ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO GRUPO INSTITUCIONAL DE PESQUA Ação Civil Pública na Implementação dos Direitos Fundamentais

June 30, 2017 | Autor: Murilo Cerqueira | Categoria: Direitos Fundamentais
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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA DO GRUPO INSTITUCIONAL DE PESQUISA EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS – GPDH Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011

A Ação Civil Pública na Implementação dos Direitos Fundamentais Murilo Santos Cerqueira Advogado, Servidor Técnico-administrativo da UFRB Pós-Graduado em Direito Público Material – Universidade Gama Filho Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB

RESUMO O artigo empreende breve estudo sobre a funcionalidade da ação civil pública na tutela de direitos fundamentais. Desenvolve-se o tema a partir da análise evolutiva das liberdades fundamentais, revelando a ação civil pública como via idônea à tutela de direitos difusos e coletivos, a proteger diretamente direitos da segunda e terceira geração, e, por via oblíqua, direitos da primeira ou quarta geração. Através da interpretação legal e doutrinária, deduz-se a amplitude com que a ação civil pública protege esses direitos fundamentais, apresentando-se, em verdade, como um próprio direito fundamental. Palavras-chave: direitos fundamentais; segunda e terceira dimensão; tutela coletiva; ação civil pública.

INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais, não é despiciendo de logo assentar, são categorias jurídicas supremas emanadas de um processo histórico marcado por impávidas lutas, no decorrer do qual lograram reconhecimento e consolidação. Tais direitos, a merecer do homem tamanha vindicação e coragem, possuiriam como núcleo essencial o princípio da dignidade da pessoa humana1, e em função deste auferiram diversos contornos à medida que se percebia, dada a evolução social, necessidade de reconfiguração e aperfeiçoamento. De efeito, tendo em vista o seu notável caráter material evolutivo, emergindo da história concreta, é possível vislumbrar gerações ou dimensões de direitos fundamentais. Far-se-á necessário empreender, portanto, sumária exposição sobre a evolução histórica dos direitos fundamentais, contextualizá-los e dimensioná-los, para que, já num segundo sentir, se possa deduzir sobre o alcance da ação civil pública na implementação dos direitos fundamentais. 1

Esse entendimento é tributário da formulação de um conceito material dos direitos fundamentais (CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2009, p. 538).

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 Demonstrar-se-á, conseguintemente, o modo pelo qual a ação civil pública serve de instrumento para efetivação de direitos fundamentais, já que visa à tutela de interesses transindividuais, ou interesses difusos e coletivos em sentido amplo. A partir daí, estar-se-á munido do objeto geral da ação civil pública, que é tratado de modo específico no art. 1º da Lei 7.347 de 1985, tendo sido pontencializado pelo art. 129, inciso IV, da Constituição da República de 1988 e por dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, serão ressaltados alguns aspectos técnico-jurídicos a respeito da utilização da ação civil pública, tais como a legitimidade ad causam, possibilidades de pedido e efeitos das decisões, que revelarão a medida da jurisdicionalidade desta ação e, por conseguinte, o seu papel na efetivação dos direitos fundamentais.

1. A HISTÓRIA NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A historicidade é própria dos direitos fundamentais. Como inúmeras células compondo o corpo humano, incontáveis fatos históricos constituem em essência os direitos fundamentais. Observa-se que estes não se apresentam apenas histórico-temporalmente possibilitando ao pesquisador apreender seu percurso cronológico. De relação intercambiante, a história é conteúdo dos direitos fundamentais. Ela mesma dá à luz os direitos fundamentais e neles abandona sua carga genética. Segundo Rudolf Von Ihering, “o nascimento do Direito, tal qual o do homem, é invariavelmente acompanhado das dores do parto”2. Assim é que, o movimento histórico dos direitos fundamentais, oferece-nos um quadro de esforços penosos, de anseios, lutas e batalhas: de povos, de governos, de indivíduos e de classes sociais3. A evolução dos direitos fundamentais foi imbuída de vivacidade pelas lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes4. Os direitos fundamentais não são resultado de movimento pacífico, nem de fato histórico determinado, mas de um longo processo que compreende várias fases, com

