ANAIS GRUPO DE TRABALHO II - I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

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I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS Anais do I SIDHF ISSN 2525-2682 23 e 24 de novembro de 2015

Local: Faculdade de Direito Universidade Federal Fluminense Rua Presidente Pedreira, 62 – Ingá, Niterói – RJ

ORGANIZAÇÃO

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Anais do I SIDHF ISSN 2525-2682 23 e 24 de novembro de 2015 Niterói – Ed. PPGSD

EDITORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Rua Tiradentes, 17 – Ingá 24210-510 Niterói/RJ +55 (21) 3674-7477 [email protected]

CONSELHO EDITORIAL

Adalberto Cardoso (IUERJ)

Maurício Viera Martins (UFF)

Carmem Lucia Tavares Felgueiras

Napoleão Miranda (UFF)

(UFF)

Nuria Belloso Martín (Universidade de

Cláudia Ribeiro Pfeiffer (UFRJ)

Burgos)

Eliane Junqueira (PUC-RJ)

Renan Springerde Freitas (UFMG)

Glória Márcia Percinoto (UERJ)

Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva

Henri Acserald (UFRJ)

(UFF)

Joaquim Leonel de Rezende Alvim

Sam Moyo (African Institute for

(UFF)

Agrarian Studies – Zimbábue)

Juliana Neuenschwander Magalhães

Samuel Rodrigues Barbosa (USP)

(UFRJ)

Selene Herculano de Freitas (UFF)

Luis Carlos Fridman (UFF)

Sophie Olfield (University of Cape

Marcelo da Costa Pinto Neves (IDP)

Town)

Marcelo Pereira de Mello (UFF)

Wilson Madeira Filho (UFF)

Margarida Camargo Lacombe (UFRJ)

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais COMISSÃO CIENTÍFICA Docentes Profa. Dra. Adriana Vidal de Oliveira

Profa. Dra. Graciela Romero

(PUC-RIO)

(Universidad de la República)

Prof. Dr. Adriano Moura da Fonseca

Prof. Dr. Guilherme Magalhães Martins

Pinto (UNESA)

(PPGD/PUC RIO – PPGD/UCAM) P

Prof. Dr. Alexandre de Castro Catharina

rof. Dr. Jeancezar Ditzz de Souza

(UNESA)

Ribeiro (Unilasalle)

Prof. Dr. Antônio Celso Alves Pereira

Profa. Pós Dra. Joyceane Bezerra de

(PPGD/UVA)

Menezes (PPGD/UNIFOR)

Profa. Dra. Carmen Gloria Bravo

Prof. Dr. Luis Gutierrez Sanjuan

(Universidad de Santiago de Chile)

(ULPGC)

Profa. Dra. Célia Barbosa Abreu

Profa. Dra. Luizella Giardino Barbosa

(PPGDC/UFF)

Branco (PPGE/UNIFACS)

Prof. Dr. Cleyson de Moraes Mello

Profa. Dra. Madalena de Fátima

(PPGD/UNIPAC)

Zaccara Pekala (PPGAV/UFPE)

Prof. Dr. Cristian Lorenzo (CONICET)

Prof. Dr. Mar Jimeno Bulnes

Prof. Me. Daniel Rigoberto Bernal

(UNIVERSIDAD DE BURGOS)

(UNIVERSIDAD SANTO TOMAZ)

Prof. Dr. Marcelo Junqueira Calixto

Prof. Dr. Eder Fernandes Monica

(PUC-Rio)

(PPGDC/UFF)

Prof. Dr. Marcelo Pereira de Almeida

Prof. Dr. Edson Alvisi Neves

(PPGDP/UFF)

(PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Marco Aurélio Gonçalves

Prof. Dr. Eduardo Leiva Pinto

Ferreira (PPGD/UVA)

(UNIVERSIDAD DE LOS LAGOS)

Prof. Dr. Marcus Fabiano Gonçalves

Profa. Me. Elian Araújo (Mackenzie

(PPGSD/UFF)

Rio)

Profa. Dra. Maria Goretti Dal Bosco

Prof. Dr. Felipe Dutra Asensi (UERJ)

(UFF)

Profa. Me. Fernanda Pimentel da Silva

Profa. Dra. Monica Paraguassu Correia

(TECBRASIL)

da Silva (PPGDC/UFF)

Prof. Dr. Flávio Murilo Tartuce Silva

Profa. Dra. Nuria Belloso Martín

(PPGD/FADISP-ALFA – PPGD/EPD)

(Universidade de Burgos) Prof. Dr. Otávio Luiz Rodriguez (USP)

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Profa. Dra. Paula Lucía Arévalo Mutiz

Prof. Dr. Ubirajara da Costa Fonseca

(FUNDACIÓN UNIVERSIDAD

(UNESA)

CENTRAL) Prof. Dr. Rafael da Silva

Prof. Dr. Vladimir de Carvalho Luz

Marques (PPGDT/UNISINOS)

(PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Rodrigo de Souza Costa

Profa. Dra. Wanise Cabral Silva (UFF)

(UERJ)

Prof. Dr. Wilson Madeira Filho

Prof. Dr. Sérgio Gustavo de Mattos

(PPGSD/UFF)

Pauseiro (UFF)

Discentes Anna Terra Pereira Basso (UFF) Caroline Juvencio Mariano de Medeiros (UFF) Eduardo Magaldi Rodrigues (UFF) Laila Rainho de Oliveira (UFF)

COMISSÃO EXECUTIVA A Comissão Executiva foi presidida pela Professora Dra. Célia Barbosa Abreu e composta pelos seguintes membros: Prof. Dr. Adriano Moura (UNESA)

Gabriel Cerqueira Leite Martire

Prof. Me. Alex Assis de Mendonça

(Mestrando - PPGSD/UFF)

(PPGDT/ UFF)

Hian Silva Colaço (Mestrando -

Prof. Me. Alexander Seixas da Costa

PPGDC/UNIFOR)

(Mestre - PPGD/UERJ)

Prof. José Augusto Galdino da Costa

Anna Terra Pereira Basso (UFF)

(UCAM)

Caroline Juvencio Mariano de Medeiros

Joyce Abreu de Lira (Mestre -

(UFF)

PPGDC/UFF)

Eduardo Magaldi Rodrigues (UFF)

Profa. Pós Dra. Joyceane Bezerra de

Profa. Me. Elian Araújo (Mackenzie

Menezes (PPGD stricto

Rio / Doutoranda em Ciência

sensu/UFC/UNIFOR)

Política/UCAM)

Profa. Karyne Castro da Silva (UNESA

Prof. Me. Fabio Medina (UFRJ)

/ Mestranda/UVA)

Fabrízia da Fonseca Passos Bittencourt Ordacgy (Mestre - PPGDC/UFF)

Laila Rainho de Oliveira (UFF)

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Letícia Rayane Dourado Pinto (Mestranda - PPGDC/UFF) Prof. Me. Pablo Dominguez Martinez (UNESA) Prof. Pedro Paulo Carneiro Gasparri (UNESA/Mestrando - PPGDC/UFF) Profa. Auxiliar Me. Raísa Duarte da Silva Ribeiro (UFRJ) Sheila Regina Matos de Azeredo (Mestranda - PPGDC/UFF) Prof. Me.Vinicius Figueiredo Chaves (UFF/ – Doutorando/UERJ) Prof. Me. Tauã Lima Verdan Rangel (Doutorando – PPGSD/UFF)

EDITORAÇÃO, PADRONIZAÇÃO e FORMATAÇÃO DE TEXTO Célia Barbosa Abreu (PPGDC/UFF) Marcelino Conti de Souza (Mestre pelo PPGA/UFF) Sheila Regina Matos de Azeredo (Mestranda pelo PPGDC/UFF) Anna Terra Pereira Basso (UFF) Tauã Lima Verdan Rangel (Mestre pelo PPGDC/UFF) Daiane Conde da Costa (UFF) Isaac Marsico do Couto Bemerguy (UFF) Thiago Villar Figueiredo (UFF)

PROJETO GRÁFICO E CAPA eugène zero 2016 ([email protected])

CONTEÚDO, CITAÇÕES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Os autores É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte.

PROGRAMAÇÃO FINAL (resumida) I SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PPGDC/UFF Organizadora: Professora Pós Doutora Célia Barbosa Abreu

DIA 23 DE NOVEMBRO DE 2015 (SEGUNDA-FEIRA)

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais 18:00 às 21:00 - Salão Nobre: MESA DE ABERTURA: Presidente da mesa: Professora Pós Dra. Célia Barbosa Abreu. Abertura: Professor Dr. Wilson Madeira Filho Palestrante convidado: Dr. Guilherme Peña de Moraes Debatedor: Professor Dr. Leonardo Rabelo de Matos Silva Debatedor: Professor Dr. Edson Alvisi Neves Debatedor: Professor Dr. Sérvio Túlio Santos Vieira Debatedora: Professora Dra. Fernanda Pontes Pimentel Debatedora: Professora Dra. Monica Paraguassu Correia da Silva

DIA 24 DE NOVEMBRO DE 2015 (TERÇA-FEIRA) 14:00 às 17:00 - MESA DE FECHAMENTO: Presidente da mesa: Professora Pós Dra. Célia Barbosa Abreu. Palestrante convidado: Professor Dr. Rafael Mario Iorio Filho Palestrante convidado: Professor Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida Palestrante convidado: Professor Dr. Adriano Moura Debatedora: Mestranda Karyne Castro da Silva Debatedor: Mestrando Antônio Fernandes Debatedor: Professor Dr. Marcus Fabiano Gonçalves Debatedor: Mestrando Pedro Paulo Carneiro Gasparri

PROGRAMAÇÃO FINAL (in totum) DIA 23 DE NOVEMBRO DE 2015 (SEGUNDA-FEIRA) Mesa de abertura: 18:00 às 21:00 (Salão Nobre) Presidente da mesa de abertura: Professora Pós Dra. Célia Barbosa Abreu. É Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Atualmente, realizando estágio pós-doutoral junto ao Programa de PósGraduação em Direito da UERJ. Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade Federal Fluminense. Professora do Corpo Docente Permanente do PPGDC (Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Faculdade de Direito - UFF. Autora das obras: Contornos Dogmáticos & Eficácia da Boa-fé Objetiva, Curatela & Interdição Civil e Primeiras Linhas sobre a Interdição após o Novo Código de Processo Civil,

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais além de artigos publicados em revistas especializadas e capítulos de livros publicados. Experiência em Direito, com ênfase em Direito Comparado; Direito Constitucional Comparado nas Relações Privadas & Públicas; Direitos Fundamentais nas Relações Privadas & Públicas; Direito Fundamental à Saúde (especialmente, Saúde Mental); Direito Civil-Constitucional. Advogada.

Abertura: Professor Dr. Wilson Madeira Filho É Doutor e Mestre em Letras pela PUC/RJ. Professor Titular de Teoria do Direito, ViceDiretor da Faculdade de Direito da UFF, Coordenador do PPGSD da UFF (Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito), mestrado e doutorado. Coordenou por oito vezes equipes da UFF no Projeto Rondon. Coordena o Projeto CAJUFF Amazônia, em Oriximiná PA, no campus avançado José Veríssimo. Coordenou a mobilização social e a redação do projeto de lei de diversos planos diretores municipais. Foi presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais eHumanidades (ANINTER_SH).

Palestrante convidado: Dr. Guilherme Peña de Moraes É Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Fordham School of Law - Jesuit University of New York (FU/NY). Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Professor de Direito Constitucional do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFF. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Debatedor: Professor Dr. Leonardo Rabelo de Matos Silva É Doutor em Direito pela UGF, Mestre em Direito e Economia pela UERJ. Advogado. É Professor Titular da Universidade Veiga de Almeida e Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida. Membro da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas (ACAT), Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT), Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho (JUTRA). Consultor - Secretaria de Educação Superior, avaliador de cursos / consultor ad hoc do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Debatedor: Professor Dr. Edson Alvisi Neves É Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor Titular do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da UFF. Diretor da Faculdade de Direito. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais, Coordenador do Doutorado em Justiça Administrativa, Coordenador da Especialização em Direito Processual da Universidade Federal Fluminense, onde é Pesquisador da FAPERJ (Jovem Cientista do nosso Estado: 2012-2015). Foi professor/pesquisador convidado na Universidad de Málaga na Espanha nos anos de 2008 e 2009. Foi professor/pesquisador convidado na Universidade de Vigo na Espanha no ano de 2012. Membro fundador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Ciências do Poder Judiciário (NUPEJ). Membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française, Associação Nacional de História (ANPHU), do Instituo Brasileiro de História do Direito (IBHD) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Debatedor: Professor Dr. Sérvio Túlio Santos Vieira É Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Argentina. Chefe e Professor Associado do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da UFF. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e ex-Promotor de Justiça do Estado do Espírito Santo.

Debatedora: Professora Dra. Fernanda Pontes Pimentel É Doutora em Sociologia e Direito pela UFF e Mestre em Direito das Relações Econômicas e Contratuais pela Universidade Gama Filho. Professora adjunta do departamento de direito privado da Universidade Federal Fluminense.

Debatedora: Professora Dra. Monica Paraguassu Correia da Silva É Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Paris 1 - Sorbonne. Professora Associada do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFF. Professora do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da UFF.

DIA 24 DE NOVEMBRO DE 2015 (TERÇA-FEIRA)

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais 09:00 às 12:00 : Realização Simultânea dos Grupos de Trabalho Ø GT I DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (SALA 1) Organizadores: Professor Doutor Sérgio Gustavo de Mattos Pauseiro É Doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense. Professor Adjunto da UFF.

Professor Mestre Alexander Seixas da Costa Mestre em Direito Civil pela UERJ. Especialista em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense. Professor Assistente da UFF (campus de Macaé).

Professora Mestranda em Direito Constitucional pela UFF Sheila Regina Matos de Azeredo. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa sobre Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UFF (2014). Especialista em Administração Universitária pela Universidade Federal Fluminense (UFF. 1987). Graduação em Direito pela Universidade Estácio de Sá (ESA. 2007). Graduação em Administração pela Universidade Federal Fluminense (UFF. 1984). Servidora da Universidade Federal Fluminense desde 1983, por concurso público, onde exerce o cargo de Administradora. Advogada, com experiência nas áreas de Direito Civil e Administrativo.

Ø GT II DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS (SALA 2) Organizadores: Professora Doutora Wanise Cabral Silva É Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Foi Professora Adjunta da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. É Professora Adjunta na Faculdade de Direito da UFF.

Professor Mestre Fabio de Medina da Silva Gomes Doutorando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFF. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional. É

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Professor Substituto de Direito do Trabalho, Biomedicina e Perícia na Faculdade de Direito UFRJ.

Professor Doutorando Vinicius Figueiredo Chaves É Doutorando em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Público e Evolução Social pela UNESA. Especialização em Direito Empresarial e em Direito Tributário e Direito Societário e Mercado de Capitais pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente é professor convidado da Pós-graduação em Direito do IBMEC, professor auxiliar da UNESA e professor da PUC/RJ.

Ø GT III DIREITOS SOLIDÁRIOS (SALA 3) Organizadores: Professor Doutor Marcelo Pereira de Almeida É Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Especialização em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. É Professor Adjunto de Teoria Geral do Processo e Direito Processual da Universidade Federal Fluminense, Professor de Direito Processual Civil da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Professor de Direito Processual Civil da Universidade Estácio de Sá. Coordenador adjunto do Curso de Direito e Professor de Direito Processual da Unilasalle - Institutos Superiores de Ensino. Professor do Curso de Pós- Graduação em Direito Processual da Universidade Federal Fluminense - UFF. Professor do Curso de Pós- Graduação da Universidade Cândido Mendes. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNESA.Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil - IBDP. Advogado.

Professora Mestre Fabrízia da Fonseca Passos Bittencourt Ordacgy É Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional. Especialização em Direito Processual. É Defensora Pública Federal - Defensoria Pública da União.

Professor Mestrando Gabriel Cerqueira Leite Martire É Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF e cursando a Especialização em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade pela

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. Especialização em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes.

Ø GT IV DIREITOS DIFUSOS (SALA 4) Organizadores: Professora Doutora Monica Paraguassu É Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Paris 1 - Sorbonne. Professora Associada do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFF. Professora do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da UFF.

Professor Mestre Alex Assis de Mendonça É Mestre em Direito Constitucional pela UFF. Especialista em Direito Tributário e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UGF. Professor de Direito Previdenciário na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, no Curso de Pós-graduação em Direito Tributário da UFF. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Professor Mestrando Pedro Paulo Carneiro Gasparri. É Mestrando em Direito Constitucional do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UFF. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RJ. Especialista em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ-UNESA. Professor de Direito Processual Civil na Universidade Estácio de Sá. Palestrante de Direito Processual Civil na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ.

Ø GT V DIREITOS FUNDAMENTAIS E QUESTÕES PLÚRIMAS (SALA DO CEDAP/AQUÁRIO) Organizadores: Professor Doutor Jeancezar Ditzz de Souza Ribeiro É Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP E Mestre em Relações Internacionais pela UFF. É Professor de Direito Internacional no Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro, Unilasalle/RJ.

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Professora Doutora Ludmila Rodrigues Antunes É Doutora em Ciência Econômica na Universidade Estadual de Campinas com Pósdoutorado pelo Instituto de Economia da UFRJ. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense -UFF, no Instituto de Ciências da Sociedade (Macaé-RJ) , do Departamento de Administração e Ciências Contábeis-MAC.

Professora Mestranda Joyce Abreu de Lira É Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UFF. Pósgraduada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Graduada em Direito pela Universidade Gama Filho. Advogada. Juíza-Leiga no III Juizado Especial Cível da Capital.

Ø GT

VI

COMUNICAÇÕES

ORAIS

DE

PARTICIPANTES

NÃO

PRESENCIAIS INTERNACIONAIS (AUDITÓRIO 2)

Organizadores:

Professora Doutora Célia Barbosa Abreu É Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Atualmente, realizando estágio pós-doutoral junto ao Programa de PósGraduação em Direito da UERJ. Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade Federal Fluminense. Professora do Corpo Docente Permanente do PPGDC (Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Faculdade de Direito - UFF. Autora das obras: Contornos Dogmáticos & Eficácia da Boa-fé Objetiva, Curatela & Interdição Civil e Primeiras Linhas sobre a Interdição após o Novo Código de Processo Civil, além de artigos publicados em revistas especializadas e capítulos de livros publicados. Experiência em Direito, com ênfase em Direito Comparado; Direito Constitucional Comparado nas Relações Privadas & Públicas; Direitos Fundamentais nas Relações Privadas & Públicas; Direito Fundamental à Saúde (especialmente, Saúde Mental); Direito Civil-Constitucional. Advogada.

Professora Doutoranda Elian Araújo É Doutoranda em Ciência Política e Relações Internacionais - Universidade Cândido Mendes e Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho. Especialista

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense. Mestre en Derecho societário, consumidores y arbitrajes ULPGC-Espanha. Professora Graduação de Direito e Economia da Faculdade Moraes Júnior/Mackenzie Rio ; Professora convidada Pós-Graduação da ULPGC-Espanha; Organizadora do Encontro Latino Americano de direito, sociedade e cultura; Coordenadora Simposio: Integración en América latina. Naciones y regiones: Visiones desde la historia, la economía y el derecho- Congreso Internacional del Conocimiento- Universidade de Santiago do Chile- USACH e Membro Comissão Permanente de Direito da Integração - Instituto dos Advogados Brasileiros.

Professor Mestre Pablo Dominguez Martinez É Mestre em Direito Constitucional pela UFF. Professor universitário. Especialista em Direito Privado pela UFF. Professor da UNESA-RJ em Alcântara - RJ e Advogado.

Ø GT VII – COMUNICAÇÕES ORAIS DE PARTICIPANTES NÃO PRESENCIAIS NACIONAIS (AUDITÓRIO 1) Organizadores:

Professor Doutor Wilson Madeira Filho É Doutor e Mestre em Letras pela PUC/RJ. Professor Titular de Teoria do Direito, ViceDiretor da Faculdade de Direito da UFF, Coordenador do PPGSD da UFF (Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito), mestrado e doutorado. Coordenou por oito vezes equipes da UFF no Projeto Rondon. Coordena o Projeto CAJUFF Amazônia, em Oriximiná PA, no campus avançado José Veríssimo. Coordenou a mobilização social e a redação do projeto de lei de diversos planos diretores municipais. Foi presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais eHumanidades (ANINTER_SH).

Professor Doutor Marcus Fabiano Gonçalves É Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina,UFSC. Conclui Doutorado em Antropologia Social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS - Paris. Foi Professor de Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, onde também integrou o Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado). É Professor do Departamento de

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais Direito Público da Faculdade de Direito da UFF, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional. É também colaborador do Programa de Pós-Graduação da Universidade Nova de Lisboa.

Professora Mestranda Raisa Duarte da Silva Ribeiro É Mestranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UFF. Pós-graduada em Advocacia Pública pela Universidade Candido Mendes. Pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Professora Auxiliar de Processo Civil e Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UFRJ. Advogada.

Organizadores em Regime de Suplência:

Professor Doutorando Emerson Affonso da Costa Moura É Doutorando em Direito pela UERJ, Mestre em Direito Constitucional e Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense. Advogado.

Professora Doutoranda em Sociologia e Direito Tereza Angélica Sant’Anna da Costa Psicanalista, Escola Letra Freudiana; Coordenadora do Núcleo de Psicanálise do Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro SES/RJ; Docente do Programa de Residência Multiprofissional

em Saúde Mental CPRJ/UERJ; Coordenadora do Núcleo de

Investigação Clínica As Psicoses e Autismo, Escola Letra Freudiana (Ceará); Consultora Clínica do Núcleo de Saúde Mental e Trabalho (NUSAMT/SETRAB/RJ).

Professor Arthur Cunha da Costa Lima Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes (1983). Concluiu especialização pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 2007. Está cursando Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Argentina. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito do Consumidor. Atualmente é docente do quadro permanente da UFF e da pós-graduação lato sensu em Direito Financeiro e Tributário, perante a Fundação Euclides da Cunha (FEC) de apoio institucional à UFF. Tem experiência como Coordenador de Núcleo de Prática Jurídica. Foi professor contratado da UNESA e

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais eventualmente é convidado para ministrar aulas no Curso de pós-graduação lato sensu em Direito do Consumidor. Exerceu a função de advogado do Banco Bradesco S/A, por dez anos.

14:00 às 17:00: Mesa de fechamento Presidente da mesa: Professora Dra. Célia Barbosa Abreu. É Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Atualmente, realizando estágio pós-doutoral junto ao Programa de PósGraduação em Direito da UERJ. Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade Federal Fluminense. Professora do Corpo Docente Permanente do PPGDC (Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Faculdade de Direito - UFF. Autora das obras: Contornos Dogmáticos & Eficácia da Boa-fé Objetiva, Curatela & Interdição Civil e Primeiras Linhas sobre a Interdição após o Novo Código de Processo Civil, além de artigos publicados em revistas especializadas e capítulos de livros publicados. Experiência em Direito, com ênfase em Direito Comparado; Direito Constitucional Comparado nas Relações Privadas & Públicas; Direitos Fundamentais nas Relações Privadas & Públicas; Direito Fundamental à Saúde (especialmente, Saúde Mental); Direito Civil-Constitucional. Advogada.

Palestrante convidado: Professor Dr. Rafael Mario Iorio Filho É Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho e em Letras Neolatinas- língua italiana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e tem Pós-Doutorado em Ciência Política no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Professor de Ciência Política, Direito Constitucional e Direito Internacional da Universidade Estácio de Sá. Professor do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Estácio de Sá. Editor-Científico da Revista Juris Poiesis do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá. Professor de Metodologia da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparativos em Administração de Conflitos (INCT-InEAC). Avaliador ad hoc de cursos de graduação do Inep/MEC. É membro associado à Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), à Law and Society Association, ao Conselho de Pós-graduações em Direito (CONPEDI) e

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais ao Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Palestrante convidado: Professor Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida É Doutor e Mestre em Política Social pela UFF. Especialista em prevenção às drogas e escola pela UFF. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Coordenador de Iniciação Científica e Pesquisa do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá. Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania, Processo e Discurso. Professor da Universidade Estácio de Sá. Pesquisador do Grupo Politica Social e Pobreza, da Escola de Serviço Social da UFF. Professor da Universidade Católica de Petrópolis. Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia e Conselheiro Titular da 16ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado do Rio de Janeiro (OAB Niterói). Mediador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Conselho Editorial da Revista da Justiça Federal -Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Advogado.

Palestrante convidado: Professor Dr. Adriano Moura da Fonseca Pinto Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Cândido Mendes (2000) com experiência na advocacia corporativa e de prestação de serviços nas áreas cível, comercial e operacional. Doutorando pela Universidad de Burgos, Espanha. Pós- graduado em História do Direito pela Universidade Estácio de Sá-RJ. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá- RJ. Atua como advogado e consultor jurídico no Rio de Janeiro. Na área acadêmica atua como Professor do Curso de Graduação e Pós- Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá. É Membro da Coordenação Geral do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá e da Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Universidade Estácio de Sá. Coordenador/Autor da Coleção de Direito Processual Civil da Freitas Bastos Editora e outras obras jurídicas.

Debatedora: Mestranda Karyne Castro da Silva É Mestranda em Direito na Universidade Veiga de Almeida. Especialista na área de Direito Publico e História do Direito pela Universidade Estácio de Sá. Atualmente é professora da Universidade Estácio de Sá. Coordenadora Adjunta na área de Ciências Sociais da Universidade Estácio de Sá

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais

Debatedor: Mestrando Antônio Fernandes Docente de Ciência Política, Prática Jurídica e Processo Civil. Mestrando em Direito da UVA.

Debatedor: Mestrando Pedro Paulo Carneiro Gasparri É Mestrando em Direito Constitucional do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UFF. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RJ. Especialista em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ-UNESA. Professor de Direito Processual Civil na Universidade Estácio de Sá. Palestrante de Direito Processual Civil na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ.

Debatedor: Professor Dr. Marcus Fabiano Gonçalves É Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina,UFSC. Conclui Doutorado em Antropologia Social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS - Paris. Foi Professor de Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, onde também integrou o Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado). É Professor do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFF, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito e do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional. É também colaborador do Programa de Pós-Graduação da Universidade Nova de Lisboa.

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Anais do I SIDHF ISSN: 2525-2682

APRESENTAÇÃO A presente publicação reúne pesquisas apresentadas e debatidas no ano de 2015, no âmbito do I Seminário Internacional sobre Direitos Humanos Fundamentais, promovido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, por meio do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Constitucional (PPGDC/UFF), como uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais, cadastrado no CNPQ, sob minha liderança. O evento, no entanto, foi acolhido de pronto pela Direção da Faculdade e recebeu também a promoção do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD/UFF), dado o seu objetivo de proporcionar à comunidade acadêmica um espaço de reflexão e fomento de produção científica, não só jurídica como também inter, trans e multi disciplinar, contribuindo para ponderações acerca de soluções em torno de problemas ainda existentes na esfera dos direitos fundamentais de nosso país. O tema do Seminário é dotado de atualidade e relevância social, sendo adequado a ambas as linhas de pesquisa do PPGDC/UFF, quais sejam Instituições Políticas, Administração Pública e Jurisdição Constitucional e, da mesma forma, a

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais denominada Teoria e História do Direito Constitucional e Direito Constitucional Internacional e Comparado, tanto assim que os artigos completos apresentados nesta obra ora se encaixam numa linha, ora noutra. Servem à toda evidência para que se pensem nas alternativas futuras possíveis diante dos diversos desafios internacionais e globais nas diversas áreas de conhecimento (não somente nas atinentes às Ciências Sociais Aplicadas), indo para além do Direito Constitucional (area de concentração propriamente dita do PPGDC, corroborando para a formação dos discentes dos Programas de Pós-Graduação da UFF e de outras IES (Instituições de Ensino Superior). Participaram egressos dos referidos Programas de Pós-Graduação da UFF, discentes atuais e não só. Foi um evento umbilicalmente ligado à proposta de diversos outros Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, como demonstram os trabalhos constantes deste livro, onde estão presente Doutores, Doutorandos, Mestres, Mestrandos, da Universidade Estácio de Sá, da Universidade Veiga de Almeida, da Universidade Católica de Petrópolis, entre outras. Aduza-se, por oportuno, que o seminário nasceu como um – evento local - , todavia, na sua coordenação geral, optei por valer-me das ferramentas tecnológicas existentes atualmente, de modo que o projeto acadêmico culminou por ter se “reinventado”, ganhando a participação de debatedores de outros Estados Brasileiros e, a posteriori, também pesquisadores estrangeiros, em sede internacional. Observando as mesas de abertura e fechamento presenciais, percebe-se que o evento foi interinstitucional, pois nestas estavam docentes das Pós Stricto Sensu da Universidade Veiga de Almeida e da Universidade Estácio de Sá, além dos integrantes do PPGDC e do PPGSD. Ademais, fica muito claro na análise de seu blog: seminarioduff.blogspot.com.br e, ainda, de sua página no Facebook (https://www.facebook.com/I-Semináriointernacional-sobre-Direitos-Humanos-Fundamentais-853151388132813/),

que

o

seminário galgou a qualificação de evento nacional internacionalizado . O seminário teve cinco grupos de trabalho presenciais e dois não presenciais, estes últimos se valendo do uso da internet e de videoconferências, viabilizados diálogos à distância entre os pesquisadores participantes. Nesta parte tecnológica do evento, merecem especial referência as atuações da Pós da UNIFOR e a da Professora chilena Carmen Bravo (Universidade de Santiago do Chile – USACH), que contribuíram decisivamente para o sucesso do seminário. Outros pesquisadores nacionais e

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais internacionais enviaram videoconferências, que foram postadas no blog e no face do evento, de modo que o seminário continua sendo uma fonte de aprendizado aos interessados. O uso da tecnologia segue as diretrizes do Seminário de Acompanhamento da Capes – Área do Direito. Isto porque, em 20 e 21 de agosto/2015, se salientou a necessidade de reunirem-se todos os recursos humanos para que a Administração Pública e/ou a sociedade civil fossem capazes de aprimorar a gestão pública e reduzir a dívida social. Com efeito, não se tem dúvidas de que vivemos hoje no Brasil o corte de investimentos em serviços essenciais, como a saúde e a educação, com a redução do fomento nas pesquisas. Diante disso, a mobilidade física do pesquisador, seja entre os Estados de seu país, seja rumo ao exterior, para a divulgação de seus estudos, o diálogo, o debate e o fluxo do conhecimento quedou quase impossibilitada, senão no todo, mas em parte. Logo, buscou-se neste evento dar reunir esforços qualificados da Faculdade de Direito UFF, para, em âmbito seja nacional, seja internacional, se viabilizar a mobilidade virtual das pesquisas, por intermédio dos recursos tecnológicos disponíveis, da rede da internet e, ainda, por intermédio das videoconferências. Os diálogos à distância nacional e internacional foram realizados, o que se crê tenha sido uma vitória.

Célia Barbosa Abreu Coordenadora Geral do Evento Docente Permanente do PPGDC/UFF Professora Adjunta de Direito Civil UFF

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais SUMÁRIO APRESENTAÇÃO……………………………………………………………………...25

A QUESTÃO DO TRABALHO PARA OS REFUGIADOS DO BRASIL À LUZ DA ALTERIDADE E DA HOSPITALIDADE Ana Flávia Costa Eccard; Leonardo Rabelo de Matos Silva…………...………………..28

DESAFIOS AO DIREITO SOCIAL À SAÚDE: A CRIMINALIZAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CHEQUE-CAUÇÃO POR PLANOS DE SAÚDE Bruna Laiber Monteiro; Thamyrys Baur Tuffi Alli……………………………......……44

UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRADITÓRIO NAS AÇÕES JUDICIAIS QUE VERSAM SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE Camilo Plaisant Carneiro; Diogo Oliveira Muniz Caldas; Renata Souto Perdigão Granha.............................................................................................................................65

O TRABALHO DA MULHER: BREVES NOTAS PARA UMA REFLEXÃO A PARTIR DOS ASPECTOS LABORAL, SOCIAL E TEMPORAL Carla Appolinario de Castro; Esterlane de Oliveira Moreira……………………………77

INSTRUMENTOS JURÍDICO-INTERNACIONAIS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Carla Sendon Ameijeiras Veloso; Gleyce Anne Cardoso; Michelly Brandâo Reis..........89

A

ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA

COMO

CO-PARTICIPANTE

NA

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: UM DEBATE SOBRE TERCEIRIZAÇÃO Igor Silva de Menezes; Patrícia Levin de Carvalho Cidade; Suiá Fernandes de Azevedo Souza………………………………………………………………………………….110

LICENÇA-PARENTAL – UMA RELEITURA DO DIREITO A LICENÇAMATERNIDADE E PATERNIDADE À LUZ DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA Lygia Maria Pereira; Malu Maria de Lourdes Mendes Pereira; Wagner Saraiva Ferreira Lemgruber Boechat……………………………………………………………………128

I Seminário Internacional Sobre Direitos Humanos Fundamentais O CONCEITO TRABAHO DECENTE E A LINGUAGEM DOS DIREITOS HUMANOS: A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Márcia Regina Castro Barroso………………………………………………………...147

O DIREITO À MORADIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SEU RECONHECIMENTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Maria Solara Pontes Mora; Rosângela Maria de Azevedo Gomes…………………….165

O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E A GENTRIFICAÇÃO Úrsula Bahiense……………………………………………………………………….184

APRESENTAÇÃO DO GRUPO DE TRABALHO II: DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS Os Coordenadores do 5º Grupo de Trabalho (GT) de Perspectivas de Direitos Fundamentais apresentam à comunidade acadêmica o livro correspondente aos trabalhos enviados e aprovados para o I Congresso Internacional de Direitos Fundamentais, realizado em Niterói, realizado em Belo Horizonte, entre os dias 10 e 14 de novembro de 2015, organizado pelo Grupo de Pesquisas de Direitos Fundamentais, capitaneados pela organizadora do evento, Professora Doutora Célia Abreu. Pensando o Direito Civil na contemporaneidade, muitos dos trabalhos foram enriquecidos com pesquisas doutrinária e jurisprudencial, alguns até na comparação com o direito estrangeiro, proporcionando os principais aspectos teóricos com a aplicação prática do Direito por parte dos juízes e Tribunais, observando-se, assim, os rumos que o Direito pátrio vem se direcionando. Nesta prazerosa atividade de apresentar trabalhos que contribuem com a pesquisa e aprofundamento do estudo do Direito, é possível dividir os textos publicados em três grupos. No primeiro grupo de artigos encontram-se os seguintes temas: a análise do papel da judicialização na busca de sanar a falta de efetividade dos direitos sociais e suas implicações; a proteção do tráfico de seres humanos para o trabalho escravo ou análogo; a criminalização da exigência de cheque-caução por planos de saúde, bem como a questão fundamental da diversidade e identidade de gênero, aspecto indissociável dos direitos e caracteres mais intrínsecos do ser humano, e, por fim, a análise da tensão entre os deveres dos pais e a liberdade da criança e do adolescente. Sobre a judicialização, o texto trabalha os aspectos favoráveis e desfavoráveis da implementação dos direitos de forma individual, por ações judiciais, pois ao se proteger individualmente, não se protege a sociedade como um todo. Objetiva-se, assim, repensar e trazer novas perspectivas à judicialização no que tange à real efetividade do acesso à justiça, impondo uma análise sobre a desjudicialização, não no sentido de negar o acesso judicial, mas de se verificar outros mecanismos que possam de fato conferir cidadania e justiça social para as partes. O tráfico de pessoas ainda é uma realidade nacional. A pesquisa analisa o recrutamento de pessoas mediante o uso da força, fraude ou coerção com propósito de exploração da vítima, mercantilizando sua força de trabalho e sua integridade física,

avaliando as diversas perspectivas decorrentes de tais ilegalidades, tudo em nome do aumento da margem de lucro. O terceiro texto trabalha questão diretamente ligada à saúde, abordando a tipificação da conduta que exija o Cheque-caução como condicionante ao atendimento médico emergencial, ocorrida pela Lei nº 12.653 de 2012, que, por meio do artigo 135-A do Código Penal, criou o crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial. Tema fundamental e atual é a perspectiva da identidade de gênero sexual, que decorre como emanação direta da dignidade da pessoa humana. Ainda pouco compreendido socialmente, o conceito de identidade de gênero está intimamente relacionado ao processo de autodeterminação psíquica do ser, não estando necessariamente vinculado ao seu sexo biológico ou à sua orientação sexual. Na medida em que a identidade de gênero traduz a forma como nos reconhecemos em nós mesmos e desejamos que os outros nos reconheçam, protege-se o indivíduo. A família constitui a base da sociedade. A função dos pais é essencial para o desenvolvimento da criança e, por vezes, se faz de forma severa, limitando a autonomia dos filhos. A tensão entre o dever de cuidado e vigilância dos pais e a privacidade das crianças e adolescentes é o objetivo da quinta pesquisa do primeiro grupo. O segundo grupo de artigos possui a temática da liberdade como foco, na perspectiva defensiva, seja na exigência de uma propaganda transparente, seja na forma do controle do conteúdo da informação. O primeiro artigo abordou a questão da publicidade enganosa e suas implicações, em especial no cotejo com a proteção individual de acesso a uma informação correta, transparente e verdadeira. No segundo texto, a temática desenvolvida é a do direito fundamental à autodeterminação informativa, direito que propicia o controle dos dados e informações relativas a um indivíduo, ou seja, aborda-se a possibilidade de ingerência frente ao uso indevido e sem autorização das informações de uma pessoa. O último grupo de artigos confere uma análise processual, seja do contraditório nas ações fundadas no direito à saúde; seja do princípio da razoável duração do processo nas perícias das ações que buscam a concessão de auxílio-doença acidentário. O rito processual, o contraditório e a efetividade das decisões judiciais é o tema do terceiro artigo deste grupo, que tem como objetivo avaliar se o direito à saúde vem, de fato,

sendo protegido pelo Poder Judiciário e como os atores participantes se desenvolvem em tal dinâmica. A duração razoável é a grande preocupação atual do processo na nossa sociedade moderna, pois está diretamente ligado à efetividade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário. Tema pouco debatido, mas que objetiva a realização do direito social do auxíliodoença, o artigo aborda as perícias médicas para a concessão do benefício. O objetivo do I Congresso Internacional de Direitos Fundamentais era o de fomentar a pesquisa do Direito e de servir de ponto de encontro às novas ideias e novas perspectivas da moderna sociedade brasileira, tarefa que temos o prazer de dizer que foi alcançada. Busca-se, assim, contribuir ao aprimoramento das discussões na Academia do Direito contemporâneo, construindo um direito moderno, capaz de responder mais adequadamente ao anseio social de implementação da Justiça, razão básica do Direito.

Wilson Madeira Marcus Fabiano Pablo Martinez

A QUESTÃO DO TRABALHO PARA OS REFUGIADOS DO BRASIL À LUZ DA ALTERIDADE E DA HOSPITALIDADE

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Ana Flávia Costa Eccard

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Leonardo Rabelo de Matos Silva

Palavras-chave: Trabalho dos refugiados; Ordem econômica; Globalização

O atual artigo busca investigar a questão do trabalho pensado a partir do prisma da migração de refugiados, haja vista que os números de deslocamento para o Brasil aumentou exponencialmente nos últimos anos.3 Com tal numeroso recebimento de refugiados percebe-se a necessidade de pensar uma reorganização econômica para que não se tenha efeitos negativos como percebemos com a Crise dos Refugiados na Europa, sempre tendo como base a importância da questão humanitária. A origem e os motivos que fizeram essas pessoas saírem de seu local de pertencimento também fazem parte dessa investigação, contudo, nosso foco é pensar o fenômeno do trabalho para estes que encontram aqui4 um novo espaço de acolhimento e não mais medo da morte. A figura do refugiado no atual cenário político internacional remete a: embarcações lotadas, pessoas saindo de seu território de forma abrupta, criança encontrada morta na praia. Não se sabe a realidade desse povo, não se conhece a história deles, nem a forma precária que vivem, agora ,no seu novo espaço, tendo que realocar toda sua vida. Importante se faz ressaltar que há também nesse estudo a busca de um entendimento a partir de uma ótica filosófica com uso dos conceitos de alteridade e hospitalidade do filósofo Derrida. É preciso pensar sobre o termo refugiados, seu reconhecimento internacional, a regulamentação desse direito que tem sua origem em conflitos históricos e seus

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Doutoranda em Direito pelo PPGD/UVA. Graduada em Filosofia e Direito, Mestre em Filosofia pela PUC/RJ. Email: [email protected]. Link para o Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1513280288923024 2 Doutor em Direito (UGF). Coordenador e Professor permanente do PPGD/UVA. Email: [email protected],. Link para o Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8582608061864446 3 Segundos os dados da Anacur de 2003 até 2014 houve um aumento de 70% da chegada de refugiados. O Trabalho do ACNUR é proteger os refugiados e promover soluções duradouras para seus problemas, trata-se de um órgão da ONU. 4 Aqui no Brasil.

desdobramentos nos âmbitos jurídico, social e econômico. Importante notar que tal instituto é cunhado de documentos oficiais que transformaram uma demanda em lei, assegurando esse grupo marginal outrora perseguido devido a motivos diversos que foi forçado a se retirar do próprio território, rompendo com seu histórico psíquico de pertencimento, além das questões materiais. Estabelecer o instituto dos refugiados se faz importante para poder pensar enquanto entidade metafísica, agora na figura do outro, a questão do acolhimento e da hospitalidade do povo que recebe enquanto estatuto ético-político de tolerância. Insta dizer, que o fluxo contínuo de acontecimentos de uma época globalizada e tecnicista permite a formação de um “estar” e não “ser” refugiado, classificação identitária que faz toda diferença no tocante social. A questão do trabalho para esse grupo vulnerável é de extrema importância. Temos como escopo que o trabalho é fundamental para reestruturação dos refugiados agora no país que os acolhe, a partir de análises de casos concretos, como na situação dos refugiados haitianos e senegalenses no Acre, percebemos um esforço do Estado em assegurar os direitos destes, com emissões de documento, disponibilização de abrigos, transportes gratuitos. Contudo, essas ações não são suficientes, o número de refugiados que recebemos entre 2010 a 2014, aumentou 70%. O Estado reconhece sua vulnerabilidade quando apóia inúmeras ações de iniciativa privada e no momento em que percebe o crescente número de ilícito, como por exemplo, os aliciadores. Vislumbra-se um complexo de problemas em relação ao trabalho/emprego dos refugiados, como: falta de regulamentação devido ao número de refugiados, ou seja, os órgãos públicos não dão conta em emitir documentos para todos em cidades periféricas; quando regulamentados devidamente não há fiscalização dos possíveis empregadores permitindo casos de tráfico de pessoas para exploração da mão de obra e sexual, isto é, atuação dos chamados aliciadores; e ainda, o problema da certificação profissional, em que muitos refugiados que possuem formação profissional não conseguem atuar na área desta, ora por ter deixado o país de origem de forma abrupta sem levar os documentos consigo, ora por não conseguir validar seu diploma aqui no país, com empecilhos, como a dificuldade de tradução. Por fim, temos estas especificidades no tocante ao trabalho para os refugiados, um grupo sensibilizado pela experiência vivida de quase morte devido a perseguição em seu próprio território. O prisma filosófico permite uma análise dos conceitos de alteridade e hospitalidade em Derrida, insta dizer que esse filósofo francês é conhecido por

desconstruir a filosofia e o direito, isto é, mostrar a impossibilidade dos conceitos em sua aplicação ética-política. O conceito de alteridade é entendido a partir da diferença, aquilo que não é semelhante a si mesmo, o outro; é possível pensarmos que esse outro não é aceito, encontra-se na ordem do desconhecido e por isso causa estranhamento. O outro não é acolhido de primeira, pelo contrário, tem como recepção uma barreira causada pela violência identitária, a saber, nos unimos ao que achamos semelhantes para confrontar o diferente, e desta forma, praticamos uma hospitalidade hostil – isto é, caso haja aceitação será em nome de uma tolerância ético política e não por gesto de generosidade ou humanidade. Assim, entendemos que os refugiados são acolhidos a partir de uma ótica da hospitalidade, que é uma impossibilidade ética que só se dá em nome de uma não guerra para viver em comunidade. Os refugiados são os outros e sofrem uma violência identitária por não serem entendidos como iguais, mas pelo contrário, inimigos, estrangeiros daí sobrepujar, explorar5. A qualificação moral/social de refugiado não está ligada a sua identidade, isto é, se está refugiado e não se é refugiado. Essa questão de ser e estar tem sua relevância no cenário internacional, principalmente quando percebemos que o Brasil se tornou um popular local de chegada destes. Percebemos que o Estado precisa se preparar para a recepção e a manutenção desse grupo, esse preparo se dá não só em âmbito financeiro/material, mas como também no social, é necessário haver uma harmonia entre o grupo que chega e o que recebe para não termos, por exemplo, o fenômeno do xenofobismo. O refugiado dispõe da proteção do governo brasileiro e pode, portanto, obter documentos, trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos que qualquer cidadão estrangeiro legalizado no Brasil que possui uma das legislações mais modernas sobre o tema.6

Importante se fez destacar, que a hospitalidade brasileira não se expande na relação trabalho x refugiado, no intuito é o cerne dessa questão tendo como base o trabalho enquanto maior manifestação de ação do homem que constrói sua cultura e a normatiza através do direito e um viés filosófico de entender os conceitos alteridade e a hospitalidade segundo o filósofo francês Derrida.

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Trata-se de uma explicação metafísica e não uma justificativa social. Lei 9474/97.

O atual papel de fundo ético-político da contemporaneidade acompanha uma constante transformação que nos leva de certa forma obrigatoriamente a um vazio metafísico. Temos então a necessidade de pensar uma nova configuração no plano das relações humanas, isto devido a crescente tecnificação do mundo globalizado, o crescimento de um mercado internacional voltado para o capital, e em sua decorrência, as crises econômicas e o somando-se ainda a questão religiosa, no que diz respeito ao fundamentalismo, isto tudo no escopo das democracias ocidentais abalando assim suas estruturas. Daí a necessidade de pensar o fenômeno do trabalho dos refugiados imersos em todos esses abalos sofridos. A mundialização do direito, fenômeno também advindo da globalização traz a baila a necessidade se pensar o fluxo do capital, em sua livre circulação de bens, pessoas,trabalho, capital e informação.

