para a execução da atividade, envolvendo os principais atores do turismo em cada localidade para se obter um resultado que se encontre dentro de seu contexto e, ao mesmo tempo, considere tanto as demandas de conservação quanto as de desenvolvimento da atividade turística.

Referências CIFUENTES-Arias M. Determinación de capacidad de carga turística en áreas protegidas. CATIE, Turrialba, 1992. LOBO, H. A. S. ; PERINOTTO, J. A. J. ; BOGGIANI, P. C. Tourist carrying capacity in caves: main trends and new methods in Brazil. In: Bella P, Gazik P (eds) International Congress of International Show Caves Association, v6 Slovak Caves Administration, Liptovsky Mikulas, 2010. LOBO H.A.S.; TRAJANO, E.; MARINHO, M. A.; BICHUETTE, M.E.; SCALEANTE, J.A.B.; SCALEANTE O.A.F.; ROCHA, B.N.; LATERZA, F.V. Projection of tourist scenarios onto fragility maps: Framework for determination of provisional tourist carrying capacity in a Brazilian show cave. Tourism Management 35:234-243, 2013.

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O território turístico Pantanal e a produção da natureza na fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bolívia Edvaldo Cesar Moretti1.

A

definição da fronteira do Brasil com o Paraguai e com a Bolívia, especificamente o território denominado no Brasil de Pantanal, foi definido como local para a realização da reflexão aqui proposta. O tema tem como pressuposto as especificidades deste espaço de fronteira

possibilitando reflexões e encaminhamentos fundamentais para pensar a geografia produzida no mundo moderno. De acordo com pesquisadores, como RIBEIRO (2014), a geografia do Pantanal é transformada em tempos recentes em função da valorização da natureza, passa a ter um valor de troca importante no mundo moderno, especificamente no chamado mundo da sustentabilidade: O Pantanal, enquanto uma área valorizada mercadologicamente, é fruto das transformações nas formas de produção. A pecuária modernizada e o turismo geram novas relações entre os seres humanos e destes com a natureza. Esses processos ressignificam o território pantaneiro dando origem a outras geografias no Pantanal. As transformações econômicas, visíveis e invisíveis, pelas quais o Pantanal está passando desde a década de 1970, com a inserção da atividade turística e a modernização da pecuária, reestruturam as relações sociais, culturais e com a natureza, revelando “outras Geografias” com o reordenamento territorial. (RIBEIRO, 2014, p.12)

A produção geral da natureza, que é cultural, enquanto processo promove normatizações sobre os usos, gestão e apropriação dos elementos da natureza no lugar, no caso desta proposta, o Pantanal, um lugar em situação de fronteira entre três países que apresentam historicamente formas e conteúdos diferenciados na relação sociedade natureza. Desta forma é importante considerara a necessidade de leituras diferenciadas do território Pantaneiro, um espaço de fronteira, de limite e de contato. Limites impostos pelas convenções políticas que fragmentam cultura e natureza. Contatos culturais e da natureza que superam e desconstroem os limites, constroem a geografia da fronteira. A prática turística participa da produção deste espaço singular e participa do processo de constituição e consolidação da apropriação e uso privado da natureza conservada e transformada em atratividade. Portanto, a reflexão proposta esta relacionada a reflexão sobre a constituição do mundo da sustentabilidade como um projeto político de fortalecimento da racionalidade econômica. A superação desta racionalidade está articulada com a valorização das práticas produtivas e sociais que compreendam

Docente da Universidade Federal da Grande Dourados. Graduação e Pós-Graduação em Geografia. Pos-Doutor em Geografia. E-mail: [email protected]. Financiado pelo CNPq 1

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a natureza como integrante do processo de construção da sociedade sustentável, que supere a ideia de fronteira como limite, como fragmento. A situação de fronteira apresenta questões singulares no entendimento da produção do espaço centrada na perspectiva geográfica. O olhar sobre a natureza e a atividade turística a ela associada exige a reflexão de aspectos do real, como por exemplo: normas, legislações, identidades e redes. Em texto recente, Mendonça (2011) aponta a necessidade de reflexão sobre a própria origem da implantação do Estado-Nação e de seus limites territoriais: O estabelecimento do Estado-Nação, premissa fundamental da organização da sociedade capitalista moderna, cuja dimensão material se fez tendo por base a delimitação territorial-administrativa do espaço, promoveu o constante e arbitrário recorte das paisagens na superfície do planeta. Essa nova forma de organização social, e de manifestação da riqueza material – fonte de grande parte do poder econômico e político, produziu uma grave ruptura da dinâmica dos processos da natureza, pois que os espaços foram recortados em conformidade com as normas e preceitos sociais e quase nunca em atenção à dimensão natural das unidades de paisagem (MENDONÇA, 2011, p.66).

A ideia de fronteira como limite é superada pela própria dinâmica social. As práticas sociais dos habitantes das zonas de fronteira são responsáveis pela superação da constituição da noção de limite fronteiriço. Em importante artigo, Raffestin ressalta a importância de repensar como o mundo ocidental percebe e entende a fronteira: A reflexão e mais ainda a ausência de reflexão a respeito do significado de fronteira ratificam a falta do regramento nos diversos aspectos do pensamento e da ação. A vontade de eliminar as regras e por consequência os ritos e códigos, é uma formidável manifestação de uma cultura inteira colocada em cheque. [...] A representação que a cultura ocidental faz atualmente da fronteira é de uma pobreza tão absoluta, que precisa ser alertada, pois ela é a negação de toda a história (RAFFESTIN, 2005, p.09-10).

O recorte de paisagens, apontado por Mendonça, promove sem dúvida problemas de ordem socioambiental, construindo uma paisagem fragmentada e ao mesmo tempo delimitada por regras que procuram normatizar as relações entre o que é considerado como diferente. Ou seja, o limite, o recorte, assume acima de tudo um significado social. Mesmo quando consideramos a dinâmica da natureza, o limite é imposto para as pessoas através da linha de fronteira e as pessoas em suas relações superam estes limites. Neste sentido, mais do que limite, fronteira é lugar de contato, de troca, de subversão do mapa, sendo, portanto, o território fronteiriço prenhe de movimento, de ir e vir, de construção de identidades. O Pantanal reconhecido como um lugar singular, participante desta situação de fronteira, é unificado pelas suas características naturais e culturais constituindo uma região e, ao mesmo tempo, é fragmentado por fronteiras internacionais, separado em três países, Brasil e Paraguai, integrantes do Mercosul e mais a Bolívia. A situação de fronteira impõe desafios na perspectiva da conservação, e o

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Mercosul aparece como possibilidade positiva na perspectiva de pensar de forma integrada este ambiente dividido por fronteiras nacionais. Localizado na região Centro-Oeste do Brasil, o Pantanal participa efetivamente do processo histórico de estruturação local, a despeito da de apresentar diferenciação interna quanto a sua evolução econômica, política, social e cultural. A produção capitalista da região pantaneira sempre esteve associada aos elementos da natureza e suas transformações. Primeiramente, a posse portuguesa sobre este fragmento regional foi marcada pela construção de fortificações ao longo dos rios: o rio Paraguai foi transformado na principal via de transporte entre as províncias de São Paulo e Mato Grosso. No início do século XIX, propaga-se a pecuária, que era desenvolvida, a princípio, como atividade de apoio à mineração do ouro desenvolvida na região norte do Pantanal. Durante o século XIX, a pecuária progressivamente tornou-se a atividade econômica mais importante na região, e, em pouco tempo, todo o Pantanal foi ocupado por fazendas de gado, que, a partir do Norte, se expandiram pela planície, alterando radicalmente o modo de vida das populações indígenas habitantes do Pantanal. A estrutura construída com base na criação extensiva de gado para o corte, juntamente com a posição geográfica da cidade de Corumbá, possibilitou a criação de uma rota comercial estruturada a partir da navegação do rio Paraguai. A abertura do rio Paraguai para a navegação comercial, a partir da segunda metade do século XIX, foi um marco histórico importante na estruturação do Pantanal. Em pesquisa publicada em 1984, ALVES mostra a importância da navegação para o crescimento econômico de Corumbá: Pela sua condição de principal porto fluvial da região, Corumbá erigiu-se, nessa fase, no centro nervoso do comércio Mato-Grossense. As embarcações de médio calado, provenientes de Buenos Aires, Montevidéu e Assunção, despejavam mercadorias nos depósitos das casas comerciais corumbaenses, ou suas cargas eram transferidas para embarcações menores, que se dirigiam para o norte da Província, especialmente Cuiabá. Enquanto principal entreposto comercial de Mato Grosso, não é surpreendente que em pouco tempo Corumbá tenha alcançado um grau de desenvolvimento ímpar na região. (ALVES, 1984, p. 22)

As relações sociais e econômicas eram intensas entre os habitantes do Pantanal, o Paraguai, Uruguai e a Argentina, que mantinham negócios mercantis intensos nesta área central da América do Sul2, contribuindo com a construção de um hibrido cultural que caracteriza o lugar até os dias atuais. Em outro momento da história de constituição do Pantanal, o turismo junta-se a pecuária, ao transporte, a mineração e ao comércio, como atividade econômica fundamental a partir do final do século XX.

Para aprofundamento da questão, ver Gilberto Luiz ALVES (1984), que demonstra a mediação realizada pelas empresas argentinas e uruguaias entre a produção de charque e couro no Mato Grosso e o capital financeiro inglês 2

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O processo de produção e consumo do Pantanal possibilitou a permanência, de um ambiente que apresenta, além de um grande valor cênico, uma grande reserva biótica3, o que permite o seu consumo pela atividade turística, tanto para a atividade pesqueira, quanto para o turismo contemplativo da paisagem natural. Nos três países, nessa situação de fronteira, o Pantanal é valorizado diferenciadamente, considerando aspectos normativos de apropriação do território, sócio culturais, e de capacidade financeira para transformação técnica do ambiente para produção do território turístico. O território turístico no Pantanal é gestado e controlado por grandes empresas associadas aos proprietários de terras, que utilizam o turismo como mais uma oportunidade para a apropriação privada da paisagem. O turismo enquanto uma prática social deve ser entendido no contexto geral de consumo e produção da natureza. A natureza e a transformação de seus elementos em valor de troca, através do trabalho, estão inseridas na produção do espaço pelas leis do mercado, seguindo suas especificidades em cada momento históricos e lugar que se apresenta e/ou se instala como participante da reprodução econômica, social e cultural. Objetivamente, o turismo está inserido na “captura” do “tempo livre” do trabalhador, quando o tempo e o espaço para o lazer são mercantilizados. “Na economia global já não há tempo livre, mas a necessidade de empregar, através do deslocamento no espaço, o dinheiro poupado ao tempo do trabalho” (FERRARA, 1996, p. 21). Para chegar às formas que ostenta na atualidade, a atividade turística percorreu um caminho histórico que é apresentado por John Urry no livro O olhar do turista, publicado em 1990 na Inglaterra, e no Brasil em 1996. O autor entende a atividade turística como intrinsecamente ligada à ideia de uma sociedade moderna: Ser turista é uma das características da experiência ‘moderna’. Não ‘viajar’ é como não possuir um carro ou uma bela casa. É algo que confere status, nas sociedades modernas... Se as pessoas não viajarem, elas perdem o status. A viagem é a marca do status. É um elemento crucial, na vida moderna, sentir que a viagem e as férias são necessárias (URRY,1996, p.19-20).

Turismo na modernidade é acompanhado do adjetivo “de massa”, atividade acessível a um número cada vez maior de pessoas, que está de acordo com a ideia da produção industrial em larga escala, pois, além de ser uma forma de produção de mercadorias, é um modo de vida que tem como estrutura básica o consumo.

Não existem dados completos sobre a fauna e flora pantaneira, mas os dados disponíveis demonstram que o Pantanal se apresenta como um dos lugares no planeta onde ocorrem as maiores concentrações de espécies de animais e vegetais. De acordo com BORTOLOTTO: Os diversos cursos d’água e ambientes inundáveis do Pantanal permitem o desenvolvimento de um grande número de espécies de peixes além dos anfíbios, répteis, aves e mamíferos semi-aquáticos e terrestres” De acordo com BRITSKI et al. (1999) ocorrem 263 espécies de peixes no Pantanal. O Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai – PCBAP, (BRASIL, 1997) inventariou 35 espécies de anfíbios, 45 de répteis, 656 de aves e 95 espécies de mamíferos. (1999:12) 3

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Nesta perspectiva de racionalização4, o turismo participa da transformação dos lugares, viabilizando-os para as ações programadas para o lucro. Desta forma, a natureza é apropriada privadamente enquanto patrimônio natural transformada em atrativo turístico. A busca da internalização da natureza na lógica capitalista encontra na atividade turística um campo fértil de atuação, a construção da noção de uma atividade econômica que não destrói elementos da natureza e, acima de tudo, colabora com a conservação ambiental, tendo como pressuposto a noção teórica e ideológica da “harmonia” entre o desenvolvimento econômico capitalista e a proteção ambiental. Conforme aponta Ulate: Es dentro de esta perspectiva teórico-ideológica que pretende combinar capitalismo con protección ambiental (y en cierta medida también com protección social) que se empezaron a estructurar nuevas estrategias de desarrollo relativo, que se han venido etiquetando bajo los títulos de ‘ecodesarrollo’ o ‘desarrollo sostenible’. Tales conceptos constituyen uma combinación de capitalismo com ecologismo, puesto que parten de aceptar al capitalismo como perspectiva histórica, y supoen que, de alguma manera, la lógica central del capital – la maximización de ganancias – puede combinarse, más o menos armónicamente, com variables proteccionistas del medio ambiente. Esta es la hipótesis central del desarrollo sostenible (2006, p. 20).

O turismo apresenta-se como uma atividade econômica capaz de aliar o desenvolvimento capitalista com a preservação de ambientes naturais e culturas, mas no real corre o processo de apropriação do público pelo privado, gerando renda e possibilidades de acúmulo de riqueza para uma pequena parcela da sociedade. Neste sentido, o projeto propõe analisar a produção do território turístico em uma situação de fronteira em um lugar ambientalmente diferenciado, com possibilidades de mercantilização de uma paisagem valorizada internacionalmente no mundo da sustentabilidade. O turismo comunitário, entendido como capaz de participar da emancipação das comunidades locais organizadas, é uma proposta de constituição da prática turística sob o controle destas comunidades, portanto, constitui em uma estratégia de resistência de comunidades. O controle e a gestão da atividade na perspectiva comunitária é realizada pelas comunidades que vivenciam e participaram da atratividade, ou seja, se apropriam das condições por eles produzidas e valorizadas pelo mercado turístico. A associação entre atratividade, apropriação privada da natureza e as possibilidades de socialização do trabalho e renda para quem produz o lugar, constitui uma possibilidade de indicação de sinais de formas diferenciadas de produção do território turístico na perspectiva da construção da sociedade sustentável. A situação possibilita um campo de análise que permite a pesquisa contribuir para a reflexão com temáticas centrais para o entendimento do real no tempo presente, pensar sobre a produção do espaço

Neste caso, a ideia de racionalização de um determinado local pela atividade turística é entendida como a noção de racionalidade construída pela sociedade capitalista urbana, tendo seus princípios norteados pela matemática – exata e quantitativa – e pela ordem mecânica. Esta ideia de exploração racional é vinculada à economia, e sua efetivação é medida pela quantificação de seus ganhos econômicos. 4

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em um mundo em construção a partir da chamada crise ambiental, o mundo da sustentabilidade. Especificamente, a área definida para a pesquisa, de fronteira entre três países, implica em ampliar o olhar sobre limites e contatos entre grupos sociais, com regras e normas de apropriação, gestão e usos dos recursos diferenciados. Esta complexidade analítica cria desafios teóricos metodológicos para o entendimento de questões fundamentais para a ciência geográfica, unindo temas como fronteira, natureza e o turismo com prática social. O Mercosul é entendido como capaz de promover a leitura do Pantanal, sua apropriação e usos, de forma integrada enquanto bioma, e ao mesmo tempo, permite a realização de ações conjuntas entre os países para consolidação de formas alternativas e de resistência no processo de produção da natureza, respeitando os anseios das comunidades locais e as necessidades de inserção no mundo.

Referências ALVES, G.L. Mato Grosso e a História: 1870-1920 - Ensaio sobre a transição do domínio da casa comercial para hegemonia do capital financeiro, Boletim Paulista de Geografia, SãoPaulo:A.G.B., n° 61, p. 5 - 82, 1985. BORTOLOTTO, I. M. Educação e uso de recursos naturais: um estudo na comunidade de Albuquerque, Corumbá. Mato Grosso do Sul. Pantanal. Cuiabá: Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, 1999. (Dissertação de mestrado) BORTOLOTTO, I.M.; LUCATO MORETTI, S.A. e BEZERRA M.A.O. de. O Projeto Hidrovia ParaguaiParaná, Cadernos de Extensão, Campo Grande: UFMS, ano 1, nº 2, novembro de 1995. FERRARA, L. D’A. O turismo dos deslocamentos virtuais. In: YÁZIGI, E., CARLOS, A. F .A. e CRUZ, R. de C. A. da (orgs.). Turismo: espaço, paisagem e cultura. São Paulo: Hucitec, 1996. MENDONÇA, F. Território e paisagem: uma articulação moderna conflituosa. In: FRAGA, N. C. (org.). Territórios e fronteiras: (re)arranjos e perspectivas. Florianopolis: Editora Insular, 2011. RIBERIO, M.A. Entre os ciclos de cheia e vazante a gente do Pantanal produz e revela geografias. Campinas: UNICAMP. Programa de pós graduação em Geografia. 2014. (tese de Doutorado). ULATE, A. C. Nuevos ejes de acumulación y natureleza: el caso del turismo. Buenos Aires, Argentina: Clacso, 2006. URRY, J. O olhar do turista. São Paulo: Studio Nobel/Sesc, 1996.

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Uso e ocupação das terras de Bonito-MS: turismo, agricultura e preservação ambiental na Serra da Bodoquena Ângelo Franco do N. Ribeiro1

Introdução

E

ste artigo é parte integrante da tese em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados, que pretende avaliar a expansão de áreas de cultivo de soja e milho no município de Bonito, Mato Grosso do Sul.

Especificamente neste ensaio optou-se na apresentação dos dados comparativos utilizados como

base para esta pesquisa, de maneira simplificada as informações dos Censos Agropecuários do IBGE desde a década de 1960, bem como os mapas de uso da terra das décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010. Primeiramente será apresentada a localização do município de Bonito-MS e as características básicas e os dados do IBGE que deram base para o início desta pesquisa e aos questionamentos que ainda estamos trabalhando e buscando entendimento e se configura como o próximo passo da tese. Localização e características do município de Bonito-MS O município de Bonito possui uma extensão de 4.934,414 km² está localizado no Planalto da Bodoquena limitado a oeste pelo município de Porto Murtinho tendo o Pantanal como vizinho nesta direção ao norte Bodoquena e Miranda, a leste os municípios de Anástacio e Guia Lopes da Laguna e ao sul Jardim (Figura 1). De acordo com estimativa do IBGE para 2014 a população é de 20.8252. Bonito tem em seu histórico de formação o desmembramento do município de Miranda no ano de 1948. Conforme BONITO, (2014): O núcleo habitacional que se transformaria na sede do Município de Bonito, iniciou-se em terras da Fazenda Rincão Bonito, que possuía uma área de 10 léguas e meia e foi adquirida do Sr. Euzébio pelo Capitão Luiz da Costa Leite Falcão, que aí se aportara em 1869, e é considerado o desbravador de Bonito, tendo sido também seu primeiro escrivão e tabelião. A Lei Estadual nº 693, de 11 de junho de 1915, cria inicialmente o Distrito de Paz de Bonito, com área desmembrada do Município de Miranda e a este subordinado administrativamente. Foi fundada em 1927 e com a criação do território Federal de Ponta Porã, pelo Decreto-Lei nº 5.839, de 21 de setembro de 1943, é lhe anexado como Distrito de Paz de Miranda. Por força do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, é reintegrado ao estado de Mato Grosso, na mesma situação de Distrito pertencente ao Município de Miranda. Finalmente a Lei Estadual nº 145, de 2 de outubro de 1948, eleva-o a categoria de Município, tendo por sede a cidade de Bonito.

Figura 1 – Mapa de localização do município de Bonito-MS.

Doutorando em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, Dourados-MS, Brasil. [email protected] 2 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais. 1

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Os municípios do Mato Grosso do Sul têm em seu histórico econômico o binômio Agricultura/Pecuária como as principais atividades, mas Bonito sempre teve como principal atividade econômica a pecuária e algumas lavouras que não chegavam a ser algo que despertavam atenção, tanto que o município contava com apenas 1 secador de grãos. Outra atividade econômica que se tornou importante, sobretudo em meados da década de 1990, foi o turismo e todos os serviços relacionados à esta atividade3. Para tentar entender as atividades que predominam na economia do município de Bonito buscamos apoio nos dados dos Censos Agropecuários de 1960, 1970, 1975, 1985, 1995 e 2006, para conseguimos ter um panorama das principais culturas e produção no período estipulado para a análise. O período compreendido para este trabalho foi estipulado entre as décadas de 1980, 1990, 2000 e atual, mas optamos por mostrar os dados dos censos desde a década de 1960 para exemplificar o período onde as lavouras passam a exercer um papel mais representativo em área no município. A criação de gado sempre foi significativa no município inicialmente em um predomínio de pastagem natural que na década de 1960 era de aproximadamente 250.000 ha contra pouco mais de

3

Sobre a atividade turística falaremos em outra publicação.

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15.000 ha de pastagem plantada para um rebanho de pouco mais de 57.000 cabeças. De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 2006 este cenário teve uma considerável mudança, pois no quesito pastagem houve uma inversão, as pastagens naturais somam pouco mais de 26.500 ha contra uma área de mais de 292.500 ha de pastagem plantada e um rebanho de mais de 340.000 cabeças de gado. Em relação às lavouras pode ser destacado que a grande preocupação da atualidade que é o plantio de grandes extensões de soja aparece no município em meados da década de 1980 com pouco mais de 4.500 ha e uma produção de pouco mais de 7.500 toneladas e tem um crescimento contínuo até início da década de 1990 com uma área plantada de aproximadamente 20.000 ha4 e depois entra em declínio até o ano de 2002 quando apresenta área de 7500 ha e novamente começa aumentar a área novamente e no ano de 2013 foi registrado uma área de 29.000 ha5. Semelhante o plantio de milho também teve esta oscilação de área como a soja, mas com uma pequena diferença que o milho aparece desde a década de 1960 nos levantamentos. Outra cultura que aparece de maneira considerável na década de 1970 é o café que chega a 100 toneladas de produção, mas em meados de 1980 perde área e na década de 1990 desaparece das estatísticas, assim também o arroz que apresenta índices elevados de produção na década de 1980 e início de 1990 e depois não aparece mais nos dados. Vale considerar que os levantamentos efetuados pelo IBGE apresentam uma melhora significativa nos dados, mas uma perda no período de levantamentos até o início dos anos 2000, quando os dados passam a ser fornecidos anualmente através do site. Além do IBGE atualmente é mais acessível os dados de produção e lavouras, pois vários órgãos divulgam os dados e alguns inclusive com a localização das lavouras, como é o caso do SIGA-WEB – Sistema Informação Geográfica do Agronegócio - MS6 que oferece informações detalhadas das safras desde 2009 sobre diversas culturas. Além disso a qualidade das imagens de satélites gratuitas tem melhorado muito em relação aos dados e tempo de revisita, permitindo mapeamentos temporais com mais precisão e detalhamento. É claro que a utilização das imagens de satélite não dispensa a visita a área para checar os dados, ou no caso de análises envolvendo imagens mais antigas a busca de material de apoio para validar as informações encontradas. Com a finalidade de apresentar várias possibilidades de pesquisa apresentaremos a seguir alguns dados da área retirados de fontes diversas que permitem uma avaliação esta oscilação na área de plantio de soja/milho no município de Bonito.

Banco de Dados Séries Estatísticas & Séries Históricas: Disponível em http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/ - Acesso em 20/01/2015. 5 IBGE, (2014). 6O Sistema de Informação Geográfica do Agronegócio (SIGA) em sua versão Web oferece aos seus usuários acesso a diversas informações relacionadas as safras agrícolas do Mato Grosso do Sul, bem como a um acervo de documentos e boletins técnicos publicados. Disponível em http://www.sigaweb.org/ms/sistema/apresentacao .php - Acesso em 31/01/2015. 4

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 131 Tabela 1 - Dados referente a área plantada de soja/milho e pastagem nos Censos Agropecuários de 1960 a 2006 1960 1970 1975 1980 1985 1995 2006 Área (ha)

Área (ha)

Área (ha)

Área (ha)

Área (ha)

Área (ha)

Área (ha)

372

1.143

1.321

2.216

4.634

6.482

4.200

-

-

-

4.592

14.911

6.499

12.000

Pastagem natural

263.718

184.355

189.018

173.002

106.883

52.957

26.750

Pastagem plantada

15.344

43.069

68.164

164.207

201.812

271.496

292.679

Milho Soja

Fonte: IBGE, (1967); IBGE, (1967); IBGE, (1975); IBGE, (1979); IBGE, (1983); IBGE, (1985); IBGE, (1997); IBGE, (2006); Org: RIBEIRO, 2015.

Acompanhando estes dados apresentados na Tabela 1 temos os gráficos (Figuras 2 e 3) que nos mostram os índices de produção de soja/milho e quantidade de cabeças de gado no mesmo período. Foi necessário dividir os dados de soja/milho da quantidade de cabeças de gado, pois a quantidade do segundo era muito elevada e mascarava os números dos primeiros. Figura 1 – Produção de soja e milho no período de 1960 a 2006. 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 Milho

0 1960

1970

1975

1980

1985

1995

Soja 2006

Fonte: IBGE, (1967); IBGE, (1967); IBGE, (1975); IBGE, (1979); IBGE, (1983); IBGE, (1985); IBGE, (1997); IBGE, (2006);

Se analisarmos o gráfico, os dados de área ocupada refletem o mesmo que o gráfico, pois no caso da soja a produção segue um aumento contínuo e em 1995 despenca bruscamente, logo no levantamento de 2006 volta ao patamar anterior de alta produção e tende nos dias atuais a ser ainda mais relevantes, pois na safra 2013-14 teve uma área de mais de 30.000 ha plantada com soja, segundo dados do SIGAMS7. Devemos considerar que se no caso das lavouras houve um período de declínio de área plantada e de produção, no caso da pecuária o que ocorreu foi a inversão de pastagem natura para plantada em termos de área, mas se somadas as duas variedades temos um aumento de área de aproximadamente 40.000 ha, o que representa cerca de 10% da área do município, se considerarmos a área total de pastagem

7

http://www.sigaweb.org/ms/sistema/consulta.php - Acesso em 01/02/2015.

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de Bonito no ano de 2006 que é de aproximadamente 320.000 ha corresponde mais de 60% da área do município.

Figura 3 – Quantidades de cabeças de gado no período de 1960 a 2006. 400.000 350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 Cabeças de gado 50.000 0 1960

1970

1975

1980

1985

1995

2006

Fonte: IBGE, (1967); IBGE, (1967); IBGE, (1975); IBGE, (1979); IBGE, (1983); IBGE, (1985); IBGE, (1997); IBGE, (2006); Org: RIBEIRO, 2015.

Se considerarmos a questão financeira, a produção agropecuária é significativa para o município, sendo a segunda em termos de valor correspondendo a cerca de 28% no Produto Interno Bruto-PIB, perdendo apenas para o setor de serviços que representou pouco mais de 53% do valor total no ano de 2012 segundo dados do IBGE8. Para a pesquisa a representação da participação da atividade agropecuária no PIB é significativa, pois a ideia é primeiramente entender esta oscilação na década de 1990 na área plantada, que corresponde ao período que o turismo passou a se destacar no município, o que poderia levar a suposição de inversão de atividades, mas alguns moradores do município descartam esta possibilidade, o que faz sentido pelo fato do turismo ser uma atividade consolidada no município e a agricultura voltar a ocupar grandes áreas de terras. Com a intenção de entender este processo e avaliar os efeitos do aumento das áreas de cultivo no município, sobretudo para atividade turística, e para os moradores na zona rural em pequenas propriedades e assentamentos optamos por mapear as áreas de lavoura, a altimetria, declividade e solos a fim de identificar se existe algum padrão de localização destas lavouras e as possíveis áreas de expansão. Vale ressaltar que o mapeamento de localização através de imagens de satélite pode não ser de precisão elevada, isso porque a resolução das imagens utilizadas é de 30m e optamos por períodos onde a soja esta bem definida, que é dezembro e janeiro e no casso do ano de 1987 foi necessário utilizar de março pelo fato de não ter uma imagem de qualidade no período para os meses desejados. http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=500220&idtema=134&search=mato-grosso-dosul|bonito|produto-interno-bruto-dos-municipios-2012 – Acesso em 01/02/2015. 8

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Apresentaremos a seguir os mapas de uso da terra dos anos 1987, 1992, 2004 e 20139, correspondendo 4 décadas para uma análise mais ampla da localização e comportamento do uso da terra e posteriormente discutiremos os resultados e quantificações das classes apresentadas. Vale lembrar que este trabalho busca apenas apresentar alguns dados preliminares obtidos com mapeamentos com auxílio de imagens de satélite e dados fornecidos por fontes oficiais, e que a partir destes e de levantamentos a campo, com entrevistas com os atores envolvidos teremos condições de fazer análises mais seguras e se possível propor alguns temas para aprofundamento pelos órgãos responsáveis. Figura 2 – Mapa de uso e ocupação do solo do município de Bonito-MS no ano de 1987.

No desenvolvimento do trabalho iremos utilizar a imagem de 2015, fato que não foi possível neste momento pela qualidade das imagens fornecidas neste período. 9

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 134 Figura 3 - Mapa de uso e ocupação do solo do município de Bonito-MS no ano de 1992.

Figura 4 - Mapa de uso e ocupação do solo do município de Bonito-MS no ano de 2004.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 135 Figura 5 - Mapa de uso e ocupação do solo do município de Bonito-MS no ano de 2013.

A apresentação destes mapas de maneira geral ilustram 4 décadas do uso da terra no município de Bonito e nos permite analisar um padrão de localização das lavouras e sua evolução sempre margeando o corpo principal da Serra da Bodoquena e como nos dados do IBGE a oscilação na área de plantio se deu na década de 1990, coincidindo com o período quando a atividade turística teve grande desenvolvimento, mas segundo informações levantadas este fato não foi determinante para diminuição das áreas de lavoura e sim políticas econômicas que fizeram desta atividade econômica menos lucrativa que as demais. Tabela 2 – Quantitativo de área das classes de uso do solo em Bonito no período de 1987 a 2013. 1987

1992

2004

2013

Agricultura

Classe

12.116,97

10.077,48

9.883,26

26.362,80

Pastagem

98.773,65

152.549,28

132.735,90

259.159,41

Solo

100.338,30

71.846,19

58.636,44

27.411,47

Água

1.594,89

5.746,32

1.497,51

1.848,69

Mata

103.926,96

164.012,58

154.446,12

130.302,27

Campo Sujo

176.600,34

89.262,90

136.217,34

48.314,43

Fonte: Mapas de uso e ocupação da terra de 1987, 1992, 2004 e 2013.

Em termos de área algumas classes são significativas, como é o caso da pastagem, que no ano de 2013 representa um quantitativo superior a 50% da área do município como nos mostra o gráfico abaixo. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Figura 6 – Gráfico do percentual das classes em relação a área do município. 60 50 40 30 20 10 0 1987 Agricultura

1992 Pastagem

2004 Solo

Água

2013 Mata

Campo Sujo

Algo que fica claro nos mapas de uso da terra e nas porcentagens de participação de cada classe na área do município e a diminuição das áreas correspondentes as matas, pois se considerarmos que as classes Campo sujo como um tipo de mata menos densa, ou áreas de pastagem natural que possui vegetação abundante, no ano de 198710 se considerado Mata e Campo sujo tínhamos cerca de 280.000 ha e no ano de 2013 essa área cai para pouco mais de 178.000 ha, fato que nem precisaríamos dos números, apenas observando os mapa isso fica evidente. Outro fato interessante a ser observado é que o único fragmento de mata contínuo é a área do PNSB, mesmo o Parque sendo criado no ano de 2000 esta faixa de vegetação se permaneceu razoavelmente conservada percebe-se em alguns pontos tentativas de desmatamentos, mas com a criação do Parque esta área fica preservada e os locais onde foram desmatadas tendem a ser reflorestadas. Considerações Finais Como mencionado anteriormente a localização das lavouras desde a década de 1980 permanecem nas mesmas localidades, com um eixo de expansão sempre margeando a serra no fragmento sul do PNSB, com o intuito de entender o que possui de atração nesta área, para que as lavouras estejam concentradas formando um “corredor” no entorno do Parque buscaremos mais detalhes no decorrer da tese. Com estas informações apresentadas podemos avaliar que independente da “vocação” do ambiente a atividade que será desenvolvida passa em primeiro lugar pelo fator econômico, e isto fica evidente na década de 1990 quando a agricultura passa a ser menos interessante que a pecuária, por exemplo. 10

Visualmente este mapa aparenta ter menos mata que os demais, mas isso está relacionado a qualidade da imagem.

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É evidente que o poder público não pode proibir determinada atividade de se instalar no município, mas criar regras para que não entre conflito com as demais atividades e respeitar o ambiente, lembrando que as formações existentes ali são extremante importante e frágil. Outras atividades que possuíram importância na formação do espaço bonitense foram a extração de madeiras e as serrarias, que devido ao endurecimento das leis ambientais desapareceram e a mineração de mármore e calcário. Por fim vale lembrar que Bonito é um dos principais destinos turísticos do Brasil e seus atrativos apresentam uma grande exploração de recursos hídricos, que em épocas de chuva apresentam turvamento das águas a ponto de fechar atrativos, fatos que ultimamente tem ocorrido com mais frequência. Os setores ligados ao turismo e ambientalistas apontam a agricultura como responsáveis e por sua vez os agricultores negam. E agora, de quem será a culpa?

Referências BONITO. Prefeitura Municipal de Bonito - MS. Disponível em: http://www.bonito.ms.gov.br . Acesso em: novembro 2014. IBGE. Censo Agrícola de 1960. Serviço Nacional de Recenseamento: Vol. II Tomo XIV: Rio de Janeiro, 1967. _____. Censo Agropecuário de 1970. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Vol. III Tomo XXII, Rio de Janeiro 1975. _____. Censo Agropecuário de 1975. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Vol. I Tomo XXI, Rio de Janeiro 1979. _____. Censo Agropecuário de 1980. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Vol. II Tomo III Número 23, Rio de Janeiro 1983. _____. Censo Agropecuário de 1985. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Número 25, Rio de Janeiro 1985. _____. Censo Agropecuário de 1995. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Número 23, Rio de Janeiro 1997. _____. Censo Agropecuário de 2006. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Rio de Janeiro, p.1-777, 2006. _____. Produção Agrícola Municipal 2013. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. NASA Landsat Program, 1987, Landsat TM scene LT5226074; LT5226075, LPGS_12.5.0, USGS, Glovis, 15/01/2015. _____, 1992, Landsat TM scene LT5226074; LT5226075, LPGS_12.5.0, USGS, Glovis, 15/01/2015. _____, 2004, Landsat TM scene LT5226074; LT5226075, LPGS_12.5.0, USGS, Glovis, 15/01/2015. _____, 2013, Landsat OLI scene LC8226074; LC8226075, LPGS_12.5.0, USGS, Glovis, 01/02/2015.

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O valor da terra e a reprodução das desigualdades sociais e regionais no Brasil – Modernização e planejamento estatal no século XXI Rangel Lima Garcia1 Introdução

H

á no Brasil, uma atitude planejada e dirigida à acumulação de rendimentos monetários por parte de uma classe proprietária de terras e outros ativos, que se faz dominante no poder, em detrimento de milhões de pessoas que (sobre)vivem a partir da venda de sua “força de

trabalho” ao mercado. O capitalismo no Brasil se realiza por meio de relações institucionais e civis que acabam por reproduzir, a exploração do trabalho, a expropriação da terra e dos meios de produção, a violência e a elevação do “custo de vida”. Este fato não é novo, e agora, se mantém com um agravante: o Brasil é capaz de planejar o seu próprio projeto de país-nação. O planejamento estatal estratégico do século XXI é bem claro neste sentido e já esboçou a obra que pretende construir. Neste trabalho se destaca o processo de “modernização” que se realiza em território nacional, o qual é parte estruturante do atual projeto estatal de país, bem como de um movimento de conjunto que configura o arranjo espacial brasileiro neste início de século. Além disso, mantém a operação desse processo sob o controle de um bloco de poder dominante, incapaz de alterar o quadro da estrutura fundiária, onde a concentração de terras, a expropriação e a exploração do trabalho se mantém como espinha dorsal. Desse caráter interno emerge o problema externo. O “imperialismo” se espraia e transcende os limites territoriais das nações, buscando estrategicamente reforçar uma rede de lugares, escolhida segundo a lógica da economia de mercado e o planejamento desenhado pelo Estado Nacional (MOREIRA, 1985). Os países parceiros e principalmente os de território contíguo ao do Brasil tendem a enfrentar um movimento imperialista ainda mais forte em suas economias e territórios. O apelo e o lobby, dirigidos à integração territorial Sulamericana, por meio de estruturas de transporte, energia e logística destinados à circulação, sobretudo de grãos e minérios, promovidos tanto pelo capital estrangeiro quanto por aportes de capital nacional, reproduzem o atual projeto de Brasil à escala do continente. Reproduzindo, então, o arranjo espacial cuja marca principal é o monopólio do capital e o aguçamento das desigualdades sociais, econômicas e ambientais que tal modelo exige. O objetivo principal deste artigo é demonstrar que as desigualdades em relação ao acesso aos meios de produção persistem e se agravam, diante das novas estratégias de desenvolvimento, explicitamente dirigidas a “superar as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 2008).

Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Mestre em Geografia pela PUC-SP; Membro do Grupo de Pesquisa Território e Ambiente (GTA-LAPET) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: [email protected] 1

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O valor, a modernização e o mercado de terras no Brasil O valor da terra no Brasil, no período pós década de 1960, se insere em um ciclo novo, mas sem alterar o quadro de desigualdade, violência, exploração e expropriação o qual submete o trabalhador do campo. É quando a contradição, inerente ao modo de produção capitalista, ganha ainda mais destaque nas paisagens do arranjo espacial brasileiro no campo e na cidade. O lançamento do Estatuto da Terra (1964), e a prática de “políticas explícitas de fomento agrícola” (DELGADO, 1985), sobretudo na forma de crédito à produção de larga escala, realizada principalmente nos “latifúndios” (MOREIRA, 2012, p. 185), promove a exploração do trabalho e a expropriação da terra, colocando a fronteira agrícola em movimento de avanço. Trata-se do que Martins (1991) identifica como “processo combinado”, onde a expropriação da terra e a exploração do trabalho são as duas faces do papel em que se inscreve a história dos trabalhadores do campo no Brasil. Segundo ele, as grandes empresas capitalistas “começam a vislumbrar grandes negócios na propriedade da terra”, fazendo com que Uma parte significativa desses lavradores tem se dirigido para as grandes cidades, à procura de uma oportunidade de trabalho, indo engrossar a massa marginalizada que vive em condições subumanas nas favelas, invasões e alagados. Outra parte entra sertão adentro à procura de terras desocupadas, longe das grandes empresas, onde possa fazer sua roça, como tem acontecido com os posseiros. (MARTINS, 1991, p. 47).

Em período semelhante ao da análise de Martins, Ruy Moreira (2012) nos mostra dados referentes à população urbana e à população rural no Brasil. Observa que, de 1960 a 1980, há diminuição relativa da população rural em relação à população urbana. Em 1960, a população rural corresponde a 55% da população total do país. Em 1970 esse número cai para 44% e, em 1980, para 32%. No entanto, em números absolutos, a população rural no período permanece em torno dos 38,5 milhões. Após a apresentação desses dados, Moreira (2012) arremata que [...] no Brasil ocorre um processo de aumento da população das cidades que não é acompanhado do decréscimo da população do campo. Isto a despeito de um ritmo crescentemente acelerado de êxodo rural que urbaniza o país sem que este rigorosamente se desruralize. É o que alimenta a fronteira em movimento. E o que a fronteira em movimento alimenta (MOREIRA, 2012, p. 188).

No decorrer de seu trabalho, José de Souza Martins (1991) reforça o caráter da expropriação, ou seja, o processo pelo qual o trabalhador “perde a propriedade dos seus instrumentos de trabalho (1991, p. 51). O autor aponta a “modernização” como prática, e tendência cada vez mais voraz, dessa expropriação, e também da exploração da classe trabalhadora. Sem o ferramental necessário, e sem a terra para produzir, o trabalhador passa a dispor a sua “força de trabalho” ao mercado, vendendo-a por um preço determinado pela lógica do próprio mercado. O ininterrupto processo de expropriação aumenta a massa de trabalhadores disponíveis e, portanto, da oferta de “força de trabalho” para a atender o mercado no campo e na cidade. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Martins (1991) afirma que “a propriedade familiar [...] é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem trabalha. Não é propriedade capitalista, é propriedade do trabalhador”, é “terra de trabalho”. A “propriedade capitalista”, segundo o autor, “é propriedade que tem por função assegurar ao capital o direito de explorar o trabalho; [...] é fundamentalmente instrumento de exploração”. Apesar do aspecto comum da exclusividade, a “propriedade capitalista” da terra distingue-se da “propriedade familiar”, pois se transforma em “terra de negócio”, em “terra de exploração do trabalho alheio” (MARTINS, 1991, p. 55). O trabalho de Guilherme Costa Delgado (1985, Capítulo 3) nos esclarece que o principal mecanismo de articulação entre Estado e os interesses agroindustriais do período entre 1965 e 1985 está ligado à política de financiamento rural, entre elas o crédito por finalidade a taxas reais negativas, além de outras condições favoráveis de financiamento como prazos e carências. É por meio de tal “política expansionista” que cresce a demanda por insumos modernos, aspecto gerador de Complexos Agroindustriais, bem como a demanda por redes de logística e energia, e o todo que então vai permitir a “modernização conservadora” do e no território nacional. No decorrer do texto, o autor detalha as cifras e os destinos dessa “política de financiamento rural” (DELGADO, 1985, pp. 79-90). A atuação do Estado se sobressai através do fomento de suas próprias agências de geração e difusão de tecnologias voltadas à montante e à jusante da produção agrícola. A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em 1973, caracteriza a ação estratégica estatal via investimento dirigido a “organizar em escala nacional o seu sistema de pesquisa agropecuária” (DELGADO, 1985, p. 91). Tal empresa nacional estatal está sob orientação dos centros de pesquisa internacionais, e impõe novas técnicas e tecnologias relacionadas às empresas de insumos e tratores que se instalam no Brasil. Assim, liga os processos produtivos a se desenvolver internamente com os processos produtivos globalizantes já em plena realização por parte das grandes empresas multinacionais (DELGADO, 1985, pp. 91-97). A partir daí o autor lança-se aos apontamentos referentes à “política fundiária brasileira”, cujo marco legal se dá com o lançamento do Estatuto da Terra, em 1964 (DELGADO, 1985, p. 98). A descrição das principais características e dos principais resultados de tal política prosseguem no decorrer de seu texto, indicando que os investimentos e realizações do Estado Nacional foram dirigidos aos grandes projetos empresariais, reforçando o caráter monopolista da estrutura agrária brasileira. As vantagens a tais “proprietários capitalistas” vinham na forma de concessão de benefícios fiscais, crédito bancário, e até mesmo na escolha da localização dos investimentos em obras de irrigação, transmissão de energia e abertura de estradas. Contudo, Guilherme Costa Delgado (1985) deságua sua análise no que nos interessa: Observa-se que toda essa gama de benefícios diretos ou indiretos à propriedade fundiária, que supostamente se inscrevem nos ditames da ‘política de desenvolvimento rural’, é, na verdade, um enorme reforço ao movimento de valorização da propriedade territorial, que de resto está presente endogenamente no processo de desenvolvimento capitalista. [...]. (DELGADO, 1985, p. 104).

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Segundo o autor, este processo “é reflexo do movimento de concentração e centralização do capital no mercado de terras, processo que se desenvolve sob as benesses e o apoio da política fundiária do Estado” (DELGADO, 1985, p. 105). Afirma também que [...] o grande fator de mobilização de capitais industriais, comerciais e bancários para o mercado de terras está largamente associado à transformação desse mercado em ramo especial do sistema financeiro. O ativo título de propriedade de terras passa em grande medida a ser procurado como reserva de valor na carteira de ativos das empresas, além de ser um meio para o acesso ao crédito subsidiado no mercado monetário. (DELGADO, 1985, p. 106).

Contudo, o processo se apresenta de modo diferente na vida do pequeno produtor. Vincular-se à terra e fazer dela o seu meio de vida, de subsistência, e de geração de renda, diante desse avassalador mercado, é simultaneamente inserir-se num mundo onde predomina a exploração do trabalho, a qual o coloca a caminho da pauperização e da expropriação, tanto dele quanto de sua família, comunidade ou grupo social. Este pequeno produtor, e os demais trabalhadores do campo e da cidade, vendem sua “força de trabalho” no mercado, e assim constituem uma classe social não proprietária. Esta classe assiste a um jogo de disputas, acirrado internamente, e desmedido quando em relação à classe proprietária. Este é o resultado mais comum apontado nas pesquisas e nos trabalhos dos estudiosos da economia e da dinâmica social do campo no Brasil, uma marca secular e profunda do processo de formação econômico-social do Brasil que vivemos. Há outras publicações dedicadas à análise pormenorizada do mercado de terras no Brasil, atentando para os desdobramentos que assolam o país. Entre elas, destaca-se a de Bastiaan P. Reydon e Pedro Ramos (1996), a qual corrobora, em grande sintonia, com o que por hora se expõe. A partir dos resultados do Censo Agropecuário de 1975, José de Souza Martins (1991) nos mostra que “52,3% dos estabelecimentos rurais do país têm menos de 10 hectares e ocupam tão somente a escassa área de 2,8% de toda a terra utilizada. Em contrapartida, 0,8% dos estabelecimentos têm mais de mil hectares e ocupam 42,6% da área total” (MARTINS, 1991, p. 43). Revelando dados do Censo de 1980, Ruy Moreira revela o mesmo aspecto da concentração de terras (MOREIRA, 2012, p. 182). Consultando os dados do último Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2012) e os comparando com os apontados por Martins (1991) e Moreira (2012), pode-se constatar que o quadro de concentração de terras no Brasil se mantém praticamente inalterado neste século XXI. Vale também frisar que, segundo o último Censo, a área total das terras utilizadas em 1980 (364.854.421 hectares) é superior ao registrado em 2006 (333.680.037 hectares). Segundo o Censo 2006, esse fato é resultado das ações de demarcação e formação dos territórios indígenas e quilombolas, delimitação de Áreas de Proteção Ambiental, de Reservas Naturais e de Unidades de Conservação. Com o fim de ser mais didático, segue um breve quadro (FIGURA 1) dos dados referentes à concentração de terras no Brasil:

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Figura 1 – Quadro de dados referentes à concentração de terras no Brasil DADOS REFERENTES À CONCENTRAÇÃO DE TERRAS NO BRASIL Estabelecimentos com menos de 10 ha Estabelecimentos com menos de 100 ha Estabelecimentos com mais de 1000 ha

Fonte: MARTINS 1991 52,3% dos 2,8% de toda a estabelecimentos terra utilizada rurais Fonte: MOREIRA 2012 89,6% dos Menos de 20% estabelecimentos de toda a terra rurais utilizada Fonte: MARTINS 1991 e MOREIRA 2012, respectivamente 0,8 e menos de 42,6% e 45% 1% dos de toda a terra estabelecimentos utilizada rurais

Fonte: Censo Agropecuário 2006 IBGE 47,8% dos 2,3% de toda a estabelecimentos terra utilizada rurais Fonte: Censo Agropecuário 2006 IBGE 85,9% dos 21,2% de toda estabelecimentos a terra utilizada rurais Fonte: Censo Agropecuário 2006 IBGE 0,92% dos 44,9% de toda estabelecimentos a terra utilizada rurais

Segundo Martins (1991, p. 44), no que se refere à concentração de terras, “em 1950, apenas 19,5% dos lavradores não eram proprietários dos seus estabelecimentos rurais e, em 1975, essa porcentagem alcança 38,1%”. Retomando o Censo de 1975, a proporção entre não proprietários e proprietários, nos estabelecimentos com menos de 20 hectares, era de 50%. Já, no início da primeira década deste século XXI, o Censo Agropecuário de 2006 revela que 23,8% dos produtores não são proprietários de seus estabelecimentos, aproximando o índice ao da década de 1950. Revela também que, 27,7% dos produtores não são proprietários, nos estabelecimentos com menos de 20 hectares. O fato é que a propriedade da terra passa a ter outro valor diante das linhas de ação estatal da década de 1960 para cá. Vale retomar a conceituação que estrutura o escopo principal do Estatuto da Terra, presente no trabalho de Ruy Moreira (2012, pp. 179-181). Segundo o autor, o Estatuto da Terra faz a fusão entre o que se pretende realizar quanto reforma agrária, e os termos e conceitos necessários à sustentação jurídica e de planejamento de ações estatais que o mercado requer. Cola a materialidade geográfica, das situações que se pretende agir e reformar no contexto agrário, à ideia de quatros tipos de “regiões homogêneas”. Em síntese, exprime o raciocínio que manteve (e mantém) a elite proprietária da terra no poder e viceversa. Esta relação do Estatuto da Terra com as “regiões homogêneas”, bem como o atual arcabouço teórico do planejamento estatal, que veremos a diante, exige que se indique uma definição à ideia de “região”. Em outra obra, Ruy Moreira (2006) afirma: Modos de estratégia e não modos geográficos de ser, eis em suma o que hoje é a região como categoria de organização das relações de espaço. Veículo de ação de contemporaneidade e não modo estrutural de definir-se, como eram nas realidades espaciais passadas, o passado recente da divisão internacional industrial do trabalho. De qualquer modo, a região é um dado de uma estratégia de ação conjunta por hegemonias a partir do plano da horizontalidade. Logística de integração da confraria dos incluídos da verticalidade, às vezes visando à exclusão do oponente, por enxugamento (de custos, de preços, de postos de trabalho) ou marginalização (de poder de interferência, de comunicar-se em público etc.). (MOREIRA, 2006, p. 166). XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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É a ideia de região como “modos de estratégia” que permite a ação e o controle sobre o modo como o capitalismo se realiza no Brasil. Insistimos que tal controle é feito por meio de um pacto entre elites, exercendo, com todas suas as forças, a defesa de ideologias e práticas, onde o território é fundamento essencial. Afinal de contas, o território é guia para o planejamento das ações estatais e empresariais as quais as elites controlam e tem poder, tanto porque governam, quanto porque são formadas por classes proprietárias de terras e outros ativos. Assim, é pela via do território que se desenham as “regiões” do planejamento estatal que materializa a “modernização conservadora” no Brasil (DELGADO, 1985). Localizar os lugares desta modernização, passa a ser fato determinante à (des)valoração do preço da terra e, portanto, à dinâmica do mercado que, tanto nela especula, quanto dela expropria. Recorre-se a uma outra passagem para melhor detalhar o modo como o pacto de elites comanda e opera o projeto de país que se realiza: Por meio do monopolismo fundiário, os grandes proprietários forjam dois mecanismos básicos para efetuar esse jogo de mão dupla no qual se modernizam e impõe a modernização como leito histórico da formação do capitalismo no Brasil: o primeiro é uma certa dependência estrutural do esquema de reprodução ampliada do capital perante a agricultura, e o segundo é o modo como o Estado é estruturado de maneira a abrigar todas as frações da classe dominante. A “dependência estrutural” consiste no importante papel que a produção agrária (agropecuária) sempre ocupa na determinação dos níveis e termos da reprodução do capital. E no modo como a partir daí a elite fundiária entra a intervir na montagem da máquina do Estado via criação de um leque amplo e inesgotável de órgãos (superintendências, institutos, comissões etc. [...]), cujo controle usa para garantir-lhe sua ampla e massiva presença na composição do poder estatal, sua divisão em comum com os segmentos urbanos, nele tendo o espaço de concerto da sua presença na hegemonia coletiva sobre a “sociedade civil”. Mecanismo em que um órgão se apoia no outro e vira um expediente que copiado à saciedade tornou-se o procedimento generalizado da classe dominante brasileira como um todo. Leque de que a pactuação do Estado, ou do Estado brasileiro como pactuação das elites, é reprodução pura e simples. Daí emergindo para vir a ser a própria composição da estrutura ministerial através da qual as frações da classe dominante se realizam e se perpetuam como classe dominante porque proprietária (MOREIRA, 2012, p. 174).

A passagem acima abre caminho para o que se pretende neste trabalho: tecer problematizações sobre o valor da terra e a reprodução das “desigualdades sociais e regionais” no Brasil. O fato é que há uma série de ações e planos de desenvolvimento implementados pelo Estado Brasileiro no período de 1960 para cá. Não é objetivo deste trabalho lista-los e caracteriza-los em detalhe, e para isso, sugere-se a leitura de Wenceslau Gonçalves Neto (1997). Entretanto, é mister identificarmos o modo como os planos e linhas de ação mais recentes reproduzem a dinâmica de valoração da terra, redefinindo, portanto, a importância e o processo por que passa cada lugar posicionado em território nacional. Planejamento estratégico estatal brasileiro do século XXI Em 2008, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão publicou o ESTUDO DA DIMENSÃO TERRITORIAL PARA O PLANEJAMENTO (BRASIL, 2008), que no decorrer deste XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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trabalho é chamado de ESTUDO. A partir dele, tornou-se público o “planejamento estratégico” que se declara fundamental e necessário à “superação das desigualdades sociais e regionais” no Brasil. Vale frisar que, entre seus oito tomos e mais de 1200 páginas, há um arcabouço teórico e metodológico chave aplicado às necessidades das linhas de ação estatal, e uma forma de aplicação da categoria “região” nos moldes como Ruy Moreira nos mostrara anteriormente (2006, p. 166). Todo o conteúdo do ESTUDO converge à formação de uma “Carteira de Investimentos”, a qual subdivide os investimentos por setores, bem como indica a localização onde estes investimentos devem ser feitos, no decorrer do período entre 2008 e 2027. Em um primeiro estágio, que vai de 2008 a 2015, apontam-se investimentos no setor de infraestrutura de energia e de transporte, bem como no setor industrial, ambos dirigidos às “regiões economicamente mais frágeis” e ao mesmo tempo “mais promissoras do território nacional” (BRASIL, 2008, Vol. V, p. 53). De 2015 em diante, a “Carteira” indica os investimentos privados como determinantes ao sucesso das metas estabelecidas, pois em conjunto com os investimentos públicos, “induzirão” o país a atingir o desenvolvimento desejado, colocando fim às “desigualdades sociais e regionais” que persistem existir no território nacional (GARCIA, 2012). Tais investimentos se projetam a uma “escala nacional”, num plano de religação do todo territorial regional-nacional, a partir da rede de estruturas de circulação e comunicação intra e inter-regionais, compreendendo: informações, mercadorias, energia e pessoas. A execução deste plano, desenhado na forma de uma “Carteira de Investimentos”, se confirma com a realização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, no segundo mandato do presidente Lula 2. Hoje, o PAC avança em seu segundo estágio (PAC 2) e uma breve leitura de seu 11º balaço3 permite comprovar a manutenção das linhas gerais do que fora planejado na década anterior e publicado no ESTUDO (BRASIL, 2008). Contudo, pode-se constatar que a territorialização dos investimentos definidos pelo planejamento estatal de 2008 se dá por meio de “escolhas estratégicas” e, portanto, sobre uma base territorial de localização pré-definida, repetindo inclusive, a mesma lógica dos planos de Estado lançados após a década de 1960.

Problematizações sobre o valor da terra e a reprodução das “desigualdades sociais e regionais” no Brasil O mercado de terras no Brasil continua um negócio valioso. A geração e o controle de informações sobre o preço das terras e, o acompanhamento das safras e do valor das commodities no mercado global, fazem parte de uma ação estratégica no capitalismo contemporâneo. O suporte dado pelas “linhas de ação” estatal, faz com que a (des)valoração dos lugares esteja diretamente ligada à urbanização e ao processo de modernização que dele decorre, ou seja, serão valorizadas as localidades

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( acesso em 26 de agosto de 2015) ( acesso em 26 de agosto de 2015)

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que estiverem no eixo de ligação, radiação e influência dos polos escolhidos pela “visão estratégica nacional” presente no ESTUDO (BRASIL, 2008, Vol. II). O mapa (FIGURA 2), e os fragmentos citados a seguir apontam, no mínimo, o “valor” das cidades no planejamento estatal. Não apenas o “valor” das terras em cada uma, mas o “valor” dos lugares posicionados entre uma e outra(s). Apontam também, o “valor” do significado e do caráter polarizador da cidade, colocando em debate o “valor” dos diversos lugares localizados nelas e entre elas, bem como aos lugares envolvidos pela sua influência, seja na forma das “subregiões”, seja na dos polos cartografados e localizáveis, seja na forma da rede (invisível na Cartografia do ESTUDO) que os interliga. FIGURA 2 – Mapa do ESTUDO: Um indicativo das localizações estratégicas e dos lugares que tendem ao processo de (des)valoraçãodo segundo o plano estatal

(BRASIL, 2008, Volume II, p. 115) Diversas passagens, do Volume III do ESTUDO, denominado de “Regiões de Referência”, enfatizam o caráter nodal e polarizador das cidades: A centralidade do fato urbano, no Brasil contemporâneo, é indiscutível. O urbano se estende para além das cidades grandes e médias, estruturando espaços regionais amplos e diversos. [...] Da escala global à escala local, a cidade organiza o espaço (urbano) social e econômico, estendendo-se no território e colocando o fato urbano cada vez mais no centro da vida contemporânea, desde os centros metropolitanos até os espaços agrários e extrativos que se desenvolvem no campo ou nas florestas. A multiplicidade de centralidades urbanas, com variadas formas de nucleação e de extensão sobre o campo e regiões circundantes, redefine o sentido atual da urbanização. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 146 Ao fazer isso, também redefine e requalifica o conceito de cidade face ao processo de urbanização. Não cabe mais falar de urbanização restrita a cidades e vilas, como determina a definição legal do território urbano no Brasil. A urbanização já se estendeu para além das cidades e vilas, atingiu o campo e o espaço regional como um todo, mudando a natureza do fato urbano na contemporaneidade (BRASIL, 2008, Vol. III, p. 49-50).

O processo de expropriação da terra, acrescido da exploração do trabalho, tendem a acontecer nas terras localizadas entre as áreas de ligação e de influência dos polos e das cidades selecionadas pelo planejamento estratégico estatal. É interessante retomar dois apontamentos do último Censo Agropecuário (2006): 1) a área total das terras utilizadas atualmente é menor do que a área total da década de 1980; e, 2) o número de proprietários praticamente dobrou em relação ao mesmo período. Os agentes do mercado de terras atuam por meio do acesso privilegiado à informação, produzida enquanto estratégia de Estado, e assim, potencializam a ação do seu negócio. Acessam os mapas e as listas de lugares que receberão investimento e que estão nos planos da ação estatal, ou seja, o nome dos Municípios e demais áreas que receberão investimento e recurso. Tais agentes se antecipam, e passam a atuar especulativamente em relação a terra. Quanto antes se adquirir a posse e a propriedade, maior será a rentabilidade futura proveniente da terra. Geralmente, adquirem grandes glebas de terra através da compra direta, por meio de fundos de investimento público e privado. Quando, a dinâmica produtiva do local e das áreas que se especula, envolve o uso e a ocupação por parte de famílias e pequenos grupos que dependem da terra para trabalhar, o processo de apropriação é mais lento, mas não menos vantajoso. Os pequenos produtores proprietários são pressionados por meio de ofertas pela terra, o que os faz ponderar sobre o “custo de vida” e o futuro que os aguarda. Com o tempo, variando este conforme a localização da terra em relação aos planos do desenvolvimento e da modernização, o pequeno produtor proprietário tende a sair da terra para nova localização, seja ela nas franjas da cidade ou na nova fronteira agrícola. Os valores cobrados pelo arrendamento da terra também aumentam, reproduzindo a expropriação e a exploração do trabalho no seio das famílias não proprietárias, que dependem da terra para trabalhar e gerar renda. Há ainda, uma dinâmica mais perversa desse processo de apropriação de terras pelo mercado. Os “proprietários capitalistas” (MARTINS, 1991) arrendam a terra por baixos preços, principalmente para a produção da agricultura familiar. O produtor não proprietário investe e insere melhorias na terra, necessárias à produção tanto de alimentos, quanto de outras culturas dirigidas à indústria ou ao mercado. Este produtor, de modo indireto, obtendo ou não o rendimento da terra pelo seu trabalho, acaba valorizando a terra de quem o arrendou por baixos preços, e dela é proprietário por direito. Durante o tempo em que tal processo se dá, o mercado de terras promove o jogo da especulação pela terra, e daí se impõe, à família ou comunidade produtiva do lugar, o mesmo processo de expropriação e exploração vivido pelos pequenos proprietários da “terra de trabalho” (MARTINS, 1991). Não conseguindo manterse no lugar, fazem um novo deslocamento às áreas hoje posicionadas no contato com as matas, em terras XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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cada vez mais distantes dos eixos da modernização. Contudo, e mesmo diante da “lei dos rendimentos decrescentes” (MOREIRA, 2011), que indica ao lugar um sentido de desvaloração e abandono, em relação à cadeia produtiva do agronegócio, se vê a atuação especulativa do mercado de terras. Trata-se de uma dinâmica de exploração e expropriação, a partir do movimento de conjunto que faz da terra um ativo com maior potencial de liquidez para o mercado. Em publicação datada de maio de 2013, a revista DINHEIRO RURAL trata da “Corrida pela terra” no Brasil, afirmando que: “Entre as regiões que apresentaram maior valorização não há nenhuma surpresa. As terras do Centro-Oeste – principal região produtora de grãos e bovinos do País – apresentaram o melhor desempenho, de 16% de crescimento ao ano4. O que José de Souza Martins (1991) denominou como terra de negócio no Brasil, há mais de duas décadas, portanto, pode ser identificado também nos dias atuais. A título de exemplificação, vale o publicado no sítio eletrônico da revista Globo Rural, em 02 de março deste 2015: “os preços das terras para a agropecuária tiveram uma valorização média de 308% entre os anos de 2002 e 2013”. Na mesma publicação, e segundo o pesquisador José Gasques, da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura (AGE), “cerca de 60% do valor das terras no país encontram-se em propriedades acima de 200 hectares, que somam 252.400 (Censo de 2006 do IBGE) e representam 5% dos estabelecimentos levantados pelo censo”5. Assim, pode-se inferir que os lugares indicados no plano estatal, sejam eles, hoje, valorizados ou em processo de (des)valoração, são os lugares que simultaneamente: 1) promovem a acumulação de rendimentos monetários por parte da classe proprietária que atua no mercado; e, 2) alimentam a dinâmica perversa da expropriação, da exploração e da reprodução das “desigualdades sociais e regionais”, cujo próprio plano estatal afirma querer erradicar do Brasil. Considerações Finais Com base no exposto, considera-se que a concentração da propriedade, assim como o processo de expropriação e de exploração do trabalhadores rurais no Brasil, se mantém praticamente inalterados, nos últimos 40 anos. As práticas do mercado de terras que se realiza no campo reproduz uma situação de pauperização e deterioração da vida dos trabalhadores de uma classe não proprietária, presente no campo e na cidade. O mercado de terras, aliado às novas linhas de ação estatal, reproduz, de modo ampliado, os rendimentos monetários dos proprietários “capitalistas”, em detrimento da produção e dos “proprietários da terra de trabalho”, ou seja, da “propriedade familiar”. A aliança e a “pactuação das elites” molda as práticas do mercado em sintonia aos planos e ao planejamento de Estado. Este último,

( acesso em 18 de julho de 2015). ( acesso em 18 de julho de 2015). 4 5

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portanto, fomenta, autoriza e legitima, a reprodução das “desigualdades sociais e regionais” no Brasil, e, em vez de se superar, o que se vê é a ação estatal promovendo o seu agravamento.

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RESUMOS

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Resumo

Associativismo nos assentamentos da reforma agrária no centro-norte tocantinense José Pedro Cabrera Cabral Lilian Bispo das Neves

A

região centro-norte do Tocantins é uma das regiões mais pobres do Norte do Brasil e o associativismo no meio rural não é uma prática forte no estado. A tese central deste estudo já concluído é que o associativismo nos assentamentos da reforma agrária não consegue atender seus objetivos de trabalho associativo por que, a criação das associações de produtores foi uma imposição do governo federal para que estes pudessem acessar benefícios financeiros, a partir de uma política pública desenvolvida desde o próprio governo federal. A partir do Ministério do Trabalho em 2003, se criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária a que se encarregou de formular diretrizes para a criação de associações de trabalhadores vinculados a agricultura familiar no país. Desta forma, as associações nos assentamentos da reforma agrária não surgiram como uma necessidade de organização do trabalho associativo, senão como uma obrigatoriedade para acessar benefícios e possibilidade de crédito. Analisaram-se 20 assentamentos da reforma agrária, uma associação por cada assentamento, localizados em 12 municípios tocantinenses. Aplicaram-se 400 questionários e se realizaram 40 entrevistas com as lideranças das associações. A perspectiva teórica tomo como base os trabalhos críticos realizados por Callou, 2006. Tonet, 2008 e Peixoto, 2009, os quais desenvolveram estudos sobre os impactos das políticas públicas no meio rural brasileiro. Os resultados apontam que as associações não conseguem sustentar um processo de desenvolvimento do trabalho associativo na região, fundamentalmente, por falta de organização, infraestrutura e capacitação para o trabalho associativo.

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Resumo

Caracterização da produção da agricultura familiar no Projeto de Assentamento Panelão no município de Careiro Castanho - AM Lindomar de Jesus de Sousa Silva Ariane Angélica Moreno Gilmar Antonio Meneghetti José Olenilson Costa Pinheiro Raimundo Nonato Carvalho Rocha Flaviana Augusto

S

egundo dado do INCRA no Amazonas a ação do Estado promoveu o surgimento de 144 assentamentos rurais, tal ação significa uma grande oportunidade para o desenvolvimento da agricultura familiar, com geração de renda e sustentabilidade. Assim com a criação desses assentamentos surgem novas reflexões sobre a realidade econômica, social e política da agricultura familiar no Brasil, que pode representar bases para impulsionar a construção de uma nova realidade rural no país. Os modelos e referências adotados para o fortalecimento da agricultura familiar, visando o desenvolvimento das comunidades rurais na Amazônia, precisam de investigações mais detalhadas em vários aspectos, dentre os quais, a identificação de parâmetros que sejam mais representativos das realidades locais, e que possam subsidiar a elaboração de programas e políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural. O referido trabalho busca expor os principais elementos relacionados à produção e a dinâmica agrícola vivenciada pelas famílias de agricultores assentados no Assentamento Panelão criado em 1998, localizado na BR-319 (Manaus - Porto Velho), no km 115 no município de Careiro Castanho, no Estado do Amazonas, é um ramal de 9 km dividido em 6 vicinais, com aproximadamente 251 famílias assentadas, em uma área de aproximadamente 3.600 hectares. O objeto de estudo foi escolhido devido a sua localização estar na área de abrangência do Projeto Estratégia de multiplicação rápida de variedades superiores de mandioca (Manihot esculenta Crantz) para o aumento da produção de farinha e fécula no Estado do Amazonas, desenvolvido pela Embrapa Amazônia Oriental e financiado pelo Programa de Apoio à consolidação das Instituições Estaduais de Ensino e/ou Pesquisa – Pró-Estado. Como metodologia para os dados secundários foi realizada revisão bibliográfica a fim de compreender o objeto de estudo e informações provenientes do órgão oficial de assistência do Estado do Amazonas: IDAM, para os dados primários foi realizada entrevistas com produtores de mandioca numa amostragem de 20% dos assentados num universo de 150. O levantamento exploratório permitiu algumas reflexões, tais como: necessidade de reformular o olhar sobre as comunidades, assim como a geração de tecnologias adequadas para o ambiente em estudo, pois, isso fortalece a importância da produção de alimentos voltados à comercialização, ao autoconsumo, contribuindo assim, para manutenção das famílias no campo.

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Resumo

Mujeres abriendo caminos María Lilia Macedo Macarena Mercado Mott

L

a participación de la Mujer en las luchas por el desenvolvimiento regional y territorial marco un antes y un después en los Movimientos Campesinos de América Latina. Por esas razones, el presente trabajo propone analizar el rol de la mujer en la dinámica organizativa y política del desarrollo rural y agrario del MOCASE-VC y MCP, desde mediado de los años 90 hasta la actualidad. El resurgimiento de los Movimientos Campesinos de Argentina y Paraguay se da a partir de las políticas neoliberales impuestos por el consenso de Washington desde mediado de siglo XX. El objetivo, es, en primer instancia reconstruir los orígenes y la historia de cada una de ellas; analizar las formas de lucha utilizadas y las acciones realizadas para el desarrollo y sustentabilidad en sus regiones en contribución social-económica y política. Posteriormente, describiremos las relaciones que tienen ambos movimientos, articulando matrizes de sustentabilidad, desenvolvimiento e alternativas populares. Así, demostrar y contribuir que la mujer tiene una gran importancia en la creación, desarrollo y mantenimiento de los movimientos campesinos.

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III

Integração e Cooperação Econômica Regional

ARTIGOS

A relação comercial entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai: potencialidades para a integração regional Fábio de Lima1 Introdução

C

om o processo de globalização da economia mundial, principalmente após a queda do muro de Berlim (1989) marco simbólico do fim da guerra fria, o espaço geográfico tem sofrido transformações devido ao intenso fluxo de comércio em escala mundial. Em consequência,

uma série de regionalizações tem-se efetivado em diversas partes do globo e o Mercosul é um resultado desse processo. Nesse contexto, os territórios e as fronteiras passam por novos processos de ressignificações, pois existe uma multiplicidade de fluxos que ultrapassam os seus limites. Portanto, mesmo com a globalização da economia, a maioria dos países tende a se preocupar com estratégias de proteção comercial, na defesa de seus mercados internos e da implicação direta disso para a geração de empregos. Concomitantemente, a formação de blocos econômicos exige que as relações entre seus membros sejam de facilitar as trocas e ampliar a escala do mercado consumidor. Essa interdependência comercial tem a tendência de tornar as negociações ainda mais necessárias, pois abrese um campo de disputa político-econômica, com clara interferência dos capitais privados e estatais. Segundo Castillo ( 2005, p. 285): A globalização atinge os países periféricos com exigências como elevada competitividade (produção com qualidade a baixos custos), fluidez territorial (boas condições de transporte e comunicações), flexibilidade normativa (abertura de mercados, adesão ao sistema financeiro internacional, ajustes fiscais, poucas restrições à política das empresas transnacionais) e necessidade imperativa de exportar cada vez mais.

As relações comerciais entre os países que constituem o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela) visando a inserção no mercado regional e internacional através de acordos de integração (União Aduaneira), possuem estratégias definidas (mas não apenas) pelos interesses e pela materialização da intencionalidade das corporações. Assim como em Santos & Arroyo (1997, p.59), esses novos processos de regionalização denotam certos interesses dos países integrantes, pois “contém uma intencionalidade mercantil e uma intencionalidade simbólica”. Para Lamoso (2011a, p.34) “o comércio exterior é a via mais visível da relação entre a economia brasileira e os demais países”. Nessa linha, segundo Baumann et al (2004, p.01), “o elemento básico da economia internacional é um determinado espaço geográfico e suas relações com o restante do mundo”. Para tal, como aporte explicativo, há que se recuperar a discussão sobre o poder econômico e a Geoeconomia é a porta de entrada. Segundo Egler,

1

Licenciado em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – [email protected]

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 156 [...] a geoeconomia procura compreender como o emprego do poder econômico, expresso em um conjunto de manifestações que vão desde o controle sobre a introdução do progresso técnico até definição de barreiras à entrada de competidores em mercados crescentemente oligopolizados afeta esta distribuição espacial. (EGLER, 2011, p.220-221).

Neste trabalho, nos dedicamos a compreender o comércio exterior entre uma unidade da federação brasileira - o estado de Mato Grosso do Sul2 - e o Paraguai, motivados pela questão maior que é o quanto a proximidade geográfica do estado interfere nas relações comerciais – através do “circuito superior” da economia espacial3 - com o país vizinho. A escala define diferentes níveis de análise. As contribuições sobre a questão da escala para a geografia e a geoeconômica, podem ser trabalhadas a partir de Egler (1991, p.232) “ Não se trata de analisar o mesmo fenômeno em escalas diferentes [...] mas compreender que são fenômenos diferentes porque são apreendidos em diferentes níveis de abstração”. Mato Grosso do Sul faz fronteira com Paraguai e Bolívia4. Este estado esteve, nos últimos anos, diversificando sua economia, produzindo novas estruturas produtivas. Apesar de concentrar parte de sua economia no setor primário, caminha para uma verticalização da produção. A Relação comercial entre o estado de Mato Grosso do Sul e o Paraguai

A inserção do Paraguai no comércio internacional dar-se principalmente através de produtos básicos5, sobretudo do setor agropecuário, sendo um dos principais exportadores de soja (atualmente é o quarto colocado) e carne bovina (oitavo colocado) no mundo. A soja foi o principal produto exportado em 2014, totalizando cerca de 25,3% seguida por combustíveis (23%) e carnes (14%) (MRE, 2015). Para o Paraguai, o Brasil foi seu principal parceiro econômico no ano de 2014, tanto para as exportações como para as importações, representando 30,7% do destino exportado, e 25,4% da origem de suas importações (MRE, 2015).

Mato Grosso do Sul é um estado brasileiro localizado na região Centro-oeste, com uma população total estimada para 2013 em 2.587.269 habitantes, 79 municípios em uma área total de 337.145,5232 km2 (IBGE). Da capital do estado, Campo Grande até a capital paraguai de Assunção são 789 km de distância. 3 Segundo Santos (1978) a economia espacial divide-se em dois subsistemas, o “circuito superior” e o “circuito inferior”, sendo a primeira resultado das atividades que fomentam a macroeconomia no espaco (composto pelos bancos, indústria de exportação, atacadistas, transportadoras, etc.), e a segunda refere-se as atividades em pequena escala, realizada principalmente pela populção pobre (a exemplo dos vendedores ambulantes ou camelôs). 4 Sendo o Paraguai membro formador do Mercosul, desde 1991 e a Bolívia é classifica como membro associado em processo de inclusão ao bloco. 5 Segundo a classificação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MDIC os produtos básicos são aqueles que guardam suas características próximas ao estado em que são encontrados na natureza, ou seja, com um baixo grau de elaboração. São exemplos desse grupo minérios, produtos agrícolas (café em grão, soja em grão, carne in natura, milho em grão, trigo em grão, etc.). 2

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Em relação ao Mato Grosso do Sul, o estado possui localização estratégica como fator de potencialidade para o comércio com os países do Mercosul, pois partilha de fronteira com Paraguai e a Bolívia. Além de contar com a Hidrovia do Rio Paraguai para escoamento de cargas. As atividades produtivas em Mato Grosso do Sul, passam por uma transição que tinha o predomínio no binômio carne bovina-grãos para um processo de expansão do complexo celulose e da cana-de-açúcar. A expansão da cana ocorre de forma mais acentuada no centro-sul do estado e o eucalipto na porção nordeste, com investimentos da Fibria e, recentemente, da Eldorado. O sul do estado permanece com uma especialização produtiva de grãos (milho e soja), da qual deriva a agroindústria de aves e suínos e, desde 2002 com a entrada da cana-de-açúcar. Tanto celulose quanto as agroindústrias de grãos tem participação pouco expressiva com o Paraguai. A produção mais expressiva sul-matogrossense que chega ao Paraguai sai do Pantanal, municípios de Corumbá e Ladário que possuem extensas jazidas com reservas de minério de ferro e manganês, exploradas pela Vale, Vetorial e MMX. Dentre as unidades da federação brasileira que exportaram para o Paraguai no ano de 2014, o estado Mato Grosso do Sul foi o nono colocado exportando 32,3 milhões de dólares (1,01% do total), e o terceiro colocado nas importações (133,5 milhões de dólares), o que representou 11% do total de produtos importados pelos estados brasileiros com origem do Paraguai. Tabela 1 – Balança comercial das Unidades da Federação (UF) do Brasil em relação ao Paraguai no ano de 2014. ESTADO SP

EXPORTACÃO % US$ F.O.B. 1.033.248.064 32,35

RS

PR

IMPORTACÃO % US$ F.O.B. 545.736.522 45,10

855.302.594 26,78

SP

258.915.730 21,40

PR

613.106.619 19,20

MS

133.538.499 11,03

SC

268.737.708

8,41

SC

130.736.632 10,80

MG

100.676.019

3,15

RS

63.910.250

5,28

RJ

80.743.894

2,53

MG

43.389.259

3,59

CE

34.532.582

1,08

BA

6.929.173

0,57

AM

33.057.537

1,04

GO

5.715.912

0,47

MS

32.368.131

1,01

PE

4.388.782

0,36

GO

28.493.791

0,89

RJ

3.293.228

0,27

OUTROS

52.464.052

1,64

OUTROS

13.593.201

1,12

3.193.586.387

100

TOTAL

1.210.147.188

100

TOTAL

ESTADO

Fonte: AliceWeb . Elaborada pelo autor

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Geograficamente, considerando o papel desempenhado pelos estados fronteiriços Paraná e Mato Grosso do Sul com o Paraguai no intercâmbio de mercadorias, podemos destacar que a proximidade física entre as Unidades da Federação (UF) do Brasil, não é determinante para o comércio exterior em relação ao país vizinho, o Paraguai. Quando analisamos apenas os dados referentes a exportação, isso torna-se mais visível. Pois, os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, não possuem fronteira com o Paraguai, mas configuram-se na primeira e segunda colocação entre os estados exportadores. Participação do Paraguai no comércio exterior de Mato Grosso do Sul

Vejamos agora quais são os principais produtos exportados e importados por Mato Grosso do Sul em relação ao Paraguai entre os anos de 1997 a 2014. Tabela 2 – Exportações de Mato Grosso do Sul para o Paraguai entre 1997-2014 Produtos

Valor

Part.%

US$ F.O.B 1 - Minério de Ferro

80.653.876

25,65

2 - Cimento

49.672.277

15,80

3 - Rações para animais

25.416.588

8,08

4 - Açucares

23.982.574

7,63

5 - Sementes

18.731.869

5,96

Outros

115.989.484

36,89

Total

314.446.668

100

Fonte: AliceWeb 2. Elaborada pelo autor

O principal produto exportado é o minério de ferro, sua extração ocorre no município de Corumbá-MS, no maciço do Urucum. A produção desse minério é escoada, via Rio Paraguai.

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Figura 6 - Cone Sul da América do Sul

Elaboração: Cristovão Henrique Ribeiro da Silva, 2014.

A Hidrovia Paraguai-Paraná representa um importante eixo de integração localizada no Cone Sul da América do Sul. Em trabalhos anteriores, Lamoso & Lima (2014), verificamos a importância estratégica deste modal de transporte para o fortalecimento das exportações de minério de ferro extraído no Maciço do Urucum (município de Corumbá-MS), com destino ao Paraguai e a Argentina. Segundo Betarelli Junior (2012), as questões geográficas influenciam no uso dos modais quando os setores econômicos exportam para os países do Mercosul. Nesse sentido, de acordo com Lamoso (2011a, p.46), “Os vetores externos definem as ligações em rede de frações do território com outros pontos, com a mediação do poder de mando das corporações”. Os outros produtos exportados por ordem de valor foram: 2° posição o cimento (grande parte é produzida pela fábrica da Votorantim em Corumbá-MS); 3° posição foi rações para animais; e Açúcares e Sementes na 4° e 5° colocação respectivamente. Na pauta das importações de Mato Grosso do Sul, o principal produto importado do Paraguai é a carne bovina. Este produto representa a expressão do comércio intra-firma. Ademais porque incorpora estratégias espaciais no uso do território pelas empresas transnacionais atuantes no setor agropecuário em regiões de fronteira.

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Tabela 3 - Importações de Mato Grosso do Sul com origem do Paraguai entre 1997-2014 Produtos

Valor US$ FOB

Part.%

1 - Carne Bovina

206.767.128

29,15

2 - Trigo

98.448.709

13,88

3 - Partes de calçado

84.545.491

11,92

4 - Soja

58.741.936

8,28

5 - Carvão vegetal

35.200.058

4,96

Outros

225.551.862

31,80

Total

709.255.184

100

Fonte: AliceWeb 2. Elaborada pelo autor

Como demonstra Lamoso (2012, p.225), “La importación de carne de res es uma práctica que muchos frigroríficos exportadores ubicados em Mato Grosso del Sur adoptan. Los frigoríficos importan carne refrigerada y la embalan al vacío y la congelan en la unidad de Mato Grosso del Sur”. Nesse caso, para ser mais claro, podemos dizer que frigoríficos multinacionais, internacionalizados, com grande capacidade de abate em suas plantas indústriais, como é o caso do JBS e do Marfrig, importam carne do Paraguai para fechar lotes de exportação aos seus fornecedores, principalmente na Europa e na Ásia (Hong Kong). Vejamos outro exemplo: La empresa brasileña Bertin, propriedade del frigorífico de Concepción, posse además otros frigoríficos en Brasil, en la zona fronteriza, integrando la red de productores, proveedores y esportadores brasileños. De esta forma, parte del ganado producido y procesado en la regiõn ganadera del Norte es controlada por este grupo empresarial, en su sistema y flujos de comercialización. (VASQUES, 2006 apud LAMOSO, 2012, p.227).

Os frigorificos da empresa Bertin Paraguai S.A foram incorporados pelo pelo grupo JBS (maior produtor mundial de proteína animal) em uma transação realizada no final de 2010. A estrategia espacial do grupo JBS em atuar dentro do Mercosul (e países associados) esta clara, pois possui 6 plantas de abate na Argentina, 1 no Chile e 1 no Uruguai. No Paraguai são 2 unidades instaladas sendo uma em Asunción (capital) e outra em San Antonio. Recentemente a JBS anunciou a construcão de um novo frigorífico no Paraguai que deve custar aproximandamente U$S 100 milhões. Fato que denota o poder das transnacionais do agronegócio brasileiro no uso do territorio paraguaio, segundo o jornal Valor econômico 6 apenas duas empresas brasileiras, o JBS e a Minerva Foods detêm 40% das exportacões de carne bovina do Paraguai.

http://www.valor.com.br/agro/3573476/jbs-planeja-investir-us-100-milhoes-em-unidade-no-paraguai, 14/07/2015. 6

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acesso

em

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Considerações finais Mesmo apresentando-se em uma posição considerável em relação ao comércio exterior realizado na fronteira, não podemos enganar-nos com os dados, pois a relação comercial entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai é pouco significativa, mesmo considerando que os dois atores fazem parte de uma integração regional realizada no âmbito do Mercosul. Analisando o total de produtos importados por Mato Grosso do Sul em 2014, os produtos importados com origem do Paraguai representaram apenas 2,5% desse total. No tocante as exportações, revela-nos também uma pífia integração comercial, tendo em vista que apenas 0,61% das exportações sul-matogrossenses foram destinadas ao Paraguai em 2014, de acordo com dados informados pelo MDIC (secretária de comércio exterior). Comprovando nossas afirmações anteriores. Com bastante exclusividade, é a mineração no Morro do Urucum que mantém as relações de exportação mais intensas entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai, facilitado pelo uso do Rio Paraguai. Este comércio, de certa forma, independeu dos processos de integração como o Mercosul, mas de interesses de mercado anteriores a ele. A exploração de minério de ferro e manganês ocorre em CorumbáMS desde 1870 e desde os anos 70 já há processos de venda de minério e de constituição de empresas de transporte fluvial para manter o transporte de minério via Rio Paraguai. A carne bovina também exemplifica o comércio intra-firmas, mais que interesses de integração regional baseados em acordos binacionais, são interesses de capitais privados que se valém e pressionam por acordos de integração, visto que os mesmos determinam marcos regulatórios que liberalizam o comércio e aumentam seus volumes de negócios.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 162 _______. Comércio exterior e estruturas produtivas no Mato Grosso do Sul. Geosul, v.26, n.51, 2011b. _______; LIMA, Fábio de. Relações Brasil-Argentina: A presença do comércio intra-firma na integração regional. In: V Seminário Internacional América Platina, 2014, Dourados-MS. MINISTÉRIO DAS RELACÕES EXTERIORES (MRE). Paraguai. Comércio Exterior. Março de 2015. Disponível em http://www.brasilexport.gov.br/sites/default/files/publicacoes/ indicadoresEconomicos/INDParaguai.pdf. Acesso em 05/07/2015. SANTOS, Milton. O Espaço Dividido: Os Dois Circuitos da Economia Urbana nos Países Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978. SANTOS, Milton; ARROYO, María Mónica. Globalização, Regionalização: a proposta do Mercosul. Caderno Técnico Indústria e Globalização da Economia. Confederação Nacional da Industria Cni e Serviço Social da Indústria Sesi, Brasília, n.24, p. 55-64, 1997. .

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

O Mercosul e o Brasil como campo de observação dos impactos econômicos da integração e da busca de desenvolvimento e autonomia regional Albene Miriam Menezes Klemi 1.

Introdução

O

presente trabalho resulta de pesquisas realizadas desde 2009, com a participação sucessiva de três estudantes de Iniciação Científica no Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: Caio Peixoto Chain, Larissa Helena Pitzer Jacob (bolsistas

pelo CNPq) e Ana Cláudia Bertolino (bolsista pela Faperj) sob a orientação do Professor Cezar Augusto Miranda Guedes. O objetivo da pesquisa é a descrição e análise do comercio bilateral Brasil – Argentina nos primeiros vinte anos do Mercosul (1991/2011). Além desta introdução o artigo está constituído de uma segunda seção onde consideramos o comercio brasileiro em geral, para na terceira seção abordarmos especificamente o comercio bilateral Brasil – Argentina. Por fim, na quarta seção, temos os comentários finais e as conclusões. Desde as últimas décadas do século passado, vivemos um cenário marcado pelo aprofundamento de três processos que produziu mudanças substanciais na dinâmica social e econômica em escala global: um novo ciclo de inovações radicais, a difusão de variadas formas de integração regional e a intensificação da internacionalização da produção (GUEDES, 2009). Na perspectiva do processo de internacionalização da produção, ou seja, comércio, investimento externo direto e relações contratuais (DUNNING, 1977), nossa ênfase está colocada sobre as relações bilaterais do comercio do Brasil com a Argentina. Segundo Gonçalves (2005), o comércio significa que a mercadoria, bem ou serviço, é produzida no país de origem e exportada cruzando a fronteira nacional, enquanto o investimento direto externo (IDE) representa o deslocamento de pessoa jurídica, a empresa. Desse modo, sempre que um não residente realiza investimento direto com o objetivo de controlar a empresa receptora do capital há IDE (filial subsidiária ou joint venture). Ainda segundo a mesma classificação, as relações contratuais, construídas por meio de franquias, licenciamentos ou contratos, regulam as transferências de ativos, como tecnologias referentes a processos produtivos ou a produtos específicos. A Argentina figura em terceiro lugar tanto na pauta das importações quanto na das exportações brasileiras e os dois países cumprem papel decisivo na dinâmica regional. Argentina e Brasil são os maiores países sul-americanos e têm recursos naturais disponíveis como em poucos lugares do mundo. Talvez sejam os únicos países no mundo que podem aumentar no curto prazo e simultaneamente a produção de alimentos e da agroenergia, fonte renovável por definição em que se destacam o biodiesel e etanol. (GUEDES, SILVA, 2011)

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 164

2.

Considerações sobre o comercio exterior brasileiro Para uma visão mais abrangente do comercio exterior brasileiro, apresentamos uma análise de seu

quadro mais geral e de algumas de suas características. Em 2011 o Brasil se apresentou como a 6ª maior economia do mundo, ultrapassando o Reino Unido e tendo à frente Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França. No mesmo ano ainda figurou como um dos maiores importadores e exportadores mundiais, embora sem o mesmo peso relativo nestes ranking, respondendo por cerca de 1,3% do volume transacionado em importações e 1,4% em exportações. Os dados referidos podem ser visualizados nas tabelas 1 e 2 abaixo em bilhões de dólares: Tabela 1 Maiores importadores mundiais - 2011 (em US$ bilhões) Posição

País

Valor

1

Estados Unidos

2.265

2

China

1.743

3

Alemanha

1.254

4

Japão

854

5

França

715

6

Reino Unido

636

7

Países Baixos

597

8

Itália

557

9

Coreia do Sul

524

10

Hong Kong

511

11

Bélgica + Luxemburgo

490

12

Canadá

462

13

Índia

451

14

Cingapura

366

15

Espanha

362

16

México

361

17

Rússia

323

18

Taiwan

281

19

Austrália

244

20

Turquia

241

21

Brasil

237

22

Tailândia

228

23

Suíça

208

24

Polônia

208

25

Emirados Árabes Unidos

205

26

Áustria

192

27

Malásia

188

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 165 28

Indonésia

176

29

Suécia

175

30

República Tcheca

151

Total acima

15.207

Total mundial

18.381

Fonte: SECEX, 2012

Tabela 2 Maiores exportadores mundiais - 2011 (em US$ bilhões) Posição

País

Valor

1

China

1.899

2

Estados Unidos

1.481

3

Alemanha

1.474

4

Japão

823

5

Países Baixos

660

6

França

597

7

Coreia do Sul

555

8

Itália

523

9

Rússia

522

10

Bélgica + Luxemburgo

498

11

Reino Unido

473

12

Hong Kong

459

13

Canadá

452

14

Cingapura

410

15

Arábia Saudita

365

16

Taiwan

350

17

México

308

18

Espanha

297

19

Índia

297

20

Emirados Árabes Unidos

285

21

Austrália

271

22

Brasil

256

23

Suíça

235

24

Tailândia

229

25

Malásia

227

26

Indonésia

201

27

Polônia

187

28

Suécia

187

29

Áustria

179

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 166 30

República Tcheca

162

Total acima

14.859

Total mundial

18.217

Fonte: SECEX, 2012

Seguindo ainda na caracterização do comércio brasileiro, observa-se a presença da Ásia como maior mercado fornecedor do país em 2011, respondendo por aproximadamente 31% do fluxo comercial, logo seguida pela União Européia (20,5%) e América Latina e Caribe (16,7%). Do mesmo modo, quando se trata dos principais mercados de destino das exportações brasileiras, aparecem Ásia, América Latina e Caribe e União Europeia, respondendo cada uma, respectivamente por 30%, 22,4% e 20,7%. Esses dados podem ser visualizados por meio dos gráficos abaixo: Gráfico 1 Principais Mercados Fornecedores ao Brasil - 2011 (em %) Europa Oriental

2,3

Oriente Médio

2,7

África

6,8

Estados Unidos

15,1

América Latina e Caribe

16,7

União Europeia

20,5

Ásia

31

Fonte: SECEX, 2012

Gráfico 2 Principais Mercados de Destino das Exportações - 2011 (em %) Europa Oriental

2

África

4,8

Oriente Médio

4,8

Estados Unidos

10,1

União Europeia

20,7

América Latina e Caribe

22,4

Ásia

30

Fonte: SECEX, 2012

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 167

Numa análise mais profunda a respeito da relação comercial do Brasil com o mundo, partindo da visualização por país, há forte presença da Argentina, 3ª maior economia da América Latina (superada apenas por Brasil e México), tanto na pauta das importações quanto na das exportações, razão pela qual o relacionamento com esse país deve ser mais detalhado no que tange a seus processos de internacionalização. Em 2011, o mercado argentino figurou em terceiro lugar em ambos os fluxos: Tabela 3 Principais Países Fornecedores ao Brasil - 2011 (em %) Posição 1 2 3 4 5

País Estados Unidos China Argentina Alemanha Coreia do Sul

Participação 15 14,5 7,5 6,7 4,5

Fonte: SECEX, 2012

Tabela 4 Principais Países Compradores do Brasil - 2011 (em %) Posição 1 2 3 4 5

País China Estados Unidos Argentina Países Baixos Japão

Participação 17,3 10,1 8,9 5,3 3,7

Fonte: SECEX, 2012

Do mesmo modo, a relação entre Brasil e Argentina não pode se basear na premissa de ser entendida apenas bilateralmente, mas deve ser encarada na perspectiva mais ampla das relações mundiais de poder. (MONIZ BANDEIRA, 2010) Segundo Moniz Bandeira (2010), o tipo de pensamento que leva em consideração as relações de um país com os demais de forma apenas individual é artificial e falso, e freqüentemente resulta em sérios desentendimentos. Para tanto, busca-se ancorar a relação bilateral Brasil – Argentina, foco deste trabalho, às oscilações inerentes aos movimentos mundiais. É o que se objetiva fazer, ao analisar brevemente as características históricas dos dois países em questão e, em alguma medida, associá-las à dinâmica internacional. 3.

A relação comercial Argentina - Brasil

3.1. Considerações sobre o Mercosul Apesar do peso relativo e da importância fundamental para a América Latina, até o início dos anos oitenta, a relação entre Brasil e Argentina sempre foi marcada pela desconfiança mútua. Entretanto, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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a partir da Guerra das Malvinas (1982), um novo período de relação entre os dois países teve início derivado de questões geopolíticas, do processo de redemocratização em ambos e da nova dinâmica do mercado mundial. Em 1985, os presidentes Sarney e Alfonsín, assinaram a Declaração do Iguaçu, que constava de 19 protocolos de cooperação econômica, com vistas a uma futura integração regional, que veio a se concretizar em 1991, por meio da assinatura do Tratado de Assunção e criação do Mercosul. O Mercosul, Mercado Comum do Cone Sul, foi criado em 26 de março de 1991, através da assinatura tratado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A partir de julho de 2012, em virtude da remoção de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, o país foi temporariamente suspenso do bloco, tornando possível a adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul, inclusão até então impossível em razão do veto paraguaio. Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador permanecem com o status de estados associados. A integração regional, viabilizada por meio do referido tratado, consiste em uma união aduaneira imperfeita. Uma união aduaneira é caracterizada pela fixação de uma Tarifa Externa Comum (TEC), ou seja, uma tarifa a ser aplicada por todos os países membros ao comércio de bens com outros países. A TEC é sempre um dos principais pontos de discussão nos processos de integração, pois a abertura comercial entre os estados membros pode inviabilizar segmentos importantes para os países mais vulneráveis. No caso do Mersocul, a lista de exceção de certos produtos ocorre com o intuito de permitir que a economia dos países membros tenha condições de adaptar suas novas estruturas de custos dentro um mercado internacional competitivo. Aliás, essa flexibilidade do Mercosul foi importante para sua sobrevivência em períodos de crises internas e externas. Averbug (1998) explica que, nesse caso, as tarifas elevadas são cobradas sobre produtos mais sensíveis à concorrência externa, ao passo que taxas reduzidas são aplicadas sobre certos bens estratégicos como, por exemplo, bens de capital usados na fabricação de produtos de exportação, bens não produzidos no mercado interno, etc. O acordo, mesmo em sua fase inicial, intensificou o fluxo comercial e conseqüentemente, a interdependência econômica entre os países, e mais precisamente entre Argentina e Brasil, graças ao significativo grau de liberalização de barreiras tarifárias e a proximidade geográfica. Alternou períodos de avanços com outros de certa paralisia, de acordo com as conjunturas econômicas e contextos políticos. Hoje, importadores e exportadores desses países podem realizar transações com suas respectivas moedas por meio do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), além de poderem contar com facilidades no que diz respeito à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, ao estabelecimento da TEC, à adoção de uma política comercial comum, à coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e à harmonização de legislações nas áreas pertinentes. O SML citado acima é um sistema de pagamentos informatizado que permite a remetentes e destinatários, nos países que integram o sistema, fazer e receber pagamentos referentes a transações comerciais em suas respectivas moedas, aumentando, dessa forma, o nível de acesso dos pequenos e médios agentes, possibilitando o comércio exterior em moedas locais e reduzindo custos de transação. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Em março de 2011, o Tratado de Assunção celebrou 20 anos desde sua assinatura em 1991. Sua trajetória permitiu avanços tanto no plano econômico quanto político, desempenhando importante papel na inserção internacional dos países integrantes do acordo. O papel econômico, a despeito dos percalços provocados por crises financeiras, é significativo: desde a sua criação, o Mercosul tem sido um dos principais destinos das exportações do Brasil e um dos seus principais fornecedores. Vale ressaltar que o comércio entre os parceiros regionais se elevou de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 45 bilhões em 2010. No plano político, o acordo foi importante para a superação de diferenças e para que o Brasil se transformasse em um líder respeitado regionalmente. A diminuição dos entraves ao comércio internacional vem para fortalecer ainda mais a dinâmica desse bloco. Os aspectos positivos da integração econômica podem ser visualizados por meio do gráfico abaixo, que evidencia o fluxo comercial brasileiro com o Mercosul, desde 1991, ano da assinatura do Tratado de Assunção, até dezembro de 2011.

Gráfico 3 Fluxo Comercial Brasil - Mercosul (em US$ milhões FOB) 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000

19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11

0 -5.000

Exportações

Importações

Saldo

Fonte: SECEX, 2012

3.2. A análise comercial Brasil – Argentina As informações da balança comercial de Brasil e Argentina serão analisadas de acordo com o referencial teórico das quatro questões básicas que determinam o comércio internacional de bens: direção do comércio, quantum, padrão de comércio e termos de troca (Gonçalves, 2005).

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3.2.1. Direção do comércio A direção do comércio é a distribuição geográfica dos fluxos de comércio exterior, ou seja, é a questão da origem das importações e do destino das exportações. No presente trabalho, por se tratar da relação bilateral Brasil - Argentina, esse fluxo pode ser identificado diretamente.

3.2.2. Quantum O tema do quantum trata da quantidade (mensurada de diversas formas) dos produtos comercializados internacionalmente por cada país. Aqui, são utilizados como medidas os valores monetários em US$ através da balança comercial entre os dois países. Além disso, estes são considerados em termos FOB (do inglês free on board), ou seja, o valor das exportações e importações exclui os gastos com fretes e seguros. Para a avaliação do comércio bilateral Brasil - Argentina, uma breve análise histórica deve ser apresentada em relação a esse fluxo. Se o intercâmbio comercial entre os dois países após a constituição do Mercosul fosse dividido em fases distintas, podemos identificar três momentos: A primeira etapa, compreendida entre 1991 e 1998, foi positiva, pois a relação Brasil - Argentina se estreita com a constituição do Mercosul e por meio da redução sistemática das tarifas aduaneiras entre os dois países – excluindo certos produtos. O comercio bilateral se torna mais expressivo para ambos. A participação argentina nas exportações brasileiras que inicia 1991 respondendo por 4,67% do total exportado pelo Brasil chega em 1998 com a porcentagem de 13,2% do total. O mesmo ocorre com as importações brasileiras oriundas do país vizinho que de 7,65% passam a corresponder por 13,9% do total. Na segunda etapa, que compreende os anos de 1998 a 2002, essa relação pode ser considerada negativa, pois a América Latina foi afetada por uma crise internacional, culminando na adoção brasileira do câmbio flutuante frente ao câmbio fixo da Argentina (vigente desde 1991), que se inviabilizou na própria Argentina e desestabilizou a dimensão macroeconômica da integração. Mesmo nesse período de crise, os produtos brasileiros entraram mais no mercado argentino, chegando ao ponto de que em 2002, mais de ¼ das importações da Argentina foram provenientes do Brasil. A participação argentina nas exportações brasileiras que respondia por 13,2% do total exportado pelo Brasil despenca em 2002 para a porcentagem de 3,88% do total. A mesma situação ocorre com as importações brasileiras oriundas do país vizinho que, embora em menor proporção, de 13,9% passam a corresponder por 10,04% do total no mesmo período. Na terceira e última etapa, a partir de 2002, houve a retomada do crescimento, através da adoção de um novo perfil comercial extrabloco. Após o ano de 2002, a América Latina começa a se recuperar das crises econômicas do México, da Ásia e da Rússia, que assolaram a região na década de 1990. O fluxo comercial Brasil - Argentina voltou a crescer, sinalizando a retomada da integração comercial. Esse novo fôlego na relação comercial tem crescimento sucessivo e seu ápice acontece em 2008 quando as XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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exportações brasileiras em direção ao mercado argentino atingem a cifra de US$ 17,6 bilhões. Em 2009, esse fluxo é abalado em virtude da crise deflagrada nos Estados Unidos ao final de 2008. As exportações brasileiras destinadas ao comércio com a Argentina caem 27,4%, enquanto as importações argentinas no Brasil caem 14,9% em relação a 2008. Esse comércio já é restabelecido em 2010 e apresenta tendência crescente, apesar de algumas barreiras protecionistas impostas pela Argentina a importações de produtos brasileiros em setores como de calçados, têxteis e vestuário, autopeças (freios, embreagens, baterias), tornos, móveis de madeira, linha branca (geladeiras, TVs, entre outros) e celulose e papel. (MACADAR, 2008). A evolução dos fluxos entre os dois países pode ser visualizada no gráfico 4, no período de 1991 até fins de 2011: Gráfico 4 Evolução Comercial Brasil - Argentina (em US$ milhões FOB) 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11

-5.000

Exportação

Importação

Saldo

Fonte: Alice Web – Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, 2012

3.2.3. Padrão de comércio O padrão de comércio (também conhecido como padrão de vantagem comparativa) refere-se à composição ou estrutura de exportação ou importação do país, ou seja, quais produtos são exportados e importados. Nessa parte, serão localizados os segmentos mais importantes, assim como as empresas que tem maior participação no comércio no entre os dois países. Segundo dados da Secex, na lista dos principais produtos brasileiros exportados para a Argentina, itens do setor automotivo sempre apresentaram papel de destaque. Isso se deveu, principalmente porque em 2000, foi protocolado um acordo bilateral para esse setor. Outro setor de relevância foi o de minério de ferro que de um montante de US$ 80,9 milhões, ou 0,63% do total exportado para a Argentina em 2009 passou a responder por uma cifra de US$ 1,35 bilhão ou 5,96% do total em 2011.

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A partir da lista dos principais produtos importados pelo Brasil do mercado argentino, nota-se que o fluxo de importação brasileiro é mais concentrado em determinados setores do que a contrapartida argentina. Produtos como o trigo e petroquímicos sempre contaram com uma porção relevante desse fluxo, mas vêm perdendo espaço para o setor automotivo. O trigo, que em 2006, correspondia por 11,3% do total importado no mercado argentino pelo Brasil, chegou em 2011 respondendo por 8,76%. O mesmo ocorreu com as naftas da indústria petroquímica que passaram de 9,74% para 5,79% no mesmo período. Por outro lado, o setor automotivo apresenta tendência crescente. Exemplo disso são os automóveis com motor à explosão, 1500Acesso em 24 de agosto de 2015. LEME, A. A. S. P. A Declaração do Iguaçu (1985): A nova cooperação Argentino-Brasileira. 2006. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa de pós-graduação em Relações Internaiconais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS. Porto Alegre: 2006. LIGI, L. Mercosul 20 anos. Revista Desafios do desenvolvimento. São paulo: IPEA, N. 68, p. 46-62, 2011. MERCOSUL. Saiba mais sobre o Mercosul. Disponível em: Acesso em 26 de agosto de 2015. SEVERO, L. W. Integração Econômica e Desenvolvimento na América do Sul: O Brasil e a desconstrução das Assimentrias regionais. Tese (Doutorado em Economia Política Internacional) Programa de pós-graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ, Rio de Janeiro, 2015. OSORIO, J. América Latina: O novo padrão exportador de especialização produtiva – Estudo de cinco economias da região. In: FERREIA, C.; OSOCIO, J.; LUCE, M. (orgs.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1994. SOUZA, N. A. Economia Internacional Contemporânea: da grande depressão de 1929 ao colapso financeiro de 2008. Atlas. São Paulo: 2009. _______. América Latina: as ondas da integração.Oikos. Rio de Janeiro, v. 11, N. 1, P. 87 -126, 2012. VAZ, A. C. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. IBRI. Brasilia: 2002. .

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Os limites de uma integração monetária na Unasul Lucas Gabriel Campos Balog1 Mariusa Momenti Pitelli2 Introdução

A

integração na América do Sul tem uma história de pouco sucesso, cheia de descontinuidades, entretanto, com muito aprendizado. Segundo Oliveira (2013), somente a partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando Brasil e Argentina, juntamente com Uruguai e

Paraguai unem-se para construir um mercado comum, que essa história começa a mudar. Em 2004, foi assinada a Declaração de Cuzco, em que os doze Estados sul-americanos – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela – assumiram intenções de estabelecer parâmetros igualitários nas áreas econômica, social, política, ambiental e de infraestrutura. Em 2008, em uma reunião em Brasília, dez dos doze países3 ratificaram a criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), completando o mínimo de ratificações necessárias para o Tratado entrar em vigor em 2011 (BRASIL, 2013). A Unasul tem por objetivo: [...] construir, de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados (UNASUL, 2008).

Desse modo, pode-se afirmar que a Unasul4 tem uma abrangência muito maior que o Mercado Comum do Sul (Mercosul), este sendo limitado, de facto, a economia de alguns países da América do Sul. Já a Unasul não só abrange um grupo muito maior de países como se propõe a uma integração econômica mais intensa. Sendo que, um dos objetivos específicos da Unasul é uma “integração financeira mediante a adoção de mecanismos compatíveis com as políticas econômicas e fiscais dos Estados Membros” (UNASUL, 2008). Essa diferença de caráter entre ambas as integrações pode ser decorrente do pensamento político das lideranças dos países envolvidos nas mesmas na época da elaboração dos Tratados.

Mestrando em Economia Aplicada pela UFSC. Doutora em Economia Aplicada pela ESALQ-USP. Professora do Departamento de Economia da UFSCar. 3 Os países que ratificaram foram: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Mais tarde ratificaram o acordo os outros dois países, a saber, Colômbia e Paraguai. 4 Engloba todos os países participantes do Mercosul. 1 2

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 190

Então, a Unasul envolve não somente uma integração econômica, mas também uma integração na área de defesa5, de segurança energética, na área da saúde6, de infraestrutura e planejamento, na área de educação, na área de tecnologia e desenvolvimento, na área de cultura, no âmbito da justiça, na área de cidadania e direitos humanos7, no retrógrado “combate” às drogas8 etc. Ou ainda, segundo Dreger (2009), [...] a Unasul nasce como um processo político, tendo como objetivo, também, a cooperação técnica e econômica. Diversos setores estão previstos no ambicioso projeto integracionista do bloco (...) em uma tentativa de forçar a integração a partir de setores estratégicos” (DREGER, 2009, p. 13, grifo nosso).

Destarte, discutir os limites e até que ponto é possível avançar em uma integração monetária em um continente tão heterogêneo, como é o sul-americano, é de suma importância para que integrações desiguais, que possuam efeitos negativos para os países membros, não aconteçam. O objetivo desse trabalho consiste em entender os limites de uma integração monetária na União das Nações SulAmericanas, a partir da análise de indicadores econômicos. A presente pesquisa valeu-se de métodos específicos das ciências sociais. Nesse sentido, utilizaram-se três métodos de procedimento: o método histórico, o qual foi empregado principalmente no início da pesquisa, durante a revisão de literatura e na discussão histórica; o método comparativo, o qual foi utilizado na análise das informações coletadas e durante a discussão; e, por último, o método tipológico, que foi utilizado na discussão ao se apontar soluções possíveis para alguns limites da integração monetária (LAKATOS; MARCONI, 1987, 1991).9 Indicadores econômicos Os indicadores econômicos são importantes para caracterizar as economias para que se possa compará-las. A comparação é importante para analisar, ao longo do tempo, a convergência (ou não) dos indicadores, e se houver, segundo a Teoria das Áreas Monetárias Ótimas (TAMO)10, mais fácil será a integração monetária. De acordo com dados da Cepal11, em 2012, o Brasil possui mais da metade do PIB da Unasul (54%), o que o coloca necessariamente em posição de liderança no grupo. O tamanho da economia

Ver Dreger (2009). Ver Buss e Ferreira (2010; 2011). 7 Ver Schmidt (2010). 8 A criação do Conselho Sul-americano sobre o Problema Mundial das Drogas foi uma exigência da Colômbia, cujo foco é a coordenação multinacional das políticas de “combate” as drogas. 9 Para efeito de análise, exclui-se a Guiana e o Suriname. 10 Em linhas gerais as condições econômicas que influenciam na criação de uma Área Monetária Ótima (AMO) são: a) tamanho e grau de abertura da economia; b) grau de circulação dos fatores de produção, capital e trabalho; c) grau de comércio intraregional e diversificação da produção; e d) capacidade de ajuste da economia frente a choques assimétricos (PERUFFO, 2012). 11 Obtidos através da plataforma CEPALSTAT (2014). 5 6

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 191

brasileira pode ser um indicador de maior capacidade de competitividade dentro do bloco. Seguido da Argentina, com 12% do PIB do bloco. Posteriormente, têm-se: Colômbia e Venezuela com 9% cada; Chile, 6%; Peru, 5%; Equador, 2%; Paraguai e Uruguai 1% cada. Outro dado importante a ser observado é a taxa de crescimento do PIB, que pode mostrar se há alguma convergência no PIB. O Quadro 4 mostra as taxas de crescimento dos países da Unasul. De acordo com o Quadro 1, não se pode afirmar que qualquer convergência absoluta há entre as economias, uma vez que, no período de 2000 a 2012, o país que menos cresceu foi o Paraguai (41,28%12) que é um dos mais pobres do bloco. Já os que mais cresceram foram Peru, Chile e Colômbia (103%, 70,69% e 70,09%, respectivamente), que são, à exceção do Brasil, relativamente grandes no grupo. Quanto aos outros países: Argentina cresceu 68,5%; Bolívia, 65,4%; Brasil, 51,8%; Equador, 69,6%; Uruguai, 51,1%; e Venezuela, 55,1%, no período de 2000 a 2012. Quadro 1. Relação da taxa de crescimento do PIB por país. Taxa de crescimento do PIB (%) 2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

-0,8

-4,4

-10,9

8,8

9,0

9,2

8,5

8,7

6,8

0,9

9,2

8,9

1,9

Bolívia

2,5

1,7

2,5

2,7

4,2

4,4

4,8

4,6

6,1

3,4

4,1

5,2

5,2

Brasil

3,9

1,4

3,1

1,2

5,6

3,0

3,7

5,8

4,8

-0,3

6,9

2,7

0,9

Chile

4,5

3,4

2,2

3,9

6,0

5,6

4,6

4,6

3,7

-1,0

5,8

5,9

5,6

Colômbia

2,9

1,7

2,5

3,9

5,3

4,7

6,7

6,9

3,5

1,7

4,0

6,6

4,0

Equador

1,1

4,0

4,1

2,7

8,2

5,3

4,4

2,2

6,4

0,6

2,8

7,4

5,0

Paraguai

-2,3

-0,8

0,0

4,30

4,1

2,1

4,8

5,4

6,4

-4,0

13,1

4,3

-1,2

Peru

3,0

0,2

5,0

4,0

5,0

6,8

7,7

8,9

9,8

0,9

8,8

6,9

6,3

Uruguai

-1,4

-3,4

-11,0

2,2

11,8

6,6

4,1

6,5

7,2

2,2

8,9

6,5

3,9

Venezuela

3,7

3,4

-8,9

-7,8

18,3

10,3

9,9

8,8

5,3

-3,2

-1,5

4,2

5,5

Fonte: Elaboração própria. Dados de CEPALSTAT (2014).

Quanto à inflação, historicamente os países da América do Sul possuem níveis bastante altos. A média de inflação, no período de 1971 a 2010 de países como Argentina, Bolívia, Brasil e Peru era acima dos 250%; Chile, Uruguai e Venezuela, em torno dos 30%; Colômbia e Paraguai, abaixo dos 20%. Isso mostra que esses países conviveram longo e/ou intenso período inflacionário, destaque para os níveis do primeiro grupo de países. Contudo, se a análise for centrada nos últimos anos (Quadro 2), é possível verificar que grande parte dos países possui inflação controlada. A Unasul pode ser dividida em quatro grupos quando se trata de patamar inflacionário no período recente. O primeiro corresponde a países com inflação acima de 20%, neste está a Venezuela. O segundo, com inflações que rondam a casa dos 10%, está a Argentina (inflação por números oficiais). O terceiro, 12

Crescimento acumulado de 2000 a 2012.

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 192

já com países de inflações razoaveis (entre 5% e 10%), estão Bolívia, Paraguai e Uruguai. E o quarto, com inflações que não ultrapassam a casa dos 5%, estão Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Quadro 2. Inflação de preços ao consumidor por país. Inflação de preços ao consumidor por país 2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

10,90%

8,84%

8,62%

6,25%

10,41%

9,82%

10,01%

Bolívia

4,30%

8,72%

13,93%

3,41%

2,47%

9,86%

4,52%

Brasil

4,20%

3,65%

5,65%

4,91%

5,01%

6,68%

5,37%

Chile

3,40%

4,35%

8,80%

1,45%

1,51%

3,31%

3,04%

Colômbia

4,30%

5,56%

6,99%

4,16%

2,28%

3,43%

3,16%

Equador

3,30%

2,32%

8,33%

5,15%

3,57%

4,49%

5,07%

Paraguai

9,60%

8,12%

10,13%

2,61%

4,71%

8,20%

3,69%

Peru

2,00%

1,76%

5,78%

2,91%

1,59%

3,31%

3,71%

Uruguai

6,40%

8,08%

7,91%

7,09%

6,70%

8,04%

8,09%

Venezuela

13,70%

18,65%

31,43%

28,60%

29,08%

27,15%

21,11%

Fonte: Elaboração própria. Dados de CEPALSTAT (2014).

O Quadro 3 mostra o saldo da dívida pública do governo central pelo PIB de cada país. Pode-se observar uma tendência geral de queda nesse indicador, a exceção do Chile que já possuía um indicador baixo e o manteve no mesmo patamar. Hoje, todos os países da Unasul, a exceção do Brasil, possuem dívidas públicas baixas (abaixo de 50% do PIB e boa parte abaixo dos 35%). O que implica que possíveis regras visando à boa conduta com relação ao controle do nível de dívida, visando uma estabilidade monetária, não seria um grande problema. Quadro 3. Relação do saldo da dívida pública total (do governo central) pelo PIB por país (em%) Saldo da dívida pública total (do governo central) em percentagem do PIB 2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

45

53,7

145,9

138,2

126,5

72,8

63,6

55,7

48,5

48,5

45,1

41,6

44,7

Bolívia

60,8

72,7

77,4

86,7

81,1

75,4

49,6

37,1

34

36,3

34,5

34,4

31,3

Brasil

63,2

68

76,7

72,3

68,6

67,7

56,4

58,0

57,4

60,9

53,4

54,2

59,3

Chile

12,9

14,2

14,9

12,4

10,2

6,9

5

3,9

4,9

5,8

8,6

11,1

11,1

Colômbia

31

36,9

41,7

42,6

38,9

39,1

37,5

32,9

33,3

35

34,9

33,4

32,1

Equador

63,7

49,4

43,9

40,4

36,4

32,2

26,3

24,7

20,1

15,2

19,6

18,6

22

Paraguai

28,8

33,5

47,7

39,2

35,1

29,4

22,6

16,5

14,5

14,4

13,9

11,7

10,9

Peru

36,4

34,5

43,2

43,4

40,1

36,9

30,1

26,2

24,1

23,4

21,3

19

17,7

Uruguai

30,6

40,1

94,4

90,2

71,4

64,2

58,5

50

49

45,1

39,9

40,2

39,1

Venezuela

28,2

31,7

44,3

47,4

38,8

33,1

24

19,1

14

18,2

20,2

25,1

27,5

Fonte: Elaboração própria. Dados CEPALSTAT (2014).

A relação da dívida externa total (pública e privada) pelo PIB (Quadro 6) é um indicador importante, pois indica a sensibilidade dos países a choques externos adversos. Repetindo a tendência da XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 193

dívida total, a dívida externa dos países da Unasul possui tendência de queda. O Quadro 4 mostra os dados para os anos de 2000 a 2008, ou seja, não se pode ver os impactos da crise de 2008. Contudo, a exceção da Argentina, do Chile e do Uruguai, é muito significativa a redução das dívidas externas no período. Ainda, mesmo que significativas as reduções, os patamares ainda são bastante elevados, o que significa que uma variação cambial adversa pode deixar em situação de vulnerabilidade os países (e as empresas dos mesmos), a depender das reservas destes. Por isso a importância de instituições para financiar possíveis déficits externos, como o Fundo do Sul, exposto no próximo capítulo. Quadro 4. Relação da dívida externa total pelo PIB em porcentagem por país. Dívida externa total em percentagem do PIB 2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Argentina

54,5

61,8

153,6

127

111,8

62,1

50,8

47,5

38

Bolívia

80,3

84,3

88,2

95,7

86,2

80,3

54,8

41,2

35,6

Brasil

33,6

37,9

41,6

38,9

30,3

19.2

15,8

14,1

12

Chile

46,8

53,2

57

55.3

43,2

37,1

32,1

32,2

35,8

Colômbia

36,2

39,9

38,2

40,2

33,7

26,3

24,7

21,5

19

Equador

72,1

58,8

56,9

51,7

47

41,5

36,5

34,2

27,4

Paraguai

35

34,6

45,8

44,8

36,1

30,9

25,7

20,8

17,6

Peru

52,5

50,4

49,1

48,2

44,8

36,1

31,3

30,6

27

Uruguai

42,4

46,1

82,2

94,2

83,9

65,8

53,9

52,2

39,6

Venezuela

31.1

28,8

38,2

48,4

38,8

31,9

24,4

23,4

17

Fonte: Elaboração própria. Dados CEPALSTAT (2014).

Quadro 5. Reservas totais dos países, incluindo ouro (em bilhões de dólares) por país da Unasul (20052012). Reservas totais dos países, incluindo ouro (em bilhões de dólares) por país da Unasul (2005-2012) 2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

28,1

32,0

46,1

46,4

48,0

52,2

46,3

43,2

Bolivia

1,8

3,2

5,3

7,7

8,6

9,7

12,0

13,9

Brasil

53,8

85,8

180,3

193,8

238,5

288,6

352,0

373,2

Chile

16,9

19,4

16,8

23,1

25,3

27,8

41,9

41,6

Colômbia

15,0

15,4

21,0

23,7

25,0

28,1

31,9

37,0

Equador

2,1

2,0

3,5

4,5

3,8

2,6

3,0

2,5

Peru

14,2

17,4

27,8

31,2

33,2

44,2

48,9

64,2

Paraguai

1,3

1,7

2,5

2,9

3,9

4,2

5,0

5,0

Uruguai

3,1

3,1

4,1

6,4

8,0

7,7

10,3

13,6

Venezuela

29,8

36,7

33,8

43,1

34,3

29,7

27,9

29,5

Fonte: Elaboração própria. Dados Word Bank Data (2014).

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 194

O Quadro 5 mostra as reservas totais13 dos países da Unasul. Esse dado é relevante principalmente quando se discute a necessidade, como dito acima, de um fundo supranacional para atender os países da Unasul. O Brasil possui em reservas 1,5 vezes a soma das reservas de todos os outros membros do bloco. Destarte, a presença do país é muito importante em qualquer instituição que venha a ser criada para financiar possíveis problemas no balanço de pagamentos dos países. Os Quadros 6 e 7 mostram, respectivamente, a taxa de política monetária (taxa de juros nominais) de cada país e a taxa real de juros (taxa de política monetária descontada a inflação). Para realizar uma análise sobre o nível das taxas é necessário conhecer os atores sociais e a institucionalidade de cada país. Todavia, podem ser feitas algumas inferências: a forma de financiamento das dívidas dos países da Unasul é bem diferente (por exemplo: na fonte do financiamento, se interna ou externa; da associação da política com os grupos que a financiam; ou ainda, se o financiamento é feito a juros pré-fixados, independente da taxa de juros de política monetária), dado à brutal diferença nas taxas de juros reais. Isso impacta em como deve ser pensado o processo de integração monetária: em uma emissão de dívida ao mercado centralizada, securitizada? Caso isso ocorra, visando um financiamento mais baratado a todos os países, mas e o problema político com as elites internas? Caso isso não ocorra, é admissível, como no caso da União Europeia, um país se financiar a juros baixos no mercado, enquanto outro é chantageado pelo mercado? Como deve ser formulado o modelo de integração monetária? Quadro 6. Relação da taxa juros de política monetária por país. Taxa de política monetária 2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

9,05

11,35

13,98

12,25

11,79

12,75

Bolívia

6

9,04

7

3

4,04

4

Brasil

12,02

12,44

10,13

9,9

11,75

8,56

Chile

5,33

7,17

1,75

1,54

4,75

5

Colômbia

8,83

9,81

5,79

3,17

3,96

4,98

Equador

-

-

-

-

-

-

Paraguai

6,02

5,86

2,11

2,21

7,95

6,05

Peru

4,71

5,9

3,25

2,06

4,04

4,25

Uruguai

-

7,38

8,46

6,33

7,5

8,81

Venezuela

9,79

12,3

8,14

6,34

6,35

6,37

Fonte: Elaboração própria. Dados CEPALSTAT (2014).

Pelo lado do setor produtivo, ao se observarem os principais bens de exportação e importação, em 2010, dos países da Unasul14. Atentando-se aos produtos é possível observar que: 1) com exceção de As reservas totais incluem participações de ouro monetário, direitos de saque especiais, as reservas dos membros do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada pelo FMI, e haveres em divisas sob o controle das autoridades monetárias. O componente de ouro dessas reservas é avaliado no final do ano (31 de dezembro) os preços de Londres. Os dados são em dólares correntes dos Estados Unidos. 14 Ver Cancino (2012). Dados de ALADI (2014). 13

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 195

Argentina e, principalmente, Brasil, os países da Unasul exportam produtos de baixo valor agregado; 2) a maioria dos produtos importados pelos países do bloco possui relativo valor agregado, a exceção de gasolina e diesel; 3) há muita intersecção de produtos de exportação e importação nos países analisados; e 4) não há cruzamento entre produtos importados por um país e exportados por outro, ou seja, por exemplo, a Colômbia não exporta o que o Brasil importa e vice-versa. O que os principais bens de exportação e importação mostram é essencial para se compreender os limites de uma integração. Pois as economias sul-americanas são muito mais concorrentes do que complementares, logo, segundo a TAMO, a integração é mais difícil. No Quadro 7 há o grau de abertura comercial dos países da Unasul. Quadro 7. Relação do grau de abertura econômica entre os países sul-americanos (1995 a 2010). Grau de abertura econômica entre os países sul-americanos (1995 a 2010) PAÍS

Argentina

Bolívia

Brasil

Colômbia

Chile

Equador

Paraguai

Peru

Uruguai

Venezuela

América do Sul

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

1995

2010

Argentina

-

-

0,2

0,2

3,9

7,4

0,1

0,3

0,8

1,2

0,1

0,2

0,3

0,4

0,1

0,3

0,4

0,5

0,2

0,3

5,9

10,8

Bolívia

3,8

10,4

-

-

2,8

27,8

1,2

2,9

1,9

3,3

0,2

0,5

0,1

0,4

3,1

6,5

0,1

0,3

0,2

5,2

13,4

57,1

Brasil

1,7

3,7

0,1

0,4

-

-

0,1

0,4

0,4

0,9

0,0

0,1

0,3

0,3

0,1

0,3

0,3

0,3

0,2

0,5

3,2

7,0

Colômbia

0,3

1,1

0,1

0,2

0,6

2,3

-

-

0,4

1,2

0,7

1,8

0,0

0,0

0,7

1,3

0,0

0,0

2,5

1,2

5,2

9,0

Chile

3,2

5,2

0,4

0,4

3,7

8,1

0,6

2,1

-

-

0,5

1,2

0,2

0,7

0,9

2,3

0,2

0,2

0,6

0,6

10,2

20,7

Equador

1,1

2,7

0,0

0,6

1,6

3,7

4,3

10,9

2,0

5,5

-

-

0,0

0,1

0,7

8,8

0,1

0,3

2,0

6,0

11,8

38,5

Paraguai

8,4

20,2

0,1

0,5

15,3

29,4

0,2

0,1

1,6

6,4

0,0

0,2

-

-

0,1

1,3

1,0

11,0

0,3

3,2

27,0

72,2

Peru

0,8

1,4

0,4

0,7

1,3

3,4

1,5

2,3

0,9

2,6

0,2

2,4

0,0

0,3

-

-

0,1

0,1

1,2

0,7

6,5

13,8

Uruguai

4,4

6,6

0,0

0,1

7,1

9,6

0,1

0,1

0,5

0,8

0,1

0,2

0,2

0,7

0,2

0,3

-

-

0,2

2,9

12,7

21,1

Venezuela

0,3

0,6

0,0

0,3

1,9

2,1

1,1

1,1

0,2

0,4

0,2

0,6

0,1

0,1

0,3

0,3

0,0

0,2

-

-

5,0

5,4

Cálculo: ((exportações+importações)/PIB)*100. Para o cálculo da América do Sul foi retirado Guiana e Suriname. Fonte: Elaboração própria com base em Cancino (2012), tradução livre. Dados de ALADI (2014) e World Bank Data (2014).

Pode-se observar que entre 1995 e 2010 houve grande avanço das trocas entre os países sulamericanos. Em geral, a América do Sul dobrou de importância para os países análisados nesses 15 anos. Assim, grande parte dos países tem os membros da Unasul como relevantes parceiros comerciais. O Paraguai é totalmente dependente da América do Sul em suas trocas comercias: em 2010 o seu grau de abertura com o bloco chegou a mais de 70, sendo que cerca de 41% do total é feita com o Brasil e 28% com a Argentina. A Bolívia também possui bastante dependência do continente sul-americano, 57,1 é seu grau de abertura com o bloco, sendo que quase 49% do total para o Brasil, em 2010. Ainda, para Venezuela, Brasil, Colômbia, Argentina e Peru, os grandes do bloco, a impotância dos vizinhos nas trocas é relativamente baixa, menor que 20. No caso venezuelano, não chega a 6, no brasileiro, 7, em 2010. Portanto, cabe inferir que as grandes economias da Unasul estão voltadas para os

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mercados centrais, já as menores, são bastante dependentes das grandes (principalmente Brasil e Argentina) do bloco. Além disso, observando o caso especificamente brasileiro, a menor influência dos demais membros do bloco sobre a economia brasileira já contribui para a construção de um cenário, em que os interesses e necessidades políticos e econômicos não seriam devidamente supridos pela Unasul. Ou seja, o Brasil, a priori, possui uma menor dependência da Unasul do que esta do Brasil. Ao menos a curto e médio prazo, sobretudo por conta do atual foco das exportações brasileiras15, essa situação não deve mudar. Essa pouca relação com os mercados sul-americanos, abre espaço para que internamente no Brasil possa se debater uma possível guinada nas prioridades das relações exteriores para os países centrais. O que de fato seria um grande problema para o desenvolvimento da Unasul e suas instituições. O Quadro 8 mostra a participação do valor adicionado da indústria no PIB dos países analisados. Há poucas variações ao longo de 2005 a 2012, sendo que a indústria tem participação menor que 30% apenas no Brasil, Paraguai e Uruguai. Quadro 8. Valor adicionado da indústria (% do PIB) por país da Unasul (2005-2012). Valor adicionado da indústria (% do PIB) por país da Unasul (2005-2012) 2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Argentina

35,8

35,9

34,0

32,5

32,1

31,2

31,1

30,5

Bolivia

32,0

35,1

36,4

38,4

36,2

37,3

38,9

38,7

Brasil

29,3

28,8

27,8

27,9

26,8

28,1

27,5

26,3

Colômbia

32,8

33,8

33,7

35,5

34,5

35,0

37,9

37,5

Chile

36,9

44,2

43,0

38,0

37,6

39,1

38,0

35,5

Equador

33,4

35,6

36,2

39,3

34,3

34,9

36,8

36,9

Peru

34,3

37,0

37,0

36,6

34,2

36,1

36,6

34,6

Paraguai

34,8

33,3

31,7

29,7

32,0

30,1

27,5

28,1

Uruguai

27,1

26,4

27,2

25,8

25,6

26,1

23,9

24,7

Venezuela,

57,8

56,5

53,3

54,1

44,2

52,2

-

-

Fonte: Elaboração própria. Dados Word Bank Data (2014).

Não obstante, esse indicador contém setores como: mineração, construção, eletricidade, água e gás16; além da própria manufatura. Portanto, o indicador agregado contém também setores que geram baixo valor adicionado e que possuem baixos níveis tecnológicos. Por fim, pode-se observar nesse tópico que Argentina e Brasil destoam do resto do bloco. O Brasil possui mais da metade do PIB da Unasul; possui também grande independência comercial com

15

Basicamente, produtos primários para o mercado asiático.

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relação ao grupo; possui, sozinho, capacidade de se defender de choques adversos sobre o balanço de pagamentos; além de ser um dos mais desenvolvidos. Ou seja, o Brasil, em termos econômicos, certamente pouco precisa do bloco, cabendo inferir que a principal motivação do país pelo bloco é política. A Argentina possui também relativa independência comercial com relação ao grupo; contudo, diferentemente do Brasil, o nível de dívida externa é considerável, o nível de reservas não é tão alto. Sendo que nos últimos anos, teve bom crescimento, mas hoje vive em um ambiente de instabilidade. Assim, um estreitamento com os países sul-americanos poderia ser benéfico economicamente. Com relação a Paraguai e Bolívia, os dois mais pobres do grupo, a dependência da região é muito grande (principalmente do Brasil). O estreitamento de laços e a criação de instituições regionais para o desenvolvimento interno desses países seriam muito bem-vindas. Já a Venezuela, destoa do grupo por ser demasiada dependente dos países centrais. Assim, a aproximação dos países sul-americanos é importante, ao menos, para uma possível diversificação de sua pauta exportadora. Mas, e uma integração monetária?

Há que se considerar pelo menos dois cenários: o de uma moeda única e o de uma moeda comum. A moeda comum é um conceito não excludente, ou seja, os países podem ter uma moeda própria e apenas (no caso, por opção) transacionar com os outros países do bloco por meio dela. Utilizou-se como exemplo de moeda comum o Sistema Único de Compensação Regional (SUCRE)17, o qual é apenas um sistema contábil. É importante ressaltar que isso faz toda a diferença na análise, que, por ser somente contábil, essa moeda não está exposta a volatilidades e, também, devido às regras desse sistema, a probabilidade de déficits é diminuída (SUCRE, 2013a). Diferentemente do bancor18, o SUCRE não objetiva punir países superavitários sobre outros países do sistema, contudo, financia os déficits através da Cámara Central de Compensación de Pagos (SUCRE, 2013b). E para reduzir as assimetrias entre os Estados Parte, o SUCRE financia projetos que visam o aumento das exportações dos países deficitários. Dessa forma a Figura 1, mostra a proposta, considerando a moeda comum, para a nova arquitetura financeira regional (NAFR). Segundo a proposta apresentada por Peréz (2012), a NAFR parte de três características básicas: Primeramente, debe fundamentarse en una institucionalidad democrática: no puede reproducirse una situación en la que el monto del capital o aporte defina la gobernanza de estas instiruciones. A escolha do SUCRE não foi aleatória. O SUCRE fez parte da proposta equatoriana de integração monetária para a América do Sul (PERÉZ, 2012). 18 O bancor é parte da proposta apresentada por Keynes na Conferência de Bretton Woods (em 1944) e consiste em uma moeda contábil que ficaria sob os cuidados de uma Câmara Internacional de Compensações, essa moeda, por ser contábil, seria imune à preferência pela liquidez. Keynes propôs, ainda, que os países superavitários também fossem punidos pagando uma taxa sobre seu superávit, desestimulando-o. 17

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 198

Crear instituciones en donde se rescata el principio de un país un voto, constituye un elemento essencial para la institucionalidad de la Nueva Arquitectura Financiera que está naciendo. Luego, las instituciones y mecanismos deben incorporar el financiamiento sostenible y deben ser eficientes, con un componente claro y transparente de subsidiaridad, cuya continuidad deberá ser avaluada permanentemente em contraste con los benefícios sociales y económicos que se vayan obteniendo para los países. Deben incluir de igual manera, elementos de validación em términod del mercado que le permitan, em condiciones del desarrollo desigual de los distintos países, ser sostenible política, ambiental y económicamente, en el tiempo. (PERÉZ, 2012, pp. 156157). Os três eixos fundamentais estão na Figura 1. O Banco do Sul é tido como um eixo fundamental de integração, não só como um banco de desenvolvimento, mas também como um fomentador dos diversos bancos de desenvolvimento regionais. Em setembro de 2009, Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela firmaram o convênio constitutivo do Banco do Sul (PERÉZ, 2012). Apesar de existirem dezenas de instituições de desenvolvimento na região, com exceção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), segundo Peréz (2012), após as décadas neoliberais houve um desmantelamento dessas instituições, fazendo com que hoje não tenham força para realizarem seu trabalho. Cabe ressaltar que o Banco do Sul foi pensado para apoiar o processo de desenvolvimento de infraestrutura para a região, contudo, não para facilitar as exportações de bens primários, reforçando a atual divisão internacional do trabalho, mas, sim, para ser a “coluna vertebral” de um “virtuoso” processo que ligue os territórios das comunidades sul-americanas, fazendo com que se desenvolvam mercados e produções promissoras (PERÉZ, 2012). Ao mesmo tempo, o Banco do Sul deve apoiar projetos ligados à área social, como saúde e educação. Já o Fundo do Sul é fundamental porque, dado o histórico sul-americano (e da periferia global de modo geral), a necessidade de financiamento externo é um problema caro aos países sul-americanos. Então, o Fundo funcionaria como um financiador dos países da região em caso de necessidade (PERÉZ, 2012).

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 199

Figura 1. Proposta Equatoriana para uma nova arquitetura financeira regional.

Banco de Desenvolvimento de Novo Tipo

Rede de Banco Central

Fundo do Sul

Banco do Sul Moeda Fiduciária Regional

Sistema de Compensação de Pagamentos

Fonte: Peréz (2012). Tradução Livre.

Sem embargo, na região já existe o Fundo Latino-americano de Reserva (FLAR), que, segundo Peréz (2012), poderia funcionar como o Fundo do Sul. Fazem parte do FLAR, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela. Na composição do FLAR cada país entra com aproximadamente 1,5% de suas reservas internacionais, sendo que independentemente do aporte, os países possuem o mesmo poder de voto (FLAR, 2014). O Quadro 9 apresenta os ratings dos países membros do FLAR e do Fundo, pode-se observar que com o FLAR os países conseguiriam se financiar externamente a juros menores, pois o Fundo possui um rating bem melhor do que dos países isolados. Quadro 9. Ratings de países membros do FLAR versus Rating FLAR. Standard & Poors

Moody’s

Bolívia

B+/Positiva/B

B1/positiva

Colômbia

BBB-/Estável/A-3

Baa3/Estável

Costa Rica

BB/Estável/B

Baa3/Estável

Equador

B-/Positiva/C

Caa2/Estável

Peru

BBB/Estável/A-3

Baa3/Positiva

Uruguai

BB+/Estável/B

Ba1/Estável

Venezuela

B+/Estável/B

B2/Estável

FLAR

AA

Aa2

Fonte: Peruffo (2012). Dados referentes a 22 de outubro de 2011.

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 200

A moeda comum, por sua vez, dentro da proposta apresentada por Peréz (2012), é o SUCRE. Como citado em capítulos anteriores, esta poderia dinamizar o comércio entre os países membros, por facilitar as trocas entre outros benefícios, pontuados no presente estudo. Quanto ao segundo cenário, o da moeda única. A criação desta, seguindo a TAMO, para a Unasul é perante todos os pontos apresentados, inviável. Os países não apenas apresentam economias insuficientemente estáveis como também fortes divergências sociais e econômicas que poderiam, com as quebras de barreiras geradas pelo desenvolvimento do bloco, levar a um possível futuro retrocesso no mesmo. Com relação à dimensão econômica, um ponto importante é a incapacidade dos países da região em concorrer com o Brasil. Uma moeda única, ao valorizar o câmbio dos outros países, poderia provocar um completo domínio de mercado por parte do Brasil, dado a maior força da indústria e agronegócio brasileiro, somados ao aumento do poder de compra dos outros países. Cabe lembrar que os países da região produzem de maneira concorrente e não complementar. Já na dimensão social, a heterogeneidade entre os países pode acarretar em grandes fluxos migratórios devido ao aumento da facilidade de intercâmbio proporcionado por uma moeda única. Em conformidade aos estudos de Carneiro (2011), Nunes (2011) e Peruffo (2012), verificou-se que não há possibilidade de moeda única para a Unasul devido à heterogeneidade dos países que a compõe. Contudo, é possível avançar, mesmo pela ótica do mainstream, pela coordenação de políticas. Os limites para algo como feito na Europa, com base em uma TAMO, são muitos. Há muita heterogeneidade entre os países, como já demonstrado nos tópicos anteriores. Para algo como a proposta equatoriana, os limites são políticos. Por exemplo, o Banco do Sul demorou mais de dois anos para se constituir porque o Brasil se negava a aceitar a ideia de que os países possuiriam o mesmo peso de voto com relação às decisões do Banco. Para o Brasil o poder de decisão deveria ser de acordo com o aporte de capital (BBC, 2014). Isso dentro de um contexto de um governo brasileiro pró-relações sul-sul, que priorizava a integração sulamericana, e caracterizado como de centro-esquerda. A integração, ou as relações internacionais de forma geral, são políticas de Estado, e não de governo, por isso é feita em base legal. O que pode acontecer é que dentro de ambientes políticos propícios a integração avance e quando os ambientes não o forem a integração estagne. Considerações finais O presente trabalho se propôs discutir os limites de uma integração monetária para a Unasul, entendendo isso como parte necessária para a evolução de um processo de integração. Aos aspectos específicos, os dois casos analisados foram a possibilidade de uma moeda única e a de uma moeda comum. No primeiro caso, a integração já é de cara descartada, uma vez que, sob a ótica da TAMO, os XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 201

países são muito heterogêneos e pouco complementares. Com relação a uma moeda comum, tendo em mente a ideia do SUCRE, ela é possível, entretanto, é politicamente difícil. É fundamental, também, ressaltar as limitações do presente estudo. Este não versou com a profundeza necessária sobre a política sul-americana, que é o fator que mais influi em uma integração – vide Europa. Além disso, o trabalho não tratou das relações imperialistas dos Estados Unidos com a América do Sul. Outro ponto é que este estudo se limitou a tratar dos aspectos supracitados de uma integração, contudo, é importante considerar que existem outros aspectos históricos e políticos que devem ser levados em conta em estudos semelhantes. Como, por exemplo, as fricções Bolívia-Chile, Brasil-Argentina etc.

Referências ALADI. SICOEX. 2014. Disponível em: . Acesso em: mai. 2014. BBC. Banco do Sul deverá ser lançado no segundo semestre. Diz ministro venezuelano. 2014. Disponível em: . Acesso em: jun. 2014. BRASIL. Itamaraty. UNASUL. 2013. Disponível em: . Acesso em: out. 2013. BUSS, P. M.; FERREIRA, J. R. Diplomacia da saúde e cooperação Sul-Sul: as experiências da Unasul saúde e do plano Estratégico de Cooperação em Saúde da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). RECIIS, v. 4, n. 1, mar., 2010. p. 106-118. _______. Cooperação e integração regional em saúde na América do Sul: a contribuição da Unasul-Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 2011. p. 2699-2711. CANCINO, A. R. C. La Integración en el Marco de la UNASUR: problemas y alternativas para superar las dificultades y alcanzar la integración productiva. In: NETO, W. A. D.; TEIXEIRA, R. A. (ORG). Perspectivas para la Integración de América Latina. Brasília: IPEA, 2012. p. 37-60. CARNEIRO, B. L. Cooperação e integração monetária e financeira no Mercosul Ampliado. 2011. Dissertação (Mestrado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2011. CEPALSTAT. Cepal. 2014. Disponível . Acesso em: mai. 2014.

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XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Os processos de integração regional e a efetivação das políticas públicas e sociais Sérgio Luiz Pinheiro Sant’Anna1 Introdução

O

ano de 2015 marca o trigésimo aniversário da retomada do processo democrático na República Federativa do Brasil, com a vitória no Colégio Eleitoral da chapa civil composta por Tancredo Neves e José Sarney através de eleições indiretas para a Presidência da

República, consagrando o fim do regime militar. A transição da ditadura para a democracia teve como marco fundamental a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, que define o Estado Democrático de Direito como paradigma a ser seguido com a previsão de inúmeros Direitos Fundamentais, consagrados como Princípios e elencados em Títulos e Capítulos ao longo da Constituição. A Carta Fundamental, desta forma, tem possibilitado a ampliação de políticas públicas ao longo dos mandatos dos Presidentes do período democrático, a saber, José Sarney, que tomou posse em decorrência do falecimento de Tancredo Neves; Fernando Collor de Mello, este já fruto do processo de sufrágio através de eleições diretas para Presidência da República; Itamar Franco, que foi alçado à Presidência em virtude do Processo de Impedimento (Impeachment) do então Presidente Collor por denúncias de corrupção; Fernando Henrique Cardoso por dois mandatos sucessivos; Luis Inácio Lula da Silva, também por dois mandatos sucessivos e Dilma Rousseff, eleita e reeleita, estando por completar o primeiro ano do seu segundo mandato em curso. Todos estes presidentes ao longo dos seus respectivos mandatos tiveram iniciativas de implementação das políticas públicas e sociais para o cidadão, bem como participação na construção de um processo de integração, já sob o regime democrático e com perspectiva inversa ao tempo dos regimes militares dos países sul-americanos. O processo de integração regional vem se constituindo numa maior aproximação do Brasil com os países vizinhos da América do Sul, Central e do Caribe, numa clara prioridade governamental em termos de política externa, principalmente nos Governos Lula da Silva. O presente artigo acadêmico tem como objetivo fazer uma breve abordagem dos processos de integração regional na América do Sul e das políticas públicas e sociais, por parte do Estado Brasileiro, bem como a análise que permite estabelecer pontos comuns deste período para o futuro. Os processos de integração regional e a institucionalidade

Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, Professor na Universidade Cândido Mendes, Procurador Federal, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros onde é Presidente da Comissão de Direito da Integração 1

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 204

De 1985 até os dias atuais, ocorrem questões importantes sob o ponto de vista dos processos de integração na América do Sul, destacando-se a criação do Mercosul em 1991 e da Unasul em 2004/2007, inserindo-se na conjuntura multipolar e na construção de uma agenda Sul-Sul. No caso do Mercosul, a aliança entre Brasil e Argentina foi construída ao longo do início do processo de redemocratização nos anos oitenta, o que possibilitou acordos como a Declaração de Iguaçu2 em 1985 ao estabelecer um estreitamento das relações bilaterais, na certeza de benefícios para ambos os Estados. Após a Ata de Buenos Aires que fixava uma data para o efetivo funcionamento de um mercado comum entre Brasil e Argentina, em 06 de julho de 1990, em agosto do mesmo ano, Paraguai e Uruguai iniciaram as tratativas para participar do processo integracionista, culminando com a assinatura em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção para a Constituição do Mercado Comum do Sul, que estabelecia a estrutura institucional do Mercosul e o dotava de personalidade jurídica de direito internacional. Durante a primeira década do Mercosul (1991-2000), a prioridade do bloco foi puramente econômica e comercial, bem como na sua prioridade institucional, destacando-se no ano de 1995, o Protocolo de Ouro Preto, ao efetivar oficialmente a constituição de uma união aduaneira e o objetivo de livre fluxo de pessoas, bens capitais e serviços. Assim transcrito pelo Tratado de constituição: 

livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;  estabelecimento de uma tarifa externa comum, a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados e a coordenação de posições em foros econômicos/comerciais regionais e internacionais;a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os países-membros;  e o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Destaca-se na estrutura do Mercosul, instâncias complexas para o seu objetivo tais como o: Conselho do Mercado Comum (CMC), do Grupo de Mercado Comum (GMC), da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), da Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), do Foro Consultivo Econômico – Social (FCES), da Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) e do Tribunal Permanente de Revisão, criado em 2002, pelo Protocolo de Olivos para um Sistema de Solução de Controvérsias, entre outros.

