Anais do Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação patrimonial em foco

June 19, 2017 | Autor: Claudia Nascimento | Categoria: Cultural Heritage, Architectural History, Amazonia, Hospital, Roraima
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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 04 a 06 de novembro de 2015

Anais Realização:

Apoio:

Grupo GPAC Grupo Cruviana Programa extensionista – Valorizando a arte, a memória e o patrimônio cultural de Roraima: ações de educação e valorização patrimonial.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA - UFRR Reitora: Gioconda Santos e Souza Martinez Vice-Reitor: Reginaldo Gomes de Oliveira Pró-Reitoria de Ensino e Graduação: Antônio César Silva Lima Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Extensão: Maria das Graças Santos Dias Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação: Rosângela Duarte

COMISSÕES Comissão científica: Profa. Ms. Cristiane Bade Favreto Profa. Dr. Ivete Souza da Silva Profa. Dr. Leila Adriana Baptaglin Comissão organizadora: Profa. Ms. Cristiane Bade Favreto Profa. Dr. Ivete Souza da Silva Profa. Dr. Leila Adriana Baptaglin Acad. Carolina Viana Albuquerque Acad. Acsa da Silva Ribeiro Acad. Carla Roque de Oliveira Acad. Carolina Viana Albuquerque Acad. Elias Magalhães Acad. Joilson Trindade de Souza Acad. Márcio José Bahia Campos Acad. Rhafael Porto Ribeiro Comissão Cultural: Prof. Vinícius Luge Oliveira Profa. Dayana de Araújo Soares

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

ANAIS I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco

Leila Adriana Baptaglin (organizadora)

APRESENTAÇÃO O I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação patrimonial em foco O I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação patrimonial em foco, é uma realização do Grupo de Estudos e Pesquisas em Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia (GEPAC), do Grupo de estudos e pesquisas em Arte, Educação e Intercultura (CRUVIANA) e do programa de extensão Valorizando a arte, a memória e o patrimônio cultural de Roraima: ações de educação e valorização patrimonial, vinculado ao Curso de Artes Visuais Licenciatura (CCAV/CCLA) da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Os grupos vem realizando pesquisas voltas para a área de educação e das Artes, neste sentido, a organização do evento vem ao encontro das necessidades locais de investigação sobre a prática da Educação Patrimonial. Destacamos que o trabalho com Educação Patrimonial é algo bastante recente no Estado e carece de maior aprofundamento pelos profissionais docentes. A região Norte e, em especial Roraima carece de investigações e estímulo ao trabalho com o Patrimônio Cultural. Apesar de ser uma região bastante rica nesta questão muito pouco tem sido feito em relação à educação patrimonial e a ações que potencializem o trabalho com o Patrimônio Cultural local. Sendo assim, o I Seminário de Patrimônio, Arte e Cultura na Amazônia: Educação patrimonial em foco vem proporcionar espaços de discussão acerca do que vem sendo pensado em termos nacionais, regionais e locais acerca da Educação Patrimonial.

SUMÁRIO 1

A PERCEPÇÃO DO ARTISTA INDÍGENA SOBRE A PEDRA PINTADA/RR Acsa Ribeiro Leila Adriana Baptaglin

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A POÉTICA VISUAL NOS FILMES DE ALEX PIZANO Clarisse Martins dos Santos Leila Adriana Baptaglin

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EUTANÁSIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL RORAIMENSE: O HOSPITAL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, BOA VISTA/RR Claudia Helena Campos Alyene A.da S.Camapum Guedes

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AS FUNCIONALIDADES DAS FESTAS ENQUANTO CULTURA POPULAR 28 Glauciene Dutra Silva

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A CIDADE COMO DOCUMENTO: REFLEXÕES SOBRE A PRAÇA CAPITÃO CLÓVIS EM BOA VISTA-RR Paulina Onofre Ramalho Andréia Mariano de Aguiar Ronádia Guilherme Alencar

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PATRIMÔNIO CULTURAL EM BOA VISTA-RR: SECRETARIA DE CULTURA DE RORAIMA-SECULT/RR Regina Almeida Correa

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7 SETOR ESPECIAL HISTÓRICO DA CIDADE DE BOA VISTA/RR: INCONSISTÊNCIAS QUE FAVORECEM OUTROS ERROS Claudia Helena Campos Nascimento Paulina Onofre Ramalho

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PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE BOA VISTA: ENTRE VELHOS E NOVOS PROBLEMAS Nadyne Silva Gonzales Tamires Moraes e Silva Paulina Onofre Ramalho

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MANIFESTAÇÃO CULTURAL POPULAR: A LITERATURA DE CORDEL 76 RORAIMENSE ENQUANTO PATRIMÔNIO CULTURAL Patrícia Pereira do Nascimento

10 ESTUDO DO CENTRO HISTÓRICO CULTURAL DA CIDADE DE BOA 83 VISTA/RR Joilson Trindade 11 OS REFUGIADOS: HISTÓRIA DE UMA VIDA Maria do Céu Machado Ribeiro Meneses

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12 IDEAS DE TRANSFORMACION PARA LA PRESERVACIÓN DE UN PATRIMONIO CULTURAL DE RORAIMA Tania de J. Gutiérrez Rodríguez

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13 MURALISMO E INTERVENÇÕES CONTEMPORÂNEAS: UM PROJETO DE INCENTIVO À ARTE Elias Magalhães de Almeida Leila A. Baptaglin Rhafael Porto Ribeiro

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14 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: VALORIZAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS IMATERIAIS E MATERIAIS NO ESTADO DE RORAIMA, PROGRAMA “VALLE DO RIO BRANCO”. Francisleile Lima Nascimento Leila Adriana Baptaglin

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15 RELATO DE EXPERIÊNCIAS SOBRE A EDUCAÇÃO: USO DA TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA EDUCACIONAL NO CURSO DE MÚSICA DA UFRR Marcos Vinícius Ferreira da Silva Rosângela Duarte

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16 MANGROOVE: SONS DO MANGUE, UM PATRIMÔNIO QUATIPURUENSE. 140 Johnny Kepller Milenne da Conceição Lima

I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco PERCEPÇÃO DO ARTISTA INDÍGENA SOBRE A PEDRA PINTADA/RR Acsa Ribeiro (UFRR - Roraima) Leila Baptaglin (UFRR - Roraima) Temática: 1- Patrimônio Cultural. Modalidades: 1- Relato de experiência.

INTRODUÇÃO Tendo em vista que este trabalho tem a intenção de trabalhar com a percepção dos artistas indígenas roraimenses sobre o patrimônio cultural que é a Pedra Pintada, temos como temática: A representação artística da Pedra Pintada, e o problema constituem-se em Como os Artistas indígenas de Roraima representam artisticamente a Pedra Pintada? Destacamos assim que o objetivo geral é investigar as representações que os artistas indígenas de Roraima fazem da Pedra Pintada. Os Objetivos específicos constituem-se em: - compreender a história e constituição da comunidade aonde se encontra a Pedra Pintada; - buscar as produções dos artistas indígenas que representam a Pedra Pintada e; analisar as representações que são feitas por estes artistas acerca da comunidade e da Pedra Pintada. À vista disso, estabeleço a abordagem que será feita nesse processo de investigação, a mesma é qualificada como abordagem qualitativa uma vez que esta se caracteriza por lidar com um universo cheio de significados, símbolos e crenças. Conforme esse pensar, busco como base para essa afirmação o autor Minayo, no qual o mesmo vem validar a escolha da investigação desta pesquisa, de tal modo ele entende que

Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a região visível, ecológica, morfológica e concreta. A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. (MINAYO; 1994, apud, CORREA; NUNES; 2009, p 2.)

O caminho analítico volta-se para a “análise de conversação e da fala” (NYERS, in BAUER e GASKEL, 2002). Com tal característica, uma das principais

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco contribuições que a análise da conversação pode proporcionar, consiste no fato de que podemos nos valer do olhar dos participantes para entender o que eles pensam a respeito de tal assunto. Entendido a modalidade para a estruturação desta pesquisa, abordo agora quais os pontos que desejo seguir para conseguir fazer a análise de obras de artistas indígenas que representem a Pedra Pintada. De tal forma pontuo como será feita essa busca: 1) Investigarei os artistas que já tem produções artísticas representando a mesma; 2) Entrarei em contato com esses artistas; 3) Farei uma entrevista, de característica narrativa, com os artistas, e por fim 4) Analisar as obras relacionadas com as informações das entrevistas narrativas. Quanto a isso, o caminho analítico volta-se para a “análise de conversação e da fala” (NYERS, in BAUER e GASKEL, 2002). Considerando que a pesquisa busca uma investigação sobre as produções artísticas dos indígenas de Roraima sobre o tema que é a Pedra Pintada, será necessário ouvir, conversar e fazer um levantamento com alguns artistas, que de algum modo tem um vínculo/interesse com este patrimônio que possui em si a importância de ter um valor histórico, artístico, natural e cultural.

1- COMPREENSÃO E ACEPÇÕES ACERCA DO PATRIMÔNIO E SUAS ESFERAS DE DIVISÕES. 1.1 Definições sobre o que é: Patrimônio Cultural, Histórico, Artístico e Natural. Uma vez que o meu assunto é abordar a Pedra Pintada como um patrimônio cultural, precisamos compreender alguns conceitos para chegar até nesse entendimento. Assim, o primeiro conceito parte da autora Zanirato, uma vez que em seu artigo intitulado: Usos sociais do patrimônio cultural e natural (2009), a mesma afirma que: o patrimônio cultural é tudo aquilo que através dos bens materiais e imateriais¹ narram à história de um povo, exemplo disso são as alegorias, superstições, rituais e tudo aquilo que se possa identificar como algo falado para narrar alguma coisa que aconteceu, ou o que certa comunidade pensa a respeito de tais imagens, desenhos, pinturas ou objetos. Para a autora Zanirato (2009,p.137)

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Os elementos culturais são conformados pelas manifestações materiais e imateriais criadas pelos sujeitos que nos precederam. Neles se incluem objetos e estruturas dotados de valores históricos, culturais e artísticos, bens que representam as fontes culturais de uma sociedade ou de um grupo social e que podem ser materiais ou imateriais.

Além deste tipo de patrimônio que já foi falado, a Pedra Pintada também pode ser constituída de outras formas, dentre as quais ela pode ser considerada como patrimônio histórico, uma vez que ela é concreta/papável e possui um valor para a sociedade onde ela se constitui, pois no seu corpo podem ser vistas e estudada as gravuras, desenhos, pinturas e etc. Ela também pode ser considerada um patrimônio artístico, uma vez que as pinturas que estão contidas na pedra possuem um significado de valor cultural, religioso e estético, portanto, é por meio delas que os indígenas valorizam essas pinturas, uma vez que estas mesmas fazem parte da sua história e cultura. Por fim descrevo o último tópico denominado como Patrimônio natural, ainda com a autora Zanirato (2009, p.138), entendemos que, patrimônio natural é tudo aquilo que inclui formações físicas, biológicas e geológicas, habitats de espécies animais, vegetais, etc., e mais este deve ter valor estético. No decorrer dessa investigação e posteriormente na minha pesquisa de campo, opto por trabalhar com a denominação da Pedra Pintada enquanto Patrimônio Cultural, pois entendo que ela contém um bem material e imaterial que podem ser explorados distintamente e que se insere tanto em uma classificação do histórico como do natural. Pretendo ir ao encontro de artistas indígenas, para investigar qual é a sua percepção sobre esse patrimônio e principalmente valorizar a sua visão sobre este tema e também sobre os seus trabalhos artísticos. Agora, partimos para um outro ponto que desejo abordar neste capítulo, trazer as definições sobre Patrimônio material e imaterial.

1.2 Outras “ramificações” sobre Patrimônio: Material e Imaterial Percebendo as multiplicidades de estudos referente a Pedra Pintada, entendemos que o objetivo dessa pesquisa nós oferece dois lados, estes, se referem ao bem material e imaterial. Por exemplo, quando conversamos com alguém, esta

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco pessoa nós oferece duas possibilidade de análise, uma é avaliar a sua fala, patrimônio imaterial, ou avaliar um trabalho seu, que corresponde por ser um patrimônio material ou tangível. Consequentemente, a fala dessas pessoas pode ser importante uma vez que entender os seus interesses para criar algo é de extrema irmportância, e não somente isso, mas também compreender as suas percepções e conceitos referente a mesma. Deste modo, o IPHAN conceitua que o patrimônio imaterial

São os ofícios e saberes artesanais, as maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de construir moradias, as danças e as músicas, os modos de vestir e falar, os rituais e festas religiosas e populares, as relações sociais e familiares que revelam os múltiplos aspectos da cultura cotidiana de uma comunidade. (IPHAN, 2012, p. 19)

Ou seja, a fala destes sujeitos é fundamental para a análise das obras dos mesmos, uma vez que é através dela que poderemos compreender a sua visão e a forma de como este artista se coloca diante do mundo, que vem através da arte. Porém, como essa pesquisa também inclui a investigação e análise das obras, partimos para o que se entende por Patrimônio material. Ainda com a contribuição sobre o que o IPHAN conceitua, podemos apresentar este bem como algo que envolve “Os bens culturais, paisagens naturais, objetos, edifícios, monumentos e documentos” (2012, p.19). Com isso, fica evidente sobre essa proposta que é analisar trabalhos artísticos, sua vinculação com a perspectiva patrimonial tanto material, como imaterial.

2. PEDRA PINTADA O objeto dessa pesquisa, Pedra Pintada, esta situada na comunidade de São Marcos e

é um símbolo que retrata a existência do indígena nestas terras antes mesmo de chegar o homem branco (karaiwa) nas Américas. Os estudos arqueológicos e antropológicos mostram que há pelo menos cinco mil anos o homem já habitava estas terras. Esse homem deixou suas marcas e gravuras em pedras

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco especiais, aos quais chamamos de sítios arqueológicos, para poder se comunicar com as futuras gerações. (ALMEIDA; MANDUCA; SILVA; 2008 p.31)

A Pedra Pintada, a qual possui 40 metros por 60 metros de diâmetro. A abundância de inscrições rupestres existentes em sua superfície deu origem a sua denominação de “Pedra Pintada”. Essas pinturas deram “vida” a várias lendas sobre a existência de um imenso lago, “Parimé ou Manoa”, que por conta do alto nível da água teria possibilitado a realização das gravuras, seja no seu cume como também dentro de algumas grutas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do trabalho ainda está em fase de conclusão entendemos que é importante mostrar alguns estudos já feitos, e principalmente evidenciar as intenções desta investigação que tem como ponto principal pesquisar sobre um patrimônio cultural que se encontra no estado de Roraima, a Pedra Pintada. Além de trazer esse olhar crítico a esse bem que possui poucas propostas de preservação, também temos a intenção de evidenciar a questão do patrimônio imaterial, que será fruto desta pesquisa com base na Pedra Pintada. Assim, buscaremos entender a percepção dos artistas indígenas roraimenses sobre esse bem, registrando a sua fala e analisando os seus trabalhos artísticos. REFERÊNCIAS BAUER, M ; GRASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 7. ed. São Paulo: Vozes, 2002. 516 p. CORRÊA, A; NUNES, A. Abordagem qualitativa de pesquisa em educação. 2009, 6 p. MANDUCA, L; DA SILVA, N; ALMEIDA,F. Atlas escolar –Terra indígena de São Marcos. 1 ed. Roraima: UFRR, 2008. 25 p. ZANIRATO, S. Usos sociais do patrimônio cultural e natural. São Paulo, 2009, 152 p. ZANIRATO, S; RIBEIRO,W. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco A POÉTICA VISUAL NOS FILMES DE ALEX PIZANO Clarisse Martins dos Santos (UFRR, Roraima) Leila Adriana Baptaglin (UFRR, Roraima) Temática: 1- Patrimônio Cultural; Modalidades: 2- Pesquisa científica;

1 INTRODUÇÃO Apresentamos a pesquisa inicial de Trabalho de Conclusão de Curso que se encontra em fase de andamento, que propõe como objetivo geral compreender como ocorrem os processos artísticos utilizados na poética visual do diretor Alex Pizano e, como objetivos específicos; conhecer a construção da poética visual dos filmes curtasmetragens e longa-metragem do diretor e identificar a singularidade da poética visual de Alex Pizano, no contexto roraimense. A metodologia escolhida para o desenvolvimento da pesquisa abrange os aportes teóricos e metodológicos das teorias dos Estudos Culturais. Neste sentido, a estruturação metodológica e as bases do referencial teórico partem deste campo. O cinema utiliza dois meios para estabelecer uma comunicação, a imagem que constrói sua comunicação pelo conteúdo e pela forma com que captamos este conteúdo, e o som que se divide em três categorias, locução, trilha sonora e efeito sonoro. Cada imagem tem dentro de si uma impressão sobre o olhar peculiar do artista sobre uma obra. Quando denominamos nesse trabalho que esta imagem é poética, buscamos, na verdade dizer que ela é singular do artista/diretor. É a forma de ele representar o mundo.

2 DESENVOLVIMENTO Reconhecida por sua adequação para a abordagem da comunicação a partir da cultura, a perspectiva dos Estudos Culturais, em suas diversas vertentes, fornece subsídios para a discussão do processo comunicativo, suas práticas e formas simbólicas. Sua origem está situada nos finais da década de 50 do século XX, na Inglaterra como um projeto da abordagem da cultura a partir de perspectivas críticas

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco e multidisciplinares. Mattelart e Neveu (2010) salientam que os estudos culturais conheceram a sua verdadeira institucionalização em 1964, com a criação do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) diante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da Inglaterra do pós-guerra. Afirmam ainda que seu objetivo era a de estudar “as formas, práticas e instituições culturais e as suas relações com a sociedade e a mudança social” (Mattelart & Neveu, 2010, p.16). As primeiras teorizações que forneceram o suporte para os Estudos Culturais advêm dos textos criados pelos pesquisadores Richard Hoggart (The Uses of Letracy1957), que estudou a influência da cultura difundida nas classes trabalhadoras pelos meios modernos de comunicação, Raymond Williams (Culture and Society-1958), constrói um conceito histórico de cultura culminando com a ideia de que a cultura comum ou ordinária pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência com o mundo das Artes, Literatura e Música, e Edward Palmer Thompson (The Making of the English Working-class-1963) que reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vista particular. Esses trabalhos contribuíram para um novo entendimento de cultura tornando possível o desenvolvimento deste campo de estudo. No período da década de 80 e 90, os Estudos Culturais se descentralizaram geograficamente e seu objeto de estudo ficou cada vez mais diversificado, perpassando as relações entre cultura contemporânea e a sociedade, os meios de comunicação de massa e a pluralidade na constituição de identidades culturais. A abordagem dos meios de comunicação partiu da aproximação entre o estruturalismo marxista volvido para estruturas de dominação e o culturalismo que considerava a cultura um nível em quais as desigualdades sociais são produzidas e contestadas. A perspectiva culturalista prevê outra maneira de se conceber todo o processo da comunicação, centrando a atenção nas várias possibilidades de interação do indivíduo com a construção da poética visual presentes nas mensagens midiáticas. Entendemos os Estudos Culturais como um campo teórico aberto e versátil que permite interpretações reflexivas e críticas a ponto de contribuir para a construção de um conhecimento fértil. Com os subsídios fornecidos pelos Estudos Culturais poderemos entender o processo de produção da poética visual dos filmes que serão estudados e construir um discurso crítico e auto-reflexivo deles.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Os filmes são produções em que a imagem em movimento, aliada às múltiplas técnicas de filmagens e montagem e ao próprio processo de produção, cria um sistema de significações. Para compreender esse sistema, entendido como processo de produção da poética visual, percebemos que é preciso analisar os filmes, descrevendo-os e estabelecendo as relações entre esses elementos decompostos, fazendo assim uma interpretação. Segundo Penafria (2009) a decomposição recorre, pois a conceitos relativos à imagem (fazer uma descrição plástica dos planos no que diz respeito ao enquadramento, composição, ângulo,...) ao som (por exemplo, off e in) e à estrutura do filme (planos, cenas, sequências). Para isso, nosso primeiro passo será assistir a todos os vídeos, fazendo apontamentos gerais sobre eles, para, em seguida, escolher aqueles que parecerem mais significativos para a temática desta pesquisa. Em seguida, pretendemos analisar cada um dos trabalhos selecionados, identificando os efeitos da experiência fílmica, essa análise tomará como base os Estudos Culturais. Os Estudos Culturais, nesta perspectiva, buscam uma análise focada no entendimento dos elementos decompostos e sua articulação com a proposta poética do cineasta em seu contexto de produção. A origem do cinema é parte de um período de grande desenvolvimento tecnológico e modernos modos de percepção que se permutavam no século XIX. A história das imagens em movimento projetadas em sala escura, de instrumentos óticos e das pesquisas com imagens fotográficas teve início quando o homem teve condições técnicas de proceder o registro da imagem em movimento. No Brasil, o cinema teve início em 19 de julho de 1898, com a chegada do cinegrafista italiano Alfonso Secreto, que registrou algumas imagens da Baía de Guanabara. No ano seguinte, ele faz a primeira filmagem de São Paulo, durante a celebração da Unificação da Itália. Sendo assim considerado o primeiro cinegrafista e precursor do cinema no Brasil. A partir daí, ele passa a realizar filmagens juntos com seu irmão, tornando-se praticamente os únicos produtores de cinema do país até 1903. Em 1908 há um florescimento do comércio cinematógrafo, devido ao aumento industrial e o crescente uso de energia elétrica no Rio de Janeiro e São Paulo, dando início assim a chamada época de ouro. O cinema brasileiro em seus anos de histórias teve momentos de grande repercussão internacional, como na época do Cinema Novo,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco e de crescimento do mercado interno, como no período da Embrafilme 1. Constitui-se um eixo de produção privilegiado entre Rio e São Paulo, onde surgia a maior parte das produções. Fora desse eixo, a produção foi episódica e em ciclos de pequenas durações, como ocorreu em Manaus, com a produção de Silvino Santos, pioneiro do cinema amazonense que produziu uma série de pequenos filmes no século XX. Por exigir grandes investimentos, em geral o cinema brasileiro pouco quebrou a hegemonia Rio São Paulo. O século XXI, com a popularização das câmeras e da internet, propiciou um novo surto de produção cinematográfica. É nesse contexto que se insere a produção de Alex Pizano. Nascido em Manaus, com formação em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, realizou produções audiovisuais distintas e independentes, entre videoclipes de bandas locais a propagandas e filmes. Entre os filmes produzidos estão o média-metragem experimental de ficção ‘Divida Sangrenta’ (2007), o longa-metragem, também ficção, ‘Remanescente das Sombras’ (2009), o curta metragem de ficção ‘O Estranho’ (2011) que foi exibido em mostras e festivais de São Paulo e Minas Gerais e premiado no festival Tela Digital em outubro de 2011 e o curta metragem policial ‘O Último Lamento’ (2012), que segundo a matéria do Jornal de Roraima de 30 de junho de 2014, participou da 10ºFest Cinemazônia, Festival Latino Americano de Cinema (RO-Brasil), 4ª Mostra de Cinema da Amazônia (PA-Brasil), 5º Festival Internacional ArtDeco de Cinema (SP-Brasil) e do 7º Festival de Cinema com Farinha (PB-Brasil). É com base neste material produzido por Alex Pizano que buscaremos compreender a construção do processo artístico na poética visual do cineasta através dos elementos específicos da linguagem do cinema, o espaço fílmico, os enquadramentos, o plano de campo, o som, a montagem e o texto fílmico, que nos permite analisar os sistemas internos do mesmo, e estudar as configurações significantes presentes na produção cinematográfica. A poética visual do cinema é revelada a partir de uma elaboração das cenas, onde o diretor define os enquadramentos, ângulos, transições, dentro de uma

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Empresa estatal brasileira, criada no dia 12 de setembro de 1969, produtora e distribuidora de filmes cinematográficos.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco narrativa fílmica, permeada pela a direção de arte, fotografia, efeitos sonoros e visuais, assim como a edição do filme.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O cinema vem sendo objeto de pesquisas por conta daquilo que suas relações com as sociedades podem nos revelar, podendo ser um objeto de análise importante para uma abordagem social. O filme é um meio visual que dramatiza um enredo básico, lida com fotografias, imagens, linguagens e, através de signos, códigos, que pela leitura são apreendidos, nos passa uma mensagem. Assim, como as outras artes, o cinema tem o poder de movimentar nossos sentidos, provocando emoções, proporcionando experiências, que estimulam, desenvolvem e viabilizam poder epistemológico assim como outras fontes. Nessa perspectiva, estudar as produções que são veiculadas e produzidas em nossa região reveste-se de uma importância impar para compreender as dinâmicas sociais e culturais do espaço amazônico. Como o trabalho de Alex Pizano é pioneiro em termos de produção ficcional e independente em Roraima, estudar seu processo de construção poética pode contribuir sobremaneira para se observar não apenas a qualidade de sua obra em si, mas também estabelecer inter-relações entre essa poética e o contexto de produção artística do Estado na atualidade. Do ponto de vista acadêmico, será a primeira produção a debruçar-se sobre a obra do jovem diretor, motivo pelo qual o presente projeto pode tornar-se também em significativa colaboração para o conhecimento e a compreensão da cinematografia roraimense.

REFERÊNCIAS BURCH, Noel. Práxis do Cinema. São Paulo: Editora Perspectiva. CAMPOS, Renato Márcio Martins de. História do Cinema Brasileiro- Os Ciclos de Produção Mais Próximos ao Mercado. In: Trabalho apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho. Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004. Disponível em: >. Acesso em: 12 set. 2012. COSTA, Flávia Cesarino. Primeiro Cinema. In: MASCARELO, Fernando (Org.). História do cinema mundial. Campinas, São Paulo: Papirus, 2006. p.17-50.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco COSTA, Selda Vale da; LOBO, Narciso Julio Freire. Cinema no Amazonas. Estud. av., São Paulo, v.19, n.53, abr. 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142005000100018&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 27 set. 2012. DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução de Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004. 323 p. MARTINS, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. Lisboa Portugal: Dinalivro, 2005. 333 p. MATTELART, A.; NEVEU, É. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. 215 p. PENAFRIA, Manuela. Análise de Filmes- conceitos e metodologia(s). VI Congresso SOPCOM, Abril de 2009. Disponível em: Acesso em: 01 out. 2014. CHACON, Sonja. Jornal de Roraima. . Acesso em: 03 out. 2014. Dívida Sangrenta. Direção de Alex Pizano, produção de Jean Carlos Farias. Boa Vista, 2007. Filme (30 min), sonoro, colorido. Remanescente das Sombras. Direção de Alex Pizano, produção Farley dos Santos. Boa Vista, 2009. Filme (120 min), sonoro, colorido. O Estranho. Direção de Alex Pizano, produção de Daniele Melo, Dominich Cardone, Natascya Melo, Demetrio Nascimento, Lucas Veloso, Farley dos Santos e Orib Ziedson. Boa Vista, 2011. Filme (10 min), sonoro, colorido. O Último Lamento. Direção de Alex Pizano, produção de Cláudio Chaves Lavôr (Biosphere Records). Boa Vista, 2012. Filme (08 min), sonoro, colorido.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco EUTANÁSIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL RORAIMENSE: O HOSPITAL NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, BOA VISTA/RR Claudia Helena Campos Nascimento (Universidade Federal de Roraima, RR) Alyene A.da S.Camapum Guedes (Secr. Municipal de Saúde de Roraima, RR) Temática: Patrimônio Cultural. Modalidade: Pesquisa Científica. 1 INTRODUÇÃO A história da saúde pública no atual estado de Roraima, extremo norte do Brasil, ainda não foi contada, o que podemos atribuir à sua história recente. Contudo, mesmo recente, alguns de seus bens já estão sofrendo danos irreversíveis para sua compreensão e documentação. Um desses edifícios é o antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima, que ficava localizado na confluência da rua Inácio Magalhães com a avenida bento Brasil, no Setor Especial Histórico, na Zona Central de Boa Vista, capital de Roraima. O presente artigo pretende desenvolver o histórico do referido imóvel, a partir do trabalho acadêmico (CAMAPUM; SPIES e DURÃES, 2014) desenvolvido em disciplina do curso de Arquitetura e Urbanismo, que propunha a reabilitação do citado edifício, e registrar questões sobre o seu declínio que levaram a que, em janeiro de 2015, fosse sumariamente demolido. Cabe destacar o inquestionável valor histórico que o edifício do Hospital Nossa Senhora do Carmo possuía, visto ter sido o primeiro serviço de saúde pública do estado de Roraima e, especialmente, na cidade de Boa Vista2.

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Outra instalação criada na mesma década é um sanatório para tuberculosos, na Fazenda São Marcos que, contudo tinha a função principal atender aos casos de tuberculose que atingiam as comunidades indígenas, (REPETTO, 2007)

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Histórico Desde os primórdios de ocupação dessa região pela coroa portuguesa, a partir da construção do Forte São Joaquim no século XVIII, os serviços públicos foram centralizados em estruturas que tinham como princípio a defesa do território do que se chamou Guiana Brasileira. A ocupação, primeiramente militar, passa a ter, como objetivo estratégico de inserção de população civil, a introdução das primeiras cabeças de gado na região em 1787 pelo, então governador, Manoel Lobo D’Almada. Contudo, apenas no século XIX consolida-se a ocupação civil no que pode ser hoje chamada de capital do estado, cidade de Boa Vista, a partir da fazenda de gado extensivo do capitão Inácio Lopes de Magalhães, e das demais fazendas que surgiram em torno da bacia hidrográfica do rio Branco. Em 1924, Hamilton Rice (1875-1956) apresenta em seus registros de viagem um pequeno núcleo urbano composto por três ruas paralelas ao rio Branco e três perpendiculares (Figura 1). O escritor Evelyn Waugh. (1903-1966) destaca como relevância arquitetônica os bens pertencentes à Igreja Católica, especialmente a Matriz na pequena Vila de Boa Vista e a Prelazia, em 1932.

Figura 1: Vista aérea de Boa Vista, 1924 Autor Hamilton Rice Jr.

Incipiente ainda em 1909, Boa Vista recebe os monges beneditinos que se propõem a desenvolver a cidade a partir da presença da Igreja. A atual Prelazia é importante na história da saúde local, visto que fora construído para o atendimento

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco médico, contudo o prédio, espaçoso e belo, nunca teve esse uso, sendo sede do prelado, recepção e moradia de religiosos, desde 1929. O argumento para o não uso hospitalar para o edifício da Prelazia era que o mesmo era demasiadamente grande para esse uso e, portanto não ser possível adquirir a mobília necessária. Contudo esses mesmos religiosos, ainda na década de 1920, se propõem à construção de uma pequena casa que serviria como centro de atendimento médico (Figura 2), ao lado da escola (Anuário do Rio Branco, in BARRANZUELA, 2015, p. 25), também administrada por estes. De pequena edificação, vai passando por remodelações, aumentada e convenientemente instalada, até que se torna por longos anos, o único hospital em toda Roraima, sendo dirigido pelas monjas da Ordem de São Bento oriundas da congregação de Tutzing, Alemanha, até 1948.