Portanto, a problemática da monografia

está em entender o local que esse refugiado se encontra quando enquadramos a temática do trabalho dentro dessa trama estado, cidadanias e mundialização das relações jurídicas, concebendo a multiplicidade dos efeitos que o fenômeno do trabalho trás para sociedade. Uma vez que este lugar, a saber, do trabalho do refugiado aponta para um lugar de precariedade e de um ciclo de exploração, perpassando por todas as garantias e direitos humanitários presentes no ornamento mundial. Por se tratar de um tema em voga, estamos pensando o cenário jurídico das relações de trabalho do hoje a partir da visualização da necessidade de sua denúncia para que se mantenha um mínimo de garantias para os agentes dessa relação globalizada. Insta dizer que a base filosófica recai no instante que temos que conceber como se dá essa recepção e a necessidade de entendimento dos novos agenciamentos. Entender a alteridade, isto é o conceito de lidar com o outro e a hospitalidade esse acolhimento do outro ou não, partimos para uma analise filosófica que nos ajuda a entender toda essa configuração. Com a chegada dos refugiados é possível vislumbrar um espectro da violência que assombra a população do lugar, temos nesse momento o estranhamento com a nossa relação com o outro. Quando falamos do outro, é comum concebermos na prática a relação de identidade e diferença. Desta forma, tem-se um grupo que é semelhante a si mesmo e que por isso é diferente de qualquer o outro que não ele, uma questão de identidade que podemos analogamente ligar ao grupo do território que recebe os refugiados

A noção de hospitalidade em Derrida estaria imbricada numa ideia de hostilidade. Isso no campo do direito internacional e do acolhimento dos refugiados seria em certa medida uma falácia, haja vista que a verdadeira hospitalidade seria impossível. Repensar a hospitalidade hoje seria um ponto de partida para que injustiças sejam desfeitas e a real hospitalidade floresça. Essa hospitalidade seria de ordem incondicional, pura, sem imposições, aberta ao inesperado. A noção de hospitalidade presente hoje seria uma hospitalidade condicionada, hostil, repleta de condições para que se receba o outro. Cabe ressaltar que o impossível para Derrida é o possível, visto que o possível é esperado, já o im-possivel é buscado, sempre deixando espaço para o acontecer, o devir. A filosofia de Derrida traz a questão da história da filosofia ocidental eurocêntrica, cuja noção de identidade atrela ao Eu superioridade em relação aos demais, num projeto de universalização desse Eu como centro, como modelo. As questões étnicas, raciais, territoriais, suscitam o debate para o confronto a esse etnocentrismo em que o filosofo chama a atenção para o uso político da filosofia e a manutenção de um status quo. No que concerne ao estudo das ciências humanas e sociais tendem-se a pensar o outro a partir da lógica do multiculturalismo ao que (MORAES, 2011, p.171) vai dizer “essas correntes de pensamento que ainda operam na lógica metafísica, apesar de seus esforços, continuam cometendo uma violência em relação ao diferente”. A proposição então se dá não pela ideia de relativização do outro, pois esta anda seria uma ideia eurocêntrica, mas da differance, ou da desconstrução, visto que esta compreende o outro nele mesmo, não a partir de um Eu. “Onde se possa, pela lógica da differance, respeitar o outro como outro em si.” 7 Ao pensarmos na questão dos refugiados a partir da differance podemos primar por uma busca de justiça em relação a condição a qual eles se encontram e debater a forma como são entendidos como o outro. Esse entendimento se dá por uma lógica da alteridade, cujas diferenças e desvios se salientam ou é pensado a partir do outro em si? É forçado a partir daí uma mudança de perspectiva nas ações da exploração, entendendo o ideário da justiça como base não se pode aceitar as explorações e os modos que se deseja sobrepujar os refugiados, o próximo passo é praticar os certames de garantia que protegem não só metafisicamente, juridicamente, mas o principal na prática

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Idem, p. 172.

humanitária. Não se busca aqui a utopia inatingível, mas a simples aplicação da teoria que assegura os direitos deste outro, por um prisma de igualdade e solidariedade de fato, não mais um prisma de aceitação do outro que estranhamos e não compartilhamos nada com ele. Derrida entende que as filosofias que tratam de identidade, que apreendem o outro são um tipo de violência, na medida que apreender o outro se trata de uma relação de

poder. A lógica da identidade impossibilita o outro a ter suas singularidades.

Atribuir identidade ao outro é um tipo de violência. Quando se confere identidade ao outro se parte de um Eu, ou de um Mesmo, em que a diferença vai ser norteadora pra definir, em que o Eu encontra-se em lugar de privilégio. Toda violência real passa por essa violência oriunda da atribuição de identidade, numa lógica binária em que o desviante se encontra em situação de desigualdade. Faz-se mister definirmos que grupo é esse que estamos trabalhando. Qual sua história, sua origem e os conceitos fundamentais do direito internacional. O autor (CANÇADO 2002, p. 234) concebe que devemos entender as transformações do mundo para poder pensar o direito internacional, para ele essas mudanças se tornam extremamente valorativas a partir da Organização das Nações Unidas 8. No que tange nosso objeto de reflexão podemos ir um pouco mais além, e entender que o direito dos refugiados é uma ramificação dos Direitos Humanos e que cada Estado fica responsável por cumprir os tratados de Direitos Humanos, ou seja, para tornar efetivo o que os Tratados defendem cabe a autonomia do Estado em decidir isso. O conceito de refúgio e suas bases jurídicas metanacional foram elaborados após a Primeira Guerra Mundial. Viu-se a necessidade de amparar grupos vulneráveis através da concessão de asilo e até procedimento de extradição com intuito de proteger os que encontravam em sua terra natal morte iminente. O fato histórico supracitado acarretou um desarranjo nas questões políticas e econômicas dos países, demonstrando assim o aclame pelo estatuto jurídico que desse conta de tornar a situação do refúgio algo regulado. O Direito Internacional dos Refugiados se desenvolveu a partir dessa necessidade, tendo sua organização pleiteada pela recém criada Liga das Nações, logo fica claro que se trata de uma ramificação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Como sabemos, a Liga das Nações foi uma organização internacional cujo

intuito era negociar a paz, concebida em 1919 a partir da empreitada das nações vencedoras da Primeira Guerra e dissolvida durante a Segunda Guerra, não cumprindo com sua finalidade inicial de manter a paz entre as nações. Contudo, em 1946 cria-se a ONU com papel de substituir as responsabilidades outrora da Liga das Nações. Retomando a questão do trabalho, a possibilidade de um emprego dentro das normas da CLT, ajuda não só na questão financeira para uma realocação na estrutura social, e ainda em uma questão psíquica, de incentivar a pessoa humana na nova realidade ainda que haja enormes diferenças econômicas e culturais entre os países. O trabalho é a demonstração da sua força produtiva e demonstração de utilidade em uma sociedade que entende que o mesmo tem ligação direta com a dignidade. Contudo, não devemos levar essa concepção de forma literal sem conceber o contexto atual e a perversidade histórica9. Nossa análise é a partir da dignidade da pessoa humana e todas suas garantias conquistadas ao longo da história. Para completar a distinção, cabe diferenciar relação de trabalho com emprego, a primeira é gênero, possui conotação ampla e é atribuída para inúmeras relações inclusive a de emprego, trabalho autônomo, a empreitada etc; já o emprego é uma relação jurídica e regulamenta pela norma brasileira, caracterizada 10 por: subordinação jurídica, pessoalidade do empregado, não-eventualidade e onerosidade. É possível ainda dizer que empregado é aquele que possui contrato de emprego. O Estado brasileiro possibilita ajuda de algumas entidades para auxiliar os refugiados, como as iniciativas “ Estou Refugiado”, “Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados – Parr”, ADUS , que possuem apoio do ACNUR. Essas entidades dão amparo para além da questão jurídica, por ilustração o incentivo as empresas em contratar os refugiados, formação profissional etc. Atualmente um dos problemas para inserção no mercado de trabalho é a comprovação da formação profissional, como sabemos, os refugiados saem de forma abrupta devido a diversos tipos de perseguição e violência, essa saída não permite uma organização prévia acarretando a não comprovação da formação profissional dessas pessoas. Há ainda os que conseguem trazer os diplomas, mas encontram problemas em validar ou até mesmo traduzi-los. De um lado temos a ineficácia de certos estados na

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A ONU tem seu início do século XX após o fim da Primeira Guerra Mundial, na época era chamada de Liga das Nações. 9 Usamos este termo por nos remeter a momentos históricos deploráveis como escravidão e violação dos Direitos Humanos.

expedição da carteira de trabalho por não darem conta do número de refugiados, como é o caso do Acre na recepção dos haitianos11; de outro, os que conseguiram a carteira de trabalho já possuem as condições documentais para obter um trabalho formal, mas não estão conseguindo validar sua qualificação para atuar na área de sua formação. O Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados é uma iniciativa privada criada pela empresa de consultoria na área de imigração Emdoc, sua política incentiva intensamente a contratação dos refugiados. Uma das bandeiras de incentivo é o tipo de lide com o trabalho, para esse programa os refugiados são ótimos profissionais, são leais, comprometidos, pontuais e vêem a oportunidade como única valorizando a vaga, diminuindo a rotatividade e os gastos que essa produz. Essa nova forma de conceber o emprego permite uma mudança na postura dos outros empregados, a experiência de vida dos refugiados acaba por sensibilizar a equipe tornando-a mais acolhedora e hospitaleira. Somando-se ainda, que o comprometimento com a oportunidade aumenta a produtividade. Importante se faz destacar que esse programa acompanha todo o processo seletivo de contratação, que só deve se dá por meio do contrato de trabalho, isto é, de forma legal; desta forma evita-se a exploração, fato da nossa realidade principalmente em lugares que não são grandes capitais. Contudo, percebemos que a iniciativa privada entra quando o Estado não suporta a demanda, um dos estudos concretos e denúncias da não eficácia do Ministério Público do Trabalho são os casos dos aliciadores, os traficantes de pessoas que andam lado a lado a questão dos refugiados. Trata-se de uma denúncia da organização interna do país, o órgão estatal não da conta de fiscalizar as contratações demonstrando assim a falta de estrutura deste importante órgão. Conforme os dados da Pólicia Federal, entre os anos de 2010 e 2014, recebemos cerca de 40 mil refugiados destas nacionalidades, um número crescente que faz o Governo Estadual se reorganizar com abrigos improvisados para evitar a superlotação e a acomodação precária desse grupo que foge da violência outrora vivida. Faz parte do trato com os refugiados a devida documentação 12 para estes darem continuidade no processo de recomeço de suas vidas. No caso específico que nos debruçamos, a saber, o Governo do Acre e os refugiados haitianos e senegalenses, o governo estadual disponibiliza transporte sem custo, mas coloca como requisito a 10

Elementos constitutivos do conceito de emprego conforme o artigo 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas. 11 Dados retirados do site: imigrantes.webflow.

necessidade da apresentação de documentos. Desta forma o Governo busca assegurar a todos os refugiados a emissão destes visando empregos formais graças à regulamentação correta dos refugiados. É notória a vulnerabilidade em que se encontram os refugiados, ainda que tenham encontrado aqui uma nova casa, não conhece os agenciamentos que devem seguir, muitos não conhecem a dimensão do país, e não possuem um local pré-definido para se estalarem. Diante desta clara vulnerabilidade, tem crescido exponencialmente o número de aliciadores, já destacado anteriormente no presente texto, são pessoas que através de fraudes e falsas propostas subjugam os refugiados, e promovem assim o tráfico de pessoas com a finalidade de explorar sua mão de obra, e até mesmo seu corpo na tão repugnante exploração sexual. As violações aos Direitos Humanos com tais explorações não são exclusivas do Acre, muitas são as regiões com essa prática, o MPT não consegue fiscalizar de forma satisfatória, e muitos dos inquéritos são arquivados por falta de provas. De acordo com a matéria do Reporte Brasil13, publicada em 15/12/14, vemos: No Acre, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem acompanhado as tentativas de aliciamento com atenção. Segundo Marcos Cutrim, procurador-chefe da 14ª Região, que reúne as procuradorias no Acre e Rondônia, desde 2010, quando chegaram os primeiros imigrantes, foram instaurados 53 inquéritos civis para apurar se estrangeiros que foram contratados foram vítimas de trabalho escravo e tráfico de pessoas. “Não há nenhuma ação ajuizada por não haver provas”, diz. “Recebemos denúncias de que empresas queriam contratar haitianos pela grossura da canela, pelo tamanho da genitália. Quem foi a Brasiléia viu uma situação que a gente tinha há 300 anos, um mercado negreiro funcionando como nos séculos anteriores”, explica, citando um vídeo de 25 de janeiro de 2012 em que um dos contratantes explica que se trata de “tradição antiga da escravidão” a ideia de que “quem tem canela grossa é ruim de serviço”.

Compondo ainda o quadro das violações, podemos observar as que ferem o Princípio da Unidade Familiar no tocante ao trabalho, as empresas na hora do recrutamento não observam esse princípio, dão preferência a perfis determinados, fortalecendo as desigualdades. Esse perfil corresponde ao homem adulto. O trabalho da mulher refugiada não tem notoriedade, sendo muitas vezes explorada sexualmente. Com estes elementos percebemos um retrocesso histórico, social e jurídico. A família que aqui chega é fragmentada. O homem aceita trabalhar em atividades de baixa 12 13

Protocolo de ingresso notificado no Passaporte, Cadastro de Pessoa Física e Registro Geral. Disponível em: http://imigrantes.webflow.io/. Em 01 de novembro de 2015.

remuneração, em que nem mesmo brasileiros aceitam, como na construção civil e normalmente são levados para longe da família. E a mulher sem expressão nesse cenário, ora não tem oportunidade, ora participa do tráfico humano destinado a exploração sexual. Importante se faz ressaltar que no cerne desse imbróglio de violações há ainda as crianças que não possuem educação advinda dos países de origem, como também não são devidamente recebidas pelas unidades educacionais. A educação infantil dos refugiados é outra questão que merece destaque. Um dos mais importantes órgãos que trabalha no intermédio entre empresas e refugiados, visando a contratação destes por aqueles, é o Sistema Nacional de Emprego (Sine), soma-se ainda a este o desejo de coibir aliciamentos e fiscalizar o tipo de vagas oferecidas, contudo é notório a não eficácia devido a demanda de pessoas em situação de refúgio ser muito maior que a infra-estrutura pessoal do órgão, os responsáveis apontam a inoperância devido a ausência de servidores. Notamos tal denúncia na greve que ocorreu em Rio Branco no Acre após superlotação dos abrigos pelos refugiados. O MPT se encontra em um momento de reconfiguração, o qual será necessário a criação de um órgão para esses objetivos supra mencionados, tal reconfiguração é uma conseqüência de pensar esse novo cenário criado pelo fenômeno do recebimento dos refugiados e sua devida adequação profissional. Outro caso concreto que explicita a importância da problemática do trabalho foi uma reunião14 em 2014 do MPT para discutir a técnica intergovernamental sobre políticas públicas migratórias que envolvem os trabalhadores estrangeiros, essa reunião aconteceu em Rio Branco – AC, e nela estavam presentes importantes autoridades como: Secretária de Desenvolvimento, Defensoria Pública da União, Organismo Internacional para Migrações – OIM, Instituto de Migração e Direitos Humanos – IMDH, Ordem dos Advogados do Brasil – OAB entre outros. A expressão de importância de tal assunto é percebida pela presença de tão ilustres instituições, uma vez que se acredita na resolução das problemáticas relativas aos refugiados entendida a partir de uma conjunção global de forças e diferentes frentes de atuação. Foram destaques dessa reunião: o reconhecimento do intenso processo migratório do Brasil em especial as cidades próximas a fronteiras que já ocorre há algum tempo e daí a necessidade de um órgão que ocupe permanentemente desta questão com ampla atuação na vertente de regulamentação das oportunidades de

trabalho com intuito de coibir a exploração, o tráfico de pessoas e evitar a atuação dos aliciadores. Casos de tentativa de aliciamento são flagrantes até mesmo na porta dos abrigos, daí a necessidade de monitoramento. O Sine tem buscado catalogar os nomes e o CNPJ das empresas contratantes além de oferecer palestras com temática relativa aos direitos trabalhistas que devem ser respeitados. Foi solicitada também pelo procurador-geral do Trabalho uma moção do Brasil para ratificar a importante Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de sua Família, insta salientar, mais uma vez o Estado brasileiro tenta alinhar sua conduta com os princípios básicos dos refugiados, a saber, nesse caso específico, a não ruptura da unidade familiar. De acordo com o secretário da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos cabe ao Governo Federal a elaboração e a fiscalização de medidas junto aos imigrantes, por entender que o Estatuto do Estrangeiro consiste numa legislação arcaica e que não consegue lidar com as novas relações dessa população que chega ao Brasil. O secretario ainda salientou a necessidade de que o CNIg passe ao status de Agência de Imigração atuando na ampliação junto as Embaixadas do atendimento dos refugiados para não haver oportunidade de que coiotes se valham da vulnerabilidade dos mesmos. Cada órgão presente na reunião tem sua importância no combate às indignidades que por ora venham a se observar no tocante a implementação das medidas de acolhimento, articulando assim suas atividades na busca da resolução de problemas. O MPF observou uma série de melhorias necessárias a alocação e qualidade de convivência nos abrigos com intuito de coibir o tráfico de pessoas além de cooperar com o acolhimento desses refugiados no lugar de destino. Outra medida quem vem sendo implementada é a inclusão desse pessoal nos programas do governo federal, mas pra isso é necessário que haja um cadastramento unificado. Um dos saldos dessa reunião foi a articulação dessas instituições no que compete as providências estabelecidas como: emissão de vistos do Ministério das Relações Exteriores conjuntamente com a Organização Internacional para Migrações (OIM), diminuindo assim a entrada de pessoal pela floresta; encaminhamento para o trabalho de forma transparente aliado ao acompanhamento na gestão de abrigo, dificultando a ação de aliciadores e de práticas degradantes, com fiscalização acirrada; cautela com grupos de maior vulnerabilidade como crianças e idosos – estariam

14

Dados

recolhidos

da

Ata

da

reunião

publicada

no

sitio:www

enquadrados em casos especiais, assim como adolescentes largados à própria sorte, pessoas sem documentação, mulheres grávidas; explanação das leis trabalhista e Maria da Penha; combater o tráfico internacional de pessoas; implementação de postos de atendimento do Sine para melhor atender os imigrantes; pavimentação do visto simplificado de outras nacionalidades que não a haitiana, uma vez que somente esta detem o visto humanitário, o que lhe confere a permanência em território nacional. Um dado interessante aponta que os haitianos já são maioria de estrangeiros a ocupar vagas de empregos formais no Brasil, ultrapassando desde 2013 os portugueses nesse quesito. Estas proposições sintetizam os encaminhamentos resultantes da reunião com o comprometimento de todos os órgãos participantes a fim de efetivar práticas de acolhida e regularização da permanência e do trabalho das pessoas em situação de refúgio, uma vez que compreendem um grupo de maior vulnerabilidade social. Por outro lado, relatos de péssimas condições de trabalho denunciam que nem sempre a acolhida desses grupo é feita de maneira correta, congruente com a legislação trabalhista. Eis no diante de inúmeros problemas que demonstram a emergência de uma proposta de solução. É possível conceber que o primeiro passo foi dado, trata-se do reconhecimento do problema. A partir desse momento começamos a nos preocupar em dar voz a essas pessoas, escutar suas dificuldades, analisar sua situação, pesquisar suas necessidades etc. Além de recebê-los percebemos o imperativo de nos reestruturá-los para possibilitá-los uma vida digna, ou seja, não temos estrutura para essa recepção devemos criá-la então, a partir da máquina estatal, das iniciativas privadas e do apoio internacional. Como discutido supra algumas iniciativas do próprio Estado não dá conta por falta de estrutura, devemos então ampliar esta, para isso percebemos que problematizar os casos concretos nos dá base para nos engajar nessa luta de tornar eficazes as propostas discutidas. Na reunião do MPT, também vemos exatamente a problematização do tema e, sobretudo, a indicação de solução, agora devemos por em prática o que foi acordado nesta discussão. Foi acertado a necessidade de se acompanhar o abrigo, pois é lá que as negociações se iniciam, quando o grupo é encaminhado para o abrigo lá ele inicia seu processo de reestruturação multissetorial, os documentos são emitidos e as propostas de emprego são recebidas.

Logo, para começar uma reestruturação para evitar os

reporterbrasil.org.br/documentos/reuniaotecnicasestrangeiros.pdf. Acesso em 9 de out. de 2015.

aliciadores, as explorações, as rupturas com a unidade familiar, deve-se pensar um aprimoramento do mecanismo dessas propostas de trabalho, como grande publicidade do processo, deixando bem claro quem são as partes contratantes, como fiscalização posterior do fato. Como indicação para solução desses problemas recomenda-se uma empreitada educacional, isto é, no próprio abrigo promover palestras sobre as leis trabalhistas. Informar o refugiado sobre a lei local faz parte do processo de acolhimento. Em suma, a questão principal é a fiscalização das proposições referente ao trabalho para os refugiados no Brasil, uma vez que nos temos exemplos internacionais a seguir, além de legislação interna que também protegem esse grupo. O que não temos é uma estrutura para fiscalizar como se dá as contratações trabalhistas deixando o grupo em situação de risco ou vulnerável a outras violações dos Direitos Humanos, como a exploração da mão de obra, o que se torna uma questão bastante controversa, pois somos um país de constituição garantista que tem como escopo a dignidade da pessoa humana e uma Consolidação das Leis Trabalhista que assegura a todo tempo os direitos do trabalhador. Apontamos como soluções para as problemáticas específicas dos refugiados, como já supra mencionado, a proposta ao Congresso Nacional de ratificação da proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de sua Família; o devido acompanhamento das vagas ofertadas nos abrigos visando coibir a exploração e a exposição a condições não dignas da pessoa humana, desta forma evitando a atuação dos aliciadores; o aprimoramento da fiscalização durante o contrato estabelecido; educação jurídica trabalhista para que o próprio refugiado saiba dos seus direitos e possa denunciar caso caia em condições degradantes.

CONCLUSÕES Devemos que aprender com as pessoas que se levantam do chão e a ele não tornam,do chão só devemos esperar alimento e sepultura, jamais a resignação. (Levantando do Chão, Saramago)

O artigo aqui se propôs a expor brevemente a questão do trabalho pensado a partir do prisma da migração de refugiados, haja vista que os números de deslocamento

para a Brasil aumentou exponencialmente nos últimos anos. 15 A importância do estudo se deu em pensar uma nova configuração para adequar esse cenário que se constrói a cada ano, com a chegada dos milhares refugiados e não há de se questionar esse acolhimento na America Latina, o que deve ser problematizado é o lugar de trabalho desse grupo que acaba por configurar novas relações. Há ainda em se questionar esse ciclo de exploração, onde o refugiado, por um lado, encontra esperança, por outro, tem seus direitos trabalhistas reduzidos. Ora por não conseguir a documentação necessária para um trabalho formal, ora por não conseguir acesso a esses trabalhos, sobrando para esse grupo as margens da sociedade. A garantia do trabalho é essencial para a reestruturação desse grupo que vem de um contexto de sofrimento e não reconhecimento, no sentido de acolhimento do próprio Estado, fornecer trabalho digno é dar a oportunidade de fato e não apenas uma falsa oportunidade por apenas recebê-los nas terras latinas. É necessário que o Estado esteja preparado para dar todo arcabouço dessa reestruturação, com programas de inserção, sociais, de capacitação entre outros que não são foco da pesquisa não cabe aqui alongar a explanação. O prisma filosófico da alteridade e hospitalidade em Derrida, permitiu o entendimento do outro que não é acolhido de primeira, pelo contrário, tem como recepção uma barreira causada pela violência identitária, pratica-se a chamada uma hospitalidade hostil . Trata-se de uma impossibilidade ética que só se dá em nome de uma não guerra para viver em comunidade. Os refugiados, pelo viés filosófico, são os outros e sofrem uma violência identitária. Em suma, essas investigações foram necessárias para entender o fenômeno do trabalho para os refugiados que são recepcionados especialmente no Brasil, uma vez que temos uma postura diferenciada da Europa de recepção. Não limitamos essa entrada e se tenta obedecer os documentos internacionais buscando assegurar os direitos desse grupo, no entanto, percebemos uma estrutura que não suporta seu próprio povo por isso devemos pensar esses novos agenciamentos de forma científica para reconstruirmos de uma forma consciente e razoável uma hospitalidade ainda que hostil, mas que acolha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 15

Segundos os dados da Anacur de 2003 até 2014 houve um aumento de 70% da chegada de refugiados. O Trabalho do ACNUR é proteger os refugiados e promover soluções duradouras para seus problemas, trata-se de um órgão da ONU.

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DESAFIOS AO DIREITO SOCIAL À SAÚDE: A CRIMINALIZAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CHEQUE-CAUÇÃO POR PLANOS DE SAÚDE Bruna Laiber Monteiro1 Thamyrys Baur Tuffi Alli2

Palavras-chave: saúde; direitos fundamentais; Estado Democrático de Direito; Direito Penal; judicialização da saúde. Resumo: O trabalho objetiva esclarecer a importância da proibição à exigência do chequecaução, e como fazê-lo pode violar direitos inerentes ao homem, como o direito à vida, a proteção à saúde e a dignidade da pessoa humana. A modificação reafirmou o direito fundamental social à vida como superveniente à liberdade da iniciativa privada, embora permitida exploração pela mesma, devendo ela também pensar no caráter social do contrato, bem como no cliente. Para isso, iniciamos com um estudo dos direitos fundamentais, passando pelo direito social à saúde e a dificuldade de seu atendimento, até a tipificação dessa exigência na forma do artigo 135-A do Código Penal Brasileiro, concentrando-se na eficácia dos direitos fundamentais sobre as relações privadas. Keywords: health; fundamental rights; Democratic Rule of Law; Criminal Law; judicialization of healthcare. Abstract: The study aims to elucidate the importance of the prohibition to the requirement of a check-bond, and how doing so violates the rights inherent to man, as the right to life, protection of health and human dignity. The modification endorsed the social right to life as incidental to the freedom of private initiative, although the exploitation is allowed, it should also consider the social nature of the contract and the client. Thus, the paper initially studies the fundamental rights through the social right to health, and the difficulty to reach their fulfilment. Lastly, focusing on the effectiveness of fundamental rights over private relationships, the study argues on the criminalization of the check-bond requirement on the article 135-A of the Brazilian Criminal Code.

INTRODUÇÃO

Ao olharmos para trás, vemos as incessantes lutas travadas pelos homens na busca pelos seus direitos e pelo reconhecimento dos mesmos. Cansados de viverem em constante estado de guerra, os homens independentes e solitários uniram-se em sociedade. Sacrificando porções dessa liberdade, para poderem viver com mais segurança e liberdade, depositaram-nas em um Estado, o administrador desses indivíduos, provendo a todos a garantia da propriedade e da vida. 1

Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da UERJ. E-mail: [email protected]. Link do currículo: http://lattes.cnpq.br/9802496697299293 2 Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da UERJ. E-mail: [email protected]. Link do currículo: http://lattes.cnpq.br/3422234613441847

Com o intuito de conjugar a teoria geral dos direitos fundamentais com os problemas reais sofridos pelos cidadãos carentes de assistência, mais especificamente aqueles que buscam os hospitais e enfrentam a exigência de um cheque-caução para ver seu direito à saúde efetivado, e também com a solução penal a que precisou recorrer nosso Estado para garantir o cumprimento das garantias constitucionais. Com isso, iniciando a abordagem com o surgimento dos direitos fundamentais, o trabalho adentra os direitos sociais, nos quais se insere o direito à saúde, discutindo ainda a questão da eficácia desses mesmos direitos. Por último, apresenta-se a importância do novo tipo penal, discutindo-se sua repercussão.

1 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Primeiramente impõe-se definir o que seriam os direitos fundamentais, o que embora imprescindível não se trata de tarefa simples. De fato, as transformações sofridas até os dias de hoje dificultam a criação de um conceito que seja preciso e sintético (SILVA, 2006, p. 175). Jorge Miranda afirma que, por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucïonalmente consideradas, assente s na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material (…). (MIRANDA, 2000. p. 8)

Para José Afonso da Silva, consistiriam em “situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana” (2006, p. 179). Nessa mesma linha de raciocínio, encontra-se também Paulo Mascarenhas, para quem a conceituação dos Direitos Fundamentais do Homem mais aceita dentre os doutrinadores modernos é aquela que estabelece que são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. (MASCARENHAS, 2000. p. 45, grifos do autor)

Como visto, a doutrina não é uníssona sobre o tema. Nossa pretensão neste capítulo é abordar alguns aspectos interessantes a desenvolver o tema centra do

trabalho. Não é intuito, de forma alguma, até por questão de coesão, esgotar o tema. Assim, faremos uma breve exposição sobre o surgimento dos direitos fundamentais até o tratamento da saúde na Constituição Federal de 1988 do Brasil para que, então, possamos atingir o ponto fulcro do trabalho.

1.1 A Evolução dos Direitos Fundamentais: Formação Histórica

Os direitos fundamentais do homem, em termos de aspirações filosóficas, são ocorrências antigas, contudo, como normas sistematizadas, positivadas, expressas e explícitas em declarações de direitos e constituições, trata-se de evento recente. Ademais, encontram-se distantes de terem suas possibilidades exauridas, tendo em vista que, a cada novo passo no desenvolvimento da humanidade, conquistam-se novos direitos (MASCARENHAS, 2000, p. 149). Assim, “a sedimentação dos direitos fundamentais como normas obrigatórias é resultado de maturação histórica, o que também permite compreender que os direitos fundamentais não sejam sempre os mesmos em todas as épocas (…)” (MENDES et al, 2009, p. 265). Segundo a doutrina francesa, o berço de inspiração das declarações que reconhecem os direitos fundamentais encontrar-se-iam nas ideias do pensamento cristão e na proposta dos direitos naturais (SILVA, 2006, p. 172). Nas palavras proferidas de Gilmar Mendes e colaboradores, os direitos humanos seriam fruto de momentos históricos diferentes e a sua própria diversidade já apontaria para a conveniência de não se concentrarem esforços na busca de uma base absoluta, válida para todos os direitos em todos os tempos. Ao invés, seria mais producente buscar, em cada caso concreto, as várias razões elementares possíveis para a elevação de um direito à categoria de fundamental, sempre tendo presentes as condições, os meios e as situações nas quais este ou aquele direito haverá de atuar. (MENDES et al, 2009, p. 265)

É comum a doutrina adotar, como forma de classificação dos direitos fundamentais, aquela que os separa em gerações ou dimensões, sendo a última expressão a preferida por alguns autores, justificando-o que “uma nova ‘dimensão’ não abandonaria as conquistas da ‘dimensão’ anterior e, assim, a expressão se mostraria mais adequada nesse sentido de proibição de evolução reacionária” (LENZA, 2011, p. 860).

Como marco inicial desses direitos, é comum assinalar a Magna Carta Inglesa de 1215. Contudo, também há aqueles que vislumbram, em outros momentos da história, a presença de rastros de declarações de direitos em termos primitivos, antecedentes formais de ditas declarações, como bem assevera Afonso da Silva, ao asseverar que foi, no entanto, no bojo da Idade Média que surgiram os antecedentes mais diretos das declarações de direitos. Para tanto contribuiu a teoria do direito natural que condicionou o aparecimento do princípio das leis fundamentais do reino limitadoras do poder do monarca, assim como o conjunto de princípios que se chamou humanismo. Aí floresceram os pactos, os florais e as cartas de franquias, outorgantes de proteção de direitos reflexamente individuais, embora diretamente grupais, estamentais (…). (2006, p. 151. grifos do autor)

Contudo, remanesce a Carta Inglesa para a maioria doutrinária, como o documento mais famoso e conhecido entre os estudiosos (SILVA, 2006, p. 151). Será ela, portanto, vista como a base para os direitos humanos da primeira dimensão. Os direitos da primeira dimensão são frutos da mudança de postura do Estado, que deixou de ser autoritário para ser um Estado de direito (LENZA, 2011, p. 860). Correspondem às liberdades mais básicas dos indivíduos, como a de pensar, se expressar, de ir e vir, por exemplo (LUISI, 2003, p. 103). Ressalta-se que somente no fim do século XVIII tais direitos, até então meras aspirações, foram positivados em documentos legislativos (LUISI, 2003, p. 104). Além da Magna Carta Inglesa de 1215, podemos citar outros documentos importantes ao tema, como a Paz de Westfália de 1648, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de 1688 e as Declarações Americana, de 1776, e Francesa, de 1789. O direito à saúde teria raízes apenas em uma segunda etapa, a partir do século XIX, sobre a qual falaremos por último neste item. Com o século XX, a sociedade passou por profundas modificações que afetaram as relações socioeconômicas e a comunidade internacional, principalmente a partir da guerra (LENZA, 2011, p. 862). Vem-se presenciado uma explosão de progresso, mas também circunstâncias que ameaçam a própria existência da espécie humana (LUISI, 2003, p. 106-107). Como fruto desse panorama, surgem os direitos humanos da terceira dimensão, os quais seriam os direitos da solidariedade (LUISI, 2003, p. 106-107), visando proteger as gerações de seres humanos do presente e do futuro.

Contraditório na doutrina é a existência de, ainda, uma quarta e, até mesmo, de uma quinta dimensão dos direitos humanos. Aqueles da quarta geração seriam decorrentes da “globalização dos direitos fundamentais” (LENZA, 2011, p. 862). Por outro lado, o direito humano da quinta geração seria o direito à paz (LENZA, 2011, p. 862). Retomando os chamados direitos humanos de segunda dimensão, estes decorrem da realidade durante a Revolução Industrial na Europa, desigual e injusta. Essa situação faz com que algumas vozes se levantem, como as dos pensadores Augusto Conte, Vicente Mazzini, Karl Marx e Frederico Engels. São eles os direitos sociais, culturais e econômicos (LUISI, 2003, p. 105-106). Esses direitos exigem uma nova postura do Estado, isto é, que este atue de forma positiva, garantindo o bem-estar do cidadão (VICENTE; ALEXANDRINO, 2008. p. 90). Nesse sentido, uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. (…) Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social — na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados. (MENDES et al, 2009, p. 268, grifos do autor)

Nesse novo contexto, alguns documentos se destacam, apesar de possuírem uma baixa normatividade, pertencendo mais ao âmbito pragmático, uma vez que não eram dotados de instrumentos processuais que protegessem tais direitos (LENZA, 2011, p. 861). São eles: a Constituição do México de 1917, a Constituição da Alemanha de 1919, o Tratado de Versalhes da OIT de 1919 e, no caso brasileiro, a Constituição de 1934. Por fim, ainda sobre as dimensões ou gerações, insta salientar que o surgimento de uma nova instância não anula a anterior, ou seja, “os direitos da geração posterior se transformam em pressupostos para a compreensão e realização dos direitos da geração anterior” (VICENTE; ALEXANDRINO, 2008. p. 94).

1.2 Características e Funções dos Direitos Fundamentais

Fazendo uma breve caracterização dos direitos fundamentais, pode-se citar que esses direitos são dotados de historicidade, universalidade, pois destinados a todos os seres humanos sem que haja uma discriminação, limitabilidade, dado seu uso relativo, concorrência, sendo possível fazer uso de mais de um direito ao mesmo tempo, irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Os direitos fundamentais também desempenham várias funções entre os cidadãos e no ordenamento jurídico. Essa diversidade faz com que seu arcabouço não seja uníssono. Como consequência, surgem teorias para tentar explicar o conteúdo e eficácia deles. Destas se destaca a teoria dos quatro status de Jellinek. A mencionada teoria corresponde aos quatro status em que se encontra o indivíduo perante o Estado, estando dentre eles direitos ou deveres que são extraídos de acordo com a situação. São eles, o passivo, o negativo, o positivo e o ativo, ou os direitos políticos. Infelizmente, por limitações do trabalho, não será possível adentrar a teoria. Entretanto, ressalta-se que, dentre as alterações sofridas pela teoria ao longo do tempo, estas seriam as espécies mais frequentemente apontadas: direitos de defesa (ou direitos de liberdade) e direitos a prestações (ou direitos cívicos), havendo ainda quem acrescente os direitos de participação. (MENDES et al, 2009, p. 289) Primeiramente, observa-se que os direitos de defesa têm a finalidade de limitar a ação do Estado. É um dever no qual no Estado deve abster-se de fazer alguma coisa, “um dever de não-interferência, de não-intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo” (MENDES et al, 2009, p. 289). Os dispositivos que dispõem sobre os direitos de defesa são autoexecutáveis. Ao contrário, os considerados direitos a prestação, demandam que o Estado atue para diminuam as desigualdades de que estabeleça padrões para o futuro da sociedade (MENDES et al, 2009, p. 291), podendo ser materiais ou sociais. Por último, os direitos de participação corresponderiam aos direitos políticos, ou seja, são direitos que vão garantir a participação do cidadão na formação da vontade do Estado (MENDES et al, 2009, p. 299).

1.3 Declaração de Direitos nas Constituições

Inicialmente, as declarações de direitos seguiam a forma de “proclamações solenes” (SILVA, 2006, p. 175), nas quais os direitos vinham enunciados. Posteriormente, passaram a integrar os preâmbulos de ditas leis fundamentais. Nos dias de hoje, além de estarem presentes em documentos de nível internacional, também compõem o corpo das próprias constituições dos países, sendo dedicados a eles, em grande parte das vezes, um título inteiro nos documentos, assim adquirindo o caráter concreto de normas jurídicas positivas constitucionais, por isso, subjetivando-se em direito particular de cada povo (…), configuram declarações constitucionais de direito, o que tem consequência jurídica prática relevante. (SILVA, 2006, p. 175, grifos do autor)

Nessa evolução, ponto de destaque é um conjunto de meios e recursos jurídicos que assegurou sua efetividade, chamado garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Isto importou em se fazer que direitos seguissem formulação juríridica mais caracterizadamente positiva (SILVA, 2006, p. 166-167).

1.5.1 Na Constituição da República Federativa do Brasil

A Constituição do Império do Brasil de 1824 já positivava os direitos do homem, sendo, nas palavras de José Afonso da Silva, a primeira constituição no mundo a lhe dar uma “concreção jurídica efetiva”, contrariando as vozes que vem dando essa primazia à Constituição da Bélgica de 1831 (2006, p. 170). A Constituição atual optou por destinar um Título inteiro, qual seja o de número II, ao gênero direitos e garantias fundamentais. Neste, estão as espécies: direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos (VICENTE; ALEXANDRINO, 2008. p. 101). Como já mencionado, não é intuito do trabalho dissecar todos os temas que abarcam os direitos fundamentais. O que interessa para o presente estudo é o desenvolvimento da espécie dos direitos sociais, mais precisamente a saúde, que está diretamente ligada com um dos capítulos que se seguem. Nesse sentido, pulando alguns tópicos da temática, não desmerecendo, em nenhum momento, sua importância, direcionamos o capítulo posterior ao exame dos direitos sociais, dando um maior enfoque ao direito da saúde.

2 DIREITOS SOCIAIS

Os direitos sociais, como acima mencionado, são direitos da segunda dimensão, devendo ser efetivados pelo Estado, uma vez que se apresentam como prestação positiva. “Tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida, ainda consagrados como fundamentos da República Federativa do Brasil” (LENZA, 2011, p. 974). Utilizando-se das palavras de José Afonso da Silva, os direitos sociais (…) são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (SILVA, 2006, p. 286-287)

Ainda, Gilmar Mendes afirma que os direitos sociais, antes reconhecidos apenas por indivíduos altruístas ou generosos, lograram alcançar o status de direitos fundamentais, vale dizer, a condição de direitos oponíveis erga omnes – até mesmo contra o Estado, que, ao constitucionalizá-los, dotou as suas normas da injuntividade, por menor que seja, com que esses novos direitos iniciaram a luta pela sua efetivação –, pouco importando, sob esse aspecto, que essa concretização fique a depender da disponibilidade de recursos, sobretudo nos países subdesenvolvidos, nos quais impera a perversa reserva do possível, apesar de, vez por outra, ver-se confrontada por decisões judiciais proferidas em situações extremas. (MENDES et al, 2009, p. 799-800, grifos do autor)

Na nossa Constituição, encontram-se relacionados no artigo 6º, integrado no Capítulo II do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – e disciplinados ao longo do texto. O artigo 6º traz o seguinte rol exemplificativo, já que muitos direitos estão dispersos ou previstos de forma implícitas na lei: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Dentre esse rol de direitos enumerados pelo artigo 6º da CF/88, o direito social que nos interessa é o direito à saúde, que está tratado no artigo 197 e seguintes, dispositivos que se encontram, como já foi aludido, dentro do capítulo da ordem social.

Ressalta-se, por derradeiro, que também estão previstos no artigo XXII da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 1948, pela Organização das Nações Unidas, em Assembleia Geral (MORAES, 2003, p. 204).

2.1 Direito à saúde

Compreendido no capítulo que trata da seguridade social, o direito à saúde está disciplinado nos artigos 196 a 200, da CF/88. A seguridade social alcança um aglomerado constituído de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (artigo 194 da CF/88). A saúde, de acordo com o preceito fundamental, é redigida como o dever do Estado e direito de todos, devendo ser garantida por meio de políticas sociais e econômicas, que objetivem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196 da CF/88). Nesse sentido, são bem colocadas as palavras de José Afonso da Silva, quando diz que “o direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso e serviços que a promovem, protegem e recuperam” (SILVA, 2006, p. 835). Cabe ao Poder Público regulamentar, fiscalizar e controlar as ações e serviços de saúde nos termos da lei, uma vez que são de relevância pública. Essa regulamentação, fiscalização e controle podem ser feitas diretamente o por meio de terceiros ou, ainda, por pessoa física ou jurídica de direito privado (artigo 197 da CF/88). No que diz respeito às diretrizes e aos preceitos constitucionais relacionados à saúde, estabelece-se que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único e financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes. Ainda, estão organizadas em três diretrizes: a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e c) participação da comunidade – artigo 198 da CF/88.

O artigo 200 da Lei Fundamental estabelece o Sistema Único de Saúde, conhecido como SUS. “Constitui o meio pelo qual o Poder Público cumpre seu dever na relação jurídica de saúde que tem no pólo ativo qualquer pessoa e a comunidade, já que o direito à promoção e à proteção da saúde é também um direito coletivo” (SILVA, 2006, p. 835). José Afonso da Silva ainda complementa, pois o sistema único de saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais (DF) e municipais, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral, com prioridade para as atividade preventivas, e da participação da comunidade, que confirma seu caráter de direito social e pessoal, de um lado, e de direito social coletivo, de outro. É também por meio dele que o Poder Público desenvolve uma série de atividades de controle de substâncias de interesse para a saúde e outras destinadas ao aperfeiçoamento das prestações sanitárias. (2006, p. 835, grifos do autor)

O mesmo dispositivo em comento impõe, como atribuições constitucionais do Sistema único de Saúde: a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; b) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; c) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; d) participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; e) incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; f) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; g) participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e, por fim, h) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. A assistência à saúde foi deixada livre à iniciativa privada, de forma a complementar o Sistema Único de Saúde, segundo as diretrizes deste, através de contrato de direito público ou convênio, tendo, por preferência, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Veda-se, contudo, a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos e, salvo nos casos previstos em lei, a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País – artigo 199 do CF/88. Em suma, extrai-se que a saúde vai além da simples cura de doenças. Deve haver um ambiente social para o indivíduo viva de forma que haja sua prevenção e o desenvolvimento de um bem-estar mental do mesmo (JUNIOR; STROPPA, 2013, p.

139). Como foi visto, compete ao Estado prover o acesso à saúde aos seus cidadãos sem restrições – salvo as previstas em lei –, como forma de atender os direitos fundamentais, além de estar atendendo um dos princípios basilares de nosso ordenamento jurídico que é a dignidade da pessoa humana. Entretanto, muitos desses ditos direitos foram permitidos pelo Estado que sejam ofertados pela iniciativa privada como forma suplementar, como, por exemplo, a saúde, objeto de estudo do presente subcapítulo. Ao conceder permissão aos entes privados de oferecerem serviços que, a priori, caberiam ao Estado, inicia-se uma discussão sobre a eficácia e vinculação dos direitos fundamentais nas diversas relações entre particulares (JUNIOR; STROPPA, 2013, p. 136). Controvérsia, essa, que foi deixada para ser abordada ao final do trabalho por questão de coesão entre os capítulos. O próximo capítulo destina-se a analisar o efeito externo do direito fundamental à saúde nas relações entre pessoas privadas, ou seja, a vinculação das instituições

privadas

aos

preceitos

consagradores

de

direitos

fundamentais,

principalmente, o da saúde.

3 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, AS RELAÇÕES PRIVADAS E A LEI Nº. 12.653/2012

A saúde é um direito fundamental social com previsão constitucional, elevado a cláusula pétrea pelo inciso IV do artigo 60 da CF/88, isto é, não pode ser objeto de deliberação a proposta de emenda que tente a aboli-la, dotada, ainda de eficácia e efetividade, uma vez que, para concretizá-lo e defendê-lo, carecem da ação conjunta do Poder Público e da sociedade. Desta forma, a doutrina designa a dupla vertente dos direitos sociais, especialmente no tocante a saúde, que ganha destaque, enquanto direito social, no texto de 1988: a) natureza negativa: o Estado ou terceiros devem abster-se de praticar atos que prejudiquem terceiros; b) natureza positiva: fomenta-se um Estado prestacionista para implementar o direito social. (LENZA, 2011, p. 975)

Contudo,

constata-se

hodierno

fenômeno

comumente

chamado

de

mercantilização da saúde (SANTOS, 2013, p. 2), que traz intrínseco uma mudança nos preceitos, ocorrendo “um enfraquecimento do conceito de cidadania, do próprio modelo de Estado de bem-estar e também da Constituição” (SANTOS, 2013, p. 2).