A Declaração de Iguaçu assinada em 1985 por Brasil e Argentina inaugurava a ponte internacional que vinculava os dois países, ligando a cidade brasileira de Porto Madeira à argentina Puerto Iguazú. 2

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O viés comercial do Mercosul estava em coerência com o pensamento neoliberal, então hegemônico, e norteador das políticas implementadas pelos Presidentes ao longo do seu primeiro decênio. Na virada do século, o regime neoliberal foi se esgotando na corrupção, políticas de privatização, juros altos e altos índices de desemprego nos países sul-americanos, o que foi permitindo o triunfo de governantes com políticas nacionalistas, de perfil social-democrata e intervencionista no reconhecimento do papel do Estado na atividade econômica. Sendo assim, a segunda década do Mercosul (2001-2010) já recebe a influência dessa transição criando uma estrutura institucional mais ampla e políticas de cooperação, destacando-se o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), destinado ao financiamento de programas voltados para a correção estrutural, desenvolvimento da competitividade e do fortalecimento da integração. Em que pese o ganho econômico entre as nações ter tido um significativo aumento desde a sua criação, a segunda década do Mercosul ficou marcada pela compreensão de que integração deve ser política, social, cultural, jurídica e, também, econômico-comercial. . A estrutura institucional do Mercosul ao longo da segunda década foi sendo ampliada para possibilitar uma maior estratégia de integração e efetivação de políticas públicas entre os países signatários do bloco. Dentre os problemas a serem enfrentados, durante a terceira década, não obstante a aprovação do Código Aduaneiro, está o de avançar no processo de consolidação das legislações supranacionais; a necessidade de que o Sistema de Solução de Controvérsias seja plenamente aceito por todos os países integrantes, sem que o Supremo Tribunal Federal e instâncias similares dos demais países decidam privilegiando as Constituições internas e aprofundar a institucionalidade do bloco. Atualmente, o Mercosul é caraterizado por um regionalismo aberto, e conta com a participação da Bolívia (desde 1996), do Chile (desde 1996), do Peru (desde 2003), da Colômbia e do Equador (desde 2004), como Estados Associados e a partir de 2012, a Guiana e o Suriname como Estados Colaboradores. Estes mesmos governantes em consonância com a proposta de uma maior capacidade de interlocução na esfera geopolítica de um mundo multipolar, resolveram criar um espaço de integração regional que reunisse todos os países da América do Sul. No caso da Unasul, a Primeira Reunião de Presidentes da República da América do Sul, em Brasília, no dia 31 de agosto de 2000 já demonstrava que haviam pontos comuns que permitiria a construção de uma agenda comum. O momento político e a similitude de objetivos dos Presidentes dos países sul-americanos, avançou na perspectiva de que a integração deveria ser entendida como um foro de discussão e concertação política, com estratégias econômicas baseada em obras de infraestrutura, melhorias dos indicadores sociais e criação de uma estrutura institucional estabelecida de forma participativa e consensual entre Estados, permitindo beneficiar o cidadão, em todas as suas dimensões. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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A incorporação da agenda da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana), na Segunda Reunião de Presidentes da América do Sul, em 2002, permitiu o reconhecimento da necessidade de estreitamento das relações entre Comunidade Andina de Nações, Mercosul e demais países e a formação de um espaço comum sul-americano, para não somente acordos econômicos de cooperação, mais principalmente a manutenção da paz. Na Terceira Reunião de Presidentes, em 2004, criou-se oficialmente a Comunidade Sul Americana de Nações (CASA), nos termos da Declaração de Cusco (2004) no item 1, a Comunidade estaria em busca de “uma identidade sul-americana compartilhada e valores comuns”. Nesse sentido Sierra (2012, p.104): Por meio da Declaração de Cusco, os Presidentes dos Países da América do Sul decidiram criar a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), com base na história comum compartilhada pelas nações sul–americanas, e objetivando, dentre outras coisas, melhor aproveitar as potencialidades da região, e juntando esforços no sentindo de melhorar a qualidade de vida de seus habitantes, fomentando a diminuição da pobreza e buscando a proteção e garantia dos direitos humanos.

A CASA foi uma proposta inicial do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, sendo que por proposta do Presidente Hugo Chavez, em 2007, passou-se a chamar União de Nações Sul-Americanas, com sede em Quito, tendo-se incumbido o Conselho de Delegados de elaborar seu tratado constitutivo. Além da estrutura institucional que foi sendo criada, a Unasul tem sido chamada para intermediar conflitos tais como o bombardeio colombiano em território equatoriano sob o argumento de luta contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), conflitos entre a Colombia e Venezuela, no Equador, dentre outros conflitos, além da mediação através de observadores dos vários processos eleitorais na região. O acordo foi assinado em 23 de maio de 2008, em Brasília, estando vinculados à União SulAmericana de Nações, a Argentina, a Bolívia, o Brasil, o Chile, o Equador, a Guiana, o Peru, o Suriname, o Uruguai e a Venezuela. Assim, em seu Tratado Constitutivo (2008), a Unasul é retratada como construtora de uma única identidade regional aos seus países membros: AFIRMANDO sua determinação de construir uma identidade e cidadania sulamericanas e desenvolver um espaço regional integrado no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e de infra-estrutura, para contribuir para o fortalecimento da unidade da América Latina e Caribe.

A criação da Unasul demonstrou a possibilidade concreta de efetividade desses Órgãos, acrescentou uma página na história política da integração dos países da América do Sul e trouxe uma nova perspectiva de diálogo e concertação política entre países vizinhos.

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Políticas públicas e sociais no Brasil A Carta Fundamental brasileira é marcada por uma relação sistêmica em sua totalidade sobre o tema Direitos Fundamentais, com destaque para a conexão entre Títulos e Capítulos que os abrangem os Princípios Fundamentais, os Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, os Direitos Sociais e a Ordem Social. O compromisso programático com os direitos humanos, o elenco de direitos individuais e coletivos e a definição constitucional dos direitos sociais não somente propicia a elevação da temática na sua amplitude política e jurídico-institucional, bem como avança na definição do Estado Democrático de Direito, ao incluir todos os cidadãos indistintamente, no elenco de direitos e garantias definidos pelo legislador constituinte originário. Este elenco de Direitos previstos no texto fundamental aprofunda, na concepção estatal, os direitos de segunda, terceira e quarta geração, possibilitando o avanço do Estado Democrático de Direito Contemporâneo e os fundamentos do Federalismo Cooperativo. Conforme sustenta o mestre José Afonso da Silva A normatividade constitucional dos direitos sociais principiou na Constituição de 1934. Inicialmente se tratava de normatividade essencialmente programática. A tendência é a de conferir a ela maior eficácia. E nessa configuração crescente da eficácia e da aplicabilidade das normas reconhecedoras de direitos sociais é que se manifesta a sua principal garantia.”

Entretanto, ao mesmo tempo em que a ampliação destes direitos na esfera constitucional deve ser festejada e merece destaque, urge uma reflexão crítica dos avanços e retrocessos destas três décadas no plano da efetividade, até porque continua a existir um enorme déficit social que necessita de mais de duas ou três gerações para ser resolvido. Ao mesmo tempo em que é importante a previsão constitucional dos direitos políticos, humanos e sociais, existe um enorme déficit democrático e de efetivação dos direitos sociais pautado em raízes históricas e aprofundado durante os vinte e um anos de regime militar (1964 – 1985), que possibilitou inúmeras distorções, dentre elas um profundo abismo social. A falta de discussão com os segmentos organizados da sociedade, aliado à falta de tradição em planejamento e execução de políticas públicas, traduziam uma condução de governo de forma tecnocrática e sem participação da população. Além disto, a ausência da alternância democrática provocada pela falta de eleições permanentes e em todos os níveis, aliada à repressão, tortura e censura, dificultava, de forma efetiva, o acesso do cidadão ao aparelho estatal e à decisão política A necessidade de ampliação dos Direitos Sociais e Políticos é fruto desta fragmentação então vigente, que traduz um avanço nas questões de interesse da sociedade e reflexo da mobilização popular

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que, por intermédio de Emendas Populares Avulsas, permitiu à sociedade o envio de várias propostas, subscritas por milhares de cidadãos nas praças públicas, relacionadas ao tema. A preocupação com as questões sociais e o resgate das Garantias Fundamentais do Estado Democrático, além da pressão popular, propiciou que Parlamentares Constituintes pudessem discutir a temática e incluí-la na Carta Fundamental, conforme anteriormente citado. Temas que envolvem demandas complexas de políticas públicas, direitos do cidadão e dever do Estado foram incluídos, destacando-se os direitos individuais e coletivos, respeito à dignidade da pessoa humana, direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, que, inclusive, merecem ser definidos como política de Estado e não política de Governo, tal o grau de sua abrangência e intensidade. Claro está para o governo e para a sociedade, a necessidade de priorização de um Direito Social como a Educação, em que se criou uma conexão com o Capítulo sobre o tema no Título Da Ordem Social. É realmente importante que a Carta Política defina responsabilidades e competências das esferas públicas de governo - a municipal, a estadual e a federal -, inclusive percentual de investimento, posteriormente convalidado na legislação infra-constitucional, em especial a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Não menos importante é o tema Saúde, em que a Carta Fundamental abraçou o tema de forma definitiva, ao estabelecer o Sistema que delimita as atribuições e a competência dos entes políticoadministrativos, além da participação popular sob a forma de Conselho. A previsão do Sistema Único de Saúde, posteriormente disciplinada na legislação infraconstitucional pertinente, foi um dos grandes avanços da cidadania, ao propiciar um sistema democratizado e participativo. Embora a previsão constitucional e infraconstitucional deste tema esteja bem definida sob o aspecto do direito positivo, percebe-se que existe um longo caminho para a sua plena efetivação, até porque a rede do Sistema Único de Saúde não está organizada na esmagadora maioria dos Municípios, o que dificulta a plena cidadania. Infelizmente, pela situação dos indicadores de saúde de parcela significativa da população brasileira, a previsão constitucional da Saúde, festejada como avanço significativo dos Direitos Sociais, está longe de atender à base principiológica preceituada na Constituição da República, sem prejuízo da vinda de médicos estrangeiros e a ampliação das vagas nos Cursos de Graduação em Medicina. Importante ressaltar que a Carta Magna de 1988 se consolidou como uma resposta democrática à Carta Política de 1967 e à Emenda Constitucional nº 01/1969, com o claro objetivo de ampliar a cidadania e os direitos humanos e sociais, em contrapartida ao arbítrio, à censura e à repressão política. No que é pertinente à inclusão do “trabalho” como Direito Social Constitucional, trata-se de uma previsão que ressalta a preocupação com o fator trabalho no confronto com o capital, o que ressalta o enorme elenco de proteção ao direito dos trabalhadores, consolidado no artigo 7º da Carta Política. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Embora objeto de críticas de setores do empresariado e do setor produtivo, de uma forma geral, o elenco de direitos trabalhistas reflete regras de proteção aos trabalhadores que viabilizam um equilíbrio maior na relação entre estes segmentos. A definição do fator trabalho como integrante dos Direitos Sociais acaba sendo um fator de estabilidade nas relações sociais e de proteção da classe trabalhadora, principalmente na definição das políticas sociais de emprego, objetivando a diminuição da informalidade, do subemprego e do desemprego, não obstante a ameaça que representa a Terceirização das Atividades-fim, conforme Proposta de Emenda à Constituição, aprovada na Câmara e encaminhada para o Senado para discussão e deliberação. Para o Professor André Tavares “ Os Direitos Sociais, como Direitos de segunda dimensão, convém relembrar, são aqueles que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante na implementação da igualdade social dos hipossuficientes.” Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, resgatou a moradia como previsão constitucional adicionada ao artigo 6º da Carta Fundamental, retratando a sensibilidade do legislador derivado com sua amplitude. O deficit histórico pertinente à dificuldade de acesso das camadas populares à moradia e habitação retrata uma necessidade que deveria ter sido prevista no caput do texto aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte e que corresponde a uma dura realidade do neoliberalismo e dos valores típicos de uma sociedade de bens de consumo, em detrimento de uma visão coletiva, sem prejuízo dos Programas de Moradias Populares do Governo Federal. Outro ponto importante, se constitui no respeito à dignidade da pessoa humana e se consolidou como resgate do equilíbrio na relação do cidadão com os poderes públicos constituídos, em contrapartida ao período do regime militar que caracterizou-se como um período de tortura, perseguição política, censura e repressão consolidada em textos normativos. O fator segurança tem obtido maior relevância em decorrência do aumento dos índices de violência. A dificuldade de efetivação, pelos poderes constituídos, em assegurar a proteção à população, aliada a uma ausência do Poder Público em várias áreas sociais, demonstra que o tema é de grande complexidade, se não houver o compromisso da Administração Pública e a efetivação das políticas sociais. Registra-se que a atuação da polícia, como instituição do Estado, não tem sido compatível com o seu papel ou mesmo na sua atribuição constitucional, face ao seu caráter ainda nitidamente repressivo. O tema previdência social envolve a necessidade de assegurar a inclusão da população em programas sociais para os seus segmentos mais necessitados. Existe uma conexão com o Capítulo que versa sobre o tema e está incorporado ao Título dos Direitos Sociais, de forma articulada e ampla.

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Importante legislação infraconstitucional foi aprovada com o objetivo de melhor regulamentar a matéria: o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que propiciou diversos avanços e várias polêmicas nestes mais de vinte anos de sua aprovação. Em que pese o posicionamento de setores que defendem modificações para um maior rigor pelo Estatuto, o problema da penalização, redução da maioridade penal e da privação da liberdade e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento que acabam se caracterizando como medidas paliativas e que não resolverão qualquer problema social, inclusive pelo nível do sistema penitenciário neste país. Na compreensão do grande jurista do Direito Constitucional, Professor Paulo Bonavides, O Estado Social no Brasil aí está para produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. Não há para tanto outro caminho senão o de se reconhecer o estado atual de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este último cumpra a tarefa igualitária e distributiva, sem a qual não haverá democracia nem liberdade.”

Momento histórico que vem influenciando os direitos políticos, humanos e sociais nestes trinta anos A ascensão do neoliberalismo, com as diretrizes do Consenso de Washington, acabou tendo inúmeros reflexos na Constituição Federal de 1988, principalmente em relação aos direitos políticos e sociais, pois o Estado priorizou medidas para diminuir o seu tamanho, controle inflacionário com aumento de juros e outras medidas que provocaram desemprego e diminuição de investimentos em áreas sociais. A ótica utilizada pelos governos, neste período de redemocratização, para implementar estratégias para o desenvolvimento dos países está sendo construída com base na necessidade de consolidação de mercados, associado à modernização das relações do Estado com a sociedade, no aumento da competitividade na busca por novos mercados e através da inserção estratégica no comércio internacional, em conjunto com os outros Estados Nacionais. A análise do processo de globalização é conseqüência direta de uma nova mentalidade voltada para o desenvolvimento tecnológico, das comunicações e da livre- circulação de capitais, bens e serviços. A competitividade deixa de ser restrita ao mercado interno, para possibilitar investimentos mais vantajosos e diversificados para os países e, em especial, para as empresas. Esta atual concepção filosófica e estrutural do capitalismo, o chamado neoliberalismo, tem como estratégia a articulação de vários países que direcionam o seu planejamento e as suas políticas de orientação e conteúdo econômico para a formação de blocos integrados por países vizinhos, tendo, ainda, como principal objetivo dinamizar e intensificar a sua atividade industrial propiciando a abertura de mercado consumidor, facilitando, bem assim, as exportações e os acordos comerciais e o comércio bilateral entre países, na medida em que o volume de mercadorias e de valores

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O neoliberalismo, desta forma, pressupõe uma redução do tamanho e da intervenção do Estado na economia, para a defesa da concepção do Estado mínimo. A tendência que se observa nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, como conseqüência desta filosofia hegemônica, é a do processo permanente de desestatização, com a privatização ou deslocamento, através de concessão, permissão e autorização, por longo prazo, de várias atividades, principalmente de conteúdo econômico anteriormente desempenhadas pelo Estado. Ao mesmo tempo em que o neoliberalismo objetivou se consolidar através do avanço científico e da revolução tecnológica, os governos não priorizaram soluções de curto prazo para diversos problemas de enorme complexidade que tem desafiado o papel do Estado Social. Estes questionamentos têm contornos de fundamento econômico e social, como a crise do emprego e suas conseqüências, destacando-se o subemprego, a miséria absoluta e a violência; o poder paralelo do narcotráfico e outros grupos organizados, em decorrência da omissão do Estado e o compromisso com os direitos difusos, dentre eles o meio-ambiente, consumidor, saúde pública, educação e políticas sanitárias. A grande contradição que se estabelece entre os governantes e a população no Brasil é a de como estabelecer o crescimento dos indicadores econômicos aliado a um desenvolvimento social, com a melhoria da qualidade de vida e uma justa distribuição de renda. A concepção do Estado Democrático de Direito pressupõe o respeito aos direitos humanos, direitos sociais e os direitos fundamentais do cidadão, que foram objeto de duas décadas de conflito, notadamente, do final dos anos sessenta até o final dos anos oitenta, quando as ditaduras cercearam, através da força, o exercício pleno destes direitos. Os reflexos maiores se traduziram em mudanças na Constituição Federal, sendo que através de Emendas ao texto fundamental, diversos setores que eram públicos abriram-se para a iniciativa privada, como o monopólio do petróleo, gás canalizado e navegação de cabotagem. Com a desestatização de inúmeras Empresas estatais e com a política econômica implementada com base no Plano Real, iniciado no governo Itamar Franco, o governo Fernando Henrique Cardoso aprofundou o modelo neoliberal, com a priorização da pauta econômica e o direcionamento das políticas de Estado para questões de interesse do empresariado e do setor produtivo. A falta de investimento nas questões sociais durante os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) proporcionou inúmeras dificuldades para a população brasileira , principalmente pela falta de investimento em material, recursos humanos e em planejamento estratégico. Com a mudança política, em 2003, para a posse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os indicadores começam, ainda de forma lenta, a melhorar, na medida em que algumas políticas sociais de redistribuição de renda são aperfeiçoadas e ampliadas. As políticas públicas na área social se ampliaram um pouco e permitiram que algumas parcerias fossem implementadas entre a União, os Estados-Membros e os Municípios, permitindo uma inclusão XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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social maior, já que vários indicadores têm apontado para uma melhora da migração da classe E para as classes C e D. Embora ainda se encontrem reflexos da enorme dívida social que existe neste País, em relação às políticas na área social, verifica-se que a situação tem melhorado de forma tímida, porém contínua, sendo fundamental um processo de continuidade para fins de consolidação dos instrumentos de políticas públicas e sociais. Os Poderes Públicos constituídos não devem se eximir de sua responsabilidade, em especial a efetiva promoção de políticas públicas e investimentos na preservação da cidadania plena, nos direitos sociais e no respeito aos direitos da pessoa humana. Conclusão Em síntese, as conclusões do presente artigo apontam para uma situação paradoxal para a sociedade brasileira, tanto na efetivação das Políticas Públicas e Sociais, quanto na efetivação do processo de integração, ao longo destes últimos trinta anos. No primeiro caso, a crise econômica de setembro de 2008 iniciada nos Estados Unidos, tem dificultado a efetivação da atuação do Estado e a Presidente Dilma Rousseff tem tomado medidas preocupantes no campo do neoliberalismo para solucionar os problemas. No segundo caso, o Brasil tem que assumir o papel de condutor e principal potência econômica da América do Sul, para dinamizar as estratégias de integração através do Mercosul e da Unasul, estabelecendo a continuidade da preponderância como liderança regional e a estratégia Sul-Sul. Neste contexto, o papel do Poder Público através de Políticas de Estado é fundamental para consolidar a retomada de um processo de desenvolvimento econômico permanente, sem retrocessos nas políticas públicas e sociais. Um aspecto fundamental neste debate é o do resgate filosófico do papel do Estado Intervencionista, para que o País possa ter papel de indução, planejamento e formulação das diversas políticas públicas que possam retomar o desenvolvimento e implicar redistribuição de renda e melhoria dos indicadores sociais. Entretanto, concluo o presente trabalho ao levantar algumas preocupações e ponderações sobre o tema, tais como a necessidade de participação e compromisso do Poder Público; o aprofundamento sobre a previsão e aplicação, sem contingenciamento, dos recursos públicos definidos como prioridade na previsão execução orçamentária; o atendimento da população necessitada, servidores públicos atuando de forma articulada e oferecendo serviços públicos de qualidade; o aperfeiçoamento do aparelho estatal; a aprovação de legislação mais moderna; e o intercâmbio, inclusive no âmbito dos processos de integração, com novas estratégias de ação do Poder Público.

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Na medida em que o projeto neoliberal proporcionou um isolamento das entidades do movimento popular organizado, os sindicatos, as organizações não governamentais, os movimentos associativos, entre outros grupos organizados deverão buscar alternativas para uma atuação em defesa da cidadania plena e dos direitos difusos. A jovem democracia brasileira, ao atingir o seu trigésimo terceiro aniversário, vem atingindo um grau cada vez mais elevado de maturidade política. Com o avanço do capital financeiro e do próprio déficit das contas públicas, o grau de dependência dos países em desenvolvimento às políticas recessivas determinadas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, pressionam o governo com medidas que implicaram em cortes em programas sociais. Concluo o presente trabalho, relembrando questões vitais como o avanço do processo democrático no Brasil, o fortalecimento dos direitos humanos, dos direitos políticos e dos direitos sociais, seja pelo compromisso do Estado na condução das políticas públicas, seja no processo de conscientização e participação da sociedade no processo de politização e conscientização, objetivando o exercício da cidadania plena e a participação popular.

Referências BARROS, Sebastião do Rego. Mercosul: Tempos de Desafio. In: Revista Latino-americana de Temas Internacionais. Archivos Del Presente. Buenos Aires, Fundación Foro Del Sur, 2000, n. 19. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Editora Malheiros, 6ª Edição CEPAL. Cincuenta años del pensamiento de la Cepal: textos seleccionados. Santiago: Fondo de Cultura Económica/Cepal, 1998. _______. Regionalismo abierto en América Latina y el Caribe. La integración econômica ens ervicio de la transformación productiva con equidad. 1994.a. Disponível na Internet: www.eclac.org/espanol/textosfund/Cepal6.html FURTADO, Celso. A nova dependência: dívida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues de - “ Globalização, Mercosul e Crise do Estado-Nação: perspectivas para o direito numa sociedade em mudanças “, São Paulo, Editora Ltr, 1997 GAMBINA, Júlio. Las crisis de la economia mundial y los desafios para el pensamiento crítico GENTILI, P ( Org. ). Globalização excludente. Desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem mundial. São Paulo: Vozes, 1999. GLOBALIZAÇÃO e REGIONALIZAÇÃO Hegemonia e Contra-hegemonia (volumes 1, 2 e 3) – Coordenação Theotônio dos Santos Editora PUC-Rio, 1ª Edição GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. O papel político internacional do Mercosul. Cebela, v. 3, n. 3, 2000. RAMALHO, José Ricardo et al, Pós-Neoliberalismo: As Políticas Sociais e o Estado Democrático, Organizadores: Emir Sader, Pablo Gentili. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995 SANTOS, Boaventura de Souza et..., A Crise dos Paradigmas em Ciências Sociais e os Desafios para o Século XXI SANTOS, Theotônio dos, Economia Mundial: Integração Regional e Desenvolvimento Sustentável, Petrópolis, Editora Vozes, 1999, 4ª edição atualizada __________ ( coord. ) Países Emergentes e os Novos Caminhos da Modernidade, Cátedra UNESCO em Economia Global e Desenvolvimento Sustentável XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 214 _______. (Coord.) Economia Mundial, Integração Regional e Desenvolvimento Sustentável – As Novas Tendências da Economia Mundial e a Integração Latino-Americana. Petrópolis: Editora Vozes, 1993. _______. Países Emergentes e os Novos Caminhos da Modernidade. Desenvolvimento Sustentável – Edição Unesco, 2008

Cátedra Unesco em Economia e

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros, 14ª edição , 1998. TAVARES, André Ramos, Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva.

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Sobre o papel do Brasil no processo de integração da América do Sul Luciano Wexell Severo1

A

tualmente, do ponto de vista econômico, as principais preocupações com relação às assimetrias regionais na América do Sul recaem sobre os âmbitos comercial, produtivo e dos financiamentos. Atribui-se ao Brasil uma supremacia crescente. E certamente estas

preocupações se justificam. No entanto, sugerimos interpretá-las a partir de outra perspectiva. Algumas assimetrias econômicas regionais não estão aumentando, mas sim diminuindo. Veremos como abunda um acumulado de lugares-comuns sobre o suposto papel ameaçador do Brasil. Este discurso – seja fruto dos interesses de setores conservadores para entorpecer a construção do processo de integração; seja camuflado por uma pseudo-combatividade militante de setores da esquerda – exibe fatos previsíveis como se fossem irregularidades. Entraves, tropeços e dificuldades normais são apresentados como se fossem problemas gravíssimos, crimes ou provas do fracasso da liderança brasileira. Por isso, Lima e Coutinho (2005, p.10) falam na importância de “dissolver a síndrome de desconfiança”2. A primeira grande preocupação diz respeito à ideia de que o Brasil está crescendo mais do que os vizinhos e que, a cada ano, aumenta a sua parcela de participação no total da região. Chega-se a afirmar que a tendência é a economia brasileira, nos próximos anos, representar 60% do PIB da América do Sul (SIMÕES, 2012). Porém, o desempenho real não tem correspondido a estas expectativas. Observando os resultados do PIB dos doze países da América do Sul, nota-se que, entre 1990 e 2013, o Brasil acumulou um resultado anual médio de 2,6% de expansão, bastante atrás dos 5,1% do Chile, 4,6% do Peru ou 4,1% da Argentina. O PIB brasileiro é o segundo que menos cresce entre os 12 países do continente sul-americano, apenas acima da economia guianesa. Quando selecionamos um período mais curto, desde o início do governo Lula, os resultados não são mais alentadores. É possível identificar que, entre 2003 e 2013, a economia brasileira acumulou expansão anual média de 3,5%, ficando outra vez atrás de todos os demais, exceto da Guiana. Neste intervalo, o desempenho médio do PIB brasileiro ficou muito abaixo do da Argentina (6,9%), Peru (6,4%), Uruguai (5,9%), Suriname (5%), Paraguai (4,8%) e outros cinco países. Inclusive por isso, a participação relativa do PIB do Brasil no PIB da região vem caindo permanentemente.

Doutor em Economia Política Internacional (PEPI-IE-UFRJ) e Professor Efetivo do Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) – Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). [email protected] 2 Existe um roteiro de raciocínios e conclusões genéricas, que termina conduzindo as análises sobre a integração da América do Sul até hipotéticos becos sem saída. Apontaremos cinco preocupações, que prevalecem nas análises sobre as assimetrias econômicas regionais. Organizamos a exposição por pontos, buscando contestar confabulações que, em essência, conspiram contra a integração e fortalecem o discurso das grandes potências, ao atribuir ao Brasil um papel que ele não exerce. 1

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Seguindo os argumentos de autores como Medeiros (2010), Malamud (2013) e Ciminari (2009), a expectativa é que a maior economia da região se expanda e possa financiar as demais nações, seja por meio de déficits comerciais, de empréstimos com juros especiais ou da aplicação a fundo perdido3. Caso o Brasil não cresça, como vem ocorrendo nas últimas décadas e, inclusive, nos últimos anos, acaba desperdiçando as condições reais de exercer o seu papel de liderança. Nas palavras de Medeiros (2008, pp. 223-224), Na medida em que o comércio intra-regional se desenvolve, a expansão das nações menores depende em boa parte do aumento das importações do país maior; é o seu ritmo de crescimento que induz a expansão e a diversificação do setor exportador das economias menores. Por outro lado, na medida em que as importações de fora da região tendem a crescer com a expansão econômica, cabe ao país de maior desenvolvimento financiar, por intermédio de déficit comercial ou por investimentos, o déficit dos demais países com o resto do mundo4.

A segunda grande preocupação é a ideia generalizada de que o Brasil vem acumulando saldos comerciais positivos, elevados e crescentes em suas relações com os vizinhos. De fato, a economia brasileira obtém superávits. Porém, são cada vez menores. Ou seja, identifica-se, no período recente, uma visível redução do histórico desequilíbrio comercial do Brasil com os demais países sul-americanos. Nos últimos anos, graças às políticas governamentais, do Brasil e dos demais – e inclusive como resultado das imposições das grandes potências, e das instituições internacionais, acatadas pela elite tupiniquim, que aceita a desindustrialização, a reprimarização e a desnacionalização – a economia brasileira vem importando relativamente mais da América do Sul. A mudança no cenário é visível ao observar-se a intensidade da assimetria comercial a favor do Brasil, que vem diminuindo, ano a ano, com quase todos os parceiros5. A China, por exemplo, é superavitária com o mundo, mas é deficitária com os seus vizinhos. O Brasil é deficitário com o mundo e superavitário com os vizinhos. Costa (2009, p.120) considera que “um crescimento constante, por parte da economia de maior desenvolvimento, quando complementado com uma busca pela maior integração regional, proporcionará um aumento das importações destes parceiros, aumentando a demanda pela produção destes países e, por consequência, o seu interesse em colaborar com uma estratégia geopolítica que priorize a integração, frente aos desafios externos impostos pela economia mundial”. 4 O mesmo autor continua: “Assim, quando a economia de maior porte em uma dada área econômica cresce a taxas elevadas e confere tratamento comercial preferencial aos seus vizinhos, ela induz, ‘espontaneamente’, por intermédio de suas importações, uma regionalização tanto maior quanto mais complementar for a sua estrutura produtiva... O essencial, do ponto de vista macroeconômico, é o grau em que a regionalização possa reduzir, por meio do aumento das exportações, a vulnerabilidade externa dos países. Isto depende, em parte, do comportamento do país ‘locomotiva’”. 5 Ainda que tenha buscado priorizar relativamente menos o âmbito do comércio, o Brasil adotou, em 2003, o Programa de Substituição Competitiva de Importações (PSCI). Este plano teve como objetivo impulsionar as compras brasileiras de produtos dos demais países sul-americanos, substituindo, sempre que possível e a preços competitivos, as importações de terceiros mercados por importações provenientes dos vizinhos do Sul. Entre as principais ações do PSCI, podemos citar: o lançamento de Guia “Como Exportar para o Brasil”; a criação de grupo de trabalho integrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o MDIC, o Banco do Brasil e outras instituições; o financiamento de pesquisas de mercado para produtos exportáveis dos países sul-americanos para o Brasil; os estudos para identificação da oferta exportável da América do Sul vis-à-vis a demanda brasileira; e as rodas de negócios bilaterais. Outro exemplo é a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do Brasil, executada por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A iniciativa era uma continuação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004, e buscava, entre outros pontos, promover a integração produtiva e estimular as compras brasileiras da América do Sul. De acordo com o plano de ação da PDP, os grandes desafios seriam apoiar a integração de cadeias produtivas, 3

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Medimos a intensidade da assimetria comercial por meio da razão entre as exportações e as importações. A partir de dados fornecidos pelo MDIC, observamos as relações comerciais brasileiras com as outras onze economias sul-americanas. A assimetria comercial do Brasil com a Argentina alcançou um nível máximo em 2005 e, desde então, vem diminuindo paulatinamente. Com a Bolívia, mantém-se o único déficit periódico do Brasil, graças às importações de gás natural por meio do gasoduto GASBOL6. Com o Chile, depois de 2003, nota-se a marcada redução das disparidades. Em 2009, o Brasil inclusive chegou a ser deficitário e, depois disso, a situação se aproximou muito da simetria comercial em 2013. As relações com a Colômbia igualmente demonstram um novo cenário depois de 2005, quando o Brasil multiplicou por 12,5 as suas importações. O caso do Equador é parecido. Apesar da grande assimetria atual, a ampla vantagem brasileira foi reduzida depois de 2006. O comércio brasileiro com o Paraguai revela picos de aumento da assimetria em 2010 e 2011, com melhoras nos últimos três anos. O balanço dos intercâmbios com o Peru aponta contínuo avanço após 2009, atualmente alcançando a simetria. O auge do desequilíbrio comercial brasileiro com o Uruguai foi em 2005. Desde então, houve melhoras, chegando a ocorrer um déficit para o Brasil, em 2010. Por fim, as assimetrias comerciais entre o Brasil e a Venezuela caíram fortemente a partir de 2007, alcançando o nível mais baixo desde 2003. Disto isto, reafirmamos que o saldo brasileiro com os demais países da América do Sul não vai crescendo, mas sim caindo. E isto ocorre, inclusive, em termos nominais, ou seja, em dólares. Em 2014, foi o mais baixo desde 2004. A assimetria (1,23) com a região foi a menor desde 2003. Com relação ao Mercosul, em 2014, o saldo brasileiro foi 42% menor do que em 2008, desmoronando de US$ 11,4 bilhões para US$ 6,6 bilhões. De nenhuma maneira afirmamos que o atual saldo brasileiro seja desprezível. No entanto, buscamos desmistificar a imagem equivocada de que a brecha esteja crescendo. Devemos tomar em conta, ainda, que esta situação evidentemente não depende apenas do Brasil querer ou não querer importar mais. Os acordos de livre comércio e o afã liberal de alguns países vizinhos também contribuem para restringir as suas relações com a economia brasileira. Mesmo assim, o Brasil jamais importou tanto da Colômbia, do Equador, do Paraguai, do Peru e do Uruguai. E as assimetrias com a Argentina, a Colômbia, o Equador, o Peru e a Venezuela são as menores dos últimos 12 anos.

estimular a exportação de países latino-americanos para o Brasil, apoiar o financiamento e a capitalização de empresas latinoamericanas e promover a integração da infraestrutura logística e energética. A PDP tinha como objetivo coordenar as políticas públicas e as ações do governo brasileiro para incentivar as atividades industriais. Deveria adotar mecanismos de apoio ao fortalecimento da estrutura produtiva, por meio da estreita coordenação entre os entes públicos, sem desestimar a importância do setor privado. Garcia (2013, p.59) salienta que “a ampliação do conceito de ‘conteúdo nacional’, exigido em diretrizes da política industrial brasileira, para o de ‘conteúdo regional’ será de vital importância para que grandes projetos do pré-sal e outros relacionados às compras governamentais beneficiem toda a região”. O governo brasileiro ampliou os incentivos fiscais para as empresas que utilizem insumos ou partes adquiridos em outras economias do Mercosul. 6 Construído entre 1997 e 2010, o Gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL) conecta o território boliviano com Corumbá, Campo Grande e Campinas, antes de bifurcar-se para o Sul (Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre) e para o Sudeste (São Paulo, Santos, Belo Horizonte e Rio de Janeiro). Possui 3150 km de extensão.

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Sem embargo, ao demonstrarmos que o Brasil está comprando mais dos vizinhos7 e que as assimetrias comerciais estão diminuindo, surge a terceira grande preocupação. Afirma-se que a economia brasileira importa produtos básicos e exporta bens manufaturados, reproduzindo na América do Sul a divisão internacional do trabalho. Vejamos. Em primeiro lugar, o fato de haver uma divisão regional da produção não seria necessariamente negativo, caso as especializações fossem no interior dos setores, de maneira que cada país desenvolvesse plenamente diferentes ramos, seja na agricultura ou na indústria. Ou seja, a especialização não deveria ser por setor, mas por produtos dentro dos setores. O planejamento e a intervenção política podem promover a diversificação produtiva dos países menos industrializados, enquanto o “livre mercado” tende a aprofundar as assimetrias e a ampliar as disparidades. Ferrer (2007, p.153) também sugere que haja uma “especialização intraindustrial, com acordos em setores chave, como bens de capital, informática, equipamentos militares, papel e celulose, telecomunicações e biotecnologia”. Em segundo lugar, quando se toma em consideração o fato corrente de que um país detém, sozinho, a metade do PIB, a metade do território e mais da metade da produção industrial de uma região, parece absolutamente previsível que este mesmo país importe produtos primários e exporte bens industrializados aos demais. Ou seja, ainda que possa acarretar em contradições e empecilhos ao processo de integração regional, não haveria absolutamente nada de incomum nesta situação. Seria previsível que o Brasil comprasse mais bens primários dos vizinhos. Mas a questão principal é outra: ao trabalhar com os dados do comércio, percebemos que esta afirmação tampouco é totalmente verdadeira. Conforme veremos em detalhe, o Brasil exporta mais produtos manufaturados para quase todos os vizinhos, porém também importa mais produtos manufaturados de quase todos. O Brasil importa mais produtos primários de alguns, mas também exporta majoritariamente produtos primários para outros. Uma interpretação precisa desta situação não deveria generalizar estes casos. Observaremos o comércio brasileiro com os demais países sul-americanos, de acordo com as estatísticas divulgadas pelo MDIC e com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)8.

Vale esclarecer que, apesar da importação brasileira da América do Sul ter aumentado permanentemente em valor, a sua participação percentual no total das compras brasileiras diminuiu de 15,8%, em 2003, para 13%, em 2014. Em 2000, esta porcentagem chegou a 19,5%, mas isso se devia à política de câmbio sobrevalorizado no Brasil, que promovia as importações. Aproveitamos para salientar que as exportações brasileiras, em um sentido oposto, ampliaram-se, no mesmo período, de 13,9% para 16,3% em 2014. No caso Mercosul, as compras brasileiras caíram de 12,3% para 8,1% do total; enquanto as vendas aumentaram de 8,6% para 11,1%. 8 Como se sabe, a NCM está dividida em seções e capítulos, organizados por ordem crescente de valor agregado. Por isto, a lista inicia com o código 01, de Animais vivos, e vai sendo incrementada até chegar, por exemplo, no código 84, que inclui Reatores nucleares, ou no código 87, de Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres. Com relação ao chamado “fator agregado”, os produtos estão divididos em (a) básicos e (b) industrializados, sendo (b1) semimanufaturados e (b2) manufaturados. De acordo com o MDIC, “o conceito de exportações por fator agregado envolve o agrupamento dos produtos em três grandes classes, levando-se em conta a maior ou menor quantidade de transformação (agregação de valor) que a mercadoria sofreu durante o seu processo produtivo, até a venda final. a) Produtos básicos: produtos de baixo valor, normalmente intensivo em mão de-obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações. Por exemplo, minério de ferro, grãos, agricultura, etc; b) Produtos industrializados: Dividem-se em semimanufaturados e manufaturados, uma vez mais considerando o grau de transformação; b.1) semimanufaturados – produto que passou por alguma transformação. Ex: suco de laranja congelado; couro. b.2) manufaturado – produto normalmente de maior tecnologia, com alto valor agregado, Ex: televisor, chip de computador, automóvel, CD com programa de computador, etc”. 7

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Comecemos pela Argentina, que é a maior parceira comercial do Brasil e corresponde, sozinha, a aproximadamente a metade do comércio brasileiro com a América do Sul. No total, em 2014, o Brasil exportou US$ 14,3 bilhões e importou US$ 14,1 bilhões. Mais de 90% das exportações brasileiras foram compostos por produtos manufaturados. Destas, mais de 42% são bens do código 84 a 94 da NCM, que engloba produtos da indústria automobilística, além de máquinas e equipamentos. Os principais bens vendidos foram veículos automóveis, tratores, motocicletas, motores, indicadores de velocidade, air bags, caixas de direção, embreagens, radiadores, amortecedores, partes para assentos, eixos, caixas de marchas, freios, cintos de segurança, chassis, velas para ignição, faróis e alternadores. No caso das importações brasileiras, a situação é parecida, sendo 85% compostas por manufaturados. Os bens entre os códigos 84 e 94 superam os 48%9. A Bolívia, como vimos, representa o único déficit comercial do Brasil. Em 2014, foram US$ 1,6 bilhão de exportações brasileiras e US$ 3,8 bilhões de importações. Mais de 96% das vendas brasileiras são de manufaturados. No entanto, os produtos realmente mais elaborados alcançaram cerca de 20% do total. Os principais bens exportados foram barras de ferro e aço, betume de petróleo, polietileno, polipropileno, condutores elétricos, arroz, móveis de madeira, fungicidas, óleos lubrificantes, tratores e debulhadoras. Das importações brasileiras, 99% foram de produtos primários, sendo 98,1% somente de um produto: o gás natural. Feijão, castanha-do-pará, quinua e orégano também aparecem na curta pauta de vendas bolivianas. A relação com o Chile é intensa. Trata-se, faz muitos anos, do segundo maior sócio comercial do Brasil na América do Sul. Em 2014, o Brasil exportou US$ 5 bilhões e importou US$ 4 bilhões. Vejamos que interessante: mais de 51% das vendas brasileiras para Santiago são de produtos primários. E mais de 42,5% são apenas de óleos brutos de petróleo. Outros 33% são semimanufaturados ou industrializados de baixo valor agregado, como café solúvel, sucos de laranja, pasta de cacau, manteiga, açúcar de cana, café não torrado, carnes (de gado, de suíno, de galinhas e de peruas), miudezas comestíveis de galos e farinha de miudezas imprópria para a alimentação humana. Os bens realmente mais elaborados não chegaram a 15%. Já no caso das importações do Brasil com origem na economia chilena, 42% foram de produtos básicos, sobretudo sulfetos de minério de cobre, cloreto de potássio, salmão e frutas (pêssegos, maças, pêras, uvas e framboesas). Mas também há 33% de produtos semimanufaturados e 25% de bens manufaturados, como caixas de marchas, carrocerias para tratores e fios de cobre. O comércio com a Colômbia ganhou intensidade nos últimos quatro anos. Em 2014, as exportações brasileiras foram de US$ 2,4 bilhões enquanto as importações chegaram a US$ 1,7 bilhão. As vendas do Brasil são essencialmente de produtos manufaturados, que alcançam 97%. Destes, apenas 20% são bens mais sofisticados, como automóveis, motocicletas, motores, chassis, turbinas hidráulicas e Nos anos anteriores, o comportamento dos intercâmbios binacionais foi similar, correspondendo aos acordos da política automotiva. O Brasil garante tratamento especial para bens produzidos na região, dando maior espaço aos produtores regionais de autopeças. Além disso, como outra fonte de estímulo ao comércio intra-regional, a Tarifa Externa Comum (TEC) do setor automobilístico é uma das mais altas dentro do bloco. 9

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pneus para automóveis, motocicletas, ônibus ou caminhões. O restante é composto por café torrado, alimentos para animais, calçados, inseticidas, laminados e ligas de ferro ou aço. No caso das compras brasileiras de bens colombianos, 50% são primários, essencialmente óleos brutos de petróleo, hulha betuminosa e coque de hulha. Dos 45% de manufaturados, destacam-se o policloreto de vinila (também conhecido como PVC), inseticidas, garrafões de vidro e pneus para ônibus ou caminhões. Com o Equador, as relações do Brasil ainda são relativamente pequenas e o desequilíbrio é grande. As vendas brasileiras somaram US$ 820 milhões e as importações, US$ 140 milhões. Das exportações, 92% são de produtos manufaturados. No entanto, apenas cerca de 10% são bens com maior valor agregado, como motocicletas, embreagens, chassis, veículos automotores e tratores. O restante são aparelhos de barbear, papel, tecidos e cimento. Note-se que das importações brasileiras de produtos equatorianos, mais de 73% também correspondem a manufaturados, a maioria de complexidade de elaboração relativamente pequena. São preparações e conservas de peixes, bombons e produtos de madeira. Outros 20% foram de produtos semimanufaturados. As relações com o Paraguai vêm aumentando de forma consistente. O Brasil exportou, em 2014, US$ 3,2 bilhões e importou US$ 1,2 bilhão. Mais de 93% das vendas brasileiras são de produtos manufaturados, dos quais aproximadamente a metade é composta por óleo diesel, lubrificantes, adubos, cervejas, lajotas, calçados de borracha, móveis de madeira, silos de alumínio e aparelhos de pulverizar inseticidas. Os bens com maior valor agregado somam 13%, incluindo veículos automotores, ceifadeiras, tratores, debulhadoras, escavadoras, refrigeradores, pneus e máquinas de lavar roupa. Das compras realizadas pelo Brasil, 65% são de produtos primários, compostos por soja, carnes, milho em grão, arroz, trigo e sebo bovino. No entanto, ressaltamos ainda que foram importados 32% de manufaturados, como brinquedos elétricos, modelos reduzidos de brinquedos, seringas de plástico, velas para ignição, discos para sistema de leitura por raios laser e partes de turbinas e rodas hidráulicas10. Em 2014, as exportações brasileiras para o Peru chegaram a US$ 1,8 bilhão e as importações, a US$ 1,7 bilhão. Mais de 92% das vendas do Brasil foram de manufaturados. Sem embargo, apenas cerca de 20% foram bens de alto valor agregado, como automóveis, motocicletas, tratores, embreagens, freios, carrocerias, chassis, motores e aquecedores elétricos. Destacamos que, das compras brasileiras, 50% também foram de manufaturados. Os principais bens são absorventes, tampões higiênicos, canetas esferográficas, fios de cobre, garrafões de vidro e uma longa lista de bens do capítulo 62 da NCM, de

Em 2005, ganhou forma o processo de eliminação da dupla cobrança da TEC para os bens importados de terceiros países que ingressassem no território de algum dos Estados do Mercosul. Em 2007, o Brasil propôs autorizar que o Uruguai e o Paraguai pudessem incorporar a seus produtos até 70% de elementos de países de fora do Mercosul, e que estes bens circulassem sem taxas adicionais dentro do bloco. Em 2010, foi aprovado o Código Aduaneiro do Mercosul. A medida tem possibilitado a criação de maquiladoras nos arredores de Assunção e Ciudad del Este, que montam os produtos finais depois de importar insumos da China. Baixos impostos e salários atraem investimentos especialmente nos setores de autopeças, calçados, têxteis, plásticos e frigoríficos. Isto explica a nova onda de bens das marcas Fila, Adidas e Fujikura “Made in Paraguay”. 10

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Vestuário e acessórios (camisas de algodão, calças de algodão, vestuário para bebês, suéteres, pulôveres, camisetas t-shirts e cuecas de algodão). Além disso, 25% foram produtos semimanufaturados. O Uruguai é o quarto maior parceiro comercial do Brasil na região, depois de Argentina, Chile e Venezuela. Foram, em 2014, US$ 2,9 bilhões de exportações brasileiras e US$ 1,9 bilhão de importações. As vendas brasileiras de produtos primários para Montevidéu vêm crescendo, de forma consistente, nos quatro últimos anos. Em 2014, a metade foi constituída por produtos deste tipo. Mais de 40% foram somente óleos brutos de petróleo. Outros 10% foram erva mate, bananas e batatas. Também foram exportados pelo Brasil 47% de manufaturados, incluindo 10% do código 87 da NCM, de Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres. Mais de 68% das compras brasileiras também foram de produtos manufaturados. Destas, 15% são bens de maior valor agregado, como automóveis, air-bags, partes para assentos, freios, elevadores, sondas e cateteres11. Desde 2003, Brasil e Venezuela intensificaram as suas relações, inclusive no campo comercial, que foi ampliado em 6,6 vezes. As vendas brasileiras para o país caribenho totalizaram US$ 4,6 bilhões, em 2014, enquanto as compras chegaram a US$ 1,2 bilhão. Nada menos do que 45% das vendas do Brasil foram de animais vivos, açúcar, leite e carnes de bovino e de galinhas. A lista de bens com baixo valor agregado continua com arroz, milho, galinhas para reprodução e margarina. Os produtos manufaturados exportados totalizaram 47% e foram construções pré-fabricadas de aço, medicamentos, debulhadoras, pneus, xampus, pasta de dente e laminados. Com relação às importações brasileiras, 98% foram de produtos manufaturados. Mais de 90% são naftas para a petroquímica, coque de petróleo, metanol e ureia12. Que balanço seria possível fazer desta situação? Podemos concluir que, em 2014, 76% das exportações do Brasil para a América do Sul foram de produtos manufaturados. No entanto, grande parte destes bens, apesar de serem considerados manufaturados, contém pouco valor agregado. Os

Os intercâmbios comerciais com a Guiana oscilam bastante de um ano para outro. As vendas do Brasil alcançam US$ 25 milhões e as compras, somente US$ 3 milhões. Mais de 95% das vendas brasileiras para Georgetown são de produtos manufaturados, como lajotas, portas, embutidos de carne, óleo de soja refinado, ferramentas hidráulicas, pneus, tratores e debulhadoras. As compras brasileiras são ainda mais voláteis, quase que esporádicas. Inclusive há longos períodos nos quais não se realiza qualquer importação. Em 2013, só houve transações em quatro meses intercalados. Em 2014, as compras do Brasil foram realizadas somente no último quadrimestre. Foram 97,3% primários, limitados a dois tipos de arroz. O comércio brasileiro com o Suriname ainda é incipiente e instável, resultando em grande assimetria. As exportações do Brasil foram de US$ 46 milhões, em 2014, enquanto as importações chegaram a US$ 1 milhão. Cerca de 80% das vendas brasileiras são de produtos manufaturados, como máquinas, equipamentos e muitos bens de baixo valor agregado. Um terço é composto por miudezas de galinhas, embutidos de carne, café solúvel, óleo de soja, açúcar de cana e lajotas. Das importações brasileiras de bens originados em Paramaribo, 100% foram de manufaturados. No caso, tratou-se de alumina calcinada (80% foram comprados por empresas de Minas Gerais) e farinha de trigo (toda para o estado do Amapá). 12 Nos estados da região Norte do Brasil, costuma-se dizer que Roraima, Amazonas e Amapá estão entrando no Mercosul, na prática, via Venezuela. Em 2006, finalmente foi inaugurada a segunda ponte sobre o rio Orinoco, com financiamentos do BNDES. No mesmo ano, a cidade de Boa Vista deixou de depender da energia termoelétrica e passou a receber eletricidade por meio do chamado “Linhão”, que se estende por 600 quilômetros, desde as usinas hidrelétricas do rio Caroní, próximas ao rio Orinoco, na cidade venezuelana de Puerto Ordáz. A linha de transmissão conecta a capital de Roraima com um complexo de três usinas hidrelétricas. Em 2011, aproveitando o caminho dos fios de energia, foi instalada a conexão de fibra óptica desde Caracas. Desde então, a Eletronorte, subsidiária da Eletrobras, importa da Venezuela uma média anual de US$ 31 milhões em energia elétrica. 11

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semimanufaturados acumularam outros 3% e os primários, 21%. Por outro lado, ao observar as importações realizadas pelo Brasil com origem nos demais países sul-americanos, identificamos que 60% também são manufaturados. Aqui vale a mesma ressalva: muitos destes produtos, apesar de serem classificados como manufaturados, contém pouco valor agregado. Outros 8% foram de semimanufaturados e 33% foram de primários13. É correto afirmar que o Brasil deveria comprar mais da região. E que, além disso, deveria comprar ainda mais produtos manufaturados. Ditas essas obviedades, qual seria a solução para aumentar as importações brasileiras de bens manufaturados originados nas demais economias sul-americanas? O Brasil só pode ampliar as compras de produtos que sejam produzidos e estejam à venda. É impossível que a economia brasileira adquira aviões, máquinas pesadas, medicamentos ou sistema elétricos de países que produzem essencialmente bens de baixo valor agregado14. O Brasil deveria comprar cada vez mais dos vizinhos. Mas comprar mais o que? Veremos, por exemplo, quais foram os dez principais produtos exportados por cada país sul-americano durante 2013.

Notemos que ao tomar como referência os últimos cinco anos, poderíamos classificar três situações distintas, nas quais se encaixam os parceiros regionais. Na primeira situação, prevaleceram tanto as exportações quanto as importações de produtos manufaturados, com superávit a favor do Brasil. Neste caso, estão incluídos oito dos onze vizinhos: Argentina, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Na segunda situação, houve maior exportação brasileira de manufaturados e importação de primários, com superávit a favor do Brasil. Este seria um caso “clássico” de divisão internacional do trabalho transposto à região. Entre 2010 e 2014, somente dois países, o Paraguai e o Chile, se enquadraram nesta condição. Em uma terceira e última situação, predominam exportações de manufaturados brasileiros e importações de primários, porém, com déficit para o Brasil. Este é o caso peculiar da Bolívia, que ocorreu com o Chile, em 2009, e com o Uruguai, em 2010. Afirmamos, com base na apreciação dos números do comércio, que o Brasil poderia comprar muito mais produtos primários originados na América do Sul. Nos últimos cinco anos, as importações brasileiras globais de produtos primários alcançaram, em média, US$ 32 bilhões, representando 14% das importações totais. Deste valor, 30%, ou US$ 9,6 bilhões, foram comprados dos vizinhos sul-americanos. A Bolívia, sozinha, representou 10%. Isto nos leva a concluir que o Brasil adquire dentro da região menos de um terço dos produtos primários que importa anualmente. Ou, o que significa o mesmo, que a economia brasileira compra produtos básicos essencialmente de fora da América do Sul. Novamente chamamos a atenção para os tratados de livre comércio de países sul-americanos com países desenvolvidos. Ou seja, os resultados não dependem somente de opções brasileiras. Há outros dados relevantes. Ao observar a lista de principais produtos importados pelo Brasil, nos últimos cinco anos, em primeiro lugar aparecem “Óleos brutos de petróleo”. Este único tipo de bem representa 46% dos US$ 32 bilhões em produtos básicos importados pelo país anualmente. Quer dizer que a metade das compras brasileiras de bens primários do mundo é concentrada em um único produto. E de onde vem esse produto? Entre 2010 e 2014, foram realizadas importações de óleos brutos de petróleo de 28 países, três deles sul-americanos: Colômbia (0,6% do total), Argentina (0,5%) e Venezuela (0,1%). Os maiores abastecedores do Brasil vêm sendo Nigéria (56%), Arábia Saudita (18,8%), Iraque (6,2%), Argélia (5,0%) e Guiné Equatorial (4,1%). Estes cinco países representam mais de 90% do total. 14 Neste momento do processo de integração o desafio parece ser que o Brasil aumente as compras do que quer que seja. De fato, pouco a pouco a economia brasileira está deixando de importar alguns bens de terceiros países para adquiri-los dentro da América do Sul. Isto deveria ser interpretado como uma vitória parcial da integração. Parcial, porque é preciso ampliá-la e consolidá-la. O Brasil ainda pode comprar muito mais do que atualmente compra. Para os demais países, muito provavelmente, seja indiferente vender ao Brasil, aos Estados Unidos ou à China. Para as economias menores, com pouca população, território pequeno, mercado interno limitado e restrição de recursos, o importante poderá ser exportar o que quer que seja para quem quer que seja. Não obstante, para o Brasil isto deve fazer toda a diferença. E esta diferença não deve estar somente no preço, na qualidade, no prazo de entrega nem no custo do seguro ou do transporte dos bens. Trata-se de uma questão estratégica, mesmo que empresários não pensem necessariamente assim. A ampliação do comércio intra-regional tem o impacto inicial positivo de mobilizar mais recursos para os outros países. Tem a capacidade de gerar mais empregos, mais renda e mais arrecadação tributária. Evidentemente, isto depende das condições dos outros países. O Brasil não pode ocupar-se da qualidade dos empregos, do nível das remunerações e dos impostos de outro país. O Brasil pode ampliar as compras de bens que estejam à venda. Certamente, devem ser bens que o Brasil necessite e que sejam competitivos frente aos produtos trazidos de fora do continente. Portanto, entendemos que seja uma grande obviedade afirmar que “o Brasil deveria comprar mais dos países da América do Sul”. 13

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Comecemos, em ordem alfabética, pela Argentina. Identificamos que, do total das exportações argentinas, 39% foram para a América do Sul, 27,5% para o Mercosul e 20,8% para o Brasil. Os outros maiores parceiros são a China (7,3%), o Chile (5,9%) e os Estados Unidos (5,3%)15. Com base na lista de bens, nota-se que quase a metade das exportações portenhas é formada por sete produtos: farinhas de sementes oleaginosas (14,4%), milho (7,8%), soja (5,5%), automóveis (5,5%), caminhões (5,5%), óleo de soja (5,5%) e petróleo cru (2,3%). No caso da Bolívia, país mediterrâneo, 60% das exportações são para a América do Sul, 47% vão para o Mercosul e 33% para a economia brasileira. Seguem a lista a Argentina (9,7%), os Estados Unidos (9,4%), o Japão (6%), a Coréia do Sul (5,9%) e o Peru (5,4%). Chama a atenção uma reduzida presença do Chile, país fronteiriço, com apenas 1,5%. Isto se explica parcialmente pelo fato de que quase 80% dos bens bolivianos exportados são compostos por gás natural (52,4%), minerais da prata (7,4%), minerais de zinco (6,5%), farinhas de sementes oleaginosas (5,5%), petróleo cru (4,4%) e estanho (2,9%). De todas as exportações do Chile, 13,5% são para a América do Sul e 8% para o Mercosul (6% para o Brasil e 2% para a Argentina). A metade das vendas chilenas é despachada para outros quatro países de fora do continente: China (23%), Estados Unidos (11%), Japão (10%) e Coréia do Sul (6%). Na lista de quase 200 parceiros comerciais da economia chilena, o Peru e a Argentina, que fazem fronteira com o Chile, são somente o 11º e o 17º lugar, respectivamente. No caso das demais nações sulamericanas, os intercâmbios com Santiago são irrisórios. Das exportações totais do país, mais de 65% são integrados por cobre refinado (24,8%), mineral de cobre (22,6%), peixes (5%), ânodos de cobre (4,7%), pasta de madeira (3,3%), vinhos (2,5%) e uvas frescas (2,2%). Por sua vez, a economia colombiana exporta 18,2% de suas vendas totais para a América do Sul, 8,5% para o Mercosul e somente 2,3% para o Brasil. Os principais parceiros comerciais do país são os Estados Unidos (40%), seguidos por Venezuela (6%), Holanda (4%), Equador (4%) e China (3,7%). As exportações da Colômbia para Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, juntas, sequer chegam a 1% do total. Na lista dos bens, quase 70% são petróleo cru (48,9%), carvão (11,1%), café (3,4%), flores (2,4%), polímeros (2%) e plátanos (1,4%). Vejamos a situação do Equador. De todas as suas exportações, quase 25% vão para a América do Sul, 6,5% para o Mercosul (quase que exclusivamente para a Venezuela) e apenas 0,3% chegam ao Brasil. Aproximadamente a metade das vendas equatorianas é enviada para os Estados Unidos (38%) e para o Panamá (10%), país que – devido ao Canal – serve de entreposto para novos destinos. Outros parceiros relevantes são o Peru (7,5%) e a Venezuela (6%). Mais de 80% das exportações estão concentradas em cinco produtos: petróleo cru (54,8%), plátanos (9,5%), crustáceos e moluscos (7,3%), conservas de peixe (5,5%) e flores para enfeites (3,4%). Os dados relacionados ao peso de cada país nas exportações totais das economias sul-americanas foram obtidos no Banco de Dados Estatísticos de Comércio Exterior (BADECEL) da Cepal. A base estatística mais recente era o ano 2011. Os resultados que utilizamos são médias entre os anos 2009, 2010 e 2011. Já nos casos de Argentina, Paraguai e Uruguai, os dados são mais recentes; foram obtidos no Aliceweb Mercosul, até dezembro de 2014. 15

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O segundo dos países mediterrâneos da América do Sul é o Paraguai. Historicamente, esta situação tem condicionado o comércio exterior de Assunção. Os dados demonstram que 56% das exportações paraguaias são para a América do Sul, sendo 47% para o Mercosul. Os maiores compradores do Paraguai foram o Brasil (23,5%), a Argentina (11,3%), o Uruguai (10,9%) e o Chile (7%) 16. O Peru concentra apenas 2% e as relações são bastante reduzidas com Venezuela, Bolívia, Equador e Colômbia. A situação paraguaia se destaca: mais de 80% das vendas do país são constituídos por soja (26,7%), eletricidade (23,8%), carne de gado (10,7%), farinhas de sementes oleaginosas (9,8%), óleo de soja (5%) e milho (4,9%). O caso do Peru é igualmente instigante. Entre os seis principais importadores de bens peruanos, que somam mais de 60% do total, não há nenhum sul-americano: China (15,4%), Estados Unidos (14,6%), Suíça (12,9%), Canadá (9,1%), Japão (5,1%) e Alemanha (4,2%). A América do Sul soma 14,2% do total; o Mercosul, apenas 3%. Com pouca participação aparecem Chile (3,8%), Brasil (2,5%), Colômbia (2,4%), Equador (2%) e Venezuela (1,9%). As vendas peruanas para Bolívia, Argentina, Uruguai e Paraguai são ainda mais limitadas. Com uma pauta um pouco mais diversificada do que os vizinhos, 40% do que o Peru exporta são os seguintes bens: mineral de cobre (22,5%), cobre refinado (6,2%), gás natural (4,7%), farinha de peixe (4,1%) e mineral de chumbo (3,4%). Mais de 60% das vendas do Uruguai para o mundo estão concentradas em seis países: Brasil (20,7%), Venezuela (15,9%), China (8,9%), Argentina (7%), Rússia (4,4%) e Estados Unidos (3,5%). Cerca de 50% corresponde à América do Sul e 45% ao Mercosul. A metade das exportações orientais corresponde a cinco produtos: soja (20,9%), carne de gado (14,5%), leites (5,1%), arroz (5%) e troncos de madeira (3,3%). Apesar de a Venezuela contar com um Sistema de Consulta de Estatísticas de Comércio Exterior, os dados sobre as exportações totais do país estão inacessíveis nos últimos anos. As informações disponíveis estão relacionadas unicamente com as exportações não petrolíferas, que representam menos de 5% do total. Ou seja, 95% das exportações venezuelanas, as petrolíferas, não estão disponíveis nos bancos de dados oficiais. Por meio do Informe de Gestão Anual PDVSA (2013), conseguimos as estatísticas de vendas de petróleo, não em dólares, mas em milhares de barris diários (MBD). De acordo com estes números, quase 80% das exportações venezuelanas de petróleo foram para Estados Unidos (35%), Índia (17%), China (15%), Curaçau (7%) e Singapura (6%)17.

O peso do Uruguai nas exportações do Paraguai é maior quando se toma em conta a utilização do porto oriental de Nueva Palmira como trampolim para as vendas paraguaias. Como uma porta de entrada e de saída da hidrovia Paraguai-Paraná, Nueva Palmira é o segundo maior porto uruguaio, em carga movimentada. Além de receber importações destinadas ao Mercosul, serve como base para as exportações do bloco, principalmente paraguaias. Ali se realizam transbordos de embarcações menores, que utilizam a navegação de cabotagem, para grandes navios transatlânticos. 17 No caso do Brasil, os principais produtos exportados para o mundo são minério de ferro (13,6%), soja (9,5%), petróleo cru (5,4%), açúcar (3,8%), carnes de galinha (3%), farinhas de sementes oleaginosas (2,8%), milho (2,6%) e carne vacuna (2,2%). Somente estes oito tipos de bens representam 42,9% do total. É importante ter em conta quem são os principais parceiros do Brasil. No caso das exportações, são China (15,6% do total), Estados Unidos (9,9%), Argentina (8,8%) e Holanda (5,2%). Em 16

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Como resultado, podemos apontar que o Brasil cumpre um papel significativo nas exportações da Bolívia (compra 33% do total), do Paraguai (23,5%), da Argentina (20,8%) e do Uruguai (20,7%). Porém, o peso da economia brasileira nas vendas dos demais vizinhos é irrelevante: Chile (6%), Peru (2,5%), Colômbia (2,3%) e Equador (0,3%)18. No caso destes últimos países, as quatro economias do Pacífico, também chama a atenção uma baixa vinculação comercial com o restante da América do Sul. Além disso, ressaltamos a elevada participação dos Estados Unidos (o maior importador da Colômbia e do Equador) e da China (a principal compradora do Chile e do Peru)19. As orientações da política econômica brasileira durante o governo Lula, sobretudo entre 2007 e 2010, além de terem desencadeado efeitos propulsores da dinâmica interna – a reativação da produção nacional em diversos setores anteriormente estancados, a geração de empregos formais20 e o aumento do poder de compra dos trabalhadores – serviram como importante estímulo para o processo de integração regional. Apesar das limitações que podem ser apontadas, a economia brasileira conseguiu transbordar os efeitos de sua expansão para os países vizinhos, seja com o aumento das importações, a ampliação dos investimentos ou uma participação um pouco mais efetiva nos mecanismos regionais de financiamento do desenvolvimento, como o Focem.

O IDE do Brasil e papel do BNDES A quarta grande preocupação está associada à expansão dos Investimentos Diretos Externos (IDE) brasileiros nas demais economias da América do Sul. Utilizaremos, para tratar deste tema, cinco fontes de dados: os informes da CEPAL sobre IDE na América Latina e no Caribe; os números disponibilizados pelos Bancos Centrais de cada país sul-americano sobre a origem dos investimentos recebidos; os resultados anunciados pelo Banco Central do Brasil sobre os investimentos diretos brasileiros no exterior; as estatísticas da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

2014, a América do Sul representou 16,3%. No caso das importações brasileiras, os maiores sócios são: Estados Unidos (15,1%), China (14,2%), Argentina (7,9%) e Alemanha (6,9%). A região acumula 13% das vendas totais do Brasil. 18 Complementamos esta análise com os dados proporcionados por Bastos (Op.cit., p.51), que apresenta a participação das compras brasileiras no total das vendas de cada país sul-americano, entre 1989 e 2010. Observa-se forte crescimento do peso do Brasil nas exportações bolivianas (de 2,7% para 33,3%), argentinas (de 12,9% para 21,2%) e colombianas (de 0,3% para 2,4%). Houve queda da participação brasileira nas vendas totais do Uruguai (de 37,2% para 23,5%) e do Paraguai (de 25,6% para 16,8%). Não houve grandes mudanças nos casos de Chile (6%), Peru (2,3%), Venezuela (1,2%) e Equador (0,3%). 19 O aumento das compras brasileiras e a ampliação das relações dentro da região exigem a identificação de produtos que as economias sul-americanas já produzam, ou possam vir a produzir, em quantidade e com qualidade suficientes para exportar. Voltamos a afirmar que não há absolutamente nenhuma certeza de que a maioria das coalizões de poder governantes nas nações sul-americanas almeje diversificar as suas estruturas produtivas. Efetivamente, pode ser que às elites governantes desses países convenha continuar vendendo produtos primários para quem quer que seja. Por isso, o esforço brasileiro passa, entendemos, por atrair os vizinhos para uma dinâmica de integração. E para isso, obrigatoriamente, todos devem ganhar e sentir-se beneficiados pelo processo de integração. 20 De acordo com dados do Ministério do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2003 e 2010, foram criados no Brasil 15,38 milhões de postos formais de trabalho.

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Desenvolvimento (UNCTAD) sobre IDE; e, por último, pesquisas que trabalham com informações oferecidas diretamente pelas empresas brasileiras que atuam no exterior21. Na última década, com a parcial reversão das políticas neoliberais e com o boom dos preços internacionais das commodities, os países periféricos voltaram a apresentar melhores índices de crescimento econômico. O período igualmente marcou a valorização das moedas nacionais frente ao dólar, barateando importações e a aquisição de produtos, serviços ou mesmo ativos no exterior. A conjuntura foi favorável ao incremento dos investimentos externos, dentro ou fora da América do Sul. Hoje está em curso um terceiro ciclo de internacionalização, no qual empresas da Argentina e do Brasil – mesmo que ainda presentes – cederam espaço para a projeção de grandes conglomerados do México, do Chile e da Colômbia. Neste período recente, as empresas privadas locais ganharam espaço22. Entre 2000 e 2013, segundo a CEPAL (Op.cit., p.10), de todos os fluxos de investimento estrangeiro direto latino-americano no exterior, os principais promotores foram México (32%), Chile (30%), Brasil (19%) e Colômbia (11%). No mesmo período, ao excluirmos a economia mexicana, os dados de IDE desde países sul-americanos para o exterior foram os seguintes: Chile (44,6%), Brasil (27,2%), Colômbia (15,4%), Venezuela (6,1%) e Argentina (5,4%). Portanto, estes cinco países concentraram 98,7% do envio de IDE da América do Sul para o exterior. O cenário dos anos mais recentes aponta forte expansão chilena e colombiana, volatilidade brasileira e encolhimento venezuelano e argentino23. De acordo com a UNCTAD (2014), das 20 principais origens de IDE no mundo só há dois latino-americanos: o México e o Chile. O IDE brasileiro está estagnado desde 200924.

Nos anos 1970, houve o que poderia ser denominado como um primeiro ciclo de internacionalização de empresas latinoamericanas. Era comum identificar grandes companhias argentinas, brasileiras e mexicanas atuando no cenário global. As crises econômicas das décadas de 1980 e 1990, no entanto, desestimularam fortemente estas atividades e diminuíram o ímpeto das chamadas translatinas. Ainda assim, houve um segundo ciclo de internacionalização, promovido por empresas brasileiras, chilenas e colombianas, que continuaram ganhando dimensões continentais e aventuraram-se no mercado latino-americano, europeu e asiático. Segundo a Cepal (2013, p.69), Todas las grandes empresas de la región, en algún momento de su trayectoria, adoptan como estrategia de ampliación de sus operaciones a otros países. De hecho, entre las mayores empresas de América Latina es raro encontrar alguna que no tenga filiales fuera de su país de origen. Por lo tanto, casi todas las grandes empresas de la región son empresas translatinas. 22 Entre 1999 e 2012, o número de companhias de capital estrangeiro entre as 100 maiores empresas com operações na América Latina caiu de 47 para 29; as de capital privado nacional aumentaram de 40 para 57. Atualmente, como parte da aproximação vivenciada na última década, a grande maioria das empresas internacionalizadas possui pelo menos um escritório no exterior. Antes, possuir uma representação em um país vizinho era uma aventura arriscadíssima e impensável. Agora, passou a ser comum e elementar. Na primeira onda de internacionalização de empresas, o Brasil possuía cerca de US$ 900 milhões de estoque no exterior. Este montante alcança, atualmente, US$ 272,9 bilhões, sendo que 93,7% vão para fora da América do Sul. 23 Um estudo detalhado da Cepal (2011, p.25) sobre a presença da China na América Latina e no Caribe “estima que las transnacionales chinas invirtieron más de US$ 15 mil millones de dólares en la región en 2010, convirtiéndose en el tercer país inversor en América Latina y el Caribe, con 9% de participación, después de los Estados Unidos (17%) y Holanda (13%)”. 24 Além disso, as cinco maiores economias da América do Sul possuem empresas que concentram amplas faixas do mercado regional, nos setores agrícola, alimentício, de bebidas, mineral, energético, siderúrgico, cimenteiro, farmacêutico, químico, comercial, bancário, florestal, software e de telecomunicações. As companhias estão atuando cada vez mais fora da sua jurisdição, ampliando receitas, expandindo marcas e fusionando-se. Quando o critério são as vendas, as seis maiores são a brasileira Petrobras, a mexicana Pemex e a venezuelana PDVSA, seguidas pela mexicana América Móvil, a brasileira Vale e a colombiana Ecopetrol. Correspondendo às dimensões das duas maiores economias latino-americanas, das 35 maiores, 13 são do México e 11 do Brasil. Há seis chilenas, três colombianas, uma argentina e uma venezuelana. Também se destacam as argentinas Techint, Molinos Río de la Plata, Arcor e Laboratórios Bagó; as mexicanas Femsa, Cemex, Bimbo e Casa Saba; as 21

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Certamente, o simples fato do IDE partir de países da região não significa, de forma obrigatória, que o papel destes investimentos seja qualitativamente distinto daquele exercido pelos capitais das grandes potências. No geral, tem prevalecido a tendência de que os fluxos busquem as economias sulamericanas para ampliar mercados (market-seeking), fugir de barreiras tarifárias (tariff-jumping) ou ter acesso a recursos naturais (resource-seeking)25. Torna-se crucial questionar a função cumprida pelos investimentos estrangeiros como ativadores de novos setores produtivos ou como promotores de melhor desempenho nos setores já existentes26. O Brasil, sim, tem sido o latino-americano que mais realiza investimentos na Europa e na África. Na realidade, quando houve maior expansão dos investimentos diretos brasileiros, sobretudo até 2006, estes priorizam Estados Unidos, Canadá e Portugal. O referido informe da CEPAL também esclarece que, ao contrário do concebido pelo imaginário amplamente disseminado, o Brasil não é o principal país da região a investir na América do Sul27. Agora, para obter uma visão mais detalhada, identificamos as principais origens das entradas de IDE nas economias da América do Sul, com exceção da Guiana e do Suriname. A finalidade é observar o peso relativo e a dinâmica dos investimentos do Brasil em cada país da região28. Comecemos pela chilenas Falabella, CMPC, Arauco e Sigdo Koopers; as colombianas Sura, Avianca, EPM, Argos e ISA; e as peruanas Belcorp, Alicorp, Ajegroup, Buenaventura e Minsur (CEPAL, 2013, pp.90-102). 25 No caso dos investimentos diretos dos países sul-americanos realizados nas economias desenvolvidas, além destas três estratégias de internacionalização, podem haver outras duas: asset seeking, quando a procura é por ativos estratégicos, como tecnologias, conhecimentos e direitos de propriedade; ou efficiency-seeking, quando “buscam o aumento da eficiência e da produtividade global das empresas através de investimentos externos que deem suporte à fragmentação internacional da produção e gerem ganhos de escala e escopo associados à especialização das plantas em diferentes países” (VEIGA & RÍOS, 2014, p.26). 26 Segundo a Cepal (Op.cit., p.25), “el crecimiento a largo plazo de la renta de IED generado en la región supone que las empresas transnacionales recuperan casi tanto capital en forma de beneficios como lo que invierten. En 2013, la renta de IED que salió de la región alcanzó un nivel equivalente al 81% del valor de la IED recibida por la región”. Ou seja, sem intervenção e direção do Estado, o que tende a imperar é o aprofundamento da condição primário-exportadora das economias periféricas. Mas, além disso, e ainda pior, é que esta a condição primário-exportadora ocorra simultaneamente à submissão das economias nacionais ao IED. Nesta situação o resultado real das contas externas tende, cada vez mais, a ser mais negativo. Caso fosse possível estabelecer uma ordem de preferência dos tipos de propriedade sobre as empresas que atuam nos países membros do processo de integração, sugeriríamos que fossem i) estatais, ii) privadas nacionais, iii) translatinas, e iv) multinacionais. Isto porque o controle dos Estados nacionais sobre as companhias é decrescente na medida em que se distancia do primeiro para o quarto tipo. Sobre este tema, Prebisch (1981) escreveu que “foi muito difundido o temor de que a iniciativa estrangeira, por essa mesma superioridade (técnica e econômica) e pelo conhecimento de diversos mercados, aproveite melhor as amplas oportunidades comerciais dos países associados, e adquira um papel importante nos acordos de complementação e na zona em geral. Se não for afastado tal perigo, não se poderá avançar muito nesta grande empresa pelas enormes oposições que surgiriam. A solução fundamental encontra-se em apoiar a iniciativa latino-americana para que adquira impulso máximo na formação do mercado comum e faça frente à iniciativa estrangeira, a ela combinando-se em empenhos comuns ou competindo em pé de igualdade, pois a concorrência entre desiguais costuma apresentar o seguinte dilema: desaparecer ou submeter-se ao mais forte”. 27 Ressalta que, “en los últimos años, mientras las inversiones de otros países, como Chile y Colombia, han mostrado una fuerte expansión, la IED de Brasil se ha reducido sustancialmente, tornándose negativa la mayoría de los años… Desde 2009, los préstamos entre filiales han registrado valores negativos, lo que indica que las filiales de algunas grandes empresas brasileñas se están endeudando en el exterior y de este modo financian parte de las operaciones en el Brasil. El acceso al financiamiento se ha convertido así en una de las motivaciones de las empresas brasileñas para invertir en el exterior… Los aportes de capital durante los últimos años se han mantenido en un nivel similar al del periodo anterior a la crisis (en valores corrientes), lo que revela que, a diferencia de las translatinas mexicanas o chilenas, las empresas brasileñas no están acelerando su expansión en el exterior” (CEPAL, Op.cit., p.82). 28 Veremos como a tentativa de mapear o destino dos Investimentos Diretos Estrangeiros encontra dois grandes obstáculos: os chamados paraísos fiscais (centros financeiros offshore) e as denominadas Sociedades com Propósito Específico (Special

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Argentina. A CEPAL anuncia que, entre 2006 e 2012, os maiores ingressos de IDE em Buenos Aires foram oriundos de Estados Unidos (33,6%), Brasil (16,9%), Holanda (10,4%), Luxemburgo (9,7%), Canadá (9,4%) e Chile (8,3%). Chama a atenção a recente expansão holandesa e canadense, que recentemente supera o fluxo brasileiro. Também se nota um forte crescimento chileno, depois de 2008. De acordo com o Banco Central de la República Argentina (BCRA), durante o período, o principal destino dos US$ 75,6 bilhões foi o setor manufatureiro (46%), com destaque para as indústrias de alimentos, química, de bebidas e tabaco, e de plástico e borracha. Por volta de 32% dos investimentos foram em serviços e 22%, em recursos naturais29. Devido à atividade petrolífera, especificamente em 2013, este último setor foi o maior receptor de fluxos de IDE, concentrando 44% do total. O BCRA ainda informa que em 2013, pela primeira vez desde o início da série estatística, os Estados Unidos ocuparam o lugar da Espanha como a principal origem de IDE. Os estoques de investimento estrangeiro direto como proporção do PIB, em queda, chegaram a 24% (CEPAL, Op.cit., p.65)30. No caso da Bolívia, entre 2006 e 2013, o Brasil sequer apareceu entre os principais investidores no informe da CEPAL. A maior quantidade de recursos foi proveniente de Espanha (36,5%), Suécia (32,4%), Inglaterra (12,1%), França (11,2%) e Peru (7,8%). Os US$ 4,9 bilhões foram para o setor de recursos naturais (68%), sobretudo em atividades associadas a hidrocarbonetos e mineração. Os setores de serviços e manufatureiro concentraram 17% e 15%, respectivamente. Os resultados publicados pelo Banco Central da Bolívia são similares: Espanha (33%), Suécia (17%), Inglaterra (15%) e França (11%). Nos últimos anos, observam-se a queda da participação brasileira, para 4%, e a ampliação dos investimentos de países europeus31. Os estoques de IDE como proporção do PIB, também em queda, foram de 35%. Nenhuma economia da América do Sul encontra-se na lista dos maiores investidores no Chile. Segundo a CEPAL, a origem do IDE que ingressou a Santiago proveio principalmente de Espanha (28,4%), Estados Unidos (26,3%), Canadá (23%), Holanda (12,3%) e Japão (10%). Dos US$ 53,9 bilhões Purpose Entities – SPE), que podem ser hospedadas em determinados países, como, por exemplo, Áustria, Dinamarca, Holanda, Hungria, Luxemburgo e Portugal. Algumas empresas recorrem a estes dois expedientes como forma de obter vantagens fiscais e driblar controles. Assim, os dados oficiais divulgados incluem sempre os “destinos geográficos das empresas investidas imediatas” e não o destino das empresas beneficiárias finais. Paraísos fiscais e SPE podem ser utilizados como trampolim para futuros investimentos. Também por esse motivo, destacam-se como destino e como origem de IDE. 29 www.bcra.gov.ar, acesso em 31 de janeiro de 2015. Estadísticas de inversiones directas. 30 Diferentemente do anunciado pela Cepal, segundo o banco, nos últimos oito anos, os principais responsáveis pelos fluxos de investimentos foram Estados Unidos (15,5%), Espanha (10,6%), Holanda (10,5%), Brasil (8,8%) e Chile (8,5%). O Brasil ocupa o quarto lugar. Ao analisar o estoque de IDE na economia argentina, os capitais brasileiros são muito menores que os de Estados Unidos, Holanda, Espanha e Chile. Não obstante, o que se difunde como suposta prova de uma invasão brasileira são as compras da cervejaria Quilmes pela hoje belga AmBev (em 2002), da petroleira Pérez Companc pela Petrobras (2002), da fábrica de cimento Loma Negra pela Camargo Corrêa (2005) e da frigorífica Swift Armour pela Friboi (2005). Outra ação de destaque foi a inauguração de uma sucursal da têxtil Coteminas em Santiago del Estero, em 2004. As aquisições ocorreram no rastro da maior crise econômica argentina de todos os tempos. A cervejaria Quilmes estava à beira do colapso. Em outro dos casos, com o seu patriarca doente, a família de Gregorio Pérez Companc, o homem mais rico da Argentina, se desfez de sua companhia. A cimenteira Loma Negra, que controlava 45% do mercado daquele país, também estava sendo disputada pela francesa Lafarge, a suíça Holcim e a mexicana Cemex. Já a empresa frigorífica Swift Armour, originalmente inglesa, foi adquirida pelos brasileiros depois de haver passado para o controle estadunidense nos anos 1980. 31 www.bcb.gob.bo, acesso em 31 de janeiro de 2015. Reporte de saldos y flujos del Capital Privado Extranjero en Bolivia.

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recebidos entre 2006 e 2013, 49% foram para o setor de recursos naturais (mineração), 44% para serviços e apenas 8% para manufaturas. Já de acordo com o Banco Central do Chile, a lista é composta por Estados Unidos (16,7%), Holanda (14,8%), Espanha (10,4%), Canadá (5,1%) e Inglaterra (4,3%). O Brasil aparece em oitavo lugar, com 2,7%. Somados, Colômbia, Argentina, Peru e Uruguai investem outros 2,8%32. Os estoques de investimento estrangeiro direto, em alta acelerada, chegaram a impressionantes 77% do PIB. Neste caso, o peso brasileiro também é pequeno, ficando em oitavo lugar. A situação do IDE na Colômbia é parecida com o caso anterior. Entre os maiores investidores, só constam países de fora da região. Para a CEPAL, foram Estados Unidos (36,8%), Espanha (20,8%), Japão (17,1%), Holanda (8,3%) e Canadá (7%). Sem embargo, de acordo com o Banco Central da Colômbia33, entre 2006 e 2013, os dados relacionados à origem do investimento estrangeiro são bastante diferentes: Estados Unidos (22%), Panamá (14,7%), Inglaterra (12,1%), Anguilla (6,9%), Espanha (6,8%) e Suíça (5,3%). A América do Sul, em conjunto, representou 9,3%, com destaque para o Chile (5,2%). A participação do Brasil foi de apenas 2,1%, ficando na 12º posição, mas com forte elevação. Entre os investidores na Colômbia, o capital brasileiro foi o terceiro que mais cresceu, mesmo que ainda esteja muito atrás de Suíça e Chile. O destino do IDE na economia colombiana revela uma marcada prioridade ao setor de recursos naturais (55%), devido às atividades carboníferas e petrolíferas. Depois vêm serviços (33%) e manufaturas (12%). O estoque de IDE foi de 34% do PIB. A entrada de IDE no Equador é relativamente pequena, totalizando US$ 3,5 bilhões entre 2006 e 2013. O valor acumulado totaliza somente 15% do PIB. De acordo com a CEPAL, os maiores investidores estrangeiros na economia do país foram México (44,2%), Panamá (17,5%), China (15,1%) e Espanha (14,7%). A informação difere um pouco da oferecida pelo Banco Central do Equador34, na qual a lista é composta por México (36,9%), Panamá (14,6%), Brasil (13,6%), China (12,8%) e Espanha (12,4%) e Canadá (9,2%). Os recursos foram distribuídos no setor de serviços (40%), seguido por recursos naturais (34%) e pelas manufaturas (26%). Vale comentar, ainda, que os números atestam que os Estados Unidos retiraram do Equador mais de US$ 1,3 bilhão entre 2005 e 2010. Entre os investidores brasileiros, destaca-se a têxtil Vicunha, que em 2007, pela primeira vez, assumiu uma fábrica fora do Brasil. O grupo comprou 64% das ações da maior e mais antiga indústria têxtil equatoriana, a La Internacional. Vejamos a situação do Paraguai. Segundo a CEPAL, os principais investidores, entre 2006 e 2013, foram Estados Unidos (60,5%), Brasil (20,6%) e Argentina (13,6%). O montante de IDE chegou a US$ 2 bilhões no período, sendo 66% aplicados em serviços e os 34% restantes, em manufaturas. A participação dos estoques de investimento estrangeiro direto no PIB é uma das mais baixas da região: www.bcentral.cl, acesso em 31 de janeiro de 2015. Estudios Económicos y Estadísticos. Cuenta Financiera, Inversión extranjera directa por sector y país. 33 www.banrep.gov.co, acesso em 31 de janeiro de 2015. Flujos de inversión directa según país de origen. 34 www.bce.fin.ec, acesso em 31 de janeiro de 2015. Inversión Extranjera Directa reportada en la Balanza de Pagos. 32

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16%. Nos informes do Banco Central del Paraguay (BCP), a lista é parecida. Apenas corrigem para baixo a participação dos Estados Unidos (46,2%) e ressaltam o papel de Espanha e Panamá (ambos com 5%)35. O Ministério de Economia e Finanças do Peru revela que os principais investidores no país são Espanha (20,2%), Inglaterra (20%), Estados Unidos (14,4%), Holanda (7%), Chile (6,1%), Colômbia (4,8%) e Brasil (4,6%)36. O órgão oficial peruano relata o elevado crescimento recente das presenças dos capitais chilenos e mexicanos. Nos últimos três anos, US$ 61,4 bilhões foram destinados aos setores de recursos naturais (principalmente mineração), serviços (sobretudo financeiros, de telecomunicações e energia) e manufaturas. Apesar de o Brasil possuir uma participação relativamente limitada, destacamos a presença das empresas Vale (desde 2004) e Votorantim (desde 2005), no setor de minerais, e da Gerdau, no ramo siderúrgico, desde 2006. O estoque de IDE chegou a 34% do PIB. Entre 2006 e 2012, os maiores investidores diretos no Uruguai foram, de acordo com a CEPAL, Argentina (56,3%), Brasil (13,2%), Espanha (13,1%) e Estados Unidos (8,3%). Sem embargo, o Banco Central do Uruguai divulga oficialmente outros resultados. Os países são os mesmos, mas a ordem e as porcentagens destoaram bastante: Argentina (28,1%), Espanha (6,9%), Brasil (6,4%), Estados Unidos (4,3%) e Inglaterra (2,8%)37. A participação do IDE no PIB aumentou mais de 100% desde 2005. Dos US$ 16,8 bilhões recebidos como investimento direto estrangeiro no período, 60% foram destinados ao setor serviços (sobretudo construção, com 28,8%, e intermediação financeira, com 6,4%). Neste ponto, a economia oriental representa uma exceção em relação aos demais países: os investimentos em recursos naturais (20% do total) se concentraram em agricultura, pecuária, caça e silvicultura (17,5%). Os restantes 20% aplicaram-se em manufaturas. A maior presença brasileira se dá no setor frigorífico e arrozeiro, ainda que não se limite a eles, por meio da atuação de empresas como Marfrig, Friboi, JBS e Camil Alimentos, que controlam parcelas significativas da produção e das exportações. As informações relacionadas com o IDE na Venezuela não estão disponíveis nas tabelas do Banco Central do país. Por este motivo, utilizamos as estatísticas da UNCTAD (2014), que só incluem 2001,

https://www.bcp.gov.py/userfiles/files/IEF_Publicacion_Diciembre_2014.pdf, acesso em 13 de fevereiro de 2015. É importante apontar que, durante os oito anos analisados, quase todos esses países aumentaram a quantidade de dólares aplicados na economia paraguaia. Fala-se muito que o Brasil expandiu em 100% o IDE no Paraguai e fala-se muito pouco que a Espanha ampliou em 420%, os Estados Unidos em mais de 300%, a Suíça em 290% e a Argentina em 200%. O BCP ainda chama a atenção para a retirada de US$ 160 milhões de capitais chilenos, japoneses e franceses do país, durante o governo de Fernando Lugo (2008-2012), e para o aumento da presença do Uruguai, depois de 2012. Outro ponto importante é a presença do Itaú-Unibanco no país guarani. Segundo o BCP, em dezembro de 2014, o banco brasileiro detinha 18,5% dos ativos do sistema financeiro. O seguem o Banco Continental (18%), o Banco Regional (15,3%) e o Bilbao Viscaya (10,8%). O Banco Continental adquiriu o brasileiro NBC, em 2012, e tem agências nos três estados da região Sul. O Banco Regional, junto a capitais holandeses, comprou o ABN AMRO Paraguay. A lista ainda inclui instituições estatais e privadas paraguaias. O Banco do Brasil e o Banco de la Nación Argentina, somados, não chegaram aos 2%. 36 www.proinversion.gob.pe, acesso em 2 de fevereiro de 2015. Os dados são da Agencia de Promoción de la Inversión Privada (PROINVERSIÓN), organismo público vinculado ao Ministério de Economia e Finanças do Peru. Os informes da Cepal de 2013 e de 2012 não incluem resultados do Peru nem da Venezuela. Os dados da publicação de 2011 estão incompletos. A empresa Tigre, fabricante de tubos, conexões e acessórios, está presente no país, com uma grande fábrica em Lima, ampliada em 2014. Igualmente possui estruturas produtivas na Argentina, na Bolívia, no Chile, na Colômbia, no Equador, no Paraguai e no Uruguai. 37 www.bcu.gub.uy, acesso em 19 de janeiro de 2015. Estadísticas e Indicadores. 35

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2002, 2011 e 2012. Usamos apenas o último ano. Os maiores investidores na economia venezuelana foram, em ordem decrescente, Holanda (17,4%), Estados Unidos (15,8%), França (7,2%), Espanha (5,6%), Suíça (4,8), Inglaterra (3,3%) e China (2,9%). A América do Sul alcançou 5,7% e o Brasil, 2,5%. A CEPAL aponta que os estoques de investimento estrangeiro direto como proporção do PIB vêm caindo bastante, de 31% para 13% no período analisado38. Os dados apresentados explicitam o papel secundário do Brasil como promotor de investimentos na América do Sul. Por sua vez, os Estados Unidos ocuparam o primeiro lugar na metade dos países analisados e só não ficaram entre os cinco primeiros postos nos casos de Bolívia e Equador. A Espanha, por exemplo, com um PIB que equivale a 60% do PIB do Brasil, apareceu entre os cinco principais investidores em todos os dez países. Inglaterra e Holanda, igualmente com economias menores do que a brasileira, também têm marcada presença na região39. Uma característica clara dos investimentos do Brasil no exterior é que envolvem um número relativamente pequeno de grandes empresas e se concentram em poucos setores. Há, por exemplo, 39 empresas brasileiras nos Estados Unidos, 33 na Argentina, 19 na China e 15 no Paraguai (FDC, 2014, p.27). Como já afirmamos, os investimentos podem ser em ampliação, aquisição, Greenfield (novas plantas ou remodelação de estruturas existentes) ou Joint-venture (atuação em parceria com empresas do país de destino). No caso do IDE brasileiro, Iglesias e Costa (2012, p.25) demonstram que dos 174 projetos de investimento realizados pelo Brasil na América do Sul e no México, entre 2007 e 2011, 53% foram para aquisições de estruturas já prontas. Quase 30% foram destinados à construção de novas estruturas (Greenfield) e 20%, para ampliações e Joint-venture40. Para especialistas como Veiga e Ríos (2014, p.2), ao analisar os dados dos investimentos no exterior percebe-se que o Brasil é um “ator pequeno” e que a internacionalização de empresas brasileiras ainda é um “fenômeno bastante volátil”. Note-se que, em 1990, o país era responsável por 2% do estoque global de IDE. A persistente perda de peso na participação ocorreu até 2005, quando foi de apenas 0,6%. Depois disso, houve uma marcada expansão até chegar, em 2012, próximo de 1% do total. Além disso, um recente Relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI, 2013, p.10) ressalta a “inexistência de um conjunto coerente de políticas que incentivem a internacionalização de empresas”. O mesmo documento expressa, de forma bastante contundente, a posição da instituição máxima de organização do setor industrial brasileiro: “o Brasil não conta com uma política de apoio à internacionalização de suas empresas através de IDE, se por política se entender um conjunto de iniciativas e ações públicas minimamente coordenadas, consistentes entre si e envolvendo distintos órgãos de governo e parcerias com o setor privado” (Op.cit, p.67). 39 Em diversas pesquisas, as próprias empresas translatinas brasileiras esclarecem que entre as principais motivações para investirem no exterior estão o acesso a novos mercados, a diversificação dos riscos ao ciclo econômico do Brasil e a redução de custos (sobretudo cambiais e tarifários) para enfrentar a concorrência internacional, acesso a novas tecnologias de produção ou de gerenciamento e acesso a insumos mais baratos (CNI, Op.cit., p.46). A Fundação Dom Cabral (FDC) apresenta, desde 2006, um Ranking das Multinacionais Brasileiras. Em 2014, foram entrevistadas 66 empresas que possuem unidades próprias no exterior ou atuam por meio de franquias. De acordo com a pesquisa, a qualidade, o preço e o portfólio de produtos e serviços oferecidos no exterior são iguais ao do mercado nacional. O estudo também revela que “as margens de lucro no exterior das empresas brasileiras são, em geral, inferiores se comparadas à margem de lucro doméstico. Essa tendência se verifica também em 2013, ano em que essa diferença aumenta”. Inclusive, 31% informam que praticam preços inferiores no exterior. A partir desta informação, interpretamos que a finalidade da internacionalização vem sendo, na maior parte dos casos, a ampliação de mercados (market-seeking). Absolutamente todas essas multinacionais brasileiras anunciaram que pretendem estabilizar a sua atuação no cenário mundial ou entrar em novos países. 40 Os dados da CNI (Op.cit., p.30), com base no Banco Central do Brasil, demonstram, ainda, que os recursos brasileiros foram investidos da seguinte forma: 56,9% no setor de serviços (serviços financeiros e atividades auxiliares receberam 40%; e obras de infraestrutura, serviços de construção, engenharia e arquitetura, apenas 1,5%). O setor de agricultura, pecuária e extrativa mineral concentrou 25,1% (17,3% foram para extração de minerais metálicos; 5% para extração de petróleo e gás 38

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Conforme comentado anteriormente, existe certa dificuldade para mensurar de forma precisa o destino dos Investimentos Diretos Estrangeiros de qualquer país, devido aos paraísos fiscais e às nações que hospedam Sociedades com Propósito Específico (SPEs). Entre 2007 e 2013, somados, os paraísos fiscais e os países-SPEs corresponderam a mais de 70% do estoque de investimentos brasileiros no exterior. É possível constatar a grande concentração na Áustria (24,7%), nas Ilhas Cayman (15,6%), nas Ilhas Virgens Britânicas (9,4%), na Holanda (8%) e em Bahamas (7%), sendo correto imaginar que destes lugares os recursos ainda poderiam migrar para outras economias. Portanto, é possível que os dados sobre IDE fora de paraísos fiscais e de países-SPEs estejam subdimensionados41. Seguindo este enfoque, o percentual do estoque do IDE do Brasil na América do Sul representou em 2013 menos da metade do que havia representado em 2001. A participação da região como destino

natural; e somente 0,5% para agricultura, pecuária e serviços relacionados). Por último, 18% foram utilizados no setor da indústria (com destaque para metalurgia, com 6%, e alimentos e bebidas, com 7%). Nota-se a imensa diferença entre os montantes dirigidos para bancos, infraestrutura, indústria extrativa, manufaturas e agricultura. De acordo com Banco Central do Brasil, há 18 bancos brasileiros que possuem subsidiárias de instituições financeiras no exterior. Destes, 11 têm subsidiárias em Bahamas, Ilhas Cayman, Bermudas ou Ilhas Virgens. Destacam-se os menos conhecidos BBM, BMG, BTG Pactual, Mizuho, Rural, Safra, Sofisa e Votorantim, além do Banco do Brasil (BB) e do Itaú Unibanco. Dando nomes a outras empresas brasileiras, em serviços financeiros, destaca-se o banco Itaú-Unibanco, com uma clara estratégia de alargamento de suas atividades para a região, na maioria das ocasiões, atuando em parceria com instituições locais. O Banco do Brasil também ampliou as suas atividades, sobretudo nos Estados Unidos, na Ásia e na Argentina. O Banco do Brasil, a partir da aquisição de 51% das ações do pequenino Banco da Patagônia, abriu subsidiárias na Argentina e Uruguai, em 2010. O Itaú-Unibanco conta com subsidiárias na Argentina, na Colômbia, no Chile, no Uruguai e no Paraguai. Mas só tem relevância frente aos bancos locais em Assunção. As principais agentes no caso da extração mineral são a Petrobras e a Vale, que vem claramente desacelerando as suas iniciativas. A Cepal (Op.cit., p.86) explica que “las dos mayores empresas translatinas brasileñas, la petrolera Petrobras y la minera Vale, se han destacado por una estrategia de desinversión de activos en el exterior, particularmente en 2012”. Com muito menos peso, o setor de alimentos e bebidas tem quatro produtoras de carne (JBS Friboi, Marfrig, Minerva e BRF), com expansão depois de 2005. Notemos que “JBS Friboi y Marfrig han hecho adquisiciones muy grandes en los Estados Unidos y otros mercados, que les han permitido convertirse en el primero y el cuarto productor mundial de carnes, respectivamente. En cambio, Minerva y BRF han limitado su expansión en el exterior a los países vecinos (Argentina y Uruguay)” (CEPAL, Op.cit., p.88). O ramo da siderurgia é liderado por empresas como Gerdau, CSN e Votorantim. Igualmente há um peso considerável da Embraer, que possui centros de produção nos Estados Unidos e na China, obtendo mais de 85% dos seus ingressos no exterior. No campo produtivo, destacam-se, ainda, a Marcopolo, com atividades conjuntas com empresas locais em diversos países da Ásia, do Oriente Médio e da Oceania; a WEG, fabricante de motores elétricos, presente em mais de 100 países; e a petroquímica Braskem. A companhia de bebidas AmBev foi comprada, em 2004, pela belga Anheuser-Busch Inbev. No setor de serviços de consultoria ligados com a construção, que concentra somente 1,5% do IDE brasileiro no exterior, sobressaem as “cinco irmãs”, Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão. 41 O estoque de IDE brasileiro no mundo ronda os US$ 266 bilhões. A lista de destinos desses recursos contém 47 países. Os 10 primeiros concentram 87,8% do total. A Argentina e o Uruguai, os dois primeiros sul-americanos, só aparecem em 10º e 11º lugares, com apenas 2,4% e 1,4% do total dos investimentos brasileiros. A América do Sul em seu conjunto chega aos 6,3%. Apesar deste baixo percentual, conforme seria absolutamente normal prever, devido à proximidade e aos custos de instalação, a concentração geográfica das empresas brasileiras é maior na região. Em torno de 75% das multinacionais entrevistadas pela pesquisa FDC estão presentes nos países vizinhos. Na América do Norte, principalmente nos Estados Unidos, o percentual chega a 67%. Quase 55% possuem subsidiárias ou franquias na Europa e 38%, na Ásia. Ao tratar da América do Sul, o Balanço de Política Externa 2003/2010 (MRE, 2011) considera que “o continente é, por excelência, espaço para a expansão da produção de empresas brasileiras, favorecida pela proximidade geográfica e pelas afinidades culturais, assim como pelo desenvolvimento de acordos comerciais e de marcos regulatórios que favorecem investimentos brasileiros e a circulação de bens, serviços e mercadorias na região. Para o aproveitamento pleno das oportunidades oferecidas na relação com os vizinhos, é necessário fomentar o investimento no desenvolvimento de nichos de produção em tais países que se combinem às necessidades brasileiras, promovendo processo de complementação e integração produtiva. Esse trabalho tem o potencial para elevar o comércio regional a um novo patamar, por meio da diversificação da pauta comercial da região e pela inclusão de produtos de maior valor agregado. Em um nível mais amplo, uma política de investimentos estratégica associada a mecanismos de financiamento pode promover maior sinergia dos mercados regionais, pelo aprofundamento da complementação e da integração produtiva”.

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dos investimentos brasileiros vem caindo permanentemente desde então, quando foi de 12,1% do total, até chegar aos 5,6%. Neste período, o peso dos paraísos fiscais também caiu de maneira considerável, ao passar de 68,2% do total para 32%. O maior crescimento foi dos países que hospedam SPE, como Áustria (de 0,05% para 24,7 % do total), Holanda (de 0,5% para 8%) e de Luxemburgo (de 1,4% para 4,5%). Isto fez com que o IDE brasileiro na União Europeia subisse de 8,4% do total para mais de 50%42. Finalmente, vale comentar que, em termos reais, o estoque de IDE brasileiro na América do Sul foi triplicado, subindo de US$ 5,9 bilhões para US$ 15,4 bilhões. Entretanto, no mesmo período, o estoque de IDE brasileiro no mundo foi quintuplicado, subindo de US$ 49,7 bilhões para US$ 272,9 bilhões. Dito de outra forma, os investimentos brasileiros na região aumentaram em números absolutos, mas representam hoje, em termos proporcionais, menos da metade do que significavam há cerca de dez anos. Certamente existe a possibilidade de que empresas brasileiras estejam enviando IDE para paraísos fiscais e países hospedeiros de SPE para posteriormente dirigi-los para economias sul-americanas. Isto significa que os investimentos diretos externos brasileiros na América do Sul poderiam ser maiores do que apontam as estatísticas43. Agora vejamos a quinta grande preocupação presente nas análises sobre as assimetrias econômicas regionais. Trata-se do BNDES. Certamente, esta instituição pública brasileira, por si só, já representa uma grande assimetria na América do Sul. Com mais de US$ 300 bilhões em ativos, é o terceiro maior banco de desenvolvimento do mundo, atrás apenas dos também públicos KfW Bankengruppe da Alemanha (KfW) e do China Development Bank (CDB). Os ativos do banco brasileiro de desenvolvimento triplicam os do BID e são 15 vezes superiores aos da CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina). Além disso, superam os do Korea Development Bank (KDB) e do Development Bank of Japan (DBJ), também públicos. Os investimentos nos Estados Unidos também aumentaram de 3,3% para 6,5%. Nos últimos doze anos, tem havido uma marcada queda da importância relativa da Argentina (de 3,8% do total para 2,4%) e do Uruguai (de 7,3% para 1,4%); e um aumento do peso do Peru (de 0,1% para 1%), da Venezuela (de 0,05% para 0,4%) e do Paraguai (de 0,1% para 0,2%). Os patamares de Colômbia, Chile, Bolívia e Equador se mantiveram estáveis (CNI, 2013). Quando se toma como referência o espaço geográfico da América Latina e Caribe, o percentual destinado à região sobe para 38,9%. Isto se deve, quase que exclusivamente, aos paraísos fiscais caribenhos, que concentraram 30,8% de todo o IDE brasileiro em 2012. Na média entre 2001 e 2012, a América Latina e o Caribe representam 59,1% dos investimentos diretos do Brasil no mundo. Entretanto, 50,4% se deveram apenas ao Caribe (Ilhas Cayman, 31%; Ilhas Virgens Britânicas, 9,6%; e Bahamas, 8,9%). A América Central recebeu 1,2% e o México, 0,3% (UNCTAD, 2014). 43 No entanto, como se sabe, não são apenas os banqueiros e os empresários brasileiros que recorrem a estas ferramentas. Muitas companhias e instituições financeiras de diversos países repetem este artifício de usar paraísos fiscais e países-SPE como trampolim de futuras transações. Note-se que a Holanda, por exemplo, aparece como a maior origem de IDE da Venezuela, com 17% do total. Além disso, Amsterdã é responsável por 15% dos investimentos diretos no Chile, 10% na Argentina, 8% na Colômbia, 7% no Peru e 3% no Uruguai. Ou seja, os recursos realmente podem ser oriundos de SPE hospedadas na Holanda. No entanto, também podem vir, e provavelmente assim o seja, de efetivos investimentos de poderosas multinacionais holandesas (como C&A, Makro, Philips, KLM e Heineken) ou anglo-holandesas (Shell e Unilever), todas estas com intensa presença nas economias sul-americanas. Por sua vez, o reino da Suécia contribui com 32,4% do IDE presente na economia boliviana. Em parte, sabe-se que isto se deve à expansão da Tigo, operadora de telefonia celular no país andino. A Suíça corresponde a 3% dos investimentos externos no Paraguai. E Anguilla, a pequenina ilha inglesa de 90 km2 no mar das Caraíbas, representa 7% do IDE da Colômbia. Apesar destas situações, não há muitos elementos definitivos para concluir que o dinheiro brasileiro enviado para Áustria, Holanda ou Luxemburgo volte à região. Em nossa interpretação, muito menos poderia cogitar-se que estes recursos regressem com um peso significativo sobre as economias vizinhas. 42

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Em 2003, na gestão do economista Carlos Lessa, o BNDES criou o Departamento de Integração da América do Sul e estabeleceu uma linha de crédito especial, direcionada ao apoio de empresas brasileiras no exterior44. Desde então, o banco vem cumprindo um papel importante, mas ainda limitado, no processo de integração. O BNDES possui duas frentes de ação vinculadas ao cenário internacional: o financiamento de exportações brasileiras de bens e serviços (na qual se incluem os créditos para a realização de obras de infraestrutura) e o respaldo financeiro à projeção externa de empresas brasileiras (ou simplesmente estabelecidas no Brasil), via capitalização. Na primeira linha, o banco disponibiliza recursos, por meio do chamado BNDES-Exim, como forma de estimular as vendas de bens e serviços brasileiros no exterior. Este procedimento pode corresponder a dois tipos de financiamento. Um deles é o pré-embarque, com apoio financeiro para a produção no Brasil de bens que serão exportados. O outro é o pós-embarque, que corresponde ao apoio à comercialização de bens e serviços brasileiros. Dentro da modalidade pós-embarque, o banco empresta dinheiro para a execução de projetos de engenharia física, realizáveis por empresas brasileiras, em outros países. Usando o BNDES-Exim, o banco empresta o dinheiro em reais para empreiteiras sediadas no Brasil, que adquirem bens e serviços brasileiros para executar obras no exterior. Neste caso, o importador estrangeiro é financiado e o exportador brasileiro recebe os recursos antecipadamente. Por isso, trata-se, em última instância, de exportação de serviços45. Na segunda frente de ação, denominada BNDES-Finem (Financiamento a empreendimentos), é garantido o crédito direto para a compra de bens de capital e para estratégias de diversificação geográfica das empresas brasileiras, podendo fazê-lo, inclusive, por meio da aquisição de parte do patrimônio das mesmas pelo BNDES ou via compartilhamento de ganhos46. No entanto, durante a gestão do economista No mesmo ano, realizou-se o Seminário Internacional de Cofinanciamento BNDES-CAF. Alguns meses depois, as duas instituições assinaram um acordo de atuação conjunta no continente, visando o fortalecimento da integração regional, especialmente por meio do financiamento de projetos de infraestrutura. 45 As iniciativas vêm beneficiando diversos níveis da cadeia produtiva brasileira, desde os setores de mecânica, metalúrgica, siderúrgica e material elétrico, até química e petroquímica. Um governo estrangeiro paga o financiamento, gerando receitas em dólares para o Brasil. Nos países vizinhos, os resultados são novas siderúrgicas, estaleiros, hidrelétricas, gasodutos, estradas, ferrovias, pontes, metrôs e parques eólicos. A propriedade sobre estas estruturas finais, geralmente estatal, é determinada pelo país contratante. Para o conjunto de governos da região, esta contrapartida exigida pelo BNDES para a liberação dos financiamentos acaba sendo altamente vantajosa quando comparada a outras fontes de crédito. A opção brasileira é uma das preferidas, não somente devido aos juros cobrados e aos prazos para pagamento, mas, sobretudo, porque não impõe, recomenda ou institui – como as demais instituições financeiras internacionais – normas restritivas ao crescimento ou promotoras da abertura econômica nos países tomadores de empréstimos. Os financiamentos do banco no exterior estão obrigatoriamente associados à prestação de serviços técnicos e de engenharia de empresas brasileiras. O Estatuto do BNDES, em seu artigo 9º, autoriza que a instituição financie “a aquisição de ativos e investimentos realizados por empresas de capital nacional no exterior, desde que contribuam para o desenvolvimento econômico e social do país”. Assim, o BNDES concede créditos aos países vizinhos com a condição de que eles contratem empresas brasileiras para realizarem obras de infraestrutura em seus territórios. Os financiamentos podem ou não, dependendo da decisão do prestatário, estender-se às exportações de materiais e bens industriais brasileiros a serem utilizados nas construções. Afirma-se que cerca de 60% daquilo que é usado como insumo nas obras é produzido no Brasil. 46 Repare-se que, por distintos meios, o BNDES adquiriu participação acionária em empresas como, por exemplo, Fibria (30,4%), JBS-Friboi (17,3%), Marfrig (13,9%), América Latina Logística (12,2%), Braskem (5,5%), Embraer (5,4%), Vale (5,3%), Gerdau (3,5%) e BRF (2,5%). Recordamos que o banco participou ativamente do processo de privatizações dos anos 44

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Luciano Coutinho, diluiu-se a ideia de capital nacional e os empréstimos passaram a poder ser solicitados por pessoas físicas simplesmente domiciliadas e residentes no país. De fato, o BNDES vem liberando recursos públicos para financiar grandes empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil, como AngloAmerican, Carrefour, TIM, Enron, Fiat, Cargill, Renault, Nippon Steel, Kimberly Clark e GVT Holland, entre outras47. Neste sentido, é bastante útil a informação fornecida pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (SOBEET), apontando que “a grande maioria das transnacionais brasileiras financiam suas atividades no exterior com recursos próprios”. Nota-se, claramente, que a opção por financiamentos próprios é majoritária em todos os setores, incluindo o industrial, o de bens de capital e, inclusive, o de serviços, que engloba a construção e as obras de infraestrutura48. Mais do que isso, é possível verificar que menos de 10% dos financiamentos utilizados por empresas brasileiras para atuar fora do país têm origem em créditos do BNDES. A continuação, tratamos da evolução dos desembolsos anuais do BNDES e do apoio dado às exportações pelo programa BNDES-Exim, entre 2004 e 2013. Os resultados evidenciam que mais de US$ 54,8 bilhões (ou 83% do total de recursos) foram destinados para produção e vendas de bens do setor da indústria de transformação, majoritariamente máquinas e equipamentos, veículos e outros equipamentos de transporte. Pouco menos de US$ 10,5 bilhões (ou 16% do total) corresponderam ao setor de comércio e serviços, dos quais US$ 8,5 bilhões (ou 13%) estão associados à construção. Outros 0,5% foram dirigidos ao financiamento das exportações de produtos agropecuários49.

1990, concedendo empréstimos para grupos privados nacionais e estrangeiros ampliarem o controle sobre o patrimônio público brasileiro. Em algumas ocasiões, o banco também adquiriu parcelas minoritárias da propriedade. Ou seja, quando uma dessas companhias compra uma empresa no exterior, o BNDES também se torna proprietário. 47 Enfim, ambas as frentes de ação podem ser consideradas como políticas de suporte ou estímulo estatal, por meio do banco, à internacionalização de empresas. A quantificação deste apoio pode ser obtida de forma mais simples no caso da primeira linha, com a análise dos créditos concedidos para obras de infraestrutura na região e dos apoios às exportações, seja em préembarque ou em pós-embarque. Porém, a interpretação do impacto do apoio à capitalização de empresas por parte do BNDES para o processo de internacionalização já é menos fácil de avaliar. Os recursos concedidos pelo banco para empresas privadas podem ser utilizados em investimentos no Brasil ou para projetar-se no exterior. Além disso, em última instância, se há intenção de atuar externamente, uma empresa pode obter financiamentos de diversas formas. Não nos deteremos em analisar quantitativamente esta última linha de ação, considerando que as informações apresentadas nos parágrafos anteriores são suficientes para demonstrar que, embora exista, a penetração de empresas brasileiras no cenário externo não pode ser considerada nenhuma invasão. Veremos que tampouco se pode afirmar que este processo esteja sendo respaldado com dinheiro do BNDES. 48 “Em 2011, a SOBEET, em conjunto com o [jornal] Valor Econômico, realizou uma pesquisa com empresas de capital brasileiro com investimentos no exterior. A amostra da sondagem reuniu um total de 51 empresas divididas em 20 subsetores distintos... Para nenhum dos grandes setores analisados os empréstimos do banco de desenvolvimento [BNDES] constituem a opção mais importante” (CNI, 2012, p.7). 49 Ao observar os dados relativos exclusivamente ao pós-embarque, foi possível discriminá-los por destino das exportações. Considerando o período mencionado, entre 2004 e 2013, os países que mais compraram bens e serviços brasileiros utilizando recursos emprestados pelo BNDES foram os Estados Unidos (29,3%) e Angola (14,4%). O conjunto da América do Sul somou 28,7%. Juntas, Argentina (14,1%) e Venezuela (8,1%) representam 22,2%. O restante foi destinado a Peru (2,1%), Chile (2,0%), Equador (1,9%), Paraguai (0,2%) e Uruguai (0,1%). Como curiosidade, vale dizer que República Dominicana, Cuba e México acumularam 5,3%, 3,7% e 1,9%, respectivamente. Deste ponto, podemos tirar outra conclusão muito importante. Não se deve generalizar o papel do BNDES-Exim pós-embarque como um instrumento de exportações brasileiras para o continente sul-americano. Fica demonstrado que esta frente de ação do banco brasileiro tem baixíssimo impacto fora de Buenos Aires e de Caracas.

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Além disso, vemos que o total de exportações brasileiras vem crescendo a um ritmo muito mais acelerado do que os financiamentos do BNDES-Exim. Por este motivo, percebe-se uma queda bastante forte do peso já limitado das exportações apoiadas pelo banco em comparação com as exportações totais do Brasil. Em 2005, 5% das vendas totais brasileiras para o mundo foram estimuladas com créditos do banco. Em 2013, esta participação foi de somente 2,9%. Os números demonstram alta volatilidade nos desembolsos e uma perda do fôlego desta linha desde 2011. Ainda faremos um comentário sobre o peso dos desembolsos do BNDES-Exim nos desembolsos totais do banco50. É possível constatar que, depois do auge de 2005, a participação só caiu. Em 2013, foi de 8,7%, o valor mais baixo dos últimos dez anos 51. Entre 2004 e 2013, o banco multiplicou por 3,9 os financiamentos pós-embarque para obras de infraestrutura na América do Sul. Mas, no mesmo período, os desembolsos totais do banco foram ampliados em 5,4 vezes. Por outro lado, ao comparar os financiamentos totais concedidos especificamente para a construção e os recursos liberados para obras nos países vizinhos, nota-se uma vigorosa diminuição do peso relativo da região. Em 2004, por exemplo, mais de 76% dos créditos para construção correspondiam a obras em países sul-americanos. Nos últimos três anos, entretanto, a parcela dos recursos destinada à região foi, em média, de 47%. Conclui-se, portanto, que os pequenos gastos do BNDES com construção na América Central, no Caribe e na África estão crescendo mais do que na América do Sul52. De acordo com o Balanço de Política Externa 2003-2010 (MRE, 2011), havia uma lista com mais de 80 projetos de infraestrutura na América do Sul esperando aprovação pelo Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (COFIG)53. A informação sobre os contratos no exterior não estão disponíveis. Há sigilo com relação a taxas de juros, prazos para pagamento e demais dados relevantes. Montamos uma lista com 36 obras, que somam US$ 12,6 bilhões. Destas, algumas estão em execução e Os desembolsos totais do BNDES são originalmente divulgados em reais, em valores constantes. Para obter a informação em dólares, realizamos a conversão com base na cotação oficial, oferecida pelo Banco Central do Brasil, dos últimos dias úteis de cada ano. 51 Como pontos positivos a ressaltar, tomando em conta o mesmo período, o BNDES apoiou, em média, mais de 250 mil micros, pequenas e médias empresas com desembolsos de R$ 35 bilhões anuais (BNDES, 2014, p.17). Além disso, de acordo com o MDIC, o número de empresas brasileiras que exportaram para a América do Sul cresceu de 18.279, em 2003, para 19.231, em 2014. No caso das empresas que venderam até US$ 1 milhão, houve queda de 9,3%, de 16.829 para 15.261. Já no caso das empresas que exportaram entre US$ 50 e 100 milhões, percebe-se um aumento de 83,9%, passando de 137 para 252. 52 Vale apontar que algumas construtoras brasileiras também participam de projetos da Iniciativa para a Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) financiados por outras instituições, como a CAF. Atualmente as empreiteiras brasileiras alcançam 17,8% do total do mercado latino-americano e caribenho. A Espanha concentra 29,6%; os Estados Unidos, 14,4%; a China, 12,1%; e a Itália, 8,6% (BNDES, 2014, p.23). A participação brasileira no continente africano é ainda menor; quase insignificante, com 4,1%. Mais de 71% do mercado de construção na África é controlado por China (44,8%), Itália (13%), França (8,9%) e Coréia do Sul (4,8%). Das 10 maiores construtoras do mundo, cinco são chinesas e duas são francesas (Vinci e Bouygues). A lista segue com uma indiana (Larsen & Toubro), uma espanhola (ACS) e uma alemã (Hochtief). Com a operação Lava Jato, da Polícia Federal, empreiteiras envolvidas em escândalos de corrupção poderiam perder espaço nas obras públicas no Brasil. A situação poderá impulsioná-las ainda mais a atuar fora do país. Empresas espanholas (Sacyr, ACS, Ferrovial, OHL e Acciona) e chinesas (CRCC e Hydrochina) já demonstram grande interesse no imenso mercado brasileiro. De acordo com a página oficial da IIRSA, o BNDES financia apenas dois projetos da iniciativa. Ver: http://www.iirsa.org/proyectos/principal.aspx?idioma=ES 53 O COFIG é constituído por funcionários da Casa Civil, do Tesouro Nacional e dos Ministérios de Planejamento; Fazenda; Relações Exteriores; Desenvolvimento, Indústria e Comércio; e Agricultura, Pecuária e Abastecimento. 50

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outras continuam à espera da liberação dos créditos. O valor dos projetos pode ter sido modificado e, em alguns casos, as empresas executoras sequer foram estabelecidas54. Apesar de reconhecermos a importância do papel do BNDES, o avanço da integração da América do Sul deve conduzir à ativação de mecanismos conjuntos de financiamento. Como se trata de um banco de desenvolvimento nacional, as iniciativas impulsionadas com recursos do BNDES dificilmente deixarão de ser tímidas e, ainda assim, de gerar preocupações por parte dos demais países. Neste caso, o comportamento do Brasil é pouco hábil ao estimular ou permitir determinadas ações de empresas privadas, e também estatais, dentro da região. O avanço destas questões dependerá de acordos entre os governos. Tomando em conta os crônicos problemas de restrição e vulnerabilidade externa, que historicamente afetaram os Balanços de Pagamentos dos países sul-americanos, desde meados dos anos 2000 os governos progressistas passaram a fomentar, conjuntamente, a implantação de iniciativas próprias para o financiamento da integração regional. Esta cooperação financeira em curso tem duas grandes vertentes. A primeira visa criar ou fortalecer instrumentos regionais de financiamento de longo prazo. A segunda vertente da cooperação financeira prevê reforçar os instrumentos facilitadores do comércio intra-regional e de apoio aos países que enfrentam problemas de liquidez ou restrição externa. As principais discussões sobre esta Nova Arquitetura Financeira Regional (NAFR) se dão no âmbito da Unasul. No tema da integração financeira, o Brasil, por vezes, também assume posições que o colocam na contramão de uma postura de liderança55.

Referências BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A economia política da integração da América do Sul no mundo póscrise. Observatório da Economia Global, Textos avulsos, nº 10, abril 2012. BNDES. O desempenho do BNDES. Exposição do presidente do banco à Comissão de Assuntos Econômicos e à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal. Brasília, 25 de março de 2014. CEPAL. La República Popular China y América Latina y el Caribe: hacia una nueva fase en el vínculo económico y comercial. Santiago de Chile, junio de 2011. ______. La Inversión Extranjera Directa en América Latina y el Caribe 2013, Santiago de Chile, 2014.

Estes valores incluem os serviços de engenharia e, também, os créditos para aquisição de bens produzidos no Brasil, quando solicitado pelos tomadores dos empréstimos. Os dados oficiais do BNDES registram que os desembolsos pós-embarque para obras de infraestrutura na América do Sul nos últimos anos giram em torno de US$ 4,1 bilhões (apenas dois projetos dentro da IIRSA, somando US$ 418 milhões). Entre as demais instituições que disponibilizam recursos para obras de infraestrutura e integração física na região, destacam-se o BID e a CAF, com ações tanto dentro quanto fora da IIRSA. Das obras da Iniciativa, o BID participa de 37 projetos, com financiamentos de US$ 10,1 bilhões, e a CAF, de 30 projetos, com desembolsos previstos de US$ 7,4 bilhões. http://www.caf.com/ e http://www.iadb.org/, acesso em 19 de janeiro de 2015. 55 No livro organizado por Ocampo (2006), publicado pela Cepal, também há um amplo debate sobre este assunto. Igualmente recomendamos a leitura de Biancareli (2008). Para mais informações sobre Mecanismos Regionais de Financiamento, ver Severo (2011). 54

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CIMINARI, Bárbara. Brasil como potencia regional y las consecuencias para América Latina. Una exploración sobre la realidad. Revista de Relaciones Internacionales y Ciencias Políticas. Universidad Abierta Interamericana (UAI). Vol 3 - Nº 1, pp. 128-143, Junio 2009. CNI. Os investimentos brasileiros no exterior. Relatório 2013. Brasília: CNI, 2013. ______. Confederação Nacional da Indústria. Internacionalização das empresas brasileiras: motivações, barreiras e demandas de políticas públicas. Brasília: CNI, 2012. COSTA, Darc. Fundamentos para o estudo da Estratégia Nacional. Paz e Terra, 2009. FDC. Fundação Dom Cabral. Núcleo de Estratégia e Negócios Internacionais. O Ranking FDC das Multinacionais Brasileiras, 2014 GARCIA, Marco Aurélio. Dez anos de política externa. In: SADER, Emir. 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil. Boitempo, FLACSO, 2013. IGLESIAS, Roberto; COSTA, Katarina. Mapa do investimento brasileiro na América do Sul e no México: análise das informações do Index Invest Brasil. Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES), janeiro, 2012. LIMA, Maria Regina Soares de & COUTINHO, Marcelo Vasconcelos (2005). Globalização, regionalização e América do Sul. Análise de Conjuntura Observatório Político Sul-Americano (OPSA), n.6, maio. MALAMUD, Andrés. Interdependência, liderança e institucionalização: o déficit triplo e as perspectivas negativas para o Mercosul. In: RESENDE, Erica Simone Almeida; MALLMANN, Maria Izabel. MERCOSUL 21 anos, maioridade ou imaturidade. Editora Appris, Curitiba, 2013. MEDEIROS, Carlos Aguiar de. Modelos alternativos para la integración sudamericana. In: Integración regional en América Latina: desafíos y oportunidades. Monografía de la Red del Instituto Virtual de la UNCTAD. Nova Iorque e Genebra, 2010. MRE. Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Secretaria de Planejamento Diplomático. Balanço de Política Externa. 2003-2010. Brasília, 2011. OCAMPO, José Antonio. Cooperación Financiera Regional, CEPAL, nº 91, Santiago, 2006. PREBISCH, Raúl. La periferia latinoamericana en el sistema global del capitalismo. Revista de la CEPAL, n. 13, pp.163-171, abril de 1981 SIMÕES, Antonio José Ferreira. Eu sou da América do Sul. Brasília: FUNAG, 2012. SEVERO, Luciano Wexell. Integração da América do Sul: mecanismos regionais de financiamento. Dissertação de Mestrado, PEPI/UFRJ, 2011. UNCTAD (2014). Informe sobre las Inversiones en el mundo 2014, Panorama General. VEIGA, Pedro da Motta & RÍOS, Sandra Polónia. Os investimentos brasileiros no exterior: características, motivações e agenda de políticas. Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES), março, 2014

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RESUMOS

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Resumo

A integração regional e a crise internacional: implicações para as relações Brasil-Argentina Marcelo Marques de Almeida Filho Ana Paula Brito Vila Nova Ricardo César Barbosa Júnior

A

s relações Brasil-Argentina se encontram em um período delicado. Algo costumeiro em momentos de instabilidade internacional, os dois países têm priorizado os aspectos internos em detrimento das relações exteriores, postura comum frente às recessões do sistema capitalista, característica própria das relações comerciais internacionais. Redução do comércio internacional, da oferta de créditos e investimento, levantes de medidas protecionistas, contenciosos e outros agravantes fazem com que os governos de ambos tenham que empreender esforços para manter a parceria estratégica. Além disto, ressalvas e pressão de setores contrários ao aprofundamento das relações bilaterais, em sua maioria setores conservadores das elites nacionais, tem fermentado o debate popular sobre o processo, em perspectiva negativa. Sob esta ótica, procuramos entender como ficam as relações bilaterais com estes problemas e desafios e o que isto implica para os avanços no desenvolvimento do Mercosul, questionamentos que orientarão esta pesquisa. Adotamos para tanto, a hipótese que a relação bilateral, embora contenha problemas oriundos da situação internacional atual, refletidas tanto em âmbito regional quanto nacional, não correm risco de retroceder, dado que a parceria estratégica criou ampla interdependência entre Brasil e Argentina, algo que se consolidou com a criação do Mercosul. Partimos ainda da perspectiva de que as duas nações já passaram antes por momentos de instabilidade e por atritos nas relações bilaterais, o que assume característica diferente na atualidade, havendo ampla coordenação e interesse de aprofundar as relações para além dos aspectos comerciais e mesmo superar a crise, tendo o Mercosul e os parceiros ali envolvidos papel fundamental na concertação entre os dois países. Consideramos também que, dada a atual situação, os problemas internos não influem significativamente sobre o aprofundamento da integração e que estes tendem a ceder conforme a situação de ambos se estabilize (assim como a situação internacional), demandando, contudo, reforma institucional do Mercosul e avanço no processo de tomada de decisões. Tal pesquisa terá suporte em material pertinente, especializado no assunto, se pautando um estudo crítico-analítico do tema, se tratando de uma pesquisa qualitativa. Justifica-se tal análise por esta pauta constar nas discussões das relações internacionais do Brasil e ser fundamental para o entendimento do Mercosul enquanto processo de aproximação entre as nações da América do Sul, contribuindo para os debates sobre as relações Brasil-Argentina. Por fim, tal discussão é de interesse dos centros de pesquisa goianos, observando as possibilidades de inserir o estado de Goiás de forma mais efetiva nos processos de integração regional latino-americanos.

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Resumo

Potencialidades y dificultades del CCR Leandro Rudas Medina

E

l proceso de integración vigente en América del Sur abre camino al análisis de diferentes mecanismos de integración económica que puedan contribuir para disminuir las asimetrías regionales. Históricamente se establecieron mecanismos regionales de financiamiento de corto plazo con la finalidad de disminuir las asimetrías y solucionar la escasez de divisasen la región. Por ese motivo, este artículo busca analizar las potencialidades y las dificultades que presenta el Convenio Pagos y Créditos Recíprocos (CCR) de ALADI en la actualidad, dado el contexto de vigencia del progresismo vigente desde el inicio de los años 2000. En los años 60’ en el ámbito de la Asociación Latinoamericana de Libre Comercio (Alalc), fue creado el Acuerdo de Pagos y Créditos Recíprocos que se convertiría, después, en el CCR, una vez que se haya constituido la Asociación Latinoamericana de Integración (Aladi), en 1982. El CCR mantuvo su funcionamiento potencializado en los momentos de crisis de liquidez internacional y escases de divisas, específicamente en los años 80’, llegando así a representar casi un 90% de las importaciones intra-regionales. A partir de los 90’, dentro de la expansión de las políticas neoliberales en la región y las medidas sugeridas por el Fundo Monetario Internacional (FMI), el CCR tuvo menor utilización en el comercio intrareginal, bajando a 3,2% del total del valor comercializado en 2002. Actualmente se ha intentado reestablecer el funcionamiento del CCR, siendo que no ha podido superar al menos un 10% del comercio dentro de la región. Por este motivo, es importante conocer que entrabes limitan la retomada del buen funcionamiento del CCR y las posibilidades de poder ser mejor aprovechado con la retomada del interés en la integración regional por los gobiernos del Sur.

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IV

Regionalismos e Relações entre Blocos

ARTIGOS

A Aliança do Pacífico e a fragmentação na integração regional latinoamericana: consequências para a atuação externa brasileira e o Mercosul Clarissa Correa Neto Ribeiro1 Julia de Souza Borba Gonçalves2

P

resente em muitos discursos e ideais dos governos latino-americanos, a integração regional vem recebendo especial destaque desde os anos 1950, mas ganhou novas forças nos últimos anos, devido à ocorrência de ondas de regionalismo que influenciaram a busca pelo desenvolvimento

através da cooperação com os países na região. Contudo, o que se nota é, que apesar dos diferentes ímpetos integracionistas, existe uma fragmentação, significando que o objetivo principal de gerar a integração regional, ao não ser alcançado plenamente, está sendo fracionado em múltiplos processos, com diferentes enfoques e orientações. O Brasil, enquanto maior país da região, sempre esteve envolvido nas iniciativas de integração, buscando, muitas vezes, uma maior projeção internacional a partir da criação de uma imagem de liderança regional. Assim, o mesmo esteve à frente da criação do Mercosul, da Unasul, e da Celac, acompanhando os debates e as necessidades envolvidas no desenvolvimento da cooperação com seus vizinhos. O Mercosul, como mercado comum, foi concebido em 1991 com uma proposta liberal, condizente com o contexto de sua criação, mas cuja execução demandava dos países membros um grande comprometimento e limitações de soberania para sua consolidação. Assim, o bloco encontrou alguns entraves para o seu aprofundamento institucional, devido a sua baixa flexibilidade, apresentando, ao longo dos anos, um relançamento, não estritamente comercial. Na contramão das propostas de integração abarcadas pela última onda de regionalismo, que buscavam projetos de cunho político e social, cria-se em 2011 a Aliança do Pacífico, entre Chile, Colômbia, México e Peru, cujos objetivos são claramente definidos com a criação de uma área de livre comércio e a valorização geográfica para as parcerias com os países asiáticos, no Pacífico. Sua criação e os vários sucessos econômicos alcançados em pouco tempo levaram a região, e o Mercosul, principalmente, a refletir sobre a necessidade de revisar sua flexibilização, custos e benefícios. Desta forma, o presente trabalho se propõe a analisar quais são as implicações da retomada do “regionalismo aberto” por parte da Aliança do Pacífico para o projeto regional encabeçado pelo Brasil, para sua política externa, e, mais especificamente, de que maneira a existência do bloco vizinho afeta os objetivos e propósitos do Mercosul, que vêm sendo contestados, diante do sucesso alcançado pela iniciativa do Pacífico. Além disso, se buscará analisar quais são as consequências da proliferação

Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/ UNICAMP/ PUCSP). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Relações Internacionais pela UNESP – Franca. E-mail: [email protected] 1

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segmentada de instituições para a fragmentação ou a consolidação do projeto de integração regional na América Latina.

Regionalismo, integração e fragmentação: percepções sobre o cenário atual da América Latina Nas últimas décadas, os movimentos de integração regional têm se intensificado e causado transformações na ordem internacional. Ocorridas em três momentos distintos, pode-se dizer que as ondas de regionalismo propiciaram a formação de alianças entre vizinhos que culminaram na formação de blocos, mas, cada uma dessas ondas trouxe características distintas para o objetivo da integração. Depois de um primeiro ímpeto integracionista na década de 1950 e um segundo momento na década de 1990, os anos 2000 apresentaram uma nova proliferação de acordos regionais, além do relançamento de propostas já existentes. O primeiro ciclo de integração surgiu após a Segunda Guerra Mundial, fortemente inspirado pelos sucessos do processo de associação que se desenvolveu no continente europeu e foi denominado de “regionalismo fechado” (HERZ; HOFFMAN, 2004; SARAIVA, 1999). Caracterizou-se por uma preocupação centrada na lógica comercial e no protecionismo econômico, com forte institucionalidade inclusive com alto grau de autonomia em relação aos governos nacionais – e a busca pelo desenvolvimento a partir do estímulo de uma maior interdependência econômica, através do intercâmbio comercial. Já a segunda onda de regionalismo, surgida nos anos 1980 e 1990, apresentou para a América Latina a proposta da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe) de “regionalismo aberto”. No contexto da intensificação da globalização e da “nova ordem mundial”, que atendia principalmente às normas neoliberais – como livre comércio e abertura de mercados – do Consenso de Washington para buscar inserção internacional (GAMBIAGI, F.; ALMEIDA, P. 2003), esta nova onda de regionalismo se caracteriza como: (...) um processo de crescente interdependência no nível regional, promovida por acordos preferenciais de integração e por outras políticas, num contexto de liberalização e desregulação capaz de fortalecer a competitividade dos países da região e, na medida do possível, constituir a formação de blocos para uma economia internacional mais aberta e transparente ( CEPAL, 1994 apud CORAZZA, 2006, p. 145).

Assim, é no contexto do regionalismo aberto, que enxergava na integração regional a oportunidade para os países da região superarem a situação periférica através de uma inserção competitiva internacional (MECHAM, 2003) e considerava estratégica a abertura das economias, enquanto o Estado deixava de ser o único ator no processo, dando a oportunidade ao setor privado de substituí-lo na promoção da integração regional, que surge o Mercosul.

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Nos anos 2000, um terceiro momento do regionalismo toma forma. Inicialmente, este período esteve marcado pela superação do paradigma liberal apresentado pelo regionalismo aberto, sob forte influência das crises econômicas que abalaram a região e pela ascensão de governos de esquerda em diversos países, a chamada “Onda Rosa”. Assim, passou-se a criticar a centralidade da questão comercial nessas articulações regionais, em detrimento das preocupações com desenvolvimento e bem-estar social, e a destacar-se a preocupação em aumentar a concertação política entre os países para garantir uma maior autonomia da região dentro do sistema internacional. Por isso, em um primeiro momento, a terceira onda de regionalismo foi chamada por alguns especialistas de “pós-liberal” e suas aspirações, bem como a conjuntura política e econômica da região, criaram o ambiente propício para a ascensão de novos regionalismos não-centrados na questão comercial, e no relançamento de processos existentes dentro dessa nova lógica. O regionalismo do século XXI passava a afirmar a necessidade do desenvolvimento, da superação da pobreza e desigualdade, bem como a incorporação de grupos sociais que foram excluídos dos modelos liberais de integração (VEIGA e RIOS, 2007). Contudo, após o lançamento de algumas propostas de cunho social e político, neste mesmo momento do regionalismo houve também uma retomada da guinada liberal, com a criação da Aliança do Pacifico. O relançamento do regionalismo aberto na primeira década do século, aliado aos processos pósliberais que vinham se desenvolvendo, levando os especialistas a denominarem o período de póshegemônico (SERBÍN, 2011), uma vez que não haveria mais um único modelo a ser seguido para o desenvolvimento das relações regionais. De fato, o cenário atual da integração latino-americana apresenta a convivência de inciativas surgidas em diferentes momentos do regionalismo e seus respectivos interesses. A percepção da proliferação segmentada de projetos e instituições regionais indica um cenário de fragmentação, onde a integração, ao não ser alcançada plenamente, está sendo fracionado em múltiplos processos, com diferentes enfoques e orientações (BRICEÑO-RUIZ, 2013). Mercosul, Brasil e a integração regional O Brasil, em todas as diferentes fases do regionalismo, participou dos processos que surgiram na região, acreditando no ideal da integração. No entanto, pode-se destacar que a atuação brasileira foi protagônica na criação do Mercado Comum do Cone Sul, Mercosul, em 1991, em parceria com a Argentina, Paraguai e Uruguai (e, desde 2012, Venezuela); e também da União Sul Americana de Nações, Unasul, que existe nestes moldes desde 2008, que congrega, em seu meio, todos os países da América do Sul. Sendo o maior país da região, tanto geográfica, quanto populacional, quanto economicamente, encontra-se em sua política externa a necessidade de se criar fórmulas para a construção da integração com seus vizinhos. Assim, a criação de instituições torna-se necessária para que o Brasil possa se XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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relacionar com os seus vizinhos, pois a estrutura confere maior credibilidade e melhora as expectativas em torno dos acordos internacionais, afastando, em um primeiro momento, a ideia de um imperialismo. Há ainda um outro fator a ser citado que é a busca que o Brasil travou em sua política externa pelo reconhecimento internacional. Com o regionalismo aberto, aumentou-se a crença de que o desenvolvimento poderia ser alcançado através da integração regional e, consequentemente, através do Mercosul e, em momento posterior, da Unasul. O Brasil, por sua vez, passou a alimentar expectativas de que o reconhecimento de uma liderança regional poderia levar ao reconhecimento internacional. Contudo, deve-se ressaltar que o modelo proposto para o Mercosul, o de um Mercado Comum, exigia que tanto o Brasil, quanto seus sócios, pudessem compartilhar parcelas de sua soberania para a consecução de seus objetivos, o que não apenas influenciou o estanque de seu desenvolvimento, como, ao mesmo tempo, restringiu a participação de mais vizinhos no processo. Na primeira consequência, a solução buscada pelo Mercosul foi um relançamento e expansão de sua atividade, a partir da “Onda Rosa” para abranger questões políticas e sociais, o que não livrou os países do bloco de duras críticas das elites nacionais em busca de maior flexibilidade comercial. Na segunda, tendo em vista os objetivos da política externa brasileira de liderança, a solução encontrada foi a criação da Unasul, um novo mecanismo regional que pudesse dinamizar seu relacionamento com os vizinhos através da concertação política e lançar internacionalmente a América do Sul enquanto região, afastando, assim, as influências da América do Norte no processo. Ainda que diretamente atuante na integração regional, o país apresenta em sua política externa tendências fortes ao multilateralismo, mostrando-se, por diversas vezes, reticente em assumir os custos necessários para a consolidação de seu papel de líder. Além disso, o surgimento de um processo regional como a Aliança do Pacifico, que não conta com sua presença e que vem apresentando sucessos poderia colocar em xeque sua liderança regional, trazendo consequências para o seu relacionamento com os vizinhos, conforme será abordado mais adiante.

I-

A Aliança do Pacifico: novas (?) propostas para a integração na América Latina A Aliança do Pacífico se configura como o mais novo bloco regional da América Latina, em que

participam como membros plenos o Chile, a Colômbia, o México e o Peru e mais de 30 países como membros observadores. É um bloco focado puramente na questão econômica e comercial, cujos principais objetivos são: promover a integração profunda que avance à livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais; impulsionar um maior desenvolvimento e competitividade das economias visando a eliminação das desigualdades sociais; promover a integração econômica, energética e de infraestrutura para fortalecer seus vínculos com a Ásia-Pacífico; contribuir para a integração mediante o desenvolvimento de mecanismos de cooperação; e se constituir com uma plataforma de articulação XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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política, integração econômica e comercial e de projeção ao mundo com ênfase na região Ásia-Pacífico (ALIANZA, 2015). De iniciativa peruana, por parte do ex-presidente Alan García, o bloco foi criado no dia 28 de abril de 2011, a partir da assinatura da Declaração de Lima – documento no qual se acordava em estabelecer a Aliança do Pacífico para a conformação de uma área de integração profunda nos moldes do Arco do Pacífico3 e se estabeleciam os objetivos gerais e os passos a serem seguidos pelos países membros do bloco. A Declaração deu ênfase nos trabalhos a serem desenvolvidos em uma primeira etapa, em que se focariam nas temáticas de livre circulação de pessoas de negócios; de facilitação do comércio e cooperação aduaneira; a possibilidade de integração de bolsas de valores; e de cooperação e mecanismos de solução de diferenças Em 2012, Chile, Colômbia, México e Peru assinaram o Acordo Marco: documento de formalização da Aliança do Pacífico que dispõe de 17 artículos onde se explicitam os objetivos e as bases institucionais da Aliança do Pacífico. Em 2014, os mesmos assinaram o Protocolo Adicional ao Acordo Marco, que estabelece a eliminação automática de 92% de suas barreiras tarifárias após a ratificação do Protocolo nos respectivos Congressos Nacionais4 – os demais 8% se trabalharão ao longo de 17 anos, pois tal porcentagem se refere aos produtos sensíveis, segundo a ministra de Turismo e Comércio Exterior do Peru, Magali Silva5 (2014). Desde sua criação, foram realizadas 10 Cúpulas a fim de apresentar melhorias e de prosseguir com os trabalhos nas temáticas propostas. Dentre as temáticas, podemos citar os avanços nas áreas de mobilidade de pessoas de negócio, transito migratório, comércio e integração, medidas sanitárias, pesquisa científica em matéria climática, pequenas e médias empresas, ademais de melhorias estruturais. Das Cúpulas realizadas, deve-se ressaltar a Cúpula IX, que demonstrou que a proposta do bloco não era inovadora para a região: através da Declaração de Punta Mita, reafirmou-se que a Aliança do Pacífico era um tipo de integração regional baseada no modelo de regionalismo aberto: Nuestro compromiso, de conformidad con el Acuerdo Macro, por fortalecer los diferentes esquemas de integración de América Latina como espacios de concertación y convergencia, orientados a fomentar el regionalismo abierto, que inserte a las partes eficientemente en el mundo globalizado y vincule a otras iniciativas de regionalización (DECLARACIÓN DE PUNTA MITA, 2014, p. 1).

Iniciativa integracionista surgida em 2007 que abarcava 11 países latino-americanos de orientação econômica liberalizante e cujo propósito era a projeção à região Ásia-Pacífico. No entanto, fatores como a crise estadunidense, a guinada à esquerda de países como a Nicarágua (pela volta do movimento sandinista) e Equador (pela ocorrência da “Revolução Cidadã”), e a maior proximidade das relações entre América Central e Estados Unidos – mais do que estas com os países da Aliança do Pacífico –, possibilitaram o esvaziamento dessa iniciativa de integração. 4 No dia 20 de julho de 2015, o site oficial da Aliança do Pacífico informou a entrada em vigor do Protocolo Adicional do Acordo Marco. Ver em: 5 Ver ¿Cómo beneficia la Alianza del Pacífico al Perú? Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=K2foxI2Ft-4> 3

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Repercussões para a Integração Regional Ao mesmo tempo em que a Aliança do Pacífico não inova em seu liberalismo, a mesma avança

nos itens de sua agenda, provocando reações adversas em líderes e políticos latino-americanos, devido, principalmente, ao modelo de integração pautado na abertura de mercados e suas influências para o futuro da integração regional. Por um lado, estão os presidentes da Aliança do Pacífico ressaltando as vantagens da mesma, tal como o caráter não excludente do bloco6, sua posição estratégica na região ÁsiaPacífico e seu modelo de integração “realista ante el mundo e hacia el mundo” (CHILE, 2011) baseado na “economía social de mercado, del emprendimiento, la innovación, la iniciativa privada y la integración con el mundo” (PIÑERA, 2012). Por outro, estão os demais líderes e políticos latino-americanos criticando quais são as verdadeiras pretensões da Aliança do Pacífico: em entrevista à Telesur, Evo Morales declarou que a Aliança do Pacífico é uma conspiração gestada desde os EUA para provocar a divisão da Unasul, sendo a nova versão da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)7; Rafael Correa também sinalizou para o modelo neoliberal da Aliança do Pacífico, afirmando que o Equador não entrará para o bloco, pois acredita que o Socialismo do Século XXI é o que mais necessita a América Latina8; Lula da Silva, durante a abertura do XIX Foro de São Paulo, também questionou o novo bloco, apontando-o como uma estratégia para enfraquecer a Celac e o Mercosul (FORO DE SÃO PAULO, 2013). Ademais da abertura de mercado, outros fatores pesam no que diz respeito ao futuro da integração regional: os países que compõem a Aliança do Pacífico também compõem a Cooperação Econômica Ásia e Pacífico (APEC)9 e a Trans Pacific Partnership (TPP)10, aproximando-os de economias dinâmicas, tais como China e EUA, de modo que a abertura de seus mercados possibilitaria a influência destas e possíveis consequências; estes também mantém numerosos Tratados de Livre Comércio (TLCs), sendo que o Chile tem TLCs com 51 países, a Colômbia tem 15 TLCs com quase 50 países, o México tem 12 TLCs e o Peru tem 17 TLCs (MALAMUD, 2013 apud TABÍO, 2014, p. 331); e por fim, a inclusão do México, que levanta suspeitas sobre o real interesse deste país no bloco, uma vez que este país já havia estabelecido TLCs com os demais antes da formalização do bloco e a somatória das exportações e das importações provenientes do Chile, Colômbia e Peru não atinge 2% do total – portanto o bloco não traria vantagens ao México nesse quesito –, e que sua inclusão pode ser vista como uma tentativa de contrabalancear a influência brasileira sobre a região (SALTALAMACCHIA ZICCARDI, 2014).