Figura 2: Hospital Nossa Senhora de Fátima, c.1925 Autor Desconhecido

É nesta época que o Território Federal do Rio Branco é desmembrado do Estado do Amazonas, mais precisamente em 1943, passando a possuir certa autonomia e estrutura administrativa. Em 1948 a Santa Sé confiou a cura pastoral da Prelazia de Roraima ao Instituto Missões Consolata, de Turim, Itália. Dom José Nepote Fus, conhecido como responsável pela construção do Hospital Nossa Senhora de Fátima, entre 1952-1965, promove a ampliação e modernização do centro médico, fazendo frente às crescentes necessidades de atendimento médico da população. O edifício adquire sua forma definitiva entre os anos de 1955 e 1960, com centro cirúrgico, enfermaria das mulheres e muitos apartamentos para doentes. Em 1953, foi inaugurada a Divisão Assistencial

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco da Maternidade e Infância – DAMI 3 e em 1954, o Hospital Nossa de Fátima é reformado e ampliado, passando a disponibilizar um centro cirúrgico, pediatria, isolamento, farmácia e novas enfermarias. (FREITAS, 2000) A antiga construção de barro foi incorporada a novas construções e reformada com material de alvenaria, até assumir sua configuração definitiva (Figura 3). A partir de 1960 procurou-se conservar e modernizar o prédio, introduzindo a enfermaria dos homens e a melhoria dos equipamentos. O hospital entra em crise financeira; Dom Aldo Mongiano (Bispo Emérito, entre 1968 e 1975) busca ajuda financeira das instâncias públicas, sem grande sucesso, garantindo apenas a sobrevivência do hospital.

Figura 3: Hospital Nossa Senhora de Fátima, meados do século XX. Fonte: Diocese de Roraima

Esse momento de crise do Hospital Nossa Senhora de Fátima coincide com a construção do primeiro hospital público, o Hospital Coronel Mota, além de uma política de saúde descentralizada de Boa Vista, com a implantação de uma rede de

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A DAMI funcionava onde hoje se encontra a Secretaria Estadual de Planejamento-SEPLAN, à rua Coronel Pinto, 241, Centro de Boa Vista.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco postos de saúde, tanto de iniciativa municipal (6) quanto da gestão do Território (2 hospitais, pronto-socorro, maternidade e 6 postos de saúde), além de outras estruturas municipais O único atendimento hospitalar pricado é o da Prelazia de Roraima, entidade religiosa de fins filantrópicos, subordinada ao bispado, além de médicos e laboratórios particulares (...) O Hospital Nossa Senhora de Fátima, da Prelazia de Roraima situado na área central da capital, conta com 8 pavilhões, 74 leitos para clínica médica, cirúrgica e pediátrica. Possui ainda três consultórios, sala de cirurgia, sala de parto e aparelho de raios X e um único laboratório de anatomia patológica do território. A sua área de atendimento é restrita, limitando-se à capital, mas, eventualmente, atende às localidades de Taiano e Saurumú (Atlas de Roraima/ Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Rio de Janeiro. IBGE, 1981)

Desta forma, o antigo hospital das irmãs, como é popularmente conhecido o Hospital Nossa Senhora de Fátima é fechado por falta de aporte financeiro, somado aos interesses da Diocese em utilizar o edifício para cursos, retiros e treinamentos, e assim a edificação passa por longos anos de abandono. Em 1985 são encerradas atividades no imóvel, poucos anos antes do Território de Roraima ser elevado à categoria de Estado, em 1988. Nem o seu passado histórico e contribuições para a memória e para a sociedade boavistense foram suficientes para evitar seu descaso. Reconhecido por seu valor patrimonial para a cidade, a edificação foi demolida em janeiro de 2015.

2.2 Contexto legal incidente sobre o bem arquitetônico O Hospital Nossa Senhora de Fátima possuia proteção por tombamento estadual pela Constituição Estadual de Roraima (RORAIMA, 1991, Artigo 159, Inciso XVI) e estava inserido no Setor Especial Histórico, de acordo com a Lei de Uso do Solo do Município de Boa Vista (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA, 2006) e, adicionalmente, inserida na área de entorno de diversos bens imóveis tombados, tanto pelo Município quanto pelo Estado, aos quais podemos destacar a Igreja Matriz e o

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Colégio São José – próprios da Diocese – e o Grupo Escolar Euclides da Cunha, sobre os quais há a dupla4 afetação de tombamento. Consta5 que há tombamento municipal. Contudo, nenhum desses instrumentos foi capaz de garantir a sua manutenção e permanência. Foi necessária a criação de um outro instrumento que avalizasse o destombamento como justificativa para sua sumária demolição, através do Decreto 006/E, de 19 de janeiro de 2015 (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA, 2015); a demolição ocorreu no dia 16 de fevereiro, isto é, na segunda-feira de Carnaval.

Figura 4: Hospital Nossa Senhora de Fátima, antes e depois da demolição, 2015. Fonte: Folha de Boa Vista

A Lei de Uso do Solo de Boa Vista (PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA, 2006) aponta para parâmetros e condições de uso possíveis para o referido imóvel. Por encontra-se no Setor Especial Histórico, os parâmetros são um pouco mais restritivos que das demais Setores da Zona Comercial, contudo admitem até usos de méio impacto, o que corresponde, por exemplo: para uso comercial varejista shopping center; serviços como locação de veículos (com garagem) ou oficina

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Isto é, pelo Município de Boa Vista e pelo Governo do Estado de Roraima.

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O Decreto nº 006/E, de 19 de janeiro de 2015 cita o tombamento do Hospital Nossa Senhora de Nazaré através do Decreto nº. 2.614/1993. Embora não tenha sido possível localizar a legislação municipal, temos em FETEC (2014) a indicação da legislação consultada para elaboração dessa listagem de bens tombados pelo Município de Boa Vista: Lei nº 229/1990; Lei nº 230/1990; Lei nº 231/1990; Lei nº 232/1990; Decreto nº 2.558/1993; Decreto nº 2.614/1993 (grifo nossa); Lei nº 940/2007. Contudo este imóvel não se insere na listagem.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco mecânica; para uso industrial de fabricação de produtos alimentícios (conservas, sucos, massas, molhos, temperos, laticínios, entre outros); uso agrícola (aquicultura, criação de ovinos, entre outros). O serviço de estacionamento, conforme levantado como hipótese a priori, nesse terreno poderia atender confortavelmente a uma demanda de mais de 150 (cento e cinquenta) automóveis. Contudo, como é previsto no mesmo instrumento jurídico, “para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento, [o estacionamento e vários outros usos possíveis para este lote] sujeitam-se ao EIV [Estudo de Impacto de Vizinhança]” (IDEM, Artigo 36). O Laudo Técnico de Inspeção Predial6 aponta equívocos quanto ao sistema estrutural, visto o imóvel ser quase em sua totalidade em sistema de alvenaria autoportante de tijolos cerâmicos, além do fato de terem sido identificadas nas alvenarias apenas fissuras higroscópicas e trincas, que não são patologias estruturais identificáveis sem o uso de recursos de ensaios, como a instalação de testemunhos, ou o uso de instrumentos, como o fissurômetro.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim como a eutanásia, a preservação do patrimônio cultural possui diferenciações de acordo com cada sociedade. No Brasil, como em outros países, sua prática não é aceita, contudo serve, no momento, como metáfora para a questão proposta. A eutanásia ativa é planejada passo a passo em conjunto para chegar ao seu intento, enquanto que a eutanásia passiva cria condições que levam naturalmente ao fim proposto. Desta forma, ao Hospital Nossa Senhora de Fátima, como marco que foi na saúde pública do Estado de Roraima, não foi concedido o direito de uma ortonásia ou mesmo sua cura: com o progressivo destelhamento do imóvel, buscouse comprometer sua saúde, numa eutanásia passiva; com o trator, num feriado prolongado e sem dar direito a quem o defendesse, foram ativos no fim do imóvel.

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Correspondente à vistoria realizada nos dias 17 e 19 de maio de 2014 pelo Eng. Civil Paulo Henrique Brasil Hass Gonçalves e que consta do Processo nº 149/14-FETEC, folhas 12 a 20, seguido de Relatório Fotográfico.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Poderíamos acrescentar os equívocos de diagnose ou mesmo a indicação paliativa equivocada, crendo que a edificação já estava condenada ao seu fim. Há pouco o que dizer sobre o que restou, que possa realmente ser edificante. Porém é imperativo que atentemos para a função social da cidade, de forma ampla, não somente para exigirmos suas benesses, mas para fazer valer o que nos é dever. A Constituição Federal dia que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro” (BRASIL, 1988, Art, 216, §1º.), portanto, quando a ferida na cidade é aberta, também cabe aos cidadãos e sociedade civil organizada, dentro de suas possibilidades, se posicionar criticamente em relação ao que está ocorrendo, preferencialmente de forma protetiva e participativa. Conservar prédios históricos não é apenas uma questão cultural, mas é dar uma nova utilidade para esses locais que estavam abandonados. É também uma exemplificação da importância de cada atividade em seu devido tempo, sendo que todas são fundamentais para a manutenção da identidade, história e recordação da construção de um povo. O Hospital Nossa Senhora de Fátima representa um resgate da importância dessa edificação para a sociedade roraimense que tanto precisou desse lugar e que poderia ser reutilizado de tantas formas mais adequadas para um terreno situado no Setor Especial Histórico.

REFERÊNCIAS BARRANZUELA, Noelia Ceferina Gomez. O Atendimento em Psiquiatria na Cidade de Boa Vista: Retrospectiva Histórica 1960-1980. Boa Vista: Universidade Federal de Roraima/Departamento de História, 2015 (monografia) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988 .... BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constrtituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências [Estatuto das Cidades]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em out. 2015. CAMAPUM, Alyene; SPIES, Bethânia; DURÃES, Catarina. Projeto de revitalização do Hospital Nossa Senhora do Carmo. Boa Vista/RR: Curso de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Federal de Roraima, 2014. (trabalho acadêmico para a disciplina Projeto Arquitetônico V)

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco FETEC. Listagem dos bens tombados pela Prefeitura Municipal de Boa Vista. Boa Vista: FETEC, 2014. (fotocópia) FOLHA WEB. Primeiro Hospital: Diocese manda demolir prédio de 1924. Boa Vista, 19 de fevereiro de 2015. Disponível em http://folhabv.com.br/noticia/Diocesemanda-demolir-predio-de-1924/4709 Acessívem em out. 2015. FREITAS, Luiz Aimberê de. Geografia e História de Roraima. Boa Vista: DLM, 2000. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas de Roraima. Rio de Janeiro: IBGE, 1981. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Decreto nº. 006/E, de 19 de janeiro de 2015, que regulamenta a realização de destombamento nomunicípio de Boa Vista/RR e detomba o antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima. Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=NjM0. Acesso em out. 2015. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Lei nº. 926, de 29 de novembro de 2006, que dispõe sobre uso e ocupação do solo urbano do município de Boa Vista e dá outras providências (Lei de Uso do Solo). Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/site/arq/boavista_legislacao_06022014124541.pdf. Acesso em out. 2015. RABELLO, Sônia. O Estado na preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. REPETTO, Maxim (coord.) Programa de Preservação e Valorização do Patrimônio Historico e Cultural dos Povos Indígenas na Terra Indígena São Marcos – Roraima. Boa Vista: UFRR, APIRR, 2007. RORAIMA. Constituição do Estado de Roraima, de 31 de dezembro de 1991. Disponível em http://www.tjrr.jus.br/legislacao/phocadownload/Leis_em_PDF/const.estadual.pdf. Acesso em out 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco AS FUNCIONALIDADES DAS FESTAS ENQUANTO CULTURA POPULAR Glauciene Dutra Silva (Universidade Federal de Roraima) Temática: Patrimônio Cultural. Modalidade: Pesquisa Científica. Introdução O presente artigo propõe-se a analisar como os grupos culturais, no caso as festas populares como sujeitos que dinamizam os espaços urbanos e suas funcionalidades diante do contexto social, ganhando relevância por apresentar um valor simbólico, assim auferindo novas características de acordo com as transformações sociais, e as inovações dessas destas. A partir das referências bibliográficas referente à temática, cultura, patrimônio imaterial cultural e cultura popular, foi possível analisar as formas como estas se manifestam. Os resultados apontam que essas culturas vão além de uma cultura racional, por se tratar de movimentos culturais que se reconstroem sem perder a tradição de representar uma determinada cultura. Uma festa típica dessa modificação de acordo com as mudanças sociais são as festas juninas, pelo qual de modelam de acordo com a dinâmica social, política e econômica.

Cultura popular: festejos juninos A cultura popular de acordo com seu contexto histórico-geográfico ganhou uma nova fisionomia de acordo com evolução da sociedade moderna. Os festejos juninos para algumas regiões brasileira são movimentos populares que simbolizam um marco cultural, um momento onde os desejos, as paixões por essa festa torna-se uma única identidade, quando se trata de quadrilhas juninas, o que então seria uma identidade individual se torna uma identidade coletiva, cultura compartilhada através desses festejos. Estas festas influenciam diretamente os sujeitos dentro de uma sociedade, quando proporciona lazer, um momento de pluralidades de sentimentos que dinamizam essas festas. E para os “quadrilheiros” são momento de fé, recreação,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco tradição, sentimentos que fazem deles uma identidade distinta pela efervescência que esta festa os oferece. Os festejos juninos de acordo com o contexto histórico estes passam por uma reconstrução de significados simbolizando diferentes interesses de acordo com as épocas. As festas do período colonial no Brasil enfatizaram o caráter funcional da festa e a oposição entre o “calendário da rotina e do trabalho dos homens” bem como o “tempo fáustico” contido na festa (DEL PRIORE, 2000, p. 10). O que se busca compreender é que em todo o tempo as festas ganham novas características, as festas juninas é um exemplo dessa diferentes representações simbólicas, que cabe aos espaços sociais e culturais darem diferentes valores e diferentes significados a esse festejo. Nesse sentindo o lugar festivo enquanto valor simbólico torna se significante dentro de um espaço social.

As festas e suas múltiplas funções Em uma visão geral, uma manifestação realizada por um determinado grupo, com intuito de homenagear algo/alguém ou apenas vivenciar momentos de diversão e lazer, este um conceito singular para denominar as festas. Sendo esta uma das manifestações mais antigas da humanidade, na qual os costumes dos povos, manifestação cultural, vêm sendo transmitida por gerações. Ao ser analisada essas manifestações é perceptível ás múltiplas questões envolvidas, muito além de momentos de lazer. Neste sentido Del Priore (2000, p. 12) diz:

O momento festivo tem sido celebrado ao longo da história dos homens como um tempo de utopias, ou seja, tempo de fantasias e liberdades, de ações vivazes, mas também de frustações, revanches e reinvindicações de vários grupos. Está presente em toda a história da humanidade, pela amplitude que o termo atinge e diversidade de tipos de manifestações festivas.

As manifestações ganham novas proporções, e na modernidade estes tipos de celebrações em alguns casos se torna um momento de comemoração, conquista por algo, ou até mesmo por motivos negativos de revolta. Resultando em distintas formas de expressar diante da sociedade. “As festas podem ser estudadas pela geografia buscando revelar as diferentes escalas espaciais com quais se relacionam os eventos festivos, geralmente compreendidos a partir de sua territorialização”

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco (FERREIRA, 2003, p. 15). As festas em um contexto abrangente estão relacionadas ás múltiplas funções como: lazer, manifestações cultural, economia, e o atrativo turístico. O lazer é um momento de repulsa das tensões decorrentes do cotidiano, no qual busca a interatividade positiva com atividades lúdicas. Ou seja, os festejos sempre estão relacionados ao lazer, mesmo que esteja relacionado com uma temática específica, o lazer é uma funcionalidade dessa manifestação. A manifestação cultural é muitas vezes o determinante de como ocorre à realização do festejo, podendo ser característico da cultura local. Castro (2009, p. 187) argumenta que as festas populares representam uma manifestação cultural que pode ter sua origem determinada por fatores distintos e que sempre se recriam e atualizam. No ponto de vista econômico, este é uma das metas mais almejadas pelos os organizadores das múltiplas festas, não apenas populares. Sua ligação é muito clara nesse campo, podendo ser um dos principais objetivos da realização do mesmo. Esse retorno econômico contribui diretamente para as festa se manterem, tornando então uma tradição local, que posteriormente favorecendo outros campos como o turismo, no momento que se torna uma festa popular e com inúmeras atrações, contribuindo para divulgação da região. Atrativos turísticos atualmente também são representados pelos festejos, as festas estão embrenhadas de questões culturais que dita à dinâmica local, dessa forma torna-se um atrativo turístico. Ex: o Carnaval realizado na cidade do Rio de Janeiro apresenta de forma explicita a cultura brasileira composta por questões ligadas ao local, despertando um interesse enorme por parte dos estrangeiros. E notável como os festejos são dinâmicos ocorrendo de acordo com a dinâmica local e suas funcionalidades. “A festa, no sentido mais puro o termo, representa algo da vida humana em que o trabalho, o lazer, o lúdico, o riso, o sagrado, o doméstico, constituíam um todo” (MAIA, 2004, p. 162). O festejo é um momento de descontração e de afastamento das implicações negativas resultantes das relações sociais. Um dos significados da festa está no seu poder de mobilizar as identidades, já que seu significado, suas manifestações, seu desenvolvimento, os discursos e os mitos mantêm relacionando de perto ou de longe a unidade e a identidade (BEZERRA, 2008. p. 9).

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco As festas populares podem ser analisadas a partir de diferentes tipologias na qual as características desses festejos são determinadas pela cultura. Sendo que “as festas podem ser manifestações da cultura de um determinado povo, fazendo parte de seu patrimônio cultural” (OLIVEIRA; CALVENTE, 2011. p. 82). O termo cultura é entendido e explicado de maneira divergente por diferentes ciências. Kuper (2002, p. 295), diz que a cultura “não é uma questão de raça, ela aprendida e não transmitida por genes”. Ou seja, sendo algo que ao ser vivenciado torna-se parte do ser humano. O mesmo autor afirma, que uma questão de ideias e valores, uma atitude mental coletiva. O exemplo de uma manifestação cultural no Brasil é os festejos juninos de grande expressão na sociedade. De acordo com Corrêa (1999, p. 52) a cultura é: Um conjunto de técnicas, saberes, atitudes, ideias e valores, apresentando componentes materiais, sociais, intelectuais e simbólicos, que são transmitidos ou inventados, formando sistemas de relações entre os indivíduos, mas expressos diferentemente por cada um.

A cultura é apresentada a partir do determinando comportamento de um grupo social, caracterizado em algo adquirido e compartilhado na sociedade. Para Ribeiro Jr (1982, p.75), compreende-se então a cultura enquanto produto simbólico e enquanto processo social. Sendo este processo social, faz-se necessário analisar o dinamismo, sendo de acordo com as relações estabelecidas e o tempo, a partir do cotidiano dinâmico da realidade. Sendo a cultura uma determinante para os tipos de festejos a questão religiosidade é uma temática constante. As festas religiosas populares são ocasião para o pagamento de promessas e momentos de lazer em que se desenvolvem laços de solidariedade nos meios populares. A religião é um dos elementos básicos, constitutivos da cultura de toda sociedade, sendo base fundamental da estrutura social.

A sociedade moderna

constitui-se em uma dinâmica entre o sagrado e o profano, caracterizando como festas populares apesar da distancia de valores, porém ambas em certas ocasiões se encontram em só ritmo. Exemplo às festas juninas realizadas pelas igrejas com intuito de arrecadação de fundos para a mesma. Mas seriam realmente sagrado e profano?

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Dependendo de como esta estiver estruturada, poder se apresentar apenas como uma festa simbólica e religiosa. É possível constatar a realização dessas manifestações sagrada que estão sempre ligadas ao profano, desde o início da introdução catolicismo no Brasil. A tradição de realizar festejos em homenagem aos “santos” é algo comum e antigo. Nestes festejos evidenciar a vinculação do “sagrado e profano”, pois ao mesmo tempo, que a homenagem sagrada a um determinado “santo”, como exemplo, São João, São Pedro, Santo Antônio entre outros, envolvem questões financeiras e ditas “mundanas”, termo utilizado para dizer que nestes locais ocorre o uso de bebidas alcoólicas, danças e uso de dinheiro em bingos, rifas e leilões. De acordo com Maia (2004, p. 92), com o passar do tempo muitas “superstições, abusos e exterioridades” existentes nas festas de santos foram extintos, mas também não se pode negar que os espaços sagrados passaram a ser mais respeitados e melhor apropriados durante os festejos. Apesar das mudanças que ocorreram no sentido de desvinculação do sagrado e profano que vem ocorrendo durante um longo período, é possível observar a prática dos festejos religiosos ligados a ações “mundanas”. Nesse sentido Maia (2004, p. 98), afirma que [...] observa-se que a dinâmica sacroprofana da festa e determinados modos de louvamento (realização de cavalhadas, congos, folias, etc.) persistem até hoje. No Brasil encontram-se as festas ligadas a produtos agrícolas, com descendência europeia, esses festejos estão diretamente ligados ao plantio e a colheita. Com o passar do tempo esses festejos diretamente ligados a produtos agrícolas foram ganhando uma nova imagem, deixando esse lado tradicional e apresentando produtos industrializados. Dentre as tipologias de festejos que envolvem um determinado objeto como pontos principais têm os festejos tradicionais. Ou seja, aquele festejo que reproduz algo do cotidiano local. Os festejos Juninos por sua vez, se apresentam por meio de suas imagens, símbolos e narrativas, opera como mediação simbólica entre concepções, e nesse processo, une, interliga os laços e integra percepções baseadas nos discursos da tradição cultural e na identidade local e regional (MORIGI, 2001). As festas populares comemoradas no mês de Junho, referentes a Santo Antônio, São João e São Pedro sofreram transformações e ganharam novos aspectos

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco na atualidade. Cada vez mais ocupam novos cenários e diferentes apresentação e de reinvenção no atual contexto da sociedade. Isto e resultado de estratégias inovadoras que estão sendo implementadas para que essas manifestações possam se destacar e principalmente possam cumprir múltiplas funções na sociedade contemporânea. Os festejos juninos cotizam com o processo de desenvolvimento da cidade de Boa Vista de múltiplas formas, o qual passou a ser conhecido como maior festejo folclórico da região.

Considerações finais As festas são produções culturais e também expressam uma identidade local. Esta identidade só se torna significante na totalidade dentro do contexto das festas e com o social. No caso das festas juninas, este é o momento que a sociedade passar a interpretar esse grupo como o ‘diferente’, que floresce todos os anos dentro dos movimentos culturais que são os arraiais. Assim, assumir uma identidade só terá sentindo se estiver relacionado a algum grupo étnico ou cultural, que confronte uma diferença do outro. Então cabe considerar que as festas é uma forma de representar diferentes territorializações. Assim, também são responsáveis pela produção e reprodução do espaço, no qual dão sentindo a cultura social de um determinado local.

Referências Bibliográficas BEZERRA, A.C.A. Festa e cidade: entrelaçamentos e proximidades. Espaço e Cultura, UERJ, RJ, n. 23, p. 7 – 18, jan./jun.2008.

CASTRO, J. R. B. de. Dinâmica territorial das festas juninas na área urbana de Amargosa, Cachoeira e Cruz das Almas - BA: espetacularização, especificidades e reinvenções. 2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da Bahia – UFBA. CORRÊA, R. L. Geografia Cultural: passado e futuro - uma introdução. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Manifestações da cultura do espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. p. 49 – 58. DEL PRIORE, M. Festas e Utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000. FERREIRA, L. F. O lugar festivo – a festa como essência espaço-temporal do lugar. Espaço e cultura , UERJ, RJ, n. 15, p. 7-21, jan./jun. 2003.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco HAESBAERT, R. Territórios alternativos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. KUPER, Adam. Cultura, diferença, identidade. In cultura: A visão dos antropólogos. Bauru: Editora Edusc. 2002. P. 285-310. LEITE, F.T. Métodos e técnicas de pesquisa: Monografias, Dissertações, Teses e Livros. Ideias e Letras, 2008. MAIA, C. E. S. Vox populivox dei: a romanização e as reformas das “festas de santo” (implicações nas práticas espaciais das festas do Divino Pai Eterno de Goiás). Espaço e cultura, UERJ, RJ, n.17 -18 p.89-106, jan./dez.2004. MALANSKI, L. M. Geografia Humanista: percepção e representação espacial. Revista Geográfica de América Central. Nº 52. ISSN 1011-48X, enero-junio 2014. pp. 29-50. MIRANDA, E. O. SILVA, S. M. H. Des-territorialização e Festa: A mercantilização do espaço público na Micareta de Feira de Santana. III Encontro Baiano de Estados em cultura.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco A CIDADE COMO DOCUMENTO: REFLEXÕES SOBRE A PRAÇA CAPITÃO CLÓVIS EM BOA VISTA-RR Paulina Onofre Ramalho (Universidade Federal de Roraima) Andréia Mariano de Aguiar (Universidade Federal de Roraima) Ronádia Guilherme Alencar (Universidade Federal de Roraima) Temática: Patrimônio Cultural Modalidade: Pesquisa científica 1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve início a partir de um trabalho desenvolvido durante o segundo semestre do ano de 2014 para a disciplina Estudos Sociais e Econômicos, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima. O referido trabalho teve como objeto de estudo a Praça Capitão Clóvis, em Boa Vista – RR, e pautou-se por analisar a relação entre espaço público, memória e patrimônio cultural. Nesse sentido, foram realizadas entrevistas com antigos moradores da cidade, os quais usufruíram daquele espaço, e pesquisas em acervos documentais. Como produto material da pesquisa, produzimos um documentário, com duração de 5min, com relatos e fotos acerca das práticas de sociabilidade desenvolvidas na praça, o que demonstrou a sua importância durante o surgimento e o desenvolvimento da capital do estado de Roraima e seu papel como patrimônio cultural e histórico. No entanto, devido ao formato do documentário diversas questões não foram aprofundadas, as quais desenvolveremos nesses artigo, como o entendimento da cidade como um documento, fato igualmente verdadeiro para a Praça Capitão Clovis. Sendo assim, neste trabalho serão expostas reflexões acerca do valor das praças para a história de uma cidade, no caso Boa Vista, e indicaremos alguns elementos que podem auxiliar na compreensão dos mecanismos que promovem o seu processo de abandono. Para tanto, nos alicerçaremos em pressupostos teóricos e técnicos da área de História e de Arquitetura e Urbanismo.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2. A CIDADE COMO REGISTRO HISTÓRICO: A PRAÇA Parte do cenário urbano, a praça “pode ser definida, de maneira ampla, como qualquer espaço público urbano, livre de edificações, que propicie convivência e/ou recreação para os seus usuários” (VIEIRO, BARBOSA FILHO, 2009). Do ponto de vista histórico, o espaço urbano que se articula ao desenvolvimento das praças foi a ágora grega. A ágora grega era um importante elemento urbano, cujas funções atrelavam-se a vivência da vida pública. Nesse sentido, embora fosse delimitado por um mercado, suas atividades incluíam diferentes aspectos da visa social, notadamente a política (DIOGO, 2013). Durante a Idade Média a praça configurava-se, além de marco inicial da cidade, no centro de sua vida urbana, representativa, em menor escala, das estruturas e das relações sociais como um todo (FERRARA, 1993). Embora não possamos traçar, dada a natureza deste trabalho, todo o desenvolvimento histórico das praças, cumpre-nos destacar que sua existência data de milênios e foi utilizada por diferentes civilizações, mas sempre mantendo seu caráter de espaço de integração e sociabilidade (VIEIRO; BARBOSA FILHO, 2009). Percebe-se, assim, o caráter social da praça, entendida como “lugar intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de manifestações da vida urbana e comunitária e, consequentemente, de funções estruturantes e arquiteturas significativas” (DE ANGELIS, 2005, p.2). Reunir e aproximar as pessoas, propiciando a interação com o outro, portanto, marca e distingue a praça, transformando-a em um espaço material e, ao mesmo tempo, simbólico, um campo de forças no qual diferentes projetos de ação se encontram. A partir do exposto, percebemos a importância de um estudo que se proponha a analisar essas unidades urbanísticas e como se apresentam na atualidade. Pois, “praças, ruas, jardins e parques constituem o cerne do sistema de espaços abertos na cidade. Nem sempre verdes, os espaços livres são o reflexo de um ideal da vida urbana em determinado momento histórico” (ALEX, 2008, p.61). Espacialmente, a praça é definida pela vegetação e outros elementos construídos. Nesse sentido a Praça Capitão Clovis é classificada como Praça Seca, pois ela é constituída de um largo histórico, com quadra de esporte e espaços que suportam intensa circulação de pedestres.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco A praça, entretanto, não pode ser entendida de forma isolada, pois ela ganha sentido em sua articulação com o entorno e com o tecido urbano, de modo a integrarse à rua, à arquitetura e aos elementos paisagísticos, procurando-se preservar o caráter público desses espaços (ALEX, 2008). No que se refere particularmente a Praça Capitão Clóvis, seu projeto e construção remontam à década de 1940, período no qual diversas obras foram realizadas como parte do processo de implementação do Plano Urbanístico de Boa Vista e realizadas pela empresa do engenheiro Darcy Aleixo Derenusson, denominada Riobras (REVISTA SELVA, 1950). Segundo relatório do Capitão Clovis Nova da Costa7, a praça teve suas obras iniciadas em 1947 e concluídas em 1948, cujos serviços foram realizados por empresa particular, sob a orientação técnica da Divisão de Obras do Território. Ainda segundo o mesmo relatório, a praça visava ao desenvolvimento do esporte, especialmente entre os discentes do período (COSTA, 1949). Sobre os custos para a construção da praça, ou seja, do parque infantil e campo de esporte, cuja área perfazia 3.132m², somos informados que o custo total resultou no valor de Cr$ 316.270 (COSTA, 1949). Para termos uma ideia das características iniciais da então “Praça de Esportes Capitão Clovis”, citaremos sua descrição presente no já mencionado relatório. Para a praça de esporte temos: [...]constituído de um campo de basquetebol e um de tênis, com piso de cimento. Arquibancada em cimento armado, com três degraus de cada lado, separando aqueles campos, tendo, na parte interna, banheiro, w.c. e vestiários, bem como, instalação elétrica, lavatórios e esgoto. Circundando a praça a parque foi construído passeio cimentado, com sargetas (...) e muro de contorno. A quadra de tênis é cercada com telas de arame e a de basquetebol (sic) com três fios de arame liso, galvanizado, presos em postes de madeira pintada (...) Possuem instalação elétrica para jogos noturnos, além da iluminação comum, na parte do parque, distribuída pelos postes de concreto, suportando globos de vidro branco. (COSTA, 1949, p. 97).

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Governou o então Território Federal do Rio Branco, criado em 1943, em dois períodos nos anos de 1947 e 1948. Portanto, o nome da praça o homenageia.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Se observarmos sua conformação atual, veremos que alguns elementos citados ainda podem ser lidos na atualidade, o que não implica afirmar que houve uma política de proteção e valorização desse bem, como discutiremos mais adiante. Figura 01 – Praça Capitão Clóvis em 1947.

Fonte: Acervo de Darcy Romero Derenusson.

