Anais - II Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção : Perspectivas teórico-metodológicas para o estudo da recepção

June 28, 2017 | Autor: PosCom Ufsm | Categoria: Media Studies, Consumo, Estudos de Recepção
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II Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção Perspectivas teórico-metodológicas para estudo da recepção

Apresentação Os Anais da II Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção foram produzidos a partir de artigos e resumos expandidos enviados por pesquisadores, alunos de iniciação científica e de programas de Pós-graduação - Mestrado e Doutorado - que apresentaram seus trabalhos nos GTs: Recepção em Jornalismo, Convergência e recepção na web, Usos, apropriações e consumo, Recepção e gênero, Ficção televisiva e cinema, Práticas Culturais e identidades. A II Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção aconteceu nos dias 17 e 18 de julho de 2014 na UFSM e teve como tema “Perspectivas teórico-metodológicas para o estudo da recepção”. O evento científico foi organizado pelo Programa de Pósgraduação em Comunicação da UFSM e deu continuidade à iniciativa pioneira realizada no ano de 2012, na UFRGS, através de uma parceria entre grupos de pesquisa das quatro universidades gaúchas com programas de pós-graduação em Comunicação: UFRGS, UFSM, Unisinos e PUCRS. O evento teve apoio financeiro da Fapergs e do CCSH/UFSM.

Expediente Organização dos Anais Liliane Dutra Brignol (UFSM) Viviane Borelli (UFSM) Arte Maurício Lavarda – Mestrando POSCOM (UFSM) Diagramação Ronei Bueno da Cruz – Graduando em Jornalismo da UFSM Site e divulgação Romulo Tondo - Mestrando POSCOM (UFSM) Comissão técnico-científica Antonio Fausto Neto (Unisinos) Daniela Schimitz (UFRGS) Denise Cogo (ESPM-SP) Denise Silva (Unipampa – campus São Borja) Fábio Souza da Cruz (UFPel) Jiani Bonin (Unisinos) Liliane Dutra Brignol (UFSM) Lírian Sifuentes dos Santos (PUCRS) Márcia Franz Amaral (UFSM) Monica Pieniz (UFRGS) Nilda Jacks (UFRGS) Sandra Rubia da Silva (UFSM) Veneza Mayora Ronsini (UFSM) Viviane Borelli (UFSM)

SUMÁRIO Programação........................................................................... 11 GT Recepção

em

Jornalismo Resumo ........................ 18 Completo ........................ 142

A Participação dos Ouvintes nos Programas Jornalísticos de Rádio AM, em São Luís: uma Proposta Metodológica Ed Wilson Ferreira Araujo

“Eles Podem Ser Malucos, Mas São Profissionais!” Um Estudo de Recepção Sobre o Grupo Black Sabbath no Programa Fantástico Fábio Cruz

Resumo ........................ 27 Completo ........................152

Recepção audiovisual: as significações sobre a América Latina na Catalunha a partir da série Presidentes de Latinoamérica Rafael Foletto

Resumo ........................ 29 Completo ........................ 168

Os telejornais do meio dia no espaço doméstico As mediações do cotidiano familiar na recepção de telejornais Ilka Goldschimidt Caroline Figueiredo Sujeitos em campo: análise das práticas jornalísticas através das posições dos sujeitos discursivos

Resumo

........................ 31

Resumo

........................ 33

Elisangela Mortari Viviane Borelli O

Jornal Nacional

em famílias de

Resumo ........................ 35 Completo ........................ 178

dados preliminares sobre o consumo de

Resumo ........................ 37 Completo ........................ 191

ritual da assistência do

classe popular

Tissiana Nogueira Pereira Juventude

e

Mídia:

informação jornalística pelos jovens do

Santa Maria Glaíse Palma

Ensino Médio

de

Um Estudo De Recepção Midiática Do Programa Balanço Geral RS Esther Louro Michele Negrini

Resumo ........................ 39 Completo ........................ 200

NOTA Este arquivo possui links internos para facilitar sua navegação. No sumário, basta clicar sobre o ítem “Resumo” ou “Completo” e você irá direto para a página desejada. Para retornar ao sumário, basta clicar em “Resumo” ou “Artigos Completos” na parte inferior da página, ou ainda clicar no nome do GT no topo da página.

Circulação leitores: o

informativa tumblr

e

como

reapropriação

discursiva

estratégia

significação

de

dos de

Resumo

........................ 41

acontecimentos jornalísticos

Laura Storch Estudantes

universitários

como

sujeitos

da

pesquisa

exploratória: as fronteiras internacionais em representações e vivências

Resumo ........................ 43 Completo ........................ 212

Tabita Strassburger Agência Pública e a busca de identificação com o leitor Rafael Winch Viviane Borelli

Resumo

........................ 45

Resumo

........................ 47

Possibilidades digitais: análise sobre a mediação do aplicativo Tinder para novos relacionamentos Silvio Nunes Augusto Júnior Bruna Seibert Motta

Resumo

........................ 49

Consumo de notícias e circulação de comentários dos leitores: do Facebook à versão impressa do Diarinho Felipe da Costa

Resumo ........................ 51 Completo ........................ 221

Os jornais do interior gaúcho e os seus leitores: a circulação

Resumo ........................ 53 Completo ........................ 233

A importância da Mídia NINJA e do midialivrismo ciberativista para as Jornadas de Junho Nathália Schneider Sandra Rubia da Silva GT Convergência

e

Recepção

na web

da notícia em ambientes digitais

Luan Moraes Romero Cibele Zardo Laura Moura de Quadros Gabriele Wagner de Souza Marlon Santa Maria Dias Viviane Borelli

Apropriações No Ambiente Digital: Um Estudo Com Fãs Da Paramore Sobre o Blog Da Banda No Livejournal Lívia SAGGIN

Resumo

Estudos de Recepção e Cultura Participativa: a Participação Interativa dos Migrantes Brasileiros na Suécia em Grupos do Facebook Laura Roratto Foletto Liliane Dutra Brignol

Resumo ........................ 58 Completo ........................ 246

........................ 56

Quando o Público Demanda Sobre o Privado: apropriando-se do(a) Super Vaidosa Aline Weschenfelder

Resumo

........................ 61

Redes sociais online e intercâmbio acadêmico: usos sociais do Facebook por intercambistas latino-americanos em Santa Maria Jamylle de Assunção Lima Liliane Dutra Brignol

Resumo ........................ 63 Completo ........................ 256

Youtubers: o fenômeno dos “gurus de beleza” como ferramenta

Resumo

publicitária

........................ 65

Bruna Seibert Motta Motivações para a “recepção compartilhada na web”: o trânsito das audiências de telenovela a partir do Twitter Mônica Pieniz O

conflito nas ruas da

Venezuela

na visão da

Telesur

e dos

visitantes de sua fanpage

Resumo ........................ 67 Completo ........................ 264

Resumo

........................ 69

Denise De Rocchi As narrativas identitárias no Instagram e o uso da inspiração etnográfica virtual

Mariana Leoratto Severo Liliane Dutra Brignol Recepção cross-media: possibilidades de Estudos Culturais e a tradição semiótica Nathália Dos Santos Silva

diálogo entre os

Reflexões sobre o trabalho de campo: Os movimentos sociais em rede e a apropriação das redes sociais online

Resumo ........................ 71 Completo ........................ 274

Resumo ........................ 73 Completo ........................ 285 Resumo

........................ 76

Tainan Pauli Tomazetti Liliane Dutra Brignol A etnografia virtual nos estudos de recepção: Uma discussão metodológica

Laura Hastenpflug Wottrich O leitor na Cultura da Convergência: Uma Análise Exploratória das Interações Entre a Revista TPM e Seus Leitores em Ambientes Digitais Marlon Santa Maria Dias Viviane Borelli

Resumo ........................ 79 Completo ........................ 296

Completo ........................ 307

GT Usos, Apropriações

e

Consumo

Usos e apropriações do celular por jovens de classe popular Flora Dutra

Resumo ........................ 82 Completo ........................ 318

O consumo da cultura hip hop em Santa Maria Amanda Fiuza Sandra Rubia

Resumo

Moda Hip-Hop: Consumo de Vestuário e a Formação Identitária de Sujeitos de Classes Populares Camila Marques

Resumo ........................ 86 Completo ........................ 329

é conectado é na moda”: as práticas de consumo de

Resumo ........................ 88 Completo ........................ 340

“Quem

smartphones entre jovens de camadas populares

Camila Pereira Sandra Rubia da Silva E-books: O consumo do livro digital na cidade de Santa Maria - RS Juliana Facco Segalla “Essa

é a minha comunidade”: consumo e apropriação do

telefone celular em atividade pedagógica com jovens de

........................ 84

Resumo

........................ 90

Resumo

........................ 92

camada popular

Romulo Tondo Sandra Rubia da Silva GT Recepção Consumo de Modelos Midiáticos Mulheres Transgêneras Fernanda Scherer Mulheres

de

Mulher:

um

e

Gênero

Estudo

com

e sua interação cotidiana com tecnologias de

comunicação: o caso das jovens e adultas relacionadas à

Resumo ........................ 95 Completo ........................ 352

Resumo

........................ 97

cadeia agroindustrial do tabaco

Ângela Felippi Lírian Sifuentes Ana Carolina Escosteguy Quero

ser modelo: o consumo e os usos da beleza midiática

feminina entre garotas que sonham em ser modelo

Daniela Schmitz

Resumo ........................ 99 Completo ........................ 365

Masculinidades e Estudos de Recepção na Comunicação: panorama da produção stricto sensu

área

da

da última

Resumo

........................ 101

década

Valquiria Michela John Felipe da Costa Instagram Saudável: Blogueiras Fitnistas Alimentando Comportamento do Consumidor Feminino Ariadni Loose Jamylle Lima Questões

metodológicas

em

estudos

o

recepção:

de

representações das relações de gênero na publicidade

Resumo ........................ 103 Completo ........................ 376

Resumo

........................ 105

Dulce Mazer Ronei Teodoro da Silva Leituras da Revista TPM: Dados Parciais Mulheres em São Paulo Giovanna Lícia Rocha Triñanes Aveiro

de um

Estudo

GT Ficção Televisiva

e

com

Resumo ........................ 108 Completo ........................ 389

Cinema

A Eficácia do Product Placement na Telenovela Em Família: um Estudo de Recepção Sobre o Conteúdo Publicitário Beatriz Bezerra Marcela Cunha

Resumo ........................ 110 Completo ........................ 398

Diálogo entre produção e recepção em Teen Wolf Sarah Moralejo da Costa

Resumo ........................ 112 Completo ........................ 409

História Oral e Recepção de Telenovelas: A Experiência Pesquisa em Contexto Étnico Wesley Pereira Grijó

de

Recepção da Série Tapas & Beijos: o Facebook como Cenário de Televidência e Interação Gisele Noll Nilda Jacks Consumo de Séries Americanas pela Internet: Repercussão de Game Of Thrones entre os fãs Brasileiros Lauro Henrique Wagner Valquiria Michela John

Resumo ........................ 114 Completo ........................ 417 Resumo

........................ 116

Resumo

........................ 118

Para um olhar além do Blockbuster: Um Estudo de Recepção dos Filmes da Mostra de Cinema Infantil nas Escolas de Ensino Fundamental de Chapecó Daniel Mendes Moreira Ilka Goldschmitd

Resumo

“Pipipi,

Resumo ........................ 123 Completo ........................ 428

alerta

recalque”:

de

circulação

e

consumo

de

Twitter Sandra Depexe telenovela no

GT Práticas Culturais Cultura

e

Mídia:

e

........................ 120

Identidades

uma análise sobre cultura popular e a

recepção do público

Maiara dos Santos Marinho Marislei da Silveira Ribeiro

Resumo ........................ 125 Completo ........................ 442

Nação Periférica: relato de uma observação Felipe Gue Martini

Resumo ........................ 127 Completo ........................ 451

A Construção da Identidade do Estudante Negro Brasileiro - Aplicação dos Estudos de Recepção na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello em Pelotas/RS William Machado da Silva Marislei Ribeiro

Resumo ........................ 129 Completo ........................ 463

Recepção, Memória e Migração: Migrantes Transnacionais Liliane Dutra Brignol Augusto Acosta de Vasconcelos Andressa Spencer de Mello Caroline dos Santos Laura Roratto Foletto

o

Resumo

........................ 132

Midiatização

desafios e possibilidades

Resumo

........................ 135

das

Classes Sociais:

Brasil Imaginado Por

dos estudos de recepção

Rafael Grohmann Reflexões empírico-metodológicas para pensar a recepção da publicidade

Filipe Bordinhão dos Santos Martín-Barbero, Certeau sobre o Cotidiano Márcia de Castro Borges

e os

Estudos Culturais:

notas

Resumo ........................ 137 Completo ........................ 474 Resumo ........................ 139 Completo ........................ 488

programação

programação programação

programacao

programação PROGRAMAÇÃO

programação

programação programação

programação

17 DE JULHO - MANHÃ Local: Auditório do prédio 74C 8h30 – Credenciamento 9h – Abertura 9h15 - Conferência de abertura: “A recepção transmidiática e os desafios da pesquisa em rede” Conferencista: Maria Immacolata Vassalo de Lopes (USP) Mediação: Veneza Mayora Ronsini (UFSM) 10h30 – Debate 11h – Lançamento do livro “Meios e audiências 2” (Editora Sulina, 2014), de Nilda Jacks (coordenação e organização) 17 DE JULHO - TARDE - 14h às 18h – Grupos de trabalho (GTs) GT Recepção em Jornalismo – Seção 1 Coordenador: Fábio Cruz (UFPEL) Apoio: Gustavo Dhein (UFSM) Local: Sala 4230 – Prédio 74C A participação dos Ouvintes nos Programas Jornalísticos de Rádio AM em São Luís: uma Proposta Metodológica – Wilson Ferreira Araujo (PUCRS) “Eles Podem Ser Malucos, Mas São Profissionais!” Um Estudo de Recepção Sobre o Grupo Black Sabbath no Programa Fantástico – Fábio Cruz (UFPel) Recepção Audiovisual: as Significações Sobre a América Latina na Catalunha a Partir da Série Presidentes de Latinoamérica – Rafael Foletto (Unisinos) Os Telejornais do Meio Dia no Espaço Doméstico: as Mediações do Cotidiano Familiar na Recepção de Telejornais – Ilka Goldschimidt, Caroline Figueiredo (Unochapecó) Sujeitos em Campo: Análise das Práticas Jornalísticas Através das Proposições dos Sujeitos Discursivos – Elisangela Mortari, Viviane Borelli (UFSM) O Ritual da Assistência do Jornal Nacional em Famílias de Classe Popular – Tissiana Nogueira Pereira (UFSM)

GT Convergência e Recepção na Web – Seção 1 Coordenador: Mônica Pieniz (UFRGS) Apoio: Sandra Depexe (UFSM) Local: Sala 4226 – Prédio 74C

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Possibilidades Digitais: Análise Sobre a Mediação do Aplicativo Tinder Para Novos Relacionamentos – Silvio Nunes Augusto Junior, Bruna Seibert Motta (USP) Consumo de Notícias e Circulação de Comentários dos Leitores: do Facebook à Versão Impressa do Diarinho – Felipe Costa (UFSC) Os Jornais do Interior Gaúcho e os Seus Leitores: a Circulação da Notícia em Ambientes Digitais – Luan Moraes Romero, Cibele Zardo, Laura Moura de Quadros, Gabriele Wagner de Souza, Marlon Santa Maria Dias, Viviane Borelli (UFSM) Apropriações no Ambiente Digital: um Estudo com Fãs da Paramore Sobre o Blog da Banda no Livejournal – Lívia Saggin (Unisinos) Estudos de Recepção e Cultura Participativa: a Participação Interativa dos Migrantes Brasileiros na Suécia em Grupos do Facebook – Laura Roratto Foletto, Liliane Dutra Brignol (UFSM) Quando o Público Demanda Sobre o Privado: Apropriando-se do(a) Super Vaidosa – Aline Weschenfelder (Unisinos) Redes Sociais Online e Intercâmbio Acadêmico: Usos Sociais do Facebook por Intercambistas Latino-Americanos em Santa Maria – Jamylle de Assunção Lima, Liliane Dutra Brignol (UFSM)

GT Usos, Apropriações e Consumo Coordenador: Sandra Rubia da Silva (UFSM) Apoio: Camila Marques (UFSM) Local: Sala 4228 – Prédio 74C Usos e Apropriações do Celular por Jovens de Classe Popular – Flora Dutra (UFSM) O Consumo da Cultura Hip Hop em Santa Maria – Amanda Fiuza, Sandra Rubia da Silva (UFSM) Moda Hip Hop: Consumo de Vestuário e a Formação Identitária de Sujeitos de Classes Populares – Camila Marques (UFSM) “Quem é Conectado é na Moda”: as Práticas de Consumo de Smartphones Entre Jovens de Camadas Populares – Camila Pereira, Sandra Rubia da Silva (UFSM) E-Books: o Consumo do Livro Digital na Cidade de Santa Maria – RS – Juliana Facco Segalla (UFSM)

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“Essa é a Minha Comunidade”: Consumo e Apropriação do Telefone Celular em Atividade Pedagógica por Jovens de Camada Popular – Romulo Tondo (UFSM) GT Recepção e Gênero Coordenador: Daniela Schimitz (UFRGS) e Denise Teresinha Silva (Unipampa) Apoio: Felipe Bordinhão dos Santos (UFSM) Local: Sala 4232 – Prédio 74C Consumo de Modelos Midiáticos de Mulher: um Estudo com Mulheres Transgêneras – Fernanda Scherer (UFSM) Mulheres e sua Interação Cotidiana com Tecnologias de Comunicação: o Caso das Jovens e Adultas Relacionadas à Cadeia Agroindustrial do Tabaco – Ângela Felippi (UNISC), Lírian Sifuentes (PUCRS), Ana Carolina Escoteguy (PUCRS). Quero Ser Modelo: o Consumo e os Usos da Beleza Midiática Feminina Entre Garotas que Sonham em Ser Modelo – Daniela Schmitz (UFRGS) Masculinidades e Estudos de Recepção na Área da Comunicação: Panorama da Produção Stricto Sensu da Última Década – Valquíria Michela John, Felipe da Costa (Univali) Instagram Saudável: Blogueiras Fitnistas Alimentando o Comportamento do Consumidor Feminino – Ariadni Loose, Jamylle Lima (UNIFRA) Questões Metodológicas em Estudos de Recepção: Representações das Relações de Gênero na Publicidade – Dulce Mazer, Ronei Teodoro da Silva (UFRGS) Leituras da Revista TPM: Dados Parciais de um Estudo com Mulheres em São Paulo – Giovanna Lícia Rocha Triñanes Aveiro (PUCSP)

18 DE JULHO - MANHÃ Local: Auditório do prédio 74C 8h30 - Mesa 1: “Abordagens teórico-metodológicas para os estudos da recepção” Painelistas: Jiani Bonin (Unisinos): “Desafios metodológicos para os estudos da recepção a partir da perspectiva transmetodológica” Antonio Fausto Neto (Unisinos): “Desafios teóricos em estudos de recepção: a problemática da circulação no contexto da midiatização” Mediação: Viviane Borelli

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10h15 –Coffe Break 10h30 - Mesa 2: “Estudos de recepção, jovens e consumo” Painelistas: Nilda Jacks (UFRGS): “Jovem e consumo midiático em tempos de convergência” Rose de Melo Rocha (ESPM – SP): “Narrativas juvenis: jovens como sujeitos de discurso e de ação” Mediação: Liliane Dutra Brignol

18 DE JULHO - TARDE - 14h às 18h – Grupos de trabalho (GTs) GT Recepção em Jornalismo – Seção 2 Coordenador: Laura Storch (UFSM) Apoio: Gustavo Dhein (UFSM) Local: Sala 4230 – Prédio 74C Juventude e Mídia: Dados Preliminares Sobre Consumo de Informação Jornalística Pelos Jovens do Ensino Médio de Santa Maria – Glaíse Palma (UFSM) A Recepção do Programa Balanço Geral: Olhares Sobre o Telejornalismo Sensacionalista – Esther Louro, Michele Negrini (UFPel) Circulação Informativa e Reapropriação Discursiva dos Leitores: o Tumblr Como Estratégia de Significação de Acontecimentos Jornalísticos – Laura Storch (UFSM) Estudantes Universitários Como Sujeitos da Pesquisa Exploratória: as Fronteiras Internacionais em Representações e Vivências – Tabita Strassburger (UFRGS) Agência Pública e a Busca de Identificação com o Leitor – Rafael Winch, Viviane Borelli (UFSM) A Impotância da Mídia NINJA e do Midialivrismo Ciberativista Para as Jornadas de Junho – Nathália Schneider, Sandra Rubia da Silva (UFSM) GT Convergência e Recepção na Web – Seção 2 Coordenador: Mônica Pieniz (UFRGS) Apoio: Camila Marques (UFSM) Local: Sala 4226 – Prédio 74C Youtubers: o Fenômeno dos “Gurus de Beleza” Como Ferramenta Publicitária – Bruna Seibert Motta (USP)

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Motivações para a “Recepção Compartilhada na Web”: o Trânsito das Audiências de Telenovela a Partir do Twitter – Mônica Pieniz (UFRGS) O Conflito nas Ruas da Venezuela na Visão da Telesur e dos Visitantes de Sua Fanpage – Denise de Rocchi (Uniritter) Identidades Pessoais e Redes Sociais Online: Usos do Instagram Para a Construção de Narrativas Identitárias – Mariana Leoratto Severo, Liliane Dutra Brignol (UFSM) Recepção Cross-Media: Possibilidades de Diálogo Entre os Estudos Culturais e a Tradição Semiótica – Nathália dos Santos Silva (UFRGS) Reflexões Sobre o Trabalho de Campo: os Movimentos Sociais em Rede e a Apropriação das Redes Sociais Online – Tainan Pauli Tomazetti, Liliane Dutra Brignol (UFSM) A Etnografia Virtual nos Estudos de Recepção: uma Discussão Metodológica – Laura Hastenpflug Wottrich (UFRGS) GT Ficção Televisiva e Cinema Coordenador: Fábio Cruz (UFPEL) Apoio: Sandra Depexe (UFSM) Local: Sala 4228 – Prédio 74C A Eficácia do Product Placement na Telenovela Em Família: um Estudo de Recepção Sobre o Conteúdo Publicitário – Beatriz Bezerra, Marcela Cunha (UFPE) Diálogo Entre Produção e Recepção em Teen Wolf – Sarah Moralejo da Costa (UFRGS) História Oral e Recepção de Telenovelas: a Experiência de Pesquisa em Contexto Étnico – Wesley Pereira Grijó (Unipampa) Recepção da Série Tapas e Beijos: o Facebook Como Cenário de Televidência e Interação – Gisele Noll, Nilda Jacks (UFRGS) Consumo de Séries Americanas Pela Internet: Repercussão de Game of the Thrones Entre os Fãs Brasileiros – Lauro Henrique Wagner, Valquíria Michela John (Univali) Para um Olhar Além do Blockbuster: um Estudo de Recepção dos Filmes da Mostra de Cinema Infantil nas Escolas de Ensino Fundamental de Chapecó – Daniel Mendes Moreira, Ilka Goldschmitd (Unochapecó) “Pipipi, Alerta de Recalque”: Circulação e Consumo de Telenovela no Twitter – Sandra Depexe (UFSM)

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GT Práticas Culturais e Identidades Coordenador: Daniela Schmitz (UFRGS) Apoio: Filipe Bordinhão dos Santos (UFSM) Local: Sala 4232 – Prédio 74C Cultura e Mídia: uma Análise Sobre Cultura Popular e a Recepção do Público – Maiara dos Santos Marinho, Marislei da Silveira Ribeiro (UFPel) Nação Periférica: Relato de uma Observação – Felipe Gue Martini (FAL) A Construção da Identidade do Estudante Negro Brasileiro: Aplicação dos Estudos de Recepção na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello em Pelotas – RS – William Machado da Silva (UFPel) Recepção, Memória e Migração: o Brasil Imaginado por Migrantes Transnacionais – Liliane Dutra Brignol, Augusto Acosta de Vasconcelos, Andressa Spencer de Mello, Carolina dos Santos, Laura Roratto Foletto (UFSM) Midiatização das Classes Sociais: Desafios e Possibilidades dos Estudos de Recepção – Rafael Grohmann (USP) Apontamentos Empírico-Metodológicos Para Pensar a Recepção Publicitária – Filipe Bordinhão dos Santos (UFSM) Martín-Barbero, Certeau e os Estudos Culturais: Notas Sobre o Cotidiano – Márcia de Castro Borges (UFSM) 18h - Encerramento 20h – Happy Hour de encerramento.

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resumos resumos resumos

resumos

resumos

RESUMOS resumos

resumos

resumos

resumos

A Participação dos Ouvintes nos Programas Jornalísticos de Rádio AM, em São Luís: uma Proposta Metodológica Ed Wilson Ferreira ARAUJO1 Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, RS

O objeto do artigo, em fase de pesquisa para tese de doutoramento, é o processo de participação dos ouvintes nos programas jornalísticos em cinco emissoras de rádio AM, sediadas em São Luís (MA): Educadora, Mirante, Difusora, Capital e São Luís. No contexto dessa audiência, destaca-se a Sociedade dos Ouvintes Maranhenses de Rádio (Somar), uma entidade sem fins lucrativos, criada para congregar pessoas de variadas profissões e classes sociais, moradores de diferentes bairros da cidade, cujo hábito comum é ouvir e participar dos programas jornalísticos, através de entradas ao vivo, por telefone. Os ouvintes atuam no decorrer dos programas, falando sobre diversos temas de interesse local e nacional: do buraco na rua a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A evidência dos comentadores assíduos nos referidos programas levanta a nossa pergunta central: como a recepção modifica o âmbito da produção? Tomando os Estudos Culturais como espinha dorsal do aporte teórico-metodológico, a partir da teoria das mediações e da sua revisão (Martín-Barbero, 2009), propomos cercar o objeto na perspectiva das matrizes culturais às lógicas de produção, passando pelos formatos industriais e as competências de recepção, atentando para as mediações: institucionalidade, tecnicidade, ritualidade e socialidade. Optamos pelo mapa noturno (Martín-Barbero, 2009) porque aponta um conjunto de equipamentos de pesquisa abrangente para dar conta da complexidade do processo de produção, circulação e consumo nos programas jornalísticos das emissoras de rádio. Todas as lógicas e mediações do mapa noturno são necessárias, mas as competências da recepção, pelas características da audiência estudada, merecem uma abordagem mais aprofundada. 1 Ed Wilson Ferreira Araujo - Mestre, Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Docente, Dedicação Exclusiva - UFMA.

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Resumos

Na aplicação do mapa importa mais o foco na recepção, buscando compreender como se dá o processo de geração de conteúdo nos programas jornalísticos, levando em conta as lógicas de produção (apresentadores, repórteres e fontes) em diálogo com a recepção (ouvintes), estes também operando como fontes. O mapa noturno, portanto, é uma proposta metodológica pensada para a totalidade do processo de comunicação, que inclui necessariamente a recepção. No trabalho empírico identificamos alguns qualificativos que permitiram a distinção dos ouvintes, caracterizados como militantes e sazonais. A pesquisa de campo visa observar e compreender a decodificação no processo de comunicação. Nas competências da recepção, buscaremos categorizar as pulsações participativas dos ouvintes. Utilizamos como técnica de pesquisa a entrevista semi-estruturada, contendo um roteiro com sugestões de perguntas. Estas são as diretrizes da metodologia, apontando uma articulação entre o referencial teórico central dos Estudos Culturais, em cujo eixo vão articulando-se as categorias da participação, retórica, oralidade, convergência, conversação e discurso. Os momentos e as mediações

No longo percurso investigativo da história da recepção, o panorama barberiano percorre os processos de gênese e desenvolvimento das diversas maneiras de expressão corporal, oral, escrita, pictórica e mimética das classes subalternas, caracterizando-as como formas de resistência, adaptações e mesclagem na interpelação da chamada cultura dominante. Do melodrama, pinçou a criatividade e a sátira, oriundas das narrativas orais improvisadas na cena das feiras e dos espetáculos populares no meio da rua. No teatro, capturou a performance da plateia ruidosa interferindo na ação do palco. Das páginas dos jornais, evidenciou o folhetim como prenúncio da novela e a gênese da imprensa marrom, bem como a efervescência da história em quadrinhos. Martín-Barbero (2009) relata ainda o surgimento do massivo como tributário de variados gêneros e práticas culturais das classes subalternas: a literatura de cordel e os cegos pregoeiros, a leitura cantada em voz alta, a ação político-estética dos anarquistas, o circo, as lendas, os gestos, costumes, modos de falar e sentir, os locais de visibilidade das massas nos salões de baile e no teatro. Viu no rádio a ligação entre o camponês e o morador da cidade (mediando a tradição e a modernidade), o cinema (mudo e falado) e, finalmente, a televisão traduzindo o ápice da relação entre os homens e os meios de comunicação na imagem mais representativa e crítica do capitalismo: o barraco da favela com antena parabólica. A redescoberta do popular é analisada ainda no vigor cultural dos bairros, onde pulsa a vida cotidiana e a constituição das identidades. O bairro é o mediador entre a casa e a cidade, o ambiente de exercício da comunicação entre parentes e vizinhos, onde funciona a rede informal de recados, mensagens e burburinhos, terreno das solidariedades e rivalidades, lugar de reconhecimento e conectividade pelos laços interfamiliares nos quais se pratica a criatividade comunitária, o improviso, a luta pela sobrevivência, o compartilhamento da vida pública e privada, da cozinha e do local de trabalho.

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Todo esse traçado visa ressaltar o novo cenário e ação do sujeito político, suas formas de rebeldia e resistência. O sujeito dotado de poderes, consumidor reflexivo, artífice de práticas culturais diversas, tensiona diante das macroestruturas que o mantinham passivo. Esse sujeito plural e descentrado, de identidades multifacetadas, imerso na coletividade, migrante do popular ao massivo, é liberto da âncora teórica que o entendia apenas como unidade econômica (submisso à normatização do Estado e ao ordenamento do mercado). Ele manifesta-se ativamente no consumo, nas práticas culturais, nas modelagens e ressignificações articuladas entre a produção, os gêneros e formatos, a recepção e as matrizes culturais. Transversal a essas instâncias, o núcleo cultura/política/comunicação demarca o centro do mapa noturno para entender as mediações. O esquema move-se sobre dois eixos: o diacrônico, ou histórico de longa duração – entre Matrizes Culturais (MC) e Formatos Industriais (FI) – e o sincrônico – entre Lógicas de Produção (LP) e Competências de Recepção ou Consumo (CR). Por sua vez, as relações entre MC e LP encontram-se mediadas por diferentes regimes de institucionalidade, enquanto as relações entre MC e CR estão mediadas por diversas formas de socialidade. Entre as LP e os FI medeiam as tecnicidades e entre os FI e as CR, as ritualidades. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 16)

O mapa noturno pode ser lido em espiral, atendendo à inspiração histórica da relação entre suas partes constituintes e a totalidade do processo comunicativo, em uma perspectiva associada que percorre produção, circulação e recepção. A navegação pelo mapa noturno perpassa os momentos (matrizes culturais, lógicas de produção, formatos industriais e competências de recepção) e suas respectivas mediações, conforme exposto acima. Seguindo a cartografia proposta pelo autor, o círculo ou circuito barberiano oferece a bússola da nossa proposta de pesquisa. Martín-Barbero captura as matrizes culturais no eixo diacrônico da relação com os formatos industriais. Atravessando o núcleo comunicação/cultura/política, o deslocamento histórico refere-se às mudanças ocorridas nos gêneros a partir das modificações efetuadas no trânsito entre movimentos sociais e discursos públicos. As matrizes são gramáticas gerativas, bacias semânticas onde o arcaico é processado, gerando o novo. E os resíduos, hibridizados, apresentam-se em outras formas e dimensões estéticas, conservando e revolucionando os conteúdos e as formas. O melodrama atravessou todas as fronteiras, em sucessivos processos de mutações e adaptações, adesões e resistências, até transformar-se em radioteatro e telenovela. Nesse percurso, impregnado de memórias, sentidos, imaginários, adaptações, perseguições, censura, resistência e aceitação, as mediações efetivam-se tão fortes quanto a força dos meios. As matrizes culturais estão situadas, portanto, na sedimentação das narrativas, saberes, hábitos, técnicas e práticas na fronteira bombardeada simultaneamente pelos discursos hegemônicos e subalternos. Adequado ao nosso objeto, o conceito de matrizes culturais percorre o arco temporal entre a gênese e a consolidação do rádio no Brasil, evidenciando as mutações que resultaram na emergência do jornalismo, as coberturas ao vivo e, contemporaneamente, a participação do ouvinte. A prática cultural da recepção de rádio, que já estava presente nos programas de auditório com a expressiva participação dos fã clubes, torcidas organizadas e seguidores, hibridizou-se em outras formas

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de interação; no nosso caso, através da participação dos ouvintes por telefone (GOLDFEDER, 1981). Dupla mediação atravessa as matrizes culturais. A institucionalidade conecta às lógicas de produção. A socialidade integra às competências de recepção. A institucionalidade está sob influência direta das regras do Estado e do mercado, incidindo sobre a regulação dos discursos, atravessados pelos grupos de pressão de ordem econômica e política, cujos impactos vão incidir na produção dos conteúdos e no direcionamento dos meios. “A institucionalidade tem sido, desde sempre, uma mediação densa de interesses e poderes contrapostos, que tem afetado, e continua afetando, especialmente a regulação dos discursos que, da parte do Estado, buscam dar estabilidade à ordem constituída e, da parte dos cidadãos – maiorias e minorias, buscam defender seus direitos e fazer-se reconhecer, isto é, re-constituir permanentemente o social.” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 17)

Na prática cultural dos ouvintes de rádio, a institucionalidade é uma categoria importante para investigar as possíveis formas de interferência dos agentes públicos na gestão das emissoras, através dos dispositivos de controle mediante a repartição de verbas publicitárias e seus consequentes impactos na gestão das informações. A relação entre governo e meios de comunicação, no eixo do controle social e das políticas públicas de comunicação, bem como as regras e normas pertinentes ao espectro radiofônico, convidam a lente da institucionalidade para trazer à luz os condicionantes políticos e econômicos que interpelam as rádios e podem refletir na relação com a recepção. Das etapas previstas, já fizemos pesquisa bibliográfica, iniciamos a exploração empírica, efetuamos uma reconstituição documental e diário de escuta. Os procedimentos contemplam ainda entrevistas com os apresentadores de dois programas selecionados e seus respectivos diretores de jornalismo. Das cinco rádios listadas, optamos pela Mirante e Difusora porque são as de maior audiência e estrutura profissional. Nelas, escolhemos os programas do turno matutino, considerado “horário nobre” do rádio informativo: na Mirante, Ponto Final, das 8 h às 11h; na Difusora, o Manhã Difusora, das 8h às 10h. Os apresentadores, respectivamente, são Roberto Fernandes e Silvan Alves, reconhecidos na comunidade dos comunicadores e ouvintes pela credibilidade e considerados “puxadores de audiência”. Ambos migraram da rádio Educadora, onde também comandaram programas do mesmo perfil. Roberto Fernandes era bastante identificado com a Educadora, onde trabalhou por mais de uma década, ancorando o programa Roda Vida. A saída dele para a rádio Mirante, de propriedade do grupo de comunicação da família do senador José Sarney, foi muito comentada e lamentada por dezenas de ouvintes, que viam na mudança de prefixo uma suposta perda de liberdade e autonomia do apresentador, visto que na Educadora, rádio católica, alinhada ao campo das oposições no Maranhão, o programa Roda Vida e seu primeiro apresentador eram tidos como referência de acolhida e repercussão das demandas da população e um fórum de debates no rádio local. Com a saída de Roberto Fernandes para a rádio Mirante, o programa Roda

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Viva foi assumido por Silvan Alves, outro comunicador de referência na radiofonia maranhense. Ele também teve de deixar o programa e mudou de emissora, contratado para apresentar um formato similar, no mesmo horário, na rádio Difusora, de propriedade da família do ministro Edison Lobão, chefe político de um dos subgrupos que integram a composição partidária-empresarial hegemônica, sob a liderança de José Sarney. As rádios AM são parte dos sistemas Mirante e Difusora. O primeiro congrega a emissora de televisão afiliada à Rede Globo, o jornal O Estado do Maranhão, o portal imirante.com e dezenas de repetidoras de TV espalhadas em todas as regiões do estado, além de rádios FM localizadas em cidades estratégicas na geopolítica estadual. O segundo detém a televisão afiliada ao SBT, o portal idifusora.com.br, rádio Difusora FM e emissoras em várias regiões do Maranhão. Os sistemas Mirante e Difusora são o braço midiático dos complexos empresariais das duas famílias, ramificados em vários negócios. A credibilidade atribuída aos dois comunicadores, Roberto Fernandes e Silvan Alves, concede a ambos uma relativa autonomia na condução dos programas. Eles seguem a linha editorial das emissoras, mas não evidenciam essa postura de forma exacerbada nos programas, durante a dinâmica ativista da recepção. Os programas Ponto Final e Manhã Difusora foram selecionados porque têm audiência consolidada, apresentadores emblemáticos, maior estrutura, mais recursos humanos, melhores condições de mobilidade dos repórteres para a cobertura ao vivo do dia-a-dia da cidade e, consequentemente, despertam atração nos ouvintes. O conjunto de qualificativos atribuídos às emissoras e aos apresentadores justifica nossa opção metodológica na medida em que as características das referidas rádios atraem os ouvintes, estimulam a participação, agregam interesse da audiência, despertam o debate com profundidade, disseminam mais informações e, sobretudo, garantem melhores condições de ativismo à recepção, foco da nossa pesquisa. Os apresentadores, por sua vez, são dotados do status de autoridade no rádio, decorrente dos seus níveis de credibilidade no processamento e gestão das informações. Ao mesmo tempo em que eles representam as linhas editoriais das emissoras, alinhando-se a uma postura governista, são tensionados pelos ouvintes. Nesse espaço conflitivo entre as forças políticas e econômicas que atuam no rádio, a inserção dos ouvintes é oportuna a uma observação à luz da institucionalidade. Apenas dois apresentadores e programas são necessários, no universo das cinco emissoras, visto que o nosso foco é a recepção. Já os diretores de jornalismo não serão necessariamente explorados para uma investigação que dê conta de subsidiar o entendimento do nosso objeto. A inquirição destes profissionais será feita a título da obtenção de informações extras, periféricas e meramente operativas, mas não centrais na fundamentação da pesquisa. As lógicas de produção compreendem o processo de moldagem da matéria-prima que será transformada em bens simbólicos sob a interferência da estrutura empresarial, competência comunicativa e competitividade tecnológica. A produção evidencia também os critérios de decisão, as ideologias profissionais e as estratégias de comercialização. Vinculam-se necessariamente ao momento da produção as rotinas industriais pertinentes à hierarquia, critérios de noticiabilidade, poder de decisão e divisão do trabalho e as interferências internas e externas, de

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ordem política e comercial, cujas tensões e/ou ajustes à linha editorial da empresa podem influenciar nos resultados oferecidos à audiência. Na aplicação do mapa noturno à nossa pesquisa, esse momento diz respeito ao processo de produção do gênero jornalístico nas emissoras de rádio, sob a coordenação dos gestores da informação: pauteiros, telefonistas, secretários, repórteres, apresentadores e demais recursos humanos envolvidos na apuração, elaboração, circulação e consumo de notícias (principalmente) e comentários. Em que pese o foco da nossa pesquisa estar localizado na recepção/consumo, a produção já contém a prática dos consumidores, visto que os ouvintes interagem constantemente com os programas, que podem incorporar ou não as demandas da recepção. A estruturação da produção, portanto, dialoga com a prática do consumo cultural, na medida em que os usos que a recepção faz dos meios interfere na produção dos conteúdos. Para entender o funcionamento desta mediação, faremos entrevistas com os apresentadores dos dois programas selecionados. As lógicas de produção relacionam-se aos formatos industriais pela tecnicidade. Esta mediação é “menos assunto de aparatos do que de operadores perceptivos e destrezas discursivas” (Martín-Barbero: 2009, 18). Tecnicidade é a lente que amplia a percepção, funciona como dispositivo através do qual abrem-se as portas e janelas sensoriais. Posta no cenário da globalização, a tecnicidade refere-se também à conexão do computador com os meios, provocando o aceleramento da relação entre discursos públicos e gêneros com os formatos industriais. A retomada do sentido do discurso e da práxis política, o novo estatuto social da técnica e da cultura dimensionam a interpelação da tecnicidade. Em nossa investigação, a tecnicidade vai buscar respostas às ressignificações da tecnologia, partindo da oralidade primária – a fala – processada no telefone e no rádio. A técnica de utilização da palavra – a retórica – será uma categoria necessária para o diálogo com a tecnicidade. Implementaremos essa etapa através de pesquisa bibliográfica. O recorte da abordagem nesta mediação é a relação entre o rádio, a cidade e os ouvintes na dimensão espaço-temporal que possibilita a conexão entre as pessoas através de duas lógicas ou eras culturais (Santaella, 2007): a palavra falada e a oralidade mediatizada. Recorre-se também ao conceito de ágora eletrônica (Brecht, 1981), sistematizando a relação entre o rádio e o exercício da participação da audiência. As raízes da ideia de ágora estão presentes nos estudos de Sennett (2003), cujas formulações esclarecem com profundidade as mudanças operadas nos ambientes ou espaços da Grécia, onde os cidadãos se reuniam para debater os assuntos da cidade. Certeau (1998) caracteriza os processos evolutivos da urbanidade e contribui para entender a dinâmica das práticas cotidianas, especialmente o ato de falar. Ativistas da palavra, os ouvintes exercem uma prática cultural que percorre a oralidade (Ong, 1998) e a retórica (Aristóteles, 2005). Os discursos, gêneros, programas e grades compõem os formatos industriais - a materialização das lógicas de produção - articulados às competências de recepção/consumo pela ritualidade, mediação que envia aos usos sociais dos meios. A ritualidade “remete-nos ao nexo simbólico que sustenta toda comunicação: à sua ancoragem na memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de intera-

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ção e repetição” (Martín-Barbero: 2009, 19). A natureza dos formatos industriais, cerzidos por narrativas disponibilizadas nos palimpsestos (suportes), movimentam-se alimentando e sendo alimentados pelos resíduos e inovações, apresentando no final na linha de produção os gêneros. Por essas características, os formatos são atravessados por um tipo de mediação – a ritualidade – cuja posição configura a relação dos meios com a audiência, ou seja, os usos do olhar, da escuta, da leitura. O nexo entre o arcaico e o contemporâneo é dado pela ritualidade, perpassando todo o processo de comunicação. O momento das competências de recepção (consumo), principal recorte da pesquisa, é mediado pela ritualidade e socialidade. Esta, por sua vez, materializa-se no cotidiano, naquilo que constrói/forma sentido da vida, na teia de relações constitutivas da subsistência, nos laços familiares, tradições, gostos, lazer, religiosidade, trabalho, sexo e outras vivências. O consumo tem lugar nas práticas cotidianas, território simultâneo da desigualdade social e das possibilidades de superação pela via da mobilidade, da ascensão social, do sonho, dos projetos de vida, dos desejos alimentados no dia-a-dia, nas rotinas do trabalho, da família e do espaço doméstico. Visto na dinâmica dos processos sociais que permitem a apropriação dos produtos, o consumo é interpelado duplamente pela ritualidade (diferentes usos sociais dos meios) e pela socialidade: “o local de devolução para a sociedade (ou para as culturas vividas) do que vem da mídia, que, por sua vez, já saiu em parte dessas mesmas culturas” (ESCOSTEGUY; FELIPPI, 2013). Remetendo às matrizes culturais, a socialidade completa o circuito do mapa noturno como espaço de afirmação dos sujeitos da recepção, lugar da ação, permeado pela eclosão dos fatos na ruptura e costura do tecido social, onde se faz e desfaz o cotidiano com as múltiplas narrativas. A socialidade é a estrada do cotidiano onde a História pavimenta sua escritura, retornando à espiral das matrizes culturais. Os ouvintes de rádio, participantes dos programas jornalísticos, estão situados nas competências de recepção em dupla dimensão: são consumidores e produtores. Esta etapa foi cumprida por meio de entrevistas com os integrantes da Sociedade Maranhense dos Ouvintes de Rádio (Somar) e pesquisa bibliográfica. Compreendendo mediação como relação dos usuários com os meios, a fronteira aberta, plataforma de fluxo, membrana porosa, situação de transformação cultural, tentaremos capturar a atividade do ouvinte de rádio inserido na relação entre produção e consumo. A partir do mapa noturno, pretendemos estudar os processos de produção de conteúdo nos programas jornalísticos das emissoras de rádio, com ênfase na participação dos ouvintes. No contexto dos momentos e das mediações, todas as etapas são importantes para compreender a dinâmica e as especificidades da geração de conteúdo. As competências de recepção e as mediações (ritualidade e socialidade) merecem um olhar teórico e empírico mais apurado. Sendo a atividade dos ouvintes o foco desta pesquisa, a recepção vai exigir um tratamento conceitual de superfície e profundidade, confrontada às revelações do campo. A produção, a circulação e o consumo, vistos de forma articulada, serão estudados à luz do mapa noturno, dando ênfase às competências de recepção. Assim, fechamos o contorno do mapa, eixo da proposta metodológica. A visada barberiana, tensionando os postulados clássicos do marxismo, movimentou a teoria centrada nos meios, deslocando-a para as mediações, retomando o papel do

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Estado normatizador, porta-voz da cultura oficial, mas sem conseguir conter as pulsações das culturas subalternas. Na longa mutação do popular ao massivo, Martín-Barbero costurou o legado da recepção – do melodrama à telenovela – chegando à formulação do mapa noturno. As lógicas e as mediações visualizadas no mapa noturno permitem a navegação em espiral das matrizes culturais em diacronia, atravessando o núcleo político-cultural-comunicativo, até chegar aos formatos industriais. No eixo sincrônico, o movimento segue das condições de produção ao consumo. Com o foco nos ouvintes, a estratégia metodológica percorrerá todo o mapa, com um olhar mais apurado nas competências de recepção. Das matrizes culturais sobressaem-se as mutações que atravessam a oralidade e a retórica como técnicas de remodelação do arcaico – a fala. Nas condições de produção e nos formatos industriais evidenciaremos as mediações pertinentes ao processamento da informação em notícias, opiniões e comentários. Os Estudos Culturais latino-americanos, portando, equipam a pesquisa ao acionarem o ferramental teórico-metodológico capaz de capturar o objeto no movimento da realidade concreta, sujeita ao contexto e às variáveis dos cenários, articulados às categorias e conceitos da oralidade, retórica, participação e discurso, com os quais pretendemos interpretar o material empírico. Com a pesquisa empírica em parte efetivada (referente às entrevistas com os ouvintes), estamos apresentando para discussão a proposta metodológica já colocada em campo parcialmente. Referências ARISTÓTELES. Retórica. 2a ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005. 318p. BRECHT, Bertolt. Teoria de la radio (1927-1932). In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Gustavo Gili, 1981. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998. CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2003. DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: BARROS, Antonio; DUARTE, Jorge. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009. ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Cartografias dos estudos culturais – uma versão latino-americana. ed. on-line. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. _____________, Ana Carolina; JACKS, Nilda. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker, 2005. _____________, Ana Carolina; FELIPPI, Angela. Jornalismo e estudos culturais: a contribuição de Jesús Martín-Barbero. Revista Rumores, n. 14. vol 7. Julho-dez 2013 GOMES, Itania Maria Mota. Efeito e recepção: a interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: E-Papers, 2004. JACKS, Nilda; MENEZES, Daiane; PIEDRAS, Elisa. Meios e audiências: a emer-

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gência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2008. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. 6. ed. ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas – SP: Papirus, 1998. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SENNETT, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: Record, 2003. THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação no campo da comunicação sócio-política. Revista Comunicação e Sociedade. n.4. São Bernardo do Campo: UMESP, 1980.