Ver em: < http://www.cancilleria.gov.co/newsroom/news/presidente-juan-manuel-santos-presento-las-cualidades-laalianza-del-pacifico-ante-los> 7 Ver em: http://www.infolatam.com/2015/07/26/evo-morales-dice-que-la-alianza-del-pacifico-es-un-alca-pequeno/ 8 Ver em: http://actualidad.rt.com/actualidad/view/100907-ecuador-correa-alianza-pacifico 9 Ver em: . 10 Ver em: . 6

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Outro detalhe importante para as preocupações regionais acerca da fragmentação percebida na integração, é a possibilidade que a mesma apresenta de flexibilização dos acordos, uma vez que diante da multiplicidade de projetos, os países podem escolher aqueles que mais lhe convém. Reflexos disso podem ser percebidos no Mercosul, a partir da incorporação do Uruguai e Paraguai como Estados Observadores11 da Aliança do Pacífico em 2012 e 2013 respectivamente. A incorporação do Uruguai à Aliança do Pacífico foi uma proposta por parte do ex-presidente uruguaio, Danilo Astori, pois as medidas de abertura de mercado é uma prática tanto do Uruguai quanto da Aliança do Pacífico, portanto há convergência dos interesses, ademais de acreditar que a União Aduaneira do Mercosul está destroçada e de reiterar que nunca se chegou à proposta inicial de formação de um Mercado Comum12; a do Paraguai, por sua vez, foi anunciada em 2013 pelo ex-viceministro de Relações Exteriores do Paraguai e foi justificada devido à política exterior paraguaia que busca o fortalecimento de relações com outras nações para além do Mercosul13. Isto evidencia o rechaço dos membros menores do Mercosul ao comportamento do eixo Brasil e Argentina de não comprometimento aos custos de uma maior integração econômica e os custos políticos de criar órgãos supranacionais (CASTILLO, 2014). No que diz respeito à aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, o Brasil, juntamente com o Chile, tem desempenhado papel importante para tal: após ser nomeado, em 2014, como ministro de Relações Exteriores do Chile, Heraldo Muñoz afirmou que o eixo da política exterior chilena seria o relacionamento com a América Latina14, de modo que o Chile se oferece como ponte de diálogo entre os dois blocos15. A presidenta Dilma Rousseff, em julho de 2014, durante a 46º Cúpula do Mercosul, propôs que o bloco antecipasse a implementação de tarifas zero aos países Chile, Colômbia e Peru até o final do ano, o que ocorreria normalmente em 201916, mas a proposta acabou sendo postergada na declaração conjunta dos presidentes, priorizando-se a marcação de novas reuniões de negociação, e favorecendo a aproximação com os países da ALBA (CASTILLO, 2014). Em novembro de 2014, aconteceram duas reuniões entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico. A primeira, que aconteceu no começo do mês, intitulada “Reunião Informativa de Ministros das Relações Exteriores dos Estados Partes do Mercosul e dos Países Membros da Aliança do Pacífico”, buscou-se a troca de “informações relevantes sobre como avançar no diálogo rumo à materialização de ações concretas para a integração” (BLOG DO PLANALTO, 2014). Já na segunda, ao final do mês, intitulada “Seminário de Chanceleres da Aliança do Pacífico e Mercosul”, buscou-se pontos de convergência em

A qualidade de Estados Observadores é atribuída aos que compartilham os princípios e objetivos estabelecidos no Acordo Marco da Aliança do Pacífico e devem ser aprovados por unanimidade pelos ministros de Relações Exteriores. 12 Ver em: 13 Ver em: < http://www.ultimahora.com/paraguay-solicita-ingresar-como-observador-la-alianza-del-pacificon618988.html> 14 Ver em: < http://www.biobiochile.cl/2014/03/11/canciller-heraldo-munoz-el-eje-de-nuestra-politica-exterior-seraamerica-latina.shtml> 15 Ver em: < https://twitter.com/A_delPacifico/status/510640327577718785> 16 Ver em: . 11

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áreas de interesse, tais como ciência, energia, tecnologia, cooperação em saúde e infraestrutura e turismo. Na ocasião, o ministro de Relações Exteriores do Brasil naquele período, Luiz Alberto Figueiredo, ressaltou a importância da reunião para fazer avançar o processo de integração regional. Essas reuniões atendem demandas da elite empresarial do Mercosul, que apresenta interesses de que o bloco possa flexibilizar-se e abrir-se a oportunidades de comércio, representadas por percepções da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, por exemplo, que defende um acordo estratégico entre ambos blocos com o propósito de que o Brasil não perca os mercados vizinhos para países desenvolvidos, e também da Associação de Comércio Exterior do Brasil, que percebe um crescimento da Aliança do Pacífico e sinaliza a falta de liderança brasileira dentro do Mercosul. No entanto, um mês após à segunda reunião entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, a presidenta Dilma Rousseff, em entrevista à jornais latino-americanos, afirmou que “respeitamos as opções de muitos países por estabelecerem tratados de livre-comércio, mas os temas da integração não se colocam hoje da mesma forma que no século passado” (ROUSSEFF, 2014). No que se refere a possibilidade de expansão da Aliança do Pacifico para os países que anteriormente integravam o Arco do Sul, não se percebe ameaça direta para os interesses do Mercosul, que estão estritamente ligados às negociações da América do Sul. No entanto, o Brasil, por sua vez vem empregando esforços para uma maior aproximação com os países da Aliança do Pacífico através de reuniões e negociações bilaterais desde o começo do ano. À princípio, houve uma reunião entre o Brasil e Chile em abril deste ano para tratar da cooperação bilateral em áreas de interesse, tais como investimentos e o diálogo entre Mercosul e Aliança do Pacífico17. Em maio, a presidenta Dilma Rousseff realizou uma visita oficial ao México, onde assinou junto ao seu homólogo, Enrique Peña Nieto, uma série de acordos visando à modernização das relações econômicas entre Brasil e México18. Durante o final do mês de julho, o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, realizou viagens ao Peru e à Colômbia com o intuito de ampliar e facilitar o comércio com estes países, pois se apresentam como países estratégicos devido ao crescimento expressivo de suas economias, podendo desta maneira oferecer oportunidades comerciais e de investimentos para os setores produtivos19: em relação ao Peru, o Brasil reafirmou seu compromisso de não aplicar medidas tarifárias restritivas ao comércio entre ambos e sinalizou para a possibilidade de estabelecer cadeias produtivas devido ao caráter complementar das economias20; em relação à Colômbia, o Brasil ressaltou seu crescimento acima da média da região e, portanto, é vista como possibilidade de abertura de mercado e inclusão brasileira nos fluxos comerciais globais. Segundo Monteiro, o Peru e a

Ver em: < http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8983:visita-do-ministro-dasrelacoes-exteriores-ao-chile&catid=42:notas&lang=pt-BR&Itemid=280>. 18 Ver em: < http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2015/05/brasil-e-mexico-querem-dobrar-comercio-entre-osdois-paises> . 19 Ver em: < http://www.inforel.org/noticias/noticia.php?not_id=6227&tipo=2>. 20 Ver em: < http://www.inforel.org/noticias/noticia.php?not_id=6225&tipo=2>. 17

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Colômbia são considerados países estratégicos no Plano Nacional de Exportações, lançado em junho deste ano pela presidenta Dilma Rousseff. III-

Considerações finais Diante das perspectivas apresentadas de fragmentação da integração regional na América Latina,

evidenciam-se os desafios apresentados à política externa brasileira e ao Mercosul pela Aliança do Pacifico. Quer seja pelo surgimento de um projeto regional exitoso, que coloca em questão a manutenção ou a desenvolvimento de processos regionais anteriores, quer seja pelas possíveis influências que uma iniciativa regional possa desencadear na região, diversos são os debates que podem produzir-se a respeito do aspecto geoestratégico da integração. Para o Brasil e suas aspirações de liderança, deve-se considerar que a região “sul-americana” defendida pelo Itamaraty pode-se ver contestada pela presença do México bem como do possível ingresso de países da América Central (Costa Rica e Panamá) em um futuro próximo. Ainda que a presença desses países contradiga o ideal de região formado pelo Brasil, o México, que supostamente contestaria sua liderança embarca no projeto como forma de buscar a diversificação seus mercados, sem demonstrar, até o momento, aspirações a liderar, enquanto os demais países membros seguem participando do mecanismo de concertação da América do Sul, a Unasul. Além disso, essa contestação não tem se produzido diretamente, pois os projetos levados a cabo pelos países do Pacifico e o Brasil possuem características muito distintas: menos preocupados com a região, a Aliança volta-se para outras áreas de seu interesse geográfico com especial destaque para as negociações comerciais transpacificas. Ainda que, como mencionado, Uruguai e Paraguai, parceiros diretos do Brasil no Mercosul tenham optado por participar da Aliança do Pacifico como observadores e a retomada do regionalismo aberto na região levem a questionamento o atual modelo de integração proposto pelo Mercosul e pelo Brasil, a suposta ameaça trazida pela Aliança do Pacifico vê-se diminuída pelas reuniões para a convergência de negociações, tanto a nível regional, entre os dois blocos, quanto a nível bilateral pela intensificação das negociações do Brasil com os países do Pacifico. Embora as posições das elites nacionais, principalmente governamentais e empresariado, apresentem divergências quanto aos objetivos a serem alcançados na integração regional, e se reacenda o debate sobre a regressão do Mercosul a uma Área de Livre Comércio, inegáveis são os avanços apresentados pelo bloco, e, doravante, o governo brasileiro manteve-se firme no endossamento do Mercado Comum. Por fim, além das implicações para Brasil e Mercosul, a consequência direta percebida pela presença da Aliança do Pacifico é o fomento da fragmentação da integração na América Latina, uma vez que, apesar das aproximações pontuais, as diferentes ideologias entre a mesma e outros processos

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vigentes torna improvável a convergência dos interesses para uma região completamente integrada, favorecendo o desenvolvimento individual dos processos subrregionais.

Referências ALIANZA DEL PACÍFICO. Qué es la Alianza del Pacífico. Disponível em: . ______. Declaración de Punta Mita. .

IX

Cúpula,

Punta

Mita,

2014.

Disponível

em:

BLOG DO PLANALTO. Países iniciam integração da Aliança do Pacífico com o Mercosul. Blog do Planalto, Brasília. Disponível em: http://blog.planalto.gov.br/paises-iniciam-integracao-da-alianca-pacifico-com-o-mercosul/. BRICENO-RUIZ, J. Contribuição do Mercosul no debate sobre o Modelo de Integração no novo contexto do regionalismo latino-americano. In: RESENDE, E. ALMEIDA, S. MALLMAN, M. (orgs.), Mercosul – 21 anos: maioridade ou imaturidade? Curitiba: Appris, 2012, pp. 251-274 CASTILLO, A. De la Comunidad Andina de Naciones al Mercado Común del Sur: nueva estrategia de integración de Venezuela. Colômbia Internacional, n. 83. Bogotá, 2013. P. 203 – 233 CHILE, Colombia, México y Perú emprendieron alianza del pacífico. Semana. Colômbia, 28 abr. 2011. Disponível em: . CORAZZA, G. O 'regionalismo aberto' da CEPAL e a inserção da América Latina na globalização. Ensaios FEE, v. 27, n. 1. Porto Alegre: maio 2006, p. 135-152. FORO DE SÃO PAULO. Foro de São Paulo - Discurso de Lula en la inauguración del XIX Encuentro. Disponível em: . GAMBIAGI, F.; ALMEIDA, P. Morte do Consenso de Washington? Os Rumores a esse Respeito Parecem Muito Exagerados. Disponível em: . HERZ, M.; HOFFMANN, A. R. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2004. Disponível em: http://www.usp.br/estecon/index.php/estecon/article/viewFile/322/109 Acesso em 10/07/2014. MECHAM, M. Mercosur: a failing development project?. International Affairs, 79. Londres, 2003. P. 369–387 ROUSSEFF, D. Entrevista da presidenta Dilma Rousseff a jornais latino-americanos. Entrevistador: El Tiempo (Colômbia), El Comercio (Equador), El Universal (México), El Comercio (Peru), El País (Uruguai), El Nacional (Venezuela) e O Globo (Brasil). Brasília: Blog do Planalto, 22 dez. 2014, Disponível em: . SALTALAMACCHIA ZICCARDI, N. S. The Mexican Agenda in Latin America: The Pacific Alliance. Anuario de Integración de América Latina y Caribe, v. 10, p. 421 – 436. SERBIN, A. Los nuevosescenarios de laregionalización: Déficit democrático y participación de la sociedad civil en el marco del regionalismo suramericano. CRIES. Serie: Documentos CRIES, n. 17. Bogotá: CRIES, outubro, 2011. TABÍO, L. R. La Alianza Transpacífico en la estrategia de Estados Unidos para América Latina y Caribe. Anuario de Integración de América Latina y Caribe, v. 10, p. 317 – 342, 2014. VEIGA, P. M.; RÍOS, S. O regionalismo pós-liberal na América do Sul: origens, iniciativas e dilemas. Santiago: CEPAL, Série Comércio Internacional, n. 82, 2007.

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Análise da atuação da América do Sul nas fases do regionalismo e a eficácia de suas iniciativas no cenário internacional Joana Larissa Silveira de Aguiar1 Laíssa Maia Amorim Esmeraldo2 Introdução

É

sabido que há diferentes vertentes quanto ao entendimento do que vem a ser regionalismo e integração regional. Este trabalho foi elaborado sob a luz dos conceitos adotados pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), que estabelece três fases distintas do

regionalismo: fechado, semiaberto e aberto. Todo o processo de integração começou com a adesão da maioria dos países da América Latina à Associação Latino Americana de Livre Comércio (Alalc), criada no contexto do Regionalismo Fechado, que objetivou a criação de um mercado comum regional. Com o aumento da globalização, das trocas comerciais e da necessidade de parceiros econômicos, os acordos regionais no continente sul-americano foram se intensificando e se sobrepondo aos que envolviam a América Latina como um todo, ainda que a Alalc tenha dado espaço à Associação Latino Americana de Integração (Aladi) que busca continuar o processo de integração na América Latina. A segunda onda regionalista, qual seja, a fase aberta do regionalismo, foi o momento em que surgiram, na América do Sul, acordos integracionistas que deram origem, por exemplo, ao Mercado Comum do Sul – que, apesar das dificuldades, consolidou-se e efetivou parte de seus objetivos econômicos iniciais – e a União de Nações Sul-Americanas – a mais nova tentativa integracionista, que pretende conduzir a integração a um grau além do econômico, abrangendo as diferenças sociais e políticas dos países Américo Sulistas – os dois blocos com mais relevância na esfera global que deram aos seus países-membros destaque no cenário internacional. Isto posto, para este artigo serão analisadas as principais iniciativas tomadas com o fim de fortalecer as relações dos países da América do Sul, bem como os seus desafios e conquistas. Do mesmo modo, as compararemos aos principais blocos econômicos presentes no mundo: Nafta e União Europeia. Definições conceituais No contexto da globalização, a participação dos países no mercado mundial dá-se por meio de dois processos: o multilateralismo e o regionalismo. O primeiro caracteriza-se pela cooperação de vários estados para obter resultados e respostas eficazes no cenário internacional. Entretanto, a relação entre 1 2

Graduanda em direito (Universidade de Fortaleza). Email: [email protected] Graduanda em direito (Universidade de Fortaleza). Email: [email protected]

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muitos países que, por vezes, são importunados por diferenças culturais e geográficas, torna-se ineficaz e suas decisões fogem da eficiência esperada. Por isso, a própria OMC que, a priori, adota a ideia multilateralista, apoia e incentiva o regionalismo, isto é, uma integração regional entre aqueles que, de certa forma, buscam aliar-se para tomar decisões de cunho internacional com reflexos internos diretos de forma mais eficiente. Nessa perspectiva, nasce a Teoria Regionalista que, sob a definição de Fred Bernstein e Robert Lawrence, defende o regionalismo como sendo uma estratégia mais eficaz de integração do que o multilateralismo. Afinal, “as negociações regionais demoram menos tempo e são menos complicadas porque é muito mais eficiente e fácil negociar com poucos países vizinhos do que com os mais de cem membros da OMC.” (MEIRA, 2011). Bergstein defende ainda que o desvio de comércio – causado pela preferência na escolha de fornecedores menos eficientes, porém, de dentro do bloco em detrimento de fornecedores mais eficientes, mas que não fazem parte do bloco – apesar de presente no regionalismo (e apontado como uma grande falha pela teoria multilateralista) gera ganhos concretos para os Estados integrantes, muitas vezes, superiores ao prejuízo causado pelo desvio. Evolução do regionalismo na América do Sul O Regionalismo, conhecido atualmente no cenário mundial, configura-se bastante diferente do modelo que vigorava na década de 1960, quando começou a implementação dos acordos regionais entre países vizinhos, buscando estabilidade e apoio econômico-político. No contexto latino-americano, a Cepal criada em 1948, com o escopo de incentivar a cooperação econômica entre seus membros, classifica o regionalismo em duas grandes ondas, podendo ser identificados dois momentos distintos durante a primeira. A primeira onda engloba duas fases e inicia-se formalmente na década de 1960, finalizando-se no começo dos anos 1990. A primeira, conhecida como regionalismo fechado, caracterizou-se pelo seu sistema protecionista, criando barreiras ao comércio com países extra-bloco. A prioridade dos acordos assinados durante essa fase era dada a países geograficamente contíguos e com o perfil econômico similar, não havendo, assim, uma abertura multilateral. A segunda fase é marcada pela primeira tentativa de abertura, em que foi buscada a “conciliação entre o protecionismo regional e a liberalização mundial, o que conferiu diferentes graus de abertura ou fechamento dos blocos” (SENHORAS, 2006), por meio de princípios de liberalização subjacentes às práticas do comércio mundial, fase esta conhecida como regionalismo semiaberto. Durante esta primeira onda pôde-se perceber que as primeiras tentativas de integração sulamericana se deram no âmbito latino-americano como um todo. Podemos assim citar a criação da Alalc,

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em 1960, por meio da assinatura do Tratado de Montevidéu, que pregava a criação de uma zona de livre comércio com o objetivo de criar um mercado comum regional. Embora, tendo sido observado alguns avanços, as dificuldades encontradas pela Alalc limitaram seu crescimento em longo prazo, pois o comércio latino-americano já estava direcionado para as grandes economias mundiais (Europa e Estados Unidos) destacando-se assim o seu maior desafio, tornar as economias dos estados-membros complementares, uma vez que competiam entre si. Dentro da perspectiva da Alalc, surgiu o Pacto Andino, no ano de 1969, pelo Acordo de Cartagena, a fim de intensificar a aproximação de países com um maior grau de equivalência econômica, no caso Venezuela, Bolívia, Peru, Equador, Chile e Colômbia. O Pacto Andino converteu-se na atual Comunidade Andina após a saída do Chile em 1977 e da Venezuela em 2006. Procurando contribuir com a promoção do processo de integração e garantir o desenvolvimento econômico e social da região latino-americana, a ALALC deu origem ao que hoje conhecemos como Aladi, instituída na década de 80. No início da década de 1990, uma nova visão de cunho neoliberal impera nos mercados mundiais, levando à revisão dos princípios tradicionais de integração regional, inaugurando uma nova onda denominada de regionalismo aberto, que se difere da onda anterior, por permitir a participação simultânea de um mesmo país em mais de um acordo regional, gerando negociações paralelas. Outra divergência, apontada pelo autor Eloi Senhoras (2006), é a utilização do regionalismo como uma “opção de desenvolvimento, promovendo a maior competitividade dos países signatários do bloco levando à efetiva inserção destes na economia nacional”. Há também a abertura para acordos transgeográficos, que reduziu a importância da proximidade geográfica como fator determinante para a assinatura de acordos regionais. No contexto da América do Sul, no final da década de 1980, os recém-democratizados, por iniciativa do Brasil e da Argentina, incentivaram a priorização da integração sul-americana à integração latino-americana, a fim de utilizá-la como ferramenta de consolidação da democracia. O fim da guerra fria e a implantação dos ideais neoliberais, na década de 1990, levaram a uma reviravolta geopolítica mundial, fazendo com que os vizinhos sul-americanos intensificassem seu processo de integração, conduzindo-o mais precisamente pelos princípios de liberalização. Destarte, dentro da esfera da Aladi surge, por meio do Tratado de Assunção em 1991, um modelo sub-regional de integração na América do Sul: o Mercado Comum do Sul (Mercosul), como contextualiza o autor: A década de 1990 foi caracterizada, na América do Sul, por uma movimentada agenda de negociações comerciais regionais, num contexto regional de substituição dos projetos intervencionistas de desenvolvimento centrados na industrialização protecionista por um modelo neoliberal que transfere para o mercado a tarefa de promover o desenvolvimento. Isto foi demonstrado tanto pela intensificação de acordos de integração já existentes, como no caso dos acordos bilaterais negociados no XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 257 âmbito da ALADI, que se tornaram mais ambiciosos e abrangentes, quanto pelo estabelecimento de novos mecanismos de integração mais profunda, como no caso dos acordos para criação de uniões aduaneiras e de mercados comuns (VEIGA; RIOS, 2008, p. 4-5)

O Mercosul, inicialmente, pretendia ser um Mercado Comum, porém, o surgimento de alguns empecilhos como a crise dos anos 90, a priorização dada pelos parceiros no suprimento das necessidades internas de cada país, e a instabilidade econômica impossibilitaram o cumprimento fiel dos objetivos inicialmente anunciados. O Mercosul, portanto, não conseguiu, até os dias atuais, performar nenhum de seus grandes objetivos, enfrentando situações de bloqueio na finalização de seus acordos para harmonização de barreiras ao comércio, tanto internas como externas ao bloco, configurando-se, assim, como uma União Aduaneira incompleta. Além disso, o Mercosul também é responsável pela inclusão internacional dos países integrantes do bloco, principalmente, Brasil e Argentina, em organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) com uma maior força de projeção. A Unasul, segunda iniciativa dessa onda de regionalismo aberto, fundada em 2008 durante a Terceira Cúpula de Chefes de Estado, realizada em Brasília, foi fruto de pretensão brasileira em aproximar e integrar a América do Sul. Sua meta é de ultrapassar os aspectos puramente econômicos de integração proposta pelo Mercosul e englobar todos os países do continente. Busca investimentos em transporte, energia, educação, e, sobretudo, almeja a redução de conflitos por meio de uma integração política eficaz. Ela é responsável pela tentativa de unir os dois principais blocos econômicos presentes na região, o Mercosul e a CAN, como também formar uma área de livre comércio sul-americana que visa uma integração igualitária, observando-se as diferenças presentes em cada Estado-membro, o que a caracteriza como uma organização mais flexível, não podendo ser catalogada como bloco econômico. Situação atual e perspectivas Dentro das fases do regionalismo analisadas, pode-se perceber que a América do Sul avançou em seu processo de integração, conseguindo originar blocos com relevância internacional significativa, assim como, implementar a criação de um bloco integracional que engloba toda a região Ao examinar essas iniciativas integracionistas separadamente, observa-se que a Comunidade Andina está encontrando dificuldades em seu processo integracionista, pois ao mesmo tempo em que incentiva a integração, há por trás a adesão a acordos bilaterais de tratados de livre comercio entre Peru, Colômbia, Equador e os grandes mercados mundiais: Estados Unidos e União Europeia, sendo esse um dos maiores desafios da CAN. Nesse sentido, é notável a ausência de resultados integradores concretos, o que reflete na falta de empenho dos seus países membros. O Mercosul, entretanto, teve êxito superior na consecução dos seus fins integracionistas econômicos apesar de não ter cumprido seu objetivo inicial de ser um mercado comum, uma vez que XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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ainda está consolidando-se, com muita dificuldade, como união aduaneira, haja vista somente 40% dos produtos importáveis pelo Mercosul possuem mesmo grau tarifário, de acordo com Galvani (2013), existem iniciativas específicas ao mercado comum, como por exemplo, a circulação de pessoas entre os países do Mercosul sem a necessidade do passaporte. De acordo com o autor Henrique Puccini (2009), as dificuldades enfrentadas pelo Mercosul são consequência do resguardo dos interesses particulares dos dois países de maior influência no bloco: Argentina e Brasil. Tal postura acaba por dificultar a integração idealizada na fundação do sistema. Atualmente, o Presidente do Conselho de Comércio Exterior da FIESP, Rubens Barbosa (2014), afirma que o Mercosul “continua paralisado e sem qualquer estratégia. [...], o bloco está em situação de quase total isolamento”. No entanto, a atual situação de crise no Brasil, deflagrou uma tentativa de reavaliar as negociações do Mercosul com a União Europeia, estando o Brasil atuando a frente como principal interessado, apesar da retomada das negociações entre os dois blocos ser reconhecida também por líderes de outros Estados, como Tabaré Vasquez, presidente do Uruguai, que recentemente reconheceu a “vital importância” e os benefícios que podem ser gerados pela reaproximação dos blocos. Apesar do passado de incompatibilidade de interesses brasileiros e europeus, devido à baixa atração gerada pelo fracasso da Rodada Daha em 2008, e pela crise econômica do mesmo ano, que rendeu o Brasil à adoção de políticas protecionistas. O Brasil tem a ciência de que buscar novos parceiros internacionais é essencial à sua sobrevivência em meio ao avanço de acordos de livre comércio, como a parceria Transatlântica entre Europa e Estados Unidos. Ao estudar o Mercosul, é notável a semelhança com a União Europeia no tocante ao aspecto histórico e político dado sua inclinação comunitária e ainda, uma das ambições do bloco é a implantação de uma moeda única nos países integrantes, como afirma Felix (2014). No entanto, a presença de fóruns Intergovernamentais de Negociação no bloco, o assemelha ao modelo Norte-americano, que se dedica tão somente ao comércio livre. A Unasul por sua vez, possui características diferenciadas dos outros institutos. Como já aludido neste artigo, ela não é um bloco econômico e visa uma integração mais abrangente. É mais flexível com relação às diferenças culturais, econômicas, políticas e sociais. Essa peculiaridade gera incertezas quanto à sua eficiência e estabilidade, bem como o êxito de seus ideais. Ademais, as dificuldades encontradas pela Unasul nos dias atuais dificultam sua consolidação e plena eficácia, tais como: a heterogeneidade política da região, isto é, as divergências quanto às medidas tomadas pelos líderes da região; a inevitável liderança brasileira, dada sua influência dentro do bloco, e único verdadeiramente interessado em buscar prestígio global; discussões a respeito da democracia em decorrência de governos com “outras formas de democracia” que fogem do seu real conceito, como acontece na Venezuela; os conflitos existentes entre alguns países, como em relação às FARC, ou o tráfico

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de drogas e armas, comprovam que ainda existem desavenças que precisam ser conciliadas (BARNABÉ, 2011). No tocante ao seu papel integracionista, a Unasul funciona como “elemento articulador entre os diferentes polos econômicos da região” (OLIVEIRA; SALGADO, 2011), como intermediador na comunicação entre os Estados membros para a solução de entraves, além de servir de instrumento a partir do qual os Estados – membros podem utilizar-se para uma inserção no mercado mundial menos desigual. Por fim, pode-se perceber que o Mercosul e a Unasul são complementares um ao outro. A relação existente entre esses dois blocos é fundada no desejo de fortalecer seus membros a fim de garantir a inserção no cenário econômico mundial, assegurando-lhes maior poder de competição face aos demais países. Considerações finais Considerando que o continente sul-americano é composto por 12 países, cada um com suas peculiaridades, as divergências de posturas e interesses são inevitáveis, mas o subdesenvolvimento, problema social e econômico que atingia todos os países do continente, associado à vontade de superálo foram os grandes motivadores para adoção de práticas integracionistas entre os países. Contudo, a falta de vínculos mais concretos desestimulou as nações a colaborarem e investirem entre si e, consequentemente, acabaram por deixar suas necessidades particulares se sobreporem aos interesses do bloco. A clara heterogeneidade social, política e econômica, a ausência de maiores interesses e projetos comuns à região sul-americana como um todo, bem como as dificuldades relacionadas à concessão de parte da soberania de cada país a fim de harmonizar e amenizar as desavenças existentes delongam ainda mais o processo de integração, que já é assunto de tratados e discussões desde os anos 60. Entretanto, não se pode negar a importância dessas medidas para o crescimento econômico dos países da América do Sul, assim como não deve ser ignorado os benefícios gerados, principalmente no aspecto econômico, em decorrência da integração no continente, como por exemplo a inclusão de alguns países, como o Brasil e a Argentina, no mercado mundial. Entende-se que ainda há muito o que ser aprimorado na América do Sul com o propósito de serem realizadas e efetivadas medidas em torno de dar mais profundidade e abrangência na integração sul-americana. E para tanto, seria necessário, como propõe Barnabé (2011), uma revisão de interesses particulares em prol de um bem maior, no caso, o regional, além da construção de acordos comuns que ultrapassem as diferenças existentes entre os países.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 260 Referência OLIVEIRA, Ana Carolina Vieira de e SALGADO, Rodrigo Souza. Modelos de integração na América do Sul: do Mercosul à Unasul.. 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2001, 3., 2011, São Paulo. Proceedings online... Associação Brasileira de Relações Internacionais Instituto de Relações Internacionais - USP, Disponível em: . Acesso em: 10 de julho. 2015. SENHORAS, Eloi Martins. A Economia Política Internacional entre o Regionalismo e o Multilateralismo. Revista Carta Internacional01. Relações Internacionais (2006). Disponível em: http://works.bepress.com/eloi/31 BARBOSA, Rubens. Perspectivas do Mercosul: A presidência brasileira do mercado comum deveria estimular o governo Dilma a apresentar agenda mais propositiva. 2014. Disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/perspectivas-do-mercosul-14897018 Acesso em: 11 jul. 2015. PUCCINI, Henrique. O Mercosul: ontem e hoje. 2009. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2015. VEIGA, P.M.; RIOS, S.P. O regionalismo pós-liberal na América do Sul: origens, iniciativas e dilemas. Breves CINDES. Rio de Janeiro, agosto de 2008. MEIRA, Liziane Angelotti. Integração Regional e Tributos Sobre o Comércio Exterior no Mercosul. Revista da Procuradoria-geral da Fazenda Nacional, Brasília, v. 1, n. 2, p.53-71, 2011. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2015. MURGI, Rafael. A evolução do processo de integração sul-americana: avanços conquistados e dificuldades recentes. Conjuntura Internacional, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p.63-73, ago. 2013. ALMEIDA, Paulo Roberto de. O regionalismo latino-americano no confronto com o modelo europeu: uma perspectiva histórica de seu desenvolvimento, Brasília, 17 maio 2008, 34 p. Resumo do trabalho 1844. Revista Novos Estudos Jurídicos (Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, Univali; vol. 14, n. 1, 2009, p. 127-146). AMAL, Mohamed; KEGEL, Patrícia Luiza. Perspectivas das negociações entre o Mercosul e a União Europeia em um contexto de paralisia do sistema multilateral e da nova geografia econômica global. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 33, n. 2, p.341-359, abr./jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2015. FÉLIX, Jorge. Afinal, há futuro para o bloco do Mercosul?: Textos refletem sobre os dilemas da América do Sul e o comércio internacional. 2014. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2015. BARNABÉ, Israel Roberto. Unasul: Desafios e importância política. Mural Internacional, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p.40-48, jun. 2011. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2015. GALVANI, Claudemir. Moeda única no Mercosul: realidade ou utopia? In: Mercosul a Unasul: Avanços do processo de integração. São Paulo: Educ - Editora da Puc-sp, 2013. p. 485-498. .

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Modelos de Integración Regional Divergentes: caso ALBA-TCP y Alianza del Pacífico Wanderley dos Reis Nascimento Júnior1 Jesus Ibáñez Ojeda2 Introducción

L

as estrategias hacia la integración latinoamericana encuentran caminos múltiples en América Latina. Tal hecho es evidenciado por dos proyectos de integración con objetivos divergentes: la Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América - Tratado de Comercio de los

Pueblos (Alba-TCP) y la Alianza del Pacífico (AP). Sin embargo, las dos iniciativas surgen en el seno de la crisis de la Comunidad Andina de Naciones (CAN) y demuestran dos formas de inserción internacional distintas: por un lado, la iniciativa de la AP a través de los Tratados de Libre Comercio (TLC) y una perspectiva que revive el fracasado modelo del “regionalismo abierto” de las década de los 90; por otro lado, el proyecto de la Alba-TCP que se presenta como modelo anti sistémico que no se detiene en los aspectos económicos y comerciales de la integración. Los países que hoy constituyen la Alba-TCP fueron contrarios, en su momento, a la iniciativa norteamericana de la Área de Libre Comercio de las Américas (Alca); en contraposición, los países que conforman la AP se mostraron a favor de esta iniciativa y, frente al fracaso de la misma, firmaron TLCs con Estados Unidos. Tales hechos presentan una complejidad en los procesos de integración que ocurren en la región. Así, se hace necesario un análisis comparado de los dos modelos, el de integración neoliberal de la AP y el de la integración anti neoliberal de la Alba-TCP, con el objetivo de demostrar las características e implicaciones de cada uno y a quiénes sirven estas propuestas de integración. Para esto, el trabajo está estructurado, además de esta introducción y de las consideraciones finales, en cuatro secciones: en la sección debutante presentamos el contexto regional, teniendo en cuenta el escenario pos-Consenso de Washington y la crisis de la CAN; posteriormente presentamos los pilares y características de la Alba-TCP y su contraposición a la iniciativa de la Alca; en seguida demostramos el contexto de nacimiento da la AP y su oposición a la Alba-TCP y concordancia con la Alca; finalmente, presentamos un cotejo final, exponiendo una comparación entre los modelos de integración de la AlbaTCP y de la AP a fin de indicar a cuáles intereses sirven cada uno de los dos modelos de integración. Contexto regional: Alba-TCP y AP

Maestrando en Integración Contemporánea de América Latina por la Universidad Federal de Integración Latinoamericana. Becado por el Programa Demanda Social–UNILA. 2 Maestrando en Integración Contemporánea de América Latina por la Universidad Federal de Integración Latinoamericana. Becado por la CAPES. 1

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El proyecto político-económico neoliberal, materializado por el Consenso de Washington en los primeros años de la década de los 90, presentó para América Latina las propuestas de una integración que tenían como pilares la democracia liberal y el libre mercado. De esta manera, la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal) dejó de lado la propuesta de integración como forma de transformación productiva con equidad y promovió el ideario de “regionalismo abierto” 3 (ESTRADA, 2014). Asimismo, la iniciativa de integración neoliberal tenía como propósito promover el “libre comercio”, romper con las barreras nacionales-estatales y liberalizar los flujos de capitales y de mercancías, avanzando hacia un nuevo orden de la transnacionalización y desnacionalización (ESTRADA, 2014). En este contexto de entendimientos neoliberales, el gobierno de los Estados Unidos llevó a cabo la iniciativa de la ALCA propuesta por el presidente Bill Clinton en diciembre de 1994, en la Cumbre de las Américas en Miami (SOUZA, 2012). La implementación de las reformas neoliberales de la década de 90 aumentó la insatisfacción de la sociedad, una vez que tales medidas generaron graves crisis económicas y aumentaron las desigualdades sociales, posibilitando la asunción de varios gobiernos de izquierda4 en diversos países de la región que revisaron sus opciones de políticas económicas, confiriendo un papel central al Estado en la economía y esfuerzos para la reducción de las asimetrías sociales. Así, los albores del nuevo siglo presentaron para América Latina un nuevo marco para la integración de la región, definida por Souza (2012) como “cuarta ola de integración”, impulsada por el escenario regional pos-Consenso de Washington y, consecuentemente, por la asunción de gobiernos progresistas en diversos países de la región. Este nuevo escenario surge en el contexto de combate vehemente por parte de gobiernos como el de Argentina, Brasil y Venezuela a la iniciativa estadunidense de la Alca y tiene como hito el entierro de este proyecto en la Cumbre de las Américas realizada en 2005 en Mar del Plata – Argentina (SOUZA, 2012). En este sentido, esta “cuarta ola” presentada por Souza (2012) es definida por algunos teóricos como regionalismo pos-liberal (SANAHUJA, 2009 y RIOS; VEIGA, 2007), pos-neoliberal (SERBIN, 2010) y regionalismo pos-hegemónico (RIGGIROZZI; TUSSIE, 2012), surgido con el agotamiento del “regionalismo abierto” – que primó en la década de los 90 por la apertura comercial – y por la

Entendido como: “um processo de crescente interdependência no nível regional promovida por acordos preferenciais de integração e por outras políticas, num contexto de liberalização e desregulação capaz de fortalecer a competitividade dos países da região e, na medida do possível, constituir a formação de blocos para uma economia internacional mais aberta e transparente” (CEPAL, 1994 apud SOUZA, 2012, p. 113). 4 Ver SILVA, Fabricio Pereira. Vitórias na Crise: Trajetórias das esquerdas latino-americanas contemporâneas. Rio de Janeiro: Ponteio, 2011. 3

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presentación de nuevas organizaciones como Unasur y Celac, marcando la vuelta del rol pragmático del Estado. Así este período se caracteriza por uma visão crítica das reformas liberais e das experiências de integração dos 90 - baseadas no regionalismo aberto - que aponta para o excesso de ênfase conferido por esses esquemas bilaterais e subregionais às questões comerciais, o que os teria levado a ignorar temas relacionados às assimetrias estruturais entre os países-membros e, de forma mais geral, a deixar de lado preocupações com as dimensões produtivas e ‘de desenvolvimento’ dos processos de integração (RIOS, VEIGA, 2007, p. 19).

Se constata una politización de la agenda integracionista en sustitución al eje meramente comercial y económico del período anterior. Por lo tanto, se ve el retorno de la política estatal en sus relaciones exteriores y en políticas sociales de desarrollo, marcando un claro alejamiento a los preceptos del Consenso de Washington. Sin embargo, en este espacio múltiple de diversas organizaciones regionales existen desencuentros como, por ejemplo, el modelo de integración de la AP y de la Alba-TCP, en el cual el primer modelo se presenta comprometido con el libre comercio y el segundo con un modelo antisistémico, enfatizando los aspectos políticos y sociales, oponiéndose al neoliberalismo. El surgimiento de la Alba y de la AP sucede en el contexto de regionalismo posneoliberal y en el seno de la crisis de la CAN potencializada por las visiones y voluntades distintas del proceso de integración del bloque, como, por ejemplo, “la decisión de Colombia, Ecuador y Perú de adelantar negociaciones con Estados Unidos para acordar Tratados de Libre Comercio (TLC) bilaterales ha originado el retiro de Venezuela del proceso de integración andina” (PUERTAS, 2006, apud LUCIANO; BRESSAN, 2014, p. 21). Tales hechos debilitaron la CAN, que se encuentra, en el momento, atravesando una crisis institucional en razón del emprendimiento de medida unilaterales en recurrencia a las visiones y perspectivas de inserción internacional divergentes por parte de los Estados miembros. Por lo tanto, A realidade mostra que Colômbia e Peru, com o acordo bilateral com os Estados Unidos, estão mais inclinados à Aliança do Pacífico, perseguindo os antigos objetivos de abertura comercial e estreitamento dos laços com a potência do Norte. Esta relação é também favorável ao governo colombiano no combate aos movimentos revolucionários e questões advindas ao narcotráfico. Em oposição, os governos progressistas da Bolívia e Equador conformam a Alba e se alinham ao protagonismo venezuelano e aos ideais bolivarianistas. A rachadura criada no seio do bloco, denota direções distintas em que caminham seus membros, contribuindo fortemente para o enfraquecimento do antigo projeto andino.(LUCIANO; BRESSAN, 2014, p. 12).

Este nuevo contexto de regionalismo latinoamericano se presenta como un mosaico, y en este escenario múltiple de diversos grupos regionales no existe homogeneidad. Briceño Ruiz (2013), así,

defiende la existencia de tres ejes de integración: el eje de integración abierta de los Tratados de Libre Comercio (TLC) y de la AP; el eje revisionista del Mercado Común del Sur (Mercosur); y el eje antisistémico de la Alba-TCP. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Además, el autor nos presenta tres modelos económicos adoptados por estos diversos ejes de integración existentes: el regionalismo estratégico, marcado por sus sesgo comercial donde el libre comercio es un importante componente; el regionalismo productivo que busca el desarrollo industrial y unificación de las economías; y el regionalismo social que ve la integración como mecanismo de estabelecimento de estándares sociales y fomento de politicas redistributivas (BRICEÑO RUIZ, 2013). Así, en las secciones que siguen, exponemos una comparación entre estos dos ejes opuestos: el eje de integración abierta de la AP y el eje antisistémico de la Alba. Pilares de constitución de la Alba El proceso de integración a través de la Alianza Bolivariana para los pueblos de nuestra América (Alba) surge como una alternativa de la crisis neoliberal -generadora de mayor pobreza-, retomando así mayor control del Estado en los sectores claves. El Alba es una propuesta de integración planteada por el gobierno Venezolano en respuesta al ALCA, en diciembre de 2001, en Isla Margarita, donde se expone una visión alternativa a los acuerdos de libre comercio y que se fundamenta en tres principios básicos: 1. Oposición a la reformas de libre mercado. 2. No limitar la acción reguladora del Estado en beneficio de la liberalización económica. 3. Armonizar la relación Estadomercado (BRICEÑO RUIZ; LINARES, 2004, p. 19).

La Alba constituye un modelo humanístico basado en medidas concretas de integración social, política y económica para Latinoamérica y el Caribe. Promovida inicialmente por Venezuela y Cuba, después se incorporan Bolivia, Ecuador, Antigua y Barbuda, Dominica, Nicaragua, S. Vicente y Granadinas, S. Cristóbal y Nieves, Santa Lucía y Surinam (BOLIVIA, 2013). Dentro de los principios más resaltantes de la Alba están: la lucha contra la pobreza y exclusión social; protección a los campesinos y productores agrícolas; y lucha contra los subsidios agrícolas de los países industrializados. Se prioriza, por lo tanto, organizaciones indígenas, campesinas, de economía popular solidaria y comunales, y demás formas asociativas para la producción social, fomentando la unidad, la integración y la consolidación de las economías de los países miembros, identificando las necesidades, capacidades y potencialidades productivas y comerciales para diversificar sus cadenas productivas (BOLIVIA, 2013). En 2006 Bolivia ingresa a la Alba y presenta su iniciativa de los Tratados de Comercio entre los Pueblos (TCP), basada en instrumentos de intercambio solidario y complementario entre los países, destinados a beneficiar a los pueblos, en contraposición a los Tratados de Libre Comercio que persiguen incrementar el poder y el dominio de las transnacionales. En adelante se denominará Alba-TCP (BOLIVIA, 2013). La Alba-TCP ha resultado estimulante al indicar otra concepción de integración – más solidaria y no solamente comercial – representando una ruptura frente a los patrones y modelos de funcionamiento que han imperado en la región (ARELLANO, 2009). XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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En contraposición, la ALCA tuvo sus orígenes hacia el año de 1990 cuando el presidente norteamericano George H. W. Bush (Padre) lanzó la Iniciativa para las Américas, teniendo como principal objetivo establecer un área de libre comercio, visando eliminar las barreras del comercio, de bienes, servicios y de inversión. Para que se concretizara este objetivo, existían una serie de argumentos que lo respaldaban, como por ejemplo, que esta iniciativa de dominación continental traería consigo el acceso a las tecnologías de última generación, fortalecería los mercados latinoamericanos y generaría un crecimiento económico en la región (MORENO, 2007). La ALCA promueve la protección de los intereses del inversionista extranjero, mientras que la Alba-TCP se orienta más hacia la protección de los mercados internos, de las pequeñas y microempresas, no dando garantías legales a las inversiones extranjeras. La Alba-TCP, visto como un nuevo modelo de integración regional o como alianza política estratégica, constituye una propuesta alternativa a los procesos integradores del regionalismo tradicional y al nuevo regionalismo estratégico o abierto. Adverso a las pretensiones hegemónicas de la política comercial norteamericana en el continente delineadas en el Consenso de Washington y en la propuesta del Área de Libre Comercio de las Américas (ALCA) formulada en la Cumbre de Miami 1994. (HERNANDEZ; CHAUDARRI, 2015, p. 5).

Así, ambos autores reafirman que la Alba-TCP es un modelo de integración alternativa contario a la Alca que pretendía imponer EE.UU. Sin embargo, la Alba-TCP, así como los demás modelos de integración, enfrenta dificultades, y el principal problema enfrentado es la centralidad que representa Venezuela en el bloque y, por lo tanto, el bajo índice de institucionalización de la iniciativa en los demás países. Al no descentralizar el bloque, los rumbos del proyecto se tornan susceptibles al posible fracaso con un cambio de gobierno; sin embargo, es necesario considerar que este obstáculo es común a los demás organismo regionales por su carácter intergubernamental (LIMA; ROSA, 2013). En otro aspecto, la Alba-TCP toma en consideraciones aspectos de las políticas domésticas de gobiernos de Ecuador y Bolivia, como, por ejemplo, el nuevo paradigma del Buen Vivir o Vivir Bien “enraizada en la cultura de los pueblos indígenas andinos que orienta el modelo de regionalismo social” (BRICEÑO RUIZ, 2014, p. 159). La Alba-TCP, por tener el ideario de que la integración puede cumplir un papel importante en la resolución de problemas como pobreza y exclusión social, se encuentra inserta en un proyecto que combina regionalismo social con regionalismo productivo. De esta manera, queda demostrado que las asimetrías sociales son problemas que trascienden las fronteras estatales y, por lo tanto, merecen atención en conjunto. Pilares de constitución de la Alianza del Pacífico Idealizada en diciembre de 2010 en la Cumbre Ibero-Americana en Mar del Plata, por los presidentes Alan García (Perú), Sebastián Piñera (Chile), Felipe Calderón (México) y Juan Manuel Santos

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(Colombia), la AP surge oficialmente el 6 de junio de 2012 con la suscripción del “Acuerdo Marco” en Antofagasta, Chile (DADE; MEACHAM, 2013). Sin embargo, los orígenes de la AP, al contrario de lo que es puesto por sus miembros fundadores, como un ideario surgido en una reunión de presidentes en 2010, remontan al período de entierro de la Alca y a la crisis de la CAN. Los países que hoy conforman la AP aceptaban la Alca, en contraposición, Ecuador, Bolivia y Venezuela la rechazaban; de la misma manera, las visiones opuestas de política exterior ponen, de un lado, Colombia y Perú, y, de otro, Ecuador y Bolivia en el seno de la CAN promoviendo su estancamiento. La AP surge, por lo tanto, como intento de revivir la Alca, pero como un proyecto desde el subcontinente, basado en un ideario neoliberal de integración que se propone a crear un espacio de libre flujos mercancías, capitales y personas que presenta la competitividad en contraposición a la complementariedad que es propuesta por la Alba-TCP. En este sentido, los objetivos te la AP, según documentos oficiales, son: Construir, de manera participativa y consensuada, un área de integración profunda para avanzar progresivamente hacia la libre circulación de bienes, servicios, capitales y personas; impulsar un mayor crecimiento, desarrollo y competitividad de las economías de las Partes, con miras a lograr un mayor bienestar, la superación de la desigualdad socioeconómica y la inclusión social de sus habitantes; convertirse en una plataforma de articulación política, de integración económica y comercial, y de proyección al mundo, con especial énfasis en el Asia Pacífico (ALIANZA DEL PACÍFICO, 2013, subrayado nuestro).

Se nota que los objetivos indican para la doctrina de que la promoción del libre comercio genera por sí solo bienestar y crecimiento económico como indicativo de desarrollo y, por lo tanto, de superación de desigualdades sociales. El concepto de “integración profunda” al contrario de lo que la palabra demuestra, se refiere a una integración profundamente económica asentada en el modelo de regionalismo estratégico, en oposición al regionalismo productivo y al regionalismo social, así el concepto de Robert Lawrence (1996) se ve basado en la alianza entre Estados y transnacionales, de esta manera el autor considera: “necesario profundizar la agenda de integración para incluir elementos que están relacionados con el comercio, como las inversiones, la propiedad intelectual, las compras gubernamentales y las normas laborales y ambientales”. (LAWRENCE, 1996, apud BRICEÑO RUIZ, 2013, p. 20). El surgimiento de la AP revive en la región el modelo de “regionalismo abierto” que mantiene la lógica de liberalización comercial de los 90, yendo en contra a los nuevos proyectos que surgen en América Latina y que buscan consensos políticos a fin de priorizar la integración no meramente económica, pero, también, política y social que abarquen aspectos como, por ejemplo, educación, salud y cultura. Así, aunque los miembros de la AP defiendan su carácter apolítico, se percibe su carácter ideológico por su alineamiento a Washington por algunas razones, además del hecho que todos los países XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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poseen TLCs con EEUU: la estrecha relación económica entre México y su vecino del Norte, ya que el país hacer parte del Tratado de Libre Comercio de América del Norte (TLCAN) y, principalmente, por que los países que constituyen el bloque presentaren un escaso relacionamiento comercial entre ellos (FIORI, 2013). Asimismo, se nota que, [...] o ‘cisma do Pacífico’ tem mais importância ideológica do que econômica, porque sua força política decorre inteiramente da sua aliança com os EUA. Na verdade, os três países sul-americanos associados à ‘Aliança do Pacífico’ fazem parte do processo de criação da Trans-Pacific Economic Partnership (TPP), que se transformou na peça central da política externa comercial da administração Obama e de seu projeto de afirmação do poder econômico e militar norte-americano na região do Pacífico (FIORI, 2013, p. 38).

Estos hechos permiten considerar la iniciativa de la AP como un proyecto de restauración de la ALCA adentro de América Latina y, por lo tanto, un intento de reinserción de la influencia de Estados Unidos que se debilitara desde el período pos-Consenso de Washington. Así teniendo en cuenta las características de inserción económica de todos los países miembros da la AP, percibimos que representan modelos de apertura, liberalización y desregulación económica y comercial. Se nota, de esta manera, que la iniciativa promueve el ideario: “más mercado y menos Estado”, que, “[...] en general [se] reemplaza la idea de desarrollo - muy presente en esquemas como Mercosur, Alba y UNASUR - por la de ‘competitividad’. No incluye un ideal de autonomía frente a Estados Unidos” (BETANCOURT VÉLEZ, 2012 apud BERNAL-MEZA, 2012 p. 17). Por no incluir el ideario de autonomía frente a EE.UU, el bloque no demuestra un proyecto de emancipación política, cultural y económica y, además, promueve un crecimiento económico de carácter exógeno con un enfoque principal en las empresas transnacionales. Así, se nota que este proceso de integración responde a las necesidades de las transnacionales que demandan arreglos institucionales que promuevan la expansión de los negocios capitalistas, a ejemplo del proyecto de la Alca. Comparando dos modelos de integración: Alba y AP En esta sección analizaremos una comparación entre los modelos de integración regional de la Alba-TCP y la AP. Así, en el Cuadro 1, mostraremos una comparación de los objetivos establecidos por la AP y la Alba-TCP. Cuadro 1: AP vs Alba-TCP comparación OBEJIVOS AP

OBJETIVOS Alba-TCP

Área de integración profunda para avanzar

Promover la lucha contra la pobreza y la

progresivamente hacia la libre circulación de

exclusión social.

bienes, servicios, capitales y personas.

1. No puede haber área de libre comercio sino se corrigen las asimetrías.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 268 2. Impulsionar un mayor crecimiento, desarrollo y competitividad de las economías de las partes miembros.

Principios de cooperación, complementariedad económica, ayuda mutua y solidaridad. 3. Preservar la autonomía y la identidad latinoamericana.

Fuente: Elaboración propia con base a los datos de las respectivas organizaciones (ALIANZA DEL PACÍFICO, 2013 y BOLÍVIA, 2013).

Se percibe que los objetivos de los dos bloques son opuestos. La integración profunda propuesta por la AP se inserta en el modelo de regionalismo estratégico y se caracteriza por ser profundamente económica. La Alba, a diferencia de la integración neoliberal, propone la “complementariedad” y “solidaridad” y no concibe la integración como un proceso meramente económico, considerando los puntos fuertes y debilidades de las economías que conforman el bloque, combinando el regionalismo social – al combatir las asimetrías – con el regionalismo productivo – al promover la cooperación y complementariedad económica. Así, la Alba-TCP tiende a dar prioridad a los proyectos de cooperación mutua, sobre todo a los de las empresas estatales. Podría decirse que los objetivos centrales de la Alba-TCP son el combate a la pobreza y el desarrollo social. Lo anterior difiere de la AP, ya que, “la AP surgió con el estigma de ser la expresión ‘latinoamericana’ del proyecto hemisférico norteamericano Alca [...]” (BERNAL-MEZA, 2015, p.8). La visión de política exterior de los países latinoamericanos que conforman la Alba-TCP y la AP son abiertamente opuestas: mientras los primeros (Venezuela, Bolivia, Ecuador, Cuba y Nicaragua) tienen contenidos anticapitalistas, antiimperialistas y antiglobalización, los segundos (Chile, Colombia, México y Perú) tienen una visión de economía política liberal evidenciado, por ejemplo, en la defensa de la Alca (BERNAL-MEZA, 2015). Esto se percibe con claridad al considerar que todos los países integrantes de la AP son representantes de modelos de apertura, liberalización y desregulación económica y comercial, con economías vinculadas por acuerdos de libre comercio con Estados Unidos. El surgimiento de la AP vino a proveer de un espacio de regionalismo a aquellos países que por las características de su inserción económica – más liberal y abierta; también más vinculada a los Estados Unidos- no se sintieron atraídos por los restantes esquemas de integración vigentes en la región: Mercosur y Alba. Pero también puso en evidencia la fuerte diversidad respecto de los modelos de inserción económica internacional y de regionalismo que existe actualmente en América Latina. (BERNAL-MEZA, 2015, p.4).

Así, también, en los países de la AP el Estado juega un papel menos relevante en la economía en comparación con los miembros de la Alba-TCP. Es decir, los países de la AP tienen una mirada de libre mercado y de un Estado no intervencionista.

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La oposición entre los dos modelos es exteriorizada principalmente por los presidentes de Ecuador, Bolivia y Venezuela. En la Cumbre de la Alba–TCP, realizada en Guayaquil el 30 de Julio de 2013, el Presidente de Ecuador, Rafael Correa, afirmó: Queremos mucho a Colombia, Perú, Chile, México, pero se enfrentan dos visiones del mundo: el neoliberalismo, el libre comercio, y aquellos que creemos en el socialismo, en garantía de derechos, en zonas libres pero no para el libre comercio sino libre de hambre, libre de pobreza (CORREA, 2013 apud BERNAL-MEZA, 2015, p.7).

A su vez, se percibe el interés de los gobiernos de la Alba-TCP en querer cada vez menos la presencia de EE.UU en sus países. En el marco del discurso antiimperialista, los miembros del Alba han adoptado acciones de enfrentamiento directo con los Estados Unidos, entre las que cabe mencionar: los gobiernos de Venezuela y de Bolivia en septiembre de 2008 ordenaron el retiro de los Embajadores de Estados Unidos en sus países. Luego, el gobierno de Bolivia ordenó el 1 de noviembre la expulsión de la Drug Enforcement Administration (DEA) de su territorio; previamente en agosto de 2005, el gobierno de Venezuela asumió la misma iniciativa. (ARELLANO, 2009, p. 18)

El autor Briceño Ruiz (2013) nos menciona que la Alba-TCP tiene también una fuerte dimensión política, intrínsecamente vinculada a su objetivo de establecerse como un bloque antiimperialista como se ha señalado de forma reiterada en sus documentos y declaraciones oficiales. En el año 2006 nace el planteamiento del Tratado de Comercio de los Pueblos para oponerse al TLC; dicha propuesta fue llevada adelante por el Presidente Evo Morales. En el Cuadro 2 resumiremos las principales diferencias expuestas entre los TLCs y los TCPs. Cuadro 2 - Diferencias entre el TLC y el TCP Tratados de Libre Comercio (TLC) Promueve la libre competencia capitalista y la concentración del ingreso en pocas manos. Proponen proteger a las Empresas Transnacionales en tribunales internacionales. Buscan la privatización de los servicios básicos y estratégicos. Proponen la apertura de las compras públicas, para el enriquecimiento de las Empresas Transnacionales.

Tratado de Comercio de los Pueblos (TCP) Protege a los pequeños productores y distribuye los beneficios del comercio complementario con justicia social. Establece la soberanía de las leyes nacionales, propone tener socios no Patrones. Considera a los servicios básicos, como derechos humanos de acceso universal. Protege las compras públicas, para promover a los pequeños productores y el desarrollo nacional.

Fuente: BOLIVIA, 2013, p. 40-43.

Así, constatamos que el TLC propuesto por la AP y el TCP propuesto por la Alba – TCP son opuestos. Por un lado, el TLC pone el comercio a servicio de las transnacionales, mientras que el TCP pone el comercio al servicio de los pueblos, buscando satisfacer las necesidades de forma complementaria. Las características opuestas de los dos bloques – AP y Alba-TCP – no nos permite hacer una comparación directa del comercio intrabloque ya que, “[la] Alba se basa en la idea de que la integración no puede reducirse al comercio, ‘ni medir sus avances por el crecimiento del intercambio comercial’, ni XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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‘encerrarse entre las rejas’ del libre comercio” (BRICEÑO RUIZ, 2013, p. 33), asimismo buscamos demostrar en el Gráfico 1 que el relacionamiento comercial de los países miembros de la Alba-TCP es superior al relacionamiento intrabloque en la AP. Gráfico 1 - Exportaciones de Bienes Intrabloque / Total Exportaciones de Bienes. Porcentaje 25

20

15

AP ALBA-TCP

10

ALC

5

0 2010

2011

2012

2013

Fuente: Elaboración propia con base a los datos de SELA (2014).

Se percibe que las exportaciones intra América Latina y Caribe (ALC), en 2013, alcanzan 20,7 %. En la AP las exportaciones alcanzan tan solo un 3,5%, un valor inferior al 5,34% alcanzado por la AlbaTCP en este mismo año. En este sentido, considerando los pocos años de existencia de la AP, en comparación con la AlbaTCP, y teniendo en cuenta que su objetivo principal es el libre comercio, se percibe que la creación del bloque no aumentó el relacionamiento comercial entre estos países. La Alba-TCP tiene 10 años de creación, frente a 3 años de la AP, y esto también nos imposibilita hacer una comparación directa en relación a la reducción de las cifras de desigualdad y pobreza. Sin embargo, haremos un esfuerzo presentando el Coeficiente de Gini5 (Tabla 1) en los países latinoamericanos de la AP y de la Alba-TCP, antes y después de la conformación de estos dos bloques. Tabla 1 – Índice de Gini en los países de la AP y Alba-TCP (En valores comprendidos entre 0 y 1)

País

2000 2013 Colombia 2002 Chile

AP

Año

Índice Gini 0.564 0.509 0.567

de

El valor 0 representa la perfecta igualdad – todos los miembros de la socidad tienen los mismos ingresos - y el valor 1 corresponde a la desiguald extrema – solamente una persona detiene todos los ingresos. (CEPAL, 2014) 5

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Alba-TCP

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2013 2000 México 2012 2001 Perú* 2013 2000 Bolivia 2011 2000 Ecuador 2013 2001 Nicaragua 2009 2000 Venezuela 2013

0.536 0.542 0.492 0.525 0.444 0.643 0.472 0.559 0.477 0.579 0.478 0.468 0.407

* Las cifras a partir de 2004 no son estrictamente comparables con las de años anteriores, debido a cambios metodológicos. Fuente: Elaboración propia con base a los datos de CEPAL (2014, p. 68).

Se nota que la tradición neoliberal de los países AP no representó una significativa reducción de las brechas sociales, corroborando incluso la tesis de que los TLCs promueven la concentración de renta en las manos de pocos, como es el caso de Colombia que presenta la mayor desigualdad de ingresos en comparación con los demás países de ambos bloques; en contraposición, los gobiernos de la Alba-TCP lograron disminuir las desigualdades sociales, con especial atención al caso de Bolivia, pues fue el país que más disminuyó las brechas sociales en los años analizados. Vislumbramos, por lo tanto, que los países de la AP, con sus políticas volcadas a la liberalización comercial, no demuestran un avance considerable en la reducción de las asimetrías existentes adentro de sus territorios, así como tampoco lograron intensificar el comercio regional intrabloque, teniendo la liberalización comercial como su principal objetivo. Consideraciones finales En base a la comparación realizada, percibimos que las iniciativas tanto de la Alba-TCP, como de la AP, surgen en el seno de la CAN con visiones de inserción internacional y de integración opuestas. La Alba-TCP surge en el contexto del regionalismo posliberal caracterizado por la retomada del rol protagónico del Estado en la actividad económica y la dirección de la integración; en oposición, la AP a pesar de surgir en el mismo contexto - retoma las características del período anterior marcado por el “regionalismo abierto”. Pudimos apreciar, entonces, que la Alba-TCP surge en contraposición al modelo de la Alca impulsado por EE.UU y la AP se presenta como “más de lo mismo”, una iniciativa con los mismos principios del modelo promovido por el norte, pero ahora surgido desde el continente sudamericano.

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Pudimos observar que la Alba-TCP está inserta en el eje antisistémico, abarcando características del regionalismo social y productivo, promoviendo la participación de movimientos sociales e integración tecnológica-productiva, y afirmando sus principios de solidaridad y complementariedad económica. En contraposición, la AP retoma el principio de competitividad económica, defendiendo el Estado no intervencionista y no considerando en su estructura institucional la participación popular, demostrando un modelo de integración de élites que se inserta en el regionalismo estratégico promoviendo una integración profunda(mente) económica. Así, también, verificamos que mismo teniendo la liberalización comercial como su principal objetivo, los países de la AP todavía no lograron intensificar el relacionamiento comercial intrabloque, y la visión de economía neoliberal que predomina en la orientación de las políticas exteriores de Chile, Colombia, México y Perú no fue capaz de reducir las brechas sociales, cuando comparamos con los países de la Alba-TCP. Así, concluimos que el modelo de integración promovido por la Alba-TCP, por no considerar solamente el aspecto económico, sirve a los intereses de los pueblos y promueve menos presencia de EE.UU en sus países, debido a la pobreza y exclusión que generaron las políticas económicas dictadas durante el Consenso de Washington; en contrapartida, la AP es un retorno a la agenda neoliberal, que no logró concretizarse a través del fallido modelo de la Alca, privilegiando los intereses de las transnacionales. Por último, es importante considerar que en el ámbito de la integración se debe considerar la diversidad y aprender a convivir con modelos distintos, buscando siempre una posible convergencia. Para esto, la AP tiene como opción recurrir el camino del Mercosur, el cual también surgió moldado en el programa neoliberal, pero que posteriormente, se aleja de la lógica integracionista meramente económica, para así servir de eje de convergencia entre el Pacífico y Nuestra América.

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RESUMO

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Resumo

A projeção do Brasil ante seus vizinhos: a Unasul é a alternativa? Arthur Felipe Murta Rocha Soares

N

os últimos anos, o Brasil buscou recuperar seu poder de atuação global a partir do reforço da ideia de país do Sul, emergente e nação sul-americana, delimitando assim seus espaços prioritários de ação. Dentre os eixos estratégicos de ação do Brasil internacionalmente, destacase o eixo regional, voltado para a América do Sul, que visa aumentar sua projeção e presença ante seus vizinhos. Esse artigo objetiva analisar a presença regional brasileira a partir do marco temporal da criação da Unasul em 2008. Desde então, o continente sul-americano passou por diversos processos de instabilidade política levando a crises regionais. O Brasil, que tem como princípio-base de política externa a não ingerência em assuntos internos de outros países, passou a buscar mediar crises por meio do espaço aberto pela Unasul, dentre elas: a crise separatista do Pando na Bolívia (2008), a crise que levou ao rompimento diplomático entre Colômbia e Venezuela (2010) e a crise desencadeada no Paraguai a partir da destituição sumária do seu ex-presidente Fernando Lugo (2012). Trata-se de um levantamento bibliográfico, apoiado na leitura de notícias e de editoriais relativos às posturas brasileiras durante as crises ocorridas no período 2008-2012. Para o Brasil, a união sul-americana surgiu como um fórum que possibilitaria uma maior inserção regional, mas, sete anos após sua criação, não há indícios claros que corroborem essa ideia. Ressalta-se, por fim, que todas as atuações supracitadas reforçam o interesse brasileiro em conquistar uma posição de relevo no meio internacional e uma participação mais ativa na agenda multilateral, aprofundando sua participação em ações de cooperação, bem como na promoção da democracia e no estabelecimento de uma governança global.

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V

Desafios teóricos para a Integração Regional

ARTIGOS

Mercosul, Unasul e Celac: trajetórias e reflexões na perspectiva brasileira Glauber Cardoso Carvalho1 Leonardo Granato2 Introdução

O

começo do século XXI para a América do Sul pode ser analisado a partir das transformações políticas e econômicas implementadas por novos governos que subiram ao poder contrários ao processo herdado da década de noventa. Os então recém-eleitos

presidentes e suas pretensões de renovada atenção às demandas de seus povos por justiça e redução das assimetrias sociais, com batalha contra a fome, a pobreza e a miséria, também possuíam discursos críticos sobre como percebiam as relações internacionais de seus países e da região. Consideramos que houve entre 2004 e 2014 uma grande convergência em termos de ideias sobre integração regional no nível dos governos. Como explica Sarti (2011a, p. 184), a natureza intergovernamental propiciou “uma dinâmica ágil entre os Estados, e, nessa década [2000], promoveu o diálogo como ferramenta fundamental da democracia no continente”. O Brasil, por seu peso histórico, institucional, geográfico e financeiro, foi um dos países que conseguiu por meio de eleições emblemáticas, que alçaram primeiro a um ex-metalúrgico e sindicalista e depois a primeira mulher ao poder do executivo, canalizar a insatisfação das camadas empobrecidas e associá-la aos novos desejos de consumo das camadas médias, originando uma ampla base de apoio. A herança que Lula recebeu dos governos anteriores foi baseada na estabilidade interna do Real, com êxito no que se prometeu para conter a inflação, mas na instabilidade macroeconômica e vulnerabilidade internacional. Também recebeu problemas arraigados à estratificação social como camadas de famintos e uma pobreza endógena. O crescimento do trabalho informal nas grandes capitais e nas cidades médias, ainda guardava sombras de relações senhoriais. O analfabetismo, as condições sanitárias e de higiene mantinham alguns milhares inamovíveis em seu estado de abandono. Em termos de política externa, o Brasil era visto como um grande país pobre. Bem recebido, mas subordinado à sua própria falta de desenvolvimento. Abalado com crises monetárias/cambiais de todos os países do mundo, possuía juros desmedidos para pagar dívidas contraídas para a realização de ajustes pré-determinados pelos financiadores internacionais. Na esfera da sua ação externa, o país realizou, nos 1 Doutorando e

mestre em Economia Política Internacional pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). Graduado em Relações Internacionais com especializações em Comércio Exterior e Análise Internacional. Atualmente é secretário do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco, um dos coordenadores do Blog Diálogos Internacionais e coordenador executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento - CICEF. E-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto da Escola de Administração-EA da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS (RS). Possui graduação em Direito pela Universidad de Belgrano, Argentina, e mestrado em Direito da Integração Econômica pela Universidad del Salvador, Argentina, e pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, França. É doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). E-mail: [email protected]

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anos 80, uma importante aproximação com a Argentina, que simbolizou o início de uma caminhada juntos, a partir de laços de confiança mútua. Sob a ótica do regionalismo aberto, o Brasil tentou, contudo, no contexto de liberalização da década de 90, realizar um processo de integração comercial com os países da região, tão empobrecidos e assimétricos quanto o interior do próprio país. Embora tenham sido estabelecidas metas de crescimento conjunto, as crises internacionais ajudaram a tornar o novo processo de integração do Mercosul mais “lento e gradual” do que previram seus realizadores.. Teve grande sucesso inicial ao convergir e aumentar a troca comercial intrabloco, mas deteve-se diante de problemas internos e internacionais. Os Estados Unidos, como potência hegemônica controladora das finanças, armas, regimes internacionais, foi influenciado, depois do fim da Guerra Fria até os atentados de 2001, por uma possível perda de controle da sua periferia imediata, pela ascensão de outras potências, como se configurava a União Europeia e a China, e lançou mão da proposta de unir o continente americano, do Alasca à Terra do Fogo, em um grande mercado. A Área de Livre Comércio das Américas (Alca) propunha uma ampla liberalização, de patentes à agricultura, assim como um bloco de preferências automáticas de tributação às compras governamentais, a partir do Consenso de Washington. Para Bandeira (2002) tratava-se do fim do controle de cada Estado de sua economia: [...] o receituário, celebrizado como o Washington Consensus, resumia-se na recomendação de que o Estado se retirasse da economia, quer como empresário quer como regulador das transações domésticas e internacionais, a fim de que toda a América Latina se submetesse às forças do mercado, o que viabilizaria ulteriormente a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), do Canadá à Terra do Fogo, tal como proposta pelo Presidente George Bush, com o lançamento em l990 de The Enterprise for the Americas Initiative.

Esse cenário alcançou a virada do século, mas não se sustentou diante de um novo debate político/partidário/ideológico de 2002. Levando em conta que durante quatro eleições o Partido dos Trabalhadores (PT) havia tentado e não conseguido fazer valer seu plano de revitalização da autonomia brasileira, há que se perceber que o “medo” difundido pela direita, naquele momento foi menor do que os problemas que causara os anos de governos liberais cuja base de apoio foi a elite. Assumindo a confiança também do mercado internacional, assim como do grande empresariado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) se comprometeu a não inverter a lógica ortodoxa das suas finanças, o presidente foi eleito para um primeiro mandato com um discurso contundente sobre relações internacionais do país: A grande prioridade da política externa durante o meu Governo será a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social. [...] Apoiaremos os arranjos institucionais necessários, para que possa florescer uma verdadeira identidade do Mercosul e da América do Sul. Vários dos nossos vizinhos vivem, hoje, situações difíceis. [...] Sim, temos uma mensagem a dar ao mundo: temos de colocar nosso projeto nacional democraticamente em diálogo aberto como as demais nações do planeta, porque nós somos o novo, somos a novidade de uma civilização que se desenhou sem temor, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 280 porque se desenhou no corpo, na alma e no coração do povo, muitas vezes, à revelia das elites, das instituições e até mesmo do Estado. (SILVA, 2003)

Chamando como Chanceler o Embaixador Celso Amorim, como Assessor o professor Marco Aurélio Garcia, e como Secretário do Itamaraty, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o presidente, popular e carismático, denunciou a fome e pobreza e determinou apoio monetário para sanar as necessidades imediatas das famílias. Dentre as muitas iniciativas destacam-se a Cúpula contra a Pobreza e a Fome, em demonstração de atenção aos índices e as metas estabelecidas na Cúpula do Milênio, os chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a consolidação do Grupo dos 4 (G-4), um grupo formado pelo Brasil, Alemanha, Índia e Japão para atuarem juntos na proposta de aumentar a representatividade do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU).Da mesma forma, o auxílio aos países com menor desenvolvimento no campo econômico e social e as questões da manutenção da paz internacional, levou a um crescente envolvimento nas operações de paz da ONU, além de participações na prevenção de conflitos e o comando da força de paz no Haiti – Minustah. (AMORIM, 2005, p. 24) O segundo mandato do presidente Lula foi marcado pelo estouro da crise imobiliária nos Estados Unidos e da sua irradiação para o mundo. Os impactos imediatos no Brasil foram amenizados por políticas de incentivo ao consumo, de valorização real dos salários e de estímulo à produção. Sua sucessora, do mesmo partido, Dilma Rousseff, teve que lidar com o cenário deteriorado pela conjuntura de crise, que está perdurando além do que foi imaginado. Associado à desarticulação política, aos processos de investigação da oposição, e mesmo ao descontentamento das classes que atingiram níveis superiores de renda, os efeitos sociais internos da coalizão no poder estão enfraquecendo as iniciativas presidenciais. A falta de argumentação frente à ajustes recessivos e ao aumento da inflação não tem colaborado para o quadro que foi desenhado nos primeiros anos do PT no comando da federação. Com essa perspectiva, a nossa análise poderia caminhar para conceber como distinta a atuação dos dois executivos diante das propostas de integração. Contudo, baseando-se na falta de espaço para o desenvolvimento do tema, destacaremos as histórias dos processos de institucionalidade da integração regional, momento no qual salientamos, desde já, que houve um fomento da aproximação entre os países da região. Estre trabalho se desenvolve, assim, em três partes para dar conta brevemente da temática proposta. Na primeira parte veremos o Mercosul, sua história que podemos traçar como antecedentes do processo do novo século. Na segunda, abordaremos o perfil da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e sua originalidade ao se configurar como foro político e de defesa, e ao aglutinar temas transversais e aproximar países com distintas matrizes de desenvolvimento em torno da integração. Por último, discutiremos o surgimento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), recém-formada, mas que aponta para novas possibilidades de discussão fora das imposições da potência hegemônica continental. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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O Mercosul como a base econômica-comercial: antecedentes da integração O Tratado de Assunção, que criou a organização, foi assinado em 26 de março de 1991, com expectativa de estabelecimento em 31 de dezembro de 1994. Conforme seu texto, os países consideravam que a ampliação da dimensão dos mercados nacionais seria condição para a aceleração do desenvolvimento econômico com justiça social. A integração tanto ajudava nessa ampliação, quanto era instrumento para a busca por uma inserção internacional mais adequada, além de ser resposta à evolução dos acontecimentos internacionais, mais precisamente a formação de espaços econômicos. (MERCOSUL, 1991) O Mercosul derivou de uma aproximação política do eixo Brasil-Argentina. As medidas de confianças que se fortaleceram com as retomadas democráticas da região, culminaram na aproximação também de Paraguai e Uruguai. No período inicial de evolução do Mercosul manteve-se a controvérsia acerca da capacidade do Brasil em assumir as responsabilidades perante o processo que foi desencadeado; muito embora, como explica Vizentini (2006, p. 218), seja neste mesmo período que “o Brasil passa a ter uma posição mais assertiva na região, conseguindo instrumentalizar seu papel de liderança regional”. Distinguimos dois momentos iniciais do bloco. Primeiro, que os formuladores do acordo do Mercosul levaram em conta que a integração comercial e produtiva seria o pilar capaz de gerar o desenvolvimento econômico, dentro da percepção de que a evolução do cenário leva em direção à formação de grandes blocos econômicos. A importância desse projeto está na capacidade renovada de inserção a partir de uma nova configuração, ao mesmo tempo em que foram refletidos os velhos desejos de integração de toda a América Latina. A segunda visão era marcada pelo espírito comercialista, que não criou de imediato o mercado comum, e buscou definir a forma e os objetivos do processo de integração, prevendo um cronograma de liberalização comercial e reduções tarifárias, que atingisse a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos; a efetivação de uma tarifa externa comum, e a adoção de uma política comercial comum e posicionamentos únicos frente a terceiros e em foros econômicos e comerciais, chegando à harmonização das políticas macroeconômicas e setoriais e das legislações nas áreas de interesse. É importante salientar que este processo associativo não guarda relação com o processo europeu de cessão de soberania a nenhum órgão supranacional, mantendo-se o intergovernamentalismo marcado pelos processos de ‘regionalismo aberto’ incentivados pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal). A despeito dessa visão, o bloco logrou avanços em muitas outras áreas além da comercial, desde o início ele foi um modelo híbrido, careceu de uma agenda de integração profunda e despertou para o estabelecimento de uma sólida dimensão social e redistributiva. (BRICEÑO RUIZ, 2010) As definições institucionais do bloco têm como base normativa o Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994 (MERCOSUL, 1994). A evolução do bloco do Cone Sul passou muitas outras XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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rodadas de negociação, quando foram assinados protocolos adicionais como o de Ushuaia, sobre o compromisso democrático, em 1998, ou o de Olivos, para solução de Controvérsias, em 2002, que renovou o de Brasília feito em dezembro de 1991. Foi também atingida a concretização da Tarifa Externa Comum, em 1995, – ainda que imperfeita no que tange as muitas possibilidades de exceção apresentadas. O bloco alcançou um profundo processo de troca de informações e de consultas que se consubstanciam nas subdivisões e foros não decisórios, que conseguiram sustentar o processo integracionista dentro do Cone Sul.3Dentre outros avanços, podemos destacar o aumento imediato do fluxo de comércio intrabloco (Gráfico 1 – variável exportação), com ritmo mais acentuado para o Brasil e Argentina, após a assinatura dos acordos iniciais em 1991, que durou até a chegada da crise econômica que se instaurou na região ao final do século XX. Percebemos ainda a profunda assimetria no que tange ao volume de exportações ao bloco, entre os dois países eixo, Brasil e Argentina, e o Paraguai e o Uruguai.

Os gráficos 2 e 3, apresentam a participação das exportações e importações de cada país para o bloco, no montante do comércio total com o mundo. Percebemos que para o Paraguai e Uruguai o comércio com o Mercosul representa relevante fatia do seu comércio total, enquanto para o Brasil e Argentina a porcentagem de participação ainda é bem menor.

A estrutura completa do Mercosul pode ser v/273/1/secretaria/estructura_institucional_del_mercosur 3

consultada

em:

http://www.mercosur.int/innovaportal/

XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 283 Gráfico 2: Participação das exportações

Gráfico 3: Participação das importações

dentro do Mercosul no montante das

dentro do Mercosul no montante das

exportações para mundo. (%)

importações para mundo (%)

100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

100 80 60 40

Argentina

Brasil

Paraguai

Uruguai

0

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

20

Argentina

Brasil

Paraguai

Uruguai

Fonte: Elaboração dos autores. UNCTAD Statistic.

Podemos destacar ainda a entrada da Venezuela, da Bolívia e as adesões de Chile, Peru, Equador e Colômbia como Estados associados; o processo de entrada da Venezuela no bloco como membro pleno; a manutenção de uma estrutura eficaz em resposta ao projeto da Alca; a formação de uma Zona de Paz e Segurança; os acordos na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) que geraram uma aproximação com os membros da Comunidade Andina (CAN), a formação do Mercosul Social, Mercosul Educacional, do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos e do Parlamento do Mercosul, dentre outras instâncias institucionais. Guimarães (2006, p. 78) destaca que, a despeito do fomento político e econômico da integração do Cone Sul, o Mercosul tem na fraqueza de seus membros o seu próprio motivo de fraqueza. Nas relações comerciais, fatores internos, como o dinamismo econômico e custos de produção, e fatores externos, como próprio dinamismo do comércio com o resto do mundo se refletem nos aumentos e nas quedas dos resultados. A crítica ao profundo intergovernamentalismo serve para destacarmos um dos problemas da dificuldade de aplicação de um projeto de Estado, que transcenda o limite de um período presidencial e se configure como planejamento estratégico. Embora seja possível entender que as burocracias especializadas, sobretudo a do Itamaraty, tiveram uma enorme capacidade de levar adiante os projetos regionais na nossa experiência de integração. Deve-se a elas a tentativa de transição capaz de amenizar problemas nesses períodos. O avanço, porém, é sentido e capitaneado politicamente pelos interesses e disposições dos executivos, mais especificamente das presidências do momento. Nota-se, também, que o sistema de tomada de decisões por consenso tem a capacidade de bloquear avanços no que diz respeito ao processo de negociações, como foi visto com o pleito da XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Venezuela, cuja solicitação que devia receber aprovação de todos os parlamentos dos Estados membros ficou parada por longo tempo no Paraguai. A crítica segue ainda no que tange à aplicação interna das normas emanadas dos órgãos do Mercosul, que necessitam serem aprovadas pelos processos internos de cada país, de acordo com seus princípios de incorporação de normas externas. No caso do Brasil esse processo requer um longo tempo dado a letargia dos parlamentares em qualquer discussão e as múltiplas aprovações de que são necessárias para a posterior assinatura presidencial. A Unasul política: um processo fruto das transformações do século XXI Uma proposta de união de todos os países sul-americanos precisou das transformações de cunho político, econômico e social que se expressaram de modo particular no continente, no século XXI. Duas percepções são claras nesse sentido: a primeira é a mudança da ênfase inicial dos governos progressistas da região em não considerar a América Latina como o primeiro mote de aproximação. As razões são evidentes, haja vista a proximidade e dependência política, econômica e comercial dos países da América Central e do México com os Estados Unidos. A segunda, é a tônica da autonomia política que foi renovada pelos presidentes da região, ainda que com diferentes formas de entendimento da temática. Segundo Bandeira (2010a), o enfoque na América do Sul dado pelo Brasil neste século resgata um conceito geopolítico que busca diferenciar-se da América do Norte. Como esclarece Simões (2011, p. 25), a incontornável “realidade da geografia” tende a impor à diplomacia essa necessidade de lidar com o próximo. Nesse sentido, para o diplomata, o cenário regional renovado que encontrará o século XXI, ao enfatizar a América do Sul não pressupõe qualquer rivalidade com o conceito de América Latina. Quando nossa política externa busca consolidar uma América do Sul integrada, não está em absoluto abandonando o objetivo de uma América Latina unida, nem subestimando o potencial para o incremento da cooperação e a unidade entre a América Latina e o Caribe. Na verdade, está apenas aproveitando oportunidades concretas de integração que se apresentam até́ mesmo em função da condição geográfica. (SIMÕES, 2011, p. 46)

É necessário destacar que os projetos de integração regional na América do Sul do período anterior aos anos 2000 estavam imbuídos de um espírito econômico, a partir da integração dos mercados. O fomento dos projetos de desenvolvimento nacional e das capacidades industriais, a partir do modelo de substituição de importações, preconizava ainda a estratégia de atuação direta do Estado nacional. Esse modelo e os projetos de integração foram seguidamente esvaziados pelos obstáculos estruturais das próprias economias, pela falta de complementaridade entre os mercados, somadas as crises internacionais da década de 70, o endividamento crescente dos países e as discordâncias em torno do projeto de integração, entre as visões que defendiam o livre-comércio e as que almejavam uma integração mais profunda, com bases políticas. Nas políticas externas, os ensejos de autonomia em relação ao centro hegemônico do sistema eram esporádicos, em conjunturas específicas, e resultaram tímidos na prática. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Depois da virada do século, a retomada de projetos voltados para o desenvolvimento das sociedades sul-americanas por governos afeitos ao tema, especialmente no Cone Sul, fez ressoar a atenção ao interesse nacional e a promoção de uma inserção internacional autônoma e responsável. O eixo da integração do Cone Sul, formado por Brasil e Argentina, passou a ter um incremento adicional com a subida ao poder de Néstor Kirchner, também em 2003 no mesmo ano que Lula. As campanhas, que retomavam um projeto de desenvolvimento autônomo, foram seguidas da assinatura do Consenso de Buenos Aires, que indicava um rumo comum de análise e perspectivas para ambos os países, sobressaindo a coincidência em termos de objetivos e metas da integração (GRANATO, 2015). A despeito dos muitos opositores nacionais e internacionais, o Consenso se mostrou como um fator de coesão que logrou rapidamente aproximar ainda mais os países sul-americanos em um projeto regional autônomo. No campo econômico, em 2004, foi concluída a formação de uma área de livre comércio entre Mercosul e Colômbia, Equador e Venezuela.4 Gonçalves (2011, p. 138) explica o momento como uma virada de página na história da América do Sul. Se na década de 1990 o consenso vigente pregava um tipo de projeto de prosperidade, a realidade dos resultados se mostrou diferente. Em toda a parte, assistiu-se à ampliação das desigualdades sociais e o empobrecimento das camadas situadas na base da pirâmide social. Desemprego, redução dos níveis salariais e precarização das condições de trabalho constituíram os efeitos mais conspícuos da reestruturação dos mercados.

Assim, o grande foco de políticas nacionais de cunho autonomista tem sido como atuar e modificar a atual estrutura internacional mantida “desde cima”. A inserção internacional conjunta tende a estimular as fórmulas regionais que resguardem sua independência econômica e assegurem as vantagens competitivas. Os países da região, em sua maioria, não conseguiram superar, entretanto, o lugar de exportador de matérias-primas e a reduzida capacidade estatal de promover um desenvolvimento inclusivo. Incentivados pelo aumento nos preços das commodities na primeira década do novo século, não conseguiram formar um sistema integrado e competitivo de Estados nacionais. Ao mesmo tempo, esse crescimento foi acompanhado de um processo de revisão do desenvolvimento regional por meio da subida democrática ao poder de mandatários cujos programas de governo se baseavam na melhoria geral de suas sociedades, tendo como um dos instrumentos para tal fim, a realização de uma política externa condizente e altiva. É esse o contexto que encontrou eco favorável para uma proposta de alavancar a integração na região, com a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), na III Reunião de Cúpula dos Presidentes Sul-Americanos, em 8 de dezembro de 2004, pela Declaração de Cuzco, como parte dessa intensa articulação diplomática em plena conjuntura da transformação.

4 Referências

às datas são encontradas em GARCIA, 2005 e FUNAG, 2007.

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O desejo de fortalecimento do diálogo político se combinou com as análises que davam conta da necessidade do fomento de uma integração real na esfera produtiva e na infraestrutura. Sua evolução foi gradual e em 2005, durante a I Reunião de Chefes de Estado da Casa, foi destacada a convergência dos processos de integração vigentes e apontada a infraestrutura como ponto chave, apoiada nas iniciativas que já existiam. Foi formulada também uma agenda prioritária e um plano de ação em 7 áreas: (1) diálogo político (2) integração física (3) meio ambiente (4) integração energética (5) mecanismos financeiros (6) promoção da coesão social, da inclusão social e da justiça social (7) telecomunicações. (CASA, 2005) No ano seguinte, em dezembro de 2006, em Cochabamba, na Bolívia, durante a II Cúpula da Casa, os Chefes de Estado, seguindo o relatório da comissão de reflexão, criada no ano anterior, estabeleceram um modelo de integração condizente com o aperfeiçoamento institucional. Esse modelo apresenta os seguintes pontos de inflexão (CASA, 2006): 

Solidariedade e cooperação para uma maior equidade regional;



Soberania e respeito a integridade territorial e autodeterminação dos povos;



Paz e resolução pacífica de controvérsias;



Democracia e pluralismo;



A universalidade, interdependência e indivisibilidade dos diretos humanos;



Desenvolvimento sustentável.

Diante do reconhecimento da necessidade de aprofundamento do processo regional, em abril de 2007, na reunião extraordinária na Ilha Margarita, na Venezuela, os Chefes de Estado decidem mudar o nome da Comunidade para União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Assinado em 23 de maio de 2008, o Tratado Constitutivo da Unasul (com entrada em vigor apenas em 11 de março de 2011) foi assinado pelos doze países da América do Sul, com suas Chefas e Chefes de Estado e Governo confiantes de que a integração contribuiria, ainda que o principal esforço seja de caráter nacional dentro das fronteiras de cada país, com o desenvolvimento sustentável e o bem-estar de seus povos. No campo das relações internacionais da região, ressaltaram o multilateralismo assim como a vontade de consolidar um mundo multipolar, equilibrado e justo, permeado da igualdade soberana e paz. A Unasul foi fundada sobre os seguintes princípios: irrestrito respeito à soberania, integridade e inviolabilidade territorial dos Estados; autodeterminação dos povos; solidariedade; cooperação; paz; democracia, participação cidadã e pluralismo; direitos humanos universais, indivisíveis e interdependentes; redução das assimetrias; Harmonia com a natureza para um desenvolvimento sustentável. Seu caminho segue os avanços já alcançados em torno do processo regional, com menção ao Mercosul e à CAN, e tal como estes, estabelece que a implementação da Unasul deverá ser flexível e

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gradual, ou seja, que cada membro deve agir de acordo com sua realidade na consecução dos objetivos do tratado. A organização concebida e dotada desde o início com personalidade jurídica internacional e em seu objetivo geral está descrito em poucas linhas no artigo 2, onde foi usado o termo construção, o que revela a ausência de pressuposição de arranjos prévios na implementação de um espaço de integração: A União de Nações Sul-Americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independência dos Estados. (UNASUL, 2008)

A Unasul congregou a capacidade de valorização do multilateralismo e na atuação em frentes diversificadas. Mais do que isso, ao acrescentar a autonomia, o organismo sul-americano deixou claro sua opção pela redução da sua vulnerabilidade histórica a partir da identificação dos interesses e dificuldades comuns a serem concatenados em um projeto de fortalecimento do desenvolvimento regional que tende a agir no âmbito político de forma acentuado, retirando as arestas internas para a gestação de um projeto de relacionamento de longo prazo. A formatação heterodoxa da Unasul em conselhos distintos, com temáticas transversais, com nivelação ministerial, não diplomática, apresenta-se com uma característica distintiva e com capacidade de amadurecimento e enraizamento. Certamente, a absorção das idas e vindas do Mercosul e da CAN é o ponto culminante para a Unasul. Guimarães (2012), quando descreve em Relatório ao Conselho de Ministros do Mercosul o processo político necessário para a integração da região, explica que ele começa com o reconhecimento da importância de gerar conhecimento dos setores produtivos em cada país, passa pela tentativa de harmonização da legislação, segue para prática de programas comuns, para a necessária troca de informações sobre experiências e culmina no apoio à efetivação desses projetos e políticas em cada país. Para o referido Embaixador, mesmo assumindo a importância política, a Unasul não se configurará como bloco econômico completo por causa do Chile, da Colômbia e do Peru, que possuem estratégias nacionais de inserção internacional que “dificultam e até impossibilitam a construção de políticas regionais de promoção do desenvolvimento”. Dessa forma, conclui que no cenário econômico, a expansão do Mercosul para incorporação do Equador, Bolívia, Suriname e Guiana, reconhecido o aumento das assimetrias, é condição necessária para o fortalecimento de toda a região. Portanto, a originalidade e diferença da Unasul se baseiam, conforme estamos discutindo neste trabalho, na capacidade de construção de diálogo entre países que adotam diferentes estratégias econômicas; na ampliação da agenda do desenvolvimento, desfocando o lado comercial, embora fique patente que incremento em termos energéticos, de infraestrutura em geral, em questões sanitárias, ou XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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mesmo científica e tecnológica, se bem favoreçam a melhoria do bem-estar dos povos, beneficiam ainda mais as trocas comerciais. Destaca-se ainda a incorporação da autonomia regional em termos de decisão sobre o futuro comum sem o crivo de potências externas; a diminuição e encaminhamento para extinção de contendas históricas; a atenção aos temas transversais na abordagem do conjunto dos doze países; a realização de fato de um poder periférico que dialogue e se comprometa dentro das possibilidades para a manutenção da paz, se iniciando pelo próprio território e culminando na transformação, em outros foros, da ordem pré-estabelecida a partir da convicção do fortalecimento do eixo Sul-Sul; e, sobretudo, pela identificação e conhecimento recíprocos entre os povos sul-americanos, sem exclusão do resto do resto do continente, nem em oposição ao resto do mundo. A Celac como foro para ampliação do debate político da integração Parte do que se convencionou em chamar de “diplomacia das cúpulas”, o Grupo do Rio foi um mecanismo permanente de consulta entre a América Latina e Caribe, criado em 1986. Assim, também, a Cúpulas da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc) surgiu a partir de uma convocação brasileira, em 2008, no contexto de uma integração ampliada para a América Latina. Os diversos grupos então formados levados por diferentes motivações decidiram sistematizar o processo de aproximação e fortalecer os temas de interesse comum. Foi a partir dos esforços do Grupo do Rio e das Calc, que se formou a Celac em fevereiro de 2010, na reunião que se chamou de “Cúpula da Unidade”, na Riviera Maya, no México, como um espaço comum para debate e consulta, para “consolidar y proyectar, a nivel global, mediante la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños la identidad latinoamericana y caribeña” (GRUPO DO RIO, 2010). Incorporando os avanços de ambos os grupos, a Celac, a despeito da originalidade da congregação dos Estados latino-americanos sem a presença de Estados Unidos e Canadá, se formou como um foro de reafirmação política. Não possui uma intenção de integração de fato, mas pretende ser uma voz unida em torno de temas importantes, parte da crescente percepção de interdependência da região. Possui um esquema decisório semelhante à Unasul, mas inclui a figura de uma Troika, com representação dos presidentes pro tempore atual, anterior e posterior, ao que foi incluído, durante a I Cúpula, em 2013, o presidente pro tempore da Comunidade do Caribe (Caricom), no que se tornou, então, a Troika ampliada. (CELAC, 2013) Segundo Aravena (2012), o organismo faz parte de uma dupla proposição de Brasil e de México. Este último, afastado por seu crescente enlace com o vizinho do Norte, teria se encaminhado ao Sul para resgatar ou defender, no campo político, um projeto soberano. Ao Brasil interessaria a projeção de uma liderança ampliada da sub-região, da qual a Unasul e o Mercosul se complementariam. O autor parte da concepção de que há um desenvolvimento acelerado do multilateralismo cooperativo, no qual se estimula XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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um forte componente político associado a uma indicação mais clara de formação identitária entre os povos. No entendimento de Figueroa (2012, p. 135), a Celac passa pela conjugação dos esforços para “enfrentar los efectos recesivos y outras restricciones externas, em médio de mayores complejidades e incertidumbres, derivadas de la actual crisis sistémica global”. Concordam os analistas que o novo órgão regional não substitui, por exemplo, a Organização dos Estados Americanos (OEA), dado o aspecto hemisférico desta, e tampouco abafa os processos sub-regionais como a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América - Tratado de Comércio dos Povos (Alba-TCP) ou a Unasul, que se desenvolveriam em seus projetos específicos no sentido a fortalecerem o organismo ampliado. Dentre os desafios à organização estão: a eficiência do processo decisório, a determinação de uma agenda real de trabalho – determinada pelas diferentes reuniões de grupos de trabalho – e a consolidação da visão de unidade para com países ou grupos externos. Há uma discordância em termos de perspectiva temporal para sua consolidação. Enquanto Figueroa não percebe a probabilidade de no curto prazo se formarem consensos em torno de ações estratégicas, sobretudo no que tange a mobilização de recursos e aproximação cidadã, Aravena acredita que já nas próximas cúpulas agendadas os países serão capazes de impulsionar esse esquema cooperativo de forma a efetivar seu fortalecimento. A Unasul, a Alba-TCP, a Aliança do Pacífico, o Caricom e as iniciativas sul e centro-americanas têm a capacidade de unificarem suas vozes no foro da Celac, estabelecendo, como foi desejo dos primeiros idealizadores da integração dos povos da região, que as relações com terceiros sejam feitas pela unanimidade latino-americana. Portanto, fica claro que é uma iniciativa importante e capaz de trazer a ampliação do diálogo, sobretudo o político. O benefício é ter mais um lugar no qual seja possível desenvolver um frutuoso debate sobre desenvolvimento conjunto e, como a chancelaria do Brasil (BRASIL, sd) descreve, esse novo mecanismo também facilitará a conformação de uma identidade própria regional. Claro que se é difícil o estabelecimento de uma identidade entre nossa região imediata, tanto mais difícil será traçar essa identidade com a disparidade dos países caribenhos. A dificuldade da realização não desabona sua intenção. Considerações finais: integração e autonomia com um olhar geopolítico Pela descrição histórica das iniciativas, foi possível perceber que a diplomacia para a região conseguiu restabelecer a confiança internacional em um projeto próprio da América do Sul, congregando um perfil negociador e gestor de um novo olhar para a integração. Assim, levando em conta as diversidades de cada Estado e as assimetrias geopolíticas do continente, o caminho tomado pela maioria dos países da região, como explica Sarti (2011b, p. 307), foi traçado de uma forma comum, pelo estímulo nacional que privilegiou as políticas de inclusão social, além de manter “a meta da autonomia no cenário XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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internacional impulsionada pela dupla estratégia de formação do bloco regional e aproximação a outros países emergentes de Ásia e África”. A Unasul apresenta, dessa forma, um forte componente político e sobressalta seu conteúdo geopolítico, ao aliar a não intervenção em assuntos internos à defesa soberana dos recursos naturais, dos espaços terrestres, aéreo e marítimo. Essa feição, por exemplo, não esteve presente nas formas anteriores de integração na região, baseadas na economia por meio do comércio, ou baseadas na solidariedade hemisférica e tutela militar norte-americana. Esse traço distinguiu a formação atual e tende a respaldar os países, que teriam garantidas, aqui, as proteções necessárias no caso de uma eventualidade. Para Darc Costa (2011), o plano maior na integração da América do Sul é o desenvolvimento do conjunto. Ele entende também para alcançar tal objetivo a energia é um ponto principal no cálculo estratégico. Compõe esse quadro a infraestrutura regional relacionada à sua transformação e distribuição de forma a auxiliar o incremento produtivo dos países e, consequentemente da região. Por sua vez, a característica da América do Sul é a ausência de uma disputa pela hegemonia regional, mantida pelo baixo perfil bélico, cujos confrontos estiveram ligados a fronteira ou controle de recursos específicos, associado a relações que tenderam a gestação histórica de um equilíbrio de poder regional. Para Fiori, Padula e Vater (2013), entendidas a diversificada geografia e a geopolítica da região, é necessário ter em mente três questões que estão se tornando mais importantes a cada dia: [...] (1) a crescente aproximação entre os países da região, (2) a crescente valorização do Atlântico Sul, como espaço dotado de recursos estratégicos e como rota comercial, (3) a crescente importância global e regional da Bacia do Pacífico, como espaço mais dinâmico na economia global, devido aos crescentes fluxos de comércio, investimentos e acordos internacionais originados e ligados às economias da Ásia.

A composição geográfica, étnica, cultural, linguística, agrícola, industrial, sua reserva de água doce, os recursos minerais, o acesso aos oceanos tenciona a uma capacidade de gestação conjunta não apenas de um espaço econômico autônomo, “mas também um espaço geopolítico, opondo-se ao esforço dos Estados Unidos no sentido de promover uma integração subordinada da América do Sul ao seu próprio espaço econômico”. (BANDEIRA, 2010b, p. 149) Seguem-se, nesse sentido, a visão de que a integração congrega outros termos do que os apenas comerciais, ou que é possível, em meio a impasses, avançar por caminhos outros. Tem-se, assim, as iniciativas propostas de integração física de transportes e comunicações, esperando-se ainda um salto na integração produtiva na América do Sul, a começar pela integração energética; questões de defesa com os debates acerca do aprofundamento da transparência e de consultas mútuas sobre a matéria; a garantia de participação da sociedade civil; a efetivação de mecanismos financiadores capazes de cumprir os objetivos propostos pela instituição, que passa pela estrutura do Banco do Sul, mas vai além, com o robustecimento conjunto de cada economia para enfrentamento de crises; a promoção da identificação das sociedades, do conhecimento e da convergência de interesses, expressos, por exemplo, na ação brasileira de criação da Universidade da Integração Latino-Americana (Unila), demonstrando a XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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conscientização crescente da necessidade de um desenvolvimento regional conjunto, e, claro, um núcleo de fortalecimento e aumento do comércio intrarregional centrado na experiência dos mais de 40 anos de idas e vindas da atual Comunidade Andina e nos mais de 20 anos do Mercado Comum do Sul.

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Integración latinoamericana: desafíos desde la teoría marxista de la dependencia Angela Garofali Patrón1 Introducción

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a teoría marxista de la dependencia (TMD) surge a mediados de la década de 1960, en un contexto histórico y teórico particular. El contexto histórico se apoya en tres pilares: el triunfo de la Revolución Cubana en 1959, los primeros síntomas de crisis en América Latina y la

dictadura militar brasileña en 1964. El teórico, estaría enmarcado en el debate de la CEPAL, así como en el de los partidos comunistas. Este cuadro histórico y teórico se constituiría como un estímulo para militantes e intelectuales de izquierda, los cuales se embarcarían en el compromiso de comprender la realidad concreta latinoamericana a modo de proponer salidas políticas que rompan con los lazos de dependencia que caracterizan nuestro continente. La dependencia es entendida, en palabras de Bambirra, como “una situación donde la economía de cierto grupo de países está condicionada por el desarrollo y expansión de otra economía, a la cual se somete aquélla” (BAMBIRRA, 1978, p.33). Ruy Mauro Marini, por su parte, la define como […] una relación de subordinación entre naciones formalmente independientes, en cuyo marco las relaciones de producción de las naciones subordinadas son modificadas o recreadas para asegurar la reproducción ampliada de la dependencia. El fruto de la dependencia no puede ser por ende sino más dependencia, y su liquidación supone necesariamente la supresión de las relaciones de producción que ella involucra (MARINI, 1991).

Si bien los teóricos de la TMD abordan generalmente como categoría de análisis la dependencia, así como las particularidades del capitalismo dependiente latinoamericano, no todos se han dedicado a estudiar la integración. Tal vez la principal bibliografía sobre esta temática esté constituida por la obra de Ruy Mauro Marini, América Latina: dependencia e integración (1992), y por la de Nilson Araújo de Souza, América Latina: las ondas de la integración (2012). En este sentido, este trabajo rescatará tales obras para entender los procesos de integración a partir de sus contradicciones. La hipótesis aquí planteada es que la condición dependiente de nuestras economías inviabilizaría la integración en América Latina. Antecedentes de los procesos de integración Tanto Marini como Souza identifican cuatro momentos dentro del proceso de integración latinoamericana. Entre los que Marini (1992) visualiza, tenemos: i) hispanoamericanismo (años de lucha

Economista, cursando la maestría en Integración Contemporánea de América Latina (PPG-ICAL), en Universidad Federal de la Integración Latinoamericana - UNILA. Contacto: [email protected] 1

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por la independencia); ii) panamericanismo (desde última década del siglo XIX); iii) interamericanismo (post segunda guerra mundial); iv) latinoamericanismo (último tercio del siglo XX). Por su vez, Souza (2012) nos habla de cuatro ondas de integración: [...] a primeira [onda] corresponde ao período que começa com a independência e conclui na grande crise mundial da primeira metade do século XX – de 1914 a 1945; a segunda inicia com as transformações ocorridas na região durante a grande crise e vai até o esgotamento, em fins dos anos de 1960 e começos dos de 1970, do longo período expansivo de pós-guerra; a terceira corresponde ao declínio dessa onda larga de pós-guerra, cobrindo o período que vai da virada da década de 1960 para a de 1970 até o começo da década de 2000; por fim, a quarta e última deflagra-se no início dos anos 2000 e vigora até os dias de hoje (SOUZA, 2012, p.88).

El primer momento de integración estaría caracterizado por la disputa entre Estados Unidos e Inglaterra por la división de América Latina (SOUZA, 2012), y abarcaría el hispanoamericanismo y el panamericanismo identificado por Marini (1992). Es decir, es un periodo que va desde los procesos de independencia hasta la segunda guerra mundial. Este momento expresa la primera contradicción: si bien se caracteriza por la búsqueda de unidad en la América hispana, presenta limitaciones en la integración de las naciones por los propios procesos de independencia. Ese fenómeno es resultado de la configuración de la dependencia de estas economías, subordinadas a la economía mundial y dispuestas a responder a las exigencias de la circulación capitalista de los países industriales (MARINI, 1991; MARINI, 1992). El avance de la presencia política y económica de Estados Unidos en América Latina fue diferenciado geográfica y geopolíticamente: América Central y el Caribe fueron víctimas de la ocupación militar estadounidense, mientras que con América del Sur utilizó acuerdos comerciales, dada la disputa con Inglaterra por la hegemonía en la región. El expansionismo estadounidense se explicaría por el desarrollo capitalista en el país, el cual demandaba nuevos mercados y fuentes de materias primas. No obstante, en América del Sur predominaba la hegemonía inglesa, a tal punto que logró imponer una división internacional del trabajo, colocando a los países dependientes como exportadores de alimentos y materias primas industriales e importadores de sus productos manufacturados (SOUZA, 2012). Uno de los elementos que verifican esa disputa imperialista por la influencia en la región es la llamada Doctrina Monroe, enunciada en 18232. De acuerdo con Marini, “o pan-americanismo renovava os esforços pela integração continental, mas, ao fazêlo sob a égide norte-americana, exibia como característica marcante a intenção dos Estados Unidos de afirmar sua hegemonia na região” (MARINI, 1992, p.119). La propuesta de creación de una unión aduanera durante la primera conferencia panamericana se constituiría como el principal antecedente del Alca (Área de Libre Comercio de las Américas). 2 Según Tereza Spyer Dulci, “essa doutrina consistia em três pontos principais: a não criação de novas colonias nas Américas; a não intervenção europeia nos assuntos internos dos países americanos e a não intervenção dos Estados Unidos em conflitos relacionados aos países europeus (…) Além disso, a Doutrina Monroe representava uma advertência não só à Santa Aliança, como também à própria Grã-Bretanha” (DULCI, 2013, ps.41-42).

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Souza (2012) afirma que, una vez consolidada la dominación externa sobre la región, principalmente por Estados Unidos e Inglaterra, las tentativas de integración serían obstaculizadas. Por lo menos hasta el próximo espasmo integracionista. Llega entonces un segundo momento de integración3, el cual iría desde el periodo entre guerras (1914-1945) hasta finales de la década de 1960 y sería caracterizado por ambos autores por la consolidación del poderío estadounidense sobre la región, proceso que daría como resultado un nuevo bloqueo en las tentativas de integración regional. Este momento se caracteriza por la industrialización llevada a cabo por algunos países latinoamericanos. En el marco de la integración se intenta avanzar en diversos frentes: i) el acuerdo de 1941 promovido por Brasil y Argentina; ii) la creación de la CEPAL en 1948; iii) la creación en 1951 de una experiencia de integración entre los países centroamericanos; iv) el restablecimiento del Pacto ABC en 1952; v) la institución de la ALALC en 1960 (SOUZA, 2012). Cada una de esas tentativas se vio frustrada por la intervención de Estados Unidos, que se impuso primero con su hegemonía políticoideológica y posteriormente con su poderío económico (principalmente con la entrada de empresas transnacionales). En este sentido, Marini coloca que: [...] o interamericanismo -forma renovada do pan-americanismo- implicou o predomínio absoluto dos Estados Unidos, no quadro de uma crescente integração a este país dos aparelhos produtivos das nações latino-americanas, via investimentos diretos de capital e a ação dos mecanismos comerciais e financeiros. Com isso, a contrapartida da hegemonia norte-americana foi a configuração de uma nova forma de dependência, mais complexa e, ao mesmo tempo, mais radical que a que havia prevalecido anteriormente (MARINI, 1992, p.128).

De acuerdo con Marini (1992), hubo dos instancias que prácticamente abrieron la discusión de la integración en América Latina: i) las experiencias europeas -Benelux, la Comunidad del Carbón y del Acero y el Mercado Común-, y ii) los problemas de escala de mercado, resultado del proceso de industrialización en algunos países de la región. De este modo: “a integração visou, pois, a solucionar as dificuldades encontradas pelas burguesias industriais dos países de maior desenvolvimento relativo e a viabilizar os investimentos estrangeiros na indústria – tendo, por isso, o beneplácito dos Estados Unidos” (MARINI, 1992, p.132). Sobre fines de 1960, se inaugura un tercer momento de integración, el cual se extiende hasta comienzos del siglo XXI. De acuerdo con Souza (2012), este momento se caracterizaría por la decadencia de la hegemonía estadounidense, así como por la crisis estructural que ésta provocaría. El proceso que le sigue será dialéctico: por un lado, los países de la región intentarán avanzar en el proceso de integración y cooperación para superar dificultades, y por otro lado, Estados Unidos adoptará una serie de medidas para enfrentar su propia crisis, las cuales mudarán la naturaleza del proceso latinoamericano (SOUZA, 2012). 3 Este momento es el empalme de la segunda onda de integración identificada por Souza (2012) y el interamericanismo identificado por Marini (1992).

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Durante esta tercera onda podemos destacar: i) la constitución del Pacto Andino en 19694; ii) la formación del Sistema Económico Latinoamericano (Sela) en 19755; iii) la transformación de Alalc (Asociación Latinoamericana de Libre Comercio) en Aladi (Asociación Latinoamericana de Integración) en 19806; iv) la formación del Grupo Contadora en 19837; v) la formación del Mercosur en 19918. Entre las medidas impuestas por Estados Unidos a la región, a modo de superar la crisis en la que entró luego de las recesiones de 1967 y 1974, podemos destacar las Reaganomics y el Consenso de Washington. Esa estrategia no hizo más que profundizar su propia crisis y arrastrar con ella al resto del mundo. Los resultados en América Latina son bien conocidos: reducción en las tarifas de importación, firma de tratados de libre comercio, desindustrialización, precarización de las relaciones laborales, privatización de empresas estatales, aumento de la deuda externa, desregulación financiera, entre otros. Este tercer momento vislumbra un contradictorio desenlace. A pesar de los países haber intentado avanzar en los procesos de integración9 (aunque ahora en el marco del regionalismo abierto), las Reaganomics y el Consenso de Washington profundizarían la condición dependiente de nuestros países, dificultando la caminada pero gestando, al mismo tiempo, movimientos en contra del nuevo orden mundial encabezado por Estados Unidos. El recrudecimiento del neoliberalismo desembocó, a principios del siglo XXI, en la gestación de gobiernos de carácter más progresista, impulsando con nuevas energías el proceso de integración. Se

4 De acuerdo con Souza (2012, p.103), existía un compromiso inicial de que el Pacto Andino fuera un proceso de integración profunda, con coordinación de los sectores económicos de los países miembros y políticas de restricción al capital extranjero. 5 Según Marini (1992, p.138), el SELA será “el primer organismo de carácter exclusivamente regional y situado en una línea de independencia en relación a los Estados Unidos. De acuerdo con Souza (2012, p.104), el Sela “era reflejo de una dupla determinación”, por un lado la crisis estructural debilitaba los lazos de dominación de los países centrales sobre los subdesarrollados, por otro lado, el movimiento de los países no alineados propuso en la ONU “el establecimiento de una nueva orden económica mundial, basada en la auto-determinación, en la cooperación y en la igualdad entre los pueblos”. 6 Ese proceso puede ser analizado desde sus contradicciones. Si bien la Alalc fue funcional a los intereses de las grandes empresas transnacionales instaladas en la región, por permitir el aprovechamiento de los mercados que esta ofrecía (MARINI, 1992), la transformación de Alalc en Aladi puede interpretarse como un retroceso o como una transición hacia una organización mucho menos eficaz (MARINI, 1992), así como puede interpretarse como “la adaptación a las condiciones reales de varios países a fin de garantizar un avance posible” (SOUZA, 2012, p.104). De acuerdo con Araújo (2006), la Aladi se diferencia de la Alalc por la constitución de mecanismos más flexibles, que permiten la negociación bilateral de acuerdos más específicos entre los países, sin la necesidad de extender los beneficios hacia todos los miembros. 7 Esta fue una estrategia promovida por México -que involucraba otros países latinoamericanos- a modo de contribuir con el proceso de pacificación de América Central y el Caribe. De acuerdo con Souza, “em 1986, o Grupo de Contadora ampliou seus objetivos, passando a envolver-se com o conjunto da problemática latino-americana. Receberia então o nome de Grupo do Rio. Mesmo sendo um grupo de natureza eminentemente política, a aproximação entre seus membros haveria de ensejar o aprofundamento do processo de integração econômica” (SOUZA, 2012, p.105). 8 Los antecedentes de la formación de este bloque remontan a los años de la redemocratización en Argentina y Brasil, que consolidaron su aproximación firmando, en 1986, el Acta para la integración Brasilero-Argentina (MARINI, 1992). Posteriormente se sumarán Uruguay y Paraguay al bloque, incorporando como miembros más recientes a Venezuela y Bolivia. 9 De acuerdo con Souza (2012, p.112): “contraditoriamente, foi exatamente nesse período que avançou o processo de integração na América do Sul: enquanto o Mercosul, que se formara em 1991 como área de livre comércio, se transformava em união aduaneira em 1995, o Pacto Andino, que em 1996 transformou-se em Comunidade Andina de Nações, constituíra uma união aduaneira em 1995. Mas ambos os blocos retrocederam em relação à concepção original (presente no Pacto Andino quando da sua criação em 1969 e no Mercosul na fase dos acordos de 1986 e 1988): em lugar da integração produtiva prevista nos acordos iniciais, privilegiou-se a integração comercial; em lugar da união aduaneira com proteção externa à produção regional, praticou-se o 'regionalismo aberto'”.

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inaugura así un cuarto momento, denominado por Souza (2012) como “emergência de governos progressistas e fracasso da Alca abrem nova era na integração latino-americana”. Para el autor, el momento decisivo que abre esta última onda es el fracaso del Alca, propuesta lanzada en 1994 por el presidente Clinton. Como respuesta al Alca, y ante la necesidad de superarla en todos sus sentidos, fueron creados tres mecanismos de integración: el Alba10, la Unasur y la Celac. Tal vez este último sea el más simbólico, por representar un marcado distanciamiento de América Latina y el Caribe respecto a Estados Unidos. Según Souza, [...] é um momento estratégico dentro do novo momento que atravessa o processo de integração latinoamericana. Em primeiro lugar, porque é a primeira vez, desde que se iniciaram as negociações para criação da Alca, que se reúnem os 33 Chefes de Estado e de Governo latino-americanos e caribenhos sem a presença dos Estados Unidos e Canadá, e com a presença de Cuba, para discutir o processo de integração regional (…) Segundo, porque, em oposição clara aos interesses do governo e das corporações estadunidenses, que queriam criar a Alca, decidiu-se criar um bloco regional apenas dos países latinoamericanos e caribenhos. Terceiro, é a iniciativa de integração mais abrangente de toda a história da integração latino-americana; a Alalc e a Aladi nunca chegaram a abranger todos os países da região. Por último, a Cúpula inaugurou o retorno do México ao processo de integração latino-americana; esse país, como se sabe, há quase duas décadas, por meio do Nafta, participa de um processo de integração com Estados Unidos e Canadá. Para marcar esse retorno, de forma simbólica, a Cúpula realizou-se no México (SOUZA, 2012, p.120).

A pesar de los avances y retrocesos en los procesos de integración, como expresión de la voluntad política de los gobiernos de turno, existen elementos estructurales que bloquean el avance hacia la profundización de la integración como vía histórica y de emancipación de los pueblos de nuestra América. Uno de los elementos que opera a nivel de la esfera política se resume a la subordinación externa. Otro elemento estructural que bloquea es el propio capitalismo dependiente latinoamericano, tema a ser abordado en la siguiente sección. El capitalismo dependiente latinoamericano. De acuerdo con Marini (1972), la integración de América Latina al mercado internacional determinó su formación económica dependiente. La posición que asume América Latina en la división internacional del trabajo, ya desde mediados del siglo XIX, como productora de alimentos y materias primas industriales, determinará y condicionará su estructura productiva. Apunta el autor: […] nacida para atender a las exigencias de la circulación capitalista, cuyo eje de articulación está constituido por los países industriales, y centrada pues sobre el mercado mundial, la producción latinoamericana no depende para su realización de la capacidad interna de consumo. Se opera así, desde el punto de vista de país dependiente, la separación de los dos momentos fundamentales del ciclo del capital —la producción y 10 Fernando Bossi (2009) caracteriza la Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA) de la siguiente manera: i) como un proyecto histórico, que responde a la vieja confrontación Monroísmo vs. Bolivarianismo; ii) como creación heroica, ni calco ni copia de otros modelos; iii) se sostiene en las potencialidades de América Latina y el Caribe, región sumamente rica; iv) se apoya sobre valores anticapitalistas: complementación, cooperación, solidaridad, respeto de la soberanía; v) construcción popular, inconcebible sin la participación de los pueblos; vi) es un capítulo del proceso revolucionario mundial; vii) es una forma de integración que no parte de lo mercantil; viii) como herramienta política para la liberación; ix) es el programa de la Revolución Latinoamericana-Caribeña; x) es un salto estratégico a una nueva etapa.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 298 la circulación de mercancías— cuyo efecto es hacer que aparezca de manera específica en la economía latinoamericana la contradicción inherente a la producción capitalista en general, es decir, la que opone el capital al trabajador en tanto que vendedor y comprador de mercancías (MARINI, 1991).

El hecho de que la economía exportadora latinoamericana venda su producción en la esfera del mercado mundial demuestra, en parte, el divorcio entre la estructura productiva y la de consumo. De este modo, el trabajador y su consumo individual no interfieren en la realización (venta) de las mercaderías. Así, el trabajador interesa apenas como productor de valor, y no como consumidor de éste. Marini advierte: […] ese divorcio entre el productor y el consumidor crea las condiciones para que, en una economía de esa naturaleza [dependiente], el trabajador pueda ser explotado prácticamente hasta el límite (…) En consecuencia, el carácter que asume el ciclo del capital en una economía de este tipo no pone ninguna traba a la explotación del trabajador y, al contrario, la lleva a configurarse como una superexplotación (MARINI, 1972).

Marini va a defender que en los países dependientes la acumulación de capital no depende del aumento de la capacidad productiva del trabajo, sino que se sustenta en la superexplotación de la fuerza de trabajo. Es decir, la dinámica de la acumulación de capital en la periferia dependerá de una mayor explotación del trabajador. De este modo, Marini (1972) identifica tres modalidades de superexplotar a la clase trabajadora: i) aumento de la intensidad del trabajo, sin que mejore el nivel tecnológico; ii) extensión de la jornada de trabajo; iii) rebaja del salario más allá de lo necesario para que el trabajador y su familia se reproduzcan como tal. Estos mecanismos pueden funcionar tanto aislada como combinadamente, y para cualquier caso se remunera al trabajador por debajo de su valor, es decir, se paga un salario que no permite la plena reposición del desgaste físico y mental que el trabajador sufre al cumplir una jornada más intensa, más extensa o ambas. Así, esta categoría se constituye como pilar para la teoría marxista de la dependencia. Su centralidad no se debe apenas por explicar la forma en que se compensa la transferencia de valor hacia el exterior11, sino porque también contribuye a explicar la dinámica y reproducción del capitalismo dependiente latinoamericano. A partir de la industrialización dependiente, con hegemonía del capital extranjero en el proceso, se reconfigura la dependencia tornándose aún más compleja. Ahora las estructuras productivas se encuentran controladas por grandes grupos económicos y responden a las exigencias de los países centrales. El divorcio entre producción y consumo se amplía. Por su vez, la superexplotación de la fuerza de trabajo, como condición de acumulación de capital en la periferia, bloquea la posibilidad de constituir un mercado interno, dado que el consumo de las masas trabajadoras se encuentra reprimido.

11 La transferencia de valor se configura bajo diferentes mecanismos: i) vía comercio exterior, mediante el intercambio desigual, dado que los países centrales acumulan en base al aumento de la capacidad productiva del trabajo, asimismo detentan monopolios en determinados sectores de producción, lo cual les permite la transgresión de la ley del valor, es decir, pueden vender las mercaderías muy por encima del precio de producción, “violando” el intercambio entre equivalentes (MARINI, 1991); ii) mediante el envío de remesas de ganancias al exterior; iii) pago de royalties y patentes; iv) pago de intereses por detentar títulos de deuda u otras modalidades del actual sistema financiero (como inversiones en cartera, que disfraza al capital especulativo).

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Existe un instrumento que expresa claramente el carácter condicionado de nuestras economías: la balanza de pagos. El sector externo de los países latinoamericanos, por lo menos desde finales de la década de 1970, sufre una crisis permanente debido a dos razones: la crisis estadounidense de fines de los 1960 y la histórica transferencia de valor hacia las economías industrializadas. Si se observan los saldos comerciales de los 10 países de América del Sur con el resto del mundo, durante los últimos 15 años (2000-2014), se verifica que cuatro de ellos (Colombia, Ecuador, Paraguay y Uruguay) presentan déficits estructurales, mismo con el aumento de precios de las commodities. Por su parte, Chile, Brasil y Perú vienen presentado, desde 2012, saldos comerciales negativos12. Gráfico 1: América Latina: cuenta corriente de la balanza de pagos, 1980-2013.

Elaboración propia. Fuentes: CEPAL, 2001; CEPAL, 2014.

Es posible observar en el gráfico que el saldo de la balanza de bienes y servicios es variable. Durante los periodos en que ese saldo es negativo (importaciones superan exportaciones), el esfuerzo que deben realizar las economías dependientes es mayor, en el sentido de que la fuente más genuina de obtener ingresos (exportaciones) se torna insuficiente. De este modo, acuden al capital extranjero (vía endeudamiento, atracción de capital especulativo o IED) para cumplir con las obligaciones financieras con el resto del mundo. El problema está en que, captar esos ingresos del exterior presupone la trampa de pagar, durante varios años, las rentas que genera ese capital invertido. Esas salidas se manifiestan en la balanza de rentas, la cual presenta una tendencia crecientemente negativa como consecuencia de la entrada cada vez mayor de capital extranjero en la región. Esa lógica se torna bastante perversa dentro de las economías latinoamericanas, en la medida que no tienen la capacidad financiera para cumplir con sus 12

Chile en 2012 y 2013; Brasil en 2014; Perú en 2013 y 2014.

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obligaciones, debiendo recurrir al capital extranjero, el cual, por su vez, generará nuevas rentas a pagar. La creciente entrada de capital extranjero está asociada a una estrategia de atracción promovida desde los propios Estados, que han apostado ofrecer un tratamiento diferenciado. Ejemplo de ello son las políticas de promoción orientadas a las empresas transnacionales: exenciones arancelarias y tributarias; eliminación de controles cambiarios; flexibilidad en la aplicación de leyes laborales; disponibilidad de infraestructura física, energética y de comunicaciones; localización estratégica; zonas francas de almacenamiento y exportación, entre otros beneficios. Esta lógica refuerza la condición estructural de dependencia. En la medida que las empresas transnacionales van adquiriendo las estructuras productivas de los países latinoamericanos13, la tendencia a concentrar y centralizar el capital aumenta, reforzando la formación de monopolios en la economía dependiente. La apuesta a la plena apertura de las economías, que se manifiesta de forma evidente en las cuentas comercial y financiera de la balanza de pagos, demuestra que, a pesar de los gobiernos “progresistas” en varios países de la región durante una década, predomina en América Latina una política económica que se caracteriza por la libre entrada y salida de capitales, liberalización absoluta del comercio en varios países (un claro ejemplo es la Alianza del Pacífico), altas tasas de interés, control de recursos y servicios estratégicos en manos del capital extranjero. Es decir, esta situación se configura como un obstáculo estructural a un proceso de integración que pretenda atender a las necesidades de las masas populares, mientras que al mismo tiempo se torna funcional a las clases dominantes y a los grandes grupos económicos. La influencia económica de las empresas transnacionales deriva en influencia política, reforzando los mecanismos de privilegio al capital extranjero. Asimismo, este control político se manifiesta en la seguridad jurídica de las transnacionales, como lo son los tratados de protección de inversiones y el CIADI14. Sin embargo, durante los últimos años algunos países latinoamericanos se han retirado del CIADI por convertirse en una especie de “chaleco de fuerza” frente a la autonomía y soberanía nacional. Tales son los casos de Bolivia en 2007, de Ecuador en 2009 y de Venezuela en 2012. Por último, cabe destacar que las propias empresas transnacionales – además de controlar sectores estratégicos de la economía, así como buena parte de las exportaciones; de pautar una parcela de las importaciones; de enviar las ganancias hacia las matrices; de sobrefacturar las compras que realizan entre filiales; entre muchas otras funciones – se encargan de moldar la integración regional de acuerdo a sus intereses. Tal es el caso de los acuerdos de libre comercio, en el marco del regionalismo abierto de los años 1990, que aceleraron el comercio intra-regional, con destacado papel de las transnacionales. En este

13 Ese proceso fue gradual: durante el post guerra mediante nuevas instalaciones, que incluía maquinaria obsoleta de los países centrales, en la década de 1990 vía privatizaciones de empresas estatales. Posteriormente adquiriendo empresas nacionales quebradas que no conseguían competir con los niveles de productividad del capital extranjero. 14 Centro Internacional de Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones, dependiente del Banco Mundial, creado en 1965.

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sentido, la integración les resulta funcional en la medida que les permite un aprovechamiento de economías de escala, así como la propia especialización productiva, en el marco de una división regional del trabajo. Pues bien, en el marco del capitalismo dependiente latinoamericano es cuestionable la posibilidad de avanzar hacia procesos más profundos de integración, que supongan una verdadera democracia política y económica, así como autonomía y soberanía de nuestros recursos y sociedades. La dependencia económica provoca conjuntamente la dependencia política, cultural, tecnológica y jurídica. En ese sentido, la siguiente sección presentará posibles alternativas que nos podrían conducir a procesos que rompan, o al menos contesten progresivamente, la dependencia crónica que nos subordina al capitalismo mundial. Superar la dependencia para avanzar con la integración. En general, para los teóricos de la teoría marxista de la dependencia, la condición dependiente de nuestras economías inviabiliza, de algún modo, la integración. En esta sección se presentarán las salidas históricas que Vânia Bambirra, Ruy Mauro Marini y Nilson Araújo de Souza proponen, como teóricos de la TMD, para superar la dependencia. A pesar de leves matices entre una propuesta y otra, todas se orientan hacia un mismo fin: la construcción del socialismo. De acuerdo con Bambirra, “a ruptura da dependência somente poderá ser promovida pelas classes dominadas, através de um processo revolucionário. O socialismo se apresenta, pois, como a única alternativa efetiva para o desenvolvimento sem limites das forças produtivas” (BAMBIRRA, 2013, p.151). Y agrega: “se o processo revolucionário for realizado no âmbito continental ou num grupo de países latino-americanos, a possibilidade de integração socialista de várias economias poderia impulsionar mais rapidamente o desenvolvimento industrial da região liberada” (BAMBIRRA, 2013, p.153). Para la autora, el socialismo se constituye como la única vía para superar la dependencia y, consecuentemente, para avanzar con el complejo proceso que supone integrar América Latina. En la obra de Marini (1992) es posible identificar cuatro dimensiones para avanzar con la integración latinoamericana – siempre en el marco de la estrategia de la superación de la dependencia. En primer lugar destaca la necesidad de la especialización de las economías, dado que apenas se puede integrar lo que es complementar15. Esta especialización presupone la destrucción de los sectores menos

15 Severo (2015, p.242) presenta en su tesis de doctorado una tipología de complementación comercial entre los países de América del Sur. Dependiendo de la cantidad de importaciones que son satisfechas por la propia región, Severo clasifica a la complementación comercial como alta, media, baja y bastante baja. Los sectores de alta complementariedad son: productos alimenticios y animales vivos (62,8%); aceites, grasas y ceras (62,3%). Los de media complementariedad: materiales crudos no comestibles (48,3%); bebidas y tabaco (42,9%). Los de baja: artículos manufacturados (32,3%); combustibles, lubricantes y minerales (29,5%). Y por último, entre los sectores con bastante baja complementariedad se ubican: productos químicos (18,4%); maquinarias, equipos y materiales de transporte (16,1%); artículos manufacturados diversos (13,6%). O sea, habría espacio para avanzar en este sentido, tal como lo propone Marini.

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competitivos, así como el desarrollo conjunto de sectores nuevos, principalmente aquellos que incorporen tecnología avanzada (MARINI, 1992, p.60). En segundo lugar, insiste en que el proceso de integración latinoamericana debe dejar de ser una competencia exclusiva de los gobiernos y de las burguesías. Para eso propone: [...] uma maior iniciativa e controle por parte das forças populares, que dependem da coordenação de esforços no plano sindical, social e cultural, assim como partidário e parlamentar. A integração deve deixar de ser um mero negócio, destinado somente a assegurar áreas de investimento e mercados, para converter-se num grande projeto político e cultural, na melhor tradição da esquerda latino-americana. Isso supõe que operários, estudantes, intelectuais, mulheres, organizações sociais e políticas dos países latino-americanos forjem os instrumentos hábeis para a uniformização de suas demandas e para a coordenação de suas lutas no plano reivindicativo e da legislação laboral, da política educacional e das plataformas programáticas, e se empenhem na inclusão de representantes seus nos órgãos existentes ou por criar no marco do processo de integração (MARINI, 1992, ps.60-61).

En tercer lugar, sugiere una reforma del Estado, a modo de que este asuma tres roles: i) orientar el proceso de desarrollo; ii) conducir la participación popular en la producción y distribución; iii) redireccionar el gasto para políticas sociales. No obstante, quien presionará a los Estados para que cumplan ese rol deberá ser la lucha y organización de los pueblos latinoamericanos, los cuales, según Marini (1992), irán formulando el proyecto de economía y sociedad a lo largo de su propia marcha. En cuarto lugar, sugiere que América Latina debe crear un espacio económico más amplio, y eso [...] supõe a formação de uma nova economia, baseada na incorporação de amplos contingentes populacionais à cultura, ao trabalho e ao consumo, mediante uma adequada alocação dos investimentos, uma verdadeira revolução educacional, a redução das altas taxas de superexploração do trabalho e, portanto, uma melhor distribuição de renda. É evidente que esse resultado não pode ser alcançado sem que a integração econômica signifique, também, avançar no processo de integração política, apontada em direção a um Estado supra-nacional. As atuais discussões sobre a reforma do Estado, que se desenvolvem em todos os países da região, não chegarão a bom termo se não partem da noção de que o antigo ideal bolivariano encontra-se reatualizado pela própria vida e que, mais além dos dados geográficos, históricos e econômicos, nenhum país latino-americano é, hoje, viável isoladamente. Chegamos àquele ponto em que nossa sobrevivência como brasileiros, mexicanos, chilenos, argentinos depende da nossa habilidade para construir novas super-estruturas políticas e jurídicas, dotadas de capacidade de negociação, resistência e pressão que se requer para ter efetiva presença ante os super-Estados que existem já ou que estão emergindo na Europa, na Ásia e na própria América (MARINI, 1992, ps.145-146).

Souza (1992) propone una etapa intermediaria en el proceso de superación de la dependencia y de la construcción del socialismo: capitalismo de Estado bajo control nacional. Entendiendo la transferencia de valor hacia el exterior y la consecuente superexplotación de la fuerza de trabajo como los fundamentos de la dependencia, plantea la necesidad de avanzar sobre lo primero para disminuir lo segundo. Es decir, es preciso bloquear la evasión de recursos hacia el exterior para crear las condiciones que permitan combatir la dependencia. De acuerdo con Souza, [...] a dependência, pois, não só limita como deforma o desenvolvimento do mercado interno; não só reduz a capacidade de acumulação de capital, ao sangrar parcela do excedente econômico e limitar a incorporação do progresso técnico ou incorporá-lo sem atentar para o nível de desenvolvimento interno das forças produtivas, como também diminui a possibilidade de a acumulação se realizar, ou seja, de a produção encontrar mercado, ao estrangular o mercado interno. A válvula de escape do mercado externo, para se viabilizar, exige maior “arrocho” ainda do salário real e expropriação de outros setores da sociedade sob a forma de incentivos ao setor exportador, como condição para obter a competitividade XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 303 necessária no mercado mundial. Assim, o mercado externo deixa de operar como compensação ao estreitamento do mercado interno, para comprimi-lo ainda mais (SOUZA, 1992, p.80).

Y agrega: [...] a ruptura com a dependência tem, nessas circunstâncias, o papel crucial de impedir que o aumento da espoliação externa siga destruindo as forças produtivas internas e de criar as bases para a retomada do desenvolvimento. Esse processo revolucionário, além de liberar as forças produtivas, permite que o investimento estatal recupere seu papel histórico de motor do desenvolvimento. O aumento do papel do Estado nos marcos do rompimento com a dependência corresponde, objetivamente, à destruição do Capitalismo Monopolista (externo) de Estado (SOUZA, 1992, p.84).

Algunas de las propuestas concretas para romper con la dependencia son: centralización por parte del Estado de los recursos financieros, retomada y ampliación de las inversiones públicas, dinamizar los mercados de bienes de producción y consumo (SOUZA, 1992, p.84). Dependiendo de la correlación de fuerzas, el enfrentamiento a la condición dependiente podrá ser más o menos avanzada. No obstante, cada paso en el sentido de ponerle fin a la evasión del excedente irá amenizando la superexplotación de la fuerza de trabajo. Asimismo, se deben considerar medidas relacionadas a la apropiación de la tierra, principalmente aquella que no cumple una función social, así como la consecuente apropiación de su renta. Es un mecanismo que retira poder económico de una fracción de clase que, por su vez, detenta poder político. Debe extirparse el poder de aquellos sectores que reproducen la dependencia en función de sus intereses particulares. Consideraciones finales A pesar de la importancia que tiene desde el punto de vista político avanzar en el proceso de integración en el marco del capitalismo – sea porque nos aproxima con toda una región que compartió, en líneas generales, un mismo proceso histórico de dominación y subordinación a la economía mundial, sea porque fortalece un imaginario social sobre las ventajas que de ello se pueden desprender para las sociedad latinoamericana en general –, vemos que prevalece la existencia de obstáculos estructurales que hacen que, 200 años después de iniciado el proceso de independencias formales, una verdadera integración se siga viendo bloqueada. La condición de economías dependientes, que según la TMD se fundamenta en la transferencia de valor al exterior y en la superexplotación de la fuerza de trabajo, inviabiliza una verdadera integración, una que responda a las necesidades de sus poblaciones y no a los intereses de grandes grupos económicos extranjeros. Buena parte de los sectores estratégicos se encuentran bajo dominio del capital extranjero, haciendo que la dinámica de la dependencia obstaculice el desarrollo de las fuerzas productivas, a modo de avanzar hacia un modo superior de producción. Lo que existe actualmente (con la excepción del Alba) son plataformas que disponibilizan economías de escala, siendo sumamente funcionales a los grupos XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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transnacionales. De este modo, es necesario superar la dependencia para avanzar hacia formas alternativas de integración, las cuales por su vez contribuirían con la estrategia de la superación de la dependencia. Es decir, ambas tareas pueden y deben caminar juntas: la superación de la dependencia y la integración latinoamericana. Deben ser determinantes y determinadas. Bambirra, Marini y Souza entienden que en el marco del capitalismo dependiente no da para avanzar hacia procesos de integración. Tampoco basta con conquistar mudanzas dentro de las fronteras nacionales. Tanto el capitalismo de Estado, el nacionalismo revolucionario y la propia construcción del socialismo, deberían avanzar hacia toda la región, y es en ese sentido que la integración latinoamericana se presenta como una salida histórica viable. En definitiva: superar la dependencia con la integración y conquistar una verdadera integración en la marcha por la superación de la dependencia. Marcha que no estará exenta de contradicciones, pero marcha que no dejará de ser marcha.

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O Brasil como influência integracionista para a região sul-americana nas décadas de 1980 e 1990 Ana Beatriz da Costa Mangueira 1 Introdução

A

política externa brasileira, nas décadas de 1980 e 1990, foi assinalada por diversas mudanças, sobretudo no que diz respeito às relações com países da América do Sul2. As políticas internas também sofreram transformações visíveis, algumas delas como uma continuação, ou

consequência, da década anterior. Um exemplo é a tentativa de reverter o quadro da economia do país que se encontrava frágil. Em âmbito internacional havia recentes crises do petróleo causando um certo efeito na economia brasileira. Dessa forma, possibilitou-se uma maior aproximação do Brasil com países do Oriente Médio, já iniciada no governo Geisel. Ainda nessas circunstâncias, o que se teve foi um aumento de dissensos entre Brasil e Estados Unidos, considerando que o primeiro visava a “autonomia e universalismo”, embora já se tenha iniciado, na década de 1960, relações mais próximas com países africanos e asiáticos. No plano interno, toda a década de 1980 foi marcante para o Brasil porque a política já se encaminhava para uma democratização3. Além disso, um fato importante é a criação de uma nova constituição no país, a qual norteou novos caminhos político-sociais e possibilitou, no ano de 1989, a primeira eleição direta para presidente, depois de um longo tempo de ditadura militar. Mais tarde, na década de 1990, o Brasil seria caracterizado por uma postura neoliberal, influência de uma globalização emergente derivada do fim da Guerra Fria. A proximidade entre os países da América do Sul teve um aumento substancial, principalmente quando se pensa em um apaziguamento entre Brasil e Argentina, antigos oponentes em âmbito regional. Outro fator que também influenciou na proximidade foi o fato de que o diálogo Norte-Sul foi deixado de lado, o que, de certa forma, altera as relações Sul-Sul, mas que não impede que haja uma aproximação e, em conseguinte, cooperação. Para tanto, a sua integridade territorial foi de suma importância nesse aspecto, sabendo que o país detém de vasto território e recursos naturais. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo analisar as causas que possibilitaram uma maior aproximação do Brasil com a América do Sul, nas décadas de 1980-90, e o que ela representa para o país no sentido de alcançar uma maior independência dos países mais desenvolvidos. É relevante também

Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. E-mail: [email protected] De acordo com Vizentini (2012), o conceito de América do Sul surgiu mais precisamente no governo FHC, quando esse presidente formulou a ideia de substituição de “América Latina” para “América do Sul”. Ver: VIZENTINI, 2012, p. 95. Portanto, neste artigo será utilizado o segundo termo, tendo em vista o seu significado para o Brasil. 3 Esse fato foi refletido como causa do movimento das “Diretas Já”. 1 2

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uma análise do interesse brasileiro em uma maior inserção internacional, a qual seria facilitada por meio Mercosul.

Os fundamentos históricos da Política Externa Brasileira (1979-1999) Segundo Lima (SENNES, 2001: 44 apud LIMA, 2005:2) as articulações da política externa brasileira já possuíam dois objetivos considerados centrais na década de 1970, os quais seriam o desenvolvimento econômico e a busca por autonomia política. Nesse mesmo momento o Brasil almejava uma maior inserção internacional, que pode ser notada através de suas participações em atos multilaterais entre os países semelhantes. Com sucessivas crises econômicas no Brasil entre as décadas de 1970-80, principalmente devido ao choque do petróleo4, diversos planos implantados, como o PND5, não foram suficientes. Uma consequência desse fato é a constante busca por democratização que foi caracterizada por perdas econômicas em que o país passava, enfraquecendo, de certa forma, o projeto nacional. Assim, com as vulnerabilidades econômicas, o Brasil procurou se aproximar de países do Sul, abrindo novos mercados e novas formas de cooperação (LIMA, 2005, p. 5). O governo de João Batista Figueiredo (1979-1985) já possuía o interesse em encerrar o ciclo militar, tendo como um dos objetivos centrais no seu governo a continuação do projeto de redemocratização. Enquanto isso, os Estados Unidos adotavam um maior protagonismo internacional, já que em sua política surgia cada vez mais iniciativas de defesa estratégica, além de criar instrumentos para extração de recursos dos países terceiro-mundistas. Esse país descartava ainda qualquer tipo de relação multilateral com os países do terceiro mundo, mais um motivo para o estreitamento de laços da cooperação Sul-Sul (VIZENTINI, 2012, p.62). No Brasil passa a existir a ideia de universalismo, o qual possibilitou para a política externa brasileira a continuação da afirmativa de “Pragmatismo Responsável”. O país consolidou seus laços com a África tanto nos campos político e econômico, quanto no campo cultural. Segundo Vizentini (2012), um exemplo dessa relação é a estabelecida com a Nigéria, da qual o Brasil importava petróleo. Em paralelo, a América do Sul adquiria mais e mais valorização da política externa brasileira, dando força a uma cooperação econômica cuja Argentina era colocada como eixo central (VIZENTINI, 2012, p.65).

O choque do petróleo trouxe consequências ruins para o Brasil, visto que houve instabilidades no mercado internacional, tendo ainda desvalorização nas taxas de câmbio. Esse fato provocou uma desordem no balanço de pagamentos do Brasil. COSTA, 2011. 5 Plano Nacional de Desenvolvimento 4

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Após as “Diretas Já”6, Tancredo Neves apresentou uma plataforma da implementação de uma “Nova República”, com um projeto de reforma que mudasse tanto a questão da democracia, no sentido de consolidá-la, quanto a questão econômica, que se encontrava frágil. Nessas circunstâncias, Tancredo Neves, em vésperas de tomar posse da presidência em 1985, não o faz em detrimento de sua saúde. Dessa forma, José Sarney assume o poder, e seu governo será marcado pelo Plano Cruzado7, mais uma tentativa de reverter a situação econômica do momento. Já em outubro de 1988 foi aprovada a Nova Constituição, a qual apresentava alguns avanços sociais (VIZENTINI, 2012, p. 68). A atuação do Brasil no plano global tornava-se cada vez mais evidente. Pode-se afirmar que a política externa na Nova República apresentou uma evolução especial. Nesse contexto, o país valorizava gradativamente a América do Sul como uma opção estratégica, dando ênfase à cooperação com a Argentina. O processo de redemocratização não ocorria somente no Brasil, como também na Argentina com o novo presidente Raúl Alfosín. Ambos os países possuíam o mesmo desejo de retomar o crescimento econômico que havia sido abalado pela crise da dívida externa, enfatizando a afirmativa de que Brasil e Argentina possuíam semelhanças. Enquanto isso, o que se tinha no plano internacional era um relaxamento de tensões entre as superpotências, que mais tarde resultaria no fim da Guerra Fria (VARGAS, 1997, p.41). Os exemplos de intensificação de relações entre Brasil-Argentina foram a Declaração do Iguaçu de 19858, e no ano seguinte foi assinada a Ata para Integração e Cooperação Econômica, a qual visava tanto intensificação quanto diversificação das trocas comerciais. Já em 1988, foi consolidado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento entre os dois países, que vislumbrava um mercado comum dentro de dez anos. O que se aspirava também era a luta em comum no campo tecnológico, principalmente o relacionado ao nuclear (VARGAS, 1997.p.56). O Brasil se encontrava em relações de turbulência com os Estados Unidos, tendo em vista que esse último pressionavam o primeiro a renunciar sua posição autônoma em relação a questões como energia nuclear. Esse fato fez com que o Brasil se direcionasse a outras regiões na tentativa de manter a diversificação da linha diplomática. É importante lembrar que no governo Sarney a relação sino-brasileira teve significante importância, sabendo das inúmeras visitas que foram realizadas, além de contatos políticos para se chegar a acordos comerciais e de cooperação nas áreas de ciência e tecnologia. No ano de 1989 ocorrem as primeiras eleições diretas, pelas quais foi possível que Fernando Collor de Mello se tornasse presidente. Seu governo seria assinalado por uma reabertura de relações mais estreitas com os Estados Unidos, adquirindo também uma perspectiva neoliberal, passando o país a fazer De acordo com Maria D’Alva G. Kinzo, foi uma impressionante mobilização popular com milhares de pessoas participando em comícios que ganhou as ruas, e que também propunha eleições diretas para presidente mais tarde, em 1984. Ver mais em: KINZO, 2001, p. 6. 7 O plano cruzado tinha como objetivo melhorar a situação econômica do Brasil por meio de congelamento de preços e salários e controle cambial. Ver mais em: VIZENTINI, 2012, p.68 8 Em 1985, por meio da Declaração do Iguaçu, foi estabelecida uma comissão para estudar a integração entre os dois países. Ver mais em: VARGAS, 1997. 6

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parte da chamada “Nova Ordem Mundial”. Ainda, a aspiração desenvolvimentista foi deixada de lado, pois agora o foco do interesse nacional seria em nome da inserção do Brasil no chamado “mundo globalizante”, este nascente do pós-Guerra Fria. Concomitante, internamente ao Estado brasileiro houve um gama de privatizações de empresas que até então eram estatais. No que diz respeito à política externa do governo Collor (1990), além do retorno ao alinhamento com os Estado Unidos, foi dada ênfase também a uma política voltada mais às Américas. Simultaneamente, pretendia-se conter a inflação no Brasil, de forma que era necessário se posicionar subordinado aos Estados Unidos, já que a liberalização da economia brasileira estava em pauta. O posicionamento neoliberal, de acordo com Vizentini (2012), colaborou com as relações entre Brasília e Buenos Aires, estabelecidas desde os anos 1980. No entanto, parcerias feitas com outras regiões no momento do “universalismo” foram postas como segundo plano (VIZENTINI, 2012, p.83). Na década de 1990, mais precisamente no governo FHC9, houve a retomada do projeto neoliberal e um grande número de privatizações no país10. O que se nota é uma continuação dos objetivos do governo anterior, no entanto um marco que virá para os brasileiros será o Plano Real11. Em fins da década de 1990, a crise financeira e cambial fez com que a estabilização monetária se desviasse para a desvalorização do Real, de forma a retroceder alguns dos objetivos que já tinham sidos alcançados pelo novo governo. Posteriormente, a má notícia seria que a inserção internacional do país anteriormente alcançada, nesse contexto, foi afligida.