Para a área do parque infantil, “foram montados balanços, escorregadores, gangorras, traves paralelas e cadeirinhas com balanço” (COSTA, 1949, p. 97). Nesse espaço torna-se mais evidente o processo de descaracterização e mutilação empreendido na praça e, principalmente, o efeito negativo em sua forma de apropriação pela população, visto que estes equipamentos não se encontram mais presentes ou estão em péssimo estado. Figura 02 – Praça Capitão Clovis

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Fonte: Rojailson Cruz, 2014.

Como dito anteriormente, a pesquisa para a realização do documentário, a partir dos depoimentos obtidos e das opções teóricas, demonstrou que a praça pode ser entendida como um documento histórico da implementação do plano urbanístico de Boa Vista e, em uma escala maior, das políticas governamentais para o Território Federal do Rio Branco. Além disso, é um registro do processo de desenvolvimento urbano da cidade e de seu crescimento, ao mesmo tempo em que referencia relações simbólicas, sociais e econômicas, vivenciadas nesse espaço. A percepção da praça como um documento nos leva a discutir esse conceito e suas implicações. Nas últimas décadas a História ampliou o conceito de documento de modo a incluir diferentes suportes e agentes socais em sua produção e utilização. Desse modo, pode constituir-se um documento um depoimento, uma obra de arte, uma canção, a memória e, no caso em análise, um sítio urbano. Esse entendimento é compartilhado por Lia Motta, para quem: [...]os sítios urbanos são, de forma especial, objetos culturais histórica e socialmente construídos. Acumulam vestígios e trazem as marcas do processo de sua construção, das transformações, adaptações, apropriações e reapropriações sofridas ao longo do tempo, expressando, com sua conformação, as representações que ali se sucederam (2000, p. 260).

Nesse sentido, o valor de um sítio urbano ultrapassa conceitos que, durante décadas, balizaram os processos de tombamento e preservação, como os de excepcionalidade, monumentalidade e os valores estéticos e de unidade estilística. Essa nova premissa, da cidade-documento, ganhou espaço nos órgãos de preservação, especialmente no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico NacionalIPHAN, a partir da década de 1980, o que também possibilitou a ampliação do próprio conceito de patrimônio cultural (MOTTA, 2000; FONSECA, 2005). A Praça Capitão Clovis, portanto, apresenta um valor documental como objeto socialmente construído e apropriado, sujeito a relações de poder, manifestadas em sua configuração espacial. Podemos considerá-la, ainda, como patrimônio histórico, embora não consagrado como tal pelo poder público. Pois, conforme Motta, “potencialmente, portanto, todos os produtos e espaços podem se tornar patrimônio: basta que sejam utilizados como fonte para novas produções” (2000, p. 59).

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Sendo um patrimônio histórico urbano, cabe-nos indagar sobre os processos que incidem sobre a praça atualmente, como o seu processo de precarização e crescente falta de uso.

2.1 PRAÇA CAPITÃO CLOVIS: UM NÃO-LUGAR?

Até o presente momento, comentamos sobre a importância da Praça Capitão Clovis como um dos “lugares socialmente produzidos, onde se acumulam vestígios culturais que documentam a trajetória das sociedades locais” (MOTTA, 2000, p. 268). Mas, ela também possibilita leituras em outros campos, como o ambiental. De um modo geral, podemos dizer que a Praça Capitão Clovis insere-se dentro dos contextos paisagísticos, contendo forma e dimensão que transmitem determinadas sensações aos usuários, por ser um espaço formado pela combinação de volumes vegetais. Essas combinações podem ser sentidas dentro desse espaço com o sombreamento da sua massa vegetal, da ventilação e iluminação naturais que amenizam o rigor térmico do clima da cidade que é equatorial - quente e úmido (MASCARÓ; MASCARÓ, 2005). Esse fato constituir-se um atrativo para alguns usuários que a frequentam na hora do almoço, mas não configura-se um mecanismo que, por si só, transforme a atual realidade da praça, isto é, o seu crescente não-uso. Nesse sentido, Vaz nos indica alguns elementos de análise que consideramos condizentes como a pesquisa em questão. Para Vaz (2009), as mudanças que incidiram sobre a realidade social, como as novas atividades urbanas, a intensificação das circulações e das telecomunicações, impactaram sobre os espaços voltados para as práticas de sociabilidade, reduzindo-as ou redirecionando-as a outros pontos da cidade. Assim, espaços antes marcados pela vivência coletiva, como as praças, sofrem um esvaziamento. Ainda segundo Vaz (2009), os fatores frequentemente apontados como os responsáveis pela não utilização desses espaços são a insegurança, a falta de equipamentos urbanos que se traduziriam em conforto e sua crescente insalubridade. Tais questões também são apontadas no caso da Praça Capitão Clovis, assim, como de outras praças da cidade. Entretanto, podemos elencar como ponto fundamental para a redução da sociabilidade nos espaços públicos “a crescente inadequação da paisagem urbana às práticas de sociabilidade, com a perda progressiva das condições

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco ambientais para permanência e convívio, de comunicação e contato face a face (VAZ, 2009, p. 8). No que se refere a apropriação e uso de um espaço, Stephen Carr considera essencial a existência de três tipos de acesso: físico, visual e simbólico ou social. O acesso físico pode ser entendido como “ausência de barreiras espaciais e arquitetônicas (construções, plantas, água, etc.) para entrar e sair de um lugar (ALEX, 2008, p. 25). No caso da Praça Capitão Clóvis, algumas dessas barreiras podem ser observadas, incluindo-se as condições de tráfego, visto que a mesma é quase uma ilha em meio ao trânsito. A acessibilidade visual refere-se a possibilidade do lugar ser apreendido, mesmo a certa distância, pelo usuário. E, o acesso simbólico ou social diz respeito a presença de sinais, materiais ou imateriais, que expressam a política de acesso ao espaço (CARR apud ALEX, 2008). Além dos apontamentos acima, devemos considerar como as praças se articulam ao tecido urbano e sua complexidade não pode ser isolada do seu entorno, da cidade em geral e da vida social como um todo (ALEX, 2008). Nota-se que as praças são verdadeiros elos entre os diversos espaços criados, de modo que as praças tinham como conotação a noção de “espaços” em que se vivenciava a infância, a adolescência. Como nos relata o autor De Angelis “qualquer um de nós tem, remotas que sejam, lembranças de uma praça onde, na infância, o balanço, a gangorra ou o escorregador faziam parte do universo da criança” (2000, p. 2). Infelizmente, constatamos que a praça é utilizada, majoritariamente, como um lugar de passagem e, embora algumas vezes percebida, não é apropriada 8. Isso nos remete ao fato de que, “à medida que são esvaziados das práticas de sociabilidade e entregues à circulação intensa, esses lugares passaram a ser percebidos como ‘terra de ninguém” (VAZ, 2009, p. 8).

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Atualmente seus principais usuários são clientes de um estabelecimento alimentício presente na praça e de um grupo de esportistas que a utilizam para a prática do basquete, em uma quadra já presente em sua construção.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Essa realidade demanda esforços conjuntos da sociedade e do poder público, pois esses espaços se articulam ao direito de todos e ao exercício da cidadania.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O espaço urbano é uma área geográfica que apresenta diversos usos de acordo com a necessidade, como áreas comerciais, de gestão ou de serviço. O conjunto dessas áreas forma a cidade a qual tem a sociedade (pessoas) como parte integrante e definidora, desta forma o espaço urbano, assim como as relações sociais, é dinâmico e articulado. Por tratar-se do reflexo da sociedade, o espaço passa por inúmeros processos de transformação devido à relação do indivíduo com o próprio espaço, com o tempo, e de acordo com as funções e necessidades da sociedade capitalista. Nesse contexto, as praças são espaços livres onde a população tece seus laços afetivos com a cidade e com os demais usuários destas áreas. Neste contexto, as praças podem transformar-se em registros importantes, fortalecendo valores, tradições e identidades. Estes locais contam a história de um povo e o suas relações, pois nas praças ocorrem importantes manifestações sociais, econômicas e culturais, sendo fundamental sua preservação. Preservar é justamente proporcionar condições para que tais simbologias, histórias e memórias permaneçam vivas. Dvorak (2008), em Catecismo da Preservação de Monumentos, alerta que mesmo com a crescente inovação, capitalização e industrialização, não se deve perder os valores espirituais ou a busca por alegrias, sentido e sentimentos que mantenham o homem acima da luta material. Segundo o autor, ainda hoje acredita-se que o desprezo pelos monumentos antigos pertence ao progresso. Mas, os bens tornam-se importantes e ganham o status de patrimônio quando leva-se em consideração a origem, o tempo, a história, as influências e as pessoas como ponto de partida e agentes transformadores. Por outro lado, precisamos recuperar a concepção da cidade e de seus elementos como documento, noção está enfraquecida nos últimos anos pela apropriação do patrimônio cultural como um bem de consumo, e entender espaços como a Praça Capitão Clovis como um patrimônio urbano, que referencia valores, normas, identidades, dentre outros.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco REFERÊNCIAS ALEX, Sun. Projeto da praça: convívio e exclusão no espaço público. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008. CORREA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. 3 ed. São Paulo: Ática, 1989 (Série Princípios, nº 174). COSTA, Clóvis Nova da. O Vale do Rio Branco: suas realidades e perspectivas. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Oficial, 1949. DE ANGELIS, Bruno Luiz Domingues et. al. Fundamentum 15 – Praças: história, usos e funções. Maringá: Editora da Universidade de Maringá, 2005. DVORAK, Max. Catecismo da Preservação de Monumentos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leituras sem palavras. São Paulo: Ática Editora, 1993. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-Iphan, 2005. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. MASCARÓ, Lucia; MASCARÓ, Juan. Vegetação Urbana. 2 ed. Porto Alegre: Mais Quatro, 2005. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. REVISTA SELVA. Um espelho da vida brasileira. Nº 13. Ano 1950. VAZ, Nelson Popini. A Praça Como Dispositivo de Interação Face a Face. Cadernos Proarq. Rio de Janeiro, n 13, 2009, p.8-13. VIEIRO, Verônica Crestani; BARBOSA FILHO, Luiz Carlos. Praças públicas: origem, conceitos e funções. Disponível em http://www.ceap.br/material. Acesso em 27 de setembro de 2015. YOKOO, Sandra Carbonera; CHIES, Cláudia. O Papel das Praças Públicas: Estudo de Caso Da Praça Raposo Tavares Na Cidade de Maringá. Disponível em http://www.fecilcam.br/nupem/anais_iv_epct/PDF/ciencias_exatas/12_YOKOO_CHIE S.pdf. Acesso em 05 outubro de 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco PATRIMÔNIO CULTURAL EM BOA VISTA-RR: SECRETARIA DE CULTURA DE RORAIMA-SECULT/RR Regina Almeida Correa (Universidade Federal do Amazonas, Manaus/AM) Temática: 1- Patrimônio Cultural; Modalidades: 2- Pesquisa científica.

INTRODUÇÃO

É a partir da década de 30 do século XX que a preservação do nosso Patrimônio se consolida. Esse modelo de preservação é adaptado de acordo com a nossa realidade. Embora o Decreto-Lei Nº 25/37 tenha sido produzido para ser utilizado nessa época, ainda hoje, continua a ser o fundamento da proteção do patrimônio cultural brasileiro. O órgão criado para se encarregar da preservação do patrimônio na mesma década da criação do Decreto-Lei, primeiro foi criado como secretaria com o nome de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), mais tarde é chamado de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em Roraima, local da pesquisa foi implantado apenas em 2007. A Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe grandes e importantes avanços para salvaguardar e definir o nosso patrimônio, como a inclusão dos bens imateriais na preservação do mesmo. No nosso estado os tombamentos começaram a ser inscritos primeiramente no Livro do Tombo Estadual, de 1984, totalizando seis bens materiais; após, a Prefeitura Municipal tombou vinte e nove bens culturais também de natureza material por meio de decretos e leis, de 1990 a 2009. Os bens escolhidos a serem trabalhados neste artigo são: Casa da Cultura Madre Leotávia Zoller, tombada pelo Governo Estadual em 1984; Prédio comercial (Casa das 12 Portas); Esquina do Rio (antiga Casa Bandeirante); Prédio comercial (Meu Cantinho) e Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, estes quatro últimos bens todos foram tombados pela Prefeitura Municipal em 1993. Primeiramente será feita uma breve abordagem sobre como surgiu à ideia de patrimônio no Brasil. Serão apresentados seus aspectos legais concernentes ao

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco desenvolvimento deste trabalho, como: o Decreto-Lei n° 25/37; a Constituição Federal Brasileira de 1988; a Constituição Estadual de Roraima de 1991 e algumas das Emendas e a principal Lei que até o momento da escrita deste artigo não havia sido sancionada. Em seguida, serão apresentadas fotos dos bens patrimoniais mencionados existentes no nosso estado necessários para situar o leitor, por fim serão demonstrados os resultados da entrevista que foi realizada na Secretaria de Cultura de Roraima, com a representante do Departamento de Patrimônio Histórico, com o intuito de verificar como está a preocupação com os bens culturais por parte do Estado.

1. BREVE ABORDAGEM: PATRIMÔNIO CULTURAL

Na verdade existem três fatores que influenciam a elaboração do conceito de patrimônio cultural no Brasil: a Semana de Arte Moderna em 1922, o Estado Novo e a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-SPHAN. O patrimônio cultural ganhou preocupação muito recentemente, no século XX que é quando Getúlio Vargas decide implantar um novo governo que foi considerado uma ditadura e chamou-se de Estado Novo, possuía características nacionalistas. No ano de 1937 é criado o Decreto-lei Nº 25/37 que definia o patrimônio como histórico artístico e nacional. Esse decreto cria o SPHAN e regulamenta o tombamento como forma de proteção do patrimônio histórico nacional. Então a Constituição Federal ao prever a questão da preservação do patrimônio cultural de nossas cidades, representa um grande avanço na proteção do Patrimônio Cultural brasileiro, consagrando uma nova e moderna concepção do que é patrimônio, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional-IPHAN esclarece isso:

O artigo 215 da Constituição é claro quando estabelece que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, incluindo as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver e as criações cientificas, artísticas e tecnológicas dos diferentes grupos sociais brasileiros. (2009, p.62)

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Neste sentido é importante destacar que a proteção dos bens imateriais é inserida na Constituição Federal de 1988 ampliando a noção do que deve ser preservado como patrimônio. As políticas de preservação geralmente atuam com o objetivo de reforçar uma identidade coletiva, visando à educação e a formação de cidadãos. Esse é o discurso que costuma justificar a constituição dos patrimônios e o desenvolvimento de muitas políticas públicas de preservação (FONSECA, 2005), mas, na prática é preciso criar mecanismos que viabilizem e estreitem de fato à relação entre patrimônio e sociedade. Podemos verificar no texto constitucional um claro acréscimo além da questão imaterial na noção de patrimônio cultural, o valor da pluralidade cultural e um espírito de democratização das políticas culturais, introduzido em uma conjuntura de procura da concretização da cidadania e de direitos culturais. Vale ressaltar que o multiculturalismo se encontra em todos os dispositivos constitucionais dedicados à proteção da cultura, então:

Vislumbra-se a orientação pluralista e multicultural do texto constitucional no conceito de patrimônio cultural, que consagra a idéia de que este abrange bens culturais referenciadores dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, e no tombamento constitucional dos documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. É a valorização da rica sociodiversidade brasileira, e o reconhecimento do papel das expressões culturais de diferentes grupos sociais na formação da identidade cultural brasileira. (SANTILLI, 2005, p.62)

Enfatizando o significado do patrimônio a partir do imaginário das pessoas e domínio estatal dos elementos materiais da história do povo brasileiro. E segundo Castoriadis (2004, p.85) “[…] porquê imaginário? […] Imaginário, porque a história da humanidade é a história do imaginário humano e das suas obras”. E de acordo com Castoriadis ao denominar que a história da humanidade é tudo ao nosso redor, incluindo assim o nosso legado, o nosso patrimônio. É também na Constituição Federal de 1988 que o Território Federal de Roraima se transforma em Estado de Roraima, é então que acontece a criação do Estado. Logo após é criada a Constituição Estadual de Roraima em 1991, e traz a cultura como item, definindo assim o conceito de patrimônio cultural que é

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco apresentado de acordo com a construção do ideário de Patrimônio Nacional representado na Constituição Federal. Por patrimônio entende-se que pelo:

Art. 159. Constituem patrimônio histórico, turístico, social, artístico, ambiental e cultural roraimense os bens de natureza material e imaterial, de interesse comum a todos, tombados individualmente ou em seu conjunto, que contenham referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos étnicos formadores da sociedade roraimense […] (CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DE RORAIMA, 2008, p.63)

Nessa perspectiva há em Roraima em sua capital Boa Vista, órgãos que se encarregam da segurança desse patrimônio, tanto pelo Estado como pelo município, além do Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional-IPHAN com uma superintendência em Boa Vista, tem-se a Secretaria de cultura de RoraimaSECULT/RR e a Fundação de educação, turismo, esporte e cultura de Boa VistaFETEC.

2. BENS PATRIMONIAIS EM RORAIMA

Até aqui foi demonstrado o surgimento do termo patrimônio no Brasil, como foi criado o modelo de preservação e também seus aspectos legais tanto na esfera nacional quanto na estadual, agora será exemplificado através de fotografias do patrimônio cultural roraimense. E obedecendo aos dispositivos constitucionais e a outros instrumentos legais o Governo de Roraima juntamente com a Prefeitura Municipal desde 1984, iniciou uma série de reconhecimentos de bens históricos e culturais, por meio de tombamentos. Em seguida, para nos situarmos nessa análise, é necessário entendermos que a princípio somos fazedores de cultura e o povo roraimense possui sua diversidade cultural seja nas suas expressões materiais, por meio de artefatos, prédios, instrumentos de uso doméstico e ritualístico e o imaterial como, por exemplo, nossos valores, hábitos e costumes. Para tanto se faz necessário, a verificação do que já temos como bem patrimonial no Estado através de alguns exemplos.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2.1 Tombamentos em RR

Nota-se a importância de apresentar por meio do uso de imagens alguns bens tombados dentro de Roraima para entendermos qual a perspectiva do que foi considerado patrimônio para que houvesse o tombamento, lembrando que são itens pertencentes à cultura material. A Casa da Cultura9, figura 1, que em outro momento foi à sede do poder governamental, deveria ser um dos mais importantes bens tombados de Roraima, por ser um espaço público onde se concentrava grande parte do material histórico de Roraima, como jornais, livros, fotos, fitas, documentos, quadros artísticos e de homenagem, sendo utilizado por muitos estudantes e pesquisadores que frequentavam o local. Construída em 1940, por Miltom de Negreiro Miranda, para servir de residência, se localiza na Rua Jaime Brasil, 273. Foi adquirida pelo Governador Félix Valois de Araújo, e tornou-se a residência oficial dos Governadores do Território do Rio Branco, na década de 40 do século XX. Serviu a esta função até a construção do Palácio Hélio Campos, posteriormente foi transformada em Casa da Cultura do Governo do Estado, a partir de 2007, passou a receber também a Ouvidoria do Estado. Bem patrimonial tombado pelo Governo Estadual em 1984. Atualmente encontra-se em ruínas, está em vias de ser um tombamento federal para assim obter recursos para sua reforma. Foto de 2014:

Figura 1 – Casa da Cultura

9 História de Roraima sobre os cinco bens patrimoniais apresentados no artigo são encontrados no livro: MAGALHÃES, Dorval. Roraima, Informações Históricas. Rio de Janeiro: Mapa, 1986.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco

Fonte: Regina A. Correa

Atualmente, esse bem patrimonial necessita de revitalização em suas estruturas, no sentido de expressar aquilo que é objeto patrimonial no estado. O Prédio comercial, figura 2, conhecido como Casa das 12 Portas se localiza na Av. Jaime Brasil, 115. Desde sua construção é um edifício comercial, o prédio passou por muitas reformas ao longo do século XX, que alteraram sua aparência original. O bem foi tombado pela Prefeitura Municipal, em 1993, mas não há indicadores do que representou esse espaço para a formação do núcleo urbano da cidade. Figura 2 – Casa das 12 Portas

Fonte: Regina A. Correa

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco A antiga casa Bandeirante, figura 3, se localiza na Av. Jaime Brasil, 303. O edifício foi construído em 1898, para abrigar a firma e comércio J. G. Araújo, que comercializava mantimentos entre a Província do Rio Negro (Manaus) e a freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista). A partir de 1958, com a aquisição por Said Salomão, viria a ser denominada de Loja Bandeirante. O bem foi tombado pela Prefeitura Municipal em 1993. Figura 3 – Antiga Casa Bandeirante

Fonte: Regina A. Correa

O prédio comercial que era conhecido como Restaurante Meu Cantinho, figura 5, está localizado na Rua Floriano Peixoto, 22, no centro histórico da cidade. Foi construída em 1830, pelo Capitão Inácio Lopes de Magalhães, como sede da primeira fazenda particular de pecuária à margem direita do Rio Branco, denominada Fazenda Boa Vista. O edifício original foi descaracterizado ao longo dos anos. Em 1996 sofreu uma reforma por ocasião do Projeto Raízes 10, da Prefeitura Municipal e foi tombado pela mesma em 1993. É importante destacar que o único referencial sobre a história

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JUCÁ, Teresa. Programa de Ação de Teresa. União Municipal: PSDB, PSB, PV e PRP.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco do lugar, é uma placa em concreto, figura 4, apresentando informações sobre a representação histórica do bem. Figura 4 – Placa no Meu Cantinho

Fonte: Regina A. Correa

Figura 5 – Restaurante Meu Cantinho, atualmente Restaurante Peixada

Fonte: Regina A. Correa

A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, figura 6, se localiza na Rua Floriano Peixoto, s/n, centro histórico de Boa Vista-RR. Alguns acontecimentos importantes: fundada em 1725, pelos carmelitas; em 1858, a Igreja foi elevada à Matriz; em 1914-1917, a igreja passou por reformas que deram a ela uma feição germânica; na década de 1950 – nova reforma; década de 1970 – nova reforma; em

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2005-2007 houve uma última reforma, que recuperou a feição germânica. O bem foi tombado pela Prefeitura Municipal em 1993. Figura 6 – Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo

Fonte: Regina A. Correa

A restauração da igreja ocorreu por meio de um projeto realizado no mandato da Prefeita de Boa Vista Tereza Jucá em 1996, denominado Projeto Raízes que tinha como objetivos promover a restauração e conservação de edíficios e monumentos históricos, e revigorou as artes plásticas não só de Boa Vista, mas de todo o Estado. As fotos apresentadas nas figuras de 1 a 6 demonstram alguns bens existentes em Roraima que já foram oficialmente tombados, que são objetos passivos de estudos e atividades educativas, turísticas, arquitetônicas, antropológicas e históricas necessários para entendermos a idéia de preservação e suas implicações no processo de construção da identidade cultural no nosso estado. Enfim, segundo Funari:

Chegamos então ao ponto do que é e do que pode ser considerado patrimônio cultural. Poderíamos mesmo dizer que patrimônio cultural é tudo aquilo que constitui um bem apropriado pelo homem, com suas características únicas e particulares. (2005, p. 08)

E podemos constatar a importância e uma reafirmação da formação da identidade cultural do nosso povo com a leitura do texto existente na Constituição do Estado de Roraima de 1991 que define em seu Capítulo III, Seção II nos artigos 157, 158, 159, 160 e 161: a cultura e a tradição roraimenses; a garantia a plenos direitos

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco culturais a todos; o que constitui o Patrimônio cultural roraimense; a colaboração com o Estado dos municípios para o sistema de preservação da memória do Estado; e a criação do Conselho Estadual de Cultura.

3. A VISÃO DA SECULT-RR

Dessa forma, foi realizada a entrevista em âmbito estadual, na Secretaria de Cultura do Estado, mais especificamente na Divisão de Patrimônio Histórico, com a responsável por essa divisão, a senhora Meire Saraiva formada na área de Ciências Humanas pelo curso de História. É então lembrado por Pozzi (2012, p.64):

Por supuesto lo que debería quedar claro es que las fuentes orales no se limitan únicamente a las entrevistas; por el contrario, anécdotas, canciones, cuentos, folklore, poemas, y un sin fín de formas de transmisión oral son recursos para hacer historia oral.

Pozzi então afirma que além da entrevista há outras formas de expressão oral que podem nos ajudar em nosso trabalho como historiador. Com o intuito de averiguar como se encontravam as leis, se elas eram ou não postas em prática dentro do Estado de Roraima, especificamente na cidade de Boa Vista, local onde se encontram as construções mais antigas da cidade. E Silva (2003, p.42) defende que “[…] pode-se pensar na narração oral como elemento muito importante na pluralização das vozes que interpretam historicidades.” Dessa forma a primeira pergunta à entrevistada foi em relação à sobre como se encontrava a política patrimonial do Estado, se ela existia, e como ela era realizada, se havia alguma lei que ditava essas regras, a resposta foi a seguinte:

Além daquela lei que nunca foi normatizada, não existe outra coisa. Nós temos uma lei no Estado que eu acho que é a 718, mas depois eu te digo para você pegar ali no Conselho de Cultura, que as meninas têm cópia lá. Então, ela foi feita, mas ela nunca foi normatizada e também não sei porque no estado não tem política de patrimônio histórico. (SARAIVA, 2014)

A referência que a entrevistada faz sobre a lei, ao dizer que ela não se encontra em vigor, é a LEI N° 718 DE 6 DE JULHO DE 2009 que dispõe sobre a Preservação e Proteção do Patrimônio Cultural do Estado de Roraima. Essa lei criada em 2009 tem como antecessora a Emenda Constitucional Nº 021 de 2008 que

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco reclassifica quais os bens são pertencentes à memória e a cultura do povo roraimense. E para Nora (1981, p. 09):

A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.[…] A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.

Essas manifestações culturais, que se constituíram a partir de novas perspectivas teóricas, nos fazem entender que a memória é fundamental para a compreensão da dinamicidade do hoje. A próxima pergunta foi sobre se ela saberia dizer quais são os monumentos tombados que nós temos, quanto tempo eles tem de tombados:

Então, nós temos, hoje aqui no estado três tipos de tombamento. Né? Nós temos o tombamento a nível estadual, tem o tombamento a nível municipal e nós temos uns tombamentos que nunca foi regulamentado através de uma medida constitucional, de uma emenda à constituição de 2008. Então, essa medida são vários monumentos, só que na mesma medida diz assim ó: que o Estado tem 180 dias para criar um órgão que vai regularizar aqueles monumentos, que são muitos, inclusive assim por exemplo, tem assim a memória das famílias pioneiras, tem assim. (SARAIVA, 2014)

A Emenda Constitucional em referência acima na entrevista é a Nº 021, DE 06 DE MAIO DE 2008. Dá nova redação ao caput do art. 159 da Constituição Estadual, acresce parágrafos e incisos e dá outras providências. Ela é a emenda que vem reclassificando o que vem ser considerado patrimônio cultural e quais os bens em Roraima seriam considerados patrimônio. Mais tarde são criadas novas emendas, uma que vai revogar vários desses bens, ou seja, acabam por não serem consideradas parte do patrimônio roraimense e a outra que vem alterar alguns dispositivos normativos a Constituição Estadual. Ao continuar a entrevista a pergunta seguinte foi como que a entrevistada observava a importância desses monumentos para a memória da cidade, da identidade? Ela responde com bastante certeza “Um povo sem memória é um povo sem história né, e nós tamos ficando sem história.” (SARAIVA, 2014) Continuo a entrevistá-la e pergunto: até porque como a senhora disse não tem ainda essa política. A entrevistada responde:

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Não tem essa política que deveria ter, eu to dizendo pra ti assim não tem por que ela não é colocada em prática entendeu? Assim porque leis foram feitas, a gente tem um conselho de cultura, a gente luta, a gente briga, mas eu disse pro Márcio que eu fico parecendo aquela andorinha que vai lá no mar pegar um no bico uma gotinha d’água e traz pro incêndio da floresta, porque eu não posso fazer muita coisa quem sou eu pra fazer alguma coisa se não houver vontade política, se não houver uma política séria, não se faz nada, por exemplo agora é…o assunto do momento é que a prefeita vai transformar a praça capitão Clóvis num camelódromo. Gente já num chega o que já tiraram, o que já acabaram com tudo. Uma praça que foi construída na década de 50, no inicio da década de 50, que foi encontro, sabe era o único local de esporte, de encontro, comícios, atividades religiosas tudo era feito ali naquela praça capitão Clóvis, ai os alunos, as meninas saiam do Monteiro Lobato e do GEC se encontravam ali pra paquerar, pra conversar, pra jogar conversa fora, era ali na praça capitão Clóvis. Na praça capitão Clóvis foi realizada as melhores partidas daquela época, de handebol, de basquete, de volêi. Porque era uma praça poliesportiva, ali faziam o… (pausa) as corridas, as num sei o que, a ginástica, tudo era feito ali naquela praça. Então agora simplesmente porque tiraram os camelôs das calçadas, querem alojar os camelôs aqui na praça, acabando com a praça né, vai ser descaracterizada pra se transformar num camelódromo. (SARAIVA, 2014)

Essa última fala utilizada da entrevistada legitima o objetivo do artigo que foi demonstrar os bens e como se encontra o descaso com o patrimônio na cidade de Boa Vista, a única lei que existe ainda não foi sancionada até o momento, e não sendo praticada pelo Estado, a proteção e conservação do Patrimônio roraimense se tornam vulnerável. De que forma poderia contribuir com a preservação desse Patrimônio, cobrando mais dos políticos, para que haja a execução dessa lei, pois como a entrevistada fala ela existe, mas não é posta em prática.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Seguindo essa lógica e dentro dessas diretrizes foi construída a ideia de bem patrimonial no estado de Roraima, por meio de políticas de tombamento, que trouxeram como objetivo resguardar e preservar os bens que representam fragmentos da história roraimense e auxiliam na compreensão de como se deu a formação dessa sociedade. É importante destacar que as leis garantem ações de preservação e até de recuperação, mas não contempla de modo efetivo essa conservação dentro do Estado como deveria ser.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Além do texto constitucional existente na Constituição Estadual de Roraima, há a Emenda Constitucional Nº 021, de 06 de maio de 2008, a LEI N° 718 DE 6 DE JULHO DE 2009, lembrando que a Lei 718/09 ainda não é normatizada, entre outras. Que dita propriamente os bens patrimoniais que representam parte expressiva da história de Roraima. Logo após foi imposta outra Emenda Constitucional que revogou alguns desses bens, de forma a se pensar o porquê de tal anulação. A proposta então foi buscar levar o conhecimento de alguns bens patrimoniais dentro da cidade, tanto tombados pelo Estado quanto pela Prefeitura, dessa forma, observando principalmente as leis que existem e demostrando como a preservação desse bem é visto pela Secretaria de cultura, através da fonte oral. De início deveria haver uma maior atenção por parte dos políticos em Roraima, quem sabe dessa forma, já daríamos um pontapé inicial para a preservação e proteção do nosso patrimônio cultural. De acordo com Rousso (2006, p.57) define que a memória:

[…] para prolongar essa definição lapidar, é uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do individuo somente, mas de um individuo inserido num contexto familiar, social, nacional. Portanto, toda memória é, por definição, ‘coletiva’, como sugeriu Maurice Halbwachs.