O indivíduo passa a reconhecer no direito à saúde propriamente não um direito social, exigível num Estado Democrático de Direito, mas um objeto de consumo individual que pode ser comprado, simplesmente. A partir disso e, especificamente, com relação à cidadania, verifica-se que a participação cidadã em saúde fica terrivelmente comprometida em razão da perda da capacidade de reivindicação desse direito perante o Estado. (SANTOS, 2013, p. 2)

Dessa forma, as políticas em saúde pública distanciam-se cada vez mais do seu real destinatário, a população usuária, e servindo à saúde privada, sobretudo aos planos de saúde. Tendo uma prestação de serviço de saúde deficitária e caótica, sem capacidade para atender o mínimo que a população necessita, esta se vê empurrada a recorrer à justiça para poder concretizar esse direito, integrando o que a doutrina chama de judicialização da saúde (ABREU, 2004), ou, por comodismo, “comprar o serviço de saúde”, por meio de aderência a um plano de saúde. É aqui que a nossa atenção se volta. Com esses fenômenos, ao adotarmos um regime democrático, a solidificação de uma sociedade de massas e o fortalecimento das relações entre pessoas, tudo isso fez com que se iniciasse uma preocupação com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

3.1 Eficácia dos Direitos Fundamentais Antigamente, pensava-se que os direitos fundamentais incidiam apenas na relação entre o cidadão e o Estado. Por essa razão, primordialmente, esses regulam as relações entre um poder “superior” (o Estado) e um “inferior” (o cidadão). É a chamada eficácia vertical. Uma forma de proteção das liberdades individuais (direitos fundamentais de primeira geração) e de impedir interferência estatal na vida privada. A evolução e a complexidade das relações sociais demandaram uma nova forma de visualização do direito privado. Esta concepção primária dos direitos fundamentais não resistiu às mudanças operadas na realidade política, social e econômica. Assim, no século XX, nasce na Alemanha a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que vai defender o emprego destes também nas relações entre particulares. É também chamada de efeito externo dos direitos fundamentais, em alemão, horizontalwirkung, ou eficácia dos direitos fundamentais contra terceiros, ou drittwirkung. Cabe ressaltar que,

embora não haja consenso, no constitucionalismo moderno o entendimento doutrinário dominante é de que os direitos fundamentais aplicam-se, também, às relações privadas. Segundo essa orientação, não podem os particulares, com amparo no princípio da autonomia da vontade, afastar livremente os direitos fundamentais. ((VICENTE; ALEXANDRINO, 2008. p. 97)

Desta forma, considerando-se o emprego dos direitos fundamentais às relações privadas, duas teorias destacam-se: a teoria da eficácia indireta ou mediata e a teoria da eficácia direta ou imediata (LENZA, 2011, p. 868-869). Canotilho acrescenta uma terceira posição, segunda a qual não existe eficácia externa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais em relação a entidades privadas (CANOTILHO, 2004, p. 1287). Deixando de comentar essa posição introduzida por dito autor, pois não se coaduna com o presente estudo e nem atende ao seu propósito, passemos a análise dos outros dois posicionamentos. A eficácia indireta ou mediata defende que os direitos fundamentais devem ser aplicados de maneira reflexa, através da atuação legiferante do legislador. Como bem assevera Pedro Lenza, os direitos fundamentais são aplicados de maneira reflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltada para o legislador, que não poderá editar lei que viole direitos fundamentais, como, ainda, positiva, voltada para que o legislador implemente os direitos fundamentais, ponderando quais devam aplicar-se às relações privadas. (2011, p. 869)

A eficácia direta ou imediata diz que os direitos fundamentais podem ser empregados às relações entre particulares sem que, para isso, ocorra uma intermediação legislativa para sua efetivação. Defendida na Alemanha por setores minoritários tanto na doutrina quanto na jurisprudência, pode-se dizer, segundo alguns julgados famosos, que essa foi a tese que prevaleceu no Brasil no Supremo Tribunal Federal (BRANCO, 2007, p. 269). Em suma, diante do exposto, sem dúvida, cresce a teoria da aplicação direita dos direitos fundamentais às relações privadas (“eficácia horizontal”), especialmente diante de atividades privadas que tenham um certo “caráter público, por exemplo, em escolas (matrículas), clubes associativos, relações de trabalho etc. Nessa linha, poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da autonomia da vontade privada e da livreiniciativa de um lado (arts. 1º, IV, e 170, caput) e o do dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, III) de outro. Diante dessa “colisão”, indispensável, será a “ponderação de interesses” à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a

harmonização, o Judiciário terá de avaliar qual dos interesses deverá prevalecer. (LENZA, 2011, p. 870)

Paulo Gustavo Gonet Branco também lembra bem que a proteção direitos fundamentais nas relações entre particulares vem sendo realizada de diversas formas, por exemplo, com as intervenções legislativas, a interpretação e aplicação de cláusulas gerais de direito privado, ou, ainda, se dar através de suscitação direta do direito fundamental para a solução de conflitos entre particulares (BRANCO, 2007, p. 182).

3.2 Lei nº 12.653/2012: Crime de Condicionamento de Atendimento Médicohospitalar Emergencial Deixamos o crime em questão como ponto derradeiro de nosso trabalho. Em 2012, entrou em vigor a Lei nº 12.653, introduzindo novo tipo com o artigo 135-A no Decreto-lei 2.848/40, sob a nomenclatura de condicionamento de atendimento médicohospitalar emergencial. Este é seu teor, in verbis Artigo 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.

Desde que a lei entrou em vigor, passou a ser crime, portanto, tal conduta, esta praticada de forma rotineira. Sua sanção é aplicada àqueles casos em que os usuários de tal plano só conseguem atendimento nos hospitais das redes credenciadas mediante um “cheque-caução”. Este é uma garantia de pagamento, independentemente de o paciente ter se apresentado como signatário de plano de saúde conveniado. Ressalta-se que tal procedimento já era expressamente vedado pela Resolução Normativa 44 da Agência Nacional de Saúde (ANS), desde julho de 2003, que expõe sobre a proibição da exigência de caução por parte dos Prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde, contudo, os abusos prosseguiram por diversas entidades hospitalares. No mesmo sentido, temos o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que condenava a cobrança desse tipo de garantia, ao estabelecer que a exigência da garantia para o atendimento é prática abusiva que expõe o consumidor a

desvantagem exagerada, causando desequilíbrio na relação contratual. Assim consta dos referidos dispositivos RN Nº 44/03 Artigo 1º. Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço. Código de Defesa do Consumidor Artigo 39. (…) a exigência de garantia para o atendimento é prática abusiva que expõe o consumidor a desvantagem exagerada, causando desequilíbrio na relação contratual.

A própria jurisprudência vinha seguindo no mesmo sentido dessa vedação. Ementa: Declaratória de inexigibilidade de título - Cheque caução dado a hospital para cobertura de tratamento de urgência, em benefício do marido da autora Prática abusiva, em razão da emissão da cambial em situação da emergência Título que não se mostra exigível - Julgamento, no entanto, de procedência do pedido reconvencional, condenada a autora a pagar as despesas decorrentes do tratamento efetivamente ministrado ao paciente - Direito de regresso da autora em face da operadora de plano de saúde, que deixou de cobrir tratamento em razão da colocação de próteses indispensáveis ao ato cirúrgico - Recurso da ré parcialmente provido. [grifos nosso] [TJMS – Apelação Cível 3854934200 – Relator(a): Francisco Loureiro – Comarca: São Paulo – Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado – DJ: 30/04/2009] Ementa: Inexigibilidade de Cheque - Título emitido em garantia de despesas médico-hospitalares decorrentes de internação de paciente em estado grave de saúde - Prática abusiva do fornecedor vedada pelo art 39, TV, do Código de Defesa do Consumidor, por caracterizar pressão psicológica ao consumidor diante de um momento de aflição e abalo - Ausência dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade do título nestas circunstâncias - Inexigibilidade da cártula reconhecida - Sentença reformada. APELAÇÃO PROVIDA. [grifos nosso] [Apelação 7029906600 – Relator (a): Francisco Giaquinto – Comarca: São Paulo – Órgão julgador: 20ª Câmara de Direito Privado – DJ: 15/12/2008]

Assim, é possível vislumbrarmos um exemplo de intervenção legislativa para que a eficácia do direito à saúde seja sentida na ordem jurídica privada, revelando, sobretudo, a função de proteção deste direito (JUNIOR; STROPPA, 2013, p. 147). Esse jovem dispositivo do Código Penal Brasileiro tem por fundamento, como pode se observar, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, obrigando que instituições de saúde apliquem o princípio da solidariedade (ANDRADE, 2012). Cumpre destacar que,

Por outro lado, em que pese a importância de uma lei como essa para o desejável amadurecimento da proteção e respeito dos direitos fundamentais na relação indivíduo-entidades privadas, reitere-se que a criminalização textual da exigência de cheque-caução ou de qualquer outra garantia como pressuposto para o atendimento emergencial não terá o condão de inibir a prática desses comportamentos se não houver o entrelaçamento desta norma com a atuação de membros da magistratura, do Ministério Público, da defensoria pública, da administração, da advocacia e, enfim, da sociedade brasileira na busca por sedimentar que de modo algum a autonomia privada possa desprezar o valor dos direitos fundamentais. (JUNIOR; STROPPA, 2013, p. 150)

Em suma, é louvável a atitude do legislador em tipificar uma conduta que a tempos era praticada por instituições de saúde e que, apesar de serem proibidas por outras leis infraconstitucionais e resoluções, não tinham uma pena como ameaça para os direitos que ali eram violados com a prática. Desta forma, infelizmente, fez-se necessária a criminalização dessa conduta que deveria ser afastada pelo simples bom senso e humanidade por parte das pessoas que lidam com o atendimento emergencial médico-hospitalar. Ao editar tal lei, ficou demonstrado, ainda que implicitamente, que os direitos fundamentais vinculam as atividades entre os particulares e que possuem uma aplicação sobre as mesmas. Consagra-se, assim, a teoria da eficácia horizontal, que, como foi explicitado anteriormente, aplica-se nas relações privadas.

CONCLUSÃO

Desde que se uniu com seu semelhante para a formação da sociedade e, posteriormente, do Estado, o homem vem buscando apenas uma coisa: a proteção de seus direitos. A luta foi grande. Inúmeras batalhas tiveram que ser travadas para que direitos que dizem respeito ao mínimo existencial do ser humano pudessem ser reconhecidos e, mais que isso, fossem positivados em leis supremas para que pudessem estar protegidos de qualquer ameaça. Vimos que os direitos demandados pelos cidadãos eram diferentes em cada época, mas sempre se somando às necessidades posteriores. Hodiernamente, os direitos fundamentais estão positivados e sistematizados em quase todas as constituições do mundo, que preveem, inclusive, mecanismos para que os cidadãos usem quando os tiverem violados ou se sentirem ameaçados de lesão. Após traçarmos a evolução dos direitos fundamentais, que começaram com exigência simples, com direito à liberdade, vimos que os direitos que hoje demandam proteção não são mais individuais, mas que pertencem a coletividade como um todo.

Este trabalho focou-se no direito à saúde, correlacionado à novidade penal trazida pela Lei nº 12.653 de 2012. Após uma exposição da teoria da eficácia dos direitos fundamentais e dos fundamentos teóricos que inspiraram a edição da lei, concluímos perfeitamente cabível a eficácia desses direitos sobre as relações particulares de forma a limitar os abusos de uma das partes. O que é lamentável. A saúde é um direito de todos, mas, mais que isso, é uma necessidade. As instituições privadas de saúde deveriam focar menos o lucro e ser mais social, fazer valer o princípio da solidariedade, prestando mais atenção ao ser humano que, afinal é o grande objetivo de seus serviços. Assim, na tentativa de limitar abusos cometidos pelas instituições de saúde e fazer valer o direito do cidadão à saúde, o legislador recorreu à ratio penal, criminalizando essa conduta de exigir alguma garantia como motivo para o atendimento médico-hospitalar emergencial. Em suma, a saúde é um direito de todos e, acima disso, uma necessidade. O dispositivo penal demonstra que, além do próprio lucro, devem as instituições privadas de saúde manter uma consciência social, fazendo valer o princípio da solidariedade, proporcionando mais atenção ao ser humano que, afinal, é o grande objetivo de seus serviços.

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UMA ANÁLISE CRÍTICA DO CONTRADITÓRIO NAS AÇÕES JUDICIAIS QUE VERSAM SOBRE O DIRETO FUNDAMENTAL À SAÚDE Camilo Plaisant Carneiro1 Diogo Oliveira Muniz Caldas2 Renata Souto Perdigão Granha3. Palavras-chave: saúde; direitos fundamentais; direitos humanos

1 – O Direito à saúde como direito fundamental

O presente trabalho tem por objetivo analisar a questão que evidencia fundamental importância nos tempos modernos: a necessidade (cada vez maior) de parte da população brasileira, que depende (cada vez mais) da intervenção estatal (na figura do Poder Judiciário), para a concretização de direitos que lhes são garantidos constitucionalmente, em especial o direito fundamental à saúde, previsto na Constituição Federal. De outro lado, é imperiosa a análise do tema, também sob o foco dos entes federativos, que usualmente figuram no polo passivo das relações processuais estabelecidas, e que, muitas das vezes, valem-se dos mais variados argumentos a fim de justificar a inobservância desse direito, ou então como justificativa para descumprir preceitos judiciais de ordem mandamental, invocados por pessoas que são marginalizadas social e economicamente. O direito à saúde (e a manutenção de uma vida saudável), integra o rol dos direitos fundamentais, sendo classificado como um direito social, isto é, pode-se afirmar que o direito à saúde é um dos direitos sociais constitucionalmente previstos. Além disso, o direito à saúde é classificado pela doutrina como sendo um direito de segunda geração,

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Doutorando em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (FDC). Graduado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Professor do curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida (UVA). E-mail: [email protected]. Link para o Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7969152669581314 2 Doutorando em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF). Graduado em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF). Professor do curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida (UVA). E-mail: [email protected]. Link para o Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4279364T7 3 Mestranda em Direito, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida. Professora Auxiliar da Universidade Veiga de Almeida. E-mail [email protected]. Link para o Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4237373D7

encontrando fundamento no artigo 7°, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Entre todos os direitos sociais enumerados pelo legislador, pode-se afirmar, sem resquício de dúvida, que o direito à saúde tem sua importância realçada pela norma constitucional, vislumbrado, portanto, um caráter essencial. A garantia constitucional encontra guarida no artigo 6º da Constituição Federal, que expressamente determina que o direito à saúde é um direito social, bem como os demais presentes no mesmo dispositivo constitucional. Se foi explicitado que o direito à saúde é espécie do gênero ‘direito social’, é importante mencionar que essa espécie de direito é classificada como direito de segunda dimensão (ou geração, dependendo da categorização que for mais conveniente ao leitor), a qual surge como consequência lógica dos direitos de primeira geração que, ao garantirem uma ‘liberdade extremada’ aos cidadãos, acaba gerando um desequilíbrio social (que precisa ser equacionado em algum momento). Dessa maneira, passou o Estado a agir de forma ativa, abandonando uma postura omissa verificada na primeira dimensão de direitos, devendo, por ora, viabilizar garantias para que os cidadãos sejam capazes de reunir condições mínimas ao exercício de tais direitos constitucionais. Por essa razão, construiu-se todo um debate acerca das razões fundantes para concessão (por parte dos que dela necessitam), como também para a não concessão (usualmente posição defendida pelo próprio Estado), da tutela jurisdicional, cotejando caso a caso os argumentos lançados. Os direitos sociais são definidos como: “dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais” (SILVA, 2013, p. 288-289).

Conforme trecho colacionado acima, os direitos sociais, dentre os quais se insere o direito à saúde, são prestações efetivas, são ações produzidas pelo Estado, que devem agir de forma objetiva com a o escopo de garantir melhoria das condições de vida da população, como forma de se respeitar o que a doutrina convencionou chamar de igualdade material, equacionando a desigualdade existente entre as pessoas. 4

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Sobre o tema pode-se indicar ainda as ações afirmativas (ou affirmative actions do direito americano), traduzidas através de políticas públicas ou programas sociais que tem o condão de, através da concessão de benefícios a minorias (ou grupos sociais) que se encontrem em situação de desigualdade com o restante da

Para tanto, não pode o Estado se abster do seu dever constitucional de garantir o direito à saúde, através do fornecimento de medicamentos, tratamentos médicos, intervenções jurídicas, enfim, um sem número de medidas que devem atender as necessidades da população que deve reunir as condições legais para exercício de tal direito. Conforme determina a própria Constituição Federal, em seu artigo 196, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988) A não individualização do ente federativo responsável pela efetivação do direito à saúde é o que mais causa problemas para todos aqueles que recorrem ao Poder Judiciário para buscar a atenção necessária (e a concretização do seu direito). Em grande número dos casos, as ações distribuídas possuem em suas peças de bloqueio (apresentadas pelos entes federativos), argumentos que não pretendem obstar a prestação jurisdicional tendo como base razões concretas, mas tão somente verdadeiro ‘jogo de empurra’ onde a competência para concessão de determinado medicamento (ou tratamento médico) é transferida de forma discricionária pelos responsáveis da subscrição dos argumentos defensivos (seja o Município que indica ser competência do Estado, o Estado que menciona ser responsabilidade da União, ou vice-versa), não sendo possível, efetivamente, o exercício de tal direito. Eis que então se origina mais um dilema. Todos aqueles que recorrem ao Poder Judiciário para que seja possível exercer o seu direito à saúde, o fazem (em diversos casos) sem condições de aguardar por muito tempo uma resposta jurisdicional. Por outras vezes, a solicitação se dá em caráter de urgência, visto que o demandante encontra-se em delicado estado de saúde, tendo ainda que ser submetido ao calvário do procedimento judicial para que, ao final, saiba se vai ser atendido ou não pelo Estado que deveria ser o primeiro a resguardar a observância do preceito constitucional. 5

sociedade, por força de circunstâncias histórica. A título de exemplo, no cenário jurídico brasileiro pode-se citar a política de cotas raciais em concursos públicos. 5 Por certo que não se trata no presente momento das questões envolvendo as tutelas de urgência, já que em determinados casos e, através dos mecanismos processuais adequados, a prestação jurisdicional pretendida ao final da demanda pode ser antecipada, desde que observados os preceitos legais contidos em regulamento próprio.

Por óbvio que não se pretende por ocasião do presente trabalho defender a existência de um Estado integralmente Assistencial. Entretanto, deve-se esperar que a atuação do ente público seja sempre com o intuito de prover as mínimas condições de vida aos mais necessitados, o que se convencionou chamar de um ‘mínimo existencial’, por meio de um Estado Desenvolvedor, como indica Amartya Sen em sua obra: A segurança protetora é necessária para propiciar uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria abjeta e, em alguns casos, até mesmo a fome e a morte. A esfera da segurança protetora inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes, bem como medidas ad hoc, como distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados (SEN, 2000:57)

É preciso ressaltar que, não obstante a expressa previsão legal dos direitos sociais e, in casu, o direito à saúde, o Estado deve agir efetivamente para garantir que os cidadãos possam exercer tal direito, não impondo maiores restrições a todos aqueles que já encontram nos seus estados de saúde uma limitação natural para o exercício dos demais direitos, como o direito à vida, por exemplo. Mas não é isso que acontece.

2 – Dos obstáculos erigidos pelo Estado

Já foi possível explicar que o direito à saúde é um direito de todos, constituindo um dever do Estado sua efetivação. Na maior parte das petições iniciais, a exposição dos fatos tem início e base na teoria do mínimo existencial, funcionando como catalisador para que alcance o apregoado no princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, a Administração Pública possui o dever legal de prover, aos seus administrados, os medicamentos necessários para a manutenção da vida ou, de pelo menos, proporcionar a sobrevida de forma digna, como nos casos do uso da morfina em pacientes terminais. Ademais, se o Estado se nega a resguardar o maior bem jurídico tutelado pelo direito, o que deve ser amparado? Ocorre que as evidências fáticas demonstram que o Estado não funciona como garantidor de direitos, mas sim, em via diametralmente oposta, atuando na maioria dos casos em que é demandado judicialmente, como um prófugo, se eximindo do dever constitucional que lhe foi atribuído, independente do ente demandado. Uma das teorias sobre as quais se ampara o Estado (em sentido lato) é a teoria dos custos dos direitos. Esta teoria foi estudada e desenvolvida pelos Professores Cass

Sustein e Stephen Holmes e publicada no livro intitulado The cost of rights: Why Libert Depends on Taxes, em 19996. A pesquisa desenvolvida pelos autores permitiu concluir, através de análises acerca dos mais variados tipos de direitos que, cada um deles, possui um custo para o seu cumprimento. Por tal razão o Estado só poderia prestar determinado direito onde haja orçamento suficiente para tanto. Nessa linha é a afirmação de FONTE (2015. p. 137): Assim, conforme cabalmente comprovaram os autores, é falaciosa a tese de que há direitos sem custos, e de que já direitos que exigem abstenções estatais absolutas, isto é, que são eficazes sem a realização de alguma atividade estatal. Talvez, amparado na ideia de que cada direito tem o seu custo correspondente, além, da ideia de que o direito à saúde seja o mais custoso dentre todos aqueles direitos positivos, o Estado insiste em alegar em suas peças contestatórias que não possui condições de atender às determinações judiciais decorrentes de ações jurídicas, cujo objeto seja a busca pelo exercício do direito à saúde, sem que com isso, inevitavelmente, gere como consequência o desatendimento de uma outra área. O que se quer afirmar aqui é que o Estado quase sempre utiliza como parâmetro para suas defesas o fato de que se for compelido a cumprir determinação decisão judicial, acabará por não atender à segurança pública, educação, etc, assumindo a prevalência descriteriosa de um princípio sobre outro. Corroborando com o que foi afirmado, mencionam-se a seguir julgados provenientes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 7 sobre o tema: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DIREITO À SAÚDE. NECESSIDADE DE FORNECIMENTO GRATUITO DE INSUMOS. MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU. Dever de proteção à saúde que abrange o fornecimento de insumos, uma vez que produtos complementares ou acessórios aos medicamentos compreendem-se na prestação de saúde, nos termos da súmula nº 179 deste Tribunal. Inexistência de violação aos princípios da separação dos poderes e da reserva do possível. Município isento do pagamento de custas, mas não da taxa judiciária. Verba honorária devida ao CEJUR-DPGE, e fixada com razoabilidade. Sentença mantida. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, COM FULCRO NO ART. 557, CAPUT, DO CPC. (Processo nº 0103755-04.2012.8.19.0038) CONSTITUCIONAL. SAÚDE PÚBLICA. MUNICÍPIO DE TRÊS RIOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A HIPOSSUFICIENTE QUE DELES NECESSITA PARA TRATAMENTO DE DOENÇA. Normas imperativas da Constituição Federal cometem à União, Estados, Distrito Federal e Municípios competência comum para cuidarem da saúde e assistência públicas, tendo o 6

SUNSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The cost of Rights – why liberty depends on taxes, 1999. New Yourk: W. W. Norton Company, 1999. 7 Os parâmetros utilizados para a pesquisa foram os termos ‘direito a saúde’ e ‘reserva do possível’. A pesquisa foi realizada no mês de fevereiro de 2016 e ambos os julgados foram proferidos nesse mês.

Enunciado nº 65 deste E. TJRJ reconhecido a responsabilidade solidária dos entes federativos para garantia deste direito fundamental. Não pode o ente público alegar problemas orçamentários ou condicionar o fornecimento de medicamentos à inclusão em lista elaborada pelos órgãos competentes, eis que a saúde, um direito garantido constitucionalmente, não pode ser limitado por uma norma elaborada pelo constituinte derivado. Garantia ao fundamental direito à saúde que não se confunde com infringência à separação dos Poderes ou à reserva do possível. Súmula nº 241 do TJRJ. Verba honorária razoavelmente arbitrada em R$200,00 (duzentos reais), e em consonância com o disposto na Súmula 182 do TJRJ. Negativa de seguimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do CPC. (Processo n° 000660749.2011.8.19.0063)

Como é possível observar em ambos os julgados, o Estado faz menção à reserva do possível e às questões orçamentárias. Segundo FONTE (2015. p. 137): A reserva do possível surge como um argumento na discussão a respeito da concretização judicial dos direitos sociais, exigindo que as pretensões formuladas em face do Estado sejam analisadas com a devida razoabilidade. Em uma análise preliminar, é coerente definir o princípio da reserva do possível como a prestação efetiva dos direitos sociais aos mais pobres ou necessitados, de acordo com a disponibilidade orçamentária (ou financeira) disponíveis. Mas não é só. Esse princípio demanda a ideia de que os direitos sociais são considerados “caros”, ou seja, pelo alto custo de sua aplicação, devem ser executados de forma progressiva, na medida dos recursos que estejam disponíveis. Nesse sentido é o posicionamento de Ana Paula de Barcellos, para quem “a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas”. O princípio em questão nada mais é do que uma construção jurídica do tribunal constitucional alemão em decorrência da discussão estabelecida em uma ação que tinha como objetivo permitir que determinados estudantes fossem capazes de cursar o ensino superior em medicina, amparados na livre escolha de trabalho, ofício ou profissão. Por ocasião do julgamento do caso relatado que somente se pode exigir do Estado determinada prestação desde que observados os limites de razoabilidade, sendo certo que os direitos sociais estariam sujeitos a uma reserva do possível, justificando eventual limitação do Estado em razão das suas condições socioeconômicas. Vale ressaltar que ambas as teorias (custos dos direitos e reserva do possível) se encontram estruturadas entre si. Em se tratando do cenário nacional a reserva do possível foi recepcionada de forma ‘modificada’, mas ainda assim é utilizada em vários casos que tramitam em todas

as esferas do Poder Judiciário, mormente por representantes judiciais das fazendas municipais e estaduais que utilizam como linha de defesa a negativa ao fornecimento de medicamentos para os que deles necessitam, sob a alegação de que a Administração Pública, se optasse por atender integralmente a tais demandas, sofreria um abalo em suas finanças. Valendo-se dessa argumentação o Estado indica que não pode cumprir as determinações judiciais porque isso impactaria no desequilíbrio orçamentário impondo restrições a determinadas áreas, quando atendidas outras, o que deve ser analisado com cautela. Não é segredo algum que em inúmeras localidades deste país com extensão continental, milhares de demandas contra o Estado são distribuídas diariamente com os mais diversos objetivos (p. e. matrícula em escola, medicamentos), devendo-se questionar se há efetivamente um planejamento feito pelo Estado quando da elaboração do seu orçamento, seja na figura dos municípios, estados ou União. Ana Paula de Barcellos (2011, p. 268) divide a reserva do possível em fática e jurídica, sendo a primeira ligada à existência de recursos, ao passo que a reserva do possível jurídica corresponde à previsão orçamentária para a despesa. Quando apresenta a classificação da reserva do possível em fática e jurídica, a autora (BARCELLOS, 2011, p. 277-279) questiona a possibilidade de se sustentar a reserva do possível fática, no sentido de ausência total de recursos em caixa, tendo em vista que o Estado tem sempre a possibilidade de arrecadar mais receitas. Entretanto, não se perca de vista que é a própria sociedade a responsável por fornecer estes mesmos recursos ao Estado. Nesta linha de raciocínio observa-se a impossibilidade de aplicação da reserva do possível, se compreendida como reserva do possível fática, uma vez que o Estado sempre pode obter novos recursos. Eros Grau (GRAU apud BARCELLOS, p. 278) defende a ideia da reserva do possível fática. Para o autor, a reserva do possível será fática se ao preservar os recursos indispensáveis à continuidade do serviço público houver indisponibilidade de caixa. Assim, os valores destinados à manutenção do serviço público não podem ser comprometidos, deixando, pois, de viabilizar a verificação de existência de dinheiro para fins de atendimento de demandas relativas aos direitos sociais. Deve-se ressaltar, ademais, que a utilização do princípio da reserva do possível, como já demonstrado alhures importado do direito alemão, não parece ter sido originalmente introduzido no ordenamento jurídico, sendo oportuna a observação feita por KRELL (2002. p. 107-109):

“vários autores brasileiros tentam se valer da doutrina constitucional alemã para inviabilizar um maior controle das políticas sociais por parte dos tribunais. Invocando a autoridade dos mestres germânicos, estes autores alegam que os direitos sociais deveriam também no Brasil ser entendidos como ‘mandados’, ‘diretrizes’ ou ‘fins do Estado’, mas não como verdadeiros Direitos Fundamentais. Afirmam que – seguindo a ‘linha alemã’ – seria teoricamente impossível construir direitos públicos subjetivos a partir de direitos sociais e que o Poder Judiciário não estaria legitimado para tomar decisões sobre determinados benefícios individuais (...) Devemos nos lembrar também que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha – como nos outros países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública; não há a necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indivíduos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de ‘assistência social’ que recebem etc. Temos certeza de que quase todos os doutrinadores do Direito Constitucional alemão, se fossem inseridos na mesma situação socioeconômica de exclusão social com a falta das condições mínimas de uma existência digna para uma boa parte do povo, passariam a exigir com veemência a interferência do Poder Judiciário, visto que este é obrigado de agir onde os outros Poderes não cumprem as exigências básicas da constituição (direito à vida, dignidade humana, Estado Social)”

É o risco encontrado todas as vezes que se pretende importar conceitos e institutos provenientes de outros ordenamentos jurídicos; confrontar as realidades já parece ser suficiente para verificar que a aplicabilidade de um instituto estrangeiro no ordenamento jurídico brasileiro, não resultará nos benefícios propiciados em seu local de origem. Para se pensar em direitos fundamentais efetivos, devem ser invocadas linhas genéricas relacionadas ao direito alemão que, de acordo Otto Bachof (2014, p. 71), o princípio da dignidade da pessoa humana é garantidor das liberdades individuais e de um mínimo existencial, ou seja, o Estado, enquanto administrador, deve garantir um mínimo de segurança social aos seus administrados, cumprindo o disposto nesse princípio. É relevante defender um Estado que respeite os direitos sociais, garantindo o cumprimento efetivo dos mesmos e uma assistência social aos que, por alguma razão, estejam em debilitada situação física ou mental, e porventura não estejam conseguindo prover o seu próprio sustento. Não se defende aqui um Estado Assistencial com vertentes paternalistas. Entretanto, o ente público deve primar pela concessão de dignidade aos mais necessitados, por meio de um Estado Desenvolvedor, como indica Amartya Sen em sua obra:

A segurança protetora é necessária para propiciar uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria abjeta e, em alguns casos, até mesmo a fome e a morte. A esfera da segurança protetora inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes, bem como medidas ad hoc, como distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados (SEN, 2000:57)

Há dois tipos de modelo que utilizam a relação de direitos sociais com o crescimento econômico: a) O primeiro modelo sustenta que o respeito às liberdades individuais e a forte oferta de assistência aos direitos sociais, com ênfase na educação de qualidade e acesso à saúde, conjugadas com uma reforma agrária eficaz, realizam crescimento econômico e social saudável. b) O segundo modelo de crescimento econômico apresenta um Estado que busca ênfase no crescimento econômico, mas com o abismo social criado durante décadas, suas realizações têm aparecido de forma extremamente lenta se comparado com o modelo anterior.

O desenvolvimento e a garantia do mínimo existencial perpassam, portanto, por fatores econômicos, apesar de alguns pensamentos divergentes, os quais sobrepõem o raciocínio jurídico sobre o econômico. A questão da discricionariedade é outro ponto também aduzido pelos representantes judiciais das fazendas municipais e estaduais. Trata-se de argumentos que questionam o Poder Judiciário como se se arvorasse ao âmbito de atuação, ferindo a independência dos poderes. Por óbvio, a função administrativa do Estado deve ser exercida dentro dos limites da lei. Assim, o ato administrativo não pode inovar na ordem jurídica, tampouco o Judiciário está habilitado ditar a regras para administração do Executivo. O limite é tênue e de difícil compreensão quando se trata de direitos fundamentais que são negados pelo administrador público sob o argumento de falta de recursos financeiros para seu cumprimento. O poder judiciário é constantemente atacado no sentido de avaliar cada caso de forma individualizada, enquanto, segundo teses que fundamentam o administrador, deveria focar seu olhar de forma macro, de forma global todas as demandas que são a si submetidas. Não parece ser esse o melhor argumento de defesa. Como seria possível cobrar dos juízes que, antes de proferirem suas sentenças em processos que possuem como réus municípios, estados e a União, observassem se em suas varas já tramitam processos contra o mesmo ente federativo e que possuam o mesmo objeto (concessão de medicamentos, determinação para custear tratamento médico), ou então, como imaginar

que em um grande município (com inúmeras varas), seria possível determinar que o magistrado realizasse buscas dentro do tribunal? É essa a pretensão quando se ampara em tal argumento defensivo? Ora, se essa for a intenção, resta demonstrado tratar-se de mais um argumento inócuo que tem por objetivo a não efetivação do direito à saúde. Em um outro momento, mas ainda tentando se esquivar do cumprimento da sua obrigação constitucional, a Administração Pública, também como matéria defensiva, estabelece que a obrigação pertence a outros entes federativos distintos dela, ou seja, se a ação é proposta em face do Município, os representantes do mesmo relatam que a responsabilidade é do Estado. Em caso diverso, se a requisição é feita contra este ente, os Procuradores Estaduais prontamente relatarão que a responsável pela prestação é a União. Assim, em uma infindável manipulação de interesses o cidadão permanece desamparado, enquanto o processo não evolui pela exaustiva discussão de competência. Por mais que os nobres Procuradores sustentem a incompetência para a prestação do direito à saúde, já estão pacificadas súmulas, como a de número 65 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, baseada nos artigos 8° e 196 da Constituição Federal e na Lei 8.808/90, a qual estabelece a solidariedade entre todos os entes federativos, em matérias relativas à garantia deste direito fundamental e de sua respectiva antecipação de tutela.

3 – Considerações Finais

O fenômeno do constitucionalismo trata da predominância da limitação jurídica do exercício do poder, estabelecendo freios e contrapesos para a soberania popular desenvolvida pela democracia. O sistema jurídico brasileiro e a sua relação intrínseca com o cumprimento dos direitos fundamentais e sociais, ante à aplicação do princípio do mínio existencial, apresenta uma infinidade de dificuldades técnicas. Inevitável considerar que o núcleo essencial dos direitos sociais esteja incluído nas cláusulas pétreas. As pessoas necessitam viver em paz, com liberdade e saúde, por isso é necessário conferir alguma estabilidade às relações jurídicas entre o cidadão e o Estado enquanto gestor, a fim de construir um valor fundamental de uma sociedade hegemônica. Argumentos que versam sobre a impossibilidade financeira do Estado em cumprir suas metas no âmbito da saúde são, de forma recorrente, utilizados pelos

procuradores dos Estados, Municípios e Advogados Gerais da União, como linha de defesa para o não cumprimento dessas garantias estabelecidas constitucionalmente. Ao indicar em suas peças processuais a escassez de recursos para a execução de medidas que versam sobre direitos básicos e de extrema relevância (como a saúde e a habitação) é, no mínimo, chancelar a omissão dos gestores públicos, assinando um verdadeiro atestado de incompetência, no gerenciamento do erário público, que anualmente é garantido pelo pagamento de impostos da alta carga tributária existente hoje no Brasil. Os direitos fundamentais e sociais enumerados e garantidos pela Constituição Federal devem ser muito bem compreendidos, eis que tratam do rol mínimo indicado pelo legislador, com o objetivo de que a população brasileira possa vivenciar a dignidade proposta pela Constituição, bem como estar protegida dos excessos estatais, os quais, não raro, são originários de omissões próprias, no exercício da função administrativa. A discricionariedade da administração não se coaduna com um mero poder abstrato concedido ao agente pelo ordenamento jurídico, mas como condição conferida ao agente para que este, no exercício de suas funções, tome a decisão mais adequada ao caso concreto, aplicando os direitos e garantias fundamentais da Constituição. O princípio do mínimo existencial necessita de defesa e efetividade plenas contra as teses formuladas por determinados administradores que, por muitas das vezes, acabam invertendo a ordem de importância, valorizando de forma clara o aspecto financeiro em detrimento do respeito aos direitos básicos listados no ordenamento jurídico brasileiro.

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NETO, Claudio Pereira de Souza. Teoria Constitucional e Democracia Deliberativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais. Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Ed. Livraria Almedina: Portugal, 2014.

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SGARBOSSA, Luís Fernando. Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos. Volume I – Reserva do Possível. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010.

TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação de Direitos Humanos. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des) caminhos de um Direito Constitucional "comparado". Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

O TRABALHO DA MULHER: BREVES NOTAS PARA UMA REFLEXÃO A PARTIR DOS ASPECTOS LABORAL, SOCIAL E TEMPORAL Carla Appolinario de Castro1 Esterlane de Oliveira Moreira2

Palavras-chave: TRABALHO; MULHER; PROTEÇÃO SOCIAL.

Com as transformações ocorridas no mundo, principalmente na Europa, no período compreendido entre 1914 e 1945 – em especial, a partir das duas Grandes Guerras mundiais e da Revolução Industrial -, o perfil do trabalho e do trabalhador sofreu impactantes modificações, desde a troca do trabalho manufaturado pelo trabalho industrial até os sujeitos envolvidos na execução das atividades industriais. A entrada da mulher na seara trabalhista, dentre outros motivos, se dá pelo saldo negativo obtido com o fim das Guerras Mundiais (1914 – 1918 e 1939 – 1945, respectivamente) onde, os provedores do sustento familiar tiveram sua vida ceifada ou foram mutilados pela guerra instalada naquele período3. Com isso, as mulheres que outrora se dedicavam à educação de seus filhos e aos cuidados relacionados com a casa, se viram em uma situação de necessidade, ou saiam para trabalhar e tentavam garantir o básico para sua família ou morriam de fome. No entanto, mesmo os homens que voltavam para suas famílias tinham a mulher trabalhando em fábricas, uma vez que o salário obtido nas fábricas era de um valor irrisório e, portanto, insuficiente para manter o básico necessário para sua família 4. Entretanto, também merece destaque o fato de existirem mulheres que estavam nas fábricas, não para ajudar exclusivamente o marido com as despesas da casa, mas também, porque queriam obter, através do seu próprio

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Professora Adjunta do Departamento de Direito da UFF de Volta Redonda e do Programa de Pósgraduação em Sociologia e Direito (PPGSD/UFF). Email: [email protected]: http://lattes.cnpq.br/3666357154549659 2 Graduanda de Direito pela Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Volta Redonda. RJ. 2014. Email: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6962307611445750 3 PROBST, Elisiana Renata. A evolução da mulher no mercado de trabalho. Disponível em http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02-05.pdf. Acesso em 14/11/15. 4 RODRIGUES, Paulo Jorge et al. O trabalho feminino durante a revolução industrial. Disponível em https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xiisemanadamulher11189/o-trabalho-feminino_paulojorge-rodrigues.pdf. Acesso em 14/11/15.

sustento, a sua autonomia e liberdade perante uma sociedade patriarcal 5. O que nos faz concluir que não foi apenas a falta do marido no lar o que fez com que as mulheres saíssem de suas casas e fossem até as fábricas exercer uma função laboral. Diante do exposto, o presente trabalho visa analisar a inserção da mulher no mercado do trabalho e seu papel na seara trabalhista, desde o advento da Revolução Industrial, trazendo as principais modificações legislativas acerca da proteção do trabalho feminino que ainda está em constante transformação no direito brasileiro. Com esse viés, buscaremos apontar a principal dificuldade hoje para a permanência da mulher no mercado de trabalho frente ao preconceito de sexo, discrepâncias salariais e o papel fundamental do próprio direito do trabalho no intuito de proteger os direitos das mulheres trabalhadoras. Dos dispositivos pertinentes ao assunto, analisaremos as Constituições brasileiras e as demais leis do ordenamento jurídico e suas principais transformações temporais acerca do tema, além da análise do entendimento jurisprudencial das mais altas cortes brasileiras, em especial, do Tribunal Superior do Trabalho e das Convenções da OIT ratificadas pelo governo brasileiro.

OBJETIVO

O presente trabalho tem como objetivo a divulgação da evolução ocorrida desde a inserção da mulher no mercado de trabalho e como o direito laboral acompanhou essa transformação. Objetivando a ilustração da problemática envolvida pelo tema, serão demonstrados com casos reais os obstáculos percorridos até os dias atuais para mulher se manter no mercado de trabalho. O artigo está estruturado em três tópicos, além da introdução e conclusão. O primeiro expõe a evolução legislativa, principalmente no Brasil. O segundo trará comparativos entre o trabalho feminino e o masculino, além de dados que demonstram a diferença no tratamento desses trabalhadores e o último tópico trará o enfoque do Direito do Trabalho na proteção e

5 HESSEN, Robert. Os efeitos da revolução industrial nas mulheres e crianças. 01 de abril, 2015. Disponível em http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/os-efeitos-da-revolucao-industrial-nasmulheres-e-criancas/. Acesso em 14/11/2015.

jurisprudências que evidenciam o tratamento dado pelos juízes trabalhistas ao trabalho da mulher.

CONCLUSÃO O presente artigo visa a colaborar com a problemática sócio jurídica, envolvendo o direito das trabalhadoras brasileiras, pois, apesar de existir uma extensa legislação visando à proteção e o combate à descriminação sofrida por elas no ambiente laboral, essas leis, no entanto, vêm se mostrando ineficazes no seu objetivo, sendo desrespeitados direitos consagrados, inclusive, constitucionalmente. Sendo essa uma discussão que se torna cada dia mais essencial e primordial para a evolução e efetivação do direito do trabalho da mulher.

I-

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende abordar de forma sistemática a inserção da mulher na seara trabalhista decorrente da necessidade de exercer atividades laborais nas fábricas que se instalavam no Brasil em decorrência da Revolução Industrial. Devido às explorações ocorridas nas dependências das fábricas, além da precariedade das condições laborais, surge o Direito do Trabalho que “nasce como reação às Revoluções Francesa e Industrial e à crescente exploração desumana do trabalho. É um produto da reação ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano” 6. No entanto, convém ressaltar que apesar da necessidade da mulher ajudar seu marido no sustento de sua família, o fato de mulheres “abandonarem o posto de zeladoras do lar” nunca foi aceito de forma pacífica pela sociedade. Ao contrário, até os dias atuais, essa ruptura feminina não é bem vista por parte significativa da sociedade. Como se sabe, um número cada vez maior de mulheres inseridas no mercado de trabalho se dá, por motivos um pouco diversos dos que ocorreram em meados do século XVIII e XIX. Hoje, movidas pelo sentimento de independência e autoafirmação as mulheres veem em seus trabalhos a melhor maneira de se desprender da relação de 6

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. São Paulo: Método, 2014, p. 15.

inferioridade imposta pela sociedade ao longo dos anos. Além da formação estrutural da família ter mudado, hoje é mais comum você encontrar uma mulher “chefe de família” responsável pelo sustento e educação da prole, do que há algumas décadas atrás. Inclusive, no que tange ao mercado de trabalho, hoje temos uma diversidade de atividades, que outrora eram majoritariamente exercidas por homens, que passaram a ser executadas por mulheres. Um exemplo desse crescimento feminino na sociedade é o mais alto posto do país sendo ocupado por uma mulher, a Presidência da República. No entanto, ainda vemos um número significativo de mulheres trabalhando de forma autônoma e no mercado informal, além da discrepância na percepção salarial quando exercida a mesma função de um homem7.

II-

A PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHO DA MULHER NO BRASIL.

Em 1932, o então Ministro Lindolfo Collor, expediu a primeira lei que versava sobre a proteção do trabalho da mulher, o Decreto nº 24.417-A de 17 de maio de 1932. Em 1919, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) trouxe, na sua Convenção de nº 3, a proteção relativa ao Emprego das Mulheres antes e depois do parto (Proteção à Maternidade). Também nesse ano, foi expedida a Convenção de nº 4, que tratava do trabalho noturno da mulher. No entanto, essas convenções só vieram a ser ratificadas e promulgadas pelo Brasil em 1934. Percebe-se que, somente após o Decreto de 1932, foi inserida no Brasil normatização referente à proteção da mulher no campo trabalhista. A primeira Constituição brasileira a tratar sobre o tema foi a de 1937, no artigo 137 in verbis: Art. 137, caput: “A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: k) proibição de trabalho a menores de catorze anos; de trabalho noturno a menores de dezesseis, e, em indústrias insalubres, a menores de dezoito anos e a mulheres; (sem grifos no original); l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto.”

7

Assuntos que serão melhor abordados nos tópicos seguintes.

Em seguida, tivemos a Constituição de 1946 que além de ratificar os preceitos trazidos pela Constituição de 1937, inovou ao tratar sobre a proibição da diferença salarial por motivo de sexo (art. 157, II) e sobre a proteção, não apenas do salário, mas também, do emprego em caso de gravidez (art. 157, X). A Constituição de 1967 estabeleceu a aposentadoria da servidora com tempo diferenciado em relação ao homem; a este era imposto 35 (trinta e cinco) anos de serviço e à mulher, 30 (trinta) anos, na hipótese de aposentadoria voluntária (art. 100, III e §único) e do direito à percepção do salário integral independente de ser servidora pública ou não (art. 158, XX). A Constituição Federal de 1988 é considerada um novo processo de redemocratização onde se viu a necessidade de devolver ao povo todos os direitos que haviam sido retirados durante o processo ditatorial 8. Em seu artigo 7º, a CRFB de 1988 garantiu inúmeros direitos aos trabalhadores, objetivando a sua dignidade, a proteção da relação trabalhista e a melhoria na sua condição social. Não se pode olvidar o feito histórico ocorrido em 1943 que foi a compilação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que antes mesmo da promulgação da atual Constituição, trouxera inserido no Título III, um capítulo inteiro destinado exclusivamente à proteção do trabalho da mulher. A Carta Magna de 1988 pode ser considerada um marco histórico na proteção do trabalho da mulher quando traz as seguintes medidas protetivas elencadas no artigo 7º e seus incisos: licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias (XVIII), proteção do mercado de trabalho da mulher (XX), assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (XXV) 9, proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (XXX). A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) traz em seu Capítulo III, com o título de “DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER”, seis seções destinadas exclusivamente à mulher, que não são aplicadas de forma analógica aos homens

8

JUNIOR, Marco. Constituição de 1988, sua história e características. http://www.estudopratico.com.br/constituicao-de-1988-sua-historia-e-caracteristicas/. 15/11/15. 9 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53 de 2006.

Disponível Acesso

em em

conforme entendimento do TST no julgamento AIRR-1602-59.2014.5.09.0325 in verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO MAJORADO PELAS HORAS EXTRAS. REFLEXOS EM OUTRAS PARCELAS. Decisão recorrida em consonância com a OJ nº 394 da SDI-1 do TST. Incidência do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 desta Corte como óbices ao conhecimento do recurso de revista. 2. INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT. PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER. EXTENSÃO AO TRABALHADOR DO SEXO MASCULINO. IMPOSSIBILIDADE. Segundo a jurisprudência deste Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal, o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal. Contudo, o aludido dispositivo encerra norma protetiva ao trabalho da mulher e somente a ela é aplicável. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e não provido.