Brasil como liderança regional Segundo Bandeira (2008), extensão territorial, poder econômico e poder militar são três fatores que devem ser considerados para qualificar um país como potência e compreender sua posição na hierarquia entre Estados (BANDEIRA, 2008, p.1). Sabendo disso, pode-se afirmar que o Brasil é considerado uma liderança em âmbito regional quando se leva em conta o primeiro requisito colocado por Bandeira. O país destaca-se por sua extensão territorial12, que é um pouco menor que a dos Estados Unidos, o que gera notoriedade para o país na esfera americana. A América do Sul, como um conceito geopolítico, sempre representou uma pauta estratégica para a política externa brasileira. Como parte de um vasto território, o Brasil destaca-se por possuir recursos Presidente Fernando Henrique Cardoso, esteve na presidência entres os anos 1995-2002. Segundo Vizentini, o novo presidente intensificou o processo de privatizações das grandes eficientes empresas públicas: aeronáutica, petroquímica, siderúrgica e informática. (VIZENTINI, 2012, p.94). 11 Esse novo programa seria o Plano Real, que foi lançado em 1994, e visava ser um programa de estabilização seguindo três estágios para que obtivesse um bom resultado: mecanismo de equilíbrio orçamentário, introdução de uma conta estável para alinhar os preços e estabelecer uma conversão de unidade de conta em uma nova moeda. Ver em: SOARES, 2006. 12 Para a superfície do Brasil foi mantido o valor de 8.515.767,049 km2, publicado no DOU nº 16 de 23/01/2013, conforme Resolução Nº 01, de 15 de janeiro de 2013. Disponível em: Acesso em 16 de maio de 2015. 9

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naturais abundantes como terras férteis para a agricultura, reservas imensas de minerais metálicos, urânio, biodiversidade, e recursos hidroelétricos (BANDEIRA, 2008). Apesar das diferenças culturais com os demais países ao seu redor13, por meio de sua extensão geográfica o Brasil teve e tem capacidade de exercer liderança na região e, consequentemente, exercer pressão diplomática, já que o país detém de fronteiras com quase todos os outros países sul-americanos. Por isso a importância de se conhecer a inserção geopolítica do Brasil, pois é a partir dela que se entende os interesses nacionais, os quais irão se direcionar para o campo internacional. Vigevani e Ramanzini (2014, p.518) apontam que, [...] desde a aproximação entre o Brasil e a Argentina, em meados dos anos 1980, com a volta dos governos civis, passando pela formação do Mercosul, em 1991, é possível verificar mudanças significativas com respeito ao papel exercido pela integração regional em relação aos objetivos da política externa do Brasil. A busca pela expansão geográfica da integração e/ou da cooperação do Cone Sul para a América do Sul tem sido uma característica central da política brasileira, e está relacionada como peso do tema da autonomia na ação externa do país e com a constante preocupação pela manutenção do formato intergovernamental do Mercosul

Assim, a defesa da integridade territorial era imprescindível quando se tratava de realizar pesquisas no campo nuclear. A partir da capacidade de autonomia intrínseca à política externa brasileira desde o governo Sarney, e da aproximação entre Brasília e Buenos Aires no campo da segurança nos anos de 1980-90, surgiu um significado regional que ganhou imenso valor, até mesmo no plano bilateral (VARGAS, 1997). Para Ferreira (2006), a capacidade de defesa dos interesses nacionais além das fronteiras também era indispensável, o que somente seria alcançado mediante o desenvolvimento econômico e a construção do espaço de autonomia nacional. No governo Figueiredo, a unidade de princípios era apontada como necessária ao bom andamento da política externa do país, porque defendia-se que “a confiabilidade da política externa de uma potência intermediária exige, além de um adequado relacionamento diplomático e da coerência, a solidez de um consenso interno” (LAFER, 2006, p.122 apud FERREIRA, 2006, p.122). A partir do momento em que Brasil e Argentina pudessem obter armamento nuclear, considerava-se o poder no qual incluía tanto recurso de ordem geográfica econômica, social e ambiental, como também aspectos estratégicos e militares, até porque o Brasil, especialmente, possui vantagens naturais que dariam suporte a artefatos atômicos. Ainda nesse momento, o que se esperava tanto por parte da Argentina como do Brasil era alguma forma de carimbar a impressão que ambos os países estavam mais do que decididos a continuarem uma corrida armamentista no campo nuclear (VARGAS, 1997, p.46).

É sabido que, no que diz respeito à língua, todos os outros países da América do Sul são de origem hispânica, e somente o Brasil fala a língua portuguesa. 13

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De acordo com Vargas (1997, p. 48), o tema nuclear tinha grande valor político, porque contava tanto para o esforço de aproximação bilateral quanto para a sinalização à comunidade internacional, principalmente para as demais nações latino-americanas. Com isso, foi possível que os dois maiores países da região do Cone-Sul adquirissem cada vez mais relações próximas e prósperas com os demais países da América do Sul, ensejadas no sentimento da integridade territorial, parte da política externa brasileira na região. Segundo Cervo e Bueno (2002), além da criação do Mercosul, durante a Rodada do Uruguai do GATT já existia a proposta da criação da ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana) no governo de Itamar Franco, a qual era a ideia de unidade da América do Sul em marcha, e não mais da América Latina, visto que o México estava mais direcionado ao Norte. Já no período do governo de Fernando Henrique Cardoso a política externa do país passou a ser feita de modo a inserir em prioridade o pensamento do presidente, o qual deu início à substituição da América Latina pela América do Sul. Tal orientação foi de suma importância para a agenda diplomática sul-americana, na qual o Mercosul passou a ser o exemplo mais importante dessa estratégia (VIZENTINI, 2012, p. 95). O significado do Mercosul para o Brasil

As divergências atreladas às usinas de Itaipu e de Corpus foram findadas com a assinatura do acordo de 197914 por Argentina, Brasil e Paraguai. Tal acordo iria ser um marco na história diplomática da região do Cone-Sul, pois possibilitaria a intensificação de relações econômicas-comerciais que, mais tarde, entusiasmaram a criação do Mercado Comum do Sul. O Tratado de Assunção de 1990, resultado do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (1988), criou formalmente o mercado comum, consolidado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O projeto do bloco foi impulsionado a partir da integração entre Brasil-Argentina, que tinha como objetivo primordial a inserção econômica dos dois maiores países do Cone-Sul em âmbito internacional, já que existia gradativas pressões provenientes da globalização, principalmente àquelas relacionadas aos mercados competitivos. Além disso, depois da Guerra Fria, notou-se um aumento significativo do processo de integração regional, o que influenciou o surgimento de vários blocos regionais. Com os novos laços econômicos na América do Sul, e com a integração bilateral estabelecida desde 1985, Vargas (1997) afirma que a integração não representava somente uma linha de política externa em âmbito regional, mas também se colocava em pauta a valoração do cenário internacional da época.

Acordo Tripartite realizado em 1979, que avalia o problema hidrelétrico entre Brasil e Argentina. Ver mais em: FAJARDO, 2004. 14

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As mudanças que se desencadearam na década de 1990, como o processo de redemocratização e a constituição de 1988, no caso do Brasil, além da concretização da chamada “globalização produtiva e financeira” e o fim da bipolaridade, contribuíram para desviar a atenção de outras conquistas realizadas pelo Brasil. Nas mesmas circunstâncias do processo de criação do Mercosul, o Brasil aderia aos regimes de direitos humanos e de tecnologia sensível (LIMA, 2005, p. 10). Entretanto, de fato o Mercosul adquiriu significativa importância para o país, tendo em vista que os dissensos com a Argentina tinham sido superados, além de facilitar o estreitamento das suas relações com outros países da América do Sul no que diz respeito à mercados, circulação de pessoas, etc. Para Vargas (1997), uma vez construído o Mercosul, a marca comercial e neoliberal dos presidentes Collor e Menem seria fundamental para o seu funcionamento num plano especialmente econômico. Nesse sentido, era necessário que o Brasil encontrasse novas formas de inserção econômica, tendo em vista as pressões para uma abertura da economia, ainda sendo fundamental a busca de retomada do desenvolvimento após a crise da dívida externa15, o que correspondia uma melhora na competitividade das empresas. Com o Tratado de Assunção, os países-sócios do Mercosul deveriam ser orientados à “adequada inserção internacional”. O Tratado representou uma consolidação da mudança operada nas relações no Cone Sul, a partir da aproximação entre o Brasil e a Argentina, bem como um instrumento para a interação com os demais países e blocos econômicos. Esforço esse que, no qual Vargas (1997) enfatiza, poderia ser implementado somente num contexto democrático, isto é, onde existisse espaço tanto para debates quanto para alianças. O livre comércio promovido pelo Mercado Comum do Sul resultou na grande concentração das exportações argentinas no mercado brasileiro. Além disso, por abranger os campos econômico e político, o Mercosul abriu também possibilidades para uniformizar procedimentos em áreas não comerciais, como educação, ou mesmo para aprofundar a colaboração brasileiro-argentina no terreno da segurança (VARGAS, 1997, p. 60). Cervo e Bueno (2002, p.488) afirmam que o Mercosul como uma união aduaneira favoreceu o Brasil em termos de ganhos e perdas. Por um lado, o Brasil conservou sua autonomia de tomadas de decisão e ainda contou com a convergência de visão regional e mundial por parte da diplomacia venezuelana, por outro não avançou em busca de seus benefícios tanto quanto era desejado. No entanto, de acordo com Vizentini (2012, p. 98), no governo FHC a integração regional que aprofundasse o Mercosul continuava sendo uma das prioridades para o país. Assim, foi possível que o Mercosul adquirisse em 1994 personalidade jurídica e institucional como união aduaneira para os países membros, dando abertura a agregação de novos países, como o Chile e a Bolívia. O ano de 1999 foi o A crise inflacionária e a falta de investimentos afetavam os programas nucleares argentino e brasileiro, além de que o endividamento externo reduzia a capacidade do Estado de impulsionar o processo de acumulação capitalista, bem como de arbitrar conflitos entre os setores modernos e arcaicos da economia. Ver em: VARGAS, 1997, p. 58. 15

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momento pelo qual o Mercosul passou por um período muito delicado, visto que diminuiu sua capacidade de iniciativa e tornando-se necessário administrar situações difíceis no plano econômico-comercial. Com isso, a diplomacia brasileira teve que esforçar ainda mais no sentido de demonstrar que estava tomando medidas necessárias para a estabilização da economia. Dessa forma, apesar das diversas barreiras e crises que o bloco perpassara, a criação do Mercosul foi indispensável em um momento em que se necessitava de reparações na economia, e de novas alternativas para o desenvolvimento econômico, como também para uma inserção internacional do Brasil por meio de comunicações mais próximas com os seus vizinhos. Considerações Finais

Embora as crises econômicas que afligiram o Brasil tenham se desencadeado de forma que gerou a busca por diversas alternativas para conter a inflação, muitas vezes falhas, as circunstâncias não impediram que o país desenvolvesse a vontade de se inserir no cenário internacional, voltando-se, assim, ao conceito de universalismo. Essa diretriz viria a facilitar a consolidação das relações com países africanos e asiáticos, e ainda mudar os rumos da política externa brasileira. Apesar de o universalismo ter se encerrado no mesmo ano em que se tinha o advento da Nova República e de abertura para relações com países do chamado Primeiro Mundo, não se descartou a possibilidade de uma cooperação mais intensa no ambiente Sul-Sul. Na medida em que Brasil se aproximava ainda mais dos seus países vizinhos, mais a América do Sul tornava-se relevante para o país. Já no governo Collor, o realinhamento com os Estados Unidos iria dar início ao processo de liberalização econômica, no qual retomaria uma certa relação de dependência ao país. Como uma potência média, ou potência regional, o Brasil deveria assegurar sua integridade territorial, sobretudo nas questões que diziam respeito à nuclearização. Nesse sentido, a América do Sul representava uma região de importância estratégica para o país, e, embora o Brasil possuísse diferenças culturais com os seus países vizinhos, as semelhanças se destacaram no processo de superação dos antigos dissensos regionais, como aqueles em relação às hidrelétricas. O que se nota pela literatura é que a aproximação dos dois maiores países do Cone-sul, Brasil e Argentina, foram cruciais para que a América do Sul fosse ainda mais importante para o Brasil, facilitando sua aceitação por outros países, ainda com maiores possibilidades de voz na região nas décadas de 198090. Ainda, possibilitou-se um estreitamento de laços com os demais países sul-americanos, que mais tarde daria abertura ao novo bloco mundial, o Mercado Comum do Sul, visto que desde o início do processo de integração, as trocas comerciais entre Brasil e Argentina aumentaram significativamente, as quais podem ser melhores observadas na década de 1990.

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Sabe-se que a abertura neoliberal da política externa brasileira já vinha sendo discutida no governo Sarney, mas ela foi mais necessariamente aplicada no governo Collor de Mello. Subsequentemente, quando FHC torna-se presidente, o Mercosul tornou-se eixo prioritário, ainda que o processo de integração já tenha sido discutido desde os governos Sarney e Alfonsín. Ainda, o Brasil teve atuação relevante no procedimento da intensificação da cooperação na América do Sul, servindo de exemplo para a região, visto que impulsionou a institucionalização do Mercosul. Em fins da década de 1990, a dinâmica que o caracterizava o Mercado Comum do Sul perdeu-se desde das crises que afetara os planos econômico e comercial, entretanto esse fato não impediu que o Brasil continuasse a se integrar com os seus vizinhos, demonstrando, desse modo, a significado que a região sul-americana tem para o país16. Mais do que isso, a máxima de aproximação do Brasil com a América do Sul, nas décadas de 1980 e 1990, representou grande relevância para o país no sentido de alcançar uma maior independência dos países mais desenvolvidos, ao mesmo tempo se inserindo no cenário internacional através de novos parceiros, como também da atuação em tratados internacionais.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 315 VARGAS, Everton Vieira. Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a construção do Mercosul. Revista Brasileira de Política Internacional, 40 (1): 41-74, 1997. VIGEVANI, Tullo; RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo. Autonomia, Integração Regional e Política Externa Brasileira: Mercosul e Unasul. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 57, no2, 2014, pp.517a552, 2014. VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo 3ª Ed. p. 46-100, 2012.

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Uma outra integração do Mercosul: diálogos com o novo regionalismo, desenvolvimento e justiça social Regina Laisner1 Paula Pavarina2 Camila De Mario3 Guilherme Augusto Guimarães Ferreira4 Introdução

O

Mercado Comum do Sul (Mercosul) surge como uma nova forma de inserção de Argentina e Brasil no sistema internacional, baseada na aplicação de medidas neoliberais com vistas a fortalecer a expansão comercial dos dois países. Desde então as negociações e dinâmicas

que ganharam palco neste ambiente marcaram-se pelo caráter econômico e comercial dos seus conteúdos. Todos estes processos foram analisados pela literatura tradicional de integração regional, dentro das Relações Internacionais, que se desenha desde os movimentos integracionistas da primeira onda de regionalismo, de acordo com esta literatura, e têm como referência os fenômenos europeus. Mais recentemente, porém, vem se desenhando uma nova literatura, principalmente na América Latina e Caribe, sob a nomenclatura de novo regionalismo, que tenta dar conta dos novos formatos que a integração tem assumido. Ainda que não haja total concordância sobre a definição deste conceito, suas especificidades e distinções em relação ao conceito tradicional de integração, acredita-se ser um conceito mais adequado para se pensar os termos atuais da integração e, mais especificamente, no que se refere à realidade latinoamericana, o que certamente inclui o cenário do cone sul. E mais adequado para se pensar as possibilidades de uma outra integração possível (DELLO BUONO, 2006), como proposta ao contexto latino-americano, e, em especial ao contexto da América do Sul, tão fortemente marcado por profundas desigualdades sociais. Essa nova referência difere das concepções economicistas da integração – fundamentando-se na necessidade de influenciar e receber influência de todos os âmbitos da sociedade, em uma integração que traga certamente elementos comerciais, mas que para além disso, se configure como uma integração social – com a consolidação de políticas públicas amplas, principalmente sociais, desenhadas para as necessidades dos blocos constituídos a partir desta perspectiva e a população que neles reside.

Professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP – Campus de Franca e coordenadora do NEPPs - Núcleo de Estudos em Políticas Públicas na mesma universidade. 2 Professora da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP – Campus de Franca e vice-coordenadora do NEPPs Núcleo de Estudos em Políticas Públicas. 3 Professora da Universidade Anhembi Morumbi e membro do NEPPs. 4 Mestrando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e membro do NEPPs. 1

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É sobre as bases teóricas deste tipo de integração no âmbito do Mercosul que se debruça esta comunicação, na esteira dos estudos do novo regionalismo e, mais especificamente, na perspectiva do que vem se desenhando na literatura latino-americana de integração regional como regionalismo pós-liberal nos termos de Sanahuja (2012). No texto esta proposta é retomada e articulada à preocupação destacada no preâmbulo do Tratado de Assunção que considera que a integração regional “constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social". Seu objetivo é, a partir das contribuições de Amartya Sen e Celso Furtado, a respeito do processo de desenvolvimento, e as de Iris Marion Young e Rainer Forst sobre justiça social internacional, pensar elementos que possam contribuir para o aprofundamento do debate acerca de um projeto social para o Mercosul. A proposta da integração social do Mercosul: diálogos com o regionalismo pós-liberal O processo de constituição do Mercosul foi fundamentado sob bases e premissas essencialmente econômicas, caráter já observado no Artigo 1º do Tratado de Assunção, documento legal que institucionaliza o bloco. Neste estão dispostos os objetivos a serem atingidos com o processo de integração regional: a busca pela livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os membros a partir da eliminação das restrições nacionais; o estabelecimento de tarifa externa e política comercial comuns para a região; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes; e a harmonização das respectivas legislações nacionais para o fortalecimento do processo integracionista (BRASIL, 1991). Com tais propósitos em mente, as negociações e discussões geradas no âmbito do Mercosul passaram a focar aspectos econômicos e, sobretudo, comerciais. Mas antes mesmo deste Artigo 1º deve-se destacar os elementos contidos no Preâmbulo do Tratado de Assunção. Nele estão explicitadas as bases constitutivas do bloco, fundamentando que “a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social”, focando no “aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas [...]” e na promoção do “desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados Partes [...] a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes” (BRASIL, 1991, grifos nossos). Este Preâmbulo, pouco lido e considerado, tem igual valor legal aos demais dispositivos firmados no Tratado. É com base nesta leitura do Mercosul que, ainda que desde sua constituição, tenha seguido uma orientação pautada na integração econômica e aduaneira, em detrimento de outros temas e projetos sociais comuns a seus Estados parte, é possível pensar o bloco em termos de potencialidades neste sentido. Na época da assinatura do Tratado de Assunção os aspectos sociais deste processo de integração ganharam espaço marginalizado, porém seu avanço começou com a criação do Foro Consultivo XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Econômico-Social, um dos seis órgãos que compõem o bloco e desde então, ainda que timidamente só tem demonstrado avanços. Em 2000 os presidentes dos Estados parte do bloco, Bolívia e Chile, assinaram a Carta de Buenos Aires sobre Compromisso Social e se comprometeram a fortalecer o trabalho conjunto entre os seis países, assim como o intercâmbio dos problemas sociais mais agudos que os afetam, procurando uma solução viável. No mesmo ano, foi criada a Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul (RMADS), entidade encarregada de orientar a coordenação de políticas de desenvolvimento e ações conjuntas voltadas ao desenvolvimento social dos Estados parte, com a missão de gerar espaços de debate e definir estratégias conjuntas para encarar a problemática social, espaço que foi denominado “Mercosul Social”. Contudo, foi com a criação do Instituto Social do Mercosul (ISM) em 2007 que se fortaleceu de fato a dimensão social. Sua meta era levar a cabo iniciativas que contribuíssem para a redução das assimetrias sociais entre os países que compõem o bloco e promover assim o desenvolvimento humano. O instituto visa se consolidar como um órgão técnico-político, ganhando legitimidade na região para poder assessorar os governos que procuram construir políticas sociais regionais.5 Estas propostas, ainda que de forma tímida, têm consolidado uma forma de tratar a integração regional que se relaciona com temas sociais relevantes que, parecem se vincular aos moldes do regionalismo pós-liberal nos termos de Sanahuja (2012)6. Tal proposta que procura combinar esquemas de integração regional que recorrem ao Estado desenvolvimentista, sem esquecer-se da redefinição de políticas pensadas de forma regional. Suas características envolvem: a primazia da agenda política, com menor ênfase na agenda econômica e comercial; um retorno à agenda de desenvolvimento, com políticas que se Em 2009 foi fundado o Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH), cujo objetivo é promover mecanismos institucionais e ações estratégicas que visem a incrementar os níveis de igualdade e inclusão social. Em particular, a intenção é que haja o estímulo ao tratamento dos direitos nas políticas públicas de caráter social; e o apoio a políticas de acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais, igualdade e não discriminação, acesso à justiça e participação na esfera pública de grupos segregados da sociedade. O Estatuto de Cidadania do Mercosul, aprovado em 2010, estabeleceu um conjunto de direitos fundamentais e benefícios, sobre “circulação de pessoas, fronteiras, identificação, documentação, trabalho e emprego, previsão social, educação, transporte e defesa do consumidor, a ser desenvolvido até 2020” (Mercosul, 1991). A implementação do Plano Estratégico de Ação Social, feita pela Cúpula do Mercosul, representou um avanço na elaboração de um projeto de combate à fome e à miséria. Algumas de suas diretrizes são a de garantir o direito humano à alimentação sã e adequada, erradicar a fome e combater a desnutrição. Além disso, objetiva lutar contra a pobreza e as desigualdades sociais em nível nacional e regional, promovendo a redistribuição da renda e dando espaço a perspectiva de gênero. 6 Para melhor compreensão sobre como tem se dado os fenômenos integracionistas na América Latina José Antonio Sanahuja (2012) apresenta uma relevante tipologia de quatro principais períodos em que este processos se delimitam: o “velho” regionalismo dos anos 1960, o “novo” regionalismo dos anos 1990, o regionalismo aberto de 1990 a 2005 e, por fim, o regionalismo pós-liberal iniciado após este período e segue até a atualidade. O autor define o “velho regionalismo” como o período em que os processos de integração voltados à temática do desenvolvimento econômico despontavam conjuntamente com organizações regionais mais alinhadas aos interesses estadunidenses. O “novo regionalismo”, se afastando deste modelo, recupera a agenda política que considera outras temáticas (que não só a econômica e de segurança regional) e, ao mesmo tempo, inicia o processo de incorporação das preocupações com o mundo globalizado e as consequências disto para a inserção internacional destes países. Este movimento se diferenciaria do regionalismo aberto para este autor, entendendo que durante o “regionalismo aberto” a influência do modelo neoliberal para a compreensão do desenvolvimento dos países latino-americanos já assume centralidade e atinge seu auge nos processos de integração. Faz-se necessário mencionar, porém, que há autores, como Daniela Perrotta (2013) que, pela proximidade das discussões do regionalismo aberto e do novo regionalismo, utilizam a denominação “regionalismo aberto” para os dois períodos. 5

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distanciam do regionalismo aberto centrado na liberalização comercial e nas regras do “Consenso de Washington”; um maior papel designado aos atores estatais, com ênfase na agenda que busca a criação de instituições e políticas comuns, bem como uma cooperação mais intensa em âmbitos não comerciais; a preocupação com dimensões sociais e assimetrias enquanto níveis de desenvolvimento, vinculando redução da pobreza, desigualdade e justiça social à concepção de integração regional; um olhar voltado às deficiências infraestruturais da região para comunicação interna e externa ao bloco; ênfase na segurança energética complementar entre os países do bloco e, por fim, a busca de maneiras de promover participação e legitimação social aos processos de integração (SANAHUJA, 2008, p.18). No entanto, esta relação entre integração regional e temas sociais dentro da perspectiva em pauta precisa ser melhor estudada, tendo em vista as proposições mais bem delimitadas da proposta, ou seja, dos conteúdos do que efetivamente entende-se por regionalismo pós–liberal, de modo até que, posteriormente, estas proposições possam ser investigadas vis-à-vis à realidade empírica dos projetos e programas levados a termo dentro do bloco e respectivas áreas. Ocorre, porém, que pela literatura disponível, e ainda em construção, acerca do regionalismo pósliberal, não há muito aprofundamento, em uma série de aspectos, por parte dos diversos autores que o defendem. Isso ocorre inclusive no que se refere às definições centrais para a proposta, como por exemplo, o conceito de desenvolvimento, dependência e autonomia, destacados por Perrotta (2013). Outros termos tão importantes quanto o de desenvolvimento, como pobreza e desigualdade, também não são trabalhados de forma clara, o que certamente compromete a transposição de definições abstratas e gerais para a criação de esquemas operacionais que permitam a captação da realidade e seu estudo em nível mais próximo do seu cotidiano. Portanto, para melhor qualificar esta perspectiva faz-se necessário avançar no debate e delimitação de alguns destes conceitos, sobretudo o de desenvolvimento, que é central nesta proposta, assim como as variáveis que o compõem. Nela o conceito de desenvolvimento qualifica a análise e discussão que se quer levar a termo. Leituras do desenvolvimento: as contribuições de Amartya Sen e Celso Furtado O crescimento é considerado uma condição indispensável para o desenvolvimento, mas não suficiente para tanto. Isto porque este último envolve, além da criação de riquezas, os benefícios decorrentes deste processo para a população. A ideia subjacente é a de que promova a ‘melhoria nas condições ou na qualidade de vida das pessoas’. Diz-se, portanto, que há desenvolvimento quando não somente há expansão do produto econômico como também há melhoramento nas condições em que este produto é obtido, distribuído e usufruído pelos indivíduos de uma dada localidade. Há, então, uma distinção entre a expansão quantitativa da atividade econômica – que resulta em crescimento – e a transformação qualitativa decorrente deste processo – o desenvolvimento. Dada a interXV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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relação óbvia entre estes dois conceitos, a literatura que trata das questões relacionadas ao desenvolvimento aborda também as condições de geração, manutenção e expansão do crescimento econômico. A formalização teórica neoclássica desconsiderou a característica de processo que o crescimento econômico tem – ou seja, ele passou a ser compreendido como uma simples variação do Produto gerado por um país ou uma localidade, sendo, para efeitos de mensuração, comparado à variação populacional. O produto per capita (ou Produto Interno Bruto – PIB per capita) e sua variação ao longo do tempo passou a ser sinônimo de crescimento econômico. Já a literatura que trata da questão do desenvolvimento aborda também as condições de geração, manutenção e expansão do crescimento econômico, ainda que o segundo possa existir sem o primeiro – mas não o contrário. O crescimento – expansão na renda per capita – seria um meio para obtenção e garantia de liberdades econômicas (individuais e coletivas). Parafraseando Tucídides,7 “para nós, riqueza não é meramente material, mas uma oportunidade para realização”; assim, o processo de desenvolvimento não deve restringir-se somente ao acesso a bens materiais. Deve considerar a manutenção e expansão de direitos civis, políticos e sociais básicos, incluindo capacidades elementares como, por exemplo, ter “condição de evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão” (SEN, 2000, p.52). O desenvolvimento contempla outros elementos que são traduzidos em modificações positivas nas condições de vida da população: [...] está prestes a melhorar a qualidade de vida das pessoas, expandindo sua capacidade de delinear seus próprios futuros. Isto geralmente requer uma maior renda per capita, mas, ao mesmo tempo, coloca em jogo muito mais. Põem em jogo educação mais eqüitativa e oportunidades de emprego. Maior igualdade de gênero. Melhor saúde e nutrição. Um meio ambiente mais limpo, mas sustentável. Um sistema judicial e legal imparcial. Liberdades civis e políticas mais amplas. Uma vida cultural mais rica (THOMAS et al., 2002, p. XXIII).

Então, a compreensão sobre este processo contempla não somente as benesses do crescimento econômico como também as expande para além da consideração de um simples número, incorporando a noção de ‘desenvolvimento como liberdade’, de Amartya Sen (2000, p.17): “[...] um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”. Assim, de acordo com o autor, desenvolver uma sociedade significa expandir as capacidades das pessoas para que elas levem o tipo de vida que valorizam (SEN, 2000). Isso é possível se a liberdade for o fim primordial e o meio principal, para que com o tempo, o indivíduo seja capaz de assumir a condição de agente na política, na sociedade, na cultura e na economia.8 Pensador grego, que viveu de 460 a 400 a.C.. Pensando na liberdade como meio e não somente como fim, o autor considera que cinco tipos de liberdades instrumentais são necessárias para o alcance desta concepção mais global: (1) liberdades políticas, consideradas como os direitos políticos 7 8

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Entretanto, para efetivar esta liberdade faz-se necessário eliminar as suas possíveis formas de privações assegurando, desta maneira, a possibilidade de que os indivíduos possam se constituir em ‘agentes ativos’, utilizando a própria terminologia de Sen. Isto coloca como desafio a construção de políticas públicas que deem conta da superação destas barreiras para a liberdade efetiva dos indivíduos, para que de fato se alcance o desenvolvimento no sentido proposto por ele. Nesta mesma perspectiva, o apoio público para a melhoria nas condições de acesso às liberdades individuais é fundamental, portanto, por meio de políticas voltadas à supressão de “gargalos” de acesso a elas ou de falhas de mercado. Assim, o que Sen defende é que para além de um conjunto de habilidades para se obter a satisfação das necessidades humanas é fundamental ter suas necessidades básicas providas, assim como, em igual medida de importância, dispor de condições – meios – para fazê-las funcionar. É este o papel central das políticas públicas na perspectiva desta comunicação. Esta visão aproxima-se muito fortemente de um olhar bastante conhecido na América Latina. Já ensinavam os cepalinos, na figura central de Celso Furtado, que as teorias do desenvolvimento não são restritas ao crescimento, mas configuram-se como esquemas explicativos dos “processos sociais em que a assimilação de novas técnicas e o consequente aumento da produtividade conduzem à melhoria do bem-estar de uma população com crescente homogeneização social” (FURTADO, 1992, p.39). Nesta direção, é que estes mesmos estudiosos desenvolveram a perspectiva de subdesenvolvimento como o outro lado deste processo. A teoria do subdesenvolvimento buscou dar conta de situações de países em que aumentos de produtividade e assimilação de novas técnicas não conduziram à homogeneização social, mesmo que tivessem elevado o nível de vida médio da população. Para Furtado, o conceito de homogeneização social “não se refere à uniformização dos padrões de vida, e sim a que os membros de uma sociedade satisfazem de forma apropriada as necessidades de alimentação, vestuário, moradia, acesso à educação e ao lazer e a um mínimo de bens culturais” (FURTADO, 1992, p.38). Deste modo o subdesenvolvimento não se desenha como o oposto de uma sociedade totalmente igualitária, mas sim como um desequilíbrio na assimilação de novas tecnologias produzidas no capitalismo industrial. O cenário atual da América do Sul é mais facilmente compreendido quando se considera, simultaneamente, o ângulo de desenvolvimento das forças produtivas e o da transformação das estruturas sociais, mas principalmente a desarticulação que se estabelece entre estas duas dimensões. Trata-se de uma região com países que usufruem de relativo desenvolvimento das forças produtivas que não coaduna simetricamente com os níveis de condições de vida nela observados. associados à democracia; (2) facilidades econômicas, referidas às oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos, econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca; (3) oportunidades sociais, nas áreas da educação, saúde, etc., que influenciam a liberdade de o individuo ter uma vida melhor e assumir a condição de agente; (4) garantias de transparência, concebidas na sua relação com a necessidade de transparência e confiança para a vida em coletividade, como por exemplo, a diminuição da corrupção em uma sociedade; (5) segurança protetora, que proporciona uma rede de segurança social de segurança à população de liberdades substanciais, como não permitir que um indivíduo atinja a miséria (SEN, 2000).

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O desenvolvimento, então, implicaria não somente no crescimento econômico – e na busca por indicadores econômicos favoráveis – como também e, em principal medida, na superação do desequilíbrio existente entre as forças produtivas e apropriação que se faz dos bens produzidos por elas. Esta superação demanda, para além do crescimento, a necessidade de escolhas políticas bem claras em prol de um projeto que se ocupe da busca por uma maior homogeneização social, em consonância com as ideias de Furtado. Portanto, conforme apontado anteriormente, esta perspectiva até aqui apresentada, à luz das contribuições de Sen e Furtado, tem como objetivo qualificar a proposta do neo-regionalismo, dando conteúdos mais claros à ideia de desenvolvimento colocando, inclusive, tal projeto, a cargo de um Estado que introduza questões sociais em suas políticas. Isso não implica perder de vista a dimensão regional enquanto um espaço de possibilidades de aprofundamento dos benefícios do desenvolvimento, como salienta Furtado. Ainda que a questão não apareça com frequência nos seus escritos, o autor atribuía à integração regional um papel importante na superação do subdesenvolvimento: A teoria da integração constitui uma etapa superior da teoria do desenvolvimento e a política de integração, uma forma avançada de política de desenvolvimento. O planejamento da integração surge, pois, como a forma mais complexa dessa técnica de coordenação das decisões econômicas. (FURTADO, 2000, p. 331).

Para Furtado, a aproximação das economias semelhantes, de forma integrada, segundo um processo cauteloso e planejado, poderia sim se transformar em uma ferramenta de superação dos limites do subdesenvolvimento (BAUMAN, 2005). Riscos há. E Furtado os aponta com muito cuidado, inclusive no que se refere às assimetrias entre os países em integração, mesmo que consideradas suas semelhanças e proximidades. Mas, continua ele: "Não há dúvidas, entretanto, de que no caso de pequenas nações como as centro-americanas, ele constitui requisito prévio à formulação de uma política eficaz de desenvolvimento." (FURTADO, 2000, p. 332). E para além delas, mesmo entre as maiores, há um grande potencial em jogo, segundo ele.

O debate da justiça social internacional: reflexões de Iris Marion Young e Rainer Forst Na esteira dos estudos e refinamentos do conceito de desenvolvimento, a partir da concepção de “desenvolvimento como liberdade” é necessário refletir acerca de todas as variáveis que estão em jogo quando se pensa em garantir a justiça social como uma das metas do Mercosul e que vem sendo identificada com uma preocupação característica do novo modelo de integração em pauta. Quando pensamos na concepção proposta por Sen fica claro que é preciso ir além do que nos propõe a noção distributivista de justiça, pois é para a insuficiência dessa perspectiva que aponta o argumento de fundo de Sen, ou seja, para o fato de que uma distribuição equitativa de bens, renda e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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recursos não seria suficiente para alcançarmos resultados justos. Sen busca como alternativa pensar em termos de funcionamentos e capacidades, buscando uma visão mais prática e focada no indivíduo sobre o que seria o desenvolvimento social. Entretanto, no que se refere, especificamente, ao debate da justiça social, principalmente no âmbito internacional, os insights de Sen pouco nos ajudam a avançar. Apesar de querer fugir do viés distributivista, seu argumento leva a elaboração de uma lista de capacidades a serem “distribuídas” e garantidas às pessoas para que essas possam realizar seus funcionamentos. Em seu último livro, “The Idea of Justice” (2009), Sen aponta para uma questão relevante: é necessário desenvolvermos uma teoria da justiça cujo fundamento central seja a ação social, seja a vida das pessoas, e não as instituições. Sem abandonar a perspectiva das capacidades, Sen afirma: “a justiça é em última análise conectada com o como a vida das pessoas se desenvolve, e não apenas com a natureza das instituições que as circundam.” 9 (SEN, 2009, p.X). Criticando a premissa adotada por John Rawls (2008) e por neoinstitucionalistas - de que instituições justas geram um comportamento justo e por isso importam - para ele a abordagem da justiça não deve sobrevalorizar o papel das instituições, mas sim a vida que as pessoas são capazes de viver, volta-se aqui à noção de capacidades, e ao dilema que não ajuda muito a avançar. Porém, é frutífera a ideia de que é preciso pensar mais na ação social, e menos no papel das instituições. A prática tem mostrado que, entre a institucionalização de princípios e valores e a sua realização, há uma distância difícil de transpor. Por mais que as instituições sejam fruto de ideias e valores que, em um dado momento, estiveram em disputa na esfera pública, elas também estão sujeitas à indeterminação e a um constante escrutínio dos atores – direta ou indiretamente - com elas envolvidos. Atores que representam valores morais e projetos políticos em disputa e que fazem e refazem a instituição através de sua prática política. Essa prática coloca em xeque os princípios e objetivos institucionais, e também sua identidade. O processo não é simples, nem em linha reta, ou seja, a instituição assumir a justiça social como um de seus objetivos e adotar procedimentos justos não significa que a justiça se realizará. Nesse sentido, uma perspectiva de análise construtivista das relações internacionais mostra-se bastante útil, pois propicia pensar as ideias e valores que estão em jogo, e como os diferentes atores envolvidos no processo concorrem e colaboram para a construção da identidade institucional e do papel desempenhado e a ser assumido por cada ator. E, desta forma, evita-se construir uma correlação direta entre normas e fatos. Assumindo que a existência do Mercosul enquanto instituição e seus princípios é apenas um dos passos na direção da realização da cooperação e de uma integração que leve à justiça social, volta-se ao tema central da questão: a justiça. Não se trata de entrar no debate sobre se seria ou não possível pensar Tradução nossa, no original: “Justice is ultimately connected with the way people’s lives go, and not merely with the nature of the institutions surrounding them” (SEN, 2009, p. x) 9

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uma justiça global ou internacional, se a justiça se limita as fronteiras dos Estados Nacionais ou não, e se seria pertinente cobrar justiça de Estados se relacionando no plano internacional. Este é um controverso, mas que pode e deve ser pensado. E a hipótese em pauta é que é possível sim pensar nestes termos para o caso do Mercosul. Primeiro, porque que regimes e instituições internacionais têm efeitos distributivos que contribuem de forma significativa para os níveis de desigualdade e pobreza entre os Estados. Segundo, porque a justiça está na gramática do Mercosul. E as referências teóricas que vêm em auxílio são, na perspectiva da teoria crítica, as propostas por Iris Marion Young e retomada por Rainer Forst, que tomando a reflexão de Young como ponto de partida elabora uma perspectiva que se dispõe a pensar a partir de contextos de justiça, e para a qual o direito à justificação seria o bem fundamental da justiça social. Young afirma que a teoria crítica tem como base o fato de ser histórica e socialmente contextualizada, com o objetivo de projetar possibilidades normativas não realizadas, mas presentes em uma dada realidade social. A autora fundamenta sua perspectiva a partir da crítica à noção distributivista de justiça chamando a atenção para o fato de que concentrar na distribuição de bens e na organização de instituições justas faz perder importantes elementos definidores da injustiça e obscurece fatores fundamentais da estrutura institucional. É preciso olhar para outros importantes aspectos da justiça que incluem os processos decisórios, a divisão social do trabalho e a cultura. Segundo Young, opressão e dominação são os termos que conceituam a injustiça. Opressão é entendida por ela a partir de cinco aspectos: exploração, marginalização, desempoderamento, imperialismo cultural e violência. Para a autora injustiças distributivas podem contribuir para tais formas de opressão, mas nenhuma delas é redutível à distribuição. Todas as formas de injustiças distributivas envolvem estruturas sociais e relações que estão para além da distribuição de bens materiais. Dominação é entendida como a falta de possibilidade de participar na determinação da ação e de decidir sobre as condições de ação, na medida em que direitos são relações, não posses. São institucionalmente definidos por regras que especificam o que uma pessoa pode fazer em relação ao outro. Referem-se a ações sociais que permitem ou impedem a ação. O centro da crítica formulada por Young é que o viés distributivista falha em perceber que as identidades e capacidades individuais são produtos dos processos e das relações sociais, e dedica pouco espaço para a percepção de que as constrições às ações individuais se dão em função da relação que estabelecemos uns com os outros. É recorrendo a Giddens que Young esclarece sua posição: é preciso uma teoria social que leve o processo a sério para entender a relação entre estrutura e ação. Indivíduos não são meros receptores de bens, mas atores portadores de sentidos e propósitos que agem com, contra e em relação aos outros. Agimos a partir do conhecimento institucional, das regras e a partir de uma consequência estrutural da multiplicidade de ações, as estruturas são criadas e reproduzidas na confluência de nossas ações. A teoria

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social precisa conceituar a ação como produtora e reprodutora de estruturas, o que apenas existe na ação; por outro lado, a ação social tem as estruturas e relações como pano de fundo, meio e propósitos. Neste cenário Young, na verdade, torna a questão da justiça ainda mais complexa. O que a autora faz é trazer questões relativas à ação social e aos valores que são seu fundamento e das instituições às quais se referem, evidenciando o quão simplista pode ser o caminho institucionalista que aposta que arranjos institucionais justos garantiriam uma justa distribuição de recursos, bens e renda e propiciariam um comportamento justo. Entretanto, esta autora nos deixa poucas pistas para pensar o cenário internacional, chamando simplesmente a atenção para o fato de que as categorias que propõe não podem ser estendidas imediatamente para o contexto internacional, mas, ao mesmo tempo, também estão presentes nele. Deste modo é que as contribuições de Forst se fazem relevantes, na medida em que ao elaborar sua teoria da justiça faz apontamentos mais diretos para pensarmos a justiça internacional. Também a partir de uma perspectiva da teoria crítica, Forst chama a atenção para os mesmos elementos que Young. Seu ponto de partida é a noção de contextos da justiça. Para ele, para pensar a justiça transnacional (termo que ele adota) é preciso considerar (1) os diferentes contextos de justiça internos a cada Estado e os diferentes graus de institucionalização e cooperação social (2) que a globalização atingiu um ponto no qual é impossível não falar em um “contexto de justiça Global”. Forst sugere que precisamos elaborar uma teoria da justiça transnacional realista, o que requer um olhar crítico sobre o fenômeno. Para ele, o que temos no plano global é um contexto de cooperação coercitivo e de dependência, ao invés de interdependência. Dessa forma, o contexto internacional precisa ser visto como um complexo sistema de poder e dominação com uma variedade de atores poderosos, que vão desde instituições internacionais a corporações transnacionais e elites locais. Há nesse cenário uma situação de múltipla dominação: tem-se grupos que são dominados pelos seus governantes e elites locais, enquanto dominados e dominadores são – até certo ponto – dominados por atores globais. Dessa forma, para pensar a justiça no contexto global é preciso começar pela múltipla dominação e pelo entendimento de que os diferentes contextos da justiça estão conectados pelo tipo de injustiça que produzem. Para Forst a primeira questão da justiça é o poder. Assim, para mudar a situação de injustiça, precisamos mudar o sistema de poder. Na esteira da Young, ele afirma que a justiça demanda mais do que redistribuição de bens, renda e recursos: ela demanda uma mudança estrutural, nas instituições de produção de bens materiais, de distribuição e de processo decisório. Quando simplesmente se redistribui, os receptores da distribuição de bens permanecem como meros receptores passivos, cidadãos de segunda ordem que continuam não contando na estrutura decisória sobre a distribuição das vantagens em sociedade. Ao tratá-los como receptores de políticas redistributivas, do ponto de vista institucional, para Forst, deixa-se a estrutura de poder dominante intacta.

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É fundamental que a estrutura básica da sociedade seja plenamente justificada, e por isso o direito à justificação de demandas é o bem fundamental da justiça. O sistema internacional tal como está hoje precisa de justificação e é fundamental que se estabeleçam relações nas quais a justificação tenha lugar. O autor considera que, mesmo que o processo de justificação das estruturas de poder e distribuição de bens e riqueza, não façam frente às injustiças históricas e presentes, ele nos permite alcançar as raízes da injustiça social e estruturar os meios institucionais através dos quais alterá-la. Ou seja, instituições justas forçariam o “melhor argumento” no que se refere à justificação dessa distribuição. Nessa chave, aqueles que se beneficiam da ordem global atual seriam forçados a explicar porque ela deve ser assim, e os que sofrem com a exploração econômica e com o desempoderamento teriam o direito a veto. Assim, o ponto de partida normativo é o entendimento da dignidade dos indivíduos como atores, agentes que não devem ser submetidos às estruturas de poder que não podem influenciar. Certamente, no contexto global a questão é mais complicada que no contexto nacional, pois, para Forst, não há justiça global sem justiça interna às fronteiras dos estados e vice e versa. Eis a complexa conexão que torna tão difícil a realização da justiça. Considerações Finais A atual demanda por uma outra integração que envolva fatores não apenas econômicos, mas também políticos e sociais se baseia, segundo Dello Buono, em um projeto regional alternativo mais solidário, includente e democrático do que o atual modelo: “el movimiento hacia la outra integración posible es um proceso transformador y emancipatório” (DELLO BUONO, 2006, p.18). O objetivo deste texto foi contribuir para o fortalecimento das bases teóricas desta proposta, em termos de integração social do Mercosul, a partir de novas perspectivas dentro das Relações Internacionais, apoiadas por estudos já clássicos no que diz respeito ao tema do desenvolvimento, assim como em estudos mais recentes, no que se refere à justiça social em nível internacional. A intenção foi tentar contribuir para a construção de uma proposta de integração mais embasada, capaz de promover o fortalecimento regional pautado na condição periférica comum dos países que compõem o Mercosul e no interesse coletivo em busca de alternativas concretas de transformações sociais. Referências BAUMAN, Renato. Integração regional e desenvolvimento econômico - com referência a Celso Furtado. CEPAL, 2005. Disponível em: http://www.cepal.org/publicaciones/xml/2/22292/LCBRSDT028 RenatoBaumann.pdf Acesso em: 10 jun. 2015. DELLO BUONO, R. A. Diálogo Sudamericano: outra integración es posible. Quito: Ediciones La Tierra, 2006. FORST, Rainer. The Right to justification. Elements of a construtivist theory of justice. New York: Columbia University Press, 2012. _______. Justification and Critique. Towards a Critical Theory of Politics. Cambrigde, UK: Polity Press, 2014. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 327 FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. _______. Teoria e Política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Paz e Terra, 2000. MERCADO COMUM DO SUL. Tratado de Assunção. Assunção, 1991. Disponível em: . Acesso em 28 de maio de 2013. PERROTTA, D. “La integración regional como objeto de estudio. De las teorías tradicionales a los enfoques actuales”, en Elsa Llenderrozas (Ed.), Teoría de Relaciones Internacionales. Buenos Aires: Editorial de la Universidad de Buenos Aires (EUDEBA), 2013. SANAHUJA, J. Del "Regionalismo Abierto" al "Regionalismo Post-Liberal": Crisis y cambio en la integración regional en América Latina. In: MARTINEZ, L (Org.); PEÑA, L (Org.); VAZQUEZ M. Barreras y obstáculos a la integración en América Latina y el Caribe - edição Anuário de la Integración Regional de América Latina y el Gran Caribe. 1. ed. Buenos Aires: CRIES/ Diseño, 2012. ___________. Regionalismo Post-Liberal y multilateralismo en Sudamérica: El caso de UNASUR. In: SERBIN, A. (Org.); MARTINEZ, L. (Org.); RAMANZINI JÚNIOR, H. (Org.). El regionalismo post - liberal en América Latina y el Caribe: nuevos actores, nuevos temas, nuevos desafios - edição Anuário de la Integración Regional de América Latina y el Gran Caribe 2008-2009. 1. ed. Buenos Aires: CRIES, 2008. v. 1. p. 11-54. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. _______. The Idea of Justice. Massachusetts: Belknap Press – Havard University Press Cambirgde, 2009. THOMAS, V. et al. A qualidade do crescimento. São Paulo: Editora Unesp, 2002. YONG, Iris M. Justice and the Politics of Difference. New Jersey: Princeton University Press, 2011.

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Unasul: a construção de uma autonomia sul-americana?1 Jóhidson Ferraz2 Cynthia Leonor Centurión Cáceres Introdução

A

Unasul, criada em 2008, configurou uma substancial transformação na interação dos Estados da região entre eles, e, deles para o sistema internacional. A conjuntura internacional na América do Sul no período entre o fim da Guerra Fria

até meados dos anos 2000, possibilitara a criação da Unasul, a qual é resultado das transformações na integração regional dos anos 1990 baseados no regionalismo aberto, para a ampliação da agenda integracionista ocorrida dentro do regionalismo pós-liberal. Neste espeque, partimos de um modelo de análise que reflexiona quatro vetores propulsores desse processo: o continuum do sistema internacional/ realidade regional, a identidade, a dilatação da agenda pós-liberal, e a questão da autonomia. O primeiro, a ampliação da agenda pós-liberal prevista por VEIGA e RIOS (2007), abarca a construção de uma identidade sul-americana ancorada na ideia de autonomia da região em relação aos Estados Unidos, além de uma multiplicidade de direcionamentos e setores que compõe a agenda dos processos integracionistas nesse período. Além disso, e que está intimamente ligada com essa dilatação, com a virada do século, vê-se a convergência da chegada ao poder de governos progressistas de esquerda motivados pelo descontentamento das populações ao modelo imposto pelo Consenso de Washington e ao continuum conjuntural do sistema internacional/ regional. Aqui nos cabe uma explicação metodológica desse conceito: continuum aqui expressado, refere-se analogicamente ao arquétipo teórico concebido por Rene Zavaleta (2009), entendido como os resultados históricos-políticos resultantes da dialética do capitalismo mundial. Nesses termos, acreditamos que o continuum conjuntural do sistema internacional/regional na criação da Unasul é caracterizado, tendo início, na tensão causada pela ‘guerra ao terror’ após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, a inauguração do período de governos progressistas de tendências esquerdistas na América do Sul com a ascensão de Hugo Chavez na Venezuela em 1998, seguido de uma reorientação das agendas de política

O presente trabalho é uma adaptação mais recente do artigo denominado “UNASUL e a configuração de um novo regionalismo nos marcos da correlação soberania, autonomia e intergovernamentalismo”, que está no prelo para publicação no livro “Direito e Relações Internacionais na América Latina” pela editora Arraes. 2 Mestrando do Programa Interunidades em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo e bolsista CAPES. Email: [email protected].  Bacharel em Relações Internacionais e Inegração pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana UNILA. Email: [email protected] 1

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externa dos países da região puxados pelos projetos integracionistas venezuelano e brasileiro, enquanto no campo econômico vê-se uma reorientação comercial mundial3 do Oceano Atlântico para o Pacífico, principalmente pelo aparecimento da China como player mundial e sua insistente aproximação com os países sul-americanos, além da crise econômica nos EUA que se alastrou para a Europa em 2008. E, para além, o surgimento do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), encerraria esse período, uma vez que se tornaram elementos decisivos a influenciar o aparecimento da Unasul. Paralelamente, e que se relaciona com os vetores até aqui elucidados, temos o terceiro vetor de caráter mais ideacional que influencia a criação da Unasul, que é o resgate de ideais integrativos da região do século XIX, que vão forjar uma identidade integrativa para o processo unasulino. Em linhas gerais, no século XIX, lembra Dulci (2012), predominou dois ideários de integração na América do Sul: o latino-americanista e o pan-americanista. O primeiro, gestado por Simón Bolivar, Presidente da Grã Colômbia, da Venezuela, da Bolívia e do Peru, fora materializado pelo Congresso do Panamá, reunião que propunha criar uma confederação dos estados entre os países que se tornaram independentes a fim de evitar a ingerência da Espanha, a antiga metrópole.4 O segundo, elaborado por James Monroe, Presidente dos Estados Unidos da América, ganha força à medida que o projeto bolivariano se esvai em disputas internas, originando a chamada Doutrina Monroe. Sob o slogan “a América para os americanos” versava, principalmente, sobre a extinção de qualquer interposição da Europa na América, bem como a não interferência americana em conflitos europeus. O panamericanismo5 difunde os preceitos que servirão de norte para o que anos depois seriam as Conferências Pan-americanas6, e dessas a criação da OEA. Importante perceber, conforme apresentara Dulci (2012), o Bolivarianismo surge em 1815, com a Carta da Jamaica, cujo teor maior era a afirmação de uma vontade de formar uma confederação hispanoamericana com regiões antes dominadas pelo Império Espanhol, na qual EUA e Brasil estariam fora. O primeiro pelo ideário expansionista, percebido por Bolívar e o outro porque ainda detinha a monarquia como regime político. Nesse ponto esse resgate é paradoxal e revelador. Paradoxal porque resgata-se na tentativa de forjar uma identidade comum latino-americana/ sul-americana um evento em que o Brasil (um dos principais impulsionadores da Unasul) era tido como um estranho e indesejoso desse processo

Vale ressaltar, também, o fator da ascensão chinesa no comércio mundial, o qual atinge, pelo menos em uma primeira mirada, positivamente a região, onde o comércio de commodities dos países sul-americanos com a China nos primeiros anos 2000 representou um aumento de cerca de 150% e é apontado por muitos analistas como uma das causas dos baixos impactos da crise de 2008 na região (DUPAS;OLIVEIRA,2008). 4 Segundo Santos (2004) Bolívar acreditava que a Doutrina Monroe tinha o mesmo conteúdo intervencionista do tratado constitutivo da Santa Aliança, além de não ter sido uma antiga colônia espanhola, gerando dificuldades linguísticas e culturais insuperáveis. 5 O Pan-americanismo pode ser definido como o movimento dos países americanos para criar e fomentar a colaboração entre os estados em diversos âmbitos de interesses comuns, sejam militares, econômicos, políticos, diplomáticos, sociais ou culturais (SANTOS, 2004). 6 As conferências pan-americanas se caracterizaram como um esforço diplomático dos Estados no sentido de estabelecer mecanismos de aproximação entre si e os demais países do continente. (SANTOS, 2004). 3

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e revelador porque nos mostra a herança histórica-ideológica da tentativa de manter os EUA fora da organização e sem sua ingerência. Nesta direção estão os escritos de Martins e Ferraz (2014, p.6)), que demonstram que em 1826, quando ocorre o Congresso do Panamá, [...] é selada uma aliança com o objetivo de defesa comum, solução pacífica de conflitos e preservação da integridade dos territórios dos Estados-membros, além de abolição do tráfico de escravos africanos, estabelecimento de contingente dos efetivos militares, no Exército e na Marinha. Restava claro que, a despeito do caráter ideológico, a preocupação dos signatários, recém-emancipados, passava pelo temor de uma possível intervenção da Espanha visando à recolonização, assim como o fortalecimento conjunto frente a outras nações, como os EUA e o Brasil.

No entanto, segundo Ferraz e Martins (2014) a ideologia de uma Pátria Grande bolivariana, a partir de concepções de justiça social, de promoção da educação pública gratuita e obrigatória, de repúdio à intromissão estrangeira nas nações americanas e à dominação econômica, expressas por Simón Bolívar nos documentos da Carta de Jamaica, no Discurso de Angostura e no Manifesto de Cartágena, tem influenciado no decorrer do tempo, o qual é iniciado em 2008, as iniciativas de integração que proponham a união dos países latino-americanos, sul-americanos, centro-americanos e caribenhos, sem a presença dos EUA. Dessa assertiva, surge o quarto vetor desse novo regionalismo iniciado pela Unasul, a questão da autonomia, a qual é objeto central desse trabalho e se tornou peça central para o entendimento da criação da Unasul e de um forjamento de uma autonomia regionalizada dos países da América do Sul. Desse modo, para nos aprofundarmos nesse entendimento e reflexão, dividimos o trabalho em duas partes, na qual a primeira estabelece e discute o marco teórico do conceito de autonomia, e na segunda denota como as bases da Unasul podem denotar a construção de uma autonomia sul-americana. Autonomia como vetor integrativo Em um recente artigo, Leonardo Granato (2014), apresenta a autonomia como vetor da ação externa e da integração na América do Sul. Para ele, a partir de 2003 o Mercosul e a Unasul, em 2008, marcam uma expressão renovada e inédita do conceito de autonomia conforme fora idealizado pelos intelectuais latino-americanos da década de 1970-80, os pertencentes da Escola da Autonomia. Para Granato (2014, p. 80), autonomia dos Estados deve ser entendida como um suficiente grau de liberdade de manobra para projetar e executar projetos nacionais viáveis de desenvolvimento, que os converta em participantes ativos e não subordinados da globalização.

Essa concepção é assimilada com a proposta por Ferrer (2006), que é herança e tem influência dos escritos da Cepal sobre integração regional, a qual devia ser usada como ferramenta com vistas a reverter o “estado de periferismo” dos países da América Latina.

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Em um sentido geral, caberia aos Estados criarem estratégias autonomatizantes, as quais seriam sustentadas por ideologias do tipo nacionalista e mercado internista, para gerar certa influência no sistema internacional, fundamentalmente em relação com os mais poderosos (GRANATO, 2014). Desse rastro que viria a concepção de autonomia relacionada com a criação da Unasul, uma vez que a aglutinação das capacidades nacionais em um arranjo integracionista, permitiria, aos Estados sul-americanos, atingir uma maior viabilidade e um status, que suas condições de periféricos não permitiria, que é melhores níveis de negociação e inserção internacional. Ao encontro desses escritos temos os aportes trazidos por Russell e Tokatlian (2001 e 2003), os quais apontam que a ideia tradicional de autonomia nas Relações Internacionais está relacionada, no decorrer do desenvolvimento da disciplina e das conjunturas internacionais, com condições de isolamento, autossuficiência, ou de oposição, principalmente em relação os países da periferia do sistema internacional. Para esses autores, a aceleração da globalização nas últimas décadas teria modificado sensivelmente o espaço de ação dos países latino-americanos. Segundo eles: Autonomía ha tenido a ligarse con autosuficiencia bajo involucramiento en esquemas cooperativos y regímenes internacionales e identidades nacionales que se construyen por oposición. La definición que proponemos asigna otro significado a la autonomía como condición y como interés nacional objetivo: “autonomía relacional” debe entenderse como la capacidad y disposición de los estados para tomar decisiones por voluntad propia con otros y para controlar conjuntamente procesos que se producen dentro y más allá de sus fronteras (RUSSELL e TOKATLIAN, 2001: p. 88).

Nesses termos, pode-se denotar que esse novo contexto global demandaria que a autonomia fosse definida de uma forma diferente, havendo a necessidade de transição para a autonomia relacional e que, segundo Vigevani e Ramanzini Júnior (2014), traduz-se numa crescente interação, negociação e participação na elaboração das normas e regras internacionais. Ou seja, a autonomia não é mais definida pelo poder de um país para isolar-se e controlar o processo externo e eventos, mas sim, pelo seu poder de participar e efetivamente influenciar em questões globais e regionais, particularmente em todos os tipos de organizações internacionais e de regimes políticos. Não obstante, Vigevani e Ramanzini Júnior (2014), reflexionando os aportes de Russel e Tokatlian (2003), ainda apontam que o aspecto da autonomia advinda do processo de integração entre os países sul-americanos adquire especial relevância, uma vez que a dimensão contra hegemônica resgatada pelos governos sul-americanos para a criação da Unasul é balanceada com a sua institucionalização amparada nas bases do Direito Internacional, o que possibilita os estados alcançarem outro nível de arbítrio e de discricionariedade decisória no âmbito hemisférico e mesmo global. Entretanto, essa reivindicação de autonomia traz em seu bojo outra problemática que tende a ser paradoxal: a questão da soberania dos Estados que constroem a Unasul e como isso se relaciona com a forma decisória da instituição, o intergovernamentalismo.

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Assim, na próxima seção nos debruçaremos nessa relação que em perspectivas mais tradicionais se chocam em alguns pontos, porém é fulcral para o estabelecimento desse novo regionalismo que é soberania, autonomia e arranjo institucional de toma de decisões. A correlação causal autonomia/soberania e intergovernamentalismo O conceito de soberania tem sua trajetória iniciada na antiguidade, passando pelas formulações no pensamento ocidental, com Bodin, posteriormente refinada por Hobbes, Locke e Rousseau, e passando pela Primeira Grande Guerra, temos autores que trataram da questão da soberania a partir da dicotomia entre direito e força, como: Kelsen, Bodenheimer, Schmitt e Heller. Porém, partindo de uma visão clássica, existe um ponto em comum desses autores, os quais delineiam o conceito de soberania entendido em duas dimensões: a primeira quanto ao contorno interno do Estado, e o segundo quanto ao aspecto externo, que diz respeito ao relacionamento entre as unidades iguais no ambiente anárquico, ou seja, os Estados no sistema internacional (HERMANN, 2010). É desse segundo aspecto que nos preocupamos com o marco de soberania no processo de integração da América do Sul. Isso porque, a Unasul é uma organização internacional que congrega a despeito das maiores ou menores aproximações de seus membros com os EUA, os 12 países do continente, inclusive a Guiana e o Suriname, com forte identificação caribenha. Esse fato, deve ser percebido uma vez que o organismo abriga Estados com desejos, estratégias, projetos e governos distintos, os quais poderiam estancar os propósitos da iniciativa integracionista. Entretanto, sua estrutura institucional e forma de tomada de decisão fora concebida a partir dessa realidade diversa combinada com a questão da não cessão de soberania por parte dos Estados, por isso a Unasul organiza-se sob a égide do intergovernamentalismo. Esse, por sua vez, conforme explica Ramos (2009), está embasado em três elementos essenciais: o comportamento racional estatal, a formação de preferência nacional e a negociação interestatal. Tais elementos podem ser verificados na conformação politico-institucional da Unasul, principalmente a partir da tese de que os Estados agiriam de forma racional na busca de objetivos comuns, como no caso da agenda de desenvolvimento interno dos países da região, das preferências nacionais auferidos aos processos decisórios no que toca a formulação de política externa de cada Estado-parte e o tipo de tomada de decisão que deve ser consensuada a partir das negociações interestatais não tendo prejuízos no que tange a soberania desses Estados, conforme apresentado em seu artigo segundo do Tratado Constitutivo. Desse modo, em arriscada síntese, em uma perspectiva clássica, soberania pode ser entendida como a autonomia do Estado em relação à sociedade interna que ele abarca, sua posição ante as leis e seu poder de controle no âmbito interno. Dizer de um Estado soberano significa dizê-lo independente para regrar-se e relacionar-se, inclusive com outros Estados soberanos. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Nessa direção temos os aportes de Litrento (2001), que denota soberania como "o poder do Estado em relação às pessoas e coisas dentro do seu território, isto é, nos limites da sua jurisdição". Neste espeque, repisa-se, clássico, a soberania cristaliza-se como uma supremacia no direito interno. Por outro lado, tal conceito não é aplicado dessa maneira no Direito Internacional. O que acontece é que, para que haja um processo de organização e integração dos Estados no plano internacional, onde há princípios de assistência econômica, social, política, dentre outros, é necessário que os países mitiguem determinada parte de sua soberania e se sujeitem a regras comuns de direitos, deveres e comportamento mediante a comunidade internacional. Contudo, Litrento (2001) também, aponta que no momento de extrema globalização atualmente vivenciado, a tendência dos países de união em blocos regionais faz com que o conceito clássico de soberania dê lugar a uma definição mais moderna e adaptada à nova realidade dos Estados no plano internacional. Nestes contornos, torna-se impensável proteger uma soberania absoluta, tanto no plano externo, quanto no plano horizontal. Como qualquer outra relação privada havida entre sujeitos de direito, existe uma autocomposição de regras individuais que cada parte se compromete a seguir, de forma a possibilitar o desenvolvimento sadio da relação (a exemplo dos tratados, declarações, protocolos). Assim, de forma a respeitar outro princípio intimamente ligado com a soberania, a segurança jurídica, criou-se um conjunto de entidades internacionais e regramentos (aprovados internamente pelos Estados soberanos), com as quais cada Estado-membro se relaciona e se compromete a seguir, respectivamente (LITRENTO, 2001). Desse modo, não há, per se, uma mitigação da soberania, mas uma adaptação de seus conceitos. Essa afirmativa é a base para pensarmos acerca da criação da Unasul como um organismo de caráter intergovernamental, onde é preservada a soberania dos Estados participantes, e somadas com a finalidade de perfazer um ente capaz de evidenciar e assegurar a autonomia desses Estados e ao mesmo tempo impulsionar a partir do depósito dessas soberanias estatais, uma soberania da região pautada na autonomia relacional nos moldes de Russel e Toklatian (2001), visto anteriormente. Essa nossa reflexão encontra base nos aportes de Litrento (2001) que explicita que tais quais as próprias leis, as extensões da soberania devem alcançar a gama de relações, internacionais ou não, materialmente possíveis. E, como sabido, a sociedade, seus elementos, objetivos e relações estão em constante mutação, que devem ser acompanhados pela soberania. Desta forma, em contraponto, portanto, pelo conceito clássico, dizer de um Estado soberano, hoje, significa dizê-lo autônomo e independente para criar e cumprir relações pelas quais se comprometeu, sem, com isso, abdicar dos direitos fundamentais, da liberdade e demais prerrogativas que seu próprio caráter soberano implementou internamente, cumprindo assim, horizontalmente e verticalmente, seu dever como soberano de uma coletividade interna de sujeitos de direito.

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Em suma, com o arcabouço teórico-analitico evidenciado acima podemos entender que os Estados sul-americanos detentores de soberania se agrupam na Unasul, uma organização internacional intergovernamental, a fim de estabelecer certo grau de autonomia ao seu projeto nacional, e concomitantemente, participa da construção de bases para que o arranjo regional postule certo tipo de autonomia em escala hemisférica/ internacional. Considerações finais Assim, em termos práticos, a proposta de criação da Unasul, como vimos ao longo do trabalho, corresponde em essência ao principal motivo para o desenvolvimento dos Estados da América do Sul, uma problemática que deve ser resolvida pelos Estados em seu conjunto, o que evidencia que a propulsão do processo integracionista unasulino está atrelado as vontades e anseios políticos dos governos frente as agendas de desenvolvimento dos Estados-membros. Em outras palavras, a propulsão da integração que engendra a Unasul não perpassa apenas na cooperação em um único âmbito – ou impulsionada por agentes externos a região como é possível verificar nas ondas do regionalismo no século XX –, quer queira econômico, politico, comercial, social, cultural, etc, mas sim no conjunto de todos esses, os quais estão presentes nos projetos de desenvolvimento dos países da região. Essa miríade de abrangência da Unasul é percebida através de sua estrutura institucional que abriga conselhos setoriais7 (um específico para cada matéria), se configurando o que convencionou-se chamar de integração multissetorial (RODRIGUES, 2013). Para além, a importância dos conselhos setoriais está na formação de respostas conjuntas e consensuadas das problemáticas comuns enfrentadas por todos os países sul-americanos, o que gera uma interlocução essencial para o aprofundamento da integração. Contudo, é evidente também a necessidade de uma maior disposição dos governos para uma consolidação desses conselhos, principalmente, por conta do princípio do consenso que deve haver entre todos. Aqui, cabe-nos pontuar que a ideia do consenso intergovernamental – pilar decisório da Unasul – torna-se um paradoxo para o aprofundamento da integração. Isso porque, como vimos, a convergência de governos progressistas de esquerda nos primeiros dez anos do século XXI na região possibilitaram a criação da Unasul, porém, não estaria condicionada a concertações de tendências ideológicas semelhantes para que não haja redução das pautas integracionistas ou mesmo gerar obstáculos para a integração sulamericana?

Segundo seu Tratado Constitutivo os conselhos são: Conselho Sul-Americano de Saúde, mais conhecido como UNASULSaúde; Conselho Sul-Americano de Desenvolvimento Social; Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento, também conhecido como COSIPLAN, Conselho Sul-Americano de Educação; Conselho Sul-Americano de Ciência, Tecnologia e Inovação. Conselho Sul-Americano sobre o Problema Mundial das Drogas; Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), Conselho Sul-Americano de Economia e Finanças; Conselho Energético Sul-Americano; Conselho Eleitoral SulAmericano; Conselho de Segurança Pública, Justiça e Coordenação de Ações contra a Delinquência Transnacional. 7

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Todavia, essa constatação não remete a uma predileção pela supranacionalidade, pelo contrário, acreditamos que a saída para esse paradoxo está na consolidação das instituições, órgãos e mecanismos onde o poder decisório se paute em ideais intergovernamentais. A busca pela supranacionalidade, proferida por alguns estadistas, estudiosos e mesmo o senso comum, nos parece dissonante com a construção integracionista que se almeja quando se reivindica o bolivarianismo, a superação das assimetrias econômicas, a valorização identitária dos povos sul-americanos. Desse modo e comprovando nossa hipótese, a criação da União de Nações Sul Americanas, em 2008, trouxe um novo marco para a cooperação e interação entre os países sul-americanos, mostrando rastros que configuram como um novo tipo de regionalismo, o qual combinado com vetores distintos tentam refletir as realidades da região. É certo que muitos dos mecanismos presentes na formulação da Unasul não são inéditos, porém, a combinação multissetorial intergovernamental com o intuito de aprofundar, criar e gestar autonomia a partir de aglutinação de soberanias em uma região periférica, nos parece bastante renovador. Em outros termos, esse regionalismo multissetorial autonômico permite que os países sulamericanos se agrupem em torno de um novo arranjo integracionista com o fim de buscar autonomia com base em seus projetos de desenvolvimento nacional, e quando esse arranjo esta criado, por aglutinar essa correlação de construção autonomista provenientes dos Estados-parte, exerce um projeto autonomista regional ou regionalizado, que só é possível com o intergovernamentalismo.

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VI

Estado e Atores Institucionais de Integração Regional

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ARTIGOS

A função consultiva do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e seus reflexos na promoção das relações intrabloco Patricia Ayub da Costa Ligmanovski1 Tânia Lobo Muniz2 Introdução

O

Mercosul nasceu da evolução de tentativas de integração entre Brasil e Argentina. Em um contexto de multilateralismo e de abertura de mercados com a intensificação do comércio mundial, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai perceberam que precisavam se unir para

fortalecerem o comércio entre si e praticarem uma tarifa externa comum. O art. 1º do Tratado de Assunção prevê que o processo de integração implica na livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos por meio da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias; o estabelecimento de uma tarifa externa comum; adoção de uma política comercial comum em relação à terceiros Estados e/ou blocos; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais a fim de assegurar condições adequadas de concorrência e o compromisso dos Estados de harmonizarem suas legislações nas áreas pertinentes para fortalecer o processo integracionista. Ou seja, no seu ato constitutivo, o Tratado de Assunção de 1991, ficou muito claro que os objetivos do bloco eram comerciais e que havia uma preocupação com a harmonização legislativa. A previsão de um sistema de controvérsias também fez parte da pauta inicial, tanto que em dezembro de 1991 os Estados-partes assinaram o Protocolo de Brasília que, por seu caráter provisório, foi substituído em 2002 pelo Protocolo de Olivos. Como bem ressalta Jorge Fontoura (2012, p. 2) “[...] comércio e desenvolvimento geram inevitáveis disputas, pelo que a eficiência da solução de controvérsia é cada vez mais urgente e necessária. ” Cabe ressaltar que a evolução comercial intrabloco é considerável e que possui uma inegável potencialidade mundial nas áreas de energia e segurança alimentar. Segundo informações retiradas do site do Mercosul no Brasil, “[...] com a incorporação da Venezuela, o bloco passou a contar com uma população de 270 milhões de habitantes (70% da população da América do Sul); um PIB de US$ 3,2 trilhões (80% do PIB sul-americano) e um território de 12,7 milhões de km² (72% da área da América do Sul)”.

Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professora do Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professora Adjunta do Departamento de Direito Público e do Curso de Mestrado da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected] 1

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Neste sentido, de atender aos conflitos oriundos desse ambiente, o Protocolo de Olivos, em que pese preservar o caráter de provisoriedade, inovou ao prever a criação de um Tribunal Permanente de Revisão, o que se concretizou em 2004, o qual, por sua vez, possui função contenciosa, enquanto primeira e única instância arbitral; função de revisão, das decisões prolatadas no Tribunal Arbitral Ad Hoc; e função consultiva, objeto da presente pesquisa. Roberto Ruiz Díaz Labrano (2006, p. 1-2) afirma que a influência dos processos de integração e a globalização têm gerado acordos entre Estados antes impensáveis e isto acarreta numa variedade de situações jurídicas, assim como fontes originárias e derivadas que devem ser analisadas, interpretadas e aplicadas por órgãos especializados capazes de operar este direito comunitário e neste sentido, a opinião consultiva é uma das mais relevantes já que funciona na prevenção de uma interpretação errônea do direito da integração e contribui para uma aplicação mais harmônica e coerente das normas. Deste modo, as Opiniões Consultivas possibilitam a harmonização na aplicação e interpretação das normas emanadas originária ou derivadamente do bloco. No entanto, embora seja evidente sua relevância, quase não foram utilizadas ainda, o que demanda um estudo mais aprofundado a fim de se identificar quais são as dificuldades, fragilidades e de que forma podem contribuir para o desenvolvimento jurídico, social e econômico do bloco. Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul e a implantação do Tribunal Permanente de Revisão Conforme destacado, desde o seu ato constitutivo se denota a preocupação dos Estados-partes do Mercosul com as diferenças existentes entre os seus sistemas jurídicos e, em razão disto, da necessidade de um sistema de solução de controvérsias, que no Tratado de Assunção previa, basicamente, negociações intergovernamentais diretas. Naquele momento de transição, o Protocolo de Brasília, assinado em 17 de dezembro de 1991, determinou as regras de soluções de controvérsias, vindo a ser substituído pelo Protocolo de Olivos, celebrado em 2002 e vigente desde 2004, que também conta com um caráter de provisoriedade. O Mercosul teve seu marco institucional em 1994 com o Protocolo de Ouro Preto, apresentando personalidade jurídica de direito internacional público e consolidando a adoção do sistema intergovernamental em seu art. 40, i, “[...] uma vez aprovada a norma, os Estado Partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul”. Cabe ressaltar que o Capítulo V do Protocolo de Brasília previa que particulares, pessoas naturais ou jurídicas, apresentassem reclamações, mas as restrições políticas eram tão grandes, uma vez que cabia ao Estado-parte, onde residisse o particular, acionar o sistema, que acabaram por inviabilizar o mecanismo. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Aumentar o caráter jurisdicional e restringir a perspectiva política foi a proposta seguinte, com a criação de um organismo próprio para apreciar as questões intrabloco. Essa perspectiva de institucionalização de um sistema de solução de controvérsias traz consigo a possibilidade de auxiliar na estabilização das normas mercosulinas por meio da concentração e repetição das decisões relativas às divergências advindas das relações intrabloco e, a partir destas, de reforçar a perspectiva de multiplicação desses comportamentos e de permitir a antecipação das possibilidades de negociação, quer entre atores públicos quer entre privados. Esses efeitos derivam, em especial, da capacidade de um conhecimento maior dos comportamentos esperados entre os atores, aumentando as chances da busca do melhor resultado global, que é a necessidade de cooperação entre os Estados-membros e os demais atores envolvidos. Ainda, centralizar a interpretação das regras do bloco reduzem o descumprimento das normas pactuadas e a possibilidade de violação disfarçada de divergência de entendimento, permitindo maior estabilidade ao corpo de normas, atribuindo-lhe maior credibilidade, fator de indução à estabilidade e à ampliação das relações sociais. Essa indução ocorre em decorrência da maior percepção e clareza das bases e critérios relacionais, os quais fazem com que a deserção e a má fama, advindos da não obediência à norma, se tornem menos atrativos, estimulando a cooperação. Nesse sentido, a inovação do Protocolo de Olivos foi a criação de um tribunal permanente para julgar as causas envolvendo o direito mercosulino, em grau de recurso das arbitragens ad hoc (art. 17) ou, como primeira e única instância (art. 23), emitindo laudos obrigatórios para os Estados-partes. Este Protocolo tem como objetivo reforçar o caráter jurisdicional do sistema, sem excluir as negociações diplomáticas. Na perspectiva de criação de um tribunal permanente para o Mercosul, escreveu Eduardo Biacchi Gomes (2005, p. 253): Esse tribunal poderia exercer funções jurisdicionais, arbitrais e consultivas, como forma de contribuir para a interpretação e aplicação uniformes das normas produzidas no bloco econômico, visto que, quanto maior o grau de aprofundamento de uma integração regional, maior é a necessidade de instituições de caráter permanente e, dentre essas, a de caráter judicial com a finalidade de solucionar divergências que possam surgir entre os Estados-partes signatários de um tratado, com vistas a alcançar os objetivos expressos em um processo de integração.

O Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, estabelecido em Assunção, capital do Paraguai, foi implantado em 2004. Este tribunal não tem o caráter de supranacionalidade, mas, se trata “[...] del acceso a la justicia integracionista” (VASCONCELOS; TAVARES, 2014, p. 119), mesmo que de caráter arbitral. Esta corte é permanente e tem por função, desempenhar o papel de instância máxima no procedimento de solução de controvérsia, permitindo maior segurança jurídica e é, talvez, o estágio intermediário para um tribunal dotado de supranacionalidade (NOGUEIRA; PRADO, 2014, p. 33)

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O Protocolo de Olivos, além de se preocupar com um sistema de solução de conflitos, inovou ao dispor em seu art. 3º que caberia ao Conselho Mercado Comum (CMC) instituir mecanismos relativos à solicitação de opiniões consultivas ao TPR e definir qual seria o alcance e os procedimentos deste mecanismo. Importante ressaltar que o Mercosul foi concebido dentro de um sistema de intergovernabilidade, ou seja, “[...] se caracteriza pela prevalência das vontades individuais dos Estadospartes, ao arrepio de uma superior vontade coletiva ou, quiçá, supranacional.” (SALDANHA; POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 186) A intergovernabilidade faz com que todos os tratados no âmbito do bloco devam passar por seus legislativos internos e por posterior ratificação para alcançarem vigência intrabloco, sem que exista a possibilidade de uma decisão superior ou supranacional. Isto acarreta numa dificuldade de aplicação e interpretação das normas, especialmente porque caberá aos juízes nacionais aplicarem as fontes primárias e derivadas do Mercosul ao caso concreto, dentro de sua competência. Neste contexto, a competência consultiva deve ser um instrumento de comunicação entre o Tribunal Permanente de Revisão e os juízes nacionais, bem como com a sociedade. A dinâmica e a amplitude das opiniões consultivas As opiniões consultivas consistem em uma ferramenta de comunicação dialógica direta entre o TPR e os Estados ou órgãos decisórios, bem como de cooperação interjurisdicional, entre o TPR e os tribunais superiores dos Estados-membros (VASCONCELOS; TAVARES, 2014, p. 119). Segundo João Grandino Rodas (2008, p. 3) as opiniões consultivas são: [...] pronunciamentos fundamentados do Tribunal de Revisão em torno a perguntas de caráter jurídico que diga respeito à interpretação e aplicação das normas do Mercosul em algum caso concreto, com o objetivo de resguardar sua aplicação uniforme no território de todos os Estados-Parte.

Adriana Dreyzin de Klor (2008, p. 46-47) ressalta que: La opinión consultiva es un instrumento jurídico que ha sido introducido en el sistema de solución de controversias de Mercosur adoptado en el año 2002 junto a otras, innovaciones como una herramienta para “garantizar la correcta interpretación, aplicación y cumplimiento de los instrumentos fundamentales del proceso de integración del conjunto normativo del Mercosur, de forma consistente y sistemática.

Como dito anteriormente, a harmonização legislativa e interpretativa é essencial para o processo integracionista e as opiniões consultivas possuem a missão de auxiliar no processo harmonizador. É indispensável para a efetivação do processo integracionista que a legislação originária e derivada do bloco seja aplicada da mesma forma pelos diferentes Estados-partes.[...] No âmbito do Mercosul, a opinião consultiva é o mecanismo responsável pela harmonização da aplicação da normativa mercosulina. (SALDANHA; POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 185) XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Saldanha e Pozzatti Junior (2008, p. 186) continuam explicando que “[...] harmonizar, de um lado e, erigir princípios que elevem o direito do Mercosul para além do direito interno de cada Estadoparte, de outro, podem ser consideradas duas fortes razões para a sua criação. ” Em razão da característica de intergovernabilidade e da necessária recepção das convenções e normas mercosulinas nos ordenamentos internos, as jurisdições nacionais são instâncias originária de julgamento e, consequentemente, os juízes nacionais são seus aplicadores natos que acabam impregnando o emprego do direito mercosulino com suas experiências na aplicação dos ordenamentos jurídicos nacionais, o que revela a necessidade de harmonização da interpretação e julgamento das normas do Mercosul (SALDANHA; POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 186-187). Podem solicitar opiniões consultivas ao TPR: (i) os Estados-partes conjuntamente, (ii) o Parlamento do Mercosul3, (iv) os órgãos com poder decisório, tais como Conselho do Mercado Comum (CMC), Grupo Mercado Comum (GMC) e Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), (v) bem como os Tribunais Superiores de Justiça dos Estados-partes com jurisdição nacional. Deste modo, na sistemática do Mercosul, o juiz nacional de primeira e segunda instância, pode solicitar a opinião consultiva tão somente por meio da sua suprema corte, no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, que o remeterá ao TPR. Jânia Maria Lopes Saldanha e Ademar Pozzatti Junior (p. 188) criticam este sistema: [...] esse intermédio das supremas cortes de cada País poderá acarretar morosidade e onerar o procedimento prejudicial. Desse modo, o déficit de acesso à justiça presente no sistema de solução de controvérsias do bloco, poderá atingir o jurisdicionado que depende desta questão prévia para ter resolvida a sua situação jurídica.

Raphael Carvalho de Vasconcelos e Sergio Maia Tavares (2014, p. 124) percebem a questão por uma perspectiva mais otimista. El derecho mercosureño no aparto, aún así, la formulación de las Opiniones Consultivas de oficio por los jueces y por las instancias ad quem o por los ciudadanos. Determinó solamente que la solicitud es hecha por los tirbunales superiores.

A solicitação de opinião consultiva ao TPR, pelos Estados-partes conjuntamente ou pelos órgãos decisórios, poderá versar sobre qualquer questão jurídica compreendida no Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto, nos protocolos e acordos celebrados no marco desses tratados, nas decisões do CMC, nas resoluções do Grupo do Mercado Comum (GMC) e nas diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul (art. 3º da Decisão 37/2003)4. Por sua vez, quando a solicitação partir de uma suprema corte de justiça nacional, a opinião consultiva deve ater-se à causa que esteja em tramitação no órgão judiciário suscitante (art. 4º CMC 02/2007).

Dec. CMC 23/2005, art. 13. Raphael Carvalho de Vasconcelos e Sergio Maia Tavares (2014, p. 127) entendem que este rol não é taxativo. “Opiniones Consultivas puedan tener como objeto una duda relacionada a toda y cualquier normativa que integre actualmente el sistema de derecho regional del Mercosur.” 3 4

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O procedimento de solicitação está regulamentado pelas decisões do CMC n. 37/2003 e 02/2007. A Decisão 02/2007 determina que os tribunais superiores de justiça de cada Estado-parte devem estabelecer as regras internas de procedimento para solicitação das opiniões consultivas. O pedido deve ser por escrito e formular precisamente a questão jurídica a ser interpretada pelo TPR, assim como vir acompanhada das considerações formuladas pelas partes e Ministério Público (MP) e instruída de documentação. Destaca-se que, ainda que de forma indireta, foi possibilitada a participação do indivíduo. Recebida a solicitação, a secretaria do TPR a enviará aos 5 árbitros que terão o prazo de 65 dias5 para se pronunciarem de forma fundamentada. (SALDANHA; POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 189) O parecer do TPR deverá conter a opinião da maioria e as opiniões em dissidência, se for o caso. A fim de facilitar a comunicação entre os árbitros do TPR e a rápida emissão da opinião, é permitido que os árbitros do Tribunal se comuniquem à distância, como por exemplo, por fax ou correio eletrônico e que só se reúnam pessoalmente se for conveniente. E neste caso, o TPR deve informar aos Estados a fim de que prevejam fundos necessários para assegurar o seu funcionamento. Interessante observar que embora o art. 4º da Decisão CMC 02/2007 exprima que a solicitação pode estar acompanhada de considerações formuladas pelo MP, nenhum dos regulamentos dos tribunais nacionais legitimou o órgão para solicitar a opinião consultiva quando não for parte. O art. 10 da Decisão 37/2003 prevê as formas de finalização da opinião consultiva, podendo resultar na emissão de uma opinião; na comunicação ao peticionante de que nenhuma opinião será emitida ou no início de um procedimento de solução de controvérsias sobre a mesma questão. Em todos os casos, a decisão deve ser fundamentada e informada ao peticionante, assim como aos Estadosmembros, por meio da Secretaria do TPR. O art. 13 da Decisão 37/2003 do CMC prevê que as opiniões consultivas emitidas pelo TPR devem ser publicadas no Boletim Oficial do Mercosul, isto com o fim de dar publicidade e formar as bases para um pensamento próprio do TPR, a ser aplicado pelos juízes nacionais e órgãos regionais mercosulinos (NOGUEIRA; PRADO, 2014, p. 38). Em que pese a importância das opiniões consultivas para harmonizar a interpretação e aplicação das normas do Mercosul, estas não são obrigatórias e nem vinculantes. Jânia Maria Lopes Saldanha e Ademar Pozzatti Junior (p. 190) sustentam que este sistema é diferente do reenvio prejudicial na União Europeia e das decisões consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que acaba fragilizando-o, tornando-o apenas uma consulta, reflexo do paradigma da intergovernabilidade adotada pelo bloco. Eduardo Biacchi Gomes (2014, p. 55) elenca as diferenças entre o reenvio prejudicial da União Europeia e as opiniões consultivas do Mercosul: a) la decisión de la Opinión Consultiva no es vinculante, lo cual implica que, no obliga al juez nacional. b) En la sistemática del Protocolo de Olivos, los particulares no pueden, directamente, planear la 5

Decisão CMC 15/2010.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 345 cuestión, por ende procede a tramitarse por los Tribunales Superiores de los Estados y, c) la instancia jurisdiccional nacional no es obligada a aceptar el pedido de Opinión Consultiva.

João Grandino Rodas (2008, p. 4) acredita que a ausência de obrigatoriedade não tira a importância nem o valor jurídico das opiniões consultivas: Esta ausência de imperium ou obrigatoriedade, ainda quando pode ser considerado como o seu ponto débil e conseqüentemente pode levar a situações não desejadas como o desconhecimento de um pronunciamento por parte do solicitante, não tira a importância nem o valor jurídico emergente do fato de que para o Tribunal Permanente de Revisão possa se manifestar – previamente – devem-se transitar determinados procedimentos e busca acordos (tal é o caso das opiniões requeridas pelos EstadosParte que requeiram o consenso) que permitem presumir, com a forma provisional do caso que a Opinião consultiva emitida será devidamente aplicada ao caso concreto.

Roberto Ruíz Díaz Labrano (2006, p. 17) ressalta que mesmo sem caráter obrigatório, as opiniões consultivas vão auxiliar o juiz nacional a ter elementos suficientes e convicção no momento de aplicar o direito. O primeiro Estado a regulamentar as solicitações de opiniões consultivas ao TPR foi o Uruguai, por meio da Acordada 7604/2007, na sequência Argentina, por meio da Acordada n. 13/2008, Paraguai, pela Acordada 549/2011, e Brasil, pela Emenda n. 48/2012 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF). A Venezuela ainda não regulamentou a questão. O fato do Brasil ter demorado para regulamentar as opiniões consultivas causava um esvaziamento na atuação do tribunal (3 opiniões consultivas), já que o país concentra mais de 70% do PIB do MERCOSUl. Jorge Fontoura (2012, p.1) entende que “[...] o país é um grande contendor regional, quer pelo peso específico de sua economia, quer pela dimensão arrojada de comércio e de investimentos. ” O STF autorizou por meio do art. 354-I do seu RI que tanto o juiz da causa quanto alguma das partes peça a opinião consultiva a respeito da vigência ou interpretação jurídica do direito integracionista (art. 354-H). Importante frisar que os arts. 354- K e 354-L do RISTF tratam a decisão do STF, quanto à solicitação, como vinculada e administrativa, assim, cabe ao Tribunal verificar se estão presentes os requisitos de admissibilidade, se positivo, a solicitação será enviada à Secretaria do TPR. Não é dado ao tribunal discorrer acerca do mérito da consulta. Desta forma, a solicitação de opinião consultiva é um procedimento acessório, já que depende de um processo para que venha a existir. A dúvida relativa à interpretação da normativa Mercosul explicita-se no curso do processo, devendo ser solucionada antes da sentença ou do acórdão para que venha a ser útil para a demanda em que surgiu a opinião consultiva. (NOGUEIRA; PRADO, 2014, p. 37)

Como bem salientam Raphael Carvalho de Vasconcelos e Sergio Maia Tavares quanto às novidades trazidas pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: En ese sentido, el RISTF trae novedades al versar explícitamente sobre la legitimidad de la parte para suscitar la cuestión y formular el pedido de OC. En la forma como está reglamentada en el Brasil la participación del particular en la solicitud se puede sostener, inclusive, que no tendría el juez de la causa XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 346 discrecionalidad para decidir en relación al envío o no del pedido al STF (VASCONCELOS; TAVARES, 2014, p. 126).

Assim, embora tenha saído atrás dos tribunais da Argentina, Paraguai e Uruguai, o STF possibilitou que o Brasil seja o único Estado-parte a atribuir legitimidade às partes para requererem opinião consultiva, mesmo que indiretamente, já que os demais optaram por legitimarem apenas o juiz da causa. (NOGUEIRA; PRADO, 2014, p. 39) Eduardo Biacchi Gomes ressalta a importância da regulamentação realizada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro. Como el derecho de la integración del Mercosur es una realidad, nada más beneficioso que los jueces nacionales apliquen las normativas del bloque. La reglamentación del Sistema de las Opiniones Consultivas, por el Supremo Tribunal Federal, representa esta realidad, la propia democratización del acceso al poder judicial, para fines de aplicación de las normas Mercosur. (GOMES, 2014, p. 62)

Com isto, as opiniões consultivas podem ser um caminho para reduzir o déficit democrático existe entre o bloco econômico e os particulares, além de se demonstrar como uma ótima via de auxílio ao desenvolvimento econômico por meio de uma maior segurança jurídica na interpretação e aplicação das normas mercosulinas. Opinião Consultiva como mecanismo de promoção das relações econômicas Enquanto organização internacional de cunho eminentemente econômico, a harmonização legislativa do bloco é essencial para gerar estabilidade jurídica, econômica e social. A inexistência de cogência das normas provenientes do bloco e a sua internalização ao alvedrio único de cada Estado, constituem-se em duplo desestímulo ao sucesso da integração. A harmonização presta-se a fortalecer a ordem comum, constituindo-se no contraveneno a esse duplo desestímulo. (SALDANHA; POZZATTI JÚNIOR, 2008, p. 187)

Ou seja, a harmonização é essencial para aprimorar as relações jurídicas, econômicas e sociais intrabloco, é um dos pilares da integração, e o TPR, por meio das opiniões consultivas tem este importante papel de harmonizar a interpretação e aplicação das normas mercosulinas, dando maior segurança jurídica às relações comerciais. As opiniões consultivas estão à disposição dos juízes nacionais e das partes, no caso brasileiro, mas resta claro que há um grande desconhecimento deste instituto, o que ressalta a importância desta pesquisa. [...] é importante mencionar que o desconhecimento por parte de juristas, de operadores do direito, de magistrados, entre outros, sobre a normativa do Mercosul é um dos maiores obstáculos dentro do processo de integração, sendo que a possibilidade de solicitação de opiniões consultivas vem auxiliar também na superação deste obstáculo” (NOGUEIRA; PRADO, 2014, p. 45)

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A evolução do processo de integração depende da coerente aplicação das suas normas e de um sistema de solução de conflitos ágil, acessível e eficiente. Resta ahora a los Estados, a los órganos de la organización y a los judiciales nacionales el reconocimiento de sus responsabilidades relacionadas a la integridad del marco jurídico internacional por medio de la utilización más frecuente de ese valioso instrumento. Las Opiniones Consultivas pueden convertirse en el importante primer paso para traer los diversos agentes jurídicos nacionales a la composición de la integración, esto es, hacia dentro del Mercosur. Así, se consolida el proceso de integración por el derecho (Rechstaat), de forma tal que las construcciones políticas, como el Mercosur y todas las organizaciones regionales, se apoyen y tengan en el sistema jurídico – más de lo que en la economía por ejemplo – su fuerza propulsora; en protección a la ciudadanía, a los derechos fundamentales, las libertades públicas (VASCONCELOS; TAVARES, 2014, p. 132).

João Grandino Rodas (2008, p. 10) defende a necessidade de aumentar o uso das opiniões consultivas e possibilitar que a cidadania a conhece e a utilize efetivamente, e para tanto, é necessário unir esforços para melhorar e fortalecer os canais de comunicação entre os superiores tribunais dos Estados e o TPR, especialmente através da sua Secretaria. A existência de um mecanismo de cooperação jurisdicional entre o TPR e os juízes nacionais é essencial para que se estabeleçam as diretrizes de como interpretar e aplicar as normas originárias e derivadas do bloco econômico, acarretando maior certeza e segurança jurídica e, consequentemente, maior previsibilidade às relações privadas, com isso, proporcionando um ambiente de desenvolvimento e incremento das mesmas. A interpretação harmônica do direito interno com o direito mercosulino é essencial para um planejamento empresarial e para um ambiente de redução do risco das relações jurídicas, sociais e econômicas, o que demonstra a importância da utilização das opiniões consultivas como instrumento de promoção das relações econômicas. Conclusão A valorização de mecanismos de solução de conflitos institucionalizados atenua os efeitos da disparidade concreta, já que sua existência tem a capacidade de influir no processo dos Estados, de trazer estímulo à obediência, de aumentar a confiabilidade sistêmica e o valor atribuído aos resultados da cooperação. Fatores essenciais ao desenvolvimento e ampliação das relações econômicas. O sistema de solução de conflitos do Mercosul possui ferramentas concretas para a harmonização interpretativa das normas do bloco, bem como para o julgamento dos conflitos decorrentes das relações econômicas. Neste sentido, o Protocolo de Olivos criou o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e lhe conferiu a possibilidade de emitir Opiniões Consultivas. Segundo Jorge Fontoura (2012, p. 2), as opiniões consultivas não perdem importância em razão de não serem obrigatórias, pois “[...] a ausência de imperium, ou de obrigatoriedade formal, não desabilitam XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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tais manifestações colegiadas, erigidas com auctoritas, a constituir valiosa ferramenta de cooperação judiciária na aplicação do direito”. Diante de um número inexpressivo de opiniões consultivas emitidas pelo TPR até o momento é de se reconhecer que existe um desconhecimento deste instituto por parte dos Estados, dos juízes nacionais e dos cidadãos, o que implica numa responsabilidade de todos, Estados, órgãos institucionais, tribunais superiores nacionais, universidades e empresariado de promover este instituto como uma eficiente forma de aproximação e integração normativa. Não há dúvidas de que o sistema de consultas pode desempenhar função indispensável para a redução dos conflitos, inevitáveis às relações integracionistas, atuando como facilitador do diálogo e da ampliação das relações econômicas, em especial. Assim, se conclui que as opiniões consultivas são um importante instrumento de certeza e segurança jurídica na interpretação e aplicação do direito mercosulino, o que influencia diretamente no nível de confiança de investidores e empresários no desenvolvimento do processo de integração. Referências FONTOURA, Jorge. STF fortalece Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul. Gazeta do Povo. Curitiba. 31 de maio de 2012. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-direito/artigos/stffortalece-tribunal-permanente-de-revisao-do-mercosul-1m1ms856gxm7qcp3ymq6tqbta. Acesso 22 jun. 2015. GOMES, Eduardo Biacchi. Blocos Econômicos e Solução de Controvérsias. 2 ed., Curitiba: Juruá, 2005. _______. La Democratización del acceso al Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur a través de las opiniones consultivas. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão. a 2, n. 4, ago. 2014, p. 49-63. Disponível em http://www.revistastpr.com/index.php/rstpr/article/view/99/70. Acesso 10 ago. 2015. KLOR, Adriana Dreyzin de. La primera opinión consultiva en Mercosur. Germen de cuestión prejudicial? ACCIOLY, Elizabeth (coord.). Direito no século XXI: em homenagem ao Professor Werter Faria. Curitiba: Juruá, 2008, p. 41-64. MERCOSUL. Saiba mais sobre o Mercosul. Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/index.php/saiba-maissobre-o-mercosul. Acesso em: 15 ago. 2015. NOGUEIRA, Cássia Cavalcante de Oliveira; PRADO, Henrique Sartori de Almeida. Mercosul: do sistema de solução de controvérsias à solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão pelo Judiciário Brasileiro. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão. a 2, n. 4, ago. 2014, p. 27-47. Disponível em http://www.revistastpr.com/index.php/rstpr/article/view/88/69. Acesso 10 ago. 2015. RODAS, João Grandino. A Competência do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul para emitir Opiniões Consultivas. 2008. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sextoEncontroConteudoTextual/anexo/ Texto_dos_Exposiotres/A_Competencia_do_Tribunal_Permanente_de_Revisao_do_Mercosul_para_emitir_O pinioes_ConsultivasJoao_Grandino_Rodas_portugues.pdf. Acesso em 30 ago 2015. SALDANHA, Jânia Maria Lopes; POZZATTI JUNIOR, Ademar. Opinião consultiva: desafio (real ou imaginário?) de um instrumento processual de harmonização do direito do Mercosul à intergovernabilidade. Estudos de direito internacional: anais do 6º Congresso Brasileiro de Direito Internacional. MENEZES, Wagner (coord.). Curitiba: Juruá, 2008, vol. XIII, p. 185-193. VASCONCELOS, Raphael Carvalho de; TAVARES, Sergio Maia. La competencia consultiva del Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur: legitimación y objeto. Revista da Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão. a 2, n. 4, ago. 2014, p. 177-134. Disponível em http://www.revistastpr.com/index.php /rstpr/article/view/102/75. Acesso 10 ago. 2015. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 349 LABRANO, Roberto Ruiz Díaz. Las opiniones consultivas ante el Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur a través de los tribunales superiores de los Estados partes. Anuario de Derecho Constitutional Latinoamericano. 2006. Disponível em http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/ cont/2006.1/pr/pr29.pdf. Acesso 30 ago. 2015.

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A reestruturação da indústria petrolífera, nos países do Mercosul como alternativa para a integração regional João Rodrigues Neto1 Introdução

O

consumo de energia é um dos principais indicadores do desenvolvimento econômico e do nível de qualidade de vida de qualquer sociedade. Ele reflete tanto o ritmo de atividade dos setores industrial, comercial e de serviços, quanto à capacidade da população para adquirir

bens e serviços tecnologicamente mais avançados, principalmente, dos setores industriais mais dinâmicos da economia, como as indústrias automobilística, eletrodomésticos e eletroeletrônicos que são os maiores consumidores de energia. Dentro deste contexto é importante, analisar a atividade petrolífera como setor dinâmico e fornecedor da principal fonte energética – sob a forma de petróleo e gás natural e seus derivados utilizados pelas economias industriais, do mundo. Essa análise nos leva a estudar a reestruturação da indústria petrolífera, na América do Sul, especificamente, da Argentina, Brasil, Colômbia e Venezuela. Isso nos remete destacar as causas que levaram esses países a reestruturar essas atividades. Destaca-se que o processo de nacionalização da indústria de petróleo, na América Latina, nos países que são objeto neste artigo, iniciou-se em 1922, com a formação de YPF - Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Argentina; em 1938, criou-se o CNP – Conselho Nacional do Petróleo e a Petrobrás – Petróleo Brasileiro S.A., em 1953, no Brasil; Na Colômbia, em 1951, criou-se a Ecopetrol – 'Empresa Colombiana de Petróleos S/A e em 1976, foi criada a Petróleos da Venezuela – PDVSA. A nacionalização da atividade petrolífera, nestes países, marca a participação do Estado como produtor e empresário, na atividade econômica. Isso significa que o Estado passou a controlar todas as atividades petrolíferas, desde a atividade de pesquisa e prospecção, passado pela produção e refino do petróleo e finalmente, a atividade de distribuição de derivados e abastecimento do mercado interno. Esse processo de nacionalização da atividade petrolífera tinha o intuito de utilizar um modelo de desenvolvimento, capaz de realizar transformações econômicas e sociais. Este modelo de desenvolvimento econômico, o nacional-desenvolvimentismo, utilizado com mais ênfase a partir dos anos de 1950, seria a única forma de combinar crescimento e estabilidade, controle social e liberdade de iniciativa, processou-se uma “revolução nacional”, no mesmo movimento que culminou, a partir do final dos anos de 1950 – sob o impacto da irrupção do capitalismo monopolista -, com a versão final do “Estado capitalista moderno”. (DRAIBE, 1985).

Professor Titular, Departamento de Economia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil -. Doutor em Economia Aplicada pela UNICAMP-SP. Pós-Doutorado pelo El Colégio de México – México D.F. – E-mail [email protected] 1

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O método utilizado, neste trabalho, foi o histórico analítico, baseado em dados secundários e o enfoque teórico está concentrado na lógica institucionalista, corrente hegemônica que vislumbra o processo de desenvolvimento econômico com a participação efetiva do Estado de forma limitada ou apenas, com a função de regulador das atividades econômicas. O objetivo do presente trabalho é discutir a reestruturação das indústrias petrolíferas, visando uma maior integração energética entre as economias do Mercosul. Considerando que esta integração já é uma realidade entre os países membros do Mercosul, mas, possibilita alternativas para ampliar esta integração, visando um desenvolvimento econômico e social, bem como, consolidar o mercado comum entre todos os países do Bloco Econômico. A integração regional, a partir da inserção autônoma e soberana dos países sul-americanos, poderá fortalecer os Estados Nacionais quando se trata do setor petrolífero, através de consolidar acordos que possibilitem manter as rendas, deste setor produtivo, na região, bem como, a manutenção de estoques estratégicos de combustíveis e seus derivados, em período de crises mundiais. A situação energética dos países que compõem o Mercosul Os setores elétricos, dos países do Mercosul, sofreram transformações iniciadas no final dos anos de 1980 e chegam ao início do século XXI, com uma estrutura consolidada, que os possibilitou alcançar um novo patamar de desenvolvimento econômico e social, bem como, a ampliar a integração regional. A expansão acentuada do consumo de energia, embora possa refletir o aquecimento econômico e a melhoria da qualidade de vida, tem aspectos negativos. Um deles é a possibilidade do esgotamento dos recursos utilizados para a produção de energia. Outro aspecto negativo é o impacto ao meio ambiente, produzido pelas atividades industriais. Finalmente, um terceiro são os elevados investimentos exigidos na pesquisa de novas fontes e construção de novas usinas. Uma das maneiras mais modernas e utilizadas no mundo para conter a expansão do consumo sem comprometer qualidade de vida e desenvolvimento econômico tem sido o estímulo ao uso eficiente. A importância do setor elétrico, em cada país do Bloco do Cone Sul, guarda em si algumas características que são fundamentais para sua integração regional: O Chile foi o pioneiro nas transformações estruturais do seu setor elétrico, não só a nível regional, mas também a nível mundial. Esse pioneirismo é marcado pela privatização do setor e também, pela falta de planejamento quanto à criação de um mercado competitivo, bem como, pela falta de uma regulamentação específica para o comércio internacional de energia elétrica, mas, com capacidade de inserção no mercado internacional de gás natural. A Argentina somente inicia suas transformações estruturais, nos setores de energia elétrica e gás natural, no ano de 1991. Devido às reservas disponíveis e a reestruturação do setor, foi possível ampliar

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o mercado externo, para exportações de gás natural para o Chile. Além do mais, ampliou suas exportações de energia elétrica e gás natural para o Brasil e Uruguai. As transformações do setor energético, no Brasil, têm início no ano de 1995. O processo de privatizações de empresas estatais e a posterior regulação foram concluídos, até o final dos anos de 1990. Sobre o impacto que os ciclos de expansão econômica têm sobre o consumo de energia, o Brasil tem exemplos clássicos. O primeiro ocorreu no ano de 1994, quando o Plano Real, ao conter a inflação e estabilizar a moeda, permitiu o aumento abrupto de renda da população. Provocando uma expansão do consumo de energia elétrica, em função do aumento de vendas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Além disso, em 2006 e 2007, o aquecimento econômico, com consequente geração de empregos, aliado à estratégia setorial de dilatação dos prazos de financiamento, beneficiou, entre outros, o setor automobilístico, que registrou volumes recordes de vendas de automóveis – o que também pressionou o consumo de combustíveis como gasolina e etanol. Mesmo que, o abastecimento de energia elétrica esteve dependente da Argentina e o gás natural da Bolívia, o Brasil enfrentou uma forte crise energética, no final do século XX e início do século XXI. A contribuição da energia hidráulica na matriz energética nacional, segundo o Balanço Energético Nacional de 2014 é de, aproximadamente, 71%. Apesar da tendência de aumento de outras fontes, devido a restrições socioeconômicas e ambientais de projetos hidrelétricos e aos avanços tecnológicos no aproveitamento de fontes não-convencionais, tudo indica que a energia hidráulica continuará sendo, por muitos anos, a principal fonte geradora de energia elétrica do Brasil. Destaca-se a Petrobrás como uma fornecedora de fontes alternativas de energia, e, a principal estatal mais afetada, pelo processo de privatizações, na década de 1990, em virtude da quebra do monopólio das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, provocando uma queda na oferta de energia ao mercado interno que levou o país a uma crise energética no final da década. Outro setor vítima do processo de privatizações foi à petroquímica, que tinha um papel importante dentro da estrutura produtiva da Petrobrás, para a geração de energia. O Uruguai realizou sua estruturação no setor elétrico, a qual permitiu a exploração de suas fontes ou reservas, as grandes empresas que detinham competências nesse setor, a partir de determinados contratos pactuados de acordo com as normas de regulação preestabelecidas. O Paraguai não realizou nenhuma reestruturação no setor energético, a exemplo dos outros países do Bloco do Cone Sul. Mas, é importante destacar a participação do Paraguai no Consórcio Binacional Itaipu. Em 26 de abril de 1973, Brasil e Paraguai assinaram o Tratado de Itaipu, instrumento legal para o aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná pelos dois países. Em 17 de maio de 1974, foi criada a entidade binacional Itaipu, para gerenciar a construção da usina. Em 1975, foram iniciadas as obras de construção civil da Itaipu que ficaram a cargo dos consórcios Unicon (brasileiro) e Conempa (paraguaio), enquanto as obras de montagem eletromecânica foram executadas pelos consórcios Itamon (brasileiro) e CIE (paraguaio). É importante destacar que, o Paraguai vende todo o excedente energético, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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produzido na Usina de Itaipu para os países vizinhos. Os rendimentos que o Paraguai recebe de Itaipu em royalties, remuneração de capital, encargos de administração e cessão de energia representam cerca de 20% da receita fiscal paraguaia. A Bolívia apresenta dois momentos de transformações do setor energético. O primeiro, quando privatizou os setores de energia e de gás natural. A Petrobrás foi uma das empresas que participou da exploração e produção de gás natural e sua distribuição. Em um segundo momento, após o ano de 2003, no Governo Lula, a Bolívia iniciou um processo de estatização das atividades de exploração e produção de gás natural. Essa atitude culminou com um acordo entre os Governos Brasil-Bolívia, para evitar problemas diplomáticos, ao definiram a forma de participação da Petrobrás, naquele país. Uma das maneiras mais modernas e utilizadas no mundo para conter a expansão do consumo sem comprometer qualidade de vida e desenvolvimento econômico tem sido o estímulo ao uso eficiente. O exemplo do Brasil, no que concerne à energia elétrica, esse estímulo tem sido aplicado de maneira sistemática desde 1985, quando o Ministério de Minas e Energia (MME) criou o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), de âmbito nacional e coordenado pela Eletrobrás. As práticas para estimular o uso eficiente da eletricidade se dividem em dois grupos principais: a) ações educativas da população, e, b) investimentos em equipamentos e instalações. As primeiras, também desenvolvidas individualmente pelas distribuidoras, marcaram o início da atuação do Procel, caracterizada pela publicação e distribuição de manuais destinados a orientar os consumidores de diversos segmentos, como residências, comércio, indústria e setor público, conforme registra o estudo Análise Retrospectiva, constante do Plano Nacional de Energia 2030, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). A Venezuela após a crise do petróleo, vivenciada na década de 1970, a questão energética foi estimulada, com a criação de instituições que promoviam o início de uma integração energética da região, como a Comissão de Integração Energética Regional (CIER) e a Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA). A CIER foi criada em 1965, com o objetivo de estudar o processo de integração, realizado entre empresas estatais de energia nos países do Cone Sul. Foi quando a Venezuela participou e ocupou um espaço nas discussões sobre o setor energético, o que se evidenciou em resultados concretos, como os projetos de Itaipu e a Usina hidrelétrica de Garabi. Observa-se que ocorria na América Latina uma maior interdependência regional com a perspectiva da formação do bloco Mercosul, considerando que o processo de internacionalização, ou de globalização em estágio avançado, se fazia necessário para o enfrentamento da competitividade com países mais industrializados, e, ao mesmo tempo, fortalecer o mercado regional. Para isso, foi necessária a elaboração de projetos energéticos que pudessem concretizar a integração entre os países latino-americanos. Depois de 1991, com a criação do Mercosul, o que se constituiu como um novo paradigma, a partir da proposta de integração regional, o papel da IIRSA foi importante porque congregou representações dos governos regionais junto a instituições, a exemplo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), enquanto instituição financeira com objetivo de apoiar projetos, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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principalmente, do setor energético, como no desenvolvimento de infraestrutura, transportes e na comunicação. A reestruturação do setor petrolífero nos países que compõem o Mercosul. A importância da reestruturação do setor petrolífero é incontestável, em virtude dos Estados Nacionais objetivarem a modernização do setor, como uma tentativa de ampliar a integração dos países do Mercosul. Além da integração através de uma dinâmica maior do mercado comum, e, ao mesmo tempo, se faz necessário que se definam acordos que proporcionem a todos os países, do Bloco, mantendo-se a autonomia nacional de cada país, participar de novas oportunidades como forma de interagir e socializar benefícios, sob a forma de transferências tecnológicas – fontes alternativas de energia -, capazes de impactar o desenvolvimento econômico e social, além da perspectiva de mudanças no parque industrial, destes países. Portanto, apresenta-se uma análise da reestruturação do setor petrolífero na Argentina, Brasil, Colômbia e Venezuela. Na Argentina foi criada a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Argentina (YPF), em 1922, com o objetivo de assegurar o abastecimento do mercado interno de combustíveis e derivados. A política petrolífera sofreu diversas mudanças, resultado de um processo político bastante conturbado, em diversos governos. O principal motivo destas mudanças foi o endividamento externo da YPF, entre 1976 e 1983. Isso provocou um processo de esvaziamento da empresa e o indicativo de que a solução passaria pela privatização, isto é, pela flexibilização e desregulamentação da atividade, iria redefinir a política petrolífera, na Argentina. O processo de privatização da YPF iniciou-se em 1989 e foi considerado o mais radical e abrangente da América Latina. Antes da privatização, a YPF representava a monopólio público na atividade de produção de petróleo; participava do oligopólio no setor de refino, como empresa que detinha a dominação desta atividade. Os argumentos para privatizar a YPF eram: A empresa era considerada ineficiente, além de estar superdimensionada, com uma dívida muito grande, e por último, a falta de recursos para investimentos que atendesse as demandas da atividade. A justificativa do Governo Menem, para privatizar a YPF era indispensável uma maior eficiência da estatal. E, isso só era possível com a transferência da propriedade estatal para a propriedade privada, o que reduziria a participação do Estado, na atividade petrolífera, e, resultaria na sua desregulamentação. Esse processo de privatização foi finalizado em 1991, que foi denominado de Plano Argentina (antes chamado de Plano Houston), quando foi foram ofertadas bacias produtivas e não produtivas e podiam participar empresas nacionais e internacionais. Segundo CAMPOS (2007), o programa de privatização da estatal YPF possuiu duas fases. Na primeira fase, o programa tinha por objetivo aumentar a eficiência produtiva do setor e a sua rentabilidade, de modo a manter a integração vertical e a alta participação no mercado. Na segunda fase, corresponde à privatização de fato da YPF, em 1993, com a XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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venda das ações em leilão público. Após o período hegemônico das políticas neoliberais, resultantes da lógica do Estado Mínimo e, tendo o modelo se exaurido, a Argentina entra em novo contexto, após o Governo constatar que a privatização da YPF, não resultou em investimentos no setor petrolífero com a criação da Energia Argentina Sociedade Anônima (ENARSA), em 2004, que se constituiu em uma empresa mista de sociedade anônima controlada pelo Estado, e, segundo a Secretaría de Energía da Argentina, com a finalidade de resolver a crise de desabastecimento de energia e que marcou a volta do Estado Empresário às atividades petrolíferas, e, o fracasso da política de privatização, levada a cabo, na década de 1990. A ENARSA tem como objetivo atuar no setor petrolífero, em todas as atividades, desde a exploração até a comercialização, no que concerne a petróleo, gás natural, energia elétrica, carvão, energia nuclear e as não convencionais. Essa política energética fortaleza a Argentina na integração regional, onde tem um papel importante no mercado comum do Mercosul. No Brasil o processo que levou à quebra do monopólio estatal do petróleo ou a sua flexibilização foi resultado de um longo debate nacional, onde se destacaram interesses de grupos sociais em manter ou não, as empresas do complexo petrolífero – inclusive as empresas do setor petroquímico - sob a tutela do Estado. Vale destacar que, o processo de privatizações de estatais, teve início no governo João Batista de Figueiredo e vai até o governo Fernando Henrique Cardoso (período entre 1980-2002). A partir de 1997, com as mudanças ocorridas com a flexibilização, estava a Petrobrás exposta aos desafios de aperfeiçoar as tecnologias de exploração e produção de petróleo em águas profundas (em lâminas d’água superiores a 1000 metros), e a inclusão do gás natural na matriz energética brasileira, bem como, a infraestrutura de distribuição (gasodutos) para utilização no processo de produção industrial. Nota-se que as políticas definidas pelo Estado (como maior acionista), para as atividades petrolíferas, não desvinculam as metas de produção nacional de petróleo, daquelas concernentes ao setor petroquímico, considerado além de estratégico e o mais dinâmico, para a ampliação e consolidação da estrutura industrial brasileira, ser, também, um setor preponderante para o desenvolvimento nacional. Com o fim do monopólio estatal da exploração e produção do petróleo, a Petrobrás entra na era da competitividade, sob a ótica da governança corporativa. Essa nova etapa na história da Petrobrás se iniciava com parceiros, no processo de exploração e produção de petróleo, que ao mesmo tempo eram grandes concorrentes no mercado de distribuição de derivados. Em 1999, 54 (cinquenta e quatro) empresas internacionais estavam associadas à Petrobrás. Em 2005, seriam somente 39 empresas. Para enfrentar essa nova fase, a Petrobrás adotou o Planejamento Estratégico Decenal. Isso significava que teria que passar por uma reestruturação de todas suas atividades. Esse planejamento, sob a lógica da eficácia e eficiência foi fundamental para uma política de investimentos, em longo prazo, e intensificar a política de internacionalização de suas atividades, resultando num crescimento das reservas e das produções de petróleo e gás natural. A contemporaneidade da Petrobrás é marcada pela adoção de novas práticas de gestão compartilhada, que objetivam assegurar uma maior proteção aos interesses de todos os acionistas ou XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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controladores da gestão, e também, de grupos envolvidos com as atividades petrolíferas (prestadores de serviços, fornecedores nacionais e estrangeiros, empregados, etc.). A política de governança corporativa adota as melhores práticas de gestão administrativa baseadas na eficiência e na eficácia, e, tem como características a modernidade e a transparência da gestão de negócios. Essas práticas são definidas em estatuto social e aprovadas pelo Conselho Administrativo, como forma de assegurar e reforçar sua credibilidade junto aos mercados – petrolíferos e de capitais – tanto no país como no exterior, com o propósito de aprimorar o processo de gestão administrativa. Considerando os últimos escândalos que envolveram a Petrobrás, essas políticas estão sendo revistas e aprimoradas, de tal forma, que possam evitar práticas ilícitas contra o patrimônio da empresa. O fundamento do papel do Estado, nessa nova concepção de gestão compartilhada, pode ser entendido em dois momentos distintos: no primeiro, o Estado está voltado para as questões nacionais, ou seja, uma visão política onde os interesses estão centrados na gestão governamental, e, no segundo, o Estado passa da política para a gestão, isto é, passa a ser gestor e não definidor de políticas, em razão da questão nacional que se esvazia, além da redefinição do seu papel no novo arranjo internacional. O Estado substitui a lógica do nacional (do desenvolvimento), do papel da Petrobrás, pela lógica do mercado. A Petrobrás como uma multinacional, os interesses dela passam para os controladores da gestão, ou seja, dos acionistas ou investidores. Com esse formato de gestão, a responsabilidade de investimento ou de industrialização, passa para sociedade. Portanto, nessa nova fase da Petrobrás que se caracteriza, após a quebra ou flexibilização do monopólio da exploração e produção do petróleo, pela resistência ou superação de uma crise política ou de concepção ideológica. As mudanças institucionais ocorridas no setor petrolífero brasileiro determinaram o redirecionamento na forma de atuação da Petrobrás e justificaram a atualização de seu Plano Estratégico. Portanto, ocorreram mudanças na estrutura organizacional e de gestão da Petrobrás, em consequência da nova realidade a ser enfrentada pela empresa, tanto no âmbito do mercado interno como no externo, em decorrência da flexibilização do monopólio estatal do petróleo. Desta forma, se concretizam a política de integração energética, dentro de um contexto de reorganização estrutural e das condições diferentes dos mercados petroleiros e de energia, após a quebra do monopólio estatal do petróleo. Embora, a nova realidade exija maior eficiência e eficácia no processo produtivo, surge uma nova expectativa de mudança do contexto atual, com a exploração de petróleo na camada do pré-sal. Considerando este cenário, o Governo brasileiro definiu o marco regulatório, do présal, a partir de três diretrizes: ● O modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro;

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● Agregar valor ao petróleo aqui dentro, exportando derivados, como gasolina, diesel e produtos petroquímicos, além de gerar empregos para os brasileiros, construir uma poderosa indústria fornecedora dos equipamentos e dos serviços necessários à exploração do pré-sal; ● Definir a destinação dos recursos que serão gerados. A descoberta de petróleo, na camada do pré-sal, exigiu do Governo brasileiro uma maior participação nas atividades petrolíferas, seja como produtor ou como regulador das atividades econômicas. Os motivos que levam a ampliação do papel do Estado, nessa atividade, segundo a Empresa de Pesquisa Energética, são: ● Aumento da apropriação da renda petrolífera; ● Ampliação da inserção geopolítica do Brasil nas relações internacionais; ● Melhor gerenciamento de recursos de hidrocarbonetos: → Evitar a “maldição do petróleo”; → Adequar ao desenvolvimento da indústria de equipamentos, logística, Engenharia, novos materiais, etc. → Evitar a redução drástica das jazidas em favor das gerações futuras. Estudos realizados pela Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia, mostram que o futuro da atividade petrolífera é promissor em relação à produção de energia e especificamente na produção de petróleo, incluindo a exploração e produção da província do pré-sal. No Brasil existe um marco regulatório, institucional definido, com a descoberta das reservas do pré-sal, e com a intervenção do Estado no setor, decidiu-se alterar o modelo de Concessão pelo de Partilha de Produção para assegurar que maior parte dos benefícios gerados, permaneça no país, principalmente, no que se referente à distribuição dos royalties. Para consolidar as atividades petrolíferas, na camada do pré-sal, o Congresso Nacional aprovou três Projetos de Lei que alteram a Lei do Petróleo de 1997: O primeiro (PL nº 5938/2009), dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo e gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas. O segundo (PLC nº 309/2009), trata da autorização do Congresso Nacional ao Poder Executivo, para criar a empresa pública, sob a forma de sociedade anônima denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – PETRO-SAL. O terceiro (PL nº 5940/2009), trata de criação do Fundo Social – FS, de natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência da República, com a finalidade de constituir fonte de recursos para a realização de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Portanto, a realidade da exploração de petróleo e gás natural na camada do pré-sal, dentro das perspectivas de reservas e produção, representará o maior projeto nacional de desenvolvimento econômico e social que vai de encontro às expectativas da sociedade brasileira. Só nos resta, portanto, acompanhar esse processo de transformações que deverão ocorrer no Brasil, até a segunda década deste século, e, verificar se as expectativas serão confirmadas. A partir deste cenário, a participação do Brasil, como membro do Mercosul, é de suma importância, pelo papel que representa como o maior parque industrial da América do Sul, na política de integração regional e o poder de influenciar em novos acordos, que resultem num maior desenvolvimento econômico e social e fortaleça o Bloco do Cone Sul em suas relações com os Blocos Econômicos: Área de Livre Comércio das Américas - ALCA e o Mercado Comum Europeu - MCE. A Colômbia tem uma história petrolífera, do final do século XIX, quando o Governo fez concessões para exploração e produção dos hidrocarbonetos. A primeira descoberta ocorreu em Tubará, em 1883. Segundo CAMPOS (2007), entre 1920 e 1940, várias companhias, tais como Mobil, Texaco, Gulf, Intercol (Exxon), Richmond e Shell desenvolveram atividades de upstream mediante contratos de concessão A concessão consistia basicamente em que o Estado cedia a particulares determinadas áreas de território para que adiantassem trabalhos de exploração de hidrocarbonetos. A Ecopetrol é a maior empresa petrolífera da Colômbia, foi fundada em 1921, como Tropical Oil Company e em 25 de agosto de 1951 teve seu nome mudado para Ecopetrol, 80% da empresa pertence ao Governo Colombiano. A Empresa Colombiana de Petróleos – Ecopetrol, que tinha o objetivo de assumir os conflitos da concessão a Roberto De Mares. A Ecopetrol é uma empresa industrial e comercial do Estado, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Na Colômbia, os recursos naturais não renováveis, entre eles os hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) são propriedade do Estado. Em 25 de Agosto de 1951, foi realizada uma revisão da Concessão de Mares que passou todos seus bens e propriedades ao Estado Colombiano. A reestruturação do setor petrolífero, em 2004, que reformulou a estatal Ecopetrol e ao mesmo tempo, criou a Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH), marcou uma nova fase da atividade no país, tornando a indústria petrolífera uma das melhores oportunidades para atrair investimentos externos, além, de incentivar as atividades econômicas voltadas para o mercado interno. O crescimento foi muito rápido desde a reforma de 2004, quando ocorreu a abertura do setor petroleiro ao investimento privado. Essa abertura foi importante para se alcançar resultados positivos, no que se refere às reservas de petróleo obtidos em 2009, representado um acréscimo em torno de 50%, resultados do aumento de projetos de prospecção e de exploração. Esses resultados transformou a Colômbia no terceiro produtor da América Latina, quando superou a Argentina e Equador, e, ficando atrás somente da Venezuela e do Brasil. Com a expectativa do governo de que os investimentos estrangeiros no setor petrolífero aumentem, acredita-se que a atividade atingirá um novo patamar entre os grandes produtores de petróleo, na América do Sul. Ao discutir, a XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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nova política petrolífera colombiana, dentro do processo de substituição do Estado Empresário pelo Estado Regulador, CAMPOS (2007) destaca os principais pontos dessa nova política para o setor: 1.

A separação das funções da Ecopetrol como empresa operadora e que fixava a politica,

objetivando tornar a estatal uma empresa eficiente; 2.

A criação da Agencia Nacional de Hidrocarburos – ANH, como um ente governamental

responsável pela administração dos hidrocarbonetos, pela informação geológica e pelos contratos de exploração e produção; 3.

A introdução de um novo contrato em substituição ao contrato de associação, que são os

contratos de exploração e produção celebrados pela ANH a partir de 1º de janeiro de 2004; 4.

A criação da Sociedade Promotora de Energia de Colombia S.A., que participará ou

investirá em companhias cujo objeto social se relacione com as atividades do setor energético ou com atividades similares, conexas ou complementares. Esta nova fase do setor petrolífero colombiano, busca dentro de uma lógica moderna de gestão e organização administrativa, aumentar a eficiência em todas as atividades do setor, e assim, participar ativamente do mercado comum, como país membro do Mercosul, além de fortalecer o processo de integração regional. A Venezuela tem uma trajetória histórica, no que se refere ao setor petrolífero, que compreende o período, do final do século XIX até 1975, quando foi promulgada a Lei de Nacionalização do setor petróleo, na Venezuela. Assim, foi assegurada ao Estado, a exclusividade sobre todas as atividades da indústria do petróleo e, como foi definida na Lei, em 1976, foi criada a Petróleos da Venezuela – PDVSA que seria responsável pela coordenação, supervisão e gerenciamento direto da indústria, com capital estatal. Uma empresa estatal antecedeu a PDVSA, a Corporación Venezoelana de Petróleo – CVP, criada em 1960, com a finalidade de atuar nas atividades de produção, refino e no comércio internacional. Em 1983, o governo venezuelano aproveitou a Lei de Reversão Perolífera, aprovada em 1971, para não autorizar novas concessões de exploração e produção de petróleo. A Venezuela, assim como o Brasil (na década de 1990), também realizou reformas na economia a partir de 1988, dentro de um cenário de crise enfrentada pelos países latino-americanos, na década de 1980, quando foi imposta a lógica do Consenso de Washington, ou seja, a implantação de políticas neoliberais. Coube ao Governo Carlos Andrés Pérez, dar início ao Plano de Privatizações de estatais, em diversas atividades da economia, como telefonia, companhia de aviação, hotéis, bancos, engenhos açucareiros, e outros. Isso provocou um sentimento, entre os nacionalistas, de total desmonte do aparelho do Estado. Segundo Campos, ao tratar do ideário de soberania e estratégia da indústria petrolífera venezuelana, afirma que: “É inegável a importância do setor para a economia nacional, uma vez que representa 1/3 do PIB e metade da receita do governo. Adicionalmente, juntos, os setores petrolíferos e gasífero, representavam, em 2003, 89,3% da oferta total de energia primária venezuelana”.

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Em 1994, a reestruturação da indústria petrolífera venezuelana, em um momento que o Governo se utilizou de um Plano de Estabilização da economia, no qual incluiu a permissão à entrada de capital privado para atuar nas atividades de exploração e produção de petróleo e continha a exigência de que seria com a participação do capital estatal. Em 1998, uma nova estrutura marcaria mudanças importantes, no setor petrolífero, ao extinguir as três filiais da PDVSA, Maraven, Lagoven e Corpoven, resultado da associação com empresas de capital privado, em 1986, foram criadas as holdings PDV – Petróleo e Gás e a PDV – Química, e, tinha como objetivo tornar essas empresas mais eficientes, dentro de suas especialidades. Outra reestruturação ou abertura do setor foi à criação da PDVSA/SOFIP, cujo objetivo era promover a participação financeira do venezuelano no negócio de petróleo dentro do marco da abertura (CAMPOS, 2007). Em 1999, dar-se início ao Governo de Hugo Chávez com uma política nacionalista em relação à atividade petrolífera venezuelana. A primeira medida do novo Governo foi evitar qualquer tentativa de privatização da PDVSA, quando aprovou a Ley Orgánica de Hidrocarburos (Decreto nº 1510/01), além de estabelecer a exclusividade do Estado sobre a PDVSA. A reestruturação do setor petrolífero venezuelano, no período Hugo Chávez, foi influenciada pelo pensamento nacional desenvolvimentista, cuja política petrolífera assegurava ao Estado, a maioria acionária em todas as atividades petrolíferas. Essas mudanças foram realizadas dentro de um cenário político conturbado. A transição para um novo Governo nacionalista, caracterizado por um Estado Intervencionista, significava o enfrentamento e superação de todos os problemas econômicos, sociais e políticos que afetavam a Venezuela. Apesar dessas questões estruturais internas, como também, a conjuntura política externa, a serem superadas, pela Venezuela, vale destacar a sua importância como país membro do Mercosul, a partir de 2012, pelas condições e poder inerentes ao grande produtor de petróleo, na América do Sul, e, como ator indispensável, com certeza, tem um papel de destaque nas discussões sobre o desenvolvimento e integração regional. Como membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, a exemplo de outros países Sul-americanos, enfrentou as pressões externas, principalmente do Fundo Monetário Internacional – FMI, para realizar a reestruturação e flexibilização em todas as atividades produtivas, do setor petrolífero venezuelano. Considerações Finais Quando em 1991, foi criado o Mercosul como resultado do Tratado de Assunção, do qual fez parte Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tinha como objetivo a formação de um mercado comum livre, capaz de ampliar o intercâmbio comercial entre os países membros e diminuir a vulnerabilidade e dependência de importações e/ou exportações em relação ao comércio mundial. A dinâmica deste mercado regional pode resultar numa maior Integração regional, na Cooperação tecnológica e no Desenvolvimento industrial, capazes de transformar ou estimular as condições de produção, e diminuir XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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as desigualdades econômicas e sociais. A aceitação da Venezuela, em 2012, como membro pleno do Mercosul amplia a importância econômica do bloco e abre novas oportunidades de negócios e investimentos. A amplitude do Mercosul não está restrita à dimensão econômica e comercial, mas, estão envolvidos interesses comuns que abrangem, desde a infraestrutura às telecomunicações; da ciência e tecnologia à educação; da agricultura familiar ao meio ambiente; da cooperação fronteiriça ao combate aos ilícitos transnacionais; das políticas de gênero à promoção integral dos direitos humanos; a cooperação tecnológica, principalmente no setor petrolífero, se destaca em virtude do poder da difusão da pesquisa e transferência do conhecimento, no que concerne às novas fontes alternativas de energia. Essa amplitude de interesses faz do Mercosul um dos projetos de integração mais consistentes do mundo. A reestruturação da atividade petrolífera, nos países estudados, amplia o universo de oportunidades, no que se refere a investimentos e modernização de técnicas de produção, através de Convênios ou Acordo de Cooperação, que visem o desenvolvimento econômico e social e a superação de crises regional ou mundial, do setor energético. A partir da constatação da potencialidade de cada país membro, do Mercosul, tem-se a convicção de que a autosuficiência em bens industrializados, matériasprimas e até no setor de serviços, constitui-se uma possibilidade real, de crescimento do comércio exterior, de estabilização e crescimento das economias. Referências AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL) – disponível em www.aneel.gov.br BP GLOBAL – disponível em www.bp.com CAMPOS, Adriana Fiorotti. A indústria do petróleo: reestruturação sul-americana nos anos 90. Rio de Janeiro: Interciência, 2007. DRAIBE, Sonia Miriam. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil, 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE) – disponível em www.epe.gov.br _______. Plano Decenal de Expansão de Energia 2019 – PDE 2019. ( www.mme.gov.br - 09/08/2015 – 10h30m). INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA) – disponível em ipeadata.gov.br INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA) – disponível em www.iea.org MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME) – disponível em www.mme.gov.br OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS) – disponível em www.ons.org.br PETROBRÁS. Exploração no Brasil: os caçadores de petróleo. Rio de Janeiro: _______. Cadernos Petrobrás nº 4. Unidade de Comunicação Institucional/Comunicação Interna da Petrobrás. Dezembro, 2004. www2.Petrobrás.gov.br _______. Brasil auto-suficiente em petróleo. Rio de Janeiro: Comunicação Institucional. Abril 2006. _______. Relatórios da Petrobrás (1997 a 2008). Rio de Janeiro, 2006. (em CD-RW). SECRETARÍA DE ENERGÍA DA ARGENTINA. www.energia.mecon.gov.ar

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RESUMO

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Resumo

Polícia e mediação de conflitos como integração no âmbito da Segurança Pública Ana Paula Brito Vila Nova Marcelo Marques de Almeida Filho Suelia Nunes da Gama

A

relação polícia e sociedade é um ponto delicado na história, principalmente nos períodos ditatoriais. Porém com a redemocratização e o novo paradigma de uma polícia de proximidade, alguns esforços do Estado, Instituições Públicas, Sociedade Civil entre outros tem-se

desconstruído a ideia de polícia voltada apenas para o controle. Uma dessas ações é a política pública de mediação de conflitos, que busca de forma pacifica que os envolvidos possam em comum acordo resolver o conflito existente, sendo eles os protagonistas das decisões, criando assim, uma sociedade predisposta a solucionar conflitos. Esta prática, atualmente, tem ganhado força, principalmente, em decorrência de sua contribuição no alivio da alta demanda do poder judiciário além de proporcionar ao cidadão ganho de capital social. Este artigo tem por objetivo compreender como o procedimento de mediação de conflito exercida pela polícia pode contribuir para o processo de integração do Mercosul no âmbito da Segurança Pública. O aporte teórico será a teoria da Eficácia Coletiva e a ideia de Capital Social; e adotando o conceito de Mediação de Conflitos Transformativa, desenvolvidas pelos teóricos Joseph P. Folger e Robert A. Baruch Buschi, sendo voltada para a relação que sustenta o escopo da Mediação como a capacidade ou empoderamento das partes para que sejam capazes de compor seus futuros conflitos, e o reconhecimento mútuo de interesses e sentimentos objetivando uma aproximação das partes e a humanização do conflito. Observando que a Mediação é uma tendência para solução conflitos, que contribui para a redução no nível de processos judiciais, além de ser uma das alternativas para a integração do bloco no âmbito da Segurança Pública, pois possibilita aos cidadãos acesso a serviços, como a justiça, e ganho de capital social cooperando para uma sociedade mais igualitária.

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VII

Desenvolvimento, Inovação e Produção do Conhecimento

ARTIGO

Políticas de qualificação de profissionais brasileiros em torno da formação em Instituições de Ensino Superior Internacionais Lana Rodrigues Araujo1 Antonio Walber Matias Muniz2 Introdução

O

trabalho em questão desenvolve-se em três tópicos. Em um primeiro momento, há uma breve análise sobre questões relacionadas ao crescimento do Brasil, realizando parâmetros com outros países, observando o contexto econômico e as perspectivas para avanços de

políticas estruturais com vistas à evolução do país, com base em dados estatísticos fornecidos pelo Banco Mundial e pela CIA (Central Intelligence Agency). Logo em seguida, têm-se uma explanação quanto a capacitação de profissionais em instituições de ensino superior internacionais e aos programas ofertados – assim como outros apoiados - pelo governo brasileiro para que estudantes e pesquisadores tenham a oportunidade de trocar experiências com países em diversas áreas do conhecimento, preferencialmente nas que possuem maior carência de profissionais bem qualificados; com fundamentações em notícias e documentos disponibilizados pelo governo. Para encerrar as considerações desta pesquisa, realiza-se uma síntese a respeito das contradições entre a qualificação que traz avanços para o país, de um lado, e o aumento as desigualdades na esfera social, do outro; relacionando vínculo empregatício - advindo da capacitação -, distribuição de renda e qualidade de vida. Breves considerações sobre o ritmo de crescimento do Brasil Ao analisar os acontecimentos relacionados à política internacional, tem-se que integração e cooperação marcam o cenário de globalização da última década e que, para ter destaque e influência, conquistar seu espaço, é necessário que cada país observe seriamente as condições de que precisam para alcançar suas metas, do contrário, o desenvolvimento do país se converte no conceito de estagnação. O Brasil, quando comparado a outros países latinos, a exemplo do Chile, possui diferença notória quanto ao ritmo de crescimento. De acordo com valores fornecidos pelo Banco Mundial e pela CIA (Central Intelligence Agency), a taxa de crescimento do PIB chileno foi de 1,89%, cerca de US$ 258,0615 bi, enquanto que o Brasil, mesmo tendo US$ 2,3461 tri produzidos, teve sua taxa de crescimento do PIB em 0,14%, ao ter como referência o ano de 2014 (on-line). Em termos práticos, isso significa que o gerenciamento de recursos obtidos pelo país ao longo dos

Aluna do Curso de Direito. UNIFOR – NEI; bolsista PROBIC pela Fundação Edson Queiroz. [email protected] Professor da Universidade de Fortaleza. Coordenador do Núcleo de Estudos Internacionais – NEI. UNIFOR. [email protected] 1 2

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últimos anos não foi feito da maneira mais adequada, ocasionando, por vezes, o desequilíbrio entre as despesas e receitas públicas, que sustentam e mantém a máquina estatal. Isso influi diretamente nos investimentos necessários que poderiam ser viabilizados com uma gestão bem planejada; porém, tem ensejado o desencadeamento de crises que se iniciam em um setor e posteriormente vão alcançando outros. Uma das questões que mais tem interferido no crescimento do Brasil tem sido os gastos destinados para pagar as dívidas públicas, tendo em vista que cerca de 58% do PIB está voltado para o pagamento dos juros da dívida aos bancos, aponta estatística do Trading Economics (on-line). Considerando essa repartição e as despesas já previstas em lei orçamentária (ex.: pagamento de servidores), o valor que “sobra” para ser aplicado em investimentos como Saúde e Educação não é expandido. Cada vez mais, o progresso da sociedade e a criação da riqueza dependem da capacitação científica e tecnológica e, consequentemente, do incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento, admitidos como ferramentas estratégicas para a inserção de países na nova ordem do comércio internacional. (VIANNA, 2007, p.167.)

Como uma das tentativas de conciliar o ritmo regular de crescimento e o contexto de retração econômica, o governo brasileiro, por intermédio de políticas estruturais, tem criado oportunidades para que estudantes e pesquisadores realizem intercâmbios acadêmicos. Em decorrência dessa troca de conhecimentos com países dotados de maior experiência nas mais diversas áreas, o Brasil amplia as possibilidades de acelerar o crescimento econômico ao promover a qualificação da mão de obra. Capacitação de profissionais a nível internacional Durante muito tempo, quem desejasse ter qualificação diferenciada, exercer atividade profissional rentável, que proporcionasse maior conforto, portanto melhores condições de vida, tinha de obter recursos próprios para estudar no Exterior, pois não havia amplo auxílio do governo para que pudessem alcançar esse objetivo; era uma meta distante da realidade que se apresentava. O cenário atual demonstra uma situação diferente. Independente de ter reserva financeira e recursos próprios, qualquer estudante que esteja disposto a galgar seu espaço enfrenta menos obstáculos que outrora. O governo brasileiro tem articulado, junto à instituições internacionais, a troca de conhecimentos em detrimento do progresso, por intermédio da oferta de cursos, de financiamentos e do fornecimento de bolsas de estudo, como será explanado adiante. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts MIT Reconhecida como uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior privado a nível internacional, e tendo como pilares os cursos de Ciência, Engenharia e Tecnologia – dentre outros -, reverenciados pelo mundo todo, o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), localizado em Cambridge, nos Estados Unidos, obteve, em 2015, uma das melhores participações de alunos brasileiros. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 368 Dos mais de 600 inicialmente interessados no curso de graduação do MIT, tivemos um recorde de 115 candidatos que completaram o processo de aplicação. Destes, 17 excelentes candidatos brasileiros foram filtrados para a fase final da seleção", destaca a doutora Elaine Lizeo, do MIT Educational Council, coordenadora do time de entrevistadores no Brasil. (G1, on-line.)

Quatro alunos foram aprovados e aguardam o resultado do pedido de bolsa, integral ou parcial, e outros quatro estão na lista de espera. Após o término dos cursos, os estudantes retornam como profissionais bem capacitados e preparados para trabalhar em prol do seu país. O Programa Ciência Sem Fronteiras - CSF O Programa Ciência Sem Fronteiras, criado em 2011, por meio do DECRETO Nº 7.642, pelo governo brasileiro, visava um total de 101.000 bolsas estudantis em quatro anos, divididas entre brasileiros que vão para o exterior e estrangeiros que vem ao Brasil. Até março de 2015, foram implementadas mais de 78 mil bolsas. No Brasil, em anos recentes, tornou-se muito mais nítida a percepção da importância do desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (C&T) e, assim, da intensificação do esforço nacional nesse setor como condição necessária para o alcance do desenvolvimento, do bem-estar, da redução das desigualdades e para o exercício da soberania. (VIANNA, 2007, p.167).

Os estudantes de graduação e pós-graduação, além de pesquisadores, podem inscrever-se para concorrer às bolsas que se dividem da seguinte maneira: MODALIDADES

VAGAS

Doutorado sanduíche

15.000

Doutorado pleno

4.500

Pós-doutorado

6.440

Graduação sanduíche

64.000

Desenvolvimento Tecnológico

7.060

e Inovação no Exterior Fonte: Ciência Sem Fronteiras (2015, on-line). Como dito anteriormente, o Brasil tem buscado superar seus baixos índices de qualificação profissional, e uma das formas que encontrou para concretizar esse feito foi pelo intercâmbio acadêmico com os Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, que obtiveram maior destaque entre os países participantes do programa quanto à implementação de bolsas: das 78 mil ofertadas, os três concentram 37.710 (EUA – 22.064; Reino Unido – 9.115 e Canadá – 6.531). O direcionamento destas tem sido principalmente para os grupos de Engenharias e demais áreas tecnológicas (16.597) e de Biologia e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Ciências Biomédicas e da Saúde (6.762), considerando o somatório dos três destinos. O Programa Geral de Cooperação Internacional - PCGI O Programa Geral de Cooperação Internacional, ou PCGI, tem por objetivo promover o estímulo da pesquisa a nível de pós-graduação, entre o Brasil e outros países com os quais tenha acordo, fornecendo bolsas de maneira semelhante ao Ciência Sem Fronteiras, diferenciando-se quanto à especialização, não inclusa no rol das modalidades do CSF. O financiamento do intercâmbio é distribuído de duas formas: missões de trabalho (para professores), bolsas de estudo (para alunos), sendo possível obter outras ajudas de custo voltadas para o desenvolvimento das pesquisas. A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que está à frente do programa, determina que, para ser contemplado, o projeto precisa seguir os requisitos abaixo listados: REQUISITOS A proposta deverá estar vinculada a um ou mais programas de pós-graduação avaliados pela CAPES, preferencialmente, com conceitos 5, 6 ou 7; A coordenação do projeto estará a cargo de docente com título de doutor há pelo menos 05 (cinco) anos e com comprovada capacidade técnico-científica para o desenvolvimento do projeto; A equipe do Brasil deverá ser composta de pelo menos dois doutores, além do Coordenador; A proposta deverá ter caráter inovador, considerando inclusive o desenvolvimento da área no contexto nacional e internacional, e explicitando as vantagens da parceria. Fonte: PORTAL CAPES (on-line). A concessão de bolsas no exterior para brasileiros pela cooperação internacional atualmente se aplica exclusivamente aos convênios DAAD (Alemanha), CESMAT (França), IAS (França) e o Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca (Espanha). (CNPq, 2015, on-line). “Restrições” ao curso jurídico em IES Internacionais O curso de Direito não é considerado, por hora, como uma das áreas prioritárias a serem assistidas pelo Ciência Sem Fronteiras. Este fato se justifica em virtude do contexto econômico brasileiro, que demonstra claramente que o país necessita recuperar o atraso em outras esferas, como nas vinculadas ao eixo Tecnológico. Além disso, o estudo do Direito é distinto entre os países, sendo necessário considerar a evolução histórica e a questão política, dentre outras singularidades de cada um. Outro problema que se apresenta é quanto à validação dos diplomas obtidos, conforme esclarecem LIMA e VARELLA: De acordo com a Lei n. 9.394/96, é preciso que a universidade brasileira possua cursos reconhecidos e avaliados na mesma área de conhecimento. Na área de Direito, a XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 370 determinação é a de que apenas universidades com conceito 5 e com doutores formados, podem revalidar diplomas obtidos no exterior para que o professor goze das prerrogativas inerentes à titulação obtida no Brasil. (LIMA; VARELLA, 2012).

Em síntese, a validação do diploma daqueles que cursaram Direito em IES no exterior se estenderá somente para a questão acadêmica, e não para o exercício da advocacia, o que representa um grande obstáculo para aqueles que procuram expandir seus conhecimentos e aplicar técnicas ainda não trabalhadas no país, limitando a conciliação de entendimentos conflitantes entre a legislação de outros países e a brasileira, enquanto que questões poderiam ser melhor solucionadas com a aplicação de normas jurídicas de determinado país a depender do caso concreto. Acordos com a OIT Na última conferência realizada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), em Genebra, na Suíça, os ministros do Trabalho e Emprego, do Brasil – Manoel Dias - e da Coreia do Sul - Lee KiKweon -, reuniram-se para discutir sobre o intercâmbio de servidores públicos brasileiros e sulcoreanos com o desiderato de qualificar e trocar conhecimentos e experiências. O novo grupo de trabalho vai definir ainda os termos da cooperação técnica em outras áreas de interesse, como sistemas públicos de emprego e de formação profissional; certificação profissional e saúde e segurança no trabalho. Além disso, será realizada uma pesquisa sobre qualificação profissional a partir da comparação dos dois mercados.” (MTE, 2015, on-line)

A distância que, há apenas algumas décadas, poderia ser considerada como uma barreira quase intransponível, hoje é, sem sombra de dúvidas, uma comprovação da importância que se faz da cooperação e integração entre os países, não somente os latino-americanos, mas também os asiáticos e europeus, superando os níveis de desenvolvimento e as particularidades de cada um. Contradições entre a qualificação para avanços do país e as desigualdades na esfera social O poder econômico que vem da população, por intermédio do consumo, se efetiva através da geração de renda. Se não há vínculo empregatício, não há renda para movimentar; e quando existe vínculo, os salários tornam-se cada vez mais motivo de transtorno, já que o valor não tem acompanhado os índices inflacionários e o poder de consumo tem sido reduzido de maneira drástica, comprometendo a movimentação da economia. Com um mercado cada vez mais exigente, não basta apenas ter o considerado básico – certa experiência na área e conhecimento de segundo idioma – e, em um cenário de concorrência cada vez mais forte devido à retração econômica, possuir qualificação torna-se o grande diferencial. Os serviços baseados em tecnologias de informação e comunicação assumiram um papel essencial nas relações internacionais (comerciais, financeiras e de investimento direto) e são eles mesmos objeto crescente de transações trans-fronteiras. Bens e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 371 serviços de maior intensidade tecnológica auferem preços mais altos no comércio internacional e são menos sujeitos a ciclos que os produtos padronizados, notadamente as commodities das quais em boa parte depende o balanço comercial brasileiro. (ERBER, 2007, p.175).