Por fim, a memória entra conjuntamente com a construção da nossa identidade dentro da temática do patrimônio, pois com o reconhecimento de que o nosso patrimônio pode e deve ser preservado e cuidado, entra o reconhecimento de que tudo ao nosso redor é de certa forma algo que faz parte da nossa cultura e que está relacionada com este estudo.

REFERÊNCIAS CASTORIADIS, Cornelius. “Imaginário e Imaginação na encruzilhada” – In: Figuras do Pensável: As encruzilhadas do labirinto VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Entrevista com Meire Saraiva, dia 18 de Junho de 2014, responsável pela Divisão de Patrimônio Histórico na Secretaria de Cultura do Estado de Roraima-Secult/RR.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC – Iphan, 2005. FUNARI, Pedro Paulo; Pinsky, Jaime (orgs.). Turismo e patrimônio cultural. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2005. IPHAN. Arqueologia. Brasília: Ed. Central, 2009. MAGALHÃES, Dorval. Roraima, Informações Históricas. Rio de Janeiro: Mapa, 1986. NORA, Pierre, (1981), “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. PROJETO HISTÓRIA: Revista do programa de estudos pós-graduados em história e do departamento de história da PUC-SP. Projeto História 10. 7-28. POZZI, Pablo. Esencia y práctica de la historia oral. TEMPO E ARGUMENTO: Revista do programa de pós-graduação em história. Florianópolis, v. 4, n. 1, p. 61 – 70, jan/jun. 2012. RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. “Conceito de Patrimônio Cultural no Brasil: do Conde de Galvéias à Constituição Federal de 1988”. Clerton Martins (org.). In: Patrimônio Cultural: da memória ao sentido do lugar. São Paulo: Roca, 2006. RORAIMA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 021, DE 06 DE MAIO DE 2008. Dá nova redação ao caput do art. 159 da Constituição Estadual, acresce parágrafos e incisos e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de Roraima, Boa Vista-RR, ano. XVIII, 813. RORAIMA. LEI N° 718 DE 6 DE JULHO DE 2009. Dispõe sobre a Preservação e Proteção do Patrimônio Cultural do Estado de Roraima. Diário Oficial do Estado de Roraima, Boa Vista-RR, ano.XIX, 1097. ROUSSO, Henry. “A memória não é mais o que era”. In: Usos & abusos da história oral/ Janaína Amado e Marieta de Moraes Ferreira, coordenadoras. 8.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. SANTILLI, Juliana. Patrimônio Imaterial e Direitos Intelectuais Coletivos. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Patrimônio imaterial e biodiversidade, n° 32, p. 62 à 79, 2005. SILVA, Marcos A. da. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco SETOR ESPECIAL HISTÓRICO DA CIDADE DE BOA VISTA/RR: INCONSISTÊNCIAS QUE FAVORECEM OUTROS ERROS Claudia Helena Campos Nascimento (Universidade Federal de Roraima, RR) Paulina Onofre Ramalho (Universidade Federal de Roraima, RR) Temática: Patrimônio Cultural. Modalidade: Pesquisa Científica. 1- INTRODUÇÃO O presente artigo busca apresentar o chamado Setor Especial Histórico da cidade de Boa Vista, Estado de Roraima, conforme se apresenta nas legislações municipais em confronto com a realidade espacial a que este deveria atender. Tendo como base o Plano Diretor Participativo e Estratégico, a Lei de Uso do Solo e levantamentos de campo, foi possível identificar a incongruência entre informações legais e o que é perceptível no espaço urbano de Boa Vista/RR. Ao se propor uma normativa urbanística, esta deve corresponder aos pressupostos de regulamentação de uma determinada realidade. Assim sendo, estabelece os limites de intervenção sobre um recorte a partir de suas características urbanas e de caráter arquitetônico. Objetiva, nesse sentido, preservar os elementos que articulam determinada percepção da cidade e constituem uma imagem desse espaço, de modo a identificá-la e a diferenciá-la das demais cidades. Para a análise proposta neste trabalho, utilizamos a obra de Kevin Lynch (1998) como pressuposto conceitual. Além disso, partimos do cabedal teórico e conceitual das Cartas Patrimoniais, especialmente a Carta de Veneza (ICOMOS, 1964), para articular a necessidade de compreensão do conceito de entorno 11 , elemento basilar para a preservação de bens arquitetônicos isolados ou de sítios históricos. Dialogamos, ainda, com as legislações de preservação já consolidadas, com o Decreto-Lei Nº 25/37 e a própria Constituição Federal de 1988.

Segundo a Decisão Normativa nº. 83/2008-CONFEA, a definição de entorno é “espaço, área delimitada, de extensão variável, adjacente a um a edificação, um bem tombado ou em processo de tombamento, mas reconhecido pelo significado às gerações presentes e futuras pelo poder público de seus diversos níveis por meio de mecanismos legais de preservação”. 11

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2 - SÍTIO HISTÓRICO URBANO: ALGUNS APONTAMENTOS “Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de muitas imagens individuais” (Kevin Lynch)

A apreensão do espaço urbano não se faz em recortes, mas em transições que constroem as redes de significados que a configuram. Estas apreensões, a despeito de seu sentido, se consolidam em discursos de identidade que fazem, da leitura aproximada, a conformação de espaços de significação histórica e cultural. Esses espaços, para o objetivo desse trabalho, serão entendimentos como sítios históricos, destacando-se como socialmente construídos e apropriados. Kevin Lynch (1998) destaca cinco elementos importantes para que qualquer cidadão possa fazer as associações e construção do que ele chama de legibilidade e imageabilidade da cidade: caminhos, limites, bairros12, pontos nodais e marcos. O conceito de bairro proposto por Lynch traz uma visão que se articula com o objeto em estudo, pois para ele essas unidades são “partes razoavelmente grandes da cidade na qual o observador ‘entra’, e que são percebidas como possuindo alguma característica comum, identificadora.” (LYNCH, 1998, p. 66). Assim sendo, os conjuntos arquitetônicos, sítios ou centros históricos, se conformam a partir de elementos da percepção do espaço, isto é, texturas, ritmos, volumetrias, espaços, tipos de edificações, usos, topografia, entre outros. É possível a percepção, pelas características comuns, de tratar-se de uma unidade urbana diferenciada das demais, dentro da cidade. A Carta de Petrópolis define: Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do fazer cultural da cidade em suas diversas manifestações. Este sítio histórico urbano deve ser entendido em seu sentido operacional de área crítica, e não por oposição a espaços não-históricos da cidade, já que toda cidade é um organismo histórico (IPHAN, 1987).

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Bairros, para esse autor, não são divisões administrativas, mas correspondem a uma parcela urbana de caráter homogêneo, em suas características.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Analisando o chamado Setor Especial Histórico–SEH da cidade de Boa Vista/RR por esse ponto conceitual, temos sua definição na Lei de Uso do Solo (BOA VISTA, 2006): Considera-se Setor Especial Histórico - SEH aquelas porções do território municipal mais representativa [sic] da história da cidade e onde se encontram os elementos mais significativos da memória e da cultura arquitetônica local que exigem estímulos e políticas próprias para suas preservações [sic]. (grifo nosso)

A arquitetura e a cidade expressam em suas características os pontos que articulam os discursos individuais e que se consolidam em ressonâncias coletivas na cidade, sendo testemunhos de sua cultura e história. Conforme já apresentado, é o conjunto mais ou menos homogêneo desses signos que estabelece um território significativo para a cidade em seus aspectos de preservação de um passado e que identifica o seu chamado centro histórico (ou sítio histórico urbano).

Setor Setor Especial Especial Histórico Histórico

Figura 1: Perímetro do Setor Especial Histórico do município de Boa Vista/RR, de acordo com a Lei de Uso do Solo.

Considerando o texto em destaque na citação anterior, há de se considerar que a definição do SEH (Figura 1) não define claramente o recorte do que seria considerado significativo. A Carta de Petrópolis é feliz ao apresentar o entendimento de que o sítio histórico urbano não é uma oposição a outro recorte, não histórico, mas

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco que se trata de uma área crítica, cuja atenção do poder público tem que ser diferenciada devido às características inerentes a esse conjunto urbano destacado. No que se refere à definição de sítio histórico, a partir da década de 1980 fortaleceuse a percepção de referenciá-los a partir de seu valor documental para além da unidade estético-estilística de uma área. Desse modo, os sítios foram analisados como fonte de conhecimento e referência histórica, simbólica e mnemônica. Esse pressuposto baseou-se nas discussões que se processavam no campo da História, da Arqueologia, da Antropologia e dos estudos urbanos italianos (MOTTA, 2000). Ainda segundo Motta: [...] os sítios urbanos são, de forma especial, objetos culturais histórica e socialmente construídos. Acumulam vestígios e trazem as marcas do processo de sua construção, das transformações, adaptações, apropriações e reapropriações sofridas ao longo do tempo, expressando, com sua conformação, as representações que ali se sucederam (2000, p. 260).

Esse entendimento de sítio histórico foi fundamental para a ampliação das práticas de preservação, pois pautou-se em valores que ultrapassaram os consagrados critérios de excepcionalidade, monumentalidade e exemplaridade. Além disso, caracterizou-se por criticar a submissão das normas de seleção e preservação dos bens a determinada estética e estilo, o que restringia as políticas de proteção (LONDRES, 2005). Entretanto, nas últimas décadas essa percepção mais ampla de sítio histórico enfraqueceu-se a partir do que Motta (2000) considera modelo globalizado de apropriação desses espaços. Nesse modelo o patrimônio cultural tonar-se “mercadoria, igualando o bem coletivo aos produtos de consumo” (MOTTA, 2000, p. 258). Infelizmente, esse pensamento baliza as práticas de intervenção nos sítios históricos, entre as quais a gentrificação (LEITE, 2004), que cria cenários padronizados voltados ao consumo global. A valorização mercadológica dos sítios históricos resulta, normalmente, na crescente pressão imobiliária sobre esses espaços, culminando no processo de expulsão dos seus antigos moradores (CHOAY, 2001, LEITE, 2004). Esse contexto, portanto, exige discussões sobre como esse fenômeno se incide sobre Boa Vista. Porém, como já anteriormente mencionado, nos detivemos neste trabalho à definição da unidade denominada SEH, como ela se apresenta na legislação.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2.1 O SEH E SUA RELAÇÃO COM OS BENS TOMBADOS DO MUNICÍPIO Os bens patrimoniais são infungíveis, singulares e, ao determinarem um conjunto urbano, tornam essa unidade territorial passível de proteção, sobre a qual incide o direito coletivo de fruição e apreensão das qualidades que a caracterizam como tal, que são determinadas no acordo coletivo de atribuição de significados, tornando-se um direito difuso (BRASIL, 1988, art. 129, III). Ainda temos na Constituição Federal do Brasil que a proteção desses bens deve ser promovida, em colaboração com a comunidade, “por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 1988, art. 226). Assim sendo, não deve ser considerada a existência de uma política de preservação, por qualquer instância, que não contemplem a participação da comunidade. Também é possível observar que existem várias formas de garantir a proteção de bens de interesse cultural e patrimonial, além do comumente utilizado instrumento do tombamento, que “é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio” (MEIRELLES, 2001, p. 535).

LEGENDA Existente Limites da Zona Central Limites de Setores Bens tombados (municipal) Bens tombados (estadual) Dupla afetação de tombamento Proposto Áreas de entorno municipal Novo limite para o Setor Especial Histórico Figura 2 - Bens tombados no município de Boa Vista/RR e suas áreas de entorno Fonte: Google Maps (adaptado), 2015.

O tombamento definitivo de um bem é o resultado de um processo, que pressupõe, entre outras coisas, anuência ou informação ao proprietário do bem, pesquisas físicas, estéticas e históricas, que delimitarão a existência ou não de valor para tal estatuto, antes de sua inserção no livro de tombo, de acordo com legislação

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco e procedimentos próprios. Em Boa Vista, há um descompasso de informações sobre quais bens são arrolados como tombados pelo município13, contudo podemos acessar uma relação presente no Inventário Cultural de Boa Vista e, a partir desta, gerar um mapa (Figura 2). A Carta de Veneza (ICOMOS, 1964), documento importante que aponta para a proteção de monumentos e sítios, pressupõe a compreensão de que o bem tombado é um “testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural” (ICOMOS, 1964, Artigo 1º.). O bem de interesse à preservação, tombado ou não, deve ter uma destinação coletiva, uma “função útil à sociedade”, nos termos da Carta de Veneza (ICOMOS, 1964), ou, em outros termos, uma “função social”, conforme a Constituição Federal (BRASIL, 1988). Temos ainda que A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional será conservado, e toda construção nova, toda destruição e toda modificação que poderiam alterar as relações de volumes e de cores serão proibidas. O monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que se situa. Por isso, o deslocamento de todo o monumento ou de parte dele não pode ser tolerado, exceto quando a salvaguarda do monumento o exigir ou quando o justificarem razões de grande interesse nacional ou internacional. (ICOMOS, 1964, artigos 6º e 7º).

Assim sendo, tão importante quanto à proteção individual de um bem, a fruição se faz na compreensão deste em um território que lhe dê suporte referencial e que o proteja de danos à sua visibilidade, visto que “a restrição que se impõe à vizinhança é decorrente da própria existência de um bem tombado, logicamente bem imóvel, no intuito de que ele seja visível e, consequentemente, admirado por todos.” (RABELLO, 2009, p. 122). Esse o principal papel desses bens: serem visíveis e terem sua função de marcos na cidade (LYNCH, 1998) preservadas. A fim de garantir a

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A destruição do antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima, respaldada através do Decreto Municipal nº. 006/E, de 19 de janeiro de 2015, que foi destombado sem que houvesse tombamento prévio, serve para ilustrar o exposto.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco ambiência e a escala urbana, essa vizinhança, conhecida como Área de Entorno do Bem Tombado, é determinada em lei específica ou por estudo técnico que conste no próprio processo de tombamento14. Ao compararmos o mapa anterior com o construído a partir da delimitação que há na Lei de Uso do Solo15 (BOA VISTA, 2006) sobre o SEH, temos que boa parte dos bens tombados não faz parte do SHE. Se considerarmos suas áreas de entorno, isto é, onde deveria haver a mesma regra legal para proteção e controle, verificamos que a Zona Comercial (ZC) também não os contempla. Sabemos que a existência de conjuntos arquitetônicos e sítios urbanos não exclui a possibilidade de haver bens tombados individualmente, cujos perímetros de proteção não estejam inseridos nessas áreas de proteção, pois embora seja recomendável, sendo a cidade um complexo dinâmico, não há como restringir o surgimento de novas referências. Entretanto, é notável o descompasso entre o SEH e os bens tombados pelo município, assim como não existem políticas públicas condizentes com a realidade apresentada.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao aportarmos à discussão sobre o SEH de Boa Vista com os fundamentos teóricos, legais e técnicos, mesmo que de forma pouco aprofundada nesse artigo, iniciamos um processo necessário de atenção sobre os processos de construção da

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Não há parâmetro rígido para a determinação da área de entorno, sendo utilizada tanto a determinação concêntrica (raio de proteção, que pode chegar a 500m), quanto a delimitação de quadras circundantes, faces de quadras, ou mesmo de ângulo (limitando gabaritos). Para tanto e, portanto, é extremamente necessário trabalho técnico para essa avaliação. Neste ensaio vamos trabalhar com o padrão mais comumente utilizado de uma quadra ou 100m de raio para delimitação desse entorno genérico.

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“Inicia-se

a descrição junto a [sic] interseção da Rua Bento Brasil de ambas os lados, com a Rua Alfredo Cruz, seguindo por este inclusive na faixa de preservação de 100m (cem metros) paralela ao Rio Branco, seguindo por esta até a interseção com a Rua Cecília Brasil, seguindo por esta até a interseção com a Rua Bento Brasil, seguindo por esta até a interseção com a Rua Alfredo Cruz, ponto inicial deste poligonal.”

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco legislação urbanística e, em especial, às lacunas que ela apresenta, especialmente no que tange à preservação do patrimônio edificado. Identificamos, durante os estudos para a construção deste artigo, outro desenho para o S.E.H., de redação anterior à Lei de Uso do Solo, cujos limites seriam [...] a partir do ponto de interseção da rua Bento Brasil, de ambos os lados, coma rua Alfredo Cruz, seguindo por esta inclusive na faixa de preservação de 100m (cem metros) paralela ao rio Branco, seguindo por esta até a interseção com a rua Cecília Brasil, seguindo por esta até a interseção com a rua Bento Brasil, seguindo por esta até a interseção com a rua Alfredo Cruz, ponto inicial desta poligonal (Lei n. 244/1991)

Também não encontramos, para essa configuração do SEH, os pressupostos que justificariam a sua delimitação. Isto é, carecemos de dados que nos forneçam os valores e significados que lhe foram atribuídos e que deveriam ser preservados. Entendemos que a cidade, por ser dinâmica, traz a reboque a necessidade de algumas revisões e emendas em seu corpo jurídico. Contudo, também é necessário, sempre, que as mudanças venham para satisfazer os direitos coletivos e difusos, não apenas questões pontuais onde a limitação legal inviabiliza processos que são, via de regra, mais curtos que a dinâmica cultural de um povo. Há de se tratar a cidade como campo de estudo e pesquisa, de forma que o conhecimento acadêmico possa ser suporte científico e metodológico para a produção de processos de gestão e não visto como mera crítica ao cenário posto. A delimitação de entorno, a construção de pesquisa que caracterize um bem em processo de tombamento ou mesmo a determinação mais consistente do recorte temático de um sítio histórico são contribuições importantes para que o corpo jurídico sobre o qual se apoia a gestão pública seja consistente.

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. BRASIL. Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências [Estatuto das Cidades]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em out. 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP. CONFEA. Decisão Normativa nº. 83, de 26 de setembro de 2008. Disponível em http://normativos.confea.org.br/ementas/visualiza.asp?idEmenta=41098&idTipoEme nta=1&Numero. Acesso em out. 2015. SPHAN. Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-Iphan, 2005. ICOMOS. Carta de Veneza (1964). Disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%20196 4.pdf. Acesso em out. 2015. IPHAN. Carta de Petrópolis (1987),1º Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização De Centros Históricos. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Petropolis%201 987.pdf. Acesso em out. 2015. LEITE, R. P. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas: Ed. da Unicamp; Aracaju: Ed. da UFS, 2004. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Lei nº. 926, de 29 de novembro de 2006, que dispõe sobre uso e ocupação do solo urbano do município de Boa Vista e dá outras providências (Lei de Uso do Solo). Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/site/arq/boavista_legislacao_06022014124541.pdf. Acesso em out. 2015. PREFEITURA MUNICIPAL DE BOA VISTA. Lei Orgânica do Município de Boa Vista (incluídas alterações da Emenda à Lei Orgância nº. 017, de 2010). Disponível em http://www.boavista.rr.gov.br/site/arq/boavista_legislacao_06022014125518.pdf Acesso em out. 2015. RABELLO, Sônia. O Estado na preservação de Bens Culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE BOA VISTA: ENTRE VELHOS E NOVOS PROBLEMAS Nadyne Silva Gonzales (Universidade Federal de Roraima) Tamires Moraes e Silva (Universidade Federal de Roraima) Paulina Onofre Ramalho (Universidade Federal de Roraima) Temática: 1- Patrimônio Cultural Modalidade: 2- Pesquisa científica; 1 INTRODUÇÃO Este artigo partiu de um documentário de 5min realizado para a Disciplina Estudos Sociais e Econômicos, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Roraima, no segundo semestre de 2014. Durante a referida disciplina discutimos questões como a apropriação dos espaços públicos da cidade e sua apropriação simbólica e material pela população. Nesse sentido, nos propusemos a analisar alguns bens tombados pelo município e as implicações legais e práticas advindas para seus proprietários. Dando prosseguimento aos questionamentos surgidos durante a pesquisa de campo para o documentário, abordaremos alguns pressupostos básicos que pautam as políticas de preservação do patrimônio material, enfocando a realidade de Boa Vista, e teceremos considerações sobre a dinâmica atual de seus bens. Para tanto, recorreremos à legislação federal e municipal e a teóricos da área do patrimônio, como CHOAY (2001). Adotaremos, também, para os objetivos desse trabalho, a noção de patrimônio cultural presente na Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 216, expressa que ele relaciona-se aos bens materiais e imateriais, considerados isoladamente ou em conjunto, que referenciam a ação, a identidade, a memória, dos diferentes grupos sociais. Essa ampliação da concepção de patrimônio é essencial para discutirmos a realidade boavistense e relacioná-la ao contexto nacional. Para a elaboração do Mapa de Bens Tombados Pelo Município de Boa Vista, presente no final do artigo, utilizamos o Sistema de Informação Geográfica (SIG), com a coleta dos pontos de controle através de equipamento de “Global Positioning System” – GPS.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2. SOBRE OS CRITÉRIOS TRADICIONAIS DE TOMBAMENTO: SERIAM OS NOSSOS BENS OUTRORA TOMBADOS? A palavra patrimônio possui origem latina, patrimonium, e inicialmente referiase a bens transmissíveis através do testamento, situando-se no âmbito privado do direito de propriedade. Mas, esse conceito foi particularmente apropriado e reformulado com o surgimento dos Estados nacionais, nos quais o patrimônio foi (é) utilizado como referência histórica, cultural e de unicidade (FUNARI; PELEGRINI, 2006). No Brasil, de um modo geral, podemos dizer que a proteção ao denominado patrimônio cultural se efetivou a partir da implementação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1937, e da edição do Decreto-lei nº 25/1937. Foi esse decreto, também chamado lei do tombamento, que dispôs o conceito de patrimônio que orientou as políticas e práticas de preservação nacionais (RABELLO, 2009). Analisando a política de preservação no Brasil, Fonseca (2005) evidencia os parâmetros que balizaram a seleção e o tratamento dispensado aos bens tombados durante as quatro primeiras décadas de atuação do IPHAN. Nesse período, concepções como exemplaridade, autenticidade, monumentalidade e especificidade nortearam a política federal de preservação, cujos tombamentos faziam referência a bens de origem branca, católica e de raízes europeias. Motta (2000) estabelece três períodos relativos a forma como o poder público se apropriou dos espaços urbanos como patrimônio cultural, a saber, o inicial (1937-1970), o intermediário (1970-1990) e o atual (1990-2015). Cada um desses períodos nos permitem entender que as práticas de preservação se inserem em um campo de disputas, jamais não neutras ou apolíticas, pois dizem respeito a valores materiais e simbólicos. No primeiro período o patrimônio relacionava-se, conforme já mencionado, com a ideia de unidade nacional, vinculada ao projeto do Estado Novo de construção de uma nação moderna. Nesse sentido, arquitetos modernistas identificaram em sítos urbanos e edificações coloniais os melhores representantes de nossa identidade nacional. Seus critérios, portanto, eram restritos e preconizam, ainda, a valorização estética e a unidade estilística. Assim, tal pensamento pautou as intervenções nos bens e, “tanto nos monumentos como nos sítios urbanos, as obras de restauração do IPHAN, subtraiam das edificações frontões,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco ornamentações e intervenções de períodos posteriores, resultantes de reformas sofridas ao longo do tempo” (MOTTA, 2000, p. 265). No que se refere a Boa Vista, podemos perceber que seus bens não correspondem a esses valores e critérios tradicionais e, dentro dessa lógica, presumimos que não seriam tombados. Sua dinâmica interna iria submergir sob um discurso no qual “a nação é pensada

como uma totalidade onde carecem de valorização as suas vastas diferenças” (GONÇALVES, 2002, p. 107). Ou seja, as condições sociais e econômicas nas quais esses bens foram produzidos, e das quais são fontes documentais, incluindo-se suas técnicas e materiais, são desconsideradas. Vale ressaltar que, no presente momento, não estamos questionando os tombamentos realizados em Boa Vista, mas apenas questionando os valores que eram utilizados por uma visão tradicional de preservação, que deixava à margem de suas políticas de proteção uma parcela significativa de bens, em seus mais variados suportes, e desconsiderava os diferentes grupos sociais. O denominado período intermediário pautou-se em discussões relativas a diversidade cultural ocorridas no cenário do pós-guerra mundial, nos estudos desenvolvidos por organismos internacionais de preservação e nas concepções teóricas da área das ciências sociais. Além disso, a inclusão de outros profissionais no campo do patrimônio e os movimentos populares demonstraram a insuficiência dos métodos e critérios até então utilizados (FONSECA, 2005; MOTTA, 2000). Desse modo, o conceito de ambiência foi adotado e “possibilitou a inclusão de outros estilos, anteriormente rejeitados, ao repertório da preservação, revogando-se a primazia de um único estilo (barroco/colonial) na composição do patrimônio cultural” (MOTTA, 2000, p. 266). Mesmo assim, ainda privilegiava-se uma determinada estética, a unidade estilística e a materialidade do bem, em detrimento de outros aspectos que pudesse conter. Mas, na década de 1980 ganhou terreno o entendimento do patrimônio como documento, distinguindo-se a materialidade do bem de sua capacidade de informação e significação em sentido mais amplo (MOTTA, 2000). Desse modo, [...] estabeleceu-se uma linha de trabalho que representou um rompimento com a perspectiva estritamente visual, fachadista ou das características estilísticas, possibilitando outras maneiras de valorização dos bens culturais (...) Ampliavam-se, dessa maneira, as possibilidades de apropriação do bem cultural como referência de identidade, independentemente de uma determinada estética (MOTTA, 2000, p. 267).

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco

Nesse quadro teórico o próprio sentido do tombamento tornar-se mais amplo, abarcando contextos e agentes diversos e possibilitando a compreensão do patrimônio cultural como algo dinâmico e processual, afastando-se de uma imagem idealizada e estática. É nesse sentido que analisamos os bens tombados de Boa Vista, isto é, seu patrimônio edificado como documentos que comportam múltiplas leituras, releituras e apropriações.

2.1 REFLEXÕES SOBRE A DINÂMICA DOS BENS TOMBADOS DE BOA VISTA

Após analisarmos leis e decretos de tombamentos do município de Boa Vista a que tivemos acesso, verificamos que, de 1990 a 2009, 2916 bens foram considerados patrimônio cultural. Além disso, foi possível constatar algumas questões relativas a esses bens que passaremos a discutir a seguir. O tombamento desses bens efetivou-se fora dos padrões normalmente usuais no que tange, por exemplo, a elaboração de um processo de instrução. Inicialmente, estudos técnicos são realizados e passam a compor o processo administrativo de um tombamento e são fundamentais para a sua instrução. A elaboração do relatório técnico, no caso federal, pauta-se no estabelecido na Portaria nº 11/1986-IPHAN, que preconiza a realização de um estudo, o mais detalhado possível, no qual deve constar a descrição física do objeto da ação, sua contextualização histórica e processual. Enfim, de todos os dados pertinentes à apreciação do mérito de seu valor cultural pelas instâncias competentes. As instâncias estaduais e municipais geralmente realizam o mesmo procedimento. A instrução do processo de tombamento requer pressupostos técnicos que, de acordo com as características do bem, envolve a participação de profissionais de diferentes áreas, como arquitetos, engenheiros, arqueólogos, antropólogos e

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Entretanto, esse número pode ser maior ou menor, visto que não há um controle por parte do órgão de preservação do município sobre a totalidade, localização, etc., desses bens. Com as escassas informações obtidas elaboramos o Mapa de Bens Tombados Pelo Município de Boa Vista.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco historiadores. Isto acontece porque, para além dos aspectos físicos, o bem se reveste de um caráter simbólico e processual. Desse modo, a inexistência dos processos de documentação, que poderia nos fornecer mapas, fotografias, croquis e outras formas de informação sobre os bens tombados

de

Boa

Vista,

inviabiliza

o

satisfatório

acompanhamento

das

transformações ocorridas nas edificações, o que dificulta o estabelecimento de medidas mais eficazes de proteção. E mais, esses dados devem ser disponibilizados à toda a sociedade, e não tratados como algo intangível, ou mesmo obscuro. Por outro lado, o tombamento é realizado mediante atribuição de valor ao bem, seja em termos históricos, artísticos, arqueológico, paisagístico, etc. Mas, os parâmetros de valoração atribuídos, de um modo geral, aos bens boavistenses não foram esclarecidos, dificultando, mais uma vez, sua preservação, pois o objetivo do tombamento é a conservação da coisa tombada, dos valores que lhes foram reconhecidos. Isto é, preservar demanda conhecer as características que se quer conservar e que justificam a inscrição do bem em determinado livro do tombo (RABELLO, 2009). Entretanto, para dificultar ainda mais a questão, os livros do tombo não foram constituídos em Boa Vista. E, além da inscrição no livro do tombo, outras medidas tornam-se cabíveis, como a necessidade “que o ato tenha publicidade irrestrita, isto é, através de sua publicação, como os atos administrativos em geral (...) no órgão oficial de divulgação (RABELLO, 2009, p. 104). Outra grave problemática diz respeito ao fato de que, após o tombamento, não foram estabelecidas fiscalizações, necessárias para o acompanhamento das condições do bem e para a realização de medidas de conservação. Desse modo, ficamos impossibilitados de acompanhar as mudanças ocorridas nos bens, sejam as provenientes da própria dinâmica de seus materiais, do uso, etc. Sabemos, entretanto, que muitas edificações foram destruídas, mutiladas ou descaracterizadas, a partir da omissão e, principalmente, ação do poder público municipal. Como exemplo podemos citar a destruição de edificações residenciais na rua Barreto Leite para a construção do terminal de ônibus José Campanha Wanderley e a descaracterização do prédio do Centro Multicultural . O tombamento de um bem cria direitos e deveres, nomeadamente o direito de todo cidadão de ter seus bens culturais protegidos e o dever do Estado de protegê-lo. No entanto, muitas vezes é o próprio poder público o principal agente de destruição e

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco descaracterização. O mais recente episódio se refere ao destombamento 17 e a demolição do antigo Hospital Nossa Senhora de Fátima, autorizados pela Prefeitura Municipal de Boa Vista, que fundamentou-se no Decreto Municipal nº. 006/E, de 19 de janeiro de 2015, supostamente em virtude do desgaste sofrido na estrutura do imóvel e da existência de Laudos Comprobatórios do risco iminente de causar danos a terceiros. O citado decreto soma-se as incongruências perpetradas pelo poder público municipal no que se refere ao patrimônio cultural de Boa Vista, pois em seu art. 1º, inciso III, também autoriza o destombamento em virtude do desgaste sofrido na estrutura do imóvel, em decorrência da ação do tempo, com base em laudos técnicos comprobatórios, em eminente ruína, geradora de riscos de danos ou danos a terceiros. Em suma, o decreto, pautado por inconsistências conceituais, retira dos proprietários e do poder público o dever de conservação dos bens ao mesmo tempo em que justifica sua ação destruidora. Para os arautos da modernização e do não congelamento da cidade, podemos dizer que [..] não é adequado entender a noção de conservação como de permanência absoluta, ou de completa inalterabilidade (...) a conservação não implica impedimento do desaparecimento natural; pelo contrário, conserva-se para que a coisa cumpra o seu ciclo natural, evitando-se que, antes de cumpri-lo, o ato proposital ou intencional venha a destrui-la ou descaracteriza-la (RABELLO, 2009, p. 84).