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“Eles Podem Ser Malucos, Mas São Profissionais!” Um Estudo de Recepção Sobre o Grupo Black Sabbath no Programa Fantástico Fábio CRUZ1 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul Este trabalho apresenta um estudo de recepção sobre uma reportagem exibida no programa “Fantástico”, da Rede Globo de Televisão, sobre o grupo de rock inglês Black Sabbath. A pesquisa adota como marcos teórico-metodológicos os pressupostos da cultura da mídia, de Douglas Kellner (2001), o fait divers (Roland Barthes, 1971) e a perspectiva das mediações, de Jesús Martín-Barbero (1997). O corpus de análise abrange uma edição, captada no dia sete de julho de 2013, que versa sobre o lançamento do novo álbum da banda e a sua vinda ao Brasil no mesmo ano. Para tanto, inicialmente, abordamos um breve histórico dos programas jornalísticos no Brasil, o papel da rede Globo de televisão na realidade brasileira e a concepção de revista eletrônica. Neste sentido, traçamos um perfil do programa Fantástico. Logo após, averiguamos de que forma a mídia produz significado na atualidade buscando identificar os elementos que influenciam suas construções. Em um segundo momento, a perspectiva das mediações (Martín-Barbero, 1997) será revista com o objetivo de subsidiar o estudo de recepção proposto, o qual será realizado junto a um grupo de oito fãs do grupo Black Sabbath através da técnica dos grupos de discussão. Seguindo uma postura crítica, histórica e dialética, salientamos, cabe ressaltar, que este trabalho não pretende generalizar resultados, mas, sim, detectar tendências e vislumbrar possibilidades em um determinado contexto com base em uma amostra de opiniões. É na mídia que, atualmente, encontramos a forma dominante de cultura. Através de um véu sedutor que combina o verbal com o visual, a cultura da mídia – que é a cultura da sociedade – divulga determinados padrões, normas e regras, sugere o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado; fornece símbolos, mitos e estereótipos através de representações que modelam uma visão de 1 Pós-doutor em Direitos Humanos, Mídia e Movimentos Sociais (Universidade Pablo de Olavide – UPO, Sevilha/Espanha). Doutor em Cultura Midiática e Tecnologias do Imaginário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). e-mail: [email protected]

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mundo (imaginário social) de acordo com a ideologia vigente. Essa realidade constitui o horizonte social do “Fantástico”: apegado a interesses particulares, que respeitam determinados dogmas, e respirando o ar globalizante que permeia a realidade das empresas de comunicação, o programa dispensa, desta forma, específica modelagem às suas informações. Assim, em que pese o caráter informativo da matéria analisada, o “Fantástico” trava uma relação de cumplicidade com o poder vigente e a manutenção deste, e acaba estabelecendo simbolicamente uma ideologia de mercado em suas produções. Como resultado, na ação figural, o fait divers reina absoluto. Tal cenário é notado pela grande maioria dos entrevistados. De posse de suas competências culturais, fãs e não fãs da banda, os quais possuem idades, escolaridades, profissões e crenças diferentes, enxergam os desvios presentes na produção do “Fantástico” e opõem-se ao discurso da reportagem. Percebem o tom de deboche dos apresentadores e do repórter, o uso de clichês e estereótipos; observam a exploração de informações secundárias como a questão das drogas e as suas consequências nos integrantes da banda. Demonstrando uma postura de país atrasado ao tratar do Black Sabbath – a mesma que o entrevistado Sandro aponta da época da primeira edição do Rock in Rio –, o “Fantástico” informa sem informar. Ao invés de focar as atenções no novo disco e na turnê que passaria inclusive pelo Brasil, a tônica da matéria foi a do superficial baseada na emoção gratuita. Assim, a reportagem abusa da inteligência do receptor. Referências BARTHES, Roland. Ensaios críticos. Lisboa: Edições 70, 1971. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

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‘Recepção audiovisual: as significações sobre a América Latina na Catalunha a partir da série Presidentes de Latinoamérica Rafael FOLETTO1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS A série de reportagens Presidentes de Latinoamérica tem no seu centro os presidentes de diversos países do continente. Exibida em televisões públicas e estatais de diversos países latino-americanos (incluindo o Brasil) no sistema comunicativo multiestatal TeleSUR e, disponível na internet2, o conjunto de quatorze documentários, com aproximadamente uma hora cada, teve como objetivo compreender o cenário atual da América Latina, a partir das entrevistas, declarações e falas dos chefes de Estado da região, que apresentam as suas construções e visões sobre a época, as possibilidades de mudança e, inclusive, suas vidas privadas e trajetórias pessoais. O programa Presidentes de Latinoamérica traz entrevistas presenciais com doze Chefes de Estado da região, apresentando relatos autobiográficos e algumas reflexões dos principais líderes da América Latina, expondo os pontos interessantes para compreender os sofrimentos, as conquistas e as esperanças dos habitantes da região (FILMUS, 2010). As entrevistas dos presidentes permitem não apenas conhecer as origens, lutas, sonhos e pensamentos dos homens e mulheres que chegaram ao governo em seus países, nos primórdios do século XXI, mas também o contexto que atravessa a região. Ainda, observa-se nesse produto midiático um processo comunicacional complexo que imbrica características, elementos e linguagens do documentário, da televisão e do jornalismo. Igualmente, esses vídeos fazem circular e convergir os seus conteúdos para outros formatos, suportes e tecnologias, como a internet. E, também, movimentando-se para outros espaços que não o midiático, gerando debates e interações no espaço público, bem como nas significações de sujeitos comunicantes (MATA et al., 2009), atentando para as suas competências como leitores, colaboradores, fruidores, observando as suas expressões e manifestam simbolicamente, em termos de processo comunicacional. Compreende-se que des1 Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 2 Disponível no site: .

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se modo é possível investigar a série audiovisual, abrangendo as várias dimensões do processo comunicativo, bem como as distintas mediações que perpassam esse processo. Sendo assim, busca-se problematizar o processo comunicacional de construção simbólica da América Latina, a partir do produto audiovisual e das falas, pensamentos, compreensões e visões de mundo dos interlocutores, no caso, sujeitos comunicantes, residentes na Catalunha, a partir da realização de vídeo-conversas, de modo a enriquecer a compreensão da problemática da investigação. A vídeo/ conversa, enquanto procedimento técnico metodológico permite registrar apropriações a partir das interações de cada sujeito com os fragmentos audiovisuais. Igualmente, possibilita a observação de falas, gestos e sonoridades que constituem os fluxos de apreciações dos materiais simbólicos (MALDONADO 2001). Compreende-se que a realização de diálogos com diversos interlocutores residentes em Barcelona, em diferentes espaços (universidades, cineclubes, associação de bairro, coletivos culturais, etc.), possibilita dimensionar e analisar as apropriações, usos, recusas e contextos de inter-relação com o conteúdo da série audiovisual problematizada, no sentido de compreender que sentidos sobre a América Latina constroem a partir do contato com o material visual, bem como através das suas vivências e trajetórias midiáticas e pessoais. Da mesma forma, compreende-se a necessidade de se realizar reflexões teóricas e metodológicas que possam representar uma contribuição as investigações realizados no âmbito do campo da comunicação, sobretudo, no que diz respeito a questão da recepção, entendida por Mattelart e Neveu (2004) como o momento privilegiado da produção de sentido. Referências FILMUS, Daniel. Presidentes: voces de América Latina. Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara, 2010. MALDONADO, Alberto Efendy. Teorias da Comunicação na América Latina: enfoques, encontros, apropriações da obra de Verón. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2001. MATA, María Cristina et al. Ciudadanía comunicativa: aproximaciones conceptuales y aportes metodológicos. In: PADILLA, Adrián e MALDONADO, Alberto Efendy. Metodologías transformadoras: tejiendo la Red em Comunicación, Educación, Ciudadanía e Integración em América Latina. Caracas: Fondo editorial CEPAT/ UNESR, 2009. MATTELART, Armand & NEVEU, Érik. Introdução aos estudos culturais. São Paulo: Parabola, 2004.

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Os Telejornais do Meio Dia no Espaço Doméstico As mediações do cotidiano familiar na recepção de telejornais Ilka GOLDSCHIMIDT1 Caroline FIGUEIREDO2 Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó, Chapecó, Santa Catarina Desde o seu surgimento no Brasil, a televisão vem passando por inúmeras transformações, sejam elas tecnológicas, de produção ou de distribuição de seu conteúdo jornalístico em busca de se reinventar. Nesta relação entre o programa e o telespectador, muitos elementos parecem estar em jogo: audiência, patrocinadores, interesses comerciais, público eclético e entre esses elementos o que é mais caro ao jornalista; o interesse público. Silas observa que há um antagonismo entre a televisão e a sua audiência, como se fosse uma força de mão dupla. (SILAS, 1998, p.137). Sousa também acredita na negociação entre produtores e receptores. Generalizar o receptor, nesse processo, é um dos maiores equívocos que se pode cometer. Cada sujeito é único dentro do processo de recepção. Aspectos sociais, religiosos, psicológicos, estão intrinsecamente associados às diferentes escolhas da programação televisiva. Esta pesquisa procura compreender como se dá a recepção dos telejornais do meio dia em Chapecó (SC) a partir da mediação familiar. A intenção é acompanhar a audiência no momento em que os telejornais são exibidos e compreender o telespectador enquanto sujeito/receptor, como único dentro de um determinado espaço geográfico/bairro, observando as diferentes mediações. Através do estudo de recepção serão considerados como fundamentais os elementos do cotidiano, presentes na mediação familiar e doméstica para compreensão da audiência desses telejornais. Entre os telejornais do meio dia o Jornal do Almoço, produzido pela RBS TV, está no ar há mais de 30 anos em Chapecó. O telejornal do meio dia da RIC 1 Ilka Margot Goldschmidt –Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Professora da Àrea de Ciências Sociais Aplicadas na Unochapecó e pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisa em Comunicação e Processos Sócio-Culturais e aos Núcleos de Pesquisa em Jornalismo e Desenvolvimento Regional e em Mídia Cidadã. 2 Caroline da Costa Figueiredo – graduanda em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Bolsista do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Desenvolvimento Regional.

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TV está no ar desde que o grupo comprou o antigo SBT Chapecó, que pertencia à Rede SC, em 2007. Independente das mudanças que ocorreram nas empresas, o certo é que o horário do meio dia sempre foi alvo de uma acirrada disputa pela audiência. As emissoras concorrentes historicamente disputam a atenção do telespectador e lançam mão de pautas que procuram cada vez mais aproximar o programa da comunidade, assim como sorteio de ingressos e jogos de adivinhação. Tudo em nome da audiência, mas não, necessariamente, em nome da qualidade da informação, já que atualmente predomina nas emissoras de televisão a clara intenção de atender ao interesse do público mesmo que isso signifique ignorar a cobertura de fatos de interesse público. A opção em estudar a recepção no cotidiano familiar de cinco famílias de Chapecó-SC se dá pelo fato da cidade ainda apresentar como característica a reunião da família ao meio dia. De acordo com Martín-Barbero (2003) a família é um âmbito de conflitos e fortes tensões. A cotidianidade familiar é, ao mesmo tempo, “um dos poucos lugares onde os indivíduos se confrontam como pessoas e onde encontram alguma possibilidade de manifestar suas ânsias e frustrações” (BARBERO, 2003, p. 305). Assim, entender o cotidiano familiar como uma mediação na recepção televisiva exige observar as práticas que passam a ter lugar dentro da unidade familiar. Há muitas suposições sobre o comportamento da audiência, mas a maneira como ela se manifesta em relação ao que lhe é oferecido no cardápio de notícias das emissoras de televisão locais é o foco dessa pesquisa. . Esta pesquisa procura compreender como se dá a recepção dos telejornais do meio dia (Jornal do Almoço-RBS e Jornal do Meio Dial –RIC) a partir da mediação familiar. A intenção é acompanhar a audiência no momento em que os telejornais são exibidos e compreender o telespectador enquanto sujeito/receptor, como único dentro de um determinado espaço geográfico/bairro, observando as diferentes mediações. Através do estudo de recepção e etnográfico serão considerados como fundamentais os elementos do cotidiano, presentes na mediação familiar e doméstica para compreensão da audiência desses telejornais. Referências - BARBERO, Jesus Martín. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2009. - SOUSA, Mauro Wilton de. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense. 1995.

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Sujeitos em Campo: Análise das Práticas Jornalísticas Através das Posições dos Sujeitos Discursivos Elisangela MORTARI1 Viviane BORELLI2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS A teoria da enunciação aponta a posição de diferentes sujeitos presentes na produção textual. Cada texto que circula cria efeitos de sentido oriundos das posições ideológicas dos sujeitos que ocupam os espaços da produção textual. Segundo Milton José Pinto (1999), os campos de constituição dos sujeitos discursivos são decisivos no ato da enunciação, ou seja, no momento anterior da materialidade do texto propriamente dito é quando se apresenta o sujeito da enunciação. Cabe a ele conduzir os trajetos discursivos e provocar as instâncias que negociam os sentidos: sejam eles os sujeitos do enunciado ou os receptores ideais (co-enunciadores). Compreender a dinâmica dos sujeitos que atuam no campo discursivo permite visualizar os engendramentos da rotina midiática, além de provocar a discussão acerca das instituições midiáticas. Reconverter o olhar para as práticas jornalísticas mediante o pacto estabelecido entre as instâncias de produção do dispositivo jornalístico altera as condições de recepção e de circulação dos sentidos da informação. O valor de notícia é negociado mediante operações enunciativas que, através do lugar ocupado pelos sujeitos aponta para o valor da instituição jornalística sobre o fazer jornalismo. Dessa forma, a instituição midiática supera as rotinas produtivas impostas pela dinâmica das redações e introduz o olhar estratégico do campo mercadológico. Nesse momento, observa-se que o sujeito da enunciação apera segundo uma escolha interessada para o rendimento de capital e para o lucro simbólico. A instituição jornalística confronta os sentidos ao colocar em disputa em um ‘campo de forças’ a lógica organizacional e a lógica informacional. Há um engajamento 1 Elisangela Carlosso Machado Mortari - Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Docente Depto de Ciências da Comunicação – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Viviane Borelli - Doutora, Universidade do Vale do Rio do Sinos – Unisinos. Docente Depto de Ciências da Comunicação – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. ______________________ Rogério Saldanha Correa, Francieli Jordão Fantoni e Débora Dalla Pozza contribuíram na coleta de dados junto aos veículos de comunicação em Santana do Livramento, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul e Santa Maria.

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entre os sujeitos que são colocados em campo, além da pactualização nos lugares de fala ocupados pelos sujeitos. Essas posições ideológicas e discursivas são percebidas através das análises dos textos produzidos pelas instituições midiáticas “A Platéia” (Santana do Livramento/RS), “Gazeta do Sul” (Santa Cruz do Sul/RS), “Pioneiro” (Caxias do Sul/RS) e “Diário de Santa Maria” (Santa Maria/RS). As marcas textuais que apontam qual competência será assumida pelos sujeitos no jogo discursivo geralmente indicam que a instituição midiática “representa a sociedade como um todo”, que a principal característica do grupo midiático é “o empreendedorismo: o grupo junto”, ou ainda quando o sujeito referencia que o principal valor da instituição midiática é “a proximidade com a realidade da cidade”. Os sujeitos, portanto, são conduzidos pela ação da enunciação das instâncias midiáticas que compartilham os sentidos da organização no tratamento e na produção da informação. Referências CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e Discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2010. FAUSTO NETO, Antonio. Mutações nos discursos jornalísticos: ‘da construção da realidade’ a ‘realidade da construção’. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, 2006. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1804-1.pdf.. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo: Editora Cortez, 2013. PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: Introdução à Análise de Discursos. São Paulo: Hacker Editores, 1999.

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O Ritual da Assistência do Jornal Nacional em Famílias de Classe Popular Tissiana NOGUEIRA PEREIRA1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul O objetivo do texto é refletir sobre os usos e as apropriações do telejornal por famílias de classe popular, a partir da mediação ritualidade (Martín-Barbero, 1990, p. 11-13) que diz respeito aos modos de ler e de ver o telejornal. Ela implica considerar a experiência de vida dos sujeitos: a classe social, a educação, a etnia, o gênero e as tradições familiares. O eixo teórico desse artigo é os estudos culturais latino-americanos a partir da Teoria das Mediações de Martín-Barbero (1987) e a perspectiva de classe social com base em Pierre Bourdieu (2007). A classe social é importante para que se possa definir a posição ocupada pelos atores no espaço social e para a compreensão do mundo em que se vive. A relevância em considerar a classe social é pelo fato do Brasil ser um país em que a desigualdade social é evidente, havendo uma grande concentração de riqueza por uma parte pequena da sociedade e uma grande desigualdade na distribuição de renda. Segundo Quadros (2008, p. 2), a classe popular compõe a maioria da população brasileira, já que, dos indivíduos que declaram rendimentos, 28,2% são da “baixa classe média”, 37,3 % da “massa trabalhadora” e 20,1% da população é formada por “miseráveis”. Acredita-se que a classe social que os receptores pertencem seja importante para conformar os modos de leitura que fazem do telejornal, bem como para constituição de suas representações, sendo a classe social relevante para a maneira como os receptores usam e se apropriam da mídia. Apesar de haver inúmeras formas de acesso à informação, como a internet ou telefones celulares, sabe-se que a televisão e o telejornal ainda são a principal forma de acesso à informação para a maioria dos brasileiros. Ainda que ao longo dos anos tenha havido um aumento da concorrência e queda de audiência do Jornal Nacional, da Rede Globo, este continua sendo o mais assistido pela maioria da população (Pesquisa Brasileira de Mídia – Hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, 2014)2, e por isso, este estudo tem como objeto a recepção deste telejornal. 1 Tissiana Nogueira Pereira- Mestranda, Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. Bolsista Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES, desde março de 2013. 2 Divulgada em fevereiro deste ano e encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Disponível em http://de.slideshare.net/BlogDoPlanalto/pesquisa-brasileira-de-mdia-2014

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A metodologia é a etnografia crítica da recepção proposta por Ronsini (2010, p. 2) que consiste em considerar o contexto onde os agentes se apropriam dos meios de comunicação com o fim de “compreender a reprodução social e não apenas a capacidade criativa das audiências em resistir à dominação”. A amostra é composta por três famílias de classe popular, seguindo os critérios de Quadros e Antunes (2001), residentes da Vila Renascença, na região Oeste de Santa Maria. As ferramentas de coleta são o diário de campo e a observação participante. O corpus do trabalho é composto por 25 edições do Jornal Nacional, que foram assistidas com as famílias de outubro de 2013 até janeiro de 2014. A ritualidade, quando estudada a partir da recepção de telejornal, pode ser analisada no momento da assistência do programa com as famílias informantes. É nesse momento que se pode apreender como os integrantes assistem o telejornal, com que frequência o fazem, se isso acontece paralelamente à outras atividades, quais integrantes mais interessados no programa e onde fica localizada a televisão da casa. Além disso, é possível captar os trajetos de leitura do telejornal pelos receptores, ou seja, a importância do telejornal na vida dos informantes, o que comentam sobre o telejornal e quais reportagens chamam mais atenção. Observou-se que o ritual de assistência do Jornal Nacional configura-se de diferentes maneiras nas três casas e mesmo assim é possível apontar algumas recorrências, principalmente quanto à importância do telejornal para as famílias, os tipos que reportagens que mais despertam interesse dos informantes e ainda a configuração do espaço doméstico durante o horário de exibição do telejornal. Referências BOURDIEU, P. A distinção – crítica social do julgamento. Tradução Daniela Kern; Guilherme, F. Teixeira. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones. Barcelona: Gustavo Gili, 1987. ____________. De los medios a las practicas. Cuadernos de comunicación y practicas sociales, n. 1, p. 9-18, 1990. QUADROS, W. A evolução da estrutura social brasileira: notas metodológicas. Texto para discussão. IE/UNICAMP. n.147, nov. 2008.. IE/UNICAMP. 2008. ______________. Estratificação social no Brasil: o “efeito demográfico”. Texto para discussão. IE/UNICAMP. n.151, nov. 2008. QUADROS, W.; ANTUNES, D. (out. 2001). Classes sociais e distribuição de renda no Brasil dos anos noventa. Cadernos do CESIT. Campinas. n.30. RONSINI, V. M. Mercadores de sentido: consumo de mídia e identidades juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2007. ______________. A perspectiva das mediações de Jesús Martín-Barbero (ou como sujar as mãos na cozinha da pesquisa empírica de recepção). In: XIX Encontro da Compós. Rio de Janeiro, 2010. ______________. A perspectiva das mediações de Jesús Martín-Barbero (ou como sujar as mãos na cozinha da pesquisa empírica de recepção). In: GOMES, I; JANOTTI JUNIOR, J. Comunicação e estudos culturais. Salvador: EDUFBA, 2011.

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Juventude e Mídia: dados preliminares sobre o consumo de informação jornalística pelos jovens do Ensino Médio de Santa Maria Glaíse PALMA1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este texto tem por objetivo apresentar dados preliminares do estudo piloto realizado como parte do projeto de doutorado ‘Juventude e Mídia: o consumo de informação jornalística pelos jovens do Ensino Médio de Santa Maria através da televisão e da Internet’. Os conceitos chave a partir dos quais está sendo desenvolvido o presente estudo são: juventude, consumo e informação jornalística. A juventude opera enquanto categoria chave para o estudo de consumo de mídia, optando por um recorte empírico que dê conta dos jovens matriculados na rede pública e particular de Ensino Médio da cidade de Santa Maria. A proposta aqui apresentada parte de uma reflexão teórica para entender os modos como os jovens consomem bens simbólicos, compreendendo o consumo como uma prática sociocultural em que se constroem significados e sentidos de viver (CANCLINI, 1995). Por fim, a informação, como explicita Tambosi (2005), é o objetivo que move a atividade jornalística. No entanto, o conceito de informação jornalística aparece muitas vezes atrelado à noção de notícia, confundindo as definições e não esclarecendo limites e perspectivas que cada termo encerrra. Com a intenção de proceder um estudo exploratório a fim de uma primeira aproximação com a população alvo deste estudo, assim como obter dados a partir dos quais fosse possível revisar o instrumento de pesquisa, foi desenvolvido um teste piloto no segundo semestre de 2013. Foram disponibilizados, através do Facebook e Twitter, questionários produzidos no Google Drive, para que os jovens de Ensino Médio de Santa Maria e região respondessem sobre os meios de comunicação que utilizam. Ao todo, 79 jovens responderam ao instrumento, sendo 50 pertencentes à rede privada de ensino e os 29 restantes estudantes da rede pública. A partir deste teste, vários pontos foram observados, desde a formulação e o conteúdo das questões até a pertinência e exequibilidade da amplitude do estudo, sendo que o questionário foi revisado e reformulado 1 Glaíse Bohrer Palma – Doutoranda PPGCOM Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Professora Curso de Jornalismo Centro Universitário Franciscano – UNIFRA

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para fins de aplicação de modo definitivo no segundo semestre de 2014. A metodologia quantitativa é pensada, neste contexto, para a obtenção de informações sobre fenômenos que podem, de certo modo, ser compreendidos através de medidas, na intenção de uma certa objetividade e clareza de dados. Como afirma Gressler (2004, p. 42) a abordagem quantitativa caracteriza-se pela formulação de hipóteses, definições operacionais das variáveis, quantificação nas modalidades de coleta de dados e informações, utilização de tratamentos estatísticos. Amplamente utilizada, a abordagem quantitativa tem, em princípio, a intenção de garantir a precisão dos resultados, evitar distorções de análise e interpretação.

Atualmente, de acordo com dados da 8ª Coordenadoria de Educação, são 7.485 alunos matriculados na rede estadual da cidade. Já a rede federal possui 699 alunos matriculados. Por fim, a rede privada conta hoje com 1.845 alunos. Estes dados incluem matrículas do Ensino Médio integrado à Educação Profissional e o Ensino Normal/Magistério, mas não incluem matrículas de atendimento educacional especializado. Referências RONSINI, Veneza Mayora. Mercadores de sentido: consumo de mídia e identidades juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2007. GARCIA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. GRESSLER, Lori Alice. Introdução à pesquisa: projetos e relatórios. São Paulo: Loyola, 2004. TAMBOSI, O. Informação e conhecimento no jornalismo, Estudos em Jornalismo e Mídia (UFSC), Florianópolis, v. 2, nº1, p. 31-38, 2005.

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A Recepção Do Programa Balanço Geral: Olhares Sobre O Telejornalismo Sensacionalista Esther LOURO1 Michele NEGRINI2 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul A televisão se tornou o principal veículo de comunicação de massa do Brasil. Ela tem um lugar particular na vida das pessoas, tendo em vista que oferece possibilidades de entretenimento, de lazer e de obtenção de informações. Vale ressaltar, no contexto da programação televisiva, os telejornais, os quais, muitas vezes, são importantes instrumentos de informação para o público. Atualmente, muitos telejornais utilizam-se de diversos recursos, como a espetacularização e o sensacionalismo para atingir seu público. Sendo mais que necessária uma reflexão profunda sobre a responsabilidade dos telejornais como formadores de opinião e uma análise das práticas jornalísticas na televisão. Para tal, o presente estudo tem por objeto analisar a recepção do programa telejornalístico “Balanço Geral RS”, apresentado pela emissora de sinal aberto Rede Record. O formato do programa é baseado na edição do estado de São Paulo, uma vez que a atração Balanço Geral é nacional, tendo hoje exibição diária em outros 13 estados do país. A atração estudada é dirigida às classes C e D, residentes na cidade de Porto Alegre e região metropolitana, e fora escolhido por se utilizar de recursos do jornalismo popular. Desta forma, o programa Balanço Geral e o estudo de sua recepção demonstram-se interessantes objetos de estudos. Esta pesquisa tem por objetivo analisar como um determinado grupo recepciona o formato jornalístico do programa Balanço Geral, que faz parte da grade de telejornais da emissora Rede Record. Buscamos, também, entender como a postura do apresentador Alexandre Motta é avaliada pelos participantes do estudo. A análise foi realizada por meio de um estudo de recepção com 10 pessoas, através da realização de um questionário e de uma discussão em grupo, com a troca de experiências entre os participantes. Para a realização do estudo de recepção do programa Balanço Geral, 1 Esther Louro – Bacharel em Jornalismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel. 2 Michele Negrini – Orientadora do trabalho. Doutora em Comunicação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC RS. Professora da Universidade Federal de pelotas – UFPel.

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foi utilizada a técnica de pesquisa qualitativa, por meio de um questionário misto com questões abertas e fechadas, que os próprios participantes preencheram, e, logo após, o grupo foi convidado a formar uma grande roda de troca de experiências e percepções sobre a atração Balanço Geral. Para a realização do estudo, foram exibidos três vídeos do programa, que foram ao ar entre junho de 2009 e novembro de 2013. Os mesmos foram escolhidos por serem populares no site de vídeos Youtube, e por conterem elementos e pautas recorrentes na programação do Balanço Geral. Referências AMARAL, Márcia Franz. Jornalismo Popular. Contexto, 2006. AMARAL, Márcia Franz. Imprensa popular: sinônimo de jornalismo popular? XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2006. AMARO, Ana; PÓVOA, Andreia; MACEDO, Lúcia. A arte de fazer questionários. Metodologias de Investigação em Educação. Faculdade de Ciências da Universidade Do Porto, 2004. Disponível em http://webcache.googleusercontent.com/ search?q=cache:28D4XKlyT_4J:www.jcpaiva.net/getfile.php?cwd%3Densino/ cadeiras/metodol/20042005/894dc/f94c1%26f%3Da9308+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 01 fev. 2014. ANGRIMANI, Danilo. Espreme que Sai Sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus, 1995. BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de telejornalismo: os segredos da notícia na TV. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. BRANDALISE, Roberta. A Televisão Brasileira nas Fronteiras do Brasil com o Paraguai, a Argentina e o Uruguai. Tese de Doutorado, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo: Acervo da USP, 2011. HALL, Stuart. Codificação/Decodificação. In Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. JACKS E ESCOSTEGUY, Nilda e Ana Carolina. Comunicação e Recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ,1997. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Televidencia: perspectivas para el análisis de los procesos de recepción televisiva. Cuadernos de comunicación y practicas sociales. México: Universidad Iberoamericana, n. 6, 1994. PATERNOSTRO, Vera I. O texto na tv: manual de telejornalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

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Circulação informativa e reapropriação discursiva dos leitores: o tumblr como estratégia de significação de acontecimentos jornalísticos Laura STORCH1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul O jornalismo contemporâneo acompanha, como um desafio a ser compreendido, o desenvolvimento do que podemos conceber como a materialização discursiva da leitura (STORCH, 2009). Se podemos afirmar que o leitor sempre fez parte, na Teoria do Jornalismo, da configuração do processo de produção noticiosa (ALSINA, 2009), é possível ponderar, de outro lado, que sua interação com a prática institucionalizada da profissão ganhou, no contexto do ciberespaço, uma outra dimensão - capaz de se refletir nos processos de reorganização da atividade jornalística. É nesse contexto, que Zago (2013, p. 87) sustenta a recirculação de notícias no jornalismo digital como “[...] uma subetapa potencial da circulação jornalística, na medida em que a etapa de circulação pode continuar, através de espaços públicos mediados, após o consumo”. Nos aproximamos do conceito para buscar compreender os movimentos de interação entre leitores e jornalismo, a partir do mapeamento de estratégias de significação, marcadas pelo que Dourisch (2003) define como “apropriação de tecnologias interativas”. Avançamos, entretanto, para uma compreensão discursiva dessa prática, e buscamos observar os movimentos de apropriação dos espaços interacionais e dos recursos culturais neles em circulação. Assumimos, nesse sentido, a interpretação como um fenômeno de leitura ativa (STORCH, 2009). Esse movimento de interpretação, ou de apropriação discursiva, a partir dos processos de recirculação, acontecem de diferentes formas, como comentários, compartilhamentos ou debates públicos. Em qualquer dos casos, o jornalismo passa a ser interpretado pelos leitores, a partir do que estamos considerando um movimento de reapropriação com vistas à significação dos acontecimentos que ele elege noticiar. Nesse contexto, o humor se apresenta como estratégia discursiva relevante, competente por se fundamentar na intertextualidade, exigindo dos interagentes o compartilhamento 1 Laura Storch – Jornalista. Doutorado em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor Adjunto na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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de mapas de significado (HALL, 1993) que envolvem, sistematicamente, a leitura jornalística. De forma a observar esses fenômenos empiricamente, optamos pela análise do tumblr “Papel de Candidato”, criado para repercutir o acontecimento jornalístico que destacou a estratégia comunicacional adotada pela assessoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG), durante a convenção que o confirmou como candidato à Presidência da República em junho de 2014. Bonecos de papelão, em tamanho real, com a fotografia de Aécio Neves foram disponibilizados para que os militantes pudessem tirar fotografias com a versão impressa do senador. Nos interessa, de modo particular, o reconhecimento das marcas de intertextualidade entre diferentes acontecimentos jornalísticos presentes nas peças humorísticas postadas nesse tumblr. Nossa compreensão geral aponta o tumblr como uma estratégia de leitura ativa, ressignificando acontecimentos jornalísticos e se inserindo na rica dinâmica de recirculação jornalística. Referências ALSINA, Miguel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009. DOURISH, P. The Appropriation of Interactive Technologies: Some Lessons from Placeless Documents. Computer-Supported Cooperative Work, 12, p.456-490, 2003. HALL, Stuart et al. A produção social das notícias: o mugging nos media. In: TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1993. STORCH, Laura. Atividades de leitura no jornalismo online: a reformulação do discurso jornalístico a partir da participação de leitores escritores. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2009. ZAGO, Gabriela. Sites de Redes Sociais e Jornalismo: Explorando a Percepção dos Usuários sobre a Circulação Jornalística no Twitter e no Facebook. Revista Novos Olhares, vol2, num2. São Paulo: USP, 2013.

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Estudantes universitários como sujeitos da pesquisa exploratória: as fronteiras internacionais em representações e vivências Tabita STRASSBURGER1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul O texto apresenta as primeiras aproximações com a pesquisa de doutorado que busca problematizar as realidades fronteiriças internacionais, considerando as representações que circulam acerca da temática e, de modo especial, a forma como essas regiões são retratadas pelo jornalismo, nos âmbitos nacional e local. A partir dessa perspectiva, traz as processualidades de uma atividade experimental desenvolvida na disciplina complementar da graduação “Comunicação, Fronteira e Identidade”, no curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), nos segundos semestres letivos de 2012 e de 2013. O referido campus fica na cidade de São Borja, fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, divisa com Santo Tomé, província de Corrientes, Argentina. Seguindo traços da “pesquisa exploratória”, indicada por Bonin (2011), foi organizada uma proposta no intuito de estabelecer um primeiro contato com as turmas e perceber, de maneira inicial, que representações circulavam entre aqueles universitários no que tange às fronteiras internacionais. Importa explicitar que a presente reflexão compreende esses estudantes enquanto sujeitos receptores, agindo de maneira ativa no consumo, produção e compartilhamento de informações e conteúdos. Para tanto, com Morley (1997), Huertas Bailén (2002) e Mattelart e Mattelart (2004), são fundamentadas as reflexões sobre a participação ativa, o protagonismo dos sujeitos frente às mídias e as competências comunicacionais que apresentam. A ideia de desenvolver uma pesquisa exploratória com as turmas, em sala de aula, surgiu do interesse em compreender como esses sujeitos, que estão vivendo nesse cenário peculiar, percebem o espaço fronteiriço e as experiências que nele ocorrem cotidianamente e das quais participam de distintas formas. 1 Tabita Strassburger – Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

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Partindo desses aspectos, no primeiro encontro, foi pedido aos estudantes que escrevessem palavras a que eram remetidos quando pensavam em “fronteiras”. Conforme os termos eram compartilhados com o grupo, cada acadêmico comentava a razão de ter escolhido tais expressões, explicando algumas das referências que resultaram nas palavras. Em momento posterior e considerando o que indicaram, a dinâmica teve a finalidade de problematizar as realidades fronteiriças, estabelecendo discussões sobre os diferentes contextos dessas regiões e propondo uma imersão dos universitários nas vivências do país vizinho. Com base em Moscovici (2011), atentou-se ao conceito de Representações Sociais, refletindo acerca de comentários feitos nas primeiras aulas, e nas possíveis reelaborações que talvez fossem construídas no decorrer dos diálogos. Nesse sentido, foi possível apreender algumas elaborações dos discentes, por exemplo, em termos de diferenças e similaridades no que diz respeito aos cenários fronteiriços. Pôde-se observar que as compreensões variavam entre aqueles que experienciavam mais a realidade limítrofe, indo com frequência ao país vizinho. Também, em relação aos acadêmicos que conheciam a realidade cotidiana em diferentes regiões de fronteiras (tanto no Brasil, quanto em outros países). Apesar de incipiente, a pesquisa indicou a vivência do local – experiências individuais e sociais – como fator importante na elaboração das representações desses estudantes acerca das fronteiras, assinalando alguns questionamentos que fazem, por exemplo, no que tange às abordagens midiáticas sobre esses espaços. Referências BONIN, Jiani Adriana. Revisitando os bastidores da pesquisa: práticas metodológicas na construção de um projeto de investigação. In: MALDONADO, Alberto Efendy et al. Metodologias de Pesquisa em Comunicação: olhares, trilhas e processos. 2 ed. Porto Alegre: Editora Sulina, 2011, p. 19 – 42. HUERTAS BAILÉN, Amparo. Pero ¿qué quiere decir audiencia activa?. In: HUERTAS BAILÉN, Amparo. La audiência investigada. Barcelona: Gedisa, 2002, p. 167-190. MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wilton da (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002. MATTELART, Armand; MATTELART, Michéle. Pensar as mídias. São Paulo: Loyola, 2004. MORLEY, David. La recepción de los trabajos sobre la recepción: Retorne a El Público de Nationwide. In. DAYAN, Daniel (comp.) En busca del público: recepción, televisión, medios. Barcelona: Gedisa, 1997, 29-48. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 8 ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2011.

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Agência Pública e a busca de identificação com o leitor Rafael WINCH1 Viviane BORELLI2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Resumo expandido do artigo Em meio aos processos de midiatização (VERÓN, 1997) da atual sociedade, a internet se destaca como um ambiente propício para diversas iniciativas em jornalismo. Muitas vezes, alternativas à produção da mídia tradicional. Nesse contexto, desde 2011, a Pública – Agência de reportagem e jornalismo investigativo produz conteúdos para livre publicação, sem fins lucrativos, através financiamento de entidades do Terceiro Setor e dos próprios leitores. Pública visa produzir reportagens investigativas que sejam de interesse público. Para tanto, constrói imagens de si, através de várias ações, como em textos publicados em seu site, vídeos institucionais e entrevistas de sua diretora, a jornalista Natalia Viana. O movimento representacional realizado pela agência utiliza várias estratégias discursivas para atrair leitores, como a autorreferencialidade. Nesse tipo de discurso, ‘‘(...) a mídia jornalística fala cada vez mais, não só de seu processo, mas narrativiza crescentemente este processo de produção’’ (FAUSTO NETO, 2008, p. 12). Pública fala de si, principalmente, através da aba quem somos, espaço em seu site que busca esclarecer os principais objetivos da agência. Todas as nossas reportagens são feitas com base na rigorosa apuração dos fatos e têm como princípio a defesa intransigente dos direitos humanos. Nossos principais eixos investigativos são: os preparativos para a Copa do Mundo de 2014; megainvestimentos na Amazônia; e a ditadura militar. (Agência Pública)

No trecho acima, as linhas de investigação da agência são descritas 1 Acadêmico do 7º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista PET Comunicação Social. 2 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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a fim de reafirmar o compromisso com o interesse público e social. O rigor na apuração, um dos preceitos mais clássicos do jornalismo investigativo, também está presente no discurso de representação de si de Pública. Disso, evidencia-se ‘‘a consolidação de um ethos jornalístico, o dizer sobre si que também diz, evidentemente, o que deve ser lido sobre si’’ (BENETTI, STORCH, 2011, p.10). Ao considerarmos que o movimento de falar sobre si carrega valores indicativos acerca do leitor, atentamos à noção do contrato de leitura, na qual um enunciador propõe um lugar a um destinatário. (VERÓN, 2004). Nesse sentido, o contrato entre Pública e leitores se concretiza por vários momentos, como por exemplo, nos modos de dizer da agência. Ainda na aba quem somos, observa-se a associação entre independência jornalística e colaboração da sociedade. O trecho Sejam um deles! A Pública – e o nosso público – agradecem! , evidencia que os apoiadores, incluindo os próprios leitores, ao financiar reportagens, estariam cooperando na gestão de um bom jornalismo, um dos principais objetivos de Pública. O discurso dirigido especialmente ao leitor não se restringe aos textos publicados no site. Em vídeo produzido pela agência, em 2013, destaca-se a parte final que emenda o seguinte dizer: estamos convidando você para fazer jornalismo com a gente. É por meio dessas estratégias discursivas que Pública situa o leitor não apenas como mero receptor dos seus conteúdos produzidos, mas como ator social detentor de certo espaço no fazer jornalístico da organização. A característica online de Pública, que apresenta variados modos de interação com os leitores, exige distintas formas enunciativas por parte da agência. Nesse sentido, o artigo pretende analisar como Pública constrói o seu contrato de leitura (VERÓN, 2004) para buscar atingir o seu leitor e construir vínculos com eles. Referências BENETTI, Marcia; STORCH, Laura. Jornalismo, convergência e formação do leitor. Matrizes (USP. Impresso), v. 4, p. 205-215, 2011. FAUSTO NETO, Antônio. Escrituras sobre a enunciação jornalística. VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. São Paulo: UMESP, 2008. VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004. ______. Esquema para el análisis de la mediatización. In: Revista Diálogos de la Comunicación, n.48, Lima: Felafacs,1997.

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A importância da Mídia NINJA e do midialivrismo ciberativista para as Jornadas de Junho Nathália SCHNEIDER1 Sandra Rubia da SILVA2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maira, Rio Grande do Sul A sociedade em rede (CASTELLS, 1999) foi modificada e potencializada com a possibilidade da apropriação tecnológica e crescente democratização do acesso à Web 2.0. A Primavera Árabe, uma onda revolucionária de manifestações e protestos que vêm acontecendo no Oriente Médio e no Norte da África desde 2010, foi um marco histórico que comprovou a enorme capacidade organizacional de grupos com o uso da internet, especificamente, as redes sociais. Mobilizações com fluxos similares à este aconteceram no mundo inteiro, como o Ocuppy Wall Street nos Estados Unidos e o Movimento 15M na Espanha, ambos em 2011. O Brasil, acompanhado de outros países da América Latina, encontrasepassando por nova configuração da sua cartografia política, social e cultural. O desenho de uma América Latina pós neoliberal (MORAES, 2011), a qual com os governos progressistas unidos a sociedade civil organizada e potenciliazada na internet, fortalece as relações em redes, possibilitando o surgimento de inúmeros grupos e coletivos nos mais variados territórios. No Brasil, esta nova cartografia ainda em construção, ganhou como marco, um grande número de manifestações dos movimentos sociais que aconteceram em junho de 2013 em diversas cidades do país. Milhares de pessoas tomaram de assalto as ruas do país, porém quais foram os motivos que levaram elas às ruas? Mas os movimentos não nascem apenas da pobreza ou do desespero político. Exigem uma mobilização emocional desencadeada pela indignação que a injustiça gigante provoca, assim como pela esperança de uma possível mudança em função de exemplos de revoltas exitosas em outras partes do mundo, cada qual inspirando a seguinte por meio de imagens e mensagens em rede pela internet. (CASTELLS, 2013, p. 159) 1 Santa

Acadêmica em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de

2 Mestre em Comunicação e Informação UFRGS e Doutora em Antropologia Social UFSC. Docente do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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As Jornadas de Junho, como ficou conhecido esse momento da história do Brasil, apresentou o protagonismo dos midialivristas ciberativistas (MALINI, 2013), ou seja, dos ativistas que geraram o conteúdo de imagens e mensagens na internet que incentivou a sociedade a participar dos protestos. Qual foi a importância da Mídia NINJA grupo que ganhou destaque nas manifestações pois realizava transmissões ao vivo dos mesmas, usando apenas, o celular, uma conta no Facebook e outra no Twitter para as Jornadas de Junho? Este artigo procura refletir sobre o papel da Míndia NINJA e do midialivrismo ciberativista da disputa de narrativa com a grande mídia neste fenômeno da história do Brasil. Referências CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ______. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. MALINI, Fábio. ANTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013. MORAES, Dênis de. As vozes abertas da América Latina: estado, políticas públicas e democratização da comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2011.

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Possibilidades Digitais: Análise Sobre a Mediação do Aplicativo Tinder Para Novos Relacionamentos Silvio Nunes AUGUSTO JUNIOR1 Bruna Seibert MOTTA2 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP O tempo dispendido online cresce ano a ano graças aos avanços tecnológicos e criação de novos processos de mediação que possibilitam o acesso a internet a partir de praticamente qualquer parte do mundo. Ao mesmo tempo que tais avanços nos possibilitam poupar tempo e podem ser encarados de forma positiva, paradoxalmente também aceleram e modificam algumas dinâmicas das relações interpessoais que naturalmente passariam por processos de amadurecimento antes de serem consumados. Essa é uma das premissas da teoria social proposta pelo sociólogo alemão Hartmut Rosa (2013), que observa três frentes que estimulam a aceleração social: 1) a tecnológica, 2) a social e 3) a do ritmo de vida. É nesse contexto de transformação que surgiu o aplicativo Tinder, um facilitador de encontros. Seu principal objeto é facilitar o relacionamento e encontro dos usuários, ou seja, sair do virtual para o real: a partir da busca online por pessoas que estejam geolocalizadas em um perímetro pré-determinado, o usuário seleciona as pessoas com as quais se identifica e/ou se interessa. A mediação acontece, inicialmente, por uma seleção de imagens que instiga o julgamento a partir das aparências físicas explícitas pelas poses e contextos que os usuários costumam registrar. A mediação se inicia online, ainda no ambiente virtual do chat, ou troca de mensagens, quando duas pessoas interessadas selecionam-se mutualmente, caracterizando o match - um estímulo para que encontrem-se presencialmente. Sabemos que: o corpo sempre foi portador de cultura: posições e atitudes, vestiário e formas de pintá-lo, identificavam a etnia ou o grupo a que pertencia, mesmo que viajássemoas a outras paragens. Mas as tecnologias da comunicação aumentaram a portabilidade cultural. (CANCLINI, 2008, p.43). 1 Silvio Nunes Augusto Junior - Graduando, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. 2 Bruna Seibert Motta - Mestranda, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP

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Esta portabilidade identificada por Canclini (2008) implica nas modificações na forma de consumir informações. Por isso, entender a lógica do Tinder, os processos de significação dos usuários e as lógicas de escolhas a partir de uma imagem é um dos objetivos deste estudo. Ao falar sobre identidade, Canclini (2005) ressalta as necessidade de pertencimento – reconhecimento e aceitação social - dos indivíduos com seus pares. Ao longo deste artigo buscaremos destrinchar os processos que ocorrem nesse reconhecimento do outro e da construção dos personagens que cristalizam-se nos avatares (sequência de imagens disposta segundo a preferência do usuário e obtida a partir de um banco de imagens utilizado em outra plataforma, o Facebook). Para tanto, serão explicitadas características do imaginário que os usuários esperam consumir e que também projetam em seus avatares através de entrevistas em profundidade realizadas na cidade de São Paulo, no bairro Vila Madalena, durante o período da Copa do Mundo. Primo (2013, p.21) traz a discussão sobre a cultura de convergência como uma forma de interação do usuário nas diferentes mídias, tornando-o não só consumidor como o produtor de informações nos diferentes ambientes, em especial nos que dizem respeito à indústria do entretenimento. Esse fenômeno se repete na mediação do aplicativo Tinder: o usuário consome o produto do aplicativo – as possibilidades de relacionamentos – e também produz conteúdo através do seu próprio perfil, ancorando-se em lógicas de poder já estabelecidas pelo imaginário que os usuários possuem sobre marcas, lugares, ambientes, entre outras possibilidades identificadas nos perfis analisados. Referências CANCLINI, Néstor Garcia. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras, 2008. CANCLINI, Néstor Garcia. Consummidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. HJARVARD, Stig. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Revista Matrizes. Ano 5 - No.2, jan/jun, 2012. PRIMO, Alex. Interações em Rede. Porto Alegre: Editora Sulinas, 2013. ROSA, Hartmut. Social acceleration: a new theory of modernity. Columbia University Press, 2013.

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Consumo de Notícias e Circulação de Comentários dos Leitores: do Facebook à Versão Impressa do Diarinho Felipe da COSTA1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina O Diarinho é essencialmente um jornal diário impresso. Esta é sua maior fonte de lucro. Entretanto, utiliza seu site para disponibilizar aos assinantes a versão folheável do impresso e disponibilizar algumas notícias de forma gratuita. Algumas dessas notícias disponibilizadas gratuitamente também são postadas na página do Facebook do jornal. Entre as interações realizadas pelos leitores, o jornal seleciona alguns dos comentários para compor a seção do jornal impresso denominada “Na Rede”. Assim como muitos veículos de comunicação, independente do suporte, o Diarinho vive a cultura da convergência, termo cunhado por Henry Jenkins para tratar dos “aspectos culturais que decorrem da aproximação entre audiências e as grandes instituições midiáticas e a circulação de tais produções entre diferentes meios de comunicação” (PRIMO, 2013). É essa aproximação entre a audiência e o veículo que nos interessa. Este artigo tem como objetivo geral analisar o consumo das notícias publicadas no Facebook do Diarinho e a circulação dos comentários na página da rede social e no jornal impresso. Para isso, identificamos as interações realizadas pelos leitores nas postagens; categorizamos os comentários publicados pelos leitores; e identificamos quais tipos de comentários são publicados na seção “Na Rede” do jornal impresso. Como técnica de coleta utilizamos a Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2011). Coletamos os dados em três etapas. A primeira foi para verificar a quantidade de interações (curtidas, compartilhamentos e comentários). Neste processo também foram classificados os temas dos posts e verificados os recursos multimídia utilizados em cada uma das notícias disponibilizadas no Facebook. A segunda etapa consistiu na coleta e categorização dos comentários realizados pelos leitores. Já a terceira verificou quais comentários foram publicados no jornal impresso. 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. [email protected].

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Para a realização das duas primeiras etapas selecionamos os dados do dia 1º a sete maio de 2014. Como os comentários são publicados no jornal somente no dia seguinte, os da última etapa foram coletados entre dois e oito do mesmo mês. Os dados coletados apontam que os seguidores da página do jornal no Facebook tem uma preferência por postagens de reportagens em vídeos. Entretanto, as que utilizam imagens como recurso multimídia também tem grande número de interações. Quanto aos temas se destacam trânsito, crime, história, adoção/animais perdidos, eventos e poder público. Apesar disso, acreditamos que o número de postagens coletadas ainda é pequeno para dizer se trânsito ou crime são os que geram mais interesse do leitor, já que ambos tiveram apenas uma postagem. Já em relação aos comentários, existe uma divergência entre os tipos que circulam no Facebook e no jornal impresso. Embora o maior número na rede social seja de comentários negativos, como de reclamações, depreciações e ironia, para a seção “Na Rede” são selecionados poucos desses, para equilibrar a coluna. Referências Bardin, Laurence. Análise de Conteúdo. Edição revista e ampliada. São Paulo: Edições 70, 2011. DIARINHO. O caminho das Pedras: Guia de ética e autorregulação jornalística. Itajaí: Diarinho, 2012. PRIMO, Alex. Interações mediadas e remediadas: controvérsias entre as utopias da cibercultura e a grande indústria midiática. In: PRIMO, Alex. A internet em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013.