Entre pessoas que trabalhavam na informalidade e pessoas com carteira assinada, o percentual de trabalhadores que conseguiu obter maior estabilidade, alcançando melhores condições salariais subiu, conforme estimativas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Segundo o ministro Manoel Dias, “mesmo com a crise imposta ao país pela agenda política, desde o ano passado, os resultados do Brasil saltam aos olhos da comunidade internacional, que deseja saber detalhes das ações que contribuíram para elevar em mais de 20 milhões o número de vagas ocupadas com carteira assinada desde 2003.” (MTE, 2015, on-line). Embora uma parte dos trabalhadores com qualificação técnica tenha conseguido estabilidade através da formalidade, a grande maioria da população, que não possui nível de estudo alto, continua à margem da sociedade, no sentido destes não acompanharem e não terem condições de concorrer igualitariamente com àqueles; o que pode ser facilmente comprovado ao analisar como os empresários estão estabelecendo seus critérios de admissão para contratar funcionários em um momento que necessitam “cortar” gastos para permanecerem no mercado. Thomas Piketty, em sua brilhante obra intitulada “O Capital no Século XXI”, define dois tipos de força quando se trata do crescimento de um país: as forças de convergência e de divergência. As forças de convergência são aquelas oriundas da troca de conhecimentos promovida pela cooperação entre países que, aplicando o conceito ao presente trabalho, vem por intermédio dos programas de qualificação. Já as forças de divergência, definem como sendo: [...] aquelas que garantem que os indivíduos com os salários mais elevados se separem do restante da população de modo aparentemente intransponível, ainda que por ora esse problema pareça um tanto pontual e localizado. São também, sobretudo, um conjunto de forças [..] atreladas ao processo de acumulação e concentração de riqueza em um mundo caracterizado por crescimento baixo e alta remuneração do capital. Esse segundo processo é potencialmente mais desestabilizador do que o primeiro, o do distanciamento dos salários, e sem dúvida representa a principal ameaça para a distribuição igualitária da riqueza no longo prazo. (PIKETTY, 2014, p.31-32).

Pode-se constatar, portanto, que os programas e auxílios promovidos pela cooperação entre vários países tem viés duplo: ao mesmo tempo em que consegue, em termos mais simples, manter a vaga de uma pessoa no emprego formal, acaba pressionando outra para à informalidade, sem a mesma estabilidade, segurança e auferimento de renda. Considerações Finais Por intermédio das análises realizadas em dados estatísticos, notícias e reportagens fornecidos por XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Entidades Governamentais, nacionais e internacionais, foi possível estudar a importância que as políticas de qualificação de profissionais possuem para o desenvolvimento do Brasil. Tendo em vista que a cooperação internacional tem se tornado importante instrumento para o progresso de países em desenvolvimento, torna-se mister reforçar, por meio de acordos e convenções, alianças que consigam proporcionar experiências que auxiliem na recuperação das áreas deficientes de cada um e o Brasil, enquanto país dotado de proporções continentais, necessita investir na Educação para ter condições de superar - gradualmente - as desigualdades sociais. Ante as análises feitas até aqui, compreende-se que, embora auxílios e facilidades sejam ofertados com o intuito de promover a qualificação de profissionais e transformar o país, esteja obtendo certo sucesso, por outro, tem agravado, em parte, a má distribuição de renda e o aumento nas desigualdades sociais. Para tentar nivelar essas divergências, faz-se necessário potencializar os investimentos, em outras áreas também – além da Educação -, para alcançar essa outra parte da população, que está voltada para a informalidade, dando oportunidade para que ela possa, também, desfrutar de melhores condições de vida, ao ter maior renda e estabilidade, concretizando as projeções feitas para o futuro de maneira bemsucedida.

Referências BRASIL. Ciência Sem Fronteiras. Disponível em: Acesso em: 06 ago 2015. _______. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Disponível em: Acesso em: 29 ago 2015. _______. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Carta de Serviços – Bolsas no Exterior – Cooperação Internacional. Disponível em: Acesso em: 29 ago 2015. _______. Decreto nº 7.642, de 13 de dezembro 2011. _______. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO – MTE. Brasil e Coréia do Sul assinam intercâmbio na OIT. Disponível em: . Acesso em: 16 jun 2015. _______. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO - MTE. Conquistas do Brasil mobilizam encontros bilaterais em Genebra. Disponível em: Acesso em: 16 jun 2015. CIA – Central Intelligence Agency. Disponível em: Acesso em: 20 jul 2015. ERBER, Fábio Stefano. Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Política Externa. In.:O Brasil no mundo que vem aí / I Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional, Rio de Janeiro, 6 e 7 de julho de 2006. – Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2007, p.175. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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G1. MIT, nos EUA, aprova número recorde de estudantes brasileiros este ano. Disponível em: Acesso em: 11 ago 2015. LIMA, Martonio Mont’alverne Barreto; VARELLA, Marcelo d.. Políticas de revalidação de diplomas de pósgraduação em direito no Brasil: dificuldades e desafios para o sistema brasileiro. Disponível em: . Acesso em 20 ago 2015. PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2014, p. 31-32. VIANNA, Hadil da Rocha. Ciência e Tecnologia. In.:O Brasil no mundo que vem aí / I Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional, Rio de Janeiro, 6 e 7 de julho de 2006. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007, p.167. THE WORLD BANK. Indicators – GDP (current US$). Disponível . Acesso em: 23 ago 2015.

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TRADING ECONOMICS. Brasil – Dívida Pública % PIB. Disponível . Acesso em: 28 ago 2015.

em:

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RESUMOS

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Resumo

Perfil das Indicações Geográficas Brasileiras - aspectos comerciais Agnes de Freitas Melo Levorato Cezar Augusto Miranda Guedes

O

escopo deste trabalho tem como propósito delinear o perfil das Indicações Geográficas Brasileiras (IG) no que concerne aos seus aspectos comerciais, com o intuito de apontar seus pontos fortes e fracos a fim de tornar as indicações geográficas um instrumento

eficiente e consolidado de proteção a produtos agroalimentares e/ou serviços com qualidade diferenciada, além da promoção das regiões reconhecidas pela produção desses mesmos produtos ou serviços. A discussão acerca das IG’s no Brasil é ainda muito recente e limitada a identificação da potencialidade das possíveis regiões em obter o registro junto ao Instituto de Propriedade Industrial (INPI) – órgão regulador da IG no Brasil, o que negligencia e ofusca as reais possibilidades de desenvolvimento que esse tipo de propriedade industrial pode ocasionar, que não se limita a agregação de valor ao produto mas pelo contrário pode emplacar em uma gestão social fertilizadora por todo o território. Este trabalho pretende identificar as potencialidades das IG’s brasileiras através da análise minuciosa das páginas na web de todas IG’s devidamente registradas pelo INPI³. A escolha pela metodologia de utilização das páginas na web torna-se mister já que este é atualmente o mecanismo mais democrático e eficiente de promover qualquer tipo de informação. Essa simples consideração já nos indica uma grande dificuldade da IG brasileira no que se refere ao seu alcance comercial, já que menos da metade dessas IG’s possuem páginas na web. Para analisar as páginas na web das IG’s foram consideradas variáveis que explicitam a qualidade destas. IG´s e sua comunicação com a sociedade e o mercado. Dentre as variáveis escolhidas foram consideradas se as páginas possuíam: opções de idioma, atualização constante de dados e noticias, rastreabilidade do produto em questão, informação sobre como é estruturada a organização da IG, informação sobre associados e colaboradores e informações referentes a localidade da IG. Foi constatado que menos de 10% das IG’s que possuem página na web atendiam a pelo menos quatro ou mais das variáveis consideradas, o que torna evidente suas fragilidades. Por fim, depois de realizado todo mapeamento das páginas, essas foram elencadas em quatro blocos formando um ranking das respectivas IG’s brasileiras.

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Resumo

Sistema de Inovação pernambucano: uma análise sobre o papel da Universidade Federal de Pernambuco Caroliny Wanderley de Macêdo

A

política de C&T brasileira começou a ser delineada em 1970 com o objetivo de dar suporte ao processo de industrialização e modernização de setores industriais, em conformidade com o modelo de desenvolvimento adotado pelo país na época. Para tanto, foram utilizados

mecanismos de apoio políticos e financeiros, os quais teriam como fim amparar a criação de uma infraestrutura científica e tecnológica no Brasil. A proposta de organização e gestão dessa política foi planejada a partir de uma perspectiva sistêmica, a qual pudesse oferecer condições para a integração e interação de diferentes atores, sendo o Estado um importante promotor deste processo. A partir do contexto descrito acima, este trabalho tem como objetivo principal aprofundar o debate sobre inovação tecnológica e sua relação com a universidade pública brasileira. Para tanto, situa a discussão a partir da construção de uma base de C&T no Brasil em busca de identificar como essa trajetória histórica influencia, atualmente, a consolidação de um ambiente inovador no país. Tomando como base, o conceito de Sistema Nacional de Inovação, o qual estimula a adequação para os setores regionais e estaduais de inovação, será feito um recorte geográfico ao analisar o cenário atual do estado de Pernambuco. Observando o quadro geral da C,T & I estadual, se dará destaque para o papel da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) como um importante ator para a superação dos gargalos desse sistema ao se constituir como uma peça fundamental para a formação de recursos humanos, desenvolvimento de P&D, além do articulamento com o setor público e o privado.

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VIII

Comunicação, Informação e Poder na América do Sul

ARTIGOS

A cultura da mediação no Brasil: a influência do modelo argentino e a importância da comunicação regional

Regina Rosari Mugayar Guedes1 Introdução

N

o cotidiano dos cidadãos brasileiros, tem-se mostrado cada vez maior o protagonismo social e político dos tribunais, assim como dos atores que os compõem. Estima-se que haja, atualmente, cerca de cem milhões de processos tramitando em instâncias de todo o país. Adicionado a este

fato, ocorre grave morosidade decorrente dos intermináveis recursos, agravando ainda mais a atual crise do Judiciário. Este quadro vem se delineando desde a promulgação da Constituição de 1988, a qual conferiu uma função de intérprete do controle da constitucionalidade ao Poder Judiciário. Na prática, este Poder passou a ser mais independente e a exercer um papel ativo, apoiando-se numa atividade judiciária que demanda a interpretação do texto constitucional. Consequentemente, o Poder Judiciário passou a ser colocado como um estuário das mais diversas insatisfações oriundas da inoperância do Executivo, já que a sociedade brasileira, a partir de então, lhe confere um papel de guardião dos valores fundamentais da democracia e de garantidor dos direitos outorgados. Constatamos, assim, que os cidadãos brasileiros passaram a reconhecer e a positivar um grande espectro de direitos, antes ignorados ou negados. Mesmo reconhecendo os avanços em prol da cidadania conquistados a partir deste momento, percebe-se que essas mudanças não levaram apenas a uma redemocratização da sociedade, elas também resultaram na necessidade da interferência do Poder Judiciário sobre praticamente todas as questões da vida política e do cotidiano dos cidadãos. A invasão do direito no mundo contemporâneo não tem limitado as suas repercussões ao âmbito dos poderes republicanos e à esfera propriamente política. Ela vem alcançando a regulação da sociabilidade e das práticas sociais, inclusive aquelas tidas, tradicionalmente como de natureza estritamente privada e, portanto, impermeáveis à intervenção do Estado (...) ao lado dessa crescente regulação da vida privada (...) o direito vem expandindo a sua capacidade normativa, armando institucionalmente o Judiciário de meios e modos para o exercício de uma intervenção nesse plano. (VIANNA, 1999: 149)

Essa maior e crescente presença do Judiciário contribui para a existência do fenômeno que podemos denominar de judicialização, caracterizada por uma espécie de invasão do direito no funcionamento da vida social da atualidade. Este fato pode ser verificado em várias esferas, tendo acarretado em uma ampliação do acesso à justiça com extrema delegação ao judiciário para solução de uma infinidade de questões. Por outro

1 Mestre

em Psicologia da Personalidade e Desenvolvimento pela FGV (Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro), mediadora judicial e supervisora de mediação do TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). E-mail: [email protected]

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lado, essa conjuntura provocou uma desvalorização das formas alternativas de solução de conflitos, sobretudo aquelas em que os indivíduos e grupos possam reassumir o protagonismo de suas vidas, sem necessariamente delegar a outrem as decisões adequadas. O fenômeno da judicialização vem se refletindo na cultura do cidadão brasileiro, o qual tem recorrido sistematicamente ao Judiciário para buscar soluções de questões que envolvem as políticas públicas assim como aquelas que resultam dos conflitos oriundos das relações sociais e interpessoais. Esta constante e recorrente conduta tem redundado no desenfreado crescimento de ações judiciais impetradas por indivíduos que cobram seus direitos à proteção social, à segurança, ao bem-estar dentre outros. O juiz surge como um recurso contra a implosão das sociedades democráticas que não conseguem administrar de outra forma a complexidade e a diversificação que elas mesmas geraram. O sujeito, privado das referências que lhe dão uma identidade e que estruturam sua personalidade, procura no contato com a justiça uma muralha contra o desabamento interior. (...) A mutação do Estado provedor e a fragilidade do homem democrático dão ao direito o papel de protagonista. (GARAPON, 1999: 27)

Esse cenário tem levado a sérias e intermináveis reflexões acerca da estrutura e dinâmica dos órgãos jurídicos que apontam para necessárias e urgentes reformulações teóricas, ideológicas, pragmáticas e, sobretudo, culturais. Parece inevitável a imprescindível diluição da atual e veemente cultura do litígio no Brasil: variados fundamentos apontam para a desejada cultura do diálogo e da cooperação, que vem crescendo e se fortalecendo em importantes nações, como a França, o Canadá, os Estados Unidos, a Itália, a Argentina, a Inglaterra, dentre outras. No momento em que o novo Código de Processo Civil Brasileiro vem sendo discutido e votado no Congresso, abrem-se as cortinas e volta-se a atenção para os recentes estreantes contemplados: os sistemas alternativos de resolução de conflitos. Estes se encontram no terreno denominado de Resolução Apropriada de Disputas que inclui uma série de métodos capazes de solucionar conflitos, sejam estes objetos de ações judiciais, ou não. Tais metodologias, dentro de suas peculiaridades e propósitos, oferecem opções para se atingir um consenso, um entendimento provisório ou definitivo, à pacificação ou apenas a um acordo parcial. Dentre estes métodos, que compõem o sistema multiportas ou o sistema pluriprocessual, se destacam a Negociação, Mediação, a Conciliação e a Arbitragem, representando opções adequadas para as soluções de litígios, de acordo com a natureza dos conflitos em pauta. De um modo geral, tais métodos visam priorizar o diálogo, a colaboração mútua e a autocomposição em seus escopos teóricos e técnicos, representando um novo paradigma de resolução de litígios, uma alternativa ao método jurídico tradicional. Convém ressaltar, portanto, que tais mudanças paradigmáticas colidem com valores, crenças e práticas culturais bastante contaminadas pela lógica beligerante do sistema judiciário e pela crescente judicialização das relações sociais que temos assistido no Brasil mediante o panorama exposto. Considerando os seus principais norteadores, a Mediação vem mostrar que pode ocupar um lugar importante nas engrenagens facilitadoras para as mudanças sociais e jurídicas as quais irão ao encontro da pacificação social e da desaceleração dos mecanismos judicializantes. Trata-se de um método autocompositivo XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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de resolução de disputas em que as partes são auxiliadas por um terceiro elemento neutro ao conflito que facilitará a negociação, eliminando obstáculos à comunicação e refletindo sobre as necessidades, interesses e sentimentos de cada um dos participantes. Nesse procedimento, as relações interpessoais poderão ser transformadas ou restauradas para que os indivíduos envolvidos possam protagonizar suas vidas e solucionar conjuntamente suas disputas de forma conveniente e sustentável, construindo acordos que atendam os interesses reais de cada um. Este processo é voluntário e confidencial, podendo ocorrer em qualquer fase processual, ou, até mesmo, extrajudicialmente. Breve histórico da Mediação Olhando ao longo da história da humanidade, constata-se que sempre foi estabelecida uma forma de se solucionar os conflitos, a qual sintonizava com as crenças, os valores e os costumes de cada povo nas diferentes épocas. A intervenção de um terceiro para auxiliar na solução de conflitos entre duas ou mais partes é dos princípios mais antigos da organização do homem em sociedade. Em tempos remotos – e ainda hoje, em determinados modelos de arranjo social –, líderes comunitários, destacados por aspectos religiosos ou etários, e por inspirarem autoridade e respeito, eram naturalmente eleitos para promover a pacificação entre os seus. Essas distintas modalidades variam em diversos aspectos, como a formalidade, o âmbito, os custos, a intervenções etc. Uma das formas se refere à mediação, contando com a participação de um terceiro elemento neutro ao conflito para auxiliar os indivíduos ou grupos a encontrarem uma solução para suas disputas. A história da mediação é longa e diversificada em várias culturas. Judeus, cristãos, muçulmanos, budistas, indígenas, dentre outros, têm nesta prática uma antiga tradição. Essas variações se referem, sobretudo, à figura do mediador que poderia ser representada por um religioso, um político ou, então, um senhor de terras. Há referências bíblicas acerca das práticas em comunidades judaicas exercidas por líderes religiosos ou políticos, resolvendo questões civis e religiosas. Essas tradições foram levadas para as comunidades cristãs emergentes que viam em Cristo a figura do mediador entre Deus e os homens. O próprio Jesus era procurado para atuar como facilitador em controvérsias. Esta função ficou mais tarde destinada ao clero, o qual mediava disputas familiares, diplomáticas, civis e criminais. As culturas islâmicas resolviam seus problemas em reuniões comunitárias de idosos que refletiam, debatiam, deliberavam e mediavam questões tribais e intertribais conflituosas nas sociedades pastoris. Nas regiões urbanas havia a figura de oficiais com funções judiciais e de mediação. A Indonésia, cuja cultura foi fortemente influenciada por árabes e islâmicos, agregou a prática islâmica às próprias tradições, derivando um procedimento de administração de conflitos baseado no consenso que ainda é utilizado para questões locais e nacionais. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Os hindus e os budistas têm longa trajetória na mediação, praticando também a arbitragem. A religião e a filosofia asiáticas - que valorizam intensamente o diálogo, o consenso social, o equilíbrio e a harmonia nas relações humanas - estimularam a mediação na China e no Japão, assim como em outras sociedades budistas. Com o domínio econômico do mundo ocidental, a mediação passou a desempenhar importante lugar na intermedição de relações comerciais no mundo dos negócios. A mediação se intensificou no Novo Mundo, facilitando o intercâmbio entre grupos étnicos e culturas tão diversas que ali se instalavam. Em sua maior parte, os mediadores de outras épocas e culturas eram treinados informalmente e desempenhavam o seu papel no contexto de outras funções ou deveres. Somente a partir da virada do século XX a mediação tornou-se formalmente institucionalizada e desenvolveu-se como uma profissão reconhecida. A prática moderna da mediação expandiu-se exponencialmente pelo mundo, sobretudo nos últimos 25 anos. Este crescimento deve-se em parte a um reconhecimento mais amplo dos direitos humanos e da dignidade dos indivíduos, à expansão das aspirações pela participação democrática em todos os níveis sociais e políticos, à crença de que um indivíduo tem o direito de participar e de ter o controle das decisões que afetam sua própria vida, a um apoio ético aos acordos particulares e às tendências, em algumas regiões, para maior tolerância à diversidade. (MOORE, 1996:34)

Na atualidade, a mediação surgiu nos Estados Unidos, em meados da década de 70, como uma nova instituição destinada à resolução alternativa de conflitos. Seu desenvolvimento ocorreu celeremente visto os resultados que proporcionou ao sistema de solução de litígios. Posteriormente, a mediação se incorporou ao sistema jurídico do país e, em alguns estados, tornou-se etapa processual obrigatória antes do caso chegar a juízo. Deste modo, as partes envolvidas em um conflito devem passar previamente pela etapa da mediação e assim, se não chegarem a um consenso, podem ingressar no sistema jurídico formal. O sistema de mediação, ainda, pode operar em âmbito extrajudicial, onde os mediadores são procurados diretamente pela comunidade ou pelas partes, pois qualquer cidadão pode se beneficiar desse procedimento. O meio empresarial também recorre frequentemente à mediação, obtendo resultados satisfatórios em questões comerciais e intraempresariais. No final da década de 70, começou o sistema de mediação na Inglaterra com um pequeno grupo de advogados independentes e mais tarde foi criada a primeira companhia britânica privada para solução alternativa de litígios. Semelhante ao modelo americano, porém com duas inserções distintas: no setor público, auxiliar dos tribunais, no entanto, como etapa não obrigatória; e no setor voluntário, onde atuam a maior parte dos mediadores da nação. Na mediação do sistema inglês não são tratados os assuntos de ordens financeiras e patrimoniais, ficando restritamente administrados por advogados. A trajetória da mediação na França partiu da figura do ombudsman (encarregado pelo Estado de defender os direitos dos cidadãos, recebendo e investigando queixas e denúncias de abuso de poder ou de mau serviço por parte de funcionários ou instituições públicas) como intermediário entre os indivíduos e os diversos órgãos oficiais. A mediação iniciou, assim, no direito público e depois se estendeu ao direito particular. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Em 1992 o Poder Executivo Nacional da Argentina decretou a institucionalização e o desenvolvimento da mediação como método alternativo de solução de controvérsias, regulamentando a criação de uma equipe de mediadores. Trata-se de uma prática obrigatória na Justiça Federal da Província de Buenos Aires desde 1996 e, atualmente, 22 das 24 províncias argentinas possuem legislação sobre mediação. Alguns pontos controversos, como a obrigatoriedade da mediação em casos de patrimoniais e os advogados como os únicos profissionais que podem se tornar mediadores, geraram várias polêmicas. No Brasil, a partir de 1990, começaram incentivos na legislação processual na perspectiva da autocomposição, gerando vários projetos em diversos campos de aplicação, como a mediação comunitária, a mediação civil, a mediação vítima e ofensor, a conciliação previdenciária etc. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça criou a resolução nº 125. Esta teve a finalidade de estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento de práticas consensuais que já vinham sendo adotadas isoladamente por alguns tribunais de justiça do país. Desde então, os métodos alternativos de solução de conflitos vêm ganhando espaço nas instituições, na sociedade e, sobretudo, na legislação, com o novo Código de Processo Civil. O documento é um marco nas políticas públicas relativas ao tratamento adequado de conflitos no país, pois prevê uma atuação conjunta dos órgãos jurisdicionados, sociedade, entidades e até mesmo universidades, através de orientação e informação para toda a sociedade sobre o tema para sua posterior aplicação e consequente transformação social, estabelecendo diretrizes para implantação de políticas públicas. (SPENGLER; NETO, 2012:141)

A primeira Lei de Mediação no Brasil, aprovada recentemente no Congresso e que terá vigências em 2016, foi resultante de intensos esforços em prol de um padrão moderno e fundamentado nas experiências internacionais, principalmente, da Argentina. Objetivando a pacificação social e o consenso, em detrimento ao paradigma imperante de beligerância e heterocomposição, a nova lei incentiva a autocomposição assistida e facilitada pelo auxílio de um especialista, o mediador. Apesar do argumento favorável à mediação mais recorrente seja relativo ao “desafogamento” do Judiciário, este consiste apenas em um aspecto quantitativo. Além de facilitar a celeridade, a mediação pode proporcionar a aproximação, o diálogo e a restauração de relações sociais, conferindo protagonismo e empoderamento a todos os envolvidos. E este processo, eminentemente pedagógico, traz repercussões em vários níveis da sociedade, nos micro e macrossitemas, transformando progressivamente a cultura da competição em cultura da colaboração. Brasil e Argentina: aproximações Como tivemos o ensejo de observar, a Lei da Mediação do Brasil foi diretamente influenciada pela lei Argentina, servindo de inspiração, no entanto, com alterações e adaptações. Desta forma, parece aqui relevante abordar o sistema platino para que possamos melhor analisar o sistema brasileiro. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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A situação do sistema judiciário argentino era excessivamente grave e este fato demandou estudos realizados por órgão não governamental para embasar a elaboração de um anteprojeto de Lei da Mediação. Foi constatado um real estado crítico decorrente do congestionamento pela sobrecarga de ações judiciais, resultante da elevada taxa de litigiosidade com excessiva expectativa de obter soluções através de ajuizamentos. No prazo de um ano, apenas um décimo das ações havia chegado a uma solução, resultando em acumulação e morosidade. As tentativas para solucionar esses problemas não obtinham êxito, visto que as providências tomadas fomentavam progressivamente a justiça convencional: medidas administrativas, ampliação de vagas para cargos de magistratura ou, ainda, reformas processuais. Nenhuma dessas alternativas conseguia conter o agravamento que se acelerava cada vez mais. O órgão responsável por este estudo concluiu que uma possível resposta para esse estado caótico encontrava-se para além do espaço judiciário: na implantação de um sistema de métodos alternativos de resolução de conflitos. Esta proposta vem representar um novo paradigma de justiça e de democratização social, considerando que o acesso à justiça implica na possibilidade do cidadão defender e obter seus direitos, sendo estes reconhecidos, homolados e concretizados. Não obstante, acesso à justiça e acesso ao Judiciário não devem ser confundidos, já que o real desejo do cidadão consiste em receber o tratamento justo, não importando a forma pela qual é obtido tal direito. Os estudiosos especialistas em acesso à justiça e sistemas jurídicos de vários institutos do Brasil chegaram às mesmas conclusões dos pesquisadores argentinos em relação ao sistema brasileiro. Com panoramas judiciários muito semelhantes, deduziram que somente através de uma mudança paradigmática a insustentável situação atual poderá ser revertida, tendo na implantação de métodos alternativos de resolução de conflitos um indispensável norteador. O intercâmbio cultural, teórico e técnico entre os dois países vem se estreitando em laços que têm proporcionado muitas contribuições para a implantação do conceito de mediação no Brasil, assim como as tendências metodológicas dessa prática, como veremos adiante. A presença do Mercosul tem facilitado bastante esse acontecimento, visto que muitos dos pioneiros da história da mediação na Argentina têm participado de forma dinâmica nos programas de capacitação de mediadores no Brasil, influenciando diretamente a nova legislação brasileira sobre esta matéria. Essas trocas regionais podem contribuir para a implementação de novos conceitos de justiça, tão necessários para a transformação da cultura dos conflitos. Souza (2006) apresenta uma breve análise das propostas iniciais para a Lei da Mediação no Brasil, comparando as experiências argentinas e colombianas na normatização dos métodos autocompositivos. Neste estudo, a autora discorre sobre as bases da mediação e as regras da legislação argentina acerca da mediação e do então projeto de lei que aguardava oportunidade de votação no Brasil, em relevantes comparações entre as duas realidades. Indica, ainda, questões polêmicas e pontos frágeis, assim como possíveis medidas a serem adotadas para que a mediação fosse adotada de forma eficaz, assegurando efetividade no acesso à justiça.

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Roque (2014) aponta a importância do sistema argentino de mediação como fonte de inspiração para o projeto de Lei da mediação no Brasil que acaba de ser aprovado no Congresso, ressaltando a necessidade de conhecermos melhor a experiência naquele país. O autor faz uma retrospectiva histórica, mostrando que o primeiro anteprojeto brasileiro foi quase que uma cópia da lei argentina nº 24.573/96, que impõe a obrigatoriedade da tentativa de mediação antes do ingresso em juízo, salvo exceções previstas por lei. No texto, apresenta informações relativas à situação judiciária argentina, a nova concepção de justiça, o estabelecimento do sistema de mediação e respectivos princípios norteadores etc. com o intuito de abordar uma realidade que gerou diretrizes brasileiras. Parece, portanto, relevante a análise da institucionalização da mediação na Argentina visto que forneceu um exemplo de incorporação dessa prática em caráter compulsório como principal característica da lei. A proximidade cultural e territorial entre o Brasil e a Argentina facilitou a elaboração do texto do anteprojeto de lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBPD), inspirado originalmente no da Província de Buenos Aires. No escopo dos métodos alternativos de solução de disputas, onde a mediação se insere em lugar privilegiado, pesquisadores argentinos encontraram alguns pontos primordiais para fomentar as pretensas mudanças. Estes métodos podem facilitar o acesso à justiça, garantindo efetividade do processo e proporcionando maior tutela em menores custos. Possibilitam, ainda, a diversificação das formas de tratamento dos conflitos, permitindo caminhos mais adequados de acordo com a natureza do conflito. Abandonando a cultura beligerante e implantando o diálogo em prol do consenso, tais métodos podem favorecer o enfraquecimento da judicialização. A mediação pode ser conceituada como um processo autocompositivo em que as partes litigantes são auxiliadas por um terceiro elemento, neutro à disputa, para facilitar a comunicação e a construção de um acordo que possuirá efetividade jurídica. Trata-se de uma negociação assistida por um profissional habilitado que conduzirá o procedimento de forma que todos os interesses mútuos sejam reconhecidos, respeitados e atendidos na elaboração de tal documento. O mediador é um terceiro imparcial capacitado e independente que ajuda os mediados a conduzir o processo de mediação. Sendo assim, ele tem autoridade de condução do processo e não da decisão do processo que cabe apenas aos mediados. (...) os mediados reconhecem, nessa pessoa, a competência e a autoridade para atuar no processo, no qual influirá por meio de suas funções e pelo desempenho de determinados papéis. (SAMPAIO; NETO, 2007: 88)

O sistema de mediação pode ser aplicado em diversos âmbitos, além do Judiciário: nas comunidades, nas instituições e empresas, nas escolas, nas questões coletivas envolvendo políticas públicas, dentre outros. A aplicabilidade da mediação abrange todo e qualquer contexto de convivência capaz de produzir conflitos. Pode ser aplicada em diversas esferas da vida social, tais como: familiar, divórcio, comercial, empresas familiares, hospitalar, escolar, conflitos políticos e étnicos entre outros. (MESSA, 2010: 83)

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Este método consiste em um sistema composto por regras teóricas e práticas que se pautam em princípios norteadores, os quais conferem diretrizes objetivas e claras apesar da relativa informalidade que o caracteriza. Nesses pilares encontram-se pontos extremamente importantes, como veremos. Um ponto básico se refere à autonomia da vontade das partes, as quais poderão opinar se desejam, ou não, aderir e participar do procedimento. São elas que decidirão a pauta das questões a serem tratadas que podem extrapolar o objeto da ação judicial de origem - assim como as estratégias a serem utilizadas no tratamento das controvérsias. Elas terão também o poder de interromper o processo em qualquer momento, sem obrigatoriamente expor os motivos. Cabe ao mediador zelar pelo intercâmbio que se estabelece entre as partes, assegurando que haja um equilíbrio de voz e de poder entre as mesmas, já que a equanimidade entre elas mostra-se essencial para a garantia de uma dinâmica cooperativa e circular, despolarizada e destituída das formalidades preconizadas nos tribunais. No setting da mediação se encontram pessoas com questões, necessidades, interesses e sentimentos, não mais autor e réu ou requerente e requerido. Todos recebem igual tratamento com idênticos direitos de expressão, independentemente da situação processualista que desembocou na mediação. A imparcialidade do mediador é fundamental em todo o processo, devendo colocar-se neutro em relação ao conflito, sem qualquer interesse pessoal ou profissional que interfira em qualquer nível na condução dos trabalhos. Deve, também, estar isento de qualquer relacionamento prévio com as partes, tornando-se impedido de doravante estabelecer vínculos profissionais com as mesmas em prazo estabelecido por código de ética estabelecido por lei. Ele precisa se abster de condutas, verbais ou não, que possam conotar juízos de valor, preconceitos, ideologias ou preferências em relação aos mediandos, assim como outras atitudes que possam comprometer os resultados. Ao mediador é imposto o compromisso de confidencialidade, devendo manter em sigilo todas as informações obtidas nas reuniões, sejam fatos, situações ou outros. Ele deve, por outro lado, sensibilizar as partes em respeitar a confidencialidade característica do procedimento. Considerando que a mediação se mostra um processo mais informal, sem registros nos autos, muitas vezes as pessoas se expressam mais livremente e, por essa razão, é indispensável ter boa fé. Há algumas exceções especiais em que a confidencialidade fica suspensa, ou seja, quando se evidencia a prática ou planejamento de um delito. O ofício do mediador demanda em uma capacitação intensa, continuada, transdisciplinar, com treinamento de habilidades pessoais. De uma forma ampla, trata-se de uma formação que ultrapassa os parâmetros teóricos e técnicos, exigindo capacidades subjetivas, sobretudo, a empatia, a assertividade e a escuta ativa, independentemente do modelo adotado. O mediador tem suas próprias emoções e reage de determinada maneira diante das manifestações das partes, provocando-lhe reações somáticas perceptíveis. Por isso precisa desenvolver sua própria inteligência emocional de modo que possa compreender as emoções próprias e alheias, expressando-se de forma produtiva e ajudando as partes para que também o façam.

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Didaticamente, podemos identificar três principais linhas de pensamento, com distintas epistemologias, que resultaram em diferentes modelos de mediação: o tradicional-linear de Harvard, o transformativo de Bush e Folger e o circular-narrativo de Sara Cobb. O modelo tradicional-linear se fundamenta na comunicação linear, centrada na linguagem verbal: uma pessoa fala e a outra escuta. O mediador tem a função de facilitar essa comunicação para que se torne bilateral e efetiva. Essa teoria aborda o binômio: posições e interesses. As posições consistem nas petições apresentadas pelas partes, que estacionam em pontos tangíveis. Os interesses se referem às necessidades, desejos, anseios, receios das pessoas que se encontram em disputas, não raramente ficando em estado latente submersos às posições explicitamente assumidas. O trabalho do mediador está diretamente focado na identificação dos interesses que muitas vezes podem ser mútuos e conciliáveis. Este modelo confere uma especial e central importância à construção do acordo no processo da mediação, tornando esse objetivo o seu principal aspecto. Portanto, fica em papel secundário a interação entre as pessoas e a mudança de padrão neste relacionamento, sem garantia de que novas controvérsias surgirão e que as partes encontrarão estratégias eficientes para solucioná-las. O modelo transformativo, em contrapartida, propõe que a mediação pode e deve extrapolar a mera resolução da disputa, buscando alterar a visão de mundo individual para a relacional. Desta forma, os conflitos não são encarados como problemas, mas como oportunidades de transformação pessoal, moral e social. Por esse viés, os efeitos da mediação se referem ao reconhecimento e a empoderamento, desenvolvendo a empatia entre os envolvidos, fortalecendo a consciência sobre os próprios valores e habilitando-os a lidarem com as dificuldades vindouras a despeito das pressões externas. A meta principal concerne à mudança nas relações entre as partes, ficando a celebração de acordos em papel secundário. O modelo circular-narrativo, proposto por Sara Cobb, agrega ao esquema de Harvard algumas contribuições teóricas como a teoria geral dos sistemas de Bertalanffy, a cibernética, a terapia familiar sistêmica, teorias da comunicação etc. que interferem diretamente sobre a diversidade de elementos e técnicas. Partindo da premissa de que não existe uma única causa produzindo um efeito, admite uma causalidade circular que gera constante retroalimentação. O trabalho do mediador se volta diretamente para a desconstrução das narrativas iniciais das partes, visando desenvolver nelas a capacidade de resignificar suas histórias, de ampliar seus campos perceptivos e fomentar os seus potenciais criativos. No debemos presentar estos modelos como este o aquél, sino tener em cuenta em que casos es más conveniente utilizar uno u outro, o uma mezcla de ellos.(...) El modelo circular-narrativo tiene la ventaja de su gran aplicabilidad al estar centrado tanto en las relaciones como em los acuerdos. (SUARES, 2010:63)

Tanto na Argentina quanto no Brasil, especialmente nos centros de mediação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, encontramos uma forte tendência à utilização do modelo narrativo-circular. Em grande parte, este fato pode ser atribuído aos constantes e intensos intercâmbios culturais e acadêmicos entre os dois países. Os mais experientes e renomados mediadores argentinos vêm contribuindo diretamente para a capacitação, especialização e aperfeiçoamento dos mediadores brasileiros através da realização de cursos, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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palestras, workshops, seminários e supervisão dos trabalhos realizados pelos mediadores brasileiros. No Brasil encontraram os argentinos um terreno fértil para semear e fazer germinar conceitos, teorias e técnicas favoritas. E essa troca regional vem acelerando e fazendo decolar a prática brasileira que é ainda incipiente, mas superando desafios e despontando de forma promissora. Cabe aqui mencionar algumas instituições de ensino superior e de pós-graduação que funcionam em parceria entre o Brasil e a Argentina, promovendo cursos de especialização, mestrado e doutorado em mediação e administração de conflitos. O Instituto Brasileiro de Estudos Avançados (IBEA) e a Universidade Nacional de Lomas de Zamora da Argentina organizaram o mestrado em sistemas de resolução de conflitos em modalidade intensiva e presencial, com ênfase nos objetivos de fornecer formação profissional de pós-graduação acadêmica em gestão de conflitos; produzir conhecimentos que contribuam para a prática da mediação; formar mestres capazes de administrar conflitos interpessoais, grupais, institucionais, nacionais e internacionais, utilizando o Direito Processual e as técnicas da mediação, negociação e arbitragem. O Instituto Formación Ejecutiva (IFE) e o Grupo Conciliar, conveniados ao Estudiar em Buenos Aires, com o apoio de World Federations of United Nations Associations, se aliaram para promover o mestardo internacional em mediação e resolução de conflitos. Este é dotado de um programa acadêmico interdisciplinar que visa à capacitação, produção de conhecimentos teóricos e técnicos aplicáveis às necessidades atuais no campo da gestão de conflitos e do capital humano nas empresas, da mediação e da negociação. O corpo docente é composto por profissionais oriundos de várias nações, com atividade de intercâmbio com professores de universidades estrangeiras. O Instituto Universitário Brasileiro (IUniB) oferece cursos de pós-graduação em parceria com instituições nacionais e internacionais, destacando-se o mestrado em sistemas alternativos de resolução de conflitos (técnicas de negociação, mediação e arbitragem) na Argentina. Este curso proporciona formação acadêmica profissional para graduados em Direito na tarefa de prevenção, administração e resolução de conflitos me diferentes instituições, formando mestres capazes de resolver conflitos entre pessoas, grupos ou instituições nacionais e internacionais com a utilização processual vigente. O IUniB oferece também o doutorado em mediação e resolução de conflitos. Este tem a finalidade de fomentar a evolução do meio acadêmico no âmbito do Mercosul, atendendo ao Decreto Presidencial nº 5.518/05 em seus objetivos referentes à capacitação de profissionais do Direito para pesquisa e magistério sem o afastamento das respectivas atividades laborais. As redes sociais têm apresentado grande importância para a disseminação, o fortalecimento e o aprimoramento da mediação no Brasil, contando com intercâmbios entre mediadores e grupos de mediadores de vários países, sobretudo, da Argentina, estreitando bastante estes laços. Através dessa troca regional imediata, os mediadores têm tido oportunidades de se atualizar com postagens de assuntos relacionados a vários temas da mediação. As trocas estabelecidas possibilitam alargamentos de horizontes aos mediadores que se renovam através de notícias referentes à legislação, ao XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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novo Código de Processo Civil e à Lei de Mediação, votada e aprovada esse ano, que entrará em vigor a partir de 2016. Viabilizam, ainda, informações importantes acerca da capacitação, com divulgações de eventos (jornadas, palestras, congressos, simpósios, workshops), cursos, publicações de manuais, artigos, revistas com conteúdos específicos de mediação e transdisciplinares. Essa interatividade permite estabelecer enquetes, pesquisas de opinião, debates on line, levantamentos de dados relevantes para a estruturação e avaliação do processo de mediação no país. A comunicação virtual entre mediadores brasileiros e argentinos mostra-se facilitada pela proximidade linguística, visto que a língua portuguesa e a espanhola possuem determinadas semelhanças e as mesmas origens. Além disso, nos últimos anos tem aumentado significativamente o ensino da língua espanhola no Brasil, fruto direto de um maior intercâmbio proporcionado pelo Mercosul nas últimas décadas, o que potencializa tanto o interesse quanto as condições de integração entre pesquisadores e elaboradores de políticas públicas dos países do bloco. Muito mais do que uma prática, a mediação é uma cultura que preconiza o protagonismo dos cidadãos perante suas problemáticas. Para que este fenômeno seja efetivado é necessário que a mediação seja disseminada e socialmente adotada como uma alternativa para o enfraquecimento da judicialização. E na construção dessa cultura, o estabelecimento de redes de comunicação - tanto as alternativas quanto as construídas pela grande mídia - são de fundamental importância, especialmente para a divulgação de experiências bem-sucedidas, como o caso argentino. Assim, poderão se beneficiar as demais sociedades que também se encontram em busca de novos caminhos para a resolução de seus conflitos.

Referências AZEVEDO, A. G. (org.) Manual de Mediação Judicial. Brasília: CNJ, 2013. GARAPON, A. O Juiz e a Democracia – o guardião das promessas. RJ: Revan, 1999. MESSA, A. A. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2010. MOORE, C. W. O Processo de mediação - estratégias práticas para a resolução de conflitos. Porto Alegre: Artmed, 1998. ROQUE, S. J. O Sistema Argentino de Mediação é Fonte Inspiradora do Brasileiro. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 05 de fev. de 2014. SAMPAIO, L. R. C.; NETO, A. B. O que é Mediação de Conflitos. SP: Brasiliense, 2007. SANTOS, B. S. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. Porto: Afrontamento, 1996. SOUZA, L. M. Mediação: breve análise da proposta brasileira e das experiências argentina e colombiana na normatização deste método de solução de conflitos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 35, dez 2006. SUARES, M. Mediación: Conducción de disputas, comunicación y técnicas. Buenos Aires: Paidós, 2010. VASCONCELOS, C. E. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. SP: Método, 2012. VIANNA, L. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. RJ: Revan, 1999.

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Liberdade de expressão, direitos fundamentais e meios de comunicação Eduardo Matos Oliveira1 O debate constitucional: o conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade

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ode-se afirmar que a liberdade de expressão é um requisito fundamental para que seja possível afirmar que determinada ordem jurídica possui uma democracia consolidada. Todavia, assim como qualquer outro princípio jurídico positivado na Constituição Federal brasileira, a liberdade

de expressão não é absoluta, nem está situada acima dos outros princípios basilares da ordem constitucional brasileira. Frequentemente, a liberdade de expressão entra em choque com outros princípios constitucionais e garantias individuais, tais como os direitos da personalidade, conforme detalharemos mais à frente. A princípio, é necessário detalhar alguns conceitos relativos à liberdade de expressão, que por vezes são negligenciados do debate. Em várias partes diferentes da Constituição é possível encontrar referências a livre manifestação de pensamento e opiniões, especialmente no Art. 5, IV e no Art. 220, Caput. Apesar de normalmente a liberdade de expressão ser referida como um direito negativo e em um dever de abstenção do Estado, acreditamos que tal posicionamento é incompleto (SARMENTO, 2007, p. 2). Para garantir o exercício amplo e democrático da liberdade de expressão, em sentido amplo, é necessário também ações positivas do Estado, a fim de garantir a pluralidade das informações e dar voz aqueles que não tem poder econômico para integrar o ramo das empresas de comunicação. Como liberdade de expressão em sentido estrito entende-se a garantia de qualquer indivíduo poder manifestar livremente sua opinião, pensamento ou expressão artística através dos meios que achar conveniente. Portanto, este é um direito subjetivo e encontra um amparo amplo no nosso ordenamento jurídico. No caso da liberdade de expressão em sentido estrito, o direito fundamental é garantido independente da veracidade do fato, desde que respeitados os limites estabelecidos pelo código penal em relação aos crimes de opinião. Já a liberdade de informação é um conceito diferente e se caracteriza pelo direito individual de comunicar livremente os fatos e ao direito difuso de ser deles informado (BARROSO, sd). A característica mais importante do direito à informação consiste na necessidade de haver veracidade no fato informado. Neste caso, requer uma verdade subjetiva e possível. Caso haja uma clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade, pode haver a responsabilização do agente, segundo Luís Roberto Barroso (sd).

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Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco.

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Outro conceito que precisa ser acrescentado é o de liberdade de imprensa, que se configura pela liberdade dos meios de comunicação de informarem a respeito de fatos e ideias. Envolve, por conseguinte, a liberdade de expressão em sentido estrito e o direito à informação. O detalhe essencial em relação à liberdade de imprensa corresponde ao interesse público quanto à pluralidade de ideias e opiniões, que é vital para o funcionamento do regime democrático (SARMENTO, 2007, p. 20). O conceito de liberdade de expressão em sentido amplo, pois, inclui estes três componentes: a liberdade de expressão em sentido estrito, a liberdade de informação, e a liberdade de imprensa. Portanto, não se pode confundir a liberdade de expressão de um sujeito expressar seus pontos de vistas com a liberdade dos meios de comunicação de publicar suas matérias. Frequentemente, alguns meios de comunicação no Brasil defendem a tese de que suas posições editoriais seriam equivalentes à liberdade de expressão em sentido estrito sendo absolutas e invioláveis. Entretanto, entendemos que esta posição é equivocada, visto que na verdade se trata de direito de informação, que também corresponde ao direito difuso de ser informado corretamente. O ponto central da questão se dá quando há um choque entre a liberdade de expressão, de informação ou de imprensa e os direitos da personalidade. Existem critérios jurídicos para solucionar a questão em cada caso concreto, posto que nenhum dos dois princípios deve prevalecer em abstrato (ALEXY, 2009, p. 8). Porém, antes de analisar tais critérios, é necessário definir os direitos da personalidade, aqui entendidos como emanações próprias do princípio da dignidade humana, e atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano (BARROSO, sd). Dentre eles, destacam-se para o nosso estudo os direitos à integridade moral. O primeiro deles que precisa ser destacado é o direito à privacidade (Art. 5, X, CF), que é a garantia do respeito aos fatos ordinários ocorridos em locais privados, quando não haja nenhum interesse público na divulgação. O direito à honra também se encontra positivada no mesmo dispositivo citado acima e consiste na proteção da reputação do indivíduo diante de si próprio e do meio social. Em geral, o direito a honra é limitado pela veracidade do fato, exceto em casos em que não haja nenhum interesse público na divulgação e possa haver danos irreparáveis à vítima (BARROSO, sd). Por fim, o direito à imagem requer, normalmente, que o titular autorize a veiculação de suas imagens. Mesmo nos casos em que a imagem venha associada a uma noticia verdadeira, e não haja dano à honra, poderá haver a lesão ao direito de imagem, inclusive se configurando repetidas vezes, conforme for noticiada a reportagem. A definição de imagem adotada pelo nosso ordenamento jurídico associa-se a expressão externa do indivíduo e a sua representação, em conjunto ou em partes relevantes, que individualizem o sujeito BITTAR, sd, p. 87). Ressalte-se que no caso da violação ao direito de imagem, se não for possível distinguir claramente o sujeito, não pode ser alegada a violação do direito de imagem. Um exemplo seria um retrato XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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no meio da multidão em que não é possível identificar uma característica marcante de um sujeito (CAVALIERI FILHO, 2010, p.108.). Em um caso concreto de colisão dos direitos a liberdade de expressão e os direitos à personalidade, é necessário fazer a ponderação, de modo que se observe o bem jurídico a ser tutelado e qual sanção eventualmente será cabível. Para fazer a ponderação, Luís Roberto Barroso (sd) traz alguns parâmetros que podem ajudar a elucidar a questão. Em primeiro lugar, é preciso averiguar a veracidade do fato, conforme os mesmos critérios citados acima em relação à liberdade de informação. Também se deve levar em consideração os meios empregados para a obtenção da informação, tendo como parâmetro de comparação os meios admitidos pelo direito para a prova processual. Portanto, não seria lícita a veiculação de fatos obtidos por meio de escuta telefônica ilegal, invasão de domicílio e violação do segredo de justiça, por exemplo. O grau de exposição da pessoa que sofreu o dano também deve ser levado em consideração, já que pessoas públicas, tais como políticos, atletas e artistas possuem um maior nível de exposição na mídia. Todavia, uma menor proteção não significa uma supressão do direito (BARROSO, sd). O local onde ocorreu o fato também é importante, visto que em locais reservados a proteção deve ser maior do que em locais de acesso público, como praças ou até restaurantes. A natureza do fato é outro fator importante para ser levado em consideração, porque existem fatos que, em regra, são notícia independente dos envolvidos, tais como tragédias, acontecimentos da natureza de grandes proporções e crimes. Inclusive, conforme trata Barroso, a doutrina e a Jurisprudência consideram que os crimes passados, com sentença transitada em julgado, podem ser objeto de veiculação sem autorização, já que são informações de domínio e interesse público (BARROSO, sd). Por fim, em relação às sanções, seria necessário dar preferência a sanções a posteriori, tendo em vista a excepcionalidade absoluta da proibição prévia da publicação ou divulgação (censura). Entretanto, não é o que ocorre atualmente na realidade política-jurídica do Brasil, conforme denuncia o Relatório do Repórteres sem Fronteiras (2013, p. 6) mostrando a influência do coronelismo na determinação da censura prévia por parte do poder judiciário, conforme detalharemos adiante. Para uma maior preservação da liberdade de expressão se entende que, em regra, os danos envolvendo a honra e imagem podem ser reparados através do direito de resposta e da responsabilidade civil. Entretanto, há casos excepcionais em que se faz realmente necessário a proibição prévia da publicação, como em casos de flagrante violação da privacidade em que os meios posteriores de reparação não teriam eficácia. Para a reparação do dano, é preciso fazer a análise do caso a fim de averiguar se houve a lesão à integridade moral do indivíduo e qual seria a medida cabível para reparação. A responsabilização civil é uma primeira opção, através da configuração do dano moral e/ou material. Outra medida importante é o direito de resposta, que inclusive foi incluído no rol de direitos fundamentais da Constituição no Art.

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5, V, infelizmente o direito de resposta muitas vezes não tem o alcance obtido pela veiculação original, e por consequência, não consegue reparar o dano de forma eficaz. Além da responsabilização civil do meio de comunicação também é possível haver a configuração de uma conduta típica do código penal, em especial, dos crimes de opinião: calúnia, injúria e difamação. Nada impede que sejam adotadas mais de uma dessas medidas concomitantemente, já que em muitos casos a adoção de apenas uma delas é ineficaz para a reparação do dano. Fim da lei de imprensa e a desregulamentação do direito de resposta A Lei de Imprensa que vigorou no Brasil até 2009 foi editada durante o regime militar e possuía um caráter autoritário e de restrição à liberdade de expressão em alguns de seus dispositivos. Com base neste fundamento, a Lei 5.250/67 foi objeto de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, visto que se trata de direito anterior a atual Constituição e, portanto, deve ser considerado recepcionado ou não-recepcionado pelo ordenamento jurídico atual. O ponto central a respeito da discussão sobre a Lei de Imprensa é que apesar de haver dispositivos claramente não democráticos e autoritários, nesta mesma Lei estavam regulados dispositivos importantes e de uso corrente, tal como o direito de resposta. O relator do processo foi o ministro Carlos Ayres Britto, que advogou a tese de que a lei inteira deveria ser não-recepcionada, visto que esta seria completamente incompatível com a Constituição Federal de 1988. Houve divergência durante o julgamento, os ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie defenderam a compatibilidade dos dispositivos que determinavam os tipos penais para crimes contra a honra e os que proibiam a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de classe ou raça. Já o ministro Gilmar Mendes defendeu a permanência dos dispositivos que regulavam o direito de resposta, enquanto o ministro Marco Aurélio defendeu a posição de que seria mais prudente esperar o Congresso Nacional substituir a Lei de Imprensa por outra, a fim de evitar um vácuo que pudesse resultar em insegurança jurídica (PIRES, 2009, p. 12.). O voto do relator venceu e a Lei de Imprensa foi considerada não-recepcionada em sua integralidade. Dentre os vários argumentos do min. Ayres Britto se destaca a posição de que em caso de colisão entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, primeiro se deve tutelar a liberdade de imprensa. Para o relator, a liberdade de expressão lato sensu deve ser garantida em plenitude e os direitos da personalidade devem ser colocados em estado de momentânea paralisia. Em um momento posterior, caso haja abuso, deve-se proceder a responsabilização criminal ou civil (PIRES, 2009, p. 9). Abaixo segue um trecho da decisão da ADPF/130 que expõe o ponto de vista colocado acima: Não há como garantir a livre manifestação do pensamento, tanto quanto o direito de expressão lato sensu (abrangendo, então, por efeito do caput do art. 220 da CF, a criação e a informação), senão em plenitude. Senão colocando em estado de momentânea paralisia a inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 394 fundamentais, como, por exemplo, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra de terceiros. Tal inviolabilidade, aqui, ainda que referida a outros bens de personalidade (o entrechoque é entre direitos de personalidade), não pode significar mais que o direito de resposta, reparação pecuniária e persecução penal, quando cabíveis; não a traduzir um direito de precedência sobre a multicitada parelha de sobredireitos fundamentais: a manifestação do pensamento e a expressão em sentido geral. (STF, DJ 7 nov. 2008, ADPF-MC 130/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto. Negrito no original)

A prevalência em plenitude da liberdade de expressão em sentido amplo frente aos direitos da personalidade, conforme entendeu o min. Carlos Ayres Britto vai de encontro ao entendimento da maior parte dos constitucionalistas brasileiros. Inclusive, na primeira parte deste artigo este debate foi apresentado de acordo com a visão de Luís Roberto Barroso, que defende a ponderação feita no caso concreto. A partir da tese vencedora no julgamento da ADPF/130, conclui-se que os maiores beneficiados com o fim da lei de imprensa foram os grandes meios de comunicação, visto que a regulamentação do direito de resposta deixou de existir, deixando milhares de ações no vácuo e violações do direito da personalidade impunes. Além do mais, a posição defendida pelo relator distorce os conceitos de liberdade de expressão em sentido estrito, liberdade de informação e de imprensa, a fim de proteger grandes empresas do setor de comunicação social no Brasil. É preciso ressaltar que em diversos casos de conflito entre os direitos da personalidade e a liberdade de imprensa, a parte mais vulnerável não é o meio de comunicação, mas sim o indivíduo que tem sua honra destruída por alguma inverdade ou sua imagem divulgada sem autorização. Naturalmente, na maior parte dos casos não há má-fé ou dolo na propagação de informações falsas, porém depois que se descobre o erro, já é tarde demais para reparar o dano. O exemplo mais emblemático desta situação ocorreu em São Paulo, no ano de 1994 na Escola Base. Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada eram os donos de uma escola infantil no centro de São Paulo. Repentinamente, surgiram denúncias por parte de alguns pais de crianças que seus filhos teriam sido abusados sexualmente (NASSIF, 2003, p. 43). Logo os meios de comunicação começaram a publicar de forma massiva informações sobre o caso, uma atenção muito grande foi dada sobre o fato. Televisão, jornais e rádio focados nos desdobramentos do caso. No primeiro dia, o próprio delegado responsável deu declarações sobre supostas orgias com crianças de quatro anos. Pouco espaço nos meios de comunicação foi dado para os acusados se defenderem. Os muros da escola foram pichados, os donos e alguns professores caíram em total descrédito e desonra. O delegado ainda insistiu na versão de abuso sexual por algum tempo, e com o clamor popular, donos e professores da escola chegaram a ser presos, porém provas objetivas e conclusivas não eram apresentadas. Por fim, o delegado caiu em descrédito e foi trocado do caso. A versão de abuso sexual nunca foi comprovada (NASSIF, 2003, p. 44). Todavia, todos os acusados tiveram sua vida devassada e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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destruída com o escândalo. A intensidade e a espetacularização com que foi divulgada a suposta violência sexual não foi repetida para destacar a inocência de Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada. Os donos da escola foram atrás da reparação pelo dano sofrido, mas apenas em fevereiro de 2014, eles conseguiram receber uma indenização de R$ 100.000,00 em sentença proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Em maio de 2014, faleceu Icushiro Shimada. O caso da Escola Base exemplifica de forma cristalina o perigo de colocar a liberdade de imprensa como um corolário absoluto frente aos direitos da personalidade. É necessário ter muito cuidado para não repetir injustiças como a que aconteceram com os donos da escola. Dentro deste contexto, o instituto jurídico do direito de resposta é de fundamental importância para o funcionamento do Estado Democrático de Direito2. Com o fim da lei de imprensa, o direito de resposta não encontra mais regulamentação em sede de lei ordinária no Brasil. Ressalte-se, porém, que o direito de resposta se encontra positivado na Constituição Federal no art. 5, V, onde está disposto que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Além do que está disposto na Constituição Federal, há ainda o Pacto de São José da Costa Rica, que é um tratado de direitos humanos internalizado no ordenamento jurídico brasileiro como legislação supralegal, conforme a interpretação atual do STF. No referido tratado, o art. 14 dispõe sobre o direito de resposta. Segue abaixo a transcrição do artigo: Art. 14 - "Direito de retificação ou resposta 1. Toda pessoa, atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. 2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido. 3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável, que não seja protegida por imunidades, nem goze de foro especial".

Portanto, tribunais brasileiros estão utilizando o dispositivo acima como base para que seja concedido o direito de resposta e que eventuais lesões não fiquem sem reparação.

RMS 23369 / SP RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2006/0283879-6 PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE RESPOSTA. LEI DE IMPRENSA. ADPF Nº 130/STF. PREVISÃO NO ART. 14 DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE COLÉGIO RECURSAL. APLICAÇÃO, À ÉPOCA, DA SÚMULA 690/STF. TEMPUS REGIT Há autores que entendem que o direito de resposta não deveria ser regulado apenas como um instituto de direito privado, mas poderia também ser usado como um exercício coletivo para defesa do pluralismo comunicativo.(SARMENTO, 2007, p. 32) 2

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 396 ACTUM. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE REMESSA DOS AUTOS À CORTE COMPETENTE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não obstante o julgamento da ADF nº 130/STF, no sentido de que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela CF/88, tem-se que o Direito de Resposta continua a existir no ordenamento pátrio, por força do artigo 14 do Pacto de São José da Costa Rica. 2. O enunciado nº 690 da Súmula do Supremo Tribunal Federal rezava que cabia ao STF o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais, entendimento também aplicável ao Mandado de Segurança.

Com o disposto no tratado de São José da Costa Rica, conclui-se que o direito de resposta não está excluído da legislação infraconstitucional brasileira. Todavia, os legisladores brasileiros trabalham atualmente na edição de uma nova lei regulamentando o direito de resposta, a fim de estabelecer um procedimento claro, objetivo e justo em casos de lesão aos direitos da personalidade. O projeto de lei 141/2011 está em tramitação. O cerco a liberdade de expressão no Brasil A liberdade de expressão no Brasil, em sentido amplo e estrito, sofreu e ainda sofre duros golpes. Com o regime militar houve a censura prévia por parte do poder executivo em diversos âmbitos dos meios de comunicação, de forma que este sistema deixou marcas na memória coletiva da população. Atualmente, apesar de não haver mais a censura direta por parte do poder executivo, outros problemas surgiram e alguns continuaram após o fim da ditadura. E, consequentemente, a liberdade de expressão continua a ser atacada de forma verdadeira no Brasil. O primeiro grave problema que precisa ser apontado é a concentração dos meios de comunicação. Segundo o relatório, publicado recentemente, da ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras (2013, p. 7): “As características do mecanismo geral de funcionamento da mídia estorvam a livre circulação da informação e impedem o pluralismo.”. O documento, intitulado “O país dos trinta Berlusconi”, segue detalhando que dez grandes grupos econômicos dividem entre si o mercado de comunicação de massas no Brasil. Recentemente, a revista britânica The Economist (2014) publicou uma matéria dedicada ao poder exercido pela Rede Globo no Brasil. Os editores da revista colocam que certamente a Rede Globo é a empresa mais poderosa do país e que domínio no mercado das comunicações sociais não tem paralelo no mundo. A título de comparação, a Record, que é a segunda colocada em termos de audiência no Brasil (muito longe da Rede Globo) tem uma média de 13%. Nos Estados Unidos, a companhia líder de audiência tem uma média de apenas 12%.

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Embora exista este panorama de concentração excessiva, é preciso destacar o § 5, do artigo 220 da Constituição Federal, que dispõe expressamente que “os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” Não se trata de estabelecer um novo sistema de regulação do conteúdo publicado pelos meios de comunicação, mas sim discutir o inegável interesse público na livre circulação de ideias e a necessidade de haver pluralismo nestes meios de comunicação. É preciso garantir que o debate transcorra da forma mais livre e aberta possível, dando voz a todos os atores envolvidos no processo. A formação da opinião pública, nos dias de hoje, não se dá mais através da participação do cidadão nas esferas de discussão, mas os debates acontecem cada vez mais através dos veículos de comunicação. Conforme argumenta Daniel Sarmento (2007, p. 23) “o sujeito real da democracia contemporânea não é, infelizmente, o cidadão participativo, mas o consumidor apático, que no intervalo entre a novela e o filme enlatado assiste no jornal da TV às notícias sobre os últimos escândalos políticos”. Portanto, o papel dos meios de comunicação é hoje fundamental para garantir um debate que contemple todos os pontos de vista envolvidos, e não apenas o que interessa aos donos das empresas de comunicação. A barreira econômica também é outro ponto crucial para a formação dos oligopólios, visto que são necessários vultuosos investimentos, a fim de criar e se manter no setor de comunicação. (SARMENTO, 2007, p. 23) Poucas camadas sociais possuem acesso a entrarem efetivamente neste ramo econômico. Por consequência, o que ocorre é que atores sociais excluídos não conseguem ter voz no processo de formação de opinião. Inclusive, é frequente veículos de comunicação criminalizarem movimentos sociais, que não conseguem expor as verdadeiras razões de seus pleitos. É preciso lembrar também que um modelo em que não há qualquer tipo de regulação estatal para o setor de comunicação, faz com que este funcione de acordo com livre mercado, ou seja, as empresas terão em vista o lucro que as programações darão, além de interesses particulares na transmissão das informações. Não parece razoável confiar exclusivamente no livre mercado, ou na boa-fé dos proprietários das empresas de comunicação, quando existe um forte interesse público na pluralidade da informação e dos debates. Não se pode ser ingênuo para acreditar que não há riscos na implantação de um modelo de regulação, todavia estes riscos não justificam um modelo de completa abstenção do Estado (SARMENTO, 2007, p. 2). Além do mais, esta intervenção do Estado não opera conta, mas sim a favor da liberdade de expressão, que não pode ser concebida apenas como uma necessidade de omissão do Estado. (SARMENTO, 2007, p. 26). O relator da ONU para liberdade de expressão, Frank La Rue, ao discorrer sobre a concentração do setor de comunicação na América Latina, argumentou que “como a América Latina teve um desenvolvimento errado, no sentido das políticas comerciais de comunicação, é muito importante reverter isso.” (FOLHA DE S.PAULO) XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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A segunda questão que fere frontalmente a liberdade de expressão, entendida em sentido amplo, é a concessão de radiodifusão para parlamentares, visto que há uma vedação expressa no texto constitucional. Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

O artigo 54 da Constituição Federal, transcrito acima, é claro ao vedar aos deputados e senadores a possibilidade de serem proprietários de empresas portadoras de concessões de radiodifusão. Todavia, a realidade é muito diferente do que dispõe a Carta Maior, segundo levantamento feito por Venício A. de Lima, em 2005, 51 deputados e 28 senadores eram abertamente proprietários ou controladores de concessionárias (LIMA, 2005). Importante destacar que este levantamento não levou em consideração os chamados “laranjas”, ou seja, parentes e relacionados de políticos que controlam as concessionárias apenas de fachada. Além de representar de usar as concessões de radiodifusão para defender interesses particulares, é muito comum estes veículos realizarem perseguições aos adversários dos proprietários, o que também fere frontalmente os princípios da moralidade e impessoalidade da administração pública, aos quais estão vinculados os concessionários. Além do mais, os parlamentares que detêm as concessões de radiodifusão participam diretamente do processo de aprovação e renovação das suas próprias concessões (BONAVIDES, 2011, p. 29). É comum também que além das concessões de radiodifusão alguns parlamentares sejam donos dos jornais de maior circulação em determinadas regiões do país, o que confere a eles um domínio quase absoluto sobre divulgação da informação naquela área (SARMENTO, 2007, p. 33). Esta mistura indevida entre interesses públicos e privados referentes a questões de comunicação social é chamada com frequência de “coronelismo eletrônico” (BONAVIDES, 2011, p. 32). Naturalmente, a bancada de parlamentares ligados a veículos de comunicação tem impedido qualquer regulamentação e aplicação da vedação constitucional ao monopólio e oligopólio da mídia. Em declaração recente, o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo afirmou que, no Brasil, é mais fácil destituir o chefe de Estado que revogar a concessão de radiodifusão para um parlamentar (REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS, 2013, p. 7.). O que nos mostra como estas práticas políticas de

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mistura dos interesses públicos e privados estão entranhadas profundamente no nosso sistema de comunicação social. Por fim, o terceiro grande problema enfrentado pelo Brasil em relação à liberdade expressão está na censura judicial prévia. Apesar de alguns setores da mídia apontar uma eventual intervenção do executivo como censura de conteúdo de suas publicações, o perigo real e concreto, atualmente, vem do poder judiciário. Conforme coloca Luís Roberto Barroso (sd), a proibição prévia da publicação deve ser uma medida de absoluta excepcionalidade e usada apenas quando não for possível a reparação posterior do dano, em casos de violação extrema da intimidade. No entanto, nem todos os magistrados entendem desta forma e alguns proíbem a publicação mesmo quando outras medidas seriam perfeitamente cabíveis, constituindo uma verdadeira censura de fato. Alguns casos são emblemáticos, como por exemplo, o processo movido por José Sarney contra o jornal o Estado de São Paulo. Após uma série de reportagens com denúncias de corrupção contra seu filho, José Sarney conseguiu na justiça, que o jornal e seu site fossem proibidos de publicar qualquer referência ao seu filho, Fernando Sarney. Conforme destaca o relatório do Repórteres Sem Fronteiras (2013, p. 8), este é um tipo de censura descabido, visto que castiga um só veículo, enquanto a mesma informação está disponível em muitos outros lugares. Isto nos leva a mesma conclusão do documento citado acima: “Os generais desapareceram, mas os coronéis permanecem.” (p.7) Outro caso de grande relevância foi o da paródia “Falha de S. Paulo”, um grupo de humoristas criou um site parecido com a identidade visual do jornal Folha de S. Folha e publicava notícias notoriamente não verdadeiras com objetivo de fazer piadas. Importante destacar que muitas vezes as piadas possuíam forte crítica ao viés político e, muitas vezes parcial, adotado pelo jornal parodiado. O grupo econômico dono do jornal processou os responsáveis pela paródia, argumentando que o site usava o logotipo e a marca do jornal indevidamente e conseguiu tirar o site do ar. Claramente, trata-se não da defesa da identidade visual do jornal, visto que há outros registros de uso da marca sem autorização e não houve qualquer processo, mas sim da censura do conteúdo político tratado na paródia, que incomodou os proprietários do grupo dono do jornal3. Conclusão Primeiramente, é preciso colocar que mesmo com o fim da lei de imprensa e a ADPF 130, a maior parte dos temas antes regulamentados pela lei não recepcionada não estão completamente em um vácuo normativo. Aplicam-se normalmente as legislações de direito penal, processual penal, direito civil

Após a censura judicial proibindo a publicação, os humoristas mudaram a paródia para o título “Desculpem Nossa Falha”. Para mais informações acessar: http://desculpeanossafalh.a.com.br/ 3

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e todas as outras matérias pertinentes. Porém, a atividade jurisdicional funciona melhor e oferece mais segurança jurídica quando há um dispositivo legal específico para regular o tema (PIRES, 2009, p. 13). Apesar de existirem princípios normativos e legislações espaças que se aplicam aos temas referentes aos meios de comunicação, não há dúvidas que o Brasil precisa editar uma nova lei de imprensa urgentemente, a fim de criar um marco jurídico claro e objetivo para o setor da comunicação social. Naturalmente, não se trata de estabelecer uma censura prévia de conteúdo, mas sim criar uma regulamentação básica para o setor, especialmente para os concessionários do serviço de radiodifusão, visto que prestam serviço público. Entendemos que a regulamentação do direito de resposta não deve ser feita em uma legislação separada, mas sim em conjunto com a regulamentação do setor como um todo. É necessário abranger questões centrais como o monopólio da informação e a concessão de serviços de radiodifusão para políticos. Desta forma poderemos avançar em direção a um sistema de comunicação mais plural e democrático no Brasil.

Referências ALEXY, Robert. Derechos Fundamentales, Ponderación y Racionalidad. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional, nº. 11, 2009, pp. 3-14. BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. Disponível no site: http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária. BONAVIDES, Natália. Realidade versus Constituição: As concessões de serviço de radiodifusão para políticos. Natal: O autor, 2011. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2010. FOLHA DE SÃO PAULO. Entrevista Frank La Rue; Novo Modelo de Mídia na América Latina pode ser criado pelo Brasil. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1203331-brasil-pode-criar-novo-modelo-demidia-latino-americano-diz-relator-da-onu.shtml LIMA, Venício A. de. As Bases do Novo Coronelismo Eletrônico, 2005. Disponível http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/as-bases-do-novo-coronelismo-eletronico

em:

NASSIF, Luís. O jornalismo dos anos 90. São Paulo: Editora Futura, 2003. PIRES, Thiago Magalhães. O STF e a Lei de Imprensa: Notas sobre a ADPF 130/DF. Revista de Direito do Estado, 2009. REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. O País dos Trinta Berlusconi. Brasil, 2013. SARMENTO, Daniel. Liberdade de Expressão, Pluralismo e o Papel Promocional do Estado. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 16, maio-junho-julho-agosto, 2007. THE ECONOMIST. Globo Domination. Londres: 2014. Disponível em: http://www.economist.com/news/business/21603472-brazils-biggest-media-firm-flourishing-old-fashionedbusiness-model-globo-domination

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RESUMO

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Resumo

Fins políticos e aplicação seletiva: a regulação da propriedade dos meios de comunicação na Argentina e na Venezuela Ana Tereza Duarte Lima de Barros

O

trabalho parte do pressuposto de que as fontes de informação devem estar no maior número possível de mãos, pois este seria um dos requisitos da democracia. A Venezuela foi uma das pioneiras na regulação dos meios, tendo promulgado já duas leis. Mais

recentemente, no ano de 2009, foi promulgada na Argentina a lei 26.522 (Ley de Medios). O trabalho faz uma análise comparativa entre as recentes experiências de Argentina e Venezuela na regulação da propriedade dos meios de comunicação. Para a obtenção dos objetivos, foram analisadas as legislações, editadas por Argentina e Venezuela, para regular o setor audiovisual. Foi analisada a atuação dos órgãos responsáveis pela aplicação das leis em ditos países. Fez-se uma análise do litígio entre o Estado venezuelano e a emissora RCTV, que foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Foi analisado como a Corte Suprema argentina decidiu sobre a constitucionalidade dos artigos da lei 26.522 que visam impedir o monopólio. Foi observado que o Estado venezuelano outorga e renova as concessões conforme a linha editorial da emissora, como quando renovou a concessão do canal Venevisión e negou a renovação ao canal RCTV, embora se encontrassem em igual situação. A CIDH concluiu que o Estado ainda violou as garantias judiciais da emissora durante o processo. No texto da lei argentina foram encontrados dispositivos que regulam o monopólio, fixando limites máximos de licenças que uma emissora de rádio ou TV poderá obter. A Corte Suprema do país entendeu ser legítima uma lei que regule o monopólio, pois assim se garante a liberdade de expressão. Contudo, observa-se que esta lei tem fins políticos e aplicação seletiva. Seu texto foi redigido para que só o Grupo Clarín, principal crítico do kirchnerismo, tivesse que se desfazer de seus principais ativos, enquanto outros grupos receberam privilégios legais, como o Telefónica de España, cujo canal de TV Telefé, de linha editorial afim ao oficialismo, está isento de se adequar ao limite de 30% de capital acionário estrangeiro, pois a lei criou exceção legal às empresas pertencentes a países com os quais a Argentina possui tratado de reciprocidade nessa matéria. Ademais, a Telefónica de España, embora proibido pela lei, continuará dona de serviços de telefonia e de meios de comunicação, pois a autoridade responsável pela aplicação da lei não reconheceu ser esse grupo proprietário de empresa de telefonia, embora comprovado que ele é dono da Telefónica de Argentina.

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IX

Identidade e Direitos na América do Sul

ARTIGOS

Cooperação Jurídica Criminal e Mercosul: uma análise em prospecção Caíque Ribeiro Galícia1 Considerações iniciais

O

presente artigo apresenta resultados parciais da pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), cujo problema se situa na identificação e análise da cooperação

jurídica internacional em matéria penal no âmbito do Mercosul a partir do Protocolo de São Luís e a compreensão de seus mecanismos desde o binômio efetividade e adequação regional no contexto da globalização e expansão dos crimes transnacionais. Tratar da globalização requer, antes de mais nada, compreender o mundo a partir da transformação cada vez mais acentuada na relação tempo-espaço (BAUMAN, 1999. p. 7-8), ou ainda, como aponta Giddens (1991. p. 76.), na “intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”. Isso significa identificar a globalização como um fenômeno complexo e, embora tenha reflexos mais sensivelmente visualizados no sistema econômico, é um fenômeno essencialmente multifacetário, com repercussões no sistema político, cultural, social e jurídico, entre outros2. Tais relações em escala global são processos eminentemente dialéticos, já que a transformação local é tanto um componente da globalização como extensão das conexões sociais na relação espaçotempo, com isso, o que ocorre localmente tende a ser bastante influenciado por fatores globais ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, os acontecimentos locais terão repercussão mundial, construindo-se assim a ideia de rede global (GIDDENS, 1991, p. 76). Neste sentido, citado por Giddens (2011, p. 23), a frase do sociólogo Daniel Bell é bastante elucidativa quando afirma que “a nação se torna não só pequena demais para resolver os grandes problemas, como também grande demais para resolver os pequenos”. É neste panorama que se destaca o importante papel das ações de cooperação jurídica internacional em matéria penal entre os Estado-nações como possível meio de se estabelecer conexões em prol da efetiva, adequada e garantidora dos direitos fundamentais na persecução penal. Isso porque é também nesse cenário contemporâneo da globalização o terreno fértil para desenvolvimento com maior rapidez e intensidade daquilo que se denomina por crime transnacional.

Doutorando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, bolsista CAPES. [email protected] 2 O Professor José de Faria Costa ao mencionar o paradoxo das transformações da contemporaneidade em relação ao Direito Penal reflete que atualmente “de um lado temos todo o ambiente ético-cultural que, pelas razões sucintamente invocadas, se mostra como defensor da subjectivação mais acirrada que só pode viver o tempo breve do presente e, por outro, um direito penal que quer ser, por sobre tudo, preventivo, falando-se já mesmo em uma dimensão para-penal do próprio direito penal, ou defensor de um tempo futuro longínquo, defensor das gerações futuras.” (COSTA, 2010. p. 10). 1

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Sabidamente, um dos grandes desafios da persecução penal desse “novo” tipo de criminalidade, que se utiliza das fronteiras dos Estados não só pela notável ingerência no controle do fluxo de pessoas e bens, é adotar medidas que sejam ao mesmo tempo eficientes, adequadas e garantidoras dos direitos fundamentais do acusado como reveladoras de um processo penal humanitário (GIACOMOLLI, 2013. p. 12-15.). O problema se torna ainda mais crônico quando nos vemos diante da realidade de espaços econômicos comum, como é o caso do Mercosul, onde há considerável flexibilidade de movimento e circulação por entre as fronteiras internacionais, na sua maioria “secas”3. Assim, a cooperação jurídica internacional em matéria criminal revela-se atualmente como um mecanismo viável para persecução criminal envolvendo os crimes transnacionais e que invariavelmente necessitam de meios de atuação jurídica extraterritoriais, como é o caso de oitiva de testemunhas, apreensão de bens ou repatriamento de dinheiro oriundo desses delitos. No âmbito do regional do cone sul da América do Sul, desde 1996 o Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais no Mercosul – também conhecido por Protocolo de São Luís – em vigor4, na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, representa atualmente o instrumento normativo que regula a atividade de cooperação internacional criminal no Mercosul. O presente trabalho explorará a relação entre a cooperação jurídica internacional em matéria penal no contexto da globalização e dos crimes transnacionais desde uma proposta crítica de alguns mecanismos, visando – e por isso em prospecção – um avanço nesse estudo para além das matrizes teóricas já estabelecidas. Um novo paradigma criminal: a globalização e os crimes transnacionais Inegavelmente a globalização teve – e ainda tem – uma função primordial na integração do mundo: desde o início das grandes navegações até o desenvolvimento daquilo que atualmente se denomina de mundo em rede5. Nesse aspecto, Giddens diferencia em quatro as dimensões da globalização para uma análise sistemática do fenômeno, deixando claro que todas elas são partes simultâneas do processo como um

Aquelas onde não há um obstáculo geográfico (rios, lagos, montanhas, etc) para a demarcação física da fronteira, fazendo com que exista um verdadeiro conglomerado urbano com marcos apenas formais de separação, como é o caso nas cidades de Ponta Porã/MS e Pedro Juan Cabalero/PY. 4 A assinatura e a internalização do Protocolo se deu na Argentina por meio da Lei 25.095/99, no Brasil pelo Dec. Leg. 03/00, no Paraguai pela Lei 1.204/98 e no Uruguai pela Lei 17.145/00. (Disponível em: . Acesso em 31 out 2014). 5 A ideia de mundo em rede (network) é utilizada principalmente por Anne-Marie Slaughter, em The New World Order (New Jersey: Princeton University Press, 2004). A esse respeito se manifesta a autora: “World Order, for these purposes, describes a system of global governance that institutionalizes cooperation and sufficiently contains conflict such that all nations and their peoples may achieve greater peace and prosperity, improve their stewardship of the Earth, and reach minimum standards of human dignity.” (SLAUGHTER, 2004. p. 15). 3

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todo, mas que podem ser analisadas a partir do i) sistema de Estados-nação, da ii) ordem militar, da iii) divisão internacional do trabalho e, finalmente, da iv) economia capitalista mundial. É,

então,

a

partir

da

compreensão

de

que

a

globalização

é

um

fenômeno

complexo/transdisciplinar6 cuja característica mais notável é a compressão do espaço-tempo7, formando redes globais de relações sociais, com íntima afinidade com o desenvolvimento da técnica, que se pretende analisar a relação com a criminalidade – transnacional – contemporânea. No que diz respeito aos efeitos da globalização, nitidamente foram sentidos principalmente no setor econômico especialmente na alteração da relação entre o capital e o território. Não há mais uma restrição física da circulação do Capital, nem mesmo vinculado a um território específico, ele se tornou fluido e migra rapidamente por meio de operações virtuais comandadas pelos investidores de país a país em questão de horas. A maior parte das transações financeiras é feita via rede mundial de computadores e não há mais, salvo raras exceções, transferências físicas de moeda (papel), de maneira que os mercados financeiros trabalham integrados através das bolsas de valores que transferem as quantias das operações negociadas em tempo real entre Japão, Nova Iorque, Londres e São Paulo8, por exemplo. As transformações operadas na contemporaneidade fizeram com que o novo panorama no mercado mundial e nas relações estabelecidas através de rede mundiais favorecesse uma criminalidade com características distintas daquela tida como criminalidade clássica ou tradicional. Os avanços principalmente na área da ciência e tecnologia – destacadamente no setor de comunicações e transporte –, além da integração dos países em blocos econômicos foram fatores preponderantes ao surgimento da denominada criminalidade transnacional (SILVA SÁNCHEZ, 2011. p. 91). No plano internacional, a preocupação desse novo panorama levou à confecção da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC)9, também conhecida como Para Habermas, “os processos de globalização – que não são apenas de natureza econômica – acostumam-nos mais e mais a uma outra perspectiva, a partir da qual fica cada vez mais evidente a estreiteza dos teatros sociais, o caráter público dos riscos e o enredamento dos destinos coletivos.” (HABERMAS, 2001. p.72). 7 A ideia de compressão espaço-tempo é analisada por Faria Costa como fenômeno sentido na realidade do direito penal onde “é claro que este nosso modelo pode ser muito, mas muito mais ágil e célere. E a fórmula todos a conhecem. Basta diminuir drasticamente as garantias do suspeito, do arguido, do acusado e do condenado para que tudo seja mais breve. Mas é isso que se quer? É isso que quer uma verdadeira e real comunidade democrática? É isso o que corresponde a uma saudável cultura de defesa e promoção dos direitos fundamentais?” (COSTA, 2010. p. 14). 8 Em 2013, a BM&F BOVESPA registrou recordes históricos com volume financeiro total de R$1,83 trilhão, comparado com R$1,78 trilhão de 2012, sendo que a média diária de volume financeiro atingiu a marca de R$7,41 bilhões, superando os R$7,25 bilhões de 2012, em um total de 220.550.852 negócios realizados. (Disponível em: . Acesso em 03 abr 2014). 9 A Convenção, adotada em Nova Iorque em 15 de novembro de 2000, foi ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 5.015/2004, sendo que o então Secretário Geral da ONU, Kofi A. Annan, assim se manifesta no prefácio da Convenção: “A comunidade internacional demonstrou o anseio político de resolver os desafios globais com uma resposta global. Se o crime atravessa as fronteiras, assim deve também ocorrer com a aplicação da lei. [...] Se os inimigos do progresso e dos direitos humanos procuram explorar as facilidades e oportunidades fornecidas pela globalização para seus propósitos, então temos que explorar esses mesmos fatores para a defesa dos direitos humanos e derrotar as forças ligadas ao crime, corrupção e tráfico de seres humanos. [...] Os grupos criminais não desperdiçaram tempo para se agregarem à economia globalizada e a tecnologia sofisticada que a ela acompanha. Mas os nossos esforços para combatê-los permaneceram até o momento fragmentado e as ‘armas’ obsoletas. A Convenção nos proporciona uma nova ferramenta para situar o flagelo do crime como um problema global.” (tradução do autor). (Disponível em: 6

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Convenção de Palermo, que entre outros avanços, trouxe balizas à uniformização do conceito dessa nova espécie delitiva. No artigo 3º, 2, da Convenção está descrito que crime transnacional é, alternativamente, aquele que i) for cometido em mais de um Estado; ii) for cometido em um só Estado, mas com parte da sua composição (preparação, planejamento, direção e controle) em outro; iii) cometido em um Estado, mas com participação de grupo criminoso que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou, por fim, iv) for cometido em um só Estado, mas com efeitos substanciais em outro. Em suma, a criminalidade transnacional é aquela que envolve a prática de ilícitos com a violação de ordenamentos jurídicos nacionais, contudo, reflexamente haverá interferência em outro Estado, necessariamente (DAVIN, 2007. p. 109). Para o UNODC – United Nations Office on Drugs and Crime10-, o crime organizado transnacional não é um conceito estático, sendo que está sempre se adaptando ao mercado, criando novas formas de agir e cujo “palco de operações” transcende barreiras culturais, sociais, linguísticas e geográficas. O UNODC ainda aponta como as principais – mas não exclusivas – áreas de atuação dessa espécie de crime: i) o tráfico de drogas; ii) tráfico de seres humanos; iii) contrabando de imigrantes; iv) tráfico ilícito de armas; v) tráfico de recursos naturais; vi) tráfico ilícito de animais silvestres; vii) comércio ilegal de medicamentos falsificados; e viii) cybercrime;11 Conforme aponta Davin (2007, p. 110), a criminalidade transnacional se caracteriza, então, pela sua internacionalização, sofisticação, ampla troca de informações relevantes, identificação de oportunidades criminais no mercado global e cuidadosa estruturação interna, visando primordialmente à maximização dos rendimentos ilicitamente obtidos12 e à minimização dos riscos quanto à perda e confisco de bens. Para atingir tais objetivos, a criminalidade transnacional tem assento basicamente em quatro pilares: i) financiamento no tráfico de drogas, armas e seres humanos; ii) utilização de novas tecnologias de comunicação e informação; iii) rentabilização ou potencialização dos ganhos por meio de lavagem de dinheiro e investimento em atividades – aparentemente – lícitas, bem como tráfico de influência e corrupção; iv) “branqueamento de imagem”, relacionada com a credibilidade socioeconômica e respeitabilidade, através da infiltração nos mais elevados estratos sociais (DAVIN, 2007. p. 113-114).

. Acesso em 03 abr 2014). 10 O UNODC “é o líder global no combate contra as drogas e crimes internacionais. Estabelecido em 1997 pela mescla entre o Programa das Nações Unidas para Controle das Drogas e o Centro de prevenção de crimes internacionais, o UNODC opera em todas as regiões do mundo através de uma extensa rede de oficias de campo.” (tradução do autor). (Disponível em: . Acesso em 03 abr 2014.) 11 Dados estatísticos retirados do endereço eletrônico do UNODC. (Disponível em: . Acesso em 05 abr 2014). 12 Segundo dados divulgados pela UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime), em 2009 foi estimado que o crime organizado transnacional gerou a quantia de U$870 bilhões, o que equivale a aproximadamente 7 por cento da mercadoria exportada no mundo todo. (Disponível em: . Acesso em 05 abr 2014).

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Além das características descritas, um importante fator relacionado ao poderio econômico do crime transnacional é o seu alto nível qualitativo de defesa técnica em possíveis processos criminais, decorrentes, consequentemente, do alto poder econômico que detêm. Isso reflete na obtenção de informação técnica privilegiada apta a utilizar, convenientemente, das brechas dos diversos ordenamentos jurídicos nos diferentes Estados onde há atuação criminosa, valendo-se, principalmente, da dificuldade de investigação e do recolhimento de provas (DAVIN, 2007. p. 114). Por sua vez, Silva Sánchez (2011, p. 91), no que denomina de criminalidade global, afirma que em seu cerne estrutural, existem duas características principais. A primeira se refere genericamente a uma criminalidade essencialmente organizada ou hierarquicamente estruturada, onde normalmente há o estabelecimento da dissociação entre a execução material do delito e a responsabilidade ou o controle das ações, o que implica na possibilidade do resultado lesivo ser separado no espaço e tempo. A segunda característica, analisada do ponto de vista material, revela que a criminalidade globalizada é uma criminalidade de sujeitos poderosos (crimes of the powerful), marcada pela magnitude dos seus efeitos, principalmente econômicos, mas também políticos e sociais, com alta capacidade de desestabilização dos mercados e está envolvida também com a corrupção de funcionários públicos e governantes (SILVA SANCHEZ, 2011, p. 91). É assim que se desenha a arquitetura de um sistema dinâmico que proporciona ganhos vultuosos nas negociações transnacionais do mercado financeiro, permite um amplo crescimento de atividades ilícitas que se utilizam de mecanismos bastante sofisticados para obterem êxito em suas ações, na contramão da ação estatal na persecução dos crimes, criando um vácuo entre a necessidade material de apuração dos crimes e a viabilidade dos meios técnicos à disposição dos aparelhos estatais. Alguns apontamentos sobre a cooperação jurídica internacional em matéria penal: o auxílio direto É justamente no cenário descrito no tópico anterior que o “estatuto global de solidariedade interetática e garantias (formais e substanciais)” (CERVINI; TAVARES, 2000. p. 50.), denominação de Polimeni, se mostra como meio em constante construção, evolução e expansão nesse mundo marcado pela velocidade cada vez mais rápida das transformações. Por se tratar de um fenômeno ainda bastante recente, as controvérsias e eixos de discussão acerca da cooperação jurídica internacional ou ainda não se revelaram, ou se deslocam com bastante fluidez, surgindo novos questionamentos a cada instante. Assim, a cooperação jurídica internacional consiste, para Fábio Bechara (2011, p. 42), no “conjunto de atos que regulamenta o relacionamento entre dois Estados ou mais, ou ainda entre Estados e Tribunais Internacionais, tendo em vista a necessidade gerada a partir das limitações territoriais de soberania”. Para Cervini (2000, p. 53), em conformidade com o que fora exposto, afirma que o fundamento da cooperação jurídica internacional “reside no respeito ao processo, como concentração de XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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atos estrita e formal, criada pela sociedade para dirimir as controvérsias que se dão em seu seio, qualquer que seja a sua natureza, objetivando a justiça que por seu intermédio pretende consagra-se”. Desta forma, é possível encontrar o fundamento da cooperação jurídica internacional na simbiose entre os princípios gerais do direito internacional e o respeito ao processo, objetivando a solução de controvérsias e em prol da justiça, contextualizado especialmente na contemporaneidade marcada pela sociedade globalizada do risco (BECK). Nesse aspecto, o novo paradigma da cooperação internacional em matéria penal, exigindo cada vez mais do binômio efetividade e celeridade, requer a construção de vias de cooperação mais dinâmicas em superação às formas clássicas (carta rogatória e extradição). Acompanhando essa evolução nos mecanismos, também foi necessário a estruturação dos Estados para processar os pedidos ativos ou passivos de cooperação de forma adequada, por meio da figura da Autoridade Central13, embora atualmente há, no âmbito da União Europeia, a tendência descentralizadora (VERMEULEN; BONDT; RYCKMAN, 2012. p. 105.). Inobstante o Brasil ter avançado bastante na promoção da cooperação internacional, ainda é incipiente a cultura da cooperação, quando muitos dos atores envolvidos (juízes, promotores e advogados) são reticentes quanto à implementação da cooperação na práxis jurídica. Como aponta Gilson Dipp (2012, p. 30), os juízes e os tribunais poderiam auxiliar na efetividade da cultura da cooperação, mas que talvez “tenham permanecido em seus gabinetes e colegiados sem sentir a necessidade de construir pontes – ou mesmo sem poder; ajudar a construí-las”, perpetuando a “cultura territorialista” em detrimento à cooperacional. Visando a quebra de paradigma da clássica prática da cooperação jurídica internacional, o auxílio direto se estrutura de maneira que permite maior fluidez, com celeridade e efetividade, para a finalidade pretendida, seja ela obtenção de elemento probatório, seja a mera notificação. O auxílio direto consiste, como o próprio nome induz, na cooperação diretamente feita entre autoridades centrais dos Estados que firmaram tratado internacional com previsão para tanto (ARAUJO, 2012. p. 36.). Esse método é mais célere, embora centralizador, permitindo o encaminhamento diretamente para a autoridade competente para dar cumprimento ao pedido e, nos casos em que assim for exigido, ser apreciado judicialmente. Mas como aponta Bechara (2011, p. 54), a principal marca do auxílio direto não está restrita ao estabelecimento de canal entre autoridades centrais, mas em sua essência representa que “o Estado estrangeiro não se apresenta na condição de juiz, mas de administrador, porquanto não encaminha um pedido judicial de assistência, mas sim uma solicitação para que a autoridade judicial do outro Estado

13 Para

Ricardo Saadi e Camila Bezerra, a “Autoridade Central é um órgão técnico-especializado responsável pela boa condução da cooperação jurídica que cada Estado exerce com as demais soberanias, cabendo-lhe, ademais do recebimento e transmissão dos pedidos de cooperação jurídica, a análise e adequação destas solicitações quanto à legislação estrangeira e ao tratado que a fundamenta. Tem como função promover a efetividade da cooperação jurídica, e, principalmente, desenvolver conhecimento agregado acerca da matéria.” (SAADI;. BEZERRA, 2012. p. 23).

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tome as providências e as medidas requeridas no âmbito nacional”. Nesse ponto, o auxilio direto representa um avanço na medida em que permite uma análise mais aprofundada da medida, tanto formal quanto do mérito do pedido de cooperação (p. 55). Complementar a esse apontamento é a visão de Denise Abade (2013, p. 315), afirmando que no auxílio direto, uma vez submetido o pedido de cooperação é o modelo de direitos fundamentais do Estado requerido que será aplicado concretamente. Os pontos abordados sinteticamente apresentam a forma pela qual a cooperação jurídica internacional em matéria penal pode se desenvolver eficazmente ao mesmo tempo em que assegura os direitos do sujeito concernido da medida. Aspectos gerais do Protocolo de San Luís O Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais no Mercosul, também conhecido como Protocolo de San Luís, firmado em 25 de junho de 1996, é o principal instrumento normativo no que diz respeito à cooperação jurídica internacional no âmbito do Mercosul. A sua vigência atualmente está restrita aos países membros do bloco que o internalizaram14, ou seja, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, inobstante a previsão de adesão para os Estados que porventura venham a integrar o Tratado de Assunção (art. 29). Ocorre que, em razão da própria expansão da criminalidade transnacional e a necessidade de integração entre os países sul-americanos, foi assinado em 2002 o Acordo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais entre os Estados parte do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile15, cujas disposições são similares à do Protocolo de San Luís. Vale apontar que conforme dados divulgados pelo DRCI, os países do Mercosul representam 39% dos pedidos de cooperação (destinatário ou remetente) com o Brasil16. Neste panorama descrito, o Protocolo de San Luís foi assinado “enfatizando a importância de que se reveste para o processo de integração a adoção de instrumentos que contribuam de maneira eficaz para alcançar os objetivos do Tratado de Assunção”, e também “reconhecendo que muitas atividades delituosas representam uma grave ameaça e se manifestam através de modalidades criminais transnacionais nas quais frequentemente as provas se situam em diferentes Estado” e “considerando que

A assinatura e a internalização do Protocolo se deu na Argentina por meio da Lei 25.095/99, no Brasil pelo Dec. Leg. 03/00, no Paraguai pela Lei 1.204/98 e no Uruguai pela Lei 17.145/00. (Disponível em: . Acesso em 31 out 2014). 15 Atualmente já ratificado pela Argentina (L.26004/05), Brasil (Dec. Leg. 132/11), Paraguai (L. 2048/03) e pelo Chile desde 2009, pendente ainda o Uruguai e a Bolívia. (Disponível em: . Acesso em 31 out 2014). 16 Dados de 2004 a 2009 divulgado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional – DRCI. (Disponível em: Acesso em 04 nov 2014). 14

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o tratado de Assunção implica no compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações em função dos objetivos comuns”17. O protocolo em questão abrange o auxílio jurídico mútuo tanto na fase pré-processual (investigação) quanto na fase processual (instrução) envolvendo os países signatários. Assim, antes da análise das disposições específicas do protocolo, necessário apresentar os princípios reitores, na linha do que defende Raúl Cervini (2000, p. 102) em prol da manutenção da tensão entre os interesses de uma assistência eficaz, da soberania nacional dos signatários e do sujeito concernido. No que diz respeito ao alcance da medida de assistência, o Protocolo apresenta um rol exemplificativo de medidas abrangidas, posto que autoriza qualquer outra forma desde que i) esteja em conformidade com os fins do protocolo e ii) não seja incompatível com as leis do Estado requerido (art. 2º, “k”). Por outro lado, o pedido de cooperação poderá ser negado pelo Estado requerido em algumas hipóteses taxativas, como i) quando se tratar de crime militar sem correspondente na lei penal ordinária, ii) delito político ou a ele conexo, ou ainda, praticado com finalidade política, iii) tratar-se de delito tributário, iv) o concernido já tiver sido absolvido pela mesma infração e v) quando o pedido for contrário à segurança, à ordem pública ou demais interesses essenciais do Estado requerido (art. 5º, 1, “a” à “e”). Tais vedações são de extrema relevância, embora permitam em alguns casos, como no caso da ordem pública, vedação com alto grau de abstração que pode se tornar uma ferramenta abusiva quando autoriza o Executivo, personificado na figura da autoridade central, a não dar cumprimento a medidas por motivos outros que não estão necessariamente relacionados com a persecução penal. Embora não seja o caminho adotado pela maioria da doutrina, conforme os estudos e relatórios europeus, a necessidade de descentralização das medidas como princípio aplicável à cooperação, reduziria a hipótese de controle “político” por parte do Estado. Todavia, é preciso considerar que a cooperação internacional é, antes de mais nada, uma relação entre Estados, cujos interesses devem ser postos por atores tais que não estão restritos aos envolvidos diretamente com a matéria em si, mas que possuem expertise nas relações internacionais. Desta forma, pela própria natureza da cooperação jurídica internacional, que extrapola a jurisdição, deve haver uma maneira de equilibrar (freios e contrapesos) esse controle político e a máxima efetivação da cooperação. Outro ponto de extrema importância, é a previsão da aplicação da lei do Estado requerido na execução da medida (art. 7º, 1), o que poderia representar um fator dificultador quando, por exemplo, houver divergência entre os ordenamentos jurídicos que porventura viole direitos fundamentais (BECHARA, 2011. p. 181.). Seguindo essa ideia, a obtenção de prova penal por meio da cooperação

17

Texto contido no preâmbulo do protocolo.

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poderia ser produzida no Estado requerido conforme suas normas, mas cujo aproveitamento no Estado requerente, por violar direito fundamental, a invalidaria (anulabilidade). Contudo, o protocolo estabeleceu a possibilidade de o Estado requerente indicar forma ou procedimento especial a ser cumprido pelo Estado requerido (art. 7º, 2) (TROTTA, 2013. p. 174), significando um avanço em prol da efetividade na cooperação assim como celeridade e economia processual dos atos. Vale mencionar a previsão do princípio da especialidade como “limite no emprego da informação ou prova obtida” (art. 12), importante previsão do protocolo. A sua relevância se opera na prática quando impede que os órgãos acusatórios utilizam de informação e/ou prova obtida por meio da cooperação em procedimento diversos daquele em que foi requerido, inobstante possibilidade de autorização para tanto. Não obstante tais previsões, o contexto regional do Mercosul clama por medidas mais efetivas de cooperação que ultrapassa a mera previsão em tratados, mas demanda a formação de uma cultura jurídica voltada para a cooperação jurídica criminal, envolvendo os diversos atores jurídicos. De fato, muitos se posicionam contrários a um incremento em tais medidas justificando a atual situação do Mercosul, cuja incerteza de seu futuro é marcada por tímidas ações de integração. Todavia, independentemente do que possa a vir a se tornar, juridicamente ele já está constituído e isso é suficiente para que a criminalidade transnacional use da fronteira, não sendo uma opção do Estado fechar-se, mas sim é uma atividade imperiosa integrar-se em prol da persecução penal efetiva, adequada e em conformidade com a proteção dos direitos e garantias fundamentais do sujeito concernido da medida, seja de provas ou de detenção. Considerações Finais As novas formas de interação social promovidas – ou transformadas – essencialmente com a globalização, fez com que uma espécie de delito, com características especificas pudesse encontrar espaço fértil para seu desenvolvimento, situação que se intensificou após a aglutinação de países em blocos econômicos, como é o caso do Mercosul. Nesse sentido, há uma clara expansão dessa criminalidade denominada de transnacional, que tem como característica principal o uso da fronteira como espaço para o desenvolvimento de suas atividades ilícitas aliadas com um alto poder econômico (crimes of the powerful). Na contramão, o Estado, na figura dos órgãos acusatórios não dispõem de meios aptos apurar as infrações ccometidas, sendo que a cooperação jurídica internacional é atualmente o meio mais adequada a tanto, especialmente com a implementação do auxílio direto de cooperação, permitindo um incremento considerável na persecução penal. Contudo, é preciso aliar tais ações com a proteção dos direitos e garantias do sujeito concernido, ocasião em que os tratados internacionais contribuem em prol de uma padronização do tratamento dos atores envolvidos na cooperação. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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No caso do Mercosul, o Protocolo de San Luís, instrumento normativo em vigor que regula a assistência mútua em matéria penal, conta com dispositivos bastante eficazes e também servem de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais, fazendo com que a cooperação jurídica internacional tenha seu papel de destaque na persecução de crimes transnacionais, embora sabidamente seja necessário avanço em diversos pontos. Portanto, embora possa discutir acerca da relevância ou o futuro do Mercosul em diversos aspectos da sua integração (política, social ou econômica), o ponto fulcral é que juridicamente ele existe e é válido, sendo tal condição a essencial para direcionar políticas de incremento da cooperação para fins de persecução penal e proteção dos direitos e garantias fundamentais do acusado.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 415 TROTTA, Sandro Brescovit. O lugar do crime no Mercosul: as fronteiras da cooperação jurídica internacional contemporânea. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. VERMEULEN, Gert. BONDT, Wendy De. RYCKMAN, Charlotte. (eds) Rethinking international cooperation in criminal matters in the EU: moving beyond actors, bringing logic back, footed in reality. IRCIP research series, volume 42. Antwerpen: Maklu, 2012.

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Imigração e igualdade: o diagnóstico dos imigrantes acerca da marginalização jurídica do estrangeiro no Brasil Cynthia Soares Carneiro 1

O

artigo é o relato de pesquisa de natureza empírica qualitativa que coletou e analisou dados relativos ao trabalhador imigrante no Brasil, especialmente no estado de São Paulo. A pesquisa de campo deu-se com o contato com grupos de imigrantes e de associações civis

de acolhida, para identificar sua percepção sobre questões jurídicas relativas à chegada e permanência no Brasil, bem como os entraves ao acesso a direitos fundamentais. O público-alvo foi os imigrantes em situação de hipossuficiência econômica, situação que favorece a exploração do trabalho, principalmente quando está em situação irregular no território. Nesse sentido, partimos da hipótese de que, em razão da proximidade territorial e em face dos acordos de residência para originários de Estados-Membros e Associados do Mercosul2, houve, na última década, significativo crescimento das migrações inter-regionais sul-americanas, o que, mesmo na ausência de dados oficiais seguros, foi confirmado pelos últimos relatórios do Observatório das Migrações (OLIVEIRA: 2015). Partiu-se do pressuposto de que a migração de pessoas originárias dos Estados signatários dos Acordos de Residência estariam, todos, em situação de regularidade jurídica. Buscava-se, então, sua percepção sobre a efetividade do espaço de livre circulação e seus efeitos jurídicos. Para levantar esses dados acompanhamos o trabalho da Missão Scalabriniana Nossa Senhora da Paz, que abriga o Centro de Estudos Migratórios, o Centro Pastoral dos Migrantes e a Casa do Migrante - que atualmente encontra-se desativada e substituída, como principal centro de acolhida da cidade de São Paulo, pelo Centro de Referência e Acolhida para Migrantes (CRAI), o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) e o Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), ambos sediados na cidade de São Paulo, a Cáritas-SP, associação vinculada à Arquidiocese de São Paulo, que cuida do acolhimento e atendimento aos solicitantes de refúgio, bem como o Centro de Defesa de Direitos Humanos Padre João Bosco Burnier (CDDH-Pe. João Bosco), ligado à Mitra Diocesana situada na cidade de GuarulhosSP. Para a identificação da população imigrante e coleta de dados tanto de natureza quantitativa quanto qualitativa, foi também necessário estabelecer contato com instituições públicas buscando estatísticas oficiais, e acompanhar a elaboração e execução de políticas voltadas ao trabalhador estrangeiro. Entre os órgãos públicos consultados destacamos a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, especialmente pela sua Coordenadoria de Políticas para Migrantes; Professora de Direito Internacional e Migrações Internacionais no curso de graduação e pós-graduação stricto senso na FDRP-USP. Doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da UFMG. Pesquisa financiada pela FAPESP. 2 Acordos bilaterais de regularização migratória firmados entre Brasil e Bolívia, em 2005 e, posteriormente, os acordos de residência, vigentes desde 2009. 1

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o Comitê Estadual para Refugiados e Imigrantes do Estado de São Paulo; visitamos Delegacias Especializadas em política de migração, em postos da Polícia Federal, especialmente na cidade de Ribeirão Preto-SP; o Ministério do Trabalho e Emprego, especialmente pelo Conselho Nacional de Migração (CNIG); o Ministério da Justiça, especialmente a Secretaria Nacional de Justiça e o Departamento de Estrangeiro. O projeto foi registrado junto à Organização Internacional para Migrações (OIM), órgão que tem assessorado o Ministério da Justiça nas audiências públicas sobre a questão migratória, que passaram a ser realizadas em todo o Brasil a partir de 2012. Estas audiências culminaram com a realização, de outubro de 2013 a maio de 2014, da I Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (Comigrar) promovida pela Secretaria Nacional de Justiça, evento que acompanhamos desde os simpósios preparatórios, e, finalmente, a realização da Conferência Municipal de São Paulo, de Conferências Livres também realizadas em São Paulo, que foram concentradas entre os meses de outubro de 2013 e, principalmente, em março de 2014, até a Etapa Nacional, realizada entre os dias 30 de maio a 1º de junho, igualmente na cidade de São Paulo, pelo fato de concentrar o maior número de imigrantes e de entidades de acolhida e apoio. Após este trabalho de campo, foram analisadas as demandas apresentadas pelos imigrantes sulamericanos residentes na região da chamada Grande São Paulo, principalmente a cidade de São Paulo e Guarulhos, cotejando-as com normas jurídicas de Direito Internacional, especialmente as convenções multilaterais e acordos bilaterais entre Estados da América do Sul, as normativas de Direito de Integração provenientes do Mercosul relativas à livre circulação de trabalhadores, abordando, finalmente, o direito nacional relativo aos estrangeiros, a Lei 6.815/80 e as resoluções normativas do CNIg, além dos projetos em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 5.655/2009, o PEC 25/2012 e o PLS 288/2013, bem como o Anteprojeto de Lei de Migrações elaborado por grupo de especialistas nomeado pelo Ministério da Justiça3 e apresentado em duas audiências públicas antes da Etapa Nacional da Comigrar. A realização da Comigrar, no curso do desenvolvimento da pesquisa, permitiu o levantamento de grande volume de dados que, por ocasião da elaboração do projeto inicial, não se cogitava serrem possíveis. A conferência sistematizou, após sua conclusão, mais de 2.500 propostas, que demandam desde reformas constitucionais até medidas que podem ser imediatamente tomadas mediante resoluções ou portarias ministeriais.

Desafios metodológicos e a realização da Comigrar No início da pesquisa, o trabalho de campo estava voltado à aplicação de questionários semiestruturados, no entanto, rapidamente percebemos a necessidade de reajustes nos propósitos iniciais do projeto, em face das dificuldades que ficaram evidentes no processo de levantamento do perfil do

3

Portaria n° 2.162/2013 do Ministério da Justiça.

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imigrante e dos seus problemas e demandas jurídicas. Para efeito de teste, optou-se, primeiramente, por uma abordagem aleatória dos imigrantes buscando-os em pontos da cidade em que, comumente, podem ser encontrados, como a Praça da Sé, em festas típicas das comunidades sul-americanas em São Paulo, ou o Centro de Ribeirão Preto, cidade onde está sediada a instituição da pesquisadora. Como o objetivo era trabalhar principalmente com imigrantes em situações de vulnerabilidade ou de hipossuficiência econômica, foi possível notar a desconfiança e medo dos entrevistados, que mais pareciam coagidos a aceitar a proposta da entrevista. Ficou evidente a dificuldade de obter respostas fidedignas aos questionários. Entretanto, esse aspecto demonstra os efeitos sociais de sua vulnerabilidade jurídica e econômica, principalmente quando se trata de imigrantes indocumentados. As percepções relatadas pela equipe de pesquisadores auxiliares que foram a campo destacaram a imprescindibilidade de se trabalhar apenas com o registro de notas tomadas nas reuniões com os imigrantes realizadas nas audiências públicas promovidas pelo Ministério da Justiça, pela Câmara Municipal de São Paulo e pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Nessas reuniões, que passaram a ser frequentes, foi possível registrar a percepção dos imigrantes sobre a burocracia migratória e o acesso a direitos no Brasil, de forma bem mais abrangente e realista do que as respostas coletadas até então. Por isso, todos os questionários aplicados foram desconsiderados, optando-se por seguir, na análise completa das propostas levantadas pelos imigrantes, o roteiro estabelecido no Caderno de Propostas da Comigrar (BRASIL, MJ: 2014) com os recortes determinados na pesquisa, ou seja, foram consideradas apenas as propostas de iniciativa de imigrantes sul-americanos em São Paulo. O trabalho final de pesquisa cuidou de esclarecer o contexto jurídico brasileiro que motiva cada proposta registrada. Dentre as principais dificuldades encontradas a principal é a obtenção de dados hábeis a serem utilizados destacamos a impossibilidade de estabelecer interlocução satisfatória com departamentos da Polícia Federal. O contato com os responsáveis por delegacias de estrangeiros só foi possível porque alguns deles estiveram presentes em fóruns institucionais de discussão promovidos pelo Ministério da Justiça, especialmente em no seminário “O Direito dos Migrantes: o Novo Estatuto do Estrangeiro como uma Lei de Migrações”, ocorrido no Rio de Janeiro em 2012, e no Colóquio sobre Direitos Humanos e Política Migratória Brasileira, realizado pelo Departamento de Estrangeiros da SNJ/MJ (Deest), na cidade de São Paulo, em 2013. A avaliação do papel desempenhado pela Polícia Federal e da forma como se dá a prestação do serviço mostrou-se relevante em razão das demandas suscitadas pelos movimentos de defesa dos direitos migratórios, que criticam o fato de o controle ser feito pela Policia Federal, o que conduz, inexoravelmente, à criminalização do imigrante irregular. O fato de a Lei 6.815/80 tratar da questão migratória como questão de segurança nacional explica, inclusive, os empecilhos à obtenção dos registros oficiais de estrangeiros que chegam ao Brasil. O princípio da segurança nacional, insculpido na Lei de Estrangeiros, dificulta até mesmo para advogados obter acesso a informações relativas a processos administrativos de interesse do imigrante, mesmo quando atua nos autos, o que se faz com respaldo XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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constitucional e na Lei Orgânica da Advocacia que excepcionam com o sigilo questões relativas ao interesse do Estado. Com os desafios impostos à utilização do questionário e frente à impossibilidade de obtenção de dados na Polícia Federal passou-se a estabelecer contato próximo com instituições de acolhida e apoio aos imigrantes, melhor habilitadas a fazer a intermediação com os imigrantes pelo viés protetivo, de forma a assegurar uma relação de confiança com os pesquisadores. A Missão Paz, na Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Bairro do Glicério, era, até a criação do CRAI, o único centro de acolhida e prestação de serviços básicos ao imigrante quando da sua chegada, como abrigo e alimentação, mas também oferecendo assessoria jurídica e contato com possíveis empregadores. A Missão Paz foi a principal parceira do projeto e a associação civil mais atuante na Comigrar, participando com seus membros e também viabilizando a participação de trabalhadores migrantes, não apenas sul-americanos, em diversas conferências livres realizadas em sua sede. Com a criação, pelo governo da cidade de São Paulo, da Coordenação de Políticas para Migrantes, em maio de 2013, novo impulso foi dado aos encontros representativos e deliberativos, mas também ficou evidente a incapacidade da administração pública em enfrentar as demandas que lhe são ora impostas sem o apoio das instituições civis de auxílio ao imigrante, que continuam imprescindíveis, pois sem elas não haveria garantia de efetividade dos serviços sociais básicos prestados à essa população. O funcionamento do CRAI, por exemplo, só é possível pelo apoio da organização Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras). Em âmbito federal, a nova atribuição da Defensoria Pública da União junto ao Deest e ao Conare deu-se em razão da reivindicação dos coletivos de imigrantes acerca da necessidade de defesa rápida e eficiente das pessoas em situação de vulnerabilidade, posto que sejam mais suscetíveis de sofrer algum abuso de autoridades migratórias desde nos postos de entrada no país. No entanto, ainda faltam recursos humanos e técnicos para tanto. A Comigrar: o diagnóstico do imigrante A demanda por uma ampla discussão sobre a situação dos imigrantes no Brasil frente à legislação restritiva vigente, a necessidade de levantar dados confiáveis acerca do número de estrangeiros em situação de vulnerabilidade e irregularidade no Brasil, bem como sua localização, a crítica ao enquadramento normativo dos novos fluxos migratórios provenientes do Haiti e de países africanos, regulado pelas Resoluções Normativas nº 27, que dispõe sobre casos omissos, e nº 97, que dispõe sobre vistos para nacionais do Haiti, ambas do CNIg4; a necessidade de se estabelecer um diagnóstico atual e

CNIG. RN 27/98. Art. 1º Serão submetidas ao Conselho Nacional de Imigração as situações especiais e os casos omissos, a partir de análise individual. § 1º Serão consideradas como situações especiais aquelas que, embora não estejam expressamente 4

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preciso acerca da migração, o que ainda constitui um desafio, impunha o levantamento de dados relativos ao perfil do imigrante, a atividade desenvolvida no Brasil, sua constituição familiar e relações com o país de origem, por exemplo, além de sua concentração geográfica. Esses são apenas alguns indicadores essenciais à elaboração de políticas públicas municipais e estaduais de atendimento a essa população. Os dados levantados em associações de atendimento, que eram os únicos disponíveis até então, não eram confiáveis, pois, em razão da peregrinação do vulnerável por associações de acolhimento e apoio, é freqüente a pluralidade de registros viciando os dados obtidos. Em razão da pressão migratória em diversos municípios brasileiros, a necessidade de apuração desses dados deixou de ser um problema acadêmico e passou a ser demandada também pelos órgãos públicos. Uma das estratégias governamentais para responder a essas necessidades foi a realização de uma ampla conferência com a participação livre de associações civis e religiosas de apoio ao imigrante, de pesquisadores acadêmicos, representantes de órgãos da advocacia pública e, principalmente, dos próprios imigrantes, das mais variadas origens. O processo de consulta desencadeado pelo Ministério da Justiça e Organização Internacional para Migrações (OIM) teve como principal objetivo dar visibilidade a todo o espectro de imigrantes que se encontram, atualmente, no Brasil, que, até então, estavam acobertados pelo manto da invisibilidade. Decidiu-se pelo formato de diversas reuniões, as chamadas conferências regionais, estaduais, municipais, livres e virtuais, todas englobadas na I Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio (Comigrar). As conferências parciais preparatórias possibilitaram a participação de diversos coletivos de imigrantes, e nelas foram levantados os principais problemas enfrentados no Brasil e identificados os obstáculos, inclusive legais, de acesso ao sistema de direitos fundamentais, destacando-se a dificuldade em relação à prestação de serviços públicos e inscrição em programas oficiais de assistência social. Milhares de propostas e recomendações foram apresentadas pelos imigrantes para a solução dos problemas identificados. Após as conferências parciais todas as propostas foram sistematizadas no Caderno de Propostas da I Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (BRASIL. MJ: 2014), e submetidas aos delegados nacionais que participaram da etapa nacional para análise e complementação. Após a etapa nacional, todas as propostas, acrescidas da complementação dos delegados eleitos, consolidando o processo de consulta pela organização de todas as reivindicações levantadas. A metodologia utilizada em todas as conferências da Comigrar distribuiu os participantes, conforme seu próprio interesse, em grupos de trabalho divididos em grandes temas posteriormente denominadas, já na fase de sistematização das propostas, de nuvens temáticas. Esses temas centrais foram igualmente determinados pelos próprios participantes desde as primeiras reuniões de organização encaminhadas pelo Ministério da Justiça. Em São Paulo, o primeiro desses colóquios ocorreu nos dias 20

definidas nas Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a obtenção do visto ou permanência. Disponível em Acesso em 19.03.15

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e 21 de maio de 2013. A metodologia empregada foi desenvolvida e aperfeiçoada nesses primeiros colóquios, nos quais a identificação de problemas e o levantamento de propostas deram-se em grupos de trabalho heterogêneos dos quais participavam imigrantes, representantes de associações civis, do poder público e da academia. Posteriormente esses grupos se desfaziam e eram alternados por grupos compostos exclusivamente por representantes de cada um desses setores, em discussões separadas. Nessas ocasiões as nuvens temáticas puderam ser mais bem definidas e desmembradas em diversos subtemas que foram submetidos a ajuste e complementação na etapa final da Comigrar, que se deu de 30 de maio a 1º de junho de 2014, na cidade de São Paulo. O primeiro grande tema, ou nuvem temática, é igualdade de direitos; o segundo, acesso a serviços locais; o terceiro, procedimentos operacionais em programas e serviços públicos; o quarto tema, inclusão produtiva; o quinto, violação de direitos; e, finalmente, a sexta nuvem temática trata dos brasileiros no exterior e migrantes retornados. Justamente porque identificados a partir da interlocução direta com os imigrantes, sujeitos expostos a uma condição de exclusão em face de um sistema jurídico discriminatório, esses temas refletem os problemas por eles concretamente vivenciados. O eixo sobre igualdade de direitos espelha cruamente a discriminação e exclusão experimentada, apesar de o princípio da não discriminação por critério de nacionalidade ou de status jurídico no território do Estado já vir expresso em declarações solenes, convenções internacionais e acordos mercosulinos ratificados pelo Brasil. Com o prosseguimento do trabalho de campo e participação nos eventos promovidos pelo MJOIM, importante questão metodológica colocou-se para a equipe de pesquisadores, acerca do comportamento recomendado no trabalho de campo: se de meros observadores, que buscam não intervir ou, pelo menos, minimizar sua intervenção com o público estudado, ou, ao contrário, atuar como coparticipantes do processo de identificação de suas demandas e, especialmente, na formulação de propostas de solução de caráter administrativo e legal para os problemas levantados (PAULON, 2003). Enfim, os pesquisadores estariam presentes, ao lado dos imigrantes e de suas associações de apoio, apenas como observadores críticos ou como coatores do processo? Levávamos em consideração que os últimos são, de fato, os detentores do saber sobre os problemas propostos pela Comigrar, embora estivéssemos mais bem instrumentalizados para as questões jurídicas ali colocadas. A solução foi dada pelo próprio formato de organização das conferências, pois aos participantes, durante o processo de consulta, não foi admitido atuar como meros espectadores. Qualquer pessoa presente deveria se integrar ao grupo de trabalho de sua preferência ou de sua categoria: imigrantes, representantes de associações de apoio, acadêmicos, funcionários públicos. Assim, os pesquisadores presentes foram delegados ativos com direito a elaborar propostas em igualdade de peso com os imigrantes. Os delegados da conferência final foram votados por ocasião de cada conferência preparatória realizada. O grupo Gemte, de pesquisa e extensão, foi representado por Lya Maeda, pesquisadora extensionista de origem japonesa. A sistemática adotada na pesquisa, portanto, filia-se à corrente metodológica que advoga uma relação proativa entre o pesquisador e o objeto de seu estudo, isso é, a pesquisa, além de identificar a XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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dimensão do problema, analisar suas causas e efeitos e apresentar soluções possíveis, propõe-se, igualmente, a interferir nessa relação, contribuindo com a mudança da situação detectada e não desejada. Esse método foi desenvolvido por Michel Thiollent e denominado pesquisa-ação (THIOLLENT. 2002). Uma pesquisa assim desenvolvida está, necessariamente, imbricada com a extensão universitária, pois pressupõe um contato permanente e direto com a população imigrante, o que inclui atuar para atender as necessidades que estão ao alcance das habilidades acadêmicas (THIOLLENT, 2008). Conclusão: a situação do imigrante sul-americano As conferências livres realizadas em São Paulo possibilitaram a participação de um amplo espectro de povos que têm escolhido o Brasil como país de destino, principalmente na última década. Estiveram presentes grupos de haitianos, povos de origem africana, representantes palestinos e de países árabes, e originários de países europeus, especialmente espanhóis e italianos. No entanto, o objeto da presente pesquisa restringiu-se ao imigrante proveniente de Estados sulamericanos beneficiados pelos tratados de livre circulação firmados no âmbito do Mercosul. Por isso, os aspectos abordados pela pesquisa trataram, exclusivamente, das questões enfrentadas por eles e, como pode ser constatado, seus problemas estão mais relacionados ao seu perfil socioeconômico do que, propriamente, à sua origem, pois, apesar dos tratados de livre-circulação, um grande número de pessoas originárias dos Estados signatários permanecem em situação irregular no Brasil. De qualquer forma, tirando algumas questões pontuais e próprias de determinadas culturas, as propostas sugeridas pelos coletivos de imigrantes sul-americanos, que estavam melhor organizados, encontraram amplo respaldo entre os demais. O interessante foi constatar, nessas ocasiões, que a situação de imigrante, por ser comum a todos os estrangeiros em território regulado por uma legislação hostil, fez convergir, no Brasil, identidades e interesses em comum, o que, provavelmente, não ocorreria em contexto não migratório. Esse elemento, evidente nas conferências, permite-nos inferir a importância dos deslocamentos humanos para a interação entre culturas e a convivência entre diferentes, que, de resto, são apenas aparentes e superficiais. Pudemos constatar, de fato, que as crescentes relações políticas e econômicas do Brasil com os demais Estados sul-americanos são estímulo significativo para os fluxos migratórios, a evidenciar o impacto dos acordos regionais, especialmente do Mercosul, na integração social sul-americana, conseqüência lógica do aumento do volume de negócios inter-regionais e das perspectivas socioeconômicas das populações envolvidas. Nesse sentido, a pesquisa confirmou o impacto da imigração internacional na demanda por políticas públicas nos locais de maior afluxo migratório, como é a cidade de São Paulo, mas também a demanda por políticas administrativas em nível federal, cujos órgãos são competentes para os

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procedimentos de recepção e regularização da permanência regular do estrangeiro no Brasil, seja na condição de imigrante, propriamente dito, ou de refugiado. Outra questão que foi possível aferir refere-se ao grau de efetividade das normativas regionais, ou seja, dos acordos de livre-circulação do Mercosul. Apesar de o direito de integração ter sido internalizado e implementado pelo Estado brasileiro, persiste, entretanto, grande número de imigrantes sul-americanos irregulares no país, e a pesquisa apontou como causa a burocracia administrativa de ambos os Estados envolvidos no processo migratório, a criar obstáculos ao acesso, inclusive, aos direitos constitucionais estabelecidos. Ao que é concedido pelo tratado regional, a estrutura burocrática e procedimental brasileira cria obstáculos à efetivação. Esse fator é a origem de todas as demais restrições legais a que são submetidos os trabalhadores estrangeiros, entre as quais, a mais significativa é impedir a regularização do contrato de trabalho, fator que leva à subcontratação e precarização de direitos, um fenômeno que é internacional e não apenas brasileiro (HIRATA, 2006), (CALAVITA, 2010), (BSR, 2008), mas que exige, de cada Estado, medidas urgentes e capazes de evitar a figura do imigrante irregular, uma condição legal que estimula o tráfico de trabalhadores migrantes e o surgimento de novas formas de escravidão.

Referências BUSINESS FOR SOCIAL RESPONSIBILITY. Business International Labor Migration: A Responsible Role for Business, 2008. Disponível em: . Acesso em 20.10.2014 BRASIL. Lei 6.815/1980. Disponível em: Acesso em 01.06.2015 _______. CAMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei 5.655/2009. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em Acesso em 19.03.15 _______. SENADO FEDERAL. Projeto de Emenda Constitucional 25/2012. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em Acesso em 19.03.15 _______; _______. Projeto de Lei do Senado 288/2013. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em Acesso em 19.03.15. _______. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. COMIGRAR: Caderno de Propostas. 2014. Disponível em Acesso em 26.03.15 _______; _______. Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção do Direito dos Migrantes no Brasil. Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/10947.pdf Acesso em 01.06.2015 CALAVITA, Kitty. Inside de State: the Bracero Program, immigration, and the I.N.S. New Orleans: Quid Pro Books, 2010. CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI. A inserção dos Imigrantes no Mercado de Trabalho Brasileiro. Brasília. Cadernos do Observatório das Migrações Internacionais, 2014. Disponível em [http://portal.mte.gov.br/obmigra/imigracao/] Acesso em 26.03.15. HIRATA, Helena. A precarização e a divisão internacional e sexual do trabalho. Sociologias. no.21. Porto Alegre Jan./June 2009. Disponível em: [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151745222009000100003&script=sci_arttext]. Acesso em 15.03.2015 PAULON, Simone Mainieri. A análise de implicação como ferramenta na pesquisa-intervenção. 2003. Disponível em: . Acesso em 20.03.15. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 424 THIOLLENT, Michel. Construção do conhecimento e metodologia da extensão. 2002. Disponível em: . Acesso em 20.03.15. _______. Metodologia da pesquisa-ação. 18 ed. SP: Cortez, 2008.

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José Medina Echavarría e o lugar da sociologia do desenvolvimento no estruturalismo cepalino Gustavo Louis Henrique Pinto1

A

América Latina, pensada a partir das ideias de Periferia e Subdesenvolvimento, significou uma das principais guinadas intelectuais da região no século XX. Isto transformou as ciências sociais e a realidade político-social e econômica de diversos países. A teoria do

desenvolvimento elaborada pela escola estruturalista da Comissão Econômica para América Latina – Cepal2 possui uma função central nessas transformações, pois formulou explicações que absorveram parte significativa da ação dos intelectuais, reuniu identidades dispersas e constituiu um novo paradigma para as políticas desenvolvimentistas da América Latina. Ricardo Bielschowsky (2000) identificou as fases vivenciadas pela instituição, sendo a primeira delas o momento fundacional do estruturalismo latino-americano, que corresponde ao período de 1948 até 1960. O eixo de argumentação deste primeiro momento teve foco estritamente econômico, fase de consolidação de uma interpretação sobre o subdesenvolvimento que definiu um perfil para esta Escola e legou uma tradição de análise. A segunda fase da Cepal, como aponta Bielschowsky (2000), foi inaugurada nos anos de 1960 e está marcada pela questão dos “obstáculos” sociais e políticos ao desenvolvimento. Este novo momento histórico da instituição representa a expansão das análises sociológicas e a elaboração da teoria da dependência. A segunda geração da década de 1960 está representada pela amplitude dos campos de pesquisa do desenvolvimento para as áreas das ciências sociais, em que a sociologia e a política ganharam terreno na CEPAL. Afirmamos que o impacto das ciências sociais sobre o estruturalismo latino-americano esteve ligado diretamente à ação programática e as interpretações de José Medina Echavarría enquanto o primeiro sociólogo cepalino. No pensamento de Medina Echavarría apontamos a tarefa de consolidação da sociologia do desenvolvimento latino-americano. Os objetivos deste trabalho são: identificar os momentos de fundação da sociologia do desenvolvimento na Cepal a partir do pensamento de José Medina Echavarría e quais as bases da sua interpretação para a América Latina. José Medina Echavarría (1903-1977), espanhol, de formação intelectual plural, inicialmente estabelecido no campo do direito, aproximou-se da sociologia alemã na década de 1930. Em 1939, com o fim da Guerra Civil Espanhola, Medina Echavarría inicia um longo período de exílio por quase 30 anos junto a outros intelectuais espanhóis alocados primeiramente em La Casa de España, México,

Mestre e doutorando em Ciência Política pela UFSCar, membro de Grupo de Pesquisa CNPQ “Ideias, intelectuais e instituições” (UFSCar), desenvolve pesquisa de doutorado a respeito da relação entre Política e Teoria do Desenvolvimento nos pensamentos de Celso Furtado e José Medina Echavarría com financiamento CAPES. E-mail: [email protected] 2 A Cepal incluiu o Caribe em sua nomenclatura em 1984, passando a se chamar então Comissão Econômica para a América Latina e Caribe. Ressaltamos que desde sua criação os países caribenhos sempre compuseram o rol de nações desta instituição. 1

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posteriormente renomeada como Colégio de México, instituição criada pelo governo do presidente Lázaro Cárdenas para receber os exilados espanhóis, sob a direção do historiador mexicano Alfonso Reyes e que contava com a presença de intelectuais como Daniel Cosío Villegas. Entre 1939 e 1952 Medina Echavarría desempenhou um extenso papel de institucionalização das ciências sociais na América Latina (BLANCO, 2007), sendo este intelectual relacionado a outros nomes responsáveis pela divulgação do campo das ciências sociais, como Francisco Ayala, Gino Germani e Florestan Fernandes. Medina Echavarría trabalhou como sociólogo em universidades no México, Colômbia e Porto Rico, momento que possibilitou a produção de obras que compõe o rol das primeiras da sociologia latinoamericana. O intelectual espanhol também dirigiu a “Sección de Sociología” da editora Fondo de Cultura Económica estabelecida no México. A difusão destes livros ligados às ciências sociais foi de primeira ordem para esta área de conhecimento. Entre as obras ligadas a esta seção, apontamos a tradução coordenada e realizada por Medina Echavarría da obra Economia e sociedade (2009) de Max Weber, o que identifica uma filiação teórica weberiana de Medina Echavarría que se confirma posteriormente em sua sociologia do desenvolvimento. Medina Echavarría ingressou na Cepal em 1952, a partir do convite de Furtado (cf. FURTADO, 1997c), onde permaneceu até a sua morte, em 1977. Furtado ressalta o interesse da Cepal em realizar o convite à Medina Echavarría, a partir do diálogo estabelecido com Prebisch. A intenção era ampliar as áreas de conhecimento da Cepal para além do debate econômico. Além das atividades ligadas à Cepal, Medina Echavarría continuou sua tarefa de promotor da sociologia no Chile. Em 1957 tornou-se o primeiro diretor da Escuela de Sociología da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociais – FLACSO. A presença das análises sociológicas e políticas na Cepal se consolidam em 1959 quando Medina Echavarría assume a direção da recém-criada “División de Asuntos Sociales” da Cepal. Em 1963 tornouse o primeiro diretor da “División de Planificación Social” do Instituto Latinoamericano de Planificación Económica y Social – ILPES criado no mesmo ano. Em torno da divisão estabelecida no ILPES, o intelectual espanhol reuniu os primeiros cientistas sociais da Cepal, como Enzo Falleto, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Aldo Solari, Marshall Wolfe, entre outros. Medina Echavarría é um autor do campo das ciências sociais e teve um importante papel na consolidação da sociologia e da política enquanto áreas fundamentais da teoria do desenvolvimento. Seu trabalho de fundação e direção da “División de Asuntos Sociales” na Cepal, entre 1959 e 1963, e a direção da “División de Planificación Social” no ILPES, entre 1963 e 1974, representam dois marcos na planificação social do desenvolvimento latino-americano, vide os conceitos, os estudos, e a nova geração de sociólogos que se formava em torno destas divisões.

A identidade latino-americana e a Cepal J. Love (2011) demonstra que as teorias do desenvolvimento produzidas pela Cepal entre o final dos anos 1940 e a década de 1960, representam contribuições realmente autóctones, distintamente latinoXV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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americanas. O. Rodríguez (2004) e Love (2011) afirmam que as duas formulações teóricas, CentroPeriferia e a teoria da dependência, são as primeiras teorias econômicas formuladas no seio da instituição com características próprias, autônomas, e as décadas posteriores foram um retorno a estas teorias com respectivas aproximações e distanciamentos. Ambas as teorias fundam uma abordagem heterodoxa do desenvolvimento do capitalismo sobre as relações Norte-Sul, dando substância à escola estruturalista latino-americana. Perceber o aspecto fundacional da Cepal e tratá-la como algo distintamente autóctone da América Latina, possibilita abordar a identidade que este corpo teórico produziu na região. Afirmar a dimensão de identidade para o pensamento cepalino é inserir o estruturalismo entre aqueles capazes de formar ideologias, construir visões de mundo e de dar substância aos projetos políticos. O significado das diversas identidades na América Latina foi assim definidas por R. Morse (2011, p. 19): “Identidade não é um “carácter nacional”, como uma sociopsiquiatria imparcial diagnosticou, mas a consciência coletiva de uma vocação histórica. A realidade começa com o ambiente; a identidade, com o autorreconhecimento tácito”. A identidade levada a cabo para analisar as experiências latino-americanas não se volta para a descrição de certo consenso nacional, mas se direciona para o discurso geral da sociedade (MORSE, 2011, p. 26-27). O entendimento da identidade como reconhecimento de uma vontade popular está para além de um simples consenso realizado por certos “observadores sensíveis” (MORSE, 2011, p. 26). A busca desta identidade enquanto consciência coletiva na América Latina atinge seu auge, para Morse, apenas do século XX, isto é, tardiamente em relação à Europa e ao mundo moderno, devido a dois motivos principais: Primeiro, somente nas décadas de 1910 e 1920 é que ocorreu a conjunção das concepções intelectuais e populares. (...) Segundo, com respeito especificamente aos pensadores, observamos que suas afirmações de uma identidade europeia anterior foram no último século demasiado problemáticas, e sua confiança num contínuo intercâmbio crítico com ideologias do Ocidente industrial demasiado insegura, para favorecer uma absorção das correntes internacionais. É que, de repente, as vozes vanguardeiras da Europa, em sintonia com os anteriores brados proféticos dos Baudelaires e dos Nietzsches, ergueram-se em condenação cacofônica (ou mesmo exaltação condenatória) das premissas racionalistas, científicas e ameaçadoramente desumanizadoras da tentativa ocidental. (MORSE, 2011, p. 26)

O terreno das identidades foi alavancado pela crise dos determinismos e pressupostos racionalistas do mundo ocidental europeu. A insegurança que as ideologias industriais transmitiam para o destino das sociedades latino-americanas favoreceu novas perspectivas no século XX. Morse assim descreveu estas novas energias presentes na América Latina: Esse aparente colapso dos pressupostos evolutivos animou os latino-americanos a desdenhar os presumíveis determinismos de seu passado e a inventar uma nova “realidade” e um novo futuro. Agora a Europa não oferecia apenas modelos, mas patologias. O desencanto no centro deu ensejo à reabilitação na periferia. (MORSE, 2011, p. 27)

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A perspectiva do futuro, condicionado também pelos pressupostos teóricos de elaboração autóctone, se deflagrou em três momentos para Morse: no modernismo latino-americano na década de 1920; no ensaio de “identidade” na década de 1930 – o romance “neonaturalista” em conjunção com a busca de “identidade”; e a filosofia e a história das ideias das décadas de 1940 e 1950. A Cepal está inserida no terceiro momento desta busca por identidade, em um cenário transformado pela Segunda Guerra Mundial, cuja centralidade passa a ser o tema do desenvolvimento. Morse qualifica deste modo o período em que a Cepal se encontra: O final da década de 1940 e toda a década de 1950 criaram um contexto novo para o esforço intelectual, agora com um olho voltado para circunstâncias externas, como as consequências da Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial e a incipiente Guerra Fria, e para tendências de cada país, como o surgimento de políticas populistas e a aliança desenvolvimentista entre o Estado e novos grupos industriais. Nos meados da década de 1940, apareceram regimes reformistas e constitucionais, enquanto a rápida urbanização, o crescimento de setores da classe média com um suposto interesse na estabilidade, e o então canônico imperativo do desenvolvimento “a partir de dentro” pareciam multiplicar as possibilidades de uma mudança revolucionária. (MORSE, 2011, p. 32)

As identidades alimentadas pelos fluxos nacionais internos e externos atingem uma forma característica com a teoria do desenvolvimento. Esta produção de teorias autóctones se dá a partir das identidades e destes fluxos que ofertam uma nova realidade, fluxos de pensamento e de mobilização de ideias políticas que organizam o Estado nacional e os enfrentamentos da luta política. Os meios possíveis de modernização na América Latina estão imbricados com a defesa da autonomia, e o desenvolvimento foi uma passagem segura que condensou as possibilidades modernizadoras para o futuro da Nação, conforme Weffort examina na passagem a seguir: [...] O fato é que a preocupação com o desenvolvimento, com o dinamismo da economia, sempre foi, entre os latino-americanos, pelo menos tão forte quanto o tema da Nação, o tema da autonomia. (...) A verdade é que para os latino-americanos, pior do que a dependência é o abandono. E por abandono se entende a lamentável condição de “pueblos olvidados” que sempre os horrorizou. (WEFFORT, 1990, p. 33)

O atraso como o “grande desafio” (W, 1990, p. 33) a ser enfrentado buscava aquilo que poderia construir sociedades autônomas e dinâmicas, processo que o desenvolvimento incorpora em grande medida. A defesa da industrialização estava em consonância com o fortalecimento dos Estados nacionais e com a configuração tomada pelos grupos nacionais a favor do desenvolvimento. A existência de grupos capazes de encampar e levar a cabo projetos de modernização está vinculado as possíveis alternativas que se verificam nos contextos nacional e internacional. José Medina Echavarría e a sociologia na Cepal Quais foram os momentos-chave de fundação dos aspectos político-sociais do desenvolvimento latino-americano? Em termos práticos, Medina Echavarría cumpriu um papel ímpar nesta tarefa. Há dois XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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momentos de liderança deste intelectual no cenário internacional da sociologia do desenvolvimento, e compõem o primeiro bloco de análise deste trabalho. Primeiro, este autor coordenou o grupo de trabalho reunido na “Conferencia sobre Aspectos Sociales del Desarrollo Económico de América Latina” 3, em México D.F., entre 12 e 21 de dezembro de 1960. Deste grupo de trabalho, resultou na publicação dos dois volumes intitulado Aspectos sociales del desarrollo económico en América Latina (MEDINA ECHAVARRÍA; VRIES, 1962; MEDINA ECHAVARRÍA; HIGGINS, 1963), documentos fundamentais de consolidação do campo sociológico ligado ao estruturalismo latino-americano. O segundo momento fundacional, aqui apontado, foi quando Medina Echavarría coordenou o primeiro diagnóstico dos fatores sociais do desenvolvimento produzido em nome da Cepal, intitulado El desarrollo social de América Latina en la post-guerra4 (Cepal, 1963). Este estudo foi preparado em colaboração com Luis Ratinoff e Enzo Falleto, sendo apresentado no “Décimo Período de Sesiones de la Cepal”, em 1963, Mar del Plata. Este encontro da Cepal representou uma importante guinada nas interpretações cepalinas, quando Medina Echavarría apresenta a sua obra de referência, Consideraciones sociológicas sobre el desarrollo económico de América Latina (1964), central na sociologia do desenvolvimento do autor. Os debates das sessões da Cepal daquele ano de 1963 foram marcados pela reflexão dos rumos desta instituição (FURTADO, 1997), e o peso do desenvolvimento social foi sobressalente, modificando os rumos da instituição. O documento produzido sob a direção de Medina Echavarría foi recebido com profundo impacto entre os cepalinos e demonstram a importância estratégica que tinha a defesa da investigação social. Depois de identificados os momentos históricos de expansão das ciências sociais na Cepal, apontamos as análises contidas no pensamento do autor a partir destes documentos, o que constitui o segundo bloco de análise deste trabalho. O enfrentamento constante de Medina Echavarría com os métodos de análise de base econômica abarca uma recepção da sociologia na perspectiva do planejamento. Identificamos a intenção por parte do autor de construir um projeto weberiano de interpretação da América Latina, que se consolida a partir de três principais análises: a caracterização das estruturas sociais na América Latina a partir da relação entre elites e classes trabalhadoras; a análise das racionalidades operantes no subdesenvolvimento; e o privilégio do tema da democracia na interpretação do subdesenvolvimento. Identificamos nesses temas dois movimentos teóricos fundamentais realizados por Medina Echavarría: a concepção de dualismo estrutural, que caracteriza a primeira geração cepalina, foi reposicionada sob um novo espectro sociológico por Medina Echavarría; e a democracia se torna 3 Apontamos que importantes intelectuais participaram deste grupo de trabalho, entre eles destacamos: o economista chileno da Cepal, Jorge Ahumada; Daniel Cosío Villegas, Colegio de México; o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, o ítaloargentino Gino Germani; o sociólogo norte-americano da Universidade de Princeton, Wilbert E. Moore (importante teórico do dualismo estrutural); Jacques Lambert; o brasileiro Hélio Jaguaribe; o sociólogo cepalino Marshall Wolfe e o economista norte-americano Benjamín Higgins. Outros dois convidados foram os mexicanos Victor Urquidi e Pablo González Casanova. 4 Em entrevistas realizadas por Martín (2012, p. 926), Adolfo Gurrieri e Andrés Lira confirmam que a “Introducción” e as três primeiras sessões do Capítulo IV foram redigidas por Medina Echavarría. Além disso, sabemos que o capítulo II também pertence à Medina Echavarría, pois este capítulo foi publicado com o nome de “A situação rural na América Latina” (MEDINA ECHAVARRÍA, 1969) na edição brasileira reuinda em A agricultura subdesenvolvida (PRADO JUNIOR et. al, 1969).

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condição para o desenvolvimento, não sendo somente parte constitutiva deste processo, mas revelandose como elemento central para o planejamento na Periferia. Cada autor recepciona o pensamento cepalino à sua maneira, e produzem interpretações a partir de suas trajetórias, influências e batalhas travadas na arena política. Estes intelectuais realizam compreensões distintas sobre a Periferia, atribuindo força semântica do seu tempo e de seus valores, e ressignificam os termos da análise cepalina do subdesenvolvimento. As diferenças entre as proposituras destes intelectuais representam os distintos léxicos em que cada um dos autores circula. Os mesmos termos/conceitos quando empregados pelos autores, segundo Skinner (2001) devem ser tomados não somente pelo seu significado, mas pela força prevista por estes autores. Isso significa analisar a força de cada pensamento quanto à sua capacidade de enfrentar interpretações que foram concorrentes dentro da Cepal. Analisar a contribuição de Medina Echavarría é uma forma de compreender a pluralidade semântica das representações teóricas cepalinas. Os modos pelos quais o debate das ideias produzem as distintas formas de pensamento, de intelectuais que estão em um mesmo campo de reflexão – a Cepal – , permitem aprofundar a compreensão dos termos deste debate, ampliando a análise do cenário latinoamericano e o confronto de distintos projetos. Olhar o pensamento de Medina Echavarría constitui ponto essencial para identificar as ciências sociais no estruturalismo latino-americano, que foi base para a consolidação da teoria da dependência, e se revela como uma retomada de um autor que, até o presente momento, encontra-se afastado das produções nacionais especializadas nessas temáticas. Qual o significado do afastamento do dualismo estrutural realizado por Medina Echavarría? A dúvida posta sobre o dualismo corresponde à necessidade de constituição de novas categorias de análise para além das categorias econômicas. Os conceitos de porosidad e a delimitação da hacienda, do mesmo modo que a crítica ao dualismo, estão inseridas nesta defesa ligada ao campo das ciências sociais. Vejamos como Medina Echavarría se referiu ao dualismo estrutural: Con en fin de hacer inteligible la situación descrita es frecuente acudir hoy a la idea del dualismo estructural. Pues esta interpretación, sin dejar de ser válida – pues es poderosamente plástica y descriptiva – no es por lo menos suficiente. La estrutura de la sociedad latinoamericana estaría constituida en la realidad por la coexistencia de dos sociedades distintas, coetáneas pero no contemporáneas, la moderna y la tradicional, la ‘progresiva’ y la ‘arcaica’. La distinción entre esas dos zonas humanas – compartimentos estancos las más de las veces, o influyéndose recíprocamente en otras – explicaría por sí sola el drama sociológico de la región. (MEDINA ECHAVARRÍA, 1964, p. 24)

A interpretação do dualismo é “poderosamente plástica e descritiva”, porém não seria o bastante para a explicação sociológica. Segue a crítica de Medina Echavarría: La idea del dualismo es muy precisa en el campo económico, donde posiblemente tuvo su origen, incluso en los términos. Se trata de la yuxtaposición en un determinado país – por acción colonial muy en particular – de dos mundos técnico-económicos a infinita distancia uno de otro. Pero ya en lo económico la teoría no resulta clara ni unánime, en la medida en que – según algunos – en los países ‘subdesarrollados’ la mula no se va a ser sustituida en una generación por el avión, sino que mula y aeroplano siguen por mucho tiempo llenando funciones económicas esenciales. (MEDINA ECHAVARRÍA, 1964, p. 24)

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A crítica que Medina Echavarría realiza corresponde ao cerne da elaboração cepalina. A questão para este autor está relacionada à análise econômica presente na ideia de dualismo. A separação entre dois mundos em termos “técnico-econômicos” que o dualismo faz, acaba por tornar estes mundos muito distantes5. O problema para Medina Echavarría estava na complexidade existente nas relações entre estas sociedades “arcaicas” e “progressistas” na América Latina. Segundo o autor, o dualismo não era instrumento suficiente para as análises sociológicas. Este fator representava a situação de “drama sociológico da região”. A “peculiaridade” que o conceito de dualismo propunha era uma consideração que o autor também reconhecia como importante na observação das sociedades latino-americanas. Porém, a problematização sociológica do dualismo proposta pelo autor queria perceber outras dimensões. Medina Echavarría afirma a respeito: No se apresaría así con la idea del dualismo estructural, sin ser inexacta, una característica peculiar de América Latina. Y esto aun dejando de lado dos cosas ya insinuadas. Primero, que las distancias entre lo tradicional y lo moderno están dadas en América Latina por su proprio processo interno de desarrollo y no por la brusca yuxtaposición en un pueblo primitivo de organizaciones económicas de potencias externas. Y segundo, que no importan tanto las diferencias y tensiones entre dos modos de vida diferentes, sino el hilo de su continuidad, es decir, su penetración recíproca, las reacciones de las partes retardadas y los esfuerzos expansivos de las partes más avanzadas. De esta manera, en bastantes de los países latinoamericanos el dualismo se atenúa y disuelve en buena medida por la difusión generalizada de las aspiraciones ‘modernas’ por todas sus zonas. (MEDINA ECHAVARRÍA, 1964, p. 25)

Entre as coisas que o dualismo deixa de lado, primeiro, está a consideração de que as relações entre o tradicional e o moderno na América Latina estão ligadas ao próprio processo interno de desenvolvimento destes países. O segundo ponto assinalado insere ideias próximas ao conceito de porosidad estructural. Não importa as diferenças e tensões entre os distintos modos de vida, mas o “hilo de su continuidad”, sua “penetración recíproca”, e assim determinar as reações dos atrasados e os esforços dos avançados. A conclusão de Medina Echavarría sobre a porosidad estructrural pode ser acompanhada de outra análise realizada pelo autor em El desarrollo de la América Latina en la post-guerra (1963). Recordamos o fato de que este último documento e a obra citada anteriormente (MEDINA ECHAVARRÍA, 1964), são dois trabalhos realizados por este autor na “División de Asuntos Sociales” da Cepal e apresentados no Décimo Período de Sesiones da Cepal em 1963, Mar del Plata, o que significa que estes argumentos foram elaborados no mesmo período. A hipótese apresentada em El desarrollo de la América Latina en la post-guerra (1963) a respeito da porosidad estructural foi: La hipótesis que se formula en este trabajo es que la estructura ‘tradicional’ ha sido relativamente permeable y que esa porosidad ha permitido absorber los elementos de ‘modernidad’ que necesitaba sin quebrar por eso su estructura misma. (…) Quizá por resonancia difusa de una teoría weberiana – la disolución de las sociedades tradicionales ante el ataque de revoluciones racionales o carismáticas–, se ha imaginado a las sociedades tradicionales como cáscaras, más o menos endurecidas, capaces sólo de resistir o de quebrarse en añicos. Lo cierto es que las sociedades tradicionales han resultado ser más o

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dualismo que Medina Echavarría tem em mente ao realizar esta crítica, se acredita ser aquele apresentado pelos sociólogos Jacques Lambert (francês) e Wilbert E. Moore (estadunidense). Estas conexões foram apontadas por Juan Jesús Morales Martín em diálogo com o trabalho publicado, Cepêda e Pinto (2014).