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IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 34. IHERING, Rudolf von. op. cit., p. 27. 4 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocencio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 241. 3

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 antecendentes, reconhecimento, afirmação nas declarações, positivação constitucional, generalização, universalização e especificação5. Como antecedentes, é possível falar em surgimento da ideia de direitos fundamentais desde a Antiguidade Clássica, com o aparecimento das primeiras instituições democráticas em Atenas, na Grécia do século VI a.C, bem como na fundação da república romana no século seguinte6. A própria doutrina antiga do Cristianismo revelou aos homens expressivos direitos fundamentais, como o prelúdio do postulado da isonomia, na medida em que consagrou todo homem ser criado à imagem e semelhança de Deus7. Ao diante, até mesmo o movimento da reforma protestante foi de crucial importância para o surgimento de novos direitos fundamentais, como a liberdade de religião e de culto. Todavia, doutrinariamente, a história dos direitos fundamentais costuma ser efetivamente reconhecida como iniciada, segundo os paradigmas modernos, quando determinados documentos passam a instituir verdadeiras limitações ao poder do Estado e cobrar a garantia de direitos e liberdades individuais. Tal processo foi inaugurado e continuado por diversos documentos, dos quais se pode apreender um percurso cronológico, conforme a sumária ilustração que se segue: A Magna Charta Libertatum inglesa, de 1215; a Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; o Bill of Rigths, de 1689; o Act of Settlemente, de 1707; a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776; e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. O coroamento da afirmação dos direitos fundamentais acontece de fato nas últimas declarações do século XVIII, nas chamadas declarações setencistas, de profunda inspiração filosófica iluminista e jusnaturalista. Isto porque, nestas declarações podem-se perceber conteúdos essenciais para a formulação do Estado de Direito, como a limitação do poder estatal, através do postulado da separação dos poderes, bem como a afirmação dos direitos e garantias individuais, que exigia uma posição negativa do Estado frente a uma esfera de liberdades do indivíduo, reconhecidamente inata ao ser humano. Contudo, os direitos fundamentais, mesmo reconhecidos nas consagradas declarações, de notável importância para um momento inicial, ainda careciam da força jurídica necessária para eficácia de suas disposições e consequente controle das forças do Leviatã. Percebeu-se 5

CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2009, p. 551. CUNHA JR., Dirley da. op. cit., p. 556. 7 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008, p. 41. 6

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 necessária, portanto, a existência de formulação jurídica positiva para esses direitos, a qual se deu mediante o seu reconhecimento pelas Constituições. A constitucionalização dos direitos fundamentais possibilitou a positivação jurídica dos direitos do homem quando ainda eram considerados meros sonhos, aspirações, esperanças e ideias. Os direitos fundamentais foram elevados ao escalão máximo dos ordenamentos jurídicos, em razão do princípio da supremacia da constituição, tornando-se, enfim, uma característica fundamental do Estado Democrático de Direito. Como visto, é possível apreender-se um processo histórico-evolutivo dos direitos fundamentais. Intuitivo que a concepção humana sobre as liberdades fundamentais não se demonstra um fenômeno estático. Ela amplia-se e progride no decorrer da história. Em razão disso outra característica se lhe assenta, que é a da mutabilidade, podendo-se falar em gerações ou dimensões de direitos fundamentais. A primeira geração de direitos corresponde exatamente ao período inicial de afirmação e consolidação das liberdades fundamentais. Os direitos clássicos ali vindicados pela ascendente burguesia refletiam a necessidade de proteção do indivíduo frente ao poder estatal, exigindo uma atuação negativa do Estado, para o resguardo dos direitos de liberdade de locomoção, devido processo legal, propriedade, liberdade de imprensa e expressão, entre outros. Com uma evolução gradativa, a partir do século XIX e no início do século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, passam a ser vindicados direitos sociais, como direitos trabalhistas, direito à educação, à saúde, à moradia, à previdência, à assistência dos desamparados, bem como direitos econômicos e culturais, com vistas à promoção da verdadeira igualdade e generalização dos direitos. Os direitos de terceira geração tiveram como principal fato histórico propulsor a Segunda Guerra Mundial, seguida de uma rápida expansão tecnológica, cujas conseqüências estabeleceram novas dimensões para o valor dignidade humana, arraigada precipuamente no postulado da solidariedade e da fraternidade. Passa-se, assim, a reconhecer a existência de direitos transindividuais, ou seja, direitos difusos e coletivos, tais como direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à segurança, à comunicação, dentre outros. Doutrinariamente, é reconhecida ainda uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, decorrente do movimento da globalização, revelando uma etapa de