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Os Jornais do Interior Gaúcho e os Seus Leitores: a Circulação da Notícia em Ambientes Digitais1 Luan Moraes ROMERO2 Cibele ZARDO3 Laura Moura de QUADROS4 Gabriele Wagner de SOUZA5 Marlon Santa Maria DIAS6 Viviane BORELLI7 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS O avanço tecnológico, a convergência de informações, a pluralidade nos fluxos comunicacionais e o rompimento da preponderância do polo de emissão são algumas características do processo de mutação pelo qual passa o jornalismo atualmente. Frente a esse cenário de mudanças, impulsionadas pela midiatização da sociedade, há um notável movimento dos jornais impressos de adaptação tanto em suas rotinas produtivas como na oferta de seus conteúdos. O fenômeno da midiatização, que afeta e redimensiona as práticas sociais, é um conceito-chave para compreendermos esse momento de transformações sociais e culturais. Ainda em construção, este conceito se apresenta através de diferentes abordagens teóricas (SODRÉ, 2002; FAUSTO NETO, 2008; VERÓN, 1997 e 2012; BRAGA, 2012; HJARVARD, 2012). Neste trabalho, entendemos a midiatização como um processo ainda em curso e incompleto (VERÓN, 1997), como um 1 O artigo resulta de parte da pesquisa intitulada “Produção e circulação da notícia: as interações entre jornais e leitores” que possui financiamento do CNPq. 2 Acadêmico do 1º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista Jovens Talentos Capes. 3 Acadêmica do 5º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista Probic/Fapergs. 4 Acadêmica do 5º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista Pibic/Fapergs. 5 Acadêmica do 3º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista PET Comunicação Social. 6 Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática, UFSM. Bolsista Capes. 7 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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fenômeno cultural complexo que se efetiva a partir das operações técnicas, simbólicas e discursivas empreendidas pelos dispositivos midiáticos, que agem sobre outros campos sociais. O intenso processo de midiatização também “afeta de modo peculiar a cultura jornalística, seu ambiente produtivo, suas rotinas e a própria identidade dos seus atores” (FAUSTO NETO, 2009a, p. 19). Assim, as novas configurações do jornalismo atual são também provenientes deste processo, pois a exemplo de outras práticas sociais como a política e a religião, a prática jornalística também é afetada pelo processo de midiatização da sociedade. Para este artigo, interessa-nos especificamente a problemática da circulação de sentidos. O conceito de circulação refere-se ao momento posterior à recepção, sempre em “fluxo adiante”. Ao contrário das teorias funcionalistas, o receptor é visto como ativo no processo comunicacional e “a circulação passa a ser vista como o espaço do reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação” (BRAGA, 2012, p. 38). A circulação sai da zona do invisível, deixa de ser uma problemática de intervalos entre determinados elementos para se constituir em um dispositivo central (FAUSTO NETO, 2009b). A partir dessa problemática, o artigo pretende investigar como ocorre a circulação das notícias produzidas por sete jornais do interior do Rio Grande do Sul: Diário de Santa Maria, Pioneiro, Gazeta do Sul, A Plateia, O Nacional, A Razão e Diário Popular em seus ambientes digitais. A escolha desses jornais deve-se às diferentes épocas em que foram criados, aos modos através dos quais cada um deles busca contatar o seu leitor, pela circulação que têm nas regiões que abrangem e pelo acesso aos dados. Buscamos analisar, durante um mês (de 12 de maio a 12 de junho de 2014), a circulação das notícias nos sites, portais e páginas do Facebook dos jornais supracitados. Foi realizada uma observação sistemática (GIL, 2008) desses ambientes digitais com o objetivo de perceber as estratégias de interação entre jornal e leitor, bem como os diferentes modos de oferta e disseminação das notícias, ou seja, a maneira como a notícia migra para diferentes plataformas midiáticas, hoje, em meio à cultura da convergência (JENKINS, 2009). Com a análise, conseguimos perceber que os jornais criam cada vez mais espaços de interação com seus leitores, principalmente nos sites de redes sociais, sendo este um espaço que permite não só a interação jornal-leitor, mas também a interação leitor-leitor. Ao apropriarem-se dos conteúdos, os leitores comentam, avaliam e compartilham as matérias, ampliando ainda mais o destino das notícias produzidas pelos jornais. O trabalho desenvolvido neste artigo faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo que investiga os modos através dos quais jornais e leitores interagem, como ocorre a circulação das notícias nos ambientes digitais criados pelos jornais, que tipo de fluxos são criados e construídos entre os agentes envolvidos nesse processo. Em etapa posterior do projeto de pesquisa “Produção e circulação da notícia: as interações entre jornais e leitores” , busca-se estabelecer tipologias para a forma de participação dos leitores para compreender se e em que medida os jornais codeterminam a produção da notícia.

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Referências BRAGA, J. L. Circuitos versus Campos Sociais. In: MATTOS, M. A.; JANOTTI JUNIOR, J.; JACKS, N.(orgs.). Mediação e midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 31-52. FAUSTO NETO, A. Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Revista MATRIZes. São Paulo: ECA/USP, ano 1, nº 1, 2008, pp. 89-105. Disponível em: http://www.usp.br/matrizes/img/02/Dossie5_fau.pdf. Acesso em: 20 jun. 2014. ______. Jornalismo: sensibilidade e complexidade. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p.17-30, dez. 2009a. ______. Olhares sobre a recepção através das bordas da circulação. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “GT Recepção, Usos o Consumo Midiáticos”, do XVIII Encontro da Compós, na PUC-MG, Belo Horizonte, MG, 2009b. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. HJARVARD, S. Midiatização: teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Revista MATRIZes. São Paulo, jan/jun 2012. n. 2 , p. 53-91. Disponível em: www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/download/338/pdf. Acesso em: 20 jun. 2014. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. SODRÉ, M. Antropológica do espelho. Petrópolis: Vozes, 2002. VERÓN, E. Esquema para el análisis de la mediatización. In: Revista Diálogos de la Comunicación, n.48, Lima: Felafacs,1997. ______. Midiatização, novos regimes de significação, novas práticas analíticas? In: Mídia, Discurso e Sentido. FERREIRA, M. F.; SAMPAIO, A. O.; FAUSTO NETO, A.(orgs). Salvador: EDUFBA, 2012

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Apropriações No Ambiente Digital: Um Estudo Com Fãs Da Paramore Sobre o Blog Da Banda No Livejournal Lívia SAGGIN1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS Ao se entender os blogs como ambientes de comunicação, interação e participação dos seus usuários/leitores, a pesquisa desenvolvida buscou pensar como se dão as relações de indivíduos inseridos na cultura dos fãs com estes espaços. O objetivo geral foi investigar e compreender os usos e apropriações que fãs fazem de conteúdos do blog da banda Paramore no LiveJournal. Na construção teórica trabalhou-se as problemáticas da midiatização especificidades do ambiente digital, mediações, usos e apropriações, cultura dos fãs e identidades culturais. A partir dessas perspectivas, os sujeitos da comunicação investigados foram pensados como fãs e como indivíduos situados socioculturalmente, potencialmente capazes de distinguir sobre a qualidade e inclinação (política, ideológica, etc.) dos bens simbólicos que consomem, produzem, ressignificam e circulam a partir de suas mediações; marcados, ainda, em suas competências culturais musicais e digitais, pelos processos de midiatização. De natureza qualitativa, a investigação empírica incluiu observação do conteúdo do blog e entrevistas com os fãs. A partir de uma etapa exploratória inicial foi composta uma amostra de sujeitos identificados como fãs da banda, diversificados em termos de indicadores de perfil sociocultural e que se relacionavam com o blog de maneira significativa. Investigou-se as apropriações desses sujeitos em relação ao blog como também suas competências midiáticas e musicais, pensando serem estas mediações relevantes no processo de aproximação/leitura/compartilhamento do blog. Entre as descobertas da investigação percebeu-se, na interligação entre música e ambiente digital, um agente cultural de potencial poder de aproximação social, onde indivíduos de diferentes lugares, classes sociais, culturas digitais e comportamentais se aproximam e compartilham preferências comuns. Destaca-se também a visualização de um espaço de disseminação e apropriação de 1 Lívia Saggin – Bacharel em Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Mestranda em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

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conteúdos alicerçados na cultura dos fãs e em pactos de leitura, onde ocorre a fidelização desses fãs/leitores que possuem forte potencial leitor/disseminador/ produtor. Como consequência, se vislumbrou um ambiente no qual os usos e apropriações feitos tomam dimensões de realidade concreta, num movimento de aproximação entre fãs-ídolos possibilitado por essa plataforma digital. Referências CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. COELHO, Maria Claudia. A condição do fã: idolatria e indústria cultural. Rio de Janeiro: Interseções, 2003. FRAGOSO, Suely. De interações e interatividade. In: X Compós, 10., 2001. Brasília: GT Comunicação e Sociedade Tecnológica, 2001. Disponível em: . Acesso em: 08 mar. 2012. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. JANOTTI, 2003. Aumenta que isso aí é rock and roll: mídia, gênero musical e identidade. Rio de Janeiro: E-papers, 2003. LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: 34, 2000.

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Estudos de Recepção e Cultura Participativa: a Participação Interativa dos Migrantes Brasileiros na Suécia em Grupos do Facebook Laura Roratto FOLETTO1 Liliane Dutra BRIGNOL2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS ‘

O artigo parte da discussão sobre abordagens teóricas dentro dos estudos das audiências e da recepção, com o objetivo de apresentar a perspectiva que embasa um projeto de pesquisa em desenvolvimento sobre dinâmicas interculturais em grupos do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia. O site Facebook que atualmente possui grande popularidade entre os usuários da internet, contando no Brasil com cerca de “76 milhões de usuários ativos”3, torna-se objeto de pesquisa, uma vez que é uma plataforma que abriga inúmeras redes sociais e possibilita essa participação interativa. Os grupos, Brasileiros na Suécia e Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien possuem uma dinâmica interativa entre os membros, em que trocam e compartilham experiências de ser brasileiro na Suécia. Isto é, são ambientes de comunicação inseridos no contexto da cultura participativa, em que os sujeitos se apropriam das características da plataforma de rede social para produzir conteúdo, interagir e comunicar. Para embasar teoricamente a discussão, Orozco Gómez (2010) nos apresenta cinco abordagens tradicionais para estudar as audiências e, posteriormente apresenta mais cinco perspectivas possíveis para estudar as audiências na contemporaneidade. Cogo (2007) também discute o contexto de pesquisas que vem sendo desenvolvidas na área, de forma a dar um panorama de que lugar partimos dentro dessa gama de possibilidades teórico-metodológicas. Para falar das audiências ou dos receptores participativos, recorremos aos autores como Rincón (2008), Jenkins (2008) e Martín Barbero (2011), além do já mencionado Orozco Gómez. 1 Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação/ Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM e orientadora do trabalho. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria Nome do autor (UFSM). Bolsista CAPES. 3 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/08/1326267-brasil-chega-a-76-milhoes-de-usuarios-no-facebook-mais-da-metade-acessa-do-celular.shtml. Acessado em: 29/06/14.

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Os estudos sobre as audiências, segundo Orozco (2010) começam nas primeiras pesquisas de comunicação, ligadas à teoria dos efeitos. Nessas pesquisas, a compreensão da audiência era de sujeitos passivos, ou seja, a mensagem recebida era interpretada pelo receptor com a mesma intencionalidade que o emissor a enviava, não havendo uma decodificação da mesma. Ao longo das pesquisas que iam sendo realizadas, das mudanças dos meios de comunicação e na sociedade, foi-se percebendo que os receptores não eram passivos e sim ativos, construíam a sua própria interpretação das mensagens recebidas. Ou seja, exigiram um repensar constante dos estudos de comunicação, logo de recepção avançarem teórico e metodologicamente neste novo campo de pesquisa. Os estudos de recepção contribuem para pensar a comunicação no marco do processo cultural. Ou seja, autores latino-americanos enfatizam que a cultura enquanto “um processo plural, instável, ambíguo, conflitivo e complexo” se dinamiza principalmente no cotidiano. É apresentando como uma alternativa a superar o “enfoque tecnicista que tende a reduzir a comunicação a canais, códigos e mensagem e informação”. Assim, compreendem “a comunicação como modo de inserção no meio ambiente cultural a partir de elementos e valores ligados à vida cotidiana” (COGO, 2007, p. 3). Este estudo sobre os grupos de migrantes no Facebook situa-se dentro dos estudos latino-americano de recepção, em que busca “estudar a recepção a partir de processos socioculturais e comunicacionais em que não estão necessariamente implicados os meios de comunicação” (COGO, 2007, p. 2) e compreende o modelo apresentado por Orozco (2010), das multimediações e das hipermediações. O modelo das multimediações é compreendido como uma categoria de análise empírica para entender os processos comunicativos. Essa mediação abrange não somente “aquelas mediações culturais ou tecnológicas, estruturais ou discursivas, mas todas as que interveem na interação, de onde quer que elas venham” (OROZCO, 2010, p. 21). Enquanto que as hipermediações seriam aquelas “que as tecnologias estão introduzindo, não somente na dimensão tecnológica, mas em todas, dentro da interatividade crescente dos novos dispositivos e suas interfaces” (Scolari, 2008 apud OROZCO, 2010, p. 21). Assim, diante da variedade de pesquisas empíricas e abordagens teóricas para estudar a recepção, buscamos refletir sobre que audiências/receptores são esses que estamos falando em um contexto de sujeitos participativos em uma rede social online. Neste contexto, indicamos que a noção de cultura participativa, produção dos receptores, participação e interação em rede impacta os estudos de recepção. Desta forma, atualiza-se o debate teórico-metodológico dos estudos de recepção para dar conta destes receptores/produtores ou “prossumidores” (OROZCO, 2010). As audiências assumem um novo status, um novo papel em trânsito, em mutação de “audiências-receptivas a audiências usuários, “prosumidores”, a interatividade permitiu as novas telas transcender a mera interação com elas”. Ou seja, nessa cultura de participação em rede, as audiências assumem um papel de receptores, produtores e emissores de informações em múltiplas telas (OROZCO, 2010, p. 16).

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Referências COGO, Denise. Pesquisa em Recepção na América Latina: perspectivas teórico-metodológicas. Barcelona, Incom, 2007. Disponível em: http://www.portalcomunicacion.com/uploads/pdf/48_por.pdf. Folha de São Paulo. Brasil chega a 76 milhões de usuários no Facebook; mais da metade acessa do celular. Disponível em: http://www1.folha. uol.com.br/tec/2013/08/1326267-brasil-chega-a-76-milhoes-de-usuarios-no-facebook-mais-da-metade-acessa-do-celular.shtml. Acessado em: 29/06/14. JENKINS, Henry. A Cultura da Convergência. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2008. MARTÍN BARBERO, Jesús. Reubicando el campo de las audiencias en el descampado de la mutación cultural. In: JACKS, Nilda (org.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito-Ecuador: Editorial “Quipus”/CIESPAL, 2011. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. LA INVESTIGACIÓN DE LAS AUDIENCIAS “VIEJAS Y NUEVAS”. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, 2010, n.13, Ano 7. São Paulo: ALAIC, 2010. RINCÓN, Omar. No más audiencias. Todos devenimos productores. Comunicar, Revista Científica de Comunicación y Educación, 2008, n.30, v.XV, p.93-98.

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Quando o Público Demanda Sobre o Privado: apropriando-se do(a) Super Vaidosa Aline WESCHENFELDER1 UNISINOS, São Leopoldo, RS A midiatização da vida privada de celebridades sempre foi objeto dos meios de comunicação, como atrativo para fãs curiosos, nas mídias como: revistas, sites, programas televisivos ou seções específicas de jornais especializadas sobre o assunto. Na grande maioria, estas publicações correspondem a uma matriz geradora e de garimpo de informações exploradas furtivamente por repórteres ao fazer este trabalho sem a autorização do olimpiano. A dinamização do acesso às tecnologias convertidas em meios permitem criar espaços virtuais (blogs e vídeos, conforme pretendemos trabalhar aqui) e tornou a prática da especulação sobre a vida dessas celebridades ainda mais fluente, segundo os mecanismos proporcionados pelo próprio ambiente virtual. Como se sabe, esses dispositivos facilitam o contato do público com o produtor, na interação do primeiro através de comentários e perguntas. Além disso, permite diálogo entre produção e recepção, segundo uma relação contratual da qual resulta um singular tipo de pedido que faz o público: conhecer algo mais da personagem midiática. Nestas condições, este trabalho pretende analisar a interação entre blogueira do canal Super Vaidosa , Camila Coelho, e seu público; este solicita ao utilizar o espaço reservado aos comentários, sobre a vida privada da produtora do canal. Em alguns deles, a blogueira responde ao que lhe foi perguntado no espaço para comentários e ainda fala sobre suas rotinas pessoais. Para tanto, pretendemos analisar de modo específico, as maneiras de intervenção de leitores(as)/espectadores(as)/assinantes do blog/canal “Super Vaidosa”2. Como se sabe, os receptores sugerem no espaço por eles ocupado, assuntos relacionados para produção de novos vídeos sobre a pauta levantada por eles, que leva à publicização da vida privada da blogueira Camila Coelho. Esta ação transcende o objetivo inicial do blog – oferecer dicas de maquiagem, 1 Aline Weschenfelder é Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. 2 Canal no YouTube com 1.552.933 inscritos e 139.841.365 visualizações em 29/06/2014. http://supervaidosa.com/

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moda e beleza – intervindo em questões particulares que vão além do que é proposto pelo blog/canal. Sabe-se, que a interferência do leitor gera uma conversação entre recepção e produção. Particularmente, aqueles que fazem comentários no blog/canal influenciam sobre as temáticas da pauta dos próximos assuntos a serem abordados. A literatura sobre o assunto revela que a midiatização das rotinas e vida privada de pessoas públicas está associada ao desejo de aquisição das audiências. Em função desse aspecto, tentaremos buscar compreender as estratégias utilizadas pelos receptores para se tornarem mais visíveis, e próximos, diante da blogueira, e uma das operações que fazem é interferir em seu trabalho, algo que se manifesta quando ela responde as questões da recepção. Na análise que se faz aqui, descreve-se marcas que envolvem esta conversação e que tem como seu ponto de partida a demanda do público sobre o privado. Particularmente, quando o público faz suas interferências com perguntas pessoais e também quando a blogueira lembra que: “as tags servem para vocês me conhecerem um pouquinho melhor”. Explicando ainda sobre a análise: de um total de 320 vídeos , constituímos um corpos de 20 emissões, universo esse que traz marcas dessa modalidade de interação. Referências ASSIS, Pablo de. O que é tag? Disponível em . Acesso em 29 jun. 2014. FAUSTO NETO, Antônio; VERÓN, Eliseo; RUBIM, Antonio A (orgs). Lula Presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker; São Leopoldo: Unisinos, 2003. MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: o espírito do tempo – 1 Neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1977. ROJEK, Chris. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

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Redes Sociais Online e Intercâmbio Acadêmico: Usos Sociais do Facebook por Intercambistas Latino-Americanos em Santa Maria Jamylle de Assunção LIMA1 Liliane Dutra BRIGNOL2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul O artigo apresenta parte das reflexões desenvolvidas no contexto de uma pesquisa que buscou identificar as estratégias de interação e de comunicação utilizadas por intercambistas em Santa Maria, através dos seus usos do site de redes sociais Facebook, partindo do pressuposto de que a experiência migratória evidencia processos de construção e vivências de identidades múltiplas. Como jovens nascidos em diferentes países da América Latina em período de intercâmbio em Santa Maria se apropriam das diferentes possibilidades de interação e comunicação do Facebook? De que modo o site de rede social mais popular dos últimos anos impacta o cotidiano destes estudantes intercambistas? Estas são algumas das questões que nortearam o trabalho deste artigo, no qual é apresentada parte das reflexões desenvolvidas no contexto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de Comunicação Social – Relações Públicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), concluído em janeiro de 2013. Na pesquisa, desenvolvemos um estudo acerca das identidades de migrantes na situação específica de intercâmbio acadêmico. O objetivo era identificar as estratégias de interação e de comunicação utilizadas por intercambistas em Santa Maria, através dos seus usos do site de redes sociais Facebook, partindo do pressuposto de que a experiência migratória evidencia processos de construção e vivências de identidades múltiplas. Partimos do diálogo com investigações já existentes a respeito das identidades de migrantes, como as de Hall (2003; 2006), Cogo (2008) e Brignol (2010). Com base neste referencial, buscamos apresentar uma perspectiva de análise voltada para as questões de identificação, pertencimento e interação 1 Jamylle de Assunção Lima - Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Liliane Dutra Brignol - Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação UFSM, onde integra o corpo docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação – UFSM.

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desses indivíduos através de seus usos da rede social online Facebook. De maneira complementar, pretendemos identificar o papel da sociabilidade através do meio online para a construção identitária cultural e social desses indivíduos. Fundamentamos teoricamente a investigação nos Estudos Culturais, bem como nos estudos a respeito das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e nas diferentes teorias sobre o fenômeno das migrações como incentivador de construções identitárias. A partir dos conceitos de Stuart Hall (2003) sobre as identidades múltiplas em situações de migração, buscamos analisar como ocorrem essas multiplicidades e de que forma elas transparecem nas interações cotidianas, observadas no site de redes sociais e nos contextos off-line, no cotidiano desses intercambistas. Através da observação de perfis no Facebook e de entrevistas em profundidade com dez estudantes latino-americanos em intercâmbio na UFSM durante o segundo semestre de 2012, além de observação de seus locais de residência em Santa Maria, foi possível identificar a importância da internet, especialmente do site de redes sociais, para comunicação e interação. Destaca-se seu papel para manutenção de vínculos com familiares e amigos, busca de informação sobre o país de nascimento, aproximação com o contexto local de Santa Maria e interação, sobretudo, entre os próprios jovens intercambistas. Referências BRIGNOL, Liliane. Migrações transnacionais e usos sociais da internet: identidades e cidadania na diáspora latino-americana. 2010. 404 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, 2010. COGO, D., GUTIERREZ, M.; HUERTAS BAILÉN, A. (Coords). Medios de comunicación y migraciones transnacionales: relatos desde Barcelona y Porto Alegre. Madrid: Catarata, 2008. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. __________. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

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Youtubers: o fenômeno dos “gurus de beleza” como ferramenta publicitária Bruna Seibert MOTTA1 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP A expressão “guru de beleza” começou a ser usada para designar as blogueiras e vlogueiras de moda por volta de 2012. Em 2013 ganhou forças e passou a ser uma forma usual para designar os criadores de conteúdo online de beleza. Porém, foi ainda em 2010 que o fenômeno começou a surgir no Brasil seguindo a tendência norte-americana, servindo de exemplo à sociedade do espetáculo delineada por Debord (1997) como a extrapolação de atividades rotineiras como escolher uma roupa, se maquiar, cuidar da pele, etc. como atividades que merecem ser filmadas e distribuídas online para o mundo. Ao falar de assuntos que envolvem beleza, seja ela em forma de vestuário, maquiagem e até mesmo decoração de ambientes, é quase impensável que não sejam citadas as marcas dos bens de consumo utilizados pelas gurus. Com isso, nasce um novo ambiente de divulgação publicitária: um ambiente onde uma expert2 indica um produto ou serviço - espontaneamente ou não – e agrega valor à marca referenciada. A indicação de produtos e serviços feito através de vídeo, por um guru (especialmente aqueles que possuem número relevante de inscritos) é o marketing “boca a boca” nos tempos da era da informação. Sernovitz (2012) afirma que a publicidade tradicional já não é prioritariamente o caminho mais certo a se seguir quando se deseja divulgar uma marca. O boca a boca ganha forças e o endosso dos nossos pares e de pessoas que, mesmo que não sejam conhecidas pessoalmente por nós, mas que nos representam de alguma forma através da identificação, torna-se parte importante do processo de convencimento e de tomada de decisão para uma possível compra. Com isto, este artigo buscará identificar o crescimento do uso desta ferramenta publicitária – as gurus de beleza do YouTube - e como a publicidade é recebida pelos espectatodes dos canais. Isto será feito a partir da observação 1 Bruna Seibert MOTTA - Mestranda, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP 2 O uso do termo expert refere-se à pessoas que realmente tenham alguma especialização tradicional ou mesmo àquelas auto-intituladas por experiências informais.

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não-participante nos canais das gurus Camila Coelho (1.554.388 inscritos), Taciele Alcolea (655.253 inscritos), Alice Salazar (610.721 inscritos) e NiinaSecrets (586.742 inscritos). Os canais foram escolhidos a partir da observação de sua relevância no cenário brasileiro levando em conta o tempo que o canal existe, bem como o número de inscritos. Inicialmente será observado a frequência de inserção publicitária desde o início de cada canal até o último vídeo postado. Logo após, serão categorizados os 50 últimos comentários dos 5 vídeos mais assistidos com conteúdo publicitário de cada canal selecionado. As categorias serão: 1) identificou conteúdo publicitário e não gostou; 2) identificou conteúdo publicitário e gostou; 3) identificou conteúdo publicitário de forma neutra e 4) o comentário não faz menção ao conteúdo publicitário. Com estas observações e classificações, será possível confirmar o uso crescente do conteúdo publicitário ao longo dos últimos anos e, em especial, identificar como o público reage as investidas de merchandising nos canais do YouTube supracitadas levando a percepção do sucesso ou fracasso da abordagem publicitária ao público dos canais de beleza. Referências DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1997. SERNOVITZ, Andy. Marketing Boca a Boca: Como As Empresas Inteligentes Levam Pessoas A Falar Delas. São Paulo: Cultrix, 2012.

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Motivações para a “recepção compartilhada na web”: o trânsito das audiências de telenovela a partir do Twitter Mônica PIENIZ1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Este artigo reflete os resultados qualitativos de uma pesquisa (PIENIZ, 2013) que objetivou compreender parte do processo de trânsito das audiências (OROZCO GÓMEZ, 2011), onde receptores tornam-se emissores ao compartilharem suas percepções sobre telenovela no Twitter. O enfoque teórico é construído a partir da mediação estrutural da tecnicidade (MARTIN-BARBERO, 2010), e é especificado a partir da convergência midiática (JENKINS, 2008) e dos processos de midiatização de certas práticas sociais, por meio das forças de moldagem da mídia (HEPP, 2011). O objeto empírico, cuja coleta e recorte foram acompanhados de observação, é composto por Tweets que contemplam as hashtags #passione, #insensatocoração e #finaestampa, sobre os quais foi efetuada uma busca por palavras mais frequentes, a partir do software Nvivo10. Este procedimento colaborou na verificação dos tuiteiros recorrentes, com os quais foram realizadas duas etapas de entrevistas. Os resultados apontam motivações que se referem à relação com a telenovela e com o próprio Twitter. A relação com a telenovela foi percebida em duas perspectivas: a da trama e a do produto midiático. A primeira está ligada à imersão no universo ficcional, enquanto a segunda se refere a uma análise a partir das características de produção, bastidores e níveis de audiência, por exemplo. Quanto às motivações relacionadas ao uso do Twitter, com suas forças de moldagem, verificou-se três categorias: expressão, interação e popularidade. Há os que querem somente expressar suas emoções sobre a trama ou opiniões sobre o produto midiático, sem preocupações de ter retornos e difusão de suas ideias. Ao contrário dos que visam a interação e sem esta não se satisfazem. E ainda, os que buscam 1 Mônica Pieniz – Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora do Departamento de Comunicação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – FABICO/UFRGS.

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popularidade a partir do potencial de visibilidade presente no Twitter, onde um assunto da mídia massiva é pauta estratégica para os espaços midiáticos dos tuiteiros que buscam a mesma fama das celebridades de telenovelas - categoria na qual os reflexos da midiatização se mostram latentes. Estas audiências, inerentemente crossmidiáticas (SCHRØDER, 2011), ao se apropriarem de espaços midiáticos para a emissão de mensagens, têm a possibilidade de atuar, além de tática (DE CERTEAU, 1994), estrategicamente. Desse modo, além de ser o que aqui se denomina “recepção compartilhada na web”, este cenário revela uma prática de sujeitos que, ao mesmo tempo em que são parte de uma audiência, buscam atender a sua “própria” possível audiência. Referências DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. HEPP, Andreas. Mediatization, Media Technologies and the ‘Moulding Forces’ of the Media. In: INTERNATIONAL COMMUNICATION ASSOCIATION ANNUAL CONFERENCE, 2011. Boston: ICA, 2011. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. MARTÍN-BARBERO, J. Convergencia digital y diversidade cultural. In: MORAES, D. de. Mutaciones de lo visible: communicación y processos culturales em la era digital. Buenos Aires: Paidós, 2010. OROZCO GÓMEZ, G. La condición comunicacional contemporânea. Desafios latino-americanos de la investigación de las interaciones em la sociedade red. In: JACKS, N. (coord./ed.). Analisis de recepción en América Latina: um recuento histórico com perspectivas al futuro. Quito: CIESPAL, 2011. PIENIZ, M. Tecnicidade como mediação empírica: a reconfigurações da recepção de telenovela a partir do Twitter. Porto Alegre: UFRGS, 2013. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. 2v. 295f. SCHRØDER, K. C. Audiences are inherently cross-media: Audience studies and the cross-media challenge, 2011. On-line. Disponível em: http://www.fpn.bg.ac. rs/wp-content/uploads/CM18-Web.pdf Acesso em 10/06/14.

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O conflito nas ruas da Venezuela na visão da Telesur e dos visitantes de sua fanpage Denise DE ROCCHI1 Uniritter, Porto Alegre, RS Na política sul-americana, um dos fatos mais marcantes de 2014 foi a série de manifestações de rua na Venezuela, com reivindicações diversas, desde mudanças na economia até a renúncia do presidente Nicolás Maduro, herdeiro político de Hugo Chavez. O conflito não ficou restrito a opositores e apoiadores do projeto político bolivariano, repercutindo globalmente através da cobertura jornalística, mas em especial pelas redes sociais, após a morte de três pessoas durante os manifestos na segunda semana de fevereiro. Este estudo propõe a análise da reação dos usuários do Facebook junto à fanpage da Telesur TV, emissora idealizada por Hugo Chavez com a proposta de ser “un multimedio de comunicación latinoamericano de vocación social orientado a liderar y promover los procesos de unión de los pueblos del SUR”, como informa o site oficial desta empresa na internet. O objetivo é verificar como o público se posiciona e reage às postagens feitas pela Telesur a respeito das manifestações, através da análise de discurso. Dois pontos justificam a proposta como relevante. O primeiro é a possibilidade de maior interação trazida pela internet, que modificou a relação entre o produtor e o receptor de conteúdo. Numa sociedade que se organiza em rede, como propõe Manuel Castells, é preciso rever estas categorias, já que o mesmo indivíduo pode, até mesmo em uma única plataforma, receber e difundir informação (COGO e BRIGNOL, 2011). Mesmo distantes do foco das tensões registradas no início deste ano, os internautas tiveram a possibilidade não só de receber informações sobre os fatos na Venezuela, mas de manifestar uma posição, endossando ou não o posicionamento apresentado pelo veículo de comunicação. Como aponta Manuel Castells, a relação entre poder e comunicação na contemporaneidade se apresenta de forma distinta: Batalhas culturais são as lutas pelo poder da Era de Informação. São travadas 1 Denise De Rocchi – Mestra em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora nos cursos de Comunicação Social e Relações Internacionais do Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter.

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basicamente dentro da mídia e por ela, mas os meios de comunicação não são os detentores do poder. O poder, como capacidade de impor comportamentos, reside nas redes de troca de informação e de manipulação de símbolos que estabelecem relações entre atores sociais, instituições e movimentos culturais por intermédio de ícones, porta-vozes e amplificadores culturais. (CASTELLS, 2000, pag. 424).

O outro ponto é o recorte feito para este estudo, a interação entre o público e uma emissora que divide opiniões, muitas vezes acusada de fazer apologia de um projeto político. Nos Estados Unidos, houve propostas para limitar a expansão da Telesur, por considera-la anti-americana (TAVARES, 2007). Ao pesquisar como os leitores reagem às notícias publicadas na fanpage da empresa, é possível encontrar elementos que refutam a ideia de que um governo possa manipular de forma automática a opinião pública por comandar uma rede de comunicação. As postagens feitas pela emissora no período em análise (fevereiro de 2014) de fato se posicionam a favor do presidente venezuelano e responsabilizam grupos de oposição pelo clima de caos que o país viveu naquelas semanas. No entanto, as manifestações dos internautas apresentam uma maior pluralidade de pontos de vista, ou seja, são sujeitos que participam do processo de comunicação e interpretam as informações que recebem, como Martin Barbero propôs em “De los medios a las mediaciones”. Apesar da obra ter sido escrita no final dos anos 1980, algumas de suas proposições seguem atuais: “las masas se encuentran ahora dentro: disolviendo el tejido de las relaciones de poder, erosionando la cultura, desintegrando el viejo orden” (BARBERO, 1987, pág. 32). O internauta, via redes sociais, é capaz de participar da política internacional e não ser um mero espectador dos relatos. Referências BARBERO, Martin. De los medios a las mediaciones. Barcelona: Gustavo Gili, 1987. BBC Trending. Venezuela protests and the ‘virtual’ battle online. 18 de fevereiro de 2014. Disponível em . Acesso em 29 de junho de 2014. CASTELLS, Manuel. Fim de Milênio. Vol. 1 e 3. São Paulo: Terra e Paz, 1999. COGO, Denise e BRIGNOL, Liliane Dutra. Social Networks and reception studies on internet. Matrizes. ano 4 – nº 2 jan./jun. 2011. São Paulo. TAVARES, Elaine. Telesur e TV Brasil, qual a diferença?. Observatório da Imprensa. Ed. 462. 4 de dezembro de 2007. Disponível em . Acesso em 30 de junho de 2014. TELESUR TV. Site oficial. Disponível em . Acesso em 30 de junho de 2014.

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As narrativas identitárias no Instagram e o uso da inspiração etnográfica virtual Mariana Leoratto SEVERO1 Liliane Dutra BRIGNOL2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Este resumo pretende apresentar a perspectiva da etnografia virtual como método de investigação sobre os usos do aplicativo Instagram relacionados aos processos de construção de narrativas de identidades pessoais. A partir de conceitos sobre redes sociais online, aspectos identitários relacionados ao contexto contemporâneo e as narrativas identitárias é escolhida a técnica de observação online somado a entrevistas com usuários do Instagram para que se constituísse a análise dos dados coletados. O método utilizado permite com que compreendamos um ambiente – no caso, o virtual - por meio da inserção por determinado tempo no espaço que deseja estudar, e, a partir dessa entrada, percebamos os processos sociais que os sujeitos pesquisados estão inseridos. Para a antropóloga Travancas, a etnografia, além descrever as significações nas comunidades e nos seres humanos, “é entendida como um método de pesquisa qualitativa e empírica que apresenta características específicas. Ela exige um “mergulho” do pesquisador, ou seja, não é um tipo de pesquisa que pode ser realizada em um período muito curto e sem preparo” (TRAVANCAS, 2006 p. 4). A etnografia virtual é utilizada, neste estudo, de maneira silenciosa (lurking) e sem participação ativa com os usuários do aplicativo Instagram. Foram observados oito perfis de usuários do Instagram e utilizadas como parâmetro as fotografias postadas no mês de agosto de 2013 dos mesmos, sendo quatro homens e quatro mulheres. O critério para a seleção dos perfis foi de usuários entre 18 a 30 anos, brasileiros, que possuíssem atividade frequente no aplicativo. Para a avaliação dessas fotografias, foi construído um instrumento de coleta que contemplou desde o nome de usuário até o tipo de conteúdo postado, temáticas que a fotografia abordou e comentários recebidos, dentre outros aspectos. 1 Bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM 2 Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação/ Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM e orientadora do trabalho.

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Este artigo é proveniente de trabalho de conclusão de curso com o mesmo nome, que teve como problema de pesquisa a intenção de entender como fragmentos do dia-a-dia dispostos de forma imagética na rede podem contribuir para a construção identitária dos usuários do aplicativo Instagram. Como resultado, são apresentados diferentes usos do Instagram, como o reordenamento do tempo no aplicativo, o compartilhamento da experiência, as expectativas sobre o olhar do outro, o cotidiano pautado pelo Instagram, o significado das fotografias selfie e a importância dos filtros na construção das narrativas de identidade através da rede social online. REFERÊNCIAS CARRERA, Fernanda. Instagram no Facebook: uma reflexão sobre ethos, consumo e construção de subjetividade em sites de redes sociais. ANIMUS Rev. Inter. de Com. Midiática,2012.Disponível: Acesso dia 10/05/2013 MARTINO, Luís Mauro Sá. Comunicação & identidade: quem você pensa que é? – São Paulo: Paulus, 2010 – (Coleção Comunicação). SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. TRAVANCAS, Isabel. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In BARROS, A. e DUARTE, J. (orgs.), Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 98-109.

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Recepção cross-media: possibilidades de diálogo entre os Estudos Culturais e a tradição semiótica. Nathália DOS SANTOS SILVA1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul Este artigo tem por objetivo resgatar a discussão a respeito das aproximações entre a perspectiva semiótica peirciana e a perspectiva dos Estudos Culturais e debater as possibilidades teórico-metodológicas resultantes dessa aproximação no contexto das investigações da recepção cross-media, a partir do uso das novas tecnologias. Partindo da premissa de que há uma “ecologia da mídia” (LOPES, 2011, p. 427) – o que torna insuficiente estudar os meios de comunicação de forma isolada – atentamos à forma como os diferentes meios passam a atuar simultaneamente, juntos, na mediação de processos comunicativos ao longo do nosso dia a dia. Isto é, temos que a atividade de “recepção” e sua inerente produção de sentido, hoje, é cross-midiática (SCHROEDER, 2010). Isso porque encaramos que há um movimento de significação contínuo que atravessa diferentes meios simultaneamente – o que nos indica a possibilidade de aproximação com a tradição semiótica. A ideia de continuidade do processo de significação está no conceito peirciano de semiose (SANTAELLA, 1993). Nesse sentido é que, para Itania Gomes (2002, p. 178) a atividade de recepção pode ser pensada como um ato semiósico: Uma teoria da recepção deve poder antecipar que há uma semiose da significação que implica o modo de organização da mensagem (do texto): nem a recepção nem o conteúdo das mensagens estão dados previamente. O significado é o resultado de um trabalho inferencial em que a recepção ou o leitor é levado a acionar suas competências semióticas para realizar apostas a partir das instruções postas na mensagem.

Ou seja, a atividade de recepção, como uma atividade de interpretação, empurra adiante a cadeia semiósica engendrada pelo processo comunicativo instaurado. É nessa lógica que Klaus Bruhn Jensen (1997, p. 139) - que pro1 Nathália dos Santos Silva – Mestranda no Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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curou formular uma Teoria Semiótica-Social da Comunicação de Massa – traz a categoria peirciana de interpretante para esclarecer o relacionamento entre discursos dos meios de comunicação de massa, decodificaçõs da audiência e usos sociais dos signos mediados pela massa. A categoria de interpretante final ajuda a pensar o movimento de interpretação na recepção – pois dá ênfase à semiose como processo interminável - de modo que não seria possível separar a produção de sentido gerada, por exemplo, na recepção televisiva de outras significações anteriores, produzidas em outros contextos. É a isso que se refere Kim Schroder (2010) quando, ao estudar a natureza cross-media da “audiência”, toma como exemplo um reality show como Big Brother: a produção de sentido enquanto se assiste a um episódio é um entrelaçado múltiplo de episódios anteriores do programa, experiências com outros programas do mesmo gênero, informações colhidas de jornais, revistas, redes sociais, conversas, comentários e etc. Ou seja: o percurso de produção de sentido é um fluxo contínuo que atravessa diferentes meios de comunicação, e essas novas possibilidades modificaram as maneiras de “ser e estar audiência”(OROZCO, 2011, p. 391): é possível assistir à televisão e, ao mesmo tempo, conversar e comentar a respeito com amigos pelo whatsapp ou postar impressões e trocar ideias no facebook ou twitter. Nesse cenário, novas estratégias de investigação serão possíveis: a análise das conversações via whatsapp pode ser instrumento relevante para compreender a produção de sentido resultante da recepção televisiva (considerando a simultaneidade na utilização de ambos meios), por exemplo. Investiga-se, portanto, as novas possibilidades teórico-metodológicas ocasionadas pela relação de “ecologia dos meios” e a aproximação da semiótica. Busca-se, assim, resgatar a tarefa de compreender o processo comunicativo (receptivo) ao invés de apenas procurar conhecer a audiência ou descrevê-la em seu comportamento2. Referências GOMES, Itania Maria da Motta. A Noção de Gênero Televisivo como Estratégia de Integração: o Diálogo entre os Cultural Studies e os Estudos de Linguagem. In: Revista Famecos. v. IV, n. 2, dez. 2002. p. 165-185. JENSEN, Klaus Bruhn. Sociedade significante : Uma nova teoria de semiotica social. Temas Contemporaneos em Comuniçação. ed. / Maria Immacolata Vassallo de Lopes. São Paulo, Brasilien : Edicon. Intercom, 1997. p. 129-150. LOPES, Maria Immacolata V. de. Uma agenda metodológica presente para a pesquisa de recepção na América Latina. In: JACKS, Nilda (org). Analisis de Recepción en América Latina: um recuentro histórico com perspectivas al futuro. CIESPAL, Quito – Equador 2011. 2 Para Itania Gomes (2002, p. 172), “a questão crucial, do ponto de vista da recepção, não deveria ser propriamente saber quem é a audiência, nem deveria ser a de descrever seu comportamento, mas compreender o processo comunicativo. Em outros termos, compreender o próprio processo que institui uma audiência.”

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OROZCO, Guilhermo. La condición comunicacional contemporánea: desafios latinoamericanos de la investigación de las interaciones en la sociedad red. In: JACKS, Nilda (org). Analisis de Recepción en América Latina: um recuentro histórico com perspectivas al futuro. CIESPAL, Quito – Equador 2011. SANTAELLA -Braga, M.L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense. 1993. SCHROEDER, Kim Christian. Audiences are inherently cross-media: audience studies and the cross-media challenge. In: Transforming Audiences, Tranforming Societies. Lisbon, 11-13. 2010.

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Reflexões sobre o trabalho de campo: Os movimentos sociais em rede e a apropriação das redes sociais online1 Tainan Pauli TOMAZETTI2 Liliane Dutra BRIGNOL3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Interpretados por Melucci (2001) como redes de interações complexas com sujeitos articulados em solidariedade e objetivos comuns em torno da defesa de determinados projetos e transformações, os movimentos sociais contemporâneos são o que podemos definir de redes sociais propositivas (RIZO GARCÍA, 2003). Caracterizados analiticamente por: identidade, oposição, conflito e projeto (TOURRAINE, 2009; CASTELLS, 1999) eles são em si redes de ação e influência articuladas por formas alternativas de comportamento. Partindo desse entendimento, no contexto de sociedade em rede (CASTELLS, 1999b), os sentidos de articulação, mobilização e autorreflexão dos movimentos sociais são atravessados pelos efeitos da comunicação em rede4 na internet, em especial, pelas redes técnicas de comunicação, fazendo da web um ambiente comunicacional com potencial de apropriação mais democrático e livre do que outras mídias para fins de enunciação política (CARDOSO, 2007). Dessa forma, com ênfase nos processos comunicacionais, buscamos realizar neste artigo uma preambular reflexão sobre as adaptações do método 1 Esta reflexão insere-se no contexto do projeto dissertação de mestrado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), construído em torno da questão norteadora sobre usos da rede social online Facebook e da ocupação do espaço urbano no contexto dos movimentos sociais, através da “Marcha das Vadias”, na cidade de Santa Maria, interior do estado do Rio Grande do Sul. 2 Tainan Pauli Tomazetti - Graduado, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestrando em Comunicação, POSCOM. 3 Orientadora do trabalho. Liliane Dutra Brignol - Doutora, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, POSCOM. 4 Característica central da sociedade em rede, a comunicação em rede vem se transformando com o limiar da internet, especialmente a comunicação mediada e a relação entre sujeitos receptores e mídias de comunicação massiva. Essa transformação é decorrente não só de um tipo de inovação tecnológica, mas também da própria forma de se utilizar, apropriar ou vivenciar essas e outras mídias nesse contexto (COGO; BRIGNOL, 2011).

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etnográfico para as pesquisas no campo da comunicação, em especial, a partir da combinação de um campo de pesquisa transitório entre os ambientes online e offline. Considerando, assim, as contribuições da etnografia, enquanto método, enfoque e texto (GUBER, 2001), buscamos construir uma reflexão de caráter metodológico através de nossa experiência de aproximação empírica às lógicas comunicacionais e as dinâmicas de identidade da Marcha das Vadias-SM, um movimento social com demandas construídas a partir das interações em rede em nível local/global A Marcha das Vadias é um movimento feminista de caráter atual que luta pelo espaço de reconhecimento e liberdade da mulher. Advinda de um contexto histórico recente, a primeira Marcha das Vadias ocorreu em 2011, em Toronto, no Canadá. Essa ação coletiva desenvolveu-se em resposta a conduta de um policial, que afirmou, quando indagado sobre o número de estupros contra as mulheres, que a origem dos mesmos ocorria pelo fato delas vestirem-se como “sluts”, vadias. Assim, a partir de um ato de protesto em três de setembro de 2011 contra o discurso opressor do policial, o movimento internacionalizou-se através de dinâmicas de comunicação em rede e solidariedade. Já em 2011, as manifestações espalharam-se por vários países, defendendo como principal bandeira a liberdade do corpo da mulher e, reconhecendo, como lógica deste tipo de movimento, as questões peculiares de cada país/estado/cidade onde foram/são realizadas as Marchas das Vadias. No contexto de Santa Maria/RS, a Marcha das Vadias é organizada pelo “Coletivo Marcha das Vadias”, um movimento em rede que constrói anualmente uma ação de protesto que percorre algumas ruas do centro da cidade desde o ano de 2012. Além da ação anual, o movimento busca projetar atividades que visam à conscientização das problemáticas referentes à mulher durante todo o ano. Essas ações são ampliadas por seus desdobramentos, reflexões e debates propostos por meio da comunicação em rede, no espaço urbano e no ambiente online, e, articuladas, principalmente, na rede social online Facebook através de uma Página e um Grupo de discussão . Levando em consideração esse contexto, entendemos que refletir a apropriação de uma mídia em rede para fins de orientação coletiva requer olhares atentos e demorados a dinâmicas complexas e interacionais em constante transformação. Portanto, centramos a discussão deste artigo nas reflexões de nosso trabalho de campo através do escopo de observações concentradas no debate sobre como a Marcha das Vadias-SM problematiza em seu Grupo de discussão os conteúdos advindos da mídia tradicional, em especial da televisão. Assim, objetivamos descobrir como esses conteúdos repercutem na construção das demandas opositivas e identitárias do movimento: tanto em ações concretas no espaço urbano quanto em projetos universais ou particulares de luta. Referências CASTTELS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ________, Manuel. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999b.

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________, Manuel. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. CARDOSO, Gustavo. Mídia na Sociedade em rede. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2007. COGO, Denise; Brignol, Liliane Dutra. Redes sociais e os estudos de recepção na internet. Matrizes. V. 4. n. 2. p. 75-92. jan./jun. 2011. GUBER, Rosana. La etnografía: método, campo y reflexividad. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2001. MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis, Vozes, 2001 RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. RIZO GARCÍA, Marta. Redes: Una aproximación al concepto. Universidad Autónoma de la Ciudad de México. Online, 2003. Disponível em: . Acesso em 1 jun. 2014. TOURAINE, Alain. Pensar Outramente. São Paulo: Vozes, 2009.

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A etnografia virtual nos estudos de recepção: Uma discussão metodológica Laura Hastenpflug WOTTRICH1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul O artigo objetiva refletir sobre a perspectiva da etnografia virtual2, em especial, tecer um panorama de como o método foi trabalhado nos estudos de recepção brasileiros produzidos entre 2000 – 2009. Insere-se em projeto mais amplo3, que realizou mapeamento das teses e dissertações produzidas no âmbito dos Programas de Pós-graduação em Comunicação brasileiros no período. Objetiva-se mapear quais autores e conceitos são mobilizados por essas pesquisas, a fim de compor um panorama de utilização da etnografia virtual na década. Por outra via, através desse mapeamento, discutir a utilização desse procedimento metodológico a partir de autores que o problematizam, a fim de explorar: 1) as vinculações teóricas 2) as terminologias utilizadas 3) as formas de construção, análise e interpretação de dados e 4) os limites e potencialidades do método para o desenvolvimento da área da recepção. Se o debate sobre a etnografia foi fomentado ainda no início do século XX pela antropologia, na recepção a discussão é mais recente, observada em 1983 com o estudo pioneiro de Ondina Fachel Leal “Leitura Social da Novela das Oito”. Quando se pensa na etnografia inserida na web, a discussão é ainda mais incipiente. A análise empreendida indica que o método foi utilizado em apenas seis casos por dissertações na área da recepção nos anos 2000. Mais do que uma transposição do método ao ambiente virtual, a discussão sobre a etnografia no contexto online leva a problematização de questões caras ao fazer antropológico, como a construção da autoridade etnográfica, a importância da observação e a delimitação do campo de pesquisa, aspectos desenvolvidos no artigo. 1 Laura Hastenpflug Wottrich – Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Bolsista CAPES. 2 Neste texto, elege-se o termo “etnografia virtual” (HINE, 2004) para nomear a aplicação da etnografia à investigação de ambientes digitais. Este termo é escolhido porque sua formulação teórica carrega questões caras ao entendimento do método, o que será explicitado mais adiante. 3 Projeto “Estudos de recepção na América Latina: aspectos propositivos”, coordenado pela Prof. Dra. Nilda Jacks.