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 432 menos flexibles y capaces muchas veces de asimilar elementos en extremo racionales en algunos de sus puntos, sin perder por ello su fisonomía. (MEDINA ECHAVARRÍA, 1963, p. 11-12)

A forma com que as estruturas tradicionais permanecem é momento que o autor chama a atenção para a porosidad. Esta estrutura tradicional lança luz sobre a insuficiência da estrutura agrária. Tratam-se de sociedades tradicionais cuja estrutura agrária detém flexibilidade, “assimilam elementos racionais”, porém sem perder a sua “fisionomia”. Assim, Medina Echavarría relaciona o processo de modernização da estrutura agrária e a característica de porosidad: Su “estructura tradicional”, lejos de haber sido rígida e impenetrable, ha tenido la porosidad suficiente para modernizar buena parte de sus elementos, sin alcanzar por eso una duradera “modernización” rápida y radical. Su avance social existe, de igual manera que su desarrollo económico, pero la tasa de ese avance – vista por ojos extraños o justificadamente impacientes – ha estado muy lejos de ser apresurada. La sociedad tradicional ha sabido adaptarse, ha sabido asimilar éstos o los otros “enclaves” de modernidad, pero hoy no es suficiente esa modernización. (...) Pues bien, la dominación de clientelas, lejos de ser siempre un elemento regresivo, en algunos momentos pudo ser un instrumento de “progreso”. Hace posible la incorporación de novedades, estimula el ascenso y la movilidad sociales, y permite un aparente predominio visible de los símbolos de la modernidad. Sin embargo, la movilidad social sigue distintos canales, la empresa económica se impone con instrumentos diferentes y la burocracia funciona de manera diversa. Hay un mínimo de racionalización, sin que ésta sea nunca segura ni completa, y naturalmente juega con mayor soltura en la ciudad que en el campo. (CEPAL, 1963, p. 12-13)

O processo de racionalização e o “predomínio visível dos símbolos de modernidade”, em alguma medida, ocorreram nas sociedades latino-americanas, porém nunca foi um processo que se completou. No campo estas etapas não se consolidaram, e a modernidade apresentou relações “mais soltas” do que nas cidades. Daí a estrutura agrária também impõe entraves políticos, de estrutura social e mobilidade conforme os argumentos apresentados até aqui. Cada autor parte de um universo explicativo da situação latino-americana que é díspar, porém desde a década de 1950 chegam a uma esfera correlata de debate: a presença da política nas análises sobre o subdesenvolvimento e a democracia como condição necessária para pensar os termos da modernização. A política como espaço fundamental das interpretações do subdesenvolvimento, assim como a história, não é uma constatação presente nos autores da primeira geração, sendo este a maior contribuição de Medina Echavarría para a ELD. Os métodos de análise do subdesenvolvimento se afastam nos autores, mas as teorias se voltam para um ponto em comum: como construir a modernidade em sociedades periféricas de matriz póscolonial? Que tipo de modernidade era possível e desejável no subdesenvolvimento de modernidade tardia?6 A teoria do subdesenvolvimento de Medina Echavarría está organicamente conectada pela busca de um conhecimento da periferia para, assim, transformá-la. A relação entre a construção teórica para a realização na práxis apresenta a função social do conhecimento nestes autores, de realizar interpretação para a mudança, o que confere legitimidade ao espaço da política no papel da transformação. Diferentes métodos e abordagens, mas que se encontram na necessidade política de realização da teoria Estas questões impactaram toda uma geração de intelectuais latino-americanos, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, e não somente Medina Echavarría. O que assinalamos é o privilégio da política nas abordagens desse autor. 6

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desenvolvimentista e, ainda mais, de fundação de uma abordagem do papel da democracia na transformação do subdesenvolvimento. Medina Echavarría, em relação à primeira geração dos cepalinos, foi dos poucos autores que colocaram o debate da democracia como central na proposição de estratégias de planejamento do desenvolvimento. A hipótese de investigação é que o autor se depara com a questão de como construir a modernidade na periferia de matriz colonial, desencadeando na política como espaço central nesta tarefa, e, principalmente, com o peso na democracia para a realização do desenvolvimentismo. A democracia para o desenvolvimento, em Medina Echavarría, tem um valor de liberdade e “criação social”, de base liberal competitiva7. Medina Echavarría analisava a democracia como imperativo na construção de um modelo de democracia liberal pluralista, o que o aproximou da temática da legitimidade do poder e do necessário estabelecimento de um regime representativo para a condução do planejamento. A tradição do liberalismo político dentro da Cepal legado por Medina Echavarría constitui-se uma excessão, principalmente se analisados os intelectuais reunidos no ILPES nas décadas de 1960 sob a direção do sociólogo espanhol. Os temas das “inversões sociais” e “humanas” do desenvolvimento que caracterizam o pensamento deste autor contém um ponto de partida fundamental, que é a necessária eficácia dos valores liberais na construção das políticas de desenvolvimento e das instituições políticas na Periferia. Em Medina Echavarría, a política se conecta as análises das “formas sociais” do subdesenvolvimento, então são identificadas na cultura política, nos valores políticos, na distribuição do poder, ou seja, são elementos principalmente de sociabilidade.

Referências BIELSCHOWSKY, R. Cinquenta anos de pensamento na Cepal. Uma resenha. In: _____. Cinquenta anos de pensamento na Cepal. Rio de Janeiro: Cepal: COFECON: Record, 2000b. p. 13-68. Bielschowsky, R. 2000 BLANCO, A. Ciências sociais no Cone Sul e a gênese de uma elite intelectual (1940-1965). Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 89-114, 2007. CEPAL. El desarrollo social de América Latina en la postguerra. Buenos Aires: Solar-Hachette, 1963. 188 p. (Biblioteca Dimensión Americana). FURTADO, C. A fantasia desfeita. In: _____. Obra autobiográfica de Celso Furtado. Organização de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Paz e Terra, 1997e. v. 2. p. 27-306. MARTÍN, J. J. M. José Medina Echavarría y la sociología del desarrollo. Íconos. Revista de Ciencias Sociales. FLACSO, Quito, p. 133-246, enero, 2010. MEDINA ECHAVARRÍA, J. Consideraciones sociológicas sobre el desarrollo económico de América Latina. Buenos Aires: Solar-Hachette, 1964. _______. Filosofía, educación y desarrollo. Cidade do México: Siglo XXI, 1967. _______. Discurso sobre política y planeación. Cidade do México: Siglo Ventiuno Editores, 1972.

A aproximação de Echavarría ao campo liberal foi debatida por Gurrieri (1980), Cardoso (1982), Faletto (1982) e Martín (2012). 7

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 434 _______. La obra de José Medina Echavarría. Organização de Adolfo Gurrieri. Madrid: Ediciones Cultura Hispánica, 1980. _______; HIGGINS, B. (Org.) Aspectos sociales del desarrollo económico de América Latina. Paris: UNESCO, 1963, v. 2. 292 p. _______; VRIES, E. (Org.) Aspectos sociales del desarrollo económico en América Latina. Lieja: UNESCO, 1962. v. 1. 448 p. SKINNER, Q. Significado y comprensión en la historia de las ideas. Prismas. Revista de historia intelectual, n. 4, p. 149-191, 2001.

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Mulheres e democracia na América do Sul: um debate sobre representação especial de grupos minoritários Fernanda Argolo1 Linda Rubim2 Introdução

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cenário político mundial tem observado o crescimento da participação da mulher na esfera pública de decisão, mas a assimetria entre homens e mulheres em cargos eletivos ainda é grande. Nos países sul-americanos elas representam a maioria do eleitorado, mas estão sub-

representadas em todos os cargos eletivos, mesmo nos países em que já temos mulheres no comando do Executivo nacional, como Argentina, Brasil e Chile. O Brasil ocupa o 116º lugar em representação feminina, segundo a Inter-Parliamentary Union, atrás de quase todos os latino-americanos, de outras nações de língua portuguesa como Angola e Moçambique e dos países do G-7. A Argentina apresenta o melhor desempenho entre os latinos no 21º lugar. O país obteve resultados positivos a partir da regulamentação em 1993 de políticas afirmativas de inserção feminina no parlamento, e os partidos já conseguem superar o percentual de 30% de candidaturas femininas. Já o Chile, encontra-se na 91ª posição. Este ano, com a aprovação da reforma do sistema eleitoral chileno está prevista uma lei de cotas, que estabelece que a relação máxima entre candidatos homens e mulheres deve ser de 60% a 40%, respectivamente. Estes dados acerca da participação das mulheres no campo político convocam questões históricas sobre o afastamento de determinados grupos sociais das esferas de poder, e a necessidade de rediscutirmos os caminhos da democracia. Estes grupos têm se articulado em movimentos que clamam pela ressignificação material e simbólica de seus papeis sociais. Sua ausência das instâncias de poder decisório demarca as fraturas de um processo democrático impactado por um desenvolvimento socioeconômico que estabeleceu distinções culturais e desigualdade de acessos políticos e, por vezes, exclusão do debate político. Assim, este trabalho se propõe a discutir de modo conceitual a participação de grupos minoritários na democracia representativa, com foco nos limites e potencialidades das propostas de representação especial, particularmente do cenário das mulheres. Para subsidiar a reflexão foram utilizados referenciais teóricos da Sociologia e Ciência Política, com especial atenção aos estudos de orientação feminista. Para apresentarmos a problemática dividimos o texto em três seções que identificam

Mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Doutoranda IHAC/UFBA. Pesquisadora do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da UFBA, vinculada ao grupo de pesquisa Miradas. Analista da Agência Nacional de Energia Elétrica. Email: [email protected] 2 Jornalista, doutora em Comunicação e Cultura, com Pós doutorado na Universidade de Buenos Aires; professora do Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 1

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e circunscrevem os debates sobre a questão da representação democrática e da reivindicação de grupos pela ampliação de sua participação nesse sistema. Na primeira parte apresentamos um panorama sobre a participação das sul-americanas na política institucionalizada; na sequência iniciamos o debate sobre os conceitos de representação democrática e as propostas de representação especial de grupos. Mulheres e participação política na América do Sul O atraso histórico na participação política institucionalizada é um dos elementos que comprometem a inserção das mulheres no parlamento até os nossos dias. Apartadas da esfera pública durante séculos, as mulheres não chegam à competição eleitoral em igualdade com os homens, pois esse afastamento implicou em menos capital político ou legitimidade sócio-cultural para o exercício da carreira pública, bem como imprimiu uma dominação simbólica sobre elas, o que as faz aceitar o ponto de vista do dominante sobre sua suposta incapacidade de exercer determinados papéis sociais. Até 1788, as mulheres não tinham acesso aos pleitos eleitorais. Neste mesmo ano, as norteamericanas, nos Estados Unidos, alcançaram o direito de se candidatar, ainda que só 132 anos depois obtivessem o direito ao voto. A regulamentação desse direito ocorreu de modo disperso em todo o mundo, ao longo do século XX, e terminou no início do século XXI. O Kwait foi o último país a autorizar o voto e a candidatura feminina, em 2005. Na Arábia Saudita, o direito ao voto ainda é um privilégio masculino, assim como a candidatura. Na América do Sul, o primeiro país a autorizar o voto feminino foi o Equador em 1929, seguido pelo Chile e o Uruguai, em 1931, e o Brasil, em 1932. Apenas 30 anos depois, a conquista dos direitos eleitorais foi finalizada na região, com a alteração das constituições do Paraguai. Mas ainda que a regulamentação desses direitos estivesse finalizada até o início dos anos de 1950, a representação feminina não apresentava números significativos. As ditaduras militares, que se estabeleceram em diversos países latinos, infligiram mais barreiras ao desenvolvimento das carreiras políticas femininas. Países como Brasil, Argentina e Chile passaram pelo processo de dominação militar que impôs sérias restrições à participação política e à liberdade de expressão. Logo, a luta pelos direitos da mulher deu lugar à luta pelo retorno da democracia e pela anistia. Mesmo após a redemocratização nesses países e também na maior parte do mundo, as mulheres nunca ocuparam, em proporções similares às dos homens, as cadeiras do Parlamento, tampouco os cargos do Executivo. Esperava-se que a regulamentação dos direitos eleitorais fosse condição suficiente para que esse cenário se invertesse. No entanto, “podemos compreender que o ser social é aquilo que foi; mas também aquilo que uma vez foi ficou inscrito não só na história, o que é óbvio, mas também no ser social, nas coisas e nos corpos” (BOURDIEU, 1989, p. 100). A lei estava em vigor, mas nem as mulheres, nem os partidos, nem o parlamento conseguiam transformar as rotinas e as heranças culturais,

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a ponto de tornar a balança do poder mais equilibrada. Ou como diriam os juristas, não havia positivação do direito. Esse descompasso na ocupação das cadeiras parlamentares foi percebido já no início de 1970, por ativistas de organizações não governamentais de defesa das mulheres e pela Organização das Nações Unidas. Uma das questões que movia o debate era que o número de mulheres eleitoras por vezes era maior que o número de homens, mas isso não se refletia nos quadros representativos, tampouco nas candidaturas. Diante deste diagnóstico, a ONU e demais organismos entenderam que era necessário estabelecer políticas afirmativas que garantissem maior representatividade feminina na esfera pública de decisão. Em 1979, as Nações Unidas aprovaram um acordo que previa a aplicação de políticas afirmativas e fixava uma agenda de promoção da equidade entre homens e mulheres. Em dezembro deste mesmo ano, a “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher”, traz, em seu artigo 4º, no inciso 1º, a proposta de ações afirmativas: A adoção pelos Estados Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, e de nenhuma maneira implicará a manutenção de normas desiguais ou separadas. Essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. (ONU, 1979, p. 2)

Apesar do compromisso firmado com as Nações Unidas, a presença das mulheres nas casas parlamentares não aumentou significativamente, e o tão sonhado equilíbrio representativo não se concretizou. Alguns países instituíram políticas de cotas, de diferentes estilos. Os dois tipos mais utilizados são as cotas de participação como candidato e a reserva de assentos. Na cota de participação, os partidos políticos são obrigados por lei a preencher uma porcentagem mínima de candidatas na lista eleitoral. Já a reserva de assentos determina o número de cadeiras no parlamento que devem ser ocupadas por mulheres em uma legislatura. Essa especificação deve estar expressa na Constituição ou na legislação eleitoral. No entanto, é preciso entender que o sistema de cotas tem suas limitações e não funciona com o mesmo sucesso em qualquer lugar. No caso específico da América Latina, os resultados diferem muito entre os países. A Argentina regulamentou a política de cotas por participação de candidatas, desde 1991, e obteve resultados muito positivos, tornando-se o país mais bem-sucedido da região no ranking mundial da supracitada organização, ocupando o 21º lugar. Os partidos argentinos já conseguem preencher as listas eleitorais em número superior ao estabelecido pela cota. No Brasil, as cotas seguiram o modelo argentino, mas só foram legisladas em 1997. Embora as mulheres representem a maioria do eleitorado, estão sub-representadas em todos os cargos eletivos e o país ocupa a 116ª posição no mesmo ranking. Em sua defesa, os partidos políticos alegam dificuldades em preencher as listas eleitorais com candidatas, devido à baixa participação das mulheres nessas instituições.

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O desenvolvimento democrático de cada país também tem impactado a definição dos percentuais a serem preenchidos. Na Costa Rica, a porcentagem é de 40%, Brasil e Argentina fixaram em 30%, 25% no Peru, e 20% no Paraguai, este com uma larga história de governos autoritários. No total, dez países latino-americanos aderiram ao sistema de cotas feminino. Em Beijing (1995), durante a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, 184 países assinaram a Plataforma de Ação Mundial, que dispunha sobre estratégias e medidas contra as situações de opressão, violência e marginalização vivenciadas pelas mulheres. Uma das ações propostas era a de estabelecer, até 2005, um percentual de 50% de mulheres e 50% de homens ocupando espaços no parlamento. Conforme os números já apresentados, o projeto não atingiu suas metas. Sobre a aplicação da política de cotas no Brasil, a pesquisadora Clara Araújo (2001) pondera sobre os diferentes fatores que compõem o sistema político e eleitoral, e que impactam a eficácia dessa política no país. Araújo (2001) identificou que em outros países da América Latina os resultados obtidos com o advento das cotas foram superiores aos do Brasil, o que enfraquece o argumento de que o pouco tempo de aplicação da política seja o responsável pelo baixo rendimento verificado. Após a avaliação dos fatores políticos sobre a eficácia das cotas, a autora propôs o seguinte balanço: Embora os dados disponíveis não permitam conclusões definitivas, os resultados obtidos até o momento não apontam para um balanço muito favorável. Em termos de alterações nas candidaturas, o balanço é parcialmente positivo, pois elevou razoavelmente o número de candidatas. Contudo, em termos de impacto sobre os eleitos, os resultados são inócuos. E as avaliações necessitam considerar isto. Entre os fatores que também interferem no processo e determinam resultados diferenciados, mereceram destaque o tipo de sistema eleitoral e mais especificamente de lista eleitoral, a cultura política, além das características da lei de cotas aprovada no país, que tendem a limitar sua eficácia. (ARAÚJO, 2001, p. 247)

Os estudos demonstram ainda que, se a política de cotas garante a participação de mulheres nas eleições e de certo modo sua presença nas casas parlamentares, ainda que mínima, a cultura do parlamento exige outros enfrentamentos de gênero. A socialização diferenciada das mulheres com a orientação para determinados estereótipos limita sua atuação, na medida em que a própria mulher se vê desqualificada para atuar em certas áreas. Esse comportamento nos remete aos postulados de Bourdieu (2011, p. 130) sobre o exercício da dominação simbólica, neste caso a dominação masculina, e de como “o dominado tende a adotar sobre si mesmo, o ponto de vista dominante”. Em investigação sobre o trabalho das deputadas brasileiras, a socióloga Luana Pinheiro (2007, p. 163) observou que: O capital político que as deputadas carregam é simbólico, e, portanto, depende não apenas do que a deputada faz, dos cargos que ocupa, da trajetória que carrega. Depende também, de como seus pares a vêem, do que esperam dela e do que acreditam ser ela capaz. Essa crença remete por sua vez ao mundo da dominação simbólica. Sendo produzida socialmente, incute nos deputados e nas próprias deputadas a visão de que elas são mais aptas para o mundo social, para as questões que exigem atributos típicos da maternagem e do feminino, tais como solidariedade, compaixão, paciência.

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Ademais, a ocupação de postos de poder privilegiados sempre gera tensões e, assim, existe o enfrentamento entre quem sempre esteve no poder e o elemento novo, no caso, a mulher. O homem, que ainda é maioria nas casas parlamentares, se vê ameaçado em seu status quo e mantém, com firmeza, determinados nichos considerados de sua “natural” competência. A forma como os deputados se colocam no campo e reproduzem as crenças que sustentam a dominação simbólica e os habitus3 de gênero influenciam, de maneira importante, o espaço que as deputadas têm para inserirem-se na esfera política institucional. Mas a maneira como as mulheres atuam nesse espaço pode ameaçar a posição até então consolidada dos homens, impulsionando outras manifestações simbólicas cujo objetivo é “colocar as mulheres de volta aos seus lugares tradicionais”. (PINHEIRO, 2007, p. 133-134)

Para Young (2006), as diferenças de gênero são estruturais e demarcam possibilidades e restrições de atuação dos indivíduos. Um dos maiores desafios é ultrapassar as barreiras impostas pelo corporativismo masculino, no âmbito dos partidos e das instituições parlamentares. Mala identifica essas barreiras em sua pesquisa sobre mulheres e poder na América Latina: “as mulheres continuam subrepresentadas na direção dos partidos políticos e nas candidaturas para eleições populares” (2002, p. 24, tradução nossa). Para além das aferições numéricas sobre a participação feminina, as questões da identidade e dos interesses atrelados a esse grupo despontam no debate sobre uma possível representação especial de grupos minoritários. Afinal as mulheres que vem obtendo êxito na carreira política constituem uma representação dos interesses do conjunto de mulheres. O que podemos classificar como interesse de mulheres? Neste sentido a discussão está polarizada e diferentes argumentos contra e a favor da política de presença surgem na literatura sobre o tema. Representação democrática e justiça social A questão da sub-representação feminina nos espaços de poder, é parte de um debate mais complexo que vai questionar o modus operandis dos nossos sistemas democráticos. As avaliações apontam que o modelo em vigor, construído a partir do universalismo, além de atuar sob premissas excludentes tem aprofundado desigualdades sociais. Desse debate emergem argumentos a partir do conceito de justiça social, e de propostas de fortalecimento das sociedades democráticas a partir de uma democracia Pinheiro (2007) utiliza o conceito de habitus desenvolvido por Bourdieu (1989). Conforme Setton (2002), Bourdieu desenvolveu esse conceito a partir da necessidade de “apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionantes sociais” (SETTON, 2002, p. 62). Bourdieu ressalta que essas disposições não são fixas, não são a personalidade nem a identidade dos indivíduos: “habitus é um operador, uma matriz de percepção e não uma identidade ou uma subjetividade fixa” (BOURDIEU,1989, p. 83). A partir dos postulados de Bourdieu (1989), Setton (2002) propõe uma definição para o conceito de habitus:“Concebo o conceito de habitus como um instrumento conceptual que me auxilia pensar a relação, a mediação entre os condicionamentos sociais exteriores, e a subjetividade dos sujeitos. Trata-se de um conceito que, embora seja visto como um sistema engendrado no passado e orientando para uma ação no presente, ainda é um sistema em constante reformulação. Habitus não é destino. Habitus é uma noção que me auxilia a pensar as características de uma identidade social, de uma experiência biográfica, um sistema de orientação ora consciente ora inconsciente. Habitus como uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas. Embora controvertida, creio que a teoria do habitus me habilita a pensar o processo de constituição das identidades sociais no mundo contemporâneo” (SETTON, 2002, p. 61). 3

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verdadeiramente multicultural. Jean-François Lyotard (2002) argumenta que a democracia não deve estar ancorada em um corpo uníssono, homogêneo e unânime, que a riqueza social nascerá da pluralidade de opiniões e das discordâncias, da união entre as políticas das ideias e das presenças, de um coletivo multicultural. Para Young (2006) a assunção dos chamados grupos minoritários ao poder oportuniza a entrada na agenda política de temas negligenciados e silenciados pelos grupos que ocupam o poder hegemonicamente. Ressalte-se que o trabalho de Young está bastante influenciado pelos estudos de Foucault acerca da dinâmica do poder e da esfera pública de Habermas. Entretanto há ainda dificuldades simbólicas e objetivas para que esse ideal de representação multicultural se estabeleça. Existem pontos sensíveis na discussão que vão do conceito de representação à possibilidade de constituição de uma representação efetiva de interesses de grupo a partir de uma política de presença. De modo explicativo, Bobbio (1984) destaca que o conceito de democracia representativa está fundamentado genericamente em decisões coletivas que dizem respeito à coletividade, não tomadas por ela, mas pelos representantes eleitos para este objetivo. O autor ressalta que a representação neste caso, e de modo conceitual, não tem correlação direta com o interesse particular do representante, ou seu grupo de interesse, mas com a deliberação acerca dos interesses coletivos. Hannah Pitkin (2006) disseca o conceito de representação, a partir dos postulados de Jean Jacques-Rousseau em O contrato social, para apresentar um paradoxo da representação onde reflete sobre a impossibilidade lógica da representação, uma vez que um sujeito não consegue se traduzir por outro sujeito ou vontade pessoal. E disto derivam-se os problemas na participação política. A “polêmica sobre o mandato e a independência” é um daqueles debates teóricos infindáveis que nunca parecem se resolver, não importa quantos pensadores tomem posição em um lado ou no outro. Ele pode ser sintetizado nessa escolha dicotômica: um representante deve fazer o que seus eleitores querem ou o que ele acha melhor? A discussão nasce do paradoxo inerente ao próprio significado da representação: tornar presente de alguma forma o que apesar disso não está literalmente presente. Mas, na teoria política, o paradoxo é recoberto por várias preocupações substantivas: a relação entre os representantes na legislatura, o papel dos partidos políticos, a medida em que os interesses locais e parciais se encaixam no bem nacional, a forma pela qual a deliberação se relaciona com o voto e ambas se relacionam com o exercício do governo etc. (PITKIN, 2006, p.30)

A partir das premissas estabelecidas por Pitkin, Young (1990) inicia uma proposta que privilegia a perspectiva social dos atores sociais. A autora argumenta em favor das políticas afirmativas que atuariam para a inclusão de grupos minoritários, e sustenta que a diferenciação entre grupos não atua necessariamente para a divisão ou a geração de conflitos sociais, pelo contrário, a “diferenciação de grupos propicia recursos para um público democrático comunicativo que visa estabelecer a justiça, uma vez que pessoas diferentemente posicionadas têm diferentes experiências, histórias e compreensões sociais, derivadas daquele posicionamento.” (YOUNG, 2006, p.162) Opostos a estes argumentos, outros autores (PIERUCCI, 1998; PROSPERO, 1990), sustentam que a aplicação de ações afirmativas para a inserção de minorias nas instituições democráticas traz uma ideia XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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de autorrepresentação, do tipo mulheres só podem ser representadas por mulheres, índios por índios e negros por negros, que cobririam esses espaços de parcialidades e invalidariam toda proposta de interesse geral. Pierucci (1999, p. 110) aprofunda essa discussão do ponto de vista da organização política vislumbrando as diferenças como dados que se levados em conta no processo de macro-organização das instituições democráticas tornarão impossível a manutenção do Estado-nação. Deste modo ele destaca que a “explosão das diferenças” recobrirá o espaço político de parcialidades em que todo valor geral será declarado falso, e no qual toda pretensão universalista parecerá sem fundamento. Em adição a esse debate, temos ainda as regras que permeiam a ação no campo político (BOURDIEU, 2011), e o caráter agonístico da política, que por vezes, é obliterado dessas discussões, mas que objetivamente gera efeitos no desenvolvimento da representação, como esclarece Miguel (2011, p.36) ao pontuar que “a ênfase exclusiva na pluralidade das perspectivas, obscurecendo o papel dos interesses, conta apenas metade da história e deixa de lado o elemento conflitivo que é inerente à política”. Deste modo questiona-se se apenas a partir da presença constituiremos uma nova agenda política ou mais especificamente se renovaremos os espaços decisórios democráticos a partir de identidades e interesses plurais. Política da presença e a questão da representação especial As críticas ao modelo vigente da democracia representativa, e suas interdições a grupos historicamente excluídos e dominados vão questionar, a propósito, o modelo universalista que a sustenta. Boa parte dos autores dessa corrente (PHILLIPS, 1998; BALIBAR:1991, 1995; YOUNG: 1990, SCOTT: 2005) sublinham que as condições político-sociais nunca permitiram que a igualdade de competição e acesso existisse entre os cidadãos, e que os referidos diferentes estiveram sempre - por via legal ou pelos arranjos sociais - apartados das esferas de poder. Em referência a questão da sub-representação feminina, há adeptos de propostas mais incisivas como a divisão paritária do parlamento. Etienne Balibar (1995, p.5) percebe a paridade como um exemplo do que ele caracteriza de “universalidade ideal”, com grande potencial para transformar a noção de política, “inclusive as formas de autoridade e representação, que de repente parecem particularistas”. Collin (apud Scott, 2001, p.376) também aposta na paridade como solução à dessexualização do poder: É paradoxal, mas interessante argumentar que foi o universalismo quem melhor preservou a sexualização do poder, e que a paridade, ao contrário, tenta dessexualizar o poder ao estendê-lo a ambos os sexos. A paridade seria, então, o verdadeiro universalismo. (COLLIN apud SCOTT, 2001, p.376)

Anne Phillips (2001) destaca o debate acerca da política da presença e dos desafios para a consolidação de uma democracia multicultural. Phillips argumenta por um modelo que agregue a presença física dos grupos excluídos dos espaços de decisão política, e a adoção de medidas que congreguem presença e ideias. “É na relação entre ideias e presença que nós podemos depositar nossas XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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melhores esperanças de encontrar um sistema justo de representação, não numa oposição falsa entre uma e outra”. (PHILLIPS, 2001, p. 289) No entanto, agregar em uma identidade o conjunto de aspirações de diferentes indivíduos não parece resolver a equação, e no caso da identidade mulher a questão torna-se ainda mais problemática. Neste sentido Lovenduski (2005) questiona: “mulheres, que são um grupo diverso e que provavelmente só partilham o histórico de sub-representação e sua potencial capacidade reprodutiva, tem interesses comuns a serem representados? (LOVENDUSKI, 2005, p.18). As mulheres de fato tornam-se exemplo para um debate mais profundo acerca da representação especial ou o que vem sendo chamado de política da presença, especialmente quando confrontamos os paradoxos de identificação do grupo mulheres para fins políticos. O que podemos destacar como temas de interesse em comum das mulheres, quais são suas demandas e como essa representação pode ser efetiva na estrutura parlamentar? Em reflexão sobre a representação democrática e as diferentes propostas (política de presença, perspectiva social, advocacy) de inclusão de grupos dominados na deliberação democrática, Miguel (2011) aponta a necessidade de ampliarmos os mecanismos de participação social dos grupos dominados, mas destaca os limites dessas teorias observando a dinâmica própria que caracteriza o campo político, para além das premissas conceituais sobre a democracia. [...] a presença de integrantes de grupos subalternos nos espaços decisórios não garante automaticamente uma efetiva pluralidade de perspectivas. É necessário levar em consideração a influência homogeneizadora do campo político. Um “campo”, no sentido dado ao termo pela sociologia de Pierre Bourdieu, é um espaço social estruturado e estruturante das práticas daqueles que nele ingressam e nele desejam progredir. A adesão aos seus códigos é exigida, promovendo a reprodução de formas de exclusão. O campo político busca “enquadrar” as vozes diferentes, forçando adaptações e reduzindo o potencial disruptivo da incorporação de vozes dissonantes. Os grupos subordinados se vêem diante de uma escolha entre “autenticidade” e “efetividade”. Seu discurso e seu comportamento tornam-se mais eficazes quando se adaptam às regras do jogo estabelecidas, mas com isso a “diferença” que se queria representar é dissipada. (MIGUEL, 2011, p. 36)

Neste sentido, é importante verificar na experiência democrática cotidiana as possibilidades e limites de uma política de presença. Para aprofundar este debate em uma perspectiva empírica iniciamos investigação sobre os mandatos das três presidentas sul-americanas: Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e Michelle Bachelet. A pesquisa ainda em curso observa as propostas de governo e de como se desenvolveram as políticas especiais para mulheres durante os mandatos das referidas presidentes. De forma embrionária podemos apontar que apesar de termos mulheres no maior cargo do executivo nacional a agenda política é pouco modificada, e a questão da equidade de gênero tem poucos avanços. Conclusão Os argumentos apresentados nas três seções deste artigo apresentam de modo inicial alguns elementos que explicam e organizam o debate sobre a sub-representação das mulheres no campo político. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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O afastamento histórico do espaço público destaca-se como ponto inicial para a constituição desta assimetria, mas não encerra a problemática. A hierarquia de gênero que organiza os papeis sociais interseccionada às regras de participação no campo político oferecem outros parâmetros para a avaliação da baixa representação feminina. Neste sentido podemos destacar o impacto da divisão sexual do trabalho e a dupla jornada das mulheres, questão identificada pelas parlamentares como limitadores de suas carreiras. Ressaltem-se as observações de Bourdieu (2011) sobre o tempo livre necessário aos indivíduos que pretendem participar do campo político, e a de Biroli (2015) sobre os padrões atuais da divisão sexual do trabalho, que organizam ou restringem escolhas, a partir de formas desiguais de inclusão. Na América do Sul, conforme apresentado, tivemos na última década avanços importantes na atuação feminina no espaço público e no campo político, a partir do envolvimento de grupos de mulheres na luta pela democracia, nos movimentos pela anistia e movimentos sociais, e marcadamente com a chegada de três mulheres à presidência da república, Cristina, Dilma e Michelle. Entretanto o efeito simbólico dessas eleições não foi suficiente para alavancar uma mudança sistêmica no modo de acesso e de participação das mulheres nos espaços políticos. A tentativa de gabinetes ministeriais paritários funcionou por um tempo no Brasil e no Chile, mas essa política de indicações foi descontinuada. Adicionalmente os entraves nas estruturas partidárias, com limitações à indicação das mulheres bem como ao financiamento de suas campanhas eleitorais permanece. Da observação dos diferentes, mas interligados fatores que tem impactado o desenvolvimento das mulheres no campo político, nos defrontamos com questões mais abrangentes sobre o modelo de participação democrática vigente. Além das mulheres, outros grupos historicamente excluídos das esferas de poder, vão questionar as bases em que se desenvolveram as democracias representativas, expondo suas fragilidades e seu caráter discriminatório. E neste sentido as transformações exigem reflexões e reformas mais profundas. Está evidenciado que há uma crise no modelo de representação atual, mas inicialmente as chamadas ações afirmativas já engendradas para o combate às assimetrias não têm obtido os resultados necessários para o equilíbrio da balança. Mulheres, negros, homossexuais e outras identidades culturais a despeito de sua relevância e participação na estrutura social continuam nas franjas do poder, e mesmo quando incluídos estão em espaços de menor repercussão na hierarquia, com sua proposta de diferença neutralizada. As propostas em debate sobre a constituição de uma representação especial de grupos ainda que calcadas em reivindicações legítimas, apresentam lacunas objetivas para a efetivação de seus objetivos A observação empírica já nos dá algumas pistas de que a instituição de uma política de presença baseada apenas em sexo, raça ou orientação sexual não garante a constituição da representação dos interesses dos grupos. No caso das mulheres é possível que não há uma adesão garantida das pautas ditas de interesse feminino pelas parlamentares eleitas, que em muitos casos já estão comprometidas com os interesses XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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hegemônicos. Mas fato é também que apenas a partir do incremento da participação desses grupos nos espaços de poder será possível alterar o quadro de desigualdade da participação democrática. Outro ponto que nos parece importante é o investimento em procedimentos que ampliem a participação cidadã nos debates democráticos, para além do processo eleitoral, com a efetiva participação social nos espaços de decisão política.

Referências ARAÚJO, Clara. Potencialidades e limites da política de cotas no Brasil. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 231-252, 2001. BALIBAR, E. Is there a neo-racism? In: BALIBAR, Etienne; WALLERSTEIN, Immanuel. Race, nation, class: ambiguous identities. Londres: Verso, 1991. p. 17-28. _______. Ambiguous universality differences. A Journal of Feminist Cultural Studies. v. 7, n. 1, 1995. BIROLI, F. A posição desigual das mulheres. Salvador: UFBA, 2015. (Comunicação oral) BOBBIO, N. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. _______. O campo político. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 5. Brasília, janeiro-julho de 2011, pp. 193-216. _______. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. INTER-PARLAMIENTARY UNION. Women in national parliaments. Disponível em: . Acesso em: 26 ago. 2015 LYOTARD, J. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2002. LOVENDUSKI, J. Feminizing Politics. Cambridge: Polity Press & Malden: Polity Press, 2005. MIGUEL, L.F. Representação Democrática: Autonomia e Interesse ou Identidade e Advocacy. Lua Nova, São Paulo, 84: 25-63, 2011. ONU. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. 18 de dezembro de 1979. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2012. _______. Lei internacional de direitos humanos, 1948. _______. The convention on the elimination of all forms of discrimination against women and its optional protocol. Switzerland: IPU, 2003. PHILLIPS, A. Democracy and representation: or why should it matter who our representantives are? In: _______. (ed)Feminism and politics. Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 224-240. _______. De uma política de idéias a uma política de presença? Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 1, p. 268-290, 2001. PIERUCCI, A.F. Ciladas da Diferença. São Paulo: Editora 34, 1999. PINHEIRO, Luana. Vozes femininas: uma análise sobre mulheres parlamentares no pós-constituinte. Brasília, DF: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2007. PITKIN, H. Representação: Palavras, Instituições e Idéias. Lua Nova, São Paulo, 67: 15-47, 2006. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 445 PROSPERO, M. Renoncer à l’égalité? Actuel Marx, n. 8, 2. sem., p. 113-117, 1990. SCOTT, J.“La querelle de femmes” no final do século XX. Revista Estudos Feministas, v.9, n.2, 2001, p.379. YOUNG, I. M.. Representação Política, Identidades e Minorias. Lua Nova, São Paulo, 67: 139-190, 2006 _______. Justice and the politics of difference. New Jersey: Princeton University Press, 1990.

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O trabalho dos carroceiros em Teresina – PI: terceirização e precarização Poliana de Sousa Silva1 Introdução

O

mercado de trabalho apresenta-se como um campo dinâmico, no qual é possível observar diferentes formas de inserção. No entanto, se faz necessário evidenciar como essa nova planta produtiva vem contribuindo para uma crescente tendência à precarização do

trabalho, a exemplo da terceirização. Outro aspecto desse processo é a informalidade, essa forma de inserção no mercado aparece como uma alternativa de sobrevivência para aqueles que não são inseridos nas novas dinâmicas de trabalho. No contexto brasileiro a informalidade apresenta-se como uma característica marcante, não por acaso, se configura como central no trabalho dos carroceiros em Teresina, mas também existem carroceiros que tem trabalho formal e terceirizado pela prefeitura da cidade. Tomando como objeto de investigação os terceirizados, a pesquisa norteou-se pela busca de analisar esse processo de terceirização dos carroceiros da zona Norte de Teresina - PI. Trata-se de uma abordagem de caráter qualitativo, tendo como indicativos o perfil socioeconômico dos carroceiros terceirizados; as condições e locais de trabalho desses sujeitos e o processo de terceirização do serviço pela prefeitura. Transformações e reconfigurações no mercado de trabalho A classe trabalhadora vem lidando com profundas mudanças visualizadas não só no Brasil, mas também nos países considerados economias centrais. Há cada vez mais mão de obra disponível e se sujeitando a um ritmo intenso de trabalho, reduzido número de empregos e trabalhos instáveis. Tanto mulheres quanto homens se deparam com uma crescente tendência à precarização do seu trabalho, em escala global, pois o desafio que se apresenta é compreender as novas dinâmicas de trabalho que surgem a partir dessa “nova morfologia”, que é, sobretudo, “multifacetada” (ANTUNES, 2011, p. 104). Os novos formatos de trabalho apresentam como características centrais uma maior flexibilização das empresas e dos trabalhadores. Assim, os trabalhadores a ser integrados nesse mercado são aqueles que se adaptam aos seus novos formatos. Os carroceiros nesse caso exemplificam mudanças e permanências, há aqueles que não se inserem nas exigências do trabalho formal, assim recorrem à informalidade no trabalho autônomo como meio de sobrevivência e aqueles que são incorporados à lógica de trabalho formal na condição de terceirizados. Entretanto, ambos permanecem exercendo a

Mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Piauí. Professora Assistente na Faculdade Maranhense São José do Cocais em Timon - MA. Professora Formadora do PARFOR – UFPI. E-mail: [email protected]. 1

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mesma atividade seja formal ou informal. O trabalho informal, nessa perspectiva, se apresenta como uma alternativa de sobrevivência em meio a essas novas características do mercado de trabalho, abrangendo aqueles trabalhadores que não foram incorporados a esse novo processo produtivo. Já o setor formal, em regra, envolve pessoas no mercado de trabalho com garantias de emprego, oportunidades de desenvolver uma carreira, proteção contra doenças ocorridas no trabalho, garantia de renda adequada e uma representação assegurada (FEIJO, 2011). No mercado de trabalho brasileiro, a discussão sobre a informalidade assume importância, principalmente depois dos anos noventa, pelo fato de representar os efeitos mais marcantes das configurações nesse setor na economia nacional. No caso dos carroceiros de Teresina, a ligação a esse setor se configura como a principal característica da maioria dos trabalhadores que fazem parte desse grupo, justificando a necessidade de compreensão de suas principais características no contexto brasileiro. As características atuais do mercado de trabalho no Brasil situam-se num contexto de constantes mudanças no setor produtivo e na estrutura econômica de suas cidades. Nessa perspectiva, destaca-se que desde o início da década de 1980, o mercado de trabalho brasileiro inseriu uma elevada proporção de pessoas inseridas no setor informal, esse quadro ganhou força principalmente no final dos anos 90, devido ao crescimento da proporção dos que trabalhavam por conta própria e sem carteira assinada, mudanças no setor urbano, como a expansão do setor de serviços e contração da indústria de transformação. Além desses fatores, as altas taxas impostas pela legislação brasileira, como cargas fiscais e restrições do mercado de trabalho também foram fatores que influenciaram o aumento desse tipo de trabalho (ULYSSEA, 2006; POCHMANN, 1999; 2008; GUIMARÃES, 2002). No que diz respeito à história recente do mercado de trabalho no Brasil, a partir de 1930, grandes transformações se processaram tanto do ponto de vista social quanto econômico, incentivadas, sobretudo pela urbanização e modernização econômica do país. Antunes (2011) destaca que no contexto de procura pela elevação de produtividade, especificamente nos anos 1990, o Brasil apresentou uma reorganização na sua produção, sofrendo influência do processo de reestruturação produtiva que ocorreu em escala global. Portanto, a informalidade, característica marcante do mercado de trabalho brasileiro, nos anos de 1990 alcança níveis elevados, devido à diminuição dos direitos dos trabalhadores, um alto índice de desemprego, rebaixamento salarial, fatores que delineiam um novo tipo de trabalho, polivalente, multifuncional e acima de tudo expressando novas formas de criação de valor. Nessa mesma direção, é possível dizer que as tendências apresentadas no mercado brasileiro como, a informatização, o empreendedorismo, o trabalho voluntário, legitimam mais do que nunca para expansão do trabalho denominado de terceiro setor e expressa às múltiplas faces de uma dinâmica que contribui para o processo de precarização estrutural dessa atividade.

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Ruy Braga (2013) usa o termo precariado para denominar um grupo composto por trabalhadores que devido à ausência de qualificações específicas ou especiais estão sujeitos ao intenso dinamismo do mercado de trabalho. Segundo esse autor, o precariado, nada mais é do que o proletariado precarizado. Além disso, esse grupo é formado por uma classe de trabalhadores que vivem em permanente pressão devido à intensificação da exploração econômica e riscos da sua não inclusão. Com base nos estudos desse autor, o perfil mais associado a esses trabalhadores são o fato de ser jovens, ter menos qualificações específicas, sub-remunerações e inserção no mercado de trabalho em condições degradantes. Apesar do trabalhador está inserido numa lógica de trabalho formal, exercem sua atividade de forma precária, no que diz respeito às condições físicas de atuação, trabalhos instáveis e sub-remunerados, ou seja, efeitos característicos dos rumos da terceirização no processo de trabalho. Deste modo, o trabalho dos carroceiros expressa os aspectos mais marcantes das transformações no mercado de trabalho, especialmente no caso brasileiro, tanto pelo fato de apresentarem como principal característica a informalidade quanto pela terceirização que se apresenta como uma forma precarizada de inserção no setor formal2. O tema terceirização na literatura brasileira, especificamente nos estudos sobre o trabalho foi discutido principalmente nos últimos vinte anos como um desdobramento da questão da reestruturação produtiva, contudo, sua visibilidade no tocante às Ciências Sociais se localiza num contexto em que diversos estudiosos procuravam compreender as mudanças no mercado de trabalho e, por conseguinte o impacto dessa forma de gestão do trabalho tanto nos trabalhadores quanto nas ações sindicais. Assim, a produção acadêmica sobre o assunto teve início na década de 1990, período em que se figurava uma consolidação do processo de reestruturação no setor produtivo, a terceirização já assinalava e hoje se configura como a principal forma de precarização do trabalho (MARCELINO; CAVALCANTE, 2012). Apesar de haver um consenso no que diz respeito aos efeitos dessa forma de organização do trabalho, não podemos dizer o mesmo de sua definição, pois segundo Marcelino e Cavalcante (2012, p.332), as pesquisas sobre o assunto mostram que há “uma dificuldade em caracterizar o lugar ocupado pela terceirização na fase de reestruturação neoliberal do capitalismo”. No contexto brasileiro, a palavra terceirização3, assume uma especificidade, considerando que em outros países ela apresenta outras definições para essa forma de gestão do trabalho. Entre as características mais comuns da terceirização, destaca-se a tentativa de redução dos custos com a mão de obra, interesse secundário sobre as condições em que os trabalhadores realizaram os serviços nas empresas que contratam esse tipo de mão de obra, diferentes artifícios criados para burlar as legislações trabalhistas, e principalmente as dificuldades de mobilização e atuação dos sindicatos.

No entanto, considerando que essa atividade é anterior ao processo de reestruturação no setor produtivo, sua permanência em meio aos modernos formatos de trabalho, expressa contradições nesse processo, na medida em que essas formas de trabalho consideradas antigas permanecem. 3 O termo terceirização foi o criado por “Aldo Sani, engenheiro e diretor superintendente da Riocell – empresa de celulose de Guaíba – RS, no início da década de 1970” (LEIRIA; SARATT, (1995), et al. MARCELINO E CAVALCANTE, 2012). 2

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Assim, concordamos, com defesa de concepção de Marcelino e Cavalcante (p.25, 2012), no sentido de que a terceirização consistir em: Assim, a terceirização não só reduz os custos trabalhistas como enfraquece a organização das classes, pois a forma especializada em que os serviços são prestados pode revelar uma dinâmica das empresas para dificultar a concentração de trabalhadores, um exemplo disso pode ser visualizado nos órgãos públicos que se utilizam do serviço terceirizado, há em um mesmo espaço, diferentes profissionais (serviços gerais, auxiliares administrativos, vigilantes, técnicos em informática, dentre outros) atuando por distintas empresas. A especialização em apenas um tipo de serviço pode se configurar como uma estratégia desse processo, visando à descentralização de pessoas e assim dificulta a proliferação de opiniões e conflitos sobre suas condições de trabalho. No caso dos carroceiros de Teresina, o trabalho é organizado de acordo com a demanda de cada zona, por isso é difícil falar em uma prática direcionada para descentralização desses trabalhadores, todavia, se observa que mesmo nos bairros em que há uma demanda maior pelo serviço há um número reduzido de trabalhadores, além disso, o número reduzido de carroceiros contratados perante a demanda da cidade, dentre outros aspectos4, podem nos levar a considerar uma tentativa de dificultar a concentração desses sujeitos. Assim, a terceirização dos carroceiros pela prefeitura de Teresina apresenta aspectos que corroboram com esse tipo de organização e gestão do trabalho, reforçando um processo de precarização do trabalho desses sujeitos. Quem são e como trabalham os carroceiros da zona Norte de Teresina? Os carroceiros exemplificam em vários aspectos as transformações ocorridas no mercado de trabalho nos últimos anos, tanto podem ser trabalhadores assalariados quando autônomos. No entanto, apesar desse tipo de atividade com a carroça ser anterior a esse processo de reestruturação que ocorreu no setor produtivo, grande parte desses sujeitos apresentam características associadas ao setor informal brasileiro, são um grupo que desde seu surgimento realizam atividades vinculadas à informalidade, possuem mão de obra considerada menos qualificada, e ainda preservam o modo tradicional de realizar suas atividades através da utilização de carroças conduzidas por cavalos (MOURA 1988). Na cidade de Teresina existem atualmente cerca de 1. 300 carroceiros distribuídos em diferentes zonas e representados por associações, desses em torno de 60 carroceiros estão no setor formal, ou seja, a maioria exerce essa atividade na informalidade. Os carroceiros que estão trabalhando na informalidade correspondem a maior parte da categoria. Em geral os carroceiros em Teresina, realizam os mais diversos tipos de trabalho, transportam cargas, recolhem lixos de casas, ajudam no transporte de mudanças,

O número reduzido desses trabalhadores se deve a exigências da prefeitura por uma quantidade específica dessa mão de obra, a seleção desses carroceiros envolve indicações políticas o que restringe os que participam da contratação. 4

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transportam materiais de construção em pequenas quantidades quando as pessoas não podem pagar os serviços de transporte das lojas. No que se refere às condições de trabalho e vida do grupo, destacam-se as precárias condições em que realizam essa atividade, ausência de proteção legal pelo fato de estarem na informalidade e os baixos rendimentos. Não contribuem com a previdência social, moram em áreas com problemas relacionados à falta de serviços básicos como infraestrutura e saneamento básico (áreas de por vezes sem pavimentação das ruas, serviços de abastecimento de água, coleta de lixo e iluminação elétrica), alguns residem em casas sem registros na prefeitura por estarem localizadas em áreas ocupadas e ainda não legalizadas, grande parte são oriundos de zonas rurais do estado, possuem baixa escolaridade e apresentam dificuldades de acesso a serviços de saúde e educação. Em relação aos rendimentos com o trabalho, a maioria desses carroceiros arrecada mensalmente um valor igual ou abaixo do salário mínimo vigente no país. Além disso, trabalham sem carroças apropriadas ao tipo de produtos que transportam, ficam muito tempo expostos ao sol e possuem pouco incentivo institucional. Nesse sentido, o trabalho dos carroceiros de Teresina exemplifica em vários aspectos as transformações ocorridas no mercado de trabalho nos últimos anos, apesar de ser anterior a esse processo. Esses sujeitos estão na informalidade desde seu surgimento, são considerados uma mão de obra menos qualificada, ainda preservam um modo antigo de executar seu trabalho. No que se refere às condições de vida desses sujeitos, vivem em condições precárias, tanto no que diz respeito ao trabalho que realizam, quanto à forma que vivem, a partir dos rendimentos desse trabalho. O que mostra a necessidade de programas e ações voltados especificamente para essa categoria profissional. Embora esses problemas, serem comuns em outras categorias na informalidade, dado a natureza paradoxal do seu trabalho com traços tradicionais que remetem ao meio rural contrastando com o trabalho do meio urbano, industrial e tecnológico e diminuição do espaço de trabalho do grupo perante as novas dinâmicas de trabalho que surgem na cidade, destaca-se que o trabalho realizado por esses carroceiros exerce uma função social na medida em que é necessário para uma parcela da população carente de ações do poder público local. Nesse sentido, as iniciativas desenvolvidas pelo grupo na busca por direitos profissionais e melhores condições de trabalho são importantes porque podem contribuir para uma integração na economia de mercado e trabalho teresinense, com boas condições de trabalho e de salário. Conhecendo os efeitos da terceirização no trabalho desses sujeitos Atualmente cerca de 60 carroceiros prestam serviço terceirizado para prefeitura de Teresina, desses 15 trabalham na zona Norte, 13 na zona Leste, 10 na zona Sudeste e 22 atuam na zona Sul da cidade. Dentre os trabalhos realizados por esses carroceiros, destacam-se: limpeza de ruas, recolhimento XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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do lixo em ruas onde o carro de coleta domiciliar não tem acesso devido às ruas não possuírem calçamento, recolhimento de lixo em pontos de transbordo indicados pela prefeitura (locais para despejo de lixo pela população) e limpeza de praças e parques, a exemplo do Parque Lagoas do Norte, situado na zona Norte. Figuras 1, 2 e 3 Carroceiros terceirizados

Fonte: Arquivo de fotos da pesquisadora

Tipo de lixo trabalhado

Fonte: Arquivo de fotos da pesquisadora

As fotos acima mostram o dia a dia desses carroceiros da zona Norte, geralmente há um grupo que faz capina nas ruas e outro grupo que passa recolhendo o lixo tanto das casas quanto das capinas, esse material é colocado em um local indicado pela prefeitura para facilitar a entrada de um carro maior que fará o recolhimento do lixo. A primeira imagem ilustra a capina sendo realizada pelo carroceiro e a segunda imagem ilustra o carroceiro que passa fazendo o recolhimento do lixo. Já a terceira imagem ilustra o local de depósito do lixo pelos carroceiros e posteriormente recolhido por um carro. A formalização desses trabalhadores pela empresa que presta serviço terceirizado de limpeza pública para prefeitura de Teresina ocorre da seguinte maneira: a prefeitura ao estabelecer um acordo com a empresa privada para a limpeza da cidade estabelece uma clausula que determina a contratação XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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desses trabalhadores para o tipo de serviço que realizam. Assim a prefeitura repassa para a empresa o valor correspondente aos custos dessa mão de obra e gastos com o animal. Esses trabalhos de limpeza pública na cidade têm como guia o Código Municipal de Condutas, amparado pela Lei Complementar nº 3.610 de 11 de janeiro de 2007, conforme este código, os serviços de limpeza da cidade são de exclusiva responsabilidade da prefeitura, mas podem ser terceirizados, contudo o processo de definição dos locais nos quais os serviços são realizados, assim como a coordenação do trabalho passa pela administração de órgãos especializados da prefeitura, de acordo com cada zona. Apesar da prefeitura de Teresina utilizar o serviço terceirizado para coleta de lixo na cidade, à supervisão e organização da execução do serviço está sob a responsabilidade de funcionários da prefeitura. Isso explica o fato dos carroceiros serem coordenados por representantes da prefeitura, quando poderia ser feito pelos funcionários da empresa que terceiriza o serviço de limpeza publica da cidade. Os carroceiros são responsáveis pelo recolhimento daqueles classificados como domiciliar e lixo público, indicado na Lei 3.610 de 2007 que trata sobre a higiene pública na cidade. (SILVA, 2011). A formalização do trabalho dessas pessoas ocorre por meio de indicações, geralmente dos gerentes administrativos das gerências de limpeza da cidade, assim como também são indicados pela própria associação de carroceiros, ou seja, a única relação da empresa com os carroceiros está na formalização do trabalho, pois todo o processo de gerenciamento do trabalho dos carroceiros (organização dos trabalhos e fiscalização da realização dos serviços) ocorre pelas gerencias de limpeza e/ou distritos de limpeza. Devido ao fato dessa função não ser legalizada e não existir a profissão de carroceiros, esses trabalhadores são contratados como coletores de lixo, popularmente denominados de Garis. Além do salário mínimo vigente no país, recebem 40% de insalubridade, mas não recebem o valor referente à ajuda de custo para alimentação e manutenção do animal, valor este que é repassado pela prefeitura e incluso no contrato com a empresa. A empresa que presta o serviço para a cidade tem dificuldades de relacionar com os carroceiros, principalmente pelo desconhecimento dessa modalidade de serviço. De tal modo, foi possível observar uma desorganização no que se refere ao mapeamento dos locais de trabalho dos carroceiros. Em relação às dificuldades para exercer esse trabalho em Teresina, mesmo terceirizados e prestando serviço para a prefeitura os carroceiros vivenciam dificuldades no exercício da atividade. Enfrentam dificuldades como à apreensão do animal, fato que se constitui como o principal obstáculo, considerando que o animal é apreendido pela prefeitura quando encontrado solto. Contudo essa situação é frequente pela falta de um local onde os carroceiros possam guardar os animais. Nesse aspecto é importante destacar que dentro do Parque Lagoas do Norte (criado através do Projeto de Lei de nº 190 de 2013, que dispõe sobre a criação e manutenção do Parque Ambiental Lagoas do Norte), há um espaço reservado para reciclagem do lixo recolhido nas proximidades do Parque, o XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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local é denominado de Estação de Transbordo de Resíduos Sólidos (ECOPONTO). Nesse espaço, os carroceiros são responsáveis pela coleta do lixo jogado tanto no Parque quanto nos bairros vizinhos, após o recolhimento o lixo é depositado no ECOPONTO, separado e reciclado (SILVA, 2011). Figura 4 e 5. Estação de Transbordo de Resíduos Sólidos (ECOPONTO) – Projeto Lagoas do Norte

Fonte: Arquivo de fotos da pesquisadora Figuras 6 e 7.Local de depósito do lixo e descanso dos animais

Fonte: Arquivo de fotos da pesquisadora

Nesse local é reservada uma área para o descanso e alimentação dos animais durante o trabalho, contudo o funcionamento do local ocorre em horário comercial e a principal demanda por parte dos carroceiros ocorre no horário em que o local está fechado. Nesse sentido, uma das revindicações da classe, através de sua associação é a ampliação desses locais não só para abranger um número maior de carroceiros como permitir o descanso e segurança dos animais. Considerações finais A investigação realizada com esses carroceiros terceirizados que trabalham na zona Norte de Teresina, permitiu observar que de modo geral o processo de terceirização dos carroceiros da zona Norte de Teresina, está associado, sobretudo à necessidade da prefeitura pela mão de obra, logo, a formalização, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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através de uma empresa privada, apenas institucionaliza o trabalho, mas não provoca mudanças na forma de realização do trabalho, pois continuam trabalhando em condições precárias, considerando que existe uma sobrecarga de trabalho, falta de proteção física para o tipo de trabalho que realizam e para o animal, exposição ao sol, o que provoca problemas na pele e dor de cabeça. A estrutura física das carroças apresenta desgaste e não há locais para descanso dos animais que ficam vulneráveis à violência física e apreensão por parte da prefeitura. Apesar do poder público local reconhecer a necessidade desse trabalho para a cidade, através da terceirização, o número de carroceiros inseridos nesse setor é baixo considerando a demanda da cidade e o grande número desses trabalhadores, pois dos 1.300 (mil e trezentos) carroceiros cadastrados no órgão, apenas 60 são contratados pela prefeitura, ou seja, apenas 5% dos carroceiros. Entretanto, esse processo modifica a principal característica que define esses trabalhadores como carroceiros, a utilização da carroça como instrumento de trabalho. A formalização do trabalho, por meio do processo de terceirização desse serviço pela prefeitura da cidade, reconfigura o trabalho dos carroceiros da zona Norte de Teresina a partir do momento em que a entrada nesse setor significa uma mudança na identificação com a classe na qual pertence, o que afeta as subjetividades desses sujeitos, pois o fato de ser reconhecido como carroceiros adquire uma importância nas relações sociais, assim quando aceitam substituir, ainda que somente no contrato de trabalho, sua profissão de carroceiro pela função de gari, há uma ruptura com sua referência de trabalho e convívio social, ou seja, esses trabalhadores perdem sua identidade de carroceiro.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 455 SILVA, P. S; SERAINE, A. B. M. S. O trabalho dos carroceiros de Teresina-PI: uma busca por direitos profissionais e visibilidade social In: XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco, 2013, Palmas, Tocantins. _______.. Carroceiros da zona Sul de Teresina: trabalho, família e pobreza. (Relatório de Estágio Obrigatório). Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2011. ULYSSEA, Gabriel. Informalidade no mercado de trabalho brasileiro: uma resenha da literatura. Revista de Economia Política, vol. 26 nº 404, PP 598- 618 outubro – dezembro de 2006. VERGOLINO, J. R. DANTAS, M. Os determinantes do processo de urbanização da região nordeste do Brasil: 1970-1996. Revista Economia, Curitiba, v. 31 n.2 (29), p. 7-33, jul./dez. 2005. Editora UFPR.

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Os direitos humanos no Mercosul e a construção de uma cidadania sul-americana Manoela Marli Jaqueira1 Fernando José Martins2 Introdução

O

presente trabalho versa sobre os direitos humanos no Mercosul, em especial do trabalhador imigrante com uma análise do projeto Unasul de construção de uma cidadania SulAmericana, aborda-se os direitos humanos a partir de uma perspectiva de que estes são

processos históricos de lutas pela dignidade da pessoa humana. O aumento da mobilidade migratório nos países da América do Sul, faz surgir a preocupação com a migração irregular, pois estas pessoas ficam em situação vulneráveis e propensas a exploração, pois encontram barreiras jurídicas para terem seus direitos humanos garantidos no país que atualmente residem. Esse aumento pela procura de trabalho pelos imigrantes irregulares os coloca em situação precária de trabalho, sendo muitas vezes negados seus direitos trabalhistas e humanos. Desta forma se faz relevante o estudo de como o Mercosul aborda os direitos humanos e de trabalhadores imigrantes, bem como a cidadania sul-americana proposta para a Unasul, poderia significar um meio efetivo de garantir a estes imigrantes (independente do status imigratório) direitos humanos e fundamentais. Direitos humanos um processo histórico de lutas Os direitos humanos se formaram a partir de lutas no curso da história, Noberto Bobbio (1992, p. 5) alega a importância do histórico dos direitos humanos, do processo de luta pela dignidade da pessoa uma e da construção dos direitos humanos que se tem hoje, estes nasceram de forma gradual de uma sério de lutas históricas e garantias que foram conquistadas neste processo. A partir do ponto de vista histórico dos direitos humanos, é importante analisar as normas referente aos direitos humanos a partir de um contexto histórico-social marcado por desigualdades sociais e econômicas, pautado tratamento de respeito a vida e dignidade humana que são inerentes a todas as pessoas. Neste mesmo sentido Joaquim Herrera Flores (2009, p. 34.) explica: Os direitos humanos são uma convenção cultural que utilizamos para introduzir uma tensão entre os direitos reconhecidos e as práticas sociais que buscam tanto seu Mestranda no curso de pós-graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste de Paraná com bolsa de estudo CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior) participante do grupo de pesquisa, Sociedade, Trabalho e Educação. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul (2009). Atualmente é professor associado na Universidade Estadual do Oeste de Paraná e professor convidado da Universidade Pedagógica – Moçambique. E-mail: [email protected] 1

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 457 reconhecimento positivado, como outra forma de reconhecimento ou outro procedimento que garanta algo que é, mesmo tempo, exterior e interior a tais normas.

Diante do exposto, observa-se o processo de luta pelos direitos humanos é mais complexo que normatizar esses direitos em declarações e documentos, pois estes direitos precisam ser efetivados para garantir concretamente a dignidade humana, os direitos humanos servem de instrumentos para alcançar uma vida digna, sendo necessário ir além da positivação das normas em documentos e declarações. Os documentos existente relativos aos direitos humanos registram sua existência e evolução, desde a Carta Magna até os documentos mais atuais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar da existência destes documentos, o que verifica-se é a distância entre o que está previsto através do processo histórico pela luta dos direitos humanos e o concretamente é efetivado através destes documentos, os direitos humanos previstos nestas declarações e documentos devem ser efetivamente garantidos, não é suficiente a simples previsão, sendo que o Estado possui um papel importante na concretização destes direitos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz a concepção contemporânea dos direitos humanos e a internacionalização destes direitos no pós-guerra, tendo em vista as atrocidades do período nazista, em que o Estado rompe com esses direitos, diante do contexto pós-guerra houve-se a necessidade de internacionalização e fortalecimentos dos direitos humanos, como explica Flávia Piovesan (sd): Fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania.

Ou seja, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, surge a necessidade de reconstruir os direitos humanos e tratá-los num contexto internacional e não somente em âmbito nacional, onde estes direitos estavam sob jurisdição do Estado soberano, sendo criado um sistema internacional de direitos humanos, para discussão e criação de diretrizes internacionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) é inspirada na Revolução Francesa (1789), a qual combina um discurso liberal de cidadania com o discurso social e trata tanto de direitos civil, sociais, econômicos e culturais, esquematizando valores ético-jurídicos e enfatizando o direito a dignidade da pessoa humana, e ainda traz como fundamento a proteção do trabalhador (PIOVESAN, sd). Importante frisar que a Declaração não tem força normativa, esta somente estabelece diretrizes internacionais de comportamento para os membros da organização das Nações Unidas (ONU), desta forma atual com o pape de estabelecer modelos para as convenções internacionais que possuem força jurídica. (CULLETON; BRAGATO; FAJARDO, 2009. p, 40.) Apesar da Declaração não possuir força jurídica, esta se faz importante como bem explica Rubia Zanotelli de Alvarenga (sd): Os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos estão inseridos nas principais constituições contemporâneas e os seus trinta artigos fixaram um código XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 458 universal dos direitos humanos ao constituir uma súmula de direitos e deveres fundamentais do homem, sob os aspectos individual, social, cultural e político, com o objetivo de promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

De acordo com Alvarenga os países com o escopo de garantir a eficácia das diretrizes presentes na Declaração, incluíram os princípios desta, positivando-os em suas Constituições, importante passo para o processo evolutivo das lutas dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana. Ainda podese dizer que a Declaração promoveu a universalização dos direitos humanos, porque além de expressar os direitos humanos prevista nesta, os governos passaram a defender estes, como questão política central. Os direitos humanos é o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos que independem de status, e esta luta pelo reconhecimento dos direitos humanos é principal bandeira de redes transnacionais, movimentos sociais e organizações não-governamentais de todo o globo. Nessa perspectiva de internacionalização dos direitos Humanos, Flávia Piovesan (sd) destaca a importância interação das normas protetoras de diversas esferas (regionais e globais) a fim de proteger os indivíduos que tem seus direitos humanos negados. O Direito do Trabalho e os Direitos Humanos devem ser estudados a partir do contexto social do trabalhador, pois estes estão moldados em um cenário moldado pelo modo de produção capitalista, onde os detentores dos meios de produção visam o lucro mediante a exploração laboral, o que torna evidente as injustiças sociais no âmbito do trabalho, sendo os Direitos Humanos mecanismo importante para resguardar o mínimo a estes trabalhadores que sofrem com seus direitos negados. Alvarenga (sd) destaca o papel dos Direitos Humanos em humanizar questões laborais, devido as grandes desigualdades existentes nas relações de trabalho, onde os Direitos Humanos podem ser efetivados através do Direito do Trabalho, e este deve estar voltado a proteção de todos, em especial aos trabalhadores mais necessitados e desamparados da sociedade, a autora traz que o direitos trabalhistas aliado aos direitos humanos devem ser mecanismos de luta juntamente com políticas sociais em prol do trabalhador e não da classe dominante. Os Direitos Humanos têm importante tarefa de proteger os trabalhadores imigrantes, estes por muitas vezes se encontram mais vulneráveis por não estarem com estado regular no país e necessitam de uma maior proteção social do Estado, independente do status imigratório, Ana Paula Sefrin Saladini (2011, p. 230) explica as conseqüências da ausência de proteção estatal a este trabalhador: A falta de proteção ao trabalhador acaba por propiciar a exploração dessas pessoas por empresários inescrupulosos, que, além de explorar a carência humana, ainda estabelecem uma competição desleal com os que obedecem aos termos da legislação nacional.

Diante do exposto acerca dos direitos humanos e dos direitos humanos no âmbito laboral, principalmente aos direitos voltados aos trabalhadores imigrantes verifica-se a importância de construir uma política de imigração pautada nos direitos humanos, sendo importante esta abarcar os imigrantes que estão em situação irregular, que são os que mais necessitam da proteção social do Estado. O direito XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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de imigrar, de buscar condições de vida e trabalho dignas estão diretamente ligados aos direitos humanos e ao princípio da igualdade entre os nacionais e estrangeiros Mercosul e os direitos humanos O Mercosul (Mercado Comum do Sul) surgiu pelo Tratado de Assunção em 26 de março de 1991, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, visando integrar os quatro países membros diante da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, bem como a criação de uma Tarifa Externa Comum, da adoção de uma política comercial comum e da coordenação de políticas macroeconômicas e de setores, assim como a previsão do processo de harmonização das legislações.3 O Mercosul só ganhou status de personalidade jurídica em 1994 pelo Protocolo de Ouro Preto, que também criou diretrizes estruturais ao bloco. Em 1998 foi assinado o Protocolo de Ushuaia, um compromisso democrático entre os membros. Em 2002 através do Protocolo de Olivos, foi criado um novo sistema de solução de controvérsias (Tribunal Permanente de Revisão), que estabeleceu uma nova instância para revisão de laudos arbitrais emanados pelos Tribunais ad hoc. Em 2006, a Venezuela passou a incorporar o bloco como membro pela assinatura do Protocolo de Adesão da Venezuela. No âmbito da defesa dos direitos humanos, os países membros do Mercosul assumiram alguns compromissos mediante assinatura de alguns tratados, desta forma todos os membros do bloco econômico comprometeram-se com os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e também com o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e com o Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos. Ainda pode-se citar a ratificação de importantes Convenções como a Convenção Americana sobre Direitos Humano (1969), Convenção sobre a Eliminação de todas das formas de Discriminação contra a Mulher (1979) entre outros tratados do mesmo sentido. Importante destacar também, que existem esforços internos em vincular seus membros a compromissos em relação aos direitos humanos, justiça social, desta forma é importante mencionar A Declaração Presidencial sobre o Compromisso Democrático no Mercosul (1996), onde os presidentes dos países membros se comprometeram a aplicar medidas punitivas (dentro das normas do Mercosul), para caso algum membro rompa ou ameace a romper com a ordem democrática. Desta forma verificase medidas de proteção da democracia, o que é essencial para a proteção dos direitos humanos dos países membros. O Protocolo de Ushuaia reforça a proteção do Estado democrático e ratifica o acordo assinado anteriormente (Declaração Presidencial de 1996), com a ressalva de que o compromisso com a democracia deve ser efetivo. As medidas de punição caso algum país membro esteja em ameaça de Saiba mais sobre o Mercosul. Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul. Acesso em 23 de abril de 2015. 3

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romper ou efetivamente rompa com o Estado democrático, podem ir de uma suspensão do direitos de participação de órgãos de diferentes esferas do processo de integração até mesmo a suspensão dos direitos e obrigações resultantes deste processo.4 Outro instrumento de destaque no Mercosul na proteção dos direitos humanos e principalmente na proteção da imigração no bloco é a Declaração Sócio-Labora do Mercosul5, foi assinada em 1998, e sugere o respeito a legislação trabalhista de casa país-membro, formando diretrizes que fomentam a busca pela igualdade de direitos e condições de trabalho ao imigrante. Como pode-se observar o artigo 4.º da Declaração onde se estabelece diretrizes aos trabalhadores imigrantes. 1. Todo trabalhador migrante, independente de sua nacionalidade, tem direito à ajuda, informação, proteção e igualdade de direitos e condições de trabalho reconhecidos aos nacionais do país em que estiver exercendo suas atividades, em conformidade com a legislação profissional de cada país. 2. Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas tendentes ao estabelecimento de normas e procedimentos comuns relativos à circulação dos trabalhadores nas zonas de fronteira e a levar a cabo as ações necessárias para melhorar as oportunidades de emprego e as condições de trabalho e de vida destes trabalhadores.

Como verifica-se o artigo 4.º traz importantes diretrizes aos trabalhadores imigrantes e estas estão pautadas nos direitos humanos, o professor Mario Barbosa (2008, p. 98) explica que a Declaração tem a função de adotar medidas que servirão de tendência e ao mesmo tempo estabelecer normas e procedimentos para a circulação de trabalhadores na zona de fronteira, o que melhoraria a vida e trabalho destes imigrantes. Ao estudar a Declaração observa-se que houve um avanço no âmbito da não discriminação entre trabalhadores nacionais e estrangeiros e a proteção dos trabalhadores fronteiriços e migrantes. Na questão de direitos coletivos a Declaração se destaca com a indicação de liberdade sindical e livre associação, o que no Brasil ainda é proibido devido o Estatuto do Estrangeiro ser uma normativa criada no período da ditadura militar e possuir muitas normas restritivas a entrada e residência de estrangeiros no Brasil. (PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen, sd, p. 2.) Outro importante acordo para mencionar é o Acordo Multilateral de Seguridade do Mercosul, de 1997, assinado em Montevidéu – Uruguai6, o qual visa a garantia de reconhecimento dos direitos relacionados a seguridade social aos trabalhadores que trabalharam ou trabalham em dos Estados Parte do bloco.

Protocolo de Ushuaia, artigo 4 e 5. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2002/D4210.htm. Acesso 15 de agosto de 2015. 5 Mercosul. Declaração Sociolaboral do Mercosul. Documento eletrônico disponível em: . Acesso em 20 de abril de 2015. 6 Acordo aprovado pelo Brasil em 2001 pelo Decreto Legislativo n. 451/2001 e sua vigência foi em 2005, promulgada pelo Decreto n. 5.722/2006. 4

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Por fim, cabe mencionar o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, e este merece destaque, pois é capaz de simplificar o processo de circulação de pessoas e fixação de residência no Mercosul. Visando solucionar a situação migratória dos nacionais dos Estados-Partes e Países Associados na região, a fim de fortalecer os laços que unem a comunidade regional; Convencidos da importância de combater o tráfico de pessoas para fins de exploração de mão de obra e aquelas situações que impliquem degradação da dignidade humana, buscando soluções conjuntas e conciliadoras aos graves problemas que assolam os Etados-Partes, os Países Associados e comunidade como um todo, consoante compromisso firmado no Plano Geral de Cooperação e Coordenação de Segurança Regional; Reconhecendo o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações para fortalecer o processo de integração, tal qual disposto no artigo 1.º do Tratado de Assunção.

Assim o Acordo de Residência viabiliza o processo de residência de pessoas de origem de países parte do Mercosul, sendo um processo mais simples e humano, o que difere a título de exemplo do processo de residência previsto do Estatuto do Estrangeiro Brasileiro. A professora Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes (2007, p. 436) explica como este documento é um importante instrumento para erradicar desigualdade migratória do bloco do Mercosul “[...] o acordo de Residência resolve definitivamente a questão migratória entre cidadãos do Mercosul, instituindo verdadeiro regime de igualdade jurídica que poderá solucionar muitas das questões migratórias atuais. Apesar da existência do acordo e da importância e evolução que este documento possui, verificase que a realidade se difere da igualdade mencionada pela professora, pois apesar dos esforços de facilitar a regularização de imigrantes pertencentes no Mercosul, ainda existe imigração irregular, o que sugere a necessidade de políticas públicas que tenham a capacidade de implementar de forma efetiva o disposto no Acordo. (NICOLI, 2011. p.115.) Ante ao estudado, observa-se que existem compromissos e diretrizes propostas aos membros do Mercosul, mas que estas muitas vezes não são efetivadas pelos países, o que reforça a existência de migração irregular, sendo necessário buscar mecanismos mais efetivos, visando a dignidade da pessoa humana para os trabalhadores que circulam no Mercosul.

Unasul e os direitos humanos Em 2008 foi criada a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), a qual visa tornar-se uma potência mundial, não só sob aspecto econômico, como político e o modo como garante a independência e liberdade dos países constituintes. Esta organização internacional é formada por doze países da América

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do Sul, tendo sua estrutura institucional composta pelos seguintes órgãos: Conselho de Chefes de Estado e de Governo, Conselho de Ministros das Relações Exteriores, Conselho de Delegados, Secretaria Geral.7 Desta forma a Unasul, além de fortalecer o crescimento dos blocos econômicos já existentes, traz perspectivas de uma nova integração com resultados mais significativos voltados ao desenvolvimento econômico-social dos países parte, em especial em relação a efetivação da cidadania e dos direitos humanos. A Unasul estabelece uma nova etapa de consciência sul-americana, onde se propõe a integração a partir da melhoria de vida das pessoas dos países membros, com respeito a diversidade cultural, e abrindo espaço para um diálogo de valores que independe das vontades estatais. (CADEMARTORI; CADEMARTORI, 2014. p.1136). Pelo discurso pautado nos direitos humanos e fundamentais, a Unasul se preocupou com a questão migratória, pois a presença de imigrantes irregulares gera vulnerabilidade e exploração, e esta defende o direito à migração com respeito aos direitos humanos e da construção da cidadania sulamericana, previsto no artigo 3.º do Tratado Constitutivo da Unasul: Artigo 3.º: Objetivos Específicos i) la consolidación de una identidad suramericana a través del reconocimiento progresivo de derechos a los nacionales de um Estado Miembro residentes en cualquiera de los otros Estados Miembros, con el fin de alcanzar uma ciudadanía suramericana. j) el acceso universal a la seguridad social y los serviços de salud; k) la cooperación em matéria de migración, com enfoque integral, bajo el respeto irrrestricto de los derechos humanos y laborales para la regularización migratoria y la armonización de políticas.

Conforme o exposto, a identidade sul-americana visa a igualdade entre a população residente nos países membros, bem como prevê a proteção de direitos previdenciários e trabalhistas sob a perspectiva dos direitos humanos, prevendo uma harmonização legislativa e política no âmbito da imigração, passo importante para resguardar os direitos dos trabalhadores imigrantes nos países sul-americanos. Ainda no que se refere o objetivo da Unasul, os professores Daniela Cademartori e Sérgio Cademartori (2014. p.1137) elencam os objetivos propostos: (...) desenvolvimento social e humano com equidade e inclusão a fim de erradicar a pobreza e superar as desigualdades regionais, educação de qualidade com acesso universal, fim do analfabetismo, proteção da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos ecossistemas, integração energética, consolidação de uma identidade com o objetivo de alcançar a cidadania sul-americana, universalidade da seguridade social e dos serviços de saúde, cooperação entre autoridades judiciais, bem como o intercambio de experiências em matérias de defesa.

Diante dos objetivos elencados acima, verifica-se o compromisso da Unasul em efetivar os direitos humanos como erradicar a pobreza e desigualdades sociais, acesso a saúde e educação, além da mobilidade migratória já mencionada através da criação da cidadania sul-americana, pois os imigrantes UNASUL. Disponível em: . Acesso em 20 de agosto de 2015. 7

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são sujeitos de direitos independentes do seus estado imigratório, sendo necessário implantar medidas efetivas que resguardem a igualdade de direitos em relação aos nacionais, para possam ter uma vida e trabalho dignos. Considerações finais Diante do exposto no presente trabalho, pode-se verificar a importância da luta pelos direitos humanos no decorrer da história, tendo em vista que os direitos humanos que se tem hoje foram conquistados devido a um processo histórico com o objetivo de busca a dignidade da pessoa humana. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitos países adotaram em suas Constituições os princípios da Declaração, no entanto observa-se que a efetivação dos direitos humanos tem que ir além da positivação em documentos, pois o desrespeito aos direitos humanos ainda acontece apesar da previsão dos direitos fundamentais, sociais e humanos das Constituições e Convenções Internacionais. Ante o contexto histórico dos direitos humanos, o Mercosul também se preocupou em tratar o tema com a assinatura de diversos Tratados que confirmam o compromisso do bloco econômico com as diretrizes internacionais dos direitos humanos, no entanto o que constatou com a pesquisa que o Mercosul trouxe grandes conquistas na área migratória, no entanto muitos destes documentos são apenas diretrizes para os países membros, ou seja, estes documentos não têm força de lei, ou existe ineficiência na aplicação dessas. Um documento de suma importância do Mercosul é a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, que traz importantes diretrizes para os trabalhadores imigrantes e fronteiriços no bloco regional sob a perspectivas dos direitos humanos e fundamentais, que se devidamente efetivadas, seria um grande avanço para políticas imigratórias, tendo em vista que ainda existe um número muito grande de imigração irregular nos países membros. Ainda, o que distancia o tratamento igualitário de imigrantes e nacionais no Mercosul se deve a falta de harmonização da legislação, pois está distante da realidade, tendo em vista que cada Estado-Membro possui suas próprias legislações trabalhistas e se diferem uma das outras em diversos aspectos, sendo necessária uma integração das leis trabalhistas para uma regulamentação desse trabalhador que circula entre os países membros, afim de que as diretrizes propostas pelo Mercosul, efetivamente tenham força de lei. Neste contexto a Unasul surge como uma forte proposta da cidadania sul-americana que diante do Tratado Constitutivo, seria capaz de efetivar os direitos humanos dos imigrantes nos países membros, trazendo um tratamento igualitário para estes, diferente da realidade onde há um tratamento diferenciado para nacionais e estrangeiro, apesar da existência de diretrizes internacionais (OIT e ONU) e regionais (Mercosul). Acredita-se que a proposta da Unasul é significativa em busca de efetivar os direitos humanos na América do Sul, através da construção de uma cidadania sul-americana.

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RESUMOS

Resumo

A crise da identidade homossexual na América Latina: a consolidação dos direitos, proteção jurídica e inclusão social da comunidade gay sulamericana Amanda Castro Dantas Reginaldo Alves Lins de Araújo Neto

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o contemporâneo o amor mostra cada vez mais suas nuances, o ser humano possui o direito natural de amar, demonstrar e viver publicamente conforme sua orientação sexual e de gênero. As relações multidimensionais inerentes à globalização provocaram uma crise de

identidade; vivemos a transformação das identidades no espaço social, influenciadas pela modificação da própria estrutura social e as referências na construção da identidade (SEIXAS, 2008).

A

homossexualidade, ainda retratada como um tabu na América Latina fomenta a comunidade LGBTTT ser alvo de exclusão. Mas, a exclusão é mutável e a inclusão pode ser alcançada e planejada. Muitos Estados possuem indivíduos e grupos ostracizados, o foco aqui será o heterogêneo grupo dos LGBTTT, os desrespeitos aos direitos humanos e a não aceitação, assim como o reconhecimento dessas identidades de gêneros por parte dos Estados Latino Americanos ocasionam violações a direitos fundamentais e humanos. Será realizada uma abordagem ampla separada em três vertentes que são: a necessidade da proteção jurídica a esta comunidade, a necessidade de reconhecimento da identidade de gênero e a essencialidade de políticas públicas voltadas à proteção de direitos humanos. Pois acreditamos que, se faz necessário à proteção adequada por parte dos Estados Latinos Americana em vista das violências ocorridas e em prol da inclusão desta comunidade no espaço social. As literaturas nacionais, a cultura popular, a narrativa da nação leva à construção da identidade cultural do indivíduo (HALL, 2005 apud SEIXAS, 2008). Todavia, é de extrema relevância evidenciar a América Latina, explorada por europeus e norte-americanos durante séculos, não mais submissa aos impérios hegemônicos (SEIXAS, 2008), possuidora de uma identidade cultural própria, na qual a comunidade gay não mais se ocultará. Para isso é necessário que além dos sistemas locais, onde cada Estado soberano desenvolve, é necessário que haja o fortalecimento dos sistemas regionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, assim como a cooperação entre Estados, OIG e ONG, mas baseada em direitos, com políticas de proteção, a adoção de teorias como a três As três Vertentes de proteção da pessoa humana (TRINDADE, 1996); reconhecendo assim os direitos fundamentais dessa comunidade e novos tipos de família (LOBO, 2002, DIAS,2010; BARROSO,2013; PIOVESAN, NEVES, 2014) a proteção por via cruzamento de assuntos (BETTS, 2009); e o respeito aos direitos fundamentais e aos tratados de direitos humanos, refletir sobre esse assunto é pensar sobre a responsabilidade do Estado e sobre a própria democracia na América Latina.

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Resumo

Solução de Controvérsias no Mercosul: uma análise sobre o Tribunal Arbitral Verônica Chaves Salustiano

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presente artigo pretende analisar os meios disponíveis de solução de controvérsias no Mercosul. Com tal propósito, buscará detalhar as previsões do protocolo de arbitragem, bem como, dar destaque às decisões contemporâneas. Pretende-se compreender se a colisão

do bloco, incluindo a aproximação comercial entre todos, depende também da credibilidade e confiança atribuída aos seus meios de solução de controvérsias. Definirá todo o sistema de solução de controvérsias no âmbito do Mercosul, partindo da análise do Protocolo de Brasília até a análise do Protocolo de Olivos. Delineará a organização do Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul, no marco do Protocolo de Brasília. Apresentar-se-á uma síntese do direito aplicado pelo Tribunal Arbitral, fazendo menções às controvérsias tramitadas no marco do Protocolo de Olivos. Ao final, em considerações finais, tecer-se-ão conclusões acerca de sua efetividade.

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Resumo

Começa a acção da justiça, cessa a acção da polícia: as Faculdades de Direito e a Reforma Judiciária de 1871 Gabriel Souza Cerqueira

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ste trabalho enfoca a cultura jurídica e a formulação e execução de projetos de reforma no Brasil a partir da análise dos debates ocorridos no Parlamento Brasileiro entre nos primeiros anos da década de 1870. A circulação de ideias e apropriação cultural é observada através dos

debates em torno da Reforma judiciária de 1871. Um dos pilares desta reforma constitui-se na definição de funções de polícia e de justiça, separadamente. Instituindo por sua vez, como maior inovação no sistema jurídico brasileiro, o inquérito policial. Nesse sentido a reforma de 1871 representa uma tentativa de criação de uma instituição judiciaria moderna, com uma compreensão distinta das funções de julgar e a introdução de uma outra estrutura administrativa pra justiça e polícia. O que nos permite pensar, também, como o iluminismo penal foi apropriado no pensamento no Brasil. Vamos cotejar a posição dos parlamentares mais envolvidos no debate com suas formações acadêmicas, em especial àqueles formados nas Faculdades de Direito de Recife/Olinda e São Paulo. Compreender a formação do campo do direito no Brasil é fundamental para observar as relações entre cultura jurídica e cultura política no país. A intelectualidade das Faculdades de Direito de Recife/Olinda e São Paulo formam os profissionais do direito, além de intelectuais de outras áreas como jornalistas, historiadores, sociólogos, estudiosos da criminologia. Gizlene Neder demonstra a apropriação de ideias, na perspectiva de longa duração na cultura jurídica brasileira a partir das reformas ocorridas na Universidade Coimbra durante o período pombalino. Segundo a autora tais reformas resultam em um processo de superação e/ou permanência de preceitos aristotélicos-tomistas (jesuitismo) no pensamento jurídico português. De modo que a grande influencia da reforma na Universidade de Coimbra sobre criação dos cursos jurídicos no Brasil (1827) expõe as relações transversais (e até mesmo difusas) entre cultura jurídica e cultura religiosa na produção das ideias jurídicas a intelectualidade brasileira, e assim na formação de uma cultura política brasileira. Tal reflexão é fundamental para entender a dinâmica politica que leva à reforma judiciária de 1871. De modo que procuraremos também, analisar as tradições específicas de ambas as escolas. Não é demais lembrar que, em 1871, o movimento que viria a ser reconhecido como Escola de Recife estava em pelo crescimento. Temos em mente que essas discussões podem levantar alguns pontos importantes para a história das práticas judiciais e policiais de controle social e das práticas ideológicas que as sustentam no tempo presente.

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Direito à Identidade Cultural dos povos indígenas no Brasil Joselaine Dias de Lima Silva

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este artigo pretende-se mediante uma pesquisa bibliográfica, expor a importância de respeitar e reconhecer à identidade cultural dos povos indígenas, mostrando sem exaurir o tema, o que vem a ser o direito a Identidade Cultural e os avanços ocorridos na garantia desses

direitos, com argumentações que abarcam a legislação pertinente, a necessidade de autodeterminação destes povos, e os desafios e lutas em favor da permanência e manutenção do direito, propõe-se analisar se as Leis asseguram este direito e como asseguram. A identidade cultural será apresentada como um produto em constante mudança, e sofre alternância de acordo com a relação entre a comunidade e elementos externos, sem que com isso deixe de ser algo intrínseco ao ser humano. A intenção é apresentar o tema focando na necessidade de que se faça cumprir a lei e com isso os povos indígenas tenham o direito a terra, cultura e vida social, para que assim, sua identidade seja preservada e possam exercer seus direitos e deveres em um Estado democrático de direito.

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Resumo

Identidade e cidadania sul-americana: como construir o sul-americano a partir de uma política migratória baseada nos direitos humanos

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Flavia Guerra Cavalcanti m 29 de novembro de 2012, a Unasul determinou que o processo de construção da cidadania sul-americana, previsto em seu Tratado constitutivo, deve ser iniciado a partir da dimensão migratória. O documento indica os mecanismos que poderão ser utilizados para tal fim, tal

como a ampliação de acordos regionais, subregionais e bilaterais, tendo em conta a normatividade interna de cada Estado membro. Este artigo propõe uma discussão sobre o significado de uma cidadania sulamericana e sua relação com os direitos humanos e as migrações. Como conciliar a particularidade sulamericana com o universalismo dos direitos humanos? Se defendemos, com base nos direitos humanos, uma cidadania mais ampla do que a nacional, que argumentos devemos utilizar para justificar o fato de que ela deveria se limitar aos migrantes sul-americanos? Entre a cidadania nacional e a global, ficamos com o meio-termo: a sul-americana. Mas, como sustentar moralmente que a ampliação da cidadania envolve, ao mesmo tempo, a sua limitação? Como aceitar que a inclusão exige também uma exclusão? A partir de uma abordagem crítica das relações internacionais, podemos questionar a visão tradicional sobre a identidade, segundo a qual esta se constroi inexoravelmente por oposição a um “Outro”. Nesta abordagem, “ser sul-americano” significaria se opor a outras identidades. No entanto, a construção da identidade não precisa ocorrer necessariamente por exclusão do outro. De acordo com Felix Berenskoetter (2007), é possível construir a própria identidade sem depender de práticas que constroem o Outro como inimigo. Já autores como Rumelili (2004) e Hansen (2006) apontam que existem várias formas e graus de constituição do “Outro”. Desta forma, a partir do marco teórico pós-estruturalista, é possível pensar na construção de uma identidade e uma cidadania sul-americanas que não signifiquem a exclusão do Outro não-sul-americano: o migrante haitiano, senegalês ou palestino, para citar alguns. Se a proposta de cidadania sul-americana tem por base os direitos humanos, então estes também devem se aplicar ao Outro em relação ao qual a cidadania sul-americana se constitui.

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Resumo

Oliveira Vianna e a imigração de 3.000 chineses para o Brasil na década de 1930: pontos de inflexão para a análise do pensamento vianniano

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Felipe Fontana liveira Vianna é um relevante expoente do Pensamento Político Brasileiro e é justamente por isso que encontramos um conjunto riquíssimo de estudos que buscam esmiuçar determinadas questões de seu pensamento ou compreender as raízes do mesmo. No

entanto, se há certa facilidade em localizar trabalhos dedicados à revista do autor e de sua teoria, o mesmo não ocorre quando o nosso interesse é o de investigar, por meio dos relatórios e pareceres técnicos produzidos por Vianna, a especificidade do trabalho político desenvolvido por ele entre os anos de 1932 e 1940. Nessa direção, este estudo apresentará pontualmente as posições de Oliveira Vianna acerca da introdução de 3.000 chineses no Brasil que, por sua vez, estão dispostas em um parecer técnico encaminhado por ele – através do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – ao Ministério das Relações Exteriores. A realização de tal tarefa nos auxilia tanto na complexificação de algumas interpretações sobre o pensamento vianniano, quanto para dimensionarmos parte da especificidade de seu trabalho como statemaker. De modo geral, encontramos nesse parecer uma clara intersecção entre o Oliveira Vianna intelectual e o Oliveira Vianna consultor jurídico (homem público com claras inclinações ao trabalho circunscrito à atividade de constituir leis e de fiscalizar a aplicação das mesmas). Sendo assim, apesar de observar algumas resistências à vinda destes chineses ao Brasil que coadunam com o seu pensamento (por exemplo, a ampliação da desintegração social, cultural e política de nosso país), Vianna não realiza um parecer desfavorável à entrada destes trabalhadores estrangeiros no Brasil. De modo prático, realizaremos esse estudo através de uma análise densa do parecer intitulado “O que propõe o Sr. Consul Chinês sobre a introdução em nosso país de 3.000 chineses”. Posteriormente, construiremos comparações entre o conteúdo encontrado neste material e determinadas ideias presentes no pensamento vianniano. As obras de Vianna consultadas por nós serão: Populações Meridionais do Brasil (1922), Raça e Assimilação (1932), Instituição Políticas Brasileiras (1949) e Problemas de Organização e Problemas de Direção (1952); ou seja, os estudos de Vianna circunscritos ao período anterior, posterior e concomitante ao qual ele estava exercendo suas funções públicas. Por fim, vale destacar que este estudo liga-se à necessidade de se inflexionar e complexificar algumas interpretações acerca do pensamento vianniano que, por muito tempo, buscaram classificá-lo exclusivamente como autoritário e com pré-disposições antidemocráticas.

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Resumo

Uma análise dos direitos humanos e da integração regional a partir do projeto da Unasul

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Raquel Paz dos Santos presente estudo analisa a questão dos Direitos Humanos a partir do projeto de constituição da União Sul-Americana de Nações (Unasul), criada em 2008. Fruto de um longo processo que expressa continuidade a diferentes estruturas de integração, a novidade da Unasul é que

pretende passar de instâncias direcionadas principalmente ao intercâmbio comercial, como são os casos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Comunidade Andina de Nações (CAN), a um processo de integração mais amplo dos Estados da América do Sul. Neste sentido, um dos aspectos mais importantes observados no tratado de sua constituição está a ênfase dada aos temas da cidadania e dos direitos humanos. Desta forma, analisaremos a possibilidade de a Unasul contribuir para a criação de uma cidadania pós-nacional, capaz de fazer face aos efeitos indesejáveis do processo de globalização econômica, contribuindo assim para uma de uma instância com um viés mais democrático e aberto a participação dos diferentes movimentos sociais e outros setores da sociedade civil dos países da região.

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Políticas Sociais para a Integração Regional

ARTIGOS

Configuração de políticas sociais em processos de integração alternativos: uma análise das Misiones Sociales no âmbito da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) Mariana Davi Ferreira1 Introdução

A

América Latina é uma região que vem passando por transformações políticas e econômicas significativas no limiar do século XXI, a partir de movimentações de diferentes atores que apontam para a busca por maior autonomia para a região. Este contexto se dá entre os anos

finais da década de 1990 e início dos anos 2000, quando as consequências dos ajustes começam a produzir efeitos cumulativos e progressivos de desgaste dos governos neoliberais. Com a perda de legitimidade desses governos, inicia-se um processo de inflexões que se centram em torno do questionamento da agenda neoliberal. Esta reorientação política da região emerge com a retomada da força das organizações e partidos políticos de esquerda, com as lutas dos movimentos sociais, que dão uma dinâmica de construção de suas pautas de luta em nível regional2 e, no plano institucional, com a eleição de chefes de Estado de cunho progressista em alguns países da região3. Nos Estados nos quais ocorreu a emergência desse novo perfil de lideranças políticas latinoamericanas, há mudanças no que tange ao perfil da política externa e, por consequência, às dinâmicas dos processos de integração regional. Tal inflexão concerne ao fomento de novos processos de integração que possuem sua centralidade na agenda política (como a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América - Alba, a União das Nações Sul-Americanas - Unasul e a Comunidade de Estados LatinoAmericanos e Caribenhos - Celac) em detrimento do perfil eminentemente econômico que a integração latino-americana possuía nos anos 1990, denominado como regionalismo aberto (CEPAL, 1994). Na configuração desses novos processos integração regional, visualiza-se na experiência da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América4 um contraponto nítido ao regionalismo aberto. A

Estudante bolsista (CAPES) de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGRI/UFSC); graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). 2 A articulação dos movimentos sociais a nível regional é visível na Via Campesina e na Articulação de Movimentos Sociais da ALBA. A Via Campesina definida como o movimento internacional que agrupa milhões de campesinos e campesinas, pequenos e médios produtores, povos sem terra, indígenas, migrantes e trabalhadores agrícolas de todo o mundo, defendendo a agricultura sustentável em pequena escala como um modo de promover a justiça social e a dignidade. Para maiores detalhes sobre a Via Campesina ver < http://viacampesina.org/es>. E a Articulação de Movimentos Sociais da ALBA definida como “una propuesta de integración continental antiimperialista, antineoliberal y antipatriarcal, impulsada por movimientos de base social organizada y con capacidad de movilización popular, que luchan por la igualdad, la libertad y una auténtica emancipación de la región” In: < http://www.albamovimientos.org/%C2%BFque-es/> Acesso em 21 out. 2014. 3 Lideranças como Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Néstor Kirchner na Argentina, José Mujica no Uruguai e Lula no Brasil, demonstram o questionamento aos ditames neoliberais (ao menos em suas agendas de governo iniciais). Importante frisar que os chefes de Estado possuem atuações diferenciadas, que pautam desde o “Socialismo do século XXI” (Chávez, na Venezuela) até posturas consideradas de centro-esquerda por alguns autores (Lula e Dilma, no Brasil). 4 Em 2004, a proposta da ALBA é pautada pelo presidente Hugo Chávez em contraponto a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em um momento político no qual o embate em relação à proposta da ALCA era latente. 1

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agenda da Alba contempla temas relacionados à educação, saúde, comunicação, questão energética. Não há negação da integração econômica, entretanto há uma ampliação da agenda com a inserção de temas que nos anos 1990 não possuíam centralidade nos processos de integração regional. No âmbito da ALBA destaca-se o desenvolvimento de políticas sociais em nível regional. Neste trabalho, analisaremos o caso da internacionalização da Misión Milagro, voltada para o tratamento de problemas de visão em um processo de cooperação entre Cuba e Venezuela. Para tal, partimos da Teoria Social Crítica, que concebe a constituição das relações sociais a partir do antagonismo permanente entre capital e trabalho. Essa perspectiva demanda a análise dos processos sociais em sua totalidade, compreendendo que o processo social, ao configurar-se sob múltiplas determinações, conforma uma unidade contraditória. Neste ínterim, nosso esforço consiste em caracterizar, a partir dos elementos da crítica da economia política, o cenário no qual ocorre a internacionalização da Misión Milagro, visualizando o papel diferente que a política social (geralmente vista como focalizada e funcional ao capital) adquire na Venezuela durante o governo Chávez. Nosso foco é a compreensão desse processo no cerne de suas contradições, tendo em vista que o financiamento das Misiones Bolivarianas sucede dos recursos advindos da exportação de commodities, mas que em um espectro temporal de longo prazo é resultante do processo de reprimarização da pauta exportadora, que representa um aprofundamento do grau de dependência estrutural dessas economias latino-americanas. Esse cenário se inicia pós-1970, com o aceleramento da integração da América Latina à economia mundial, marcado por um novo padrão de reprodução do capital na periferia. Estruturalmente, a especialização produtiva com foco na pauta exportadora aumenta a subordinação das economias latinoamericanas ao mercado externo, aprofundando a condição dependente da relação centro-periferia que vigora na economia internacional. Por outro lado, mas ainda vinculado ao processo da reprimarização, no espectro temporal da conjuntura, entre 2003-07, o aumento da liquidez internacional e da demanda pelas commodities latino-americanas resultou em um cenário externo favorável (CARCANHOLO, 2011) para a periferia. A partir desses elementos, partimos da hipótese de que duas variáveis conjunturais permitiram a construção de um modelo de integração alternativo, como a ALBA, quais sejam: i) as variações da economia internacional que configuraram um cenário externo favorável junto ao ii) a mobilização das massas populares que culminou na ascensão de governos progressistas, possibilitando o direcionamento das divisas advindas da exportação de commodities para a construção de processos como a ALBA. Entretanto, como unidade contraditória, essa experiência alternativa se constrói em uma realidade periférica, que possui uma inserção subordinada à economia mundial a partir do papel que ocupa na divisão internacional do trabalho (DIT). Para aferir os elementos desse cenário, utilizaremos o quadro teórico-conceitual da Teoria Marxista da Dependência (TMD). Para tanto, apresentaremos algumas categorias da TMD, apresentando XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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a reprimarização como novo padrão de reprodução do capital. Em seguida, situamos o processo contraditório de reprimarização das economias latino-americanas, junto aos aspectos conjunturais que possibilitaram a emergência de experiências alternativas em alguns países da América Latina. Para, em síntese, analisar a experiência de internacionalização da Misión Milagro no âmbito da ALBA, a partir do caráter sui generis que as políticas sociais adquiriram nessa experiência. Capitalismo dependente na América Latina O desenvolvimento histórico do capitalismo não se deu de modo homogêneo ou linear. “La historia del subdesarollo latinoamericano es la historia del desarrollo del sistema capitalista mundial”. Marini inicia sua obra Subdesarrollo y revolución (1970, p. 03) com essa afirmação que nos faz perceber a ligação entre a formação sociohistórica da América Latina e sua situação de dependência como parte essencial da expansão do capitalismo mundial. Isso porque a exploração da riqueza do subcontinente latino-americano, por meio da expansão europeia, foi fundamental para o processo de acumulação primitiva do capital. Para que a crescente tendência de universalização do modo de produção capitalista se consolidasse, foi funcional o processo de colonização do território que hoje conforma a América Latina. Isso ocorreu através do processo violento de expropriação das riquezas, por meio da rapina, da violência, da usurpação e da espoliação, contribuindo para a consolidação do modo de produção capitalista. Marx (2002) expõe de maneira objetiva - no capítulo XXIV d’O Capital - A chamada acumulação primitiva - o papel essencial da colonização do “Novo Mundo”, para a consolidação do modo de produção capitalista por meio da acumulação primitiva: [...] As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista. Estes processos idílicos são fatores fundamentais da acumulação primitiva. (MARX, 2002, p. 684).

Assim, verificam-se na expansão do modo de produção capitalista (da acumulação primitiva à etapa da financeirização na fase monopolista do capitalismo), processos de readequação das economias latino-americanas às demandas do mercado mundial. As economias dependentes respondem, ajustandose de forma periódica, à lógica interna da dinâmica da acumulação, que a partir de sua fase imperialista, as incorpora e transfigura periodicamente suas relações sociais de produção. Neste sentido, a síntese construída pela TMD5 sobre o subdesenvolvimento latino-americano tem As formulações que resultaram na TMD tomaram fôlego a partir de duas críticas na seara política na década de 1960/70: por um lado, a rejeição às teses desenvolvimentistas defendidas pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e, por outro, as duras críticas feitas ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Para a CEPAL, um elemento como a pobreza, por exemplo, poderia ser superado com o amplo desenvolvimento industrial e com o efetivo dinamismo do mercado 5

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como centralidade na análise que: 1º) o subdesenvolvimento é parte constitutiva da dinâmica capitalista e, portanto, é estrutural e insuperável nos marcos da lógica do capitalismo; 2º) a categoria particularidade é central ao entendimento da formação social latino-americana, que possui um capitalismo sui generis. Essa particularidade latino-americana se deve ao papel funcional que a América Latina exerce ao processo de acumulação dos países centrais, desde a supracitada acumulação primitiva. Ou seja, as economias dependentes latino-americanas se configuram, historicamente, a partir de um padrão exportador em conformidade com a dinâmica do capitalismo internacional. Nesse ínterim, a divisão internacional do trabalho formaliza a dependência. Esse conceito é definido por Marini (2005, p. 141) como “uma forma de subordinação entre nações independentes, em cujo marco as relações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência”. O conceito de transferência de valor6 perpassa todas as fases da dependência e se materializa na transferência de parte do valor que é produzida na periferia para ser realizada no centro (CARCANHOLO, 2013). Na proporção em que se transfere valor da periferia para o centro se estabelece uma cisão no ciclo de reprodução do capital latino-americano, comprometendo o processo de acumulação nas periferias (MARINI, 2005). Nesse sentido, com o intercâmbio desigual junto aos mecanismos de transferência de valor (saída estrutural de recursos, por meio de remessas de lucros, dividendos, royalties e pagamentos de juros), um mecanismo de compensação precisa ser introduzido para sanar essa interrupção da acumulação interna de capital. Isso se dá pelo aumento da produção de excedente, por meio da superexploração da força de trabalho. Perante o baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas na economia dependente, se forjam diferentes mecanismos de aumento da exploração da força de trabalho, quais sejam: i) a intensificação do trabalho, ii) a prolongação da jornada de trabalho e a iii) expropriação da parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho. (MARINI, 2005, p. 156). A superexploração da força de trabalho traz implicações concretas para a população desses países: graves consequências sociais da distribuição regressiva de renda e riqueza. (CARCANHOLO, 2011). Essas implicações se expressam no nível de desigualdade e de concentração da renda e da riqueza na América Latina, implicando condições de vida ainda mais degradantes para as classes trabalhadoras dos países dependentes.

interno. Já o PCB, influenciado pelas análises eurocêntricas do stalinismo e sustentado no mito da “burguesia nacional”, avaliava que a revolução burguesa nos moldes das clássicas Revoluções Burguesas que ocorreram na Europa, seria uma etapa necessária para a revolução proletária no Brasil. 6“A lei do valor, no plano da economia mundial, implicaria que economias que possuem capitais com produtividade abaixo da média mundial tenderiam a produzir mais valor (valor individual mais elevado por conta da menor produtividade na produção da mercadoria em questão) do que realmente conseguem se apropriar (uma vez que a venda tende a se dar pelo valor de mercado, isto é, pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a produção da mercadoria, que inclui também os capitais que produzem com maior produtividade, ou seja, com valor individual menor). Este desnível na produtividade de mercadorias que são produzidas tanto em uma (economia central) quanto em outra (economia dependente) permite um primeiro mecanismo de transferência de mais-valia produzida na última que é apropriada/acumulada na primeira” (CARCANHOLO; SALUDJIAN, 2014, p. 5).

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Entre 1940 e 1970, o padrão industrial se constituiu nas principais economias da América Latina de maneira diversificada. Entretanto, ao considerar que esse momento equivale a uma nova divisão internacional do trabalho, Marini (2005, p. 175) destaca que “são transferidas para os países dependentes etapas inferiores da produção industrial, sendo reservadas para os centros imperialistas as etapas mais avançadas e o monopólio da tecnologia correspondente”. A industrialização, que deveria configurar um avanço no sentido do caminho para a superação da dependência, representa uma reconfiguração dos traços da dependência estrutural. A etapa seguinte, que configura a inserção dependente, consolida-se com o desenvolvimento do processo de financeirização do capitalismo monopolista, a partir dos anos 1970. Assim, há na América Latina, a retomada do padrão exportador de especialização produtiva, com base na exportação de commodities para o mercado mundial, tornando-se a tendência predominante nas economias dependentes. Contudo, é necessário assinalar que esse novo padrão se diferencia do padrão agromineiro exportador, vigente no século XX, porque os novos bens de exportação exigem um maior grau de elaboração industrial (OSÓRIO, 2012). É sobre esse momento histórico da dependência que se encontra o processo aqui analisado. A realidade do subdesenvolvimento venezuelano apresenta particularidades por tratar-se de uma economia rentista, mas se insere nessa dinâmica, tendo como principal pauta exportadora o petróleo7. Como citado na introdução, o momento histórico aqui analisado inicia-se - mais especificamente entre 2003 e 2007 – com a configuração de um cenário externo economicamente favorável para as economias periféricas, com o aumento dos preços e da demanda pelas commodities latino-americanas – a partir de fatores como o crescimento da economia chinesa (CARCANHOLO; SALUDJIAN, 2014). Entretanto, esse crescimento conjuntural apresenta limites diante da falta de diversificação produtiva da economia venezuelana, demonstrando a configuração da dependência como fator estrutural da sua formação histórica. Neste sentido, também o financiamento de políticas sociais (em nível doméstico e regional) apresenta essa dependência conjuntural. As contradições da dependência latino-americana: cenário externo favorável e construção de alternativas Partimos da compreensão de que a variação na conjuntura econômica internacional influencia na margem de manobra das economias dependentes sobre os condicionantes estruturais da dependência.

Segundo dados do Trade Map, há uma tendência ascendente da participação de combustíveis minerais no valor conjunto das exportações venezuelanas entre 2004 e 2012. Isso demonstra uma tendência crescente à dependência do petróleo como principal pauta exportadora venezuelana. Em 2004, o petróleo correspondeu 83,43% das exportações do país, em 2005 87,83%, em 2006 92,56%, em 2007 92,45%, em 2008 93,68%, em 2009 95,85%, em 2010 93,4%, em 2011 97,07%, chegando em 2012 a compor 98,46% da pauta exportadora. 7

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Como dito na introdução, os fatores i) da conjuntura econômica e ii) da correlação das forças sociais incidem sobre a construção de uma integração regional alternativa, por meio desses Estados dependentes. Neste sentido, frente às contradições que vigoram nos processos, durante uma determinada conjuntura os fatores da economia internacional podem garantir uma margem de manobra às economias dependentes, conformando um “contexto externo favorável”, diminuindo a vulnerabilidade externa conjuntural destas. Isso porque, “justaposto aos condicionantes estruturais da dependência8 está o contexto internacional” (CARCANHOLO, 2011, p. 250) que aponta condições importantes para o impulso ou estagnação à construção de processos de alternativas nos países periféricos. Assim, em nossa hipótese, os elementos conjunturais da economia internacional balizam a margem de manobra das economias dependentes, incidindo sobre a construção de projetos nacionais de teor democrático-popular e projetos de integração regional de cunho alternativo. Em um “contexto externo favorável”, há margem de manobra para o fomento de processos como a ALBA. Enquanto, em momentos de “contexto externo desfavorável”, esses passam por dificuldades para prosseguir. As variações conjunturais da economia internacional que incidem sobre a conformação de um cenário externo favorável são: (a) Expansão ou retração da economia mundial: que dá as possibilidades de mercados externos para os produtos exportados pelas economias dependentes, definindo as condições de realização do valor produzido pela economia dependente no mercado mundial (CARCANHOLO, 2011). a.1 Expansão da economia mundial resulta em maior demanda pelas exportações das economias periféricas. a.2 Retração da economia mundial resulta em diminuição da demanda pelas exportações das economias periféricas. (b) Alta ou baixa do ciclo de liquidez internacional: que define o volume de capitais externos disponível no cenário internacional passível de ser atraído para as economias dependentes a fim de financiar os problemas estruturais de contas externas, assim como o preço (taxa de juros) necessário para essa atração (CARCANHOLO, 2011). b.1 Alta do ciclo de liquidez internacional aumenta a disponibilidade de crédito nos mercados internacionais, com taxas de juros reduzidas. b.2 Diminuição da oferta de crédito internacional. Os indicadores podem ser enxergados em dois momentos distintos, no surgimento da ALBATCP, no qual as economias latino-americanas possuíam uma margem de manobra maior, em um “cenário externo favorável” (2003-07), período que antecede a crise financeira internacional. E, no atual momento, no qual o “cenário externo desfavorável” (2013 – atual) impõe uma série de dificuldades para o 8

Centrado na troca desigual e na superexploração da força de trabalho.

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prosseguimento do processo, que devem ser mensurados ao longo da pesquisa, diante da contemporaneidade dos fatos9. No primeiro momento, a alta demanda pelas commodities (produtos primários) latino-americanas, principalmente pelo crescimento da economia chinesa, e de alta liquidez internacional, convergia para um momento externo favorável às economias dependentes. Neste sentido, quando vigoram as características a.1 e b.1, há um [...] contexto internacional favorável, ainda que continuem operando os condicionantes estruturais da dependência, existe certa margem de manobra para as economias dependentes. O mesmo não pode ser dito quando o contexto internacional é desfavorável. Neste, os problemas estruturais se manifestam nos indicadores de vulnerabilidade externa das economias (CARCANHOLO, 2011, p. 102).

O cenário externo favorável ocorre a partir dos indicadores supracitados. A alta no ciclo de liquidez permite a entrada de capital externo nas economias domésticas. E, com grande fator derivado do crescimento na economia chinesa, o aumento da demanda pelas commodities que compõem a pauta de exportação da América Latina. O aumento das reservas internacionais das economias dependentes nesse período é expressivo. O estoque de reservas internacionais de sete países latino-americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela) sai de 80 bilhões de dólares em 2000 para 89 bilhões em 2003, chegando em 2007, ele chegou a US$ 275 bilhões. (CARCANHOLO, 2011, p. 263). Essas mudanças estão ligadas a grande relevância que a China passa a apresentar na economia internacional e as demandas chinesas resultam em um mercado essencial para as exportações latinoamericanas nesse momento. Martins (2008, p. 118) cita que “a demanda por matérias-primas e bens de consumo básicos e bens de consumo básicos, eleva os termos de troca em favor dos produtos primários”. Entre 2003 e 2007, a América Latina acumula um ingresso de US$ 115,5 bilhões de dólares na balança de transações correntes, inédito desde 1950. Para além da grande entrada de dinheiro enviado por latinoamericanos que vivem em países de economias centrais. (MARTINS, 2008). Esses fatores anticíclicos contribuíram para um momento de crescimento econômico conjuntural, que gerou uma ‘margem de manobra’ para a introdução de políticas de combate à pobreza e tentativa de inserção internacional autônoma de alguns países latino-americanos, por meio da construção de iniciativas no âmbito regional: como a criação do Banco do Sul, a constituição da ALBA-TCP, a Celac, entre outras. A principal experiência impulsionada por essa conjuntura econômica favorável pode ser observada nas experiências vivenciadas pela população dos países da América Andina (Equador, Venezuela e Bolívia). Gonçalves et. al. (2008) cita que a fase ascendente do ciclo econômico, iniciada em 2003, com o preço elevado dos hidrocarbonetos, favoreceu esses países que vêm buscando “implementar políticas que levem à reconfiguração dos seus padrões de inserção econômica internacional, mais Queda do preço das commodities, em particular a brusca queda dos preços do petróleo que influencia nas receitas do principal provedor da ALBA-TCP, a Venezuela. As vendas petrolíferas representam 96% das exportações venezuelanas. 9

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especificamente, à redução da vulnerabilidade externa estrutural” (2008, p.15). Essas políticas são o processo de nacionalização e estatização do gás boliviano, a estatização da Petróleos de Venezuela, Sociedade Anônima (PDVSA) na Venezuela, a auditoria cidadã da dívida equatoriana e, por fim, a tentativa de construção de um projeto latino-americanista por esses países, por meio do estímulo à integração regional10. As experiências vivenciadas por esses três países são as que mais apontam para a centralidade das brechas conjunturais para a construção desses projetos. A possibilidade do fomento de políticas alternativas na América Latina se constrói, então, com uma grande margem de dependência conjuntural. Na próxima seção analisaremos como a unidade contraditória que constitui os processos sociais também está presente na construção das políticas sociais em esfera regional, no âmbito da ALBA, que se desenvolve no contexto da dependência conjuntural supracitada. Regionalização de políticas sociais: o caso da Misión Milagro A leitura da Teoria Social Crítica sobre as políticas sociais as concebe a partir da configuração do processo social como unidade contraditória. Dessa forma, de um lado, as políticas sociais constituem um instrumento de controle das relações sociais de produção por parte do Estado. Com a concessão de alguns direitos sociais às classes trabalhadoras, a política social constitui-se como mediação do permanente conflito entre capital e trabalho. Estando dentro dos limites da institucionalidade do Estado burguês, essas políticas não possibilitam por fim ao estatuto da propriedade privada, o locus do modo de produção capitalista. Por outro lado, ao mesmo tempo em que se visualiza a sua funcionalidade à reprodução da força de trabalho, constituindo-se enquanto unidade contraditória, a política social é resultante do acirramento da luta do trabalho pela expansão e consolidação dos direitos sociais. Assim, a dinâmica da luta de classes também é determinante na ampliação ou retração das políticas sociais como efetivação de direitos da classe trabalhadora (OURIQUES, PAIVA, 2009). A análise da regionalização das Misiones Sociales, a partir do caso da Misión Milagro exige a compreensão das determinações da dependência sobre a configuração das políticas sociais nos países latino-americanos. Essa dimensão particulariza o enfrentamento da questão social e a consolidação dos direitos sociais. Nos países centrais, o excedente é realizado em âmbito nacional e o fomento de políticas sociais consiste em manter os esquemas de coesão social, garantindo um mercado interno no qual o excedente possa ser realizado. Para tal, é necessário que a classe trabalhadora esteja inserida como consumidora no

Gonçalves et al. (2008, p. 16) aponta que esses três países vem adotando medidas de apoio econômico mútuo, no qual a Venezuela tem funcionado como um ‘banco central informal’, se dispondo a compra de títulos das dividas públicas nacionais dos países da região, pela suas reservas elevados, que em 2006 datavam 36 bilhões de dólares. 10

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mercado interno, sendo necessária a manutenção de níveis de salário que possibilitem o consumo (OURIQUES, PAIVA, 2009). Já nos países dependentes, a particularidade da nossa posição na Divisão Internacional do Trabalho, faz com que não necessitamos um mercado interno consolidado. Isso porque, a realização do valor produzido nos países latino-americanos depende da dinâmica do mercado mundial e não da capacidade de realização no âmbito doméstico. Com a necessidade da superexploração da força de trabalho para a continuidade do processo de acumulação nos países dependentes, há um agravamento das condições da classe trabalhadora. As implicações para a população desses países são graves consequências sociais da distribuição regressiva de renda e riqueza (CARCANHOLO, 2012). Estas consequências se expressam no nível de desigualdade e de concentração da renda e da riqueza na América Latina, implicando condições de vida ainda mais agravantes para as classes trabalhadoras dos países dependentes. Neste sentido, nos países dependentes, as políticas sociais apresentam de maneira ainda mais latente a dimensão de serem resultantes da luta do proletariado por direitos pelo acirramento da luta de classes. Sendo as políticas sociais financiadas a partir do excedente econômico (lucro) por meio da gerência do Estado - na particularidade das economias dependentes, nas quais parte do excedente é realizado nos países centrais (por meio da transferência de valor) - a luta pela ampliação dos direitos sociais, no seu sentido emancipatório, requer a luta pelo controle estatal do excedente econômico. No caso venezuelano, o excedente econômico resultante da exportação do petróleo, antes da eleição de Chávez (1998), estava nas mãos da elite internacional e, a partir da nacionalização da PDVSA, passa a ser gerido pelo Estado venezuelano, consolidando-se como um reflexo da luta de classes. Essas conquistas, entendidas como fruto do protagonismo das classes populares na construção da atual experiência venezuelana, conferem particularidade no formato das políticas sociais ali construídas e internacionalizadas por meio da ALBA. As Misiones Sociales adquirem um papel duplo: i) redução da pobreza e das desigualdades sociais fruto da formação sociohistórica do capitalismo dependente latinoamericano e; ii) fomento de uma nova práxis política, com as camadas populares à frente do debate sobre as necessidades da comunidade e o direcionamento da formulação de políticas públicas (OURIQUES; PAIVA, 2009, p. 136). Destarte, o processo vivenciado na Venezuela de reascenso da organização popular na luta por direitos e das experiências de governos populares, reconstrói o sentido da política social tradicionalmente configurada como instrumento de controle social. Segundo Ouriques e Paiva (2009, p. 134-5, grifo nosso): É por esta razão que governos como os dos presidentes Evo Morales ou Hugo Chávez encabeçaram o protesto popular e exigiram um novo patamar de política social, no qual a propriedade privada – inicialmente a estrangeira – e os recursos oriundos da propriedade estatal sobre recursos naturais configuram um novo ponto de partida para novas políticas sociais.

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Neste sentido, é importante compreender as nuances adquiridas pela política social desenvolvida no contexto particular do processo político vivido na Venezuela e no âmbito da Alba (pelo caráter da diplomacia de los pueblos que possui, configurando-se enquanto processo que visa integração mais que Estados, integrar os povos). Se compreendida a particularidade desses contextos, partimos da hipótese que o fim da internacionalização da política social (Misiones Sociales) para demais países da América Latina confere às políticas sociais um status de instrumento de transformação social que visa contribuir com a melhoria de vida da classe trabalhadora, e por consequência, no acúmulo para a sua organização enquanto classe. A inflexão que representa a eleição de Hugo Chávez consolida transformações no âmbito doméstico e externo. Assim como a nova Constituição de 1999 inaugurou uma série de transformações no que tange às políticas sociais, à garantia de direitos, à participação popular, também o faz em relação à política externa. Na esfera doméstico, as políticas sociais foram construídas por meio das Misiones Sociales se consolidam em diferentes âmbitos com o objetivo de solucionar problemas imediatos como saúde, educação, etc. Exemplos dessas missões são: i) a Missão Bairro Adentro, que em convênio com Cuba leva o atendimento médico a comunidades; ii) a Missão Robinson, no âmbito da educação tem como objetivo erradicar o analfabetismo; iii) Missão Mercal, que tem como objetivo tornar mais acessível o consumo de alimentos para a população; iv) Missão Piar, com o objetivo de fomentar a organização das classes populares para a construção de habitação e v) a Misión Milagro, que também consolida-se no âmbito da saúde. (LOPES, 2008). No que tange à política externa venezuelana, a nova Constituição dá ênfase sobre o respeito à soberania nacional, respeito aos tratados internacionais e ênfase à integração regional. No que tange aos processos de integração, uma maior relevância é dada à questão se comparados os artigos da Constituição de 1961 e da Constituição de 1999 sobre o tema. (OLIVEIRA, 2012). O distintivo se consolida no projeto de integração regional que passa a ser reivindicado pela retórica da política externa venezuelana. A principal marca desse projeto, com o uso estratégico do legado de Simón Bolívar, é em síntese a construção de uma integração alternativa que i) promova o comércio justo, a eliminação de assimetrias e buscando o equilíbrio entre as partes, ii) baseada na complementariedade, cooperação, solidariedade e reciprocidade; iii) respeito à soberania nacional; iv) exercício da “diplomacia dos povos”, buscando incorporação movimentos sociais como sujeitos da integração e; v) construção da autonomia financeira da região a partir de um “Sistema Financeiro do Sul”. (SANAHUJA, 2009, p. 26). Neste ínterim, a Venezuela protagoniza a proposta da ALBA-TCP11, que nasce em contraposição à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), projeto protagonizado pelos Estados Unidos, que propõe a formação de uma zona de livre comércio, tendo em seu marco o enfrentamento às políticas neoliberais. A proposta foi apresentada no ano de 2001 na III Cumbre de Jefes de Estado y de Gobierno de la 11A

Venezuela propõe a ALBA-TCP, como projeto regional da política externa venezuelana para a América Latina, demonstrando a possibilidade de recolocar no cenário político um projeto de integração latino-americana.

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Asociación de Estados del Caribe. Em 14 de dezembro de 2004 foi realizada em Havana, Cuba, a Primeira Cúpula da ALBA. Chávez e Fidel Castro firmam a Declaração Conjunta para sua criação, bem como o acordo de aplicação da ALBA. Atualmente, a ALBA é composta pelos seguintes países, que passaram a participar a partir dos anos indicados entre parêntese: Venezuela (2004), Cuba (2004), Bolívia (2006), Nicarágua (2007), Dominica (2008), Equador (2009), San Vicente y las Granadinas (2009), Antigua y Barbuda (2009) e Santa Lucia (2013). Em seus princípios consta que: El ALBA se sustenta en los principios de solidaridad, cooperación genuina y complementariedad entre nuestros países, en el aprovechamiento racional y en función del bienestar de nuestros pueblos, de sus recursos naturales -incluido su potencial energético-, en la formación integral del capital humano (V Cumbre del ALBA, 2007).

No sentido do aproveitamento racional dos recursos naturais em função do bem-estar dos povos é que desenvolve-se o processo de regionalização das Misiones Sociales12. Protagonizada pela política externa venezuelana, essa experiência de regionalização da política social configura-se a partir da criação da Comisión de Enlace para la Internacionalización de las Misiones Sociales (CEIMS)13 no Ministerio de Relaciones Exteriores da República Bolivariana da Venezuela, em 2005. Essa Comissão tem como função coordenar a expansão das Misiones Sociales para países da América Latina. A Misión Milagro, internacionalizada no âmbito da ALBA, corresponde a um programa social humanitário formulado pelos governos da Venezuela e de Cuba para atender a população que apresenta problemas de saúde referentes à visão (MINISTERIO DEL PODER POPULAR PARA RELACIONES EXTERIOES, 2015, [s.p.]). Desde sua criação a Misión Milagro atende 31 países da América Latina, tratando mais de um milhão de pacientes. Para além do tratamento médico em ampla escala, o trabalho desempenhado pela Misión Milagro possibilitou o fortalecimento da cooperação no âmbito da saúde entre os países da ALBA. Como resultado da regionalização dessa política social, médicos da Argentina, de Cuba, do Equador e da Venezuela se vincularam ao programa, com a participação de 500 médicos especialistas. (LA JORNADA, 2008, [s.p.]). Dessa forma, a regionalização das Misiones Sociales possibilitam a ampliação das pautas da agenda de integração regional latino-americana. Essa iniciativa indica a originalidade da ALBA em relação aos processos de integração tradicionais, que segundo Aponte (2014) configura-se nos princípios que norteiam a sua construção, ressignificando o papel da integração regional em diversas esferas. Considerações Finais Para além do caso aqui analisado, a ALBA possui outras iniciativas que apontam para a construção de um projeto alternativo, que expressa seu projeto como uma integração alternativa, como a Telesur, os proyectos de las grannacionales (PG) e as empresas grannacionales (EG), da Petrocaribe e do Banco do Sul. 13 Segundo a seção “Quem somos” do sítio da CEIMS, sua missão é “oferecer aos organismos encarregados de coordenar as Missões Sociais em nível nacional o conhecimento, as capacidades e apoio técnico necessário, para que, dentro do marco das competências próprias do Ministério do Poder Popular para Relações Internacionais, e através das Missões no exterior, se execute o processo de internacionalização das Missões Sociais com êxito”. (MINISTERIO DEL PODER POPULAR PARA RELACIONES EXTERIOES, s/p, s/d, tradução nossa). Disponível em: http://ceims.mppre.gob.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=522&Itemid=27. Acesso em 25 ago. 2015. 12

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Como a condição de dependência se constitui como estrutural, a regionalização das políticas sociais e as demais experiências desenvolvidas no âmbito da ALBA apresentam riscos e debilidades. A demanda chinesa caracteriza-se como o principal fator conjuntural e de riscos, pois grande parte da exportação das commodities está destinada ao mercado chinês. A partir da hipótese apresentada, em um cenário externo desfavorável para as economias dependentes, tais processos podem sofrer inflexões. Para além dessas considerações, compreendendo a dependência enquanto estrutural, pode-se apreender a construção de experiências latino-americanistas, que pautem os direitos das classes subalternar é possível em contextos específicos. Nesas conjunturas, é possível amenizar a situação de dependência dos países latino-americanos. Entretanto, como apontado por Marini, a única saída para o fim da situação de dependência dos países latino-americanos é a “abertura de perspectivas mais claras para as forças sociais empenhadas em destruir essa formação monstruosa que é o capitalismo dependente” (2005, p. 180). Assim, visualiza-se que mesmo desenvolvido no âmbito de um processo de integração antineoliberal e anti-imperialista, o potencial dessa regionalização limita-se a concessão de direitos à classe trabalhadora antes negados, mas não efetiva o fim do conflito entre capital e trabalho que impera no modo de produção capitalista.

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Integração regional e justiça social: o caso da saúde no Mercosul Camila Gonçalves De Mario1 Analice Pinto Braga2 Tatiana de Andrade Barbarini3 Introdução4

A

proposta principal do Plano Estratégico da Ação Social do Mercosul é “universalizar a saúde pública”. A saúde caracteriza-se como uma área de forte impacto na promoção da qualidade de vida da população, do desenvolvimento e da justiça social. Entretanto, trata-se de um objeto

de políticas intersetoriais complexas e de caráter intervencionista que precisa enfrentar não apenas celeumas dadas pelo arcabouço jurídico dos diferentes países envolvidos, no caso do Mercosul, como também lidar com sua dimensão social e as diferentes concepções de saúde em disputa. A agenda do Mercosul Social adota como diretrizes a promoção do desenvolvimento e da inclusão social. Seu intuito é garantir o desenvolvimento humano integral e o fortalecimento dos direitos humanos e da democracia no bloco. Considerando tais diretrizes e os princípios orientadores do Mercosul, destacam-se aqueles que norteiam os programas da área de saúde. A saúde é uma questão muito mais social do que pessoal e, mesmo no âmbito das políticas públicas, pressupõe um nível microssocial de interação entre indivíduos e de produção de conhecimento e experiências. Conrad e Barker (2010) propõem, assim, uma análise da saúde e da doença por meio de uma corrente sociológica à qual os autores se referem pelo termo “construcionismo social” e de três pressupostos para a construção social da doença: 1) a doença porta um significado cultural; 2) a experiência individual e coletiva da doença é socialmente construída; e 3) o saber médico e a negociação do que deve ou não ser rotulado como doença ou qualificado como biológico são socialmente construídos. Seguindo a proposta do construcionismo social, Conrad e Barker (2010) consideram que a produção do conhecimento médico é condicionada ao contexto social em que ela se insere, gerando como resultado diferentes definições de doença e de saúde. Isso implica também em negociações acerca da delimitação das condições médicas entre especialistas e entre médicos e “leigos”, sobretudo a partir do surgimento de grupos de apoio a portadores de certas doenças e de sua difusão por meio da internet. Entre a esfera das negociações e das experiências cotidianas e a esfera das políticas públicas, há uma relação estabelecida pelo fato de que as respostas políticas (a elaboração de políticas públicas) a uma Professora Doutora do curso de Relações Internacionais - Escola de Negócios da Universidade Anhembi Morumbi. E-mail: [email protected] 2 Mestranda em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. E-mail: [email protected] 3 Doutoranda em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected] 4 Este trabalho apresenta algumas reflexões que compõem parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas – NEPPs (UNESP – Franca). O subprojeto tem como objetivo refletir sobre os desafios teóricos para a avaliação dos programas do Mercosul Social voltados para a área de saúde. 1

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condição de doença e de saúde são determinadas pelo modo como o problema é socialmente definido, a partir tanto das pressões de grupos de civis ou de movimentos sociais quanto da mobilização de saberes médico-científicos dominantes em um determinado contexto social e histórico. É nessa perspectiva que se delineia o presente texto. O caminho percorrido parte da descrição e análise dos novos processos de integração regional, centrados nas especificidades do caso da saúde, para problematizar a relação entre democracia, desenvolvimento e justiça social que os programas do Mercosul Social implicam. O Mercosul e a perspectiva do regionalismo pós-liberal A integração regional dificilmente pode furtar-se a tratar somente de questões econômicas, visto que essas não foram suficientes para alavancar os blocos que se formaram nos anos 90, bem como não foram satisfatórias na promoção do desenvolvimento da região. Pensar uma nova integração tornou-se premente, sobretudo a partir da chegada de governantes da esquerda no poder em vários países da América Latina, que trouxeram à tona algumas questões sobre desenvolvimento e cooperação. Nesse sentido, o regionalismo na América Latina passou por algumas fases, como pontuam alguns autores como Sanahuja (2007), Briceño Ruiz (2007) e Perrota (2013). Esses autores nos mostram que, no período da Guerra Fria, os países da América Latina buscavam desenvolver políticas de integração que lhes dessem um grau de autonomia frente à dominação dos países mais desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, pensando em um contexto de bipolaridade no qual as questões do chamado “terceiro mundo” ficavam em segundo plano. Essa política adotada na região é chamada “velho regionalismo” (SANAHUJA, 2012), momento no qual as organizações internacionais foram contaminadas pela agenda dos países desenvolvidos, sobretudo com questões relacionadas à segurança e ao equilíbrio econômico. Aos países menos desenvolvidos, restou buscar representatividade em organizações próprias ou juntar forças com os países que apresentavam semelhanças em termos de inserção internacional. Nos anos 90, observa-se uma nova forma de regionalismo marcado pelas políticas neoliberais de abertura de mercado e preocupação com os compromissos macroeconômicos em detrimento das questões sociais, ficando conhecido como “regionalismo aberto” (SANAHUJA, 2007). Entendido como uma estratégia para enfrentar a dinâmica da globalização, o novo regionalismo foi uma resposta aos desafios que apareciam no pós-Guerra Fria e apresentava-se como uma política que tinha por intuito melhorar a posição da região no cenário internacional. A proposta principal foi elaborada pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) nos anos 1990. A chamada “transformação produtiva com equidade” tinha por base a liberalização comercial entre os mercados da região com a eliminação dos custos administrativos ou de transação, o que exigia, por consequência, maior integração entre os países, com supressão das barreiras alfandegárias, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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eliminação ou diminuição das barreiras fiscais, físicas e outras (SANAHUJA, 2007, 78). A própria Cepal alertava, contudo, que o avanço da integração para além das questões econômicas exigia a criação de um marco supranacional, envolvendo instituições que assumissem a administração do bloco (SANAHUJA, 2007, p. 78), o que inevitavelmente contribuiria para a diminuição da autonomia e da soberania de cada país individualmente nas decisões. O Mercosul surgiu nos anos 90 dentro do contexto de propagação das políticas neoliberais com um propósito marcadamente comercial. Ainda que tenha dado alguns passos importantes no levantamento de questões sociais, não avançou fortemente na área, em função de questões que dizem respeito à vontade política e interesses econômicos. Ademais, não há uma identidade comum e forte entre os povos da América do Sul que impulsione a população a pressionar os governos por um avanço nas políticas de integração (SANAHUJA, 2007) do Mercosul. As diferenças culturais entre os países se mostram ainda como obstáculo para que cada povo se reconheça como parte de algo maior. O regionalismo pós-liberal busca superar a agenda dos anos 90, que estava fortemente centrada na abertura comercial, e resgatar questões importantes principalmente do âmbito social. Ou seja, a ênfase na aplicação das políticas neoliberais acabou resultando em um incentivo para se buscar mais autonomia com a chegada dos governos “progressistas” (SANAHUJA, 2012). Esse novo regionalismo - o regionalismo pós-liberal - traz a questão política muito fortemente em seu bojo, assumindo que as novas demandas têm também seu fundo econômico, mas não conseguem avançar se não houver comprometimento político. Sanahuja (2012, p.32) coloca que as principais características desse regionalismo são a primazia da agenda política e menos atenção à agenda econômica e comercial, com retorno da agenda de desenvolvimento; maior papel dos atores estatais; a busca de maior autonomia frente ao mercado e, na política externa, frente aos Estados Unidos; a ênfase na agenda positiva da integração, centrada na criação de instituições e políticas comuns e em uma cooperação mais intensa em âmbitos não comerciais; a crescente preocupação com a falta de infraestrutura regional; e a busca por fórmulas para promover maior participação dos atores não-estatais, entre outras. O Mercosul, em seu momento pós-liberal, buscou investir no social, com a criação de instâncias como: FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) em 2004, do Instituto Social do Mercosul em 2007, do Parlamento do Mercosul em 2006 e das Reuniões Especializadas (Sobre agricultura familiar, ciência e tecnologia, comunicação social, turismo, para citar algumas) (FERREIRA, 2015) e outras iniciativas. Na área da saúde, é possível observar um avanço em termos de diálogos e assinaturas de acordos, mostrando a disposição dos países em aprofundar as ações conjuntas nesse setor. Porém, muitos trabalhos ainda estão emperrados no âmbito da discussão e negociação e há pouca construção efetiva de políticas conjuntas, sobretudo em termos de ações voltadas à redução das inequidades em saúde entre os XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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países do bloco. Os obstáculos ao processo estão na dificuldade em compatibilizar sistemas de saúde tão diferentes, com diferenças no financiamento, nas normas jurídicas, na gama de prestação de serviços oferecidos pelo Estado, assim como na oferta dos prestadores de serviços (QUEIROZ, 2007, p. 167), entre outros. O que nos fica claro nesse processo de construção do Mercosul é que “a tentativa de controlar a criação de elementos supranacionais resulta em níveis de integração econômica também limitados” (MARIANO, 2007, p. 74). Ou seja, poupando o avanço da integração para as áreas de cunho mais político e social, as políticas econômicas acabam por ser igualmente prejudicadas. Mas é importante pensar que as teorias da integração, em sua maioria, analisam ou tomam como base o caso europeu. Precisamos de teorias que partam sua análise da nossa situação, compreendendo melhor as questões particulares da região que inviabilizam o avanço no processo de integração. Podemos pensar, portanto, como nos sugere o “novo regionalismo”, que a integração política não necessariamente passa por uma prévia integração econômica, no sentido de que não há uma direção única de uma área para outra (PERROTTA, 2013, p.229), já que ambas podem ser desenvolvidas concomitantemente ou em momentos separados. Utilizando-se também da teoria construtivista das Relações Internacionais, podemos entender que as interações entre os Estados facilitam a criação de uma identidade coletiva entre eles e abrem caminho para a cooperação. A teoria construtivista entende que as identidades e os interesses são em grande parte construídos pelas estruturas sociais e estão sempre em processo de mudança durante as interações. Essas estruturas estão sendo constantemente reproduzidas ou transformadas pela prática e não são condições estáticas de pano de fundo para a formação de identidade coletiva (WENDT, 1994). Em outras palavras, ainda que os Estados ajam muitas vezes de forma egoísta ou que o cenário internacional não goze de uma instituição acima das nações que as impulsione a cooperar, essa situação é passível de mudança com base nas ideias que os Estados possuem da mesma e o que pretendem fazer dela – a prática (WENDT, 1992). Wendt (1994, p. 389) considera, desse modo, que o crescimento da interdependência é um dos primeiros processos sistêmicos que pode encorajar a formação de uma identidade coletiva. Isto é, a abordagem de que as instituições auxiliam na cooperação entre os Estados por abrir caminho para o compartilhamento e mudança de valores e identidades permite-nos analisar o Mercosul como um importante arranjo institucional que já abriu algumas vias necessárias para o aprofundamento da cooperação entre os países da América do Sul. Este é um importante meio para discussão e harmonização de interesses.

Políticas e justiça social: a construção social da saúde Discutir projetos e sistemas de saúde implica em discutir também a concepção de saúde que os orienta, servindo de base para sua formulação e para as ações que serão empreendidas. Saúde não é uma concepção livre de controvérsias e está longe de ser consensual, pois é acima de tudo uma construção XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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social, cujo entendimento varia ao longo do tempo e de cultura para cultura. Isto é, não se trata apenas de pensar a cura de doenças, mas também o que define doença e os estigmas que cada doença carrega. Durante grande parte do século XX os sistemas de saúde europeus, americanos e também o brasileiro trabalharam com uma noção de saúde que hoje entendemos por estreita, voltada à cura de doenças já manifestadas e à restauração da força do trabalhador. Daí o atrelamento entre o acesso a serviços de saúde e o registro empregatício. Isso assegurava ao trabalhador atendimento médico quando fosse necessário. O objetivo desse sistema era garantir a salubridade do local de trabalho, de moradia e dos espaços de circulação, com vistas a afirmar a continuidade da circulação de mercadorias e a produção nos espaços fabris. Em um cenário mais amplo, essa noção estreita de saúde passou a ser questionada pari passu ao debate em torno das noções de cidadania, de pessoa dela fundante e dos direitos humanos, esse mais preocupado com o que permitiu as violações praticadas contra a dignidade humana na primeira metade do século XX. Foi nesse contexto que o homem passou a ser entendido como portador do direito à vida e como um fim em si mesmo, uma concepção fundamental do pensamento de Kant, ponto de inflexão que marca a constituição da ética moderna e peça fundamental das futuras políticas de saúde, centradas na liberdade e na autonomia do ser. É no Artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos que a saúde aparece atrelada ao direito a um determinado “padrão de vida”5. A chave saúde e bem-estar predominará no debate sobre saúde e sobre a distribuição dos bens e recursos necessários para a sua manutenção ao longo da vida das pessoas, bem como se constituirá em uma questão para as políticas públicas, para a justiça social e distributiva e para o desenvolvimento. Na América Latina, esse debate ganhou força nas lutas contra os governos ditatoriais e a favor da democracia. No campo da saúde, o Brasil é um país de grande expressão e que cumpriu importante papel nesse debate desde meados dos anos 1960, tanto no âmbito acadêmico como em organizações e foros nacionais e internacionais6. Segundo Sacardo (2009), que analisa as concepções de sistema de saúde que influenciaram a definição do problema nos países membros do Mercosul, o atual sistema brasileiro tem influência do modelo “universalista”7, derivado do Relatório Beveridge e datado do fim da Segunda

Diz o texto do artigo: Todo ser humano tem direito a um padrão de vida que lhe assegure, para si mesmo e para sua família, saúde e bem-estar, incluindo alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços indispensáveis, bem como o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 6 Também tinha importante expressão política no espaço público nacional o movimento sanitarista. Este foi um importante ator da reforma do sistema de saúde e da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) que, em consonância com os demais movimentos sociais da época, formulou suas demandas pelo direito à saúde em dialogo com a noção arendtiana de “direito a ter direitos” orientadora da luta dos movimentos sociais nos anos 1970 e 80. 7 Há outros dois modelos: o seguro social bismarkiano e o privado. O primeiro foi criado na Prússia do final do século XIX e se caracteriza pelo pagamento de um terço das contribuições pelos empregadores e os dois terços restantes, pelos empregados, que tinham, em troca, benefícios bem definidos. Esse modelo é hoje aplicado na Argentina e no Uruguai. O segundo segue a lógica de mercado, sendo financiado pelo pagamento, pelos usuários (individual ou coletivamente), de valores calculados com base no risco e no tipo de serviço contratado (SACARDO, 2009, p. 61). Nesse caso, a saúde e os serviços tornam-se uma mercadoria a ser comprada de maneira inequitativa. 5

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Guerra Mundial e da profunda crise econômica e social vivenciada pela Grã-Bretanha. Tal sistema pautava-se na ideia segundo a qual todos os membros de uma sociedade têm direito legal ao acesso aos benefícios da seguridade social, cabendo ao Estado a garantia de acesso universal, sobretudo em casos de doenças, desemprego e velhice, e o financiamento do sistema por meio de recursos públicos provenientes de impostos. O SUS é pioneiro enquanto proposta normativa e traz em si uma definição de saúde e de sistema de saúde reconhecida pelos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde. Definição abrangente que pensa a saúde integralmente, como um direito universal e a partir de noções como qualidade de vida e bem-estar. No texto constitucional e na Lei Orgânica da Saúde encontra-se que: Art. 196. A saúde é dever de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL. Constituição, 1988) Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1 º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2 º. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bemestar físico, mental e social. (BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990)

A concepção adotada pelo Estado brasileiro é fruto de amplo consenso. Há divergências principalmente no que se refere a pensar a saúde como bem-estar por se tratar de uma definição demasiadamente subjetiva e que dificulta pensar uma cesta de bens e serviços em saúde necessários para a garantia de bem-estar de toda uma população. O terceiro eixo do Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul para a saúde no bloco, intitulado “Universalizar a Saúde Pública”, adota a seguinte diretriz: Diretriz 7: Assegurar o acesso aos serviços públicos de saúde integrais, de qualidade e humanizados, como um direito básico. São objetivos prioritários dessa diretriz: 1 - Desenvolver estratégias coordenadas para universalização do acesso aos serviços públicos de saúde integrais, de qualidade e humanizados. 2 - Promover e harmonizar políticas especificas para saúde indígena. 3 - Aprofundar políticas de saúde publica para as mulheres e atenção à primeira infância. 4 - Articular as políticas e promover acordos regionais que garantam acesso à saúde pública na faixa de fronteira. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 494 5 - Promover a revisão dos instrumentos normativos que garantam o acesso livre e responsável de homens e mulheres aos serviços apropriados, aconselhamento científico e educação sobre saúde sexual e reprodutiva. 6 - Fortalecer a articulação inter-setorial e o trabalho conjunto nas instâncias institucionais do Mercosul, nos aspectos vinculados aos Determinantes Sociais da Saúde (DSS).

É relevante observar que o primeiro objetivo remete a uma noção de saúde abrangente e articula um direito à saúde tal como o que está presente na legislação brasileira, universal, com serviços integrais, de qualidade e humanizados. Todas essas categorias são de difícil implementação em termos de políticas públicas não só por demandarem um consenso normativo no que se refere a sua definição e aos valores a que remetem, como também por exigirem uma complexa estrutura para a sua implementação. Diretriz 8 Ampliar a capacidade nacional e regional em matéria de pesquisa e desenvolvimento no campo da saúde. Objetivo prioritário: implantar rede de pesquisa em Saúde Pública e Determinantes Sociais da Saúde.