Em termos de legislação ordinária temos a criação da Lei nº 9.029 de 1995, que traz a proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, constituindo em crime as práticas discriminatórias, conforme se constata com a leitura do artigo 2º da lei 9029/95: “Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez; II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem; a) indução ou instigamento à esterilização genética; b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS). Pena: detenção de um a dois anos e multa”. (sem grifos no original)

A mudança legislativa faz com que reflitamos sobre a importância do papel feminino nas relações trabalhistas e o combate às práticas discriminatórias e vexatórias que as mulheres enfrentam diariamente em seu ambiente de trabalho. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente na sua prática laboral10, tais dados se mostram de extrema importância para sabermos o quanto a sociedade e principalmente a legislação ainda tem que caminhar para que possamos, se não extinguir, ao menos reduzir esse número.

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“ A mulher está mais sujeita ao assédio em todas as carreiras” – Notícia do site do TST publicado em 03/11/2012, disponível em http://www.tst.jus.br/consultaunificada?p_p_id=15&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_15_struts_action=% 2Fjournal%2Fview_article&_15_groupId=10157&_15_articleId=3007936&_15_version=1.5

III – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER NO CORTE TRABALHISTA A segregação do emprego entre os homens e as mulheres é uma prática ainda muito comum na seara trabalhista mesmo com o advento de normas que visam à proibição de tal prática. A continuidade dessa segregação se dá, em parte, pela construção enraizada na sociedade de que a mulher estaria menos preparada para exercer determinada atividade pelo fato de ser mulher, exclusivamente. Exclui-se a possibilidade dela ter capacidade laborativa e intelectual igual ou superior ao homem. Com isso há uma maior fragilidade do emprego feminino, levando à constatação da hipótese das mulheres como exército industrial de reserva 11. É possível observar uma mudança comportamental da jurisprudência trabalhista no tocante à proteção do trabalho feminino ao longo dos anos, o que nos demonstra também a aplicação do preceito constitucional da igualdade que nos remete a ler nas entrelinhas o seu significado que seria o de “tratar os desiguais na medida de suas desigualdades e os iguais na medida de sua igualdade”. Com isso, não há porque supor que o tratamento legal atribuído à proteção do trabalho da mulher estaria em dissonância com os preceitos introduzidos pela Carta Magna de 1988. Tal entendimento é corroborado pelo julgado realizado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) que explicita: “A controvérsia já foi submetida ao Pleno desta Eg. Corte, que, no julgamento do TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, em 17/11/2008, concluiu pela recepção do art. 384 da CLT pela Constituição da República de 1988. Prevaleceu, naquela oportunidade, o entendimento de que, apesar de homens e mulheres possuírem incontestável igualdade intelectual e jurídica, não se pode ignorar a natural distinção física, psíquica e social entre os sexos, razão pela qual a previsão do art. 384 da CLT guardaria plena compatibilidade material com o disposto no art. 5º, I, da Constituição. De fato, o próprio legislador constituinte cuidou de conferir proteção especial ao maior desgaste da mulher trabalhadora, instituindo, por exemplo, condições diferenciadas de idade e tempo de contribuição previdenciária para a aposentadoria (art. 201, § 7º, I e II), bem como particular proteção à maternidade e gestação (arts. 7º, XVIII, da Constituição e 10, II, “b”, do ADCT, entre outros). Tais proteções revelam-se perfeitamente justificáveis à luz das diferenças sócio-fisiológicas entre homens e mulheres. RR - 2520065.2009.5.09.0665 (sem grifos no original).

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HIRATA, Helena. Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. 1ª Ed. 2002.

Em 2005, o TST julgou improcedente o pedido de estabilidade da gestante por entender que a confirmação da gravidez se deu após a extinção do contrato de trabalho, in verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. EFEITOS. SÚMULA 371 DO TST. Hipótese em que a Reclamante engravidou no período do aviso prévio indenizado, quando já rescindido o contrato de trabalho. Nesse contexto, a projeção do contrato de trabalho, para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, e, portanto, não alcança a estabilidade provisória da gestante, quando a gravidez é confirmada após a rescisão contratual. Não caracterizada violação direta do art. 10, II, b, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição da República. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR-1616/2003-041-03-40.2)(sem grifos no original)

Em 2012, houve a elaboração da Súmula nº 244 do TST que dispõe sobre a estabilidade da gestante, alterando substantivamente o entendimento do Tribunal, in verbis: Súmula nº 244 do TST GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT). II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.(sem grifos no original)

É sabido que a gestante adquire estabilidade mesmo se a concepção ocorrer no período do aviso prévio, trabalhado ou não, como determina o art. 391-A da CLT 12. O direito à estabilidade provisória decorrente de gravidez é garantido, mesmo que os exames mostrem que estimativa da concepção tenha ocorrido durante o aviso prévio, e independe do conhecimento do estado gravídico da empregada pelo empregador e por ela própria. A Constituição Federal de 1988 preceitua em seu artigo 7º, XXX - “a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. Em estudo realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), conclui-se que os “os homens ganham mais que as mulheres

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CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. São Paulo: Método, 2014, p. 1148.

em todas as faixas de idade, níveis de instrução, tipo de emprego ou de empresa” 13. A pesquisa retrata uma prática muito comum na sociedade brasileira e que vem sendo fortemente combatida pela Justiça do Trabalho. Para corroborar a tese acima, o TST ao julgar o agravo de instrumento nº AIRR-45/2005-043-12-40.4 confirmou a sentença de 1º grau que garantiu a equiparação salarial a empregada doméstica. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. EMPREGADA DOMÉSTICA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Não há como considerar violado, face à sua não aplicação, o artigo 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, que não assegura à categoria dos trabalhadores domésticos o direito à equiparação salarial, ante os termos do acórdão do Regional que deferiu diferenças salariais motivado no fato de se tratar de empregados domésticos que exerciam a mesma função, embora de sexos opostos. Veja-se que o motivo determinante pelo qual levou o egrégio Tribunal Regional admitir a equiparação salarial foi fundado no princípio da igualdade, também plenamente assegurado na Constituição Federal. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...) 2. MÉRITO2.1. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. EMPREGADA DOMÉSTICA.

(...) A decisão que concedeu o direito à equiparação salarial entre os domésticos não atentou contra a disposição constitucional apontada pela parte, até porque, como se pode ver da decisão regional, o motivo determinante pelo qual levou o egrégio Tribunal Regional admitir a equiparação salarial foi fundado no princípio da igualdade, princípio plenamente assegurado na Constituição Federal. Refrise-se que entre paradigma e paragonada existia identidade de funções, não subsistindo a diferenciação salarial pelo simples fato de serem de sexos opostos. É de se observar que a atividade por eles desempenhada não admitia essa distinção apenas por se tratar de trabalho desenvolvido por homem e mulher, já que o exercício da função não dependia da diferenciação biológica de cada um deles. Nesse contexto, não admitir-se a equiparação salarial estar-se-ia procedendo de forma preconceituosa, estabelecendo discriminação em razão do sexo e, consequentemente, violando o artigo 5º, caput, da Constituição Federal. (sem grifos no original)

Nos julgamentos apresentados, percebe-se a mudança que vem ocorrendo na Justiça do Trabalho e na legislação, na tentativa de, por meio de suas normas indicativas (no caso da jurisprudência) ou imperativas (no caso das leis), coibirem práticas que não se coadunam com a realidade imposta pela CRFB de 1988, que teve o claro propósito de proteger e garantir o trabalho da mulher. IV-

13

CONCLUSÃO

“Homens recebem salários 30% maiores que as mulheres no Brasil” – disponível em http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/homens-recebem-salarios-30-maiores-que-asmulheres-no-brasil/

A Carta Magna de 1988 trouxe uma inovação legislativa com o intuito protetivo para as mulheres trabalhadoras. É inegável que, a partir dela, vem ocorrendo mudanças sociais e laborais que trazem aspectos relevantes no combate à discriminação de gênero e à diferença salarial no tocante à relação de emprego. Apesar de a mulher, hoje, apresentar um maior grau de escolaridade14 ainda é muito comum homens ganharem mais exercendo a mesma função que mulheres. A luta pela igualdade e por melhores condições de trabalho para as mulheres é constante e diária. Práticas abusivas devem ser fortemente combatidas não apenas pelos operadores do direito, mas também pelos fiscais do trabalho e pela própria sociedade. Para isso, precisamos de uma conscientização da sociedade para que reconheça o importante papel exercido pela mulher e não a veja como um mero ser humano frágil e despreparado para exercer o mesmo papel que o homem na sociedade. REFERÊNCIAS BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1937.

BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.

BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Calil, Léa Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da mulher: ontem e hoje. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo _id=1765. Acesso em 15/11/15

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. São Paulo: Método, 2014

14

IBGE – CENSO DEMOGRAFICO DE 2010 – Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-10/mais-escolarizadas-mulheres-recebem-68%25-darenda-dos-homens

HIRATA, Helena. Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e a sociedade. 1ª Ed. 2002.

JUNIOR, Marco. Constituição de 1988, sua história e características. Disponível em http://www.estudopratico.com.br/constituicao-de-1988-sua-historia-e-caracteristicas/. Acesso em 15/11/15.

PROBST, Elisiana Renata. A evolução da mulher no mercado de trabalho. Disponível em http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02-05.pdf. Acesso em 14/11/15.

PINHEIRO,

Joel

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RODRIGUES, Paulo Jorge et al. O trabalho feminino durante a revolução industrial. Disponível

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Quadros, Grazielle de Matos. A discriminação do trabalho da mulher no Brasil. Disponível

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http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_2/gr azielle_quadros.pdf. Acesso em 14/11/15.

“Homens recebem salários 30% maiores que as mulheres no Brasil” – disponível em http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/homens-recebem-salarios-30maiores-que-as-mulheres-no-brasil/. Acesso em 10/02/2016.

“A mulher está mais sujeita ao assédio em todas as carreiras” – Notícia do site do TST publicado

em

03/11/2012,

disponível

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http://www.tst.jus.br/consulta-

unificada?p_p_id=15&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_15

_struts_action=%2Fjournal%2Fview_article&_15_groupId=10157&_15_articleId=3007 936&_15_version=1.5. Acesso em 10/02/2016.

INSTRUMENTOS JURÍDICO-INSTITUCIONAIS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

SENDON AMEIJEIRAS VELOSO, Carla Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis [email protected] CARDOSO, Gleyce Anne Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis. [email protected] REIS, Michelly Brandão Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFF. [email protected] RESUMO O Brasil apresenta, atualmente, altos índices de trabalhadores submetidos a formas desumanas de exploração. A escravidão, embora formalmente abolida em 1888, existe ainda hoje, identificada pelo trabalho degradante de homens, mulheres e crianças e manifestada em diversas formas, configurando numa patente violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, já proclamado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, uma vez que extirpa a liberdade e a segurança das vítimas que são utilizadas para serem negociadas como mercadorias. Assim, torna-se necessário formular medidas para uma célere erradicação do trabalho escravo. Propõe-se com a finalidade de erradicar esta escravidão contemporânea, a análise dos instrumentos normativos de repressão internacionais e nacionais e a intervenção do Estado na propriedade que se destina a exploração de mão de obra análoga à de escravo, bem como as ações judiciais cabíveis para combater este tipo de trabalho, enaltecendo o Direito do Trabalho como aparelho de justiça e promoção do trabalho digno. PALAVRAS CHAVES : ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA. INSTRUMENTOS JURÍDICOINSTITUCIONAIS. TRABALHO DIGNO. ABSTRACT Brazil has currently high rates of workers subjected to inhuman forms of exploitation. Slavery, although formally abolished in 1888, still exists today, identified by degrading labor of men, women and children and manifested in various forms, setting up a patent violation of the principle of human dignity, as proclaimed in the Universal Declaration of Human Rights 1948, as it eradicates the freedom and security of the victims who are used to be traded as commodities. Therefore, it is necessary to formulate measures to the speedy eradication of slave labor. It is proposed in order to eradicate this modern-day slavery, analysis of regulatory instruments of international and domestic repression and state intervention in the property intended exploitation of labor analogous to slavery as well as the appropriate legal actions to combat this type of work, praising the Labour Law as justice system and promoting decent work. KEYWORDS: CONTEMPORARY INSTRUMENTS . Decent work .

INTRODUÇÃO

SLAVERY

.

LEGAL

AND

INSTITUTIONAL

Segundo relatos históricos, a escravidão, no Brasil, se iniciou em meados do século XVI, juntamente com o movimento de colonização. Caracterizava-se pelo trabalho forçado, não remunerado e em condições desumanas de nativos, africanos e prisioneiros, os quais eram considerados mercadoria, coisa, propriedade de outro, assim como o era no direito romano.1 No Brasil colônia, o trabalho escravo justificava-se pela necessidade de enriquecimento da metrópole e dos próprios mercadores, já que a comercialização de pessoas se mostrou um negócio extremamente vantajoso e promissor, sobretudo com a intensificação do tráfico negreiro. 2 O trabalho escravo era utilizado na exploração do Pau-brasil, na cafeicultura, na extração de minérios, na agricultura canavieira, na pecuária, no trabalho doméstico e em outras atividades que movimentavam os mercados nacional e internacional. Havia segregação das famílias, abuso sexual, trabalho de crianças, idosos e doentes. Independentemente do estado em que se encontravam, os negros, índios e demais povos escravizados eram obrigados a cumprir as ordens do dia, sendo diuturnamente vigiados, agredidos e aprisionados por capatazes de seus “proprietários”, com o fim de se prevenir qualquer forma de resistência e organização. Apesar das condições degradantes a que eram submetidos, os escravos persistiam lutando pela sobrevivência. E, quando possível, aproveitando uma “fugidia frouxidão na vigilância”.3 reavivavam a cultura à qual pertenciam por meio de danças, cantos e orações. Dessa forma, superando a ruptura de laços familiares e a segregação, se uniam para lutar pela liberdade e pela reconstrução de identidades. Nas palavras de FLÁVIO GOMES, “(...) por detrás da coisificação jurídica e social, um semovente, como não

1

Figueira trava interessante discussão sobre o conceito de escravo, citando acepções de enciclopédias, historiadores, antropólogos e filósofos, com destaque para a de Aristóteles, segundo o qual escravo nada mais é senão ‘uma propriedade com alma’. Sobre as diversas concepções de escravo, consultar: FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando Fora da Própria Sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 35-40 2 Brasil Colônia: O Trabalho escravo na História do Brasil. Disponível em: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=4. Acesso em 20 de outubro de 2015. 3 GOMES, Flávio. “O Cotidiano de um Escravo”. In: Folha de São Paulo: Caderno Mais! Domingo, 24 de agosto de 2003. p. 09.

esquecem de lembrar, milhões de africanos redefiniram suas identidades, os mundos e a cultura do trabalho”4 Em todo o mundo começaram as medidas de combate ao trabalho escravo, sendo certo afirmar que o Brasil obteve uma evolução de forma tímida, após a existência de diversos tratados internacionais e leis abolicionistas em outros países. Pode-se constatar que o trabalho escravo, em todas as suas formas, sempre existiu e se fez presente na história da humanidade. Na antiguidade o escravo era considerado como uma coisa ou objeto e sobre ele incidia uma relação de direito material ou patrimonial, podendo, seu proprietário vendê-lo, doá-lo ou até sacrificá-lo. Segundo Geoffrey Blainey, a escravidão foi aceita pelos moralistas. Para os primeiros cristãos, a escravidão fazia parte da condição humana e, pelo que saibam, sempre havia existido. O império Romano mantinha milhões de escravos. Santo Agostinho de Hipona afirmou que aqueles escravos tinham vida mais confortável do que muitos pobres. A maior parte das regiões do mundo em algum momento adotou a escravidão. Em 1800, porém, a escravidão branca já não era comum. 5 No século XIX, motivadas pelas campanhas nacionais e internacionais a favor da abolição, as autoridades brasileiras implantaram medidas direcionadas ao fim do trabalho escravo, a começar pela promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, que previa o fim do tráfico negreiro. Em 1871, foi promulgada a Lei do Ventre Livre, prevendo que as crianças nascidas após aquela data não seriam consideradas escravas. Em 1885, houve outro avanço: a promulgação da Lei dos Sexagenários, até que, logo depois, foi assinada a Lei da Abolição da Escravatura, em 1888, pela Princesa Isabel. 6 Apesar da abolição da escravatura, persiste em nosso país o trabalho degradante e em condições análogas a escravidão. Esta forma de labor desrespeita totalmente os direitos fundamentais do indivíduo. Mister ressaltar, que na atualidade é irrelevante a raça ou a anuência do trabalhador para a configuração do trabalho escravo, como será visto mais adiante. 4

Idem. p. 08. Blainey, Geoffrey. Uma breve história do cristianismo. São Paulo. Fundamento. 2012. p. 198/199 6 Leis que vieram antes da Abolição. Disponível em http://br.geocities.com/historiamais/abolicao.htm. Acesso em 09 agosto 2007.

5

Segundo Luís Antônio Camargo de Melo, in verbis: "Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgar necessário ou conveniente."7

Diante deste cenário, constata-se que no Brasil contemporâneo, buscam-se grandes avanços tecnológicos e científicos e espera-se que o país apresente um desenvolvimento em todos os aspectos. Entretanto, a ocorrência de trabalho análogo a escravidão na atualidade representa um descompasso e um retrocesso nestas expectativas. Deparar-se com trabalhos desumanos, em pleno século XXI, causa uma angústia onde questões merecem ser esclarecidas e solucionadas a fim de que se possa contribuir para a erradicação do trabalho degradante, humilhante e desumano. A utilização de trabalho escravo contemporâneo não é um resquício de modos de produção arcaicos que sobrevivem provisoriamente à introdução do capitalismo, mas sim um instrumento utilizado pelo próprio capital para facilitar a acumulação em seu processo de expansão. A super exploração do trabalho, da qual a escravidão é sua forma mais cruel, é deliberadamente utilizada em determinadas regiões e circunstâncias como parte integrante e instrumento de capital. Sem ela, empreendimentos mais atrasados em áreas de expansão não teriam a mesma capacidade de concorrer na economia globalizada. O sistema jurídico brasileiro deixa claro no artigo 149 do

8

Código Penal a

expressa proibição desta forma de trabalho, verbis: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto...".

7

Melo, Luís Antônio Camargo de. As atribuições do Ministério Público do Trabalho na prevenção e no enfrentamento ao trabalho escravo. Revista Ltr, v. 68, n. 04, p. 425, 2004. 8

Sakamoto, Leonardo. A reinvenção do trabalho escravo no Brasil contemporâneo. In, Tráfico de Pessoas. reflexões para a compreensão do trabalho escravo contemporâneo. Nogueiras, Christiane V; Novaes, Marina; Bignami, Renato.

Este abuso de direito que causa frontal violação aos direitos humanos fundamentais e consagrados em nossa Carta da República, tais como Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade e Igualdade, pode se dar na forma de trabalho degradante, exploração sexual, comércio de órgãos, adoção ilegal de crianças, casamento servil, entre outras que necessita ser combatida de forma sistêmica pelo Estado. O tráfico de pessoas é um fato à qual milhares de seres humanos estão sujeitos ao redor do mundo. São homens e mulheres que mudam de trabalho, de cidade, de estado, e até mesmo de país, em busca de uma vida melhor, mas acabam encontrando apenas sofrimento e desilusão. Apesar da gravidade da situação, poucas são as condenações, e a maioria das vítimas acaba não sendo identificada, tornando a reparação do mal e a proteção dessas pessoas um desafio a ser superado. O labor em condições análogas à escravidão é uma realidade que parece não ter fim e várias políticas vem sendo adotadas para extingui-la.

Repita-se, que não há

comparações entre esta forma de trabalho forçado com a escravidão abolida pela Lei Áurea em 1888, como analisaremos adiante. Vale asseverar que inciso III, do artigo 5º da Carta da República assegura que

"

ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. " Além disso, há uma violação expressa aos artigos XXIII, XXIV, XXV da Declaração de Direitos Humanos e combatida em vários Pactos Internacionais ratificados pelo Brasil. Relevante, destacar, que em nosso país há uma enorme proteção ao trabalhador subordinado, através de leis protecionistas e irrenunciáveis, e, ainda assim, coexiste a incoerência de trabalhos análogos à escravidão e relatos de resgatados que viviam em condições degradantes. Diante deste cenário nacional que tem seus reflexos no mundo jurídico, este artigo pretende sensibilizar a comunidade acadêmica e a sociedade, da necessidade de erradicação do trabalho escravo contemporâneo, através do respeito e cumprimento dos direitos trabalhistas e direitos humanos fundamentais, por meio de implementação de políticas de enfrentamento a esse tipo de exploração.

1.

COMPARATIVO ENTRE A ESCRAVIDÃO BRASIL COLÔNIA-IMPÉRIO

E O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO ATUAL.

Seria uma ilusão afirmar que não há mais escravidão no Brasil. A escravidão continua presente no mundo contemporâneo, e, no nosso país a forma mais visível é o trabalho escravo, que se apresenta sob as modalidades de trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e do trabalho em condições degradantes. Esta escravidão não se assemelha a forma tradicional estudada nos livros de história, pré-capitalista, legalizada e permitida pelo Estado, mas sim como uma forma de degradação do ser humano que é suprimido de todos os seus direitos fundamentais. A sujeição do ser humano do passado vem sendo adaptada ao mundo atual. Se, por um lado, não existem mais correntes ou senzalas, por outro, são inúmeras as semelhanças relatadas por trabalhadores de condições que remetem a uma escravidão contemporânea.

Ameaças de morte, castigos físicos, dívidas que impedem o livre exercício do ir e vir, alojamentos sem rede de esgoto ou iluminação, sem armários ou camas, jornadas que ultrapassam 12 horas por dia, sem alimentação ou água potável, falta de equipamentos de proteção, promessas não cumpridas, ou seja, uma pressão psicológica tão forte e degradante que impossibilita que o trabalhador se permita sair da condição de escravo e consequentemente seja liberto, tornando-se um ciclo vicioso de submissão. Embora haja uma preocupação nacional, bem como dos órgãos internacionais de proteção ao trabalhador e de erradicação desta forma de trabalho, a realidade vem demonstrando a sua ineficácia, tendo em vista que como mercado rentável e flexível, há uma evasão rápida nas hipóteses de denúncias e localização de cativeiros. Tudo isso é facilitado pelo grande número de desempregados, ausência de fiscalização, facilidade de migração de pessoas, má distribuição de renda e a miséria instaurada em nosso país.

Para melhor distinção e criação de um novo conceito de escravidão, o sociólogo americano Kevin Bales, especialista no tema, traça paralelos entre a escravidão histórica e a escravidão contemporânea: Quadro comparativo, escravidão ontem e hoje:

Propriedade legal

ESCRAVIDÃO

ESCRAVIDÃO

HISTÓRICA

CONTEMPORÂNEA

Permitida

Proibida

Custo de aquisição de mão Alto. de obra

A quantidade de Muito

baixo.

Não



escravos era medida de compra e muitas vezes riqueza.

apenas

gasta-se

o

transporte. Mão de Obra

Escassa.

Dependia

tráfico negreiro

do Descartável. Devido a um grande

contingente

de

trabalhadores desempregados. Relacionamento

Longo período. A vida Curto período. Terminado inteira do escravo e seus o serviço não é mais descendentes.

necessário

prover

o

sustento. Diferenças étnicas

Relevante

para

escravidão

a Pouco relevantes. Qualquer pessoa pobre e miserável são

o

que

se

tornam

escravos, independente da cor da pele. Manutenção

Violência Física

Ordem

Punições exemplares e até Ameaças, assassinatos

Violência Psicológica

violência

psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos

9

A restrição da liberdade é o que sempre definiu a escravidão, sendo quase que indiferente a escravidão histórica e a contemporânea. Entretanto, urge a necessidade de se classificar a nova definição de trabalho escravo, que, nas palavras de Jairo Lins de Albuquerque Sento- Sé[1], citado por BARBOZA (2011), modernamente é “Aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador.” E, mais especificamente: “Processo de exploração violento de seres humanos cativos por dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência, e forçados a trabalhar porque não têm opção. Recrutados em bolsões de miséria, são levados para locais de difícil acesso, sem possibilidade de fuga, às vezes vigiados por homens armados, atraídos através de falsas promessas.” (Jorge Antônio Ramos Vieira)

A busca por melhores condições de vida e a miséria existente em várias localidades do nosso país favorecem o aliciamento destes trabalhadores pelos "gatos", que disponibilizam locais para facilitar o aliciamento, e daqueles que utilizam do trabalho escravo (donos ou grileiros da terra) e que mantêm estabelecimentos onde são vendidos (quando deveriam ser fornecidos gratuitamente pelo empregador) os materiais para o trabalho, cujos preços são elevadíssimos, que fazem gerar dívidas impossíveis de serem quitadas, pagas com trabalho árduo e degradante, em condições subumanas de higiene, segurança e saúde no trabalho.

9

Kevin Bales – BALES, Kelvin. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkley: UniversityofCalifornia Press, 1999.

Vale asseverar, que o Estado Democrático de Direito, demonstra uma preocupação com os direitos fundamentais que possuem a finalidade de resguardar a dignidade e integridade da pessoa humana, ressaltando-se que no Brasil a Carta da República preceitua com alicerce básico os direitos fundamentais. Maurício Godinho Delgado (2012:43), estabelece que, a pessoa humana, com sua dignidade, constitui o ponto central do Estado Democrático de Direito. Daí que estabelecem determinadas constituições o princípio da dignidade da pessoa humana como a diretriz cardeal de toda a ordem jurídica, com firme assento constitucional.

10

2. VARIANTES DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO:

Emerge neste novo milênio na escravidão contemporânea. Ela se dá através do tráfico ou contrabando de seres humanos, redução à condição análoga a do escravo e degradante. Atualmente o escravo não é mais comprado ou obtido através de guerras. Ele é aliciado por uma rede bem estruturada com objetivo de exploração econômica adaptada ao mercado global. Esta forma de trabalho em condição análoga a escravidão, afronta os direitos fundamentais básicos dos serem humanos, violando o principal bem jurídico a ser protegido, que é a dignidade da pessoa humana. Flávia Piovesan, salienta que o trabalho escravo surge como a negação absoluta do valor da dignidade humana, da autonomia e da liberdade, ao converter pessoas em coisas e objetos. 11

10

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho. 2. Triagem. São Paulo:Ltr, 2012, p. 25. 11 PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação aos direitos humanos. In: NOCCHI, aNDREA sAINT pASTOUS; velloso, gABRIEL nAPOLEÃO; fava, mARCOS nEVES

O entendimento da Organização Internacional do Trabalho e ratificado em nosso país é que não há relevância quanto a anuência, ou seja, mesmo que o indivíduo aceite, em princípio o trabalho, ainda assim poderá ser caracterizado como trabalho forçado, valendose destacar que o consentimento prévio não irá descaracterizar o fato. Tal constatação acerca da anuência resta demonstrada na atualidade, segundo Geoffrey Blainey, com a escravidão advinda do contrato, ou seja, tráfico de pessoas para o trabalho. Segundo o autor da obra "Uma breve história do Cristianismo. São Paulo : Fundamento, 2012. p. 198/199", nesses casos são oferecidos contratos que garantem o trabalho, por exemplo, em uma fazenda, oficina ou mesmo fábricas, mas quando os trabalhadores são levados ao local de trabalho acham-se escravizados. Trata-se de uma situação em que o contrato, que pode até ter uma aparência legal por cumprir determinadas formalidades, é usado como um engodo para enganar o indivíduo, atraindo-o para a escravidão. Portanto, tudo isso se caracteriza porque muitas vezes o cidadão é iludido por falsas promessas de uma vida melhor, e, concorda com o trabalho, deparando-se posteriormente com uma realidade totalmente diversa. Atualmente, as formas de escravidão estão relacionadas com uma competição desleal ao mercado globalizado. Embora, existam leis protecionistas, a ausência de uma efetiva fiscalização e o desemprego ensejam na migração de pessoas que buscando a concretização de falsas promessas caem em uma rede de tráfico de pessoas para diversos fins. Após a ratificação das Convenções 29 e 105 da Organização das Leis do Trabalho em 1957 e 1965, respectivamente, bem como a criação da Comissão Pastoral da Terra em 1975, no Brasil, intensificam-se as denúncias e a preocupação em erradicar o trabalho escravo contemporâneo. Tais fatos culminaram com a declaração oficial em 1995, pelo governo Fernando Henrique Cardoso acerca da existência de trabalho em condição análoga à de escravo no

(COORDENADORES) tRABALHO ESCRAVO CONTEMORÂNEO. 2 ED. sÃO pAULO: lTR, 2011, P. 145.

país. Vale asseverar, que neste mesmo ano tem início o primeiro projeto da PEC do trabalho escravo. A partir de então, várias políticas vem sendo adotadas para erradicar esta forma tão cruel de trabalho que resulta na submissão do ser humano a condição de escravo, tais como o Grupol Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF), juntamente com o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) em 1995. criação da comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) em 2003, 2004 – criação do Cadastro de Empregadores Infratores (portaria 540/2004 MTE);12, dentre outras. Constata-se que as formas de escravidão vão se adaptando as novas necessidades do mercado e, por vezes, se tornam sutis e de difícil constatação. No Texto-Base da Campanha da Fraternidade de 2014 asseverou-se que as principais modalidades de trabalho escravo na atualidade são: tráfico para a exploração no trabalho, tráfico para a exploração sexual, tráfico para extração de órgãos e tráfico de crianças e adolescentes.

2.1 - TRÁFICO PARA EXPLORAÇÃO DE TRABALHO:

O tráfico para exploração de trabalho é conceituado pelo Ministério do Trabalho: "Diversas são as denominações dadas ao fenômeno de exploração ilícita e precária do trabalho, ora chamado de trabalho forçado, trabalho escravo, exploração do trabalho, semiescravidão, trabalho degradante, entre outros, que são utilizados indistintamente para tratar da mesma realidade jurídica. Importante narrar que uma vertente do tráfico de pessoas é a imigração ilegal de pessoas que através da ajuda de "mulas" adentram no país e sem saber se comunicar acabam sendo exploradas.

12

http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.p df

No estado do Rio de Janeiro, é muito comum existirem pastelarias de chineses que trabalham sem carteira assinada. Essas pessoas são vítimas de seus pares que os trazem para o Brasil com a promessa de uma vida melhor, mas ao chegar aqui são obrigados a viver em alojamentos precários, dentro das próprias pastelaria. São imigrantes ilegais e por isso tem medo de pedir ajuda. Há ainda o caso do Bolivianos, Haitianos, dentre outros, valendo o relato abaixo a título de exemplificação:

"Onze mulheres bolivianas costureiras em São Paulo são resgatadas em condições análogas a escravidão" – “A moradia e o local de trabalho se confundiam. A casa que servia de base para a oficina de Mario chegou a abrigar, no início de 2010, 11 pessoas divididas em apenas três quartos. Além do trabalho de costura, eram forçadas a preparar as refeições e a limpar a cozinha. E, devido ao controle rígido de Mario, tinham exatamente uma hora para fazer todos esses serviços (das 12 h às 13 h) e voltar ao trabalho de costura ....Até o tempo e a forma do banho dos empregados, que era com água fria, seguiam as regras estabelecidas pelo dono da oficina. Obrigatoriamente, o banho era tomado em duplas (junto com outra colega de trabalho), durante contados cinco minutos, para poupar água e energia” http://reporter brasil.org.br/2010/11/costureiras-são-resgatadas-de-escravidao-em-acao-inedita/

2.2 - TRÁFICO PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL:

O tráfico para exploração sexual é utilizada em redes de pornografia, turismo sexual, indústria de entretenimento, internet, sendo, a grande maioria dos traficados mulheres. Tal forma de escravidão é comum no Brasil e no mundo tratando-se de questão internacional. No nosso país há vários relatos de pessoas resgatadas do cárcere, valendo destacar

o

exemplo

abaixo

especificado,

extraído

do

site

http://reporterbrasil.org.br/2013/02/adolescente-e-resgatada-de-prostibulo-em-belo-fonte, verbis: "Adolescente é resgatada de prostíbulo em Belo Monte - Menina de 16 anos foge de boate onde polícia encontrou 15 mulheres em situação de cárcere privado e regime de

escravidão. Caso pode ser caracterizado ainda como tráfico de pessoas. “Ele saiu atrás dela armado e disse que não custava matar uma, que ninguém ficaria sabendo”, afirma a garota, que tem 18 anos. Procedente de Joaçaba, no interior de Santa Catarina, ela conta que lá trabalhava em uma boate cuja cafetina era “sócia” do dono da boate no Pará. “Viemos em nove lá de Joaçaba. Falaram para a gente que seria muito bom trabalhar em Belo Monte, que a gente ganharia até R$ 14 mil por mês, mas quando chegamos não era nada disso”, conta. “Já de cara fizemos uma dívida de R$ 13 mil por conta das passagens [valor cobrado do grupo]. Aí temos que comprar roupas, cada vestido é quase R$ 200, e tudo fica anotado no caderninho pra gente ir pagando a dívida. E tem também a multa, qualquer coisa que a gente faz leva multa, que também fica anotada no caderno. Depois de cada cliente, a gente dava o dinheiro para o dono da boate pra pagar as nossas dívidas, eu nunca ganhei nenhum dinheiro para mim”, explica a garota. Sobre as condições às quais foram submetidas na boate, ela conta que morava com outras três meninas em um pequeno quarto muito quente, e que realmente não tinha permissão de sair do local. “Eles ligavam o ar condicionado só por uma hora. A gente tinha que trabalhar 24 horas por dia; quando tinha cliente, tinha que atender”, afirma. “De comida, tinha almoço e janta. Se você estava trabalhando na hora do almoço, tinha que esperar a janta. Se desse muita fome, a gente tinha que comprar um lanche. O gerente da boate dizia que a gente só poderia sair depois de pagar todas as dívidas, e que nem adiantava reclamar porque ninguém ia nos ajudar, ele era amigo da justiça e nunca ninguém ia fazer nada contra ele. Mas ele disse que se a gente falasse, eles iam atrás dos nossos filhos e parentes lá no Sul.”

2.3 - TRÁFICO PARA EXTRAÇÃO DE ÓRGÃOS:

O tráfico para a extração de órgãos caracteriza-se pela remoção de órgãos e a venda dos mesmos por doadores involuntários ou doadores que são explorados a venderem seus órgãos em circunstâncias desprovidas de ética, sendo a internet muito comum para o crescimento deste "mercado". Constata-se no caso abaixo que muitas vezes o ser humano se torna um "doador" pela necessidade de sobrevivência. "Uma mulher de 44 anos colocou à venda todos os órgãos “não vitais” de seu corpo mediante um anúncio na internet para enfrentar um processo de despejo de seu excompanheiro, proprietário da casa na qual vive com sua filha, de 22 anos. A página na internet do jornal “El Mundo” relata a situação da mulher, da qual não se revela a identidade. Ela vive com uma pensão de € 426 por mês de um programa de ajuda social e conta com a colaboração de uma médica da cidade de Melilla para “enfrentar os possíveis processos que possam surgir e a extração” dos órgãos que vá vender. A cidade na qual a mulher vive se ofereceu para buscar uma solução e arrumar uma casa de aluguel social para ela, pela qual pagaria um pequeno valor, mas respeitando sua liberdade “de fazer o quiser fazer com sua vida”. Caso a protagonista desta história consiga vender seus órgãos, ela poderá pegar 12 anos de prisão. O Código penal espanhol introduziu em 2009 uma reforma para estabelecer como delito o tráfico ilegal de órgãos humanos. http://www.danielaalves.com.br/espanhola-poe-a-venda-orgaospara-despejo/

2.4 - TRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

Com relação a modalidade de tráfico de crianças e adolescentes vale ressaltar, que pode se dar para adoção ou exploração de trabalho dos menores, em sua maioria trabalho doméstico, ou mesmo abuso sexual. Esta forma de exploração vem sendo combatida em âmbito mundial e há várias ações internacionais e nacionais objetivando o combate desta perversão. Mister ressaltar, que em nosso país é admitido o trabalho do menor na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, conforme estabelecem os artigos 428 a 433, da Consolidação das Leis do Trabalho. O Estatuto da Criança e do adolescente, Lei nº 8.069, de 13-07-90, em seu art. 2º estabelece distinção entre o adolescente, que é aquele situado na faixa dos 12 aos 18 anos, e a criança, que vai de zero a 12 anos. Assim cuida-se exclusivamente do trabalho do adolescente e, nessa faixa, de 14 a 16 anos como aprendiz, exclusivamente, e de 16 aos 18 já como empregado. Fundada na Constituição de 1988, foi editada a Lei n 2 8.069, de 13-7-90, que é denominada de "Estatuto da Criança e do Adolescente". O art. 22 dessa norma considera criança a pessoa que tem de O a 12 anos incompletos, e adolescente, de 12 a 18 anos de idade. A OIT, desde o seu nascimento sempre cuidou da idade mínima da admissão ao emprego. Passou a expedir uma série de convenções e recomendações sobre o tema. A Convenção nº 5, de 1919, estabeleceu a idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria (art. 2°), tendo sido ratificada pelo Brasil em 1934. A Convenção n° 6, de 1919, promulgada pelo Decreto n° 423, de 12-12-1935, proibiu o trabalho do menor no período noturno nas indústrias. Todavia, reconhece que há fatores econômicos e sociais que impedem, em muitos países, a adoção dessa medida restritiva. Em uma tentativa de esquematização das normas em vigor, podemos indicar os principais pontos da

regulamentação do trabalho do menor na lei pátria estabelece no artigo 404 e 405 da Consolidação das Leis do Trabalho a idade mínima para o trabalho. A Recomendação n° 190 da OIT, que complementa a Convenção n° 182 define trabalhos perigosos como: (a) trabalhos em que a criança fique exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual; (b) trabalhos subterrâneos, ou embaixo de água, em alturas perigosas ou em ambientes fechados; (c) trabalhos realizados em máquinas ou ferramentas perigosas ou com cargas pesadas; (d) trabalhos realizados em ambiente insalubre no qual as crianças fiquem expostas, por exemplo, a substâncias perigosas, a temperaturas ou níveis de ruídos ou vibrações que sejam prejudiciais à saúde; (e) os trabalhos em condições dificultosas, como horários prolongados ou noturnos e os que obriguem a criança a permanecer no estabelecimento do empregador. Ainda no âmbito internacional, verificamos que em novembro de 1959 foi editada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Estabelece a referida norma, entre outras coisas, proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual da criança (art. 2º); proibição de empregar a criança antes da idade mínima conveniente (art. 9º, 2ª alínea). Por derradeiro, cumpre aduzir que todas as formas de escravidão violam frontalmente os Pactos Internacionais, bem como a Legislação Brasileira, o que, demonstraremos a seguir.

3- OS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO.

O Ministério do Trabalho e Emprego, em sua atuação preventiva ou repressiva, ocupa-se da fiscalização das relações de trabalho, buscando o fiel cumprimento da legislação trabalhista, garantindo sua eficácia, especialmente por meio de reposições patrimoniais (art. 626, CLT).

Esta postura da fiscalização, balizada por lei, denota a compreensão de que o descumprimento dos preceitos trabalhistas viola não apenas o direito específico e particularizado de cada trabalhador a desenvolver relações dignas de trabalho, mas também a própria ordem pública, que rechaça a figura dos trabalhos degradantes e forçados. Por essa razão é que ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA identifica, na relação de trabalho, “um caráter ao mesmo tempo privado-público”, na qual se considera “não somente o interesse subjetivo das partes, mas também o interesse social do cumprimento da lei trabalhista”13. O artigo 627, da CLT, dispõe sobre a atuação preventiva do Ministério do Trabalho e Emprego, estabelecendo o “critério da dupla visita”, instrumento por meio do qual a fiscalização do trabalho instrui os responsáveis sobre o fiel cumprimento das normas trabalhistas. Segundo orientação celetista, a atuação repressiva da fiscalização do trabalho, com a aplicação de multa, deve ocorrer prioritariamente na segunda visita, mas desde que comprovado que os sujeitos contratantes não respeitaram as normas de proteção ao trabalho que foram esclarecidas, previamente, na primeira visita (art. 627, CLT)29. De toda forma, entende-se que o “critério da dupla visita” não se aplica às situações de trabalho forçado dada a necessidade urgente de seu combate, especialmente porque tal violação afronta um dos direitos mais inestimáveis do ser humano, a liberdade. Em todos os casos em que o auditor fiscal do trabalho concluir pela violação de normas trabalhistas, deverá lavrar auto de infração, imputando responsabilidade ao sujeito infrator, nos termos do art. 628, da CLT. Pode-se afirmar que o objetivo institucional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é “promover o desenvolvimento da cidadania nas relações de trabalho, buscando a excelência na realização de suas ações, visando à justiça social”.14 Quanto à erradicação do trabalho forçado e degradante, o art. 12, II, do Regimento Interno do MTE/MG, enuncia que: “À seção de fiscalização do trabalho compete: [...] II – combater o trabalho escravo, infantil, e quaisquer outras formas degradantes”.

13

SILVA, Antônio Álvares. Competência Penal Trabalhista. São Paulo: LTr, 2006. p.94. Missão institucional do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível no site http://www.mte.gov.br Acesso em 22 de outubro de 2015. 14

Para a concretização da missão institucional do Ministério do Trabalho e Emprego, especificamente com relação ao trabalho em condições análogas à de escravo, foi criado, repita-se em 1995, o GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, subordinado à Câmara de Políticas Sociais do Conselho de Governo e coordenado pelo próprio MTE. Trata-se de grupo móvel de fiscalização concebido para apurar denúncias e suspeitas de ocorrência de trabalho forçado e degradante. Com o mesmo desígnio – combate e erradicação ao trabalho em condições análogas à de escravo – foi instituído o GEFM, Grupo Especial de Fiscalização Móvel.

3- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para atingir esse objetivo optou-se por realizar pesquisas de caráter bibliográfico e documental, por trabalhar com doutrinadores, teóricos e estudiosos que possam contribuir para a discussão de forma crítica com a expectativa de superar o senso comum sobre dignidade humana, direitos humanos e trabalho escravo. Foram utilizadas como fontes de dados as Organizações internacionais, ONGs, Ministério do Trabalho e entidades governamentais e não governamentais que buscam um enfrentamento à questão e dados do Ministério Público do Trabalho. Sendo certo afirmar que a obtenção de dados sobre o crime de trabalho escravo se apresenta como um grande problema, pois as vítimas relutam em admitir a ocorrência deste fato, em razão das humilhações praticadas pelos aliciadores. Sendo assim se explica a não utilização de fontes mais amplas. A metodologia é aplicada por meio de um estudo descritivo-analítico, desenvolvido mediante pesquisa bibliográfica, feita por meio de livros, revistas, artigos científicos, publicações especializadas e dados oficiais publicados na internet. Obtidos esses nos endereços eletrônicos: das Nações Unidas e de suas agências especializadas que tratam dos assuntos, Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Internacional para as Migrações (OIM), UNICEF, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Comissão Pastoral

da Terra (CPT), GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, dentre outros.

4. RESULTADOS ALCANÇADOS

O trabalho escravo contemporâneo é uma realidade a qual milhares estão sujeitos ao redor do mundo. São homens, mulheres e crianças que mudam de trabalho, de cidade, de estado, e até mesmo de país, em busca de uma vida melhor, mas acabam encontrando apenas sofrimento e desilusão. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho - OIT atualmente, na América Latina e Caribe, diversos governos estão agindo seriamente contra o trabalho forçado. O Brasil tomou medidas fortes contra o trabalho forçado na agricultura e em acampamentos de trabalho afastados. O governo do Brasil assumiu oficialmente a existência de trabalho forçado perante a OIT em 1995. Desde então, tem combatido o problema com muita visibilidade. Um Plano Nacional de Ação contra o Trabalho Forçado foi implantado em março de 2003. Recentemente, vários outros governos latino americanos decidiram confrontar o trabalho forçado, especialmente em seus setores agrícolas. Bolívia, Peru e Paraguai deram passos importantes para desenvolver, juntamente com as organizações de trabalhadores e empregadores novas políticas para combater o trabalho forçado. Existem cerca de 1,3 milhões de trabalhadores forçados na América Latina e no Caribe, de um total de 12,3 milhões em todo o mundo; 75% dos trabalhadores forçados na América Latina são vítimas de coerção para exploração do trabalho, enquanto o restante das vítimas estãou ou em trabalho forçado pelo estado ou na exploração sexual comercial forçada; 250.000 trabalhadores forçados, ou 20% do número total na região, foram traficados internamente ou através das fronteiras; O rendimento estimado derivado do tráfico para trabalho forçado na América Latina e Caribe é de US$ 1,3 bilhões.15

15

http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/relatorio/america_latina_caribe.pdf. Acesso em 29 de outubro de 2015.

A escravidão pode ser conceituada como recrutamento de terceiros, pela fraude ou coação com propósitos de exploração. É uma grave violação dos direitos humanos e deve ser combatida de forma sistêmica pelo Estado. A finalidade maior da escravidão contemporânia é o lucro, ou qualquer outro benefício, obtido por meio de alguma forma de exploração da vítima, mercantilizando sua força de trabalho, a integridade física e a principalmente a dignidade. Serão analisados, também, os instrumentos jurídicos-institucionais do Ministério Público do Trabalho, tais como o termo de ajuste de conduta enquanto instrumento de atuação extrajudicial e a Ação Civil Pública que mostra-se como mecanismo eficaz no combate ao trabalho escravo contemporâneo.

CONCLUSÕES

Apesar de todos os esforços constata-se a existência em pleno século XXI de trabalho escravo contemporâneo em nosso território nacional constatamos que mais de 125 anos após a abolição da escravatura, o Brasil ainda combate uma versão contemporânea de escravidão. A presente pesquisa constatou que o trabalho escravo é uma chaga social que perpassa a história da humanidade desde os primórdios até os dias atuais. A existência desta forma tão degradante de exploração humana suscita o desenvolvimento de ações correlacionadas tanto na esfera jurídica, como na social, que sejam capazes de combatê-lo em favor da promoção de um trabalho decente, digno, respeitado e louvável pelo todo social, vez que construtor da própria identidade humana. Assim, na ousada proposta de enfrentar esse desafio, preza-se pela atuação do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego, dentro de suas prerrogativas, como um dos principais mecanismos jurídico-institucionais orientados à erradicação das modalidades de escravidão contemporânea, valendo destacar os Termos de Ajuste de Conduta e as Ações Civis Públicas.