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A heterogeneidade do debate acerca da etnografia virtual é perceptível a partir das denominações utilizadas por diferentes autores para classificá-la. Fala-se em netnografia (SÁ, 2002; BRAGA, 2006; MONTARDO, PASSERINO, 2006, KOZINETS, 1997), etnografia virtual (HINE, 2004, 2012; FLICK, 2009) além de etnografia digital, webnografia e ciberantropologia . Na década em análise, os seis estudos (SCOSS, 2003; BRIGNOL, 2004; GOMIDE, 2006; CASTELLANO, 2009; BELLO, 2009; LINKE, 2005) versam sobre o método a partir de diferentes perspectivas: Há menções à etnografia virtual (SCOSS, 2003), netnografia (CASTELLANO, 2009; BELLO, 2009) e abordagem etnográfica (BRIGNOL, 2004). Há ainda casos em que o método/técnica não é diretamente explicitado (LINKE, 2005; GOMIDE, 2006). Observa-se que as etnografias são realizadas principalmente através de observação participante e de entrevistas. Em alguns casos, há a triangulação da etnografia com outras técnicas; em outros, contudo, os procedimentos basilares à utilização da etnografia não são sequer explicitados, o que impede uma análise mais detalhada da questão e reforça as fragilidades metodológicas que acompanham as teses e dissertações na área de recepção (JACKS, MENESES, PIEDRAS, 2008). Ao realizar a análise, vê-se que o emprego do método é ainda frágil, baseado em parcas reflexões teóricas e problematizações empíricas. De fato, a incipiência metodológica não é um problema localizado, mas acompanha os estudos de recepção brasileiros em sua trajetória (JACKS, MENESES, PIEDRAS, 2008). Relacionando esse contexto aos estudos empíricos de internet, que ganharam força apenas em meados dos anos 2000, se reforça a configuração de um cenário ainda incipiente de pesquisa. De outra forma, avanços já são perceptíveis, como a incorporação de autores brasileiros nas discussões. Contudo, são passos tímidos frente às possibilidades de exploração do método nas pesquisas. Para remediar esse cenário, são fundamentais que prossigam as explorações teóricas acerca do método, e sobretudo que se materializem investidas empíricas que deem conta de tensioná-lo com a realidade para problematizá-lo. Nessa empreitada, os estudos de recepção, área empírica por natureza, assume um papel fundamental. Referências BRAGA, Adriana. Técnica etnográfica aplicada à comunicação online: uma discussão metodológica. UNIrevista - Vol. 1, n°3 : (julho 2006). Disponível em: http:// www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Braga.PDF. Acesso em 01/02/2014. ______. Etnografia segundo Christine Hine: abordagem naturalista para ambientes digitais (entrevista). E-compós, Brasília, v. 15, n.3, set/dez 2012. FLICK, Uwe. Pesquisa qualitativa online: a utilização da internet. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009. FRAGOSO; Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. HINE, Christine. Etnografia Virtual. Barcelona, Espana: UOC, 2004. KOZINETS, R. On Netnography: Inicial Reflections on Consumer Research In-

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vestigations of Cyberculture. (1997). Disponível em Acesso em 18 fev 2014. JACKS, Nilda, MENEZES, Daiane e PIEDRAS, Elisa. Meios e Audiências. A emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre. Sulina, 2008. LEAL, Ondina Fachel. A leitura social da novela das oito. Petrópolis: Vozes, 1986. MONTARDO, Sandra., PASSERINO, Liliana. Estudo dos blogs a partir da netnografia: possibilidades e limitações. In Revista Novas Tecnologias na Educação, v.4 n.2, CINTED-UFRGS, Dez. 2006. Disponível em Acesso em 15/01/2014. SÁ, Simone Pereira. Netnografias nas redes digitais. In: PRADO, José Aidar (Org). Crítica das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Hacker, 2002. Corpus SCOSS, D. M. Navegar é preciso: Pesquisa de recepção virtual através do estudo de caso do portal da Malhação. São Paulo: USP, 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Universidade de São Paulo, 2003. BRIGNOL, L. D. Identidade cultural gaúcha nos usos sociais da internet: Um estudo de caso sobre a Página do Gaúcho. São Leopoldo: UNISINOS, 2004. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2004. GOMIDE, Sílvia Del Valle. Representações das identidades lésbicas na telenovela Senhora do Destino. Brasília: UnB, 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Universidade de Brasília, 2006. CASTELLANO, M. Reciclando o “lixo cultural”: Uma análise sobre o consumo trash entre os jovens. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009. BELLO, C. D. Cibercultura e subjetividade: Uma investigação sobre a identidade em plataformas virtuais de hiperespetacularização do eu. São Paulo: PUCSP, 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. LINKE, S. C. De olho na mídia, com a boca no mundo: Contribuição de um site de metajornalismo para o debate crítico sobre a mídia na internet. Belo Horizonte: UFMG, 2005. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social), Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.

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Usos e apropriações do celular por jovens de classe popular Flora DUTRA1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS.

A presente pesquisa é um estudo dos usos e apropriações do telefone celular por jovens de classe popular. Procura-se identificar como os jovens da fração baixa da classe popular distinguem-se uns dos outros pelos usos do aparelho móvel no espaço escolar. A investigação filia-se as perspectivas das mediações de Martín-Barbero (2003; 2009) e na do consumo cultural de García Canclini (1997; 2010). Foi realizada uma etnografia no espaço escolar e no espaço doméstico com dez alunos da Escola A, com idades entre 15 a 18 anos, residentes em Santa Maria/RS. Delimitou-se, ainda, um corpus com dez perfis dos entrevistados da rede social Facebook. A análise foi estruturada de modo a compreender como as mediações configuram a relação dos jovens com o celular. Observa-se que os conflitos gerados pelo uso do celular nos dois espaços (escolar e doméstico), bem como o celular como fator de distinção entre os estudantes. Segundo eles, o uso do celular é uma maneira de fugir da realidade. Além das dificuldades na construção linguística durante o processo educacional acarretado pelo uso constante dos celulares, os jovens ainda sofrem com a desestabilidade do lar e com preconceitos de gênero, classe e “raça”. Afirmam ainda que, quando ameaçados por olhares que os desaprovam, os estudantes centram no telefone sua atenção, aliviando a tensão da discriminação social, principalmente em ambientes públicos e no espaço doméstico. Em busca de autonomia simbólica, os entrevistados buscam legitimar, em seu espaço social, uma posição de jovens conectados, tentando, assim, minimizar os efeitos de uma posição de classe menos favorecida. Quanto à mediação da ritualidade, nota-se o celular como organizador das práticas cotidianas. As marcas dos celulares, modelos e funcionalidades – carregam o significado de modernidade e conectividade – traçam por vezes o 1 Flora Dutra – Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista FAPERGS no período de 03/2012 à 03/2014. Membro do grupo de pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural. Email [email protected].

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esquecimento da posição de classe inferior perante os jovens de classe alta, pois ter um celular para interagir e circular nas redes sociais não é sinônimo de pobreza. O celular, para os jovens entrevistados, está relacionado cotidianamente com a propagação de gostos, desejos e distinções simbólicas. Tornou-se o símbolo da convergência para a cultura popular juvenil que anseia por modelos novos de aparelhos, funcionalidades e estilo de vida. No que diz respeito à mediação da tecnicidade, percebe-se uma forte presença do celular em cenas e contextos de filmes e telenovelas assistidos pelos jovens entrevistados. Essas representações são ressignificadas através da recepção transmidiática, ao produzirem conteúdo para as redes sociais. As redes sociais, com destaque para o Facebook, são palcos de percepções de uma nova prática de recepção, esta, flexível, convergente, móvel, conectada e ativa através do celular. Pode-se, no processo transmidiático, tratar os estudantes como receptores que buscam entretenimento e informação sobre assuntos de interesse próprio ou do grupo. Estes alternam-se entre tribos, fan pages, grupos nas redes para a produção de conteúdo nas comunidades virtuais, ou até mesmo, interagindo com os programas de televisão ou programas online. A relação da telenovela com os conteúdos gerados pelo celular para as redes sociais é intensa. Assim podem-se destacar os diferentes contextos em que o celular aparece nas novelas brasileiras como ferramenta de socorro em situações extremas, comunicação interna de empresas, distinção social, videochamadas e facilitador de atividades ilícitas. Para Lopes (2011), não se trata apenas do fluxo de mensagens, “mas da penetração em mundos simulados e da criação de ambientes em realidades virtuais, da criação das novas narrativas. Os indivíduos interagem, influenciam-se, negociam no marco das redes” (LOPES, 2011, p. 13). O consumo televisivo de canais abertos é unânime, e os personagens de classe alta são mencionados como os portadores de celulares em cenas dentro de mansões e grandes empresas, atribuindo ao celular a marcação como objeto de status pela mídia. Referências CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ed UFRJ, 2010. ___. Ideologia, cultura y poder. Buenos Aires: Oficina de Publicaciones Del CBC, 1997. LOPES, Maria Immacolata V. de. Uma agenda metodológica presente para a pesquisa de recepção na América Latina. In. JACKS, Nilda, et al. (orgs.). Análisis de recepciónen América Latina: um recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito-Equador: Editorial “Quipus”, CIESPAL, 2011. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2ª Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. ___. A comunicação na Educação. Editora Contexto. São Paulo, 2014.

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O Consumo da Cultura Hip Hop em Santa Maria Amanda FIUZA1 Sandra RUBIA2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Um estilo de vida ditado pela rua, a sensação de liberdade que a noite proporciona, é algo que invade e rompe as barreiras, a linguagem dos jovens e todas as suas significações, a produção de sentidos através da música e da arte, todas as suas marcas de expressões que buscam a construção de códigos e linguagens como forma de comunicação perante uma sociedade que oprime a voz da periferia e todos os produtos advindos desse local. É por essa vontade de romper os laços opressores e vencer as barreiras, mostrando todo seu potencial que a população periférica luta, e é por meio do movimento hip hop que algumas estratégias de resistência são concretizadas. Por essa razão, é com o movimento hip hop que me identifico. De acordo com o relatado acima, esta pesquisa consiste em estudar o consumo da cultura hip hop da cidade de Santa Maria – RS, através da análise das expressões culturais do movimento e as atividades que os membros da cultura realizam em espaços públicos da cidade. O movimento hip hop, além de ser uma manifestação cultural, possui um forte caráter sociopolítico. Através das expressões do movimento, música, por meio do gênero rap, dança, através do break e da estética visual por meio do grafite, o movimento constrói uma rede de significados, reforçando seu caráter sociopolítico. Não me refiro a um consumo de produtos somente, mas a uma forma de pensar que se amplia e se reconstrói, cotidianamente, num âmbito que extrapola os espaços dos bairros, das cidades e dos países, sendo elaborado e vivenciado muito mais no plano das ideias, e que é definidor de estilos de rap e de vida (SOUZA, p.98).

Sendo assim, o movimento hip hop é, a partir de Coutinho (2008), uma das “rotas de comunicação alternativa” que os moradores periféricos encontra1 Estudante de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Mestre em Comunicação e Informação – UFRGS e Doutora em Antropologia Social – UFSC. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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ram para fugir dos mecanismos de repressão que a sociedade hegemônica impõe. Coutinho (2008, p.63) diz que “é inegável que, pela repressão policial, jurídica e burocrática, as elites condenam as massas ao silêncio, barrando qualquer iniciativa que represente uma ameaça de democratização da comunicação”. Não são raras às vezes que em roda de conversas informais ou até mesmo nos noticiários se escuta que Santa Maria é considerada a cidade cultura. Sempre que escuto essa afirmativa, a principal indagação que me vem à mente é: de que cultura eles falam?! Pouco se sabe sobre as culturas periféricas, na verdade, pouco se fala sobre periferia. Até entendo que esse aspecto cultural da cidade está relacionado ao grande contingente de instituições de ensino superior. Todavia, não entendo a invisibilidade das comunidades periféricas da cidade, que aparecem nos noticiários apenas para reforçar as estatísticas de morte da população pobre. A todo instante a população periférica é estigmatizada pelo viés da criminalidade, gerando no imaginário social uma representação distorcida e irreal desse espaço. O movimento hip hop e todas suas expressões culturais sofrem muito preconceito, sendo que seus membros são seguidamente “taxados” como marginais. Neste sentido, ao relatar uma de suas experiências na pesquisa de mestrado em antropologia, Sandra Regina Soares da Costa (2003, p. 151) pode constatar que “em alguns segmentos da nossa sociedade, a música rap, ou movimento hip hop não gozam de boa reputação. Quer seja por preconceito social, ou étnico, criaram-se social frameworks que associam essa forma artística ao banditismo”. Por essa razão que os membros do movimento hip hop estão em constante atuação, buscando descontruir esse imaginário social e gerar representações sociais que condigam com suas atitudes. Ao mesmo passo que atuam de forma política para melhorar as condições sociais da periferia, através das expressões artísticas do movimento. Pretendo estudar o consumo da cultura hip hop relacionado as atividades que são realizadas na cidade de Santa Maria, principalmente, em espaços públicos. Como o consumo dessa cultura contribui para reforçar a identidade e o estilo de viver dos jovens oriundos das periferias. Referências COUTINHO, E. G. . A comunicação do oprimido: malandragem, marginalidade e contra-hegemonia. In: RAQUEL, Paiva.; CRISTIANO, Henrique. (Org.). Comunidade e contra-hegemonia: rotas da comunicação alternativa. Rio de Janeiro: Mauad, 2008, p. 61-74. COSTA, R.S. Uma experiência com autoridades: pequena etnografia de contato com o hip hop e a polícia num morro carioca. In: VELHO, Gilberto.; KUSCHNIR, K. (Org.). Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 139 – 155. HERSCHMANN, M. ; GALVÃO, T. . Algumas considerações sobre a cultura hip hop no Brasil hoje. In: Silvia H. S. Borelli.; JOÃO, Freire. F. (Org.). Culturas juvenis no século XXI. 1. ed. São Paulo: EDUC, 2008, p. 195-210. HERSCHMANN, M. O funk e o hip hop invadem a cena. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. SANTOS, J.L.dos. O que é cultura. 16. ed. Brasiliense: São Paulo, 2006.

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Moda Hip-Hop: Consumo de Vestuário e a Formação Identitária de Sujeitos de Classes Populares Camila MARQUES1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Buscamos no presente artigo, em um primeiro momento, o entendimento sobre as relações entre a recepção de um estilo musical – no caso específico, o hip-hop – e o consumo de vestuário, problematizando a estreita (e pouco explorada empiricamente) relação que se dá entre moda e música. Procuramos, também, oferecer uma proposta de inclusão de sujeitos de classes populares nas análises do consumo de produtos de moda e da apropriação dos mesmos ligados à formação identitária. Muitas das reflexões sobre essa temática acabam tratando do mercado de luxo, do consumo de revistas especializadas, do papel do consumidor de classe A, dos sites e blogs pessoais (geralmente de jovens de classes sociais elevadas), mas ainda pouco se olha, se fala e se estuda a respeito da participação das culturas urbana e popular nesse processo, o que justifica, em parte, nosso foco nas classes populares. Destacamos como objetivo principal o entendimento das relações entre as motivações e significações apreendidas na adoção de um ritmo musical e de um estilo de vestir e os processos de socialização e de formação de identidades pessoais e coletivas, através desse consumo de moda e música. Salientamos que nossa principal base teórica são os estudos sobre consumo cultural, principalmente os de Nestor García-Canclini, (1999, p. 90) que afirma que “o valor mercantil não é alguma coisa contida naturalisticamente nos objetos, mas é resultante das interações socioculturais em que os homens os usam”. Logo, define o consumo como: [...] conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar os atos pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos, caprichos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitudes individu1 Camila Marques, Mestra em Comunicação Midiática pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, bolsista Capes, orientada pela Professora Drª Rosane Rosa. Doutoranda do programa de pós graduação em Comunicação Midiática da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, orientanda pela Professora Drª Veneza Ronsini.

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ais, tal como costumam ser exploradas pelas pesquisas de mercado (GARCÍA-CANCLINI,1999, p. 77 ).

É dessa forma que baseamos nossa análise do consumo de produtos de moda por parte de sujeitos de classes populares, que compõem um movimento como o hip-hop, buscando entender, por exemplo, o que um par de tênis ou uma corrente prateada grande pendurada no pescoço podem significar, visto que esse consumo é entendido aqui como “um ato simbólico e social que passa pelos discursos legitimadores de determinados grupos e classes” (LEITÃO; LIMA; PINHEIRO MACHADO, 2006, p. 23). Assim, acreditamos ser possível a análise desse processo de consumo como forma de sociabilidade, interação, representação, formação e comunicação de traços identirários. Referências GARCÍA-CANLINI, N. Prefácio. In: MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. p. 14-25. ______. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. LEITÃO, D. K.; PINHEIRO MACHADO, R. O luxo do povo e o povo do luxo: consumo e valor em diferentes esferas sociais no Brasil. In: ______. Antropologia e consumo: diálogos entre Brasil e Argentina. Porto Alegre: AGE, 2006. LEITÃO, D. K.; LIMA, D. N. de O.; PINHEIRO MACHADO, R. Antropologia e consumo: diálogos entre Brasil e Argentina. Porto Alegre: AGE, 2006.

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“Quem é conectado é na moda”: as práticas de consumo de smartphones entre jovens de camadas populares Camila PEREIRA1 Sandra Rubia da SILVA2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS O pensamento que sempre existiu em relação às camadas populares é que elas consumiam somente para sobreviver. Para os estudos de consumo, até as últimas décadas, essa classe era invisível; bem como para o próprio mercado e para a academia no geral, a classe popular não era considerada um mercado consumidor de produtos e serviços (ROCHA, 2009). Todavia o poder de consumo das classes populares vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. O aumento da oferta do crédito, as facilidades nas condições de pagamento, entre outros, fizeram com que muitas pessoas que viviam à margem da miséria pudessem ir às compras. Essa transformação processada no mercado brasileiro fez com que uma vasta parcela da população do nosso país entrasse no mercado de consumo (ROCHA; SILVA, 2009). Com o aumento do consumo, cresceu também o aumento da oferta de novos produtos. Os smartphones – telefones inteligentes (TELECO, 2013) – surgiram há poucos anos no mercado e no ano de 2013 tiveram suas vendas mais que dobradas. Hoje o Brasil é o quarto maior consumidor de smartphones, ficando atrás apenas da China, dos Estados Unidos e da Índia . O que se pretende com este artigo é apresentar os resultados de um estudo realizado com adolescentes de camadas populares da cidade de Santa Maria e refletir sobre a relevância que os smartphones têm na vida desses jovens, bem como pensar em como se dá a conexão dos adolescentes em seus dispositivos móveis. A metodologia utilizada neste trabalho é de inspiração etnográfica. A etnografia é entendida como um método de pesquisa qualitativa e empírica que apresenta características específicas; essa metodologia exige que o pesquisador se insira na sociedade que irá estudar e por isso não pode ser um 1 Bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 2 Mestre em Comunicação e Informação - UFRGS e Doutora em Antropologia Social - UFSC. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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estudo realizado em um período muito curto de tempo (TRAVANCAS, 2011). Realizamos também entrevistas em profundidade, além de observação em campo e observação participante. A amostra da pesquisa é composta por dezesseis jovens com idades entre doze e quinze anos pertencentes à classe popular. Com esses dezesseis adolescentes conversamos, realizamos entrevistas, e alguns ainda tornaram-se nossos amigos nas redes sociais. Porém o total de jovens observados foi de 137, número de alunos matriculados na sétima e na oitava série de uma escola estadual de ensino fundamental da cidade de Santa Maria. Preservamos a verdadeira identidade dos adolescentes; os nomes que aparecem neste artigo são fictícios. O nome que usamos para representar a instituição de ensino é Vila Real. A coordenação da escola pesquisada pediu pelo anonimato, visto que o assunto é delicado, pois é proibido por lei no Rio Grande do Sul o uso de celulares em sala de aula nas escolas públicas. A partir das observações, entrevistas e da análise dos dados do campo destacamos as principais temáticas relacionadas às práticas de consumo de smartphones no cotidiano desses jovens: 1) as formas de apropriação de mensagens de texto e ligações; 2) os adolescentes e sua ligação com a música; 3) o uso de redes sociais e de aplicativos; 4) smartphones e sociabilidade. Referências ROCHA, Everardo. Invisibilidade e revelação: camadas populares, cultura e práticas de consumo – Apresentação. In: ROCHA, Angela; SILVA, Jorge Ferreira. Consumo na base da pirâmide: estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. ROCHA, Angela; SILVA, Jorge Ferreira. Consumo na base da pirâmide: um desafio para a pesquisa. In: ROCHA, Angela; SILVA, Jorge Ferreira. Consumo na base da pirâmide: estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. TELECO. Inteligência em Telecomunicações, 2013. Disponível em: Acesso em: junho 2013. TRAVANCAS, Isabel. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2011.

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E-books: O consumo do livro digital na cidade de Santa Maria - RS Juliana Facco SEGALLA1 UFSM, Santa Maria - RS O livro digital, ainda pouco difundido e consumido no Brasil, devido à forte cultura do livro impresso, provoca mudanças nos hábitos de quem busca aventurar-se nesse novo mercado. A troca de dispositivo causa impactos e transformações, como, por exemplo, a migração do papel para a tela, o modo de leitura nesses aparelhos, e a inserção de recursos interativos, como hipertextos e hiperlinks. Este trabalho consiste na apresentação de resultados de uma pesquisa qualitativa, que foi realizada com o objetivo de analisar o consumo de livros digitais na cidade de Santa Maria – RS, de modo a identificar quem é o consumidor de livros digitais na cidade e definir possíveis tendências de comportamento deste consumidor santa-mariense. Para atingir estes objetivos e contextualizar o trabalho utilizamos principalmente os estudos de consumo de Canclini (2005). Segundo Canclini, o consumo é um lugar para pensar, no qual se organiza grande parte da racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades. Quando se reconhece que ao consumir também se pensa, se escolhe e se elabora o sentido social, é preciso analisar como essa área de apropriação de bens e signos interfere de uma forma mais ativa na participação daquelas que recebem o rótulo de consumidores. Em outras palavras, modo de consumir pode mudar o significado de ser cidadão. Neste trabalho, refletimos a partir das seis abordagens sobre o consumo que Canclini sintetiza, sob o argumento de que nenhuma é autossuficiente para explicar o consumo, entendido como: “lugar de reprodução da força de trabalho e da expansão do capital”, “lugar onde as classes e os grupos competem pela apropriação do produto social”, “lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre os grupos”, “sistema de integração e comunicação”, “cenário de objetivação dos desejos” e “processo ritual” (CANCLINI, 2005). A partir da apresentação destas abordagens, investigamos o consumidor de livros digitais 1 Juliana Facco Segalla – Estudante de Comunicação Social – Produção Editorial da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Orientação: Prof. Drª. Liliane Dutra Brignol – UFSM.

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santa-mariense. Para a construção metodológica deste trabalho foram combinadas uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa empírica. Esta foi de caráter qualitativo, dividida em duas fases: a primeira desenvolvida por meio de um questionário online, a segunda, com a realização de entrevistas em profundidade, para investigar os hábitos, motivações e entender como se dá o consumo de livros digitais pelos santa-marienses. Entende-se que esse estudo é importante e necessário para descobrir que valores o público consumidor atribui aos livros digitais, quais são as decisões que toma na hora da compra, e que influências recebe para realizá-la. A partir das percepções dos entrevistados sobre o livro digital, foi concluído que a portabilidade, facilidade de acesso e os downloads gratuitos são os principais motivos para o consumo do suporte digital. Observamos que as práticas de consumo tendem a ser semelhantes entre os entrevistados e que todos possuem um grande apreço pelo livro impresso, apesar de já experimentarem uma aproximação com diferentes plataformas de leitura do livro digital. O livro digital ainda está sendo introduzido na vida destas pessoas, que estão aprendendo a praticar a leitura no suporte eletrônico. Referências CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Ed. UFRJ. 2005. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Cartografias de Estudos Culturais. Belo Horizonte: Editora autêntica 2001. ESCOSTEGUY, Ana Carolina; JACKS, Nilda. Comunicação e recepção. São Paulo: Hackers, 2005. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Os estudos culturais. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2014. JACKS, Nilda. Tendências latino-americanas nos estudos de recepção. Revista Famecos. Porto Alegre. n. 5. nov.1996. Texto apresentado no GT Comunicação e Recepção. XVII INTERCOM, Piracicaba, 1994. JACKS, Nilda. (coord.). Meios e audiências. Porto Alegre: Sulina, 2008. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Editora Aleph, 2008. PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010.

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“Essa é a minha comunidade”: consumo e apropriação do telefone celular em atividade pedagógica com jovens de camada popular Romulo TONDO1 Sandra Rubia da SILVA2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este trabalho apresenta um estudo de consumo e apropriação dos telefones celulares como forma de empoderamento do jovem de comunidade popular. A pesquisa adota como referências os estudos de consumo (MILLER, 2007), tecnologia afetiva (LASEN, 2004), Educomunicação (SOARES, 2004) e o uso de smarthphones no ambiente escolar (PEREIRA e SILVA, 2014). O corpus deste artigo refere-se às imagens captadas durante a oficina3 de fotografia, de caráter educomunicativa, proposta com jovens do ensino médio4 de uma escola pública em bairro popular da cidade de Santa Maria. No decorrer da oficina foram trabalhadas ideias que de como os jovens e os professores da escola podem trabalhar com a mídia, a educação, ações da comunidade e a fotografia. Foram realizados três encontros, sendo que o último foi destinado para a captação das imagens na comunidade. No total foram captadas 30 imagens, das quais os jovens selecionaram 15 imagens que pudesse representar o cotidiano dos demais jovens e moradores da comunidade. No primeiro momento, na construção deste texto, trazemos um retrospecto sobre a comercialização e consumo dos telefones celulares no Brasil e como tecnologia móvel está imbricada nas possibilidades de acesso à informação e a rede mundial de computadores por jovens de comunidade popular. Hoje 1 Especialista em Políticas e Intervenção em Violência Intrafamiliar - Universidade Federal do Pampa – Unipampa. Mestrando em Comunicação – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM/ Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM. 3 A oficina faz parte da metodologia de aproximação desenvolvida pelo pesquisador na construção de sua dissertação de mestrado acadêmico que utiliza-se da Etnografia, como metodologia principal. 4 A escola onde foi realizada a oficina está implementando o Ensino Médio, sendo que suas classes de primeiro ano e segundo ano possuem 30 alunos no total.

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os telefones celulares ganharam novas funcionalidades diferentes daquelas que eram encontradas em um celular da década de 1990, quando o consumo era privilégio para poucos, já que o custo era elevado e os usuários eram em sua maioria executivos (CASTELLS ET AL, 2007). Com o avanço da tecnologia podemos compreender os celulares como “dispositivos híbridos móveis de conexão multirredes” (LEMOS, 2007). Em seguida dividimos a metodologia em três eixos principais a serem explorados: o enquadramento, a lente e as emoções. O primeiro, o enquadramento, relacionados à utilização de estratégias educomunicativas (Soares, 2004) e os usos do celular em ambiente escolar (Pereira e Silva, 2014). A desconstrução da mídia e a elaboração de uma mídia escolar que venha potencializar a educação e apresentar as atividades desenvolvidas por estes jovens de maneira a representa-los. A lente como extensão do olhar dos jovens na captura das imagens que são influenciados pelas emoções. Da mesma forma a explorar uma visão da câmera do celular como responsável por captar imagens e sentimentos que serão guardados dentro do celular destes jovens. Esta etapa do celular como repositório de emoções está imbricada na terceira e última etapa da metodologia, a emoção, que levamos em consideração o cotidiano na comunidade como mediador das emoções e como o celular é capaz de tornar-se parte desta afetividade. Sendo assim, a proposta em questão utiliza-se da interface entre a Comunicação e Antropologia, como forma de compreender os celulares e as subjetividades construídas a partir do cenário imagético capturado por jovens de comunidade popular, a fim de contribuir para as reflexões sobre o estudo dos celulares, imagens e emoções. Referências CASTELLS, Manuel; FERNÁNDEZ-ARDÈVOL, Mireia; QIU, Jack Linchuan; SEY, Araba. Mobile Communication and Society: a global perspective. Cambridge: MIT Press, 2007. LASEN, Amparo. Affective Technologies: emotions and mobile phones. Surrey: The Digital World Research Centre, 2004. Disponível em: < http://goo.gl/xJyzbO> 22. jun. 2014 LEMOS, André. Comunicação e práticas sociais no espaço urbano: as características dos Dispositivos Híbridos Móveis de Conexão Multirredes (DHMCM). Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo, Escola Superior de Propaganda e Marketing, vol. 4, nº 10, 2007. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 2007. MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 33-63, jul/dez. 2007. PEREIRA, C. R. ; SILVA, Sandra Rubia . O consumo de smartphones entre jovens no ambiente escolar. In: AREU, Graciela Ines Presas; FOFONCA, Eduardo. (Org.). Integração das tecnologias e da cultura digital na educação: múltiplos olhares. 1ed.Curtiiba: Editora CRV, 2014, v. , p. 203-224

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SILVA, Sandra Rúbia. De afetos e de memórias: o consumo do telefone celular como “tecnologia afetiva”. IN: RIAL, Carmen; SILVA, Sandra Rúbia; SOUZA, Angela Maria de (Orgs). Consumo e cultura material: perspectivas etnográficas. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012. p. 243-265. SOARES, Donizete. Educomunicação – O que é isto? Disponível para acesso em: Acesso em: 29. Mai.2014

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Consumo de Modelos Midiáticos de Mulher: um Estudo com Mulheres Transgêneras Fernanda SCHERER1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul

Sob o viés dos Estudos Culturais, reitera-se a possibilidade de investigar a cultura contemporânea a partir das abordagens que problematizam a inserção dos meios de comunicação nesta cultura, bem como através da reconfiguração cultural que os meios acabam por gerar (GOMES, 2004, p. 225). Assim, ao adotar a perspectiva que considera o gênero como um elemento cultural, entende-se que as suas questões podem ser estudadas através do consumo das representações das masculinidades e das feminilidades que são veiculadas pelos meios. Ressalta-se, desse modo, a possibilidade de estudos que aproximam as duas temáticas: gênero e comunicação. O enfoque deste trabalho no gênero decorre da percepção de que este é uma das estruturas que regem as atuações dos homens e das mulheres. Porém, as questões de gênero são ainda silenciadas, por vezes até naturalizadas, pois estão ancoradas de forma profunda nos discursos. Nesse sentido, como exemplo, percebe-se que é comum os sujeitos se questionarem sobre os motivos de uma pessoa transgênera querer se vestir de mulher, mas não se questiona o fato de uma mulher heteronormativa2 querer se vestir de mulher. São consideradas transgêneras(os) as pessoas que têm ou tiveram experiência de desconforto, questionamento e ruptura com o sexo e/ou o gênero que lhes foram atribuídos ao nascer e, por isso, alteraram as disposições que foram impostas para aquelas com as quais se identificam, podendo optar ou não por transformações anatômicas, que re-designam o corpo físico. A transgeneridade foi escolhida porque as mulheres transgêneras se esforçam, de forma mais consciente, para se adequar às concepções legitimadas do feminino, pois foram socializadas na infância, em boa parte da vida juvenil ou até na fase adulta, 1 Fernanda Scherer – Graduada em Comunicação Social, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestranda em Comunicação Midiática, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM 2 Norma que define a heterossexualidade como a única possibilidade legítima de viver o sexo e o gênero. Se justifica pela complementaridade dos corpos sexuados, distribui os corpos no espaço social de acordo com a diferença sexual e patologiza as vivências não-binárias.

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como homens. Dessa forma, é um ponto privilegiado de observação dos modos como o gênero é socialmente construído. Posto isso, a pergunta que impulsiona este trabalho é: em que medida as representações de gênero ofertadas pela mídia se aproximam das disposições das mulheres transgêneras? Para tal fim, através de Estudo de Caso, visou-se discorrer, a partir do consumo midiático, sobre as mulheres que as transgêneras tomam como modelo para se construírem como mulher, bem como abordar as concepções estas entrevistadas possuem acerca da beleza. Para estudar o consumo das representações midiáticas do feminino, buscou-se embasamento teórico na perspectiva de Canclini (1997) acerca do consumo, bem como no conceito de representações sociais, do qual Moscovici (2000) é o principal representante. Para questionar a naturalização das feminilidades e das masculinidades, é utilizada a teoria da performatividade, desenvolvida por Butler (1990). Como resultados, sobre o consumo de mídias, embora não seja possível afirmar que a mídia tenha uma participação decisiva no delineamento das percepções, percebe-se que os consumos midiáticos de cada uma se refletem nas suas disposições e nas dimensões da experiência. Apesar de indicarem ter admiração pelas mulheres de sua família, para se construírem como mulher tomam como modelo especialmente as mulheres que compõem o universo midiático. Desse modo, sugere-se que, em alguma medida, elas incorporam as representações de gênero ofertadas pela mídia. Acerca da beleza, percebe-se que as entrevistadas têm opiniões ambíguas, poia ao mesmo tempo que demonstram aproximar-se dos modelos ofertados pelas representações midiáticas de mulher, majoritariamente os criticam. Referências BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. GOMES, Itania Maria Mota. Efeito e recepção: A interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: E-papers, 2004. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro, Vozes, 2003.

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Mulheres e sua interação cotidiana com tecnologias de comunicação: o caso das jovens e adultas relacionadas à cadeia agroindustrial do tabaco Ângela FELIPPI UNISC, Santa Cruz do Sul - RS Lírian SIFUENTES PUCRS, Porto Alegre - RS Ana Carolina ESCOSTEGUY PUCRS, Porto Alegre - RS A pesquisa que se apresenta investiga a relação que se estabelece entre as mulheres integradas à cadeia agroindustrial do tabaco e tecnologias de comunicação – imprensa (jornal e revistas), televisão, rádio, computador e telefone celular – na sua vida cotidiana. Trata-se de pesquisa de caráter sócio-antropológico, relacionada à temática relações de gênero, mulheres e seu atravessamento, fundamentalmente, com geração. A população investigada é constituída por mulheres rurais, vinculadas à agricultura familiar, especificamente à cadeia agroindustrial do tabaco, nas suas relações com tecnologias de comunicação, compreendendo tanto a mídia tradicional1, imprensa – jornal e revistas, rádio e televisão -, quanto a nova mídia – o telefone celular e o computador . A relevância da tecnologia extravasa seu próprio espaço e papel de tecnologias de informação e comunicação, seu caráter meramente instrumental, transbordando suas repercussões para a vida social como um todo, constituindo novas formas de sociabilidade e assumindo uma função ritual tanto em momentos excepcionais (catástrofes, morte de personalidades etc) quanto na normalidade da vida cotidiana. Como nos diz Martín-Barbero (2009, p. 148), “Quando dizemos ‘tecnologia’, o que estamos nomeando não é somente uma coisa mas um ‘âmbito’ extremamente potente, tanto de linguagens como de ações, tanto de dinâmicas sociais, políticas e culturais, quanto de interrogações sobre o que significa o social hoje”. Em outros termos, para Couldry (2009, 2010), o desafio tecnológico não tem origem na tecnologia em si mesma, mas nos hábitos, nos 1

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Adota-se a terminologia proposta por Dizard Jr. (2000).

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usos, nos novos rituais e mitos, nas mudanças na economia que ela gera, bem como na reconfiguração das estratégias das indústrias da mídia. O foco aqui está nas práticas, em especial nas orientadas pela mídia ou relacionadas à mídia, e se pretende descentrar a análise das relações discretas entre os atores e a mídia, implicadas tanto nos estudos de recepção quanto nos de consumo. Essas abordagens pressupõem uma nítida separação entre as partes que compõem o circuito cultural e compreendem que o processo comunicativo se organiza através de um fluxo de informação que se estabelece partindo do “produtor” em direção às “audiências”, o que é rejeitado pelo enquadramento desta pesquisa. O recorte metodológico, em termos espaciais, delimita-se no Vale do Rio Pardo, coração da cadeia, uma vez que reúne a sede das maiores empresas de beneficiamento do tabaco no Brasil, bem como um contingente grande de agricultores e trabalhadores urbanos que compõe a massa de trabalhadores da cadeia. Há um componente bibliográfico e uma pesquisa de campo composta de entrevistas com o grupo pesquisado e um levantamento de dados secundários de caráter quantitativo a respeito da presença da mídia na vida do grupo estudado. O estudo está em andamento e se debruça em questões a cerca das tecnologias de comunicação que o grupo social a ser investigado possui, do uso feito pelo grupo e em como vivencia a incorporação dessas tecnologias dentro de seu universo prático (condições socioculturais) e simbólico (pertinente à geração), nos seus respectivos cotidianos, na questão da demarcação da sua identidade feminina e geracional e nas particularidades desse grupo social no processo de incorporação das tecnologias. Referências COULDRY, Nick. Why voice matters. Culture and politics after neoliberalism. Londres: Sage, 2010. COULDRY, Nick. My media studies: thoughts from Nick Couldry. Television & New Media, v.10, n.1, p. 40-42, 2009. DIZARD Jr. , Wilson. A nova mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Uma aventura epistemológica – Entrevista. MATRIZES, vol. 2, n. 2, p. 143-162, 2009.

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Quero ser modelo: o consumo e os usos da beleza midiática feminina entre garotas que sonham em ser modelo Daniela SCHMITZ1 UFRGS, Porto Alegre, RS

Este texto discute o consumo midiático de referenciais de beleza feminina, mais especificamente das modelos profissionais, entre garotas que sonham em seguir tal profissão. Também apresenta uma tipologia dos usos operados por essas jovens a partir deste consumo midiático específico. Os dados são frutos de uma tese, defendida em 2013, que investigou a construção do desejo juvenil de ser modelo profissional e o papel da mídia em tal processo. Em linhas gerais, o estudo filiou-se à abordagem sociocultural do consumo de García Canclini (2006) e à teoria dos usos sociais dos meios (Martín-Barbero, 2003), para investigar como a mídia e a família operam mediações na edificação desse desejo. Aqui se tratará das reflexões sobre as noções de consumo, usos, sentidos e apropriações, tão caras aos estudos de recepção e consumo, para posteriormente apresentar uma tipologia dos usos dos conteúdos midiáticos identificados junto ao grupo de 120 garotas com que se trabalhou. Adianta-se que discutir tais concepções não é tarefa fácil, visto que não há uma tradição de reflexão a esse respeito na área de recepção, e que tais termos muitas vezes são tomados como sinônimos. A pouca discussão acerca das peculiaridades de cada uma dessas noções ainda soma-se à ampla gama de processos abarcados pelo consumo, o que dificulta sua problematização teórica. Barbosa e Campbell (2009) alertam que, com a emergência dos estudos sobre a temática do consumo nos últimos vinte e cinco anos, processos da vida social como “[...] o uso, a fruição, a ressignificação de bens e serviços, que sempre corresponderam a experiências culturais percebidas como ontologicamente distintas, foram agrupados sob o rótulo de ‘consumo’ e interpretados sob esse 1 Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pós-doutoranda em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, bolsista PNPD Capes.

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ângulo” (2009, p. 23). Para se chegar a uma proposta de distinção entre as noções, consultou-se dicionários de filosofia e sociologia, além de buscar pistas nas obras de García Canclini e Martín-Barbero, autores basilares da investigação. Aqui se pretende aprofundar apenas o conceito de usos, em razão dos limites de um artigo. De forma resumida, compreende-se que o conceito de usos está mais voltado a uma ação, atitude, remanejo, emprego, posicionamento e até mesmo aceitação em relação ao que é consumido. A noção de uso, portanto, passa pela produção de sentidos inscrita tanto no consumo quanto nos próprios usos, pois é só a partir dela que é possível posicionar-se a respeito do que se consome. Dessa forma, o uso seria uma operação sobre e a partir do que se adquire e estas operações podem se configurar como apropriações, aceitações, imitações, rejeições ou ainda outros tipos de usos, os quais se pretendeu mapear. No caso das garotas deste estudo, encontrou-se os seguintes usos dos referenciais midiáticos de beleza feminina: informação, que desdobra-se em revelação e facilitação; acompanhamento; referencial; idealização; imitação; comparação; legitimação; estimulação; identificação; pedagógico; fantasioso; e crítico. Referências BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. O estudo do consumo nas ciências sociais contemporâneas. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 21-44 GARCÍA CANCLINI, Néstor. El Consumo Cultural: uma propuesta teórica. In: SUNKEL, Guilhermo. El consumo cultural en América Latina. Construcción teórica y líneas de investigación. 2ª Ed. ampliada y revisada. Bogotá: Convenio Andrés Belo, 2006. p. 72-95. MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.

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Masculinidades e Estudos de Recepção na área da Comunicação: panorama da produção stricto sensu da última década Valquiria Michela JOHN1 Felipe da COSTA2 Universidade do Vale do Itajaí – Univali, Itajaí/SC Universidade Federal de Santa Catarina, PosJor/UFSC, Florianópolis/SC Este artigo discute parte do estado da arte sobre os estudos de recepção que tiveram como problemática as discussões sobre masculinidades na mídia. Para tanto, realizamos uma pesquisa documental que compreende o decênio de 2000 a 2010 com ênfase nas teses e dissertações defendidas nos programas de Pós-Graduação em Comunicação no período bem como nos artigos publicados no congresso anual da Intercom e no Encontro Anual da Compós. Partimos do corpus analisado por Jacks et al (2011; 2014) das teses e dissertações defendidas nos PPGs em Comunicação no período de 2000 a 2009 e incluímos os textos apresentados nos dois principais eventos da área da comunicação no Brasil – o congresso anual da Intercom e o Encontro Anual da Compós, estes realizados no período de 2000 a 2010. Na soma das três instâncias, o corpus aqui discutido tem a seguinte composição: 29 teses e/ou dissertações, 29 trabalhos apresentados no congresso da Intercom e sete trabalhos apresentados no Encontro da Compós. Os trabalhos da Intercom, analisamos todos os 6.326 artigos publicados nos anais do congresso entre 2000 e 20103. O resultado foi a coleta total de 223 artigos. Destes, separamos os trabalhos sobre recepção4. Após uma revisão chegamos ao total de 29 apresentações que articularam relações de gênero e estudos de recepção. 1 Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. [email protected] 2 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. [email protected] 3 O trabalho inicial fazia parte de uma pesquisa financiada pelo artigo 170, do Governo do Estado de Santa Catarina, desenvolvido no âmbito do curso de Jornalismo da Univali. 4 Como a pesquisa estava em andamento ao longo de 2012, os dados inicias foram apresentados por John e Costa (2012) e John (2012). Este artigo apresenta uma revisão na quantidade dos artigos.

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O volume dos trabalhos da Compós foi bem inferior uma vez que analisamos somente os artigos apresentados no GP referente aos estudos de recepção. Dos 100 trabalhos apresentados no evento no período, apenas sete foram selecionados com base nos mesmos critérios descritos acima. Os resultados apontam para a baixa presença das discussões que articulam gênero e recepção e para a praticamente ausência de estudos sobre masculinidades. Referências ESCOTESGUY, Ana Carolina. Comunicação e gênero: a aventura da pesquisa. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2008 ___; MESSA, Márcia Rejane. Os estudos de gênero na pesquisa em comunicação no Brasil. Contemporanea. Vol.4. nº2, dezembro de 2006. JACKS, Nilda, et. al. Pesquisa sobre audiências midiáticas no Brasil: primórdios, consolidação e novos desafios. In: JACKS, Nilda; MARROQUIN, Amparo; VILLARROEL, Mónica;FERRANTE, Natália. Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito: Ciespal, 2011. ___; MENEZES, Daiane; PIEDRAS, Elisa. Meios e audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2008. JOHN, Valquíria Michela. Estudos de Recepção e Relações de Gênero: análise dos trabalhos produzidos nos dois principais eventos da área da Comunicação na última década. In: Anais…1ª Jornada Gaúcha de pesquisadores da recepção. Porto Alegre: UFRGS, 2012. ___; COSTA, Felipe da. Relações de Gênero e Estudos de Recepção: análise dos trabalhos apresentados no Congresso Anual da Intercom ao longo da última década. In: Congresso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación, 11, 2012, Montevideo: ALAIC, 2012.

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Instagram Saudável: Blogueiras Fitnistas Alimentando o Comportamento do Consumidor Feminino Ariadni LOOSE1 Jamylle LIMA2 Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS O presente artigo tem por objetivo teorizar a respeito da influência da tecnologia no comportamento do consumidor, especificamente do público feminino, em relação ao consumo indireto de informações sobre alimentação saudável, através da problemática: como a rede social Instagram, através de blogueiras fitnistas, está influenciando o comportamento do consumidor feminino em relação à alimentação saudável? A escolha deste tema se dá a partir da preocupação feminina em relação à saúde e ao corpo fitness e também da crescente procura de informações sobre reeducação alimentar por este público. O que já impulsiona marcas e produtos fincados neste setor da gastronomia, bem como cria uma nova tendência de mercado que necessitará de planejamento e marketing para grandes aproveitamentos. A análise partirá do estudo sobre blogueiras que trabalham o assunto fitness - dentro deste está a reeducação alimentar - na rede social de compartilhamento de fotos Instagram. Desta forma, o artigo busca identificar a forma com que esta inserção e suas publicações influenciam o comportamento do consumidor feminino em relação à alimentação saudável. Para que isso seja possível, uma amostragem de três blogueiras fitnistas foi escolhida, de acordo com a identificação das autoras do presente artigo em relação a frequência de postagens sobre a temática selecionada, sendo essas: Carol Buffara, Michelle Franzoni e Vivian Fabulous. Desenvolveu-se, assim, um roteiro para que se pudesse delinear o perfil de cada uma. Para dar prosseguimento à análise, separou-se uma amostragem das últimas dez publicações de cada blogueira em relação a sua alimentação. A partir disso, com uma análise de conteúdo e do perfil referido de cada blogueira, pode-se perceber como esta 1 Ariadni Loose – Bacharel em Publicidade e Propaganda, Centro Universitário Franciscano, UNIFRA. Aluna da Pós-graduação MBA em Marketing, Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. 2 Jamylle Lima – Bacharel em Relações Públicas, Universidade Federal de Santa Maria, UFSM. Aluna da Pós-graduação MBA em Marketing, Centro Universitário Franciscano – UNIFRA.

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prática influencia o comportamento do consumidor feminino. O embasamento teórico permeia nos campos do comportamento do consumidor, aprofundando a relação da vida em sociedade e das novas tecnologias em influência ao consumo, conforme disserta Karsaklian (2011, p. 14): “vivendo em sociedade, ele se submete a certas circunstâncias e pressões que vão influenciar seu comportamento”. Nessa relação, busca-se as definições de neoconsumidor, grupos de referência e líderes de opinião. Percebe-se a importância do presente estudo, no campo do marketing, para as marcas oportunizarem esta tendência de mercado. Conforme Graves (2011, p.145): Saber como as pessoas podem ser influenciadas por apenas uma pessoa, especialmente alguém reconhecido como um perito ou uma celebridade por quem elas sintam afinidade, representa um mecanismo poderoso para construir as percepções sobre a sua marca.

Apartir disso, delimita-se o consumo feminino, em específico para alimentos funcionais e presentes na rede social Instagram, apresentando em cada subcapítulo as blogueiras selecionadas para análise com sua história e dados relevantes, como número de publicações e seguidores. Assim, parte-se para a análise, e é através dela que será possível relacionar o tipo de abordagem que o líder utiliza e as formas que influencia o consumo da boa alimentação entre as mulheres. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GRAVES, Philip. Por dentro da mente do consumidor: mito das pesquisas de mercado, a verdade sobre os consumidores e a psicologia do consumo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2011. KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio. São Paulo: Prentice Hall, 2001. POZZO, Danielle Nunes. O sistema de inovação de alimentos funcionais: um estudo exploratório no Rio Grande do Sul. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2012. SOUZA, Marcos Gouvêa de. Neoconsumidor: digital, multicanal & global. Ebeltoft: São Paulo, 2009.

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Questões metodológicas em estudos de recepção: representações das relações de gênero na publicidade Dulce MAZER1 Ronei Teodoro da SILVA2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre- RS As abstrações imagéticas nos meios de comunicação resultam em representações sociais. Algumas delas, atreladas ao regime de visibilidade social, são reproduzidas de forma simbólica nos meios, interferindo na representatividade social (SHOAT & STAM, 2006). Dúvidas metodológicas habitam o arcabouço teórico latino-americano. Este artigo tem o objetivo de tensionar aporte teórico e pesquisa de campo, a partir de estudos de recepção e consumo cultural, para construir um viés metodológico que permita compreender a percepção das relações de gênero na publicidade audiovisual, considerando a natureza sequencial do fluxo publicitário (PIEDRAS, 2009). Utilizamos o modelo de Mediações Comunicativas da Cultura (MARTIN-BARBERO, 2008), que propõe observar a experiência cotidiana da mediação e iImplica as esferas da Comunicação, da Cultura e da Política. Mas o modelo é essencialmente teórico, resultando em difícil adaptação prática. A teoria das Frentes Culturais sugere seis pares de articulações entre a produção, a mensagem e a leitura para observar a relação das audiências com os meios na definição de identidades contemporâneas. Enfoca as coalizões de grupos dominantes em diferentes campos sociais e a disputa por hegemonia (GONZÁLEZ, 1991). Dá grande autonomia às audiências, aqui em especial de gêneros. Na Teoria Sociocultural do Consumo (CANCLINI, 2010) são articuladas seis racionalidades, que podem colaborar na compreensão do consumo das representações de gênero, bem como na desconstrução de identidades. Finalmente, no Modelo das Multimediações (OROZCO-GOMES, 2001), importa o empoderamento do receptor, que pode se reconhecer ou negar as representações que dele são feitas. Para compreender este fenômeno, é importante observar a teoria de 1 Dulce Mazer – Doutoranda em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Bolsista - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. 2 Ronei Teodoro da Silva - Doutorando em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professor no Curso de Comunicação Social na Universidade de Caxias do Sul - UCS.