Na diretriz 8, surge outra questão complexa, relacionada com a equidade e justiça em saúde. A noção de determinantes sociais da saúde remete a um entendimento da saúde como fruto de outras desigualdades sociais que estão para além do âmbito dos serviços desse gênero. A ideia central é a de que a falta de condições adequadas de saúde e determinadas doenças são causadas por desigualdades na distribuição de outros bens e recursos, considerando que tais desigualdades poderiam ser evitadas por uma distribuição mais equitativa destes bens e recursos. As desigualdades em saúde daí provenientes são, portanto, injustas. Assim, é possível nos movermos das desigualdades socioeconômicas para as desigualdades em saúde, o que significa que esta é também uma questão de justiça distributiva. O movimento oposto é igualmente possível, pois problemas de saúde como doenças crônicas, deficiências e até mesmo condições esporádicas e de média gravidade impactam no funcionamento normal do organismo dos indivíduos e, portanto, nas suas oportunidades ou, se preferirmos, nas suas capacidades de desenvolverem seus planos e expectativas ao longo de suas vidas. Desigualdades em saúde impactam negativamente sobre a plenitude da vida das pessoas, tanto no plano dos desejos e expectativas individuais como em sua participação como membro ativo em sociedade e desigualdades socioeconômicas causam desigualdades em saúde. Olhar a saúde pelo viés das políticas públicas e da justiça social revela que ela envolve desde a responsabilidade da gestão do cuidado pelo próprio paciente até questões sociais estruturais, como a distribuição de renda e a consequente possibilidade de acesso a bens e serviços. Portanto, a questão que se coloca é: como agregar na análise da justiça social âmbitos sociais tão diversos que constituem o conceito de saúde e de bem-estar e que orientam a elaboração de políticas públicas? A justiça internacional: elementos para refletir sobre o Mercosul XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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A realização da justiça social é uma das metas do Mercosul e vem sendo identificada como uma preocupação característica do novo modelo de integração que debatemos aqui. Quando pensamos na concepção de desenvolvimento como liberdade proposta por Sen (2000), fica claro que é preciso ir além do que nos propõe a noção distributivista de justiça: é para a insuficiência dessa perspectiva que aponta seu argumento de fundo, ou para o fato de que uma distribuição equitativa de bens, renda e recursos não seria suficiente para alcançarmos resultados justos. Sen busca como alternativa pensar em termos de funcionamentos e capacidades, uma visão mais prática e focada no indivíduo sobre o que seria o desenvolvimento social. No que se refere especificamente ao debate da justiça social, principalmente no âmbito internacional, os insights de Sen pouco nos ajudam a avançar. Apesar de querer fugir do viés distributivista, seu argumento leva a elaboração de uma lista de capacidades a serem “distribuídas”, garantidas às pessoas para que essas possam realizar seus funcionamentos. Em seu último livro, “The Idea of Justice”, Sen aponta que é necessário desenvolvermos uma teoria da justiça cujo fundamento central seja a ação social, seja a vida das pessoas, e não as instituições. Sem abandonar a perspectiva das capacidades afirma: “a justiça é em última análise conectada com a maneira como a vida das pessoas se desenvolve, e não apenas com a natureza das instituições que as circundam.”(2009, p.X) para ele a abordagem da justiça não deve sobrevalorizar o papel das instituições, mas sim “a vida que as pessoas são capazes de viver”. Aqui voltamos à noção de capacidades e ao dilema que não nos ajuda a avançar. Porém, é frutífera a ideia de que é preciso pensar mais na ação social, e menos no papel das instituições. A prática tem nos mostrado que entre a institucionalização de princípios e valores e a sua realização há uma distância que ainda não fomos capazes de transpor. Por mais que as instituições sejam fruto de ideias e valores que em um dado momento estiveram em disputa da esfera pública, elas também estão sujeitas à indeterminação e a um constante escrutínio dos atores com elas envolvidos, direta ou indiretamente. Atores que representam valores morais e projetos políticos em disputa e que fazem e refazem a instituição através de sua prática política. Essa prática coloca em xeque os princípios e objetivos institucionais, e também sua identidade. O processo não é simples, nem em linha reta, já que o fato de a instituição assumir a justiça social como um de seus objetivos e adotar procedimentos justos não significa que essa se realizará. Nesse sentido, uma perspectiva de análise construtivista das relações internacionais nos é útil, pois nos propicia pensar as ideias e valores que estão em jogo e como os diferentes atores envolvidos no processo concorrem e colaboram para a construção da identidade institucional e do papel desempenhado e a ser assumido por cada um. Assim, fugimos de construir uma correlação direta entre normas e fatos. Assumindo que a existência do Mercosul enquanto instituição e seus princípios é apenas um dos passos na direção da realização da cooperação e de uma integração que leve à justiça social, voltamos à XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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justiça, questão central deste artigo. Consideramos que é possível e necessário pensar a justiça. Primeiro porque regimes e instituições internacionais têm efeitos distributivos que contribuem de forma significativa para os níveis de desigualdade e pobreza entre os Estados. Segundo, a justiça está na gramática do Mercosul. Buscamos, portanto, na teoria crítica saídas ao dilema que nos é colocado por Amartya Sen, e mais precisamente na abordagem proposta por Iris Marion Young (2011) e retomada por Rainer Forst (2012). Este toma a reflexão de Young como ponto de partida e elabora uma perspectiva que se dispõe a pensar a partir de contextos de justiça. Para ele, o direito à justificação seria o bem fundamental da justiça social. Young (2011), afirma que a teoria crítica tem como base ser histórica e socialmente contextualizada e objetiva projetar possibilidades normativas não realizadas, mas presentes em uma dada realidade social. A autora chama a atenção para o fato de que nos concentrarmos na distribuição de bens e na organização de instituições justas nos faz perder importantes elementos definidores da injustiça e obscurece fatores fundamentais da estrutura institucional. Para ela, a concepção de distribuição deve se limitar aos bens materiais, enquanto outros importantes aspectos da justiça incluem os processos decisórios, a divisão social do trabalho e a cultura. E opressão e dominação são os termos que conceituam a injustiça.O centro da crítica formulada por Young é que o viés distributivista falha em perceber que as identidades e capacidades individuais são em muitos aspectos produtos dos processos e relações sociais. Dedica-se pouco espaço para a percepção de que as constrições às ações individuais se dão em função da relação que estabelecemos uns com os outros. O que não significa abandonarmos a análise e as considerações sobre as instituições. É recorrendo a Giddens que Young esclarece sua posição: é preciso uma teoria social que leve o processo a sério para entender a relação entre estrutura e ação. Indivíduos não são meros receptores de bens, mas atores portadores de sentidos e propósitos, que agem com, contra e em relação aos outros. Nós agimos a partir do conhecimento institucional, das regras e a partir de uma consequência estrutural da multiplicidade de ações. As estruturas são criadas e reproduzidas na confluência de nossas ações. A teoria social precisa conceituar a ação como produtora e reprodutora de estruturas, o que apenas existe na ação; por outro lado, a ação social tem as estruturas e relações como pano de fundo, meio e propósitos. Neste cenário o que está em jogo é o poder e o modo como ele influencia a ação dos atores e dos grupos. Por isso, como mencionamos anteriormente, a injustiça refere-se a duas formas de restrição à ação, a opressão e a dominação. Opressão entendida como formas de desvantagens que as pessoas sofrem, não porque haja um poder tirânico as coagindo, mas sim porque há práticas bem-intencionadas das sociedades liberais contemporâneas. Trata-se de uma opressão estrutural e sistêmica que restringe a atuação de determinados grupos e indivíduos nos processos tidos como normais do nosso dia-a-dia. Por isso, instituir novas regras ou leis não é suficiente, pois são opressões arraigadas e reproduzidas pelas

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instituições econômicas, políticas e culturais e pelas ações das pessoas que nem sempre se percebem como agentes da opressão. Young, na verdade, torna a questão da justiça ainda mais complexa. Apesar de nos deixa poucas pistas para pensar o cenário internacional, ressalta que a necessidade de entender a justiça para além da chave distributiva é ainda mais forte no contexto internacional, pois sem uma análise das relações institucionais que estruturam o poder decisório por trás da distribuição, não tocaremos em importantes questões da justiça internacional Rainer Forst (2012) chama a atenção para os mesmos elementos que Young. Seu ponto de partida é a noção de contextos da justiça. Para ele, para pensar a justiça transnacional (termo que ele adota) é preciso considerar: (1) os diferentes contextos de justiça internos a cada Estado e os diferentes graus de institucionalização e cooperação social; (2) que a globalização atingiu um ponto no qual é impossível não falar em um “contexto de justiça Global”. Para Forst o que temos no plano global é um contexto de cooperação coercitivo e de dependência, ao invés de interdependência. Dessa forma, o contexto internacional precisa ser visto como um complexo sistema de poder e dominação com uma variedade de atores poderosos, que vão desde instituições internacionais a corporações transnacionais, elites locais, entre outros. Há nesse cenário uma situação de múltipla dominação: há grupos que são dominados pelos seus governantes e elites locais, enquanto dominados e dominadores são – até certo ponto – dominados por atores globais. Para pensar a justiça no contexto global, é preciso começar pela múltipla dominação e pelo entendimento de que os diferentes contextos da justiça estão conectados pelo tipo de injustiça que produzem. Para Forst, a primeira questão da justiça é o poder, assim, para mudar a situação de injustiça na prática, é preciso mudar o sistema de poder. Na esteira da Young, ele afirma que a justiça demanda uma mudança estrutural, nas instituições de produção de bens materiais, de distribuição e de processo decisório. Quando simplesmente se redistribuem os receptores da distribuição de bens, permanecem como mero receptores, cidadãos de segunda ordem, que continuam não contando na estrutura decisória sobre a distribuição das vantagens em sociedade. Ao tratá-los como receptores de políticas redistributivas, institucionalmente falando, para Forst, deixamos a estrutura de poder dominante intacta. É fundamental que a estrutura básica da sociedade seja plenamente justificada, e por isso o direito à justificação de demandas é o bem fundamental da justiça. O sistema internacional tal como está hoje precisa de justificação e precisa lutar para que se estabeleçam relações nas quais a justificação tenha lugar. Ele considera que mesmo que o processo de justificação das estruturas de poder e distribuição de bens e riqueza possa não fazer frente às injustiças históricas e presentes, ele nos permite alcançar as raízes da injustiça social e estruturar os meios institucionais através dos quais é possível alterá-la. Ou seja, para Forst, instituições justas forçariam o “melhor argumento” no que se refere à justificação dessa XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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distribuição. Nessa chave, aqueles que se beneficiam da ordem global atual seriam forçados a explicar porque ela deve ser assim, e os que sofrem com a exploração econômica e com o desempoderamento teriam o direito a veto. O ponto de partida normativo é o entendimento da dignidade dos indivíduos como atores, agentes que não devem ser submetidos às estruturas de poder que não podem influenciar. No contexto global a questão é mais complicada que no contexto nacional. Para Forst, não há justiça global sem justiça interna as fronteiras dos estados e vice e versa. Eis a complexa conexão que torna tão difícil a realização da justiça. Considerações finais Buscamos nesse artigo trazer elementos que nos permitam realizar uma análise do Mercosul social pelo viés da justiça social e demonstrar a importância de adotar tal perspectiva. O bloco está sendo caracterizado por um “novo processo de integração” preocupado com a promoção do desenvolvimento e da justiça social. Sugerimos que ambas as concepções precisam ser analisadas tomando como parâmetro as teorias normativas de justiça, bem como consideramos que é urgente avançarmos no debate da justiça internacional. A saúde é caso exemplar, bem fundamental para sociedades justas, já que é causa e resultante de desigualdades e injustiças sociais. Como demonstramos também se trata de uma concepção complexa, e de uma política pública que para sua implementação precisa lidar com as diferentes concepções sociais de saúde sustentadas pelos atores que fazem parte do regime de integração. Portanto, é preciso que se forje entre os atores envolvidos uma concepção de saúde comum, que passe pelo processo de construção da identidade de cada Estado e do bloco. Por essa razão, sugerimos que a análise dos processos que estão sendo identificados pela literatura atual como “regionalismo pós-liberal” se realize pela perspectiva construtivista, no esforço de compreender o processo pelo qual as políticas do Mercosul social estão sendo constituídas e implementadas, pois, no que se refere a concepções que remetem a valores morais e éticos, e que são social e culturalmente elaboradas, como as de saúde e de justiça, as demais teorias das relações internacionais demonstram-se insuficientes, por basearem, de um modo geral, sua argumentação em um jogo racional, de poder ou interesses, cujos atores são tomados de forma atomística. Estamos diante de um processo de cooperação que transcende os limites analíticos das teorias mais tradicionais no campo – como as (neo)realistas e as (neo)liberais. Consideramos também que é possível sem prejuízos ou distorções teóricas somar à perspectiva construtivista a análise da teoria crítica, da justiça e das relações internacionais, já que as questões que envolvem os processos de dominação, opressão e justificação estão na base da identidade dos Estados e da atuação destes no bloco; ademais,

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não é possível pensar as desigualdades sociais, sem pensar a estrutura básica das sociedades e os processos de distribuição de renda, bens, recursos sociais e as relações intersubjetivas que as mantém e justificam. Em suma, o que está em pauta é como pensar esse processo de integração regional e indagar sobre as condições de cooperação no âmbito social, esse mais complexo do que as relações estritamente de mercado, pois aqui os diferentes interesses são permeados por questões políticas, sociais e culturais que requerem uma análise normativa de seus sentidos e uma análise institucional que tenha como foco central o ator, e não a instituição e suas normas e procedimentos.

Referências BRICEÑO RUIZ, José. 2007. La integración regional en América Latina y el Caribe: Processos históricos y realidades comparadas. Mérida: Universidad de los Andes. CONRAD, Peter; BARKER, Kristin K. A construção social da doença: insights-chave e implicações para políticas de saúde. In: Idéias – Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, v. 3, p. 183-219, jul./dez. 2011. FERREIRA, Guilherme A. G. O regionalismo pós-liberal e o resgate da agenda do desenvolvimento. In: III Semana de Ciência Política, 2015, São Carlos. Anais... São Carlos: Universidade Federal de São Carlos. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2015. FORST, Rainer. The Right to justification. Elements of a construtivist theory of justice. New York: Columbia University Press, 2012. _______. Justification and Critique. Towards a Critical Theory of Politics. Cambrigde, UK: Polity Press, 2014 MARIANO, Marcelo P. A Política Externa Brasileira, o Itamaraty e o Mercosul. 2007. 215f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2007. PERROTA, Daniela. La integración regional como objeto de estudio. De lasteoríastradicionales a los enfoques actuales. In: LLENDERROZAS, E. (coord.), Relaciones Internacionales: Teorías y debates. Buenos Aires: Eudeba, 2013. QUEIROZ, Luisa G. Integração Econômica Regional e Políticas de Saúde: União Européia e Mercosul. 2007. 365f. Tese (Doutorado em Ciências na área de Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2007. SACARDO, Daniele P. As peculiaridades dos sistemas de saúde dos países membros do Mercosul: perspectivas para a integração regional. 2009. 236f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. SANAHUJA, José Antonio. Regionalismo e integración en América Latina: balance y perspectivas. Pensamiento Iberoamericano, nº 0, 2007. ISSN 0212-0208. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2015 _______. Regionalismo post-liberal y multilateralismo em sudamérica: el caso de UNASUR. Anuário de laintegracion regional de América Latina y elgrand Caribe, nº 09, 2012, p. 19-72. ISSN - 1317-0953. Disponível em: WENDT, Alexander. Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics. International Organization, v.42, n.2, 1992. Disponível em: . Acesso em: 3 jun. 2014. _______. Collective Identity Formation and the International State. The American PoliticalScience Review., v.88, n.2, p.384-396, jun. 1994. Disponível XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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RESUMO

Resumo

A intersetorialidade nas políticas sociais de transferência de renda no Brasil: um comparativo entre o Programa Bolsa Família e as políticas de transferência de renda nos demais países do Mercosul

O

Solange Silva Pereira Santos Antônio Eduardo Alves Oliveira presente artigo trata do tema intersetorialidade como ação estratégica entre Estado e a sociedade civil, no âmbito da política pública a partir de novos modelos de gestão do conjunto das políticas sociais. Este estudo tem como objetivo realizar uma análise da

transversalidade das políticas sociais de transferência de renda, com condicionalidades, tendo como estudo de caso, o Programa Bolsa Família no Brasil do qual fará uma analise comparativa entre as políticas de transferência de renda e ainda seus impactos nos parceiros do Mercosul. O PBF apresenta a intersetorialidade como fundamento norteador da sua efetividade, através da articulação entre os Ministérios da Saúde (MS) e o Ministério da Educação (MEC) que participam diretamente no acompanhamento das condicionalidades do Programa. Faz ainda, uma analise das suas implicações e orientação nas políticas públicas contemporâneas, a partir de orientação desenvolvida pelo novo paradigma da administração pública que tem sua ênfase nos resultados. Com a ampliação das políticas de transferência de renda no Brasil, com objetivo de combater a pobreza, a questão da intersetorialidade passa a estar cada vez mais presente no debate sobre gestão das políticas públicas como pressuposto de atendimento ao principio da integralidade. Essa estratégia visa superar a fragmentação das políticas setoriais, ao propor uma gestão cooperativa, a partir da descentralização das ações compartilhadas entre os entes federados.

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XI

O Mercosul educacional

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ARTIGOS

A integração acadêmica em fronteira mercosulina da Amazônia Patrícia Helena dos Santos Carneiro1 Júlio César Barreto Rocha2 Introdução

N

a perspectiva de sinalizar o debate sobre políticas sociais da fronteira, que entendemos serem quesito à parte, diferenciado, no que concerne ao conjunto global de políticas integracionistas, dadas não apenas as vantagens da proximidade, muitas vezes favorecendo

o intercâmbio político-econômico, mas sobretudo tendo em vista algumas desvantagens dos impactos históricos dos bloqueios e dos recuos da culturalidade em confronto, tentamos compreender por intermédio de uma metodologia dual os avanços e recuos da integração mercosulina na Amazônia, diante de um movimento de cidades gêmeas que muito declaram querer avançar na direção de uma integração mais profunda, mas que na realidade cotidiana permitem a manutenção demarcadora dos diferentes modos de contenção das comunidades que transitam, no cotidiano das pessoas físicas. Assim, no plano metodológico, situamo-nos na tangente da aplicação de estudos de Direito da Integração (manejados pelo Dr. Antônio Martínez Puñal) e de estudos político-culturais (a nossa Filologia Política traçou mecanismos verificadores de relacionamentos interculturais), eis que a luta em prol de alcançar uma maior dinâmica na construção do Mercosul passa pela constante tensão em discutir a integração institucionalmente, e também política, cultural e discursivamente. As nossas experiências de relacionamentos institucionais, trabalhando na Universidade Federal de Rondônia, na fronteira, em Guajará-Mirim, nos fazem crer que existe um espaço a ser preenchido pelas Instituições de Ensino para ajudar a resolver os principais impasses em que o dia a dia das pessoas parece indiciar mais do que nada uma revolta pelo descumprimento de processas básicas, no quadro do Mercosul. Assim, pelo Direito da Integração ressaltamos o estado da questão, efetuando um levantamento normativo capacitado a estabelecer os limites legais do relacionamento entre os países envolvidos na plataforma integracionista, observando a macroestrutura disponibilizada. Por outro lado, os pressupostos de Filologia Política dão conta das diferenças havidas entre as diversas partes humanísticas, basicamente comunidades de relações privadas, que transitam com as suas resultantes político-culturais, fruto do cotidiano das nações, sociedades multifacetadas a serem assim consideradas, na hora de procurar resolver o entrechoque da presença em fronteira diferente daquela em que estão acostumadas a viver. Chico Docente na Universidade Federal de Rondônia, Campus de Guajará-Mirim, é doutora em Direito Internacional Público pela Universidade de Santiago de Compostela. Financiada pelo Grupo de Pesquisa Filologia & Modernidades. E-mail: [email protected] 2 Docente na Universidade Federal de Rondônia, é doutor em Filologia Portuguesa pela Universidade de Santiago de Compostela e Línguas Neolatinas pela UFRJ. Financiado pelo Grupo de Pesquisa Filologia & Modernidades. E-mail: [email protected] 1

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Buarque, se referindo a outro Rio de Janeiro, visto de longe apenas como Cidade Maravilhosa ou cidade violenta, assim esclareceu esta idiossincrasia, pouco visibilizada por quem observa de longe: Rio de Janeiro, civilização encruzilhada Cada ribanceira é uma nação À sua maneira, com ladrão Lavadeiras, honra, tradição Fronteiras, munição pesada No embate forçoso entre a realidade das populações carentes e negociantes, que se atiram de parte a parte no cruzamento diário das fronteiras, e o gabinete dos escritórios governamentais, das relações exteriores ou das secretarias estaduais e municipais, que se digladiam com a dureza da realidade, no afã de fixar textos normativos responsáveis por dirimir as conflitividades e ampliar as soluções para ambas as partes, recolhemos na área da Educação o que melhor pode representar muitas cores da paleta de soluções para os construtores de normas e para os executores da travessia do processo globalizador. A integração Brasil–Bolívia na fronteira Guajará-Mirim–Guayaramerín Desde a assinatura do Tratado de Assunção até a atualidade, o Mercosul experimentou uma fase de amadurecimento institucional com a criação e a ampliação de uma estrutura que servisse ao sonho da integração da América Latina ao Sul. No desafio deste processo, o relacionamento com os seus vizinhos de Continente que não participam de forma plena do bloco é fator importante para um maior estreitamento das suas relações. Mas mais do que isso, precisamos pensar um maior vínculo entre as parcelas menores dos países envolvidos. Para contextualizar o espaço sobre o qual falamos, apresentamos nosso campo de estudo: Guajará-Mirim é município do Estado de Rondônia, com uma extensão de 24.855,724 km² e uma população de 46.203 habitantes (IBGE, 2014), sendo, portanto, território onde transitam brasileiros, indígenas e bolivianos. Trata-se de fronteira, ao meio do rio Mamoré, pela qual todos os dias transitam pessoas do Brasil para realizar compras do lado boliviano e a sua contraparte, que busca no território brasileiro o acesso a serviços públicos básicos, como saúde e educação. Além disso, também é sabido que muitos bolivianos cruzam a fronteira em busca de inserção laboral, incorporando-se muitos aos trabalhos menos remunerados, com educação formal não exigida. Não nos escapa que a educação boliviana recentemente foi considerada das mais dinâmicas da América Latina. Nem temos dúvida que a procura por ensino superior boliviano (pago) é uma constante em crescimento na região fronteiriça. Deve-se entender, porém, que o altiplano boliviano possui um tônus diferenciado do que seja a planície que se derrama até o Mamoré. E deve-se entender que o ensino gratuito e de qualidade ainda é uma incógnita nos baixios do país vizinho. Nesta fronteira, rica e dinâmica XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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se considerarmos as trocas culturais havidas –como a presença de gastronomia boliviana trazida ao lado brasileiro, por migrantes bolivianos, e mesmo a participação de brasileiros nos festejos no feriado de 6 de agosto, dia da independência da Bolívia, que acompanham o calendário também do lado brasileiro–, contrasta-se a festa com diversas dificuldades enfrentadas pelas famílias bolivianas oriundas da região do Beni, para ter simples acesso à educação, no lado brasileiro. Observamos a inserção de muitos filhos de bolivianos, que ingressam na Universidade Federal de Rondônia, mas que não transparecem facilmente a sua origem, querendo dissolver-se na generalidade, entre nordestinos, indígenas e populações sulistas migrantes que adentraram esta pequena cidade, derivam de muitos fluxos migratórios em Rondônia e findam por não catalisar caldos culturais diferenciados, nem estabelecer raízes fundas, resultando muito pouca fixação à terra como própria. Como outros, este lado do Brasil e das Amazônias deveria ser ponto estratégico para uma maior integração mercosulina universitária, uma vez que as populações deste Mercosul periférico anseiam por ações que possam ser vetores de construção de políticas públicas em áreas como a Educação. O Mercosul como escusa para maior integração social das fronteiras Observamos a necessidade de valorizar as relações do Mercosul, e mais especificamente do Brasil com a sua vizinha Bolívia. O cumprimento dos acordos indiciaria transformações importantes nas zonas periféricas da integração, máxime na Amazônia Sul. Afinal para que serve a integração? Díaz Labrano (2008, p. 25) parece-nos responder diretamente, ao escrever, em reflexão ao processo de integração do Mercosul, que: “La integración constituye una alternativa de desarrollo. Se sustenta en el objetivo de servir de instrumento para elevar su nivel de vida. Es un instrumento de unión y solidariedad entre los hombres para alcanzar el progreso con justicia social”. No atual estado de integração entendemos que as regiões fronteiriças devam ter maior papel na participação do conjunto para que possam ser realmente representantes privilegiados no processo de integração do Mercosul. A região fronteiriça de Guajará-Mirim e Guayaramerím tem as suas singularidades e as suas necessidades próprias, tanto que foi implementada uma zona de livre comércio para Guajará-Mirim alavancar o seu desenvolvimento cuja expectativa de sucesso não se concretizou. O aproveitamento deste histórico servirá para impulsionar o desenvolvimento de espaço de integração acadêmica que atenda aos interesses dos brasileiros e bolivianos, bem como dos demais países amazônicos3.

3

O Tratado de Cooperação da Amazônia também previa a cooperação em matéria acadêmica.

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Políticas para todo um país ou políticas para todos os países? Em geral, nos processos globais, os estrategistas governamentais têm em mira resultados os mais abrangentes possíveis, dada a dificuldade para constituir na força da norma geral um texto capaz de abranger diversos países e diversas metas políticas. Assim foi no caso da falecida ALCA, um projeto de tintas imperialistas de governos estadunidenses que desejavam penetrar no setor serviços dos países da América Latina, ou assim se dá na dificultosa NAFTA, uma integração que reúne Canadá, Estados Unidos e México com bem pequenas resultantes positivas para este último, a despeito da defesa que grandes nomes manifestaram, em sede de impulsionar um rompimento de fronteira jamais havido de fato, em prol das comunidades e das pessoas, que deveriam ser as primeiras beneficiárias dos modelos integracionistas. Impossível pensar o processo de integração do Mercosul sem uma política específica que fomente maior diálogo nesta região fronteiriça, em geral isolada do Brasil, com problemas de infraestrutura e fraco desenvolvimento local, apesar de existir do lado brasileiro uma área de livre comércio (ainda por ser plena), mas que, em realidade, pouco oferece concretamente. Neste contexto, o Mercosul é de fato apenas um sonho. Não seria, porém, demais afirmar que, para os fronteiriços amazônicos, o Mercosul soará mais como uma sigla sem significado. A integração pela consideração às comunidades privadas Diz-se das pessoas que transitam em busca de emprego e renda noutra fronteira que são “imigrantes”, havendo forte empenho dos países em proteger a sua força de trabalho, favorecendo o franqueamento de permissão de entrada em casos pontuais, seja de crescimento econômico, seja de demanda de ajuda por razões humanitárias. Das coletividades que mantêm as suas características culturais, e mesmo as suas normas de relacionamento interpessoal, ainda que em terceira geração em outro país, chamamos de comunidades de relações privadas, tratando-se de vínculo mais do que afetivo, mas normativo, no que concerne a muitos usos civilistas, devendo estar claro para o Estado que este nexo, mais do que intrafamiliar, é interfamiliar, para os oriundi de países com forte ligação político-cultural na sua origem. Poucas vezes se tem em conta esta adscrição de natureza privada, que é vantajosa tanto para a criação de laços com as coletividades recebedoras (é reconhecido o carinho especial que os espanhóis e italianos receberam no Brasil, por conta da sua natureza compartilhadora e aberta) como para a expansão de uma integração que alcance mais do que as empresas e considere mais longos objetivos do que laços de natureza econômica. Do mesmo modo, não se pode deixar de lado normas que contemplem apenas pessoas jurídicas, liquidando lhanamente as normas privatistas que entrem em conflito com as normas de relações privadas do país. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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O esforço integrador dado pelo Mercosul no Cone Sul, se por um lado tem avançado nas normativas hiperespecíficas, sobre traslado de pneus ou combate ao tráfico de drogas, ficou devendo no que diz respeito a ouvir com maior detenção as comunidades fronteiriças, que podem ser responsáveis pelo que haverá de mais dinâmico para a constituição de uma “comunidade latino-americana de nações”, tal como canta o cancioneiro popular brasileiro, tal como consta na principiologia constitucional do Brasil, litteris, do Art. 4.º: Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latinoamericana de nações. Assim, seja nos estudos seja na integração em si, as zonas periféricas amazônicas precisam também de participação e atenção para que sejam construídas propostas factíveis de desenvolvimento social e educacional no Mercosul e com o Mercosul. Entendemos que a integração do Mercosul deve avançar integrando pessoas mais do que estruturas econômicas e neste artigo resulta a proposta da criação de um espaço acadêmico de integração da Amazônia, nos mesmos moldes da Universidade Latino-americana da Integração. A despeito da normativa pró-integração do Mercosul, na prática a dinâmica da fronteira exige tratados internacionais acionados de fato, em especial aqueles que prevejam a criação de estruturais institucionais realmente funcionais. A educação universitária como ponto de inflexão Alguns estudos já se detiveram sobre a questão da educação no processo de integração (MARTÍNEZ PUNAL; PONTE IGLESIAS, 2001 e 2001) e sobre a própria estrutura institucional do Mercosul (MARTÍNEZ PUNAL; 2005). E todos estes indicam sempre a necessidade de superar desafios próprios dos processos de integração, mas principalmente construir um processo voltado também para as pessoas, a despeito do objetivo econômico que motiva o Mercosul. Das várias opções disponibilizadas ao construtor da integração, ou seja, a segurança mútua, o intercâmbio cultural, as facilidades ao comércio e ao transporte, a interação dos métodos de combate a doenças agropastoris, a influência recíproca na luta policial contra desvios, tráfico de drogas e variada forma de criminalidade interfronteiriça, será na área da educação que encontraremos as maiores facilidades, muitas vezes deixadas nas mãos dos interesses de empreendedores e de particulares que observam oportunidades maiores no outro lado para o desenvolvimento familiar dos seus filhos. Por isso, dada a existência de uma força motriz dupla já ensejando forçosas iniciativas –ativas– no sentido de construir espaços empresariais de fornecimento de ensino, de pesquisa e de extensão, ou, por outro lado, o interesse de aproveitar –como força passiva de aprendizes– as atividades públicas ou privadas de fornecimento de educação, os governos costumam deixar para o futuro a incidência neste campo tão dinâmico. Ou melhor: o que assistimos, no Mercosul, ao longo de mais de vinte anos, foram XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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as insistentes manifestações do Ministério da Educação brasileiro no sentido de evitar a revalidação de títulos de ensino superior que colocasse em xeque o peso do seu ensino, muitas vezes defasado e incapaz de dar conta das milhares de pessoas que demandam cursos de graduação ou de pós-graduação. Trata-se de um movimento concertado, com MinC, CAPES e CNPq sob a mesma batuta, que chegam a atribuir às instituições estrangeiras, orquestrados, uma série de exigências de aceitabilidade, mesmo colocando algumas delas em “lista negra”, dificultando ou impedindo que os títulos de países de educação forte, como Espanha e Portugal, fiquem no constrangimento de “comprovar”, para estudantes brasileiros, terem uma qualidade de prestação de serviços educacionais suficiente. No âmbito do Mercosul, como se pode imaginar, mais ainda existe dificuldade de comprovar uma qualidade que nem sempre o próprio País demandante consegue oferecer, em todos os seus rincões. Portanto, para obter uma integração mais sólida em termos das comunidades de relações privadas, trata-se de estabelecer políticas concretas, podendo ser estabelecido o seguinte: 1) Favorecer com a disponibilização de bolsas o trânsito de estudantes transfronteiriços, custeando-lhes bilhetes e estadias no caso de grupos de estudo com pesquisas concretas ou na ocasião de trocas de experiências educacionais, visando projetos de extensão que congreguem as pessoas bem mais do que pelo interesse no conhecimento de um idioma (tal como ocorre com o Idioma sem fronteiras, ramificação do Inglês sem fronteiras), dado que não se estabelece por esta via uma política de vinculação permanente. 2) Favorecer com a dotação de espaços específicos, ao modo de incubadora de projetos, a criação de parcerias educacionais, visando a troca plena de informações sobre os procedimentos levados a cabo de parte a parte (o PROHACAP ou o Proformar, na Amazônia, foram experiências bemsucedidas). As experiências a respeito dos trabalhos nas comunidades indígenas podem servir de marco referencial para uma troca que deve ser bem mais abrangente, envolvendo as ONGs (ambientais, sobremaneira) e as entidades de combate ao trabalho escravo. 3) Favorecer as trocas de pessoal técnico, das entidades educacionais primeiramente (e a partir das universidades públicas), por períodos curtos, possivelmente quatro a seis meses, atuando cada pessoa como uma espécie de “estagiário internacional”, capacitando o profissional na visualização dos procedimentos, para um público em ambos os sentidos, propiciando tanto o aperfeiçoamento dos próprios modos de funcionamento como na referenciação ao modus operandi do País recebedor, aquando do retorno à origem. 4) Favorecer as redes de informação, no âmbito das escolas e das entidades de ensino superior, sobre a diversidade territorial, ambiental, patrimonial, linguística, sociocultural, incluindo-se aí as identidades indígenas, as singularidades de cada cidade (presença de grupos de imigrantes, verbi gratia), sempre que se prestem as redes a disponibilizar os resultados das suas próprias investigações para um acesso livre ao desenvolvimento de projetos comuns.

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5) Favorecer a construção de softwares, projetos de mídia ou parcerias artísticas que intercambiassem visitas de equipes interdisciplinares (em cada campo) que pudessem definir os seus objetivos e metas de penetração em terceiros países, num plano de ação comum. Assim, esta paleta inicial de integração tomando em conta pequenos grupos de interesses tão diversificados, mas com ações comuns, deveria ser concretizada também na Amazônia ou no Mercosul do Norte.

Referências DÍAZ LABRANO, Roberto: Mercosur. Integración y Derecho. Buenos Aires, Ciudad Argentina, 2008, p. 25. MARTÍNEZ PUNAL, A.; El sistema institucional del Mercosur: de lo intergubernamental hacia la supranacionalidad. Santiago de Compostela, Tórculo Edicións, 2005. _______; PONTE IGLESIAS, Maria Teresa. La educación en el proceso de integración del MERCOSUR. Santiago de Compostela, 2001. _______; _______. Mercosur y perspectivas de integración en el ámbito de la educación, Moscú, 2001.

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Mercosul Educacional: rumo à expansão ou estagnação? Anna Karollinne Lopes Cardoso1* ThalitaFranciely de Melo Silva2**

C

Introdução om toda competitividade do mercado internacional, a cooperação entre os países que compõem um bloco regional se torna cada vez mais necessária. Com o Mercosul não poderia ser diferente as políticas implementadas na área educacional surgem como forma de auxilio e

fortalecimento desta integração. Segundo Gaddoti (2007, p. 11), “a educação deverá ser um dos eixos fundamentais da transformação da economia e do perfil produtivo da nossa região diante das atuais circunstâncias e desafios”. Nesse sentido, o Mercosul Educacional, oficialmente conhecido como Setor Educacional do Mercosul opera como órgão responsável pela criação e direcionamento destas políticas, auxiliado por quatro Comissões Regionais Coordenadoras de Área (CRC), sendo cada uma responsável por um tipo de educação (básica, tecnológica, docente e educação superior). Inúmeros projetos têm surgido através do SEM, uma iniciativa a ser citada é a assinatura em 2003, de um acordo criando as “escolas de fronteira”, que são escolas criadas em cidades fronteiriças que disponibilizaria o ensino do português e do espanhol. Inicialmente era composto por Brasil e Argentina, porém na XXXI Reunião de Ministros da Educação do Mercosul este acordo se expandiu para todos os países componentes do Mercosul. Atualmente, há oito programas em andamento no âmbito do Mercosul Educacional3. As políticas educacionais sofreram alterações e adaptações ao longo dos anos, em especial, para se enquadrar nas necessidades e nas singularidades dos países componentes do bloco. Pois, sabe-se que o processo de escolarização dos países latinos é caracterizado como tardio ou incompleto. Silva e Júnior Sguissardi (1999), afirmam que a educação era considerada apenas como formação da mercadoria forçade-trabalho, submetendo-se cada vez mais ao capital. Diante disso, este trabalho tem por objetivo analisar os índices apresentados pelo Mercosul Educacional para conhecer até que ponto a educação tem melhorado nos países envolvidos. Para tanto, divide-se este artigo em três partes: inicialmente, parte-se do entendimento da cooperação educacional Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Email: [email protected] Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Email: [email protected] 3 Sistema de Acreditação Regional de Cursos Superiores dos Estados do Mercosul e Estados Associados "ARCUSUL"; Programa MARCA - Mobilidade Acadêmica Regional para os Cursos Acreditados pelo Mecanismo de Acreditação de Cursos Superiores no Mercosul; Programa MARCA para a Mobilidade de Docentes do Ensino Superior; Programa de Associação Universitária para a Mobilidade de Docentes do Ensino Superior do Mercosul; Programa de Intercâmbio Acadêmico de Português e Espanhol; Projeto de Apoio da União Europeia ao Programa de Mobilidade do Mercosul na Educação Superior; Núcleo de Estudos e Pesquisas na Educação Superior do Mercosul; Sistema Integral de Fomento para a Qualidade dos Cursos de Pós-graduação do Mercosul. 1 2

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no Mercosul, compreendendo a estrutura orgânica do setor educacional do Mercosul; posteriormente, será explanada a estrutura do sistema de ensino dos países componentes do Mercosul educacional; e por fim serão analisados os indicadores educacionais produzidos a partir do Mercosul educacional, para então analisar os avanços alcançados dentro do bloco. Cooperação educacional no Mercosul O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado no ano de 1991, por meio do Tratado de Assunção entre os países da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai com a finalidade inicial de constituir a livre circulação de bens e serviços e estabelecer uma tarifa externa e uma política comercial comum, podendo tornar os países participantes do bloco mais competitivos e atrativos economicamente no cenário internacional. Para Beshara e Pinheiro (2008, p. 2-3), os países da região têm demonstrado interesse em coordenar posições e em negociar acordos, visando, especialmente, à obtenção de ganhos econômicos por meio de uma inserção cooperativa no sistema internacional. Goin (2009, p.8) destaca que a diplomacia ministerial, em consonância com o arcabouço institucional do Mercosul, percebeu o vínculo do projeto do bloco, em especial, as estratégias econômicas ligadas ao papel da educação para a consecução da integração econômica e o fortalecimento do processo integracionista. O Conselho do Mercado Comum institui por meio da Resolução 7/91, a primeira Reunião dos Ministros de Educação dos Países do Mercosul realizada em 1991, fortalecendo assim, para que se fosse criado o Setor Educacional do Mercosul (SEM). O SEM foi criado em 13 de dezembro de 1991, com base na ideia de que a integração regional não deve estar apenas baseada nos interesses econômicos e políticos, mas que seria necessário também uma identificação cultural e social em comum, como a criação do “eu”sul-americano. Os países do Mercosul afirmam no Plano de Ação do Setor Educacional do Mercosul (Mercosul, 2011, p. 4-5) que: [...] ainda persiste uma forte desigualdade nos resultados educacionais, permanecendo em situação vulnerável parte das populações historicamente excluídas. Também é sensível a necessidade de se ampliar a vinculação da educação com o trabalho, levandose em consideração as questões geográficas e sociais. [...] No que tange à integração regional, observa-se que as políticas educacionais incluem conteúdos e ações comuns para a formação de uma identidade regional, com vistas a alcançar uma educação de qualidade para todos, comprometida com o desenvolvimento social e que dá atenção especial aos setores mais vulneráveis e que reconheça a importância do respeito à diversidade cultural dos povos da região.

A Estrutura orgânica do Setor Educacional do Mercosul foi aprovada no ano de 2001 e o CMC, através da decisão 15/01, o que permitiu significativos avanços em acordos cooperativos. A figura 1 a seguir detalha a estrutura orgânica do SEM. Figura 1- Estrutura orgânica do Setor Educacional do Mercosul XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Fonte: MERCOSUL EDUCACIONAL (s.a).

A Estrutura orgânica do Setor Educacional do Mercosul permite que, por exemplo, diversos temas educacionais em Grupos de Trabalhos possam ser discutidos a fim de que estratégias e soluções possam ser encontradas em cada área específica. De modo geral, as instâncias orgânicas possuem as funções políticas (objetivos estratégicos), as Técnicas (áreas e linhas de ação) e as de execução (elaboração e execução de projetos). Os integrantes do Mercosul Educacional são os representantes dos países membros e associados (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e que são escolhidos pelos seus respectivos governos. De acordo com estrutura organizacional o programa procura integrar e desenvolver a educação de todos os envolvido, quer sejam eles países observadores ou associados. Nesse sentido, se faz necessário conhecer a estrutura de ensino dos países componentes do Mercosul Educacional a fim de analisar a evolução e os desafios enfrentados na cooperação educacional no Mercosul.

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Estrutura do sistema de ensino dos países componentes do Mercosul Educacional Argentina O sistema educativo argentino é tradicionalmentecentralizado e organizado em quatro níveis de ensino: Iniciante, Primário, Secundário e Superior (MERCOSUL, 2011). o

A Educação Inicial abrange crianças com 45 dias de vida até os 5 anos de idade, sendo

obrigatória apenas no ultimo ano. o

A Educação Primária é composta por 6 ou 7 anos de curso, tem como objetivo

fundamentar a base escolar com habilidades, conhecimentos e valores de crianças e adolescentes de 6 a 12 anos. o

O Ensino Secundário é composto por dois ciclos, este é responsável pela criação de um

currículo de base para jovens de 12 aos 17 anos, proporcionando em 6 anos o aprendizado de diferentes áreas de conhecimento e esforço social e produtivo. o

A Educação Superior é a educação pós-secundáriacabendo as instituições de forma

adequada oferecer educação universitária ou não universitária através de cursos com duração de 5 ou 6 anos no caso da primeira e 3 ou 4 anos no caso das não universitárias.

Brasil O desenvolvimento recente do sistema educacional brasileiro está inserido no processo de consolidação democrática, marcado por um novo arranjo institucional que se caracteriza pelo elevado grau de autonomia dos três níveis de governo e pela descentralização das políticas educacionais. A atual estrutura do sistema educacional regular compreende a educação básica – formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – e a educação superior. o

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, é oferecida em creches, para

crianças de até 3 anos de idade e em pré-escolas, para crianças de 4 a 5 anos de idade (LDB 9394/96, Art. 31). o

O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola

pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade (LDB 9394/96, Art. 32), é obrigatório e gratuito na escola pública, cabendo ao Poder Público garantir sua oferta para todos, inclusive aos que a ele não tiveram acesso na idade própria. o

O ensino médio, etapa final da educação básica, temduração mínima de três anos e atende

a formação geral do educando, podendo incluir programas de preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional. (LDB 9394/96, Art. 35). Além do ensino regular, integram a educação formal: a educação especial, para os portadores de necessidades especiais; a educação de jovens XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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e adultos, destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade apropriada; e a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciências e à tecnologia, com o objetivo de conduzir ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Já o ensino de nível técnico é ministrado de forma articulada com o ensino médio ou de forma subseqüente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio. o

A educação superior abrange os cursos de graduação nas diferentes áreas profissionais,

abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processos seletivos. Também faz parte desse nível de ensino a pós-graduação, que compreende programas de mestrado e doutorado e cursos de especialização. De acordo com a legislação vigente, compete aos municípios atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil e aos Estados e o Distrito federal, no ensino fundamental e médio. O governo federal, por sua vez, exerce, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, cabendo-lhe prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Além disso, cabe ao governo federal organizar o sistema de educação superior. Chile O sistema educacional chileno é baseado na Educação Formal, Ensino Flexível e Educação Superior. A Educação Formal é composta pela: Educação Pré-Escolar, Educação Especial, Educação Básica, Educação Média e Educação Superior. Este método de ensino é classificado como descentralizado, onde a gestão dos estabelecimentos educacionais é realizada pelos municípios ou instituições privadas que levam à responsabilidade do Estado (MERCOSUL, 2011). o

O nível de educação pré-escolar atende a crianças a partir de 84 dias a 5 anos de idade

através de uma variedade de instituições públicas e privadas. Não é obrigatório e a idade média dos matriculados, consiste principalmente das crianças entre os 4-5 anos de idade. o

O nível da educação básica dura oito anos para os alunos entre 6 e 13 anos de idade, tem

como foco a aprendizagem de assuntos básicos da formação educacional. o

Educação média tem duração de quatro anos, para alunos entre14 e 17 anos de idade. O

currículo de formação geralmente se estende até o segundo ano de educação média para todos os alunos. o

A educação no nível superior corresponde ao nível pós-secundário de ensino e é

desenvolvido por três tipos de instituições: Universidades, Institutos Profissionais e Centros de Formação Técnica. o

A educação especial é responsável pelo atendimento de crianças, jovens e adultos com

necessidades educativas especiais, tais como deficiência visual, mental, auditiva, distúrbios motores e autismo.

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o

Educação Flexível aplica-se aos níveis pré-escolares e educação de adultos. Esta é

responsável por garantir a entrega de educação de qualidade inicial para crianças com menos de quatro anos em situação de vulnerabilidade, através da criação, promoção, acompanhamento e certificação de viveiros e jardins de infância geridos diretamente ou através de espaços privados, e aborda pessoas com mais de 15 anos, ajustando diferentes ritmos de aprendizagem e escassez tempo para estar no mercado de trabalho, tem uma duração mais curta do que o ensino regular. Paraguai A educação formal é dividida em três níveis: o primeiro nível inclui educação pré-escolar e educação básica; o segundo nível ensino secundário, e o terceiro nível é o ensino superior. O Sistema Nacional de Educação inclui também a Educação Continuada para Jovens e Adultos (MERCOSUL, 2011). o

Educação pré-escolar não é obrigatória e incluem creches (0-2 anos), jardim de infância(3-

4 anos) e pré-escolar, para crianças de 5 anos. o

O ensino elementar é obrigatório e livre em escolas dirigidas por lei oficial. Ele

compreende nove graus e é ensinado a crianças de 6 à 14 anos. Este nível é dividido em três ciclos de três anos cada um: Primeiro ciclo (1º, 2º e 3º ano), segundo ciclo (4o, 5o e 6o ano) e terceiro ciclo (7º, 8º e 9º ano). o

O ensino médio tem duração de três anos e tem ênfase em ciências sociais, tecnologia e

cursos técnicos. o

Ensino Superior é desenvolvido através de universidades, faculdades, e outras instituições

de formação profissional do terceiro nível de institutos de formação de professores e institutos Técnicos. Inclui cursos universitários, de pós-graduaçãoe não universitário. Além disso, o Paraguai disponibiliza educação especial, alfabetização e educação de Jovens e Adultos, educação para o trabalho, ensino médio à distância para jovens e adultos, formação profissional, entre outros. Uruguai Na República Oriental do Uruguai a Constituição e o estatuto legal organizam o Sistema Nacional de Educação, coordenado por meio de ações educacionais, formal e não formal, desenvolvido e promovido pelo Estado. Este, por sua vez, responde a uma Política Nacional de Educação integrada e articulada para que todos no país tenham acessoa aprendizagem de qualidade ao longo de toda vida e em todo o território. A Constituição da República e a Lei Geral Educação N º 18.437, adotada em 12 de

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dezembro2008, estabelecem metas de curto e longo prazo com vista à construção de um projeto sólido e abrangente (MERCOSUL, 2011). A educação formal uruguaia inclui os seguintes níveis: o

A educação inicial tem o papel de estimular e desenvolver

o emocional, o

social, o motor intelectual de crianças de 3 à 5 anos. o

O Ensino Médio é composto por dois ciclos: o básico, que atende os alunos provenientes

do ensino inicial e o bacharelado e técnico que funciona como uma preparação para o ensino superior. o

O Ensino Médio superior apresenta três níveis que vão desde ensino básico até a

fundamentação profissional. o

A Educação Terciária ou Superior que se divide em especialização em alguma área de

estudo, na formação de professores e mestres. Venezuela O sistema educacional venezuelano é um sistema unitário, pois apresenta uma única via ascendente de estudos. O sistema educativo venezuelano compreende níveis e modalidades. Os níveis são a Educação Pré-escolar, a Educação Básica, a Educação Média Diversificada e Profissional, Educação Especial e a Educação Superior (MERCOSUL, 2011). o

Educação pré-escolar constitui o primeiro nível do sistema educativo e compreende a fase

maternal (crianças dos 0 aos 3 anos) e o pré-escolar obrigatório (crianças dos 3 aos 7 anos). o

A educação básica que é o segundo nível obrigatório do sistema educativo e é composto

por três ciclos, cada um com uma duração de três anos, para crianças de 7 aos 16 anos. o

Educação Média Diversificada compõe o terceiro nível do sistema educativo, depois de

obtido aprovação, o aluno pode ingressar no ensino Superior ou no mercado de trabalho. o

Educação Superior é o quarto nível do sistema educativo e é responsável pela formação

profissional e a graduação. São escolas de educação superior: as universidades, os institutos universitários pedagógicos, politécnicos, tecnológicos e os colégios. o

A educação especial consiste em encontrar métodos e recursos especializados para

crianças cujas características físicas e intelectuais impedem adapta-se aos programas dos níveis do sistema educativo. São considerados indivíduos com necessidades especiais que apresentem atraso mental, dificuldades de aprendizagem, deficiências auditivas, visuais, problemas linguísticos, impedimento físico e autismo. Após conhecer a estrutura do sistema de ensino dos países componentes do Mercosul educacional, faz-se necessário analisar alguns indicadores produzidos a partir do Mercosul Educacional, para investigar se houve avanços na área educacional.

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Indicadores educacionais produzidos a partir do Mercosul Educacional A produção de indicadores educacionais do Mercosul passou a ser parte da agenda política deste bloco a partir do ano de 1997, com a realização do I Seminário-Oficina, no Chile, com o apoio da Oficina Regional de Educação para a América Latina. Para o Mercosul (2008, p. 52), a produção de indicadores educacionais é uma “forma de viabilizar os projetos e o processo de integração das políticas educacionais na região, o SEM produz e mantém, desde a sua criação, informações estatísticas, comparáveis e atualizadas, sobre os sistemas educacionais dos países membros.” O Sistema de Informações do Mercosul torna possível o conhecimento da real situação dos países e para que viabilizasse a formulação de novas politicas educacionais contribuindo assim para o crescimento de todos envolvidos. O desenvolvimento das estáticas dos indicadores educacionais é competência do Grupo de Trabalho Indicadores (GTI) 4. Nesse sentido, os governos nacionais se propuseram a promover em seus países um conjunto de ações entre as quais se encontra a avaliação da qualidade da educação por meio de indicadores nacionais, subnacionais e regionais (CÚPULA DAS AMÉRICAS, 1998). O Setor Educacional do Mercosul (SEM), Sistema de Informação e Comunicação do Mercosul Educacional (SIC) e o Grupo de Gestão de Projeto (GGP), elaboram e divulgam os indicadores educacionais produzidos anualmente. Assim, com base nos dados disponibilizados, será discutida a produtividade e a eficácia do programa educacional no âmbito deste bloco. Importa, também, mencionar algumas dificuldades encontradas para o desenvolvimento desta pesquisa, em especial, no que diz respeito aos poucos dados disponibilizados e atualizados sobre a temática em questão. Na tabela 1 a seguir, apresenta dados demográficos e educacionais dos países que compõem o SEM no ano de 2006. Tabela 1 - Indicadores Globais 2006 ARGENTINA

BRASIL

CHILE

PARAGUAI

URUGUAI

POPULAÇÃO

38.970,608

187.227,792

16.432,674

6.009,142

3.314,466

TAXA DE

2,6

10,4

1,3

5,1

2,2

86,6

79,4

94,9

90,6

85,9

12.764.901

59.515.887

4.579.138

1.709.352

948.399

9,9

13

4,3

5,3

12

ANALFABETISMO % TAXA DE APROVAÇÃO% TOTAL DE MATRICULADOS TAXA DE REPROVAÇÃO%

4

O Mercosul Educacional não disponibilizou até a presente data indicadores educacionais contendo dados da Venezuela.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 520 TAXA DE

3,5

7,5

0,8

4,1

2

4,6

4,5

3,4

*SEM

2,9

ABANDONO GASTOS PUBLICOS

INFORMAÇÃ

(% DO PIB)

O

Fonte: Mercosul (2006). De acordo com a tabela 1, pode-se verificar que o elevado contingente populacional sulamericano. Contudo, nota- que o Brasil possui a maior taxa de analfabetismo entre os países do Mercosul com 10, 4%, a maior taxa de reprovação com 13% e a maior taxa de abandono com 7,5%, fato este que pode ser compreendido pelo fato de possuir a maior população entre os países. Quanto à taxa de aprovação, destaca-se o Paraguai, com o elevado número de 90, 6%. Já a Argentina, teve a maior porcentagem com os gastos públicos, 4,6%. Para verificar se os países componentes do bloco alcançaram avanços ou retrocessos na área educacional, a tabela 2 mostra os indicadores globais do ano de 2011. Tabela 2- Indicadores Globais 2011 ARGENTINA

BRASIL

CHILE

PARAGUAI

URUGUAI

POPULAÇÃO

41.261.490

195.242.800

17.248.450

6.561.785

3.285.877

TAXA DE

1,9

8,6

3,2

5,4

1,7

88,7

87,6

95

90,7

87,3

13.867.111

57.901.943

4.784.860

2.010.810

999.284

9,2

9,6

4,4

3,6

11,7

2,1

2,8

0,6

5,7

1

5

5,5

3,7

*SEM

*SEM

PUBLICOS(% DO

INFORMAÇÃ

INFORMAÇÃ

PIB)

O

O

ANALFABETISMO % TAXA DE APROVAÇÃO% TOTAL DE MATRICULADOS TAXA DE REPROVAÇÃO% TAXA DE ABANDONO GASTOS

Fonte: Mercosul (2011) De acordo com a tabela 2, pode-se verificar que quanto à taxa de analfabetismo, Argentina, Brasil e Uruguai tiveram os indicies inferiores ao ano de 2006. Enquanto, Chile e Paraguai, os indicies aumentaram. No que tange a taxa de aprovação, todos os países aumentaram o número de aprovados. Quanto à taxa de reprovação, todos os países diminuíram a taxa de reprovação, exceto o Paraguai que aumentou seu índice em 0,1 %. Por fim, os gastos públicos aumentaram na Argentina, Brasil e Chile. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Gadotti (2007) afirma que a educação deverá ser um dos eixos fundamentais da transformação da economia e do perfil produtivo da nossa região diante das atuais circunstâncias e desafios. O Mercosul projeta para o futuro o avanço educacional entre os países do bloco, como acordado na XX Cúpula Iberoamericana de Chefes de Estado. Foi aprovado o Programa “Metas 2021, cujo objetivo é melhorar a qualidade e a equidade na educação para fazer frente à pobreza e à desigualdade, assumindo o compromisso de investir mais e melhor na educação nos próximos 10 anos (MERCOSUL, 2011). Como visto, nas tabelas apresentadas, o Setor Educacional do Mercosul tem alcançado alguns avanços na área educacional. Mas vale ressaltar, a necessidade de aprofundar os espaços de negociação entre os países componentes do bloco, organismos internacionais e a sociedade civil, de modo que os objetivos traçados no plano de ação do setor educacional do Mercosul sejam efetivados. Dentre eles, ressalta-se: promover a educação de qualidade para todos, fortalecer a integração regional e coordenar políticas cooperativas na área da educação. Considerações finais Os países componentes do Mercosul ao longo dos anos passaram a se preocupar não apenas com questões econômicas, mas com a valorização dos aspectos sociais e culturais dentro do bloco, reconhecendo os benefícios da integração entre as culturas. Além disso, percebeu-se que era necessário elaborar políticas públicas e ações que garantissem a efetivação de políticas educacionais. Sendo assim, o Mercosul educacional possui papel fundamental no que diz respeito a área da educação e nas estratégias de desenvolvimento dos países latino-americanos. Gadotti (2007) diz que uma das contribuições do Mercosul Educacional é justamente a busca e consolidação de um projeto próprio para o Mercosul. Por outro lado, a política educacional proposta pelo Mercosul enfrentou algumas dificuldades, por exemplo, em relação as disparidades estruturais apresentadas nos sistemas educacionais de cada país, o que dificulta o desenvolvimento de políticas educacionais dentro do bloco. Além disso, percebe-se a falta de conhecimento por parte da sociedade civil dos programas e projetos do Mercosul Educacional. Contudo, a análise de todos os dados expostos neste trabalho nos leva a considerar que o Mercosul Educacional é uma realidade e este tem cooperado para a consolidação da integração entre os países do bloco. A educação apresentou avanços em todos os países envolvidos, a taxa de analfabetismo apresentou queda, sendo assim diante de todas as barreiras advindas tanto do cenário interno quanto do meio internacional podemos afirmar que o setor educacional do Mercosul caminha para a expansão, e tem assim alcançado sua meta, não de forma totalitária, pois ainda há muito a se conquistar, mas os avanços alcançados demostram que as medidas e os planos de ações tomados tem contribuído para o avanço do setor e para o crescimento da integração.

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Referências BESHARA, Gregory; PINHEIRO, Leticia. Educação e política externa: a experiência brasileira no Mercosul educacional. In: Relatório de Pesquisa “Política Externa e Educação - um estudo comparativo sobre a atuação do Brasil na CPLP e no Setor Educacional do Mercosul”, Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, 2008. BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília: 1996. CÚPULA DAS AMÉRICAS (1998), publicado em [http://www.ftaa-alca.org/Summits/Santiago/plan_p.asp]. Disponibilidade 25/08/2015. GADOTTI, Moacir. O Mercosul Educacional e os desafios do século 21. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007 GOIN, Mariléia. Da lógica do capital à lógica educacional: o debate sobre a educação no âmbito do Mercosul. Sociedade em Debate, 15 (1), p. 7-30, 2009. MERCOSUL. Plano de Ação do Setor Educacional Do Mercosul 2011- 2015, 2001. publicado em [http://www.sice.oas.org/trade/mrcsrs/decisions/DEC_020-2011_p.pdf]. Disponibilidade 14/08/2015. _________. Indicadores Estadísticos del Sistema Educativo del Mercosur. 2006, publicado em [http://edu.mercosur.int/pt-BR/estatisticas/finish/18-estatisticas-estadisticas/102-indicadores-educacionaismercosur-2006.html]. Disponibilidade 14/08/2015. _________. (2011). Indicadores Estadísticos del Sistema Educativo Del Mercosur. 2011, publicado em [http://edu.mercosur.int/es-ES/estatisticas.html]. Disponibilidade 14/08/2015. _________. Instâncias do Setor Educacional do Mercosul, publicado em [http://edu.mercosur.int/pt-BR/mercosuleducacional/instancias.html]. Disponibilidade 14/08/2015. SILVA JUNIOR, João R, SGUISSARDI, Valdemar. Novas faces da educação superior no Brasil: reforma do Estado e mudança na produção. Bragança Paulista: EDUSF, 1999.

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RESUMOS

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Resumo

Contradições Da Democratização Recente Da Educação Superior Máximo Augusto Campos Masson

O

trabalho procura apreender, com base na literatura sociológica nacional e nos estudos de pierre bourdieu sobre o campo educacional, o processo de expansão recente do ensino superior no brasil, após a eleição de governos de centro-esquerda, tomando-os como exemplares para compreendermos as relações entre educação superior, democratização da sociedade e desenvolvimento econômico na américa do sul. É objeto de estudo contradições entre os objetivos das políticas estabelecidas para o ensino superior na primeira década do atual século e o recente retorno ao contingenciamento de recursos públicos, sobretudo por emergirem focos de tensão no espaço universitário por força do aumento de matrículas e da maior presença de estudantes que necessitam de subsídios governamentais para realizarem suas trajetórias acadêmicas. São consideradas em nossa análise aspectos históricos da educação superior brasileira, modificações no tradicional papel da educação na formação de força de trabalho qualificada e o cenário internacional decorrente da crise de 2008, marcado por: permanência da dominância do capital financeiro e da concentração de capital, livre fluxo de capital, contração de créditos, ampliação do desemprego e prevalência do terciário na absorção da força de trabalho. Sublinham-se os efeitos econômicos e políticos decorrentes da continuidade da tendência de expansão da educação superior mediante a ampliação de cursos de ciências humanas ou áreas correlatas, tanto em relação ao desenvolvimento nacional, quanto no tocante à efetiva concretização de expectativas de mobilidade ascendente de segmentos de classes de menor capital econômico, apesar da adoção de iniciativas políticas voltadas à formação de quadros de alta qualificação – em especial, doutores e “pós-doutores” - nas áreas das ciências físico-químicas e de engenharias. Os segmentos de menor renda vêem na ampliação dos percursos escolares o meio mais viável para atingir objetivos de ascensão social, principalmente quando, tal como ocorreu recentemente na sociedade brasileira, são superados obstáculos formais para a ampliação de seus percursos escolares (restrição na oferta de vagas e escassez de subsídios para continuidade dos estudos), embora permaneçam de forma quase inabalável outros obstáculos à mobilidade social como a menor posse de capital cultural. Esses obstáculos terminam por balizar suas opções profissionais e de inserção no ensino superior, aglutinando-os em áreas consideradas de “menor prestígio”, entre essas as licenciaturas. A configuração de uma conjuntura econômica recessiva produz um quadro conflituoso, cuja reprodução poderá propiciar cenários políticos capazes de interromper a democratização do acesso ao ensino superior com consequências nefastas para aspirações de desenvolvimento científico e tecnológico nacional.

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Resumo

Desafios do ensino superior no Mercosul: Permanência e inclusão no ensino superior. Rita de Cassia França Fontoura

N

o Brasil e na America Latina, o acesso a educação superior é ainda um grande desafio. Para milhões de jovens de baixa renda, entrar e se manter em uma Universidade é ainda muito problemático, pois não existe uma estrutura adequada que impossibilita a sua

permanência. O presente trabalho pretende investigar o acesso e permanência na Universidade pública no Brasil e na America do sul. Aborda-se os impactos da ampliação do acesso dos jovens de baixa renda no Brasil, Argentina e Uruguai no ensino superior. Discuti-se o processo de interiorização das universidades, com a ampliação de cidades que tiveram condições de receber uma universidade ou cursos superiores, sobretudo no caso do Brasil. Tendo em vista que são cidades de uma região desfavorecidas economicamente e que prevalece o comercio e agricultura familiar como fonte de emprego que agrega pouco valor. Se as mudanças ocorridas no âmbito socioeconômico onde emprego direto e indireto gerado pela Universidade contribuiu para economia e o desenvolvimento destas cidades. Este trabalho diz respeito à expansão do capital social e suas consequências para o desenvolvimento social em contextos de expansão do ensino superior, trazendo mudanças educacionais e de cultura política que, por sua vez, reflexivamente, incrementam o capital social. O recorte empírico do objeto é a expansão e interiorização do ensino superior a partir da primeira década do século XXI, nos países do Mercosul, em especial para o caso emblemático do Brasil, um pais com característica continental, mas com uma fraca interiorização do acesso.Os impactos da educação superior na formação de uma cultura política e cívica na comunidade regional, na formação do capital social são representados pelo nível de associativismo e organização dos grupos de interesse (profissionais, corporativos, minorias, civis etc.), observando-se como a confiança, a cooperação e a participação ocorrem e servem de base para a própria mobilização da sociedade, em função da formação de uma consciência coletiva fomentada pela própria educação. A base a ambiência da universidade; estabelecem formas de sociabilidade e redes de inter-reconhecimento entre universidade e comunidade que possibilitam a ampliação de uma cultura participativa que mobiliza recursos que acumulem capital social.

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Resumo

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) como política de formação de professores: a experiência do curso de Geografia/UFGD Silvana de Abreu Adauto de Oliveira Souza

É

objetivo deste trabalho, analisar o processo formativo dos professores de Geografia considerando políticas de governo instaladas recentemente no Brasil, cujas proposições pretendem melhorar a prática do professor, o que significa um esforço para atuar na formação

do professor e na formação do sujeito, estudante, no Ensino Básico. A reprodução do conhecimento e o processo formativo pautado na sala de aula, também na formação universitária, é aspecto importante para compreendermos a prática reprodutora/transmissora de informações que parte importante dos professores ainda assumem e que estagiários, futuros professores, “praticam”. Dessa forma, nos voltamos para a experiência promovida pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), criado como política governamental para promover melhorias na formação de professores e também na educação básica. O Programa concede bolsas para alunos das licenciaturas participantes de projetos de Iniciação à Docência, orientados por professores universitários que elaboram e exercem a coordenação do Projeto, bem como bolsas para professores-tutores, nas escolas envolvidas, para dedicarem-se aos projetos aprovados, dos quais também são sujeitos. Os acadêmicos vivenciam as questões que envolvem a escola, a formação (fora da sala de aula) e o planejamento escolar. Na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), como resultado do PIBID/Geografia, o ganho para a formação do futuro professor comparece em experiências registradas e também em monografias realizadas pelos acadêmicos. A experiência que vivenciamos representa a incorporação de diferentes linguagens e práticas formadoras que buscam superar o uso do livro didático sem, contudo, desprezá-lo, mas permitindo que ele seja instrumento de ensino. Além disso, tem permitido trocas significativas para o desenvolvimento de atividades integradas de ensino, pesquisa, extensão, cultura, contribuindo para a busca compartilhada de alternativas didáticas orientadas para práticas educativas que possibilitem articulação, dinamização e flexibilização do processo de ensino e aprendizagem. Outro aspecto inerente ao PIBID Geografia é a contribuição para a valorização do trabalho docente e estabelecimento de relações colaborativas estreitas entre a escola de Educação Básica e a Universidade, com atividades de ensino, pesquisa e extensão ligadas ao curso de licenciatura. Trata, sobretudo, de capacitar os acadêmicos e bolsistas para o domínio teórico-prático das linguagens artísticas no processo de alfabetização geográfica e formação para a cidadania.

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Resumo

Produção acadêmica e lixo científico no Brasil Flávio Bezerra de Farias

R

ecusam-se tanto a ideologia dos centros de excelência, quanto a ideologia produtivista da norma sobre a carreira docente nas instituições federais de ensino superior. Defende-se o princípio da primazia das relações científicas inerentes às atividades fins da universidade

sobre esta norma burocrática, cuja reificação implica o menosprezo pela exposição na forma de livro. Reivindica-se uma norma respeitosa da autonomia universitária, não corporativista, não burocrática e não produtivista; que respeite a autonomia da produção acadêmica quanto ao ritmo, à qualidade e às especificidades em termos de área de conhecimento e região.

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XII

Arte e Cultura na América Latina

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ARTIGOS

América do Sul na Bahia Antonio Albino Canelas Rubim1 Linda Rubim2 Renata Rocha3

O

texto poderia também ser nomeado, sem problemas, por títulos como América Latina na Bahia ou Ibero-América na Bahia ou mesmo Mercosul na Bahia. Não se trataria de imprecisão conceitual, mas da indefinição de fronteiras do estudo ou mais precisamente do

trabalho realizado por alguns organismos da Universidade Federal da Bahia na busca de intercâmbio no campo dos estudos de cultura entre a Bahia e estas regiões, de recortes diferenciados, mas de grandes interfaces e semelhanças. Nesta perspectiva, a expressão América do Sul deve ser lida de modo largo, como metáfora que desvela a busca ativa de relações sul-sul. A Bahia viveu historicamente e ainda vive na atualidade longe da América do Sul, da América Latina, da Ibero-América ou do Mercosul. Sua posição geográfica, distante de quaisquer fronteiras (terrestres), inclusive de todas as sulamericanas, fez com que este estado adquirisse certo isolamento destas territorialidades. Seus contatos internacionais, além das tradicionais ligações com países dominantes, têm sido com uma África construída imaginariamente pelos baianos, em especial, pelo seu movimento negro. Branca, índia e negra, mestiça e diversa, hoje a Bahia precisa se reconhecer e cooperar com tais regiões. Salvador, capital do Brasil de 1549 até 1763 e hoje capital do estado da Bahia, foi até o século XVIII uma das maiores aglomerações urbanas do hemisfério sul, a mais rica e populosa cidade do império português, depois de Lisboa (Risério, 1993, p.160). Ela era porto e entreposto de trocas do império português, ligando Europa, América, África e Ásia. Após a transferência da capital para o Rio de Janeiro em 1763, da independência do Brasil e da instalação do império, em 1822, Salvador e Bahia entram em longo declínio. Seu desenvolvimento só vai ser reanimado a partir dos anos 50 do século XX, com a pioneira descoberta do petróleo, mudanças sociais e econômicas, modernização urbana de Salvador e renascimento cultural baiano. Além dos tradicionais intercâmbios com os países hegemônicos da Europa e da América do Norte, desde os anos 70 do século XX, a Bahia e, em especial, seu Recôncavo e sua capital, redescobriram sua negritude e buscaram relações com a África. Mas as conexões com a América do Sul, América Latina, Ibero-América e Mercosul continuaram esquecidas, quase inexistentes.

Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da Universidade Federal da Bahia. Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Endereço eletrônico: [email protected] ou [email protected]. 2 Professora do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade e pesquisadora do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da UFBA. Endereço eletrônico: [email protected]. 3 Pós-Doutoranda (PNPD/Capes) na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutora em Cultura e Sociedade pela UFBA. Vice-coordenadora do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da UFBA. Email: [email protected]. 1

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Este texto analisa um conjunto de iniciativas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a partir do século XXI, inicialmente na Faculdade de Comunicação (FACOM) e depois no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), buscando instalar, desenvolver e consolidar um olhar e uma cooperação internacional na área de estudos da cultura, em especial com América do Sul, América Latina, Ibero-América e Mercosul. O trabalho visa a fazer um balanço crítico destas atividades de intercâmbio cultural, anotando suas interconexões, seus erros e acertos, seus impactos, além de refletir sobre as perspectivas de continuidade e aprimoramento da cooperação cultural universitária. Estudos da cultura e contextos latino-americanos Jésus Martin-Barbero (2010), no texto “Notas para hacer memoria de la investigación cultural en Latinoamérica”, esboça uma memória da investigação cultural na América Latina. Ele propõe três períodos-chave do século XX: os cimentos, os processos e as práticas. No período denominado “tiempo de los cimientos” que vai da década de 1930 a 1950, ele considera três autores decisivos: o crítico literário mexicano Alfonso Reyes, que estabelece relações entre as transformações das identidades e das oralidades, línguas e escrituras; o antropólogo e historiador cubano Fernando Ortiz, cujos estudos pioneiros sobre a sedimentação dos modos do sentir, em especial no livro El contrapueto cubano del tabaco y del azúcar, propõem o imbricamento entre economia e cultura; e, por fim, o peruano José Carlos Mariateguí ao questionar criticamente de forma sociopolítica os mitos comuns e as contradições que formam a Indo-América. O “tiempo de los procesos”, nas décadas de 1950 a 1970, também conforma uma tríade: o historiador argentino José Luis Romero, que traça uma tipologia histórica das cidades, com relações entre política, cultura e economia; o educador brasileiro Paulo Freire ao assinalar a face sociocultural da teoria da dependência e inserir o processo de educação em uma perspectiva emancipatória; o crítico literário uruguaio Ángel Rama, com a história da cidade letrada e a reelaboração do termo “transculturação”, inicialmente adotado por Fernando Ortiz. Por fim, o “tiempo de las prácticas”, nos últimos vinte anos do século XX. Ele ressalta como marcos deste momento a realização de dois eventos: uma reunião organizada pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), em Buenos Aires, em 1983, e o encontro convocado por Néstor García Canclini e Frederic Jameson, no ano de 1993, na Universidad Autónoma Metropolitana Iztapalapa, na Cidade do México. Em sintonia com a conjuntura existente nos oitenta, chamada de “década perdida”, logo no primeiro encontro, emergiram autores como Carlos Altamirano, Oscar Landi e Néstor García Canclini. O segundo evento possibilitou a cooperação com os Estudos Culturais nos Estados Unidos, com novas perspectivas acerca das relações entre gênero e poder, além de pensar as diferenças com base

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em conceitos como diversidade e interculturalidade. A cultura adquire papel decisivo nas reflexões que abordam o desenvolvimento social e a participação cidadã. Neste período se iniciam os debates acerca das relações com os Estudos Culturais. Diversos autores afirmam a existência de uma corrente de Estudos Culturais latino-americanos, seja como ponto de partida para a análise, a exemplo de Nelly Richard (2010), Ana Carolina Ecosteguy (2001) e Renato Ortiz (2004), seja para a desconstrução desta perspectiva, conforme textos de Néstor García Canclini (2010), Jesus Martín-Barbero (2010), Eduardo Nivón Bolán (2012) e Daniel Mato (2002). Os principais referenciais dos Estudos Culturais latino-americanos, segundo os autores citados, seriam o filósofo e estudioso da comunicação colombiano Jesus Martín-Barbero e o antropólogo argentino Néstor García Canclini, seguidos de teóricos como Beatriz Sarlo, Catherine Walsh, George Yúdice, Renato Ortiz, dentre outros. Martín-Barbeiro, no entanto, se contrapõe à ideia da existência dos Estudos Culturais latinoamericanos: “(...) en América Latina hacíamos Estudios Culturales mucho antes de que otra gente les pusiera la etiqueta”. (2010, p. 133). Daniel Mato (2002), por sua vez, reivindica que, ao “aportar” na região, os estudos culturais já se deparam com um percurso de práticas intelectuais transdisciplinares e críticas, centradas nas relações entre cultura e poder. Ele considera como “marcas genealógicas del campo” (p. 34), autores como: Simón Rodríguez, José Martí, Fernando Ortíz, José Carlos Mariátegui, José María Arguedas, Paulo Freire, Anibal Quijano, Orlando Fals Borda, Augusto Boal, além de movimentos culturais, indígenas, afro-latino-americanos, feministas, de direitos humanos etc. Apesar das controvérsias, dispersão e diversidade do que seriam os Estudos Culturais latinoamericanos, podem ser apontados como aspectos constitutivos deste projeto: politização da cultura através do acionamento do conceito gramsciano de hegemonia; ascensão de objetos ditos menores ou marginais como temas de investigação científica ou de reflexão cultural e transdisciplinaridade como ponto de partida ou meta a ser perseguida pelos projetos de estudo (Grimson, Caggiano, 2010). O quadro desvela o caráter recente dos estudos e seus frágeis diálogos e conhecimento mútuos. Os desafios a serem enfrentados são enormes e ainda mais dramáticos para o Brasil e, em particular para a Bahia, dado seu afastamento geográfico, histórico, linguístico e cultural em relação ao ambiente regional. Neste sentido, cabe destacar algumas iniciativas encetadas localmente no sentido de contribuir para a construção de espaços de diálogo e intercâmbio cultural, destacadamente em uma perspectiva latinoamericana. Breve informação sobre o CULT O Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT), criado em 2003, tem como principais objetivos: desenvolver estudos e pesquisas multidisciplinares em cultura, consolidando-se como referência para investigações nesta área; acompanhar criticamente os itinerários da cultura na Bahia, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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no Brasil e no mundo; fomentar o intercâmbio acadêmico entre instituições, redes e estudiosos, nacionais e estrangeiros, e promover atividades de extensão a fim de difundir suas pesquisas e refletir sobre estudos de cultura (CULT, 2003). Como anotado em seus objetivos, o intercâmbio acadêmico, desde sempre, apareceu como uma das prioridades do CULT. Já em setembro de 2004, ele promoveu o I Curso Internacional de Gestão Cultural, coordenado pelos pesquisadores Antonio Albino Canelas Rubim (UFBA) e Rubens Bayardo (Universidades San Martín e de Buenos Aires), na Argentina, além da primeira versão da Cátedra Andrés Bello. A Cátedra, também ofertada em 2005, integrava cursos de extensão e pesquisa, promovidos pelo Convênio Andrés Bello (CAB) em parceria com o CULT, o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) e a UFBA. A Cátedra teve nas suas duas versões como tema central: Políticas e redes de intercâmbio e cooperação em cultura no âmbito ibero-americano. Estes eventos iniciais sinalizam que o intercâmbio priorizava esta região, sem desprezar outras territorialidades. No ano seguinte, em 2005, além da nova versão da Cátedra acontecem inúmeras iniciativas no sentido de buscar cooperação e intercâmbio. Em setembro ocorre o IV Campus Euroamericano de Cooperação Cultural, promovido pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), Fundação Interarts, Ministério da Cultura e UFBA, através do CULT e Pós-Cultura. De caráter itinerante, oito edições do Campus já foram realizadas até hoje em diversas cidades da Ibero-América. De 2005 em diante acontecem os Encontros Multidisciplinares em Cultura (ENECULT) e também, neste ano, se inaugura o Pós-Cultura. Todas estas atividades serão analisadas em seguida de modo mais pormenorizado. Em seus 12 anos de existência, o CULT colocou sempre o tema na agenda. Ele privilegiou o convite a pensadores oriundos da região. Na sua Coleção CULT publicou um livro, de autoria coletiva de pesquisadores de dez países, dedicado ao estudo das políticas culturais em países da Ibero-América (Rubim; Bayardo, 2008). A obra contou, inclusive, com uma edição colombiana (Rubim; Bayardo, 2009). Ademais, o CULT se filiou ao Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), visando a uma integração científica e cultural mais continuada com a região. Cátedra Andrés Bello A Cátedra Andrés Bello teve como linha de formação e investigação: Políticas e Redes de Intercâmbio e Cooperação em Cultura no Âmbito Ibero-Americano. O projeto acadêmico-pedagógico adotado na Cátedra buscou uma íntima associação entre ensino e pesquisa. Seus objetivos foram: 1. Qualificar profissionais em cultura, com ênfase para as áreas de políticas, gestão e produção culturais; 2. Refletir sobre o tema da cultura, trocas e intercâmbio culturais e formular políticas e iniciativas, visando democratizar a cultura e valorizar a diversidade cultural; 3. Promover a cooperação cultural e da integração entre os países iberoamericanos; 4. Aprofundar o conhecimento da cultura dos países ibero-americanos, através do intercâmbio de pesquisadores e professores, de estudantes, de profissionais de cultura, de bibliografia e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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outros produtos culturais, considerando, em especial, as universidades como suporte institucional privilegiado. O curso compreendeu duas possibilidades de realização: uma com 60 horas e outra com 150 horas. Na segunda alternativa, o aluno além de realizar as atividades de ensino previstas, desenvolvia uma monografia, com base em investigação efetuada com orientação. As atividades de ensino foram distribuídas em quatro módulos de 15 horas: Premissas e procedimentos para estudos em cultura; Políticas culturais; Redes culturais e Culturas na Ibero-América. O módulo dedicado às Premissas e Procedimentos abrangeu os seguintes conteúdos: cultura, mundo contemporâneo e o lugar da América Latina; procedimentos de estudo em cultura; estudos em cultura; elaboração de artigo em cultura e usos da internet na pesquisa em cultura. O módulo intitulado Políticas Culturais englobou: políticas culturais e cidade; políticas culturais no Brasil, na Bahia e em Salvador; políticas culturais na Ibero-América; cultura e desenvolvimento e políticas culturais, intercâmbio e cooperação culturais. O módulo sobre Redes Culturais compreendeu: teorias das redes; cultura em rede; experiências de redes culturais; redes e intercambio cultural e a trama das redes. O módulo acerca das Culturas Ibero-Americanas desenvolveu o seguinte programa: existe uma cultura Ibero/Latino-Americana?; culturas populares na Ibero-América; literatura na Ibero-América; audiovisual na Ibero-América e música na Ibero-América. O corpo docente da Cátedra foi constituído por professores doutores do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, além de professores e profissionais convidados de outras instituições. Da Faculdade de Comunicação participaram os seguintes docentes: Annamaria Palácios, Antonio Albino Canelas Rubim, Gisele Nussbaumer, Linda Rubim e Marcos Palácios, além da pesquisadora Mariella Pitombo Vieira do CULT. De outras unidades da UFBA se envolveram os professores: Alejandra Hernández (Belas Artes), Ana Rosa Ramos (Letras), Carlos Milani (Administração), Jocélio Telles (Antropologia), Lina Aras (História), Maria Cândida Ferreira Almeida (Letras), Mariely Santana (Arquitetura), Mário Ulloa (Música), Milton Moura (Sociologia), Naomar Monteiro de Almeida Filho (Saúde Coletiva), Pablo Sotuyo (Música), Paulo César Alves (Sociologia), Rachel Lima (Letras) e Sérgio Farias (Artes Cênicas). Como convidados de outras universidades brasileiras vieram André Parente (UFRJ), Luiz Carlos Prestes Filho (PUC - Rio de Janeiro), Renato Ortiz (Unicamp) e de instituições de ensino superior da Bahia: Cláudio Manoel (Faculdade Jorge Amado), Goli Guerreiro (Faculdade Jorge Amado) e Marcela Antelo (Psicanalista e FTC). Inúmeros membros da comunidade cultural brasileira e baiana lecionaram na Cátedra em suas áreas especificas: Alexandre Barbalho (Secretaria de Cultura de Fortaleza); Carlos Protazo (Cineasta), Carlota Gottshall (SEI), Cláudio Marques (Coisa de Cinema), Cristina Castro (Teatro Vila Velha), Damário da Cruz (Pouso da Palavra – Cachoeira), Florisvaldo Mattos (Jornal A Tarde), George Gurgel (Prefeitura Municipal de Salvador), Guido Araújo (Jornada Internacional de Cinema da Bahia), Iuri Oliveira Rubim (Fundação Luís Eduardo Magalhães), João Carlos Sampaio (Jornal A Tarde), Josias Pires XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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(Fundação Gregório de Mattos), Marisa Motta (Teatro Vila Velha), Paulo Darzé (Galeria Darzé), Paulo Lima (Fundação Gregório de Matos - Salvador), Rosa Meire Carvalho de Oliveira (Petrobrás) e Ruy César (Casa Via Magia). Para atingir o objetivo geral proposto, a Cátedra, desde sua divulgação e processo de seleção, buscou garantir a diversidade do corpo de estudantes. Deste modo, foram selecionados alunos provenientes da vida universitária e do mercado cultural; dos diferentes ramos da cultura; de variadas situações de gênero, etnia e faixa etária, bem como projetos de trabalhos que estudavam os mais variados aspectos da cultura, sempre observando a sua inscrição no âmbito ibero-americano. A composição da turma e as áreas dos trabalhos confirmam plenamente a concretização da diversidade como dado vital à Cátedra. O elo que associava todos era o interesse pela cultura e o vinculo acadêmico e/ou profissional com este campo. Além de garantir a diversidade entre os alunos e os projetos de trabalho, a proposta acadêmicopedagógica da Cátedra privilegiou um formato de exposições e debates, que enfatizava a participação ativa dos estudantes; a atitude dialógica e a heterogeneidade de pontos de vista, complementares e conflitantes, sobre os temas escolhidos, visando assegurar o acesso ao maior número possível de informações e visões acerca dos temas envolvidos. Esta opção pela diversidade foi garantida pelo acionamento de numeroso e variado grupo de expositores e orientadores. Dentre eles estavam professores, pesquisadores, dirigentes e animadores culturais de áreas e instituições culturais diferenciadas. Tais procedimentos acadêmico-pedagógicos na Cátedra asseguraram não só a riqueza dos conteúdos e a pluralidade de visões, mas também buscou dar concretude ao tema e à orientação da Cátedra: intercâmbio, cooperação e diversidade culturais. Simultaneamente às atividades e diretamente associada a ela, foi realizada investigação sobre o tema da Cátedra: Políticas e Redes de Cooperação e Intercâmbio em Cultura no Âmbito Ibero-Americano pelos pesquisadores Antonio Albino Canelas Rubim, Iuri Rubim e Mariella Pitombo Vieira. Da pesquisa resultaram dois textos publicados na Colômbia: Políticas e redes de intercâmbio e cooperação em cultura no âmbito ibero-americano no livro Siete cátedras para la integración (2005) e Actores sociales, redes y políticas culturales no livro Cátedras de Integración Convenio Andrés Bello (2006). IV Campus Euromericano de Cooperação Cultural De 13 a 16 de setembro de 2005, em Salvador / Bahia / Brasil se realizou o IV Campus Euroamericano de Cooperação Cultural. Com está expresso no título do evento, o Campus busca intensificar o intercâmbio cultural entre países americanos e europeus. O encontro, como já anotado, foi organizado pela OEI Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), Fundação Interarts da Espanha, Ministério da Cultura e UFBA, através do CULT e Pós-Cultura. O evento reuniu mais de 200 participantes de 27 países diferentes: Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Croácia, Equador, Eslovênia, Espanha, Finlândia, França, Guatemala, Itália, Jamaica, México, Luxemburgo, Países Baixos, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia, Uruguai e Venezuela. O IV Campus girou em torno das principais questões inerentes à cooperação cultural, mas deu atenção especial à temática da diversidade cultural, em cena naquele ano com a discussão e depois aprovação, em Paris, da Convenção para a Preservação e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. No encontro, foram tratadas temáticas como: território e intercâmbio; criatividade, consumo e comunicação cultural; cultura, jovens e diversidade cultural em espaços urbanos; identidades múltiplas e cultura afro; construindo convivência: direitos culturais e diversidade cultural; cooperação interuniversitária e científica no setor cultural; cultura e desenvolvimento: os objetivos do milênio; memória e patrimônio; redes culturais e artísticas; culturas urbanas; cooperação em investigação cultural; educação e cultura; turismo cultural; formação em gestão cultural; cine e indústria audiovisuais e música. Um panorama das atividades e dos textos apresentados pode ser encontrado na publicação derivada do IV Campus (OEI, 2005). O Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura A trajetória do Enecult, em estreita relação com as entidades responsáveis por sua realização, foi tema de livro comemorativo dos 10 anos do encontro (Rubim; Vieira; Souza, 2014). Em abril de 2005, aconteceu o I Enecult, que teve como objetivo primeiro reunir pesquisadores dedicados aos estudos da cultura, provenientes das mais diferentes áreas disciplinares interessadas no tema. O evento propôs difundir e debater estudos desenvolvidos no campo da cultura; constituir redes de cooperação e de intercâmbio de estudos, bibliografias, pesquisas e pesquisadores; contribuir para a ampliação de recursos humanos em cultura; fomentar e viabilizar trabalhos conjuntos; e, por fim, consolidar um fórum permanente de debates políticos e acadêmicos em cultura (CULT, 2004). Com sua consecução, o CULT realizou, pela primeira vez no Brasil, um encontro multidisciplinar voltado exclusivamente à temática da cultura. O cumprimento destes objetivos é evidenciado desde a primeira edição do evento como pode ser observado pela análise realizada das edições do encontro de 2005 até 2013 (Souza, 2014).

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Gráfico 1: Expositores convidados por origem a cada edição do Enecult Convidados por origem a cada edição (2005-2013)

América Latina

Brasil

Europa

América do Norte

África

Conforme se depreende do gráfico acima, ao longo de suas nove edições, participam do Enecult, como convidados, renomados teóricos da cultura de diversos países, com destaque para essa região. Em que pese à predominância de convidados nacionais, verifica-se a constância na participação de pesquisadores latino-americanos a cada edição do evento. Gráfico 2: Origem dos expositores convidados por região em todas as edições

Série1 Améri ca Latina (26) 26 22%

Série1 América do Norte (1) 1 1%

Origem dos convidados por região (2005-2013)

Série1 Europa (16) 16 13%

Brasil (74) África (1) Série1 do Norte (1) Brasil América (74) 74América Latina (26) 63% Europa (16) Série1 África (1) 1 1%

O gráfico acima demonstra que, afora o Brasil, a América Latina possui a maior incidência de estudiosos convidados no Enecult. De 118 convidados, 26 deles (22%) pertencem aos países da região. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Merece destaque a origem diversa dos convidados da região indicada, demonstrando que a atenção com os estudos da cultura na América Latina não se concentrava apenas em alguns países. O encontro buscou contemplar estudiosos originados de diversos países latino-americanos. Dentre eles, destacam-se as situações da Argentina, seguido da Colômbia e depois do México e Uruguai. Mas convidados da Bolívia, Chile, Paraguai e Venezuela também estiveram presentes. Em suma, convidados de oito nações latinoamericanas se fizeram presentes em nove edições do encontro. Gráfico 3: Convidados da América Latina por país Origem dos convidados da América Latina por país (2005-2013)

Argentina

Bolívia

Chile

Colômbia

Paraguai

Peru

Venezuela

Uruguai

México

Quadro 1: Convidados latino-americanos (tema, identificação e origem) por edição.

Edição I ENECULT II ENECULT

III ENECULT

IV ENECULT

V ENECULT

VI ENECULT

VII ENECULT

Latinoamericanos na Programação dos ENECULTs Temas: Mesas-redondas e palestras Convidado Alicia Entel Mesa: Situação Atual dos Estudos da Cultura Pedro Querejazu Armando Silva Mesa: Cultura e Desenvolvimento Rubens Bayardo Mesa: Políticas para a diversidade cultural Daniel Gonzaléz Palestra: Estudos da cultura hoje Daniel Mato Mesa: Economia da cultura & economia criativa Octavio Getino Palestra: Espaço cultural latino-americano Manuel Garretón Mesa: Cultura e Urbanidades Silvia Vetrale Carlos Altamirano Mesa: Políticas Culturais na Ibero-América Eduardo Nivón Bolán Javier Protzel Mesa: Culturas Urbanas: Cidades e Periferias Rubens Bayardo Ana Rosas Mantecón Mesa: Estudos da Cultura Marta Elena Bravo Palestra: Cultura, Comunicação, Contemporaneidade Luis Albornoz Guillermo Mariaca Mesa: Configuração do espaço cultural latinoAna Wortman americano contemporaneo Rocio Ortega XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015 Palestra: As políticas culturais como políticas dos German Rey sentidos: imagens, leituras e cultura digital Victor Vich

País Argentina Colômbia Colômbia Argentina Argentina Venezuela Argentina Chile Uruguai Argentina México Peru Argentina México Colômbia Argentina Bolivia Argentina Paraguai Colômbia Peru

IV ENECULT

V ENECULT

VI ENECULT

VII ENECULT

VIII ENECULT IX ENECULT

Javier Protzel Peru Mesa: Culturas Urbanas: Cidades e Periferias Rubens Bayardo Argentina Ana Rosas Mantecón México Mesa: Estudos da Cultura Anais do FoMerco - Marta FórumElena Universitário Mercosul | 539 Bravo Colômbia Palestra: Cultura, Comunicação, Contemporaneidade Luis Albornoz Argentina Guillermo Mariaca Bolivia Mesa: Configuração do espaço cultural latinoAna Wortman Argentina americano contemporaneo Rocio Ortega Paraguai Palestra: As políticas culturais como políticas dos German Rey Colômbia sentidos: imagens, leituras e cultura digital Victor Vich Peru Mesa: Cultura e política na América Latina Gonzalo Carámbula Uruguai Eduardo Balán Argentina Mesa: Cultura e Juventude José Manuel Valenzuela México Mesa: Interlocuções entre saberes e práticas: Nestor Ganduglia Uruguai academia e griôs Mesa: Cultura e infância: saberes e práticas Elizabeth Burba Argentina Fonte: SOUZA, 2014, elaboração da autora

Em um primeiro momento, faz-se necessário ressaltar a grande diversidade temática abordada pelos convidados. Ademais de um traço do evento, tal característica permite um mapeamento da produção intelectual latino-americana sobre a cultura nos mais diversos campos do conhecimento. Salientamos a presença de estudiosos renomados e de trajetória acadêmica consolidada. Para além dos aspectos já mencionados, também cabe enfatizar a grande diversidade temática das palestras e mesasredondas. É evidente a ênfase em abordagens mit(multi, inter e trans)disciplinares, centradas especialmente nas relações entre cultura, desenvolvimento, identidades, política e institucionalidade culturais na região. A submissão de artigos e inscrição para participação de pesquisadores de outros países para apresentarem trabalhos no Enecult ocorre, pela primeira vez, em sua quarta edição, no ano de 2008 (Rubim, 2008). Em parte, o interesse internacional pelo evento pode ser interpretado como um dos frutos dos objetivos iniciais do estabelecimento de redes de intercâmbio entre estudiosos e profissionais da cultura no âmbito, não apenas sul, latino ou ibero-americano. Antes da análise sobre os participantes internacionais, cabe uma ressalva. O levantamento dos dados tornou possível identificar um grande percentual de desistências: dos 43 inscritos de outros países entre os anos de 2008 e 2013, 44% não compareceram ao evento. Dentre as explicações, por certo, o custo deve ocupar um lugar de destaque.

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Gráfico 4: Participantes inscritos de outros países: confirmados versus não confirmados Inscritos de outros países por confirmação (2008-2013)

Série1 Não confirmados (19) 19 44%

Confirmados (24) Série1 Não confirmados (19) Confirmados (24) 24 56%

Dos 24 participantes que compareceram ao evento para apresentação de trabalhos, o número de pesquisadores de países latino-americanos (Colômbia, Argentina, México e Chile) e europeus (Portugal, Espanha e Bélgica) é idêntico, com doze participantes de cada continente. O gráfico abaixo demonstra a variação ao longo das edições. Gráfico 5: Participantes confirmados por região nas diferentes edições

Participantes confirmados por região a cada edição (2008-2013)

América Latina

Europa

Dentre os fatores que podem contribuir para a variação entre as edições, podemos citar: a alternância das estratégias de comunicação e mobilização em cada uma das edições; as variações em torno da antecedência de divulgação prévia do calendário do evento; a disponibilidade de tempo hábil entre a seleção dos artigos e a aprovação de financiamento pelas agências/programas de pós-graduação, a influência pela participação de professores e estudiosos internacionais ao evento etc. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Para além da participação de estudiosos oriundos de países latino-americanos, afora o Brasil, a partir da sétima edição do evento, em 2011, foi criado o eixo temático Culturas e América Latina para a submissão de trabalhos. Conforme o site do evento, este eixo possui como objetivo “(...) contribuir com os debates sobre as dinâmicas atuais das culturas nessa região”. Uma breve apreciação dos artigos publicados nos anais do evento, disponibilizados digitalmente no site4 do Enecult5, contabiliza 29 trabalhos com abordagens tematicamente diversificadas. As investigações refletem o campo artístico (artes plásticas, música, literatura, cinema, vídeo etc.); discutem questões identitárias, multiculturalidade, interculturalidade e integração; abordam a afrodescendência e as representações, por meio das narrativas e memória; e abordam as políticas culturais sob os mais diversos vieses. Gráfico 6: Artigos do eixo Culturas e América Latina por abordagem temática

Enfoques dos artigos do eixo Culturas e América Latina (2011-2013) Série1 Série1 Afrodescendência e Políticas culturais (4) representações (5) 4 5 14% 17%

Série1 Linguagens e campos artísticos (14) 14 48%

Linguagens e campos artísticos (14) Série1 Questões identitárias e inter/multiculturalid ade (6) 6 21%

Questões identitárias e inter/multiculturalidade (6) Afrodescendência e representações (5) Políticas culturais (4)

Merece destaque, por sua vez, o fato de que, dos trabalhos apresentados, apenas um é escrito por um autor estrangeiro. Se por um lado, o dado revela a relevância que o tema vem adquirindo no país, por outro reforça a necessidade de uma maior divulgação internacional e de um aprofundamento das relações entre pesquisadores e estudiosos que trabalhem a temática nos diversos países da região. Os participantes estrangeiros presentes adotaram outros eixos temáticos para a apresentação de seus trabalhos.

4 5

Disponível em: < http://www.cult.ufba.br/enecult/?page_id=583>. Acesso em: 9 jun. 2014. Disponível em:

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Ainda não é possível a real mensuração dos intercâmbios acadêmicos e das relações estabelecidas pelos estudiosos dos países que englobam a região em consequência dos encontros. Neste sentido, a frequente e diversa participação de renomados convidados no evento, o interesse suscitado em pesquisadores de outros países e a criação de um eixo temático centrado nas culturas latino-americanas oferecem importantes pistas para este reconhecimento. De todos os aspectos analisados, a internacionalização da participação, dentre os inscritos, revela-se como área potencial de crescimento e especialmente relevante para a ampliação da cooperação institucional, intercâmbio teórico e interlocução de práticas no âmbito da cultura. Pós-Cultura Inaugurado em 2005, com cursos de mestrado e doutorado, o Programa Multidisciplinar de PósGraduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) definiu como seu foco central os estudos da cultura em uma perspectiva multidisciplinar. Suas linhas de pesquisa iniciais foram: Cultura e Identidade e Cultura e Desenvolvimento, às quais depois foi acrescida outra linha intitulada Cultura e Artes. Apesar da natural prevalência de trabalhos sobre temas relativos à realidade cultural brasileira, o Pós-Cultura sempre teve abertura e interesse em estimular a reflexão sobre temáticas culturais internacionais. Dissertações e tese contemplaram as dimensões internacionais das culturas brasileiras e baiana, da diversidade cultural e de políticas culturais, além de manifestações culturais específicas, com ênfase no audiovisual e na música. Até julho de 2015, pelo menos 12 dissertações de mestrado e cinco teses de doutorado se voltaram para temáticas internacionais, fora as que estão em andamento. Cabe assinalar que a atenção com a cena internacional vem se ampliando nos últimos anos, pois mais de 60% das dissertações e teses defendidas se concentram a partir de 2013. Dos três trabalhos localizados até 2010, dois deles refletiram sobre a diversidade cultural, assunto em evidência naqueles anos (Kauark, 2009 e Serfert, 2009). Das 17 dissertações e teses com foco internacional, nove estudam os países sulamericanos, com destaque para a Colômbia, contemplada com, pelo menos, quatro investigações, sendo dois deles análises comparativas com o Brasil: uma dissertação voltada para os planos nacionais de leitura (Moraes Júnior, 2011) e uma tese dedicada aos planos nacionais de cultura (Reis, 2013). A maior atenção com temas internacionais e, principalmente, o conjunto de atividades desenvolvidas pelo CULT e pelo Pós-Cultura, o amadurecimento e a repercussão do Pós-Cultura possibilitaram ao programa ampliar seu intercâmbio acadêmico com a vinda de mais de 10 estudantes estrangeiros. Dentre eles, destacam-se os oriundos de nações sul-americanas. A partir de 2009, o programa atraiu alunos de países como Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela. A Colômbia mais uma vez ocupa lugar privilegiado entre os alunos sul-americanos. Estes estudantes, preferencialmente, se dedicam a estudar temas culturais internacionais e, por vezes, analisam seus países XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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de origem. Ainda que a presença de alunos sul-americanos não seja tão significativa em termos numéricos, ela tem crescido nos últimos anos, o que faz crer que tende a aumentar. O intercâmbio se efetiva ainda através da realização de pesquisas de alunos brasileiros do Pós-Cultura nestes países, a exemplo das duas análises comparativas antes referidas, quando os pós-graduandos estiveram na Colômbia para suas investigações ou de pesquisa dedicada à região, como aconteceu na tese de doutorado de Daniele Canedo: Todos contra Hollywood? Políticas, Redes e Fluxos do Espaço Cinematográfico do Mercosul e a Cooperação com a União Europeia. Além delas, Renata Rocha realizou sua bolsa sanduiche na UAM. Ou seja, a região passa a ser encarada como lugar acadêmico possível de realização de estudos acadêmicos, inclusive por meio de bolsas sanduíche, possibilidade antes e ainda desconsiderada em muitos programas de pós-graduação brasileiros, voltados preferencialmente para enviar alunos para a Europa e os Estados Unidos. Considerações finais Reafirmar o isolamento da Bahia, por sua posição geográfica e história recente, impõe-se como ponto de partida necessário para as considerações finais. A reversão destas distâncias exige esforço e muita perseverança. As iniciativas tomadas orientam-se neste horizonte. Elas representam passos na busca de uma maior cooperação internacional da Bahia com a América do Sul, América Latina, IberoAmérica e Mercosul. Basta fazer uma mera comparação entre a situação anterior e a atual para constatar o caminho percorrido. Um olhar apurado, de imediato, denuncia também as limitações destas iniciativas. Algumas tiveram um caráter eventual, a exemplo do IV Campus, das duas Cátedras Andrés Bello e do livro da Coleção Cult. Em defesa delas, pode-se argumentar que foram atividades iniciais para desencadear processos e como tais, apesar de eventuais, tiveram boa potência. A ultrapassagem deste caráter eventual, posteriormente através de ações continuadas, indica como elas serviram para abrir caminhos. O novo momento, marcado por iniciativas mais permanentes, teve como movimentos conformadores: os Encontros de Estudos Multidisciplinares em Cultura, com contatos mais constantes, convites anuais a renomados pesquisadores e a constituição de grupo específico destinado à apresentação de trabalhos acerca do tema Culturas e América Latina, a partir de 2011; a abertura do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade para tais temáticas e a atração de alunos provenientes destes países; além da filiação do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura ao CLACSO, que permitiu um intercâmbio mais constante, com a participação de membros do CULT em atividades da entidade. Por óbvio, este conjunto de iniciativas perenes colocou a cooperação em patamar bem mais consistente. Entretanto, deve-se anotar que tais ações ainda apresentam dimensões reduzidas. Elas necessitam ser em maior número, mais constantes e aprofundadas.

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Cabe também lembrar que estes dispositivos estimularam outras atividades de agentes e agências próximos ao CULT e ao Pós-Cultura. Dentre elas podem ser listadas: os microprogramas do Projeto Latitudes Latinas, voltados para a música latino-americana e veiculados pela Rádio Educadora, sob a coordenação de um professor do Pós-Cultura e pesquisador do CULT; o Convênio firmado entre a UFBA e a Universidad Nacional Tres de Febrero (UNTREF), da Argentina; o recente dossiê sobre Políticas Culturais na Ibero-América, publicado no periódico on-line Políticas Culturais em Revista (www.politicasculturaisemrevistaba.br) e o projeto de um novo livro na Coleção CULT dedicado às políticas e gestão culturais na Ibero-América. O balanço crítico das iniciativas realizadas até o momento permite afirmar que a situação atual de cooperação e intercâmbio entre a UFBA, através do CULT e do Pós-Cultura, e a região se apresenta hoje melhorada em relação à existente há 12 anos. Não parece casual que no IHAC, instituto que acolhe o CULT e o Pós-Cultura, tenha sido criado recentemente um Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. A participação de pesquisadores do CULT em encontros internacionais, em especial realizados nestes países, aparece como mais um intento de ampliação da cooperação. A avaliação elaborada neste texto e sua apresentação no XV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul pretendem, antes de tudo, construir pontes para novos e, por certo, proveitosos diálogos, que tornem mais ampla a cooperação sul-sul, como todos desejamos.

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A identidade cultural na América Latino e o impacto da globalização nos países latino-americanos Joalyson da Silva Amorim1 Introdução

A

identidade cultural da América Latina é caracterizada por uma enorme gama de variedades simbólicas, expressivas e culturais. Essas diversas formas de cultura, costumes e tradições se desenvolveram no continente, antes mesmo da chegada dos colonizadores europeus ao

continente americano. Nos primórdios da sociedade latina americana habitavam na região pequenos grupos de nômades, que proviam da parte norte do continente através de uma passagem que se formou em um período glacial e ligou o continente Asiático e o Americano, através do estreito de Bering estes pequenos grupos se espalharam pelo continente americano e criaram os primeiros núcleos humanos no continente mais precisamente nas regiões onde se localizam o México e o Peru. Esses países carregam em sua cultura uma enorme carga de influência dessas civilizações que são conhecidas como ''pré-colombianas''. Essas civilizações que floresceram na parte central e sul do continente americano são conhecidas como pré-colombianos, que compreende o período desde a chegada dos primeiros ''núcleos humanos'' até ao descobrimento e a chegada dos europeus no continente. As civilizações que cresceram na América eram sociedades divididas por classes sociais, que tinham um enorme grau de organização social que cobravam tributos para a população. Com isso, essas sociedades transformaram culturas tribais em grandes civilizações. A invasão e dominação da Europa sobre a América transformou a forma de organização social dessas civilizações. Os europeus destruíram as civilizações pré-colombianas subjugando a população local, saqueando as riquezas e destruindo a cultura existente na região, com isso, eles passaram a impor a necessidade de civilizar a os habitantes locais através da cultura e de rituais religiosos. A América Latina por muito tempo foi habitada por povos que eram totalmente isolados do resto do mundo, as sociedades ou civilizações que habitavam aqui na América apresentavam características em comum e diferente ao mesmo tempo, devido a fatores geográficos e climáticos que se desenvolveu em cada sociedade isoladamente. Eles apresentavam uma semelhança quanto a organização social que transformaram sociedades tribais em civilizações. Este artigo tem como objetivo delinear o conceito de identidade cultural na América latina apresentando um pouco sobre as culturas que existiu, outrora, no continente e como essa identidade do povo latino americano passou por um processo de aculturação. Em segundo plano, o artigo aborda também como o fenômeno da globalização tem impactado a sociedade latino-americana, estas não 1

Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB

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possuem uma integração em nível cultural. Em terceiro lugar, o artigo apresenta as sociedades tradicionais e modernas, que são formas de culturas que fazem parte da identidade cultural da América latina, mas com a globalização tem sofrido fortes abalos. Identidade Cultural na América Latina Quando nos referimos à identidade cultural, referimo-nos ao sentimento de pertencimento a uma cultura nacional, ou seja, aquela cultura em que nascemos e que absorvemos ao longo de nossas vidas. Ressaltamos aqui, que esta identidade não é uma identidade natural, geneticamente herdada, ela é construída (PATRIOTA, 2002).

De acordo com Vieira pensando na América Latina como uma região colonizada e explorada pelos europeus durante séculos e mais séculos teremos um contraponto entre os interesses dos europeus e os interesses latino-americanos (VIEIRA, 2008), encontraremos assim uma identidade latina americana, que por muito tempo foi esquecida e deixada de lado para que culturas de potências maiores pudessem prevalecer sobre a identidades culturais da população local. Trata-se dos séculos XV,XVI e XVII com as suas navegações, expedições, espantos, colonizações, alucinações, sacações e aberturas. É um momento básico de encontro com o ''outro''. O ''velho'' mundo buscando coisas cujas dimensões talvez nem soubesse. O ''novo'' um tanto indefeso frente ao furação que começava a envolvê-lo. Povos assustados com o olhar o ''outro'' frente a frente. Momento marcante a exigir que se começasse a pensar a diferença, porque está já se impunha na força de sua radicalidade (ROCHA, 1984, p.22).

Segundo Seixas (2008) a América latina encontra-se dividida em quatro sub-região ou subsistema: a. Subsistema Amazônico b. Subsistema Andino c. Subsistema Platino d. Subsistema da América central e Caribe Essas regiões são geograficamente diferentes, cada qual com características especificas como clima, temperatura e geografia. Com isso, por serem diferentes, nessas regiões cresceram grandes civilizações cada qual com características próprias e distintas uma das outras. Em cada região, distintamente, cresceram grandes culturas isoladas, que agregaram costumes, tradições e língua de outros países que difundiram suas culturas na América, mesmo agregando culturas de fora, essas culturas ainda mantém várias tradições e práticas antigas das civilizações que existiram. Na América Central desenvolveram as culturas maias e astecas, que promoveram grandes contribuições para astronomia e matemática, no sistema andino cresceu a cultura Inca, que abrangiam grande parte dos países da América do sul, no sistema platino se desenvolveu a cultura guarani, que é rica em tradições, costumes e crenças e no sistema brasileiro cresceu culturas indígenas, que tem como XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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característica principal os rituais e crenças em elementos da natureza. Atualmente os países localizados nas regiões que floresceram essas culturas possuem uma grande carga de elementos e práticas das suas civilizações de origem. Cultura ou civilização, no seu sentido etnográfico estrito, é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis moral, costumes e quais quer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade (ROCHA, 1984, p.30 apud TYLOR).

Segundo Vieira (2008) a América Latina possuía na sua totalidade uma grande carga de cultura, que incluíam crenças, tradições, leis e linguagem própria. Esses elementos culturais que faziam parte da identidade do povo pré-colombiano foram destruídos ou obscurecidos pela sobreposição da cultura colonial europeia a partir do inicio do sec. XVI, quando da Europa partia as primeiras caravelas em direção ao novo mundo. Com a tomada dos principais centros das civilizações existentes, os europeus impunham a população local uma ''nova cultura'', baseada em rituais religiosos. Segundo Morais (apud RUIZ, 2010, p.121)Os autóctones, habitantes do recém descoberto continente, “não eram nem índios (da Índia), nem americanos (de Américo Vespúcio), nem muito menos latinos.”, contudo, foram chamados de índios e a terra em que habitavam foi batizada de “América”, em homenagem a um europeu que sequer conheciam.

De acordo com Patriota (2002) o exterior exerce uma influência relevante na formação da nossa identidade cultural, que está presente no nosso imaginário e é transmitida por meio da cultura. Por que? O individuo nasce em um determinado lugar e aprende as tradições, costumes, crenças e língua deste, porém, se o mesmo individuo se deslocar para um lugar diferente uma cidade, país ou outro continente, ele absorvera costumes da cultura vivenciada. A identidade é o que nos diferencia um dos outros, o que nos caracteriza como pessoas membro de um determinado grupo social. A identidade cultural é formada com diferentes elementos culturais que podem ter distintos significados intertextuais para cada individuo ou grupo social. São elementos culturais os valores sociais e os modos de pensar, os costumes e o estilo de vida, as instituições, a história comum, os grupos étnicos, o meio ambiente natural e cultural, os pressupostos filosóficos subjacentes às relações sociais e outros elementos a que certa sociedade atribui significados culturais intertextuais específicos (SEIXAS, 2008).

Os países latino-americanos foram colonizados pelos europeus, que escravizaram e exploraram a região durante um certo período, este tempo foi capaz de criar uma identidade cultural negativa, pois a identidade de povos que, contra vontade foram colonizados, explorados e roubados, com o pretexto de serem civilizados por uma cultura totalmente etnocêntrica (SEIXAS, 2008). Os povos latino-americanos sabem que têm elementos culturais em comum, mas, de modo geral, os referenciais a partir dos quais organizam sua identidade cultural estão em profunda transformação. A América Latina está sob o impacto da fase atual da globalização e apresenta profunda miscigenação cultural, étnica, linguística, religiosa. A globalização contemporânea exige o reconhecimento de novos elementos de identificação cultural para revelar, em variados graus de generalização, como a identidade cultural da América Latina tem se reorganizado (SEIXAS, 2008).

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O processo de globalização é uma ferramenta que diferencia os indivíduos, que falam a mesma língua, possuem as mesmas características e as mesmas necessidades, em contraponto o individuo tem acesso a uma serie de informações. Com isso, a cultura de diversos países sofre as desvantagens de concorrer com um processo cultural em nível global ou da imposição de padrões culturais de grandes potências. Impacto da Globalização na América Latina Atualmente a identidade é entendida pelas ciências sociais, não como uma essência intemporal que se manifesta, mas como uma construção imaginária que se narra. A globalização diminui a importância dos acontecimentos fundadores e dos territórios que sustentavam a ilusão de identidades a-históricas e ensimesmadas. Os referentes de identidade se formam, agora, mais do que nas artes, na literatura e no folclore - que durante séculos produziram os signos de distinção das nações - , em relação com os repertórios textuais e iconográficos gerados pelos meios eletrônicos de comunicação e com a globalização da vida urbana (CANCLINI, 1999).

A globalização é um processo de integração que proporciona uma maior ligação entre os países do globo, encurtando distâncias, reduzindo custos e proporcionando um maior intercâmbio entre os países. Como resultado temos um grande fluxo de mercadorias, serviços e pessoas que proporciona uma maior integração entre os países e gera uma grande quantidade informação e tecnologia de um lugar para outro do planeta (CAMPOS ; CANAVEZES, 2007, p.13, apud STIGLITZ, 2004). A globalização apresenta transformações nas áreas sociais, econômicas, política e cultural, que muitas das vezes apresenta ligação com à tecnologia no mundo. Os grandes marcos da história dos povos podem ser vistos como passos em frente no processo de Globalização cultural: o surgimento da linguagem, a invenção da escrita, a criação da moeda, as grandes viagens de exploração marítima, as sucessivas revoluções agrícola, comercial e industrial, o colonialismo, a invenção da Rádio, da Televisão e do Cinema (Hollywood), as Guerras mundiais, a Internet. Qualquer um destes fenômenos contribuiu em larga medida (e muitos continuam a contribuir) para as trocas culturais e para o estabelecimento de comunicação entre os povos. Num sentido amplo, dir-se-ia que o processo de Globalização cultural se confunde com a história da humanidade (CAMPOS ; CANAVEZES, 2007, p. 73 apud MELO, 2002).

O fenômeno da globalização ocorre em sociedades que as relações são midiatizadas através de símbolos (CAMPOS ; CANAVEZES, 2007, p. 73 apud WALTERS, 1999). Com a globalização aumentou a capacidade de povos se interligarem e comunicar-se, com isso, houve uma maior disseminação dos valores culturais. A maior interação entre as culturas acontece sem a necessidade de deslocamento de um lugar para outro. De acordo com Fróis (2004) o mundo atualmente é caracterizado por um gama de culturas, muitas dessas com comportamentos, costumes e crenças distintas uma das outras. As raízes dessas culturas são tão antigas quanto a gênese dessas sociedades. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 551 Ao associar-se aos seus iguais, o homem busca estabelecer critérios de convivência, de ritualização e de significação que tornam a sociedade dos homens um mundo seu, cultivado, construído e consolidado na mente das gerações. Assim a cultura torna-se expressão do caráter de um povo. Este processo, de formação de uma civilização - de uma sociedade com uma cultura especifica é um processo lento e longo, onde conta com a preservação de tradições, o incremento de saberes e a transmissão dessa tradição sempre acrescida, mas sempre construída dentro de parâmetros aceitos socialmente e regulado pelo corpo da própria cultura (FRÓIS, 2004, p.3).

Segundo Pereira apud Hall apresenta consequências possíveis para as identidades culturais vinda dos processos de globalização que seriam a desintegração das identidades nacionais, o reforço das identidades locais, como resistência a globalização, e a formação de novas identidades, chamadas hibridas (PEREIRA, 2004 apud HALL, 2003). Com a globalização está acontecendo um fenômeno chamado ''Transculturação'', que é uma transformação cultural que tem como resultado a adoção da cultura do outro, ou seja, o individuo adota uma cultura diferente da sua. O que tem acontecido atualmente, é que grupos de estudiosos passam a estudar apenas o que diferencia uma cultura da outra, a maioria das situações de interculturalidade acontecem não pela diferença, mas sim pela maneira que certos grupos se apropriam de elementos de varias sociedades, combinando e transformando (CANCLINI, 1999). Sociedade tradicional e moderna, o ontem e o hoje De acordo com Seixas (SEIXAS, 2008, p.103 apud HALL, 2005) as identidades tradicionais estão entrando em processo de colapso, essas durante muito tempo fizeram parte das sociedades. Novas identidades culturais que estão em processo de surgimento provocam uma crise de identidade cultural, que desloca as identidades culturais das sociedades modernas dos seus centros tradicionais de referência. Culturas existentes no mundo atual estão sendo cada vez mais descentradas, deslocadas e fragmentadas. As múltiplas dimensões da globalização tornaram muito relativas as noções de tempo e de espaço. Núcleos culturais muito diferentes entre si, localizados em pontos do planeta distantes uns dos outros, hoje interagem de modo instantâneo por meio das telecomunicações (SEIXAS, 2008, p.103 apud HALL, 2005).

De acordo com Silva a tradição é parte do passado, presente e futuro; é uma parte inseparável da comunidade, tem vinculo à compreensão do mundo que funda a superstição, religião e os costumes. A tradição é valorizada através da cultura oral, do passado e dos símbolos, que perpetuam a experiência das gerações (SILVA, 2005). Existe uma ligação direta com o passado, ou seja, toda a tradição é transmitida de geração em geração. Nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um modo de integrar a monitoração da ação com a organização tempo-espacial da comunidade. Ela é uma maneira de lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer atividade ou experiência particular dentro da continuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados por práticas sociais recorrentes. A tradição não é inteiramente estática, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 552 porque ela tem que ser reinventada a cada nova geração conforme esta assume sua herança cultural dos precedentes (GIDDENS, 1991, p.83).

Nas sociedades tradicionais há uma tradição vinculada ao futuro, é como se fosse uma linha continua que envolvesse o passado ao presente, ou seja, não há uma ruptura entre o ontem, hoje e o amanhã. De acordo com Silva a tradição envolve o ritual, este ''Nas sociedades que integram a tradição, os rituais são mecanismos de preservar a memória coletiva e as verdades inerentes ao tradicional'' (SILVA, 2005). A tradição envolve o ritual; este constitui um meio prático de preservação. O ritual reforça a experiência cotidiana e refaz a liga que une a comunidade, mas ele tem uma esfera e linguagem próprias e uma verdade em si, isto é, uma “verdade formular” que não depende das “propriedades referenciais da linguagem'' (SILVA, 2005).

De acordo com Canclini “as identidades pós-modernas são transterritoriais e multilinguísticas, delineando um novo perfil de cidadão. Supera-se a ideia de que os membros de uma dada sociedade possuem uma cultura homogênea e única'' Com isso, Com o fenômeno da globalização as identidades tradicionais são deixadas de lado, ou seja, toda aquela cultura que era baseada nos costumes, tradições e rituais que por muito tempo fez parte da cultura latino-americana atualmente foi substituída por uma cultura globalizada (CANCLINI, 1999). As civilizações tradicionais podem ter sido consideravelmente mais dinâmicas que outros sistemas pré-modernos, mas a rapidez da mudança em condições de modernidade é extrema. Se isto é talvez mais óbvio no que toca à tecnologia, permeia também todas as outras esferas (GIDDENS, 1991).

De acordo com Hall (2005, p. 15) em contraponto com as sociedades tradicionais, a modernidade é uma forma reflexiva da vida. É uma estrutura deslocada, fora do eixo não sendo substituída por outro, mas por uma ''pluralidade de centros de poder''. De acordo com Hall (apud LACLAU, 1990) as sociedades modernas não têm nenhum centro, nenhum principio articulador ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma única ''causa'' ou ''lei''. De acordo com Giddens (1991, p. 59) o Capitalismo e o Estado-Nação foram os grandes elementos institucionais, que promoveram a rápida expansão das instituições modernas no Ocidente. O Estado-nação concentravam poder administrativo bem mais efetivamente do que os estados tradicionais eram capazes de fazer, e consequentemente, mesmos estados bem pequenos podiam mobilizar recursos sociais e econômicos além daqueles disponíveis para os estados pré-modernos. A produção capitalista, especialmente quando conjuminada à industrialização, propiciou um considerável salto à frente em riqueza econômica e também em poder militar. A condição de todos estes fatores tornou-a expansão ocidental aparentemente irresistível (GIDDENS, 1991, p. 59).

Segundo Giddens (1991, p. 60) na era moderna, o alongamento entre regiões em nível de tempoespaço é muito mais intenso que décadas atrás. A globalização é causadora desse alongamento entre diversas partes do planeta que promove uma maior conexão entre regiões diferentes. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 553 Uma das influências da globalização foi o capitalismo, que de acordo com Giddens (1991, p. 61), foi um fenômeno que penetrou em áreas distintas do mundo onde países e grandes potências não conseguiam exercer sua influência política, o capitalismo é um fenômeno de ordem econômica e não política.

No final do século XX, quando o colonialismo em sua forma original já quase desapareceu, a economia capitalista mundial continua a envolver grandes desequilíbrios entre o Norte - Sul. Segundo Giddens (1991) as áreas que a influência política das grandes potências não se desenvolveram incluíam diversas partes do mundo, inclusive na América Latina, que por muito tempo teve uma relação de dependência com países do norte, mas que aos poucos estão mudando o eixo para outras áreas do planeta. Considerações finais A América Latina durante um certo tempo era isolada do mundo, antes da chegada dos europeus, floresciam na América culturas próprias e distintas uma das outras, que possuíam organização social, linguagem, costumes, tradições e crenças únicas. Com a chegada dos europeus a América latina passou por um processo de aculturação, ou seja, passaram por um processo de modificação cultural em que a população local foi obrigada, através do uso da força, a abandonar suas próprias culturas e a incorporar a cultura europeia. A identidade cultural de um povo é transmitida por meio da cultura, está é passada de geração em geração através de relatos, contos, rituais e práticas sociais. Com a globalização existe uma concorrência desigual, pois os costumes, rituais e tradições, que outrora, faziam parte da cultura latino-americana estão sendo esquecidos e substituídos por cultura de outras potências mundiais. Enfim, O exterior exerceu e ainda exerce uma influência muito forte na cultura latino-americana, pois antes, as populações viviam isolada de tudo e todos, com a globalização o individuo passou a ter acesso a uma serie de tecnologia e informações.As características das sociedades tradicionais foram sendo substituídas pela cultura globalizante, e costumes, tradições e culturas foram deixadas de lado para que culturas de potência maiores se disseminassem na região.

Referências PATRIOTA, L. M. Cultura, identidade cultural e globalização. Numero Quatro, João Pessoa, Agosto. 2002. Disponível em: . Acesso em: 01 Jul. 2015. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. 1ª edição. São Paulo. Brasiliense, 1984. MORAIS, N. H. P. A identidade Cultural Latino-Americana no Mundo Pós-Moderno sob a Perspectiva do Interculturalismo, Itaúna. 2010. Disponível em: . Acesso em: 2 jul 2015. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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SEIXAS, Renato. Identidade Cultural a América Latina: Conflitos Culturais Globais e Mediação Simbólica. Cadernos PROLAM/USP (ano 8 - vol. 1 - 2008), p. 93 – 120. Disponível em: Acesso em 14 de agosto de 2015. CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: Conflitos multiculturais da globalização. 4 edição. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 1999. CAMPOS, Luís; CANAVEZES, Sara. Introdução à Globalização. Editora Instituto Bento de Jesus Caraça, 2007. FRÓIS, Katja. Globalização e Cultura a identidade no mundo dos Iguais. Cadernos de pesquisa interdisciplinar em ciências humanas, N. 62, p. 1 - 8, dez. 2004. PEREIRA, H. R.A Crise da identidade na cultura pós-moderna. Mental, Barbacena, v.2, n.2, jun. 2004. Disponível em: Acesso em: 06 jul.2015. SILVA, A.O. Anotações sobre a modernidade na obra de Anthony Giddens. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 47. abr. 2005. Disponível em: Acesso em: 7 jul.2015 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. tradução de Raul Fiker. Rio de Janeiro: Editora UNESP, 1991.

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Atuação do Projeto Alma no processo de empoderamento das comunidades quilombolas de Alcântara - MA Domingos Alves de Almeida1 Maria dos Reis Dias Rodrigues2 Maria Luísa Rodrigues de Sousa3 Milene Vieira Santos Rocha4 Veríssima Dilma Nunes Clímaco5 Herli de Sousa Carvalho6 Introdução

O

Projeto ALMA, AL de Alcântara e MA de Maranhão, de Pesquisa e Extensão, foi criado em março de 2010, pelo Grupo de Pesquisa Memórias, Diversidades e Identidades Culturais da UFMA de Imperatriz. E é desenvolvido nas Comunidades Quilombolas de Alcântara.

Formado por docentes e discentes da UFMA, da Faculdade de Educação Santa Terezinha (FEST), estudantes do ensino médio do Centro de Ensino Dr. João Leitão (Alcântara), Centro de Cultura Negra Negro Cosme de Imperatriz e lideranças das Comunidades Quilombolas. Tem por objetivo Reescrever as Histórias das Comunidades Quilombolas de Alcântara Maranhão, sob a ótica dos próprios moradores, observando e destacando suas singularidades e sutilezas. As ações são desenvolvidas a partir de quatro eixos de atuação: Educação, Desenvolvimento Sustentável, Manifestações Culturais e Religiosas e Saúde. No total, atende 14 comunidades: Castelo; Itamatatiua; Oitiua; Pavão; Raimundo Su; Brito; Mamuna; Cajueiro; Marudá; Nova Espera; Só Assim; Peptal; Ponta Seca e Peru. A relevância do Projeto ALMA se encontra nas possibilidades de reconhecimento e valorização das formas de culturas legada pelos ancestrais de descendência africana, de modo que contribui com a viabilidade de implementação de políticas públicas de Ações Afirmativas, em consonância com atividades acadêmicas de pesquisa e extensão.

Acadêmico de Comunicação Social/Jornalismo do Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia da Universidade Federal do Maranhão (CCSST/UFMA), Brasil. Pesquisador, Extensionista do Grupo de Pesquisa Memórias, Diversidades e Identidades Culturais e Bolsista do Projeto Alcântara Maranhão – ALMA. Ator e Professor de Artes (teatro e dança) pelo Centro de Cultura Negra Negro Cosme (CCNNC) de Imperatriz, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Pedagoga e especialista em Direitos Humanos pela UFMA. Pesquisadora e Extensionista do Projeto ALMA. E-mail: [email protected]. 3 Licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), Brasil. Especialista em Políticas Públicas Gênero e Raça pela UFMA e Universidade Aberta do Brasil (UAB). Coordenadora Estadual de Educação da Igualdade Racial. Militante e fundadora do CCNNC. E-mail: [email protected]. 4 Mestranda em Ambiente e Desenvolvimento pela Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino Superior (Univates). Especialista em Metodologia do Ensino Superior. Licenciada em Pedagogia. Pesquisadora e extensionista do Projeto ALMA. 5 Mestra em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES, Brasil. Mestra em Ciências da Educação pela Universidad Americana (UA), Paraguai. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Brasil. Licenciada em Formação Pedagógica na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Brasil. E-mail: [email protected]. 6 Professora de Pedagogia da UFMA. Doutora em Ciências da Educação pela Universidad Del Norte (UNINORTE), Paraguai. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Memórias, Diversidades e Identidades Culturais” e do Projeto ALMA. E-mail: [email protected] 1

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Pesquisa e Extensão na Universidade O Plano Nacional de Extensão Universitária (2000/2001) elaborado pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex), destaca que a Extensão desempenha a função básica de produtora e de socializadora do conhecimento, visando a intervenção na realidade e possibilitando acordos e ações coletivas entre universidade e população do entorno. Ainda segundo o Forproex (2000/2001), a Extensão Universitária é um processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como consequências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (FORPROEX, 2000/2001, p. 5).

Entende-se aqui, que a Extensão Universitária se coloca como prática acadêmica que objetiva interligar a universidade, em suas atividades de ensino e pesquisa, com as demandas da sociedade. Além disso, tem por característica democratizar o conhecimento produzido na academia e permitir que a comunidade participe na construção de diretrizes para a atuação da Universidade. A comunidade absorve os benefícios das investigações científicas e cria novas demandas para as pesquisas acadêmicas. Segundo o pesquisador Boaventura de Souza Santos (2004), a Extensão Universitária desempenha relevante papel no combate as desigualdades sociais e, portanto, deve atuar em benefício dos grupos menos favorecidos. O autor discorre também, sobre o papel social da universidade que, por meio do ensino e da pesquisa, produz conhecimento e tem compromisso com a sociedade. As atividades de extensão devem ter como objetivo prioritário, sufragado democraticamente no interior da universidade, o apoio solidário na resolução dos problemas da exclusão e da discriminação sociais e de tal modo que nele se dê voz aos grupos excluídos e discriminados (SANTOS, 2004, p. 54).

Nesse sentido, entende-se que as práticas de extensão, além de colaborar para a formação pessoal e profissional de docentes e discentes que as realizam, contribuem diretamente na construção de uma sociedade mais justa, fortalecendo o tripé basilar que norteia a atuação das universidades. A Extensão Universitária não é apenas uma prestação de serviços, mas um caminho de diálogo com a comunidade. É relevante destacar que o conhecimento disseminado através das ações extensionistas é construído por meio da pesquisa acadêmica. A área da pesquisa ganha destaque e, até certo ponto, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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prioridade como aporte de investimentos nas Instituições de Educação Superior - IES. É por meio da pesquisa que se avalia o potencial produtivo das universidades porque é a área onde se aplica os conhecimentos adquiridos em sala de aula, através do ensino. Com relação à pesquisa, reconhece-se um leque bastante diversificado de possibilidades de articulação do trabalho realizado na universidade com setores da sociedade. Assume interesse especial a possibilidade de produção de conhecimento na interface universidade/comunidade, priorizando as metodologias participativas e favorecendo o diálogo entre categorias utilizadas por pesquisados e pesquisadores, visando à criação e recriação de conhecimentos possibilitadores de transformações sociais, em que a questão central será identificar o que deve ser pesquisado e para quais fins e interesses se buscam novos conhecimentos (FORPROEX, 2000/2001, p. 5/6).

A partir dessa apresentação, compreende-se que a articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão deve ser tarefa de docentes das instituições de ensino, nas disciplinas que se fazem presentes, na condução do processo pedagógico de aprendizagem, ao lado da política institucional de formação inicial e continuada de docentes e discentes que preconize essa indissociabilidade. Quilombos e quilombolas entre conceitos e experiências O surgimento dos quilombos no Brasil se iniciou com a fuga dos africanos escravizados que não resistiram ao modo de vida imposto nas senzalas, lavouras, minas e cozinhas. Negros e negras fugiam à procura de liberdade e de um espaço geográfico e social onde pudessem se constituir como comunidades de produtores livres. Assim, passaram a ser conhecidos, a partir do século XVIII, como mocambos ou quilombos, relacionando-os a lugares de fuga, medo e esconderijo. Nestes espaços desenvolveram técnicas e estratégias que possibilitaram alcançar sucesso em muitos confrontos com a sociedade opressora, construíram caminhos alternativos para driblar os inimigos, assim como, cercas, fossos e paliçadas. Criaram uma rede de relações que lhes permitiam, além do fornecimento de determinados produtos, informações acerca das ações dos perseguidores (FIABANI, 2012). Dessa forma, no Brasil nos séculos XVII, XVIII e XIX houve um aumento expressivo de quilombos. Multiplicaram-se com maior intensidade em áreas rurais, como pequenos agrupamentos de negros/as que viviam em comunidade de forma rústica e com o necessário para a sobrevivência. O apego maior não era à terra, mas, à liberdade que este novo espaço oferecia (MOURA, 2014). Não possuíam uma estrutura física sólida, porém, neles havia o rancho tido como uma referência de abrigo para os fugitivos e um pilão, instrumento de transformação dos alimentos para o consumo diário. Sem amparo legal a situação dos quilombos se agravou quando o uso das terras quilombolas e o modo de vida foram limitados pela Lei de Terras de nº 1.850, que no artigo 1º, determinou: “Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por título que não seja o da compra” (BRASIL, 1850). Essa

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Lei gerou conflitos, já que contrariava o princípio das relações sociais de produção coletiva que caracterizavam os quilombos limitando a possibilidade de adquirir as terras que ocupavam. No Estado do Maranhão surgiu uma quantidade significativa de quilombos especificamente nos arredores de Alcântara, após o declínio financeiro na crise do Império. Nestas terras constituíram famílias, manejaram recursos naturais para suprir suas necessidades vitais, fundamentados no uso comum da terra. Reforçaram valores e crenças, dando continuidade às tradições e à herança cultural africana. Nos quilombos, habitados por escravizados e seus descendentes, foi instituído um modo de vida independente entre pessoas vinculadas por relações de parentesco, pela união em torno do trabalho coletivo e valorização de sua cultura, regida por “normas próprias, respeitadas e reconhecidas por seus membros” (CARRIL, 1997, p. 12). A organização social para a produção era baseada na plantação da mandioca, milho, arroz, feijão e criação de animais. Faziam artesanatos e coletavam frutos. Tratava-se, portanto, de um modo de vida distinto do padrão social dominante, oficializado pelo Estado. Segundo Braga (2011, p. 41) nas comunidades de remanescentes de quilombos no município de Alcântara/MA, esse modo de vida sustentava-se “na diversidade de ecossistemas formados por manguezais, babaçuais, rios, igarapés, ilhas, além de praias e áreas alagáveis que tornavam a flora e a fauna abundantes”. Ambiente onde, além da agricultura de subsistência, realizavam culto aos deuses africanos com tambores e danças; pesca artesanal; extraíam frutos nativos como o babaçu, a juçara e o buriti; teciam redes; construíam barcos; fabricavam porcelanas; produziam farinha; faziam a dança dos negros, o tambor de crioula e festas religiosas, onde a terra é condição de sobrevivência, dela retiram o sustento e realizam atividades que os mantinham cada dia mais enraizados em sua cultura. Dessa maneira, a sustentabilidade nestas comunidades parte de um modelo de desenvolvimento sustentável, definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento como “aquele que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”. Nelas, o cultivo de produtos agrícolas é produzido para consumo próprio, respeitando o tempo de descanso que a terra necessita para se recompor. A coletividade na produção da farinha na casa de farinha ou casa do forno é uma revelação da cultura quilombola. A catação do coco nos babaçuais também se configura como atividade sustentável. Há um respeito pela palmeira e pelo tempo certo de colheita do coco, da castanha extraem o azeite, das cascas produzem o carvão e da palha fabricam objetos. Assim, de uma cultura social arraigada na sustentabilidade surge uma nova interpretação da categoria quilombo. Para Treccani (apud FIABIANI, 2007, p. 7) “o termo quilombo deixa de ser considerado unicamente como uma categoria histórica ou uma definição jurídico-formal, para se transformar nas mãos de centenas de comunidades rurais e urbanas. E, a esse respeito Maia (2012, p. 25) alerta quando escreve que é necessário revisar o conceito de quilombo, pois pensá-lo “apenas como XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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reduto de negros escravos fugitivos, nega suas lutas, ignora suas estratégias de organização e minimiza seu papel histórico”. Maia (2012, p. 27) ressalta que os quilombolas são “detentores de um patrimônio cultural rico e valoroso, porém desconhecido de muitos”. Eis, então as comunidades quilombolas como um modelo de vida sustentável em pleno século XXI, em um país onde impera o capitalismo que sufoca e dizima as relações sociais e a natureza. Cultura e Manifestações Culturais e Religiosas Falar das manifestações culturais e religiosas em tempos de globalização sob a égide do progresso científico e a evolução técnica e tecnológica desencadearam inovações que tem buscado sorrateiramente enfraquecer o legado ancestral dos povos que dinamizaram a identidade nacional. Segundo Laraia (2009, p. 59) existe um consenso entre os que buscam reconstruir o conceito de cultura e suas manifestações, onde as culturas são “sistemas (de padrões de comportamentos socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização” que englobam a economia, padrões de estabelecimento, agrupamento, organização política e ainda crenças e práticas religiosas. O ser cultural no contexto brasileiro tem um dos aspectos mais importantes o da “significação”. Assim, todo espaço ou território possui significação, sua singularidade define a identidade. Identidade esta que tem sido forte influência dos negros e indígenas do período da colonização do Brasil. Segundo Munanga e Gomes (2006, p. 153) por meio das festas, jogos, danças, cerimônias religiosas de iniciação, das ervas ingeridas, da transformação dos alimentos, das intervenções estéticas no corpo e, sobretudo, nos cabelos, nos quais “os negros recriaram tradições, reinventaram símbolos, guardaram a memória ancestral e as ensinaram às novas gerações. Influenciaram, também, a educação [...] Introduziram novos hábitos ao universo cultural dos senhores e das senhoras”. Em Trigueiro (2007, p. 107) entende-se que: São essas práticas do passado que chegam ao presente, com as suas diversidades nacionais, regionais e locais, de significados, de referências e desdobramentos em processos culturais de apropriações e incorporações de novos valores simbólicos que vão construindo outras identidades.

Percebe-se que nas Comunidades Quilombolas de Alcântara/MA a perda ou enfraquecimento de valores e das manifestações culturais antigas tão importantes para a identidade e agregação da população, decorre da falta de incentivo das autoridades e dificuldades na transmissão destas manifestações às novas gerações. Por outro lado, a religiosidade afro-brasileira é, portanto, revelada em um sincretismo religioso, construída na história dos povos colonizadores. O catolicismo, o espiritismo, o candomblé e a umbanda XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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desvendam com rituais, uso de imagens, tambores, danças, cantorias, indumentárias e folguedos, a religiosidade dos afrodescendentes nas Terras de Pretos. Os espaços destas manifestações são vistos com discriminação, há o olhar preconceituoso em relação às práticas religiosas deste segmento, assim como em outros espaços em que a modernidade tem alcançado. As pessoas nas comunidades normalmente não se autodenominam como praticante apenas da religião afro, em sua maioria frequentam igrejas cristãs, católicas e/ou evangélicas por medo de assumirem-se na religião dos ancestrais. A visão cristã ainda coage, na percepção deles, a não assumir sua própria religiosidade, muito embora se tenha a seguridade legal para liberdade de crença ainda assim, são visíveis, os traumas da colonização, e é perceptível na localização dos espaços geográficos de cultos ainda exclusos, geralmente em bairros distantes ou afastados da rua, e que pouco se trate do assunto (CLÍMACO; ROCHA, 2012, p. 32). Nesta arte, nos terreiros, nos cultos-ritos, nas festas de Tambor de Crioula, Dança do Lindô, na reprodução do Bumba-Meu-Boi é que as manifestações culturais e religiosas dificilmente se distinguem. Há uma dinamicidade e entrelaçamento entre cultuar por meio de ações culturais, e manifestar-se culturalmente por meio da religiosidade. Identidades culturais e religiosas nas comunidades quilombolas de Alcântara/MA No início do século XXI é possível verificar um grande quantitativo de produções que tratam das manifestações culturais e religiosas, produzidas a partir das investigações antropológicas, com abordagem dos aspectos culturais, religiosos e sociais. Aqui, buscou-se tratar sobre esse tema em Comunidades Quilombolas do município de Alcântara, Estado do Maranhão. Para a temática abordada cabe destacar que o método etnográfico de pesquisa utilizado é entendido pelos antropólogos como melhor o para compreender as sociedades, a partir de seus hábitos, costumes e valores, logo, a cultura dessa sociedade é entendida a partir de seu modo de vida. Dessa forma, a partir do método destacado, realizou-se uma imersão na realidade de algumas Comunidades Quilombolas com a tentativa de apresentar aos pesquisadores e à comunidade científica as singularidades das manifestações culturais e religiosas do território de Alcântara. Para discutir o conceito de cultura, tomada a partir da amplitude do seu sentido etnográfico, trazse o conceito de Cashmore (2000) que a define a cultura como todo, “este complexo que inclui conhecimento, credo, arte, lei, costumes moral, costumes e outras capacidades e hábitos adquiridos pelos homens como membros de uma sociedade” (CASHMORE, apud TAYLOR, 2000, p. 153). Primeiramente, entende-se que as manifestações culturais, a partir do conceito da Antropologia Cultural, é toda forma de expressão humana, seja através de celebrações e rituais ou através de outros suportes como imagens fotográficas e fílmicas. Aqui, aplica-se o conceito antropológico também, aos XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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aspectos religiosos, considerando que esses estão intrinsecamente ligados aos preceitos da cultura, uma vez que a religião é indiscutivelmente uma expressão cultural da humanidade. Além dos traços físicos, talvez seja na música e na religiosidade que a presença africana esteja mais evidente entre nós. [...] a religião tem lugar central nas culturas africanas, sendo a esfera de onde vem toda a orientação para a vida, a garantia do bem-estar, da harmonia e da saúde. No Brasil as religiões africanas foram transformadas, ritos e crenças de alguns povos se misturaram com os de outros, e com os dos portugueses, mas nesses processos muitas características africanas foram mantidas (SOUZA, 2008, p. 132)

Isso foi constatado de forma prática em visitas realizadas às Comunidades Quilombolas de Alcântara desde 2010, pode-se constatar os conceitos teorizados pela Antropologia Cultural. Essas Comunidades têm como características a diversidade de expressões culturais, materializadas em hábitos, aptidões, ideias, comportamentos, artefatos, objetos de arte, ou seja, todo conjunto da obra humana que, ao longo da história construíram a identidade dos quilombolas. O pesquisador Benjamin (2006) explica que a cultura brasileira apresenta características próprias resultantes da mistura de povos de origens diferentes. E esses povos contribuíram de forma significativa para a construção da identidade cultural do Brasil. Os toques de atabaques, baterias de escolas de samba, bumbas meu boi, blocos afros, blocos de frevo, congadas e muitas outras formas de festejos e danças, revelam a força da vida, falando dos heróis da comunidade, ensinando amizade, perdão, responsabilidade, dando identidade cultural ao povo brasileiro afrodescendente (BENJAMIN, 2006, p. 42).

E foi essa diversidade de expressões que se testemunhou nas Comunidades Quilombolas de Alcântara, onde encontrou-se como prática cultural a quebra de Coco Babaçu, produção de artesanato, Festa da Juçara, Festa do Boiadeiro, Festival do Camarão, Blocos de Carnaval, Escola de Samba e Festas Religiosas - em homenagem a São Sebastião, São Benedito, Nossa Senhora da Batalha, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora da Conceição, Santa Tereza D’Ávila, Divino Espírito Santo, São Matias, Tambor de Mina aos deuses de origem africana, e celebrações evangélicas. É comum também, a existência de grupos de danças, como Coco Marajá, Forró de Caixa, Tambor de Crioula, Dança do Negro, Dança Country, Bumba Meu Boi, Quadrilhas, Festa de Radiola (Reggae). Esses grupos existem há décadas e alguns são centenários. Nessas manifestações, os adereços utilizados para ornamentar as manifestações culturais são as ferramentas de trabalhos dos quilombolas: o cofo de palha da palmeira de coco babaçu, o machado, o macete a foice, a enxada, o facão, dentre outras. Destaca-se que essas manifestações representam a continuação dos legados culturais e religiosos construídos pelos ancestrais dos povos quilombolas e levado adiante como heranças culturais afrobrasileiras e africanas. O pesquisador Lopes (2006) reforça essa concepção aos enfatizar que a cultura é também “um conjunto de padrões e comportamento, tanto mentais como físicos, aprendidos e ensinados por membros de um grupo social ao longo de gerações” (LOPES, 2006, p. 49). XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Portanto, conclui-se que os povos das Comunidades Quilombolas de Alcântara/MA apresentam uma identidade cultural diversa herdada de seus antepassados, externada através de suas manifestações culturais e religiosas. Vale destacar que os quilombolas buscam fortalecer suas raízes históricas repassando suas heranças culturais às novas gerações. Projetos de Saúde aos Povos Quilombolas Considerando que a Constituição Federal da República do Brasil (1988) na seção II Saúde, Artigo 196, garante “saúde é um direito de todos e dever do Estado”. A corresponsabilidade na vivência do processo doença/saúde é parte integrante de um dos eixos do Projeto ALMA e para tanto se realizou ações na área da Saúde. Assim, se apresenta algumas das atividades realizadas pelo Projeto ALMA com atenção ao Projeto de Extensão com o título “A promoção das práticas de saúde do adulto nas Comunidades Quilombolas no Município de Alcântara – MA, nas Comunidades Raimundo Sú, Itamatatiua, Oitiua e Cajueiro, de 01 de maio de 2011 a 31 de outubro de 2012, em atividades como contato com a Secretaria Municipal de Saúde e a coordenação do Programa Saúde da Família; realização de palestras sobre hipertensão, diabetes e as práticas de saúde do adulto. Curso de formação com profissionais de saúde das Comunidades envolvidas; Aferição de pressão e glicemia. Na semana da saúde e prevenção realizou-se palestras nas escolas das Comunidades sobre Educação em Saúde. De modo que os contatos com as pessoas foram significativos para a formação pessoal, acadêmica e profissional, pelo fato de serem grupos tradicionais, com fortes valores culturais e ricos conhecimentos das práticas de saúde populares. Embora exista dois problemas bases: a dificuldade de aceitação do saber científico por parte das Comunidades, bem como, do conhecimento popular por parte dos profissionais de saúde, identificou-se algumas ideologias populares e científicas do processo saúde-doença e suas consequências sobre as práticas de promoção da saúde do adulto. E um produto deste trabalho é a elaboração de Cartilha sobre a promoção de práticas da saúde do adulto que aproximem os saberes com as necessidades de saúde das Comunidades Quilombolas para possibilitar a aproximação dos saberes científicos e populares, e assim incentivar a preservação de suas identidades e saberes comunitários na construção de práticas humanizadas. Finalmente, apresenta-se ainda mais três projetos de extensão com os títulos: Flor de Melanina: saúde da mulher negra nas Comunidades Quilombolas de Alcântara – MA; Educação em saúde: prevenção do uso de drogas em adolescentes e jovens de Comunidades Quilombolas de Alcântara – MA; Saúde nutricional de crianças nas Comunidades Quilombolas de Alcântara – MA. Estes foram basilares para a realização de ações concretas nestes espaços onde congregam saberes medicinais tradicionais baseados em chás, lambedores, emplastos, dentre outros, para a cura de doenças diversas. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Entendendo-as nas suas especificidades como instrumentos valiosos no processo de reconhecimento da identidade negra brasileira enquanto autoafirmação étnica, por compreender a importância da Instituição em estabelecer um diálogo com estas populações consideradas socialmente vulneráveis. Mas, estes grupos que carregam uma diversidade prenhe do desejo de emancipação do preconceito e discriminação almejam a garantia dos seus direitos assegurados pelos documentos oficiais em todas as dimensões. A Educação Quilombola como valorização da história do povo negro A educação tem como uma de suas funções sociais, fortalecer a identidade sociocultural de uma sociedade, à medida que sistematiza os conhecimentos produzidos no decorrer de seu processo histórico cultural. De acordo com os professores da Escola Municipal Vereador Manoel Domingos Pereira, localizada na Comunidade Itamatatiua, o aceleramento deste processo pode está associado a pouca ênfase dada á história e cultura africana e afro-brasileira consequência de um currículo descontextualizado das realidades das Comunidades Quilombolas. Por isso a importância da Lei nº 10.639/2003 que “obriga” a educadores e educandos a partilhar, reconhecer que o Brasil é um pedaço de África recriada e os autores dessa história são nossos ancestrais. Diante da realidade relatada buscou-se a literatura como uma estratégia para resgatar e reforçar a história de luta e resistência do povo africano, associado a promoção de rodas de conversa entre os alunos da escola com pessoas da comunidade que vivenciaram momentos importante da história deste lugar, oportunizando o fortalecimento da identidade étnica destes sujeitos. “A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação com as pessoas, sobre o eu e sobre o outro” (BRASIL, 2010, p. 170). Inserindo-se neste contexto, foram planejadas e desenvolvidas ações de extensão com o objetivo de propiciar ás crianças da Comunidade Itamatatiua o contato com traços característicos da história da população africana e afro-brasileira por meio de obras literárias, e da tradição oral, contos e lendas da região contadas pelos mais velhos. Através da realização do Projeto de Extensão Leitura e Literatura Infantil com crianças da Comunidade Quilombola Itamatatiua em Alcântara/MA com ênfase na valorização da história oral, através da proposição de ações que promovam o resgate da memória oral da comunidade com ênfase à origem africana. “Para uma educação que respeite a diversidade, é fundamental contemplar a riqueza cultural de outros povos, e nesse sentido vale a pena trabalhar e pesquisar com outras possibilidades” (BRASIL, 2010, p. 171).