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 universalização das liberdades fundamentais, tendo como pilares a democracia direta, o pluralismo e a informação. Advirta-se que, as gerações de direitos fundamentais não devem ser consideradas como sobrepostas, de modo que se tenha a falsa ideia de que uma supera a outra linearmente. Na verdade, tal exposição apenas revela um processo histórico-evolutivo de consagração de novas e renováveis liberdades fundamentais, sendo que todas elas encerram as dimensões diversas do axioma da dignidade da pessoa humana. No uso do vernáculo, geralmente se tem por sinônimas as expressões “geração” de direitos fundamentais e “dimensão” dos mesmos direitos. Contudo, para os fins do presente trabalho, prefere-se a aplicação das referidas expressões em distintos sentidos, dado que, tanto pode ser apreendido um processo histórico-evolutivo das liberdades fundamentais, o que aconselha perceber as suas gerações, como se pode perceber um relação de historicidade (intercambiante), que encerram-lhes novas dimensões.

2. A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Retromencionada evolução não se efetivou somente no campo do direito substantivo ou material, mas igualmente no direito adjetivo ou processual. O processo civil tradicional coincide, em nível de proteção, com as liberdades individuais clássicas. Contudo, esse paradigma individualista do processo civil vem sendo progressivamente substituído por uma nova concepção, que exige a consonância do direito adjetivo com a evolução dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o velho processo civil, a proteger somente o relicário dos direitos fundamentais, teria que se adaptar para tutelar novos interesses, correspondentes a novos titulares. Assim, os direitos fundamentais de segunda e terceira dimensão não poderiam restar materialmente reconhecidos nas normas jurídicas, inclusive de ordem constitucional, e ainda assim carecerem da efetiva tutela, para sua devida concretização. Somente a partir da década de setenta, com maior expressividade, segundo o escólio de Fredie Didier Jr. & Hermes Zaneti Jr.8, chegou à doutrina processual brasileira, por influência de processualistas italianos (a exemplo de Mauro Cappelletti), uma preocupação 8

DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 4 Vol, 4ª Ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2009, p. 28.