Como discutimos anteriormente, Motta (2000) propôs três períodos para a forma como o patrimônio é apropriado. Assim, no atual período, ao qual denomina modelo globalizado, os bens culturais são tratados como mercadorias e, nas edificações e nos centros históricos, as intervenções se processam nas fachadas, criando cenários para o seu consumo visual. Outro aspecto que se revela é a utilização dos bens culturais como “apoio para o consumo de outras mercadorias” (MOTTA, 2000, p. 270). Essa é, a partir de nossa análise, a dinâmica atual de Boa Vista, na qual seus bens são destruídos, mutilados

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Segundo o Ministério Público Federal e Estadual, o imóvel não era tombado pelo município, mas pelo estado, conforme disposto em sua constituição.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco ou descaracterizados para atender as condições de circulação e consumo do mercado. Sendo assim, seus aspectos culturais são desconsiderados em detrimento de sua capacidade de atender aos novos jogos de interesse no que se refere, por exemplo, à especulação imobiliária. Tomamos, para ilustrar a questão, o caso das edificações do antigo prédio do INCRA, da antiga Casa e do Depósito Bandeirante, do Bar do Nei e do antigo cinema. Sobre esses bens incidiram intervenções complexas e amplas, destinadas a adequálas aos novos usos do capital. Essas intervenções vão de encontro à finalidade do tombamento que consiste na preservação da coisa tombada a partir de seus valores culturais. Portanto, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que é louvado e consagrado, e apesar do desenvolvimento de teorias e técnicas de conservação mais eficientes, a destruição dos monumentos históricos é um dado corriqueiro. Os atores desse drama incluem governos, arquitetos, proprietários particulares, etc. As justificativas são diversas, como a necessidade de modernização das cidades, a renovação artística, o direito de dispor livremente da propriedade privada, dentre outros (CHOAY, 2001).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preservação do patrimônio histórico de Boa Vista diz respeito a todos, o que demanda a participação efetiva da população no processo de seleção, proteção e valorização dos bens, ao mesmo tempo em que requer políticas consistentes e eficazes por parte do poder público. A importância dessas questões está no fato de que esses registros, sejam eles físicos ou não, edificações ou paisagens, atuam como elementos capazes de traduzir características do momento em que foram produzidos, tornando-se referências à identidade, a ação e a memória de diferentes grupos sociais. O patrimônio representado pelas edificações comporta uma produção simbólica e material, carregada de diferentes valores, são ícones da memória, permitindo que o passado interaja com o presente, transmitindo assim conhecimento e como parte do processo identitário de um povo (DVORAK, 2008). Deve, portanto, ser preservado em seu sentido mais amplo, em termos materiais e imateriais .

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco REFERÊNCIAS

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade; Editora UNESP, 2001. DVORAK, Max. Catecismo da Preservação de Monumentos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-Iphan, 2005. FUNARI, Pedro Paulo A; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. GONÇALVES, Eurinedes Oliveira. PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE BOA VISTA-RR: Tombamento dos prédios construídos nos séculos XIX e XX. Monografia (Licenciatura e Bacharelado em História) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, 2013. GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: editora UFRJ; IPHAN, 2002. MORAES, Carla Gisele M.S.M. Memorial Descritivo. In: Inventário do Patrimônio Cultural de Boa Vista. Boa Vista: Prefeitura Municipal de Boa Vista/FETEC/SEBRAERR, 2008. MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas, SP: Papirus, 2000. p. 256-287. RABELLO, Sonia. O Estado na preservação de bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. SILVA, Angela Maria Moreira (Coord.). Manual de normas para apresentação dos trabalhos técnico-científicos da UFRR. Boa Vista: Editora da UFRR, 2012. VASCONCELOS, André dos Santos. Diocese de Roraima: A participação da igreja no processo de organização dos povos indígenas do estado. Artigo (Comunicação Social) – Universidade Federal de Roraima

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco MANIFESTAÇÃO CULTURAL POPULAR: A LITERATURA DE CORDEL RORAIMENSE ENQUANTO PATRIMÔNIO CULTURAL Patrícia Pereira do Nascimento (UFRR, RR). Temática: 1- Patrimônio Cultural. Modalidades: 2- Pesquisa científica. INTRODUÇÃO Tendo em vista a importância da construção do conhecimento do Patrimônio Histórico Cultural de Roraima, o presente artigo tem como objetivo discutir o reconhecimento da Literatura de Cordel enquanto patrimônio cultural, dando ênfase ao chamado cordel roraimense, já que este se mostra como uma representação cultural, possibilitando fazer análise da representação histórica, apresentando ricas visões de um contexto social, cultural, de lendas e visões do cotidiano do povo. Além disso, o presente artigo visa discutir a relação existente na utilização da Literatura de Cordel de Roraima como fonte histórica no ofício do historiador para a melhor compreensão da história e cultura roraimense, tendo em vista que a Literatura de Cordel pode ser uma representação cultural de memórias sociais, pois a narrativa literária é construída através de fatos, lugares e temporalidades inventados ou não, podendo servir como uma interpretação do mundo a partir de quem escreve a obra. Destarte, será abordado aqui, a importância da Literatura de Cordel como Patrimônio Histórico Cultural e este enquanto fonte no ofício do historiador para pesquisas acerca da história de Roraima.

A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO DA LITERATURA DE CORDEL ENQUANTO PATRIMÔNIO CULTURAL A Literatura de Cordel é, portanto, um gênero literário popular, originado de expressões orais e depois impresso em folhetos, geralmente escrito em rimas. Seu nome tem origem justamente pelo modo de como os folhetos eram expostos para serem vendidos em Portugal, pendurados em cordas, barbantes ou cordéis. Estes folhetos chegaram ao Brasil através de portugueses durante o período da colonização, onde se implantou inicialmente na primeira capital da colônia, Salvador.

“Os

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco primórdios da literatura de cordel encontrada no Brasil estariam, desse modo, relacionados à sua semelhante portuguesa, trazida para o Brasil pelos colonizadores já nos séculos XVI e XVII.” (GALVÃO, 2001, p. 29). Deste então, a Literatura passou a ser uma riquíssima fonte de conhecimento, cultura e entretenimento entre as famílias nordestinas, como afirma Abreu: Na zona rural, eram apreciados em engenhos, pequenas propriedades e em fazendas de gado, não só pelos trabalhadores, mas também pelos proprietários das terras que patrocinavam a cantoria e liam – ou escutavam ler – as histórias. Distinções clássicas entre campo e cidade, cultura popular e cultura de elite parecem diluir-se perante os folhetos. No início do século, as diferenças entre campo e cidade não eram tão marcadas no Nordeste e, embora poetas e leitores pertencessem fundamentalmente às camadas pobres da população, membros da elite econômica também tinham nos folhetos e nas cantorias uma de suas principais fontes de lazer. (ABREU, 1999, p.95).

Destarte, o registro da Literatura de Cordel enquanto patrimônio cultural faz-se necessário para ocorram ações de salvaguarda da cultura de cordel, trazendo seu reconhecimento e mantendo viva as momórias coletivadas de um dado meio social. Entende-se por Patrimônio Cultural de um povo, o “conjunto de saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos que remetem à história, à memória e à identidade desse povo.” (BRAYNER, 2012, p. 12). Com este pensamento pode-se afirmar que a literatura de cordel propaga valores culturais, visões de mundo do homem a partir do tempo e do espaço, sendo esses cordéis uma referência da de uma dada realidade cultural, pois como afirma Arantes:

Referência é um termo que sugere remissão; ele designa a realidade em relação à qual se identifica, baliza ou esclarece. No caso do processo cultural, referências são práticas e objetos por meio dos quais os grupos representam, realimentam e modificam a sua identidade e localizam a sua territorialidade. (ARANTES, 2001, p. 131).

A Literatura de Cordel é uma representação da expressão da cultura popular nordestina, sendo originaria das cantorias praticadas pelos sertanejos, imersos em uma forte tradição oral. (SANTOS, 2010).

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Diante desse pensamento, foi criada em 1988, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC, com objetivo de valorizar e preservar a memória da Literatura de Cordel, possuindo um imenso acervo que também pode ser acessado por meio do endereço eletrônico da ABLC (http://www.ablc.com.br), onde podem ser encontrados os mais diversos tipos de cordéis de forma online. Com o objetivo de promover salvaguarda da cultura de cordel, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel enviou em 2009, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, uma solicitação de Registro da Literatura de Cordel como patrimônio imaterial. O pedido justifica-se diante da necessidade de manter vivo esse modo de expressão e linguagem poética de grande importância histórica e cultural que vem sendo transmitidos de geração em geração. No presente momento, o processo de instrução do Registro da Literatura de Cordel encontra-se em andamento, podendo ser acompanhado através do “portal de bens em processo de registro” pelo site do IPHAN (http://portal.iphan.gov.br/).

LITERATURA DE CORDEL RORAIMENSE: UMA EXPRESSÃO CULTURAL Atualmente, a literatura de cordel tem se alargado em um processo propagação dentre várias regiões do país, os cordéis se difundiram para além do Nordeste, e hoje podem ser encontrados vários outros estados do país, tais como Rio de Janeiro, São Paulo, e até mesmo no extremo Norte do país, Roraima. O cordel roraimense exalta a história, as lendas e a cultura roraimense, servindo como uma representação cultural da região. Para entender a presença do cordel em Roraima, faz-se necessário compreender um pouco do contexto histórico de Roraima, a fim de situarmos o lugar social do objeto da presente pesquisa. O estado de Roraima está localizado no extremo Norte do país, fazendo fronteira com a República Cooperativista da Guiana, com a República Bolivariana de Venezuela e com os estados do Amazonas e do Pará. Seu contexto histórico é marcado por processos migratórios em que estão inseridos em um amplo contexto social, econômico e político.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Até o ano de 1943, o atual estado de Roraima fazia parte do Amazonas, quando então o presidente da República, Getúlio Vargas, cria o Território Federal do Rio Branco, por meio do decreto-lei nº 5.812 de 13 de setembro. Entretanto, sua implementação deu-se só depois da chegada do governador Ene Garcez, após um ano de sua criação. Pouco tempo depois, em 1962, sua nomenclatura foi alterada para Território Federal de Roraima, isso se deu por causa da constante confusão com o Rio Branco, capital do Acre. (MAGALHÃES, 2008). Deve-se ressaltar que com a criação do Território, o governo Federal tinha como um de seus principais objetivos ocupar a Amazônia. Sendo assim, foram elaboradas várias ações para tornar possível seu desenvolvimento demográfico e econômico. Roraima era exibida ao restante do país por meio do discurso de que a região apresentava terras fartas e de fácil acesso, em que milhares de migrantes rumaram para a região, mais especificamente nas décadas de 1970 e 1980. Por outro lado outros tiveram como motivação a “fofoca” do garimpo em solos roraimenses, destacando-se ainda a ação das redes sociais. Sendo assim, pode-se apreender, que enquanto alguns eram “seduzidos” pelos projetos de colonização da região, outros eram atraídos pela busca do ouro em Roraima. (NOGUEIRA, 2011). Em meio a esse fluxo migratório, muitos nordestinos eram atraídos por essa dinâmica, trazendo consigo seus costumes, culturas, crenças. E é em meio a esse cenário que o cordel vai ganhando espaço entre a cultura roraimense, mostrando os costumes, a cultura, a beleza do Estado e suas histórias. Para pontuar essa discussão, será apresentada aqui uma breve leitura de alguns trechos do Codel “Boa Vista: a cidade que nasceu de uma paixão” (2012), de Zanny Adairalba:

Nossa cidade nasceu De uma grande paixão De Inácio de Magalhães Respeitado Capitão Pelo belo rio Branco

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Nossas serras e os encantos Que lhe encheram de emoção

Esse fato decorreu No século dezenove Mil oitocentos e trinta - Como o passado se move! Quando o bravo capitão Rendeu-se e ao seu coração Para as belezas do Norte

Inácio de Magalhães Decidiu se radicar No Vale do Rio Branco Para sua história traçar E foi à margem do rio Que o pioneiro bravio Resolveu de vez morar

Ergueu ali residência Uma bela construção A primeira alvenaria De todas da região Chamada de “Meu Cantinho” Um nome dado pro ninho Pelo próprio Capitão

A partir dos trechos que aqui foram citados, é possível notar a presença de

representatividade de memórias sobre a história de um povo, que permanecem vivas. Os trechos apresentados declamam o pioneirismo da cidade, destarte, pode-se afirmar que manifestação cultural a partir do cordel citado é tida como uma representação da construção da história de Roraima. À vista disso o registro da

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Literatura de cordel mostra-se como uma das formas de preservar a memória, a história, costumes e fazeres de um dado povo, respeitando sua cultura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O registro da Literatura de Cordel enquanto patrimônio cultural significa cuidar da representatividade da história e cultura de um grupo social.

O objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. (BRAYNER, 2012, p.12).

Pensar a Literatura de Cordel Roraimense enquanto Patrimônio Cultural é preservar os saberes, costumes, as expressões culturais manifestas a partir desses folhetos, é contribuir para reflexão de que o Cordel não é um mero folheto, mas sim um instrumento dotado de valores, cultura e memórias de uma dada sociedade em meio ao seu processo histórico.

REFERÊNCIAS ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil, 1999. ADAIRALBA, Zanny. Boa Vista: a cidade que nasceu de uma paixão. Boa Vista, RR: Editora Coqueiro com raízes na terra: 2012. ARANTES, Antonio. Patrimônio Imaterial e Referências Culturais: In Revista Tempo Brasileiro. nº 147. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2001. BRAYNER, Natália. Patrimônio Cultural Imaterial, para saber mais. 3º ed. Brasília, DF: Iphan, 2012. GALVÃO, Ana Maria. Cordel: leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. MAGALHÃES, Maria das Graças Santos Dias. Amazônia: o extrativismo vegetal no sul de Roraima: 1943-1998. Boa Vista: EdUFRR, 2008.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco NOGUEIRA, Francisco Marcos Mendes. O Lugar e a Utopia: história e memória de migrantes nordestinos em Roraima. (1980 a 1991). Monografia de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Licenciatura em História. Boa Vista, 2011. SANTOS, Éverton. História e Patrimônio: santos, devotos e ritos na tradição brasileira. Disponível em: http://www.ufpi.br/20sic/Documentos/RESUMOS/Modalidade/Humanas/Everton%20 Diego%20Soares%20Ribeiro%20Santos.pdf> Acesso em: 20 set. 2015. SITES CONSULTADOS Acesso em: 13 set. 2015. Acesso em 10 set. 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco ESTUDO DO CENTRO HISTÓRICO CULTURAL DA CIDADE DE BOA VISTA/RR Joilson Trindade de Souza (UFRR, Roraima) Temática: 1- Patrimônio Cultural; Modalidades: 2- Pesquisa científica;

1 INTRODUÇÃO

O estado de Roraima possui belíssimas riquezas naturais como, por exemplo, a Serra do Tepequém que em seu histórico foi o ponto de parada dos garimpeiros. A partir deste contexto se tornou um lugar que passou a possuir um valor imenso para as pessoas, e principalmente para os garimpeiros que ainda vivem na serra. E o ponto de partida deste trabalho é exatamente isto, trazer a memória o que uma vez foi esquecido e valorizar o bem material e imaterial que é o que chamamos de patrimônio. No desenvolver deste artigo discutirei sobre algumas questões que necessitam de atenção principalmente da população Roraimense, que é o quanto se precisa valorizar e utilizar o espaço patrimonial que uma vez foi esquecido e abandonado pelos próprios residentes da cidade, trazer a memória das famílias que uma vez estiveram presente na construção da cidade e no seu desenvolvimento. O que objetivou este artigo foi também o incômodo causado pela falta de manutenção dos patrimônios existentes na cidade de Boa Vista/RR, levando a uma problemática “Qual a maneira de preservar os patrimônios históricos da cidade de Boa Vista?”, a forma como se encontram seria o resultado da má gestão dos recursos para a preservação dos patrimônios históricos da cidade de Boa Vista/RR, isto é, são umas das causas pela desvalorização dos mesmos? Através de uma abordagem geral sobre patrimônio cultural tanto material quanto imaterial, trarei neste artigo os órgãos que são responsáveis por realizar ações de preservação dos monumentos/patrimônios históricos da cidade de Boa Vista/RR, buscarei expor alguns elementos que impulsionou o estudo da valorização do centro histórico da cidade já citada acima.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 2 DESENVOLVIMENTO

Nas últimas décadas o patrimônio histórico e cultural das cidades vem recebendo grande atenção. Preservá-los esta tem sido uma batalha maior principalmente quando se trata de cidade onde a população não recebeu a devida educação patrimonial necessária, ou que os próprios órgãos administradores dos patrimônios não demonstram interesse em realizar uma aproximação da comunidade com o patrimônio e sua respectiva importância para a manutenção da memória histórica da cidade. A cidade de Boa Vista/RR possui uma bela história desde o seu surgimento até os dias atuais, e os monumentos que a representam encontram-se em estado de total esquecimento. Boa Vista/RR possui um traçado urbano em formato de leque – planejada pelo engenheiro Darcy Aleixo Derenusson, inspirado nas ruas de Paris, na França, a capital roraimense era considerada umas das cidades mais charmosas da Amazônia. O seu patrimônio histórico é representado de vários símbolos e estilos que remontam a um passado não tão distante, onde muitos acreditam que os mesmos não passam de velharias, mas ao observar as mudanças ocorridas na cidade em tão pouco tempo, surge a necessidade de preservar e buscar pela valorização de um patrimônio que uma vez fez parte e que ainda faz parte da construção histórica da cidade de Boa Vista/RR, seja ele proveniente da representação patrimonial cultural, material, imaterial (memoria), ou natural, correndo o risco de se perder no tempo. Dessa forma o significado de preservar é trazer um compromisso social de resgate e valorização da memória da história ao quais os Roraimenses possuem. Atualmente nos deparamos com a seguinte discursão “Educação Patrimonial” que traz a sociedade ações que educam e preparam os mesmos para o cuidado e preservação do patrimônio ao qual aquele indivíduo está imposto, no entanto a discursão de Educação Patrimonial ainda é algo que aos poucos está entrando na sociedade, espera-se que em um futuro possa-se ter educação patrimonial nas escolas e não somente em alguns oficinas ou cursos.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Mais o que viria a ser Patrimônio Histórico? Ele pode ser definido como um bem material, natural ou imóvel que possui significado e importância artística, cultural, religiosa, documental ou estética para a sociedade. Estes patrimônios foram construídos ou produzidos pelas sociedades passadas, por isso representam uma importante fonte de pesquisa e preservação cultural. E os órgãos á que compete a preservação e proteção destes patrimônios em esfera mundial, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a cultura, Ciência e Educação) órgão este responsável pela definição de regras e proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade, em âmbito nacional compete ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a este cabe a este órgão proteger e preservar o patrimônio histórico e artístico do Brasil. Quando um bem é tombado por algum órgão do patrimônio histórico, ele não pode ser demolido, nem mesmo reformado. Pode apenas passar por processo e restauração, seguindo normas especificas, para preservar as características originais da época em que foi construído. A cidade de Boa Vista/RR possui em seu centro patrimônios históricos que contam o surgimento da cidade, sendo eles: O bar meu cantinho (sede da fazenda Boa Vista) – que foi construído em 1830, atualmente o prédio comercial é propriedade da família Figueiredo, localizado na Rua Floriano Peixoto, nº 22 – centro. A antiga sede da fazenda Bo Vista pertencia na época de sua construção ao Sr. Inácio de Magalhães. O edifício original, com estilo tipicamente colonial foi descaracterizado ao longo dos anos. Em 1996 sofreu uma reforma por ocasião do Projeto Raízes, da prefeitura municipal. O bem é tombado pela prefeitura através do decreto nº 2614, de 15 de outubro de 1993. Hoje um ponto turístico na cidade onde, tanto o nome da antiga fazenda (Boa Vista), quanto o nome do estabelecimento (Meu Cantinho) é de ordem histórica. A casa Bandeirante também outro prédio histórico construído em 1898, para abrigar a firma J.G. Araújo que comercializava mantimentos entre a província do Rio Negro (Amazonas) e a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista). Está localizado na Av. Jaime Brasil, nº 71 - centro. Em 12 de novembro de 1928, tem-se notícia entre os poucos edifícios dessa avenida, o estabelecimento chamado “A Filial”,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco posteriormente vendido para Saíd Salomão para fins comerciais, passando a denominar-se de Loja Bandeirante. Possui características arquitetônicas coloniais e foi tombado pela prefeitura municipal, no Decreto nº 2614 de 15 de outubro de 1993. Ainda como patrimônio histórico da cidade de Boa Vista tem a Igreja matriz, Intendência, Catedral Cristo Redentor, Igreja São Sebastião, Bazar das Novidades, Casa do Coronel Bento Brasil, Casarão Adolfo Brasil (Família Brasil), Centro de Artesanato, prelazia, monumentos aos pioneiros, monumento aos garimpeiros, Casa das 12 portas, Casa da Cultura. Valendo destacar que os patrimônios históricos aqui destacados encontram-se no centro histórico da cidade de Boa Vista/RR. Em 1999 a prefeitura municipal da cidade de Boa Vista/RR, implementou um projeto intitulado “Projeto Raízes” onde realizou-se uma reforma no centro histórico da cidade, objetivando a recuperação do patrimônio histórico, no entanto ao observar o resultado deste projeto é identificado alguns alterações do estado natural do patrimônio sendo que quando se trata de patrimônio, trata-se não de “reforma” como já citado anteriormente em hipótese alguma deve-se realizar uma reforma e muito menos a demolição de um patrimônio histórico pois já descaracteriza da sua forma original, mais o que acontece é que foi exatamente o que ocorreu com o “Projeto Raízes” trouxe uma descaracterização do patrimônio histórico da cidade mudando todo o cenário histórico da cidade. E os problemas de má gestão dos patrimônios só estão aumentando um patrimônio que passou por uma completa descaracterização atualmente foi a Casa Bandeirante que mencionada acima foi um patrimônio que fez parte da construção histórica da cidade, mais no entanto atualmente passou por um processo de total reforma e agregação de uma loja de produtos em gerais, o que nos trás a discutir sobre “quem permitiu a descaracterização deste patrimônio?”, “o que a população como pertencente a memória daquele patrimônio fez para impedir a descaracterização da casa?”. Mais o que temos como resposta é a má gestão dos órgãos que são competentes pela manutenção dos patrimônios pertencentes a população Roraimense e também a falta de interesse e de conhecimento da comunidade sobre a história da Casa Bandeirante e o que a mesma representação para a cidade e para a manutenção da memória da mesma.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco E esses são alguns descasos para com a população, pois no momento em que a mesma não tem conhecimento da importância dos patrimônios para manutenção de uma memória e os próprios órgãos responsáveis pela conscientização não geram debates sobre o que são estes patrimônios gera este processo de apropriação privada.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A população Boavistense deve se apropriar mais da sua história e conhecer a importância da valorização dos patrimônios pertencentes à cidade, pois a conscientização de se preservar começa da população, pois todos somos responsáveis pela fiscalização e preservação do bem a qual nos pertence. O centro histórico da cidade de Boa Vista/RR é o principal local onde se encontram a história e identidade da cidade, o que podemos perceber atualmente é o total descaso em relação a preservação dos patrimônios históricos sendo que muitos destes patrimônios estão deixando de existir, por falta de fiscalização e manutenção. O que vale destaque é que neste processo de descaracterização dos patrimônios quem mais perde é a população pois pouco a pouco o que um dia fez parte da história da cidade esta deixando de existir, cabendo a própria população receber o devido conhecimento de quais são estes patrimônios e o que eles o representam.

REFERÊNCIAS A importância do estudo do patrimônio histórico para o resgate da memória. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2013. Patrimônio histórico de boa vista-RR. Tombamento dos prédios construídos nos séculos XIX e XX. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2013. Boa Vista: 122 anos de história – Portal Amazônia. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2013.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Difinição, o que é Patrimônio. Patrimônio Histórico. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2013.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco OS REFUGIADOS: HISTÓRIA DE UMA VIDA Maria do Céu Machado Ribeiro Meneses (UFRR/RR) Temática: Patrimônio Cultural Modalidade: Relato de experiência

INTRODUÇÃO Fico perplexa com tudo o que vejo e leio sobre os refugiados da Síria, e dos terroristas do Estado Islâmico. As imagens são chocantes principalmente quando envolvem crianças que nada tem com os interesses de grupos terroristas, que tomam contam de um país e expulsam pessoas trabalhadoras de seus lares e as obrigam a fugir deixando para trás tudo o que construíram durante suas vidas. Como é triste ver na capa de uma revista ou em telejornais a imagem de uma criança que parece dormir na beira da praia, mas esse “anjo” não esta dormindo, mas sim morta pela maldade e fanatismo de adultos. Imagem 1-Criança (refugiados da Síria)

Disponível em: https://www.google.com.br/search?q

O que é ainda mais revoltante é ver todo o sofrimento dessas pessoas fugindo de guerras, se aventurando em águas perigosas em pequenos botes lotados de gente com o propósito de fugir do horror da guerra. Muitos ficam pelo caminho como esse menino, e os que conseguem fugir do seu país são humilhados, tratados como se eles fossem os culpados pela tragédia que se abateu sobre eles. Como é triste ver seres humanos em pleno século vinte e um tratarem seus semelhantes de forma tão revoltante, batendo, chutando não

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco importando mesmo que sejam crianças, jogando pão para um tipo de cercado mais perecido com canis. Como é revoltante ver esses refugiados brigando por esse pedaço de pão, enquanto seus algozes se divertem com o sofrimento desse povo. A revista Veja em sua edição de 9 de setembro de 2015 apresenta em sua capa a seguinte mensagem: “DEUS, SENDO BOM, FEZ TODAS AS COISAS BOAS. DE ONDE ENTAO VEM O MAL! “ “O MAL (E O BEM) VEM DO HOMEM”.

UMA HISTÓRIA DE VIDA: Tomei como referencial a minha história de vida que estava adormecida havia muito tempo, as experiências de guerra, dos “retornados”, como os refugiados de Angola eram chamados em Portugal, fomos maltratados, desprezados em nossa terra mãe, ninguém tinha nome éramos somente “retornados”. Mas foi por essas pessoas que muitos de nós decidimos morar e fazer como nosso lar outro pais, já que naquele tempo a vida era difícil em Portugal e muitos migravam para outras terras, França, Suíça, Angola, Moçambique entre outros. Então me pergunto o que fizemos de errado para merecer tamanho desprezo de nossos irmãos. Sei por experiência própria o que esses refugiados estão sofrendo. Tudo o que construímos durante uma vida nos foi tirado, arrancado à força, tendo muitos até perdido a vida. Sou portuguesa, nascida e criada até aos meus nove anos em Portugal. Meu pai foi para Angola trabalhar em uma companhia de petróleo em uma cidade chamada Cabinda, e vinha de seis em seis meses a Portugal para ficar com a família durante dois meses. Quando as férias terminavam ele saia durante a madrugada só para ele não nos ver chorar, mas ele chorava no caminho de casa até ao aeroporto. Quando eu e meu irmão acordávamos corríamos para o quarto para brincar com ele, mas ao vermos que ele já não estava mais lá, o que se ouvia, eram duas crianças chorando pela ausência de um pai carinhoso e brincalhão. Meu pai ainda não tinha chegado ao seu destino, e minha mãe já chamava o médico em casa para nos socorrer, já que toda vez que ele ia embora eu e meu irmão ficávamos doentes. Nada nos faltava. Uma linda casa, motorista, viagens, tudo o que eu e meu irmão quiséssemos tínhamos, mas na realidade essa alegria não estava completa. Faltava alguém e esse alguém estava longe trabalhando muitas das vezes de dia e noite para que nada nos faltasse.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Mas, em um verão, quando ele veio passar férias elas foram diferentes. Vi minha mãe fazendo as malas e enchendo baús com alguns de nossos pertences. Não entendi nada, mas logo as explicações vieram: Iríamos com meu pai para Angola. Em conversa com minha mãe, meu pai dizia que não aguentava viver tanto tempo longe de todos nós, por isso, iríamos viver mais perto dele, sim mais perto já que ele trabalhava em Cabinda (cidade localizada no extremo norte de Angola) e nos ficaríamos em Luanda o que para ele se tornava mais perto e sua ausência não era tão longa. Quando chegamos a Luanda fomos morar durante uns dias com uns primos do meu pai que tinham três filhos. Esses dias em que ficamos na casa deles, meus pais saíram para procurar um novo lar para nos. Dias depois estávamos morando em nossa própria casa, no Bairro Santo Antônio. Para mim e meu irmão aquele tempo era maravilhoso: brincadeiras na rua com outras crianças tudo era perfeito e o que era melhor tínhamos sempre meu pai por perto. Os anos foram passando e meu pai já tinha pedido a transferência do trabalho para Luanda para ficar junto da família. A vida continuava normalmente cresci e me tornei uma mulher, e me casei em 1975. Mas Angola já não era mais a mesma. Aquela Angola de paz e que tantas alegrias me tinha dado, agora estava em guerra entre partidos políticos e o povo que estava no meio e que veio a sofrer as consequências. Após o meu casamento fui morar para uma cidade no interior de Angola, de nome Gabela. Cidade pequena, pacata, linda, produtora de café. Meu marido trabalhava no Banco Comercial de Angola, mas tivemos que deixar tudo para trás, casa, carro, todos os nossos pertences, pois os guerrilheiros tinham chegado nessa pequena cidade. Nessa altura eu estava grávida de nove meses de minha primeira filha. De manhã cedo carregamos os carros da família com o que cabia e “pé” na estrada. Mas a estrada era muito perigosa, já que havia três movimentos (facções) guerreando entre si. Cada bloqueio que passávamos éramos obrigados a sair do carro e eles revistavam tudo, muitas das vezes ficando com os nossos pertences, e nada podíamos falar, respondíamos o necessário, eles não tinham dó de ninguém, tendo muitas pessoas morrido ali mesmo nas barreiras desses guerrilheiros sanguinários.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Passado muito tempo chegamos a Nova Lisboa, cidade onde no dia seguinte minha filha nasceu ao som de tiros e morteiros e gritos que vinham das ruas. Para mim esse momento foi muito feliz, pois havia ganhado uma criança linda, gorda e rosada, um anjo. Mas logo cai na realidade agora com um bebé, como eu faria se tivesse que me esconder e ficar em silêncio com uma recém nascida. Agora o perigo tinha aumentado: como protegê-la desses brutos sem coração, pois eles não tinham piedade de ninguém, matar era a mesma coisa que respirar. O perigo estava cada vez mais próximo, tínhamos notícias que nossos vizinhos haviam morrido. Que um bando de guerrilheiros invadiu a casa abusou das mulheres e meninas enquanto o pai era obrigado a ver tudo e depois foram fuzilados. Perante essas notícias nossa família foi para o hangar do aeroporto. Minha filha tinha vinte e oito dias. Para ver se conseguíamos um avião para Portugal, ficamos vários dias dentro desse aeroporto com dezenas de pessoas com o mesmo objetivo. Sem o mínimo de condições, esse improvisado acampamento não tinha ventiladores e o calor era insuportável, visto que era um hangar de carga. As fezes e urina já chegavam aos tornozelos e era assim no meio dessa sujeira que todos dormiam sentados em bancos de madeira, comendo o que houvesse. O medo era evidente, pois do lado de fora do hangar havia uma turma ameaçando entrar e matar todo mundo. Para podermos embarcar em um avião vindo dos Estados Unidos foi nos fornecido uma senha, mas toda vez que um avião pousava tinha confusão todos queriam sair daquela situação o mais rápido possível e assim a nossa saída era sempre adiada. Nosso dia chegou. Embarcamos para Portugal num avião de uma companhia aérea americana, e quando o avião levantou vôo, fiquei com uma mistura de alivio e tristeza, alívio por estar saindo do inferno, e tristeza por ver uma terra tão querida e linda sendo destruída por pessoas sem alma. O vôo foi longo e triste, já que para trás havíamos deixado tudo o que construímos com muito trabalho, ou por algum familiar não ter conseguido embarcar e ainda havia aqueles que deixaram seus parentes dizimados por uma guerra cruel. Da janela do avião vi as últimas imagens dessa terra linda toda destruída, mas a imagem que tenho até hoje de Angola é a mais bela que existe. Tento esquecer apagando de minha mente os dias horríveis que eu e minha família passamos.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Ao chegar a minha terra natal, pensei como é bom estar em casa, mas essa alegria passou logo. No desembarque fomos tratados como delinquentes não tivemos qualquer ajuda de nossos conterrâneos. Fomos jogados no saguão do aeroporto de Lisboa por horas sem qualquer solução imediata, fiquei assim como outros sentados nesse lugar por horas. Minha pequena de pouco mais de um mês de vida chorava muito irritada, toda suja, cansada e sem um banho fazia dias. Quando julgávamos que resolveriam a nossa situação, o problema somente aumentava. Chegava a polícia alfandegária para nos pedir a nossa documentação, mas muitos de nós nem isso conseguiu pegar. Vi muitas famílias apresentar a esses senhores a foto dos maridos, filhos e mulheres mortas, dizendo: “aqui está a minha documentação, olhe bem veja o que vocês portugueses como eu fizeram com minha família”. Passado um tempo nos mandaram para um hotel, sendo um alívio para a minha pequena poder tomar um bom banho. Após ser amamentada caiu no sono até o dia seguinte. Dormiu tanto que fiquei preocupada, de vez em quando mexia com ela para ver se estava tudo bem, mas era só cansaço. Nos só poderíamos ficar nesse hotel por uns dias, depois cada um que se virasse, mas entre os retornados, como nos chamavam, também havia pessoas sem qualquer descendência portuguesa. Eram nascidos em Angola, mas perante a lei eram portugueses, e a pergunta que se colocava era: como essas pessoas viveriam em um país estranho e sem conhecer ninguém. Muitos acabaram virando mendigos, em uma terra hostil que tinham raiva de seu próprio povo. Passado uma semana pegamos um trem e fomos morar na casa de meu avô, onde encontrei meu pai, minha mãe e meu irmão, que apesar de viverem no mesmo país, haviam saído de Angola por outra cidade e assim além da falta de notícias deles já os não via há bastante tempo. Foi uma alegria sem limites ver que todos estavam bem, eles também conheceram a sua neta que nascera entre tiros e morteiros. A única ajuda que tivemos veio através da Cruz Vermelha. Como eu viera praticamente com a roupa do corpo e em Portugal estava frio eles davam para cada um dois cobertores e algumas roupas de frio, abriam fardos de roupas que vinham dos Estados Unidos da América e distribuíam essas poucas peças pelas pessoas, mas antes da distribuição eles escolhiam as melhores entre eles o que restava era para os retornados. O governo depois de muito tempo nos deu uma pequena esmola