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como damos sentido as coisas que nos rodeiam, de Berger e Luckmann (1985). Os autores defendem que a noção da realidade é socialmente construída, sendo mediada pela linguagem, em uma dialética entre as realidades objetiva e subjetiva. O que percebemos como realidade foi socialmente a nós instituído, sendo constantemente construído, por meio dos diversos tipos de interação com os quais mantemos contato. Assim, um membro de determinada sociedade exterioriza seu próprio mundo, mas interioriza a realidade a sua volta. O compartilhar dos significados do mundo entre sujeitos, por meio da negociação de representações compartilhadas, dá sentido as coisas e as relações. Ross et al. (1982) apresentam as teorias de processamento de informação, as quais postulam que o indivíduo é auxiliado por estruturas cognitivas que permitem que a percepção, a interpretação e a organização de estímulos sejam mais efetivas. Os autores propõem a ideia de um esquema cognitivo de gênero, que estaria ligado aos padrões socioculturais de comportamentos esperados. Os esquemas de gênero servem como ideologias, dando ao indivíduo a oportunidade de avaliar a si próprio e aos que o rodeiam, em termos de adequação aos padrões definidos pela sociedade, sentindo-se motivado a ajustar-se a estas definições. Quando um indivíduo percebe a sua própria conformidade, a diferenciação da auto representação é fortalecida, dando resultado a uma identidade socialmente aceita. Ao considerarmos o contexto das representações sociais nos estudos sobre Recepção, devemos, portanto, considerar a produção e reprodução mútua entre mídia e sociedade. O artigo é essencialmente teórico-reflexivo e se divide em quatro partes. Apresenta o fenômeno das representações sociais na mídia, questionando a falta de pesquisas para a questão da recepção audiovisual; Busca demonstrar a importância dos estudos de recepção na produção e reprodução de representações sociais. Aponta problemas em se incluir processos de recepção em estudos de representação social nas mídias audiovisuais e na busca por métodos e técnicas de pesquisa qualitativa. Finalmente, esboça um ensaio metodológico a partir dos teóricos latino-americanos de recepção. Referências BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento por Peter Berger e Thomas Luckmann; tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis, Vozes, 13ª ed., 1985. CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores y Ciudadanos: Conflictos multiculturales de la globalización. Miguel Hidalgo, Mexico: Editorial Grijalbo, 1995. GONZÁLEZ, Jorge. La telenovela en familia, una mirada en busca de horizonte. Estudios sobre las culturas contemporaneas. In Estudios sobre las Culturas Contemporaneas, vol. IV, núm. 11, marzo, 1991, pp. 217-228. Universidad de Colima, México. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 5ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. GÓMEZ, Guillermo Orozco. La condición comunicacional contemporánea. Desafíos latinoamericanos de la investigación de las interacciones en la sociedad

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en red. In JACKS, Nilda (coord./ed.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectiva al futuro. Quito. CIESPAL, 2011. PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Fluxo publicitário: anúncios produtores e receptores. Porto Alegre: Sulina, 2009. ROSS, Laurie. ANDERSON, Daniel R. & WISOCKI, Patricia A. Television viewing and adult sex role attitudes. Sex Roles, 8, 589-592, 1982. SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica: multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

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Leituras da Revista TPM: Dados Parciais de um Estudo com Mulheres em São Paulo Giovanna Lícia Rocha Triñanes AVEIRO1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo O texto tem por objetivo apresentar dados preliminares de uma pesquisa empírica qualitativa com mulheres leitoras da revista feminina TPM. Trata-se de um estudo de mestrado, em desenvolvimento, cujo objetivo central é investigar que caminhos de liberdade a revista Trip Para Mulheres (a TPM), da editora Trip, constrói em relação ao modelo heteronormativo das outras revistas femininas, bem como se ela imprime deslocamentos em relação às possibilidades do ser mulher, ampliando as limitações do domínio do gênero presentes no discurso hegemônico. Desde o início de sua história, no final do século XIX, as revistas femininas investem numa produção imaginária sobre o que é “ser mulher”. Nessa busca por esgotar e fixar seus sentidos, perde-se o horizonte do caráter histórico e aberto do significante mulher instaurando um regime de verdade. Esse dizer verdadeiro instaurado como hegemônico articula posições de sujeitos. Tais revistas, enquanto dispositivos midiáticos, implicam “em uma convocação” (PRADO, 2013, p.58) e em “processos de subjetivação” (AGAMBEN, 2009, p.38). As enunciadoras constroem narrativas ligadas à cena imaginária da fantasia “para que os sujeitos nelas se constituam” (PRADO, 2013, p.63), através de promessas de corpo perfeito, da conquista do marido ideal, da família margarina, etc. Nesse sentido, a “linha tradicional” de revistas femininas (BUITONI, 2009) que constituiu e estabilizou seus discurso sobre a mulher ao longo do tempo, é assumida aqui como linha hegemônica. A revista TPM, lançada em 2001, tem por traço distintivo a crítica ao simulacro da identidade feminina presente nas demais revistas consolidadas ao final do século XX. Em 2014 completou seu 13º aniversário, mostrando consolidação no mercado, com tiragem mensal de 50 mil exemplares ao mês e distribuição nacional. Segundo dados desse público leitor divulgados pela revista em 2014, 92% são mulheres, 88% têm ensino superior completo, 25% estão entre 1 Giovanna Lícia Rocha Triñanes Aveiro – Mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados e Comunicação e Semiótica (COS) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Bolsista do CNPq.

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os 19 e 25 anos e 70% entre os 26 e 45 anos . A amostra pesquisada foi composta por dois grupos de discussão, nos quais participaram 10 mulheres, entre 24 e 45 anos, residentes na cidade de São Paulo. As leitoras da revista foram contatadas através da rede social Facebook e selecionadas a partir da assiduidade de leitura e do tempo de intimidade com a revista. As discussões seguiram as orientações de um roteiro de perguntas abertas que se iniciaram pela exploração do perfil das leitoras e da relação de cada uma com as revistas femininas em geral, seu hábitos e motivações de leitura. Em seguida, foram distribuídos exemplares da revista TPM com o propósito de coletar informações sobre as percepções da revista, seus pontos fortes e fracos, e de saber se ela cumpre sua promessa de ser uma revista feminina diferente das demais. A técnica projetiva foi empregada para personificar a figura da mulher TPM, levantando traços da imagem da revista. A discussão foi encerrada com a coleta de informações sobre os fatores de envolvimento, mobilização e aspectos de interação dos conteúdos lidos nas vidas cotidianas de suas leitoras. Os principais resultados obtidos nessas discussões serão detalhados no texto, seguindo a ordem do roteiro, explorando aspectos consensuais e opiniões parciais. Referências AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. BUITONI, D. S. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina brasileira. 2a.ed. São Paulo: Summus, 2009. PRADO, J. L. A. Convocações biopolíticas dos dispositivos comunicacionais. São Paulo: EDUC, 2013.

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A Eficácia do Product Placement na Telenovela Em Família: um Estudo de Recepção Sobre o Conteúdo Publicitário Beatriz BEZERRA1 Marcela CUNHA2 Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco. O sistema capitalista é formado por duas esferas: produção e consumo. Na primeira, máquinas e trabalhadores concretizam produtos seriados e sem marcas da dimensão humana (ROCHA, 1995). Já na esfera do consumo, o produto “desumanizado” será consumido por sujeitos que têm nome, identidade, face. Para tanto, o produto se humaniza através da publicidade, que cumpre a função de omitir os processos de produção e apresentar o produto a partir de um lugar imaginário, lúdico, onde a realidade e seus percalços são dissolvidos no mundo do sonho. A publicidade, neste sentido, “cala o produto e fala do bem de consumo. O produto calado em sua história social se transforma num objeto imerso em fábulas e imagens” (idem, p.67). Com efeito, a publicidade lança mão de distintas estratégias para apresentar o bem de consumo, procurando-o diferenciar dos demais e assim, atingir os sujeitos que vão consumi-lo. Constrói uma mensagem de múltiplos planos, cores, sons, pessoas e conta com a ajuda da mídia para veicular esse conteúdo sob a forma, por exemplo, de spots de rádio, anúncios impressos, banners online, perfis de marcas em mídias sociais, VTs, e inserções de marcas em programas e filmes. Dessa forma, entendemos que o consumo de produtos está diretamente ligado ao consumo midiático. Este, considerado aqui, levando em conta as reflexões de Morley (1996) e Toaldo e Jacks (2013), a partir da compreensão de que consumir mídia denota o processo da prática de ver televisão e filmes no cinema, ler jornal e revista, escutar rádio, acessar sites e mídias sociais, entre outros, como atividade. Diante do exposto, o objetivo do trabalho é verificar a eficácia da estra1 Beatriz Braga Bezerra – Mestre em Comunicação, Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – PPGCOM/UFPE. Professora, Faculdade Joaquim Nabuco – FJN. 2 Marcela Costa Carneiro da Cunha – Doutoranda e Mestre em Comunicação, Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – PPGCOM/UFPE.

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tégia publicitária do product placement na TV a partir de um estudo de recepção que considera o consumo da telenovela da Rede Globo, Em Família . Fazemos uma análise mais fechada, não pensando na relação dos consumidores com a TV, mas sim detalhando os aspectos do produto midiático deste meio na dimensão do seu conteúdo, neste caso, publicitário. Trata-se de um trabalho inicial, que consiste num primeiro esforço para o desenvolvimento de uma pesquisa sobre o product placement, a ser ampliada para outros gêneros. Enfatiza-se que o product placement, para o presente estudo, é caracterizado pela “presença de conteúdo de marca em um conteúdo de entretenimento” (SANTA HELENA; PINHEIRO, 2012, p. 101), independentemente de sua intensidade ou integração ao contexto dramático da narrativa. Tal estratégia é popularmente conhecida no Brasil como merchandising. Em relação à pesquisa junto aos consumidores, aplicamos um questionário composto de 15 perguntas para uma amostragem composta de telespectadores da telenovela, Em Família. Ao todo, buscamos aplicar (via internet e presencialmente) o questionário para 200 pessoas. Embora os resultados não estejam finalizados e não possamos emitir conclusões definitivas, vale destacar que boa parte dos respondentes não se lembra dos placements na telenovela, o que nos leva a concluir que a estratégia publicitária não é eficaz, apontando a resposta da pergunta que orienta o desenvolvimento do estudo. Referências MORLEY, David. Televisión, audiencias y studios culturales. Buenos Aires: Amorrortu editors, 1996. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1995. SANTA HELENA, Raul; PINHEIRO, Antonio. Muito além do Merchan!. Rio de Janeiro: Campus, 2012. TOALDO, Mariângela; JACKS, Nilda. Consumo midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção. Trabalho apresentado ao GT Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos. Anais do XXII Encontro Anual da Compós. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 04 a 07 de junho de 2013.

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Diálogo entre produção e recepção em Teen Wolf Sarah Moralejo da COSTA1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

O presente artigo se propõe a lançar um olhar sobre a perspectiva da recepção no contexto de convergência midiática a partir da observação e análise dos recursos de interação entre o âmbito da produção e da audiência da série norte americana Teen Wolf, produzida e veiculada pela MTV. No contexto de convergência midiática, é perceptível um sistema de produção ficcional que, apesar de ter como seu eixo central a diversificação da construção narrativa visando alcançar diversas mídias, não só para sua distribuição, mas para uma melhor disposição e diversificação do conteúdo, tem como principal base de articulação dessa produção não somente a dinâmica e a logística do produtor, mas o receptor dessa produção, à medida que a constituição do universo narrativo como um todo só se dá no momento em que todas as suas derivações são consumidas e associadas conjuntamente. Esse consumo ao mesmo tempo direcionado e amplo, que exige envolvimento emocional com o produto cultural e capacidade crítica para articulação da narrativa, muitas vezes pode conduzir a iniciativas de manipulação e produção em torno desse conteúdo. Isso pode ser considerado uma ameaça ao domínio do produtor sobre o universo narrativo, em seus domínios legais e comerciais, ou uma forma de colaboração para a sua construção e ampliação, dependendo, principalmente, do relacionamento estabelecido entre o âmbito da produção e o da recepção. A partir de observação prévia, Teen Wolf apresenta um sistema de subprodutos que visam não somente fanservice e produção crossmedia com ênfase na intensificação da articulação de dados em torno do universo da série, como também um diálogo direto com sua audiência, convertido em novas narrativas, e a incorporação de produção participativa ao universo oficial da série. Esse tipo de admissão da produção do público por parte do produtor oficial indica não só o reconhecimento formal da capacidade da audiência de produzir de forma semelhante ao núcleo oficial, como aponta para uma estratégia de cordialidade e

1 Sarah Moralejo da Costa – doutoranda em Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Bolsista – CAPES. [email protected]

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troca intensa entre as duas esferas de construção narrativa. Por outro lado, há casos de conflitos entre interesses da produção e do fandom da série que sinalizam não só deficiência nesse diálogo como também na logística e estratégia de relacionamento com o público. Focando na análise das expectativas da audiência em contraposição aos recursos utilizados pela produção da série em sua logística, esse artigo se apropria de referenciais dos estudos culturais latino-americanos como embasamento teórico para desenvolver uma reflexão sobre as dinâmicas de poderes entre as duas esferas e os processos de rituais e mediações fomentados pelas audiências que se contrapõem aos interesses dos produtores, bem como o amadurecimento de noções de crítica em torno do consumo cultural e cidadania que ganham evidência a partir da análise desses pontos de conflito. O artigo aponta, ainda, de forma preliminar, alguns indícios de como a audiência se posiciona na lógica da produção convergente a partir da dinâmica de seus interesses de consumo e os interesses do produtor. Referências MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001. CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002. CANCLINI, N. G. Culturas hibridas. Ed. Grijalbo, 1990. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. ESCOSTEGUY, A. C., JACKS, N. Comunicação e Recepção: Uma visão latina americana. São Paulo: Hacker Editores, 2005.

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História Oral e Recepção de Telenovelas: A Experiência de Pesquisa em Contexto Étnico Wesley Pereira GRIJÓ1 Universidade Federal do Pampa, São Borja, Rio Grande do Sul

Neste artigo, expomos a experiência de trabalho com o método da História Oral em pesquisa realizada sobre a recepção da televisão em uma comunidade quilombola no Rio Grande do Sul: a Família Silva, situada na cidade de Porto Alegre. O estudo, a priori, tem como intuito verificar, a partir de um contexto étnico específico, as apropriações e percepções dos sujeitos sobre as narrativas das telenovelas brasileiras e, assim, compreender como os membros do quilombo dão sentido a esses textos midiáticos e quais inferências fazem a partir daquele contexto. Diante de nossas leituras e experiências, conjecturamos que a tradição oral faz parte dos vários elementos constituintes das identidades étnicas quilombolas, mas não é um fator único e determinante de sua constituição. Nessa questão, temos um pensamento convergente com Julie Cruikshank (2000), quando afirma que os estudos recentes sobre a tradição oral estão mais propensos focalizá-la não só na formação das narrativas como também o posicionamento dessas formas narrativas nas hierarquias de outras narrativas, o que para nosso estudo é importante, visto que consideramos as narrativas televisivas como integrantes desse cenário. Assim, optamos por utilizar um método de investigação que fosse coerente com a utilização de dados e fontes orais na construção do conhecimento científico. Definimos o método da História Oral na tentativa de ser o mais eficaz para essa função. Segundo Philippe Joutard (2000), há três atitudes relativas à adoção desse método nos estudos de cunho social: ouvir a voz dos excluídos e dos esquecidos; dar visibilidade para as realidades “indescritíveis”, e testemunhar as situações de extremo abandono. No trabalho de campo na comunidade quilombola, seguimos as indicações de Alberti (2005) e Harres (2008) para a utilização da História Oral e acionamos três tipos de técnicas de pesquisa: História de Fa1 Wesley Pereira Grijó – Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da Universidade Federal do Pampa – Unipampa/Campus São Borja.

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mília, Observação Participante e Entrevista Semi-Estruturada. Com a conclusão das dez entrevistas e de todo processo de transcrição e leitura flutuante, obtivemos as seguintes categorias que nortearam nossas considerações: História do quilombo, Violência, Preconceito, Cidadania, História do negro, Cotidiano, Relação com o outro, Relações de classe, Relações de gênero e Relações étnicas. Assim, convém ressaltar a importância da utilização do método da História Oral, visto que privilegiamos um método que respeitasse o contexto das pessoas e levasse em consideração as experiências de vida para refletir sobre a recepção midiática. Atribuímos grande importância à história contada a partir de seus pontos de vista, suas impressões e versões. O nosso estudo é construído valorizando a fala de pessoas subalternizadas numa sociedade com disparidades de várias ordens, mas que tem nesses grupos grandes fontes para compreender a realidade brasileira. A partir da relação dos sujeitos com as telenovelas, pudemos compreender traços culturais da comunidade, alicerçados nas práticas, vivências e experiências, o que converge com os pressupostos dos estudos culturais de pensar a esfera cultural a partir das relações e práticas empiricamente vividas na sociedade. Referências ALBERTI, V. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC, 2005. CRUIKSHANK, J. Tradição oral e história oral: revendo algumas questões. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. HARRES, M. M. História oral: algumas questões básicas. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 99-112, dez., 2008. JOUTARD, P. Desafios à História Oral do Século XXI. In: ALBERTI, V. et al. (Orgs.). História Oral: desafios do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/ Casa de Oswaldo Cruz /CPDOC – FGV, 2000.

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Recepção da Série Tapas & Beijos: o Facebook como Cenário de Televidência e Interação Gisele NOLL1 Nilda JACKS2 UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul A emergência do desenvolvimento do “espaço audiovisual brasileiro” ocorreu na década de 1970, após momentos de oscilação, desaparecimento, fechamento e abertura de companhias cinematográficas e emissoras de televisão. Hoje, a Globo é a que mais produz ficção seriada televisiva no país (LOPES; MUNGIOLI, 2013) e, em tempos de convergência midiática, está presente não apenas através do aparelho receptor de TV, mas se desloca através de diferentes telas, que vão desde celulares e smartphones aos computadores, pela internet. Entre os programas de maior sucesso na história da televisão brasileira está a telenovela, porém, programas do gênero cômico sempre tiveram seu espaço nas redes nacionais, contribuindo, em um primeiro momento da história, com a disseminação do aparelho televisor. E foi por acreditar na importância de entender como as séries, através da comicidade, levam os fãs a debater assuntos “sérios”, que interessam ao debate social, que foi realizada a dissertação de mestrado “Comicidade e Recepção: o riso de fãs de series cômicas nacionais” (defendida em março de 2014, no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS, a pesquisa teve como objeto de estudo a série Tapas & Beijos, produzida pela Rede Globo de Televisão). A presente proposta, no entanto, visa o debate de um dos objetivos específicos desta pesquisa, o qual buscou verificar como o Facebook pode surgir como um cenário de interação entre os fãs da série e deles com Rede Globo. Para tanto, coloca-se o modelo das Múltiplas Mediações do pesquisador mexica1 Gisele Noll – Mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação e Práticas Culturais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 2 Nilda Jacks - Pós-doutora em Comunicação pela University of Copenhagen e pela Universidad Nacional da Colombia - UNAL. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

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no Guillermo Orozco Gómez diante do cenário de convergência, onde as redes sociais proporcionam um espaço de interação e negociação entre indivíduos e destes com a televisão. Ao adotar este modelo como referencial teórico central, assumiu-se que a audiência é composta por sujeitos, considerando-a “em situação”, assim sendo, condicionada individual e coletivamente. Desta forma, a recepção seria um processo resultante da interação receptor/televisão/mediações. Como procedimentos metodológicos tem-se a observação de 488 comentários visíveis na página oficial da Rede Globo no Facebook (em postagem relacionada à Tapas & Beijos) e 89 respostas obtidas através de questionários, realizados por meio de formulário online. Desta forma, a investigação mostra que o Facebook atua como um ambiente por onde passa o processo da recepção, um cenário de televidencia, um “lugar” onde é produzido sentido ao obtido da televisão, um ambiente de troca e negociação onde os fãs podem fazer referência ao que viram ou esperam ver na televisão com outros fãs de Tapas & Beijos e com a própria Rede Globo. Através do Facebook, a emissora passou a incorporar mais uma “tela” à sua principal, onde a experiência de ver TV foi ampliada. Aqui, a rede social se destaca ainda como cenário central de mediação, aparecendo como um espaço que proporciona a interatividade, satisfazendo diferentes necessidades dos televidentes e fãs, que além de marcar presença na rede social, difundiram seu estado de ânimo (alegria e satisfação pela volta da série) e compartilharam seus sentimentos com outros sujeitos integrantes da rede. Os fãs também utilizaram o potencial dessa interação para tratar sobre outros programas da emissora, como o Big Brother Brasil, por exemplo, aproveitando o espaço para comentar sobre sua expectativa em relação à emissora. Referências LOPES, M. I. V. de; MUNGIOLI, M. C. P. Brasil: a telenovela como fenômeno midiático. In: LOPES, M. I. V. de; OROZCO GÓMEZ, G. (org.). Memória social e ficção televisiva em países ibero-americanos: anuário Obitel 2013. Porto Alegre: Sulina, 2013, p. 129-168. OROZCO GÓMEZ, G. La investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa. Guadalajara: Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario, A. C., 2000.

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Consumo de Séries Americanas pela Internet: Repercussão de Game Of Thrones entre os fãs Brasileiros Lauro Henrique WAGNER1 Valquiria Michela JOHN2 Universidade do Vale do Itajaí – Univali, Itajaí/SC As séries de TV norte-americanas estão cada vez mais difundidas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Carro chefe das principais emissoras no país de origem é, sobretudo, através da internet que as séries ganham cada vez mais adeptos no Brasil e em outros países. Inseridas no processo da chamada convergência midiática, muitas séries são produzidas para a TV, mas levando em conta toda uma legião de fãs que consomem suas histórias a partir da prática dos downloads e da rede de compartilhamento informal que se forma pela internet. Esses conteúdos são não apenas compartilhados, mas também discutidos, contestados, elogiados e reelaborados em forma de outros conteúdos, outras narrativas e outros suportes, seja em sites de redes sociais, blogs, sites ou fóruns dedicados aos temas das séries. Inserem-se no processo chamado de “cultura de fãs” (JENKINS, 2008) com a produção das chamadas fanfictions, memes, videos para o youtube, TTs no twitter, perfis fakes, fanpages no facebook, entre diversas outras possibilidades de apropriação, consumo e circulação desse produto cultural. Estabelece-se, portanto, uma nova forma de ver e consumir os produtos televisivos. Para observar e analisar este fenômeno cada vez mais intenso na esfera midiática escolhemos como objeto empírico a série de TV Game of Thrones (GOT), exibida pela emissora de sinal fechado norte americana HBO. O objetivo foi o de analisar como ocorre o consumo e circulação da série Game Of Thrones entre os fãs brasileiros a partir do uso da internet. Os objetivos específicos que nortearam a pesquisa foram: Verificar a incidência e o conteúdo de postagens sobre a série em fanpages e blogs sobre o tema mantidos por fãs; Identificar os posicionamentos dos fãs quanto ao desenvolvimento da narrativa a partir das 1 Acadêmico do 7º. período do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. 2 Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS. Professora do curso de Jornalismo da Univali. [email protected]

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participações no site e fanpage oficial da série no Brasil e Mapear conteúdos produzidos pelos fãs em redes sociais, blogs e sites dedicados ao tema. A perspectiva metodológica mescla técnicas da análise de conteúdo e da netnografia. Foram analisadas a fanpage da HBO Brasil e a fanpage e o blog GameOfThronesBrazil bem como blogs e suas respectivas fanpages no facebook dedicados às séries americanas de um modo geral, com ênfase no conteúdo sobre GOT. Esses foram mapeados conforme seu sucesso de acessos e por serem espaços de produção de conteúdo por parte dos fãs. Os espaços foram monitorados/acompanhados durante a exibição da terceira e quarta temporada. No caso da terceira, o conteúdo foi coletado de forma retroativa aos meses de abril, maio e junho de 2013. Já durante a quarta temporada operacionalizou-se mais a proposta da netnografia com acompanhamento online durante o processo de produção do conteúdo durante a exibição do episódio e nos dois dias seguintes. Referências AMARAL, Adriana. NATAL, Geórgia. VIANA, Luciana. Netnografia como aporte metodológico na pesquisa em comunicação digital. Disponível em: http://www.djangel.com.br/wpcontent/uploads/2009/01/AMARALNATALEVIANASessoes-do-Imaginário.pdf . Acesso em 22/04/2013. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. JACKS, Nilda et al. Telenovela em múltiplas telas: da circulação ao consumo. In: Maria Immacolata Vassalo de Lopes. (Org.). Ficção televisiva transmidiática no Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais. Porto Alegre: Sulina, 2011. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. São Paulo: Sulina, 2009.

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Para um olhar além do Blockbuster Um Estudo de Recepção dos Filmes da Mostra de Cinema Infantil nas Escolas de Ensino Fundamental de Chapecó Daniel MENDES MOREIRA1 Ilka GOLDSCHMITD2 Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó, Chapecó, Santa Catarina O cinema encontra um espaço privilegiado no cotidiano da sociedade contemporânea e se configura como um dos principais mercados de entretenimento em todo o mundo. A questão é que sendo o cinema uma indústria, um negócio, a sua distribuição está sujeita ao fluxo capitalista. Os filmes exibidos nas salas de cinema e na televisão não seguem a lógica da diversidade produzida e sim da concentração de investimentos. O contraponto a essa hegemonia hollywoodiana são as exibições de filmes em espaços alternativos: festivais, mostras, cineclubes, escolas, universidades. É nessas telas improvisadas que a diversidade de narrativas, formatos, culturas e histórias projetam novos olhares sobre a humanidade. Quanto mais cedo esses filmes forem apreciados, mais chances a sociedade terá de reverter o processo de homogeneização cultural. Ao propor estudar a recepção de filmes da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis junto a estudantes do ensino fundamental de Chapecó, essa pesquisa pretende compreender com se dá a relação da criança com o novo audiovisual. Condicionada a uma produção pasteurizada na TV, no cinema e na internet, a criança percebe novas maneiras de ver e mostrar o mundo? Espaços e produções alternativas como as possibilitadas pela Mostra de Cinema Infantil contribuem para a formação de cidadãos mais críticos, mais conscientes e autônomos? É importante perceber e compreender os vários significados que o

1 Daniel Mendes Moreira – graduando em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Bolsista do Núcleo de Pesquisa em Mídia Cidadã. 2 Ilka Margot Goldschmidt – Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Professora da Àrea de Ciências Sociais Aplicadas na Unochapecó e pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisa em Comunicação e Processos Sócio-Culturais e aos Núcleos de Pesquisa em Jornalismo e Desenvolvimento Regional e em Mídia Cidadã.

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público, neste caso as crianças, atribuem aos filmes. Esse tipo de estudo que se interessa pelo receptor e pela experiência fílmica tem contribuído para a concepção das teorias do cinema. Afinal, o processo cinematográfico deve levar em conta este diálogo que reconhece a participação concreta e ativa do espectador de filmes. A pesquisa se caracteriza como um Estudo de Recepção e dialoga com os autores latino-americanos que, no início dos anos 70, iniciam no continente os estudos culturais. Entre os principais pesquisadores estão Martin-Barbero, Canclini e Orozco-Gómez. Para Barbero (2009), a comunicação se tornou mais uma questão de mediação, de cultura e não só de conhecimento, mas também de reconhecimento. No campo cinematográfico, as teorias de recepção e da espectatorialidade fílmica também surgiram na década de 70, com a problemática da constituição do sujeito espectador a partir de abordagens psicanalíticas, discursivas, pragmáticas, socioculturais e sociológicas. De acordo com Chartier, “as práticas de recepção devem ser vistas e entendidas como modos de apropriações que, além de transformarem os objetos culturais recebidos, os reformulam” (apud BAMBA, p.60, 2013). A proposta é realizar o estudo de recepção com crianças de 09 a 11 anos de idade. A seleção das escolas será a partir dos seguintes critérios: uma escola pública estadual e uma escola particular com diferentes projetos pedagógicos, localizadas no mesmo bairro. A faixa etária selecionada corresponde ao limite entre o ser criança e o ser adolescente, ao mesmo tempo em que ainda se é criança já se percebe uma desenvoltura significativa nos diálogos e socializações das percepções o que contribuirá muito para compor os dados que irão gerar as análises. A seleção dos filmes será a partir de um olhar criterioso quanto à diversidade de temas e de narrativas. Para Marialva Monteiro (1990), um filme é capaz de suscitar uma infindável variedade de interpretações, que se modificam não só de acordo com o contexto cultural do receptor, mas também ao longo do tempo. Além disso, Maffesoli (1984) ressalta que a câmera tem o poder de transformar a realidade em algo fantástico, mostrando que o comer e o vestir, por exemplo, são compostos de sonhos, de estetismo, de instrumentalidade e magia que só a câmera poderá ressaltar. É esta percepção que o estudo procura captar, partindo do pressuposto que o cinema é um importante instrumento para fomentar diferentes olhares e compreensões a respeito do homem, da sociedade e da vida em sua grande complexidade. Referências BARBERO, Jesus Martín. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2009. BAMBA, Mahomed. A recepção cinematográfica – teorias e estudos de caso. EDUFBA: Salvador (BA), 2013. COSTA, Maria Cristina Castilho. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, São Paulo, 2011. GUEDES, Enildo Marinho. Curso de Metodologia Científica. Curitiba, 1997.

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MONTEIRO, Marialva. A recepção da mensagem audiovisual pela criança – a busca de um olhar antropológico diante do espectador cinematográfico infantil-dissertação de mestrado. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas. Instituto de Estudos Avançados em Educação. 1990.

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“Pipipi, alerta de recalque”: circulação e consumo de telenovela no Twitter Sandra DEPEXE1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este trabalho é recorte de uma pesquisa maior e em andamento que busca compreender, na circulação e consumo da telenovela Salve Jorge (Rede Globo, 2012/2013), como classe social conforma formações imaginárias (PÊCHEUX, 2010) que indicam modelos de feminilidade a serem seguidos ou evitados. Para apreender os sentidos sobre o feminino construídos pela recepção de Salve Jorge, consideramos o cenário da convergência midiática e nos dedicamos aos comentários realizados pela audiência da telenovela no Twitter2, os quais foram monitorados e coletados durante os sete meses de exibição da trama. Elegemos como objetivo, para este texto, refletir sobre o consumo simultâneo de televisão e do Twitter para captar o funcionamento do imaginário na superfície: os modos pelos quais uma personagem é apresentada na telenovela e discursivisada pelo público/audiência no Twitter. Como elemento constitutivo do corpus de análise selecionamos comentários sobre a telenovela que mencionavam a personagem Maria Vanúbia, papel da atriz Roberta Rodrigues. Defendemos que a pesquisa de recepção/consumo possa ser aliada aos estudos do discurso, buscando no aporte da análise de discurso as bases para melhor apreender os sentidos elaborados e postos na rede. Dessa forma, compreendemos com Pêcheux (2010) que o funcionamento discursivo está atrelado às imagens dos sujeitos, isto é, as posições discursivas produzidas pelas formações imaginárias, as quais consideramos vinculadas às representações da mulher nas telenovelas e ao modo como os receptores consomem e se apropriam das narrativas. Tomamos aporte dos conceitos de habitus, estilo de vida e dos capitais propostos por Pierre Bourdieu (1983, 2011, 2004) para pensar as práticas que distinguem as classes sociais e que permitem filiar as personagens da telenovela em dada realidade social. Em nosso dispositivo de análise, conjugamos a 1 Doutoranda em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista CAPES. 2 Rede social digital em que os usuários podem enviar mensagens – tweets – com até 140 caracteres, e fazer o uso de marcadores temáticos conhecidos por hashtags. Disponível em: www.twitter.com.

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circulação e o consumo da telenovela em um mesmo gesto metodológico de leitura, descrição e interpretação. Sugerimos que o habitus e o estilo de vida funcionem como instâncias articuladas às formações imaginárias, visto que “o habitus implica não apenas um sense of one’s place, mas também um sense of other’s place” (BOURDIEU, 2004, p.158, grifos do autor). Como resultados parciais apontamos que embora a personagem Maria Vanúbia seja secundária na trama, alcançou grande visibilidade no Twitter. Os comentários na rede social digital explicitam aceitação do público e indiciam o consumo simultâneo das mídias. Chama-nos atenção que palavras pertencentes aos jargões da personagem entram para os trend topics instantes depois de transmitidas pela televisão. No que tange à representação do feminino, há designação de Maria Vanúbia como periguete na telenovela, entretanto, os próprios receptores, por vezes, constroem outros sentidos sobre a personagem afastando-a do imaginário negativo que a alcunha de periguete lhe impõe. Referências BOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo, Ática, 1983, p.82-121. _____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. _____. A distinção: crítica social do julgamento. 2.ed. rev. Porto Alegre: Zouk, 2011. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La condición comunicacional contemporánea. Desafíos latinoamericanos de La investigación de las interacciones en la sociedad red. In: JACKS, Nilda; MARROQUIN, Amparo; VILLARROEL, Mónica; FERRANTE, Natália (orgs.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito-Ecuador: CIESPAL, 2011. p.377-408. PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 4. Ed.. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2010, p.59-158

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Cultura e Mídia: uma análise sobre cultura popular e a recepção do público Maiara dos Santos MARINHO1 Marislei da Silveira RIBEIRO2 Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul A arte feita pelo povo não entra nos parâmetros de cultura que a sociedade atual e a mídia preferem, seja por tradição ou falta de diálogo entre os mediadores (veículos de informação) e receptores (os que recebem as mensagens dos veículos de informação). Os meios de comunicação, televisão, rádio, internet e jornal impresso interpretam como cultura uma arte quase inalcançável, a pintura, a música clássica. Atividades que se enquadram naquilo que classificamos como “intelectual”. A cultura popular, então, não recebe reconhecimento e debate sobre a importância de sua atuação. “A maioria das pessoas associa ‘cultura’ a algo inatingível, exclusivo dos que leem muitos livros e acumularam muitas informações, algo sério, complicado, sem a leveza de um filme-passatempo” (PIZA, 2013, p.46). Em primeiro lugar, cultura popular é a arte feita pelo povo e, mais do que qualquer outro fator, é determinante para a construção e reconhecimento de identidades tais como de pensamentos, de classes, de cores e de sexualidades. Os meios de comunicação devem dialogar com o grafite, o artesanato, o carnaval, o samba, a capoeira e as lendas urbanas. Pois, “a recepção é um processo contínuo de atribuição de sentidos construídos no diálogo” (MARTINO, 2010, p.177). Os meios de comunicação são instrumentos de construção de identidade em virtude do mecanismo norteador de opiniões, mas também são catalisadores de crises de identidade. Estas crises são fruto de um sentimento de não pertencimento a um padrão imposto pela mídia, porém que a antecede. Em outras palavras, trata-se de questão econômica e política, não sendo uma construção de crise exclusiva dos meios de comunicação. Em meio a essas questões, os veículos de informação atuam como me1 Maiara dos Santos Marinho – Graduanda de Jornalismo na Universidade Federal de Pelotas – UFPel. 2 Marislei da Silveira Ribeiro – Doutora em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Professora no curso de Jornalismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel.

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diadores influenciando na opinião. Sendo assim, interpretam, à sua maneira, o que é cultura popular. O popular é visto pela mídia através da lógica do mercado, e cultura popular para os comunicólogos não é o resultado das diferenças entre locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural. O popular é, dessa forma o que vende, o que agrada multidões e não o que é criado pelo povo. O que importa é o popular enquanto popularidade (CATENACCI, 2001, p. 32).

Nesse contexto, este artigo pretende analisar a recepção do público que cria a cultura popular, os carnavalescos, artesãos, grafiteiros, do discurso midiático recorrente nos veículos de comunicação sobre o que é cultura popular na cidade de Pelotas. Em termos metodológicos e técnicos, pretende-se realizar uma entrevista com perguntas abertas. Conforme Escosteguy e Jacks (2005, p.45), Combinando análise com interpretação (modelo originado nos estudos culturais) com a concepção de que a cultura e comunicação são discursos socialmente situados (vinda dos estudos culturais), desenvolve-se uma leitura comparativa do discurso da mídia e da audiência para entender o processo de recepção.

Diante disso, para verificar o discurso da audiência, serão utilizadas entrevistas em profundidade, para posterirormente, realizar uma comparação com a estrutura do conteúdo dos meios de comunicação. Referências CATENACCI, Vivian. Cultura Popular: entre a tradição e a transformação. São Paulo em Perspectiva, 2001. MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação: ideias, conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2010. PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo: Editora Contexto, 2013. JACKS, Nilda. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker editores, 2005.

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Nação Periférica: relato de uma observação Felipe Gue MARTINI1 Faculdade América Latina, Caxias do Sul, RS O presente texto é o relato da pesquisa “Auto-representação e produção audiovisual no coletivo Nação Periférica”, parcialmente encerrada em 2011, dentro do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Unisinos, nível de Mestrado. Os sujeitos da pesquisa são integrantes de um coletivo jovem ligado aos movimentos sociais, chamado Nação Periférica, localizado no bairro Tijuca, município de Alvorada, RS. Este coletivo realiza atividades sociais e culturais em sua localidade, ambiente no qual o pesquisador também atua como profissional na coordenação de projetos e conduzindo oficinas de comunicação. Os usos sociais de câmeras audiovisuais surgem como eixo da investigação, enquanto objeto empírico, onde debruçamos o olhar a fim de problematizar as auto-representações e produções que daí derivam; ao mesmo tempo em que agenciamos o vídeo como ferramenta de pesquisa. É uma perspectiva de observação participante construída através de algumas noções da Antropologia Visual, tais como a antropologia partilhada e a verdade provocada, propostas de investigação vídeo-etnográfica levadas a cabo e teorizadas por Robert Flaherty, Jean Rouch, Claudine de France e José Ribeiro da Silva. No processo de construção coletiva de conhecimento, entre sujeitos e pesquisador, propomos um diálogo com as seguintes categorias: identidades, estética popular e mídias; ancoradas numa visada cultural sobre tais fazeres e saberes técnicos nas apropriações audiovisuais do grupo em questão. As análises são realizadas a partir de um marco teórico alinhado aos chamados Estudos Culturais Latino-americanos (Martín-Barbero e García Canclini) onde as experimentações éticas e estéticas (audiovisuais) surgem como imagens de tensão e conflito identitário. O uso social como lugar de conflito e demarcação de território sociocultural legítimo, onde a experiência estética audiovisual é percebida como campo político e dialógico, onde os sujeitos organizam, constroem e desconstroem formas-conteúdo de resistência.

1 Felipe Gue Martini - Mestre, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Doutorando, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

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Referências ANGROSINO, Michael. Etnografia e Observação Participante. São Paulo: Bookman, 2009. FRANCE, Claudine de. Do filme etnográfico à Antropologia fílmica. Campinas: Editora da Unicamp, 2000. GARCÍA CANCLINI. Consumidores y ciudadanos. Conflictos multiculturales de la globalización. México/D.F.: Editorial Grijalbo, 1995. GARCÍA CANCLINI, Nestor. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 1988 GUBER, Rosana. El savaje metropolitano. Reconstrucción del conocimiento social en el trabajo de campo. Buenos Aires: Paidós, 2004. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed.UFRJ, 1997. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 478p. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Denis de. (org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. p.51-79. RIBEIRO, José da Silva. Jean Rouch – Filme etnográfico e Antropologia Visual. Doc On-line: Revista Digital de Cinema Documentário. Documentário e antropologia, n. 03, p.6-54, dez 2007. p.12. Disponível em: . Acesso em: 03/01/2010.

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A Construção da Identidade do Estudante Negro Brasileiro - Aplicação dos Estudos de Recepção na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello em Pelotas/RS William Machado da Silva1 Orientadora: Prof. Dra. Marislei Ribeiro Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul No contexto de diversidade racial que o Brasil está inserido, dissertar, elaborar e discutir identidade é uma árdua tarefa que se apresenta contemporaneamente e, principalmente, no cenário da educação. A construção da identidade e cultura do estudante negro brasileiro, presente nas escolas públicas no nível da Educação Básica, tem sido tema nos diálogos pedagógicos em decorrência das dificuldades da absorção de qualificações positivas dessa parcela de estudantes negros. Diante disso, o objetivo geral deste trabalho é investigar qual é o papel dos estudos de recepção na formação educacional na construção de uma identidade negra na escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello na cidade de Pelotas do Estado do Rio Grande do Sul. Nos estudos da recepção, no que diz respeito às manifestações populares, estas vão ao encontro dos estudos culturais de consumo que estão ligados à cultura de massas. Observa-se que nesta linha estudam-se as transformações das diferentes identidades sócio-culturais. Desta maneira, é importante que se adote um modelo de educação que abarque as questões afro-brasileiras, como contraponto aos aspectos eurocêntricos que apartam as múltiplas origens culturais do Brasil (PRANDINI, 2012, p. 7). Partindo desse principio, como objetivos específicos desse estudo, estabeleceu-se: caracterizar a realidade social dos negros na cidade de Pelotas; analisar a implementação da Lei n. 10.639/2003 na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello; verificar a opinião a partir de uma amostra intencional dos públicos caracterizando os estudos de recepção; e analisar a contribuição da gestão pública na educação a fim de aprimorar a formação dos alunos do ensino básico por meio de entrevistas realizadas. Sendo assim, é 1 William Machado da Silva - Especialista em Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, Universidade Federal de Pelotas – UFPEL. Graduando em Jornalismo Universidade Federal de Pelotas – UFPEL.

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possível constatar o papel dos estudos da recepção para inserção do individuo na sociedade. A dependência nega ao trabalho acadêmico a pertinência e a necessidade de pensar as relações entre concepções de comunicação e modelos de educação. E uma universidade que se negar a pensar essa relação induzirá os professores a manter a mesma atitude com respeito às teorias: ou o ecletismo ou a submissão àquilo que diga a hegemonia. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 240).

Neste contexto, ao tentar desmistificar o papel do negro na sociedade, notadamente influenciada por mídias diversas, os estudos da recepção tentam aclarar a percepção dos perfis culturais considerados ideais. Por meio da análises de entrevistas, nota-se neste estudo de caso como o Gestor Público pode ser um facilitador das ações de recepção, principalmente analisando-se qual é o papel da mídia na construção da identidade e como o negro enxerga-se na sociedade através dos meios de comunicação. No que diz respeito às questões metodológicas do presente trabalho, realizam-se consultas a fontes bibliográficas e a pesquisa de campo, baseada em entrevistas sobre os estudos de recepção. Como ponto de partida, optou-se pelo método de estudo de caso acerca da Escola mencionada. Desenvolveu-se a técnica de pesquisa por meio de entrevistas por pautas, o que possibilitou maior liberdade ao entrevistado, favorecendo a coleta de dados de modo mais aberto (GIL, 2009, p. 112). Aplica-se a realização de entrevistas por meio de pautas, devido ao grau de complexidade e relevância do assunto. Esta forma de entrevista é recomendada quando há aspectos delicados acerca da temática e propicia que o entrevistado fique mais à vontade para explanar com fidedignidade o que está sendo proposto. O entrevistador utiliza-se da pauta previamente estruturada, dando mais liberdade às respostas e fazendo intervenções quando necessário para manter-se dentro do tema em questão. Por fim, mostra-se a importância dos estudos de recepção para que possamos entender o contexto atual de consumo para a formação das identidades. Logo, demonstra-se o papel dos estudos de recepção na formação educacional e na construção de uma identidade negra na Escola em análise. Referências BACCEGA, Maria Aparecida; GUIMARÃES, Margaret de Oliveira. Da comunicação à educação: a importância dos estudos de recepção. Revista Comunicação & Educação, ano XI, n. 3, set./dez. 2006, p. 409-414. BARROS, Laan Mendes de. Entrevista: O campo da Comunicação e os estudos de recepção. Revista Comunicação Midiática, v.6, n.1, jan./abr. 2011, p. 9-20. BOAVENTURA, Katrine Tokarski; MARTINO, Luiz Claudio. Estudos culturais latino-americanos: convergências, divergências e críticas. Revista Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v.1, n. 22, p. 3-19, jan./jun. 2010, p. 3-19. ESCOSTEGUY, Ana Carolina; JACKS, Nilda. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005.

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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. MARTÍN-BARBERO, Jose. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. PRANDINI, Paola. A construção da noção de sujeito do estudante negro brasileiro. In: XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Fortaleza, de 3 a 7 set. 2012. Disponível em: Acesso em: 29 jun. 2014.

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Recepção, Memória e Migração: o Brasil Imaginado por Migrantes Transnacionais Liliane Dutra BRIGNOL1 Augusto Acosta de VASCONCELOS2 Andressa Spencer de MELLO3 Caroline dos SANTOS4 Laura Roratto FOLETTO5 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Este trabalho se situa no contexto de um projeto de pesquisa que tem o objetivo de investigar de que modo as representações midiáticas influenciam na recepção dos migrantes, de forma a participar na construção de imaginários em torno do Brasil como lugar para viver, estudar e trabalhar. Busca-se, desta forma, entender a relação entre as representações do Brasil experimentadas no país de nascimento, sobretudo através de usos sociais das mídias, e as renovadas depois da migração, em confronto com as experiências vividas no cotidiano dos migrantes. Historicamente, o Brasil foi um país receptor de migração, o que vem se reforçando na última década, com o incremento da chegada de migrantes de diferentes países e continentes, vindos, especialmente, dos países vizinhos da América do Sul, mas aparecem, também, de outros países da América Latina, e, até mesmo, outros países em desenvolvimento ou desenvolvidos (COGO; BADET, 2013). Isso ratifica a tendência global de novos fluxos migratórios, que desfazem a polarização do movimento no sentido sul-norte, já que aumentam as redes migratórias em direção a países em desenvolvimento (movimentos sul-sul ou norte-sul). Neste contexto, compreender o imaginário de Brasil para migrantes transnacionais que escolheram o país como local para viver significa buscar en1 Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação/ Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM e coordenadora do projeto. 2 Acadêmico do curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFSM. Bolsista PIBIC de iniciação científica. 3 Acadêmica do curso de Comunicação Social - Produção Editorial na UFSM e integrante do Programa de Ensino Tutorial Ciências Sociais Aplicadas (PETCISA) 4 Acadêmica do curso de Comunicação Social - Produção Editorial na UFSM e integrante do Programa de Ensino Tutorial Ciências Sociais Aplicadas (PETCISA) 5 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM. Bolsista CAPES.

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trelaçamentos entre identidades, representações e memórias. E isto se propõe fazer por meio de um estudo de recepção, entendido como perspectiva teórico-metodológica a pensar o processo de comunicação a partir de complexas relações de construção de sentidos dos sujeitos a partir das mídias. Parte-se, sobretudo, da vertente que busca compreender os usos sociais das mídias, tendo como base a perspectiva das medições de Martín-Barbero (2001; 2002), que fundamenta-se na necessidade de estudo das mídias a partir da relação entre inovações culturais e usos sociais. Com este entendimento, Martín-Barbero identifica os modos de uso das tecnologias como formas de resistência, em um deslocamento do olhar da técnica em si para seus modos de apropriação, principalmente pelas classes populares. No que define como pensar as tecnologias através do popular, sua construção aproxima-se uma vez mais do que propõe De Certeau quanto à possibilidade de ação desde o lugar do outro. Martín-Barbero diz que esse movimento nada tem a ver com o fetichismo e a fascinação da técnica recorrentes em muitas pesquisas da área, pois parte da compreensão de que as tecnologias não são meras ferramentas dóceis e transparentes e não se deixam usar de qualquer modo, mas são a instância de realização de uma cultura e do domínio nas relações culturais: “Pero el rediseño es posible, si no como estrategia al menos como táctica, en el sentido que le da Michel de Certeau: el modo de lucha de aquél que no puede retirarse a su lugar y se ve obligado a luchar en el terreno del adversario” ( MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 189-190). Como técnicas de pesquisa, busca-se combinar entrevistas em profundidade de relatos de história de vida e história de vida midiática. Nesse sentido, as entrevistas foram dividias em três eixos: “Trajetória de migração e Brasil”, momento em que os entrevistados puderam contar um pouco de sua história antes de migrar, como sobre seu cotidiano e a realidade de seu país de origem; “Mídias no país de nascimento”, eixo sobre a relação dos migrantes com os diferentes meios de comunicação e o tipo de informação sobre o Brasil a que tinham acesso; “Usos da Mídia e internet”, fase na qual as perguntas foram específicas sobre usos que os entrevistados fazem das diferentes mídias. Até o momento, foram feitas 13 de um total de 15 entrevistas em profundidade previstas até o final do projeto. Das entrevistas realizadas, três foram com mulheres (uma nascida no Peru, uma em Guiné-Bissau, e uma na Colômbia), e dez com homens (um nascido no Uruguai, um na Hungria, três no Peru, um em Guiné-Bissau e quatro no Haiti). Suas idades variam de 23 a 62 anos. O tempo de residência desses migrantes no Brasil varia entre um e 13 anos, e residem em três cidades gaúchas: Santa Maria, Bento Gonçalves e Porto Alegre. A recepção midiática, sobretudo televisiva, mostra-se, nas entrevistas realizadas como conformadora de imaginários sociais sobre o Brasil como país de migração para os sujeitos entrevistados, principalmente no momento da construção dos projetos de migração. Os imaginários sobre o país vão sendo construídos a partir de uma memória com base em referências a telenovelas, telejornais, filmes, músicas e outros produtos midiáticos, assim como a partir de relatos de outros migrantes que compõem a rede de contato e apoio dos entrevistados. Como sentidos construídos sobre o Brasil nas narrativas migrantes, des-

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tacamos a permanência de um imaginário em torno do país tropical e das festas – construções ainda bastantes presentes. A violência, assim como referências a elementos celebrativos, como as praias, o carnaval, o samba e o futebol, se mantém no imaginário dos entrevistados, sobretudo a partir de memórias da recepção de telenovelas e telejornais. Entretanto, o Brasil dos migrantes entrevistados não conjuga apenas construções dicotômicas entre o festivo e o violento. Ele aparece também como país que oferece oportunidade de crescimento e alternativa diante de situações de crise, seja de ordem natural ou econômica. As entrevistas sinalizam também para as diferenças entre o Brasil imaginado antes de migrar e o Brasil vivido no cotidiano dos sujeitos. Essas diferenças podem ser observadas, por exemplo, no distanciamento entre o Brasil tropical a que consumiam pelos meios de comunicação e o Brasil do Sul, do frio e da cultura gaúcha, a que muitos conhecem só depois de migrar. REFERÊNCIAS BRIGNOL, L. D. Recepção midiática na construção de imaginários do Brasil como país de migração. In: Revista Chasqui, nº 125, 2014. COGO, Denise. O Brasil imaginado na recepção mediática de migrantes latino americanos em Porto Alegre. In: VIII Reunión de Antropología del Mercosur (RAM), 2009, Buenos Aires. VIII Reunión de Antropología del Mercosur (RAM). COGO, Denise; BADET, Maria de Souza (2013). Guia das Migrações Transnacionais e Diversidade Cultural para Comunicadores: Migrantes no Brasil. Bellaterra (Barcelona): Instituto de la Comunicación de la UAB - Instituto Humanitas Unisinos. v. 1. HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e mediações Culturais. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2003. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. ______. Oficio de cartógrafo: travesías latinoamericanas de la comunicación en la cultura. Santiago de Chile: Fondo de Cultura Económica: 2002. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar as mídias? São Paulo: Loyola, 2000.