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 com a dimensão coletiva do processo. Contudo, não se trata a década de setenta o momento histórico preciso da origem da tutela coletiva, já que, como adverte Ada Pellegrinni Grinover9 seriam as class actions, nos Estados Unidos, em 1938, inseridas no art. 23 das Federal Rules of Civil Procedure, um dos embriões mais remotos das ações coletivas. A progressiva mudança de paradigma no direito processual traz como nota peculiar, a necessidade de tutela de interesses transindividuais, ou seja, direitos coletivos em sentido amplo, que são repartidos por grupos, classes ou categoria de pessoas10. As ações coletivas não inovam por trazer uma pluralidade de sujeitos litigando no mesmo processo, uma vez que tal já era possível no processo tradicional, através da figura do litisconsórcio, mas por possibilitar acesso coletivo, inclusive através de substituição processual, resultando no resguardo dos princípios da eficiência, da economicidade e do acesso à Justiça em sentindo amplo. Seguindo este telos, surge no Brasil a figura da ação civil pública, espécie de ação coletiva, instituída pela Lei n. 7.347, de 1985, sendo-lhe atribuída a tutela dos interesses transindividuais ou meta-individuais, podendo ser proposta por entidades colegitimadas, que figurarão como verdadeiros substitutos processuais, defendendo em nome próprio direitos de coletividades. Neste compasso, a Constituição brasileira de 1988 recepcionou a Lei de Ação Civil Pública, esculpindo o Constituinte originário dispositivo expresso (artigo 129, inciso IV), a reverenciar a “proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Retira-se daí a importância da ação civil pública na implementação de direitos fundamentais, já que a estes oferece tutela, considerados numa dimensão coletiva. Aliás, não há que se escusar de que a própria ação coletiva já é em si decorrência do reconhecimento de um direito fundamental, qual seja o do devido processo legal e do seu consequente princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, do acesso à Justiça, cuja previsão está hoje alicerçada no art. 5º, inciso XXXV da Constituição de 1988. A nova dimensão, coletiva, desse princípio foi sem dúvida amparada pelo poder constituinte da atual Carta Magna, que, como

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Da Class Action For Damages à Ação de Classe brasileira: os requisitos de admissibilidade in “Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos”. coord. Édis Milaré, 2º ed. rev. e atual, São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. 10 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 22ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 50.

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 bem observa Fredie Didier Jr. & Hermes Zaneti Jr.11, atribuiu a norma que garante o acesso à Justiça tanto aos direitos individuais como aos direitos coletivos. Ademais, a própria ação civil pública revela-se um direito fundamental, da modalidade direito-garantia, que, como pontua Dirley da Cunha Júnior12, a partir de uma formulação veiculada por Ruy Barbosa, e citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, seria um direitogarantia instrumental, pois destina-se à defesa de direitos especiais perante o Judiciário. É, assim, uma garantia que dá azo à concretização de diversos direitos fundamentais, possibilitando também uma efetiva jurisdição constitucional.

3. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A Constituição brasileira de 1988 traz amplo espectro de direitos fundamentais, tendo levantado como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, concedendo ao epicentro dos direitos fundamentais apropriado assento. Referida Constituição destaca-se pelo seu pluralismo, abraçando diversos direitos fundamentais, de distintas gerações, muitas vezes aparentemente conflitantes entre si, mas ensejadores de interpretação harmoniosa, conforme preconiza o próprio preâmbulo da Carta de 1988. Há que se ressaltar a primazia que foi dada aos direitos fundamentais sociais, tendo sido estes os primeiros a serem lembrados no texto do preâmbulo. Ademais, a nova Constituição arrastou para seu pórtico os direitos sociais, colocando-os logo no Título II – Direitos e Garantias Fundamentais – ao lado das liberdades clássicas, garantindo também a dimensão coletiva desses direitos, ao capitular “direitos e deveres individuais e coletivos” no mesmo título. Torna-se essencial a esse novo regime jurídico (reforçado através dos §§ 1º, 2º e 3º do artigo 5º) uma efetiva jurisdição constitucional, limitando todos os atos dos poderes públicos. Por isso, a própria Constituição estabelece uma série de mecanismos judiciais adequados ao controle de suas normas e proteção dos direitos fundamentais que veiculam, a saber, as ações constitucionais: ação popular, mandado de segurança (individual e coletivo), habeas corpus, habeas data, mandado de injunção e, enfim, ação civil pública. 11 12

DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Op. Cit, p. 27. CUNHA JR., Dirley da. op. cit., p. 615.