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A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO CO-PARTICIPANTE NA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: UM DEBATE SOBRE TERCEIRIZAÇÃO

Igor Silva de Menezes1 Patrícia Levin de Carvalho Cidade 2 Suiá Fernandes de Azevedo Souza 3

Palavras-chave: Terceirização – Administração Pública – prezarização do trabalho – princípio da eficiência.

RESUMO Esse trabalho analisou o fenômeno da terceirização como mecanismo para intermediação de mão de obra no setor público e o papel da Administração Pública como co-participante na precarização do trabalho. Apresenta-se uma brevíssima síntese da juridicidade da terceirização no setor público. Destaca-se a relevância do julgamento da ADC 16 pelo Supremo Tribunal Federal e os desdobramentos dessa decisão no entendimento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema. Pretende-se ir além do modelo tradicional que apresenta as desvantagens desse tipo de contração de mão-de-obra sob a ótica do empregado, propondo dar continuidade às análises interdisciplinares das implicações institucionais dessa prática no setor público, desde as mais elementares, já apontadas em outros ensaios dos autores, a exemplo do trampeio das exigências constitucionais de recrutamento de pessoal, reflexos orçamentários em razão do incremento das despesas públicas em condenações subsidiárias trabalhistas, a implantação do sistema de espólio político (compra de votos), até o estímulo de reflexões ainda pouco exploradas na seara acadêmica, tais como violação à dignidade dos trabalhadores pelos atrasos constantes de salários e as implicações no que concerne o acesso à justiça, em vista do emperramento do Judiciário local quando o benefício político das contratações não mais subsistem.

1. INTRODUÇÃO

A terceirização de mão-de-obra é um fenômeno mundial que afeta as relações de trabalho nos setores público e privado. Mais do que uma tendência, esse fenômeno já

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Mestre em Justiça Administrativa (UFF). Professor da UNIABEU. Procurador do Município de Mesquita/RJ. Advogado. E-mail: [email protected]/ Cel.: 98563-1234. Lattes:(http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4273452E4) 2 Mestre em Justiça Administrativa (UFF). Professora Assistente (UFF). Advogada. Email:[email protected] / Cel: 98233-0321. Lattes: (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4380887A5) 3 Mestre em Teoria do Direito (UFRJ). Bacharel em Direito (UFF). Professora da UNIFOA. Procuradora do Município de Volta Redonda/RJ. E-mail: [email protected] Cel: 99264-4399 Lattes: http://lattes.cnpq.br/8478179880883003

é uma realidade na gestão de pessoas há décadas. Essa é uma das razões para que o tema receba abordagens comprometidas com a reflexão crítica e com o distanciamento do objeto, o que, inclusive no plano acadêmico, é curiosamente incomum. Isso decorre, possivelmente, pelo fato de que esse fenômeno pretende responder a uma expectativa de eficiência das organizações, em razão do barateamento dos custos, especialmente das despesas com recursos humanos, o que colide com o pensamento intelectual dominante no Brasil. Apesar do fato de que os defensores da terceirização articularem a ideia convidativa de eficiência, notadamente pela necessidade de fazer mais com menos, ganhando maior agilidade com o menor rigor e custos das contratações de pessoal. No setor público brasileiro há muitos críticos a adoção desse modelo de gestão de pessoas, mas esse estudo pretende colocar novos elementos nessa equação. Como os fatos, no mais das vezes, costumam não retratar as vantagens defendidas por esse discurso E essa presença cada vez maior de terceirizados nos quadros da Administração é uma das razões para que o tema receba abordagens comprometidas com a reflexão crítica e com o distanciamento do objeto. Temos em princípio que as Entidades do setor público deveriam seguir parâmetros como moralidade, impessoalidade e eficiência. A utilização descontrolada de serviços terceirizados podem frustar a observância desses parâmetros, o que deve ser colocado em perspectiva. Se é possível que a Administração se aproxime da ideia de livre iniciativa, pode fazê-lo ao recrutar pessoas? Se a resposta for positiva, há critérios e medidas que conciliem esses pressupostos aos do valor do trabalho no Estado de Direito? A intermediação de mão-de-obra por meio de terceirização na Administração Pública tem o potencial de gerar uma série de consequências ao trabalhador e ao serviço ofertado gerando aí a necessidade de análise do estudioso do direito. Isso porque a propalada eficiência que se atinge pela diminuição do rigor no modelo de contratação é um discurso convidativo, mas que costuma esbarrar em componentes subjetivos de gestores e governantes, na cultura administrativa brasileira, e nos fatos, que costumam não retratar as vantagens defendidas por esse discurso. As razões das objeções ao emprego do modelo terceirização no serviço público, sobretudo os que se dão por meio de Cooperativas e Organizações Sociais, vão desde razões jurídicas até as de ordem políticas e econômicas, ainda mais evidentes na gestão da saúde, como anotou Menezes (2015) no trabalho intitulado Brevíssimas anotações sobre

a contratação de organizações sociais e cooperativas médicas para terceirização da saúde pública e as implicações no plano do sistema meritocrático dos concursos públicos. A proposta desse estudo é ampliar o conhecimento e as perspectivas acerca do fenômeno da terceirização de mão-de-obra na Administração Pública brasileira, expediente amplamente utilizado pelas três esferas da Federação. Pretende-se descrever as linhas gerais de como se dá a juridicidade dessa prática, mas aprofundar a investigação interdisciplinar para alcançar as potenciais implicações práticas em relação às reiteradas condenações subsidiárias da Fazenda Pública na Justiça Laboral, pelo prejuízo ao erário, em razão do incremento do passivo trabalhista, ou, ainda, em relação à principal diretriz em contratações públicas de pessoal, o concurso público; implicações no plano da improbidade administrativa, pelo prejuízo ao erário; demonstrando, ainda, um dos principais riscos dessa prática à cidadania e à democracia, pelo uso da terceirização de mão-de-obra na Administração pública para o emprego de apaniguados que se enquadra no conceito de espólio político. Quanto ao método, o estudo proposto será qualitativo. O objetivo é preponderantemente descritivo. Quanto ao procedimento de coleta de dados, empreender-se-á pesquisa bibliográfica e documental.

2. A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO: notas acerca da juridicidade O sistema de produção de bens e prestação de serviços está mudando com o fenômeno da globalização. A descentralização das atividades da empresa por meio de subcontratações caracteriza tendências mundiais das organizações, com reflexos sobre as relações de trabalho individuais e coletivas de trabalho. Na linguagem da administração empresarial a palavra terceirização ganha corpo no sentido de desconcentrar as atividades a serem desempenhadas em diversos centros de prestação de serviços. No âmbito das relações de trabalho, a legislação brasileira regula algumas formas de terceirização, tais como: empreitada e subempreitada, prestação de serviços, segurança bancária, vigilância ostensiva, transporte de valores, dentre outros, inclusive limpeza e conservação no âmbito da administração pública, assunto que trataremos mais

a frente. A resistência da maioria dos estudos doutrinários do direito do trabalho sobre a questão da terceirização pode ser sintetizada pela premissa de que o instituto tenha se tornado um meio de contornar - ou até mesmo fraudar - os direitos trabalhistas, uma vez que esse instituto abriga, no plano fático, os tipos de empregados chamados indiretos, mais conhecidos como terceirizados, que são os que costumam possuir um piso salarial e demais benefícios trabalhistas bem abaixo padrão, contrastando com os denominados diretos, que são os que trabalham na empresa e possuem plano de carreira, participação nos lucros, dentre outros direitos trabalhistas. Se a premissa da diferença salarial e de benefícios entre trabalhadores diretos e indiretos for equivocada, é necessário que os defensores desse modelo a demonstrem, já que atraem o ônus de comprovar que o modelo legal é obsoleto. A terceirização de mão de obra, mesmo não sendo um fenômeno jurídico recente, é motivo de regulamentação quase absoluta pelos tribunais do trabalho, em razão da sua precariedade normativa, causando insegurança jurídica que caracteriza a terceirização do direito brasileiro. Esse é o pano de fundo e o principal argumento em favor do Projeto de Lei nº 4.330 de 2004, do Deputado Sandro Mabel, que propõe a regulamentação da prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dela decorrentes. Esse projeto de lei tem em seu bojo norma que prevê expressamente a exclusão da sua incidência na Administração Pública Direta. Aliás, a terceirização no setor público constitui relevante exemplo de como a disciplina desse tipo de relação jurídica ficou a cargo quase que total do Judiciário laboral, corroborando, ao menos parcialmente, a necessidade de regulamentação desse fenômeno. A terceirização no setor público, segundo a doutrina aplicada ao direito administrativo, é a que o gestor operacional repassa a um particular, por meio de contrato, a prestação de determinada atividade, como mero executor material, destituído de qualquer prerrogativa do Poder Público. Na dissertação intitulada A Ação Civil Pública e a tutela da moralidade nas relações de trabalho na Administração Pública, Fabiano Holz Beserra apresenta a interseção do tema com o direito administrativo:

Em decorrência do princípio da legalidade, que rege toda a administração pública,

no sentido de que só lhe é permitido fazer o autorizado pelo ordenamento jurídico, as suas relações de trabalho são típicas. A regra é a exigência inafastável de concurso público para a investidura nos cargos e empregos públicos, aplicável à administração direta e indireta de todos os poderes da federação, ressalvados os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, e a contratação temporária, para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. A terceirização, por seu turno, somente é permitida para a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. (BESERRA, 2008, p. )

De um modo geral, a terceirização no setor público, semelhantemente ao que ocorre no setor privado, tem como parâmetro de juridicidade a contratação de pessoal terceirizado para a execução de atividades-meio, que são aquelas que não coincidem com os fins da organização contratante. Como ocorre muitas vezes no cotidiano do setor privado, e talvez mais frequentemente no setor público, não são poucas as vezes em que a terceirização é utilizada para atividades-fim das organizações. A adoção de modalidades atípicas e precárias das relações de trabalho no setor público, sobretudo no contexto do desvirtuamento da terceirização, tem sido uma prática frequente da administração pública brasileira. Essa prática consiste na forma pela qual se dá a contratação direta recursos humanos sem concurso público (exigência constitucional para ingresso no setor público), especialmente pela utilização de terceirizações ilícitas, com contratação de falsas cooperativas; por meio de contratos temporários; e pelos cargos em comissão. No setor privado, o consectário imediato do desvirtuamento das relações de trabalho é a configuração da relação de emprego com a organização que intermedeia a relação laboral, impondo-se a responsabilização subsidiária ao tomador do serviço. Na administração pública, a seu turno, ante a ausência da formalidade essencial da relação jurídica, que é concurso público, esse vínculo é nulo, gerando efeitos restritos, relacionados exclusivamente com a proteção do trabalhador durante o período em que houve prestação de serviços, em virtude da impossibilidade de devolução da força de trabalho, conforme a teoria particular das nulidades vigente no campo do direito laboral. Com o julgamento da ADC 164 pelo STF, e a conseguinte declaração de

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RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (STF - ADC: 16 DF , Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 24/11/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-173 DIVULG 08-

constitucionalidade do artigo 71 da lei n° 8666/93, que exclui a responsabilidade trabalhista da Administração Pública enquanto tomar do serviço, o Tribunal Superior do Trabalho foi impulsionado a mudar o seu entendimento. A nova redação da Súmula 331 do TST, de maio de 2011, prevê a responsabilidade da Administração Pública quando devidamente comprovada a sua culpa pelos danos causados aos trabalhadores, através de conduta omissiva na fiscalização do contrato, observado o direito de, caso assim entenda, acionar a empresa prestadora de serviços para se ressarcir dos prejuízos arcados. O objetivo da nova redação foi o de acabar com acabar decisões judiciais equiparem todo e qualquer contratante de serviços como responsáveis pelos direitos trabalhistas de empresas terceirizadas. Hoje, portanto, os juízes e Tribunais do Trabalho devem analisar o caso concreto, buscando da verdade real e decidindo com o livre convencimento motivado. Pela relevância em relação ao tema, que nasceu da necessidade de uniformização de entendimentos do Tribunal, segue-se a redação atual da Súmula nº 331 do TST:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993,

09-2011

PUBLIC

09-09-2011

EMENT

VOL-02583-01

PP-00001)

(BRASIL,

2010)

especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. (BRASIL, 2011)

Atualizando-se para a nova realidade jurisprudencial, os Tribunais Regionais do Trabalho foram compelidos a mudar o seu entendimento, construindo uma nova jurisprudência que consolida a mudança de paradigma de responsabilização objetiva da Administração em relação às verbas trabalhistas para responsabilização subjetiva, na qual, em tese, só poderia haver condenação subsidiária de organizações do setor público quando se constatasse culpa in vigilando. É o que se depreende dos seguintes julgados, oriundos do TRT da 12º Região (Santa Catarina):

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO. SÚMULA 331, V, DO TST. CULPA IN VIGILANDO. A constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, declarada na ADC nº 16, não retira dos entes públicos contratantes o dever de licitar e fiscalizar eficazmente os contratos trabalhistas no que concerne ao seu adimplemento e, sempre que for verificada a ausência desse dever fiscalizatório, permanece plenamente possível a imputação da responsabilidade subsidiária ao ente público tomador do serviço terceirizado, ante a configuração da culpa in eligendo ou in vigilando, caracterizada pela ausência de fiscalização das obrigações trabalhistas da prestadora de serviços. Nesse sentido, é o item V da Súmula 331 do TST, enunciando que os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador (prestador de serviços), quando evidenciada a conduta culposa da administração no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93. (BRASIL, 2015)

Para apresentar maior afinidade com os fins desse estudo, pode-se fazer uma distinção entre legalidade estrita, que se configura na obediência formal da lei, e legalidade num sentido amplo, que abrange uma série exigências extras, dentre as quais a obediência da moralidade administrativa, ambas esvaziadas pela prática da terceirização. A violação à legalidade no sentido amplo, todavia, é a discussão central que se propõe, sobretudo pelas implicações institucionais desse fato jurídico. Depois de apresentados os elementos jurídicos existentes, dando destaque às principais normas constitucionais e entendimentos jurisprudenciais que disciplinam a terceirização de mão-de-obra na Administração Pública, o que consolida uma perspectiva jurídica inicial, passa-se, no capítulo seguinte, à análise interdisciplinar da questão.

2.

CONSIDERAÇÔES

ACERCA

DA

TERCEIRIZAÇÃO

E

DAS

CONDENAÇÕES SUBSIDIÁRIAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para os fins dos pontos suscitados na presente reflexão, ainda antes de desenvolver o tema proposto, é preciso registrar que há outras questões que interessam ao debate da terceirização no setor público que costumam ser ignoradas nas reflexões já tradicionais, a exemplo das implicações da terceirização na organização sindical, na memória institucional das organizações e na prodigalidade do treinamento, situações com importância significativa que fogem ao recorte desse ensaio. Sob a perspectiva sociológica, o estudo proposto por Diogo Henrique Helal, em A dinâmica da estratificação social no setor público brasileiro: meritocracia ou reprodução social?, que teve por propósito investigar a estratificação social do setor público, mesmo com uma proposta marcadamente não meritocrática, verificam-se críticas do estudioso ao emprego da terceirização como mecanismo de esvaziamento da profissionalização do setor público, precarização das condições de trabalho e, principalmente, como mecanismo de esquiva à exigência constitucional do concurso público. Para Helal (2008, p. 66), tais exigências constitucionais para ingresso na Administração Pública são tão reiteradamente contornadas pela terceirização que:

No setor público, em especial, tal desmesura é presente, sendo também utilizada como mecanismo de burla aos preceitos meritocráticos existentes na letra da lei. Silva e Souza (2004) chamam a atenção para os riscos de se utilizar a terceirização nas instituições públicas, para fins de apadrinhamento e como forma de escapar às normas constitucionais que regem o serviço público. Os autores (2004) questionam ainda o seguinte: se o Estado não objetiva o aumento constante da lucratividade, competitividade e produtividade, quais seriam as razões para não oferecer contratos de trabalho com as garantias trabalhistas que protegem os estatutários? Silva e Souza (2004) concluem, afirmando que sequer a redução de custos pode ser comprovada, haja vista os altos preços pagos pelo Governo às empresas de terceirização, que oferece em troca, muitas vezes, funcionários com baixa qualificação.

No plano jurisprudencial, a prática da terceirização ilegal gera reiteradas condenações de empresas estatais que insistem em contornar a exigência de recrutamento de trabalhadores por concursos públicos e optam por vultosos contratos de terceirização, o que culmina num amplo quadro de exemplos que, inclusive, foi recentemente noticiado no Conjur:

Terceirização não pode substituir a contratação de aprovado em concurso público. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu de recurso da Caixa Econômica Federal contra decisão que a condenou de se abster de celebrar novos contratos de prestação de serviço de advocacia e a nomear os aprovados em concurso público para cadastro de reserva. O colegiado afastou a alegação de incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público da 19ª Região. Em sua defesa, a Caixa alegou que a qualificação no processo seletivo não garante o direito à nomeação dos candidatos. Além disse, afirmou que não cabe à Justiça trabalhista analisar questões administrativas, uma vez que se trata de fase précontratual, sem relação de emprego. A Caixa também apontou prejuízo financeiro com a investidura dos aprovados no seu quadro de empregados. O Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (Alagoas) manteve a sentença da 8ª Vara do Trabalho de Maceió, que determinou a contratação dos candidatos aprovados, por considerar incoerente a terceirização do serviço jurídico quando existem aprovados não nomeados. O tribunal rejeitou ainda a alegação de prejuízo financeiro, já que a Caixa mantinha contrato com 303 escritórios de advocacia da iniciativa privada. (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2015)

Como se percebe pela leitura da notícia acerca do julgado, a empresa pública federal estava a defender que atividades inerentes ao desenvolvimento dos fins institucionais poderiam ser exercidas por profissionais vinculados por contrato de terceirização. Essa prática é tão comumente difundida que, além de pesquisas acadêmicas e decisões jurisprudenciais reiteradas, a impressa denuncia a situação com promessas antigas de adequação governamental. Para exemplificar, em junho de 2013, a revista Isto é ilustra bem a situação no plano federal:

Embora tenha anunciado um freio de arrumação nos contratos de funcionários terceirizados – um velho drama da administração pública –, o governo Dilma Rousseff tem exibido uma grande dificuldade em cumprir a promessa. Os gastos com terceirização têm aumentado a cada ano e os contratos com empresas criaram uma máquina paralela de governo. Ao responder, na semana passada, a um requerimento apresentado pelo deputado Antônio Reguffe (PDT-DF) ao qual ISTOÉ teve acesso, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse que, em 2012, 24 ministérios e a Presidência da República consumiram nada menos do que R$ 4,3 bilhões em mão de obra terceirizada. O documento mostra ainda uma verdadeira escalada de despesas com terceiros, a despeito de o governo já contar em seus quadros com 23.579 servidores comissionados. O total divulgado é 48% maior do que o registrado em 2010 e 20,3% superior ao que foi gasto em 2011. Só no ano passado, o Ministério da Educação gastou com mão de obra contratada R$ 1,2 bilhão. Foi seguido pela Saúde, com despesa de R$ 922 milhões e pela Previdência, que desembolsou R$ 431 milhões. Coube à Presidência da República o único bom exemplo da diminuição de gastos, que reduziu em 4,8% os contratos com terceirização entre 2011 e 2012. (TORRES, 2013).

Há nesse modelo de contratação um efeito direito que é o prejuízo ao erário, em razão do passivo trabalhista em consequência dessa prática. Ainda que com o

julgamento da ADC 16, o Supremo Tribunal Federal tenha declarado a constitucionalidade do art. 71, §1°, da Lei n° 8.666/93 5, o que resultou na imposição de limites à aplicação do Enunciado n° 331 do TST, na prática a Administração Pública continua

sendo

reiteradamente

condenada

subsidiariamente

em

reclamações

trabalhistas. Na dissertação de Fabiano Holz Beserra (2008), estudo já mencionado no capítulo anterior que constitui um dos referenciais bibliográficos desse ensaio, o autor trata exaustivamente do assunto, inclusive confirmado a prática resistente de burla ao concurso público pelo desvirtuamento dos cargos em comissão, mas, principalmente, suscitando o vultoso passivo gerado pelo desvirtuamento da terceirização na Administração Pública, o que evidencia prejuízo ao erário. Nos casos em que a Administração Pública que é condenada subsidiariamente, sobretudo na esfera municipal na qual não há mecanismos mínimos de controle dos contratos, há um prejuízo duplo ao erário. A Administração paga o preço dos serviços cobrados pelas organizações que intermedeiam a relação de emprego e, posteriormente, é obrigada a pagar todos os encargos trabalhistas sonegados ao terceirizado, o que se agrava quando o intermediador da mão-de-obra é uma cooperativa, casos em que os mais elementares direitos trabalhistas não são pagos ao trabalhador em razão de uma simulação de atividade cooperada. Essa situação de cooperativas fraudulentas é tão flagrante que os juízes do trabalho, a exemplo dos da primeira região, sequer observam o instituto da desconsideração da personalidade jurídica para buscarem o adimplemento das condenações trabalhistas junto aos sócios, se dirigindo diretamente aos cofres dos entes municipais, inclusive com esteio em entendimento sumulado pelo próprio Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Veja-se:

SÚMULA Nº 12 Impossibilidade de satisfação do débito trabalhista pelo devedor principal. Execução imediata do devedor subsidiário. Frustrada a execução em face

5

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (BRASIL, 1993)

do devedor principal, o juiz deve direcioná-la contra o subsidiário, não havendo amparo jurídico para a pretensão de prévia execução dos sócios ou administradores daquele. (BRASIL, 2011)

Um dos maiores problemas da terceirização desmedida no setor público é a sua utilização para trampear a exigência do concurso público. É por isso que mais do que um critério instrumentalizador de um sistema meritocrático para seleção de agentes mais qualificados, o concurso público no Brasil recebe, no universo das representações, a natureza de critério inibidor dessa prática neopatrimonialista de partidos políticos no Brasil, o que foi assinalado por Barbosa:

É importante frisar que do ponto de vista técnico-administrativo e ideológico, não é a existência de um dispositivo como o concurso que garante que um determinado sistema seja meritocrático. Nos Estados unidos, por exemplo, existem sistemas que não selecionam as pessoas por concurso, e sim pelo desempenho já comprovado em determinadas tarefas ou pelo currículo, estabelecendo uma meritocracia de mérito discriminatório (discriminatory merit criteria). Entretanto, no Brasil, ironicamente, o concurso é hoje um elemento paradigmático na legitimação da meritocracia. Existe na sociedade brasileira, no nível das representações, uma suposta relação de identidade entre instrumentos democráticos, em sua filosofia básica, como é o caso do concurso, e sistemas meritocráticos. Portanto, mesmo não sendo o único critério de acesso, ele passa a ser, em determinados contextos, um símbolo não de meritocracia, mas de neutralização de influências nepóticas e fisiológicas dentro das organizações públicas. Devido a esse metabolismo cultural, criou-se entre nós uma meritocracia baseada no critério de limites mínimos (Thresh old merit criteria). (1999, p. 57)

A premissa de que a contratação de mão-de-obra por processo meritocrático no Brasil tenha a natureza de critério inibidor do neocoronelismo que corrompe o processo democrático merece análise mais cuidadosas para sua validação ou refutação, mas as reiteradas condenações subsidiárias a Administração Pública para dar indícios da validade dessa premissa. Nesse capítulo buscou-se promover um contraste do modelo de terceirização com a normativa constitucional vigente, notadamente no que diz respeito à exigência de submissão ao concurso público para recrutamento de pessoal na Administração Pública, com os riscos potenciais da opção pela inobservância do modelo constitucional de recrutamento e seleção de pessoas para o setor público brasileiro. Além da implicação institucional do esvaziamento da garantia do concurso público, pretendeu-se apresentar descritivamente os reflexos desse modelo de contratação no que diz respeito às condenações subsidiárias da Adminsitração Pública, o que pode causar graves problemas orçamentários ao Ente Público.

3

-

INCIPIENTE

REFLEXÃO

ACERCA

DE

DOIS

EFEITOS

DA

TERCEIRIZAÇÃO: a terceirização como violação à dignidade dos trabalhadores pelos atrasos constantes de salários e as implicações no que concerne o acesso à justiça.

Dando continuidade ao esforço holístico de compreensão do fenômeno da terceirização na Administração Pública, notadamente no que diz respeito aos reflexos dessa modalidade de contratação em relação ao que se convencionou denominar como precarização do trabalho, esse capítulo passa a sugerir uma análise quantitativa sobre a questão da rotina de atrasos de salários de agentes terceirizados no setor público, bem como a prática de sonegação de direitos trabalhistas para utilização do processo judicial trabalhista como mecanismo de postergação de despesas. Os atrasos de salários de terceirizados enquanto violação da sua dignidade podem ter como exemplo o caso recente da crise econômica do Estado do RJ. Os terceirizados ficaram meses sem receber. Dentre os muitos casos que podem ser utilizados para exemplificar a gravidade dessa prática, apenas para exemplificar, fiquemos com os seguintes:

Há três meses sem receber seus salários, funcionários terceirizados das delegacias do Rio fazem uma manifestação, nesta quinta-feira, em frente à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O objetivo é chamar atenção da população e pressionar o governo estadual, além de deputados, para a solução do problema. Os trabalhadores são contratados pelas empresas Prol e Space 2000. (SAVEDRA:2015)

Hoje, já em 2016, se sabe que a crise que assolava as contas públicas do Estado do Rio de Janeiro desde meados de 2015 atingiu inclusive servidores públicos. Todavia, pela leitura do noticiado por Savedra, em abril de 2015, empregados terceirizados já tinham seus salários atrasados por mais de três meses. A pergunta que se faz é a seguinte: ora, se a crise financeira nas contas estaduais eram tão graves a esse ponto, por que os servidores públicos sofreram com atrasos de vencimentos apenas um ano depois? A se constatar que esse não foi um caso isolado, pode-se concluir que os agentes terceirizados recebem tratamento diferenciado dos demais agentes públicos, e que essa situação extrapola o regime jurídico ao qual estão submetidos, chegando até à [in]dignidade dispensada aos trabalhadores. Para não ficarmos apenas na esfera estadual, na Baixada Fluminense são farots

os exemplos de Municípios que utilizam do mesmo expediente. Veja-se o caso de Mesquita:

Funcionários da cooperativa Coopsege, que presta serviço à prefeitura de Mesquita, sofrem há pelo menos um ano com uma rotina de atrasos nos pagamentos. Nesse período, em média, os salários foram depositados ao menos 30 dias após a data correta. Os cooperativados afirmam ainda que não tiram hora de almoço e que a empresa não vem repassando ao INSS os valores descontados nos contracheques. (CANOSA, 2015)

Obviamente, esses relatos jornalísticos se prestam apenas a ilustrar uma hipótese, que deve receber a análise mais detida de uma futura pesquisa quantitativa, observando-se um campo amostral mais adequado, para aferir se as Administrações utilizam do expediente de atrasos de salários de terceirizados como rotina, o que representaria uma grave violação à dignidade desses trabalhadores e, por conseguinte, um elemento negativo nas considerações acerca dessa modalidade de contratação. Outro elemento pouco analisado nos debates sobre a terceirização no setor público diz respeito à violação ou prejuízo na acessibilidade à justiça trabalhista, decorrente da utilização do Judiciário como forma de postergação das obrigações trabalhistas quando do fechamento abrupto de portas ou falência de terceirizados que prestam serviços. Em tais caso, não é incomum que a solvência dos Entes contratantes sejam utilizadas para quitar condenações subsidiárias, o que foi apontado alhures. A questão em potencial a merecer análise quantitativa são os picos de demandas causas por tais demissões em massas, quando a contratação de cooperativas e afins deixam de representar benefícios econômicos para os agentes políticos, bem assim as consequências desses picos de demandas na qualidade do serviço judiciário prestado aos trabalhadores da localidade.

CONCLUSÕES

Esse estudo buscou analisar criticamente os efeitos práticos da opção pela contratação terceirizada na Administração Pública, notadamente tentando estabelecer um contraste entre o discurso de eficiência que se revela como principal fundamento para adoção desse modelo de gestão terceirizada de pessoal em contraste com a exigência constitucional de recrutamento mediante concursos públicos, sobretudo para a

execução das denominadas atividades-fim da organização pública. Inicialmente, teceram-se algumas breves considerações jurídicas a fim assentar a normatividade vigente sobre a terceirização, demonstrando as possibilidades de terceirização de algumas atividades na Administração Pública. No segundo capítulo, buscou-se apresentar algumas implicações negativas da prática de desvirtuamento da terceirização de mão-de-obra na Administração Pública, reunindo reflexões de estudiosos do tema. Além da reconhecida violação ao princípio constitucional da ampla acessibilidade a cargos e empregos no setor público mediante submissão ao sistema meritocrático do concurso público, o estudo deu destaque a questão do prejuízo ao erário, pelo significativo incremento do passivo trabalhista, em razão das condenações subsidiárias da Administração Pública na Justiça do Trabalho. Apesar da ratificação pelo Supremo Tribunal Federal do dispositivo da Lei de Licitações que isenta de responsabilidade trabalhista a Administração Pública, esse ensaio conjuga uma série de fundamentos que parecem indicar uma tendência de condenação quase objetiva dos Entes Federados no que diz respeito à responsabilidade subsidiária trabalhista em razão do inadimplemento parcial ou da completa sonegação de direitos trabalhistas a terceirizados que prestam serviços no setor público. Por uma ideia de país do futuro que supera seus vícios coloniais baseados no coronelismo, aqui denominado de “neocoronelismo”, entende-se que a terceirização da forma como se apresenta não deve persistir. E nas hipóteses em que essa prática é legalmente autorizada, essa opção deve estar livre dos vícios apresentados nesse estudo. Em um estudo quantitativo, poder-se-ia refletir acerca das hipóteses de violação da dignidade do trabalhador pela prática constante de atraso de salários de terceirizados, assim como o prejuízo ao acesso à justiça quando das demissões em massa de terceirizados. Por fim, poderá merecer destaque a análise de planilhas orçamentárias de entes federados, a fim de comparar as despesas com pessoal efetivo com as despesas de terceirização, a fim de se verificar eventual comprovação das implicações negativas suscitadas nesse trabalho, notadamente em períodos eleitorais. Da mesma forma, uma análise econômica dos passivos trabalhistas gerados pela terceirização de mão-de-obra pode indicar a carência de economicidade desse modelo.

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LICENÇA-PARENTAL – UMA RELEITURA DO DIREITO A LICENÇAMATERNIDADE E PATERNIDADE À LUZ DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA Lygia Maria Pereira1 Malu Maria de Lourdes Mendes Pereira 2 Wagner Saraiva Ferreira Lemgruber Boechat3

RESUMO O papel social da mulher tem se modificado nas últimas décadas, antes exclusivamente voltado para atividades do lar, hoje a atividade laboral feminina, apesar de bastante diversificada, não é tão valorizada como deveria. Isso se reflete em salários baixos e dificuldade de acesso a atividades mais bem remuneradas apenas pelo fato de nascer com o “sexo errado”. Este estudo abordou um dos direitos usados como argumentação por parte dos empregadores para desvalorizar o trabalho feminino, a licença-maternidade. O objetivo é mostrar que este direito é de fundamental importância para toda a sociedade, que deve ser protegido, mas que a grande diferença temporal entre a licença-maternidade e paternidade é uma das causadoras da desvalorização do trabalho feminino. Por conclusão, defendeu-se que a diminuição da referida diferença, por meio do aumento temporal da licença-paternidade, facilitará o processo de diminuição das desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Palavras-chave: licença-parental, princípio da isonomia, trabalho da mulher, discriminação de gênero. ABSTRACT The social role of women has changed in recent decades, before exclusively focused on the home, today the female labour activity, although diversified, is not as valued as it should. This is reflected in low wages and difficulty of access to better remunerated activities just for the fact of being born with the "wrong sex". This study addressed one of the rights used as arguments by employers to devalue the work women to maternity leave. The goal is to show that this right is of fundamental importance to society as a whole, which must be protected, but that the large difference in time between the maternity leave and paternity is one of causing the devaluation of women's work. By conclusion, argued that the decrease of that difference, by increasing storm of paternity leave, will facilitate the process of reduction of gender inequalities in the labour market. Keywords: parental-leave, principle of equality, working woman, gender discrimination.

Introdução:

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Graduada em Direito, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo pela Universidade Gama Filho (UGM).Email: [email protected], , Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4806493A8 2 Graduada em Direito, Pós-Graduada em Direito Constitucional e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Email: [email protected], telefone: (35) 99213-2386, Lattes: http://lattes.cnpq.br/7726112582295429 3 Graduado em Direito e Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito de São Lourenço (MG) e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Email: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2118270713943877

Em novembro de 2015 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o relatório final da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Nele pudemos constatar que o trabalho da mulher continua a ser menos valorizado a despeito de, regra geral, possuírem mais anos de estudo(IBGE, 2015). E mais! Levando em conta os números apresentados no mencionado estudo, a especialista em economia de gênero Regina Madalozzo, do Insper, concluiu que as mulheres brasileiras trabalham 'de graça' a partir do dia 19 de outubro. Explicando melhor: a diferença média entre os salários de homens e mulheres no país, para quem trabalha 40 horas por semana, é de 20,32%. Como ambos os sexos trabalham os mesmos 365 dias, é como se esse final de ano fosse um bônus dado ao empregador por “fazerem o favor” de empregarem mulheres. Elas só recebem pelo trabalho de 291 dias, ou seja, até dia 18 de outubro. A partir daí as mulheres passam a trabalhar sem receber por isso(BANDEIRA, 2015). Tal constatação reflete um problema de gênero nas relações trabalhistas. A despeito das leis protetivas ao trabalho da mulher existentes em nosso ordenamento jurídico, percebe-se que ainda não se mostraram suficientes para acabar com as deformidades do sistema. Este cenário motivou este estudo e sua importância se materializa na tentativa de apresentar uma nova visão que poderá colaborar com a mudança do pensamento dos juristas sobre o mercado de trabalho feminino. Atualmente são exigidas dos estudiosos do Direito propostas de alterações legislativas que contenham um novo posicionamento sobre a busca da igualdade entre gêneros no ambiente de trabalho, decorrente da interpretação material do direito fundamental a igualdade previsto no artigo 5º inciso I da Constituição Federal (CF). Sob o aspecto metodológico, para a concretização desta investigação foram realizadas pesquisas bibliográficas em doutrina, jurisprudência e periódicos. Inicialmente apresentar-se-á um panorama geral da licença-maternidade e paternidade. Será abordada a previsão legislativa desses dois institutos, apresentado um breve histórico e mencionado o panorama atual em alguns países da América Latina, dando ênfase na interessante experiência chilena. Em seguida demonstrar-se-á o desequilíbrio entre os princípios constitucionais de liberdade e de igualdade que será usado como base teórica para demonstrar a profunda desigualdade existente entre os mercados de trabalho feminino e masculino.

Na última parte será proposta uma nova perspectiva para os direitos a licençamaternidade e paternidade, a licença-parental, que, muito provavelmente, terá a capacidade de substituir de maneira mais efetiva os referidos direitos a fim de proporcionar melhorias no mercado de trabalho da mulher e fortalecimento do princípio da paternidade responsável. O maior objetivo desta pesquisa é propor aos operadores do direito um olhar mais atualizado sobre a licença-maternidade e paternidade, sob o foco das relações de gênero, mostrando o desarrazoado desequilibro existente entre o mercado de trabalho feminino e masculino e apresentar uma nova proposta, a licença-parental.

1.

A licença-maternidade e paternidade – previsão legislativa no ordenamento

brasileiro, breve histórico e contexto atual no Brasil e na América Latina As licenças maternidade paternidade estão previstas nos artigos 392 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e artigo 7º, XIX da Constituição Federal (CF) combinado com artigo 10, parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), respectivamente.O ADCT determina a licença-paternidade de cinco dias até que se publique a lei para a regulamentação do direito, porém tal dispositivo existe desde 1988 e ainda não foi aprovada a referida lei. Já licença-maternidade atualmente é de 120 (cento e vinte) dias, porém há um programa do governo chamado Empresa Cidadã, instituído pela lei nº 11.770/2008 que incentiva a prorrogação deste direito por mais 60 (sessenta) dias. Trata-se de um programa opcional, portanto, a rigor, a licença maternidade brasileira é de 120 dias. Ambos os direitos foram conquistados a duras penas pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores brasileiros. A primeira vez que a licença-maternidade foi normatizada pelo ordenamento jurídico pátrio foi implementado pelo artigo 345 do Decreto Federal nº 16.300 de 19234, porém o direito não era coercitivo, era mera faculdade do empregador. Apenas com o Decreto 21.417-A de 1932 é que se pode afirmar que surge efetivamente a licença-maternidade como direito prevendo o pagamento de 50% da média dos últimos seis meses e com a garantia de retorno à vaga de trabalho. Vale ressaltar que esta lei inovou prevendo outros direitos protetivos para a mulher.

4

Revogado pelo Decreto de 5 de setembro de 1991.

Constitucionalmente o direito passou a ser garantido pela Carta de 1934, para empregadas do setor privado o prazo a seria definido em lei e não poderia haver prejuízo no salário e no emprego e para funcionárias públicas pelo período de três meses de licença com vencimentos integrais. Entretanto, em 1937 a nova Constituição trouxe o artigo 137 que previa o direito das trabalhadoras privadas suspenso pelo decreto nº 10.358, de 1942, por conta do estado de guerra. A CLT foi aprovada em 1943 sem grandes novidades, somente em 1946 a nova Carta Constitucional recuperou o direito à licença da gestante (artigo 157, X) que foi evoluindo até a Constituição de 1988 e posteriormente as modificações promovidas pela lei nº 10.421, de 15 de abril de 2002 que garantiu a licença gestante por 120 dias com a garantia do direito ao salário-maternidade. Por fim, em 2008, foi instituído o programa Empresa Cidadã por meio da lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008destinado à prorrogação da licença-maternidade em 60 (sessenta) dias mediante concessão de incentivo fiscal tanto para empregadas do setor público como para as do setor privado de forma optativa. Já o histórico da licença-paternidade é bem mais simples. O direito era de apenas um dia, que deveria ser dia útil, por determinação da CLT (art. 473, II), apenas para que o pai pudesse realizar o registro do filho e passou a ser de cinco dias a partir da CF de 1988. Atualmente existem diversos projetos nas casas legislativas que tratam tanto de licença-maternidade como de paternidade. Serão citadas algumas destas iniciativas a título de conhecimento: ü PEC 24/2013 – Altera os incisos XVIII e XIX do art. 7° da Constituição Federal para ampliar os prazos da licença-maternidade e da licença-paternidade. Aumenta a licença-maternidade e a licença-paternidade, previstas no art. 7º da Constituição Federal, para 180 dias e 15 dias, respectivamente. Atualmente se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania). ü Projeto de Lei Da Câmara (PLC) nº 14, de 2015 – acrescenta ao programa Empresa Cidadã a possibilidade, de acordo com os interesses da instituição, de conceder licença-paternidade de mais 15 dias, a serem acrescentados aos 5 dias obrigatórios. ü PEC 41/2015 – Estende de 120 para 180 dias o prazo da licença-maternidade e de 05 para 30 dias o prazo da licença-paternidade em qualquer situação e independentemente de adesão ao programa Empresa Cidadã. ü Projeto de Lei do Senado nº 652, de 2015 – sem dúvidas esse é a proposta mais ambiciosa por igualar licença-maternidade e paternidade no patamar mais elevado, 120 dias. Atualmente se encontra na Comissão de Assuntos Econômicos (Secretaria de Apoio à Comissão de Assuntos Econômicos).

A atual orientação da Organização Mundial do Trabalho (OIT) que a licença maternidade dure pelo menos 14 semanas (Convenção OIT 183, artigo 4º, 15), porém existe uma recomendação de que ela se estenda por 18 semanas (Recomendação OIT 191, 1.16). O objetivo destas normas é encontrar um período mais próximo do ideal para a licença maternidade. Isso porque se o período for muito curto, a pouca idade da criança pode fazer com que a mulher não esteja preparada para o retorno a atividade laboral e provavelmente fará com que ela saia do mercado de trabalho, às vezes, de forma definitiva. Por outro lado, períodos de licença-maternidade muito longos também não são interessantes já que podem prejudicar o mercado de trabalho da mulher, uma vez que os empregadores usam este argumento para justificar o achatamento dos salários das mulheres(OIT, 2014, p. 8). Ambos os acontecimentos, se recorrentes, podem levar ao desequilíbrio do mercado de trabalho como um todo, uma vez que a mão-de-obra feminina se tornou indispensável ao mercado de trabalho. A saída da mulher, que muitas vezes é uma mão de obra qualificada, deste mercado, seja por conta do retorno precoce ao trabalho após a maternidade, seja pelo desinteresse pelos baixíssimos salários, é uma perda para os empregadores e para toda a sociedade. Na América Latina, dos 34 países7, apenas oito observam a Convenção 183. São eles: Belize, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Panamá e Venezuela. (OIT, 2014, pp. 138-140).Abaixo relacionamos, sem a pretensão de realizar um estudo profundo de direito comparado, os dados de alguns países da América Latina que demonstram claramente a diferença temporal significativa entre a licença maternidade e paternidade8.

País

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Licença-maternidade (Semanas)

Licença-paternidade (Dias)

Artículo 4. 1. Toda mujer a la que se aplique el presente Convenio tendrá derecho, mediante presentación de un certificado médico o de cualquier otro certificado apropiado, según lo determinen la legislación y la práctica nacionales, en el que se indique la fecha presunta del parto, a una licencia de maternidad de una duración de al menos catorce semanas. 6 LICENCIA DE MATERNIDAD 1.(1) Los Miembros deberían procurar extender la duración de la licencia de maternidad, mencionada en el artículo 4 del Convenio, a dieciocho semanas, por lo menos. 7 Este estudo somou os dados da América Latina com a região do Caribe, são eles: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Estado Plurinacional da Bolívia, Brasil, Ilhas Virgens Britânicas, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Trinidad e Tobago, Uruguai, República Bolivariana da Venezuela. (OIT, 2014, p. 130) 8 Optou-se por apresentar o tempo de licença maternidade em semanas e de licença paternidade em dias porque na maioria das legislações consultadas os dados são apresentados dessa forma.

Venezuela 269 14 Chile 1810 5 Brasil 17 5 Uruguai 1411 1012 Colômbia 1413 8 Argentina 1314 2 Paraguai 1215 3 Equador 12 10 Fonte: Maternity and paternity at work. Law and practice across the world (OIT)

Dentre esses países destacamos a experiência chilena uma vez que a mãe poderá ceder ao pai uma parte da licença-maternidade. Das 18 semanas disponíveis para a trabalhadora, 06 deverão ser gozadas antes do parto16, restariam 12 semanas. Destas, 05 semanas poderão ser cedidas ao pai da criança, a partir da sétima semana após o nascimento, caso ele também seja empregado (filiado ao sistema previdenciário daquele país). A decisão de conceder tal direito, ou não, e a quantidade de tempo a ser concedido é da mãe (Artículo 197bis do Codigo del Trabajo17). Tal experiência é muito interessante porque dá ao casal a autonomia de decidir qual deles e em qual período irá gozar do benefício sem retirar a importância de a

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Sendo seis semanas antes do parto e vinte semanas após o parto, artículo 336 da Ley Organica del Trabajo. 10 Sendo seis semanas antes do parto e doze semanas após o parto, artículo 195 do Codigo del Trabajo. 11 Sendo seis semanas antes do parto e oito semanas após o parto, artículo 2 da Ley 19161/13. 12 A partir de 01/01/2016 de acordo com o artículo 8 da Ley 19161/2013. 13 Sendo uma ou duas semanas antes do parto e doze ou treze semanas após o parto, prazo determinado por opção materna, artículos 236, item 7 do Codigo Sustantivo del Trabajo. 14 Sendo 30 a 45 dias antes do parto e 45 a 60 dias após o parto, artículo 177 da Ley de Contrato de Trabajo 20.744 y concordantes. 15 Sendo seis semanas antes do parto e seis semanas após o parto, artículo 133 do Codigo del Trabajo. 16 Apesar de haver previsão para gozo de um período maior, a depender da saúde da gestante (artículo 196 do Codigo del Trabajo). 17 Si ambos padres son trabajadores, cualquiera de ellos, a elección de la madre, podrá gozar del permiso postnatal parental, a partir de la séptima semana del mismo, por el número de semanas que ésta indique. Las semanas utilizadas por el padre deberán ubicarse en el período final del permiso y darán derecho al subsidio establecido en este artículo, calculado en base a sus remuneraciones. Le será aplicable al trabajador lo dispuesto en el inciso quinto. En caso de que el padre haga uso del permiso postnatal parental, deberá dar aviso a su empleador mediante carta certificada enviada, a lo menos, con diez días de anticipación a la fecha en que hará uso del mencionado permiso, con copia a la Inspección del Trabajo. Copia de dicha comunicación deberá ser remitida, dentro del mismo plazo, al empleador de la trabajadora. A su vez, el empleador del padre deberá dar aviso a las entidades pagadoras del subsidio que correspondan, antes del inicio del permiso postnatal parental que aquél utilice. El subsidio derivado del permiso postnatal parental se financiará con cargo al Fondo Único de Prestaciones Familiares y Subsidio de Cesantía del Decreto con Fuerza de Ley N° 150, del Ministerio del Trabajo y Previsión Social, de 1982. El empleador que impida el uso del permiso postnatal parental o realice cualquier práctica arbitraria o abusiva con el objeto de dificultar o hacer imposible el uso del permiso establecido en los incisos precedentes, será sancionado con multa a beneficio fiscal de 14 a 150 unidades tributarias mensuales. Cualquier infracción a lo dispuesto en este inciso podrá ser denunciada a la Inspección del Trabajo, entidad que también podrá proceder de oficio a este respecto.

mulher estar próxima da criança no período que corresponderia ao aleitamento, a fim de não promover seu desestímulo. Ainda hoje a licença-maternidade é vista por alguns como um direito criado para a mulher, quase como um privilégio, férias de 120 a 180 dias. Como se não fosse uma tarefa árdua trazer alguém ao mundo e se responsabilizar por sua segurança, crescimento e formação. Em especial, os três primeiros meses são os mais difíceis para a mulher uma vez que, além da adaptação de um novo membro da família, existe todo um processo de recuperação corporal e de amamentação que, por vezes, se torna complexo e difícil. Felizmente essa mentalidadecomeçou a se modificar não apenas no âmbito social, mas também nas estruturas de poder.No mundo jurídico destaca-se o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, ao trazer no artigo 8º os direitos da gestante, mostrou ao aos operadores do direito quea uma boa gestação não é apenas um direito da mulher, mas também da criança. Sob essa perspectiva pode-se afirmar que tanto a licença-maternidade, quanto a paternidade são garantidas pelo sistema para beneficiar, não apenas o pai ou a mãe, mas sim o núcleo familiar como um todo(SILVA, 2014, p. 03), que são a base da sociedade. Vale ressaltar que a maior beneficiada com o afastamento dos pais é a própria criança que será acolhida de forma mais adequada no momento do nascimento. Para reforçar esse pensamento é importante lembrar que a licença-maternidade pode ser estendida para o homem em caso de falecimento da esposa no parto (Art. 392-B da CLT) e para a adotante (Art. 392-A da CLT). A grande diferença entre os períodos de licença maternidade e paternidade, que pode ser verificada não apenas no Brasil, mas também entre nossos vizinhos na América Latina, tende a provocar um desequilíbrio entre os mercados de trabalho feminino e masculino e acaba por se tornar um dos motivos de discriminação da mulher do mercado de trabalho o que, ao final, é um dos motivos que provocam a grande diferença salarial mencionada no início deste estudo.