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco por mês que não dava para comer o mês inteiro, então lá estava o meu avô para ajudar a turma a sobreviver, ou meu pai que fazia qualquer serviço em troca de um pouco de comida, meu marido dava aulas em casa também recebia seu pagamento em mantimentos. Meu pai foi o primeiro a conseguir trabalho, mas não era perto de sua família. Mais uma vez ele estaria longe de nós. Foi trabalhar para Marrocos na construção de uma barragem, depois para a Bélgica na mesma empresa e a vida da família melhorou muito. Meu marido como trabalhava no Banco Comercial de Angola foi readmitido num banco em Portugal e a vida voltou ao normal, emprego, casa e o mais importante, readquirimos a nossa dignidade. Esse é um pequeno relato de minha vida. Sei o que vi e que passei os perigos que eu e minha família vivemos, mas muitos não tiveram a mesma sorte que nós tivemos, por isso agradeço sempre a Deus por ter protegido os meus. Por isso, quando vejo as imagens dessas pessoas sendo rejeitadas e tratadas como intrusos, meu baú de memória que estava perdido e trancado despertou e me fez lembrar todas as atrocidades que vivenciei e de como o ser humano pode ser tão cruel com o seu semelhante. De acordo com Le Goff (1996), o conceito de memória toma corpo quando e a memória como propriedade de conservar certas informações remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de informações psíquicas, graças as quais o homem pode atualizar impressões passadas, ou que ele representa como passado, as imagens e representações do tempo vivido ou imaginado pertencem ao campo da memória, o que por muitas das vezes, muito pouco exercitadas na reconstrução da historia do lugar. Segundo o mesmo autor, a memória diz respeito tanto à ordenação do passado, de seus vestígios, quanto a uma releitura contemporânea dos mesmos e está irremediavelmente ligada a uma forma narrativa que, diante de uma ausência – ou não existência – torna-se o modo de reviver. Por isso o esquecimento que também faz parte da memória implica, mesmo em termos neurológicos, num trabalho de reelaboração. Como elo de interpretação do passado, a memória é a voz e a imagem do acontecido, mas também faz parte do Patrimônio Cultural que é um conjunto de todos os bens, quer seja material ou imaterial, que pelo seu valor devem ser relevantes para

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco a permanência e a identidade da cultura de um povo. Patrimônio é tudo o que nos pertence, a nossa herança do passado, o que construímos hoje, por isso devemos preservar, transmitir esse legado para gerações futuras.

Considerações finais Guerras são todas iguais seja em Angola ou na Síria ou em qualquer parte do mundo, só servem aos propósitos políticos ou religiosos. Mas também sei que a maioria das pessoas depois de tanto sofrimento terá uma vida tranquila e vivendo com dignidade, se integrando a uma nova sociedade com seu trabalho ajudando e fazendo parte de uma comunidade sem olhar para ideologias ou crenças. Sei que isso irá acontecer por experiência de vida, aconteceu comigo e meus familiares. Fomos abandonados à própria sorte pelos governantes portugueses, assim como esses refugiados, mas trabalhamos e conseguimos provar todo o nosso valor, que não éramos retornados, mas sim filhos da mesma mãe. Éramos portugueses, só que residíamos em Angola, que na época pertencia a Portugal. Esses refugiados terão mais dificuldades de adaptação em outro país, por sua cultura e idioma, mas a vida nos ensina que com vontade e persistência tudo se consegue, bastando ser honesto consigo e com os demais. Nasci em Portugal, fixei residência em Angola, constitui uma família, veio a guerra, nasceu minha primeira filha, tive que abandonar tudo o que tinha, fui abandonada numa guerra que não era minha pelos meus “patrícios”, outro Pais nos socorreu, cheguei a Portugal e fui maltratada e tachada de retornada como eu fosse uma praga ou bandida, engoli muitas vezes em seco ao ouvir as pessoas dizer:



olha lá vem a retornada”. Mas hoje sei que nada do que disseram fazia sentido. Pois com muito trabalho e suor consegui ter a minha dignidade de volta. Sou Portuguesa e ninguém vai tirar isso de mim. Hoje tenho uma linda família quatro filhos, casada há mais de quarenta anos com a pessoa que viveu junto toda a agonia que passamos. Por experiência sei que muitas dessas pessoas terão o respeito que elas merecem, são trabalhadoras só querem sair de uma guerra que não lhes pertence e proteger os seus familiares. E para tanto se lançam em águas perigosas em pequenos botes para dar aos seus a tranquilidade e paz que não têm em sua terra natal, mas como temos observado não está sendo fácil: fogem de uma guerra, e o que encontram? Maldade, desprezo e crueldade.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Termino me perguntando e respondendo: onde está o mal? “O MAL (E O BEM) VEM DO HOMEM”.

Referências: LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. TEIXEIRA, Duda. O Mausoléu da Paz. Revista Veja, São Paulo, n.36, p.68-75,set. 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco IDEAS DE TRANSFORMACION PARA LA PRESERVACIÓN DE UN PATRIMONIO CULTURAL DE RORAIMA Tania de J. Gutiérrez Rodríguez (UFRR, Roraima) Temática: 1- Patrimônio Cultural Modalidade: 1- Relato de experiência

1 INTRODUÇÃO La ciudad de Boa Vista, capital del estado de Roraima al norte de Brasil, se crea en la primera mitad del siglo XX. Su original trazado urbano es radio concéntrico e identifica al territorio. Con su expansión, aquel sector se ha convertido en el barrio Centro, con una alta concentración de instituciones, y comercios. El punto central es una plaza, dentro y alrededor de la cual está emplazado un conjunto representativo del poder político administrativo, también la catedral, un hotel, y otros servicios. Casi todos son edificios de arquitectura moderna. Llama la atención que, en una esquina tan importante como hace la avenida Ene Garcez con la plaza cívica, se observe un conjunto arquitectónico con claras evidencias de total abandono y sin armonía con los demás. Se trata de la antigua Secretaría de Educación Cultura y Deportes (SECD). Es la única edificación que aún existe del primer plan urbanístico desarrollado por el ingeniero Darcy A. Derenusson. Después de ocupar varias funciones, finalmente quedó sin uso; pero es parte de la historia de la ciudad. Ese conjunto es el objeto de estudio seleccionado como tema de rehabilitación arquitectónica en la disciplina Proyecto V del curso Arquitectura y Urbanismo de la UFRR. Durante el primer semestre del año 2015, un grupo de 19 alumnos bajo la dirección de la autora, enfrentó el reto de elaborar diferentes soluciones de transformación para ese inmueble. Fue intención preservar valores aún existentes mediante la reanimación de ese lugar. Para ello contaban con 15 semanas que debían compartir con otras disciplinas docentes. Es propósito en este trabajo mostrar el proceso desarrollado y los resultados alcanzados. Los estudiantes hicieron profundizaciones teóricas sobre los tipos de intervención en elementos patrimoniales y sobre la historia local. Desplegaron un

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco amplio trabajo de campo para hacer observaciones y levantamientos. Pesquisaron en bibliografía para llegar a definiciones que les permitieron elaborar ideas creativas. Trabajaron en diferentes formas organizadas y con distintos recursos de presentación. Es una experiencia docente, por lo que pudiera presentarse en cualquiera de los dos ejes temáticos del evento, pero se decide por el que, a criterio de la autora, puede representar lo que es capaz de hacer el ámbito universitario.

Cuando

trascendiendo sus fronteras se ocupa de un interés de la práctica social, como es desde la arquitectura prestar atención a un patrimonio cultural.

2 DESENVOLVIMENTO Boa Vista es una ciudad relativamente nueva que se halla hoy en pleno desarrollo. Su creación se produce aproximadamente en momentos en que se está definiendo en foros internacionales, conceptos, enfoques y proyecciones sobre el patrimonio histórico cultural. Eso permite hoy tomar decisiones sobre bases establecidas, en función de los intereses derivados de su carácter amazónico y fronterizo. Ya tiene historia a valorar. El objeto de estudio, construido en 1943, tiene su frente hacia la plaza cívica, y el terreno que ocupa está comprendido entre la avenida Ene Garcez, la calle Araujo Filho y la avenida Mario Homem de Melo. A pesar de sucesivas ampliaciones y alteraciones sufridas, mantiene los rasgos fundamentales de su construcción original. Es una obra que merece ser reconocida en su valor patrimonial y que, por su evidente deterioro, requiere intervenciones constructivas.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Figura 1 – Localización y etapas de construcción de la antigua Secretaría Educación SECD. Localización en barrio Centro

SECD. Etapas de construcción 1970-2010

Autores: Equipo 1

Autores: Equipo 1

Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015). Todas las imágenes son tomadas de los trabajos de los estudiantes con los datos aportados por ellos.

Figura 2 – Fachada de la antigua Secretaría Educación. Evolución en casi 70 años SECD. Fachada principal en 1946

SECD. Fachada principal actual

Autores: Equipo 2

Autores: Equipo 2

Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015).

Las numerosas experiencias conocidas han respondido a una gran variación de términos: reanimación, reconstrucción, rehabilitación, restauración, revitalización, etc. Se reconoce que se encuentran diversas interpretaciones, con frecuencia con uso ambiguo o poco explícito, y a veces contradictorias (NOGUERA, 2002, p. 113). La búsqueda bibliográfica sobre conceptos y tipos de intervención arquitectónica dio lugar

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco a un debate colectivo que permitió garantizar un nivel determinado de dominio teórico para abordar la tarea planteada. Se decidió reconocer el inmueble como un elemento fundacional y parte de la identidad y memoria histórica local. Su evolución debe ser mediante una transformación en articulación con las dinámicas de desarrollo en torno al mismo. Una acción de recuperación tendría en cuenta la intervención de rehabilitación. Sería una práctica que plantee, al decir de la profesora Patiño (2012), “soluciones de recuperación de espacios públicos, adecuación funcional de edificios representativos, cambio de uso del suelo como respuesta a la demanda del sector, entre otros, que contribuyan de esta manera a la conservación y preservación del patrimonio cultural”. El proceso fue organizado en cuatro etapas, cada una de las cuales ocupó diferentes plazos de tiempo y con diferentes cantidades de alumnos. Tabla 1 - Etapas para el desarrollo de Proyecto V Etapas: 1 interés semanas Horas aulas Forma trabajo alumnos resultados

DIAGNÓSTICO 2 12 En equipos (2) 8 - 10 Informe escrito

2

3

4

PROGRAMA 3 18 En equipos (5) 3–4 Presentación en Power point

PLAN GENERAL 5 30 En equipos (9) 2-3 Paneles y maqueta

ANTEPROYECTO 5 30 Individual (19) 1 Planos técnicos

El diagnóstico se enfrenta por dos equipos, que lo inician sobre la base de la situación de partida, con dos objetos de atención. Uno fue el entorno urbano, en el que se tomaron datos del uso de suelo, morfología urbana, estilos arquitectónicos, número de plantas y alturas predominantes, así como el comportamiento de los espacios públicos. El otro objeto fue el conjunto edificado, el cual se analizó en su evolución histórica en cuanto a funciones y forma, su organización espacial, su estado técnico constructivo, comportamiento climático, sus áreas exteriores y valores. Con toda esa información se determinaron los elementos a preservar y los posibles de recibir transformación. Además del informe solicitado, cada equipo llenó los modelos de IPHAN (Instituto del patrimonio histórico y artístico nacional) de Brasil, para catastrar el inmueble estudiado. Con la determinación de las posibilidades de nuevas

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco intervenciones, se concluye con propuestas que realiza cada alumno de las funciones que podrían integrarse en el lugar. Esas funciones fueron el foco en la segunda etapa. Cada alumno dio la fundamentación para hacer su propuesta. Luego realizó las investigaciones pertinentes para determinar las actividades a planear, con definición de sus necesidades espaciales y ambientales. Cada cuarteto debió organizar las relaciones funcionales generales a establecer entre las cuatro funciones planteadas. Sobre la base de los datos disponibles del sitio, era preciso definir los elementos a aprovechar destacando los elementos de valor. intervenciones, propusieron

un

Reajustando las posibilidades de nuevas

primer esquema

de organización

espacial,

garantizando la satisfacción de las necesidades ya previstas. En este punto ya estaban en condiciones de elaborar el programa arquitectónico, con el que trabajaría en lo sucesivo cada miembro del equipo. Con total libertad de selección, fue amplia la diversidad de propuestas funcionales. Fue interesante que uno se planteara reiterar la ubicación de la secretaría de educación en el mismo sitio que antes pero con más racionalidad en el uso espacial.

Otras ideas tenían un vínculo también con educación pero más directo,

como un centro de referencia al estudiante de la red pública, un centro estadual de cursos de profesiones, y un complejo educacional. La mayoría se planteó reforzar el carácter cultural del lugar, con museos, bibliotecas, centro de exposiciones, observatorio de la ciudad, centro de memoria digital, centro de convenciones y otros espacios. Solo un equipo se desvió de estas líneas predominantes, y fuera de toda lógica desvió su atención para el ámbito de la salud, mediante un centro de acogida al anciano. Cada uno de los cuartetos se dividió en dúos, para elaborar respectivamente una propuesta de plan general teniendo en cuenta las cuatro unidades funcionales ya definidas. Fue concertado entre todos, preservar la forma exterior de las unidades originales, con sustitución de algunos de sus componentes como ventanas y puertas. Las cubiertas también fueron renovadas pero manteniendo su inclinación. Así mismo fue consenso la necesidad de incorporar nuevas construcciones. Finalmente se obtienen 9 esquemas, que representan por un lado el conjunto, con definición de sus

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco áreas exteriores. Por otro lado los edificios descritos en datos generales complementan la información. Para simplificar la interpretación de su lectura en la maqueta del conjunto, se orientó el uso de matices de dos colores: uno para los elementos que se conservan en provecho de las nuevas funciones, y otro para identificar aquellos que son nuevos. Figura 3 – Propuestas de Plan General Algunos aprovechan todo lo existente, aun cuando introducen elementos nuevos.

Autores: alumnos P. Vale de Sousa y U. Ribeiro Martins

Autores: alumnas C. Marques de Mattos y B. Saraiva da Silva

Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015).

Con esta definición, cada alumno debió seleccionar una unidad funcional para detallar en un anteproyecto, concluyendo la cuarta etapa. Debían mostrar de forma explícita la articulación entre lo nuevo y lo viejo. Todo representado en plantas, fachadas, secciones o cortes y perspectivas. Además de los planos debieron entregar una

memoria

descriptiva,

con

los

criterios

manejados sobre

concepción,

acondicionamiento climático, estructuras, protección y seguridad. Estas propuestas de solución funcional y espacial, junto al plan general, constituyen el resultado final de la disciplina. Son obtenidas 19 soluciones para diferentes componentes del conjunto.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Figura 4 – Propuestas de algunos componentes del conjunto Memoria digital y observatorio

Espacio cultural

Autor: alumno L. Verqas

Autora: alumna R. Fim Almeida

Fuente: COLECTIVO DE ALUMNOS (2015).

Ha concluido un proceso regido por el convencimiento que el conjunto de edificios que conforma la antigua Secretaría de Educación es representativo de la identidad local. Como patrimonio arquitectónico de Roraima, y debido a su mal estado técnico ha sido sometido a un programa de rehabilitación,

que mediante

un

ordenamiento de pasos y acciones, se puede afirmar la garantía para su recuperación y preservación.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se ha sintetizado una práctica docente, en correspondencia parcial con procesos avanzados de la realidad, con la intención de transformar el uso público de un edificio de relevancia histórica para la identidad de una población en desarrollo. Con esta experiencia se ha procurado que los estudiantes adquieran un nuevo conocimiento integral sobre la importancia del patrimonio desde su formación en arquitectura. Su pequeña exploración investigativa, para articular la preservación de un legado cultural a la dinámica de su ciudad en desarrollo, ha reforzado su preparación como profesionales. Proporcionar soluciones creativas de proyectos asociados a un interés social, es una muestra de extensión universitaria, que contribuye a consolidar el compromiso personal y de su centro con la sociedad. Con todo, estos alumnos han creado nuevos valores y disponen ahora de una nueva herramienta metodológica para enfrentar problemas futuros.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Los resultados obtenidos fueron positivos. Su divulgación es una modesta contribución al universo de acciones que requiere la transferencia hacia venideras generaciones del patrimonio cultural heredado de la historia humana en su paso por la tierra.

REFERÊNCIAS COLECTIVO DE ALUMNOS. Proyecto de rehabilitación de la antigua Secretaría de Educación. Grupo matriculado en la disciplina Proyecto V correspondiente al semestre 2015.1. Boa Vista: Curso Arquitectura y Urbanismo de la UFRR, 2015

NOGUERA GIMÉNEZ, J.F. La conservación del patrimonio arquitectónico. Debates heredados del siglo XX. Ars Longa, Valencia, n. 11, p. 107-123, 2002. Disponible en: http://www.uv.es/dep230/revista/PDF186.pdf. Acceso en: marzo 2015. PATIÑO E. Patrimonio y Urbanismo. Estrategias metodológicas para su valoración e intervención. Apuntes, Bogotá, vol. 25 No. 2, p.352-363, julio –diciembre. 2012. Disponible en: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid. Acceso en: marzo 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco MURALISMO E INTERVENÇÕES CONTEMPORÂNEAS: UM PROJETO DE INCENTIVO À ARTE Elias Magalhães de Almeida Leila A. Baptaglin Rhafael Porto Ribeiro Temática: 1- Patrimônio Cultural Modalidade: 1- Relato de experiência

Introdução O Arte no Campus é uma ação de extensão promovida pela Coordenação do curso de Artes Visuais que compreende uma série de ações artísticas realizadas nos campi da UFRR e na comunidade em geral, com a participação de professores, estudantes, técnicos, gestores educacionais e artistas convidados. Essa iniciativa surgiu de uma crescente demanda por eventos e ações culturais, por parte principalmente dos estudantes, que precisam suprir a criação de espaços de diálogo e produção em arte contemporânea, de modo a congregar os conteúdos desenvolvidos nas disciplinas (ensino), os demais projetos de abrangência comunitária (extensão) e os novos conhecimentos produzidos em e sobre arte (pesquisa). Para o ano de 2015-2016 novas ações estão sendo realizadas pelo projeto. Dentre elas: Muralismo e Intervenções Contemporâneas e, Oficina de Cerâmica: e, eventos como a Mostra Arte no Campus e, o Grafita Roraima. O Projeto Arte no Campus propõe, portanto, a oferta de um conjunto de ações à sociedade roraimense baseadas em uma metodologia integrada de abordagem transdisciplinar em que os processos criativos, o desenvolvimento das linguagens artísticas, o exercício da crítica e da leitura de imagens, a produção e a socialização de conhecimento em oficinas, exposições e em eventos acadêmicocientíficos resultem no aprimoramento dos processos artísticos e na formação cultural dos nossos alunos. Este estudo busca apresentar as atividades que estão sendo desenvolvidas na ação Muralismo e Intervenções Contemporâneas. Para isso, apresentaremos as atividades que os docentes, discentes e técnicos administrativos do curso de Artes

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Visuais vem realizando, no intuito de atender as demandas do projeto. Para isso, trabalharemos também com alguns referencias teóricos que abordam o Muralismo no contexto contemporâneo e, especificamente, o muralismo na cidade de Boa Vista/RR.

2. Muralismo contemporâneo: um olhar para Boa Vista/RR O Muralismo, no contexto brasileiro, apresenta-se com uma vinculação aos ideais advindos do Muralismo Mexicano. Segundo Vasconcellos (2004), a pintura mural, advinda do processo da Revolução Mexicana de 1910 apresenta-se como uma manifestação artística intencional e plena de significado ideológico com o objetivo de atingir os mais diversificados ambientes sociais. Daí sua exibição em espaços públicos apresentando aos olhos populares imagens da história, da cultura e da política do pais, permitindo uma leitura do que vinha sendo apresentado. Durante seu processo de fixação artística, o Estado Revolucionário, contribuiu fortemente para os primeiros passos que a modalidade haveria de dar. A contratação de artistas garantia sua existência pelas atividades murais, além do quê, isso também permitia uma ampliação do trabalho que vinha sendo realizado para o registro das artes e as ideias do movimento, tornando mais fácil o conhecimento da existência dos mesmos e tornando-os cada vez mais prestigiados pela população local ou mundial. Essa possibilidade tornava-os artistas mais abertos para criar e pintar, em sua maioria, retratando um povo em luta pela liberdade, contra a opressão e tirania. (VASCONCELLOS, 2005). A relação entre a arte e o Estado, lançou assim, uma forma inovadora de ser artista, Vasconcellos (2005, p. 289) diz que isso se deu não apenas no que se refere aos temas e signos da arte, [...] mas sobretudo em seus quatro momentos: produção, distribuição, circulação e consumo. Rompendo os canais privados do mercado da arte, ampliando seus espaços e suas relações na medida em que ao se localizar em espaços públicos torna-se arte pública, de “consumo” amplo que ultrapassa os limites de um grupo seleto.

Esta concepção de um movimento com produções artísticas destinadas ao público objetivava justificar de forma quantitativa a ampliação do número de

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco espectadores através da exposição aberta, o que, segundo o movimento, possibilitava uma maior difusão dos ideais propostos. Nos estudos de Vasconcellos (2004, p. 03), destacamos que os primórdios do movimento Muralista se deram “no ano de 1922, podendo ser dividido em duas grandes etapas cronológicas ou gerações: a primeira que abrange o período entre 1922 a 1942, e a segunda, que vai desde o início da década de 50 até nossos dias”. Com base nesta segmentação histórica e, atentando para o contexto da arte contemporânea, Vasconcellos (2004) diz que, o muralismo mexicano propunha uma leitura dinâmica acerca de sua realidade política inserindo-as nos debates acerca do papel da arte, situando-se entre as críticas das academias e da vanguarda europeia. Percebemos assim, que o movimento muralista respondeu às especificidades do contexto civil mexicano, voltado seu olhar para temáticas que retratavam o contexto social dos trabalhadores e camponeses sem se afastar do que vinha sendo apresentado nos debates da arte moderna. Criou-se então, soluções para o uso do espaço das obras do muralismo, rompendo com a arte de cavalete e incorporando outros materiais, ferramentas e técnicas ao processo de trabalho artístico. Portinari, segundo Colar (2007, p. 35) foi um dos grandes representantes do início do muralismo brasileiro A temática social, da terra ao homem, dos cafezais aos cortiços, as terras secas, os retirantes mirrados, os campos estéreis, as favelas tristes, a fase histórica foram preocupação constante de Portinari. A questão político-social foi determinante em sua carreira, que desde muito cedo deixou clara sua opção política (O Comunismo) e seu desejo de transformações no Capitalismo por meio de reformas políticas e sociais.

Com base neste contexto histórico, podemos perceber que o muralismo representou também um olhar para o contexto estético que passou a ser usado em intervenções no perímetro urbano ou mesmo no âmbito de intervenções escolares estimulando a criatividade, a criticidade e o desenvolvimento artístico. Em se tratando do nosso objeto de investigação, o muralismo em Boa Vista/Roraima, podemos encontrar algumas intervenções pictóricas em áreas urbanas, painéis e grafites que contam um pouco da história e cultura do Estado. Além disso, buscam também, sem deixar de ter seu valor estético, trazer à tona

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco problemáticas e valorizar o ambiente social. No olhar de Souza (2012, p. 16) “A arte muralista, quando intencionada à crítica social possui notadamente uma forte função social, sendo um canal de comunicação direto e eficiente entre o artista, a arte e o meio”. Possibilita assim uma interlocução que atinge a públicos variados e instiga o olhar crítico para os acontecimentos locais. Vasconcellos (2004, p. 4-5) destaca que É fundamental também ressaltar que essas imagens devem ser vistas como representações, ou melhor, ao serem compreendidas por outras pessoas além daquelas que as produziram, é porque existe entre elas um mínimo de convenção sociocultural. Dessa maneira, elas devem boa parcela de sua significação a seu aspecto de símbolo e de seu poder de comunicação.

Esse tipo de intervenção contemporânea do muralismo caracteriza-se então pelo hibrido de técnicas e linguagens (Grafitte, pintura mural, colagem, etc.) proporcionando assim a abertura para outras possibilidades de produção artística. Neste sentido, buscamos compreender o valor comunicacional das pinturas murais procurando integrar comunidade acadêmica e comunidade em geral no intuito de possibilitar um olhar crítico para os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais que vem sendo desenvolvidos no Estado.

3. Arte do Campus: Ação do Muralismo e Intervenções contemporâneas No ano de 2015, iniciamos as atividades do Projeto Arte do Campus com a ação de Muralismo e Intervenções Contemporâneas. Sendo assim, nas reuniões que ocorriam uma vez por semana, na UFRR, Bloco I do CCLA (Centro de Comunicação, Letras e Artes), com a presença de alunos do Curso de Artes Visuais e professores foram discutidas ideias e propostas do projeto. Ao iniciarmos os encontros do grupo, uma das atividades realizadas inicialmente foi a escolha de uma imagem visual para o projeto, no qual, consistia em uma logo para a apresentação dos trabalhos produzidos pelo Arte do Campus. As propostas foram apresentadas pelos alunos e posteriormente fomos aperfeiçoandoos no decorrer das reuniões com o parecer dos presentes no projeto.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco

Logomarca do Arte do Campus

Imagem 01: Morgana Fortes Os próximos pontos de pauta do projeto foram os projetos para as intervenções solicitadas. O primeiro projeto a ser posto em prática, foi a convite do PET – Letras, do curso de Letras (Espanhol/Inglês/Francês) da UFRR. A solicitação foi que elaborássemos um painel com base em um dos poemas elaborado por uma aluna do PET. A partir dessa solicitação, realizamos alguns projetos e das três propostas elaboradas, organizamos uma única que foi apresentada aos requerentes. A pós a elaboração do projeto, apresentamos, em um encontro com os alunos e professores do PET Letras, o projeto do Arte do Campus e a proposta para a pintura do painel. Durante o processo, houve a participação dos alunos do curso de Artes Visuais e do Curso de Letras. A pintura mural foi produzida sobre uma superfície de MDF. O processo de pintura levou cerca de dois dias para ser concluído e, posteriormente, foi encaminhado até a sala do projeto PET – Letras.

Pintura do painel PET Letras

Imagem 02 e 03: Arquivo dos autores

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco A segunda solicitação foi do IGEO, para a produção de pinturas que pudessem intensificar e aprofundar as relações culturais no prédio do Instituto. As ações foram programadas em 3 etapas: 1- Maloca IGEO; 2- Prédio Direção IGEO; 3Prédio salas de aula IGEO. Inicialmente, foi pensado em uma intervenção na Maloca e, como essa edificação possui um formato circular, buscamos produzir algo condizente com o que ela representa e com a cultura regional indígena. Assim, a proposta apresentada centrou-se na confecção de uma mandala com a representação de símbolos indígenas. Pintura da Maloca no IGEO/UFRR

Imagem 04 e 05: Arquivo dos autores A pintura levou em torno de três dias para ser concluída tendo a participação dos alunos do Curso de Artes Visuais. As duas outras etapas do projeto de intervenção no IGEO estão sendo pensadas pelos integrantes do Arte do Campus para serem realizadas no ano de 2016. A terceira proposta foi elaborada a partir de uma demanda dos alunos do curso de Artes Visuais em tornar o Centro de Comunicação, Letras e Artes (CCLA) um espaço que represente o curso. Para isso, os professores e alunos do curso de Artes Visuais articularam as ações do Arte do Campus com algumas disciplinas do curso no intuito de ampliar a participação e o envolvimento dos alunos. Sendo assim, solicitamos à direção do CCLA as quatro paredes da praça dos fundos sendo este espaço concedido ao projeto. Para serem produzidas as pinturas inicialmente instigamos os alunos a apresentarem propostas de pintura mural que representassem a cultura regional. Depois da elaboração das propostas, convidamos um artista local,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco juntamente com os professores do curso para a escolha das três obras que seriam trabalhadas para a pintura dos murais. Uma das pinturas foi previamente selecionada como sendo uma pintura de um dos alunos do Curso de Artes Visuais, recentemente falecido. Com os projetos de pintura escolhidos, os grupos de pintura foram divididos conforme afinidade entre os integrantes. Com a organização dos grupos e delegadas as devidas responsabilidades os grupos começaram a trabalhar. As pinturas levaram em torno um mês de processo, tendo sido elas concluídas em duas etapas, as três primeiras produzidas pelos alunos e a última que foi finalizada pelos professores responsáveis pelo projeto e os bolsistas, em homenagem ao Aluno Silvio Villase. A produção final das pinturas murais na praça do CCLA buscou apresentar uma caracterização da estrutura histórico e cultural do estado de Roraima.