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4. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO OBJETO13 DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A tutela da ação civil pública é especificamente voltada para os direitos fundamentais de dimensão coletiva, os quais estão diretamente ligados a segunda e terceira geração de direitos, tais como direitos sociais (à educação, à saúde, à moradia, à assistência dos desamparados, à proteção das minorias etc.), direitos culturais, direito de proteção ao meio ambiente (em sentido amplo – natural, urbanístico e patrimonial-público) e de defesa do consumidor e da ordem econômica. Tal constatação não implica dizer que não há a possibilidade de proteção por via oblíqua de direitos fundamentais da primeira ou quarta geração, já que muitas vezes um direito apresenta-se justamente como pressuposto para implementação de outro direito fundamental (como educação/saúde e liberdade/cidadania). Deduz-se que é possível até mesmo a proteção direta de direitos fundamentais de primeira ou quarta geração por meio de ação civil pública, desde que estes se apresentem numa dimensão coletivizada, ou seja, transfigurados numa dimensão segunda ou terceira. A liberdade de expressão coletiva (direito de reunião e associação), a função social da propriedade, bem como o devido processo legal coletivo são exemplos de direitos passíveis de proteção direta em razão desse fenômeno mutativo. O amplo campo de tutela da ação civil pública é hipotetizado pela própria Constituição Federal de 1988. Como visto, esta estabelece no inciso IV do art. 129 que aquela servirá à “proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Tal proposição normativa genérica abarca uma enorme gama de possibilidades de objetos, revelados outrora pela Lei da Ação Civil Pública (LACP – nº 7.347/85). Da exegese literal do art. 1º da Lei n. 7.347/85 percebe-se que ação civil pública serve à proteção: do meio-ambiente; do consumidor; da ordem urbanística; dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; da responsabilidade por infração da ordem econômica e da economia popular; e de qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Note-se que, o referido art. 1º da Lei n. 7.347/85 não traz rol exaustivo, ao revés, apresenta cláusula de extensão no inciso IV, protegendo “qualquer outro interesse difuso e 13

Advirta-se que a expressão “objeto”, nesse momento utilizada, não corresponde ao seu correto sentido técnicoprocessual, que ensejaria a mudança do tópico para “direitos fundamentais como ‘causa de pedir’ ou “fundamento” de ação civil pública”, uma vez que mencionados direitos figurarão como causa de pedir remota da demanda.

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 coletivo”, que reúna grupos, classes ou categorias de pessoas, sejam estes determinados, indeterminados ou indetermináveis, desde que estejam reunidos por circunstâncias de fato comuns ou pela mesma relação jurídica básica14. Com efeito, própria interpretação literal do art. 1º da Lei n. 7.347/85 leva-nos à conclusão de que a ação civil pública resguarda diversos direitos fundamentais. Não bastasse isso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 21, previu a aplicação subsidiária de seus dispositivos à LACP, ampliando significativamente o âmbito de tutela da mesma. Dessa forma, não são escusados dessa proteção coletiva os chamados direitos individuais homogêneos. Importante ressaltar que, os direitos fundamentais, quando violados, mormente os de caráter social, vinculam imediatamente a atuação do Poder Público, prerrogativa assegurada pela própria Constituição. A Administração Pública deve agir (e reagir) pautada nos princípios da moralidade e da eficiência, não escusando dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Diante da violação desses direitos fundamentais, dos princípios referidos, e tendo por conta a amplitude de objeto da ação civil pública, torna-se admissível a utilização da mesma até mesmo no âmbito do controle de políticas públicas, a despeito da existência da invocável cláusula da reserva do possível. A discricionariedade administrativa15, a ensejar juízos de oportunidade e conveniência, através da cláusula da reserva do possível, não intimida a promoção de ação civil pública no controle de políticas públicas, mormente quando estas visem à concretização de direitos fundamentais omitidos pelo Estado16.