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Midiatização das Classes Sociais: desafios e possibilidades dos estudos de recepção Rafael GROHMANN1 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP Este artigo tem a intenção menos de dar respostas do que formular perguntas a respeito das possibilidades e dos desafios dos estudos de recepção que considerem a questão da classe social atualmente, principalmente a partir dos conceitos de midiatização e de circulação. O conceito de midiatização compreende a crescente influência midiática nas instituições e nas interações sociais e culturais, em um processo de mudança. Conforme Trindade (2012, p. 82), “as práticas midiáticas possibilitam um caminho de entendimento dos fenômenos da realidade social em suas lógicas interacionais, não restritos aos limites da linguística, nem tampouco limitados à perspectiva da mediação tecnológica”. Então, o conceito de midiatização contribui para melhor compreender a “circulação dos discursos”, pois o processo de comunicação “se estende para além do ponto de contato entre os textos midiáticos e seus leitores ou espectadores” (Silverstone, 2002, p. 33). Segundo Fausto Neto (2011), a midiatização gera novas enunciações, redesenhando “o âmbito da circulação das mensagens, situando o status dos receptores de mensagens em novas condições, transformando-os em coprodutores de atividades discursivas midiáticas” (Fausto Neto, 2011, p. 37). O que podemos considerar, então, é que há uma “midiatização das classes sociais”. Elas estão nos institutos de pesquisa, nas revistas, nas novelas, nos aplicativos de celular, nas redes sociais, nos blogs, na moda, na publicidade, como uma “explosão de classes midiatizadas” capazes de dotar de sentido e significado as interações e as práticas de consumo dos sujeitos. Do mesmo modo, com o crescimento da classe trabalhadora (Souza, 2010; Pochmann, 2014) no Brasil, os sujeitos pertencentes a elas passam por mudanças no consumo, que passam pelas esferas culturais e midiáticas, em processo de digitalização. Ou seja, também se trata da miditiazação das classes. 1 Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP. Professor do curso de Jornalismo do FIAM-FAAM - Centro Universitário. Membro do Centro de Pesquisas em Comunicação e Trabalho (CPCT-ECA/USP). E-mail: [email protected]

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O texto nasce de uma inquietação gerada pela pesquisa de doutorado sobre “recepção e classes sociais” e as lutas de classe midiatizadas, onde as possibilidades de desenhos metodológicos são muitas. Ora, este texto é menos sobre o objeto em si e mais sobre o “pensar metodológico” dos estudos de recepção que envolvam a questão da Internet neste contexto midiatizado, buscando compartilhar dilemas, alcances e limites. O que realmente mudou com a Internet? Quais os desafios e os impasses que enfrentamos quando os usuários estão conectados a diversos dispositivos simultaneamente? Ou, ainda, como ficam os recortes de sujeitos de pesquisa em um contexto de big data, onde chega-se a ter mil comentários em uma notícia de portal de internet ou centenas de fan pages sobre o mesmo assunto? Outra questão a ser colocada em debate envolve a polêmica entre os conceitos de “mediação” e “midiatização” para pesquisas que envolvem a questão da classe social. Compreender a classe social como uma importante mediação da comunicação tem sido um importante esforço dos estudos de recepção, principalmente de Ronsini (2012), compreendendo a mediação como um conceito que descreve o processo de comunicação em geral, como produção de sentido (Hepp; Krotz, 2014). Quais os caminhos teórico-metodológicos para compreender também o processo de mudança, da midiatização, sem desconsiderar a importância da mediação? A apresentação ainda buscará apresentar, para fins de ilustração, os resultados iniciais de uma pesquisa exploratória que está sendo desenvolvida com trabalhadores de uma fábrica na cidade de Guaratinguetá, no interior de São Paulo, no sentido de testar possibilidades para uma pesquisa de recepção que envolva a mediação e a midiatização das classes. Referências FAUSTO NETO, Antonio. AD: rumos de uma nova analítica. In: FERREIRA, Giovandro Marcus; SAMPAIO, Adriano de Oliveira (org.). Mídia, Discurso e Sentido. Salvador: Ed. UFBA, 2011, p. 27-42. HEPP, Andreas; KROTZ, Friedrich. Mediatized World: culture and society in a media age. London: Palgrave, 2014. POCHMANN, Márcio. O Mito da Grande Classe Média: capitalismo e estrutura social. São Paulo: Boitempo, 2014. RONSINI, Veneza. A Crença no Mérito e a Desigualdade: a recepção da telenovela do horário nobre. Porto Alegre: Sulina, 2012. SILVERSTONE, Roger. Por Que Estudar a Mídia? São Paulo: Loyola, 2002. SOUZA, Jessé. Os Batalhadores Brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010 TRINDADE, Eneus. Um olhar exploratório sobre o consumo e a midiatização das marcas de alimentos nas vidas de algumas famílias. Matrizes. São Paulo, Vol. 6, n. 1-2, p. 77-96, 2012.

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Reflexões empírico-metodológicas para pensar a recepção da publicidade Filipe Bordinhão dos SANTOS1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS O trabalho discute a recepção publicitária, a partir de dados de uma pesquisa concluída2, com o objetivo de colocar em pauta alguns apontamentos empíricos para que sirvam de estímulo para a definição de protocolos metodológicos. Destacamos três aspectos para pensar essas pesquisas: o fluxo, a apropriação de representações e a baixa memória de anúncios do receptor. Embora a publicidade possa ser reduzida a uma técnica de venda, ela configura-se também como um processo de comunicação, “cujas mensagens persuasivas são produzidas e recebidas em contextos contraditórios, implicados tanto pelo sistema hegemônico da estrutura econômica quanto pelas práticas culturais dos sujeitos” (PIEDRAS, 2009, p.20). Dessa forma, adotamos o viés que a trata “como fenômeno cultural cuja natureza é multifacetada” (ibidem, p. 59), o que demostra a necessidade de investigar os anúncios a partir do olhar do receptor que os recebe e confere sentido ao discurso. Mais do que produtos e serviços, os anúncios sugerem representações sociais - modos de ser e socializar, estilos de vida e valores - que transcendem a materialidade e o financeiro, estando à disposição do uso dos receptores, independe de sexo, raça ou classe. Mazetti reforça: “se uma das principais funções da publicidade seria verbalizar os poderes comunicativos dos bens de consumo, as representações sociais produzidas pelo discurso publicitário não se limitariam a esfera das mercadorias” (2011, p. 8). Nesse contexto, apresentamos o primeiro desafio metodológico na recepção publicitária: apreender o fluxo dos anúncios sem que haja a sua ruptura e o deslocamento dos anúncios para fora do espaço de circulação. A análise isolada e sem a temporalidade de veiculação dos anúncios nos parece que pode gerar concepções divergentes ou superficiais sobre o consumo publicitário. No entanto, embora acreditemos que esse seja o caminho mais adequado, reconhecemos também a dificuldade pela ausência de protocolos metodológicos capa1 Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista CAPES. 2 Dissertação de Mestrado intitulada: Masculinidade em anúncio(s): recepção publicitária e identidade de gênero (UFSM/2012). Disponível em: .

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zes de abarcar todo ou parte da continuidade desse fluxo. Nesta direção, o outro ponto de discussão está relacionado à incorporação pelos receptores das representações sociais presentes na publicidade. Para nós, elas ganham sentido dentro do fluxo publicitário, afinal, a estabilização e a conformação das representações ocorrem pela intertextualidade e a ampla distribuição dos anúncios, isto é, pela repetição em um período relativamente longo. Portanto, é somente assim que passam a integrar a cultura e as identidades dos atores, o que nos exigiria a análise do fluxo e não de peças específicas. Além disso, a situação também propõe a discussão sobre o momento/parte do fluxo em que os receptores, de fato, se apropriam das representações. O terceiro aspecto de reflexão surge desde os passos metodológicos iniciais (estudo exploratório do campo) onde se detectou a pouca memória dos receptores sobre os anúncios veiculados no fluxo cotidiano. A maioria dos pesquisados não recordava de anúncios, nem mesmo, daqueles vistos no dia da pesquisa. Quando houve lembrança, esteva relacionada àquelas publicidades épicas da comunicação brasileira ou outras específicas relacionadas unicamente à sociabilidade do receptor. Ainda assim, na maioria dos casos, os exemplos não correspondiam às categorias da pesquisa, o que gera novos desafios para o processo empírico de investigação. A baixa lembrança pode estar associada ao bombardeio publicitário, portanto, “a fugacidade é uma das características das representações midiáticas” (GASTALDO, 2013, p.21), o que justifica nossa preocupação quanto ao segundo aspecto levantado. Por fim, procuramos trazer para o debate os desafios apontados, com o intuito de, conjuntamente, encontrarmos trajetos metodológicos adequados e que deem conta de compreender a apropriação (negociação ou resistência) das representações sociais propostas pelos anúncios e em que medida eles atuam como referências para que os sujeitos construam as suas identidades. Referências GASTALDO, É. Publicidade e Sociedade: uma perspectiva antropológica. Porto Alegre: Sulina, 2013. MAZETTI, H. As aporias da publicidade: entre a abordagem socioeconômica e a perspectiva cultural. Anais... Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2014 PIEDRAS, E. R. Fluxo publicitário. Anúncios, produtores e receptores. Porto Alegre: Editora Saraiva, 2009.

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Martín-Barbero, Certeau e os Estudos Culturais: notas sobre o Cotidiano. Márcia de Castro BORGES1 UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul. O texto nasce da intenção em desenvolver as intersecções entre as ideias de Martín-Barbero e Michel De Certeau em relação aos pensadores dos Estudos Culturais, no que se refere ao papel do cotidiano nos processos das identidades culturais, no contexto da recepção em festivais de cinema brasileiro em Nova Iorque. Stuart Hall (2003) afirma que “nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar.” indicando que o ensinamento do século XXI é através dos permanentes deslocamentos configuração da escolha dos nossos interlocutores culturais, com base na experiência da história e da memória. Partimos dessa premissa para analisar os laços que unem as ideias dos Estudos Culturais com o pensamento de autores como Jesús Martín-Barbero e Michel De Certeau no que tange à noção de cotidiano – questão significativa como lugar de construção de identidade(s) através da sociabilidade e da memória, referente à investigação em recepção por brasileiros migrantes em festivais de cinema brasileiro nos EUA. No intuito de compreender o singular cenário cultural dos festivais na contemporaneidade recente, pretende-se identificar em tal processo as categorias relativas à cultura, presentes na formação de identidade desses sujeitos receptores. Certeau trata os usos desses consumidores culturais distinguindo as categorias performance e competência, sendo que a primeira extrapola a segunda - através de apropriações e re-apropriações presentes nas práticas cotidianas. Pois “A leitura não tem garantias contra o desgaste do tempo (a gente se esquece e esquece); ela não conserva ou conserva mal a sua posse, e cada um dos lugares por onde ela passa é a repetição do paraíso perdido.” (CERTEAU, 1994: 1 Márcia de Castro Borges – Mestre em Multimeios – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Doutoranda, bolsista CAPES, Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria - POSCOM / UFSM.

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269-270) Então, na recepção dos festivais, os sujeitos tenderiam a não se restringirem ao consumo passivo dos filmes, estrategicamente ofertados; estabelecendo formas inventivas e criativas de interação cultural, já que “a recepção não é apenas uma etapa do processo de comunicação. É um lugar novo, de onde devemos repensar os estudos e a pesquisa de comunicação” (MARTÍN-BARBERO,1995: 39.) Consideramos que a noção de cotidiano, em relação aos processos midiáticos de recepção, geram caminhos diferentes, mas não antagônicos. Referências CERTEAU, Michel De. A invenção do cotidiano. Vol. 1: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes,1994. HALL, Stuart. Pensando a Diáspora: reflexões sobre a terra no exterior. In: SOVIK, Liv (Org.). Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003. MARTIN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, Mauro (org). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995, p.39.

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A Participação dos Ouvintes nos Programas Jornalísticos de Rádio AM, em São Luís: uma Proposta Metodológica Ed Wilson Ferreira ARAUJO1 Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, RS RESUMO: O artigo é uma proposta metodológica baseada no Mapa Noturno formulado por Jesús Martín-Barbero para o estudo da recepção nos programas jornalísticos nas emissoras de rádio AM, em São Luis (MA). Exploram-se os momentos e as mediações do mapa na perspectiva de construir uma estratégia de pesquisa que dê conta de abraçar os eixos diacrônico e sincrônico no processo de produção e recepção, com ênfase na participação da audiência constituída pela Sociedade dos Ouvintes Maranhenses de Rádio (Somar). PALAVRAS-CHAVE: rádio; ouvintes; Somar; O objeto do artigo, em fase de pesquisa para tese de doutoramento, é o processo de participação dos ouvintes nos programas jornalísticos em cinco emissoras de rádio AM, sediadas em São Luís (MA): Educadora, Mirante, Difusora, Capital e São Luís. No contexto dessa audiência, destaca-se a Sociedade dos Ouvintes Maranhenses de Rádio (Somar), uma entidade sem fins lucrativos, criada para congregar pessoas de variadas profissões e classes sociais, moradores de diferentes bairros da cidade, cujo hábito comum é ouvir e participar dos programas jornalísticos, através de entradas ao vivo, por telefone. Os ouvintes atuam no decorrer dos programas, falando sobre diversos temas de interesse local e nacional: do buraco na rua a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A evidência dos comentadores assíduos nos referidos programas levanta a nossa pergunta central: como a recepção modifica o âmbito da produção? 1 Ed Wilson Ferreira Araujo - Mestre, Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Docente, Dedicação Exclusiva - UFMA.

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Tomando os Estudos Culturais como espinha dorsal do aporte teórico-metodológico, a partir da teoria das mediações e da sua revisão (Martín-Barbero, 2009), propomos cercar o objeto na perspectiva das matrizes culturais às lógicas de produção, passando pelos formatos industriais e as competências de recepção, atentando para as mediações: institucionalidade, tecnicidade, ritualidade e socialidade. Optamos pelo mapa noturno (Martín-Barbero, 2009) porque aponta um conjunto de equipamentos de pesquisa abrangente para dar conta da complexidade do processo de produção, circulação e consumo nos programas jornalísticos das emissoras de rádio. Todas as lógicas e mediações do mapa noturno são necessárias, mas as competências da recepção, pelas características da audiência estudada, merecem uma abordagem mais aprofundada. Na aplicação do mapa importa mais o foco na recepção, buscando compreender como se dá o processo de geração de conteúdo nos programas jornalísticos, levando em conta as lógicas de produção (apresentadores, repórteres e fontes) em diálogo com a recepção (ouvintes), estes também operando como fontes. O mapa noturno, portanto, é uma proposta metodológica pensada para a totalidade do processo de comunicação, que inclui necessariamente a recepção. No trabalho empírico identificamos alguns qualificativos que permitiram a distinção dos ouvintes, caracterizados como militantes e sazonais. A pesquisa de campo visa observar e compreender a decodificação no processo de comunicação. Nas competências da recepção, buscaremos categorizar as pulsações participativas dos ouvintes. Utilizamos como técnica de pesquisa a entrevista semi-estruturada, contendo um roteiro com sugestões de perguntas. Estas são as diretrizes da metodologia, apontando uma articulação entre o referencial teórico central dos Estudos Culturais, em cujo eixo vão articulando-se as categorias da participação, retórica, oralidade, convergência, conversação e discurso. Os momentos e as mediações No longo percurso investigativo da história da recepção, o panorama barberiano percorre os processos de gênese e desenvolvimento das diversas maneiras de expressão corporal, oral, escrita, pictórica e mimética das classes subalternas, caracterizando-as como formas de resistência, adaptações e mesclagem na interpelação da chamada cultura dominante. Do melodrama, pinçou a criatividade e a sátira, oriundas das narrativas orais improvisadas na cena das feiras e dos espetáculos populares no meio da rua. No teatro, capturou a performance da plateia ruidosa interferindo na ação do palco. Das páginas dos jornais, evidenciou o folhetim como prenúncio da novela e a gênese da imprensa marrom, bem como a efervescência da história em quadrinhos. Martín-Barbero (2009) relata ainda o surgimento do massivo como tributário de variados gêneros e práticas culturais das classes subalternas: a literatura de cordel e os cegos pregoeiros, a leitura cantada em voz alta, a ação político-estética dos anarquistas, o circo, as lendas, os gestos, costumes, modos de falar e sentir, os locais de visibilidade das massas nos salões de baile e no teatro. Viu no rádio a ligação entre

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o camponês e o morador da cidade (mediando a tradição e a modernidade), o cinema (mudo e falado) e, finalmente, a televisão traduzindo o ápice da relação entre os homens e os meios de comunicação na imagem mais representativa e crítica do capitalismo: o barraco da favela com antena parabólica. A redescoberta do popular é analisada ainda no vigor cultural dos bairros, onde pulsa a vida cotidiana e a constituição das identidades. O bairro é o mediador entre a casa e a cidade, o ambiente de exercício da comunicação entre parentes e vizinhos, onde funciona a rede informal de recados, mensagens e burburinhos, terreno das solidariedades e rivalidades, lugar de reconhecimento e conectividade pelos laços interfamiliares nos quais se pratica a criatividade comunitária, o improviso, a luta pela sobrevivência, o compartilhamento da vida pública e privada, da cozinha e do local de trabalho. Todo esse traçado visa ressaltar o novo cenário e ação do sujeito político, suas formas de rebeldia e resistência. O sujeito dotado de poderes, consumidor reflexivo, artífice de práticas culturais diversas, tensiona diante das macroestruturas que o mantinham passivo. Esse sujeito plural e descentrado, de identidades multifacetadas, imerso na coletividade, migrante do popular ao massivo, é liberto da âncora teórica que o entendia apenas como unidade econômica (submisso à normatização do Estado e ao ordenamento do mercado). Ele manifesta-se ativamente no consumo, nas práticas culturais, nas modelagens e ressignificações articuladas entre a produção, os gêneros e formatos, a recepção e as matrizes culturais. Transversal a essas instâncias, o núcleo cultura/política/comunicação demarca o centro do mapa noturno para entender as mediações. O esquema move-se sobre dois eixos: o diacrônico, ou histórico de longa duração – entre Matrizes Culturais (MC) e Formatos Industriais (FI) – e o sincrônico – entre Lógicas de Produção (LP) e Competências de Recepção ou Consumo (CR). Por sua vez, as relações entre MC e LP encontram-se mediadas por diferentes regimes de institucionalidade, enquanto as relações entre MC e CR estão mediadas por diversas formas de socialidade. Entre as LP e os FI medeiam as tecnicidades e entre os FI e as CR, as ritualidades. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 16)

O mapa noturno pode ser lido em espiral, atendendo à inspiração histórica da relação entre suas partes constituintes e a totalidade do processo comunicativo, em uma perspectiva associada que percorre produção, circulação e recepção. A navegação pelo mapa noturno perpassa os momentos (matrizes culturais, lógicas de produção, formatos industriais e competências de recepção) e suas respectivas mediações, conforme exposto acima. Seguindo a cartografia proposta pelo autor, o círculo ou circuito barberiano oferece a bússola da nossa proposta de pesquisa. Martín-Barbero captura as matrizes culturais no eixo diacrônico da relação com os formatos industriais. Atravessando o núcleo comunicação/cultura/ política, o deslocamento histórico refere-se às mudanças ocorridas nos gêneros a partir das modificações efetuadas no trânsito entre movimentos sociais e discursos públicos. As matrizes são gramáticas gerativas, bacias semânticas onde o arcaico é processado, gerando o novo. E os resíduos, hibridizados, apresen-

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tam-se em outras formas e dimensões estéticas, conservando e revolucionando os conteúdos e as formas. O melodrama atravessou todas as fronteiras, em sucessivos processos de mutações e adaptações, adesões e resistências, até transformar-se em radioteatro e telenovela. Nesse percurso, impregnado de memórias, sentidos, imaginários, adaptações, perseguições, censura, resistência e aceitação, as mediações efetivam-se tão fortes quanto a força dos meios. As matrizes culturais estão situadas, portanto, na sedimentação das narrativas, saberes, hábitos, técnicas e práticas na fronteira bombardeada simultaneamente pelos discursos hegemônicos e subalternos. Adequado ao nosso objeto, o conceito de matrizes culturais percorre o arco temporal entre a gênese e a consolidação do rádio no Brasil, evidenciando as mutações que resultaram na emergência do jornalismo, as coberturas ao vivo e, contemporaneamente, a participação do ouvinte. A prática cultural da recepção de rádio, que já estava presente nos programas de auditório com a expressiva participação dos fã clubes, torcidas organizadas e seguidores, hibridizou-se em outras formas de interação; no nosso caso, através da participação dos ouvintes por telefone (GOLDFEDER, 1981). Dupla mediação atravessa as matrizes culturais. A institucionalidade conecta às lógicas de produção. A socialidade integra às competências de recepção. A institucionalidade está sob influência direta das regras do Estado e do mercado, incidindo sobre a regulação dos discursos, atravessados pelos grupos de pressão de ordem econômica e política, cujos impactos vão incidir na produção dos conteúdos e no direcionamento dos meios. “A institucionalidade tem sido, desde sempre, uma mediação densa de interesses e poderes contrapostos, que tem afetado, e continua afetando, especialmente a regulação dos discursos que, da parte do Estado, buscam dar estabilidade à ordem constituída e, da parte dos cidadãos – maiorias e minorias, buscam defender seus direitos e fazer-se reconhecer, isto é, re-constituir permanentemente o social.” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 17)

Na prática cultural dos ouvintes de rádio, a institucionalidade é uma categoria importante para investigar as possíveis formas de interferência dos agentes públicos na gestão das emissoras, através dos dispositivos de controle mediante a repartição de verbas publicitárias e seus consequentes impactos na gestão das informações. A relação entre governo e meios de comunicação, no eixo do controle social e das políticas públicas de comunicação, bem como as regras e normas pertinentes ao espectro radiofônico, convidam a lente da institucionalidade para trazer à luz os condicionantes políticos e econômicos que interpelam as rádios e podem refletir na relação com a recepção. Das etapas previstas, já fizemos pesquisa bibliográfica, iniciamos a exploração empírica, efetuamos uma reconstituição documental e diário de escuta. Os procedimentos contemplam ainda entrevistas com os apresentadores de dois programas selecionados e seus respectivos diretores de jornalismo. Das cinco rádios listadas, optamos pela Mirante e Difusora porque são as de maior audiência e estrutura profissional. Nelas, escolhemos os programas do turno matutino, considerado “horário nobre” do rádio informativo: na Mirante, Ponto Final, das

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8 h às 11h; na Difusora, o Manhã Difusora, das 8h às 10h. Os apresentadores, respectivamente, são Roberto Fernandes e Silvan Alves, reconhecidos na comunidade dos comunicadores e ouvintes pela credibilidade e considerados “puxadores de audiência”. Ambos migraram da rádio Educadora, onde também comandaram programas do mesmo perfil. Roberto Fernandes era bastante identificado com a Educadora, onde trabalhou por mais de uma década, ancorando o programa Roda Vida. A saída dele para a rádio Mirante, de propriedade do grupo de comunicação da família do senador José Sarney, foi muito comentada e lamentada por dezenas de ouvintes, que viam na mudança de prefixo uma suposta perda de liberdade e autonomia do apresentador, visto que na Educadora, rádio católica, alinhada ao campo das oposições no Maranhão, o programa Roda Vida e seu primeiro apresentador eram tidos como referência de acolhida e repercussão das demandas da população e um fórum de debates no rádio local. Com a saída de Roberto Fernandes para a rádio Mirante, o programa Roda Viva foi assumido por Silvan Alves, outro comunicador de referência na radiofonia maranhense. Ele também teve de deixar o programa e mudou de emissora, contratado para apresentar um formato similar, no mesmo horário, na rádio Difusora, de propriedade da família do ministro Edison Lobão, chefe político de um dos subgrupos que integram a composição partidária-empresarial hegemônica, sob a liderança de José Sarney. As rádios AM são parte dos sistemas Mirante e Difusora. O primeiro congrega a emissora de televisão afiliada à Rede Globo, o jornal O Estado do Maranhão, o portal imirante.com e dezenas de repetidoras de TV espalhadas em todas as regiões do estado, além de rádios FM localizadas em cidades estratégicas na geopolítica estadual. O segundo detém a televisão afiliada ao SBT, o portal idifusora.com.br, rádio Difusora FM e emissoras em várias regiões do Maranhão. Os sistemas Mirante e Difusora são o braço midiático dos complexos empresariais das duas famílias, ramificados em vários negócios. A credibilidade atribuída aos dois comunicadores, Roberto Fernandes e Silvan Alves, concede a ambos uma relativa autonomia na condução dos programas. Eles seguem a linha editorial das emissoras, mas não evidenciam essa postura de forma exacerbada nos programas, durante a dinâmica ativista da recepção. Os programas Ponto Final e Manhã Difusora foram selecionados porque têm audiência consolidada, apresentadores emblemáticos, maior estrutura, mais recursos humanos, melhores condições de mobilidade dos repórteres para a cobertura ao vivo do dia-a-dia da cidade e, consequentemente, despertam atração nos ouvintes. O conjunto de qualificativos atribuídos às emissoras e aos apresentadores justifica nossa opção metodológica na medida em que as características das referidas rádios atraem os ouvintes, estimulam a participação, agregam interesse da audiência, despertam o debate com profundidade, disseminam mais informações e, sobretudo, garantem melhores condições de ativismo à recepção, foco da nossa pesquisa. Os apresentadores, por sua vez, são dotados do status de autoridade no rádio, decorrente dos seus níveis de credi-

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bilidade no processamento e gestão das informações. Ao mesmo tempo em que eles representam as linhas editoriais das emissoras, alinhando-se a uma postura governista, são tensionados pelos ouvintes. Nesse espaço conflitivo entre as forças políticas e econômicas que atuam no rádio, a inserção dos ouvintes é oportuna a uma observação à luz da institucionalidade. Apenas dois apresentadores e programas são necessários, no universo das cinco emissoras, visto que o nosso foco é a recepção. Já os diretores de jornalismo não serão necessariamente explorados para uma investigação que dê conta de subsidiar o entendimento do nosso objeto. A inquirição destes profissionais será feita a título da obtenção de informações extras, periféricas e meramente operativas, mas não centrais na fundamentação da pesquisa. As lógicas de produção compreendem o processo de moldagem da matéria-prima que será transformada em bens simbólicos sob a interferência da estrutura empresarial, competência comunicativa e competitividade tecnológica. A produção evidencia também os critérios de decisão, as ideologias profissionais e as estratégias de comercialização. Vinculam-se necessariamente ao momento da produção as rotinas industriais pertinentes à hierarquia, critérios de noticiabilidade, poder de decisão e divisão do trabalho e as interferências internas e externas, de ordem política e comercial, cujas tensões e/ou ajustes à linha editorial da empresa podem influenciar nos resultados oferecidos à audiência. Na aplicação do mapa noturno à nossa pesquisa, esse momento diz respeito ao processo de produção do gênero jornalístico nas emissoras de rádio, sob a coordenação dos gestores da informação: pauteiros, telefonistas, secretários, repórteres, apresentadores e demais recursos humanos envolvidos na apuração, elaboração, circulação e consumo de notícias (principalmente) e comentários. Em que pese o foco da nossa pesquisa estar localizado na recepção/ consumo, a produção já contém a prática dos consumidores, visto que os ouvintes interagem constantemente com os programas, que podem incorporar ou não as demandas da recepção. A estruturação da produção, portanto, dialoga com a prática do consumo cultural, na medida em que os usos que a recepção faz dos meios interfere na produção dos conteúdos. Para entender o funcionamento desta mediação, faremos entrevistas com os apresentadores dos dois programas selecionados. As lógicas de produção relacionam-se aos formatos industriais pela tecnicidade. Esta mediação é “menos assunto de aparatos do que de operadores perceptivos e destrezas discursivas” (Martín-Barbero: 2009, 18). Tecnicidade é a lente que amplia a percepção, funciona como dispositivo através do qual abrem-se as portas e janelas sensoriais. Posta no cenário da globalização, a tecnicidade refere-se também à conexão do computador com os meios, provocando o aceleramento da relação entre discursos públicos e gêneros com os formatos industriais. A retomada do sentido do discurso e da práxis política, o novo estatuto social da técnica e da cultura dimensionam a interpelação da tecnicidade. Em nossa investigação, a tecnicidade vai buscar respostas às ressignificações da tecnologia, partindo da oralidade primária – a fala – processada no telefone e no rádio. A técnica de utilização da palavra – a retórica – será uma categoria necessária para o diálogo com a tecnicidade. Implementaremos essa

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etapa através de pesquisa bibliográfica. O recorte da abordagem nesta mediação é a relação entre o rádio, a cidade e os ouvintes na dimensão espaço-temporal que possibilita a conexão entre as pessoas através de duas lógicas ou eras culturais (Santaella, 2007): a palavra falada e a oralidade mediatizada. Recorre-se também ao conceito de ágora eletrônica (Brecht, 1981), sistematizando a relação entre o rádio e o exercício da participação da audiência. As raízes da ideia de ágora estão presentes nos estudos de Sennett (2003), cujas formulações esclarecem com profundidade as mudanças operadas nos ambientes ou espaços da Grécia, onde os cidadãos se reuniam para debater os assuntos da cidade. Certeau (1998) caracteriza os processos evolutivos da urbanidade e contribui para entender a dinâmica das práticas cotidianas, especialmente o ato de falar. Ativistas da palavra, os ouvintes exercem uma prática cultural que percorre a oralidade (Ong, 1998) e a retórica (Aristóteles, 2005). Os discursos, gêneros, programas e grades compõem os formatos industriais - a materialização das lógicas de produção - articulados às competências de recepção/consumo pela ritualidade, mediação que envia aos usos sociais dos meios. A ritualidade “remete-nos ao nexo simbólico que sustenta toda comunicação: à sua ancoragem na memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de interação e repetição” (Martín-Barbero: 2009, 19). A natureza dos formatos industriais, cerzidos por narrativas disponibilizadas nos palimpsestos (suportes), movimentam-se alimentando e sendo alimentados pelos resíduos e inovações, apresentando no final na linha de produção os gêneros. Por essas características, os formatos são atravessados por um tipo de mediação – a ritualidade – cuja posição configura a relação dos meios com a audiência, ou seja, os usos do olhar, da escuta, da leitura. O nexo entre o arcaico e o contemporâneo é dado pela ritualidade, perpassando todo o processo de comunicação. O momento das competências de recepção (consumo), principal recorte da pesquisa, é mediado pela ritualidade e socialidade. Esta, por sua vez, materializa-se no cotidiano, naquilo que constrói/forma sentido da vida, na teia de relações constitutivas da subsistência, nos laços familiares, tradições, gostos, lazer, religiosidade, trabalho, sexo e outras vivências. O consumo tem lugar nas práticas cotidianas, território simultâneo da desigualdade social e das possibilidades de superação pela via da mobilidade, da ascensão social, do sonho, dos projetos de vida, dos desejos alimentados no dia-a-dia, nas rotinas do trabalho, da família e do espaço doméstico. Visto na dinâmica dos processos sociais que permitem a apropriação dos produtos, o consumo é interpelado duplamente pela ritualidade (diferentes usos sociais dos meios) e pela socialidade: “o local de devolução para a sociedade (ou para as culturas vividas) do que vem da mídia, que, por sua vez, já saiu em parte dessas mesmas culturas” (ESCOSTEGUY; FELIPPI, 2013). Remetendo às matrizes culturais, a socialidade completa o circuito do mapa noturno como espaço de afirmação dos sujeitos da recepção, lugar da ação, permeado pela eclosão dos fatos na ruptura e costura do tecido social, onde se faz e desfaz o cotidiano com as múltiplas narrativas. A socialidade é a estrada do cotidiano onde a História pavimenta sua escritura, retornando à espiral das matrizes culturais. Os ouvintes de rádio, participantes dos programas

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jornalísticos, estão situados nas competências de recepção em dupla dimensão: são consumidores e produtores. Esta etapa foi cumprida por meio de entrevistas com os integrantes da Sociedade Maranhense dos Ouvintes de Rádio (Somar) e pesquisa bibliográfica. Compreendendo mediação como relação dos usuários com os meios, a fronteira aberta, plataforma de fluxo, membrana porosa, situação de transformação cultural, tentaremos capturar a atividade do ouvinte de rádio inserido na relação entre produção e consumo. A partir do mapa noturno, pretendemos estudar os processos de produção de conteúdo nos programas jornalísticos das emissoras de rádio, com ênfase na participação dos ouvintes. No contexto dos momentos e das mediações, todas as etapas são importantes para compreender a dinâmica e as especificidades da geração de conteúdo. As competências de recepção e as mediações (ritualidade e socialidade) merecem um olhar teórico e empírico mais apurado. Sendo a atividade dos ouvintes o foco desta pesquisa, a recepção vai exigir um tratamento conceitual de superfície e profundidade, confrontada às revelações do campo. A produção, a circulação e o consumo, vistos de forma articulada, serão estudados à luz do mapa noturno, dando ênfase às competências de recepção. Assim, fechamos o contorno do mapa, eixo da proposta metodológica. A visada barberiana, tensionando os postulados clássicos do marxismo, movimentou a teoria centrada nos meios, deslocando-a para as mediações, retomando o papel do Estado normatizador, porta-voz da cultura oficial, mas sem conseguir conter as pulsações das culturas subalternas. Na longa mutação do popular ao massivo, Martín-Barbero costurou o legado da recepção – do melodrama à telenovela – chegando à formulação do mapa noturno. As lógicas e as mediações visualizadas no mapa noturno permitem a navegação em espiral das matrizes culturais em diacronia, atravessando o núcleo político-cultural-comunicativo, até chegar aos formatos industriais. No eixo sincrônico, o movimento segue das condições de produção ao consumo. Com o foco nos ouvintes, a estratégia metodológica percorrerá todo o mapa, com um olhar mais apurado nas competências de recepção. Das matrizes culturais sobressaem-se as mutações que atravessam a oralidade e a retórica como técnicas de remodelação do arcaico – a fala. Nas condições de produção e nos formatos industriais evidenciaremos as mediações pertinentes ao processamento da informação em notícias, opiniões e comentários. Os Estudos Culturais latino-americanos, portando, equipam a pesquisa ao acionarem o ferramental teórico-metodológico capaz de capturar o objeto no movimento da realidade concreta, sujeita ao contexto e às variáveis dos cenários, articulados às categorias e conceitos da oralidade, retórica, participação e discurso, com os quais pretendemos interpretar o material empírico. Com a pesquisa empírica em parte efetivada (referente às entrevistas com os ouvintes), estamos apresentando para discussão a proposta metodológica já colocada em campo parcialmente. Resultados provisórios A exploração empírica permite adiantar um esboço do perfil da audiência. Com base nas entrevistas e no diário de campo, é possível traçar um

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conjunto de características comuns que permitem identificar e qualificar uma parte da audiência, conforme abaixo. Os ouvintes militantes podem ser, a princípio, de três tipologias com suas respectivas características: Palpiteiro - Participante contumaz, opina sobre quase todos os assuntos em várias emissoras diariamente. O conteúdo é pouco consistente e revela um conhecimento superficial acerca dos temas abordados. Insiste em dar opinião e visa também ganhar reconhecimento pela participação. Reivindicatório - Geralmente participa solicitando alguma providência para a comunidade onde mora. Reivindica asfaltamento, abastecimento de água, iluminação, limpeza das ruas e segurança. É um tipo de ouvinte vinculado a entidades associativas que usa o rádio para potencializar sua ação no bairro, com isso ganhando visibilidade. Indignado - Tem posição iconoclasta. É contra os políticos de forma geral, que considera todos iguais e corruptos. A fala não tem consistência ideológica ou partidária. É um tipo de ouvinte que extravasa no rádio as injustiças, irregularidades e desvios de conduta dos gestores, do Judiciário e do Ministério Público. O rádio é o lugar do desabafo. Estas são, portanto, as percepções iniciais da pesquisa. A partir das primeiras impressões do campo pretendemos ampliar o trabalho de mapeamento dos perfis e detalhar os níveis de interferência da recepção na produção de conteúdo dos programas jornalísticos das emissoras. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Retórica. 2a ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005. 318p. BRECHT, Bertolt. Teoria de la radio (1927-1932). In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Gustavo Gili, 1981. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998. CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2003. DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: BARROS, Antonio; DUARTE, Jorge. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009. ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Cartografias dos estudos culturais – uma versão latino-americana. ed. on-line. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. _____________, Ana Carolina; JACKS, Nilda. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker, 2005. _____________, Ana Carolina; FELIPPI, Angela. Jornalismo e estudos culturais: a contribuição de Jesús Martín-Barbero. Revista Rumores, n. 14. vol 7. Julho-dez 2013 GOMES, Itania Maria Mota. Efeito e recepção: a interpretação do processo re-

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ceptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: E-Papers, 2004. JACKS, Nilda; MENEZES, Daiane; PIEDRAS, Elisa. Meios e audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2008. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. 6. ed. ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas – SP: Papirus, 1998. SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. SENNETT, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: Record, 2003. THIOLLENT, Michel. Pesquisa-ação no campo da comunicação sócio-política. Revista Comunicação e Sociedade. n.4. São Bernardo do Campo: UMESP, 1980. Sobre o autor Ed Wilson Araujo é graduado em Jornalismo (1993) e mestre em Educação (2006), ambos pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Doutorando em Comunicação pela PUCRS. É professor assistente II da UFMA, no Departamento de Comunicação Social - Rádio e TV. Tem estudos na área de rádios comunitárias e rádio AM. No doutorado, pesquisa a participação dos ouvintes nos programas jornalísticos das emissoras AM de São Luís. Escreve reportagens, artigos e crônicas sobre cultura, meio ambiente e política. Editor de blog: http:// blogdoedwilson.blogspot.com. Autor do livro “Rádios comunitárias no Maranhão: história, avanços e contradições na luta pela democratização da comunicação”, publicado pela EDUFMA, fruto da dissertação de mestrado. Email: edwilson_ [email protected]

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“Eles podem ser malucos, mas são Profissionais!” Um estudo de recepção sobre o grupo Black Sabbath no programa Fantástico Fábio Cruz Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS RESUMO: Este trabalho apresenta um estudo de recepção a respeito de uma reportagem exibida no programa “Fantástico”, da Rede Globo de Televisão, sobre o grupo de rock inglês Black Sabbath. Adotando uma postura crítica, histórica e dialética, a pesquisa tem como marcos teórico-metodológicos, os pressupostos de Douglas Kellner (2001), Roland Barthes (1971), Jesús Martín-Barbero (1997) e Stuart Hall (2003). O corpus de análise abrange a edição do dia sete de julho de 2013, que aborda o lançamento do novo álbum da banda e a sua vinda ao Brasil no mesmo ano. Palavras-chave: cultura da mídia; rock; recepção. Introdução Este trabalho apresentará um estudo de recepção a respeito de uma reportagem exibida no programa “Fantástico”, da Rede Globo de Televisão, sobre o grupo de rock inglês Black Sabbath. A pesquisa adotará como marcos teórico-metodológicos os pressupostos da cultura da mídia, de Douglas Kellner (2001), o fait divers (Barthes, 1971), a perspectiva das mediações, de Jesús Martín-Barbero (1997), e as posições de decodificação (Hall, 2003). O corpus de análise abrangerá uma edição, captada no dia sete de julho de 2013, que versa sobre o lançamento do novo álbum da banda e a sua vinda ao Brasil no mesmo ano. Para tanto, inicialmente, abordaremos o papel da Rede Globo de Televisão na realidade brasileira. Neste sentido, para fins de contextualização, discutiremos aspectos como o surgimento da emissora, a sua influência na vida política do País e as suas produções de destaque. A partir destas, traçaremos um perfil do programa “Fantástico”, que consiste em um dos focos de interesse deste artigo.

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Logo após, averiguaremos de que forma a mídia produz significado na atualidade buscando identificar elementos que influenciam suas construções. Para isso, adotaremos os pressupostos teórico-metodológicos de Kellner (2001) e Roland Barthes (1971). Em um segundo momento, a perspectiva das mediações (Martín-Barbero, 1997) e as três posições de decodificação de Stuart Hall (2003) serão revistas com o objetivo de subsidiar o estudo de recepção proposto, o qual será realizado junto a um grupo de 131 declarados fãs e não fãs do grupo Black Sabbath através da técnica dos grupos de discussão. Seguindo uma postura crítica, histórica e dialética, salientamos, cabe ressaltar, que este trabalho não pretende generalizar resultados, mas, sim, detectar tendências e vislumbrar possibilidades em um determinado contexto com base em uma amostra de opiniões. Descortinando o objeto: a Rede Globo de Televisão e o programa “Fantástico” Bastaram alguns anos após 1965, período do surgimento da Rede Globo de Televisão, para que o seu fundador, o empresário Roberto Marinho2, visse a sua emissora conquistar milhares de telespectadores distribuídos por todas as camadas da sociedade e, assim, consolidar-se como a líder de audiência no País. Desde meados da década de 1970, o Brasil é conectado pela Rede Globo. “Superior técnica e economicamente às outras, (...) [a Globo] consiste em um lugar de identificação e embasamento cultural dos brasileiros” (Cruz, 2006, p.26). Promotora de laços sociais (Wolton, 1996), a emissora fornece informação e entretenimento diários a uma sociedade marcada por “contrastes, conflitos e contradições violentas” (Bucci, 2004, p.222). Conflituoso e contraditório foi, também, o nascimento da Rede Globo, o qual contou com apoio financeiro do grupo estrangeiro Time Life – o que era proibido na época. No entanto, a emissora foi absolvida pelo governo militar de todas as acusações que sofreu. A partir daí, selou-se uma relação que perdurou até o fim do regime, em 1985. Neste período de 20 anos, portanto, a Globo ajudou a consolidar os militares no poder3 e isto se deu, principalmente, através dos seus noticiários televisivos. Nesse sentido, um dos grandes braços da emissora foi o “Jornal Nacional”4. Na prática, o que se via era um acobertamento de informações que, em maior ou menor grau, pudessem vir a prejudicar a imagem do governo junto à sociedade brasileira. Assim, manifestações variadas como greves e conflitos não habitavam a agenda da Rede Globo. No entanto, da mesma forma com que contribuiu para a solidificação do 1 Por tratarmos de uma pesquisa qualitativa, julgamos pertinente afirmar que a quantidade de entrevistados não tem influência nos objetivos da investigação. 2 Falecido em seis de agosto de 2003. 3 Como exemplos de referências sobre a atuação da Rede Globo durante o regime militar no Brasil temos Lins da Silva (1985), Mattelart (1989) e Simões (in Bucci, 2000). 4 Noticiário mais assistido pelos brasileiros desde a década de 1970, o Jornal Nacional foi ao ar pela primeira vez no dia 1º de setembro de 1969, introduzindo o conceito de telejornal em rede.

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regime militar, com a redemocratização brasileira, em 1985, a emissora adere aos interesses da Nova República5. Com os ventos soprando novamente a favor da democracia no País, adaptar-se aos novos tempos era necessário. Destarte, percebemos que a Rede Globo sempre esteve – e está – presente na vida política dos brasileiros desde o seu surgimento. Porém, este não é o único ponto de destaque da emissora. Dentre outros diversos aspectos de relevância, podemos destacar a qualidade das suas telenovelas, as coberturas esportivas e a já mencionada supremacia técnica e econômica frente às empresas concorrentes. Além disso, outra produção que merece ser ressaltada é um programa surgido na década de 1970 que vai ao ar nas noites de domingo e que, a exemplo do “Jornal Nacional”, também é assistido por milhares de telespectadores. “Fantástico”: o show da vida dos brasileiros nos domingos à noite No ar desde o dia cinco de agosto de 1973, o Fantástico consiste em uma “revista eletrônica6 de variedades”7 semanal que mistura informação jornalística e entretenimento com doses de espetáculo8. Apresentado por Tadeu Schmidt e Renata Vasconcellos, o programa tem cerca de duas horas e vinte e cinco minutos de duração. A produção, que, inicialmente, chamava-se “Fantástico – o show da vida”, começou apresentando shows de humor, teleteatros, musicais, jornalismo, documentários e reportagens internacionais, com um cardápio variado de temas. Só era pauta o que representasse um verdadeiro show, algo que trouxesse a noção de espetáculo embutida. (...) Em pouco tempo, a revista semanal ganhou projeção nacional e internacional, servindo de espelho para programas similares em países como Espanha e Itália.”9.

Assim,

o “Fantástico” se tornou um painel dinâmico e multifacetado de quase tudo o que é produzido numa emissora de televisão – jornalismo, prestação de serviços, humor, dramaturgia, documentários exclusivos, música, reportagens investigativas, denúncia, ciência –, além de um espaço para a experimentação de novas ideias e formatos10.

Mantendo essa vitoriosa fórmula que lhe rende altos índices de audiên-

5 (...) Após anos de silêncio e conivência ininterruptos, falou em ‘ditadura militar’ quando Tancredo Neves foi eleito presidente no Colégio Eleitoral (...)” (Cruz, 2006, p.26). 6 Gênero que mixa informação considerada jornalística com variedades como música, humor, esporte, espetáculos etc. Mostrando os apresentadores em pé, a revista eletrônica alterna momentos de seriedade com descontração (Souza, 2004). 7 Disponível em Acesso em: 28 out. 2013. 8 Disponível em Acesso em: 28 out. 2013. 9 Disponível em Acesso em: 28 out. 2013. 10 Disponível em Acesso em: 28 out. 2013.

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cia, o “Fantástico” vem inovando na relação com o telespectador ao promover quadros como o “Bola cheia” e o “Bola murcha”, que permitem aos receptores enviarem vídeos com lances de futebol amadores para o programa. “Os melhores e os piores lances são exibidos. Durante o programa, os telespectadores e um grupo de jurados famosos podem votar em quem é o Bola cheia e o Bola murcha do domingo”11. O consagrado formato do “Fantástico”, aliado às novidades promovidas citadas anteriormente, as quais permitem ao telespectador uma maior interação com o programa, situam essa produção da Rede Globo dentro da lógica cada vez mais atual das empresas de comunicação em tempos de globalização: a do maior índice de audiência possível, pois o que está em jogo, no final das contas, é o lucro. Neste sentido, lançaremos mão a seguir de um cabedal teórico-metodológico que permita refletir a respeito de questões como a que se impõe aqui e, também, que sustente um estudo de recepção conforme proposto no início deste trabalho. Da cultura da mídia ao âmbito da recepção Em nível geral, o contexto atual dos meios de comunicação de massa sugere práticas que andem em compasso com a ideologia globalizante vigente. Assim, frequentemente, constatamos exemplos que demonstram ser a qualidade das informações inversamente proporcional aos índices de audiência. Em verdade, o que observamos é uma substituição do discurso noticioso por uma espécie de discurso publicitário12, que tem a pretensão de homogeneizar identidades, é estereotipado e mercadológico, a-histórico e sem aprofundamento. Por isso mesmo, é desprovido de elementos que levem os receptores à reflexão. Estudioso da comunicação, Kellner13 (2001) contempla em suas investigações as mais diversas produções midiáticas procurando elucidar tendências dominantes e de resistência, vislumbrar perspectivas históricas e também analisar a forma como os meios de comunicação agem com vistas a influenciar a identidade dos indivíduos. A partir da perspectiva do autor, contatamos que, hoje, os meios de comunicação massivos consistem em uma espécie de palco pelo qual desfilam informações sobre os mais variados agentes sociais ao redor do mundo. Neste sentido, procurando entender o porquê de a mídia produzir como produz na atualidade, Kellner (2001) lança mão de três categorias analíticas, a saber: horizonte social, campo discursivo e ação figural. O horizonte social contextualiza a época e o cenário em que se dá determinada produção midiática. O campo discursivo engloba os atores envolvidos no discurso dos veículos de comunicação de massa. Já a ação figural mostra o 11 Disponível em Acesso em: 28 out. 2013. 12 Aqui, fazemos menção à ausência de um lead jornalístico completo, ou seja, que apresente as informações básicas de uma notícia, a saber: “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “onde?”, “como?” e “por quê?”. 13 De origem norte-americana, Kellner é um verdadeiro articulador de teorias que “tem seu lugar de fala nos movimentos de contracultura dos anos de 1960, na recessão da primeira metade da década de 1970 e na implosão da Rússia a partir de 1980” (Cruz, 2006, p. 64).