Pinturas murais da Praça do CCLA/UFRR

Imagem 06, 07, 08 e 09: Arquivo dos autores

Neste sentido, o projeto Arte do Campus tem uma significativa preocupação em, como já sinalizado por Vasconcellos (2004), apresentar imagens que retratem os

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco valores e as problemáticas locais utilizando-se da preocupação estética, porém não somente desta, para o desenvolvimento da criticidade do sujeito. Isto pode ser evidenciado nos projetos apresentados nas intervenções de Muralismo desenvolvidas até o momento. Considerações finais Diante das ações realizadas no projeto do Arte do Campus, podemos destacar a necessidade de trabalhar com um olhar mais atento para a criticidade e a busca pela reflexão através das produções artísticas. A pintura mural, com suas raízes no movimento Mexicano, atenta para a utilização da Arte como forma de comunicação e expressão que adentre os mais variados setores sociais. É neste sentido que o Curso de Artes Visuais, através de suas propostas de intervenções, vem buscando esse diálogo com a comunidade. Além disso, busca atender um olhar que adentre as Teorias das Artes Visuais, as Linguagens e Poéticas Contemporâneas, à Arte e Tecnologia e também a Educação e Artes Visuais. Estas linhas de pesquisa ampliam o olhar e dão vasão para trabalhos de ensino, pesquisa e extensão atendendo a proposta de um curso interdisciplinar que faça parte do contexto cultural do Estado de Roraima. O Arte do Campus é uma das tantas ações que vem sendo realizadas e vem instigando os alunos à participar deste cenário artístico e cultural mobilizando movimentos de integração comunitária e acadêmica.

REFERÊNCIAS COLLAR, D. Portinari & Rivera: dois artistas; um objetivo. Revista Ângulo 110, jul./set., 2007, p. 35-42. Disponível em: . Acesso em: 07 de outubro de 2015. Projeto Político Pedagógico do Curso de Artes Visuais/UFRR. 2014 SOUZA, A. O Muralismo de Rivera e Portinari: a arte como possibilidade de reflexão crítica e mediação com a realidade social. Trabalho de conclusão de Curso. Ouro Preto/MG. 2012. Disponível em: < http://bdm.unb.br/bitstream/10483/5650/1/2012_AdelsonMatiasSouza.pdf >. Acesso em: 05 de outubro de 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco VASCONCELLOS, C. M. Visões da Revolução Mexicana: Arte e política nos murais do museu nacional de história da cidade do México. Anais eletrônicos do VI Encontro do ANPHLAC. UEN/PA-ANPHLAC, Maringá/PR, 20 a 23 de julho de 2014. Disponível em: < http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/105373/ 20Revolucao%20Mexicana.pdf >. Acesso em: 05 de outubro de 2015. VASCONCELLOS, C. M. As representações das lutas de independência no México na ótica do muralismo: Diego Rivera e Juan O’Gorman. Revista de História 152 (1º - 2005), 283-304. Disponível em: < >. Acesso em: 05 de outubro de 2015.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: VALORIZAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS IMATERIAIS E MATERIAIS NO ESTADO DE RORAIMA, PROGRAMA “VALLE DO RIO BRANCO” Esp. Francisleile Lima Nascimento (UFRR, RR) Dra. Leila Adriana Baptaglin (UFRR, RR). Temática: 2 – Educação Patrimonial; Modalidades: 3 – Ações de Extensão.

 INTRODUÇÃO Em 1858 o governo federal criou a freguesia de Nossa Senhora do Carmo. Esta foi transformada no município de Boa Vista do Rio Branco em 1890, contudo, ainda pertencente ao Estado do Amazonas. Em 1906 é lançado o álbum “Valle do Rio Branco” com as primeiras fotografias produzidas no estado. O nome do Programa “Valle do Rio Branco” faz referência aos primeiros registros fotográficos e patrimônios iconográficos de Roraima. Com a historicidade deste título procuramos propor projetos que se inserem na prerrogativa da história local no intuito de ampliar a discussão sobre as referências culturais e os conhecimentos tradicionais de grupos formadores da diversidade cultural roraimense. No Programa serão articuladas atividades voltas para a preservação do Patrimônio local. Dentre elas, e a qual trabalharemos neste ensaio, serão desenvolvidas atividades relacionadas à Educação Patrimonial. Sendo assim, palestras e oficinas antecedem as práticas que envolvem o procedimento de compreensão do patrimônio material e imaterial. Esperamos contribuir para que a sociedade tenha acesso a bens de interesse coletivo, seja por meio de visitações ou de site na internet. Assim ajudamos a contar o desenvolvimento do processo cultural dos grupos sociais em Roraima. Para isso, esta ação pretende desenvolver atividades que envolvam o corpo docente e discente das instituições escolares dos 15 municípios de Roraima (São João da Baliza, Rorainópolis, São Luiz, Uiramutã, Pacaraima, Mucajaí, Normandia, Iracema, Amajarí, Caracaraí, Bonfim, Canta, Caroebe, Alto Alegre e Boa Vista), no

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco intuito de proporcionar a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das comunidades. O objetivo deste projeto de Educação Patrimonial é proporcionar instrumentos que promovam a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das comunidades. Para isso, buscaremos capacitar professores para a elaboração de projetos de mediação cultural no intuito de trabalhar os bens patrimoniais locais; incentivar o trabalho em sala de aula com atividades que promovam o conhecimento dos patrimônios locais; conscientização dos docentes, discentes e comunidade em geral do conhecimento, preservação e difusão dos bens patrimoniais locais.

2 VALORIZAÇÃO E PATRIMÔNIO CULTURAL Ao trabalharmos com a Educação Patrimonial temos que ter claro a utilização de alguns termos. Sendo assim, alguns termos específicos que merecem ser destacados são: preservação, resgate, valorização e Patrimônio Material e Imaterial. Estes termos que passam a vigorar com maior intensidade neste trabalho sistematizarão alguns direcionamentos. Preservação refere-se, ao cuidado com o bem patrimonial. Ao que tange ao Resgate do bem patrimonial, o mesmo refere-se à recuperação de materiais ou, mais usado, à recuperação de bens imateriais (histórias, contos, lendas, músicas). O termo valorização vai além das conceituações literais que envolvem a manutenção dos bens em seu estado original ou ainda a desaceleração dos processos degenerativos (preservação), mas adentra os conceitos de valor de reconhecimento interligados com a necessidade de preservação. Tendo estes pressupostos apresentados, a terminologia Patrimônio Material e Imaterial representa toda uma estruturação história de bens materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis que compreendem o patrimônio cultural e, são considerados “manifestações ou testemunho significativo da cultura humana”, reputados como imprescindíveis para a conformação da identidade cultural de um povo (GONZALESVARAS, 2003, p. 44). Destacamos também, que estes Patrimônios podem ser apresentados como Patrimônio Cultural, o qual engloba o Histórico e Artístico, bem como Patrimônio Natural, incluindo bens estruturados pela natureza. Destacamos, contudo, que o termo Patrimônio Cultural não substitui ou anula o Patrimônio Artístico, Patrimônio Histórico e o Patrimônio Natural. Desta forma o Patrimônio Cultural configura-se em,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco (...) monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arquitetura; unidade ou integração à paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; os sítios obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico (CONFERÊNCIA GERAL DA ONU, 1972, p. 03-04).

Nossas práticas são diárias, e nela as mudanças ocorrem naturalmente. Entende-se que o “patrimônio cultural” é algo produzido pelo homem, seja qual for o tipo de manifestação ou ações produzidas em qualquer espaço, sendo ela material e imaterial. O “patrimônio natural” é apenas o produzido naturalmente, sem quaisquer intervenções antrópicas, é a própria dinâmica da natureza, onde entram paisagens que tenham características históricas, ou de apenas beleza natural, algum ciclo natural que seja único e específico de um determinado lugar, enfim são dinâmicas naturais sem ações humanas. Buscamos assim, sintetizar e proporcionar uma visão ampliada, uma conceituação que abarque os mais variados tipos e modalidades de patrimônios presentes na sociedade contemporânea. Isso, pois, nas últimas décadas tem havido uma significativa ampliação de instrumentos, objetos, edificações, culturas, ações, ou seja, não mais apenas o material, mas incluindo o imaterial e quiçá outras intervenções que vem sendo consideradas como patrimônios. Sendo assim, a expressão Patrimônio Cultural aqui passa a ser utilizada em um sentido amplo, para um olhar macro acerca do Patrimônio.

3 CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DE PATRIMÔNIO A partir de manifestações, críticas e mobilizações sociais que vieram acontecendo ao longo da história da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico SPHAN pode-se evidenciar algumas fases pelas quais esta instituição passou: A Fase Heróica correspondeu aos primeiros 30 anos (1936-1967) onde o Jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à frente da instituição. Neste

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco período, tem-se que em 1946, o SPHAN passa a denominar-se Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – DPHAN. A segunda fase (1967 a 1979) correspondente à administração do Arquiteto Renato Soeiro. Neste período, o DPHAN transformou-se, através do Decreto n° 66.967 de 27 de julho de 1970, em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. O mais importante nesse período aconteceu devido à nova estrutura, ou seja, seus distritos converteram-se em Diretorias Regionais (KERSTEN, 2010). Em 1973, foi nomeado o Grupo Interministerial, por solicitação dos Ministros do Planejamento e da Educação e Cultura. O grupo constituiu-se de representantes do Ministério da Educação e da Cultura - MEC, do Ministério de Planejamento e coordenação Geral, do Ministério de Interiores, através da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, e do Ministério da Indústria e Comércio através da Empresa Brasileira de Turismo - EMBRATUR. Este grupo tinha por finalidade efetuar estudos sobre o patrimônio histórico do Nordeste. Além desta tarefa que já cabia ao IPHAN e a EMBRATUR, foi criada a Comissão de Acompanhamento do Programa a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Políticas Urbanas - CNPU com a finalidade de integrar preservação e utilização dos bens culturais. Exigiu-se de cada Estado a apresentação prévia do Programa de Restauração e Preservação. Além deste Grupo apresentado acima, estruturados para o auxílio à preservação patrimonial, criaram-se Programas como o Programa de Cidades Históricas - PCH e o Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC que se configura na sequência dos acontecimentos referentes à preservação, mas adentra um olhar mais aberto às questões patrimoniais. Segundo Kersten (2000, p. 101). O CNRC conduziu uma proposta que pretendia superá-la (a filosofia orientadora da preservação), indo além das ações direcionadas à preservação dos bens da etnia branca, da elite vitoriosa. A nova diretriz ampliou os programas de preservação às culturas ameríndia e negra. Desenvolveu projetos que visavam preservar o que definiu como cultura popular, objetivando ir além do mimetismo estrangeiro e do desconhecido do autenticamente nacional.

Após um período de turbulências o IPHAN foi desativado e volta a renascer politicamente em 1979 com a direção do Coordenador Geral do CNRC, Aloísio Sérgio de Magalhães. Configuravam-se assim significativas mudanças no âmbito patrimonial

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco que passa a ter a junção do IPHAN-PCH-CNRC o qual começa articular inúmeras incumbências e assim, funde-se através do Decreto n° 84.198 em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico - SPHAN, responsabilizando-se pela preservação do acervo cultural e paisagístico brasileiro e, a Fundação Nacional Pró-Memória - FNPM, responsabilizando-se em proporcionar os recursos para agilizar o trabalho das Secretarias. Nesta transformação em SPHAN/Pró-Memória, Aloísio de Magalhães propõe que seja retomado o projeto original de Mário de Andrade onde, […] ao mesmo tempo em que criticou a preservação de bens de “pedra e Cal”, Aloísio demonstrou que a instituição não descuidaria dos bens já tombados. Alertou, porém, para a importância de outros bens culturais imóveis, de natureza histórica, religiosa ou leiga, dentre os quais sítios e conjuntos arquitetônicos relevantes. Para abrangê-los definiu um conceito mais amplo que abarcou o ecológico e o saber fazer as populações (KERSTEN, 2000, p. 103).

Neste momento então, começo a ver sinalizações de uma abertura para outros tipos de patrimônio além do material (móvel e imóvel). Começa-se a adentrar no campo do imaterial, algo que se expandirá e tomará corpo no final da década de 90 e início do século XXI. Com esta nova ideia, no ano de 1990, ocorre então, a extinção do SPHAN e da Fundação Nacional Pró-Memória - FNPM e com isso, a criação do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC. Em 1994 este órgão volta a se chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Pode-se verificar que apesar das transformações/mudanças de nomenclatura e presidência muito ainda há de ser feito frente às questões da valorização do Patrimônio Cultural. Para que se concretize a mudança conceitual e prática evidenciase a necessidade de uma mudança nas concepções referentes ao conceito e a importância do Patrimônio Cultural social. A memória faz cultivar através de imagens, inscrições, desenhos, documentos a lembrança de fatos consideráveis sobre a constituição da história (LE GOFF, 2003). Em Roraima pretende-se que a constituição das memórias estabeleça importante função social, na medida em que reproduz informações ou mesmo em relação à ausência de dados, baseando-se no estudo de cenários e artefatos que marcaram acontecimentos locais.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 4 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Alguns conceitos sobre patrimônio cultural são elaborados a partir de pensamentos e ações das mais diversas. Depara-se com práticas culturais a partir de manifestações expressadas pelo homem em qualquer espaço. O patrimônio cultural é o conjunto de manifestações, realizações e representação de um povo. Se for pensar o que seria “patrimônio cultural” - nada mais é do que tudo o que produzimos qualquer ação realizada através de um grupo de pessoas em um determinado lugar, quaisquer atividade que expresse esse conjunto de manifestações pode se considerado patrimônio cultural. Os lugares podem ser: casas, praças, ruas, prédios, escolas, museus, entre outros, enfim qualquer espaço pode ser utilizado para manifestar suas ações caracterizando-se como patrimônio cultural. Dentro desse processo, o patrimônio é tudo aquilo que existe em abstrato e concreto, ou seja, imaterial e material, o imaterial são as lembranças, histórias, vivências que estão no passado e no presente, o material é o produzido - o construído e que faz parte do passado mantendo-se no presente. Com isso, utilizar do ambiente escolar para estimular ações de educação patrimonial é importante para esclarecer e atrair novos olhares e práticas do que é patrimônio. Espaços educativos possibilitam novas construções, novos conhecimentos, novos pensamentos, além de torna-se um ambiente ativo com ações de experiências e vivências dos alunos a partir do próprio cotidiano. Essa prática de educação formal pode inserir-se em quaisquer níveis escolares, seja do pré-escolar ao nível superior. Nesse processo de práticas de educação patrimonial existem metodologias que auxiliam em várias ações que valorizam o patrimônio.

Dentro dessas

metodologias 04 (quatro) etapas foram criadas através do Manual de Atividades Práticas de Educação Patrimonial do IPHAN, Grunberg (2007): Observação: visão, tato, olfato, paladar e audição por meio de perguntas, experimentações, provas, medições, jogos de adivinhação e descoberta (detetive), etc., de forma que se explore, ao máximo, o bem cultural ou tema observado; Registro: com desenhos, descrições verbais ou escritas, gráficos, fotografias, maquetes, mapas, busca-se fixar o conhecimento percebido, aprofundando a observação e o pensamento lógico e intuitivo; Exploração: análise do bem cultural com discussões, questionamentos, avaliações, pesquisas em outros lugares (como bibliotecas, arquivos, cartórios,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco jornais,

revistas,

entrevistas

com

familiares

e

pessoas

da

comunidade),

desenvolvendo as capacidades de análise e espírito crítico, interpretando as evidências e os significados; Apropriação: recriação do bem cultural, através de releitura, dramatização, interpretação em diferentes meios de expressão (pintura, escultura, teatro, dança, música, fotografia, poesia, textos, filmes, vídeos, etc), provocando, nos participantes, uma atuação criativa e valorizando assim o bem trabalhado. A partir dessas etapas, diversas atividades podem ser trabalhadas para construir e registar estas ações caracterizadas como educação patrimonial. Com base no Programa Mais Educação sobre Educação Patrimonial realizado pelo Ministério da Educação, no ambiente escolar a participação ativa e conjunta dos professores, coordenadores, técnicos, estagiários e estudantes, podem oferecer oportunidades de reflexão e conhecimento partindo do contexto sociocultural e ambiental de suas próprias vivências dentro da própria escola. Dentro deste espaço a riqueza de informações culturais é enorme, explorar essas possibilidades se faz necessário para o entendimento sobre a ação do que seria essa educação patrimonial, nesse ambiente encontram-se as “raízes históricas” das pessoas que estão em convivência todos os dias, é uma referência cultural mais próxima e que a partir delas podem-se propor reflexões sobre o que o patrimônio representa ou pode vir a representar. Uma atividade muito importante para descobrir o que caracteriza esse espaço escolar no sentido de identificar essas referências culturais, seria a realização de um inventário dentro da escola. Mas o que seria inventário? Seria um levantamento descrevendo bens matérias e imateriais que fazem parte de um determinado lugar, grupo de pessoas, ou somente o espaço físico, no caso de um espaço escolar, faz-se descrição de todos que fazem parte da escola, as pessoas e os bens materiais, através desse levantamento começa a surgir às referências culturais deste ambiente. É uma forma de pesquisar, coletar e organizar informações sobre algo que se quer conhecer. Através dessa descrição descobre-se o que se tem e o que cada objeto e/ou pessoa é importante para esse local. Portanto, elaborar um inventário é ter um bem cultural. São ações de descrever, documentar, fotografar, filmar, entrevistar, fazendo gravações sonoras entre outros. Além de levantar informações já existentes que agreguem ao que está sendo construído. O inventário é um documento que registra as memórias e

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco momentos importantes que aconteceram naquele lugar, serve para relembrar aos novos personagens que irão compor uma nova memória, e que continuará alimentando as histórias que já foram vividas naquele lugar. O inventário é uma fonte de pesquisa que contem um registro do passado e que serve para entender melhor os presente e desenhar o futuro. Além de o inventário poder ser elaborado dentro do perímetro da escola, fora dele também é importante para conhecer o ambiente ao entorno da escola, as referências culturais internas e externas confrontam com informações que traçam perfis de uma dinâmica vivida dentro da escola e outra fora. Estas são variáveis que entram nas mais diversas áreas do conhecimento e que contribuem para atividades multidisciplinares e transdisciplinares, fomentando a participação coletiva dos professores, alunos e outras pessoas que queiram envolver-se contribuindo nesse processo de troca de conhecimentos a partir dessas referências culturais que foram levantadas. Através de um inventário surgem muitas atividades culturais em que as etapas aqui mencionadas como as metodologias utilizadas contribuem para desenvolver estas práticas com características diversas que entram como um patrimônio cultural, englobando a todos a construir um conhecimento “brincando” de fazer educação patrimonial.

5 VALORIZAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS EXISTENTES NOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE RORAIMA O patrimônio histórico e artístico nacional foi conceituado pelo Decreto-lei n°. 25, de 30/11/1937, como o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Está assim no art. 216, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis: Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Discutir sobre o passado em Roraima é pertinente, pois a importância e o caráter sociocultural, científico e econômico do Patrimônio histórico local se veem menosprezados no presente. Afinal passado, presente e futuro constituem-se juntos. Todos os seres humanos e sociedades (HOBSBAWM, 1997) estão enraizados no passado de suas famílias, comunidades, nações ou outros grupos de referências. Nesse programa queremos conhecer, também a memória pessoal que define a posição do cidadão em relação ao patrimônio local. Por tanto, entendemos que cultivar e preservar a identidade das populações dos municípios de Roraima significa priorizar atividades sociais através da implementação de um programa de educação patrimonial para que este desperte a conscientização e valorização da memória local criando referências para os futuros gestores da cidade e a formação de agentes históricos (instrutores que expliquem no local de implantação de cada obra a devida importância que lhe é atribuída) como veículos primordiais para a conservação do acervo.

6 METODOLOGIA DE TRABALHO DAS AÇÕES DE EXTENSÃO O projeto de Educação Patrimonial pretende desenvolver atividades que envolvam o corpo docente e discente das instituições escolares no intuito de proporcionar a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das comunidades. No trabalho com os docentes potencializa-se a articulação com as suas práticas pedagógicas, ou seja, o desenvolvimento de atividades que discutam/reflita e problematize o patrimônio material e imaterial. Já o trabalho com os discentes busca a conscientização da preservação destes patrimônios. Para isso, dar a conhecer a estes discentes o significado, os diferentes tipos de patrimônio, a importância história e cultural torna-se a fundamental para a continuidade desta ação, pelos docentes, nos espaços escolares. Cabe destacar, que esta ação baseia-se no processo de construção da Mediação cultural. A mediação cultural constitui-se nesta proposta, como importante meio para a consolidação da aprendizagem a partir do momento em que articula os conteúdos didáticos pedagógicos das escolas com a visitação aos lugares de memória. A educação patrimonial,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Tem, assim, um papel decisivo no processo de valorização e preservação do patrimônio cultural, colocando-se para muito além da divulgação do patrimônio. Não bastam a promoção e difusão de conhecimentos acumulados no campo técnico da preservação do patrimônio cultural. Tratam-se, essencialmente, da possibilidade de construções de relações efetivas com as comunidades, verdadeiras detentoras do patrimônio cultural (RUSSI et.al, 2013, p. 05).

A prática de Mediação apresenta-se assim como um procedimento que, no espaço educativo teve início no século XX, quando o educador brasileiro Paulo Freire (1963) inicia o trabalho de aprendizagem a partir da mediação, colocando a ideia de que ninguém aprende sozinho. Desta forma, as ideias sócias construtivistas são apresentadas como um processo de mediação do sujeito com o mundo em um limiar de desenvolvimento cognitivo. No âmbito do trabalho como o ensino de Artes Visuais, a arte/educação surge como uma importante mediadora do sujeito com a arte/objeto de memória colocando o espaço do Museu/lugar de memória, como um local de concretização desta mediação. Estes lugares apresentam-se como laboratórios de arte, história e memória sendo indispensáveis para o processo de construção cognitiva e visual do sujeito educando. Contudo para que isso aconteça, o processo de medicação requer do profissional mediador conhecimentos que lhe possibilite dialogar com cada sujeito e suas peculiaridades sendo este um trabalho bastante complexo aproximando-se muito do trabalho que se buscou fazer com a Abordagem Triangular (apreciação, contextualização e fazer artístico) (BARBOSA, 2004). Um trabalho de conhecimento e valorização sociocultural do sujeito e dos seus espaços de formação. O processo de mediação envolve então: o objeto a ser mediado, o mundo cultural de referencia do mediador e do contexto, as crenças e valores do mediador e, as representações e crenças dos destinatários. Assim, modifica-se consideravelmente com base nas considerações de cultura que revelam. Na prática, a mediação é um acompanhamento cultural e uma reflexão crítica sobre as várias modalidades de construção dos fenômenos culturais. Em uma concepção contemporânea busca exercitar os processos interpretativos do visitante/observador e de solicitar seu desenvolvimento e gosto para a comparação, para a investigação e improvisação. Não são os espaços e/ou os tempos que são dados a conhecer, senão sim, o sentido e a construção pelos percursos interpretativos variados. Segundo Vygotski (1995), a mediação acontece através de artefatos presentes na relação do individuo com o mundo, sendo assim, o mediador apresenta-

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco se como um contextualizado promovendo o encontro do repertório de saberes do sujeito com as referencias imagéticas e culturais que ele tem acerca do artefato histórico ou cultural que tem acesso. O mediador deve ser um instigador das relações do público/discente com este artefato com seus próprios modos e não um transmissor de conteúdos estanques e descontextualizados. A partir desta compreensão teórica acerca da Mediação cultural, reforçamos a necessidade de trabalhar com os docentes no processo de elaboração de projetos de mediação cultural os quais poderão ser desenvolvidos em cada escola na interação com os lugares de memória. Este trabalho, inicialmente carece também de uma prévia explanação com os discentes acerca da importância da preservação dos patrimônios materiais e imateriais. Temos assim, que a ação aqui proposta se desenvolverá em duas etapas: Primeira etapa: Será realizado um trabalho em grupos, quais sejam: Grupo de docente: Com o objetivo de instrumentalizá-los na realização de projetos de mediação cultural. Grupo de discentes: Com o objetivo de informar e instigar os alunos ao conhecimento e preservação do patrimônio material e imaterial. O trabalho com estes dois Grupos potencializa e garante o conhecimento do público docente e discente sobre a proposta de atividade a ser desenvolvida na interação entre a escola e os lugares de memória. Neste sentido, a atividade com os docentes inicia com uma explanação teórica do que vem a ser patrimônio material e imaterial dando destaque para a necessidade de sua valorização e preservação. Diante deste momento inicial serão apresentadas as leis que regem e regulamentam a preservação dos bens patrimoniais. Após esta explanação teórica será proposta uma atividade para os professores a ser desenvolvida com os alunos. A atividade consta em um processo de inventariar os bens patrimoniais materiais e imateriais locais. Neste momento todos os professores receberão informações necessárias para a elaboração do projeto de pesquisa e inventário. A partir deste processo de elaboração do projeto, cada professor, com um grupo de alunos, realizará a mediação/o acompanhamento de uma série de atividades que contribuirão para a salvaguarda destes bens. O trabalho com os alunos consiste em, após um levantamento prévio dos bens patrimoniais locais, fazer com que, acompanhado dos professores, os alunos entrem em contato com os responsáveis ou

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco conhecedores desse bem no intuito de levantar o maior número de informações sobre o mesmo. Instruções sobre os dados a serem coletados, os instrumentos de coleta e os equipamentos a serem utilizados serão trabalhadas com os professores e os mesmos repassarão para os alunos. Neste processo, o professor será um mediador das ações fazendo com que o aluno busque realizar sua pesquisa e suas pontuações conforme foi lhes orientado. Após o registro dos bens patrimoniais cada professor/escola ficará responsável em organizar os dados coletados pelos alunos a fim de realizar outra atividade a qual consiste na segunda etapa desta ação. A partir do trabalho realizado na primeira etapa será escolhido um representante docente de cada município que participará, juntamente com a equipe desta ação, no trabalho que será realizado nos municípios seguintes. Desta forma realizaremos uma interlocução de conhecimentos entre os municípios que instigará e unificará as ações de mediação que estarão sendo feitas. Ao findar as ações em cada município retornaremos ao primeiro município a fim de compartilharmos as experiências e aprendizados e verificarmos as atividades que foram desenvolvidas nos espaços escolares. Segunda etapa: com este grupo de docentes representantes de cada município e com os professores que participarão da ação, serão realizados encontros para a organização do material coletado e construção de materiais didáticos que contenham os patrimônios materiais e imateriais de cada município. Este material será organizado contemplando também as demais ações do programa Vale do Rio Branco possibilitando assim a construção de um material de divulgação/conhecimento e preservação dos bens patrimoniais locais incentivando, além do trabalho didático nas escolas, o conhecimento e a implementação de ações que abarquem o potencial Turístico dos municípios. Este material será disponibilizado às prefeituras municipais e auxiliará no trabalho referente ao conhecimento e preservação do patrimônio material e imaterial.

7 PROPOSTAS REALIZADAS E ENCAMINHAMENTOS No ano de 2014 foram realizados estudos e a organização da proposta da ação de Educação Patrimonial e o contato com os municípios de Roraima. Além disso,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco foi possível realizar essa ação em parceria com a Escola Aldébaro José Alcântara e Maciel Ribeiro Vicente da Silva no município de Bonfim/RR. A ação de Educação Patrimonial fez parte do III Intercambio Intercultural das Escolas da Fronteira – BrasilGuiana

onde

foram

realizadas

as

oficinas

de

Educação

Patrimonial,

Audiovisual/Cinema e Astronomia/Planetário. Pelo turno da manhã, foi feita a abertura do evento e posteriormente as turmas do Ensino médio foram encaminhadas para a realização das oficinas. Esta modalidade de ensino apresentou em média 150 a 180 alunos sendo que, cada oficina atendeu em torno de 50 a 60 alunos. A organização das oficinas foi em forma de rodízio, contudo, nem todos os alunos participaram de todas as oficinas tendo em vista que, ao mesmo tempo em que estávamos realizando as mesmas outras atividades estavam sendo realizadas no local (apresentação dos cursos de Artes Visuais, Música, Enfermagem e Medicina Veterinária). Durante a ação de Educação Patrimonial foi colocado, aos alunos e professores da Escola, alguns conceitos de Educação Patrimonial, bem como, foi instigado aos participantes pensarem em bens patrimoniais locais. A partir desse momento, os discentes apresentaram o que consideram Patrimônio em seu município (fig. 01 e 02).

Figura 01 – Discente desenhando patrimônio. (Dados do Programa de Extensão Valle Extensão Valle do Rio Branco, 2014).

Figura 02 – Apresentação dos conceitos de Patrimônio local. (Dados do Programa de Extensão Valle Extensão Valle do Rio Branco, 2014).

Pós a apresentação dos bens patrimoniais foi realizada uma conversa juntamente com os docentes das turmas para que os mesmos pudessem continuar essa atividade na escola. Foi possível observar que, mesmo sendo alunos do Ensino

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco Médio, poucos sabiam o que é Patrimônio e ninguém sabia os procedimentos para o tombamento de um bem patrimonial. Diante destas questões, percebe-se a eminente necessidade dos conceitos e proposições de Patrimônio Cultural serem trabalhados nas escolas no intuito de uma maior valorização e compreensão dos bens locais. Sendo assim, podemos constatar que a valorização dos patrimônios representativos das relações existentes nos municípios de Roraima implica em manter o registro da história e da vivência da população que ocupa esses espaços, definidos a partir das suas territorialidades. Com base nisso, este artigo traz uma proposta a ser praticada nas comunidades com intuito de construir e/ou resgatar a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial, promovendo assim interagir com o espaço escolar que é um lugar de memória fortalecendo a conscientização de docentes e discentes acerca da importância da preservação do patrimônio. Nós praticamos atividades culturais todos os dias e muitas vezes não nos damos conta. Faz parte do nosso cotidiano, constrói nossa identidade e determina os valores de uma sociedade. Educação patrimonial é um processo permanente e sistemático de trabalhos educativos, que tem como base o patrimônio cultural com todas as ações de manifestações realizadas dessas ações humanas. O projeto de Educação Patrimonial pretende, no ano de 2015, continuar desenvolvendo atividades que envolvam o corpo docente e discente das instituições escolares. No trabalho com os docentes potencializa-se a articulação com as suas práticas pedagógicas, ou seja, o desenvolvimento de atividades que discutam/reflitam e problematizem o patrimônio material e imaterial. Já o trabalho com os discentes busca a conscientização da preservação destes patrimônios. Para isso, dar a conhecer a estes discentes o significado, os diferentes tipos de patrimônio, a importância história e cultural torna-se fundamental para a continuidade desta ação, pelos docentes, nos espaços escolares. O objetivo deste projeto de Educação Patrimonial é proporcionar instrumentos que promovam a valorização e a preservação do patrimônio material e imaterial das comunidades. Para isso, buscarmos e continuaremos buscando capacitar professores para a elaboração de projetos de mediação cultural no intuito de trabalhar os bens patrimoniais locais; incentivar o trabalho em sala de aula com atividades que promovam o conhecimento dos patrimônios locais; conscientização dos docentes,

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco discentes e comunidade em geral do conhecimento, preservação e difusão dos bens patrimoniais locais.

REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/Educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2004. GONZALES-VARAS, Ignácio. Conservación de bienes culturales. Madrid: Cátedra, 2003, p.44. GRUMBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. (Org.). A invenção das tradições. Tradução Celina Cardim Cavalcante. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os Rituais de Tombamento e a Escrita da História: Bens tombados no Paraná entre 1938-1990. Curitiba: UFPR, 2000. ONU. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris, de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972. RUSSI, Adriana. Patrimônio Cultural: Diálogos entre Arte e Educação. Disponível em: http://educacaopatrimonial.files.wordpress.com/2010/08/patrimonio-culturaldialogos-entre-a-arte-e-a-educacao.pdf. Acesso em: 18 mar. 2014. VYGOTSKI, Levy Semenovich. Obras Escogidas III: incluye problemas del desarrollo de la psique. Madri-Espana.Visor, 1995.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco RELATO DE EXPERIÊNCIAS SOBRE A EDUCAÇÃO: USO DA TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA EDUCACIONAL NO CURSO DE MÚSICA DA UFRR Marcos Vinícius Ferreira da Silva (UFRR, RR) Rosângela Duarte (UFRR, RR)

Temática: 2- Educação Patrimonial Modalidades: 1- Relato de experiência



1 INTRODUÇÃO O curso de música da UFRR iniciou as atividades letivas no segundo semestre

de 2013, em virtude da prerrogativa da lei 11.769/2008 que determina a presença do ensino de música nas escolas da educação básica e a necessidade de formar educadores musicais para atuarem na rede de ensino e qualificar aqueles que já trabalham com o ensino de música em Roraima. Conforme o PPP do curso: É nesse contexto que o curso de graduação em Música-Licenciatura da UFRR vem desempenhar a função de propiciar um espaço educativo no ensino superior para desenvolver competências na área da música, visando uma formação integral do futuro músico profissional e educador musical favorecendo o ensino, a pesquisa e a extensão, como disposto nesta proposta pedagógica. Além disso, é função da universidade promover a formação de profissionais da área, uma vez que o ensino de música tornouse obrigatório a partir da promulgação da Lei nº 11.769/08. (PPP 2014, p 7).

Ainda assim, nos questionamos se o perfil do egresso do curso em licenciatura em música contemplaria as necessidades explicitadas na lei elencada acima. O curso deverá focar o performer, o intérprete, o educador musical? Ou cada um desses perfis? O que pensam estudiosos que deparam com tal situação? Dificilmente encontra-se uma escola que dedique parte do tempo curricular ao ensino da música voltado à prática instrumental. Quem absorve essa demanda em nosso país são as escolas voltadas para esse fim e ainda os remanescentes conservatórios. A formação do profissional que atua nesse segmento é bastante variada: a) egressos de cursos de licenciatura em música, com base musicopedagógica; b) oriundos de cursos de bacharelado em música, com treinamento a performance; c) músicos sem educação formal com carreiras bem-sucedidas ou não. (KEBACH e DUARTE, 2013).

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco As autoras acima citadas trouxeram mais uma indagação a cerca da formação dos profissionais em música presentes na localicade. Em Boa Vista-RR, não encontramos Conservatórios, mas sim a Escola de Música de Roraima (EMURR), o Instituto Boa Vista de Música (IBVM), os clubes de serviços como o SESC, SESI, SEST, escolas particulares de ensino livre, dentre outros. O pesquisador Roque Laraia adverte em “Cultura, Um Conceito Antropológico” que: O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo cumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. [...] Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade. [...] Se tivesse nascido no Congo ao invés de uma Saxônia, não poderia Bach ter composto nem mesmo um fragmento de coral ou sonata, se bem que possamos confiar igualmente em que ele teria eclipsado os seus compatriotas em alguma espécie de música. (2001 p.44-45)

Desse modo, conforme o autor, devemos trazer mais educação e cultura à nossa juventude, que é a sociedade que se forma nas escolas e que infelizmente está perdendo esse processo cumulativo de valores, conhecimentos, dentre outras definições. O educador deverá inseri-los no processo, não devendo afastá-los ou discriminá-los, pois: Em outras palavras, não basta a natureza criar indivíduos altamente inteligentes, isto ela o faz com frequência, mas é necessário que coloque ao alcance desses indivíduos o material que lhes permita exercer a sua criatividade de uma maneira revolucionária. (LARAIA, 2001, p.45)

Jusamara et. al.(2012, p. 39) afirma no capítulo “Música, Juventude e Mídia: O que os jovens pensam e fazem com as músicas que consomem”, como o educador poderá aproveitar a tecnologia e os aparatos tecnológicos, pois uma música midiática poderá aguçar o interesse na “pluralidade de estilos musicais” e consequentemente o despertar para a música ora de concerto, programática e histórica. “Tal crítica da mídia não se constrói a partir de um olhar tudo isso é porcaria, vamos ouvir e tocar uma música boa” (SOUZA, 2012, p. 275). A fim de que os alunos do Curso de Música da UFRR experienciem de forma completa e significativa o espaço acadêmico, apresentamos como as atividades das disciplinas Percepção I, II, III e IV, lecionada por meio de uma abordagem mediada com a utilização de aparatos tecnológicos como ferramenta educacional no curso de 130

I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco música. A seguir apresentamos as especificidades ao contemplar as dificuldades de ensino/aprendizagem encontradas durante a oferta, bem como as soluções impregnadas durante o período da atividade docente.

2. RELATO DE CASO DAS DISCIPLINAS PERCEPÇÃO MUSICAL I A IV A oferta da disciplina iniciou no segundo semestre de 2013 com um quantitativo de 50 alunos matriculados, dos quais 80% 18compareceram as primeiras aulas, 36% reprovaram por faltas na disciplina, 14% foram reprovados por conceito, e a outra metade corresponde aos 50% aprovados, conforme os dados informados pela coordenação do curso de música. Alguns alunos desistiram por diversos motivos, acreditamos que o maior fator seja em razão dos calouros não terem um conhecimento musical prévio, muitos tocam “de ouvido”, ou possuem apenas conhecimentos da “cifragem” e quase nada da leitura da partitura. Ler e interpretar uma partitura abarca conhecimentos teóricos, históricos e práticos, principalmente para os adultos que devem romper preconceitos e paradigmas, conforme cita Kebach no processo de musicalização para adultos: Vejo nos colegas que já tiveram música e hoje tem grande preconceito com relação a algumas aprendizagens, como a partitura, por exemplo. Se eu tivesse participado de outra metodologia de aprendizagem de música talvez os tivesse com o mesmo sentimento. (KEBACH, 2008, p.255).

Foi observado em sala de aula a mesma situação elencada por Kebach, “que foi o desinteresse e um mal-estar dos discentes, por já terem passado por situações de aprendizagem musical, e as formas de contato com a partitura” (p.255). Acreditase que os desistentes e reprovados na disciplina inicial, tenham encontrado tais dificuldades e o temor em galgar novos horizontes, talvez seja o motivo principal da obtenção de tal quantitativo. (ANEXO A) No primeiro semestre de 2014, foi ofertada a disciplina Percepção Musical II com a inscrição da metade dos inscritos no primeiro semestre, ou seja, 25 alunos matriculados. Utilizamos aulas expositivas, com leituras e ditados inerentes da

18 25 aprovados, 18 reprovados por faltas, 7 reprovados por conceito. 131

I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco bibliografia proposta na ementa e mesmo assim, os alunos encontram dificuldades em perceber certos elementos primordiais da música, ficando evidente a ausência de conhecimentos teóricos que foi identificado na disciplina ofertada anteriormente, dentre eles a falta de prática da leitura a primeira vista da pauta musical, dificuldades em identificar a relação dos intervalos melódicos e harmônicos, grupos rítmicos simples, dentre outras situações. Por mais que fossem enviadas atividades e trabalhos para realizarem em casa, os resultados eram preocupantes, pois estamos em uma graduação e esperava-se que os discentes tivessem um prévio domínio do conteúdo para prosseguir ao próximo semestre. Para evitar a desistência dos discentes, foram expostos diversos vídeos motivacionais, pois o objetivo docente era que todos absorvessem o máximo de subsídios para agregar conhecimentos para que eles crescessem intelectualmente e profissionalmente, tornando-se multiplicadores do conhecimento e rompendo paradigmas. A perspectiva começou a mudar após agendarmos uma aula no Laboratório de Informática do CCLA, onde foi apresentado aos discentes alguns softwares musicais como o GNU Solfege, o MusiScore e alguns sites com jogos musicais, alguns sem a necessidade da instalação na máquina, pois: (...) é urgente e necessário o trabalho com os softwares, a priori o MusiScore 1.1, pois o aluno muita das vezes não possui um bom solfejo e treina as músicas não obedecendo a duração correta das figuras, criando vícios e minimizando o impacto do aprendizado musical. (SILVA e RODRIGUES, 2011, p.20).

Silva e Rodrigues afirmam que há diversas possibilidades de utilizar a tecnologia como mediadora dos estudos musicais, independente do grau de conhecimento, pois os mesmos oferecem muito habilidades e compreensão perceptiva da notação musical. Para tanto, exemplificam um site gratuito para melhor compreensão, o “pratique música” cujo escopo: oferece jogos musicais onde o aluno poderá treinar a leitura musical, o treinamento auditivo que é a percepção musical entre outras possibilidades de estudo musical através dos jogos. Acredita-se que o jogo musical ajudará ao desenvolvimento de [...] “habilidades manipulativas, juízos e discriminações perceptivas e manejo da notação musical” (ibid., p.44, apud MORAIS 2008).

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco O francês Maurice Martenot desenvolveu os jogos Martenot, que contribuiu na forma do ensino musical, e seguindo o mesmo princípio, apresentamos aos discentes, uma das possibilidades de se realizar um aprendizado mediado pelos aparatos tecnológicos. A última atualização do site “pratique música”, oferece dois jogos musicais para aguçar habilidades musicais, sendo um alusivo à Leitura da Partitura e outro para treinamento da percepção, cujo nome é Ouvido Absoluto. Não é de hoje que educadores da primeira e segunda geração dos métodos ativos utilizaram jogos para aguçar o processo ensino aprendizagem. O objetivo do jogo musical Leitura de Partitura é apreender o nome das notas no pentagrama através do clique no nome da nota musical correta, que aparece abaixo do pentagrama. As figuras de duração se faz presente, onde inicia-se com semibreves até atingir a pontuação de 150. De 150 a 500 pontos a figura é a mínima. Acima de 500 vem à semínima, e assim sucessivamente outras figuras, cujo objetivo é dar nome as notas, porém observando os formatos das figuras de duração, que nesse caso influenciará na velocidade para obter a resposta correta. Quanto mais rápido a figura que aparecer na tela, mais rápido deverá ser a resposta. OuvidoAbsoluto, tem como objetivo descobrir qual nota foi tocada e assim treinar o ouvido do aluno para reconhecer cada uma das notas musicais. O jogo começa com apenas duas notas musicais e irá acrescentando mais notas conforme a pontuação a ser obtida. Do lado esquerdo do programa aparece um ícone que oferece outros timbres de instrumentos que emitira as notas do jogo (SILVA e RODRIGUES, 2011, p.23)

Foi apresentado, o software GNU Solfege, cujo objeto de estudo foi recomendado para a prática de intervalos melódicos, harmônicos, tríades e tétrades, bem como as suas inversões, transcrição de células rítmicas, ditados, entre outras possibilidades do software. O resultado foi imediato e surpreendente, damos como exemplo um aluno que tinha obtido um resultado ruim na primeira avaliação, foi aprovado na disciplina Percepção II sem a necessidade do exame de recuperação, pois o mesmo obteve praticamente o dobro da sua nota na segunda avaliação, além de outros alunos que apresentaram uma curvatura positiva nos conceitos finais. Como resultado do êxito da disciplina, tivemos 80% de aprovados, 16% de reprovados por faltas e 4% de reprovação por conceito.19 (ANEXO B)

19

20 aprovados, 4 reprovados por faltas, 1 reprovado por conceito. 133

I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco A oferta da disciplina Percepção III ocorreu no segundo semestre de 2014, com 19 inscritos e uma novidade, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) com atividades interativas e a disponibilização do material pedagógico ao findar cada aula. Tal iniciativa proporcionou uma melhor resolução do material em relação às fotocópias que eram disponibilizadas para xerox, ficando à critério do discente a opção de imprimir os arquivos ou estudar na versão “off-line”.

Outro ponto positivo foi a

praticidade para obtenção dos áudios para estudos, evitando os riscos de vírus nos pen drives, entre outros benefícios. Os softwares GNU Solfege e MusiScore foram instalados em todos os computadores do Laboratório do CCLA, e no AVA foram inseridas diversas atividades interativas, como os fóruns, postagens do conteúdo lecionado, bem como um feedback, tarefas e trabalhos para fixação de conteúdo, dentre outras que aproximou os discentes do objetivo principal da disciplina, sempre procurando sanar as suas dúvidas por meio da interatividade e da coletividade, sendo uma das premissas “a educação como uma via de mão dupla” (SILVA e RODRIGUES, apud GARROUX, 1994, p.20). Alguns alunos relataram que ao utilizarem o GNU Solfege, puderam exercitar atividades sem a dependência de um colega, que anteriormente executava as atividades, sendo um dos benefícios essa praticidade ao utilizar o software que executa as atividades, independente do momento que almeja estudar. Os mesmos salientaram que além de evitar certos constrangimentos, o software evitava uma exposição em público, e o objetivo foi concluído ao observar um melhor desenvolvimento prático nas atividades previstas no conteúdo, como os intervalos melódicos e harmônicos, ditados rítmicos, inversões de tríades, entre outros. O outro software livre, o MusiScore, permitiu a todos conferirem se o ditado da transcrição estava correto ao operar as ferramentas para transcrição e após, ao clicar em “executar”, analisariam a qualidade e exatidão da sua transcrição. No decorrer do semestre, os discentes tiveram aulas com uma série de exercícios presenciais e em grupos, e ao final dos estudos, todos deveriam apresentar um pouco do seu treinamento com os softwares, que foram devidamente registrado em formato audiovisual, e claro as atividades de solfejo e ditado, que agregou a teoria e prática. 134

I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco O resultado final da disciplina Percepção Musical III20 foi um quantitativo de 58% de aprovados, 16% reprovados por conceito e 26% reprovados por faltas. (ANEXO C) A disciplina de Percepção IV foi ofertada no primeiro semestre de 2015, com dez discentes matriculados, já cientes de seus progressos, bem como das suas necessidades pedagógicas, limitações e ciência da proposta docente, que utilizou o mesmo princípio pedagógico elencado anteriormente, que é de agregar a tecnologia como mediadora nos estudos musicais e da coletividade nas atividades práticas. Foi postado no AVA diversas músicas para transcrição com um maior grau de dificuldade, como partituras de músicas latino-americanas, outras da MPB, com uma presença intensa de sincopas, quiálteras, modulação tonal e de empréstimo para a leitura à primeira vista por meio do solfejo. O resultado foi a aprovação de 100% dos discentes, sem a necessidade do exame de recuperação. (ANEXO D) O exposto não é explanar que o ensino mediado pelos aparatos seja superior aos métodos tradicionais, mas considera-lo como uma “rota alternativa”: A utilização de rotas alternativas de aprendizagem pode possibilitar que conteúdos sejam concretizados e vivenciados de modo multifocal. Pela mobilização interrelacionada das Inteligências, obtém-se estratégias de ensino que articulem recursos oferecidos por cada uma delas. Acreditamos que essa estratégia pode demonstrar-se eficaz no ambiente de aprendizagem musical, (...) cujo processo de ensino-aprendizagem evidencia a Inteligência Musical como seu constructo principal. Portanto, as rotas alternativas são estratégias de cunho pedagógico, com vistas a articular, combinar e dinamizar as IM. (TARSO e MORAIS, 2011, p.358)

A musicalização para adultos e a evolução dos discentes que fizeram parte da primeira turma do curso da UFRR mostra que é possível aplicar tais rotas de aprendizagem, sem ignorar o modelo tradicional de ensino e espera-se que nossas contribuições sejam úteis para as demais turmas do curso, bem como de outras academias, escolas e instituições de ensino.

20

11 Aprovados, 5 reprovados por faltas, 3 reprovados por conceito. 135

I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as principais alterações propostas no curso, o desenvolvimento por meio do processo ensino-aprendizagem mediado por aparatos tecnológicos e a utilização das pedagogias dos métodos ativos, pode-se apontar que é possível a utilização dessa rota alternativa elencada neste artigo. Um software não pode ser considerado o melhor recurso para as aulas de música, e sim um dos recursos, pois toda aula deve ser planejada a partir da música e não planejá-la a partir de um possível recurso tecnológico. [...] e é que ele torna o ensino mais prazeroso aos alunos, podendo assim despertar uma possível vocação para a música. E cabe ao professor investir em sua capacitação profissional, buscando o conhecimento das tecnologias para que possa fazer o uso das mesmas em sala de aula. (CORREIA, et. al., 2008, p.23)

Portanto para melhor resultados no processo ensino/aprendizagem, sugerimos como possibilidade ao docente às suas abordagens pedagógicas em três etapas: 1. Exposição geral da metodologia e conteúdo, mais debate no Fórum do AVA sobre o exposto;e os práticos, atividades e contribuições de expoentes, continuando com debates no Fórum do AVA e em sala de aula; 2. Desfecho com os discentes desenvolvendo as considerações, dirimindo as dúvidas que com certeza surgiram no processo do ensino-aprendizagem. Para cada aluno, as rotas de acesso ao conhecimento podem variar. Os professores devem explorar diferentes caminhos pedagógicos para ensinar um mesmo conteúdo. É importante esclarecer que, à medida que os alunos vivenciam outras rotas de acesso, por meio de atividades denominadas desempenho de compreensão, geram-se condições para o professor e o aluno examinar e refletir sobre o conhecimento e organizar o processo de ensino aprendizagem, permitindo ao aprendente desenvolver as suas inteligências de maneira integrada e afetiva (TARSO e MORAIS, 2011 apud Abreu-e-Lima 2006)

Sem ignorar o modelo tradicional de ensino, espera-se que nossas contribuições sejam úteis para as demais turmas do curso, bem como de outras academias, escolas e instituições de ensino, pois a musicalização para adultos e a evolução dos discentes que fizeram parte da primeira turma do curso da UFRR mostra que é possível aplicar tais rotas de aprendizagem.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco

REFERÊNCIAS DEL-BEN, Luciana. Sobre os sentidos do ensino de música na educação básica: uma discussão a partir da Lei n. 11.769/2008. Música em Perspectiva, v. 2, n. 1, p. 110-134, 2009. CERESER, Cristina Mie Ito. A formação inicial de professores de música sob a perspectiva dos licenciados: o espaço escolar. In: Revista da Abem. Porto Alegre, v. 11, p. 27-36, set. 2004. CORREIA,Et. Al. Educação Musical através de softwares: Análise do GNU Solfege para o Ensino Regular. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Pelotas n.1, p.113-140, 2008, KEBACH. Patricia Fernanda Carmem (org) Expressão Musical na Educação infantil. Porto Alegre: Editora Mediação, 2013. KEBACH. Patricia. Musicalização Coletiva de Adultos: O processo de cooperação nas produções musicais em grupo. Tese de doutorado. UFRGS Porto Alegre, 2008. Disponível em https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13272/000642435.pdf?sequence= 1 Acesso em 12 de junho de 2015 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2001, 14 ed. Disponível em http://copyfight.me/Acervo/livros/Roque%20de%20Barros%20Laraia%20%20Cultura%20um%20conceito%20antropolA%CC%83%C2%B3gico%20%5Bpdf% 5D.pdf Acesso em 03/06/2015. MORAIS, Daniela Vilela de. O material concreto na educação Musical infantil: uma análise das concepções docentes. Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/AAGS7XNNPE/1/daniela_disserta__o_mestrado.pdf Acesso em 01 de Setembro de 2011 PINTO, Mirim Correa. TECNOLOGIA E ENSINO-APRENDIZAGEM MUSICAL NA ESCOLA: uma abordagem construtivista interdisciplinar mediada pelo software Encore versão 4.5 . Dissertação de Mestrado, Escola de Musica UFMG, 2007. Disponível em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ECOA7KGPLD/1/texto_tese_pdf.pdf Acesso em 01 de Setembro de 2011 PENNA, Maura. Conquistando espaços para a música nas escolas: a solução é a obrigatoriedade? In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 2007, Campo Grande. Anais... Campo Grande: ABEM, 2007. Disponível em CDROM.

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco SOUZA, Jussamara (org). Aprender e ensinar música no cotidiano. Editora Sulina. 2 Edição, 2012 SOUZA, Jussamara (org). Música na escola. Tomo Editoral. 2012 SILVA; RODRIGUES. TCC Música e Tecnologia: O Uso da Tecnologia na Educação Musical. 2011. Três Corações-MG TARSO,R.; MORAIS, D. ROTAS ALTERNATIVAS DE APRENDIZAGEM: Uma ferramenta para o ensino instrumental. UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE 2011.Disponível em https://www.academia.edu/5932399/Rotas_alternativas_de_aprendizagem_uma_ferr amenta_para_o_ensino_instrumental Acesso em 08 de Junho de 2015.

ANEXOS ANEXO A – PERCEPÇÃO I

ANEXO B - PERCEPÇÃO II

ANEXO C - PERCEPÇÃO III

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco

ANEXO D - PERCEPÇÃO IV

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco MANGROOVE: SONS DO MANGUE, UM PATRIMÔNIO QUATIPURUENSE. Johnny Kepller (UFPI, Piauí) Milenne da Conceição Lima (UFRR, Roraima)

Temática: Patrimônio Cultural Modalidades: Relato de experiência INTRODUÇÃO

Objetivando proporcionar uma Educação Musical pautada na convivência cultural local e de igual maneira, convergir e interligar os conhecimentos empíricos e científicos adquiridos, ou já trazidos de “berço”, por parte dos estudantes com outras disciplinas da Educação Básica nas Escolas Públicas em especial no Ensino Médio (Biologia, Matemática, Português, Literatura, Física, Geografia, Redação, História, Artes, Informática entre outras) surge a ideia de se fazer música do mangue. O Governo do Estado do Pará oferece às Escolas Estaduais o Programa Mais Educação nas Escolas, em que a própria escola define que oficinas serão trabalhadas no contra turno das aulas regulares do Ensino Médio. Dentre as oficinas trabalhadas, foi escolhida a de música. A missão era criar um plano pedagógico para atender os alunos de maneira descontraída e ao mesmo tempo incentivar a produção científica por parte deles. Ao trabalhar o Mangroove – Sons do Mangue, pudemos resgatar passo a passo o acervo regional natural. Para ensinar música na prática o programa da Plataforma Freire – PARFOR, da Universidade Federal do Piauí – PARFOR MÚSICA UFPI, é grande e importante parceira, pois cedeu fontes técnicas da Graduação em Música durante toda a criação de aulas de musicalização no mangue ao estimular um ensino musical híbrido, holístico e diferenciado na formação de seus “estudantes – professores” e consequentemente dos alunos participantes desta experiência. A maioria das atividades do Mangoovre eram com a turma no habitat natural: O Mangal. Feito isto, lhes foi ensinado a conhecer os materiais necessários para a

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco construção de ferramentas para se tirar e fazer sons (pássaros, água, crustáceo andando na lama, vento), bem como conhecer cientificamente e tecnicamente o contexto patrimonial do manguezal. A partir daí tratamos em diversos debates através de mesas redondas, diálogos ao ar livre e palestras com profissionais da área de Arqueologia, de História, de Geografia

e

de

Meio

Ambiente

os

temas

relacionados

ao

Patrimônio.

Consequentemente, fomos convidados a continuar os estudos na área patrimonial, eis que surgem várias novidades dantes desconhecidas e simplesmente saídos de uma aula de música. Para falar sobre como surgiu a proposta do Mangroove - Sons do Mangue, fazse necessário saber um tópico muito importante: Projeto Mais Educação nas Escolas. A idéia do Mais Educação é atender no contra turno o estudante com atividades diversas: violão, xadrez, redação, teatro, desenho, entre outros. Entretanto, fazia-se necessário mesclar com as disciplinas do currículo escolar e produzir uma culminância para apresentação de resultados. Objetivava, também, controlar a evasão e o baixo desempenho no boletim escolar. Minha função é, neste caso, atender as escolas do Município através da Secretaria Municipal de Educação – SEMED com a disciplina de Educação Musical, tendo este objetivo em mente. Ao criar uma proposta de plano de aula para o Programa Mais Educação, busquei em livros e artigos dados sobre o mangue. Durante este processo uma palavra chamou a minha atenção: MANGROVE. No Planejamento pedagógico não parava de pensar no grove (grôve, Gruve, Groove...), até que resolvi desvendar o termo mangrove acabando por encontrar em dicionários: “Manguezal, mangue, mangrove ou mangal é um ecossistema costeiro de transição entre os ambientes terrestre e marinho, zona úmida característica de regiões tropicais e subtropicais”.

Estava feito o projeto para trabalhar musicalização e

educação patrimonial no Mais Educação em uma região toda cercada por mangue. Como exemplo de temas tratados neste projeto cito Quatipuru como o maior fornecedor de caranguejo Uça do Brasil. Todavia, ainda com muitas famílias em condições irregulares no trabalho de catação; Os Sambaquis – Ocorrem na Guyana, Dinamarca, no Perú, Chile, EUA e por incrível que pareça em Quatipuru do Pará com

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco cinco mil 5.000 Anos A.C.; Pesca predatória; armazenamento do lixo; Criação da RESEX – Reserva Extrativista; Leis da área ambiental e temas diversos voltados para a área de musicalização entre outros. Groove provém da expressão “In the Groove” e é um termo oriundo da língua inglesa que para nós músicos é sinônimo de ritmo ou som jazzístico, instrumental. Nascia aí o Mangroove – Sons do Mangue. Apenas acrescentei uma vogal "o" a mais. Tomei o cuidado de pesquisar se havia algum projeto com esta especificidade no Mundo, no entanto, não encontrei. Com os androids e smartphones e tanta velocidade de informação a infância e a juventude não tocava mais no assunto: manguezal, ou sequer sabiam dos nomes científicos e das espécies deste ecossistema. Como eu sabia que eles gostavam de música resolvi pôr em prática uma forma de musicalização aliada educação do patrimônio.

DESENVOLVIMENTO

Ao chegar o Programa Mais Educação do Governo do Estado foi nas Escolas Estaduais do Município o coordenador deste Projeto me perguntou se eu não podia dar umas aulas de música por lá. Ele disse que duraria apenas seis meses (o projeto durou só quatro por questões orçamentárias), e eu aceitei de igual modo. Todos concordaram, dividimos a carga horária: Poesia; Xadrez: Tênis de Mesa; Flauta e Musicalização através, para e com o mangue. A turma de Flauta ensaiava com outro monitor um repertório regional e nós tínhamos a função de fazer o groove com raízes e materiais do mangue. Depois de termos vivenciado na prática aulas no manguezal e na beira da maré, fizemos nosso recital de encerramento em praça pública. Faltou luz. Tocamos no escuro mesmo, ficou muito lindo. A escola, em que foi desenvolvido projeto, está situada na região do salgado, à beira da maré no Nordeste do Estado do Pará. É composta por uma comunidade ribeirinha que sobrevive da pesca da catação de caranguejo e atividades autônomas. O que a Coordenação, e nós professores, tínhamos que equacionar era como ligar tudo isso no meio do Ano e com atividades tão diferentes. Nós reunimos com os professores participantes e eu apresentei o Mangroove – Sons do Mangue em que

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco pude mostrar que a educação patrimonial, a biologia, a geografia, a matemática, a história, a química, a física e a gramática seriam inevitáveis para a visita no mangal com a turma, tanto para a coleta de imagens e paisagens, quanto para o reconhecimento da diversidade ambiental riquíssima na vila de Boa Vista. A turma que participou do projeto era uma classe diversificada de pouco mais de trinta alunos e com idades entre doze e vinte anos que foram atendidos no contra turno de suas aulas regulares. Alguns muito tímidos outros bem participativos como todo grupo, no entanto algo diferente surgia nesta turma. Conforme o projeto tomava um rumo eles traziam seus questionamentos para a sala de aula. Pensando em dar andamento com o previsto, nos tornamos uma pequena grande equipe com contratos e verdades ditas olho no olho e sempre concluindo as etapas. Claro que alguns ajudavam e serviam de espelho para os demais, entretanto, a turma executou em conjunto. Eu percebi que a comunicação e a ética entre o corpo docente e seus gestores é fundamental para receber e atender os estudantes. Penso que a escola deve propor alegria aliada ao conhecimento. Com este projeto, propomos a curto prazo o fazer educacional com respeito pelas idéias e compartilhamento delas à medida que surgiam. Jovens sempre têm musicalidade, energia e criatividade e por isso a médio prazo a equipe pedagógico – escolar forneceu subsídios para eles tomassem os saberes necessários no que tange ao patrimônio do mangue.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Mangroove objetivou mostrar o mangue aos alunos e a partir daí deixá-los fazer musica, fazer "groove". Após os estudantes conhecerem os animais, as plantas, o ciclo natural que o mangue possui, e o quanto ele nos fornece em recursos para a nossa sobrevivência, e ao mesmo tempo perceberem o quanto deixamos de lixo e o sugamos sem controle, o próximo passo era ouvir, respirar e sentir o que isso causava em cada um. Esta reflexão pós – conhecimento e pós – contato com a biodiversidade do manguezal, dava espaço agora à uma reflexão para o fazer musical. Agora é copiar o som das aves, da água, da lama e reproduzir deixando nascer de sentimentos

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I Seminário de Patrimônio, Arte e cultura na Amazônia: a educação patrimonial em foco muitas vezes empíricos e subentendidos o que eles a partir daí aprenderam sobre o mangue. Quando sabemos onde estamos e qual nossa importância para este local, emitimos um som que leva à um ritmo, uma pulsação, gerando ondas, dinâmicas que atraem

outros

sons

provenientes

de

outros

espaços

formando,

portanto

involuntariamente uma sensibilidade humana que a escola pode e deve, após ensinar na prática, salvaguardar e passar para as novas gerações. Eis o objetivo do mangrove.

REFERÊNCIAS FERNANDES,M.E.,(2005). Os Manguezais da Costa Norte Brasileira. Ed. São Luiz, MA: Fundação Rio Bacanga, v. I, p.142, v.II,p165.

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