5. ALGUNS ASPECTOS TÉCNICO-JURÍDICOS A RESPEITO DA UTILIZAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA A Lei da Ação Civil Pública – LACP – estabelece um rol de entidades co-legitimadas á propositura da ação civil pública, que poderão atuar como substitutas processuais,

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MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit., p. 131. Celso Antônio Bandeira de Melo, em seu Curso de Direito Administrativo (2006, p. 245-246) leciona que “não há ato propriamente discricionário, mas apenas discricionariedade por ocasião da prática de certos atos. Isto porque, nenhum ato é totalmente discricionário, dado que conforme afirma a doutrina prevalente, sempre será vinculado quanto a fim e a competência, pelo menos”. 16 Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 137 e 138) ensina que não é dada à Administração a prerrogativa omitir-se em face do seu poder discricionário, pois o Poder Público deve agir conforme o princípio da reação impositiva, ou seja, deve necessariamente reagir quando prevista ou constatada violação a direito fundamental. 15

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 defendendo em nome próprio direitos de coletividades. Segundo o art. 5º da LACP, podem propor ação civil pública: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; e a associação que, concomitantemente: (i) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (ii) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Por outro lado, pode ser sujeito passivo na ação civil pública qualquer pessoa, física, jurídica, pública ou privada, contanto que seja a responsável pelo dano ao bem jurídico protegido. Segundo o art. 16 da LACP, e com base no art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, as sentenças nesse modelo de ação coletiva farão, em regra, coisa julgada erga omnes ou ultra partes, seja nos limites da competência territorial do órgão prolator, seja nos limites atinentes ao grupo, classe ou categoria de pessoas, e do respectivo pedido formulado. Quanto ao objeto da demanda, é possível a formulação de pedido para tutela de mais de um interesse transindividual, bem como ainda é possível acumular pedidos compatíveis. Não bastasse, a ação civil pública poderá ainda ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, inclusive com possibilidade de execução específica ou cominação de multa diária em caso de descumprimento da decisão17. Percebe-se,

portanto,

a

partir

de

tais

características,

descritas

apenas

perfunctoriamente, que a ação civil pública foi predestinada a uma ampla proteção dos direitos coletivos, ou direitos transindividuais, recebendo tonalidade compatível com a dignidade dos bens jurídicos que eventualmente encontrem-se em seu bojo.

CONCLUSÃO

Inegável, portanto, a relevância da discussão que aqui jaz desenvolvida, diante da premente necessidade de concretização das normas que veiculam direitos fundamentais. Como visto, apesar de estes terem obtido no percurso da história reconhecimento, desde as declarações setencistas, sendo inclusive afirmados em normas constitucionais, ainda carecem de constante efetividade.

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Art. 3º combinado com o art. 11, ambos da LACP.

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 Ora, razão de existir não haveria aos direitos fundamentais não fosse a sua possibilidade de concretização! É de se dizer, as categorias jurídicas fundamentais que possuem como cerne o princípio da dignidade da pessoa humana devem ser afirmadas e consolidadas de tal modo que lhes sejam atribuídas a devida força jurídica, dotando-as de verdadeira eficácia social. Demonstrou-se que tal concretização dispõe de instrumento de comprovada adequação e efetividade, que se traduz em ação civil pública, a defender mormente direitos fundamentais de segunda e terceira geração, cuja expressão se realize em direitos difusos ou coletivos. Nesse sentir, a própria ação civil pública demonstrou-se um direito fundamental, da modalidade direito-garantia instrumental, ao proteger direitos de alta magnitude, inclusive implementando políticas públicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei Federal n. 7.347, de 24.07.1985.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 5.869, de 11.01.1973.

CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2009.

DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 4 Vol, 4ª Ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2009.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 1 Vol, 6ª Ed, Salvador: Editora Juspodivm, 2006.

IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2008.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 22ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2009.

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ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS GPDH – Grupo Institucional de Pesquisa em Direitos Humanos Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011 MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed, São Paulo: Malheiros, 2006.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocencio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2008. MILARÉ, Édis. Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. 2º ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002.

OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.

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