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produto final de acordo com o horizonte social e o campo discursivo. Portanto, a partir de uma conjuntura específica e levando em conta os sujeitos envolvidos nesta, a mídia produz informação. Dentro destes desdobramentos, muitas vezes, percebemos a presença dos fait divers. Os “Casos do Dia”, mais conhecidos como fait divers, consistem em uma das principais categorias de Barthes14 voltadas para os meios de comunicação. Com uma abordagem estruturalista, ele lhe deu conceito, tipologia e subtipologia. Assim, estabeleceu a sua teorização. O fait divers é a informação sensacionalista. Atualmente, vivencia-se uma magnífica exploração dessa categoria na imprensa, quando esta é classificada como informação geral. Alguns exemplos desenvolvem-se durante vários dias, o que não quebra sua imanência constitutiva, porque implica, sempre, uma memória curta, efêmera. Para Ramos (1999), as relações que dizem respeito ao fait divers expressam conflito, atingem a emoção do receptor, independentemente de seu estilo jornalístico; são constituídas pelo excepcional, pelo grotesco, que valorizam o espetacular, e podem ser reduzidas em dois tipos básicos: causalidade e coincidência. Ambos apresentam subtipologias respectivas, direcionadas para a compreensão da excepcionalidade, condição do estabelecimento da noção de conflito. O fait Divers de Causalidade revela dois tipos: a causa perturbada, quando se desconhece, ou não é possível precisar a causa, e, ainda, quando uma pequena causa provoca um grande efeito; e a causa esperada, em que, quando a causa é normal, a ênfase desloca-se para os chamados personagens dramáticos como, por exemplo, crianças, mães e idosos (Barthes, 1971). Na causa perturbada, ocorrem fatos excepcionais, espantosos, que implicam perturbação, conflito. Há um efeito (o conflito surge daí). No entanto, a causa é desconhecida, imprecisa, ou, até mesmo, ilógica, sem sentido. Há uma riqueza de desvios causais. Devido a certos estereótipos, espera-se uma causa e surge outra, mais pobre do que a esperada. Neste gênero de relação causal, há o espetáculo de uma decepção; paradoxalmente, quanto mais escondida, mais notada será essa causalidade. Barthes (1971) divide o fait Divers de coincidência em dois tipos: de repetição — quando a informação repetida leva a imaginar causas desconhecidas, que ocorrem em circunstâncias diferentes — e de antítese, quando se aproximam dois termos qualitativamente distantes. Essa prática do fait divers pela mídia reflete o capitalismo contemporâneo que, através dos seus significados e métodos, fornece elementos que tendem a relegar os indivíduos à passividade e à manipulação ao mesmo tempo que obscurecem a natureza e os efeitos do poder vigente. Fomentando uma memória curta e efêmera, o fait divers reflete e reforça algumas das premissas da era globalizante: as informações devem ser líquidas e, ao mesmo tempo, devem atingir o emocional das pessoas (Cruz, 2012, p.803).

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Semiólogo estruturalista francês. Responsável pela teorização do fait divers. Artigos Completos

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Sendo assim, falar sobre pessoas pressupõe também estudar o âmbito da recepção, nosso próximo tópico. Não obstante, o fato de antes termos dado similar importância para circunstâncias que influenciam a produção dos discursos midiáticos é corroborado por Martín-Barbero15, o qual sustenta que um estudo de recepção não pode ser realizado de maneira isolada. Segundo o autor, Eu não poderia compreender o que faz o receptor, sem levar em conta a economia da produção, a maneira como a produção se organiza e se programa (...) eu não tenho nenhuma receita, mas ao menos sei o que não quero. E não gostaria que o estudo de recepção viesse a nos afastar dos problemas nucleares que ligam a recepção com as estruturas e as condições de produção (1995, p.55).

No que tange ao processo de recepção, Martín-Barbero (1997) atenta para os lugares de fala dos indivíduos. É importante averiguar sob que condições as falas estão sendo constituídas. Estas “posições de enunciação” (HALL16, 1996) são individuais e baseiam-se em um contexto particular e, ao mesmo tempo, público. Referem-se à identidade cultural de cada pessoa o que, cabe ressaltar, consiste em um processo sempre em construção, pois interage com o social. Esse contexto particular, individual, consiste nas mediações, que significam as mais variadas formas culturais através das quais os receptores apropriam-se das mensagens e produzem sentido. Portanto, o deslocamento dos meios para os atores sociais dentro de cenários específicos estabelecidos, constitui a complexa questão das mediações. A partir disso, Martín-Barbero promove três lugares de mediação, a saber: “a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural” (1997, p.292). Para o autor, com relação ao primeiro caso, na América latina, as pessoas se reconhecem na televisão e, no Brasil, isso não é diferente. No entanto, para que essa situação possa ser entendida, faz-se necessário estudar o cotidiano dessas famílias. O segundo caso aborda a ligação entre os tempos de produção e as rotinas cotidianas de recepção. Já o último aspecto, o qual será trabalhado nas análises, refere-se às mais variadas bagagens culturais dos componentes da esfera receptiva, o que corrobora um modo específico de ver/ ler, interpretar e usar os produtos da cultura midiática. Sendo, portanto, ativo e dono de uma cultura particular, o receptor produzirá determinados códigos culturais: a reprodução, em que aceita tudo o que recebe, o que o constitui em uma espécie de cúmplice do pensar hegemônico; a negociação, quando aceita algumas partes daquilo a que está exposto e outras não; e a resistência, processo em que não há aceite de propostas de sentido oriundas da mídia, o que acarreta uma construção alternativa ou contraproposta (HALL, 2003). De posse desse arcabouço teórico e, conforme dito anteriormente, sustentados por uma linha de raciocínio crítica, histórica e dialética, partiremos para as análises do trabalho. Neste sentido, com relação ao âmbito da recepção, julgamos pertinente lançar mão da técnica dos grupos de discussão o que, de 15 Teórico espanhol naturalizado colombiano. Considerado um dos grandes baluartes dos estudos sobre comunicação e cultura. 16 Jamaicano ligado aos Estudos Culturais Britânicos. É tido como um dos principais autores dessa linha teórica (Escosteguy, 2001).

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acordo com Lopes et al. (2002, p.57), “vem a ser uma entrevista coletiva [não estruturada] na qual o objetivo pressupõe o pesquisador sair de cena e deixar o grupo debater e refletir sobre suas próprias interpretações”. Ressaltamos, mais uma vez, que a escolha de 13 pessoas para o estudo de recepção não interfere nos objetivos de uma pesquisa de cunho qualitativo. Com base em anos de estudos, Orozco Gómez (2000, p.86) reforça essa premissa ao afirmar que não é necessário entrevistar mais do que 25 receptores, pois, além desta quantidade, a obtenção de novas informações é “mínima”. Para o autor, um número entre 10 e 20 indivíduos pode ser suficiente para que se obtenha conhecimento. O que está em jogo aqui não é a contagem, mas, sim, como se desenvolve o processo crítico de recepção televisiva. Análises A proposta metodológica desta investigação consiste em dois momentos: em primeiro lugar, analisar, de forma panorâmica, a reportagem do “Fantástico” sobre a banda Black Sabbath, levando em conta os seus contextos de produção. Logo após, será realizado um estudo de recepção com uma amostra de 13 fãs e não fãs dos músicos ingleses. Entretanto, antes de partirmos para a primeira instância analítica, apresentaremos um breve perfil do grupo britânico. Os pais do heavy metal17 Considerada a banda pioneira do heavy metal, o Black Sabbath surgiu em Birmingham, Inglaterra, no final dos anos de 1960. Formado originalmente por Ozzy Osbourne (vocal), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e Bill Ward (bateria), o grupo iniciou a carreira sob o nome de “Earth”18 (Osbourne, 2010, p.80-81). No entanto, influenciado por um filme – Black Sabbath – protagonizado pelo falecido ator inglês Boris Karloff, o baixista sugeriu o novo nome para os seus companheiros, o que foi aceito de imediato. A partir do lançamento do seu primeiro álbum, intitulado “Black Sabbath”, considerado “o primeiro disco de heavy metal do mundo” (Dimery, 2007, p.198), a banda rapidamente atingiu o sucesso. Suas letras abordavam temas considerados demoníacos, além de questões como “opressão, horror, [e] poder” (Rey e Philipe, 1984, p.25), o que cativava cada vez mais fãs para o grupo. Ao longo da década de 1970, o Black Sabbath lançou muitos discos de sucesso como “Paranoid” (1970), “Master of Reality” (1971), “Volume 4” (1972), “Sabbath Bloody Sabbath” (1973) e “Sabotage” (1975). No entanto, apesar do êxito, o abuso do uso de drogas e problemas de relacionamento entre os mem17 Estilo de música ligado ao rock cujo nome foi inspirado, segundo Rey e Philipe (1984), no apelido dado por pesquisadores norte-americanos ao catalisador da reação atômica do Urânio. Os mesmos autores (1984, p.3) definem o heavy metal: “o que é heavy metal senão melodia fortemente marcada, com letras agressivas, enquanto instrumentos trabalham ao infinito costurando sobre uma linha melódica?” 18 Antes, porém, a banda teve outros dois nomes: “The Polka Tulk Blues Band” e, depois, “Earth Blues Band” (Iommi, 2013). Sobre os chamados “bons momentos”, vale mencionar que, após a saída de Ozzy Osbourne, o Black Sabbath lançou discos de muito sucesso ao lado do novo vocalista na época, o norte-americano Ronnie James Dio, falecido em 2010.

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bros da banda, resultaram na saída do vocalista Ozzy Osbourne, em 1979 (Osbourne, 2010, p.193). Após esse episódio, o guitarrista Tony Iommi – único remanescente original do Black Sabbath a participar de todas as formações da banda – atravessou as décadas seguintes alternando músicos, assim como bons e maus momentos19. Um desses momentos considerados positivos é justamente o atual. Exatamente no dia 11 de novembro de 2011, o grupo anunciou a volta com a formação original para a gravação de um álbum de músicas inéditas e uma turnê. Apesar disso, problemas contratuais alegados fizeram com que o baterista Bill Ward desistisse da volta. No seu lugar, entra Tommy Clufetos, membro da banda solo de Ozzy Osbourne. Mas, para a gravação do álbum que viria a se chamar “13”, as baquetas ficaram a cargo de Brad Wilk, ex-músico do grupo norte-americano Rage Against the Machine, da década de 1990. Já para a turnê que se seguiu após o lançamento do disco, Clufetos retornou ao seu posto no Black Sabbath. A fantástica reportagem do “Fantástico” E foi justamente sobre esse “momento positivo” que o “Fantástico” exibiu no dia 7 de julho de 2013, uma matéria sobre a banda. Com o título “Ozzy Osbourne cumpre promessa e volta ao Brasil com Black Sabbath” , a reportagem é introduzida pelos apresentadores Tadeu Schmidt e Zeca Camargo, que deixou o programa no mesmo ano. A fala de Tadeu Schmidt começa assim: “Agora, vamos falar de roqueiros veteranos que habitam um mundo de sombras, ruínas e barulho”. Na sequência, Zeca Camargo completa: “Uma das bandas mais adoradas de todos os tempos está de volta: o sinistro Black Sabbath”. Alternando imagens antigas e novas da banda20, a reportagem, que tem a duração de cinco minutos e 26 segundos, inicia com um pequeno histórico do grupo: “No começo dos anos 1970, eles inventaram o rock pesado. São os deuses do heavy metal. Mas depois do sucesso, veio a separação. Os músicos da formação original do Black Sabbath passaram décadas sem se entender. Só que essa fase acabou”. Após a introdução, o repórter Álvaro Pereira Júnior aparece informando que a banda está reunida, após 35 anos, para gravar um disco de inéditas. Afirma, também, que a festa do lançamento será realizada em um templo judaico do século XIX da cidade de Nova York. E complementa indagando: “o que será que o Ozzy vai aprontar lá dentro?” Na sequência, vem a resposta: “ Não aprontou nada! Foi só um encontro com fãs, super tranquilo! A entrevista para o Fantástico está marcada para o dia seguinte, às 11h da manhã”. E, mais uma vez, questiona: “Vê se isso é horário pra roqueiro? Será que deu certo? Logo a seguir, já mostrando imagens de Ozzy Osbourne e Geezer Butler, Pereira Júnior diz: “Eles podem ser malucos, mas são profissionais! Ozzy e o baixista Geezer Butler estavam acordados e de ótimo humor”. 19 Disponível em Acesso em: 2 nov. 2013. 20 O que foi a tônica de toda a reportagem.

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Perguntados sobre as letras soturnas, Geezer Butler diz que ainda faz sentido cantar sobre os mesmos temas de quando os integrantes da banda tinham 20 anos. Segundo o baixista, atualmente, faz mais sentido porque o mundo “está cada vez mais sombrio”. Ozzy emenda: “Eu confio no Geezer para me entregar grandes letras. Muitas vezes nem entendo nada. Eu só vou lá e canto. E funciona!”. Em seguida, o jornalista afirma que no novo disco do grupo, a voz de Ozzy Osbourne está “clara e forte”. O cantor explica: “Eu não fumo mais (...) Não uso mais drogas e bebo só de vez em quando”. Mas, a declaração é contestada por Pereira Júnior: “Bom, mais ou menos. Porque no dia 15 de abril, Ozzy divulgou na internet: ‘No último ano e meio voltei a beber e usar drogas. Mas já faz 44 dias que estou sóbrio. Peço desculpas por meu comportamento alucinado naquele período’”. Logo após, o vocalista declara que foi sua esposa, Sharon Osbourne, quem o salvou do álcool e das drogas depois da sua saída do Black Sabbath. A seguir, mostrando imagens do programa, a reportagem fala do reality show “The Osbournes”, que foi estrelado por Ozzy Osbourne e sua família, e foi ao ar pelo canal MTV (Music Television). Questionado se alguém do grupo havia ficado com inveja, Geezer Butler respondeu: “Imagina. Nossa origem é tão pobre, em Birmingham, Inglaterra, que ver um de nós se dando muito bem é uma alegria!” Quando o assunto foi a saída de Bill Ward, a reportagem informou que Ozzy Osbourne havia dito que o baterista “tinha simplesmente esquecido como tocar as músicas”. No entanto, “para o Fantástico, o vocalista aliviou um pouco: ‘Eu só falei que ele não ia aguentar duas horas de show, porque é um esforço muito grande’”, esclareceu. Na continuação, o jornalista informou que devido ao esforço a turnê da banda faria “várias pausas de duas semanas, para o guitarrista Tony Iommi, autor das melodias mais pesadas do rock, se tratar de um câncer linfático”. Aproveitando a deixa, Pereira Júnior disse que a morte era um tema constante nas letras da banda. Como exemplo, citou uma música do álbum “13”, “’End Of The Beginning’ – o fim do começo”. Questionado se o grupo estava “no fim do começo ou no começo do fim”, Geezer Butler respondeu: “No fim do fim”. Já para o vocalista, aquele momento não significava “(...) nem o fim do começo ou o começo do fim. É o começo do começo, ou o fim do fim”. Tal afirmação fez o baixista do Black Sabbath sorrir. Direcionando as atenções para o vocalista, Pereira Júnior sustenta: “Apesar de às vezes não falar coisa com coisa, Ozzy é uma força criativa na banda”. Sobre o nome do novo disco, o cantor responde: “O ano é 2013. O disco ia ter 13 faixas. Nem pensei em outro nome”. Em seguida, em clima de descontração, é dito pela reportagem que o título da principal música21 de “13” também é criação de Ozzy Osbourne. Informa o jornalista: “Ele (Ozzy Osbourne) diz que viu a frase no dentista, na capa da revista Time”. Mas Geezer Butler ironiza: “Essa revista saiu em 1966. Deve ser um dentista muito velho!” Finalizando a matéria, Pereira Júnior avisou que a banda viria ao Brasil em outubro e que Ozzy Osbourne tinha memórias do Brasil: “Quando eu toquei 21

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no Rock In Rio, em 1985, jogaram uma galinha viva no palco! Ela ficou lá, sentadinha”. A reportagem encerra dizendo que o cantor já havia comido um morcego em um show. Em seguida, uma declaração do vocalista: “Quando estive aí, prometi que, se um dia o Sabbath voltasse, a gente tocaria no Brasil. Vou cumprir, se Deus quiser. E ele não está morto!”, encerrou. Da produção Anteriormente, sustentamos que o “Fantástico” enquadra-se no horizonte social das empresas de comunicação em tempos de globalização: ora sérios, ora descontraídos, os discursos e as posturas dos apresentadores do programa devem buscar o maior índice possível de audiência porque, no final das contas, o que mais se almeja no atual cenário é o lucro. Partindo dessa constatação, na referida matéria temos, como atores do campo discursivo, os integrantes do Black Sabbath e as suas mediações como a volta do grupo, o lançamento do álbum “13” e a vinda ao Brasil para a realização de alguns shows. Além destas, velhos fantasmas como o uso de drogas e os desentendimentos entre os músicos da banda são – ou deveriam – ser apresentados como elementos complementares da reportagem. No que se refere à ação figural da reportagem, ou seja, como esses atores e suas práticas são mostrados pela mídia sob a égide do horizonte social apresentado, percebemos vários desvios de foco como, por exemplo, a ironia e a questão das drogas a partir do uso quase constante do fait divers através dos seus tipos e subtipos. Na chamada da matéria, os dois apresentadores lançam mão do fait divers de coincidência através do subtipo antítese ao ligar o grupo com um cenário nebuloso, barulhento e amedrontador. Já na reportagem de Pereira Júnior, a união de percursos distintos prossegue. Seja quando o repórter chama os integrantes do Black Sabbath de “deuses” do estilo heavy metal, seja quando Ozzy Osbourne é visto como o bagunceiro – “o que será que o Ozzy vai aprontar lá dentro?” – ou seja quando a classe roqueira é chamada de malandra quando o jornalista questiona se 11h “é horário pra roqueiro”. Seja quando o cantor e Geezer Butler são rotulados como malucos, seja quando Ozzy Osbourne é visto como um homem drogado, em que pese o elogio à sua voz feito por Pereira Júnior, ou quando também o vocalista não fala “coisa com coisa” e come morcegos. Não obstante, observamos, também, o uso do fait divers do tipo causalidade através do subtipo causa esperada em dois momentos: em primeiro lugar, quando a matéria aproveita a fala de Ozzy Osbourne a respeito do seu ex-companheiro de banda, o agora personagem dramático Bill Ward, afirmando que este está fora de forma e que, portanto, não agüentaria um show de duas horas porque isto denota um grande esforço. Além disso, a doença do guitarrista também é explorada transformando o músico também em uma figura que provoca piedade.

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Da recepção Com relação ao âmbito da recepção, julgamos ser pertinente apresentar, em primeiro lugar, os receptores que assistiram à matéria e, posteriormente, participaram da discussão. De início, vale ressaltar um ponto que os une: o gosto pela música. Neste sentido, seis declararam-se fãs do grupo e sete afirmaram não serem fãs do Black Sabbath. Dos seis entrevistados que se dizem fãs da banda, temos os seguintes perfis: Fábio, 35 anos, possui nível superior completo, é cirurgião-dentista e católico; Emerson, 39 anos, possui especialização, é funcionário público, trabalha como analista de sistemas e se diz espiritualista; Leonardo, 39 anos, é formado em direito, exerce a profissão de promotor de justiça e se considera agnóstico; Sandro, 40 anos, nível superior completo, é arquiteto e ateu; Renan, 28 anos, é editor de vídeo, possui ensino superior incompleto e é ateu; e Rodrigo, 36 anos, tem mestrado, é engenheiro de computação e considera-se cristão, embora sem uma religião específica. Dos sete declarados não fãs da banda, os perfis são os seguintes: Roberto, 40 anos, nível superior completo, é formado em jornalismo e se diz um católico “afastado”; Diogo, 37 anos, possui nível superior completo, está desempregado e é católico; Iara, 62 anos, tem nível superior incompleto, é aposentada e católica; Elisa, 32 anos, é formada em jornalismo, trabalha com decoração de festas e é católica; Guilherme, 32 anos, tem mestrado, é professor universitário e católico; Marco Antonio, 43 anos, possui especialização, é bancário e esotérico; e Alexandre, 46 anos, tem nível superior completo, é juiz de direito e ateu. Falando sobre a reportagem do “Fantástico”, do lado do grupo de fãs do Black Sabbath, Fábio, que também é guitarrista, afirma que a matéria enfoca “aspectos negativos da banda e ainda distorcendo informações, desrespeitando a história da banda e os seus integrantes”. Emerson confessa que, antes mesmo de assistir à reportagem, “tinha um sentimento de leve ojeriza em relação à matéria antes da mesma ser efetivamente veiculada, em virtude da linha jornalística das organizações Globo”. E complementa: “No entanto, para minha grata surpresa, a condução, bem como a relativa expertise do repórter, tornaram a exibição interessante e muito menos piegas e clichê do que supostamente eu poderia esperar, em se tratando de ‘Fantástico’ e Ozzy Osbourne conjuntamente envolvidos”. Endossando de certa forma o que foi colocado por Emerson, Leonardo, que também é baterista nas horas vagas, julgou a matéria interessante. Segundo ele, esta “agrada quem é fã como quem não conhece muito bem a banda”. Por outro lado, Sandro se assemelha mais ao posicionamento de Fábio ao discordar das duas opiniões anteriores. De acordo com ele, A matéria exibida pelo Fantástico foi a típica matéria feita por pessoal não qualificado para a mesma, com a habitual falta de informação, sensacionalismo e pouco caso com o público. Pelo menos com o público que teria real interesse por tal matéria. O público “rockeiro” é tratado geralmente com deboche, sempre ressaltando todos os estereótipos possíveis e ajudando a construir uma imagem completamente equivocada (vide o termo “metaleiros”, criado pela

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mesma emissora durante o Rock in Rio22, em 1985). O Black Sabbath tinha acabado de lançar um disco novo com três quartos da formação original, estava prestes a começar uma turnê pela América do Sul, incluindo quatro shows no Brasil, e praticamente nada disso foi abordado na entrevista.

Renan é outro fã da banda que concorda com os posicionamentos de Fábio e Sandro. Segundo o editor de vídeo, “como grande parte das matérias sobre o Rock and Roll/Heavy Metal na Rede Globo, o texto aborda os temas clichês do gênero, como drogas, morte e religião, deixando de lado o principal que é a música”. Rodrigo corrobora as opiniões de Fábio, Sandro e Renan e acrescenta: “[a matéria] parece ter sido feita por quem não gosta e está a fim de dar uma malhada nos caras”. Primeiro não fã confesso a se manifestar sobre a matéria, Roberto crê que a reportagem tem o “selo Globo de Qualidade”. É “superficial, tangencia a importância da banda para o rock and roll, aposta sem exagerar, me parece, nos clichês sobre ela (“ruínas”, “trevas” etc.)”. Resumindo, afirma que é “uma matéria com a tentativa de pegar o fã por cinco minutos sem perder de vista que o público médio do programa e sem intimidade com o tema troque de canal”. Diogo considerou a matéria exibida mero entretenimento, conforme a linha do programa”. Salientou, também, que a reportagem foi exaustiva e poderia ter sido mais curta. Reforçando a opinião mais preponderante, Iara criticou a entrevista.

(...) Foi muito fraca. Não informa. Quem não conhece o grupo, não entende nada. Se o grupo veio a se reunir depois de 35 anos, deveria ser feita uma entrevista mais inteligente, com mais conteúdo. O repórter começou não acreditando no profissionalismo do grupo, lembrou de drogas e fatos que nada acrescentam, nada informam. Hoje, o Ozzy está com 65 anos e merecia uma entrevista melhor.

Corroborando ainda mais a opinião de Iara, Elisa sustenta que, na matéria “sobre uma banda internacional e histórica”, não houve seriedade e, ao mesmo tempo, a reportagem foi irônica. Segundo ela, o resultado final denotou “um desrespeito ao telespectador, que é tratado como um idiota”. Guilherme segue engrossando a opinião que mais se sobressai. De acordo com o professor universitário, o conteúdo exibido consiste em “uma reportagem generalista para um público de massa e procura usar esta retórica do que é mais conhecido ou característico sobre a banda para se comunicar com os públicos”. Corroborando esta opinião, Marco Antonio considerou a matéria repleta de preconceitos. Neste sentido, “adjetivos em abundância devem ter incomodado os fãs da banda. (...) Como se trata de um programa de alta abrangência e formador de opinião, entendo que a notícia poderia ser dada de forma mais imparcial”. Alexandre resume a fala da maioria dos entrevistados ao declarar que “a matéria não informa quase que nada a respeito do assunto e apenas trata de divulgar o evento valendo-se de sensacionalismo”. Partindo dessas considerações, com exceção de Emerson e Leonardo, fãs da banda, os demais entrevistados, tanto os apreciadores quanto os não apreciadores do grupo, contrapõem-se ao discurso do “Fantástico”, o que, segundo Hall (2003), consiste em uma leitura resistente, de oposição. A partir de 22

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suas competências culturais, esses constroem outras possibilidades (alternativas) como contraproposta. Ressaltamos, também, que a mediação religiosa pareceu não influenciar o posicionamento dos integrantes da pesquisa. Independente do credo ou da ausência deste, o fato de o Black Sabbath possuir a fama de satânico não teve relevância na opinião das pessoas23. Outro ponto que merece destaque é o de que, com exceção de Iara, Elisa, Guilherme e Marco Antonio, os demais entrevistados não assistem ao “Fantástico”. Aqueles que assistem, mesmo assim, fazem-no poucas vezes seja “porque eles [Fantástico] dão valor a matérias que não tem nada de Fantástico”, como afirma Iara, ou “quando não tem outra opção”, no caso de Elisa. “De vez em quando (...) em alguns momentos próximos às 22h” ou “eventualmente”, embora agregue pouco e estar cheio de futilidades, são os argumentos de Guilherme e Marco Antonio respectivamente. Abordando, por fim, a possibilidade do uso de elementos sensacionalistas na matéria, novamente Emerson e Leonardo destoam do restante do grupo por não verem qualquer sinal de espetacularização na reportagem. No entanto, desta vez, eles recebem a concordância de Roberto, para quem “não há claramente elementos sensacionalistas na matéria”. Já para aqueles que visualizam elementos sensacionalistas, as opiniões são abundantes. Para Fábio, “em cada uma das respostas dos integrantes da banda já havia um comentário do repórter com conteúdo ridicularizando-os e dando uma visão própria como se fosse uma verdade absoluta como: ‘Ozzy respondeu isso, mas na verdade não é bem assim’. E acrescenta: “Perguntas cretinas como: ‘É o fim do começo ou o começo do fim da banda’, num trocadilho infame ao nome de uma música do novo álbum, sabendo que o Tony Iommi está lutando contra um câncer linfático, foram extremamente agressivas”. “O jornalista poderia ter abordado temas da reunião da banda como o porquê de terem se reunido, quando decidiram etc.”. Esta é a opinião de Renan, que continua: “Mas não, decidiu apresentar para o telespectador o que o vocalista fez durante a sua ausência da banda, e abordando sua conhecida luta pelas drogas e o famoso reality show (...), assuntos sem total relevância (...)”. Ainda sobre a questão da recaída que Ozzy Osbourne teve com as drogas, Rodrigo compara: “quando um ator da Globo aparece falando que está se recuperando da dependência química, os caras dão todo apoio e nunca iriam mostrar que o cara teve uma recaída, colocam sempre com um ar de que se livrar da droga é muito difícil”. No entanto, no caso do vocalista, “parece que o Ozzy é um fracassado mentiroso que não consegue se livrar desse problema”. A insinuação de Pereira Júnior de que roqueiros dormem até tarde, outro ponto (ir) relevante da matéria é apontado por Diogo e Elisa como elementos sensacionalistas. Na mesma linha de raciocínio, Guilherme afirma: “Achei um tanto ‘inocente’ e despropositado o derrame de clichês de roqueiro como a coisa do atraso. É evidente que Ozzy e seus companheiros têm clara noção que precisam ir para a entrevista e responder ao repórter latino-americano (...)”. Alexandre também endossa o uso do sensacionalismo na reportagem. Para ele, esta “parte de aspectos curiosos e inusitados para desenvolver o tema. Aborda, por 23 O mesmo vale para outras variáveis como idade, escolaridade e emprego, as quais parecem não ter influenciado as opiniões dos entrevistados a ponto de provocarem opiniões distintas entre eles.

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exemplo, a personalidade do baixista, o fato de o Ozzy ser sequelado, brigas e processos”, finaliza. Considerações finais É na mídia que, atualmente, encontramos a forma dominante de cultura. Através de um véu sedutor que combina o verbal com o visual, a cultura da mídia – que é a cultura da sociedade – divulga determinados padrões, normas e regras, sugerem o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado; fornece símbolos, mitos e estereótipos através de representações que modelam uma visão de mundo (imaginário social) de acordo com a ideologia vigente. Essa realidade constitui o horizonte social do “Fantástico”: apegado a interesses particulares, que respeitam determinados dogmas, e respirando o ar globalizante que permeia a realidade das empresas de comunicação, o programa dispensa, desta forma, específica modelagem às suas informações. Assim, em que pese o caráter informativo da matéria analisada, o “Fantástico” trava uma relação de cumplicidade com o poder vigente e a manutenção deste, e acaba estabelecendo simbolicamente uma ideologia de mercado em suas produções. Como resultado, na ação figural, o fait divers reina absoluto. Tal cenário é notado pela grande maioria dos entrevistados. De posse de suas competências culturais, fãs e não fãs da banda, os quais possuem idades, escolaridades, profissões e crenças diferentes, enxergam os desvios presentes na produção do “Fantástico” e opõem-se ao discurso da reportagem. Percebem o tom de deboche dos apresentadores e do repórter, o uso de clichês e estereótipos; observam a exploração de informações secundárias como a questão das drogas e as suas consequências nos integrantes da banda. Demonstrando uma postura de país atrasado ao tratar do Black Sabbath – a mesma que o entrevistado Sandro aponta da época da primeira edição do Rock in Rio –, o “Fantástico” informa sem informar. Ao invés de focar as atenções no novo disco e na turnê que passaria inclusive pelo Brasil, a tônica da matéria foi a do superficial baseada na emoção gratuita. Assim, a reportagem abusa da inteligência do receptor. “Informações” líquidas não informam. Se elas buscam somente a emoção de um maior número possível de receptores, no caso analisado, o que obtivemos foi indignação e o clamor dos entrevistados por construções alternativas. E o que seriam essas construções alternativas? Nada mais do que o básico. Simples assim. Referências BARTHES, Roland. Ensaios críticos. Lisboa: Edições 70, 1971. BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004. CRUZ, Fábio Souza. A cultura da mídia no Rio Grande do Sul: o caso MST e Jornal do Almoço. Pelotas: EDUCAT, 2006. DIMERY, Robert. 1001 discos para ouvir antes de morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.

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ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damboriarena. Os estudos culturais. In HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga (orgs.) Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, 2001. HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. In Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v.24, 1996, p.68-76. HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003. IOMMI, Tony. Minha jornada com o Black Sabbath. São Paulo: Planeta, 2013. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001. LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. Muito além do Jardim Botânico. São Paulo: Summus, 1985. LOPES, Maria Immacolata Vassalo de; BORELLI, Silvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002. MARTÍN-BARBERO, Jesús. América latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In SOUZA, Mauro Wilton de (org.) Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. MATTELART, Armand e MATTELART, Michele. O carnaval das imagens. A ficção na TV. São Paulo: Brasiliense, 1989. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa. Buenos Aires: Universidad Nacional de La Plata, 2000. OSBOURNE, Ozzy. Eu sou Ozzy. São Paulo: Saraiva, 2010. RAMOS, Roberto. Anotações de sala de aula. Porto Alegre: PUCRS, 1999. REY, Leopoldo e PHILIPE, Gilles. Livro negro do rock. O dicionário do heavy metal. São Paulo, Somtrês, 1984. SIMÕES, Inimá. Nunca fui santa (episódios de censura e autocensura). In BUCCI, Eugênio. A TV aos 50: criticando a televisão no seu cinqüentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. SOUZA, José Carlos Aronchi de. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus, 2004. WOLTON, Dominique. Elogio do grande público. Uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 1996. Outras fontes consultadas: Internet: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/07/ozzy-osbourne-cumpre-promessa-e-volta-ao-brasil-com-black-sabbath.html http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-247251,00. html https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/5955/1/LilianMota.pdf http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/Artigo3%20Everardo%20Rocha%20 e%20Bruna%20Aucar%20-%20pp%2043-60.pdf

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http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/ view/12902/8607 Sobre os autores: Fábio Cruz é pós-doutor em Direitos Humanos, Mídia e Movimentos Sociais (Universidade Pablo de Olavide – Sevilha/Espanha). Doutor em Cultura Midiática e Tecnologias do Imaginário (PUCRS). Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). e-mail: [email protected]

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Recepção audiovisual: as significações sobre a América Latina na Catalunha a partir da série Presidentes de Latinoamérica Rafael FOLETTO Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS RESUMO: Busca-se compreender as apropriações, usos, recusas e contextos de inter-relação de sujeitos comunicantes com a série de entrevistas Presidentes de Latinoamérica, no sentido de compreender que significações sobre América Latina constroem a partir do contato com o material visual, bem como através das suas vivências e trajetórias midiáticas e pessoais. Para tanto, realiza-se vídeo/conversas com interlocutores residentes na Catalunha (Espanha), enquanto atividade de pesquisa exploratória de recepção audiovisual. PALAVRAS-CHAVE: América Latina; recepção audiovisual; sujeitos comunicantes; Apontamentos iniciais A investigação que estamos realizando tem como objeto imediato da pesquisa o programa de televisão Presidentes de Latinoamérica, procura-se investigar a inter-relação de sujeitos comunicantes com esse material audiovisual, a partir das vivências, reflexões, pensamentos e percepções acionadas pela memória midiática e experiências vividas pelos informantes. Ainda, busca-se atentar para as demais mediações presentes em seus relatos, visando compreender que sentidos produzem sobre o panorama latino-americano a partir dos vídeos. Desse modo, tem-se como principal objetivo da pesquisa – investigar o conjunto de entrevistas Presidentes de Latinoamérica, analisando a inter-relação entre as mensagens construídas pelos vídeos e a produção de sentidos e apropriações realizadas por sujeitos comunicantes referentes à América Latina midiatizada. Sendo assim, no desenvolvimento da investigação, busca-se uma construção teórico-metodológica que possibilite colocar em perspectiva conceitos e abordagens que ficariam incompletos se ancorados em apenas um único ponto do processo comunicacional. E, da mesma forma, possibilitando a utilização de

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diferentes técnicas para a análise do problema-objeto de pesquisa. Ainda, segundo Maldonado (2006, p. 279), na pesquisa no âmbito das Ciências da Comunicação, “o empírico é imprescindível se considerarmos os sistemas, estruturas e campos midiáticos como um referente central dos problemas de conhecimento para a nossa área”. Desse modo, o presente texto traz considerações a partir da realização de um movimento de pesquisa exploratória, ocorrida durante o estágio de Doutorado Sanduíche no exterior na Universitat Autònoma de Barcelona1, aproximando-se de espaços significativos de discussão, problematização e reflexão da temática audiovisual, como universidades, centros culturais e cineclubes, aproveitando que a cidade de Barcelona apresenta como um das suas principais características a multiculturalidade, abrigando um grande número de migrantes oriundos de diversos países, sobretudo da América Latina, o que pode ser evidenciado em investigações como a de Brignol (2010). Dessa forma, inicialmente, procurou-se mapear, explorar e aproximar-se desses espaços, para posteriormente eleger e definir aqueles que se apresentam mais significativos para os objetivos da pesquisa. Assim, em outro momento, após se observar de maneira mais aprofundada os espaços escolhidos, realizou-se a pesquisa com sujeitos, por meio de vídeo/conversas com os interlocutores distintos. Nessa atividade, buscam-se os sentidos produzidos, os usos e as apropriações realizadas pelos sujeitos, como também as mediações relevantes no processo de inter-relação com o conjunto audiovisual investigado. A vídeo/conversa, enquanto procedimento técnico metodológico permite registrar apropriações a partir das interações de cada sujeito com os fragmentos audiovisuais. Igualmente, possibilita a observação de falas, gestos e sonoridades que constituem os fluxos de apreciações dos materiais simbólicos (MALDONADO, 2001). Nesse sentido, buscou-se problematizar o processo comunicacional de construção simbólica da América Latina, a partir do produto audiovisual e das falas, pensamentos, compreensões e visões de mundo dos interlocutores, no caso, sujeitos comunicantes residentes na região da Catalunha (Espanha), a partir da realização de vídeo-conversas, de modo a enriquecer a compreensão da problemática da investigação. A dimensão do produto – o programa Presidentes de Latinoamérica Motivada por um edital aberto pelo canal Encuentro, para o financiamento de projetos audiovisuais, a pequena produtora argentina Occidente Producciones propôs a realização de uma série de entrevistas com os novos presidentes da América Latina. Essa proposta acabou vencendo o edital e, para o desenvolvimento do projeto, além do financiamento do canal público, a produtora contou com o apoio do Sindicato de Trabajadores de la Propriedad Horizontal (SUTERH), Sindicato de Docentes Particulares (SADOP), Banco Credicoop, TELECOM, Fundación Sangari, Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). 1

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Realizado entre julho 2013 e março 2014. Artigos Completos

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A série de reportagens Presidentes de Latinoamérica tem no seu centro os presidentes de diversos países do continente. Exibida em televisões públicas e estatais de diversos países latino-americanos (incluindo o Brasil, através da TV Brasil e da NBR) no sistema comunicativo multiestatal TeleSUR e, disponível na internet2, o conjunto de quatorze vídeos, com aproximadamente uma hora cada, teve como objetivo compreender o cenário atual da América Latina, a partir das entrevistas, declarações e falas dos chefes de Estado da região, que apresentam as suas construções e visões sobre a época, as possibilidades de mudança e, inclusive, suas vidas privadas e trajetórias pessoais. O programa Presidentes de Latinoamérica traz entrevistas presenciais com doze Chefes de Estado da região3, apresentando relatos autobiográficos e algumas reflexões dos principais líderes da América Latina, expondo os pontos interessantes para compreender os sofrimentos, as conquistas e as esperanças dos habitantes da região (FILMUS, 2010). As entrevistas dos presidentes permitem não apenas conhecer as origens, lutas, sonhos e pensamentos dos homens e mulheres que chegaram ao governo em seus países, nos primórdios do século XXI, mas também o contexto contemporâneo da região. Cabe ressaltar que as entrevistas tiveram a condução de Daniel Filmus, ministro da Educação do governo de Néstor Kirchner e atual senador pela província de Buenos Aires. Filmus se integrou a equipe da Occidente Producciones para elaborar os roteiros de perguntas e, para realizar o processo de pesquisas sobre a vida e a trajetória de cada um dos presidentes entrevistados e, sobre a conjuntura de cada um dos países retratados. Igualmente outros elementos da série merecem destaque, como o argumento que entrelaça os diálogos face a face dos presidentes com outras vozes e o manejo das fotografias e imagens e do som, conferindo um tom emotivo as falas dos Chefes de Estado. Desse modo, Presidentes de Latinoamérica se mostra pertinente, sobretudo, por apresentar um panorama de mudanças no horizonte da região, servindo de referencial não apenas para compreender os avanços, conquistas e realizamos dessas novas lideranças, mas também para entender as dificuldades e sofrimentos derivados desse processo. Enfim, a série se apresenta como um significativo registro dessa época de mudanças na América Latina, Marcando, no panorama da região, uma trilha “de passagem de uma situação de subserviência neocolonial para uma fase de estruturação de instituições multinacionais latino-americanas, que formulam suas principais estratégias de vida democrática e de reconstrução de mercados” (MALDONADO, 2012, p. 10). Ainda, observa-se nesse produto midiático um processo comunicacional complexo que imbrica características, elementos e linguagens do documentário, da televisão e do jornalismo. Igualmente, esses vídeos fazem circular e convergir 2 Disponível no site: . Também pode ser encontrado através de buscas no Youtube. 3 Os doze presidentes entrevistados na série foram: Álvaro Uribe Vélez, da Colômbia; Cristina Elisabet Fernández de Kirchner, da Argentina; Daniel Ortega, da Nicarágua; Evo Morales Ayma, da Bolívia; Fernando Armido Lugo Méndez, do Paraguai; Hugo Rafael Chávez Frías, da Venezuela; José ‘Pepe’ Mujica, do Uruguai; Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil; Michelle Bachelet, do Chile; Óscar Rafael de Jesús Arias Sánchez, da Costa Rica; Rafael Vicente Correa Delgado, do Equador; e Tabaré Ramón Vázquez Rosas, do Uruguai.

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os seus conteúdos para outros formatos, suportes e tecnologias, como a internet. E, também, movimentando-se para outros ambientes que não o midiático, gerando debates e interações no espaço público, bem como nas significações de sujeitos comunicantes (MATA et al., 2009), mediadas por suas memórias, história de vida midiática e visões de mundo. Compreende-se que desse modo é possível investigar a série audiovisual, abrangendo as várias dimensões do processo comunicativo, bem como as distintas mediações que perpassam esse processo. Sabe-se que a exploração da dimensão audiovisual no espaço latino-americano é significativa e possui uma riqueza histórica, técnica e estética que fomenta direta ou indiretamente as produções contemporâneas. Inclusive a estratégia dos realizadores de Presidentes de Latinoamérica de se nutrir e utilizar imagens e frames de outros vídeos, filmes e documentários denota essa memória social da produção audiovisual regional na construção das trajetórias midiáticas dos sujeitos comunicantes na América Latina. Enfim, busca-se a construção de uma problematização sobre a inter-relação da presença da dimensão audiovisual na construção da cultura midiática dos sujeitos, levando em consideração a permeabilidade, sofisticação e diversidade dos meios de comunicação latino-americanos. Compreende-se a dimensão audiovisual como um processo durante o qual se apresentam, interpretam-se, comparam-se, discutem-se e negociam-se significados sobre diversos aspectos da vida quotidiana e do mundo social (BUONANNO, 2006; GUTIÉRREZ ALEA, 1984; LORITE, 2010). Nesse sentido, interessa-se na problematizações referentes a dimensão do produto, por perspectivas teóricas e metodológicas que problematizam a temática audiovisual enquanto linguagem complexa, buscando compreender a dimensão audiovisual como um processo “durante el cual se presentan, se interpretan, se comparan, se discuten, se negocian significados sobre diversos aspectos de la vida cotidiana y del mundo social” (BUONANNO, 2006, p. 78-79), possibilitando investigar os contextos, características e significados que compõem um determinado produto midiático. A dimensão dos sujeitos – inter-relações entre comunicação e cultura Problematizar a comunicação a partir da cultura – programa de pesquisa elaborado por Martín-Barbero (2008) – pressupõe não centralizar a observação nos meios em si, mas abrir a análise para as mediações. Em outros termos, significa deslocar os processos comunicativos para o denso e ambíguo espaço da experiência dos sujeitos, localizada em contextos sócio-históricos particulares. Em síntese, o desenvolvimento de uma teoria das mediações implicou em um distanciamento de concepções de comunicação midiocêntricas. Assim, Martín Barbero desea comprender cómo se constituye la cultura de masas. La aborda desde el punto de vista de los sujetos y de las mediaciones que son procesos que él sitúa en el punto de articulación entre las prácticas de comunicación y los movimientos sociales. Para él, la mediación es una instancia cultural a partir de la cual el público de los medios produce, al apropiárselos, el sentido del proceso de comunicación. (OLLIVIER, 2008, p. 127).

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Martín-Barbero (2008) pensa a cultura como âmbito estratégico para estudar os processos de comunicação. Desse modo, torna-se necessário compreender as práticas midiáticas no sentido de fomentadoras de relatos que produzem cenários de diferenças culturais, sociais e políticas inerentes à contemporaneidade. Pois, através do incremento dos sistemas de informação e comunicação aparece um novo olhar para problematizar os processos culturais. Tal concepção ficou conhecida como cultura midiática (MATA, 1999), apresentando-se como uma noção em constante transformação, as culturas, dessa forma, reclamam novas maneira de conceituação e análise. Deixando de residirem entre fronteiras fixas e passando a serem constantemente construídas, difundidas e transformadas. Da mesma forma, preocupados com a questão da cultura Armand e Michèle Mattelart (1989), buscam construir uma nova definição da noção de sujeitos, ancorados em uma ótica centrada na política e na cultura popular. Assim, esse processo de construção da visão dos indivíduos, necessitaria surgir de um entendimento aprofundado dos grupos sociais e das comunidades que constituem a sociedade a qual o pesquisador lança a sua análise. Pois, para os autores, as experiências pessoais se constituem em experiências sociais. Assim, a dimensão dos sujeitos é entendida como perspectiva teórica integradora do processo comunicacional e como o momento privilegiado da produção de sentido. Porém, Mattelart e Neveu (2004) enfatizam que também é necessário atentar para a questão da produção. Assim, a ideia é a de termos uma observação interdisciplinar, ampla da realidade que, derivando da abordagem trazida pelos autores, pode ser compreendida como um processo social em fluxo. Igualmente, para Lopes, Borelli e Resende (2002, p. 39), a pesquisa com sujeitos diz respeito a “uma tentativa de superação dos impasses a que tem nos levado a investigação fragmentadora e, portanto, redutora do processo de comunicação, em áreas autônomas de análise: da produção, da mensagem, do meio e da audiência”. Dessa forma, é imprescindível para um pesquisador desenvolver um olhar metodológico sensível, atento às polaridades, às competências, aos agires, aos sentidos, às lógicas, às visões de mundo dos indivíduos e grupos humanos. Trata-se de uma concepção que centra as suas análises, na observação do papel dos meios no cotidiano dos sujeitos sociais, desenvolvendo principalmente estudos de recepção, mais especificamente da mídia e de programas televisivos de apelo popular. Sendo assim, observa-se a pertinência de ampliar a problematização sobre a dimensão dos sujeitos, compreendendo as reconfigurações trazidas pelas tecnologias de comunicação, que inter-relacionam os róis de receptor e produtor, gerando novas formas de produção de sentido (FAUSTO NETO, 2010). Igualmente, demostrando a necessidade de compreender os atores sociais enquanto sujeitos comunicantes, pois, “as novas formas de narrativa que a internet propõe revitalizam hoje um desejo não alcançado com os meios tradicionais: a formação de leitores críticos” (CORVI DRUETTA, 2009, p. 49). Desse modo, considerando as competências dos interlocutores enquanto leitores, colaboradores e fruidores, através de depoimentos, opiniões, relatos, vivências, manifestações e expressões. Para Mata et. Al. (2009, p. 184), trata-se de “un particular agrupamiento

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social que se produce a partir de la interacción individual con un conjunto de interpelaciones mediáticas y que confiere rasgos identitarios según el modo en que ellas se experimentan”. Enfim, importar adentrar na dimensão dos sujeitos, ou seja, compreender o contexto que o permeia e o configura. Observando, então, as sociabilidades que se formam, os usos que se fazem dos meios e a diversidade de matrizes culturais. Torna-se necessário, desse modo, compreender o caráter múltiplo dos atores sociais, trazendo a necessidade de adoção de estratégias teóricas e metodológicas que permitem investigar o processo comunicacional desses sujeitos, em contato com um produto midiático, de forma ampla. Enfim, busca-se a partir da inter-relação dos sujeitos com o midiático, ver processo gerado, por exemplo, pesquisar como um produto midiático desencadeia processos de significações sobre a América Latina nos relatos de sujeitos comunicantes. Compreendendo que esse processo que é atravessado por outras vivências e mediações, aspectos os quais, também precisam ser problematizados. Recepção audiovisual – pesquisa exploratória com sujeitos comunicantes Com o objetivo de compreender as apropriações realizadas por uma diversidade de sujeitos em relação a América Latina midiatizada pela série de entrevistas Presidentes de Latinoamérica, torna-se necessário a realização de processualidades de pesquisa exploratórias do contexto investigado, que segundo Bonin (2006, p. 35), “implica um movimento de aproximação à concretude do objeto empírico (fenômeno a ser investigado) buscando perceber seus contornos, suas especificidades, suas singularidades”. Tal dinâmica mostra-se pertinente ao trazer novos encaminhamentos, pistas, dados, à construção do problema de pesquisa, bem como, auxiliando a fundamentar opções teóricas e metodológicas, a exemplo da definição do corpus de análise. Para tanto, utilizou-se como procedimento metodológico principal a vídeo/conversa. Acredita-se que essa processualidade se apresenta como relevante para a compreensão da produção de significações tanto individuais, sobretudo ao detalhar qualitativamente pensamentos, opiniões, sentimentos, emoções, atitudes em um ambiente de diálogo e debate sobre aspectos e elementos relativos ao produto investigado, bem como em relação aos objetivos da investigação. Ainda, a vídeo/conversa, enquanto procedimento técnico metodológico permite registrar apropriações a partir das interações de cada sujeito com os fragmentos audiovisuais. Igualmente, possibilita a observação de falas, gestos e sonoridades que constituem os fluxos de apreciações dos materiais simbólicos. Aproveitando o estágio de doutorado no exterior, na Universitat Autònoma de Barcelona, buscou-se o diálogo com interlocutores residentes na Catalunha. Para tanto, buscou-se a aproximação de diferentes espaços em Barcelona (universidades, cineclubes, associação de bairro, coletivos culturais, etc.) nos quais a temática audiovisual fosse tratada. Desse modo, chegou-se a três cenários propícios para a realização de atividades de pesquisa exploratória, a saber, Casa América, Centro Cultural do Brasil em Barcelona (CCBB) e Espai Avinyó. Após observação, visita e conversa com representantes desses três espaços,