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A realização das ações do Projeto consistiu em um primeiro momento no levantamento de contos, lendas, histórias da literatura afro e das histórias da Comunidade por meio de conversas informais com professores/as e moradores/as de Itamatatiua. As ações foram realizadas na escola da Comunidade. Na primeira, propôs-se uma conversa com o morador mais antigo da comunidade, senhor Evaristo. O mesmo relatou como a Comunidade surgiu, descrevendo fatos por ele vivenciados. Após a conversa, as crianças recontaram o que aprenderam por meio de textos e desenhos, destacando o que mais lhes chamou atenção acerca da história da Comunidade de pertença. Na segunda atividade realizada convidou-se a professora Irene, que apesar de aposentada, auxilia no que pode dentro da escola e tem papel importante como uma das lideranças da Comunidade, para uma conversa com as crianças levantando aspectos característicos da história de Itamatatiua. Realizou-se a leitura do livro “Menina bonita do laço de fita”, para que posteriormente os alunos reconstruíssem a história a partir das imagens. A terceira etapa consistiu na apresentação de vídeo com as produções das crianças, contação de história e socialização com professores/as das experiências vivenciadas no decorrer do Projeto, bem como avaliação do significado destas ações para o fortalecimento da identidade sociocultural. Com a proposição das referidas atividades as crianças dialogaram com aspectos ricos de significações em sua Comunidade que antes eram vistos como elementos corriqueiros, parte da história de seu povo que foram representadas em suas produções como aquisição de novas aprendizagens. Por fim, este contato com as crianças revelou o conhecimento sobre as histórias, lendas e tradições da Comunidade inserindo na realidade das crianças outros elementos que também compõem o cotidiário de suas existências em atitudes e demonstração da força dos laços tradicionais de seu povo. Considerações Finais A legislação educacional brasileira determina que as universidades sejam constituídas por um tripé indissociável formado pelo ensino, pesquisa e extensão. Essa é uma estrutura fundamental que não pode ser fragmentada. Nesse sentido, destaca-se que tanto a pesquisa como a extensão desempenham funções estratégicas e essenciais dentro das universidades. Conforme discutido ao longo desse artigo, a Extensão Universitária é o meio direto de ligação entre as Instituições Educacionais (IES) e a população. Neste intuito, é que surgiu o Projeto ALMA com a intenção de ser um canal de intervenção acadêmico-científica entre a universidade e a sociedade. Por isso priorizou-se realizar as atividades de pesquisa e extensão associada ao ensino em Comunidades Quilombolas no município de Alcântara/MA, sempre buscando aliar o conhecimento científico com as tradições das populações locais. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Considera-se que as tradições afro-brasileiras manifestadas nas Comunidades Quilombolas, ainda que timidamente, passam por um fortalecimento de manifestações contribuindo assim, para a necessidade da memória e o revigoramento da identidade, aproximando a comunidade da sua própria história, bem como perpetuando um legado ancestral.

Referências BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. João Pessoa: Ed. Grafset, 2006. BRAGA, Yara Maria Rosendo de Oliveira. Território étnico: conflitos territoriais em Alcântara - Maranhão, SP. 2011. 155 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos. BRASIL. Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis /LIM/LIM 601.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2014. _______.. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD, 2010. CARRIL, Lourdes. Terras de negro: herança de quilombos. São Paulo: Scipione, 1997. CASHMORE, Ellis. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000. CLÍMACO, Veríssima Dilma Nunes; ROCHA, Milene Vieira Santos Rocha. Incidências da Cultura Afro em Imperatriz-MA. Imperatriz: Ethos, 2012. FIABANI, Adelmir. Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes. São Paulo: Expressão Popular, 2012. _______. O quilombo antigo e o quilombo contemporâneo: verdades e construções. São Leopoldo/RS: Anais do XXIV Simpósio Nacional de História da Associação Nacional de História (ANPUH), 2007. Disponível em: . Acesso em 25 de maio de 2013. _______. Os novos quilombos: luta pela afirmação étnica no Brasil [1988 – 2008]. Tese (Doutorado em História). Universidade do Vale do Rio Sinos – UNISINOS, São Leopoldo/RS, 2008. FORPROEX. Plano Nacional de Extensão Universitária. Natal: Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESu / MEC, 2000/2001. Disponível em: http://www.portal.ufpa.br/docsege/Planonacionaldeextens aouniversitaria.pdf. Acesso em 22 de jul 2015. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. LOPES, Nei. Dicionário escolar afro-brasileiro. São Paulo: Selo Negro edições, 2006. _______. História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. São Paulo: Barsa Planeta, 2008. MAIA, Joseane. Herança quilombola maranhense: história e estórias. São Paulo: Paulinas, 2012. MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. 5. ed. São Paulo: Anita Garibaldi coedição com a Fundação Maurício Grabois, 2014. MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006. OLIVEIRA, Fátima. A medicina popular de matriz africana no Brasil. In: Saúde da população negra (2001). Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, p.235-257.

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Interculturalidade latino-americana e a geografia escolar no ensino fundamental Bárbara Regina Ferrari1 Oslon Carlos Estigarribia Paes de Barros2

A

Introdução América Latina tem se destacado no contexto atual, por suas conquistas ao longo dos anos, além de ter sido essencial enquanto colônia para o desenvolvimento da Europa. A partir da exploração do continente americano, a Europa se afirma como centro de expansão mundial

ao se intensificar os circuitos de mercadorias, e consequentemente, a formação de um sistema-mundo moderno (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2013). Assim, compreender como se dá o processo de formação, deixando de ter a visão da Europa como central e valorizar as formas de organização locais, a cultura, tradições e costumes do povo se faz necessário para entender o papel da América Latina no contexto de formação de um sistema-mundo que é moderno-colonial. Nesse sentido, o que buscamos é entender como a interculturalidade latino-americana se faz presente no ensino de geografia, a partir de análise do livro didático Projeto Araribá Geografia, adotado desde 2010 e renovado em 2013, com validade até 2016. Este livro é utilizado na maioria das escolas da rede estadual do município de Dourados/MS para o Ensino Fundamental Séries Finais. Além do livro, realizou-se entrevistas com alguns professores de geografia que utilizam este material. A interculturalidade é um desafio a ser construído no ensino escolar. Entendida como uma perspectiva de interação e comunicação entre os grupos e as diversas culturas, estes possuem contradições, o que implica na negociação, em relações e trocas recíprocas (CANCLINI, 2009). É incentivada enquanto parte da construção e valorização da diversidade étnica e cultural, a qual se potencializa as diferenças. Trabalhar na perspectiva intercultural no ensino de geografia contribui para a reafirmação as mais diversas culturas locais e latino-americanas, rompendo com o eurocentrismo, ainda difundido no ambiente escolar. A abordagem sobre a América Latina na disciplina de Geografia está destinada especificamente aos conteúdos dos 8° anos, apesar de ser discutido no Ensino Médio em outras perspectivas, sobretudo na visão de blocos econômicos. No Ensino Fundamental Séries Finais, focalizaremos na análise de como o livro traz a abordagem da diversidade étnica e cultural sobre a América Latina, refletindo a partir dos relatos dos professores como estes abordam esses conteúdos, o que trazem de materiais para complementar o ensino, envolvendo as práticas cotidianas.

Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados. Email: [email protected] 2 Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados. Email: [email protected] 1

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Associar as práticas cotidianas ao ensino de geografia tem encontrado uma ambiguidade, pois o município de Dourados/MS está próximo geograficamente de outros países latinos, com costumes e tradições vivenciadas no dia-a-dia. No entanto, a abordagem intercultural escolar não se efetiva na prática como se preconiza. O que percebemos como denomina Porto-Gonçalves e Quental (2013) é que existe uma colonialidade do poder arraigada na sociedade e nas relações que se estabelecem. Isso se expressa na escola, a partir de uma reprodução da história vista e entendida a partir da Europa, esta como o centro do mundo. E percebemos que os discursos proferidos nos livros didáticos também não se atentam a romper com essa “naturalização” de sermos identificados como inferiores, subdesenvolvidos em relação à Europa. A questão cultural deve ser mais evidenciada na geografia escolar, principalmente voltando os olhares para o local, percebendo a influencia dos povos originários da América Latina, costumes e tradições que herdamos e se fazem presentes no dia-a-dia sem se dar o devido valor. Metodologia A metodologia utilizada baseou-se em literaturas que discutem questões da América Latina, interculturalidade e geografia escolar, além da análise do livro didático e entrevistas com professores de geografia da rede pública estadual. O livro didático analisado foi o Projeto Araribá Geografia (2010/2013) que é o material adotado em várias escolas do município de Dourados/MS, no Ensino Fundamental Séries Finais. A temática que se refere à América Latina engloba essencialmente os 8° anos, ao se associar as regionalizações do espaço mundial e, especificamente, o continente americano. Realizamos algumas entrevistas e conversas informais com os professores de geografia que trabalham com o livro didático Projeto Araribá. Em sua maioria, os professores apontam que o livro carece de informações e discussões mais elaboradas sobre a América Latina. A complexidade dos países latino-americanos, a sua cultura, costumes e diversidade social não se expressa tal como é na realidade, pois é vista separadamente por países, em suas individualidades, e enfatizando outras regionalizações, como América Andina e América Platina. Desta forma, a análise ocorreu a partir dos conteúdos proposto pelo livro didático do 8° ano, Projeto Araribá Geografia (2010/2013), e os relatos de alguns professores que utilizam esse material. Na tentativa de entendermos essa relação, comparamos as leituras apontadas no livro didático e a interpretação dos professores quanto a América Latina e a proposta de interculturalidade no ensino de geografia.

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A abordagem da América Latina na geografia escolar A expressão América Latina, como aponta Porto-Gonçalves e Quental (2012) em estudos realizados e referenciados por alguns autores3 surgiu para afirmar a latinidade do povo que lhe foi dado o nome de América, mas que buscavam romper com a dominação imposta por seus colonizadores e até mesmo contra o expansionismo norte-americano. A região do continente americano, denominada de América Latina associa os países que foram colonizados pelas línguas que provem do latim, sobretudo, espanhol, português e francês. E também a caracterização de América Latina surgiu para afirmar um povo distinto dos europeus, dos colonizadores, expressando a noção de superioridade diante dos povos colonizados, e o surgimento do termo raça, como modo de afirmar a dominação europeia. Assim, o conceito de América Latina foi utilizado tanto para marcar uma continuidade com o modelo de civilização europeu no continente, como para reproduzir a exclusão de povos e culturas que, no período colonial, estavam localizados fora do modelo de humanidade desenhado pela colonialidade do poder (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2012, p.315).

Complementando ainda que, As diferenças fenotípicas, como por exemplo, a cor da pele, a forma e cor do cabelo, dos olhos, do nariz, passaram a ser utilizadas no processo de colonização como forma de diferenciar conquistadores e conquistados, europeus e não europeus, estabelecendo, assim, uma relação de superioridade e inferioridade pautada nas distintas estruturas biológicas de cada grupo social e criando supostas gradações de seres humanos (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2013, p. 168-169).

Assim, a caracterização em América Latina não é somente uma visão cultural e histórica, mas com um teor político enraizado, quando estabelece as diferenças entre um povo e outro, entre colonizadores e colonizados, demonstrando a dominação europeia sobre os povos nativos. Exemplificamos com os antigos Impérios Incas, Maias e Astecas, que predominaram a região do continente americano por um longo período, mas a partir da colonização, foram eliminados linguística e culturalmente, restando somente alguns monumentos desses impérios. A concepção de uma América Latina surge de uma apropriação criativa que intelectuais de origem hispânica nascidos na América fazem da divisão entre Latinos e Anglo-Saxões que marcou os conflitos entre as potências do continente europeu no século XIX (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2012, p.304).

A América Latina nesse contexto histórico parece ser lembrada como inferior diante dos norteamericanos e europeus, desvalorizando a sua cultura e suas natividades. Na Geografia, disciplina que articula as relações espaciais e “contempla a diversidade da experiência dos homens na produção do espaço, as questões espaciais estão sempre presentes no cotidiano de todos eles, sejam as de dimensões globais ou locais” (CAVALCANTI, 2010, p.3). Nesse sentido, a América Latina e as relações entre os 3

Mignolo, W. D.(2003; 2007); Quijano, A. (2000; 2005) apud PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. (2012).

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países são englobadas na geografia escolar, compreendendo a produção do espaço e suas influencias tanto culturais, sociais, econômicas e políticas. O livro didático Projeto Araribá Geografia (8° ano, 2010/2013) traz uma breve explicação da localização e espacialização da América, caracterizando que a regionalização da América Latina é de “acordo com a origem dos colonizadores, a cultura e o desenvolvimento econômico” (p.66-67) dos países, sendo uma regionalização pelos critérios históricos, culturais e socioeconômicos. Distingue a colonização de exploração ocorrida na América Latina, das colônias de povoamento na América AngloSaxônica, referindo-se a estes com pequenas notas explicativas. Percebemos que o livro enfatiza os aspectos históricos ao se referir à colonização dos países latino-americanos, dando menos destaque aos aspectos culturais, sociais dos povos que aqui habitavam. Em sala de aula um dos estímulos à formação de uma educação geográfica passa pelo livro didático, já que este traz elementos para que o aluno possa pensar sobre os conteúdos trabalhados pelos professores. Elementos contidos nestes livros podem refletir de maneira positiva ou não na construção de identidades e da própria identidade do aluno (PRINTES, 2014, p. 202).

Observamos que a questão sobre América Latina é pouco retratada na Geografia escolar. Alguns professores de geografia afirmam que o livro não trabalha em profundidade com este tema, e cabe ao professor articular o conhecimento científico às suas próprias experiências e ao cotidiano do aluno, para que este construa as suas próprias identidades. “Quando ao se falar sobre a América Platina e Andina, procuro então enfatizar alguns aspectos culturais com mais propriedade, já que não há um tema específico sobre América Latina, até mesmo trazendo minha experiência, pois visitei o Peru recentemente e quero mostrar aos alunos o que trouxe de lá” (Professor A de geografia da rede estadual).

Outra referência que o livro didático utilizado faz aos países pertencentes à América Latina é denominando-os como subdesenvolvidos. Ao abordar a população americana, o que se enfatiza são os índices populacionais, taxas de natalidade e mortalidade e expectativa de vida, com a ilustração de muitos gráficos, quadros e imagens, nem sempre muito claros. Estes demonstram os contrastes existentes em todo o continente, desde América Anglo-Saxônica quanto na América Latina. Afirma-se que há um elevado nível de habitantes na América Latina e a distribuição desigual de recursos e riqueza são um dos fatores que contribuem para o subdesenvolvimento dos países (ARARIBÁ, 2010, p.88-91). Diante do entendimento que a geografia contempla as produções espaciais em suas diversas escalas perante as relações sociais e humanas, a diversidade cultural mostra-se importante e a interculturalidade enquanto comunicação e diálogo entre o local, regional e global. Os desafios que se apresentam para a aula de geografia na educação básica dizem respeito a instrumentalizar os sujeitos na construção de aportes para entender a inerência da espacialidade do mundo, uma vez que os territórios são construídos e apropriados em acordo com interesses que demarcam a vida humana, esta de um modo

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 571 geral no conjunto da sociedade, mas que atinge a singularidade dos lugares e de grupos específicos. (CALLAI, 2013, p.8)

O livro também se refere a origem do nome latino, devido às línguas dominantes provenientes do latim, o português e o espanhol, mas não se menciona as línguas originárias, os dialetos que aqui já existiam e eram as línguas faladas pelos povos, o que atualmente, percebemos alguns dialetos, sotaques e expressões que provem dos povos e de costumes antigos. Professores relatam também as dificuldades em explicar aos alunos a América Latina e sua complexidade, por isso, procuram trazer experiências e vivências mais próximas, a fim de facilitar essa compreensão. A interculturalidade é um meio de buscar integrar a diversidade étnica, cultural e social que se expressa nas escolas e na sociedade brasileira. Candau e Leite (2007) colocam a perspectiva do “[...] multiculturalismo como uma abordagem das relações entre os diferentes grupos culturais nas sociedades atuais, que abriga no seu interior diferentes perspectivas, entre as quais a intercultural” (CANDAU; LEITE, 2007, p. 732). Assim, tanto a abordagem multicultural quanto intercultural estão presentes no ambiente escolar, e a geografia, busca abordar essa interação entre a organização social, levando em consideração as diferentes formações dos povos e sua diversidade étnica e cultural. De um mundo multicultural – justaposição de etnias ou grupos em uma cidade ou nação – passamos a outro intercultural e globalizado. Sob concepções multiculturais, admitese a diversidade de culturas sublinhando sua diferença e propondo políticas relativistas de respeito, que frequentemente reforçam a segregação. Em contrapartida, a interculturalidade remeta à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações e trocas. Ambos os termos implicam dois modos de produção social: multiculturalidade supõe aceitação do heterogêneo; interculturalidade implica que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos. (CANCLINI, 2009, p.17).

É por isso que a proposta intercultural se mostra mais efetiva ao se trabalhar com a diversidade étnica, cultural e social, pois é percebendo as diferenças e estimulando a interação, trocas, empréstimos e não a imposição de uma sobre a outra. A questão cultural se mostra evidente no município de Dourados/MS por esse estar localizado em uma faixa de fronteira, no qual a conexão entre o Paraguai é grande. O estado do Mato Grosso do Sul, também faz fronteira com a Bolívia e há uma mescla de costumes e tradições de ambos países na cultura sul-mato-grossense. “Ter presente a dimensão cultural é imprescindível para potenciar processos de aprendizagem mais significativos e produtivos para todos os alunos e alunas” (CANDAU, 2011, p.242). O interessante em promover a interculturalidade entre os países vizinhos é de desmistificar histórias e preconceitos contra os povos nativos e a visão da mídia de que a fronteira é um espaço dominado pelo tráfico de drogas e a violência. Como afirma Albuquerque (2010, p.37) “a região de

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fronteiras é também geralmente vista pela imprensa e pelo imaginário popular como um lugar perigoso, espaço da ilegalidade, da contravenção e da violência”. Assim, a questão sobre fronteira aparece e deve ser articulada a discussão dos países latinoamericanos, devido a sua forte influência principalmente em hábitos e costumes na região fronteiriça. Observa-se na nossa realidade, sobretudo na região de Dourados, nomes e costumes da mescla cultural do Paraguai e Brasil, como por exemplo, a nominação de ruas e bairros, com a figura dos povos Guaicurus. Há também o hábito de tomar tereré, proveniente dos paraguaios, e até mesmo suas danças, como a polca paraguaia, e a variedade gastronômica encontrada. Toda essa diversidade reflete na escola, pois as diferenças étnicas, sociais e culturais estão próximas, havendo sempre essa troca de experiências entre a região de fronteira. “O intenso contato entre os grupos étnicos não dissolve as diferenças culturais. Pelo contrário, as identidades étnicas se fortalecem na zona de fronteiras” (ALBUQUERQUE, 2010, p.46). Boaventura de Sousa Santos (2009) ressalta a ideia de uma Epistemologia do Sul, rompendo assim com o eurocentrismo, e de um pensamento dominante. Potencializa o outro lado da linha, ao qual estão os saberes informais, locais, populares. Refiro-me aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas do outro lado da linha. Eles desaparecem como conhecimentos relevantes ou comensuráveis por se encontrarem para além do universo do verdadeiro e do falso (SANTOS, 2009, p. 25).

A geografia escolar deve articular esses saberes locais, populares ao conhecimento científico e dito verdadeiro. Por isso, a cultura latino-amerciana deve ser mais evidenciada nos livros didáticos e melhor abordada pelos professores, já que o município de Dourados/MS se encontra em uma sociedade diversa culturalmente. Não é a predominância de uma ou de outra, mas o cruzamento de culturas. Outro fator influente e proveniente dos países latino-americanos, encontrado na realidade douradense é a presença da língua espanhola. Por pertencermos à região de fronteira com o Paraguai, o espanhol, o castelhano não é valorizado, sobretudo nas escolas. A predominância é do inglês, como língua universal e de maior importância. É Canclini (2009) quem nos leva a refletir sobre a dominação do inglês e o monolinguismo nas ciências e tecnologias, colocando que há uma crescente “[...] globalização do inglês e a uma anglo-norteamericanização econômica, sociocultural e político-militar do planeta” (CANCLINI, 2009, p. 229). No município de Dourados, citamos o exemplo de apenas uma escola da rede estadual que estimula e tem em sua grade a língua espanhola, ao que as outras escolas, (até o nosso conhecimento), optam pelo inglês. Seria interessante uma maior equidade entre as línguas, pois a valorização da nossa cultura também ocorre pela valorização dos nossos costumes e por suas práticas. Analisando o livro didático, identificamos que a linguagem expressa é simples, básica e superficial, de fácil entendimento para os alunos, e os professores afirmam que isso facilita na compreensão, além XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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de ser muito ilustrativo. O livro prioriza alguns países (Brasil, Argentina, entre outros de maior relevância econômica), o levantamento de alguns dados, principalmente econômico, populacional e suas características básicas. Mas a discussão sobre o conjunto, sobre a América Latina em si, é pouco evidenciado pelo livro. São os professores em suas particularidades e preferências culturais, políticas, ideológicas que trazem informações que vão além do livro, curiosidades e informações culturais. Em depoimento, o professor B, afirma que “destaco em minhas aulas o Uruguai, trazendo vários exemplos, como o poder legislativo, no qual há uma maior participação das mulheres de toda a América Latina”. Coloca também a questão sobre as drogas, ressaltando o Uruguai como um país que conseguiu estatizar a produção e a venda principalmente da maconha, e faz essa relação entre o Brasil, sempre articulando a realidade vivida pelos alunos. Apesar de esforços individuais de alguns professores, percebemos que a maioria dos alunos desconhecem suas próprias origens e história. É visível que uma parte significativa da população douradense é descendente de paraguaios, bolivianos, indígenas, mas, negam suas origens, tendo uma visão preconceituosa contra os povos originários. Além de não valorizarem a sua própria cultura, priorizam o que vem “de fora”, dos norte-americanos, dos europeus, sendo visível nas tendências da moda, mídia e na própria linguagem, sobretudo dos jovens. Os professores além de utilizarem o livro didático vêm buscando trazer reportagens e outros materiais que divulgam e apresentam as culturas latino-americanas, reforçando a interculturalidade. São estratégias que contribuem para a aprendizagem em sala. O livro didático aborda alguns textos e reportagens, entretanto, não são suficientes devido à demanda cada vez maior de informações por parte dos professores e dos alunos. Identificamos no livro de geografia analisado um box denominado “Compreender um texto” que explora “A (in)dependência dos países latino-americanos” (PROJETO ARARIBÁ, 2010, p.106-107), abordando questões relativo ao desenvolvimento econômico dos países latino-americanos. Quando trabalha a economia, ressalta a grande dependência desses países em relação aos países desenvolvidos, e a produção voltada para o mercado de exportação. Ressalta também, a entrada de multinacionais com a exploração de seus recursos, a mão-de-obra barata e o emprego de tecnologias em alguns países mais avançada do que em outros. O livro didático é um importante instrumento para professores e alunos. Ele contribui na orientação de textos e leituras, trazendo uma linguagem mais acessível ao entendimento dos alunos. O professor tem o papel de articular esse conhecimento, ao do aluno e as suas próprias convicções, e busca também outras fontes bibliográficas e recursos didáticos que complementam suas aulas. Considerações Finais

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O livro didático nas escolas é de fundamental importância, sobretudo no Ensino Fundamental Séries Finais, que foi a base de análise. Abarca um conjunto de informações, textos, linguagens, imagens que norteiam o trabalho do professor em sala. Para o estudante é essencial como fonte de pesquisa e informação, principalmente nessa faixa etária, o qual não tem o hábito da leitura e da pesquisa. Apesar da proposta dos autores do livro didático em alguns momentos com tentativas de informações socioculturais, quando verificamos as questões relativas à América Latina, a abordagem expressa é predominantemente de uma visão europeia e norte-americana. A cultura local, as particularidades linguísticas, sociais de cada país ou povos não ganha tanto destaque, em comparação à economia, à globalização e ao mercado consumidor. As informações se restringem ao parque industrial dos países, do poderio militar e, também, a descrição quantitativa da população e características gerais e históricas dos territórios. Percebemos na nossa análise, que apesar do livro didático não contribuir de forma satisfatória quanto à abordagem da cultura latino-americana, os professores, em sua grande maioria, trazem a partir de suas vivências e experiências, informações complementares. Sendo essas relacionadas ao cotidiano dos alunos, e uma tentativa de valorizar as raízes culturais do município de Dourados/MS. Há uma limitação quanto à perspectiva intercultural na escola e no ensino de geografia. O livro sendo um aporte ao trabalho do professor também precisa se renovar e dialogar dentro da interculturalidade. Que busque potencializar a cultura latino-americana, ao qual nosso país expressa uma grande diversidade étnica e cultural. As experiências relatadas pelos professores fazem a diferença quanto ao se aproximar do cotidiano e da realidade dos alunos. Essas vivências aproximam os alunos da escola e procuram discutir e abordar as suas origens e as suas identidades, articulando o saber do professor e o do livro didático. Referências ALBUQUERQUE, J. L. C. A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010. CALLAI, Helena C. O mundo nas mãos - as mãos no mundo: a geografia na educação básica. Rev. geogr. Valpso (Em línea): n°47, 2013, p. CANCLINI, N. G. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009. CANDAU, V. M. F. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas. Currículo sem Fronteiras (online); v.11, n.2, 2011, p.240-255. CANDAU, V. M.; LEITE, M.S. A didática na perspectiva multi/intercultural em ação: construindo uma proposta. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, 2007, p. 731-758. CAVALCANTI, L. de S. A geografia e a realidade escolar contemporânea: avanços, caminhos, alternativas. Anais do I Seminário Nacional: currículo em movimento – Perspectivas Atuais; Belo Horizonte, 2010, p.1-16. PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Santiago: Polis, Revista Latinoamericana, v.11, Nº 31, 2012, p. 295-332. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Pontos de Cultura: participação social e empoderamento das bases comunitárias da América Latina Gleise Cristiane Ferreira de Oliveira1 Nova forma de propor políticas: governo Lula e participação social nas políticas públicas de cultura partir de 2003, as Políticas Culturais no Brasil, tradicionalmente marcadas pelas ausências,

A

autoritarismos e instabilidades2, começaram a passar por profundas mudanças, que podem ser lidas, inicialmente, pelo conceito de cultura adotado (antropológico/ampliado) que passou a

dar conta de uma diversidade cultural brasileira. O governo Lula3, através das gestões dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, descortina uma série de ações para retomar o papel ativo do Estado na formulação de políticas culturais. Também neste governo, abrem-se as portas para a formulação de políticas culturais com um olhar para o conjunto da sociedade brasileira. Em sintonia com o que estava previsto no Plano de Gestão do Governo Lula4, alguns canais de participação, que superam o direito de exercer o pleito eleitoral, são abertos pelo Ministério da Cultura (MinC): a) em 2003, realização dos seminários “Cultura para todos”; b) a partir de 2004, a instalação de Câmaras Setoriais (dança, música, teatro etc); c) em 2007, a instalação do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC); d) em 2008, são iniciados debates presenciais com o MinC, os “Diálogos Culturais”; e) em 2009, é instalada uma ouvidoria do MinC; f) além de conferências nacionais de cultura (CNC) em 2005 e 2009 cujos temas são respectivamente - I CNC “Estado e sociedade construindo políticas públicas de cultura”; e II CNC “Cultura, Diversidade, Cidadania e Desenvolvimento”. Essas ações visavam de forma mais objetiva a construção do Plano Nacional de Cultura (PNC) instrumento de regulação das políticas de cultura de longo prazo, no caso brasileiro, 10 anos - e, do Sistema Nacional de Cultura (SNC) cujas finalidades incluem: “integrar os órgãos, programas e ações culturais do Governo Federal; e contribuir para a implementação de políticas culturais democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e sociedade civil” (BRASIL, 2005). Cabe destacar que na realidade brasileira, todas essas possibilidades de participação cidadã são muito recentes. A democracia estabelecida neste país é fruto das lutas contra regimes altamente Mestranda em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista Capes. E-mail: [email protected] 2 Três tristes tradições aferidas pelo professor e pesquisador Albino Rubim. Ler mais em Políticas culturais no Brasil: tristes tradições, enormes desafios. In: Políticas Culturais no Brasil, Salvador: Edufba, 2007. (listado nas referências deste texto). 3 Salienta-se que essas ações de transformação política no âmbito cultural estão sintonizadas a um contexto maior de desenvolvimento econômico e social, iniciadas no governo do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em curso nas diversas esferas da sociedade brasileira. Segundo Rubim (2014, p. 99) “Hoje se vive um dos mais longos períodos democráticos da nossa história. Mas só agora a democracia começa a ganhar substância social.” 4 Dentre os princípios do Plano de Gestão estão a transparência e a participação, entendidos como basilares da gestão democrática. O Plano de Gestão propõe canais de participação cidadã para atuação em decisões sobre assuntos de interesse público. A proposta do Plano de Gestão era a migração de um Estado regulador para um Estado promotor do desenvolvimento com inclusão social. 1

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autoritários. Legados da condição de colônia de exploração e de regime de trabalho escravo, posteriormente de governos autoritários/ditatoriais que coadunavam para a impossibilidade de participação social. Ressalta-se ainda que até a Constituição de 1988, conhecida por constituição cidadã, inclusive o direito ao voto - forma mais tradicional de participação política - já havia passado por diversas restrições, como por exemplo, a exigência de uma renda mínima e a impossibilidade da participação feminina. Com a abertura para a participação cidadã, a grande mudança que se espera é a transição de uma população que transfere a responsabilidade - aos moldes da política representativa - para o povo que participa. Para a efetivação desta mudança é necessário também uma nova forma de Estado, que não pode ser um Estado intervencionista e burocrático (autoritário) nem um Estado mínimo. Um Estado capaz de compartilhar seu poder com os sujeitos sociais é um estado inscrito numa nova relação de formular políticas. Essa nova relação está inscrita em conceitos que rondam o Programa Cultura Viva (PCV). Conceitos do Programa Cultura Viva: autonomia, protagonismo e empoderamento social rumo à uma gestão compartilhada Mesmo antes de se firmar enquanto política de Estado, que se difere das instáveis políticas de governo pela sua característica de continuidade independente das mudanças advindas dos pleitos eleitorais, o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva (PCV), ganhou notória visibilidade. O caráter inovador atribuído à ação dos Pontos de Cultura (principal linha de atuação da PCV) se dá, em grande medida, ao insight de potencializar ações culturais que já existiam e de descentralizar a área de atuação do Ministério da Cultura o tornando, inclusive, nacional5. Neste sentido, afirma-se que o Cultura Viva é um dos programas responsáveis por ampliar a base comunitária do MinC pois, incorpora comunidades que não tinham nenhuma relação cultural com o Estado nacional brasileiro. Para Célio Turino, gestor que esteve à frente do Cultura Viva no momento da sua formulação na gestão do ministro Gilberto Gil, [...] a equação que sustenta a teoria dos Pontos de Cultura foi construída a partir da observação empírica, com casos vivenciados. E pode ser expressa em uma equação simples, em que a soma Autonomia + Protagonismo resulta em um contexto favorável ao rompimento de relações de dependência, ou assistencialismo, tão comuns na aplicação de políticas governamentais.(TURINO, 2009, p.66)

Cabe destacar que as ações do MinC estavam limitadas às belas artes e patrimônio e com alcance territorial, prioritariamente, restrito ao eixo Rio-São Paulo. 5

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Após decorridos 10 anos de sua existência, através de discussão pública e pressão de setores sociais e culturais, o Programa Cultura Viva torna-se Lei6, passando a ser uma Política Nacional de Cultura Viva (PNCV). Cabe destacar que, o fortalecimento/ alargamento da democracia “que se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e tomada de decisão relacionados com as questões e políticas públicas” (DAGNINO, 2004) foram fundamentais para formulação da Lei. Pelo artigo 3° da Lei Cultura Viva, n° 13.018/2014, o público a quem se destina essa Política Nacional de Cultura Viva é a sociedade, prioritariamente, “os povos, grupos, comunidades e populações em situação de vulnerabilidade social e com reduzido acesso aos meios de produção, registro, fruição e difusão cultural, que requeiram maior reconhecimento de seus direitos humanos, sociais e culturais”. Os Pontos e Pontões de Cultura, principais elos entre a sociedade e o Estado da PNCV devem “desenvolver ações culturais sustentadas pelos princípios da autonomia, do protagonismo e da capacitação social das comunidades locais”(BRASIL, 2014). Os conceitos-princípios da PNCV podem ser entendidos, segundo a pesquisadora Ester Marçal Fér a partir da lógica freireana pela qual, se entende: a) autonomia como um paradoxo “automoniadependência”, ou seja, uma autonomia na coletividade e solidariedade, na construção coletiva; b) o protagonismo sendo apresentado como valorização do ser humano e; c) o empoderamento, como envolvimento ativo dos cidadãos, como a legitimação da democracia. Ou seja, os cidadãos (confiantes, solidários e recíprocos) capazes de formar e eficiência da comunidade política por meio da participação popular. (FÉR, 2009). A instrução normativa n°01/2015 que regulamentou a Lei 13.018/2014 trás, no capítulo II, as atribuições relacionadas a realização de uma gestão compartilhada e participativa que deve ser respaldada pelos mecanismos democráticos de diálogo. São consideradas, além das instâncias de participação da PNCV, àquelas desenvolvidas no âmbito do Sistema Nacional de Cultura. Na atual conjuntura, a PNCV, legitimada enquanto política pública de cultura, enfrenta/supera as ausências de política pública para a cultura – observando inclusive a necessidade de controle social através de crivos públicos, uma vez que a formulação de uma Lei Cultura Viva, foi amplamente reivindicada pelos setores culturais. Os autoritarismos superados na medida em que, no texto da lei, já está pontuada como objetivo a “gestão pública compartilhada e participativa, amparada em mecanismos democráticos de diálogo com a sociedade civil”. E, as instabilidades superadas a partir da transformação em lei, o que aponta para a continuidade da Política Nacional de Cultura Viva que, uma vez lei, não pode ser extinta por conta de uma simples mudança de governo.

A formulação de uma Lei Cultura Viva, foi amplamente reivindicada pelos setores culturais, apontadas inclusive nas Conferências Nacionais de Cultura como ação prioritária. 6

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É esse o programa que, pela sua potência, desperta interesse para além-Brasil e começa a ser implementado em vários países da América Latina. Inevitável refletir sobre a trajetória que aproxima os países que compõem a América Latina – países colonizados, que passaram por governos autoritários e que recentemente vem fortalecendo suas democracias e incluindo a participação social. Este cenário, sem dúvida contribui para cultivar o território propício para o encantamento com os princípios do Cultura Viva. Congresso latino-americano Cultura Viva Comunitária Pela potência vinda das bases culturais/sociais, os Pontos de Cultura do Cultura Viva começam a ser replicados/adaptados em diversos países da América Latina. Um documento de apoio à programação do 1º Congresso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitária apresenta um retrato da época nos países da América Latina. Naquele momento, o cenário estava assim descrito: 1. Argentina: tinha lei apresentada ao congresso e projetos do Cultura Viva em desenvolvimento; 2. Brasil: possuia lei apresentada ao Congresso e com projetos do Cultura Viva em desenvolvimento. Na época com mais de 2mil Pontos de Cultura reconhecidos; 3. Bolívia: estabelecendo acordos com o governo para aprovação de uma lei; 4. Costa Rica: prestes à aprovar o Plano Nacional de Cultura onde consta um capítulo especial para o Cultura Viva Comunitária (relação com a Plataforma Puente); 5. Colômbia: Em construção de anteprojeto de Política Pública; apoio financeiro e vontade política 6. El Salvador e Guatemala: sem avanços em termos de legislação. Mas, trabalhando com organizações articuladas; 7. Peru: com um anteprojeto de lei. Este é o contexto do Cultura Viva que reúne, em maio de 2013, convocados pela sociedade civil, gestores governamentais, pesquisadores, estudiosos etc no 1° Congresso Latinoamericano Cultura Viva Comunitária, em La Paz, na Bolívia. Destaca-se neste processo a atuação em rede de instituições sem fins lucrativos (organizações não-governamentais) em campanha pelo Cultura Viva como resultado do reconhecimento à política pública que origina os Pontos de Cultura. Essa inspiração brasileira do do-in antropológico7 pelo qual era vital “massagear os pontos vitais do Brasil” e que resultaram na Política Nacional do Cultura Viva trás consigo princípios que despertam o corpo cultural da América Latina.

A expressão do-in antropológico foi amplamente utilizada na gestão do Ministro Gilberto Gil quando ele se referia à necessidade de “massagear os pontos vitais do Brasil”, para ele era necessário sair do cenário de um Ministério da Cultura que repassava verbas para uma clientela preferencial e era necessário chegar aos brasileiros de forma mais ampla. 7

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Eram objetivos do Congresso: a) fortalecer os Pontos de Cultura política e institucionalmente em todo o continente e b) consolidar a articulação latino-americana em torno da pauta da Cultura Viva Comunitária. […] el 1er Congreso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitaria busca fortalecer este proceso que ha logrado articular organizaciones y redes en todo el continente, generando un espacio que logre favorecer el encuentro entre las experiencias y concretar avances significativos en el terreno organizativo y de lucha por Políticas Públicas de apoyo a estos procesos de organización popular, economía social y desarrollo local en Latinoamérica. (site do Congresso)

Indo ao encontro desse processo de fortalecimento, a então secretaria de diversidade e cidadania cultural do Ministério da Cultura do Brasil, Márcia Rollemberg, se pronunciou afirmando que, do Congresso, se esperava a “ampliação da pauta de política de base comunitária da América Latina no âmbito da cultura e, ao mesmo tempo, o fortalecimento de movimentos culturais que integram a grande rede de diversidade cultural da latino-americana, fortalecendo o princípio de cooperação entre países e povos.” Cabe destacar que, o 1º Congresso Latino-americano de Cultura Viva Comunitária surge como desdobramento de uma série de ações que coadunaram para o fortalecimento e atuação em rede. Com pode ser verifica em trecho extraído do website do Congresso: El 1er Congreso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitaria es la continuidad de un proceso de articulación continental desarrollado a lo largo de los últimos diez años, en el intento de dar visibilidad y fortaleza a las más de 120.000 experiencias populares de actividades culturales y comunitarias que existen en el continente, movilizando anualmente a cerca de 200 millones de personas en eventos y talleres y trabajando aún sin un adecuado reconocimiento por parte de las legislaciones y las políticas públicas vigentes en Latinoamérica. (site do Congresso) O Congresso trás como princípios fundamentais para a Cultura Viva Comunitária os mesmos princípios da Politica Nacional de Cultura Viva do Brasil: autonomia, protagonismo e empoderamento. Somando-se o ingrediente da interação entre os agentes sociais e culturais, a articulação em rede componente fundamental para o fortalecimento das ações realizadas. Los principios fundamentales de CVC son la autonomía, como capacidad para la toma de decisiones; el protagonismo y empoderamiento, en tanto el centro de actuación son los grupos históricamente segregados de las políticas y las decisiones de lo público; y la articulación em Red, como diálogo de saberes y un intercambio permanente de experiencias que permite reinventar, re-crear y renovar tanto los movimientos sociales como al estado mismo. (Caderno de apoio à programação) Dentro dos seis dias de programação do Congresso, buscou-se contemplar quatro dimensões que costuravam a metodologia do Congresso que integrava a realizacão de festas e celebrações, rituais culturais, seminários, oficinas, debates, feiras, etc. Eram essas dimensões: 1) política - representada pelos painéis que debateram, por exemplo sobre políticas públicas de cultura comunitária, economia de rede e cooperação na América Latina, além dos encontros de rede 2) acadêmica - distribuída em 16 eixos de discussão, tratando de temas como: arte para a transformação social, comunicação para uma democracia, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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celebrações para uma vida comunitária, mediação cultural para a comunidade, cultura de paz etc. 3) lúdica/criativa - presente na programação cultural com cortejo, assaltos poéticos, mostras artísticas. 4) espiritual/mística/ritual - ao se valorizar os saberes e as tradições orais, a memória sendo representada por exemplo pela vivência proporcionada pela viagem à Mururata para conhecer parte do trabalho comunitário. Como desdobramento do 1° Congresso Latinoamericano Cultura Viva Comunitária, foram elencados desafios e estratégias. Vários deles apontam para princípios do Cultura Viva que impactam no fortalecimento da participação cidadã e no empoderamento das bases comunitárias. São elencados nestes desafios, por exemplo: a) a necessidade de garantir a autonomia continental para a produção/desenvolvimento das culturas locais; b) a importância de garantir a promoção da gestão compartilhada, respeitando a autonomia, entendida como fundamental ao processo de empoderamento social; c) a necessidade de se construir políticas públicas a partir das trocas com a sociedade civil a envolvendo nas tomadas de decisão; d) o lugar essencial da articulação em redes; e) os ganhos de impulsionar a prática dos valores de cooperação e solidariedade; e) fortalecimento e empoderamento da ação cultural da comunidade na criação e implementação de metodologias e tecnologias sociais no âmbito das políticas culturais; f) aproximar o saber acadêmico do saber popular, promover esse diálogo etc. A realização do 1° Congresso Latinoamericano Cultura Viva Comunitária se configurou como um importante evento para demarcar a opção assumida de fortalecer os laços entre os países do continente a partir dos saberes e fazeres culturais. As discussões realizadas durante todo Congresso foram muito importantes para criar um ambiente de cooperação entre os países e coadunam com o período em análise, quando as políticas culturais propostas se fortaleciam no olhar para as populações que, por muitos anos, estavam desassistidas por estas políticas. Mas, foi também o momento de avaliar as barreiras que se impuseram na execução das ações do Cultura Viva no Brasil e nos demais países. Gestores públicos, por exemplo, se reuniam para tratar da operacionalização dessas políticas em estruturas burocráticas inadequadas. Como chegar a um modelo de política que atenda, sem criminalizar, as ações comunitárias? Diante desses questionamentos, observamos que o desafio ainda presente era o de “trocar a roda com o carro andando” nas observações da pesquisadora Sophia Rocha, “O Cultura Viva, enquanto programa dinâmico que alimentava e era alimentado por seus atores, foi sendo executado à medida que também era formulado, ou seja, os problemas foram aparecendo ao tempo em que o Programa foi avançando” (ROCHA, 2011, p.98). Quando, por exemplo em avaliações do Cultura Viva se diagnosticava que a aplicação da lógica da administração pública nas relações estabelecidas com estas organizações da sociedade civil gerava [...] tensão entre o que se é – na espontaneidade e nos improvisos do cotidiano – e aquilo que a institucionalização do processo imprime, constitui um dos grandes desafios de transformação. Por um lado, a moldura que a totalização do programa institui, de outro, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 582 o cotidiano do trabalho de cada Ponto de Cultura [...] encontrar com o gestor cultural do ponto é encontrar com uma pessoa aderida quase que completamente à filosofia do programa, mas também ressentida no que se refere às questões administrativas. (BARROS e ZIVIANE, IPEA, 2011, p. 73 - 79).

No âmbito brasileiro a proposição é que com a Lei 13.018/2014 aprovada e regulamentada pela IN 01/2015 se gere um processo de simplificação da execução dos Projetos de Pontos de Cultura. Mas, ainda é cedo para opinar sobre a efetiva simplificação das relações entre o Estado e a sociedade civil nesta gestão compartilhada. Considerações finais O caráter inovador atribuído à ação PC se dá, em grande medida, pela escolha de potencializar ações culturais que já existiam e de descentralizar a área de atuação do Ministério da Cultura (MinC). Pode-se afirmar que a ação dos PC se torna emblemática enquanto política de cultura e gera encantamento pelas bases que a sustentam: a) a autonomia, b) a sustentabilidade, c) o empoderamento, d) articulação em rede e a e) gestão compartilhada. Além da questão primeira que é o público a quem se destina. Mas, se, por um lado, ganha visibilidade e notoriedade para além-Brasil, por outro ainda está em estágio de formatação, se redesenhando e redefinindo. O desafio desta política continua sendo permanecer forte institucionalmente e crescendo em potência e ação. Recentemente, no Brasil a Lei Cultura Viva tornou o Programa em Política Nacional. A Lei 13.018/2014 até sua aprovação passou por crivos/debates públicos e tramitou por três anos no Congresso Nacional Brasileiro. Conforme matéria publicada no site do MinC em comemoração à um ano da Lei, “A nova legislação tornou-se exemplo não apenas no Brasil, mas para outros países da América Latina. Os Pontos de Cultura se tornaram referência de política cultural em países como Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Costa Rica. Recentemente, a Venezuela demonstrou interesse em implantar um programa nos mesmos moldes do brasileiro.” Afirmações como esta comprovam que os rumos para o fortalecimento de uma cultura cidadã estão abertos. Com relação à articulação Latino Americana, a realização do 1° Congresso foi um marco fundamental para ascender a chama da Cultura Viva. O fato do Congresso ter sido estimulado, reivindicado e realizado pela sociedade civil numa lógica da auto-gestão já reflete a potência e o apelo pela continuidade das ações. Mais do que isso a realização desse Congresso poderia ser enquadrado ao que o pesquisador Albino Rubim (2014) chama de eventos-programas entendidos como “expressão circunstanciada de um programa de atuação cultural, com objetivos claros, devidamente formulados e que está sendo ou já foi realizado” e se opondo claramente aos eventos-eventos que se caracterizam pela simples eventualidade “deslocado de qualquer teia maior de significado”.

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Estamos caminhando para uma ação protagonizada pela sociedade civil empoderada e participativa. Esse movimento tende a ser fortalecido com mais pessoas mobilizadas em prol deste objetivo. Neste ano de 2015 já está agendado o 2° Congresso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitária, a ser realizado de 27 a 31 de outubro, em El Salvador.

Referências: BRASIL, Decreto nº 5.520 de 24 de agosto de 2005. Disponível em: Acesso em: 24 de ago de 2015. BRASIL, Lei Cultura Viva n° 13.018/2014. Disponível em: Acesso em: 29 de ago de 2015. COELHO, Cecília e LEITE, Larissa. Lei Cultura Viva completa um ano nesta quinta-feira. Disponível em: Acesso em: 30 de ago de 2014. DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política & Sociedade 2004, p.139-164. Disponível em: . Acesso em: 13 de jun de 2015. OLIVEIRA, Gleise. BEZERRA, Tony Gigliotti. Programa Cultura Viva: desafios e perspectivas. Texto apresentado ao XI Enecult: Encontro de Estudos Multidisciplinares em cultura. Salvador, 2015. (texto ainda não publicado) PLANO DE GESTÃO DO GOVERNO LULA. Gestão pública para um Brasil de todos. Disponível em: . Acesso em: 29 de ago de 2015. PLATAFORMA PUENTE. Cultura Viva Comunitária. . Acesso em 30 de ago de 2015.

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SOARES, Alessandro. Cultura Viva Comunitária é tema de congresso na Bolívia. Disponível em: . Acesso em 30 de ago de 2015. TURINO. Célio. Ponto de Cultura: o Brasil de baixo para cima. São Paulo: Anita Garibaldi, 2009.

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Representações da mulher em Dilma Bolada: cultura, identidade e humor nas redes sociais Adriana Jacob Carneiro1

E

ste trabalho pretende analisar as representações da mulher na cultura contemporânea, em especial na rede social Facebook, a partir do estudo da personagem fictícia e humorística Dilma Bolada, inspirada na primeira presidente da República mulher do Brasil. A página

pública, criada pelo carioca Jeferson Monteiro em 2010, contabiliza, em agosto de 2015, mais de 1,6 milhão de curtidores, que comentam, debatem e compartilham ativamente seu conteúdo. No Facebook, Dilma Bolada se autodenomina Rainha da Nação, Diva do Povo e Soberana das Américas. A agenda da presidenta é abordada de forma humorística nas postagens e a cobertura jornalística da mídia tradicional muitas vezes ganha um viés satírico no espaço. Essa veia cômica, em alguns momentos, extrapola os limites da página e pauta as redes sociais de forma mais ampla. Isso aconteceu durante a campanha eleitoral de 2014, quando termos como “Bom Dilma” e “Dilmais”, por exemplo, tornaram-se populares nas páginas de diversos usuários do Facebook. O mesmo ocorreu com a alcunha pela qual Dilma Bolada referia-se a seu principal adversário político, Aécio “Never”. Para empreender a análise da sátira à presidente, utilizamos três linhas centrais na pesquisa, que se encontra na fase inicial: os estudos de identidade e gênero, as redes sociais e o humor. A chegada de uma mulher ao cargo mais elevado do Executivo de um país mostra que as fronteiras dos papéis desempenhados por homens e mulheres nos espaços público e privado vêm sendo rompidas, ainda que existam diversos outros desafios no próprio campo da política, considerado fundamental para o empoderamento da mulher. Essas conquistas são recentes na América Latina, onde a história da mulher como presidente do país é muito recente. Em 1990, foi eleita a nicaraguense Violeta Barrios; em 1999, foi a vez de Mireya Moscoso, no Panamá e, em 2010, Laura Chinchilla na Costa Rica. No Cone Sul, esse movimento se inicia em 2006, com a eleição de Michelle Bachelet (Chile), seguida por Cristina Kirchner (Argentina) em 2007 e, ainda mais recentemente, Dilma Roussef, eleita em 2010 para seu primeiro mandato. De todas elas, tanto Cristina quanto Mireya chegaram a esse lugar através de “herança” possibilitada pelo convívio conjugal, já que ambas foram esposas de presidentes: Nestor Kirchner e Arnulfo Arias Madrid, respectivamente. Condição que certamente lhes rendeu um certo capital político e, obviamente, a notabilidade na vida pública. As demais, construíram um percurso pessoal no campo da política, a exemplo de Laura Chinchilla, cientista política que ascendeu à chefia do

1Doutoranda

e mestre pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected].

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Executivo na Costa Rica, em 2010 e Dilma Roussef, histórica militante política do Brasil, recém-eleita presidente do país em segundo mandato. Os papéis de homens e mulheres, historicamente, são construídos através da cultura, das crenças e tradições, do sistema educacional, das leis civis, da divisão sexual e social do trabalho. Embora, gradativamente, mudanças venham sendo operadas, aos homens, tradicionalmente, compete o universo público, campo por excelência do exercício do poder. Para as mulheres, o mundo doméstico da vida privada. Quando esses espaços são ultrapassados, especialmente no campo político, um lugar reconhecido com essencialmente masculino, não existe uma automática ressignificação dos papéis identitários socialmente estabelecidos. Isso pode ser observado com as mulheres presidentes, onde sempre há uma demanda e/ou suspeição da presença masculina quando estas desempenham suas funções. Possivelmente, no sentido de preservar esse comportamento instituído, sempre que uma mulher ocupa um lugar de poder, se espera dela um comportamento que corresponda aos estereótipos de gênero. Ao escolhermos as mídias sociais como campo de estudo, levamos em consideração a importância que esse espaço de sociabilidade vem conquistando no mundo e, particularmente, no Brasil. Logo, pode ser considerado também um ambiente de reprodução de estereótipos que, ao lado dos meios de comunicação tradicionais, ajuda a configurar as identidades culturais. O Brasil ocupa o terceiro lugar na quantidade de usuários no Facebook2, com 89 milhões de pessoas. Fica atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 20153, o Facebook é a rede social preferida dos brasileiros, sendo acessado por 83% dos usuários de internet do país. A visibilidade das redes sociais é significativa se comparada à audiência de alguns dos meios de comunicação tradicionais. Em 2014, a média de circulação diária do jornal líder do país, a Folha de S.Paulo, foi de 342 mil exemplares. Já a audiência da televisão aferida pelo IBOPE para as emissoras de São Paulo em outubro do mesmo ano é de 22 milhões de espectadores por semana, totalizando uma média diária de 3,1 milhões de espectadores. A importância crescente das mídias sociais não deve ser avaliada levando-se em conta apenas a questão da audiência, mas sobretudo, a partir de uma nova forma de estar no mundo e de se relacionar com a mídia. Um dos pontos centrais dessa transformação é a produção do conteúdo, que passa a fluir por diversos canais. Qualquer usuário de rede social, hoje, é um potencial criador de conteúdo textual ou audiovisual. Dessa forma, há um deslocamento do fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, o que proporciona um novo relacionamento do consumidor com os meios de comunicação. Esse é um dos alicerces da cultura participativa, que gera um consumidor ativo e comprometido emocional e socialmente.

2 3

Dados divulgados pelo Facebook em 2014. Pesquisa realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

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Nas mídias sociais, há uma substituição do consumo individualizado e personalizado pelo consumo como prática interligada em rede. Essa cultura participativa e cidadã vem trazendo reflexos para o cenário político, provocando desde mobilizações sociais que ganham as ruas até manifestações políticas em páginas oficiais ou humorísticas, como a Dilma Bolada. A escolha de uma página satírica para o estudo também levou em consideração o humor como campo privilegiado para lidar com tensões e contradições sociais. O riso tem uma ligação ativa com a liberdade, por ser uma resposta à censura exterior, à cultura oficial e séria. Entre os exemplos que podem ser citados, o Pasquim – semanário alternativo brasileiro, reconhecido pelo diálogo entre o cenário da contracultura da década de 1960 e por seu papel de oposição ao regime militar. E, no campo dos personagens, o Amigo da Onça, personagem criado pelo cartunista pernambucano Péricles de Andrade Maranhão e publicado de 23 de outubro de 1943 a 3 de fevereiro de 1962 na Revista O Cruzeiro. Satírico, irônico e crítico de costumes, o Amigo da Onça costumava desmascarar seus interlocutores ou colocálos em situações embaraçosas. Foi um combativo personagem do campo político de sua época. Além disso, o humor contribui para a percepção das ambigüidades da condição humana e de contradições disfarçadas. Um ambiente com os limites e rigidez alargados pelo humor torna possível uma abordagem diferenciada de questões como a falta de características comumente associadas às mulheres, como a delicadeza, a meiguice e a fragilidade. Por outro lado, também é explorado o viés autoritário da personagem. Dessa forma, torna-se fundamental e enriquecedor desenvolver a pesquisa pelo viés multidisciplinar, com base em estudos de identidade cultural, mídias sociais e humor. Entre os objetivos desse estudo, estão o mapeamento e análise das representações da mulher associadas à personagem Dilma Bolada e a análise da forma que elas dialogam com a identidade da personagem e com os estereótipos de gênero. Pretendemos, ainda, observar como as mídias sociais, reconhecidas hoje como lugar de transformação das relações do público com os meios de comunicação, constituem-se como espaço de interação e de que forma o usuário também contribui com seu conteúdo. Além disso, o estudo pretende examinar se o humor e o riso constituem elementos que contribuem para a relação e aproximação do público com a personagem Dilma Bolada. Nascimento e popularização da personagem Após o fim das eleições de 2010, quando o Brasil elegeu sua primeira presidente da República Mulher, o carioca Jeferson Monteiro criou a personagem fictícia Dilma Bolada. Vencedora de prêmios internacionais como o youPIX e o Shorty Awards por dois anos consecutivos, em 2012 e 2013, Dilma Bolada foi premiada como a melhor ação em redes sociais no Brasil em 2013. A sátira da presidenta chega a outubro de 2014 com 1,6 milhão de curtidores no Facebook.

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Mídia social mais popular no Brasil, o Facebook contabilizava 1,49 bilhão de usuários ativos mensais em junho de 2015. O crescimento da quantidade de usuários no Brasil é ascendente, inclusive se considerarmos que em 2011 o país ainda não figurava na lista dos dez países com maior número de acessos no Facebook. Na página Dilma Bolada, não apenas a quantidade de curtidores é elevada, mas também a interação do público com o conteúdo é muito significativa. Cada postagem tem números de curtidas que variam de 12 a mais de 80 mil. E os comentários em postagem alcançam os 11 mil. Outra possibilidade de interação com o público, o compartilhamento, chega aos 19 mil para as postagens mais populares. Além disso, cada informação compartilhada pode ser vista, ainda, pelos amigos do usuário na rede social. Os temas que chamam a atenção de tantos internautas são fatos e acontecimentos do cotidiano da presidente. A agenda da mídia também pauta o que vira notícia no espaço, sempre em tom satírico. A abordagem dos assuntos destacados traz à cena representações da mulher, inclusive com o uso de hashtags como Dilmãe, Dilmais, DilmaPop, Dilmoleka e Dilmonalisa. Consideramos o humor uma ferramenta essencial para empreender o estudo proposto. Além de ser historicamente uma forma de resposta à censura, ele possibilita maior liberdade para tratar de questões delicadas e tensas. Funciona, ainda, como um instrumento que convoca as pessoas a refletirem. De modo que ele se adéqua ao estudo de uma caricatura da presidenta Dilma Roussef, que tem no seu considerado temperamento duro e inflexível, a sua marca mais recorrente, inclusive por seus aliados políticos do Partido dos Trabalhadores. Um de nossos intuitos é analisar de que forma esse viés cômico contribui com a aproximação e interação do público com a personagem no Facebook. No mundo contemporâneo, as mídias sociais são o cenário de uma transformação cultural que modifica a forma de consumir a informação, já que o público também passa a ser responsável pela geração de conteúdo. A convergência dos meios de comunicação representa um deslocamento de conteúdo de mídia em direção a um conteúdo que flui por diversos canais, em direção a uma interdependência de sistemas de comunicação, com múltiplas formas de acesso a conteúdos de mídia. “As conversações que acontecem no Twitter, no Orkut, no Facebook, e em outras ferramentas com características semelhantes são muito mais públicos, mais permanentes e rastreáveis do que outras. Essas características e sua apropriação são capazes de delinear redes, trazer informações sobre sentimentos coletivos, tendências, interesses e intenções de grandes grupos de pessoas. São essas conversas públicas e coletivas que hoje influenciam a cultura, constroem fenômenos e espalham informações e memes, debatem e organizam protestos, criticam e acompanham ações políticas e públicas. É nessa conversação em rede que nossa cultura está sendo interpretada e reconstruída” (RECUERO, 2014, p.2014).

Dessa forma, há uma mudança no modo como os setores da mídia operam e o modo as pessoas relacionam-se com os meios de comunicação. As relações tornam-se menos individualizadas e mais coletivas. Nesse sentido, propomos um olhar multidisciplinar sobre representações identitárias (da XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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mulher) numa relação dialógica com o seu contexto político, elaboradas através do humor, considerando este último também como uma ferramenta eficiente da cultura política. Portanto, um significativo campo de tensões. Empoderamento Para estudar uma personagem inspirada em uma mulher que foi eleita para o cargo mais alto do Executivo do país, lugar de empoderamento para as lutas pelos direitos das mulheres, é importante fazer um estudo sobre as questões de gênero e identidade cultural. Os papéis de homens e mulheres são construídos socialmente através da cultura, das crenças e tradições, do sistema educacional, das leis civis, da divisão sexual e social do trabalho. Tal engendramento resulta em homens e mulheres como sujeitos bipolares e opostos, envolvidos em uma relação de domínio e subjugação. Scott acrescenta que a oposição binária e o processo social das relações de gênero tornam-se, ambos, partes do sentido do próprio poder. “Colocar em questão ou mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro”. (SCOTT, 1986, 12). O gênero é uma das referências pelas quais o poder político foi concebido, legitimado e criticado. Em diferentes momentos históricos, os dirigentes emergentes legitimavam sua dominação, força e autoridade central, sendo identificados ao masculino. O outro, a delicadeza e a fragilidade foram associadas ao feminino. Esse código foi traduzido em leis que proibiam a participação das mulheres na vida política, o mundo público, e as limitavam a um lugar específico naquelas sociedades, o campo do privado. Dessa forma, a política estaria intimamente ligada ao conceito de gênero, ao estabelecer sua importância decisiva e seu poder público graças à exclusão das mulheres do seu funcionamento. Falar de gênero, portanto, é falar das relações de poder. Na medida em que as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, assimétricas, mantêm a mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal. Essa organização social baseada no domínio masculino pode ser observada tanto na esfera privada, em ambiente familiar, quanto na esfera pública. As relações de poder existem porque seus atores, dominadores ou dominados, “aceitam” versões da realidade social que negam a existência de desigualdades. Ana Alice Costa (2010) afirma que o poder tem sido uma prática tipicamente masculina, já que historicamente as mulheres têm assumido papéis de subalternidade. Uma vez que nossa percepção da realidade depende da aparência, e portanto, da existência de uma esfera pública, até mesmo a meia luz que ilumina a vida privada e íntima deriva, em última instância, da luz muito mais intensa da esfera pública. No entanto, há muitas coisas que não podem suportar a luz implacável da constante presença de outros na esfera pública. No mundo público, pontua Arendt, só é tolerado o que é tido como relevante. É claro que isso não significa que as questões privadas sejam geralmente irrelevantes. Ao contrário, existem assuntos muito relevantes que só podem sobreviver na esfera privada. “O que a esfera pública considera irrelevante pode ter um encanto tão extraordinário e

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contagiante que todo um povo pode adotá-lo como modo de vida, sem com isso alterar-lhe o caráter essencialmente privado”. (ARENDT, 1991, p.61). Cultura, Redes Sociais e Humor Estudos sobre a interseção entre a cultura e as redes sociais também estão sendo utilizados na pesquisa, devido à importância que esses espaços de sociabilidade vêm ganhando no mundo contemporâneo. Henry Jenkins (2009) aponta três conceitos centrais nesse campo: a convergência dos meios de comunicação, a cultura participativa e a inteligência coletiva. A Convergência não depende de qualquer mecanismo de distribuição específico. Em vez disso, a convergência representa uma mudança de paradigma – um deslocamento de conteúdo de mídia específico em direção a um conteúdo que flui por vários canais, em direção a uma elevada interdependência de sistemas de comunicação, em direção a múltiplos modos de acesso a conteúdos de mídia e em direção a relações cada vez mais complexas entre a mídia corporativa, de cima para baixo, e a cultura participativa, de baixo para cima. (JENKINS, 2009, p.325)

Além do autor citado, iremos recorrer a pesquisadores do tema como Chris Anderson, Manuel Castells, Pierre Levy e Raquel Recuero. Outra interseção fundamental no estudo refere-se ao humor e ao riso. Na compreensão do linguista Mikhail Bakhtin (1999), o riso medieval possuía ligação indissolúvel e ativa com a liberdade – ainda que relativa e de caráter efêmero por manter vínculos diretos com a Igreja e o Estado. O riso, além de ser uma resposta à censura exterior – à cultura oficial e séria – liberta o indivíduo ― do censor interior, do medo do sagrado, da interdição autoritária, do passado, do poder, medo ancorado no espírito humano há milhares de anos. (BAKHTIN, 1999, p. 81)

Na perspectiva desse autor, o riso liberta de tudo que oprime, principalmente, o medo limitador. Já o sério, por outro lado, é oficial e autoritário, associa-se à violência, às interdições, às restrições. Na seriedade, portanto, há sempre um elemento de medo e de intimidação. O riso supõe que o medo foi dominado; não impõe nenhuma interdição, nenhuma restrição. Por isso, em seus espaços oficiais, o poder e a autoridade não empregam a linguagem do riso. Ao lado de Bakhtin, a bibliografia sobre o humor incluirá autores como Bernardo Kucinski, Henri Bergson, Leandro Konder, Verena Alberti e Wladimir Propp. Além da revisão bibliográfica sobre temas relacionados à identidade cultural, gênero, redes sociais e humor, a pesquisa se dedica à análise das postagens feitas pela personagem Dilma Bolada no Facebook. Incluem-se aí as postagens, os comentários e compartilhamentos que também se tornam visíveis aos internautas que visitam a rede. O período a ser estudado compreenderá o ano de 2014, emblemático devido à realização das eleições presidenciais e da Copa do Mundo no Brasil, quando havia uma grande expectativa política sobre XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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o sucesso do evento. Além disso, como o conteúdo das postagens da linha do tempo das páginas fica disponível para consultas a período anteriores, será possível incluir na pesquisa conteúdo passado ou, ainda, referente a acontecimentos dos próximos anos. Iremos observar questões como os critérios para que um assunto se torne pauta na página, de forma a observar a agenda da presidente e também as notícias da mídia. Para a pesquisa de campo, utilizaremos conceitos como os de Comunicação Mediada por Computador (CMC), desenvolvidos por estudiosos como Raquel Recuero. O objetivo é obter o máximo de informações a partir da análise textual, que é a base da comunicação mediada por computador e tem a escrita como recurso principal. Essa escrita, por vezes é oralizada através do uso de termos casuais e se apropria de recursos como símbolos, para dar conotações às suas falas, a exemplo dos emoticons, que são símbolos usados para transmitir emoções, ou pequenas imagens com a mesma função. Pretendemos, ainda, entrevistar o criador da página, o carioca Jeferson Monteiro, para aprofundar questões como o processo/insight de criação da personagem e o critério para a seleção dos temas das postagens, bem como de sua abordagem. É nosso intuito, ainda, entrevistar a presidente Dilma Roussef sobre a personagem humorística, além do responsável por sua equipe de redes sociais. Vale destacar que Dilma recebeu pessoalmente Jeferson em um encontro em seu gabinete em setembro de 2013. A conversa fez parte de uma estratégia de marketing dos assessores da presidente nas redes sociais. Durante o encontro, Roussef anunciou a criação de sua conta no Facebook e Instagram, além da reativação de seu Twiter, que não era usado desde 2010. Nesta última rede, as duas conversaram. Embora o trabalho não tenha o objetivo de fazer uma pesquisa sistemática da cobertura dada pela imprensa à página, críticas e reportagens referentes ao tema serão também consideradas como fontes da pesquisa.

Referências ALBERTI, Verena. O riso e o risível na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Fundação Getúlio Vargas, 1999. ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991. BAKHTIN, M. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1999. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BERGSON, Henri. O riso – Ensaio sobre a significação do cômico. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa Brasileira de Mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília: Secom, 2014. CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003. XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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CARNEIRO, Adriana Jacob. Gênero e Mídia: A cobertura do Dia Internacional da Mulher. Salvador: Dissertação de mestrado apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, 2011. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. Volume 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999. COSTA, Ana Alice Alcântara. As donas do poder. Mulher e política na Bahia. Salvador. NEIM/UFBA – Assembléia Legislativa da Bahia, 1998. _______. Gênero, poder e empoderamento das mulheres. Salvador, texto inédito, 2010. DANTAS, Fernanda Argolo. Dilma Roussef: Trajetória e imagem da mulher no poder. Dissertação de mestrado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014. FACEBOOK. Investor Relations. http://investor.fb.com/index.cfm Acessado em: 27/08/2015. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009. JODELET, Denise. As Representações Sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002. KEHL, Maria Rita. A mínima diferença. Rio de Janeiro: Imago, 1996. KONDER, Leandro. Barão de Itararé – o humorista da democracia. São Paulo: Brasiliense, 1983. KUCINSKI, Bernardo. Nasce o Pasquim. In: Jornalistas e Revolucionários. São Paulo: Página Aberta, 1991. LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminino. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais. Investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. MOUFFE, Chantal. Feminismo, cidadania e política democrática radical. In: Debate Feminista, São Paulo, México, 1999, p.29-47. PROPP, Wladimir. Comicidade e Riso. São Paulo: Ática, 1992. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. RECUERO, Raquel. A Conversação em Rede: Comunicação Mediada pelo computador e Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2012. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. In: American Historical Review, Nova York, 1986. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2003. p.7-72. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: TADEU DA SILVA, Tomaz (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 2000.

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RESUMOS

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Resumo

Políticas culturais e políticas de evento na cidade de Salvador

A

Ana Beatriz Costa Ferreira dos Santos partir do século XXI, o grau de urbanização aumenta consideravelmente e as populações em áreas urbanas atingem a proporção de 50% do total mundial, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Diante desse cenário, faz-se necessário repensar as cidades, suas

necessidades e as conexões contemporâneas entre cultura e cidade. Se pensarmos na cidade, verificamos de imediato as relações de troca, de convivência, de encontro do diferente, do coletivo, das possibilidades de solidariedade e conflitualidade; dessa maneira podemos perceber a cidade enquanto vida coletiva e criação coletiva da vida, e assim considerar o fenômeno urbano como um fenômeno cultural. Nesse contexto, o artigo proposto analisa a atual gestão (2013-2016) da Secretaria de Cultura e Turismo (SECULT) e da Fundação Gregório de Mattos (FGM) na implementação de políticas culturais para a cidade de Salvador, no estado da Bahia. A FGM é vinculada à SECULT e responsável pela administração dos nove espaços culturais mantidos pela prefeitura, entre outras ações. O artigo consiste na análise de dados e publicações da Prefeitura Municipal e informações divulgadas pela imprensa sobre as ações realizadas por essas instituições; e tem como base o conceito de política cultural – entendida, segundo Néstor G. Canclini (2001), como intervenções realizadas pelo estado, instituições civis e grupos sociais organizados a fim de orientar o desenvolvimento simbólico e satisfazer as necessidades culturais da população e promover a transformação social; podendo ser exemplificada através de intervenções conjuntas e sistemáticas; atores coletivos e metas, segundo Albino Rubim (2007) - em contraponto à política de eventos - que se configura, em linhas gerais, como a realização de grandes eventos, que associam cultura, comunicação, entretenimento e lazer, e possuem grande apelo midiático, gerando visibilidade para a gestão, em detrimento do desenvolvimento cultural e social local. A partir da análise, constatamos a fragilidade de programas e ações que buscam fomentar o desenvolvimento cultural e uma gestão pautada por uma política de eventos, característica que pode ser associada ao fato de a secretaria compartilhar duas agendas: a cultura e o turismo.

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Resumo

Polos de Cinema: formas de desenvolvimento e integração entre nações Cleber Fernando Gomes

O

cinema é uma arte coletiva, e esse fenômeno contribui para integrar pessoas de campos artísticos e ideias diversas. A partir dessa perspectiva, esse trabalho tem como objetivo pesquisar formas de incentivo e desenvolvimento para um cinema latino-americano. Ações

culturais de integração podem se tornar uma das vias de acesso para autonomia e fortalecimento entre nações que fazem parte de um mesmo espaço geográfico, a América Latina. Nesse caso, os Pólos de Cinema podem favorecer esses processos culturais de integração no que se refere a produção cinematográfica, principalmente com os sistemas de co-produção e co-participação entre países do Mercosul. Produzir cinema é uma tarefa complexa que demanda altos investimentos, mão de obra especializada, equipamentos caros, além do conhecimento de ciência e tecnologia. Na história da arte cinematográfica é visível os altos investimentos nesse campo, como a exemplo dos estúdios hollywoodianos que estão integrados aos últimos recursos disponibilizados pelas pesquisas industriais e acadêmicas. O fazer cinematográfico exige integração e trocas de experiências para fortalecer e valorizar suas obras de arte. No Brasil há espaços importantes de desenvolvimento e produção cinematográfica (infelizmente com descontinuidades) que podem contribuir para o fortalecimento de uma integralização cultural da região latino-americana, a partir dos Pólos de Cinema existentes em algumas cidades: Pólo Cinematográfico de Paulínia, localizado no interior do Estado de São Paulo, Pólo Rio Cine & Vídeo, localizado na cidade do Rio de Janeiro, Pólo de Cinema e Vídeo Grande Otelo, localizado na cidade de Sobradinho, a 22 km de Brasília no Distrito Federal. Portanto, enfatizamos que esses Pólos de produção de cinema no Brasil (mesmo com suas descontinuidades) podem tornar espaços importantes para produção de cinema na América Latina, tendo como finalidade o incentivo de criação de mais Pólos de Cinema em outros países latino-americano. Concluímos que a existência desses Pólos de Cinema, são importantes para integrar diversos tipos de conhecimentos, juntamente com experiências e saberes dos diversos cinemas da América Latina, formando uma rede de cooperação e produção cinematográfica capaz de fortalecer o cinema e as relações culturais nessa região.

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XIII

Defesa e Política Externa

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ARTIGOS

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A segurança dos recursos naturais como estratégia de política externa regional Bernardo Salgado Rodrigues1 Introdução

N

este artigo busca-se evidenciar como os países do Mercosul dotados de recursos naturais lidam com o tema em prol de uma autonomia estratégica ou da perpetuação de sua dependência do ponto de vista da soberania e da segurança dentro de um projeto de política

externa e desenvolvimento. Esta revalorização da região pautada na competição pelos recursos naturais estratégicos é ratificada pela diversidade, quantidade de reservas e projetos autônomos de integração. Assim, o estudo destes recursos naturais é realizado levando-se em consideração sua importância estratégica e geoeconômica no mundo. Assim, o trabalho se divide em três seções: na primeira, uma análise metodológica do conceito de recursos naturais estratégicos; na segunda, um exame do conceito de geopolítica e sua sistematização atualmente no que concerne os países do Mercosul, auxiliando na compreensão da necessidade da segurança dos recursos naturais; na terceira, uma exemplificação da possibilidade de uma estratégia de política externa regional, pautado numa geopolítica periférica e integracionista e, ao mesmo tempo, na planificação regional de segurança e proteção dos recursos. Assim, espera-se ensejar um debate crítico acerca dos recursos naturais da região através de uma transversalidade de temas e enfoques. Conceito de recursos naturais estratégicos Os recursos naturais são bens que provêm da natureza e que o homem pode utilizar para satisfazer suas necessidades, sendo classificados em renováveis e não renováveis. Segundo Fonseca (apud SENHORAS; MOREIRA; VITTE, 2009, p.3) a definição de recursos naturais abarca um amplo espectro de componentes como recursos minerais (minérios), recursos biológicos (fauna e flora), recursos ambientais (ar, água e solo) e recursos incidentais (radiação solar, ventos e correntes oceânicas), que “adquirem um perfil geopolítico quando se tornam artefatos ou campos de atração e gravitação da intervenção humana para exploração sistemática.” (SENHORAS; MOREIRA; VITTE, 2009, p.3) De acordo com Ceceña (apud PALACIO, 2012, p.4), (CECEÑA; PORRAS, 1995, p.143-146), um recurso é considerado estratégico em função de determinados aspectos: da essencialidade, referente ao processo de acumulação em seu conjunto, dos volumes consumidos produtivamente como medida da amplitude de sua participação na acumulação capitalista através do tipo de indústria para o qual se destina seu consumo produtivo, caso estejam relacionados com a produção de máquinas e ferramentas, UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Economia Política Internacional do Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional – PEPI. E-mail: [email protected] 1

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para comunicações e transportes, com a reprodução de tecnologias, com setores de ponta, à geração de energia, a fins científico-tecnológicos, ou para manutenção da vida humana, como a água; da massividade, elementos massivamente utilizados, que não podem ser extraídos do processo de produção, sendo considerados essenciais ao sistema devido ao volume consumido na produção e segundo sua participação na acumulação de capital; da vulnerabilidade2, que refere-se à disponibilidade do mineral, seu grau de suficiência global, sua quantidade de reservas presentes no mundo, sua localização geográfica e as condições de pureza em que são encontrados, no qual pode ser combinado com várias condições técnicas e sociais que determinam o seu valor; e da escassez, em que a reduzida quantidade de reservas mundiais intensifica o fator competição e disputas no sistema internacional.3 Logo, um recurso natural estratégico “es aquel que es clave en el funcionamiento del sistema capitalista de producción y/o para el mantenimiento de la hegemonía regional y mundial” (RAMOS, 2010, p.32); “that is both essential in use (difficult to substitute away from) and subject to some degree of supply risk” (KLARE, 2012, p.166); quando ele “passa a ser escasso e potencialmente vital para o desenvolvimento de atividades econômicas, uma vez que o componente conflitivo da geopolítica dos recursos naturais acontece em função da assimetria natural de sua dotação.” (SENHORAS; MOREIRA; VITTE, 2009, p.32) Geopolítica dos recursos naturais no Mercosul Uma primeira discussão a ser tratada seria a conceitualização da geopolítica. Pode parecer uma tarefa simples e de fácil elucidação, mas a sistematização do conceito da geopolítica, de forma homogênea, é impossibilitado pela sua própria natureza. Em outros termos, a geopolítica somente pode ser considerada se levada em consideração que diferentes visões geopolíticas são desenvolvidas a fim de estabelecer relações causais dentro de espaços nacionais distintos. Dentre os autores clássicos da geopolítica, foi com Rudolph Kjellen que o termo foi empregado pela primeira vez, em 1899, (TOSTA, 1984, p.24) no contexto europeu da virada do século XIX e num momento histórico “caracterizado pela emergência das potências mundiais e, com elas, o imperialismo como forma histórica específica de relacionamento internacional.” (COSTA, 1992, p.59) Assim, para Kjellen, “a geopolítica é o estudo do Estado como organismo geográfico, ou seja, como fenômeno localizado em certo espaço da Terra, portanto, do Estado como país, como território, como região ou, mais caracteristicamente, como domínio político”. (CHIAVENATO, 1981, p.14)

2“El criterio de vulnerabilidad, aun restringido al nivel económico, nos remite automáticamente a las relaciones internacionales entre las diversas naciones, a la capacidad diferenciada para disponer de los recursos mundiales, a la expansión internacional de los capitales, etc., es decir, nos empuja a la consideración de lo político y lo militar.” (CECEÑA; PORRAS, 1995, p.145) 3 Klare também realiza uma distinção que se assemelha aos termos desenvolvidos por Ceceña, denominando-os de “critical minerals”: “materials that are essencial to modern technology but are not abundantly available, either because their deposits are genuinely scarce or because they are concentrated in just a few problematic locations.” (KLARE, 2012, p.164)

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A geopolítica reflete sobre as ações do Estado a partir de políticas públicas de caráter estratégico na relação entre espaço e poder nacional ou regional, em que as condições geográficas (espaço e posição) influenciam a política, a estratégia e as relações exteriores de um Estado; é o estudo das relações internacionais de uma perspectiva espacial ou geográfica. Em nossa visão, a geopolítica é o estudo dinâmico da influência de fatores geográficos no desenvolvimento dos Estados com a finalidade de orientar suas políticas internas e externas. Assim, a geopolítica deve ser utilizada como um método para estudar e aplicar a política derivada de fatores geográficos como a posição, espaço, relevo, clima, topografia e recursos. No que se refere a segurança dos recursos naturais no Mercosul, contata-se que os maiores consumidores, ou seja, os países desenvolvidos, dependem das grandes reservas localizadas em países subdesenvolvidos, como os países do Mercosul. Logo, as guerras/conflitos, as pressões econômicas e/ou políticas sobre seus Estados e a intervenção direta de empresas transnacionais são alguns dos mecanismos que ajudam a mitigar a dependência e vulnerabilidade diante desses recursos em territórios alheios. (CECEÑA; PORRAS, 1995, p.145) Nesse universo de luta entre processos hegemônicos e contra-hegemônicos, entre estratégias de dominação e de emancipação, os recursos estratégicos são elementos que, dentro da diversidade industrial desenvolvida pelo capital, formam uma espécie de esqueleto que sustenta o conjunto e que constitui sua estrutura essencial,4 em que a capacidade da gestão econômica e soberania política dos recursos naturais é um processo fundamental para a autodeterminação dos países da região, “que obliga a plantear los problemas de suficiencia más en términos regionales que nacionales, al tiempo que constituye un elemento en la explicación de la geopolítica de las relaciones internacionales.” (CECEÑA; PORRAS, 1995, p.171) A partir do processo de globalização no final do século XX e início do século XXI, há uma tendência crucial no processo de escassez dos recursos naturais, i.e., um processo de descasamento geográfico entre centros demandantes e fornecedores. A liberalização econômica em escala mundial tende a acirrar a competição por recursos, na medida em que os alguns Estados nacionais perdem o controle sobre as atividades econômicas em seus territórios, por conta de regras de liberalização estabelecidas unilateralmente ou no marco de negociações bilaterais e multilaterais. Ou seja, na medida em que o comércio desses recursos estratégicos passa a ocorrer nos marcos de um mercado global integrado, alguns Estados buscam garantir o acesso privilegiado a recursos e territórios, seja através de acordos estatais, no apoio de suas empresas transnacionais de capital nacional ou através de investimentos e financiamentos em exploração e infraestrutura; logo, torna-se cada vez

4 “Es decir, se se dejan de producir papas fritas o coca cola, la estructura global de la producción se mantiene, pero se se deja de producir acero el sistema se paraliza.” (CECEÑA; BARREDA, 1995, p. 28)

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mais relevante o controle político sobre os países produtores, detentores de reservas ou até mesmo a nacionalidade das empresas que exploram os recursos naturais estratégicos5. No início do século XXI, um quadro internacional inédito poder ser delineado: declínio do poder relativo – mas não estrutural – dos Estados Unidos no sistema internacional; estagnação da Europa e Japão; recuperação do protagonismo da Rússia; crescente gravitação de países como Índia, África do Sul e Brasil; a exponencial ascensão econômica e política da China. Este novo cenário retrata “un panorama caracterizado por una muy significativa redistribución del poder mundial que, como recuerda la historia, jamás transcurrió pacíficamente.” (BORON, 2013, p.220) A agenda estratégica estadunidense possui como uma de suas determinações a garantia do acesso as fontes de recursos vitais no exterior. Com o crescimento da sua economia, as indústrias do país cada vez mais dependem da importação de determinados materiais indispensáveis; assim, a proteção do fluxo mundial de recursos consiste numa preocupação cada vez maior da política de segurança dos Estados Unidos, não somente em termos geográficos, mas também de aspectos operativos. Os próprios projetos hemisféricos dos Estados Unidos em relação ao Mercosul – sendo a ALCA o mais famoso, e mais recentemente os tratados bilaterais – corresponde a uma concepção geopolítica que se articulam território, recursos, expansionismo, intervencionismo e imperialismo. Ou seja, as perspectivas econômicas e de segurança fazem parte de um mesmo projeto, no qual o Mercosul se encontra diante de um ciclo no qual se institucionaliza e legaliza a apropriação dos recursos, a penetração de seu território a as estruturas militares que garantem seu acesso. Para completar este quadro, diversas agências e autoridades nos Estados Unidos e no mundo apontam para a vulnerabilidade e dependência econômica que alguns recursos naturais estratégicos podem suscitar no século XXI6, demandando ações para a garantia de seu acesso e controle. A China é outro ator fundamental na geopolítica dos recursos naturais estratégicos no Mercosul no século XXI, sendo necessário visualizar o seu papel como um mercado de importância decisiva, com peso para afetar significativamente a oferta e a demanda – portanto, o preço – do petróleo, de outras

“Os teóricos da ‘guerra por recursos’ estão convencidos de que as forças de mercado, sozinhas, são incapazes de resolver o desequilíbrio entre a oferta e a demanda, o que pode levar alguns Estados a buscar suas metas por meio da força ou da ameaça da força. [...] O risco de ruptura do suprimento é encarado por esses Estados como uma ameaça à segurança nacional, cuja prevenção pode justificar intervenções militares e até mesmo a guerra em grande escala.” (FUSER, 2013, p.22) 6 “The NRC (National Research Council) study identified mineral groups as being particularly critical for commercial and military users in the United States: [...] Additional research is needed, the NRC said, to identify promising sources of all these materials and the best ways of extracting, refining, and processing them. The U.S. Department of Defense has been paying increased attention to the problem of critical minerals and taking steps to ensure that the military does not suffer from a lack of any of them. […] Major agencies in other countries have also taken up the issue of rare and specialized minerals. In 2009, the European Commission (the European Union’s administrative arm) established a working group charged with “critical raw materials” and making recommendations for European policy. Like their counterparts in the United States, the members of this group decided to assess the “criticality” of key materials by plotting them on a matrix with two separate axes: the relative economic importance of a given mineral and the danger that its supply might be interrupted. […] A shortage of any of these materials, the group warned, could cause serious damage to European economies. Japanese officials, too, are keenly aware of the need to secure reliable supplies of critical materials. The state-owned JOGMEC is charged with ensuring “a stable source of natural resource for Japan”, a duty it fulfills in part by helping to procure “risk money” that Japanese mining firms need for starting up new operations.” (KLARE, 2012, p.166-167) 5

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commodities e todo tipo de mercadorias. (YERGIN, 2014, p.205). Em poucos anos, China será a maior economia do mundo, porém com sérios problemas de déficits alimentário, energético, de matérias primas e de água, todos elementos presentes na região sul-americana. “Esto explica la creciente presencia del país asiático en Nuestra América, toda vez que el crecimiento futuro de China se encuentra trabado por aquellas falencias.” (BORON, 2013, p.219) Ainda que a China tenha se tornado, durante as últimas duas décadas, o principal produtor mundial de um número importante de minerais necessários para seu consumo interno, esta produção não atende à sua crescente demanda. Deste modo, a China planeja aumentar a sua capacidade de influência para projeção de poder nas áreas que lhes fornecem matérias-primas críticas, especialmente combustíveis fósseis e minerais estratégicos. Tal fato constituiria uma ameaça significativa para os interesses de segurança dos Estados Unidos, o que necessariamente engendrará uma corrida competitiva pelos recursos dos países do Mercosul. Pero en la actual carrera hacia el control de los recursos, aquella se ha acrecentado aún más. La riqueza, principalmente de América del Sur, en materia energética (petróleo, gas, hidroelectricidad), en minerales estratégicos, en biodiversidad, en agua, en alimentos convierte a esta región en un imán irresistible para los apetitos del imperio. La emergencia de una nueva potencia económica global como China, que en pocos años no sólo está llamada a superar en tamaño el PBI de Estados Unidos, sino que lo cuadruplica en población, ha conmovido profundamente a la economía mundial. (BORON, 2013, p.214)

A competição internacional pelos recursos naturais e por sua gestão econômico-científica abre um amplo campo de interesses em conflito na região e evidencia, pelo menos, dois projetos em choque: a afirmação da soberania como base para o desenvolvimento nacional e a integração regional; e a reorganização dos interesses hegemônicos dos grandes centros de poder mundiais. No tabuleiro da geopolítica mundial, a disputa global por minerais estratégicos direcionará os movimentos dos grandes consumidores de minerais para as principais reservas do planeta, no qual os países do Mercosul adquirem uma renovada importância. A estratégia das potências hegemônicas inclui ação articulada e complexa para derrubar as barreiras políticas e econômicas, a fim de permitir o acesso de longo prazo sobre estes recursos.

Estratégia de política externa dos recursos naturais Nesta parte do artigo, propõe-se discutir um projeto geoestratégico regional que busque engendrar com que os países participantes se desenvolvam economicamente e socialmente, reduzam sua dependência e vulnerabilidade externa, ganhem autonomia estratégica e projeção de poder no sistema internacional. Assim, dois pontos fundamentais serão abordados, ainda que possam ser agregados diversos outros: a geopolítica periférica e da integração e a planificação regional de segurança e proteção dos recursos. Para uma geopolítica periférica e da integração, é necessário se pensar uma geopolítica a partir da periferia sul-americana, em que, no caso específico dos recursos naturais, urge a necessidade do seu uso XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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como estratégia de política externa, como um de seus pilares de atuação política no cenário internacional. Assim, pleiteia-se uma geopolítica da integração para uma integração geopolítica, abrindo perspectivas para a mudança da condição do capitalismo dependente e periférico do Mercosul. Possivelmente, um dos pontos mais importantes para um projeto de autonomia estratégica dos recursos naturais no Mercosul se relacione com a intensificação do processo de integração regional. O estudo da geopolítica do na região enseja a necessidade de se elaborar uma política regional de industrialização, cuja política regional deverá ser planificada no interior dos países do Mercosul, atrelando, convergindo e integrando seus aparatos produtivos, determinando quais setores produtivos do sistema poderiam adquirir competitividade internacional, transformando-os em setores de interesse coletivo de todos os países que conformem a área de integração, apropriando-se da pesquisa científica e tecnológica em relação aos recursos e desenvolvendo todo o seu ciclo, desde sua exploração mineira ao desenvolvimento industrial local, logrando uma indústria com alto valor agregado. Além disso, uma vez que o estudo da geopolítica é comumente associado ao Estado – apesar de outros atores também se inserirem nesse contexto – um processo de descolonização do Estado requer, a curto e médio prazo, novas formas de órgãos e agências estatais – distanciando-se de esquemas corporativos e clientelistas/nepotistas – para estabelecer mecanismos de controle social e evitar que se tomem decisões não ratificadas por compromissos de políticas públicas. Tais mudanças demandam uma inovação institucional e o fortalecimento da capacidade de gestão pública, a fim de que se possa aproveitar ao máximo os benefícios sociais da exploração desses recursos. Assim, um dos efeitos mais importantes é a superação da “síndrome colonial”, a prevalência – mesmo após a independência formal – das ligações verticais com as antigas metrópoles e centros de poder, em detrimento dos laços horizontais entre países de uma mesma região. Como destaca Kelly (1997, p.159), “major domestic groups have come to recognize that without South American integration, local economies could be exposed to a global ‘marginalization’.” Em outras palavras, a orientação cooperativa e unificadora na forma de integração, a realização de blocos regionais autônomos e soberanos se apresentam como um caminho prático para a nova realidade da região nas relações internacionais. De fato, a cooperação interna, mais do que o conflito, desponta com proeminência na geopolítica sul-americana contemporânea. Dessa forma, a busca, planificação e proteção dos recursos naturais estratégicos passam a constituir uma das funções primordiais de segurança a cargo do Estado, que tem o papel de realizar a securitização e proteção dos recursos naturais em seus territórios. A planificação regional de segurança e proteção dos recursos: a segurança estratégica dos recursos naturais deve fazer parte de um projeto regional, tendo os organismos técnicos do Estado, principalmente as forças armadas, a obrigação de defender essas novas fontes naturais existentes no solo nativo. Tal fato será ainda mais importante quando se agravarem a falta de energia, água, matérias-primas e alimentos no cenário mundial. Desse cenário internacional hipotético, se impõe como um objetivo vital a intensificação XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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das forças armadas sul-americanas, nos marcos do Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul e da própria criação da Escola Sul-Americana de Defesa (Esude)7, para que se possa ter uma capacidade dissuasiva-estratégica. Desta maneira, deve-se compreender, analisar e utilizar a geopolítica como “um conhecimento estratégico e normativo que avalia e redesenha a própria geografia a partir de algum projeto de poder específico, defensivo ou expansivo.” (FIORI, 2014, p.141) Este projeto de poder baseado na securitização dos recursos naturais, em todas as referências que se possa fazer do termo, deve buscar alavancar o desenvolvimento regional na América do Sul ancorado numa simbiose política (progressista e autônoma), econômica (produtiva, comercial e tecnológica), social (redução das assimetrias e desigualdades regionais) e geopolítica (expansão política e econômica internacional). Na visão de Gullo, todos os processos emancipatórios de sucesso foram resultado de uma conjugação entre uma atitude de insubordinação ideológica8 para com o pensamento dominante e de um eficaz impulso estatal9, que culminaria numa insubordinação fundadora. (GULLO, 2014, p.15) Assim, [...] discutir sobre quais são os recursos de poder necessários para superar nosso endêmico estado de subordinação geral e, em particular, nosso estado de subordinação ideológicocultural. Deveríamos debater sobre qual é a melhor forma de nos prepararmos para a possível irrupção de um cenário do “imperialismo de matérias-primas estratégicas. (GULLO, 2014, p.189)

Para Medeiros (2013, p.157-158), é necessária uma estratégia nacional – e, a partir do presente trabalho, concomitantemente regional – denominada de “nacionalismo dos recursos naturais” – muito similar a teoria da “soberania permanente sobre os recursos naturais”, de Bernard Mommer 10, que abrange uma disputa política que envolve o poder sobre os recursos naturais e a segurança energética de Em 2014, líderes de governo aprovaram a criação da Escola Sul-Americana de Defesa (Esude) durante reunião executiva do Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul. A Esude será um centro de altos estudos do Conselho, de articulação das iniciativas nacionais dos Estados Membros, formação e capacitação de civis e militares em matéria de defesa e segurança regional de nivel político-estratégico. Assim, poderá permitir uma alternativa ao pensamento da segurança e defesa atualmente vigente na América do Sul. Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Esude-adespentagonizacao-posta-em-pratica/6/33288 8 “Tanto as estratégias de geração de ideologias, de formação de elites e de difusão ideológica realizadas pelas estruturas de poder hegemônico e as grandes potências têm como objetivo fundamental conseguir a subordinação ideológico-cultural dos Estados periféricos. Mediante a subordinação ideológica, os Estados centrais substituem, para a conquista de seus objetivos, o uso ou a ameaça da força pela sedução e a persuasão. ” (GULLO, 2014, p.38) 9 “Denominamos “impulso estatal” a todas as políticas realizadas por um Estado para criar ou incrementar qualquer elemento que conforme o poder desse Estado. De modo geral, podemos afirmar que entra no conceito “impulso estatal” todas as ações realizadas por uma unidade política tendentes a animar, incitar, induzir ou estimular o desenvolvimento ou o fortalecimento de qualquer elemento que integre o poder nacional. De modo restritivo, também usamos o conceito para nos referirmos a todas as ações realizadas por um Estado periférico tendentes a colocar em marcha as forças necessárias para superar o estado de subordinação. ” (GULLO, 2014, p.49) 10 “O países produtores têm adotado um conjunto de regras que Mommer sintetiza na fórmula da “soberania permanente sobre os recursos naturais”. Essa perspectiva sustenta-se no entendimento de que o Estado nacional é o proprietário dos recursos minerais existentes na sua jurisdição territorial e, por isso, tem plena legitimidade para definir as regras de exploração dessas reservas de modo a canalizar aos cofres públicos a máxima receita possível. Em contraste, a agenda liberal – adotada pelos países consumidores e pelas multinacionais – enfatiza os direitos dos investidores, minimizando a questão da propriedade dos territórios onde se situam os recursos a serem explorados. Do ponto de vista liberal as matérias-primas minerais são consideradas um patrimônio natural, cabendo aos Estados hospedeiros cobrar impostos sobres os lucros obtidos na sua exploração, mas sem o exercício das prerrogativas inerentes à soberania. Quem impõe as regras do jogo são os investidores e os consumidores. Já no regime baseado nos direitos nacionais de propriedade, os Estados hospedeiros ditam os termos em que os recursos serão explorados.” (FUSER, 2013, p.23-24) 7

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produtores e consumidores. Medeiros afirma que o controle e coordenação dos recursos naturais deve ser realizado pelo Estado, numa estratégia estatal de desenvolvimento e de reconstrução via nacionalização dos recursos naturais que engendre uma autonomia política e fiscal para os Estados em relação aos interesses privados e internacionais, envolvendo complexos desafios geopolíticos. Assim, esta estratégia se basearia na “exploração das possibilidades industriais ao longo da cadeia de valor dos recursos naturais” (MEDEIROS, 2013, p.164), ainda que com grandes desafios, como a “grande dependência de seus preços instáveis, sua estrutural vulnerabilidade financeira e os constantes desafios criados pelo progresso técnico.” (MEDEIROS, 2013, p.165) Em suma, neste sistema internacional anárquico, hierárquico e competitivo, aos países do Mercosul se apresentam dois caminhos distintos no que se refere no tocante ao tema: dependência ao norte ou integração ao sul. Nestes termos, buscou-se delinear algumas diretrizes para uma autonomia estratégica dos recursos naturais na região. Conclusão Buscou-se salientar que os recursos naturais estratégicos podem vir a fomentar um desenvolvimento soberano para a região através de um planejamento estratégicos dos mesmos, além de despertarem interesse dos grandes centros de poder mundiais. Em outros termos, mesmo que estudos periféricos “mercosulianos” sejam realizados, os grandes centros de poder mundiais também realizam prognósticos sistemáticos e, indubitavelmente, choques estão presentes na arena internacional. Por isso é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região e a estratégia que orienta, principalmente, a política hemisférica norte-americana e chinesa para o Mercosul neste início de século. Uma das principais ameaças para o projeto hegemônico dos Estados Unidos e da China na América do Sul – e, principalmente, nos países do Mercosul – é a capacidade crescente da região para recuperar a soberania sobre seus recursos naturais, minerais estratégicos, petróleo e gás, reservas de água doce, biodiversidade, ecossistemas e florestas. Esta soberania assume um sentido mais profundo quando é transformada em soberania política e econômica e, inclusive, com relação às suas visões de futuro e modelos de desenvolvimento. Entretanto, somente será alcançada caso haja um planejamento estratégico, um projeto regional baseado nas características históricas da região, nas suas potencialidades e debilidades atualmente, e de qual papel almejam desenvolver nas relações internacionais no século XXI. Pela via da integração regional, os Estados do Mercosul devem intensificar e ampliar suas relações políticas, econômicas, comerciais, culturais; devem buscar navegar com bússolas direcionadas ao sul magnético do sistema mundial, ou seja, inovando sua política externa conjunta a fim de expandir seu poder internacional e questionar a distribuição desigual e os consensos éticos e políticos dentro do próprio sistema, estabelecendo diretrizes e objetivos estratégicos com plena autonomia e autodeterminação de seus povos. Assim, o presente trabalho buscou reiterar o argumento de Gullo (2014, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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p.189), de que “necessitamos pensar a partir da periferia para sair da periferia. E só poderemos sair da periferia juntos”. Logo, para os países do Mercosul no século XXI, somente se apresentam dois caminhos distintos: dependência ou integração.

Referências SENHORAS, E. M.; MOREIRA, F. A.; VITTE, C. C. S.; A agenda exploratória de recursos naturais na América do Sul: da empiria à teorização geoestratégica de assimetrias nas relações internacionais. 04/2009, 12º Encuentro de Geógrafos de América Latina - caminando en una América Latina en transformación.,Vol. 1, pp.1-15, Montevideo, Uruguai, 2009. PALACIO, Luis Emilio Riva. Del Triángulo del litio y el desarrollo sustentable.: Una crítica del debate sobre la explotación de litio en Sudamérica en el marco del desarrollo capitalista. 2012. Disponível em: . Acesso em: 04 out. 2014. CECEÑA, Ana Esther; PORRAS, Paulo. Los metales como elementos de superioridad estratégica. In: CECEÑA, Ana Esther; BARREDA, Andrés (Org.). Producción estratégica y hegemonía mundial. Cidade do México: Siglo Ventiuno Editores, 1995. p. 141-176. KLARE, Michael. The race for what's left: The global scramble for the world's last resources. New York: Picador, 2012. RAMOS, Gian Carlo Delgado. La gran minería en América Latina, impactos e implicaciones. Acta Sociológica, Cidade do México, v. 54, p.17-47, jan./abr. 2010. TOSTA, Octavio. Teorias geopolíticas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984. COSTA, Wanderley Messias da. Geografia política e geopolítica. São Paulo: Hucitec; Editora da Universidade de São Paulo, 1992. CHIAVENATO, Júlio José. Geopolítica, arma do fascimo. São Paulo: Global Ed., 1981. CECEÑA, Ana Esther; BARREDA, Andrés. La producción estratégica como sustento de la hegemonía mundial. Aproximación metodológica. In: CECEÑA, Ana Esther; BARREDA, Andrés (Org.). Producción estratégica y hegemonía mundial. Cidade do México: Siglo Ventiuno Editores, 1995. p. 15-51. BORON, Atilio. América Latina en la geopolítica del imperialismo. Buenos Aires: Ediciones Luxemburg, 2013. FIORI, José Luís. História, estratégia e desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2014. FUSER, Igor. Energia e relações internacionais. São Paulo: Saraiva, 2013. GULLO, Marcelo. A insubordinação fundadora: Breve história da construção do poder pelas nações. Florianópolis: Insular, 2014. KELLY, Philip. Checkerboards and Shatterbelts: The geopolitics of South America. Austin: University Of Texas Press, 1997. MEDEIROS, Carlos. Recursos naturais, nacionalismo e estratégias de desenvolvimento. Oikos, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p.143-167, 2013. YERGIN, Daniel. A busca: Energia, segurança e a reconstrução do mundo moderno. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

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Políticas de Defesa e Segurança contemporâneas do Brasil na América do Sul: algumas reflexões Márcio Roberto Coelho dos Reis1 Introdução

O

Estado brasileiro tem implementado, entre 2005 e 2012, uma série de iniciativas diplomáticas de integração econômica e política na América do Sul, a cargo do Ministério das Relações Exteriores (MRE), assim como diversas ações técnico-militares ao longo das

fronteiras, comandadas pelas Forças Armadas nacionais e contando com o apoio das polícias estaduais e da Polícia Federal. Ambos os movimentos contribuem para reforçar a inserção do Brasil na região, bem como viabilizar a execução da estratégia de defesa nacional, recentemente elaborada no âmbito do Ministério da Defesa (MD). Busca-se, assim, uma articulação entre as duas políticas, externa e de defesa, visando a uma futura integração das ações dos respectivos ministérios. Dentre as regiões fronteiriças abrangidas pelas operações militares destaca-se a divisa entre Brasil, Argentina e Paraguai, conhecida como Tríplice Fronteira, na qual a grande incidência de atividades ilícitas chegou a classificar a região como perigosa no âmbito da segurança internacional. O objetivo deste trabalho será verificar a relevância das ações de política externa do Estado Brasileiro na América do Sul, a partir do caso particular da Tríplice Fronteira, no âmbito da segurança e defesa nacionais. Outrossim, este texto constitui uma versão resumida das reflexões apresentadas em nossa dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, defendida em novembro de 2014. Nossa abordagem ampara-se em uma perspectiva histórica para tratar do pensamento brasileiro em defesa e segurança, no qual nossas considerações remetem ao momento da redemocratização (1985) e se encerram com a publicação do Livro Branco de Defesa Nacional (2012). Um dos elementos centrais de nossa análise será o papel das Forças Armadas brasileiras durante o processo de construção de uma ideologia de segurança e defesa no país, destacando a atuação de militares como lobbystas no Congresso Constituinte de 1987-1988, nas discussões para a criação do Ministério da Defesa, e na formulação da política e da estratégia de defesa, durante a primeira década do século XXI. Forças Armadas, Defesa e Segurança de 1985 a 2012 O fim do regime autocrático militar no Brasil não necessariamente significou a saída definitiva das Forças Armadas da vida política do país, nem da condução de projetos. Após 21 anos de domínio

Professor do Departamento de História do Colégio Pedro II – Campus Realengo II; Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj. 1

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sobre o Estado, os militares estavam por deveras imbuídos em seus ideais e práticas de engrandecimento pátrio, o que motivou a sua permanência, por toda a década de 1980, como atores políticos proeminentes em diversas questões de interesse nacional: desenvolvimento, energia, ecologia, reforma agrária, questão indígena, entre outras. É importante lembrar que a lei da anistia – “ampla, geral e irrestrita” –, elaborada pelo governo militar, além de ter sido um dos instrumentos que garantiu o controle sobre o processo de transição do poder aos civis, também contribuiu para manter os militares à sombra do poder no período democrático, pelo menos até 1990. Em 15 de março de 1985 toma posse como o primeiro presidente civil, após vinte e um anos de ditadura, José Sarney, outrora integrante da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido “da base” do regime militar, e na ocasião uma das lideranças do Partido da Mobilização Democrática Nacional (PMDB). Por deveras ligado ao regime anterior de exceção, Sarney lograva de baixa legitimidade quando de sua efetivação na presidência, fazendo com que este buscasse apoio ao seu governo nas Forças Armadas. Estas, na figura do ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, trataram não só de sustentar a presença de Sarney no Planalto como de estabelecer uma relação íntima e tensa com o novo governo civil, ao longo de seus cinco anos (até 1990), na qual ambos os lados – governo e FFAA – “utilizaram-se de ameaças do uso da força para terem atendidas as suas demandas” (QUADRAT, 1998: 1), o que permitiu aos acadêmicos classificarem o relacionamento entre civis e militares nesse período como de tutela militar (FUCCILLE, 2006: 54; 124). O momento de maior percepção do nível de influência militar sobre o frágil governo civil foi durante os debates e negociações travadas ao longo do processo de elaboração da Carta Constitucional que definiria as bases sobre as quais estaria assentada a nova sociedade democrática brasileira. Como bem lembram Mathias e Guzzi (2010), ao invés de uma Assembleia Constituinte foi instalado um Congresso Constituinte, que deveria concomitantemente redigir o texto constitucional e tocar o cotidiano do Legislativo Nacional2.

Havia entre os parlamentares constituintes uma grande disposição para a

desmilitarização da Carta Magna, marcando a diferença desta em relação à Carta anterior, do regime militar. Por outro lado, os militares pressionavam pela manutenção de uma série de princípios de identidade e de substância das Forças Armadas no Estado brasileiro, desde a definição da missão constitucional das FFAA, até a manutenção da especificidade dos Tribunais Militares. Ao final do processo, a Constituição promulgada pelo Congresso Nacional no dia 5 de outubro de 1988 contemplou os militares das três Forças em praticamente todas as suas demandas. A Constituição Federal da “Nova República”, em 1988, não alterou os padrões de inserção e participação dos militares das três Forças no Estado e na sociedade brasileira, de modo a não contribuir para o devido enquadramento das Forças Armadas sob a autoridade de órgãos civis, para o qual concorreria a criação

Nas eleições que instalaram o Congresso Constituinte (1986), a população mal tinha o conhecimento de que estaria elegendo parlamentares para esta finalidade. MATHIAS, Suzeley K.; GUZZI, André. Autonomia na lei. As Forças Armadas nas constituições nacionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 25, n. 73, jun. 2010, p. 50. 2

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do Ministério da Defesa. A “vitória” obtida pelo lobby militar no processo constituinte representou, portanto, a consolidação da autonomia das Forças Armadas em relação às demais instituições republicanas, na qual os militares assumem uma identidade intervencionista, representando assim um risco para a democracia (SILVEIRA, 1990). Essa característica da transição explica os diversos momentos de atrito entre civis e militares durante o primeiro governo pós-ditadura militar. As mudanças no padrão das relações internacionais, promovidas pela crise do socialismo soviético e consequente fim da Guerra Fria, geraram reflexos no peso institucional que as Forças Armadas ainda possuíam no Estado e na sociedade brasileira, na primeira metade da década de 1990. No mundo ocidental, a ausência da “ameaça comunista” modificou o leque de prioridades em segurança das principais potências, recém ordenadas do conflito leste-oeste para o combate às “novas ameaças”, bem como da própria ampliação do entendimento sobre segurança. Em tempos de uma “nova ordem mundial”, argumenta-se a favor de um novo gerenciamento sobre as questões de segurança no ocidente, tendo à frente a ONU e seu principal “fiador”, os Estados Unidos da América. Além desta, o pós-Guerra Fria também reforçou o discurso norte-americano de reordenamento das funções das Forças Armadas latino-americanas, que deveriam ocupar-se das questões inerentes à segurança interna e aos crimes internacionais, como o combate ao tráfico de drogas e armas no continente, legando a defesa da região às FFAA estadunidenses. No Brasil dos anos 1990, temos então uma situação de impasse nas funções e atribuições das Forças Armadas, ou como alguns autores definem, de crise de identidade militar (FUCCILLE, 2006): no âmbito do preparo e emprego de tropas no Brasil, das três hipóteses de guerra existentes e sustentadas ao longo do pós-Segunda Guerra, as duas diretamente ligadas à Guerra Fria – guerra global e guerra subversiva – perdiam o sentido, e a terceira – guerra regional – apresentava-se frágil perante os recentes entendimentos diplomáticos entre o Brasil e seus vizinhos – em especial a Argentina – e ao processo de globalização que impele os países a se organizarem em blocos econômicos, e consequentemente promove maiores entendimentos políticos e diplomáticos, visando à cooperação. O governo de Fernando Collor de Mello (1990 – 1992) foi extremamente representativo em relação à crise de identidade militar. Collor deu largos passos na direção da desmilitarização do Estado, ao extinguir o Serviço Nacional de Informações (SNI) e a Secretaria de Assuntos de Defesa Nacional, bem como unidades correlatas de coleta de informações em Ministérios e outros órgãos públicos, assim como rebaixou o status ministerial da Casa Militar e do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), bem como encerrou o último resquício do programa nuclear paralelo dos governos militares, ao ordenar o fechamento dos túneis secretos da Serra do Cachimbo, pondo fim ao projeto de construção da bomba atômica (FUCCILLE, 2006). O presidente Itamar Franco (1993 – 1994), que sucedeu Collor após a sua renúncia por causa do processo de impedimento pelo Congresso, não deu sequência ao processo desencadeado por seu sucessor, tendo optado não só por evitar o enfrentamento contra as pendências da relação entre a caserna XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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e o Estado, como militarizou o seu governo indicando militares da ativa e da reserva para o comando de diversos órgãos do Governo Federal, de escalões variados, entre os quais os ministérios dos Transportes e das Comunicações, a Polícia Federal e a Telebrás (Telecomunicações Brasileiras S/A). Ainda sem qualquer iniciativa no sentido de se criar um Ministério da Defesa (MD), o Governo Franco concedeu margem aos argumentos favoráveis à utilização das Forças Armadas em ações de segurança interna, ao empregar a força militar na chamada Operação Rio, entre novembro de 1994 (final de seu mandato) e março de 1995 (início do governo de Fernando Henrique Cardoso). Nesta, militares participaram de ações de combate ao crime organizado nas comunidades pobres do Rio de Janeiro, em missões de tipo policial (MATHIAS E GUZZI, 2010; FUCCILLE, 2006), sem a decretação do estado de defesa, o que seria uma medida normal e aceitável em um Estado de Direito democrático (SILVEIRA, 2006). Quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse da Presidência da República para o primeiro de seus dois mandatos (1995-1998 e 1999-2002), os debates acerca da política de Defesa e da função das Forças Armadas, existentes na mídia, no meio político e em segmentos da sociedade em geral, consideravam que, em um país com necessidades sociais prementes, e livre de qualquer ameaça clara no continente e no mundo, era discutível a necessidade de se manter tal aparato de coerção. Além dos argumentos favoráveis ao fim das Forças Armadas, havia a defesa de seu uso no combate ao crime organizado – tráfico de drogas e contrabando de armas, principalmente –; nas ações de preservação do meio ambiente; assistência social em regiões ermas e de difícil acesso, com ênfase em saúde e educação; obras de infra-estrutura, entre outras (FUCCILLE, 2006). Esta visão acerca das novas atribuições das Forças Armadas reforça também o discurso de que as mesmas deveriam ser empregadas prioritariamente no patrulhamento de fronteiras, e no combate aos crimes transfronteiriços, o que em grande parte redimensiona o papel da Tríplice Fronteira na estratégia de Defesa do país. Segundo Fuccille (2006) a criação do Ministério da Defesa durante o Governo Cardoso resultou de um processo iniciado em 1995, distribuído em duas etapas, e que só foi concluído em fins de 1998 (último ano do primeiro mandato de FHC), com efeitos reais somente no ano seguinte (1999). Ao longo dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2010) e de Dilma Vana Rousseff (2011 – 2014), sistematizou-se um conjunto de documentos a nortear os princípios da Defesa e da Segurança no Brasil. A Política Nacional de Defesa (2005), a Estratégia Nacional de Defesa (2008) e o Livro Branco de Defesa Nacional (2012), contribuíram para disseminar na sociedade uma cultura de reflexão sobre a Defesa, entretanto não foram capazes de resolver a questão do emprego das Forças Armadas em situações não concernentes ao campo da Defesa. Tríplice Fronteira e a política de Defesa do Brasil A faixa da tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai esteve durante muito tempo inserida no epicentro das principais tensões e conflitos políticos que marcaram a história da América do Sul, desde XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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o século XVII. A Bacia do Prata, sub-região da América do Sul na qual se encontram geopoliticamente inseridas as três nações acima, mais o Uruguai e, em reduzido grau, a Bolívia, foi o palco no qual construiu-se as independências e as identidades nacionais de paraguaios, argentinos e uruguaios, e onde o Brasil concentrou seus interesses político-diplomáticos durante todo o século XIX, e boa parte do século XX. Ao norte do Rio da Prata, onde o seu principal afluente, o Rio Paraná, cruza com o Rio Iguaçú, localiza-se a chamada “Tríplice Fronteira” entre Argentina, Brasil e Paraguai, a mais notória das nove tríplices fronteiras que o Brasil possui ao longo de seu território, principalmente por esta interseção possuir três cidades de alguma relevância econômica e demográfica: Foz do Iguaçu (Brasil – Estado do Paraná), Ciudad Del Este (Paraguai – Departamento do Alto Paraná) e Puerto Iguazú (Argentina – Província de Misiones). Juntas, estas cidades somam uma população de mais de 500 mil habitantes3 (respectivamente, Foz do Iguaçu: 256.088; Ciudad Del Este: 223.350; Puerto Iguazu: 42.849). Os marcos divisórios das cidades são os próprios rios Paraná e Iguaçu, e são interligadas pelas Pontes da Amizade (Foz – Ciudad) e Tancredo Neves (Foz – Puerto). Com menor relevância, também fazem parte da “área de influência da Tríplice Fronteira” as cidades de Ciudad Presidente Franco e Hernandarias, ambas no Paraguai. Uma questão sempre presente quando se trata da Tríplice Fronteira é a ocorrência de diversos delitos de natureza transnacional, como tráfico de drogas e armas, contrabando variado, falsificação monetária e tráfico de pessoas, fatos que contribuíram para caracterizar a região como uma área sem lei, inclusive gerando rumores de que tais crimes estariam financiando atividades terroristas dentro e fora do continente. Como estas suposições nunca foram confirmadas, restam os problemas internos em relação aos crimes que desafiam a manutenção da soberania dos três Estados limítrofes da região. Assim, considerando-se as discussões acerca das novas possibilidades de emprego das Forças Armadas brasileiras diante da Nova Ordem Mundial do pós-Guerra Fria, e com o intuito de responder às demandas oriundas do patrulhamento das fronteiras, o governo brasileiro lança as Operações Ágata, desencadeadas em agosto de 2011, apenas dois meses após o decreto que instituiu o Plano Estratégico de Fronteiras (junho/2011). As atividades da Ágata compreendem o emprego das Forças Armadas em coordenação com os Centros de Operações Conjuntas, sendo previstas medidas preventivas e repressivas em áreas previamente determinadas. Além disso, estabelecem-se acordos com os países fronteiriços (VIANA E SILVA, 2012). Participam da Ágata, além das Forças Armadas, a Polícia Federal, as polícias estaduais, o Ministério das Relações Exteriores, a Receita Federal, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda, Agência Brasileira de Inteligência, entre dezenas de outros órgãos oficiais das três esferas, em uma ampla operação conjunta multidisciplinar.

Fontes: IBGE (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/Parana.pdf); Gran Atlas de Misiones. Posadas, Misiones, 2012; UNDATA (http://data.un.org/Data.aspx?d=POP&f=tableCode%3A240) 3

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Ágata compreende grandes extensões da fronteira brasileira, por isso é dividida em etapas. A operação Ágata 1 cobriu o estado do Amazonas; Ágata 2, nas fronteiras Sul e Centro-Oeste; Ágata 3, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia; Ágata 4, região Norte; Ágata 5, Mato Grosso do Sul e região Sul; e Ágata 6, do Acre ao Mato Grosso do Sul4. Neste estudo interessa-me apenas considerar as operações Ágata 2 e 5. Em termos comparativos, Ágata 2 e 5 mobilizaram, até agosto de 2012, os maiores contingentes militares entre todas as operações, com respectivamente 8.705 e 19.806, equipamentos bélicos das três Forças, como helicópteros, veículos de transporte, caças leves, além da montagem de hospitais de campanha, circulação de navios médicos pelos rios da região, com o intuito de oferecer serviços aos civis habitantes da zona de fronteira. A maior entre as duas operações, Ágata 5, teve como resultado 31 prisões, apreensão de 6 toneladas de entorpecentes, recolhimento de 182 carros e embarcações numa área de 3,9 quilômetros de fronteira (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2014). Embora a Operação abrangesse a faixa de fronteira de toda a região Sul e mais o Mato Grosso do Sul, um dos centros operacionais mais significativos foi Foz do Iguaçu. Durante cerca de três semanas de operação, os pontos mais críticos de Foz do Iguaçu em relação a ocorrência de delitos transnacionais, como a Ponte da Amizade e o Lago Itaipu, foram patrulhados diariamente por homens do Exército e da Marinha. Barreiras de fiscalização foram montadas ao longo do lado brasileiro da Ponte, e em outros bairros da cidade. Diante da intensa mobilização de tropas, a repercussão da imprensa local e estadual foi bem receptiva, dando o entendimento de que havia aceitação por parte da população local (OPERAÇÃO DO EXÉRCITO, 2012). Entretanto, segundo matéria do jornal Le Monde, republicada pelo sítio francês RFI (OPERAÇÃO ÁGATA 5, 2012), os países vizinhos à área na qual foram deslocados os contingentes militares mostraram-se incomodados com as manobras, principalmente no Paraguai, já que a montagem de postos de fiscalização e controle dos militares na Ponte da Amizade representa um posicionamento de tropas diante de Ciudad del Este, bem como o processo de militarização da fronteira.

Conclusão O pensamento brasileiro em matéria de Defesa e Segurança derivou ao longo do século XX, entre outros fatores, do desenvolvimento desta temática no seio das Forças Armadas, já que durante as primeiras décadas do século XX, e mesmo no pós-Segunda Guerra, era pequena a inserção de civis ao

No período em que este texto foi escrito (2º semestre de 2014), as operações Ágata já contabilizavam mais duas edições: Ágata 7 (2013) e Ágata 8 (2014), ambas realizadas em toda a extensão das fronteiras territoriais brasileiras. Respeitando o corte cronológico para o estudo de caso da Tríplice Fronteira que estabeleci para esta pesquisa (até 2012), não irei considerar estas duas últimas edições da Ágata. 4

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debate teórico sobre a Defesa. Nesse sentido, entre as influências percebidas da Guerra Fria no Brasil temos nas Forças Armadas a consolidação de um discurso, convertido em doutrina, que versou sobre a necessidade de calcar a estratégia de Defesa do país sobre o conceito da Segurança Nacional, contra a ameaça representada pelo expansionismo comunista, este por sua vez identificado em inimigos externos e internos. Destacamos que as Forças Armadas – com o Exército na ponta de lança – a partir de sua Doutrina de Segurança Nacional submeteram suas funções e prerrogativas básicas de defesa do território nacional contra agressões estrangeiras à logica do combate à subversão interna de esquerda, notadamente durante a vigência da Ditadura Militar brasileira (1964 – 1985), assumindo assim uma tradicional postura salvacionista em relação ao Estado, entidade da qual os militares brasileiros consideram-se, historicamente, defensores e provedores. Após a redemocratização, durante os trabalhos da Constituinte de 1987-1988, as Forças Armadas desempenharam um papel extremamente ativo, em flagrante exercício de lobby militar a favor da manutenção de seu perfil “moderador” do Estado e da sociedade brasileira (SILVEIRA, 1990). Apesar do ímpeto desmilitarizante que conduziu os trabalhos dos parlamentares constituintes, principalmente aos do bloco de esquerda e centro-esquerda, tradicionais combatentes do regime ditatorial outrora vigente, os militares lograram diversas vitórias na Carta promulgada em outubro de 1988, como a manutenção da justiça militar, autônoma em relação aos demais tribunais; a continuidade do serviço militar obrigatório; subordinação das polícias militares estaduais e corpos de bombeiros militares como forças auxiliares e reserva do Exército; a proibição de greves aos militares; e o elemento nevrálgico para as Forças Armadas, o artigo 142, caput, que define a missão constitucional das Forças Armadas, determinando como responsabilidade destas a defesa dos poderes constitucionais e a garantia da lei e da ordem. A lógica da vigilância contra o “inimigo interno” prevaleceu, portanto, na essência das atribuições constitucionais das FFAA. Com a própria Carta Constitucional garantindo a legalidade das ações das Forças Armadas em assuntos que extrapolavam o campo da Defesa, e o crescimento, em meio a diferentes setores da sociedade (setores políticos conservadores, classes médias e de alta renda, grande imprensa), da demanda a favor da utilização do aparelho militar no combate à violência urbana, efetivos do Exército e da Marinha começaram a ser empregados em operações de contenção à criminalidade nas grandes cidades. Duas grandes operações ocorridas no Rio de Janeiro nos anos 1990, o patrulhamento das favelas e segurança das delegações internacionais durante a Conferência Rio-92 (1992) e a Operação Rio (1994) de combate ao crime organizado, contribuíram para a construção de um consenso (entre os segmentos acima identificados) sobre a utilização do aparato das Forças Armadas em ações de repressão ao tráfico de entorpecentes e mesmo no reforço do policiamento das grandes cidades. Desalojadas do poder estatal, embora com privilégios mantidos, e liberadas da tarefa de combater o “inimigo interno” desde o fim da ditadura, em 1985; carentes de um “inimigo externo” identificável desde o início dos anos 1990, após a efetivação da aliança econômica e diplomática entre Brasil e XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Argentina, e o fim do bloco comunista do leste europeu; diante deste cenário de indefinição ganhou corpo o discurso do governo norte-americano, no qual as forças militares latino-americanas deveriam empenhar-se no combate aos delitos internos, principalmente ao narcotráfico, com foco na ação sobre as fronteiras, consideradas porta de entrada das mercadorias ilícitas que abastecem o crime organizado nos grandes centros, assim gradativamente abrindo mão de suas funções precípuas de Defesa do território. O processo de securitização das fronteiras brasileiras, cujos principais atores securitizantes internos podem ser identificados na grande mídia e nas autoridades públicas, envolve, portanto, a atuação das Forças Armadas em zonas de fronteira, combatendo atividades ligadas à criminalidade. A criação do Ministério da Defesa em 1999, uma iniciativa de integrar as atividades das três Forças, e subordiná-las a uma chefia civil, não alterou significativamente a forma como estas instituições se relacionavam entre si e com os demais órgãos do Estado brasileiro. Tecnicamente, as três Forças mantiveram a independência entre si no que concerne à execução de manobras e outras operações, apesar da subordinação a um Estado-Maior de Defesa, interno ao MD. Politicamente, as instituições militares se comportaram de maneira inversa, preservando uma enorme coesão quando necessária à defesa de sua autonomia frente aos civis, como nos embates públicos com os Ministros de Estado da Defesa dos governos FHC e Lula, demonstrando a extrema dificuldade que estes governos enfrentaram na tarefa de incorporar as Forças Armadas ao modelo democrático iniciado em 1988. Nesse sentido, o Ministério da Defesa também não logrou êxito em seus anos iniciais na (re)formulação de uma estratégia de Defesa brasileira que coordenasse as ações das três Forças, mesmo com a publicação, em 1996 (três anos antes da criação do MD), da primeira versão da Política Nacional de Defesa. Este cenário passa por mudanças significativas entre 2005 e 2012, quando o governo Lula toma a iniciativa de reestruturar o desenvolvimento, manutenção e emprego das Forças Armadas a partir da publicação da 2ª versão da Política Nacional de Defesa (PND – 2005), da Estratégia Nacional de Defesa (END, 2008) e do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN, 2012), documentos que se tornaram os norteadores do emprego do Poder Nacional nas temáticas de Defesa e Segurança. A retomada da Defesa como política de Estado veio acompanhada da flexibilização do emprego das Forças Armadas de maneira formal, consolidando o que fora estipulado na Lei Complementar 97/1999. Dessa maneira, os efetivos militares incorporam ao seu mister atividades de defesa civil e segurança pública. Sua utilidade pode ser avaliada, neste último quesito, na operação de “retomada” da região do conjunto de favelas do Alemão (Complexo do Alemão) no Rio de Janeiro, em novembro de 2010, atuando conjuntamente com as forças policiais, em resposta à ataques de criminosos em diversos pontos da cidade. O cenário de reformulação operacional das Forças Armadas incluiu, entre 2011 e 2012, dois elementos fundamentais: o decreto nº 7.496/2011, instituindo o Plano Estratégico de Fronteiras, e o Livro Branco de Defesa Nacional, apresentado ao Congresso Nacional e publicado em 2012, no qual além de dissecar a estrutura de Defesa do país, faz menção à “crescente transversalidade dos temas de Segurança e de Defesa” (BRASIL, 2012). XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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Os militares, atuando em operações conjuntas nas fronteiras, desempenham funções semelhantes às forças de segurança regulares (polícias), ou seja, abordar, revistar e prender suspeitos. É importante compreender que nos últimos dez anos, principalmente após a publicação do conjunto de leis de regulamentação do sistema de Defesa (PND, END e LBDN), tem-se notado uma clivagem de opiniões na caserna acerca do uso de efetivos militares na segurança pública. Defesas de veemente oposição à participação das Forças Armadas em atividades de segurança pública dividem espaço com opiniões favoráveis a uma atuação parcial – somente em situações imprescindíveis e por tempo bem limitado (SENADO FEDERAL, 2012). Uma pesquisa realizada com alunos de três importantes academias militares (ECEME, EsAO, EsPCEx) mostrou que esses jovens oficiais e cadetes concordam que a atuação das Forças Armadas em operações de segurança pública é viável, e tende a aumentar nos próximos anos (SENADO FEDERAL, 2012: 57). Assim, com o objetivo de traçar um perfil sobre a execução das políticas de Defesa e Segurança do Brasil nas fronteiras do país, fizemos a opção de abordar a Tríplice Fronteira Brasil – Argentina – Paraguai como um estudo de caso. Alguns fatores nos motivaram nesta escolha pela “região das três fronteiras”, a saber: a) a ocorrência de variados ilícitos transnacionais na região, principalmente na fronteira Brasil – Paraguai, alguns com a capacidade de impactar a segurança pública nos grandes centros urbanos, como o tráfico de drogas e o contrabando de armas; b) a histórica importância da região na construção das relações diplomáticas brasileiras com seus vizinhos no Cone Sul; c) a baixa relevância que a região ocupa no cenário estratégico de Defesa e projeção de poder do Brasil, elaborados pelas Forças Armadas, que destacam como prioridades a região amazônica e o Atlântico Sul. A primeira motivação versa sobre um dos elementos fundamentais de minha pesquisa, o envolvimento de militares na segurança pública. As motivações (b) e (c), por sua vez, tornaram-se o fio condutor de nossa narrativa. Portanto, nos cabe a conclusão de que a política de defesa em curso no Brasil é prejudicada pelo uso indiscriminado das Forças Armadas em assuntos voltados à segurança interna, havendo na verdade a mescla entre esses dois conceitos na práxis diária dos órgãos encarregados pela execução da política de defesa, principalmente as Forças Armadas. Estas, que por definição constitucional deveriam proteger o território contra agressões externas, se lançam em atuação conjunta aos órgãos tradicionais da segurança pública. Isso se deve ao próprio texto constitucional, já mencionado, que no seu artigo 142 estabelece a garantia da lei e da ordem como uma das missões das Forças Armadas. A definição flexível do conceito de “defesa” na Política Nacional de Defesa de 2005 e na Estratégia Nacional de Defesa de 2008 – contra ameaças preponderantemente externas – buscou atender aos movimentos de securitização das fronteiras terrestres brasileiras, oriundos de atores securitizantes diversos, e por isso contribuiu para que os efetivos militares sejam empregados em operações de combate aos ilícitos. Esse emprego, quando solicitado à União, é organizado pelo próprio Ministério da Defesa, com as operações conjuntas (Ágata) sendo coordenadas pelos próprios militares do Ministério, através do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Ou seja, as Forças Armadas têm total controle e liberdade operacional sobre a sua própria XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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atuação em matéria de segurança pública. Por fim, considero que a banalização do emprego das Forças Armadas em ações de combate à criminalidade, tanto no caso dos ilícitos transnacionais na região da Tríplice Fronteira como nas recentes operações de pacificação de favelas no Rio de Janeiro, mais do que um atestado da incapacidade do Estado em gerir as instituições de segurança pública, é o prenúncio de um caminho sem volta na discussão sobre a finalidade das Forças Armadas em países que não possuem inimigos e estão livres de conflitos internacionais, como é o caso do Brasil.

Referências AMARAL, Arthur Bernardes do. A Tríplice Fronteira e a Guerra ao Terror. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nºs 1/92 a 64/2010 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010a. _______.. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília: Ministério da Defesa, 2012. CAVAGNARI FILHO, G.L., “Estratégia e Defesa (1960-1990)”. In ALBUQUERQUE, J. G.. de, Sessenta Anos de Política Externa: Prioridades, Atores e Políticas. São Paulo: EDUSP, 2000. FUCCILLE, Luís Alexandre. O paradoxo da defesa nacional no regime democrático brasileiro. Teoria & Pesquisa. São Carlos (SP), Vol. 1, nº 46, janeiro 2005, pp. 11-31. _______. Democracia e questão militar: a criação do Ministério da Defesa no Brasil. Tese de Doutorado (Ciências Sociais). Orient. Prof. Dr. Eliézer Rizzo de Oliveira. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2006. MACAGNO, Lorenzo; MONTENEGRO, Silvia; BÉLIVEAU, Verónica Giménez (Orgs.). A Tríplice Fronteira: espaços nacionais e dinâmicas locais. Curitiba: Editora UFPR, 2011. MARTINS FILHO, João Roberto. O governo Fernando Henrique e as Forças Armadas: um passo à frente, dois passos atrás. Revista Olhar. Ano 02, nº 4, dezembro 2000. MATHIAS, Suzeley; GUZZI, André. Autonomia na lei. As Forças Armadas nas constituições nacionais. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 25, n. 73, jun. 2010. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092010000200003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 07/01/2014. MINISTÉRIO DA DEFESA. Operação Ágata 5. Portal das Operações Ágata, 2014. Disponível em http://agata8.defesa.gov.br/index.shtm. Acesso em 20/05/2014. MIYAMOTO, Shiguenoli. As grandes linhas da política externa brasileira. Brasília, DF: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2011 (Textos para discussão CEPAL-IPEA, 45). MOURA, Gerson. Autonomia na Dependência. A Política Externa Brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. OPERAÇÃO ÁGATA 5 desgrada países vizinhos, diz Le Monde. RFI (Português). Portal de notícias. Disponível em http://www.portugues.rfi.fr/geral/20120810-operacao-agata-5-desagrada-paises-vizinhos-diz-le-monde. Acesso em 05/02/2014. OPERAÇÃO DO EXÉRCITO reforça fiscalização em fronteiras do Paraná. Gazeta do Povo. Portal de notícias. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1283445. Acesso em 05/02/2014. QUADRAT, Samantha V. As Forças Armadas e a Constituição de 1988. Comunicação apresentada ao VIII Encontro Regional de História da ANPUH-RJ (Vassouras, 1998). Disponível em http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/1998/autor/SamanthaVizQuadrat2.doc. Acesso em 07/01/2014.

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RESUMO

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Resumo

A fragilização da hegemonia estadunidense no contexto sul-americano Camila Alves da Costa

O

s Estados Unidos foram a primeira potência a alcançar projeção de força em âmbito efetivamente planetário. Assim, questionamos como eles se comportaram em relação a seu entorno estratégico imediato, qual seja, a imensa faixa territorial que se estende do México

às vizinhanças da Antártida. Arguimos que a hegemonia na América Latina representou um movimento estratégico inicial e indispensável para o extraordinário crescimento econômico estadunidense e para a conquista da condição de potência hegemônica nas relações internacionais. A expansão dos negócios estadunidenses rumo ao sul deu-se inicialmente através de disputas com as velhas potências coloniais europeias e, em seguida, no trato direto com a grande colcha de retalhos formada por ex-colônias que romperam de forma inconclusiva os pactos coloniais com suas antigas metrópoles. Aqui, nos dedicamos à análise da instauração de bases militares (objeto de crescentes insatisfações de governos e sociedades locais) na América Latina, especialmente na América do Sul, onde a vertiginosa multiplicação de instalações militares estadunidenses levantou olhares, discursos e políticas desconfiadas dos governos da região. Entendemos que esta última movimentação está relacionada com a perspectiva de decadência da hegemonia estadunidense, refletida na tentativa de ampliar sua presença no Atlântico Sul. Apesar da recente ampliação de suas bases na América do Sul, é possível perceber uma perda de controle políticoestratégico, demonstrada nos esforços em favor da criação de uma “identidade estratégica sul-americana”, na busca de redução da dependência tecnológica, na rejeição da presença de instalações militares em países sul-americanos, no estabelecimento de mercados e iniciativas de segurança comuns, ou ainda na busca pela diversificação de fornecedores de material militar, tendência protagonizada pela Venezuela.

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O FoMerco

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O FoMerco O Fórum Universitário Mercosul – FoMerco é uma rede de pesquisadores de distintas nacionalidades que, há pouco mais de uma década, se reúnem anualmente com o propósito de discutir e analisar as implicações, as trajetórias, os problemas e os avanços relativos ao processo de integração sul-americana. Sublinha-se no âmbito da identidade do FoMerco o imperativo de uma reflexão que possa incidir sobre a continuidade, a correção de rota e os ajustes das políticas públicas que promovam e consolidem a agenda da integração como instrumento efetivo de autonomia e desenvolvimento da região, nestas primeiras décadas do século XXI. Um desenvolvimento que não se mede só pela riqueza da economia de um país ou de uma região, mas se avalia pela extensão e qualidade dos direitos que proporciona a seus povos. Em suma, o FoMerco tem como missão produzir, articular e disseminar conhecimento para aperfeiçoar a agenda das políticas públicas de integração no continente. Objetivos O objetivo geral do FoMerco é analisar, debater e divulgar as transformações profundas introduzidas na agenda da integração promovida pelos governos eleitos neste século, no continente, mediante a adoção de uma política externa autônoma combinada a um desenvolvimento econômico-social voltado para a emancipação dos Estados e povos sulamericanos. Para tanto, o FoMerco pretende promover e divulgar a pesquisa e o debate acerca da atuação conjunta das nações sul-americanas —e do protagonismo do Brasil em particular—, não apenas em termos de estratégia de inserção regional autônoma na nova ordem global, mas, sobretudo, como construção de alternativa emancipatória de um processo contrahegemônico.

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Em suma, os pesquisadores no FoMerco perseguem o objetivo de entender o alcance de uma integração ampliada, que associa os critérios diplomáticos e econômico-comerciais à uma pretensão simultaneamente política, social e cultural, e que abrange múltiplos organismos regionais, dentre os quais somam-se ao Mercosul a recém-criada Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos – Celac e a também jovem União Sul Americana das Nações – Unasul. A expectativa é de que a compreensão da integração em tela como objeto de pesquisa multinacional e multidisciplinar permita também uma elaboração prospectiva de alternativas e ajustes de políticas públicas nacionais e regionais. Trajetória Desde sua origem, em 2000, o FoMerco tem buscado promover o intercâmbio entre as instituições e estudiosos através de atividades de cooperação que contribuam para o aperfeiçoamento do ensino e da pesquisa em relação aos temas que formam a agenda do Mercosul. Para a difusão do Fórum e do ideal da construção da integração, o FoMerco tem adotado a estratégia de realização de seus congressos nas diversas capitais brasileiras e, em 2010, inaugurou suas atividades no exterior, na Universidade de Buenos Aires. Desde sua inspiração nos seminários sobre “Universidades no Mercosul”, realizados na PUC-MG, no final da década de 90, e a partir sua criação em 2000, foram realizados até agora quinze Congressos Internacionais. XV (2015). Desenvolvimento e autonomia: os rumos da integração. Universidad Católica “Nuestra Señora de la Asunción” (UCA) Assunção, Paraguai. XIV (2013) De sul a Norte. Por uma integração do continente sul-americano. Universidade Federal do Tocantins (UFT) Palmas, Tocantins. XIII (2012) Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. Edifício‐ sede do Mercosul. Montevidéu, Uruguai. XII. (2011) Os 20 anos do Mercosul. Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. XI (2010). Sulamérica: comunidade imaginada. Emancipação e integração. Universidad de Buenos Aires (UBA). Buenos Aires, Argentina. X (2009). Fronteira, Universidade e Crise Internacional. Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Foz do Iguaçu, Paraná. IX (2008). Desafios e oportunidades no norte da América do Sul. Universidade Federal de Roraima (UFRR). Bela Vista, Roraima. VIII (2007) Desafios e oportunidades da integração regional no norte da América do Sul. Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, Sergipe.

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VII (2006) Uma nova configuração política para a América do Sul. Memorial da América Latina, sede do Parlatino. São Paulo, São Paulo. VI (2005) Mercosul e Comunidade Andina de Nações: os desafios da integração sulamericana. Universidade Católica de Goiás (UCG). Goiânia, Goiás. V (2004) A relação Estados Unidos - América Latina na ordem mundial hoje. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. IV (2003) América do Sul como prioridade do Brasil. Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, Paraná. III (2002) A Universidade e a (des)integração da América Latina. Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF. II (2001) Desequilíbrios regionais na Integração. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Pernambuco. I (2000) Mercosul em Debate. Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Dentre as publicações dos Anais dos Congressos, além do livro eletrônico resultante do XIII Congresso, que reuniu análises dos diferentes aspectos da agenda de desenvolvimento e políticas de integração, destacam-se até o momento: SARTI, I; LESSA, M. L.; PERROTTA, D., CARVALHO, G. C. (Orgs) Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. Ingrid Sarti, Daniela Perrotta, Mônica Leite Lessa, Glauber Cardoso Carvalho. E-book. 2v. Rio de Janeiro: Perse, 2013. Lessa, M. (org): Os 20 anos do Mercosul. Anais XII Congresso Internacional do FoMerco, 2011. cd; Cerqueira Filho, G. (org). Sulamérica, comunidade imaginada: emancipação e integração. Niterói: EdUFF, 2011; Lima, M. C, Santos, R. R., Sarti, I. e Ghere, T (org.). Mercosul século 21: ampliação e aprofundamento. 2 vol. Boa Vista: EdUFRR, 2010; Lima, M; C. e Sarti, I (org). Frontera, Universidad y Crisis Internacional. Fórum Universitário Mercosul – FoMerco. Foz de Iguaçu, 2009 (cd) As atividades setoriais dos Grupos de Trabalho também geraram várias publicações expressivas do debate interno acumulado nos GTs, algumas vinculadas a outras associações (como Clacso e Flacso). Integrantes de uma rede sem fins lucrativos, os congressistas do FoMerco têm contado com o apoio das Universidades que acolhem a realização dos Congressos e o patrocínio de órgãos e instituições de caráter público. A contribuição de órgãos públicos do tem sido fundamental para viabilizar a realização dos Congressos.Destacam-se os seguintes apoios históricos: CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina Capes/MEC; Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento CICEF, XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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CNPq/Pro-Sul/MCT; Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro - CBAE/UFRJ; Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - CLACSO Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Participativo/ Secretaria Geral da Presidência da República, Brasil; FAPERJ FAPESP Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG; Fundação Banco do Brasil – FBB; Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE - FADE; Fundação Friedrich Ebert Fundação Universitária José Bonifácio da UFRJ– FUJB; Instituto Cultural Brasil-Uruguai Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA; Secretaria Geral do Mercosul Ministério das Relações Exteriores – MRE, Brasil; Ministerio de las Relaciones Exteriores – MRE, Argentina; Ministerio de las Relaciones Exteriores – MRE, Uruguai. Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura – UNESCO. Estrutura e Funcionamento O Fórum Universitário Mercosul estrutura-se em duas modalidades de Congresso Internacional, a saber: nos anos pares o Congresso promove o debate com a presença de profissionais de notório saber que venham a aprofundar as análises da integração regional. Nos anos ímpares, o Congresso é mais amplo, com chamada aberta de artigos que buscam atender ao requisito da multidisciplinaridade com as atividades organizadas em 14 Eixos e 27 Grupos Trabalho (GTs). Essa tradição ocorreu, por exemplo, em 2009, em Foz do Iguaçu, ocasião em que foram selecionados 216 resumos a serem debatidos nos GTs, 128 dos quais publicados na íntegra. Neste momento, sob presidência eleita em Assembleia no XIV Congresso para o exercício do período 2013-2015 e com o apoio do Conselho Consultivo eleito na mesma ocasião, foram assumidos os seguintes compromissos de uma gestão descentralizada que pretende renovar a estrutura do FoMerco, acentuando sua natureza democrática, integracionista e latino-americanista: (a) expressiva representação plurinacional em todas as instâncias de gestão do FoMerco; (b) estreitamento das relações entre o FoMerco e as instituições voltadas para o desenvolvimento acadêmico latino-americano (Clacso, Flacso, Alas, SBPC, SBF, Cicef etc);

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(c) promoção do debate das experiências de integração realizadas por pesquisadores, organizações da sociedade civil e movimentos sociais; (d) impulso à visiblidade do FoMerco mediante participação e divulgação no âmbito das muitas associações profissionais que acolhem e desenvolvem temas da integração, em busca de todos os olhares do conhecimento, em tentativa de aprofundamento da interdisciplinaridade no contexto da integração – para além da abordagem das ciências sociais que tem predominado no Forum. Associados De acordo com o estatuto vigente, a associação ao FoMerco é exclusivamente institucional. Até o XV Congresso eram 52 Instituições associadas ao FoMerco: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39.

Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – Cedec – SP Centro Universitário da Cidade - UniverCidade Faculdades Integradas do Recife Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais – Flacso Facultad de Ciencias Economicas y Estadistica – Universidad Nacional de Rosario Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB Pontifícia Universidade Católica de Brasília Pontifícia Universidade Católica de Goiás – UCG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas Pontifícia Universidade Católica de Pelotas Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ Pontifícia Unversidade Católica de Pernambuco – PUC/Pe Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina – Prolam Universidad Abierta Interamericana - UAI Universidad de la República de Uruguay - Udelar Universidad Nacional de Rosario – Argentina Universidade Cândido Mendes – Ucam/RJ Universidade de Brasília - UnB Universidad de Buenos Aires - UBA Universidade de São Paulo - USP Universidade de Sorocaba - SP Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc Universidade do Estado de São Paulo - Unesp Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ Universidade do Vale do Itajaí - Univali/SC Universidade Estadual de Campinas -Unicamp Universidade Estadual de Maringá –UEM/PR Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD Universidade Federal da Integração Latino Americana - Unila Universidade Federal da Paraíba – UFPB Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Universidade Federal de Pelotas – RS Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Universidade Federal do Recôncabo Bahiano - UFRB Universidade Federal de Roraima - UFRR Universidade Federal de Santa Maria – UFSM XV Congresso Internacional | Assunção - Paraguai | 2015

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40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52.

Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Universidade Federal de Sergipe - UFS Universidade Federal de Viçosa – UFVi/MG Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Universidade Federal Fluminense – UFF Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ Universidad de Los Andes, Mérida/Venezuela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)– RS Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - RS Universidade São Francisco - SP Universidade São Marcos – SP

Vale ressaltar que o cadastro de participantes inscritos nos Congressos do FoMerco nos últimos 5 anos registra a presença de 600 membros. Em relação ao perfil dos participantes dos Congressos FoMerco, observa-se um grau de constância na presença de pesquisadores/professores, principalmente entre brasileiros e argentinos. Já o número de alunos de pós-graduação oscila e é sempre muito maior nos Congressos de anos ímpares, quando ocorre a chamada aberta de artigos como atividade dos Eixos/ Grupos de Trabalho. Historicamente, os Congressos do FoMerco apresentam uma média de presença de, pelo menos, 70% de pesquisadores/professores e 25% de pesquisadores/pós-graduação.

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