2.

Uma releitura do princípio da isonomia

Muito já se tratou sobre igualdade formal e igualdade material, apenas para retomar o pensamento, vale lembrar que a igualdade em sentido formal, a qual corresponde ao princípio da legalidade, implica a proibição de distinção, por parte do

aplicador da lei, que não tenha prescrição normativa. Por isso a igualdade formal também é chamada de igualdade de todos perante a lei ou igualdade na aplicação da lei uma vez que procura fazê-la de forma igualitária e indistinta. Tal conceituação é dirigida especialmente ao Poder Judiciário e à Administração Pública e possui conteúdo mais abstrato e genérico. Já a igualdade material, que tem o aspecto mais amplo, é a busca da igualdade de fato, da igualdade na situação em concreto e, por conta disso, seus enunciados devem ser mais específicos (MARTINS, 2013, pp. 222-223). O que se busca no caso das relações de gênero é a igualdade material. Uma das alternativas para alcançar tal igualdade é permitir que a mulher trabalhadora tenha um salário digno e isso passa por uma modificação das relações de trabalho no sentido de equilibrar a permanente tensão existente entre os princípios da liberdade e igualdade. Aparentemente tal relação entre os princípios se encontra fora de seu ponto ideal, por isso as mulheres se encontram prejudicadas no mercado de trabalho. Esta necessidade de equilíbrio e sua explicação teórica darão subsídio para a defesa da necessidade da modificação das licenças maternidade e paternidade para a licença-parental. Os direitos de liberdade e de igualdade estão previstos na CF de 1988 e possuem a mesma hierarquia, ou seja, são direitos fundamentais. O objetivo do primeiro é proteger o titular do direito contra intervenções do Ente Estatal que pretendam impossibilitar a manutenção de um determinado status quo. Para este estudo, o melhor exemplo é o direito à propriedade privada. O indivíduo é livre para possuir um bem, por isso tem o direito de resistir contra as possíveis investidas do Estado em seu direito de usar, gozar e dispor do referido bem (MARTINS, 2013, p. 223). Já o direito de igualdade busca a atuação Estatal com vistas a proteger a coletividade contra o tratamento desigual perante a lei, tanto na aplicação do direito (Executivo e Judiciário) como na prevenção da criação de leis com discriminação injustificada (MARTINS, 2013, p. 223). Na sociedade atual, em que o capitalismo é devorador, pode se afirmar que o direito de liberdade se encontra em permanente tensão com o direito de igualdade, ou seja, a iniciativa privada empresarial, que visa o lucro acima de tudo, está em conflito diário com os trabalhadores que demandam constantemente proteção contra as investidas econômicas mais agressivas, a fim de não serem explorados de forma excessiva.

O clamor social por máxima liberdade possível choca-se contra o clamor social por máxima igualdade possível. Liberdade e igualdade encontram-se nas sociedades capitalistas em eterno conflito, pois a liberdade social é também a liberdade concorrencial inescrupulosa do mais forte; já a igualdade social exige, pelo contrário, justamente a existência da igualdade de chances e condições a serem concedidas ao mais fraco(MARTINS, 2013, p. 223).

Analisando sob este enfoque pode-se afirmar que em algum momento trabalhadores e empresários acabarão por encontrar um ponto de equilíbrio na relação dos “salários pagos x salários recebidos”. Porém, ao se debruçar sobre a análise da faceta “salário recebido”, ou seja, pela ótica do trabalhador, deparar-se-á com uma profunda desigualdade entre salários, baseada em diferenças de gênero, com a justificativa, por parte dos empregadores, de que as mulheres possuem um custo maior por conta dos afastamentos ligados à gestação, maternidade e aleitamento, entre outros fatores. É neste ponto que liberdade e igualdade se desequilibram. Ao encontrar um argumento para remunerar de forma inadequada todas as mulheres do mercado de trabalho, independentemente de idade e das condições de saúde, o ponto de equilíbrio entre “salários pagos x salários recebidos pelas mulheres” ficará em um patamar mais baixo do que o patamar verificado no mercado masculino. Realmente, mulheres e homens não são iguais no tocante ao nascimento dos filhos. As mulheres precisam se afastar da atividade laboral quando da chegada de um novo membro na família, pelo menos no período do parto e aleitamento. Porém, se compararmos o número de anos de trabalho que uma mulher (em situações normais) e o número de dias queela se afasta por contada licença maternidade (120 a 180 dias considerando um filho 18) não se pode concordar com o argumento, que pretenderia justificar o tratamento tão desigual, de que o custo desse afastamento seja tão grande a ponto de prejudicar o mercado laboral feminino como um todo. É válido lembrar que nem toda mulher possui fertilidade suficiente para gerar uma criança e que, nos dias atuais, nem todas possuem o desejo de ser mãe. Evidentemente existe um custo para o empregador do afastamento da empregada gestante.Basicamente é o custo de substituição 19 pelo período de afastamento (busca, contratação temporária e treinamento), já que o salário da

18

Vale lembrar que a taxa de fecundidade no Brasil tem decrescido desde a década de 60 e atualmente encontra-se em 1,72 (IBGE, 2015). 19 Ressalte-se que nem todo empregador substitui a empregada afastada. Muitos deles promovem a reorganização do trabalho, diminuindo, ainda mais, o custo da substituição da empregada gestante.

empregada não é pago por ele e sim pelo sistema previdenciário. Mas esse custo corresponde ao que deve ser comportado pela empresa por conta de sua função social, ou seja, por conta da obrigação empresarial com a justiça social (LOPES, 2006, p. 282). Vale lembrar que nosso sistema desestimula a existência de uma empresa que tenha fins unicamente egoísticos. A empresa deve existir não apenas para dar lucro e sim também para ser útil para toda a sociedade. Portanto,além do desequilíbrio entre os princípios da liberdade e igualdade, existe um desequilíbrio do mercado de trabalho da mulher em relação ao mercado de trabalho masculinoe para corrigir este desvio, tendo em vista que qualquer aumento temporal no direito a licença-maternidade, neste momento,pode prejudicar ainda mais a remuneração da atividade laborativa feminina, será necessária uma atuação legislativa com viés protetivo, mas não diretamente sobre direitos femininos e sim de forma indireta por meio do aumento temporal da licença-paternidade.E é do legislador ordinário a competência para corrigir este desvio É o legislador ordinário quem deve disciplinar o conflito social entre esses dois anseios; ele o fará na medida em que determinará quanta margem de ação deixará ao mais forte e quanta proteção dará ao mais fraco. Tanto as garantias constitucionais de igualdade quanto as garantias de liberdade servirão para impor ao legislador certos limites que ele não poderá ultrapassar: em suma, a restrição ou diminuição da liberdade, de um lado, e o tratamento desigual, do outro, não poderão ocorrer sem um motivo racional (MARTINS, 2013, p. 223).

Por conclusão, pode-se inferir que dentro do mercado de trabalho existem diferentes graus de vulnerabilidade as quais precisarão de maior ou menor proteção legislativa contra os avanços da iniciativa privada (direito de liberdade) com vistas ao alcance da igualdade material. Tal diferença protetiva se justifica por meio da realidade fática uma vez que existe, neste caso, motivação racional para o tratamento desigual entre homens e mulheres. Entretanto, neste caso, o tratamento extremamente desigual não é positivo porque tende a prejudicar o mercado de trabalho feminino. A releitura sugerida neste trabalho é no sentido da promoção do estreitamento das desigualdades, não pela diminuição do tempo de licença-maternidade, que se mostraria prejudicial para toda a sociedade, e sim aumento da licença-paternidade, que tende a permitir maior aproximação entre pai e filho, o fortalecimento dos laços e consequente conscientização sobre a importância da paternidade responsável.

3.

Uma nova proposta: A licença-parental

O que se propõe é a diminuição da referida diferença temporal entre as licenças-maternidade e paternidade, conforme proposto pela estudiosa da Universidade Federal Fluminense, Hildete Pereira de Melo(BANDEIRA, 2015), e concomitante ou posterior substituição pela licença-parental(PINHEIRO, GALIZA, & FONTOURA, 2009, p. 855),inclusive extensiva a casais homossexuais masculinos e femininos, como forma de busca pela igualdade material entre os gêneros, ampliação salarial e do mercado de trabalho da mulher, além do fortalecimento do princípio da paternidade responsável previsto no artigo 226, parágrafo VII da CF/88 (PINHEIRO, GALIZA, & FONTOURA, 2009, p. 856). A legislação chilena, já descrita anteriormente, poderia servir de inspiração para o Poder Legislativo brasileiro, porém existem outras experiências bastante interessantes que também poderiam ser adaptadas à realidade brasileira. Serão citadas duas delas, a experiência portuguesa e a sueca. Em setembro de 2015 Portugal aprovou a lei 120/2015 que modificou o Código do Trabalho com o objetivo de reforçar o direito a maternidade e a paternidade, instituindo a licença-parental e outros direitos. A parentalidade é tratada entre os artigos 33 e 66 que correspondem a Subsecção IV daquele instrumento normativo. A licença-parental portuguesa é dividida em modalidades, a saber: licençaparental inicial, licença-parental inicial exclusiva da mãe,licença-parental inicial a ser gozada pelo pai por impossibilidade da mãe 20 e licença-parental exclusiva do pai (artigo 39). A licença-parental inicial (artigo 40, 121) é de 120 ou 150 dias22 consecutivos que poderão ser partilhadas entre pai e mãe após o parto, ou seja, o saldo de dias desta licença que ultrapassar a soma da licença exclusiva da mãe com a exclusiva do pai poderá ser dividida entre os genitores.

20

Não nos aprofundaremos a respeito desta licença por não ser objeto principal deste estudo. Artigo 40.º Licença parental inicial 1 - A mãe e o pai trabalhadores têm direito, por nascimento de filho, a licença parental inicial de 120 ou 150 dias consecutivos, cujo gozo podem partilhar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte. 2 - O gozo da licença referida no número anterior pode ser usufruído em simultâneo pelos progenitores entre os 120 e os 150 dias. 3 - A licença referida no n.º 1 é acrescida em 30 dias, no caso de cada um dos progenitores gozar, em exclusivo, um período de 30 dias consecutivos, ou dois períodos de 15 dias consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe a que se refere o n.º 2 do artigo seguinte.(...). 22 A variação de 30 dias irá depender de certas situações, optou-se por não abordá-las neste estudo. 21

A licença-parental exclusiva da mãe compreende 30 dias antes do parto e seis semanas obrigatórias após o parto (artigo 4123). Já a licença-parental exclusiva do pai é de 15 dias úteis, seguidos ou interpolados, nos 30 dias seguintes ao nascimento do filho, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este (artigo 4324, 1), depois desse período o pai ainda tem direito a 10 dias úteis de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença-parental inicial por parte da mãe (artigo 43, 2). Depois desse período ainda existe uma licença chamada licença-parental complementar (artigo 51) que engloba quatro modalidades: Licença-parental alargada, por três meses; trabalho a tempo parcial durante 12 meses, com um período normal de trabalho igual a metade do tempo completo; períodos intercalados de licença-parental alargada e de trabalho a tempo parcial em que a duração total da ausência e da redução do tempo de trabalho seja igual aos períodos normais de trabalho de três meses; ausências interpoladas ao trabalho com duração igual aos períodos normais de trabalho de três meses, desde que previstas em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Não se pode esquecer que Portugal, assim como outros países da Europa, passa por grave crise de natalidade25 o que levou o país a tomar medidas extremamente protetivas a fim de promover o aumento do número dos nascimentos naquele país. Não é este o caso do Brasil que, apesar de ter passado por uma grande queda na taxa de fecundidade, ainda não chegou a níveis críticos. Portanto, apesar de o modelo português de licença-parental ser interessante ele deverá ser adaptado para a realidade brasileira. Outro modelo de licença-parental que serve de exemplo para o mundo é o sueco que possui uma única licença para pais e mães com o período comum de 480 dias, 23

Artigo 41.º Períodos de licença parental exclusiva da mãe 1 - A mãe pode gozar até 30 dias da licença parental inicial antes do parto. 2 - É obrigatório o gozo, por parte da mãe, de seis semanas de licença a seguir ao parto. 3 - A trabalhadora que pretenda gozar parte da licença antes do parto deve informar desse propósito o empregador e apresentar atestado médico que indique a data previsível do parto, prestando essa informação com a antecedência de 10 dias ou, em caso de urgência comprovada pelo médico, logo que possível. 4 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 2. 24 Artigo 43.º Licença parental exclusiva do pai 1 - É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 15 dias úteis, seguidos ou interpolados, nos 30 dias seguintes ao nascimento do filho, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este. 2 - Após o gozo da licença prevista no número anterior, o pai tem ainda direito a 10 dias úteis de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe. 3 - No caso de nascimentos múltiplos, à licença prevista nos números anteriores acrescem dois dias por cada gêmeo além do primeiro. 4 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, o trabalhador deve avisar o empregador com a antecedência possível que, no caso previsto no n.º 2, não deve ser inferior a cinco dias. 5 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1, 2 ou 3. 25 Uma pesquisa recente registrou a média de 9 nascimentos por mil habitantes (G1, 2015)

deste período três meses são obrigatórios para cada um dos genitores (AWID, 2016), além disso, o casal pode decidir qual dos dois irá se afastar do trabalho e, até mesmo, o momento em que isso irá ocorrer uma vez que o período se estende até que a criança complete oito anos (VEJA, 2015). A opção de dar ao casal a autonomia de eleger qual o momento cada um irá gozar do direito é demonstração de grande maturidade legislativa, uma vez tal permissão legal sai da tradicional imposição do poder público e dá a liberdade para cada genitor de escolher o melhor momento para se afastar da atividade laborativa sem que isso comprometa em definitivo o vínculo laboral. Por outro lado, impõe uma dúvida saudável para os empregadores em geral, uma vez que, ao não saber se e nem em qual momento qual genitor irá gozar do benefício, não poderá mais discriminar homens e mulheres de maneira prévia. De fato, este sistema parece permitir maior igualdade de gênero. É claro que o Brasil não é a Suécia nem Portugal e que nosso sistema previdenciário provavelmente ainda não está estruturado para suportar uma mudança no sentido de se aproximar ao modelo ideal representado por estes dois países. Todavia, nosso sistema é robusto o suficiente para realizar mudanças progressivas que nos levem a um modelo melhor do que o que possuímos na atualidade e que permita a diminuição da desigualdade existente entre o mercado de trabalho feminino e masculino conforme determina o texto constitucional. Aparentemente parte do Poder Judiciário brasileiro já se mostra sensibilizado sobre o assunto. Algumas iniciativas inovadoras já puderam ser encontradas, mas, em especial, podemos destacar a recente decisão 26da Justiça Federal (Processo N° 006982878.2015.4.01.3400 - 20ª Vara Federal) que, por antecipação de tutela, permitiu ao pai gozar dos 120 dias de licença que seriam estritamente da mãe. O mais interessante é que, neste caso, pai e mãe pertencem a regimes previdenciários diferentes. O pai é servidor público federal (regime previdenciário próprio) e a mãe é empresária (regime previdenciário geral). Tal diferença não afetou a decisão do magistrado que, ao nosso ver, agiu de maneira acertada, uma vez que, como a licença é de interesse da criança, qualquer um dos regimes previdenciários tem que arcar com os custos do afastamento de seu genitor(a).

26

09/12/2015.

O fato é que a manutenção do modelo atual só tende a prejudicar o mercado de trabalho da mulher e a aprofundar ainda mais as desigualdades entre homens e mulheres. Urge uma mudança legislativa no sentido de promover a igualdade de gênero.

4.

Considerações Finais

Após todo o exposto pode-se concluir que o mercado de trabalho da mulher se encontra em desequilíbrio em relação ao mercado de trabalho masculino. A grande discrepância entre os 05 (cinco) dias da licença-paternidade e os 120 ou 180 (cento e vinte ou cento e oitenta) dias de licença-maternidade ferem o princípio da isonomia e aprofundam as discriminações baseadas em gênero. Atualmente o papel social da mulher tem se modificado, sua atuação no mercado de trabalho não apenas se tornou fundamental e, por isso, é necessário continuar estimulando sua inserção e manutenção neste mercado o que passa, necessariamente, pela divisão do trabalho com a criação dos filhos entre homens e mulheres. Existe grande necessidade e urgência de alteração deste cenário tendo em vista que o direito deve, não apenas, acompanhar as mudanças sociais como se antecipar a algumas delas. Modificando o pensamento das novas gerações, ensinando a nossas crianças, desde o nascimento, que a mãe não é a única responsável por sua educação, poderemos materializar, no futuro, os ideais feministas, leia-se ideais igualitários, de todas as gerações de mulheres que lutaram, e até morreram, para tornar o mundo um lugar mais justo para todos nós.

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O CONCEITO TRABALHO DECENTE E A LINGUAGEM DOS DIREITOS HUMANOS: A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Márcia Regina Castro Barroso1

Resumo: O presente trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla cujo foco refere-se à análise da trajetória do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. Importante instituição no cenário trabalhista brasileiro, ela tem se destacado atualmente não apenas por seu arcabouço jurídico, mas também pela difusão de projetos que têm exercido grande influência na esfera laboral. Embora se constitua como uma instituição internacional, sendo uma agência especializada do sistema ONU, a Organização Internacional do Trabalho adquire contornos próprios em nosso país e objetivamos analisar as singularidades dessa atuação. Para empreendermos essa análise nos utilizamos de um conceito chave, uma espécie de compilador ideário dessa organização no Brasil, que é o conceito trabalho decente. A partir dele pretendemos compreender uma série de aspectos referentes aos âmbitos interno e externo dessa instituição. Componente importante dos objetivos estratégicos da OIT, formalizado em 1999, o conceito trabalho decente gradativamente tem crescido em importância no cenário laboral brasileiro. Ultrapassando os limites da própria instituição, ele tem alcançado grandes proporções, tornando-se tema de debate constante para as organizações públicas brasileiras. O presente trabalho visa compreender o conceito trabalho decente a partir da construção de uma linguagem que enfatiza a questão dos direitos fundamentais. A partir dessa perspectiva, propagam-se princípios que redefinem padrões mínimos sociais para o mundo do trabalho, a partir de uma cultura de direitos. Sendo assim, objetivamos analisar as construções argumentativas engendradas em torno desse eixo. Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Trabalho Decente; Cultura de Direitos

1 – A Organização Internacional do Trabalho e sua importância no cenário laboral A Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919 no processo de pacificação após a Primeira Guerra Mundial, juntamente com a Liga das Nações. Um mundo conturbado com o lastro de destruição da primeira guerra procurava recompor as suas bases diplomáticas e nesse sentido a organização da própria atividade produtiva se constituiu como uma atividade emergente. Com a Conferência de Paz, em Versalhes, decidiu-se pela organização de uma “Comissão de Legislação Internacional” (cujo 1

Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA-IFCS-UFRJ), Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (PPGSD-UFF). Bolsista de Doutorado do CNPq. E-mail: [email protected]. Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4457597T1

desdobramento fora a criação da OIT), visando uma ação conjunta nos assuntos relativos à organização da esfera produtiva. Nos documentos de época, como muito bem nos aponta Arnaldo Süssekind, as justificativas em torno da sua criação gravitavam em torno de três eixos: o da política, tendo em vista a questão da paz universal; humanitária, visando criar condições de trabalho mais justas; e econômica, visando fornecer elementos que atenuem a questão da concorrência internacional e suas consequências nas condições sociais (Süssekind: 1987, p. 100). Nesse sentido, a partir da criação da OIT, ocorreu uma renovação do Direito Internacional do Trabalho. A partir do sistema de convenções e de recomendações tentouse criar padrões de uniformização da regulação das relações de trabalho entre os Estadosmembros. Antes mesmo da criação da ONU e de outros organismos internacionais, a OIT acabou por, paulatinamente, fortalecer o seu modelo, cabendo aos escritórios nacionais a função de cooperação técnica nas diversas iniciativas geradas a partir da temática do trabalho. Outro fator que acabou por manter o seu prestígio ao longo desses noventa e quatro anos de existência foi o fato de sua organização ter uma composição tripartite, com representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores. Esse tripartismo esteve presente desde a sua fundação e permanece como um elemento que fornece legitimidade, dando-lhe um diferencial em seu caráter representativo. A promoção do diálogo social tem sido uma grande bandeira no campo ideário dessa instituição. Para além da questão da legitimidade, a OIT também cresceu em importância principalmente por conta do âmbito jurídico, por meio das suas convenções. Uma vez ratificadas se constituem como fonte formal de direito, gerando direitos subjetivos individuais. Portanto, se constituem como instrumentos normativos de grande monta, em especial, por tratarem de assuntos de interesse internacional. As convenções são tratados multilaterais que precisam ter a ratificação dos Estados membros para terem valor normativo. Uma vez ratificada, a convenção integra a respectiva legislação nacional (Süssekind: 1987, p. 174). A grande “força” desse sistema acaba por se tornar também a sua maior “fraqueza”. Muitas críticas têm sido feitas a esse processo principalmente por conta das especificidades das legislações nacionais. Pode-se ratificar uma convenção que foi pensada em termos mais gerais, e que pode não atender às demandas de uma dada localidade. Outra questão que se coloca se refere aos instrumentos de controle da aplicação desse instrumento normativo. Arturo Bronstein em seu livro “Derecho Internacional y Comparado Del

Trabajo” (2010) propõe uma solução através do fortalecimento de Tribunais Internacionais. Embora seja uma solução possível de ser efetivada, ainda estamos longe de vermos a sua difusão. Dessa forma, ao longo de todo o século XX, a OIT foi crescendo em importância no cenário laboral internacional e, com a sua estrutura tripartite, tem conseguido manter um caráter diplomático de grandes proporções. No processo de remodelação institucional, principalmente no pós-segunda guerra mundial, com a criação da ONU e de outros organismos internacionais, a OIT se viu diante de um questionamento sobre o seu papel nesse novo cenário. Nesse período, as organizações internacionais estão voltadas para temas como a manutenção da paz e a resolução de conflitos. A OIT nesse contexto de grande reflexão, em sua Conferência Geral, realizada em 1944, na Filadélfia, retoma os valores já declarados em sua constituição inicial reforçando a sua atualidade: a promoção da justiça social. E bem mais do que isso, a partir desse momento a OIT acabou por ampliar sua competência estendendo a sua pauta para além das condições de trabalho e dos direitos previdenciários do trabalhador. Essa ampliação instaura um direito internacional do trabalho que se aproxima de novas temáticas, como a pauta dos então denominados direitos humanos. Gênero, reforma agrária, populações indígenas, políticas de desemprego, a educação e a saúde do trabalhador, o meio ambiente, enfim, progressivamente toda uma gama de novas demandas passou a ser incorporada à pauta de atuação da OIT fornecendo novos parâmetros normativos e ideários aos países-membros. Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, cujo objetivo era substituir a Liga das Nações, a OIT passou a ser integrada ao seu sistema, tornando-se uma agência especializada. Atualmente a OIT possui a sua sede em Genebra e conta com a atuação de 185 estados-membros. Com o processo de globalização e de transformações atuais no mundo do trabalho, a OIT se vê diante de novos desafios a serem enfrentados. Oscar Ermida Uriarte ao refletir sobre a inter-relação entre os processos de globalização e as relações laborais (1999), comenta que o sistema tradicional do direito do trabalho tem passado por significativas mudanças, principalmente por conta das transformações que tem passado a própria organização produtiva. Nesse sentido, destaca a emergência do que ele chamou de “re-regulação internacional”, através de convênios internacionais do trabalho, os grandes Pactos e Declarações de Direitos Humanos e as Cartas Sociais como exemplos dessa “reregulação”. E a OIT, por gerar uma rede normativa universal, tem proeminência nesse

processo. Entretanto comenta que, se por um lado, tem-se um salto qualitativo através da universalização de certos princípios, por outro, para atender uma demanda da própria organização do trabalho, e garantir condições mínimas de proteção social, poderia colaborar, de certa forma, para a expansão do processo de flexibilização das relações laborais. Nas décadas de 1980 e 1990, o grande desafio se dava no sentido da OIT ser capaz de apresentar uma nova visão de mundo que fosse capaz de conciliar um programa social internacional frente aos interesses econômicos dessa época. Nesse contexto emergiu o debate sobre a introdução de cláusulas sociais no comércio internacional. Estas seriam obrigações que deveriam satisfazer requisitos sociais específicos. Numa economia globalizada, pontos de tensão faziam com que as organizações internacionais refletissem sobre suas atuações, principalmente entre o segmento empresarial e as organizações sindicais. Se por um lado, a corrente dominante da esfera econômica exigia uma liberalização do mercado, por outro, representantes sindicais pressionavam alertando para os efeitos nocivos que tal política econômica poderia acarretar, principalmente, no que se refere à proteção social e à garantia de empregos. Grande debate se instaurou, portanto, na década de 1990 sobre a questão do dumping social2 e as cláusulas sociais especialmente para saber qual instituição se encarregaria de efetivá-las. Particularmente esse debate se acirrou após a criação oficial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, que anteriormente recebia a nomenclatura de Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) 3. Uma corrente de pensamento defendeu que as cláusulas sociais fossem de responsabilidade da OMC. O principal argumento desta posição foi que a OMC seria capaz estabelecer mecanismos de sanção aos países que não as respeitassem, atribuição essa impossível de se concretizar com a OIT devido ao caráter de adesão e ratificação voluntária dos países membros e pela ausência de formas de controles internacionais. O tema é bastante controverso e não aprofundaremos essa discussão neste trabalho. De todo modo ele representa um questionamento da própria atuação da OIT e da

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Costuma-se definir o Dumping Social como uma prática de certas empresas que procuram aumentar os seus lucros deslocando-se de um local para outro onde os salários são mais baixos e/ou os direitos dos trabalhadores são mais precários. 3 Não aprofundaremos a temática para investigarmos se a criação da OMC representou de fato alguma mudança significativa da instituição de regulação do mercado internacional, mas não podemos deixar de mencionar que tal iniciativa representa um esforço das entidades internacionais em dar uma resposta mais eficaz às transformações econômicas dessa época.

sua eficácia enquanto uma instituição capaz de manter padrões normativos numa sociedade cada vez mais globalizada. O que nos interessa aqui é percebermos alguns desdobramentos desse processo. O primeiro deles foi o entendimento dos organismos internacionais de que a normatização das cláusulas sociais deveria ficar ao encargo da OIT. O segundo foi a reafirmação dos próprios padrões mínimos de garantias trabalhistas internacionais, do que ficou conhecido como as 8 Convenções Fundamentais da OIT. Esses padrões mínimos foram reafirmados na 87ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, em 1998, com a Declaração Relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. As convenções fundamentais são as seguintes: - Convenção sobre o Trabalho Forçado, 1930 (n° 29); - Convenção sobre a Liberdade Sindical e a proteção do Direito Sindical, 1948 (n° 87); - Convenção sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, 1949 (n° 98); - Convenção sobre a Igualdade de Remuneração, 1951 (n° 100); - Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, 1957 (n° 105); - Convenção sobre a Discriminação (Emprego e Profissão), 1958 (n° 111); - Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão a Emprego, 1973 (n° 138); - Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para a sua Eliminação, 1999 (n° 182). 4

Segundo a atual Diretora da OIT-Brasil, Laís Abramo, esta declaração estabelece que os estados-membros da OIT são obrigados a respeitarem as 8 convenções fundamentais independente de as terem ou não ratificado. Isso representa uma redefinição de padrões mínimos a serem considerados no mundo do trabalho, em princípios que estariam acima de qualquer necessidade econômica. Os direitos no mundo do trabalho, a proteção social, é apresentada como um princípio a ser mantido (Abramo: 2010, p.32). Outro desdobramento desse processo que gostaríamos de mencionar se refere ao surgimento da proposta de enfoque integrado que significa a articulação, por meio de um conceito chave, de diferentes ramos de especialidade da própria OIT. Esse enfoque integrado se evidenciou no conceito trabalho decente, que, segundo Rodgers, Lee, 4

Consultar o documento “A OIT no Brasil: trabalho decente para uma vida digna”, 2012, p. 5. Disponível em:

Swepston e Daele (2009), surgira na década de 1990 representando um reavivamento e um novo impulso para a instituição (p. 238). Nesse sentido, ele funcionaria como um mecanismo rearticulador da própria organização interna da OIT e num segundo momento, passando a ser um canal de comunicação para outras instituições. Ainda para esses autores5 o surgimento do conceito trabalho decente está relacionado a quatro aspectos: 1 – uma forma de expressar o objetivo fundamental da OIT em linguagem corrente; 2 – uma meta global que integra as prioridades de todos os membros da OIT – empregadores, trabalhadores e do governo – constituindo assim uma base sobre a qual almeja se construir um consenso; 3 – um conceito integrado a partir do qual se deseja analisar e entender melhor o impacto de aspectos mais específicos do trabalho da OIT; 4 – um meio de organizar e administrar o trabalho da oficina.

A adoção desse sistema integrado veio, portanto, proporcionar uma mudança no direcionamento da instituição em questão. Numa primeira e rápida análise nós poderíamos dizer que ele representou uma forma de resposta aos questionamentos que a própria OIT estava sendo submetida. Através desse viés trabalho decente a OIT procura se redefinir no cenário internacional, bem como procura a reorganização dos seus próprios quadros. A OIT que ao longo do século XX teve uma postura progressiva de especialização, com a formação de vários escritórios específicos, a partir dos temas tidos como relevantes para o mundo do trabalho, com essa abordagem do enfoque integrado o direcionamento passa a ser outro, com o reagrupamento do escritório em torno da temática trabalho decente. Outra consequência que nós poderíamos destacar é que ao priorizar a utilização do enfoque integrado a OIT teve que estabelecer novas formas de diálogo com os atores envolvidos de modo a convencê-los de que essa abordagem poderia apresentar melhorias para as condições de vida dos trabalhadores. Ao propor um novo diálogo, a OIT se abre a novas áreas de atuação e passa a inovar em termos de sua atuação política. Apresentaremos aqui neste trabalho um estudo de caso sobre a utilização do conceito trabalho decente no Brasil e perceberemos com mais clareza os termos dessa inovação. 5

Os autores apresentam alguns dados de pesquisa realizada com o Diretor Geral da OIT Juan Somavia que é tido como o articulador do conceito trabalho decente na Instituição em 1999.

2 – O conceito Trabalho Decente no Brasil No Brasil, a OIT estabelece o seu escritório na década de 1950, mantendo programas de promoção permanente das Normas Internacionais do Trabalho, da melhoria das condições de trabalho e a ampliação da proteção laboral. O Brasil ratificou, segundo o documento, “A OIT no Brasil: trabalho decente para uma vida digna”, de 2012, um total de 82 das 189 convenções da OIT6. Além de fornecer importantes instrumentos normativos, a OIT também tem sido divulgadora de conceitos e princípios de modo a influenciar a vida pública e social. Ericson Crivelli em seu livro “Direito Internacional do Trabalho” (2010) comenta que esses princípios estão compilados no que ele chamou de enfoque integrado, e atualmente, o que tem maior destaque é o de “trabalho decente”. Por intermédio dessa ideia-chave a OIT procura convergir os seus quatro objetivos estratégicos para o mundo do trabalho: a) a aplicação dos princípios e direitos fundamentais do trabalho; b) a criação de empregos; c) proteção social; d) e o diálogo social. A ideia tem sido utilizada como uma forma de articulação com outras instituições principalmente na década de 1990, após a Conferência Internacional de 1999. A abordagem do enfoque integrado visa, nesse contexto de globalização, fortalecer a capacidade mundial de promover objetivos sociais universais. No Brasil a temática do trabalho decente ganhou impulso nos anos 2000 principalmente após o memorando de entendimento entre a República Federativa do Brasil 7 e a Organização Internacional do Trabalho para o estabelecimento de um programa de cooperação técnica para a promoção de uma agenda de trabalho decente, em Genebra, no ano de 2003. Após a assinatura desse convênio, uma série de iniciativas foram engendradas no sentido de promover essa temática no Brasil. No caso brasileiro, uma característica interessante que tem se apresentado se refere à capacidade que a OIT tem desenvolvido de divulgar a temática do trabalho decente para outras instituições importantes do poder público, como o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Estas instituições são tidas como parceiras desse projeto e várias iniciativas têm sido tomadas nesse sentido. Uma delas foi a elaboração do Plano

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Das 8 convenções fundamentais o Brasil ratificou todas salvo a 87. Que na época era o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nacional de Emprego e Trabalho Decente (PNETD), em 2009, sendo coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego cabendo a OIT a função de assessoria técnica. O interessante é percebermos que o conceito “trabalho decente” de certa forma ganha vida própria e passa a compor o plano ideário de outras instituições de interesse do mundo do trabalho. Melhor dizendo, um conceito que inicialmente foi promovido pela OIT, mas que paulatinamente vem se tornando um importante item de reflexão para outras instituições, no caso brasileiro. Pensamos que do ponto de vista sociológico seja importante compreendermos esse processo, a partir de uma reconstituição da própria história do conceito, tanto em nível internacional, quanto as suas feições apresentadas aqui no Brasil. Essa temática será desenvolvida em momento posterior de nosso trabalho como um todo. Por ora, já podemos afirmar que esse conceito tem funcionado como uma ideiachave, um ponto de encontro de vários princípios que norteiam as políticas públicas de interesse do mundo do trabalho. Em seu texto “Sociologie critique et sociologie de la critique” (1990) Boltanski, ao apresentar de uma forma geral os instrumentos de sua análise sociológica, comenta que é importante percebermos a capacidade crítica dos atores sociais, pois os mesmos são inseridos constantemente em situações de disputa. Nesse sentido, as formações discursivas, os termos utilizados pelos atores são de extrema importância para a análise sociológica. A partir desses termos os atores têm condição de argumentarem e de justificarem as suas ações. Sendo assim as práticas sociais não estariam condicionadas a elementos estritamente de ordem econômica, por exemplo, mas tais relações passariam por um viés de justificação por meio de elementos argumentativos. Sendo assim, pensamos que tal abordagem teórica nos ajuda a refletir sobre o nosso objeto de estudo, pois a grande disputa em questão é estabelecer os critérios para se considerar um trabalho decente ou não. Sendo assim, os argumentos utilizados pelos autores são de extrema importância para a nossa análise. Por esse conceito invadir outras esferas, para além da própria OIT, ele passa a adquirir novos contornos e a depender dos significados que as instituições lhes atribuem, diferentes direcionamentos são forjados no sentido de formulação de uma agenda pública. No documento da OIT intitulado “Perfil do trabalho decente no Brasil” (2012), que contém uma série de indicadores, várias informações são apresentadas acerca do que pode ser considerado o trabalho decente. Esse conceito guarda-chuva, para essa instituição, abriga dez elementos constitutivos. São eles:

·

Oportunidades de emprego

·

Rendimentos adequados e trabalho produtivo

·

Jornada de trabalho decente

·

Combinação entre trabalho, vida pessoal e vida familiar

·

Trabalho a ser abolido

·

Estabilidade e segurança do trabalho

·

Igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego

·

Ambiente de trabalho seguro

·

Seguridade social

·

Diálogo social e representação de trabalhadores e empregadores

Vemos, portanto, que a OIT não fornece uma definição fechada, uma minuciosa descrição do que deva ser considerado como o trabalho decente. Ele é entendido num sentido mais amplo de modo a integrar várias dimensões fundamentais para a esfera do trabalho. Há toda uma preocupação em não o limitar e pelo contrário, expandir a sua área de influência. A primeira iniciativa brasileira de promoção do trabalho decente ocorreu em 2006 com o lançamento da Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD), que definiu três prioridades a serem disseminadas: a geração de mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades de tratamento; a erradicação do trabalho escravo e eliminação do trabalho infantil, em especial em suas piores formas; e o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática 8. O Brasil também possui experiências pioneiras no mundo através da construção de agendas sub-nacionais de trabalho decente. É o caso das agendas do Estado do Mato Grosso, da Agenda Regional do ABC paulista, da Agenda da Bahia e de Curitiba. Por conta desse ineditismo o Brasil tem se colocado numa posição de vanguarda por inovar os termos da discussão em torno da temática trabalho decente. Ampliando e intensificando a sua área de atuação a OIT lançou em 2011 a Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (ANTDJ). Aqui as preocupações específicas se relacionam à temática dos jovens e num momento posterior iremos analisar documentos que indicam os problemas por eles enfrentados.

8

Ver:

Outro projeto que a OIT tem desenvolvido, no período de 2008 a 2013, se intitula “Monitorando e avaliando o progresso do trabalho decente” (MAP), que conta com o financiamento da União Europeia e desenvolve-se em articulação com organismos governamentais (incluindo o Ministério do Trabalho, organizações sindicais, de empregadores e instituições de pesquisa como o IBGE e o DIEESE). O MAP tem como objetivo a criação de indicadores para que os países possam monitorar e avaliar o seu progresso em relação ao trabalho decente. Esse é um projeto piloto que se encerrará em 2013 e a OIT-Brasil ainda não divulgou os resultados desse trabalho. Ele contou com a participação de dez países, e na América Latina somente o Brasil e o Peru foram voluntários desse projeto. Entretanto, a mais significativa de todas as iniciativas foi a realização da I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente em agosto de 2012. A Conferência foi precedida por vários espaços de discussão, sempre com a perspectiva tripartite, ampliando os canais de veiculação do conceito: foram 273 conferências preparatórias, 26 estaduais, 104 regionais, 5 microrregionais e 138 municipais. Segundo a diretora da OIT, Laís Abramo, “nunca houve um processo tão amplo com a participação de aproximadamente 25 mil pessoas. Eu diria que isso foi um ganho enorme, no sentido de ampliar os espaços de diálogo social e inserir essa discussão no país” 9. Muito embora esta iniciativa represente todo um esforço da OIT por promover o diálogo social, o seu desfecho não foi muito exitoso, pois durante a reunião plenária final, cujo objetivo era analisar as propostas apresentadas pelos representantes do governo, dos empregadores, dos trabalhadores e da sociedade civil nos 12 grupos de trabalho, ocorreu a retirada da delegação dos empregadores, tendo que ser suspensa a plenária. 10 Percebemos, portanto, que durante a primeira década do século XXI a OIT dinamiza o seu trabalho no Brasil principalmente por conta da difusão do conceito trabalho decente. Além da Agenda Nacional de promoção do trabalho decente outras modalidades foram criadas como as agendas sub-nacionais, uma agenda específica para a juventude, e o projeto de criação de indicadores para o trabalho decente. A OIT procura manter a legitimidade do processo através do sistema de representação tripartite, muito embora não consiga, de fato, eliminar os momentos de tensão e de conflito.

9

Disponível em: Disponível em:

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3 – Trabalho Decente e Juventude Como consequência de todos esses espaços de discussão criados em torno da temática do trabalho decente, principalmente nos anos 2000, farto material documental foi criado e disponibilizado para a difusão de ideias em torno do tema. Nessa parte do trabalho iremos apresentar, especificamente, os argumentos da OIT, do Ministério do Trabalho e dos sindicatos, em relação à juventude dando um panorama da pauta de reivindicação para esse segmento da população do Brasil. Segundo a Diretora Laís Abramo, o mercado de trabalho possui uma forte presença dos jovens, entre 18 e 24 anos, não só no Brasil, mas também em outros países da América Latina: 61% na Argentina, 75% no Brasil, 48% no Chile, 70% no Paraguai e 69% no Uruguai11. Inicialmente, cabe aqui o esclarecimento acerca da faixa etária a ser considerada juvenil em nosso país. Segundo o Estatuto da Juventude, instituído recentemente em 05 de agosto de 2013, considera-se jovens as pessoas entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. Percebemos uma longa demarcação desse limite. Os critérios estabelecidos sobre a faixa etária são de extrema importância, pois a formulação de agendas públicas está intrinsecamente pautada nesse dado. Um interessante documento que nos fornece informações sobre a visão dos trabalhadores (por intermédio de seus representantes sindicais) é o texto de subsídio da I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (2011) 12, que foi confeccionado a partir da representação tripartite, e dentre estes, as mais significativas centrais sindicais do país. Este documento apresenta uma pauta extensa com uma gama variada de temas que vão desde a geração de empregos, o combate à informalidade e à terceirização, à redução da carga horária para 40 horas semanais sem prejuízo ao salário. Todos os temas abordados poderiam ser direcionados também à clientela jovem, exceto o item que especificamente comenta sobre a igualdade de tratamento a ser considerada, especialmente para jovens, mulheres e população negra. Já no documento “Trabalho Decente: o que está em jogo” (2011), lançado pela CUT com suas propostas a serem defendidas nas conferências preparatórias, o conceito trabalho decente é apresentado em oposição ao conceito precarização, principalmente aos 11

Ver: Ver: 12

instrumentos de proteção social. Nesse sentido, ela apresenta duas bandeiras: o combate à precarização com o resgate do seu valor social e a democratização das relações trabalhistas. Em relação à juventude esta pode ser percebida de forma subliminar em todas as propostas, mas se evidencia na reivindicação da aplicação da convenção n.111 que trata do combate à discriminação no emprego. Em relação à visão do ministério do trabalho e emprego sobre o trabalho decente juvenil, encontramos importantes informações no documento “Agenda Nacional de Trabalho Decente para a juventude no Brasil”

13

, de 2010. Este texto é a mais significativa

reflexão produzida sobre o trabalho decente e juventude no Brasil. Foi elaborado pelo Subcomitê de Trabalho Decente e Juventude 14, que é coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria Nacional de Juventude, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República. O documento foi elaborado também de forma conjunta com a OIT que teve a participação como apoio técnico. Logo de início o documento destaca a questão da faixa etária a ser considerada. Conforme estabelecido pela convenção n.138 da OIT, a idade mínima para a entrada no mercado de trabalho é de 16 anos

15

. Sendo assim, deve ser combatida e erradicada

qualquer inserção inferior à essa idade. Ao contrário dos textos da OIT que não trazem uma definição específica do que seja o trabalho decente, apenas apresentando linhas temáticas gerais, este texto traz uma definição própria desse conceito. Segundo ele: “O Trabalho Decente (TD) pode ser compreendido como uma condição fundamental para a superação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Em inúmeras publicações, o Trabalho Decente é definido como o trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna” (p.4).

Comenta também que as preocupações públicas com esse grupo é recente e tem levantado controvérsias sobre as ações prioritárias a serem desenvolvidas. A principal 13

Disponível em: 14 Criado por decreto presidencial, em junho de 2009, o Subcomitê é composto por integrantes do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e por representantes de outros órgãos, indicados pelo comitê executivo do colegiado. 15 Exceto nas situações de aprendizagem estabelecidas pela Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2.000) a partir dos 14 anos.

questão seria referente ao ingresso ou não no universo de trabalho que o jovem tem acesso e se isso poderia influenciar na qualidade do seu trabalho. Isso significa pensar em que momento a juventude deveria ser estimulada, ou não, para o ingresso nesse chamado mundo do trabalho, em quais condições e com qual jornada. Destaca também a questão das jovens mulheres de baixa renda que têm que conciliar o trabalho, os estudos e a vida familiar. Salienta que se torna central a instituição de políticas públicas e práticas que contribuam para a ampliação de chances dessa camada da população. Sendo assim, as desigualdades sociais marcam profundamente a entrada desse jovem no mercado de trabalho. Os de classe mais alta têm menores índices de desemprego e uma inserção mais protegida do mercado de trabalho. Outro problema crônico se refere à questão do desemprego juvenil, que sempre permanece mais alto em relação ao desemprego dos adultos e mesmo o crescimento econômico, afirma o documento:

“não resolve inteiramente o problema do desemprego entre os jovens, particularmente aqueles de mais baixa renda, de baixa escolaridade, as mulheres, os negros e os moradores de áreas urbanas metropolitanas, para os quais as taxas de desemprego são mais elevadas” (p.8).

A questão da educação, como o acesso ao ensino médio, embora, destaque o documento, não seja suficiente para garantir o acesso ao trabalho decente, ela é uma condição fundamental para aumentar as chances a um melhor trabalho. Outro aspecto levantado por este texto se refere às situações da juventude rural e dos jovens de comunidades tradicionais. Suas especificidades devem ser consideradas em uma Agenda de Trabalho Decente para a Juventude e as ações devem ser diferenciadas. Uma proposta apresentada neste documento se refere ao estímulo ao empreendedorismo para geração de trabalho e renda para jovens dos 18 aos 29 anos, desde que se tenha de fato, criação de linhas de crédito e de apoio à formalização do empreendimento associado à melhoria na qualidade dos postos de trabalho. E que sejam estimuladas não somente propostas individuais, mas também empreendimentos coletivos, como a promoção da economia solidária desenvolvida no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego. Outro ponto destacado como um ganho para os jovens foram as recentes mudanças pelas quais a fase do estágio passou com a Lei n. 11.788/2.008. Como apresenta o documento:

“Continua não caracterizando vínculo de emprego, mas delimitou-se uma série de direitos ao estagiário, tais como: um recesso de 30 dias após um ano de duração do estágio; garantias da legislação sobre saúde e segurança no trabalho, seguro contra acidentes pessoais; jornada de trabalho máxima de acordo com o nível de ensino que estiver cursando; redução da carga horária pela metade em semanas de prova; no caso de estágio nãoobrigatório, o estudante deve receber uma bolsa ou alguma outra forma de pagamento e auxílio transporte; e no caso de estágio obrigatório, a concessão desses benefícios é opcional” (p.18).

E, além de todo esse panorama, que apresenta as dificuldades enfrentadas pelos jovens do Brasil, o documento destaca a complexidade do desafio de criação de espaços de escuta dos próprios jovens e de diálogo entre estes e os diferentes setores da sociedade. O documento propõe, ao final de sua análise quatro prioridades para uma Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude: 1)

Mais e melhor educação;

2)

Conciliação de estudos;

3)

Inserção ativa e digna no mundo do trabalho;

4)

Diálogo Social: juventude, trabalho e educação.

Considerações Finais

Procuramos neste texto destacar a temática do trabalho decente dentro da perspectiva da Organização Internacional do Trabalho e a sua atuação no Brasil. Primeiramente fornecemos um panorama a respeito da sua importância no cenário internacional enquanto uma instituição capaz de fornecer instrumentos normativos por intermédio do sistema de ratificação das convenções entre os países-membros. A OIT ao longo de todo o século XX teve que, em determinados momentos críticos, reafirmar os seus ideais e os seus compromissos. Conseguiu um grande prestígio diplomático, em especial por sua composição tripartite, muito embora tal perspectiva em defesa do diálogo social não consiga eliminar a dimensão da tensão e do conflito. Com o processo de globalização e de redefinição do próprio Direito do Trabalho no mundo contemporâneo a OIT se vê novamente num período de grande reflexão e de redefinição do seu próprio papel. Nesse sentido lança importantes documentos como a “Declaração relativa aos princípios e direitos fundamentais do trabalho”, de 1998, e o “Pacto Mundial do Trabalho”, adotado em 2009, reafirmando os princípios de justiça social. Nesse contexto, em especial durante a década de 1990, é que emerge a proposta de um enfoque integrado, por meio de ideias-chaves que sejam capazes de articular questões

amplas em diferentes esferas institucionais. O exemplo mais significativo desse processo é o desenvolvimento do conceito trabalho decente que funciona como uma espécie de sintetizador de antigas e novas demandas para o mundo do trabalho possibilitando uma interlocução com outras instituições e segmentos sociais. No Brasil a temática do trabalho decente se desenvolveu na primeira década do século XXI atendendo à proposta de cooperação assinada entre o governo brasileiro e a OIT no ano de 2003, em Genebra. A partir de então, uma série de instâncias foram geradas de modo a desenvolver essa temática. Fóruns de discussão, grupos de trabalho, Agendas Nacionais e Sub-nacionais, Projetos de criação de indicadores, são exemplos do dinamismo que a temática tem alcançado em nosso país. O interessante é perceber o processo de irradiação e ramificação desse conceito: uma ideia-chave criada no âmbito da OIT, mas que se enraíza e paulatinamente passa a ser uma “bandeira de luta” de outras instituições. Dentre todas as iniciativas efetivadas a instauração de uma agenda específica para a juventude demonstra a gravidade das dificuldades enfrentadas por esse segmento social. Componentes importantes para o mercado de trabalho, os jovens entre 15 e 29 anos se constituem como uma categoria merecedora de uma atenção específica pela OIT e pelo poder público. A criação da agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (ANTDJ) marca a culminância desse processo. Em nossa análise documental, em relação aos sindicatos, o conceito trabalho decente é visto em oposição à ideia de precarização do trabalho. Em torno do conceito trabalho decente antigas revindicações são articuladas como: o combate ao desemprego, a ampliação dos postos de trabalho e a crítica à terceirização. Os jovens são considerados como categorias sociais a serem protegidas, bem como as mulheres e a população negra. Na visão do Ministério do Trabalho e da OIT, evidencia-se a preocupação com o cumprimento dos critérios estabelecidos para a idade mínima de inserção no trabalho bem como a questão do desemprego juvenil, que tem mantido índices elevados, mesmo em momentos de progresso econômico. A análise sobre a composição do mercado de trabalho sob a ótica das desigualdades sociais também teve grande destaque para essas instituições. A intenção é que tal reflexão ajude a criar mecanismos para que sejam minimizadas tais distorções de modo a se ampliar as chances dos grupos menos favorecidos. Sendo assim destaca algumas questões fundamentais como a conciliação entre o trabalho e o estudo, a

geração de postos de trabalho, a melhoria na educação, e a melhoria dos canais de discussão e inserção do jovem no debate político. Estamos cientes que o trabalho aqui apresentado necessita de maiores investigações, entretanto, esperamos que ele possa vir a contribuir estimulando os estudos em torno da temática proposta.

Referências Bibliográficas

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O DIREITO À MORADIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SEU RECONHECIMENTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Maria Solara Pontes Mota1 Rosângela Maria de Azevedo Gomes2 RESUMO A questão habitacional é assunto que merece fundamental atenção no âmbito do Estado brasileiro, visto que um considerável número de pessoas, atualmente, vivem moradias de risco em assentamentos urbanos irregulares, compondo um quadro de profunda vulnerabilidade social. Frente essa realidade, que se repete em inúmeras cidades pelo mundo, acordos e diretrizes internacionais, tal como a Agenda Habitat I e II, vem fortalecendo promovendo a defesa da moradia urbana adequada como elemento constitutivo de cidades mais democráticas e humanas. Em consonância a esse entendimento, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, caput, consagra a moradia como um direito social, delimitando também o direito à cidade nos art. 182 e 183 da CF/88 a proteção e promoção desse direito, reafirmado com o advento da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Tendo em vista tal modificação de entendimento acerca do direito à moradia urbana adequada e do direito à cidade sustentável, esta análise visa centrar-se na construção do conceito de moradia como um direito humano fundamental no sistema jurídico brasileiro, bem como analisar a relação intrínseca que se estabelece entre o tema moradia, o tema propriedade urbana e direito à cidade. Palavras-Chave: Direito à Moradia – Direito à Cidade – Direitos Humanos Abstract MOTA, Maria S. P; GOMES, Rosângela M. de A. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fevereiro de 2016. The Right to housing in Brazilian law and its recognition as a fundamental right. The housing issue is a subject that deserves critical attention in the Brazilian state, since a considerable number of people currently living in villas risk of irregular urban settlements, making a framework of deep social vulnerability. Front this reality, which is repeated in numerous cities around the world, international agreements and guidelines, such as the Habitat Agenda I and II, has been strengthening promoting the defense of adequate urban housing as a constitutive element of more democratic and humane cities. In line with this understanding, the 1988 Federal Constitution, in Article 6, heading, enshrines housing as a social right, also delimiting the right to the city in art. 182 and 183 of CF / 88 to protect and promote this right, reaffirmed with the enactment of Law 10.257 / 2001 (Statute of the City). In view of such a change of understanding of the right to adequate urban housing and the right to sustainable city, this analysis seeks to focus on the housing concept of the building as a fundamental human right in the Brazilian legal system and to analyze the intrinsic relationship is established between the subject house, the theme urban property and right to the city.

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Mestranda do Programa de Pós Graduação Strictu Sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na linha de Direito da Cidade; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Endereço eletrônico: [email protected]; Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K445968U1 2 Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Professora Associada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Endereço eletrônico: [email protected]; Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.doc?id=K4772230H9

Keywords: Housing Rights - Right to the City – Human Rights

1. Introdução O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da evolução da proteção e promoção do direito à moradia adequada na realidade urbana brasileira, analisando o entendimento normativo deste direito no ordenamento nacional, principalmente após a promulgação da Carta Constitucional de 1988. Tal análise se faz pertinente na medida em que o espaço do espaço urbano, principalmente quando observadas as grandes cidades brasileiras, vem sendo ampliado, exigindo maior atenção no que tange a políticas públicas referentes ao atendimento ao direito básico à moradia adequada às populações residentes. O processo de urbanização brasileira acelerou-se, principalmente após os anos de 1970, momento em que a maior parte da população brasileira já vive em cidades (IBGE), processo chamado de inchaço urbano. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que trazem que a taxa de urbanização no Brasil, no ano de 2010, consistia em cerca de 84% (oitenta e quatro por cento) da população residente em cidades; tal percentual contrasta com o de 31% (trinta e um por cento) de residentes no ano de 1940. Nesse contexto, o déficit residencial se torna evidente, apresentando-se como pauta essencial na conjuntura urbana o acesso à moradia digna, visto que a situação econômico-social da maior parcela população urbana, somada à realidade de dificuldade de acesso ao solo urbano para fins de moradia, contribuiu para a formação de favelas, cortiços e moradias coletivas, impondo a inúmeras famílias uma situação de habitação causadora de risco tanto à saúde quanto ao bem estar. O direito à moradia é inalienável, essencial na execução de todo o conjunto de garantias constitucionais que torna possível o cumprimento do direito humano à vida. Nesse diapasão, o direito à cidade sustentável, como bem delimita o art. 2º, I do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), é entendido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. A incorporação da função social das cidades como preceito que deve balizar a política de desenvolvimento urbano, à luz do desenvolvimento sustentável, aponta para a possibilidade de superarmos

o marco da crítica e da denúncia do quadro de desigualdade social, e passarmos para a construção de uma nova ética urbana, em que os valores ambientais e culturais se sobreponham no estabelecimento de novas cláusulas dos contratos sociais originários de novos paradigmas da gestão pública, mediante práticas de cidadania que reconheçam e incorporem os setores da sociedade excluídos de seus direitos e necessidades básicas (BRASIL, 2005, 45-46). Tendo em vista a relação intrínseca que se estabelece entre o tema moradia e o evolução urbana, este artigo terá como foco entender, primordialmente, a conjuntura urbana no que tange ao tema moradia; posteriormente, será detalhado o que são os direitos humanos e suas dimensões; em seguida, serão analisados os marcos internacionais, tais como a Carta de Atenas, Agenda Habitat I e II (ANTONUCCI; ALVIM, et. al, 2010), que influenciaram a formação do entendimento atual de proteção e promoção do direito à moradia adequada; por fim serão apresentados os marcos legais brasileiros no que concerne ao direito moradia adequada relacionando tal direito à questão urbana, compondo um quadro que demonstre a relação entre o acesso à moradia digna como uma luta essencial para a formação de uma sociedade democrática e mais humana. Objetiva-se, desta forma, defender a moradia como direito humano basilar para a concretização de outras dimensões de direitos, tais como a vida, saúde e educação, como bem traz MELO, ao afirmar que “deve ser reconhecido pela sociedade e pelo Poder Público efetivamente como um direito que está diretamente ligado ao direito à vida” (2010, p. 38). Foi utilizada a revisão bibliográfica, bem como documental, a fim de construir a pesquisa, passando por um estudo dos tratados, acordos e diretrizes internacionais que influenciaram tal construção. Os principais acordos e diretrizes internacionais que servem de norte para o artigo são a Agenda Habitat I e II e a Carta de Atenas, que vem fortalecendo promovendo a defesa da moradia urbana adequada na construção de cidades mais democráticas e humanas. No âmbito legal brasileiro, a revisão legislativa traz como principais marcos a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, caput, que consagra a moradia como um direito social, e em seus artigos 182 e 183, integrantes do capítulo sobre Política Urbana; a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade); e, por fim, o Código Civil (L.

10.406/2002) também vem servindo de marco teórico nessa evolução normativa dos processos de promoção e proteção do direito humano à moradia adequada. Dados de órgãos governamentais, tal como o IBGE, também orientam o estudo, lançando luz sobre a dimensão do problema do acesso à moradia urbana no Brasil e a necessidade de promoção de uma política pública efetiva que garanta tal direito fundamental.

2. A ocupação urbana brasileira e o direito à moradia digna Os temas moradia, urbanização e acesso popular à terra urbana se entrelaçam, estudá-los de forma integrada constitui um meio de entender sistemicamente os liames que interligam os três assuntos, bem como trazer uma perspectiva histórica que auxilie a entender como o direito à moradia digna tornou-se pauta essencial no debate sobre a cidade sustentável.

2.1. A ocupação e desenvolvimento do espaço urbano brasileiro Em um período de aproximadamente 40 anos, o Brasil abandonou uma realidade demográfica rural e passou a se constituir como um país de maioria populacional urbana. O processo de urbanização brasileiro, principalmente, em grandes polos – Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Fortaleza, Salvador e Recife–, apresentou problemas semelhantes entre si, tais como dificuldade de: acesso à moradia digna, saneamento básico, poluição, falta de água. Desta forma, observa-se que, embora as cidades tenham crescido e atraído grande contingente humano, esse desenvolvimento não foi acompanhado pela promoção da infraestrutura fundamental para atender às necessidades básicas das pessoas que passaram a compor o ambiente urbano, dentre as quais o direito de morar adequada e dignamente. Os assentamentos urbanos informais, construídos de forma desordenada, em áreas densamente povoadas, com moradias precárias e sem a devida regularização fundiária se tornaram a opção habitacional para um grande contingente populacional, excluído do acesso à terra urbana. Pode-se afirmar, assim, que o aumento tanto da

dimensão como do número de favelas coincidiu com o inchaço das cidades brasileiras, fenômeno ainda em curso. Vale ressaltar que a questão da moradia urbana não é recente. O capitalismo nasce e, concomitante, a habitação urbana surge como demanda da classe trabalhadora frente à realidade de produção e apreensão capitalista do espaço urbano. Ainda no século XIX, Friedrich Engels abordou a temática no livro “Sobre a questão da moradia”, apontando a situação das cidades industriais europeias. Novamente trazendo o exemplo da cidade do Rio de Janeiro, o desenvolvimento infraestrutural se deu de forma a ampliar a segregação das classes populares, produzindo um espaço urbano viável para a promoção do capital imobiliário urbano. ABREU (1997, p. 63-66) descreve, em seu livro, as reformas urbanísticas implantadas na gestão Pereira Passos – no início do século XX –, apontando como um momento em que novas funções ao espaço urbano são delimitadas, marcada pela intervenção estatal no espaço urbano, “reorganizado agora sob novas bases econômicas e ideológicas, que não mais condiziam com a presença de pobres nas áreas mais valorizadas da cidade” (ABREU, 1997, p. 63). Em razão desse processo de demolição dos cortiços e, consequente, expulsão da classe trabalhadora da região central para os subúrbios e para áreas que não interessavam ao capital naquele momento, tais como terrenos de morros, onde se ergueram favelas. Caminhando para o período atual, a cidade do Rio de Janeiro ainda serve como exemplo contundente de como a intervenção do Estado ainda não veio a solucionar a questão da moradia urbana adequada, tendo, inclusive agravado em dado momento histórico. Segundo dados do IBGE (Censo 2010), a citada cidade conta com 1.393.314 pessoas residindo em 763 favelas, o que corresponde a pouco mais que de 22% dos 6.323.037 moradores. Em comparação, o Censo 2000 do IBGE trazia o número de 1.092.283 moradores de favelas no Rio de Janeiro, correspondendo a 18,65% dos habitantes3. 3. Os Direitos Humanos Fundamentais relativos ao direito à moradia: formulação e garantia

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O Globo. O Rio é a cidade com maior população em favelas do Brasil. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/rio-a-cidade-com-maior-populacao-em-favelas-do-brasil3489272#ixzz3pLPpr6Q8 Acesso em 21.10.2015

Ao longo da história moderna, uma nova ordem social se instaurou nas sociedades ocidentais, a partir, prioritariamente, das revoluções burguesas, inicialmente, passando pelas lutas do proletariado, libertação das colônias africanas e crises ambientais, entre outras. Todos esses processos históricos, que ainda seguem em curso, influenciaram a forma como as sociedades ocidentais atuais compreendem o pacto social com seus governos, bem como as funções a serem atribuídas ao Estado. Muito embora, alguns direitos inerentes à pessoa humana remontem sua origem a sociedades antigas, a exemplo das determinações do Código de Hamburabi, será utilizado, por fins metodológicos específicos deste artigo, o marco teórico das revoluções burguesas do século XVIII e as limitações ao poder dos governantes advindas do iluminismo como esse passo inicial que origina o processo moderno de luta por garantias e direitos. A Revolução Francesa, de 1789, influenciou o Constitucionalismo atual por meio da elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que proclamava princípios de cunho liberal, dentre os quais a liberdade, a igualdade, a legalidade e a propriedade como garantias individuais e invioláveis, instaurando as bases de formação das democracias burguesas. Interessante perceber o caráter de universalização contido na declaração acima citada, visto que não restringe seu conteúdo aos direitos do povo francês, propondo-se, pois, universal, característica que vem acompanhando a tendência da concepção de direitos humanos no âmbito internacional. A partir desse processo, diversos Estados, adequando-se à nova tendência, em contraposição aos governos absolutistas, formulam Cartas Constitucionais, referendando no campo interno as diretrizes de direitos humanos que circulavam na Europa por meio dos ideais iluministas. Com a positivação das garantias e direitos, fortalecendo a sua efetividade, eles passam a receber a nomenclatura de direitos fundamentais. A questão técnica que se apresentava na evolução das declarações de direitos foi a de assegurar sua efetividade através de um conjunto de meios e recursos jurídicos, que genericamente passam a chamar-se garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Tal exigência técnica, no entanto, determinou que o reconhecimento desses direitos se

fizesse segundo formulação jurídica mais caracterizadamente positiva, mediante sua inscrição no texto das constituições, visto que as declarações de direitos careciam de força e de mecanismos jurídicos que lhe imprimissem eficácia bastante. (SILVA, 2010, p. 166167) No que tange ao Brasil, desde 1964, o país vinha imerso em uma ditadura civilmilitar, que se findou, lenta e gradualmente, em 1985. Naquele período histórico, desenvolveu-se um modelo autoritário de governo, marcado pela opressão social e a negação, até que mesmo, de direitos civis, principalmente após o Ato Institucional nº 5. Com a redemocratização, na década de 1980, alguns debates em torno de garantias de direitos humanos ganham força. Os movimentos sociais de oposição à ditadura vinham pautando intensamente a defesa de garantia de direitos individuais, sociais, políticos e coletivos, bem como a inserção do Brasil no sistema internacional de direitos humanos, com o respeito aos Tratados de Direitos Humanos. Internacionalmente, o fortalecimento de ações em defesa da pessoa humana vinha se dando, principalmente, tanto que após o fim da Segunda Guerra Mundial e quanto após a formulação da Declaração Universal dos Direitos dos Homens, em 1948. Nesse contexto, a Carta Constitucional Brasileira de 1988 é formulada, num processo democrático, por uma Assembleia Nacional Constituinte democraticamente eleita. Na Carta Magna, com a nomenclatura de Direitos Fundamentais, os direitos da pessoa humana ganham projeção, passando a serem positivados na CF/88. Dentre as inovações, assume destaque a situação topográfica dos direitos fundamentais, positivados no início da Constituição, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, o que, além de traduzir maior rigor lógico, na medida em que os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda ordem constitucional e jurídica, também vai ao encontro da melhor tradição do constitucionalismo na esfera dos direitos fundamentais. Além disso, a própria utilização da terminologia “direitos e garantias fundamentais” constitui novidade, já que nas constituições anteriores costumava utilizar-se a denominação “direitos e garantias individuais”, dede muito superada e manifestadamente anacrônica, além de desafinada em relação à evolução recente no âmbito do direito constitucional e internacional. A

acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais ressalta, por sua vez, de forma incontestável a sua condição de autênticos direitos fundamentais, já que nas Cartas anteriores os direitos sociais se encontravam positivados no capítulo da ordem econômica e social, sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido o caráter meramente programático. (SARLET, 2011, p. 66) Para além dos direitos citados por SARTET, SILVA (2010, p. 184) traz uma classificação na qual os direitos fundamentais são divididos em seis categorias, sendo elas: direitos individuais (art. 5º), direitos à nacionalidade (art. 12), direitos políticos (arts. 14 a 17), direitos sociais (art. 6º e 193 e ss.), direitos coletivos (art. 5º) e direitos solidários (art. 3º e 225). Acerca da Carta de 1988, PIOVESAN traz ainda que “considerando que toda Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade da pessoa humana como valor essencial, que dá unidade de sentido”. (2012, p. 84). Desta forma, vê-se que a CF/88 traz, em seu art. 1º, I e II, os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, deixando evidente o valore, dentro do novo Estado Democrático que, outrora, se inaugurava, dos direitos humanos fundamentais e da justiça social para a realização das funções democráticas. Nesse contexto, o direito à moradia está contemplado no art. 6º da CF/88, acrescido pela Emenda Constitucional nº26, de 14 de fevereiro de 2000, sendo citado também no art. 23, IX da CF/88, no qual é estabelecido como matéria de competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições de habitação e de saneamento”. Posteriormente, o Estatuto da Cidade (L. 10.257/2001) veio agregar sentido a esse entendimento, ao tratar do conceito de direito à moradia adequada, representando um passo no processo histórico de emergência dos Direitos Humanos, no Brasil, bem como de radicalização do conceito de habitação digna. Devido à correlação que se estabelece tanto entre o direito à cidade quanto entre o direito à propriedade com o direito à moradia adequada, será detalhado em individualmente o conceito e processo de positivação e promoção desses daqueles, a fim

de possibilitar a compreensão mais acertada acerca da inter-relação deles e a compreensão dos fundamentos que os fazem necessários para a efetivação do direito humano de morar. 3.1. Direito à Cidade Com base na pequena introdução acima acerca da formação do espaço urbano, bem como dos problemas surgidos com o rápido adensamento nas grandes cidades, principalmente no que concerne à moradia, vê-se que segregação espacial, ou seja, a exclusão territorial urbana foi um processo comum na formação das grandes cidades brasileiras. Com a CF/88, o direito à cidade passa a ser contemplado, merecendo atenção, dada a sua relação com a efetivação de uma série de outros direitos fundamentais, principalmente com direito à moradia adequada. Esta importância temática se torna mais evidente, na atual conjuntura brasileira, frente ao fato de que a maior parte da população é residente urbana. Desta forma, segundo JÚNIOR: Direito à Cidade tem como elementos os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades em ter condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania e os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável. (2004, p. 240) O direito à cidade sustentável, como bem delimita o art. 2º, I do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), é entendido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Ainda segundo a visão de JÚNIOR: A incorporação da função social das cidades como preceito que deve balizar a política urbana à luz do desenvolvimento sustentável aponta para a construção de uma nova ética urbana, em que os valores da paz, da justiça social, da solidariedade, da cidadania, dos direitos humanos predominem no desempenho das atividades e funções da cidade, de modo que estas sejam destinadas à construção de uma cidade mais justa e humana.

Tal compreensão vem, em consonância, com as diretrizes delimitadas tanto pela Agenda Habitat, elaborada na Conferência sobre Assentamentos Humanos Sustentáveis em um Mundo Urbanizado, em Istambul (HABITAT II), quanto pelo Comentário Geral nº4 sobre o Direito à Moradia Adequada expedido pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (Organização das Nações Unidas). A Agenda Habitat contempla um plano de ação global para as duas décadas seguintes à conferência em que foi elaborada, em 1996, trazendo a moradia como um direito humano, devendo os Estados assegurar a sua promoção e proteção. Já o Comentário Geral nº4 especifica que uma moradia adequada consiste na: Segurança da posse: a moradia não é adequada se os seus ocupantes não têm um grau de segurança de posse que garanta a proteção legal contra despejos forçados, perseguição e outras ameaças. Disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestrutura: a moradia não é adequada, se os seus ocupantes não têm água potável, saneamento básico, energia para cozinhar, aquecimento, iluminação, armazenamento de alimentos ou coleta de lixo. Economicidade: a moradia não é adequada, se o seu custo ameaça ou compromete o exercício de outros direitos humanos dos ocupantes. Habitabilidade: a moradia não é adequada se não garantir a segurança física e estrutural proporcionando um espaço adequado, bem como proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, outras ameaças à saúde. Acessibilidade: a moradia não é adequada se as necessidades específicas dos grupos desfavorecidos e marginalizados não são levados em conta. Localização: a moradia não é adequada se for isolada de oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas, creches e outras instalações sociais ou, se localizados em áreas poluídas ou perigosas. Adequação cultural: a moradia não é adequada se não respeitar e levar em conta a expressão da identidade cultural. (GENERAL COMMENTE nº 4 apud SDH/PR, 2013, p. 10).

SUNDFELD, quando trata da evolução do direito urbanístico no Brasil,afirma que: O direito urbanístico é o reflexo, no mundo jurídico, dos desafios e problemas derivados da urbanização moderna (concentração populacional, escassez de espaço, poluição) e das idéias da ciência do urbanismo (como a de plano urbanístico, consagrada a partir da década de 30). Estes foram os fatores responsáveis pelo paulatino surgimento de soluções e mecanismos que, frente ao direito civil e ao direito administrativo da época, soaram impertinentes ou originais e que acabaram se aglutinando em tomo da expressão "direito urbanístico". Esse direito contrapôs-se ao direito civil clássico ao deslocar do âmbito puramente individual para o estatal as decisões básicas quanto ao destino das propriedades urbanas (princípio da Junção social da propriedade). Em conseqüência, ampliou o objeto do direito administrativo, para incorporar medidas positivas de intervenção na propriedade, deixando para trás as limitadas medidas de polícia, de conteúdo negativo. (2010, p.46)

Desta forma, vê-se a relação que se estabelece entre o direito à cidade e o direito à moradia adequada. A partir desse processo, torna-se mais fácil avançar devendo ser, agora, delimitado o campo de defesa e promoção jurídica do direito à moradia adequada. 3.2.A Propriedade Urbana e sua função social O direito de morar integra-se de forma plena com o direito fundamental à vida, contudo, quem mora necessita de uma terra, área na qual seja erguida a habitação. A propriedade encontra-se, pois, no centro do debate jurídico acerca do acesso à moradia digna, uma vez que, de forma geral, a propriedade urbana se torna, pelo seu custo, inacessível à população de baixa renda por meio do mercado formal de aquisição fundiária urbana, em geral os contratos de compra e venda. Assim surgem os assentamentos informais e periféricos, visando atender àqueles que necessitam morar, porém desprovidos dos meios de integrar o mercado formal de propriedade urbana. Utilizando a analogia entre o capital fundiário e o potencial energético em hidroelétricas, SOTO explica que os ativo necessitam de um sistema formal de propriedade para produzir mais-valia. A propriedade formal possibilita extrair o potencial econômico de uma terra, que pode ser transportada e controlada facilitando na troca e no aproveitamento dentro do mercado de compra e venda (SOTO, 2001, p. 59). O autor classifica ainda a propriedade como sendo a “(...) o domínio onde identificamos e

exploramos ativos, combinando e unindo a outros ativos. O sistema formal de propriedade é a central hidrelétrica. É onde nasce o capital” (2001, p. 60). A CF/88, em seu Capítulo I, cujo tema é os direitos e deveres individuais e coletivos, traz, em seu art. 5º, incisos XXII e XXIII, a defesa do direito de propriedade e condiciona, porém, tal direito ao cumprimento de sua função social, como vê-se a seguir: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)

Desta forma vê-se que, através da CF/88, o Estado brasileiro garante a todos o direito à propriedade, ou seja, o direito à titularidade e domínio sobre um bem, contudo também traz que tal direito não é ilimitado. Já o direito de propriedade, que não necessariamente remete à propriedade privada como concepção jurídica, mas assim o é em nosso país, define o formato da acessão que alguém exerce sobre o bem, trata dos direitos e deveres resultantes desse poder ter. Desta feita, parece acertado poder falar que por princípio, a propriedade que é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro como um direito fundamental, é também coisa dada a cumprir uma função, o que faz dela um bem submisso à instrumentalidade da ordem social, seja a mesma pública ou privada. (MELO, 2010, p. 47) Assim, com o advento da nova ordem constitucional brasileira, em 1988, o direito à propriedade foi elevado ao status de princípio e, concomitantemente, desbanca a antiga forma de tal instituto, marcada por uma visão individualista e privada, herdada do modelo unitário consagrado no Código de Napoleão e já difundido durante as revoluções burguesas do século XVIII. Vale ressaltar que o art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, legado da Revolução Francesa, traz a propriedade como um direito inviolável, noção que passa a ser referendada no art. 544 do posterior Código Civil Francês de 18044, intensamente influenciado pelo modelo civilista romano 5.

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NETO, Eugênio Facchini. Código Civil Francês: gênese e difusão de um modelo. Visto em: http://www1.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496956/000983388.pdf?sequence=1 Acesso em: 02.02.2016 5 GIL, Hernadez. El concepto Del Drecho Civil. Madrid: Revista Derecho Privado, 1943.

Frente a nova realidade de supremacia do interesse público e a predominância deste sobre o particular inaugurada com a nova ordem constitucional brasileira em 1988, a propriedade passa a cumprir uma função social, função esta que é para com a coletividade e não só para com o proprietário, numa relação complexa, como trata LOUREIRO (2003) em sua obra. Posteriormente, o Código Civil de 2002 (CC/2002), vem adequando o novo conceito de propriedade à nova ordem constitucional, trazendo que:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. o § 1 O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Como bem pode ser observado acima, o CC/2002 não apresenta uma definição do que é a propriedade, limitando-se a descrever as prerrogativas e faculdades garantidas pela norma legal ao proprietário. SOTO (2001, p. 62) afirma que tal como a energia, a propriedade não pode ser tocada, ela pode ser percebida pelos seus efeitos. MELO elucida que “descendem do direito de propriedade, o direito de usar, dispor, fruir e reivindicar, que também devem se submeter a um dever, o da utilidade que dê resultados sociais e econômicos, promovendo justiça social, nos termos definidos juridicamente” (2010, p.47). Assim, a propriedade não é um conceito jurídico simples, é uma relação jurídica complexa, dentro da qual não se inclui comente os poderes citados no CC/2002 – usar, gozar e dispor – do sujeito em relação à coisa, mas também deveres relativos a terceiros não proprietários e à coletividade, em consonância com a CF/88. Segundo LOUREIRO, são “valores emergente, que tem como universo de referência o sistema social” (2003, p. 44). A propriedade constitucional, assim, funda-se sobre direitos e deveres para a sua plena garantia e validade jurídica. Tem-se, então, que o descumprimento das obrigações, limites e ônus impostos ao proprietário, assim como o não atendimento da função social, pode importar

em sanções de duas espécies: o ressarcimento dos danos e a extinção ou restrição do próprio direito de propriedade. Por isso, mais conveniente tratar a propriedade como uma relação jurídica complexa, ativa e passiva, como um centro de interesses. (LOUREIRO, 2003, p. 51) Neste mesmo diapasão, SILVA traz que o “princípio da função social traduz um novo regime jurídico à propriedade, pois incide no próprio conteúdo deste direito como elemento que determina a aquisição, o gozo e utilização; logo, ela só é considerada legítima enquanto considerada propriedade função” (1999, 249). Assim, a função social vem quebrar a ideia privatista de propriedade como um direito absoluto. O seu limite é a função social a qual se destina. A função social da propriedade é um princípio constitucional que baliza o uso da coisa, definindo como deverá ser o formato de sua utilização, acompanhando racionalmente a concepção dada ao desenvolvimento das cidades, que inclui, especialmente, observar a função ambiental para a propriedade. (MELO, 2010, p. 50). Atualmente, previsões existentes tanto na Constituição Federal quanto no Estatuto da Cidade preveem a possibilidade da perda da propriedade imóvel pelo abandono, por meio desapropriação, como disposto no seu art. 182, § 4º, regulamentado pelo art. 8º do Estatuto da Cidade. Desta forma, vê-se que as limitações à propriedade imóvel se constituem uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro, minando a ideia tradicional de propriedade inviolável, visto que esta deve estar a serviço dos objetivos basilares da nova ordem constitucional, delimitados no artigo 3º da CF/88.

3.3. O Direito à Moradia no ordenamento jurídico brasileiro O direito à moradia, segundo MELO, “deve ser reconhecido pela sociedade e pelo Poder Público efetivamente como um direito que está diretamente ligado ao direito à vida” (2010, p. 38). Isto se deve ao fato de que, sem o atendimento ao direito à moradia adequada, resta prejudicado o acesso à saúde, que está intrinsecamente relacionado ao direito ao saneamento básico adequado, à alimentação e a um meio ambiente equilibrado. O Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz, em seu art. XXV que:

1- Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (Declaração Universal dos Diretos Humanos, 1998)

Desta forma, sendo os direitos humanos indivisíveis, interdependentes e interrelacionados (PIOVESAN, 2012, p. 90), para que o padrão de vida digno seja alcançado, o direito à habitação deve, necessariamente, ser atendido e respeitado. O art. 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil e, atualmente, consagrado no Dec. 591, de 6 de julho de 1992, estabelece que:

1.

Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. (grifo nosso)

A proteção e a promoção do direito à moradia adequada também se encontram contempladas na Agenda 21 (1992), na Declaração sobre Assentamentos Humanos (Vancouver, 1976), na Declaração sobre desenvolvimento (1986) e na agenda Habitat II, como já anteriormente citado (ANTONICCI, et. al, 2010, p. 30-74) . Tal sentido de proteção se deve ao fato de que, sem o acesso à moradia adequada, a execução do direito à vida digna e adequada se torna inviável, prejudicando a concretização do princípio maior de dignidade da pessoa humana, uma vez que os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes. Vê-se, pois, um encadeamento lógico entre o acesso aos direitos básicos da pessoa humana e o direito a uma cidade sustentável e à moradia digna, visto que, com a violação destes direitos, todo o restante do sistema de proteção e promoção dos direitos fundamentais se torna prejudicado. Assim, o direito à moradia é inalienável, essencial na execução de todo o conjunto de garantias constitucionais que torna possível o cumprimento do direito humano à vida digna.

Em 1933, a Carta de Atenas já consagrava a o direito à moradia como uma das funções sociais que a cidade deveria garantir a quem nela residisse, a fim de garantir o bem estar individual e coletivo. Dentro dessa compreensão, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, caput, incorpora a moradia como um direito social. Também, no art. 23, IX, a CF/88 define competência comum, cabendo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios promoverem programas de construção de moradias e de melhorias das condições de habitação. O art. 30 da Carta Magna também traz que compete aos Municípios promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, ou seja, cabe a este ente ordenar o território tornando-o mais democrático no que concerne ao acesso à terra urbana e à moradia adequada. Por fim, os art. 182 e 183 da CF/88, integrantes do capítulo sobre Política Urbana, determina que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Como já detalhado acima, uma das formas de atendimento à função social da cidade é, segundo o Estatuto da Cidade, a efetivação do direito à moradia adequada. O art. 182, §2º, nesse sentido traz que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, dispondo, o mesmo artigo constitucional, acerca das sanções aplicáveis a quem descumpre as normas urbanísticas concernentes ao uso e ocupação do solo urbano. Além disso, a Constituição Brasileira também reconhece o direito à moradia por meio do instituto da Usucapião Urbano (art. 184, CF/88), cuja finalidade é reconhecer tal direito àqueles que vivem em assentamentos, garantindo direito a regular permanência, ou seja, a segurança jurídica do imóvel ocupado. Tal instrumento de regularização fundiária garante, ao menos no campo jurídico, a segurança de moradia a famílias segregadas do processo capitalista de compra e venda fundiária. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) estabelece ainda a Usucapião Coletivo em seu art. 10, segundo o qual:

As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Tal instrumento vem possibilitar a regularização de áreas maiores que uma unidade habitacional, ou seja, ocupações urbanas informais, ampliando esse acesso à renda fundiária, muito embora seja um instituto ainda raramente utilizado no âmbito processual.

4. Conclusão Vê-se, pois, a modificação no entendimento acerca da amplitude e valor, no ordenamento jurídico brasileiro, do direito humano à moradia adequada, embora a realidade urbana siga marcada pela segregação socioespacial, resultando no quadro de inacessibilidade, para considerável número da população trabalhadora, ao direito básico e social de morar dignamente, bem como de usufruir das garantias basilares da ordem urbanística, que são moradia adequada, saneamento ambiental, infraestrutura urbana, transporte e serviços públicos, trabalho e lazer. Em meio a esse quadro, se faz necessária consciência frente aos desafios impostos, para além das políticas governamentais, trabalhando para a formação de sujeitos políticos coletivos atuantes na mobilização frente às contradições, tal como a existência de propriedades com fins meramente especulativos em cidades cada vez mais adensadas e com um contingente humano carente de acesso à terra necessária para viver dignamente.

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O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA E A GENTRIFICAÇÃO Ursula Bahiense1 Direitos Econômicos, Sociais e Culturais RESUMO O presente artigo pretende elucidar os propósitos do processo de gentrificação que vem sendo introduzido no âmbito das políticas urbanas implementadas pelos poderes públicos na cidade do Rio de Janeiro com intuito de transformá-la em uma “cidade competitiva”, apta a atrair um montante cada vez maior de capital e investimentos estrangeiros. Procuramos aprofundar o conceito de gentrificação e evidenciar o histórico dos conflitos gerados pela regularização urbana e seus reflexos sobre a cidadania urbana e o direito à moradia. Partindo de uma abordagem pluridisciplinar, pretende-se, assim, conjugar a dimensão do processo de gentrificação, presente tanto nas favelas quanto na cidade formal, à questão imobiliária assim como às políticas públicas de reestruturação urbanística e fundiária adotadas na cidade do Rio de Janeiro nos últimos anos. PALVRAS-CHAVE: gentrificação, cidadania urbana, direito à moradia.

“A cidade privada para poucos é a cidade da privação para a maioria.” (Boulos, 2014)

As cidades contemporâneas em todo o mundo atravessam hoje um momento de profundas transformações que atingem as suas camadas culturais, sociais, espaciais, simbólicas, econômicas, políticas. O processo de globalização e a dinâmica neoliberal têm direcionado especial interesse nas economias locais, ao longo das últimas décadas, como forma de explorar outras linhas de expansão do capitalismo financeiro. Nesse sentido, o fenômeno da gentrificação - caracterizado pelos processos de intervenção e requalificação dos centros urbanos e periurbanos associados ao êxodo dos segmentos mais desfavorecidos da nossa sociedade e à reapropriação classista dos mesmos espaços – vem atuando como principal eixo articulador das economias locais aos circuitos globais. As cidades, anteriormente concebidas como forma de manifestação de uma identidade sociocultural, assumem status de mera mercadoria, contrastando com a noção de uma sociedade urbana que consagra os ideais de justiça, democracia e sustentabilidade. A eleição do Rio de Janeiro para sediar os megaeventos esportivos da Copa do Mundo e das Olimpíadas serviram como justificativa para otimizar este processo de 1

Professora do Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida. Doutoranda do Programa de PósGraduação em Direito da mesma instituição.

gentrificação e suas respectivas políticas de intervenção nos espaços urbanos, que já estavam na agenda das políticas públicas e das grandes entidades financeiras nacionais e internacionais desde a década de 90. Mesmo constituindo um movimento global, a política de gentrificação promovida na cidade do Rio de Janeiro manifesta algumas particularidades um tanto cruéis em relação aos demais países, sobretudo no que diz respeito às violações ao direito fundamental à moradia e à cidadania urbana.

1.

Direito à moradia adequada e o cenário das condições habitacionais no Brasil.

O Direito à moradia adequada consagrou-se enquanto direito humano universal por intermédio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, assim como pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais. Foi necessário um lapso temporal significativo para que o Direito à moradia adequada lograsse status constutucional em nosso país, o que explica o cenário atual das condições habitacionais no Brasil. Tendo sido considerado como “expressão dos direitos sociais” 2 por efeito do artigo 23, IX, da Constituição Federal no entendimento de notáveis doutrinadores como José Afonso da Silva, o direito à moradia adequada passou a configurar o rol dos direitos fundamentais, somente após a Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000. Conforme previsão expressa no art. 6º de nossa Constituição: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição3.

Segundo o Comentário n. 4 do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais o conceito de moradia adequada abrange: a) Segurança da posse; b)

2

Segundo José Afonso da Silva, “o direito à moradia já era reconhecido como uma expressão dos direitos sociais por força do disposto no art. 23, IX, segundo o qual é da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios ‘promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 26ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2006, p. 314. 3 Constituição da República Federativa do Brasil.

Disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestrutura; c) Economicidade; d) Habitabilidade; e) Acessibilidade; f) Localização; g) Adequação cultural. 4 São elementos que constituem o direito à moradia as liberdades, as proteções e as garantias. Dentre outras prerrogativas, referem-se à proteção contra a remoção forçada, a destruição arbitrária e a demolição da própria casa; ao direito à privacidade e ao acesso igualitário e não discriminatório à moradia adequada; à participação, em níveis internacional e comunitário, na tomada de decisões referentes à moradia; à restituição da moradia, da terra e da propriedade. Enquanto direito fundamental, o direito à moradia está ligado ao direito à existência do homem. O direito à moradia adequada enseja, portanto, o direito à uma existência digna, em um ambiente capaz de resguardar a todo o ser humano a sua paz, a segurança e a sua dignidade humana. No dizer de Ingo Sarlet, sem um local para gozar de sua intimidade e privacidade, enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem-estar; certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, por vezes, não terá sequer assegurado o direito à própria existência física,e, portanto, o seu direito à vida5.

Por esta razão, tanto os organismos internacionais, como a ONU, assim como as políticas públicas implementadas no Brasil ao longo dos últimos anos tem dedicado uma maior atenção à efetivação do direito à moradia. No âmbito das políticas públicas empreendidas em nosso país, merece destaque o pacto para a costrução e consolidação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, celebrado em 2004 e concebido por iniciativa do Ministério das Cidades em parceria com a organização civil, em resposta a problematica do déficit habitacional no Brasil. Em consonância com os princípios constitucionais que consagram o direito à moradia assim como com o Estatudo da Cidade, que preconiza a função social da propriedade, as diretrizes apontadas pela Política Nacional de Habitação primam pela inclusão social - através da promoção e do oferecimento de condições favoráveis ao 4

UNITED NATIONS, 1991. em, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Direito à moradia adequada. – Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. p. 13. 5 SARLET, Ingo Wolfang. O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas alterações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Revista Brasileira de Direito Público, ano 1, n. 2, jul./set. 2003, p. 82.

acesso à moradia digna à todos, sobretudo às camadas mais vulneraveis de nossa população -, pela “gestão participativa e democrática” e pela unificação da política habitacional à política de desenvolvimento urbano. Constituem princípios da Política Nacional de Habitação: A)

Direito à moradia, reconhecido tanto pela nossa Constituição Federal de 1988

quanto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como um “direito humano, individual e coletivo”. É, portanto, a efetivação deste direito que deve nortear os planos e programas habitacionais assim como a sua implementação. B)

A inclusão social e o oferecimento de um “padrão mínimo de habitabilidade”,

possibilitando o acesso da população à serviços e equipamentos urbanos e sociais de qualidade. C)

A materialização da função social da propriedade através de medidas e

instrumentos de renovação urbanística e fundiária tendo em vista o combate à “retenção especulativa e garantir acesso a terra urbanizada” (grifos nossos). D)

O reconhecimento da importância do papel do Estado e sua intrínseca

responsabilidade na questão habitacional do País. Compete a ele o gerenciamento dos regramentos tanto dos urbanos quanto da especulação imobiliária, o oferencimento de moradias adequadas e a regulamentação dos assentamentos urbanos informais. E)

A co-participação de diferentes atores sociais.

F)

Desenvolvimento das políticas habitacionais em associação às políticas sociais

e ambientais6.

Em 2009, o governo federal anunciou o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), inspirado no primeiro programa habitacional que resultou na criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), na década de 60, e nas políticas habitacionais adotas no Chile e no México, com o escopo de reduzir o déficit habitacional do país, tendo sido direcionado, sobretudo, às camadas menos favorecidadas de nossa sociedade. Na realidade, o referido programa estava vinculado à uma política socioeconomica estrategicamente elaborada para atuar enquanto uma solução viável à redução dos impactos da crise internacional de 2008 associada ao fomento da oferta de emprego para a população de baixa renda. A pesquisadora Raquel Rolnik, em seu artigo “O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e segregação”, suscita a hipótese de que o PMCMV contribuiu para o 6

MINISTÉRIO DAS CIDADES. Política Nacional de Habitação. Brasília, 2004. p. 31.

aprofuntamento da segregação socioespacial nas cidades brasileiras ainda que a proposta tenha apresentado um caráter inovador ao conceder um montante significativo de subsídios no sentido de suprir a demanda habitacional dos segmentos de baixa renda assim como ampliar os financiamentos voltados à compra de imóveis das camadas de renda intermediária de nosso país. A universalização do direito à moradia digna e adequada restou negligenciada pelo governo federal. Em suas palavras, Embora tenha-se constatado que o PMCMV venha exercendo um papel ativo na reprodução da segregação em função da renda e na reafirmação da periferia como lugar dos pobres nas cidades brasileiras, identificaram-se mudanças importantes no que é essa periferia e no papel desempenhado pelas políticas públicas de habitação em sua expansão nos dias de hoje. A periferia das cidades estudadas passou por um processo de urbanização cumulativo, o que atenuou sua precariedade em comparação com contextos anteriores. Além disso, essas cidades têm hoje uma estrutura mais multipolar do que tinham há décadas, o que altera as condições de inserção urbana de áreas que, embora ainda sejam periféricas, não estão sujeitos ao mesmo nível de isolamento de um passado não muito distante. Diferentemente do que ocorria em experiências anteriores como a do BNH, os empreendimentos do PMCMV vêm sendo implantados em áreas periféricas, porém contíguas à malha urbana pré-existente, não exercendo a mesma pressão no sentido da abertura de novos focos de urbanização em áreas rurais. Embora o PMCMV reforce o padrão periférico da moradia dos segmentos de baixa renda, as desigualdades socioespaciais nas cidades de hoje e a expansão de suas periferias não são as mesmas das décadas de crescimento urbano explosivo da segunda metade do século XX7.

O referido artigo pretende examinar a inclusão dos conjuntos habitacionais no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida a partir de duas locações específicas: as aglomerações urbanas de São Paulo e Campinas. O estudo traz à tona a discussão advinda do protagonismo exercido pelas grandes empreiteiras na construção do cenário urbano, priorizando a maximização de lucros em detrimento da integração urbana favorecendo, assim, a reprodução de um padrão histórico de segregação socioespacial e reiterando o entendimento de que os segmentos mais vulneraveis de nossa sociedade devem habitar exclusivamente os espaços urbanos periféricos, desabastecidos de equipamentos, serviços e redes de infraestrutura básica. O PMMV contou com duas etapas de desenvolvimento distintas. Em sua primeira etapa, o empreendimento almejava construir um milhão de unidades habitacionais ao passo que a segunda etapa pretendeu duplicar a meta anterior. A

7

ROLNIK, Raquel. O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e segregação. Cad. Metrop., São Paulo, v. 17, n. 33, pp. 127-154, maio 2015http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2015-3306.

política habitacional do PMCMV propôs-se a atender a faixas de renda específicas cujas metas, instrumentos de contratação assim como os financiamentos variavam entre si: as famílas com renda mensal de até R$1.600,00 compunham a FAIXA 1; aquelas com renda mensal que variavam de R$1.600,00 a R$ 3.100,00 compunham a FAIXA 2; já a FAIXA 3 correspondia às famílias com rendas mensais de R$ 3.100,00 a R$ 5.000,00. Segundo Rolnik, a execução dos projetos voltados para as famílias que compòem a FAIXA 1 é de iniciativa dos governos locais. O Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) com o apoio do Orçamento Geral da União (OGU) é responsável pela maior parte dos custos da construção das unidades habitacionais do PMCMV. Aquelas famílias beneficiadas pelo programa podem efetuar o pagamento do financiamento no prazo de dez anos. No entanto, o referido valor corresponde apenas a uma ínfima parcela do “custo individual das unidades”, que é integralizada pelo FAR. As construtoras recebem o pagamento diretamente do Fundo de Arrendamento Residencial e ficam impedidas de comercializar as mencionadas unidades. Dentro deste mesmo segmento de renda mensal, compete ao Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) a promoção e o oferecimento de subsídios as organizaçoes representativas dos movimentos sociais em prol do acesso a moradia. São as próprias entidades que se responsabilizam pela efetivaçãovdo projeto e escolha das famílias beneficiadas. Os projetos voltados às faixas 2 e 3 correspondem ao conheido “mercado popular”. Nestes empreendimentos, as construtoras assumem tanto a produção das unidades habitacionais quanto a sua comercialização. O financiamento para a celebração dos contratos de compra e venda dos imóveis é feito pela Caixa Econômica Federal com recursos obtidos através do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Rolnik assevera que o PMCMV, longe de atuar enquanto um instrumento democrático e igualitário na ocupação do solo, consagrou-se como o principal agente potencializador das desigualdades socioespaciais bem como dos problemas sociais e urbanos. A produção do espaço urbano no solo brasileiro foi caracterizada pelo estiramento da malha urbana, pela presença de um modelo de ocupação territorial

monofuncional e pela ratificação da divisão classista da cidade. Tal padrão de urbanização segregacionista resulta da implentação de políticas públicas habitacionais segundo à lógica de mercado. Uma política habitacional da dimensão do PMCMV é capaz de promover a qualificação dos espaços urbanos degradados e das áreas precárias oferecendo um estoque efetivo de moradia adequada. No entanto, a experiência tem nos mostrado que a inserção do referido programa algumas regiões metropolitanas, como no caso de Campinas, contribuiu para o aumento da densidade populacional nos espaços periféricos, formando inúmeras zonas guetificadas, marcadas pela baixa qualidade das construções, pela carência de infraestrutura básica, de equipamentos e serviços urbanos assim como pelo agravamento dos índices de violência. Rolnik nos informa, ainda, que a política habitacional empreendida no Chile, cujos moldes inspiraram e referenciaram o PMCMV, demonstrou, também, que o recrudecimento do processo de periferização e de segregação socioespacial associado a uma vasta

produção de moradias inadequadas e sem um critérios mínimos de

urbanidadee habitabilidade fomentou a insatisfação tanto dos moradores quanto dos agentes financeiros, gerando outros problemas socias como o tráfico de drogas e a violência urbana. Observamos, desse modo , que não obstante a sua consagração enquanto direito fundamental pelo sistema jurídico global, o direito à moradia adequada é constantemente violado ou ameaçado em diversos países. De acordo com o Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas (ONU-Habitat), cerca de um bilhão de pessoas não possuem moradia adequada, milhões sobrevivem em assentamentos informais ou mesmo em favelas superlotadas, com baixa infraestrutura e desprovidas de saneamento básico e um sem número de indivíduos constantemente ameaçados ou removidos de suas casas, a exemplo do que ocorre com as famílias das classes sociais mais pobres da cidade do Rio de Janeiro que vem sendo deslocadas compulsoriamente de suas moradias para dar lugar a grandes empreendimentos imobiliários com o advento da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas de 2016.

1.1 Histórico das violações

As sucessivas transformações urbanas perpetradas pelas políticas públicas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro foram marcadas pelas remoções compulsórias das camadas socioeconomicamente vulneráveis de nossa sociedade, reforçando um modelo de urbanização que nos remete a um processo de reafirmação histórica do padrão centro-periferia imposto pelas políticas de intervenção urbana empreendidas pelos poderes públicos. Em sua obra “Do ‘Ponha-se na Rua’ ao ‘Sai do Morro Hoje’: das raízes históricas das remoções à construção da ‘cidade olímpica’” a jornalista Paula Paiva Paulo retoma a discussão entorno das desapropriações empreendidas no Rio de Janeiro desde a vinda da família real portuguesa para o Brasil. O “modus operandi” do poder público e a sua relação tanto com as camadas mais pobres da nossa população quanto ao privilégio concedido às estratégias mercadológicas do capital imobiliário são o foco principal de sua pesquisa. O discurso de que inexiste planejamento no processo das remoções dá lugar ao entendimento de que a opção do poder público em privilegiar a especulação imobiliária em detrimento ao direito à moradia se insere numa política urbana que preconiza o interesse do capital na organização espacial da cidade. A vinda da família real motivou a remoção compulsória de dez mil casas, que foram anteriormente “marcadas” com a sigla “PR” – “Príncipe Regente” -, informando que seus moradores deveriam deixar suas moradias para que a realeza pudesse se instalar. Não tardou para que a referida sigla recebesse a alcunha “Ponha-se na Rua”. O mesmo procedimento ainda é hoje utilizado pelos órgãos municipais que cuidam da organização e ocupação de nossa cidade. Os conjuntos habitacionais que são alvos do processo de remoção na cidade do Rio de Janeiro recebem o “selo” da Secretaria Municipal de Habitação – “SMH”, sigla da secretaria -, apelidado pela população de “Sai do Morro Hoje”. A pesquisa da jornalista traz à tona o tratamento deferido à população das áreas removidas assim como a violação dos direitos humanos das respectivas famílias desabrigadas. As remoções são empreendidas mediante o uso da violência das forças policiais, da ausência de transparência pública na divulgação das informações pertinentes ao projeto, do esvaziamento da participação popular no debate público e planejamento do espaço urbano, oferecimento de propostas insatisfatórias para as famílias.

O pesquisador Oswaldo Porto Rocha examina de forma perspicaz a intrínseca relação entre a evolução urbana no Rio de Janeiro, o desenvolvimento no sistema de transportes e a especulação do mercado imobiliário. Ressalta, inclusive, que a implementação dos bondes contribuiu para o surgimento de notáveis bairros cariocas, a exemplo de Vila Isabel. Sua pesquisa, intitulada “A Era das Demolições – a cidade do Rio de Janeiro 1870-1920” retrata as transformações políticas e culturais provocadas pela presença da Corte Portuguesa. A faceta sombria do processo histórico da modernização urbanística empreendida por Pereira Passos e as respectivas políticas públicas habitacionais são retratadas no contexto de seus reflexos sobre o cotidiano dos moradores das comunidades localizadas nos centros urbanos e periurbanos. Graças à estabilidade político-econômica promovida pelo governo Campos Sales, Rodrigues Alves, seu sucessor, pode dar início à implementação da reforma urbana orquestrada por Pereira Passos. Constam nos registros históricos que cerca de vinte mil moradores foram compulsoriamente desalojados, reforçando o agravamento das desigualdades sociais enraizadas no nosso passado colonial escravista. O historiador Mário Brum retrata o terceiro episódio de deslocamentos compulsórios em massa perpetrados no decorrer das décadas de 60 e 70, em seu consagrado livro a “Era das Remoções”. Calcula-se que cerca de duzentos mil habitantes das favelas da zona sul foram removidas e encaminhadas para a distante zona oeste, região até então carente de infraestrutura. Desse modo, bairros como Humaitá, Leblon, Botafogo e Lagoa tornaram-se alvo de um intenso processo de valorização e consequente especulação imobiliária com a extinção de cerca de sessenta e duas favelas, dentre as quais as famosas comunidades do “Esqueleto” e “Praia do Pinto”. Os megaeventos esportivos têm sido utilizados como justificativa para as maiores atrocidades e violações ao Direito à moradia adequada na cidade do Rio de Janeiro. As áreas de interesse do capital imobiliário vêm sendo palco de uma verdadeira “limpeza social”, favorecendo a implantação de empreendimentos de alto padão imobiliário. Resta claro que os processos de remoção e relocalização das classes mais pobres estão a serviço de uma conjutura política integrada à conveniência das grandes empreiteras. Os dados revelados pelo “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro” ”, produzido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas

do Rio de Janeiro, estimam que cerca de 4.772 famílias foram removidas compulsoriamente de suas residências e outras 4. 916 ainda estão sendo ameaçadas de remoção. Os números apresentados pelo dossie.. são extraoficiais. Os deslocamentos compulsórios foram e ainda estão sendo realizados para dar lugar às seguintes obras: construção das BRT’s Transcarioca, Transoeste e Transolímpica, ampliação do Aeroporto, de instalação de equipamentos esportivos em aéreas de suposto risco e interesse ambiental asssim como em regiões limítorfes a área portuária. Importa ressaltar que a maioria dos conjuntos habitacionais oferecidos pelo PMCMV para o atendimento das famílias removidas estão localizados nas periferias, carentes de infraestrutura para acolher este imenso contingente populacional e desabastecidas de equipamentos e serviços públicos de qualidade. Tais informações nos permite vislumbrar que a lógica intrínseca às intervenções urbanas se perfaz na reprodução de um padrão de segregação socioespacial historiacamente perpetrado pelos poders publicos desde a chagada da Família Real no Rio de Janerio até o presente momento. Lucas Faulhaber e Lena Azevedo oferecem-nos uma clara perspectiva dos projetos políticos habitacionais e dos processos de intervenção do solo, sobretudo na atual gestão municipal do prefeito Eduardo Paes. Intitulado “SMH2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico”, a recente pesquisa procura esmiuçar o papel exercido pelo Estado, associado aos demais agentes socioeconômicos, no processo de reestruturação urbana e valorização do território. Ao questionar a legitimidade das remoções e desapropriações, Faulhaber lança luz às iniciativas de urbanização e aos projetos políticos de intervenção territorial conectados ao processo de enobrecimento dos centros urbanos e periurbanos. Para Faulhaber,

a lógica espacial das políticas públicas habitacionais,

sobretudo o PMCMV, não tem por escopo a inclusão social a que se propõem. Pelo contrário, constituem um dos mais eficazes instrumentos de segregação socioespacial. De acordo com os dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH), mais de vinte mil famílias foram deslocadas de seu local de moradia. Assistimos, novamente, a um processo de reafirmação histórica do padrão centroperiferia imposto pelas políticas de intervenção urbana empreendidas pelos poderes públicos.

O referido trabalho nos dá a ver o impacto deste processo de reestruturação urbana na vida desses segmentos populacionais mais desfavorecidos, coagidos a ingressar num intenso processo de periferização ao se deslocarem para as áreas mais remotas distantes da cidade do Rio de Janeiro. O par centro-periferia, conceito utilizado para entender o processo de expansão da estrutura interna das metrópoles, caracteriza-se pela existência de um movimento de expulsão e atração envolvendo processos seletivos na definição do acesso ou permanência no núcleo. A periferização, o processo de segregação e diferenciação social e/ou geográfica, tem motivações econômicas, políticas e culturais. Por isso, a dinâmica de crescimento periférico é lida a partir de dois tipos de perspectivas analíticas: como projeção, ao nível do espaço, do processo de acumulação, e como modelo de representação da hierarquia social vigente na sociedade brasileira. De maneira geral, a intervenção seletiva do estado na alocação dos investimentos urbanos é tomada como mecanismo espacial do padrão periférico de crescimento, embora muitos analistas façam alusão à importância dos agentes do mercado fundiário e imobiliário e suas respectivas práticas8.

Faulhaber e Azevedo compreendem que estas intevernções promovidas pela prefeitura do Rio de Janeiro fazem parte de um projeto político, que coloca o processo de gentrificação na agenda das políticas habitacionais empreendidas na cidade. No artigo “Novos conflitos na cidade: a UPP e o processo de urbanização das favelas”, os professores Neiva Vieira e Marco Antonio Mello procuram examinar os reflexos do processo de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (chamadas UPP´s cariocas) associado regularização urbanística no cotidiano dos moradores da favela do morro Santa Marta. O trabalho propõe-se a vislumbrar a dimensão dos conflitos ocasionados pelos processos de regularização urbanística e fundiária e pela substituição paulatina de serviços informais, destacando o desdobramento desses acontecimentos entorno da concessão de um endereço na cidade. Diante da eleição da cidade para sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016 e considerando os altos índices de violência registrados no Rio de Janeiro, a pacificação foi considerada o único caminho possível para efetiar revitalização dos espaços públicos e áreas estratégicas.

8

FAULHABER, Lucas. SMH2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico. AZEVEDO, Lena & FAULHABER, Lucas. 1ed. Rio de Janeiro: Mórula 2015. pp. 17-18.

As UPP´s foram projetadas, desse modo, como “um novo modelo de segurança pública e de policiamento”9 formulado para a promoção do estreitamento das relações entre as comunidades e a polícia através do fortalecimento de políticas sociais voltadas para as favelas. O princípio da polícia comunitária (ou polícia de proximidade) atua enquato eixo articulador deste processo. Nas palavras de José Mariano Beltrame, secretário de Segurança, as Unidades de Polícia Pacificadora têm a “missão” de “recuperar territórios empobrecidos dominados há décadas por traficantes e pelas milícias armadas e levar paz às comunidades” 10. O processo de pacificação foi estruturado para atuar em conjunto com uma série de ações destinadas ao atendimento de necessidades básicas, como educação e saúde, sob a designação de UPP Social, cujo objetivo seria “promover o desenvolvimento social, incentivar o exercício da cidadania, derrubar fronteiras simbólicas e realizar a integração plena da cidade” 11. Pretende-se, pois, que a integração das comunidades à morfologia urbana e social da metrópole carioca tenha como horizonte a extensão da qualidade dos serviços oferecidos, assim como das regras de urbanidade, civilidade e sociabilidade praticadas na cidade como um todo a essas regiões e a seus modos de habitar, suplantando qualquer diferença entre a favela e a cidade formal, ou, como se costuma dizer, entre a favela o “asfalto”12.

Para os renomados professores, emprego do termo “pacificação” suscita ideia de “guerra ao crime”, que expõe a estratégia utilizada no combate ao tráfico assim como ao “modus operandi” da polícia nas comunidades e bairros pobres da periferia da cidade: Longe de oferecer uma resposta ao problema, o padrão de “sociabilidade violenta” (MACHADO DA SILVA, 2008) que era usado pela polícia acabou por produzir uma reação cada vez maior por parte dos grupos criminosos que se traduziu em uma espécie de corrida armamentista sui generis, tendo como resultado um clima que, generalizando, acabou por capturar a cidade como um todo13.

A pesquisa aponta para a necessidade de discutir o tratamento violento historicamente deferido às populações mais pobres, sobretudo os moradores das favelas e das regiões periféricas, o qual obviamente reforçou e justificou o clima de 9

CUNHA, Neiva Vieira da. & MELLO, Marco Antonio da silva. Novos conflitos na cidade: a UPP e o processo de urbanização na favela. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 4 – n.3 - JUL/AGO/SET 2011 - p. 372. 10 Idem. p, 373 11 Ibdem. 12 Idem. 13 Idem.

desconfiança e temor advindos da presença das forças policiais nessas áreas. Tentativas anteriores de contornar a belicosa relação entre estes atores sociais, tais como o Posto de Policiamento Comunitário e o Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais, contribuíram para reforçar este quadro. Cumpre ressaltar que a estigmatização da pobreza, pela veiculação da imagem das populações pobres com o banditismo social, não constitui de forma alguma um padrão de comportamento e ação exclusivo da polícia. A construção desses estereótipos é perpetuada por outras parcelas da nossa sociedade. A regularização urbanística tem por escopo o enquadramento das edificações nos moldes do sistema normativo que regula as propriedades urbanas pela imposição de uma série de medidas e atos jurídicos e administrativos como,por exemplo, os que determinam as limitações dos espaços públicos e privados através do PA- Projeto de Alinhamento. É através deste instrumento que a municipalidade determina as áreas e bens de uso comum como as ruas, praças públicas, áreas de cultura, esporte e lazer bem como os espaços privados. Uma vez que se trata de uma tarefa complexa, se levarmos em consideração o fato de que grande parte dos terrenos nas favelas dificilmente se ajusta, às normas urbanísticas, houve a necessidade de considerar esses espaços enquanto áreas de Especial Interesse Social, possibilitando a formalização de padrões específicos ao processo de regularização. Outra problemática enfrentada pelas populações residentes nas comunidades cariocas diz respeito ao alto custo de vida advindo do processo de regularização urbanística e fundiária, uma vez que a necessidade de adequação às normas de habitação acaba por elevar o custo e inviabilizar as edificações. Assim, as intervenções urbanas e os processos de revitalização urbanística e fundiária contribuem para a manutenção dos obstáculos impostos aos segmentos socioeconomicamente vulneráveis ao acesso ao solo urbano e à liberdade de escolha de um lugar para morar: as desigualdades com relação ao direito à cidade se mantêm, ao menos por enquanto, como marca definidora no que diz respeito aos modos de habitar. Uma tentativa de controle mais sistemático das estratégias informais de acesso a serviços urbanos, como vimos, e a necessidade do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaram sensivelmente o custo de vida da população que habita o Morro Dona Marta. Alguns estabelecimentos comerciais, por exemplo, fecharam as portas, por não conseguirem arcar com as taxas decorrentes do processo de regularização. Aliado a isso, observou-se uma valorização de até 200%32 no preço dos imóveis, tanto para aluguel quanto para compra e venda, após a ocupação da favela pela Polícia Pacificadora. Enfim, muito tem se falado de uma espécie de “expulsão

branca” nas favelas com UPP, ou seja, de uma gradativa saída de seus moradores devido ao aumento do custo de vida e à especulação imobiliária, favorecendo a ocupação dos antigos endereços por uma espécie de classe média emergente14.

A implementação das UPP’s associadas aos projetos de regularização e revitalização urbanísticas têm promovido um processo de enobrecimento capaz de banir tanto da cidade formal quanto das favelas as populações mais pobres que não conseguem acompanhar as transformações e o alto custo de vida advindos deste processo.

1.2 Restrições impostas pelo Direito Brasileiro ao acesso à moradia e o Direito de Laje.

Em seu livro “Controvérsias: entre o direito de moradia em favelas e o direito de propriedade imobiliária na cidade do Rio de Janeiro – O direito de laje em questão”, a professora Cláudia Franco examina as restrições impostas pelo Direito Brasileiro ao acesso à moradia das camadas socioeconomicamente vulneráveis. A partir de uma pesquisa empírica realizada na comunidade Rio das Pedras, Franco defende a tese de que a problemática do acesso à moradia das classes mais pobres se encontra enraizada num padrão tradicional e historicamente institucionalizado da ocupação clandestina dos espaços urbanos, resultante do impasse e da omissão dos poderes públicos no sentido de viabilizar e implementar políticas habitacionais aptas a garantir de forma plena e satisfatória o acesso e a efetivação do direito à moradia, previsto no artigo 6º da Carta Magna. Em suas palavras, a lógica predominante na concessão do direito de aquisição imobiliária obedece à diferenciação social entre classes e quebra o princípio da igualdade jurídica, sacrificando-o em favor de um modelo de hierarquização estamental, na qual os direitos são distribuídos desigualmente entre estamentos sociais distintos15.

Seu mais recente livro, fruto de sua tese de doutorado, relativiza o pensamento segundo o qual direito brasileiro é visto como guardião do princípio da igualdade e pacificador dos conflitos sociais emergentes. A pesquisa deflagra um sistema jurídico 14

Idem, p. 395. FRANCO, Cláudia. Controvérsias: Entre o “Direito de Moradia” em favelas e o Direito de Propriedade Imobiliária na cidade do Rio de Janeiro – O Direito de Lage em questão. Editora TopBooks. 2011 15

propagador das desigualdades sociais na medida em que a imposição de restrições à aquisição de moradia adequada e o não reconhecimento do direito à propriedade para a população pobre, sobretudo as pessoas que vivem nas favelas, reforçam a ideia de um direito criador e legitimador de fenômenos como a formação e presença de um mercado “paralelo, extraoficial e ajurídico”16 atuante nas transações imobiliárias das favelas. Destituídos das liberdades civis, dos direitos fundamentais que asseguram o acesso à propriedade privada de uma ou mais moradias, restam aos segmentos mais carentes de nossa sociedade a favela enquanto opção de moradia17.

Portanto, as favelas se apresentam enquanto soluções viáveis ao acesso à moradia e, inclusive, se tornam uma opção proveitosa ao Estado que se eximiu da sua responsabilidade em promover políticas públicas voltadas ao atendimento de tal necessidade básica. Franco ressalta que o mercado informal destes conglomerados urbanos procurou reproduzir os modelos contratuais e regramentos jurídicos do “asfalto”, possibilitando o surgimento de um direito local, conhecido como “direito de laje”, o qual se legitima através dos acordos realizados no seio dessas comunidades, ainda que não reste assegurada a titularidade oficial dessas moradias. O direito de laje emerge da necessidade de validar as transações imobiliárias que abrangem o espaço aéreo de um imóvel, mesmo que ele ainda não tenha sido construído. Consubstancia, portanto, normas e práticas socialmente aceitas que consolidaram os modos através dos quais os moradores das favelas institucionalizaram as questões relacionadas à autoconstrução e as transações imobiliárias a ela pertinentes: A falta de parâmetros claros para estabelecer um relacionamento social que seja resultado da conexão entre o real e o legal favorece a institucionalização de fato de práticas sociais reiteradas em conglomerados habitacionais favelizados no Rio de Janeiro. A falta desses parâmetros resulta não só em uma segregação socioespacial, mas confere um status reverso ao de não cidadão, uma omissão jurídica em não reconhecer legalmente as moradias dessas pessoas, impedindo também que se apropriem de outros direitos consectários18.

À espreita do nosso sistema jurídico oficial, estabeleceu-se um outro direito institucionalizado em Rio das Pedras que ratificou sua autonomia diante da omissão do 16

Idem. Ibdem. 18 Idem.

17

Estado. A comunidade “se encarrega de suas próprias necessidades, na contramão do imaginário social das camadas favorecidas em enxergá-la como um nicho de marginalidade e de desamparo ‘à espera de uma solução’” 19. O direito de laje possibilita, ainda, o resgate de uma cidadania solapada pelo descaso historicamente perpetrado pelos órgãos públicos e, acima de tudo, um espaço próprio capaz de lhes conferir um sentido de pertencimento. Compete à Associação dos Moradores no controle das transações locais, o exercício das funções análogas às do Estado, sobretudo, da sua função cartorial: Tal prática é de fundamental relevância na organização interna da favela no que diz respeito à aquisição imobiliária. Através de cada negociação realizada na associação é feito um cadastro do imóvel de morador. Assim sabe-se a história das aquisições do imóvel, promovendo a segurança de que se está comprando daquele que efetivamente consta como titular do bem. Na realidade, a construção do modelo cartorial dentro da favela trará uma forma de regulamentação do mercado existente20.

Franco assinala que nem todas as transações recorrem ao procedimento estabelecido pela Associação de Moradores. No entanto, é cediço que a segurança dos referidos arranjos imprescinde do respaldo da Associação.

2.

Gentrificação

As intervenções urbanas vêm assumindo um espaço de discussão, pesquisa e investigação cada vez maior tanto na academia quanto nos movimentos sociais. Os termos requalificação, revitalização, restruturação ou renovação passaram a ser analisados por pesquisadores dos mais diversos campos do conhecimento, no contexto das trasformações paisagísticas identificadas nos principais centros urbanos do país assim como em áreas de interesse estratégico. Entendida como um projeto político, a gentrificação constitui um conjunto de processos de enobrecimento e revitalização dos bairros centrais que remontam uma

19 20

Idem. Idem.

série de transformações materiais, simbólicas e sociais no cenário urbano. Nas palavras de Hamnet, A gentrificação é um fenômeno ao mesmo tempo físico, econômico, social e cultural. Ela implica não apenas uma mudança social, mas também uma mudança física do estoque de moradias na escala de bairros; enfim, uma mudança econômica sobre os mercados fundiário e imobiliário. É esta combinação de mudanças sociais, físicas e econômicas que distingue a gentrificação como um processo ou conjunto de processo específicos21.

O termo gentrificação foi concebido inicialmente pela socióloga britânica Ruth Glass, que observou a emergência deste fenômeno no processo de substituição da composição social dos centros urbanos londrinos, que passaram a ser (re) povoados pela classe média assalariada. Para Neil Smith, a gentrificação teve início com a renovação e requalificação dos bairros nova iorquinos Greenwich Village e Soho promovidos pela classe artística e intelectual, nos anos cinquenta e sessenta. Deste movimento de recomposição urbana surgiram dois outros processos distintos: num primeiro instante, foi absorvido e apropriado pela especulação do sistema imobiliário local para, posteriormente, difundirse enquanto um projeto de “reformulação econômica, social e política do espaço urbano” implantado nas mais diversas cidades do planeta por iniciativa da parceria público-privada. O desenvolvimento processo de gentrificação na cidade de Nova Iorque bem exemplifica a sua dinâmica intrínseca que, apesar de se expressar de forma singular de acordo com as condições políticas, econômicas e culturais de cada lugar, subjaz idêntica, no dizer de Smith, em seus fundamentos e propósitos mercadológicos. Ao final da década de cinquenta, bairros como o Greenwich Village, ao sul de Manhathan, Soho, Upper West Side, Brooklyn Hights absorveram de um intenso fluxo migratório, branco, em direção aos espaços periurbanos, marcados pelo fechamento de antigas empresas da área central de negócios e pela revitalização econômica, paisagística e cultural. A gentrificação, neste período, se deu de forma marginal e insipiente, de tal forma que as grandes instituições financeiras, assim como o poder

21

HAMNET, 1984, em BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine (org.). De volta à cidade. Dos processos de gentrificação às políticas de ‘revitalização’ dos centros urbanos. São Paulo, Annablume, 2006. p. 23.

público, não demonstraram interesse em investir seu capital em áreas vistas até então como “decadentes”. O processo de gentrificação que se materializou ao final da década de setenta contou com a participação de atores sociais distintos de sua fase anterior. A terceira fase, conhecida como “a generalização da gentrificação”, o processo de gentrificação assume um caráter oficial enquanto “estratégia urbana articulada e global” e se estende a locais até então jamais previstos: Mais que edifícios reformados, ela agora oferece um tipo de espaço urbano que integra ao mesmo tempo trabalho, residência e lazer. Ela representa uma conquista classista da cidade. Ela produz também um espaço urbano falsamente democratizado, passível de ser “consumido” parcialmente por outras camadas sociais22.

A gentrificação consagra a vitória do projeto neoliberal em detrimento do esvaziamento das políticas urbanas empreendidas pelo Estado Providência, ao longo do século XX, ao representar uma função primordial para as economias urbanas na medida em que o desenvolvimento imobiliário se traduz pela promoção de novos empregos, pelo estímulo ao turismo e aos projetos culturais de grande porte, pela geração de impostos. De um processo esporádico e local constatado, de início, no contexto econômico e cultural dos centros urbanos de Paris, Londres, Nova Iorque e Sidney, a gentrificação ganha nova dimensão e complexidade ao conectar a economia urbana à economia global e também por alcançar espaços urbanos antes inimagináveis como as cidades industriais de Lyon e Glasgow e pequenas cidades comerciais tais como Lancaster, na Pensilvânia, e Eské Krumlov, na República Tcheca. Evidentemente, este processo que marca o emburguesamento dos centros urbanos, o exílio dos segmentos menos desfavorecidos da nossa sociedade do centro das cidades e a consequente modificação da paisagem urbana está atualmente associado a políticas intervencionistas sistemáticas voltadas para a maximização de lucros em detrimento do oferecimento de melhores condições de vida às pessoas, da efetivação de direitos e bem como da distribuição do espaço urbano com maior justiça.

22

Idem.

No dizer de Savage e Ward (1993), a gentrificação requer a confluência de quatro diferentes processos no espaço urbano: a recomposição social advinda do deslocamento das classes menos favorecidas da nossa sociedade e a reapropriação dos centros urbanos por um segmento social de estatuto elevado; a consequente transformação dos modos de vida e reconstrução identiária e cultural local por sujeitos que compartilham valores, padrões e estilos de vida semelhantes; a reestruturação da arquitetura, paisagem e geografia urbana com a ordenação e melhorias de serviços; reestruturação urbanística e fundiária, que acabam por promover uma elevação nos custos das construções bem como do valor da propriedade imobiliária. O estudo que envolve o fenômeno da gentrificação e seus reflexos põem em foco a discussão acerca da sua investigação em diversos ramos do conhecimento científico, uma vez que se trata de um processo emergente nas políticas públicas de reestruturação dos espaços urbanos contemporâneos. Os processos de suburbanização e o declínio dos centros urbanos tornaram-se o centro dos debates acadêmicos nas décadas de 50 e 60 ao passo que a gentrificação encerra um imenso desafio para as tradicionais teorias da estrutura social urbana. Burgs e Hoyt defendiam que os segmentos socioeconomicamente privilegiados, que se deslocaram dos centros urbanos para as regiões periféricas, dificilmente retornariam ao local de origem. Alonso, por sua vez, sustentava que essas mesmas classes sociais eram atraídas pela grande disponibilidade de espaço e suas baixas densidades, de tal forma que a reapropriação das regiões centrais estava fora de questão. Desse modo, a “generalização da gentrificação” e a reconquista classista dos centros urbanos e periurbanos em várias cidades do mundo surge na contramão do entendimento de que a suburbanização constituía a última etapa da evolução urbana linear e progressiva da cidade pré-industrial para a industrial (HAMNETT, 1991). Importa destacar que não se trata de uma manifestação intrínseca aos espaços urbanos. Já foram verificadas ocorrências do processo de gentrificação em áreas rurais assim como nas comunidades e assentamentos informais a exemplo das favela carioca localizada no morro Santa Marta. É possível constatar, portanto, que sendo um processo extremamente diversificado, suas vicissitudes se manifestam distintamente de acordo com o local

afetado e sua respectiva dinâmica socioeconômica, podendo ser protagonizado por distintos atores sociais. No entanto, a modificação da composição social, caracterizada pela saída de segmentos socioeconomicamente desfavorecidos e a reapropriação do local por classes sociais de maior poder aquisitivo, constitui um dos seus efeitos mais notórios. O processo efetivo de “reconquista urbana”, conforme assinaldo por Castells, é característico dos movimentos de renovação que acompanham uma série de transformações físicas, culturais, economicas, funcionais e simbólicas no uso bem como na ocupação do solo. É evidente que as populações de baixo poder aquisitivo são as que mais sofrem os efeitos negativos dos processos de renovação urbana, uma vez que as possibilidades de permanecerem em suas moradias são dificultadas, obrigando-as ao deslocamento voluntário ou complusório. A gentrificação promove a elevação do valor das propriedades imóveis, a diminuição das taxas de ocupação e de densidade demográfica, a redução dos contratos de aluguel assim como o aumento da celebração dos contratos de compra e venda de imóveis. Em todos os casos, a participação e intervenção do poder público é decisiva ao impulsionar este processo em larga escala. Por esta razão, a gentrificação reflete a maneira através da qual o atual processo de redefinição e reinvenção do papel do Estado está sendo conduzido diante do fenômeno globalizatório. O esvaziamento do poder do Estado, o sistema jurídico-político e as instituições judiciais sofreram, ao longo dos último anos, uma significativa limitação do seu poder de ação. Assim, a via encontrada pelo estado para se adequar às transformações globais que afetam frontalmente os modelos de gestão administrativa constituiu uma estratégia política no sentido de promover a desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização simultaneamente ao rompimento dos monopólios públicos. Desta forma, a gentrificação pode ser identificada enquanto uma manifestação socioespacial das referidas mudanças no cenário global. A gentrificação e seus efeitos já foram o centro de inúmeros debates acadêmicos. David Ley e Neil Smith foram os pioneiros nesta discussão e lançaram as

bases para o estudo do tema. Suas teorias iniciais foram alvo de reformulação e flexibilização ao longo dos últimos anos. A teoria de Ley, fundamentada na demanda, leva em consideração três dimensões fundamentais: a economia, a cltura e a política. Segundo Ley, a gentrificação tem origem nos processos simultâneos de reestruturação econômica, sociocultural e demográfica. O surgimento de uma nova classe social oriunda da transformaão da mãode-obra na era pós-industrial favoreceu a procura por moradias próximas ao centros urbanos, inaugurando novos estilos de vida. São, portanto, os trabalhadores do setor quaternário (prestadores de serviços) que se sentem atraídos pelo estoque de moradias e pelas facilidades oferecidas pela vida nos centros urbanos. Ley não leva em consideração, na elaboração de sua teoria, a relevância do papel exercido pelo mercado imobiliário nem dos demais agentes do solo tais como as grandes empreiteiras, entidades financeiras e o poder público. No seu entendimento, a procura antecede a atuação e participação dos referidos agentes. É o protagonismo desta nova classe social na produção do espaço urbano que irá determinar a intervenção dos demais atores no processo de gentrificação. Preocupado em elaborar um arcabouço teórico apto a conceber a inter-relação entre as transformações físicas e as modificações socioculturais, Neil Smith introduz no pensamento acerca da dinâmica espacial do processo de gentrificação a teoria do diferencial de renda (rent gap) segundo a qual a gentrificação encontra suas raízes “na mobilidade geográfica do capital e nos modelos históricos do investimento e desinvestimento no campo urbano”. Consistui, desse modo, uma estratégia mercadológica associada a uma política urbana que fortalece o processo de desinvestimento nos centros urbanos e periurbanos, favorecendo e promovendo a saída dos pequenos proprietários e dos antigos moradores para um posterior afluxo de capitais destinados à compra de terrenos e imóveis desvalorizados, aproveitando-se do declínio sistemático do mercado imobiliário. O processo de gentrificação passa a ser impulsionado, nesta fase, não por proprietários individuais, mas por grandes corporações, com o auxílio do poder público municipal. A contribuição dada por Neil Smith desloca este debate conceitual para uma perspectiva marxista, fundamentando a sua teoria na diferença do potencial de renda, passível de ser auferida através do uso capitalizado do solo, que se tornou mais alta nos

centros urbanos em comparação com a periferia após décadas de desvalorização e desinvestimento. As intervenções urbanísticas empreendidas no contexto dos inúmeros projetos visando a preparação da cidade do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 bem como as Olimpíadas de 2016 engendraram as mais diversas violações aos direitos humanos relacionados à moradia. As violações dos direitos humanos da classe pobre e trabalhadora não constitui um aconteciemnto recente ou casual. Os projetos de renovação urbanísitca da cidade para a recepção dos megaeventos esportivos agravou tal conjuntura. É possível constatar que um legado de ilegalidades e desrespeito à cidadania urbana e aos direitos humanos, perpetrados em prol de interesses mercadológicos, será deixado para os moradores da cidade. Diante deste quadro, inúmeros movimentos sociais de resistência ganharam força na denúncia às violações dos princípios da impessoalidade, universalidade e publicidade dos atos administrativos municipais. Tais movimentos de resistência tem por escopo a luta pela redução das desigualdades e pelo fim da exclusão social, almejando um novo modelo de cidade – mais democrático, participativo, voltado para a promoção da justiça social e pleno exercício da cidadania. A adoção de um modelo de gestão da cidade subordinado aos interesses do capital marca o regresso de uma política de higienização social nas áreas de interesse estratégico da cidade. Os projetos de renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro, voltados para a sua transformação em uma “cidade-sede” ou “cidade-vitrine”, justificaram e legtitimaram o regresso da mais cruel forma de violação e desrespeito do direito à moradia. Os deslocamentos compulsórios assim como a política de relocalização das famílias estão postas à serviço dos interesses mercadológicos e imobiliários das grandes empreiteiras e entidades financeiras e são efetivadas mediante uso da violência e desrespeito à lei. O já mencionado “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro” sinaliza que o “modus operandi” do poder publico municipal tem o respaldo do Poder Judiciário e empreende práticas sistematrizadas de violações aos direitos humanos. A denúncia promovida pelo referido dossie revela: A) A falta de transparência ou completa ausência de informação dos planejamentos e projetos urbanos associada à coação e repressão aos moradores das

comunidades, obrigando-os a acatarem as propostas elaboradas pelo poder público municipal; B) A tentativa de inviabilizar a participação das comunidades nas decisões acerca dos projetos de urbanização desenvolvidos pela prefeitura assim como na escolha de vias alternativas aos processos de rempção; C) O oferecimento de indenizações irrisórias dificultando o acesso às moradias localizadas nas proximidades das comunidades alvo das remoções. Cumpre ressaltar que as indenizações incidem exclusivamente sobre as benfeitorias e não sobre a posse da terra; D) O enfraquecimento e deslegitimação das entidades, associações e organizações comunitárias, incentivando as negociações individualizadas e, em geral, arbitrárias; E) A estigmatização e criminalização da pobreza, caracterizada pelo flagrante desrespeito às populações pobres e ao exercício de sua cidadania. A classe pobre é submetida à inúmeras ameação e pressões para abandonar suas respectivas moradias mediante o não recolhimento do lixo e dos entulhos das habitações demolidas, o corte do abasteciemento de água e energia elétrica como também das conexões telefônicas, o isolamento das famílias, as falsas declarações enunciadas na mídia, as remoções-relâmpago, o tratamento de guerrilha empreendido pelas tropas de choque da guarda municipal. F) A atuação do sistema judiciário brasileiro enquanto instrumento legitimador das referidas violações do direito à moradia. Tanto a procuradoria municipal quanto a defensoria pública têm fomentado as ações de despejo e remoçào sem que as devidas indenizações tenham sido contempladas23.

As políticas urbanas implementadas pelos poderes públicos na cidade do Rio de Janeiro associadas ao encareciemento do valor das moradias e o alto custo de vida na cidade do Rio de Janeiro registram o intenso processo de elitização e mercantilização, evidenciando o desdobramento do fenômeno da gentrificção vista, deste modo, como um projeto político. As referidas polícas públicas reforçam um padrão cultural e hierárquico que perpetua e agrava a segregação socioespacial. Difundem a falsa idéia de que os segmentos socioeconomicamente vulneráveis não merecem usufruir dos bens, serviços e equipamentos urbanos indispensáveis ao seu reconhecimento enquanto sujeitos de direitos e fundamentais para o efetivo exercício de sua cidadania.

Conclusão

O atual cenário urbano brasileiro foi historicamente formado pela conjugação de dois fatores: a liberdade para os agentes financeiros transacionarem o espaço urbano, tratando-o como uma mercadoria, o que favoreceu da coalizão entre o Estado, os agentes do capital internacional e os agentes financeiros do nosso país; e a apropriação e 23

COMITÊ POPULAR DA COPA E DAS OLIMPÍADAS DO RIO DE JANEIRO. Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Junho 2014. p. 37.

utilização indiscriminada do solo, desde os assentamentos informais até a ocupação de regiões nobres e áreas de preservação ambiental pelas elites. A omissão do poder público em promover o acesso e a efetivação do direito à moradia e da cidadania urbana, aliada à primazia do interesse do capital na implementação das políticas habitacionais refletem problemas intrínsecos à realidade social brasileira. A apologia aos projetos de revitalização e os discursos de enaltecimento às intervenções na paisagem e nos espaços urbanos, sobretudo nas áreas centrais outrora abandonadas, perpetrados tanto pela mídia quanto pela classe política, se intensificaram na medida em que as condições se tornaram particularmente cruéis para as camadas socioeconomicamene vulneráveis de nossa população. Os projetos de intervenção urbana, cujas propostas tornaram-se cada vez mais complexas ao projetarem uma série de modificações no planejamento, funções, uso e valor do solo e seus respectivos planos de requalificação buscam adequar a composição urbana do Rio de Janeiro às exigências do capital neoliberal. Neste sentido, a produção legislativa vem incentivando e potencializando os desdobramentos deste processo ao estabelecer leis e decretos que institucionalizam as desapropriações em áreas de interesse estratégico ao mesmo tempo em que flexibilizam os regramentos urbanísticos beneficiando a parceria público-privada. Os deslocamentos compulsórios configuram um dos principais impactos sociais das políticas habitacionais. É cediço que não constituem um epsódio novo na história das intervenções urbanas efetuadas pelos poderes públicos. Da chegada da família real, em 1808, até a atual gestão municipal exercida pelo prefeito Eduardo Paes, a cidade do Rio de Janeiro tem assistido a perpetuação de um padrão historicamente institucionalizado que prima pela contemplação dos interesses e das estratégias mercadológicas do sistema imobiliário em detrimento do atendimento e promoção de melhores

condições

de

vida

para

a

população,

sobretudo

as

camadas

socioeconomicamente mais vulneráveis de nossa sociedade. As políticas habitacionais urbanas, tradicionalmente impostas às classes mais pobres, têm promovido uma espécie de higienização social reforçando o alargamento da segregação socioespacial a despeito do discurso político propagado em nome de um projeto de inclusão social e integração da cidade.

Os processos de remoção, efetivados em favor da construção de uma “cidade competitiva” têm sido realizados em total dissonância com o aparato legal nacional e internacional que protege o direito à moradia adequada. A cidade deixa de ser concebida como uma forma de expressão da identidade sociocultural de um determinado grupo para ser apropriada de uma forma completamente utilitária e espoliativa, manifestada na perspectiva de uma cidade-sede. Conforme assevera a professora e pesquisadora Raquel Rolnik, a eleição do Brasil para sediar os megaeventos internacionais transformou os projetos de intervenção urbanística assim como as políticas habitacionais numa “grande plataforma de negócios”. Os efeitos das intervenções de revitalização e reestruturação urbana implicam na precarização da qualidade de vida dos segmentos populacionais mais desfavorecidos, como também, na cisão urbana a despeito da mensagem de integração das comunidades à cidade formal. O processo de gentrificação manifesta-se em associação à racionalidade mercadológica do desenvolvimento capitalista24. Imbuída do desejo de atrair um número cada vez maior de investimentos estrangeiros e de estruturar este fenômeno, a Prefeitura do Rio de Janeiro efetivou um conjunto de projetos, seguindo a orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Banco Mundial (BIRD) assim como da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desde a década de noventa do século passado. O agravamento e a cristalização do padrão centro-periferia pelos processos de remoção voluntária ou compulsória - que têm banido sistematicamente as classes mais desfavorecidas do acesso ou permanência nos centros urbanos - constituem o cruel legado deixado pela gestão Paes, em parceria com os governos federal e estadual, em nome da edificação de uma cidade olímpica. Assistimos, portanto, a intensas violações aos direitos humanos, sobretudo ao direito a moradia adequada, na medida em que o acesso e a escolha de um lugar para morar tem sido limitado aos segmentos mais pobres.

24

HARVEY, David, 1996, p. 56, em SMH2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico. AZEVEDO, Lena& FAULHABER. 1ed. Rio de Janeiro: Mórula 2015. p. 24.

Os processos de urbanização assim como a formação do espaço urbano têm seguido tanto à uma lógica quanto à uma disciplina hierarquizante, promotora de desigualdades sociais, indo na contramão da universalização do direito à moradia adequada em nosso país. O PMCMV e sua política ostensiva de subsídios habitacionais nos dá a ver a impossibilidade de conjugar a promoção de moradias adequadas, através das políticas públicas, com os interesses dos agentes financeiros e imobiliários. O reinvestimento nos centros urbanos e periurbanos da cidade do Rio de Janeiro, os processos de pacificação de suas comunidades seguidos da regulamentação urbanística e fundiária assim como as remoções de milhares de famílias das áreas de interesse estratégico evidenciam a propagação do fenômeno da gentrificação, tal qual formulado por Neil Smith, cujo desdobramento envolve a coalizão entre os agentes privados e o poder público, a utilização de estratégias de coerção econômica e extraeconômica assim como a produção de um discurso ideológico

capaz de

enfraquecer os movimentos de resistência. Apesar de apresentar algumas fragilidades teóricas como a indeterminação local e imprevisibilidade da emergência dos processos de gentrificação, as formulações de Smith oferecem um rico aporte metodológico para a compreensão das atuais transformações sociais, culturais, espaciais e econômicas vivenciados pela cidade do Rio de Janeiro. Os megaeventos esportivos como a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016 e até mesmo os Jogos Pan Americanos, realizados em 2004, serviram como justificativa para acelerar os processos de intervenção urbana, que já estavam na pauta dos interesses políticos e economicos do poder público e das entidades financeiras nacionais e internacionais. A cidadania urbana, o direito à cidade e à moradia digna têm sido ceifados há séculos em nome da apropriação capitalista do espaço, voltado para um processo de acumulação de riquezas e para a divisão classista da cidade. A lógica não-distributiva do espaço urbano traduz a política nacional excludente do acesso à riqueza, à justiça, à saúde, à educação, à mordia, uso e ocupação do solo. Assim, o cenário urbano e a reprodução do espaço constituem o espelho da nossa propria sociedade e das nossas principais questões sociais. O fenômeno da gentrificação e as profundas transformações advindas desse processo suscitam um novo modelo de governança e gestão administrativa da cidade.

Trata-se de um movimento que busca conectar a economia urbana (local) ao circuito econômico global, propagado nos mais diversos países. No entanto, apesar deste movimento global clamar por radicais mudanças na governamentalidade, podemos verificar que, no Brasil, a lógica da modernização-conservadora mantém-se presente, ainda que parcialmente, promovendo a intensificação as desigualdades e a segregação socioespacial.

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