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optou-se em focar no último, em virtude de oferecer cursos de língua catalã, frequentado por migrantes oriundos de diversos países. Em um segundo momento, selecionamos uma das escolas nas quais são ministradas as aulas de catalão, apresentamos sinteticamente a investigação para os estudantes e deixamos um contato para que os interessados em participar da pesquisa se manifestassem. Desse modo, tivemos três voluntários com quais realizamos uma vídeo/ conversa individual, uma psicóloga uruguaia de 32 anos, um músico argentino de 40 anos e uma jornalista suíça de 31 anos. A atividade na exibição de um dos episódios de Presidentes de Latinoamérica, escolhido pelo interlocutor e, logo após, realizou-se um dialogo com o participante, debatendo as suas impressões sobre o conteúdo do vídeo, por meio de um roteiro composto de três questões abertas, a saber, O vídeo te dá elementos para pensar a América Latina? Quais são estes elementos? Que América Latina pode ser pensada a partir do vídeo? Do ponto de vista técnico, quais são as principais características estéticas que você apontaria como sintomáticas do vídeo, responsáveis por chamar a sua atenção? Se você fosse o diretor do filme, você faria algo diferente? O que seria eventualmente mantido, acrescentado, ou modificado? Parâmetros os quais serão problematizados na sequencia. Em geral, os interlocutores observaram que o episódio o qual assistiram não apresenta a realidade da região de forma ampla, pelo contrário, retrata a América Latina de forma homogênea e, com isso, perde a diversidade que caracteriza os povos latino-americanos. Nesse sentido, em relação ao episódio sobre o presidente do Uruguai José “Pepe” Mujica, a interlocutora uruguaia destacou que apareceram poucos “sujeitos que representem o país”. Para ela seria necessário adicionar mais vozes, mais rostos de cidadãos, de pessoas comuns, falando sobre o momento do país, a gestão do presidente e o que mudou ou não em suas vidas. Ainda, para os dois informantes nascidos na América Latina, o vídeo, embora possua boa qualidade estética e de produção e montagem, ao utilizar planos externos, mostra imagens que são comuns em outros meios de comunicação na região, como os principais pontos turísticos de cada país, a exemplo da Praça de Maio na Argentina. Ainda, o informante argentino questiona a narrativa sonora utilizada para apresentar o episódio sobre a presidenta Cristina Fernández, “porque sempre que se fala em Argentina tem que se utilizar o tango?” Já a entrevistada de origem europeia, destacou as imagens de arquivo utilizadas na construção do episódio, sobretudo as que apresentavam acontecimentos relacionados as ditaduras latino-americanas, período conflitivo da história regional que ela não tinha muitas referências. Os entrevistados compreenderam que a produção audiovisual se constitui como um interessante material para compreender as trajetórias pessoais e políticas dos presidentes entrevistados. Destacando o formato de depoimento pessoal, no qual pouco intervém a figura do entrevistador, deixando o entrevistado livre para apresentar os seus pensamentos, considerações e reflexões sobre o momento histórico da América Latina, as suas ações de governo e, inclusive, suas vidas privadas e o seu cotidiano enquanto Chefe de Estado. Contudo, a interlocutora uruguaia adicionaria mais tensões nas perguntas, como forma de

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ampliar a discussão sobre América Latina pretendida pelo vídeo, mas ressalta que compreende que por se tratar de uma produção ligada a televisões públicas se pressupõem um tratamento mais amigável com os presidentes, ainda, faz a ressalva que por outro lado, em geral os meios de comunicação da América Latina fazem duras críticas a esses governos, muitas vezes assumindo um papel de opositor dessas lideranças políticas. Assim, faz a observação que muitas vezes a população não fica bem informada sobre as ações dos governos, as mudanças que promovem e as dificuldades que enfrentam na gestão do país. Da mesma forma, o entrevistado argentino afirmou ter agradado a forma como a presidenta foi retratada, mostrando-a de maneira natural, fato que pode ser evidencia por ela ter se apresentado tranquila na entrevista, falando bastante, de forma contextualizada e analítica sobre o panorama do país e da América Latina, demostrando ter conhecimento sobre o cenário contemporâneo da região. Igualmente a entrevistada Suíça também destacou a fala da presidente argentina sobre o contexto atual da América Latina, enfatizando os esforços de aproximação entre os atuais governantes da região. Acredita-se que essa pesquisa exploratória de recepção audiovisual com a técnica do vídeo/conversa se apresentou como significativa para as processualidades metodológicas da investigação, ao colocar em perspectiva vozes, opiniões, problematizações e diálogos de uma diversidade de sujeitos comunicantes, discutindo elementos e aspectos do contexto latino-americano, inter-relacionados com o vídeo que assistiram, oferecendo, desse modo, diferentes ângulos, abordagens, discursos e significações sobre a temática problematizada. Conclusão Observa-se a necessidade de abordar a problemática midiática em seus principais momentos – produção, textos/discursos, leituras e culturas vividas – dedicando especial atenção às relações estabelecidas entre esses âmbitos e aos desdobramentos decorrentes deles. Sobretudo, no que diz respeito a questão da recepção, entendida por Mattelart e Neveu (2004) como o momento privilegiado da produção de sentido. Desse modo, percebe-se que a experiência de participação no MIGRACOM – Observatório e Grupo de Pesquisa de Migração e Comunicação da UAB se apresentou como significativa na construção da tese, no sentido de experimentar metodologias e debater questões centrais para o campo da Comunicação, sobretudo, ao observar-se que as práticas metodológicas do grupo priorizam a ampla observação e análise do processo comunicacional, interpretando-o através de três pontos fundamentais, a saber, a produção dos discursos, a emissão ou as mensagens difundidas e, a recepção (LORITE, 2010). Ainda, compreendo que a sociedades contemporâneas estão marcadas pela interculturalidade, tornando-se necessária uma problematização complexa das suas práticas e processos, buscando, para tanto, confluências metodológicas em termos de entrecruzamentos fecundos de lógicas, conteúdos e estruturações concretas. Sendo assim, compreende-se que a realização de diálogos com diversos interlocutores residentes em Barcelona possibilitou dimensionar e analisar

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as apropriações, usos, recusas e contextos de inter-relação com o conteúdo da produção audiovisual problematizada, no sentido de compreender que sentidos sobre a América Latina constroem a partir do contato com o material visual, bem como através das suas vivências e trajetórias midiáticas e pessoais. Ainda, as reflexões apontam para a relevância do âmbito audiovisual na constituição da cultura e da cidadania latino-americana, de modo a proporcionar aos sujeitos uma informação que lhes permita dialogar, conversar, exigir e debater sobre o que lhes diz respeito. Compreendendo os desafios e as potencialidades de experiências que acontecem nesse contexto, igualmente, as relações que promovem com o público, bem como as formas de fruição e circulação das diversas produções audiovisuais. Referências BONIN, Jiani. Nos bastidores da pesquisa: a instância metodológica experienciada nos fazeres e nas processualidades de construção de um projeto. In: MALDONADO, Alberto Efendy et al. Metodologias de Pesquisa em Comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Editora Sulina, 2006, p. 21-40. BRIGNOL, Liliane Dutra. Migrações transnacionais e usos sociais da internet: identidades e cidadania na diáspora latino-americana. 2010. 404 f. Tese (Doutorado) - Unisinos, São Leopoldo, 2010. BUONANNO, Milly. El drama televisivo: identidad y contenidos sociales. Barcelona: Gedisa, 1999. CORVI DRUETTA, Delia. Internet, a aposta na diversidade. In: FRAGOSO, Suely; MALDONADO, Alberto Efendy. Internet na América Latina. São Leopoldo/Porto Alegre: Unisinos/sulina, 2009. p. 41-58. FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. Paper. Apresentado no colóquio “Mediatización, sociedad y sentido”. Convênio Capes/Myncr. Agosto/2010. Universidade Nacional de Rosário, Argentina. FILMUS, Daniel. Presidentes: voces de América Latina. Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara, 2010. GUTIÉRREZ ALEA, Tomás. Dialética do Espectador. São Paulo: Summus Editorial, 1984. LOPES, Maria Immacolata Vassalo, BORELLI, Silvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002. LORITE, Nicolás. Televisión informativa y modelos de dinamización intercultural. In: Martínez Lilora, Maria (ed.). Migraciones, discursos e ideologías en una sociedad globalizada: claves para su mejor comprensión. San Fernando: Instituto Alicantino de Cultura Juan Gil-Albert, 2010, p. 19-42. MALDONADO, Alberto Efendy . Práxis teórico/metodológica na pesquisa em comunicação: fundamentos, trilhas e saberes. In: MALDONADO, A. Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do. (org.). Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 271-294. ______. Teorias da Comunicação na América Latina: enfoques, encontros, apro-

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priações da obra de Verón. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2001. ______. América Latina, cidadania comunicativa e subjetividades em transformação: configurações transformadoras em uma época de passagem. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25., 2012, Fortaleza. Anais... . Fortaleza: Intercom, 2012. MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. MATA, Maria Cristina. De la cultura masiva a la cultura midiática. In: Diálogos de la comunicación, Lima: FELAFACS, out. 1999, p. 80-90. MATA, María Cristina et al. Ciudadanía comunicativa: aproximaciones conceptuales y aportes metodológicos. In: PADILLA, Adrián e MALDONADO, Alberto Efendy. Metodologías transformadoras: tejiendo la Red em Comunicación, Educación, Ciudadanía e Integración em América Latina. Caracas: Fondo editorial CEPAT/UNESR, 2009. MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. O carnaval das imagens: a ficção na TV. São Paulo: Brasiliense, 1989. MATTELART, Armand & NEVEU, Érik. Introdução aos estudos culturais. São Paulo: Parabola, 2004. OLLIVIER, Bruno. Medios y mediaciones. In: Revista Anthropos: Huellas del Conocimiento, nº 219, p. 121-131, 4/2008.

Sobre os autores: Rafael Foletto é doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Linha de Pesquisa Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

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O ritual da assistência do Jornal Nacional em famílias de classe popular Tissiana NOGUEIRA PEREIRA Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Resumo: O objetivo do texto é refletir sobre os usos e as apropriações do telejornal por famílias de classe popular, a partir da mediação ritualidade (Martín-Barbero, 1990, p. 11-13). O eixo teórico desse artigo é a Teoria das Mediações de Martín-Barbero (1987) e a perspectiva de classe social de Pierre Bourdieu (2006). A metodologia é a etnografia crítica da recepção proposta por Ronsini (2010, p. 2). A amostra é composta por três famílias de classe popular, seguindo os critérios de Quadros e Antunes (2001), residentes da Vila Renascença, na região Oeste de Santa Maria. Observou-se que o ritual de assistência do Jornal Nacional configura-se de diferentes maneiras nas três casas e mesmo assim é possível apontar algumas recorrências, principalmente quanto à importância do telejornal para as famílias, os tipos que reportagens que mais despertam interesse dos informantes e ainda a configuração do espaço doméstico durante o horário de exibição do telejornal. Palavras-chave: Recepção; Telejornal; Ritualidade; Classe Popular; Etnografia Crítica da Recepção. Considerações iniciais O objetivo do artigo é investigar o ritual de assistência do telejornal Jornal Nacional por três famílias de classe popular. De acordo com a primeira “Pesquisa Brasileira de Mídia – Hábitos de consumo de mídia pela população brasileira”1, divulgada em fevereiro deste ano e encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, 97% da população brasileira assiste à televisão e 76% ainda utilizam-na como principal veículo de comunicação, independente de gênero, idade, renda, nível educacional ou localização geográfica. A mesma pesquisa revelou que os telejornais são considerados, em maior proporção, como a programação televisiva mais relevante, com percentual de 80%. E o telejornal mais citado é o Jornal Nacional da Rede Globo, veiculado de 1 Pesquisa Brasileira de Mídia – Hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Fevereiro de 2014. http://de.slideshare.net/BlogDoPlanalto/pesquisa-brasileira-de-mdia-2014

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segundas aos sábados, com percentual de 45%, sendo que o segundo citado atingiu um percentual de 16%. Esta importância do telejornal para os brasileiros também é ressaltada por Vizeu (2008, p. 12) quando afirma que “o telejornalismo representa um lugar de referência para os brasileiros muito semelhante ao da família, dos amigos, da escola, da religião [...]”. Essa relevância é dada pelo fato de que, através do telejornal, as pessoas se sentem informadas do que está acontecendo não só na sua cidade, mas no seu estado, seu país e também no mundo. O autor afirma que o telejornal é relevante para a construção social da realidade e causa uma sensação de segurança, em função do sentimento que as pessoas têm de estarem informadas do que acontece no mundo. O momento de assistência do Jornal Nacional já faz parte da rotina de inúmeros telespectadores e famílias brasileiras, já que, desde a sua criação, em 1969, o telejornal vem exercendo a função de rito temporal doméstico porque “para grande parte dos brasileiros, marca o momento do jantar, da família reunida, momento de se inteirar sobre os fatos do dia” (HAGEN, 2009, p. 61). Neste trabalho elegemos como eixo teórico a Teoria das Mediações de Martín-Barbero (1987), através do recorte da mediação ritualidade. Ela implica considerar a experiência de vida dos sujeitos: a classe social, a educação, a etnia, o gênero e as tradições familiares. Além disso, utilizamos a perspectiva de classe social com base em Pierre Bourdieu (2006), em que esta é importante para definição da posição ocupada pelos atores no espaço social e para a compreensão do mundo em que se vive. Nesse artigo então, analisamos o ritual de assistência do Jornal Nacional, confrontando o empírico e o teórico a fim de refletir sobre os usos e as apropriações de tal telejornal a partir da mediação ritualidade. Os dados para esse texto são um recorte de uma etnografia crítica da recepção2 realizada durante oito meses em três famílias de classe popular, seguindo os critérios de Quadros e Antunes (2001)3, na Vila Renascença, na região Oeste de Santa Maria4. A medição ritualidade de Martín-Barbero O processo de recepção deve ser estudado a partir da problematização do contexto social e cultural em que está inserido. A cultura não pode ser pensada separada das suas relações com a sociedade. Isso porque para Martín-Barbero a recepção não é apenas o momento em que se está assistindo a televisão, mas um processo que ocorre anterior e posterior a essa ação, por isso, deve ser analisada dentro de um espaço mediado. Assim define, “é parte tanto de processos subjetivos quanto objetivos, de processos micro, controlados pelo 2 Caracterizada como: “a) o conhecimento construído a partir da descrição do contexto espacial e temporal que determina a apropriação dos meios de comunicação, isto é, a apreensão do sentido possível que os atores sociais dão às práticas sociais e culturais produzidas na relação com os meios de comunicação tecnológicos; b) a etnografia é crítica porque visa revelar e compreender a reprodução social e não apenas a capacidade criativa das audiências em resistir à dominação” (Ronsini, 2010, p. 2). 3 Definida mediante a metodologia da estratificação sócio ocupacional, na qual a família é classificada a partir do membro melhor situado economicamente. 4 Esse artigo é um recorte da dissertação da autora que está em andamento.

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sujeito, e macro, relativos a estruturas sociais e relações de poder que fogem ao seu controle” (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 14). Por isso que cada sujeito lê e interpreta as mensagens dos meios de comunicação de acordo com sua vivência na sociedade. Então, as medições estão inseridas nas práticas sociais cotidianas dos sujeitos e são os lugares que estão entre a produção e a recepção. Las mediaciones son ese lugar desde donde es posible compree: ló que se produce en la televisión no responde unicamente a requerimientos del sistema industrial y a estratagemas comerciales sino tambíén a exigencias que vienen de la trama cultural y los modos de ver (MARTÍN-BARBERO, l992. p.20).

Estudar a comunicação sob a perspectiva das mediações significa entender que entre a produção e a recepção existe um espaço em que a cultura cotidiana se concretiza. Martín-Barbero (1987) sugere três lugares de mediação que interferem e alteram a maneira como os receptores recebem os conteúdos midiáticos, sobretudo a televisão: a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural5. Porém, em De los medios a las practicas (1990), Martín-Barbero sugere que esses três lugares de mediação sejam transformados em três dimensões: sociabilidade, ritualidade e tecnicidade. O autor passa a falar em mediações comunicativas da cultura: A presença dos meios na vida social, não em termos puramente ideológicos, mas como uma capacidade de ver além dos costumes, ajudando o país a se movimentar. Isso me leva a dar mais um passo, junto com a aparição massiva, em meados de 1990, do computador e do que veio rapidamente com ele. Inverto meu primeiro mapa e proponho as “mediações comunicativas da cultura”, que são: [...]. E, finalmente, as novas “ritualidades” que acontecem em relação aos novos formatos industriais possibilitados pela tecnicidade (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 151-152).

Porém, de acordo com Ronsini (2011), Martín-Barbero não relaciona essas dimensões com as primeiras propostas, mas afirma que “a primeira proposta das mediações, formulada em ternos de cotidianidade familiar, temporalidade social e competência cultural, está imbricada e pode ser absorvida nas noções de ritualidade e de socialidade” (RONSINI, 2011, p. 83-84). A ritualidade “se refere aos diferentes usos sociais dos meios e aos diferentes trajetos de leitura” (RONSINI, 2010, p. 9). A autora ainda afirma que esses trajetos de leitura estão associados à qualidade de educação, memória étnica, de classe, de gênero e aos costumes familiares no que diz respeito à cultura letrada, oral ou audiovisual. Tal mediação relaciona-se com os modos do receptor de ver e de ler o que está sendo veiculado na mídia, assim, “a ritualidade constitui-se a partir dos processos midiáticos” (RONSINI, 2011, p. 88). A ritualidade está relacionada com a maneira com que a mídia está inserida na rotina, no cotidiano dos receptores, assim, “com a ação da repetição baseada nas regras que tornam possível a expressão do sentido” (RONSINI, 2011, p. 84). Assim, esta mediação pode ser constituída de acordo com os usos que os receptores fazem dos meios técnicos comunicacionais e “contribuem igualmente para definir as identidades do receptor, definições (móveis e transitórias) 5

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Ver Martín-Barbero (1987, p. 290-301). Artigos Completos

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de si mesmo e de pertencimento coletivo” (RONSINI, 2011, p. 91). A ritualidade, quando estudada a partir da recepção de telejornal, pode ser analisada no momento da assistência do programa com as famílias informantes. É nesse momento que se pode apreender como os integrantes assistem o telejornal, com que frequência o fazem, se isso acontece paralelamente à outras atividades, quais integrantes mais interessados no programa e onde fica localizada a televisão da casa. Além disso, é possível captar os trajetos de leitura do telejornal pelos receptores, ou seja, a importância do telejornal na vida dos informantes, o que comentam sobre o telejornal e quais reportagens chamam mais atenção. A classe social A relevância em considerar a classe social é pelo fato do Brasil ser um país em que a desigualdade social é evidente, havendo uma grande concentração de riqueza por uma parte pequena da sociedade e uma grande desigualdade na distribuição de renda. Segundo Quadros (2008, p. 2), a classe popular compõe a maioria da população brasileira, já que, dos indivíduos que declaram rendimentos, 28,2% são da “baixa classe média”, 37,3 % da “massa trabalhadora” e 20,1% da população é formada por “miseráveis”. Acredita-se que a classe social é relevante para a maneira como os receptores usam e se apropriam da mídia. Ronsini (2007, p. 22)6 considera que “a posição ocupada por uma classe no espaço social é definida pela posição que ocupa nos diferentes campos – econômicos, social e cultural”. Isto porque para Bourdieu (2006) os capitais são importantes para definição da classe social dos atores, sendo eles, o capital econômico, caracterizado como conjunto de recursos patrimoniais como renda, terras, bens imobiliários, etc; o capital cultural, que é a soma de qualificações intelectuais que um ator possui, seja este advindo da família ou da escola; o capital social, que são os contatos, as relações socialmente úteis feitas ao longo da trajetória social e profissional dos atores; o capital simbólico, que é aquele ligado à honra, ao reconhecimento e ao prestígio, legitimando todos os outros capitais citados. Ainda para Bourdieu (2006), a classe social é definida “pela estrutura das relações entre todas as propriedades pertinentes que confere seu valor próprio a cada uma delas e aos efeitos que ela exerce sobre as práticas” (BOURDIEU, 2006, p. 101),ou seja, essas propriedades seriam o volume e a estrutura do capital, o sexo, a idade, a origem social e étnica, as remunerações e o nível de instrução, sendo que nenhuma delas é a fundamental ou a hierarquicamente mais importante. A classe social, conforme Bourdieu (2006) está associada ao conceito de habitus proposto pelo autor, assim, cada classe possui um habitus. Este é um sistema de disposições duráveis e transponíveis que podem gerar práticas em esferas alheias àquelas de origem, que são adquiridas pelo indivíduo ao longo do seu processo de socialização, que elabora e organiza as práticas e as representações de indivíduos e grupos. Ainda de acordo com o autor o habitus é “produto da história, é um sistema de disposições aberto, permanentemente 6

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Conceito de classe social a partir de Bourdieu (1987). Artigos Completos

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afrontado a experiências novas e permanentemente afetado por elas. É durável, mas não imutável” (BOURDIEU apud LOYOLA, 2002, p. 83). Com isso, classes sociais diferentes possuem habitus diferentes, por exemplo, os atores pertencentes à classe popular têm um habitus de classe que lhes é próprio e diferente do habitus daqueles que pertencem à classe alta. Entende-se aqui, em conformidade Ronsini (2007), que a partir do conceito gramsciano de hegemonia, a dominação simbólica é consentida e constantemente reproduzida em favor daqueles que dominam, ou seja, as classes mais altas, com a colaboração daqueles que são dominados, ou seja, as classes mais baixas ou populares. Considera-se assim, que existe uma luta simbólica em torno de valores de cada cultura de classe, já que estas acabam se relacionando entre si. Falar em classe popular no Brasil significa abordar questões relacionadas ao modo de vida, ao cotidiano, às experiências vividas por aqueles menos favorecidos em decorrência da desigualdade na distribuição de renda causada pela atual fase do capitalismo avançado na qual vivemos. Podemos dizer que, provavelmente, o telejornal é a mais importante fonte de informação dos agentes pertencentes à classe popular. Mesmo que hoje em dia se saiba que existem inúmeras formas de acesso à informação, como na internet, por exemplo, ou até mesmo através de telefones celulares. Maia (2009) afirma que, para as camadas populares a televisão e o telejornal são extremamente importantes, e, “quanto mais pobre e com mais baixa alfabetização, maior o peso da televisão no cotidiano dos indivíduos [...]” (TRAVANCAS apud MAIA, 2009, p. 43). O telejornal é importante para essa parcela da população porque “há uma proporção muito importante de pessoas que não leem nenhum jornal; que estão devotadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações” (BOURDIEU, 1997, p. 23). A análise do ritual de assistência do JN Na casa das três famílias que compõem a amostra foi realizada uma etnografia crítica da recepção. As edições do Jornal Nacional foram assistidas com as famílias de outubro de 2013 até janeiro de 2014. O perfil dos informantes7 Apresentamos os diagramas com o esquema de parentesco entre os membros das três famílias componentes da amostra. Nos diagramas estão os nomes, as profissões, as idades e as escolaridades dos informantes. Os quadros que não contêm todas essas informações referem-se a crianças ou então a informantes secundários.

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Todos os nomes dos informantes são fictícios para preservar suas identidades.

Diagrama da Família 1 Artigos Completos

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Figura 1: Diagrama da família 1

Figura 2: Diagrama da Família 2

Figura 3: Diagrama da Família 3

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Na casa da Família 1 a televisão costuma estar ligada quando os primeiros integrantes começam a chegar do trabalho, no final da tarde. Ela está sintonizada na Rede Globo, e durante a telenovela das 19 horas, alguns já estão sentados em frente à TV e outros aproveitam para tomar banho, conversar com os vizinhos, falar ao telefone, ou até mesmo sentar para tomar chimarrão, mas sem dar atenção à televisão. Como o aparelho estava na cozinha, alguns integrantes da família aproveitavam para esquentar a janta, que normalmente já está pronta. Roberta deixa a comida pronta durante o dia, antes de sair para o trabalho, que começa perto das 18 horas. Mas não é sempre que jantam antes do Jornal Nacional. Na maioria das vezes, o jantar acontece depois do telejornal e em diferentes horários para cada integrante. Poucas vezes presenciei dois ou três deles jantando juntos e nunca presenciei todos os integrantes da família jantando juntos, sentados à mesma mesa. Até porque Olivia e Juliana têm suas casas, e normalmente, deixam a casa dos irmãos durante o Jornal Nacional ou para fazer a janta ou para servir o jantar aos filhos. Logo que acabam essa tarefa, voltam para casa principal, a casa dos irmãos, para continuarem assistindo juntos ao telejornal. Devido a isso, alguns dias Olivia e Juliana chegam à casa dos irmãos quando o telejornal já iniciou. O filho de Olivia, Leandro, assistiu com a gente ao telejornal inúmeras vezes, mas quando não assistia, ia até a casa dos tios justamente para chamar a mãe e dizer que estava com fome. Já o filho de Juliana, nunca foi à casa dos tios quando eu estava lá, vi o menino apenas na rua com os primos e amigos. Mesmo assim, a mãe, por diversas vezes, foi para casa servir o filho de 16 anos antes que ele reclamasse ou pedisse o jantar. Quando a televisão da casa estava localizada na cozinha, todos jantavam juntos, assistindo à telenovela. Mas com a alteração do local da tevê, da cozinha para sala, mudou também um hábito cotidiano. São as mulheres que permanecem na sala, vendo telenovela, enquanto o homem janta na cozinha. Daniel, após o trabalho na construção civil, ainda trabalha de serviços gerais em uma casa (“faz tudo”). Sempre que chega em casa vai direto tomar banho e jantar, antes mesmo do início do Jornal Nacional. Creio que isso acontece devido ao trabalho pesado, desgastante, e que envolve diretamente a força corporal e faz com que ele chegue em casa com fome. Parece-me então, que a explicação para essa prática em que o ritual de ver televisão está condicionado à mediação do trabalho, mas não somente a ele, visto que as mulheres também estão cansadas depois do serviço de doméstica e, mesmo assim dão preferência à televisão do que ao banho e ao jantar. São raras às vezes em que elas chegam em casa e vão direto ao banho para depois sentarem em frente à tevê. Esta prática pode ser explicada pelo fato de que as mulheres ainda realizam as tarefas domésticas ao chegarem em casa, diferente dos homens que ao chegarem, encerram sua jornada de trabalho. Quando Luciana ainda trabalhava na padaria, em alguns dias chegava mais tarde em casa, quando o JN já tinha começado porque, primeiro, ia levar o pão que trazia do trabalho para o pai, que também mora na Vila, e só então ia para casa assistir ao telejornal com os irmãos. Depois que parou de trabalhar na padaria e que precisou ficar em casa de repouso devido à gravidez, Luciana ficava em casa todos os dias, acompanhando, assim, a programação da Rede Globo durante todo o dia.

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Quanto à assistência do JN, todos os dias, quando inicia, algum dos irmãos levanta do sofá e aumenta o volume da televisão. Se estiverem conversando, vão diminuindo a intensidade da conversa e começam a prestar atenção ao telejornal. Quando eles não abaixam o tom da voz, o que na maioria das vezes acontece entre as mulheres, o irmão Daniel (37) chama atenção das irmãs (Luciana, 34; Olivia, 38 e Juliana, 42) para que fiquem quietas: “Psiu irmãs, vamos olhar isso aí que tá dando!”, o que ocorre frequentemente. Assim, é possível perceber que as mulheres prezam mais a telenovela e as conversas cotidianas do que o homem, que prefere o telejornal. As mulheres só ficam em silêncio durante o telejornal quando tem alguma notícia que lhes interessa, como as de violência, por exemplo. Há ainda a presença da autoridade masculina na casa, já que as mulheres não têm a mesma atitude do irmão, elas nunca falam para ele “ficar quieto”. Essa autoridade masculina também se comprova pelo fato de que Daniel (37) não desempenha nenhuma tarefa doméstica em casa, são as irmãs que as fazem. Por isso, ironicamente, o chamam de “doutor” porque ele desempenha quem tem o papel de chefe da família, apesar de todos trabalharem, serem independentes financeiramente e ajudarem, de forma igual, nas despesas da casa. Quando o aparelho televisor foi deslocado para a sala os informantes ficavam esperando o JN começar sentados nos dois sofás distribuídos no cômodo. Pude verificar que o momento de assistência ao JN não é apenas a hora do dia em que a família fica, segundo eles mesmos, “por dentro de tudo o que está acontecendo”, mas também o momento em que todos sentam juntos e conversam sobre como foi o dia de trabalho, compartilham experiências, alegrias, preocupações, enfim, é o momento de reunir a família. A Família 1 assiste ao JN todos os dias de segunda a sexta-feira. Nos sábados, raramente a televisão está ligada porque eles aproveitam, principalmente no verão, para sentarem na frente da casa para conversar e relaxarem da semana de trabalho. Assim, escutam música alta (pagode ou sertanejo), bebem uma cerveja e brindam o final de semana. Mesmo que assistir ao JN seja uma prática diária entre a família, não é sempre que todos os integrantes assistem juntos ao telejornal. Em determinados dias, há uma intensa circulação dos informantes, parentes e vizinhos, pela casa, nesse horário. Daniel, por exemplo, em alguns dias, sai de casa na hora do telejornal. Ele vai visitar as filhas que não moram na Vila ou vai se encontrar com alguns amigos, ali mesmo na Vila para resolver algum detalhe sobre o futebol. Ele faz parte da organização do time da Vila que disputa o campeonato de várzea da cidade. Ou então o homem vai encontrar alguma mulher, o que é motivo de reclamação das irmãs: “Bah tá louco, o que cai na rede é peixe, é um horror, vai pegando sem filtrar muito!” [...] (Luciana e Olivia). No entanto o horário do JN é importante para os investigados e, apesar dessa circulação, percebo que assistir ao telejornal faz parte da rotina diária da família. Outra particularidade percebida na assistência é que Daniel vê o telejornal sempre com o telefone celular no bolso, e diferentemente das irmãs, levanta e sai da frente da TV para atender às ligações. Mesmo assim, retorna para frente da televisão quando desliga. Os informantes costumam comentar inúmeras notícias do telejornal, e algumas vezes inclusive, fazem a relação delas com algo que acontece ou já

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aconteceu em seu cotidiano. Algumas reportagens de fato não interessam aos informantes, fazendo com que eles levantem da frente da TV para fazer qualquer outra coisa dentro de casa e logo retornem assim que terminam essas notícias. Ou então, esses conteúdos que não despertam interesse dão lugar a qualquer outro assunto, seja ele do dia a dia ou não. Essas notícias desinteressantes para os integrantes da família, normalmente são sobre economia (as que mostram muitos números e índices e não explicam na prática a real interferência para os brasileiros), algumas sobre política (as que tratam de votações de temas mais complexos) e as internacionais (essas só chamam atenção quando tratam de alguma desgraça em massa, catástrofe ambiental ou algo de muito bonito que existe no exterior). Portanto, o uso que a Família 1 faz do telejornal, é de certa forma, regular e também previsível, mesmo que a assistência aconteça de variadas maneiras algumas vezes, seja na presença de todos os integrantes da família ou apenas com alguns deles. Apreendi que o Jornal Nacional é importante para a família, porque é através dele que seus membros se informam sobre os principais assuntos do dia, mas que algumas notícias chamam mais atenção tanto dos homens quanto das mulheres. Mesmo assim, em inúmeros dias, as mulheres preferiram conversar sobre o seu dia de trabalho a prestar atenção nas notícias. Diferentemente do homem, que, em todas as vezes que estava em casa, deu total atenção ao telejornal. Há ainda uma questão que perpassa a geração: Emilia (20 anos), a única jovem que mora na residência, assiste muito pouco ao telejornal, ou porque está na escola ou porque, quando está em casa, não permanece sentada em frente à tevê como os outros informantes, prestando atenção assim, em poucas notícias. Os outros jovens que são da família dos informantes, mas que não moram na casa circulam pelo local no horário do telejornal, mas não assistem a ele com a mesma atenção que os mais velhos. O uso do telejornal depende, então, da geração, do gênero, da situação espacial e temporal dos moradores da residência. Assim como na casa da Família 1, na casa da Família 2, a televisão também costuma estar sempre ligada no final da tarde e também sintonizada na Rede Globo. O pai da família, Marcio (42), está sempre sentado em frente à TV antes mesmo do início do JN, enquanto ainda está no ar a telenovela das 19 horas. Algumas vezes está assistindo à telenovela e, em outras, está lendo o Diário de Santa Maria impresso, assinado durante a semana o jornal impresso. Já a esposa Telma (40), na maioria das vezes, nesse horário, ou está na cozinha fazendo o jantar ou está recolhendo as roupas, enfim ela está realizando tarefas domésticas. Marcio assiste ao telejornal todos os dias e, quando não assiste é porque tem que realizar algum trabalho na casa, foi ele que colocou todo o piso novo e fez os rebocos nas paredes. Mesmo assim, ele deixa a televisão ligada e fica escutando as notícias. Assim como na Família 1, Marcio afirma que assiste ao Jornal Nacional para se manter informado: “Eu gosto de assistir, para saber as coisas”. Marcio gosta muito de palavras cruzadas, ele faz todos os dias o jogo que vem no Diário de Santa Maria. Normalmente Marcio faz a brincadeira antes

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de começar o telejornal, mas, quando ainda não completou o jogo antes do JN, o faz enquanto estão no ar as reportagens que não lhe interessam. Os assuntos que não chamam atenção da família, assim como na Família 1, são os de economia e os internacionais. Diferentemente da Família 1, a Família 2, principalmente Marcio, interessa-se pelos assuntos sobre política. Na Família 2, Marcio é o único que assiste ao JN todos os dias, porque Telma, nesse horário, está envolvida com as tarefas domésticas e só vai para a frente da TV quando escuta que tem alguma notícia do seu interesse, como as reportagens sobre economia doméstica, de violência e a previsão do tempo. Logo que elas terminam Telma volta para cozinha. Muitas vezes é Marcio que chama a esposa para ela ir assistir alguma notícia que ele acha interessante para ela, ou então o homem comenta o assunto da notícia em voz alta para que ela, da cozinha, possa escutar: “Ó Telma, vem ver a previsão!”. Durante o intervalo, é recorrente que Marcio chame a atenção da esposa para as propagandas de promoção dos supermercados: “Olha aí Telma a tua farinha!”. O filho do casal, Bento (21), normalmente está em casa no horário do JN. Quando não está, é porque está trabalhando até mais tarde ou porque está na casa de um amigo. Durante um bom tempo, o jovem sentia-se envergonhado com a minha presença e, quando eu estava na casa, ele falava muito pouco com os pais, e logo ia para o seu quarto e lá permanecia com a porta fechada. Ao longo do tempo, Bento foi se sentindo à vontade com a minha presença e passou então a assistir ao JN com o pai em alguns dias. Quando isso acontecia, o rapaz, na maioria das vezes, apenas fazia exclamações sobre as notícias ou então concordava com os comentários do pai. As notícias que mais lhe chama atenção são as de esporte ou de violência. Ainda durante o JN, quando nem ele nem o pai se interessam pelos assuntos tratados, fazem juntos as palavras cruzadas do Diário. As filhas do casal raramente estão na sala durante o JN. Normalmente elas estão no quarto dos pais, assistindo ou a telenovela “Carrossel” ou as “Chiquititas” (telenovela que substituiu Carrossel) do SBT. Se as meninas estão na sala antes de iniciar o JN e pedem para trocar de canal minutos antes do início, recebem, sempre, a recusa do pai: “Nem pensar, nem de brincadeira!”. Quando as meninas estão na sala durante o telejornal, estão sempre realizando outras atividades paralelas: mexem no celular (Fabiane), escrevem as letras das músicas preferidas em cadernos, ou jogam carta. Quando elas estão agitadas e falando mais alto na sala ou perto dela, Marcio as chama atenção para “ficarem quietas” porque está assistindo “as notícias”. O informante chama atenção das filhas para que assistam as notícias que ele julga interessante, como por exemplo, as sobre saúde e obesidade. O pai se preocupa com a “gordura” das filhas. Durante o verão, elas costumam brincar na rua antes de anoitecer. Se as filhas estão em casa e passam pela frente da televisão enquanto está dando o JN, pedem “licença” independentemente de quantas vezes fossem. Da mesma forma que na Família 1, também percebo que a mediação ritualidade perpassa a mediação sociabilidade. Assim como na Família 1, na Família 2 o horário do jantar, em alguns dias, coincide com o telejornal e em outros, não. Quando coincide, Telma leva

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o prato já servido para o marido comer em frente à televisão. Ela geralmente come separada dele, na cozinha. Assim como na Família 1, na Família 2 a janta não é servida em um lugar só para todos ao mesmo tempo. As filhas geralmente comem sentadas à mesa e Bento varia, já o presenciei levando às vezes o prato para frente da casa. Talvez essa refeição em momentos diferentes aconteça porque não há lugar suficiente na mesa para todos os integrantes da família sentarem juntos. Percebi ainda que, enquanto está interessado nas notícias, Marcio não levanta do sofá nem para pegar um copo de água, ele pede para a esposa e ela o leva até as mãos do marido, que quase nem desvia os olhos da televisão. Em alguns dias de maior frio, um cobertor no sofá também acompanha o homem. Normalmente, quando termina o JN, Telma já está concluindo os afazeres na cozinha. É nesse momento que ela vai até a sala e senta no sofá para assistir então à telenovela das 20 horas. O marido levanta e vai deitar, raras vezes acompanha a esposa na assistência do folhetim. Antes de pegar no sono, já deitado, Marcio gosta de assistir ao “Programa do Ratinho” no SBT. Assim, na Família 2, o uso do telejornal também está relacionado com o gênero, já que é o homem que assiste todos os dias ao JN e a mulher permanece na cozinha desempenhando as tarefas domésticas e normalmente assiste a alguma notícia quando o marido chama atenção para que ela vá assistir. O modo de ver o programa, assim como na Família 1, também perpassa a geração. Isto porque o filho jovem do casal, Bento (21), assiste raramente ao JN quando está em casa, e as duas filhas do casal, que são crianças, passam a maior parte do tempo da assistência brincando, conversando, mexendo no telefone celular ou com os vizinhos na frente da casa, principalmente no verão. A situação temporal e espacial dos integrantes da família também é determinante para os usos que fazem do telejornal. Na Família 3, diferentemente das demais, a informante assiste ao JN sozinha. O marido, na maioria dos dias da semana, está viajando a trabalho e, quando está em casa, encarrega-se de cuidar das crianças ou então aproveita para descansar em frente à casa na companhia dos amigos. São raros os dias em que a mãe ou a irmã de Mônica vão até a casa dela para conversar rapidamente e assistem, assim, a algumas notícias do telejornal. Durante o verão, Mônica esporadicamente vai até a casa da Família 1 para assistir ao JN e um pedaço da telenovela das 20 horas, porque, são amigos e, segundo eles, parentes. Isso acontece pouco, porque o marido não gosta que a esposa “fique na rua”. A televisão é uma companhia frequente da dona de casa e por isso está na maior parte do dia ligada, sintonizada na Rede Globo. Portanto, no horário de início do Jornal Nacional, o aparelho já está ligado. Nessa hora, as crianças já estão em casa e, como Mônica não permite que eles brinquem na rua, porque acha “perigoso”, com exceção dos dias em que o pai está em casa, elas ficam o tempo inteiro de veiculação do JN ao redor da mãe. São raras as vezes que estão no quarto sem fazer barulho. Eles são agitados, e como são seis, estão sempre circulando pela casa. Mônica chama muito a atenção de todos e utiliza palavrões e até de ameaças com uma “vara” quando acha que os filhos estão “passando dos limites”. Ou seja, quando estão falando muito alto, correndo pela casa, mexendo na geladeira, brigando ou até “atrapalhando” ela na assistên-

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cia do telejornal. Mesmo assim, são poucas as vezes que Mônica levanta para atender os filhos, a prática é falar ou brigar com as crianças, mesmo que alto, da frente da TV. As crianças jantam cedo, antes do início do JN. Chegam do colégio, tomam banho, fazem os deveres, jantam e depois ficam pela casa brincando ou assistindo à TV com a mãe. Apesar de ter que cuidar sozinha dos filhos na maioria dos dias da semana, Mônica não deixa de assistir ao telejornal e também o acha importante para estar informada: “Ah não perco o jornal por nada, Deus o livre! Gosto de saber o que está acontecendo”. O Jornal Nacional faz parte da rotina diária da informante, mesmo que assista a ele sozinha. É importante ressaltar que, como Mônica vê o JN normalmente sozinha, não o comenta com ninguém enquanto está no ar. Porém os assuntos que lhe chamam atenção são comentados em outras ocasiões, algumas vezes com o marido ou ainda com os poucos vizinhos com que conversa ou então com a mãe e os irmãos. Da mesma maneira que as Famílias 1 e 2, a Família 3 também não se interessa pelas notícias internacionais e de economia. As de violência e saúde são as que mais chamam atenção. Mônica se irrita quando o telefone celular toca durante o telejornal ou quando os filhos ficam fazendo perguntas durante a exibição do telejornal: “Para guria, deixa a gente assistir, sai daqui!”. Considerações finais A partir do que foi exposto sobre a ritualidade das três famílias informantes, é possível observar que a mediação em questão configura-se de diferentes maneiras nas três casas e, mesmo assim, é possível apontar algumas recorrências, principalmente quanto à importância do Jornal Nacional para as famílias, os tipos de notícias que mais chamam e os que menos chamam atenção dos informantes e ainda a configuração do espaço doméstico durante o horário de exibição do telejornal. Os usos de telejornal perpassam questões relacionadas ao gênero, à geração e à situação espacial e temporal dos integrantes das famílias. Exatamente como afirmou Leal (1986, p. 85) quando ressalta que na classe popular, o momento da assistência da televisão é revestido de características ritualísticas que mobilizam o espaço doméstico na sua totalidade. A repetição desse ritual é a certificação da importância da ritualidade para os usos midiáticos, já que “os padrões de usos midiáticos são partes integradas às práticas sociais cotidianas. Elas representam a regularidade do dia a dia, ocorrendo repetidamente, seja em bases diárias ou semanais” (JACKS e CAPPARELLI et al., 2006, p. 180). Referências bibliográficas BOURDIEU, P. A distinção – crítica social do julgamento. Tradução Daniela Kern; Guilherme, F. Teixeira. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2006. ___________. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. JACKS, N; CAPPARELLI, S. (coords.) et al. TV, família e identidade: Porto Alegre “Fim de Século”. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. LEAL, O. F. A leitura social da novela das oito. Petrópolis: Ed. Vozes, 1986. LOYOLA, M. A. Pierre Bourdieu. Entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de

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Juventude e Mídia: dados preliminares sobre o consumo de informação jornalística pelos jovens do Ensino Médio de Santa Maria Glaíse PALMA Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: Este texto tem por objetivo apresentar dados preliminares do estudo piloto realizado como parte do projeto de doutorado. Os conceitos chave são: juventude, consumo e informação jornalística. Foram disponibilizados questionários para que os jovens de Ensino Médio de Santa Maria e região respondessem sobre os meios de comunicação que utilizam. Ao todo, 79 jovens responderam ao instrumento, com preponderância de estudantes de escolas privadas. Como resultados parciais observou-se que os jovens, em sua maior parte, costumam assistir a telejornais, ler revistas e jornais, navegar na Internet para fins de entretenimento e ouvir rádio esporadicamente. PALAVRAS-CHAVE: juventude; consumo; informação jornalística. Introdução Este artigo vem explicitar os resultados parciais elencados a partir de um levantamento quantitativo acerca do consumo de informação dos jovens através da televisão, rádio, revista, jornal e Internet. Como parte de um projeto em andamento1 foi realizado o pré-teste de um instrumento de pesquisa(questionário) visando obter um panorama inicial de respostas possíveis, assim como averiguar possíveis dificuldades de aplicação e a clareza das questões. Tendo em vista as noções de juventude, consumo e informação jornalística é que se desenvolve a problemática deste texto. A juventude opera enquanto categoria chave para o estudo de consumo de mídia, optando por um recorte empírico que dê conta dos jovens matriculados na rede estadual e particular de Ensino Médio da cidade de Santa Maria. A proposta aqui apresentada parte de 1 Projeto de doutorado sobre o consumo de informação jornalística dos jovens de Ensino Médio de Santa Maria.

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uma reflexão teórica para entender os modos como os jovens consomem bens simbólicos, compreendendo o consumo como uma prática sociocultural em que se constroem significados e sentidos de viver. Por fim, a informação, como explicita Tambosi (2005), é o objetivo que move a atividade jornalística. No entanto, o conceito de informação jornalística aparece muitas vezes como atrelado à noção de notícia, confundindo as definições e não esclarecendo limites e perspectivas que cada termo encerrra. Neste ponto, é importante traçar algumas considerações teóricas que darão subsídios para esta problematização. Apontamentos teóricos Como evidencia França (2013) as teorias da comunicação não seguem um caminho retilíneo e uniforme, mas sim são marcados por períodos mais críticos ou acríticos que caracterizam os estudos do campo da comunicação. Épocas distintas e diferentes “lugares” a partir dos quais pensar determinada problemática são importantes para refletirmos sobre o objeto de pesquisa em questão e o modo como podemos traçar conexões entre o consumo e o jovem da atualidade. Podemos recorrer ao início dos Estudos Culturais na Inglaterra para discorrer sobre o começo dos trabalhos que estudam a juventude e mudanças sociais. Tavares (2012) realça Willis e seus estudos sobre a juventude junto ao Centro de Estudos Culturais da Universidade de Birmingham (CCCS), na Inglaterra, cujos trabalhos foram bastante difundidos (Willis, 1977). Paul Willis foi o membro do CCCS que teve destaque no que se refere aos estudos sobre a juventude e sua inserção nos processos de mudança social. Em sua obra intitulada Learning to labour (1977) reflete sobre a transição da juventude de origem operária da escola para o mundo do trabalho. Através de um trabalho etnográfico, Willis observou como a escola, inserida em um sistema de dominação voltado para a formação de trabalhadores, não era persuasiva. Neste contexto, os jovens assumiam um comportamento de oposição, marcado pelo desprezo pela escola. Assim, eles se focavam em seus grupos de afinidade pessoal, com seus estilos de vida específicos. Isso acontecia pelo fato do jovem reconhecer as desigualdades como parte do sistema econômico capitalista, que não oferecia condições iguais de mudança social. Com o CCCS surgia uma abordagem diferenciada que não incluía as concepções psicológicas e sociológicas da juventude. Tavares (2012) comenta sobre vários autores que estudaram a antiga teoria da subcultura da Escola de Chicago, bem como a etnografia. Outros autores, tais como Hall (também pertencente ao grupo do CCCS) e Jefferson, focaram mais nas questões sobre as aplicabilidades da teoria marxista. O centro localizado em Birminghan se dedicava aos estudos relacionados à teoria da cultura, cujo campo se constituía de forma interdisciplinar com diversas abordagens teóricas, coma combinações entre estudos de literatura comparada e etnografia. Desse modo, os estudos sobre a juventude e as subculturas britânicas, realizados por Paul Willis, foram bastante difundidos. Já no Brasil, os primeiros estudos sobre juventude, até meados dos anos 70, estavam mais voltados para a análise de como os jovens se configuravam

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como geração numa estrutura social distribuída em termos de classe e status sociais. Abordagens à maneira dos estudos culturais, interessadas numa etnografia das subculturas juvenis, terão maior visibilidade a partir dos anos 80 e 90. (TAVARES, 2012) Na década de 90, temos trabalhos como o de Isabel Travancas (2007) que, através de uma vertente antropológica analisa como os jovens assistem ao Jornal Nacional, focando na interpretação que os jovens estudados fazem da forma e do conteúdo das matérias jornalísticas. Através deste estudo, foi possível constatar que há uma maneira fluída e dispersa de assistir televisão por parte destes jovens, assim como a autora concluiu que, embora o Jornal Nacional não seja a única fonte de informação, ele é uma referência para o universo pesquisado. Canclini liderou um estudo na década de 90 sobre o consumo cultural na cidade do México no qual apontava uma tendência decrescente das pessoas à participação em instalações públicas como cinema e teatro, enquanto crescia a “cultura a domicílio” (1995, p. 77) com rádio, televisão e vídeo. Esse panorama era reforçado claramente pela classe a que a pessoa pertencia. No caso específico da pesquisa mencionada, a expansão territorial e a massificação da cidade reduziram significativamente as interações entre os bairros, ao mesmo tempo em que houve uma reinvenção dos laços sociais e culturais através do aparato audiovisual como rádio e televisão. Segundo Canclini, referindo-se a pesquisa “são estes meios que, com sua lógica vertical e anônima, diagramam os novos vínculos invisíveis da cidade.” (1995, p. 78) Naquele projeto foram combinadas técnicas qualitativas e quantitativas. Os estudos sobre juventude a partir da perspectiva dos Estudos Culturais, adotada aqui, não são novos. No surgimento do Centre for Contemporany Cultural Studies (CCCS) em Birminghan, as problematizações teóricas já envolviam pesquisas relativas à juventude, a emergência de várias “subculturas” ligadas a jovens de classes trabalhadoras que pareciam resistir a alguns aspectos da estrutura dominante de poder. Este contexto era visto pelo Centro como parte integrante da tensão cultural existente como afirmação da resistência através do consumo cultural. O consumo a partir da qual pretende-se estudar os modos de se informar pelos jovens surge da nova realidade comunicacional que vivenciamos frente a hiperconexão. Canclini (2010) lembra que com o avanço das tecnologias de comunicação o fato de estar conectado ou desconectado é estratégico e gera novas modalidades de diferenciação, igualdade ou desigualdade. Ao focar nos aspectos comunicacionais, as velhas diferenças e desigualdades se reelaboram e aparecem novas maneiras de equilibrar ou desequilibrar as relações sociais. Como afirma Canclini (2010) mudaram-se os modos de fazer perguntas. Estamos em uma etapa transversal, intermediária e transnacional, na qual nenhuma disciplina pode abarcar a totalidade. Não se pode falar a partir dos recursos tradicionais sobre o global e o local, é necessário combinar estratégias de conhecimento. E é em busca dessa articulação que estamos dispostos a seguir. Atualmente, o consumo deixou de ser visto como processo que ocorre através de ações verticais de dominação. Apropriando-se do conceito de Cancli-

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ni, segundo o qual o consumo “é o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e o uso dos produtos”(1995, p. 53) podemos inferir que os atos pelos quais consumimos são mais do que simples gostos traduzidos pelos impulsos de consumir. Canclini demarca que algumas correntes da antropologia e da sociologia consideram que no consumo se manifesta uma racionalidade sociopolítica interativa, ou seja, consumir é distinguir-se, é expandir-se culturalmente, é estar na moda e também estar a par das inovações tecnológicas, por exemplo. Autores como Bourdieu (1998) e Appadurai (1986) produziram textos que evidenciam que nas sociedades atuais grande parte da racionalidade das relações sociais se constrói na disputa pela apropriação de bens simbólicos através dos quais se propõe um modo de distinção. Através do consumo, pessoas e grupos se integram ou se distanciam, distinguem-se ou encontram afinidades. Correntes do pensamento pós-moderno, apontadas por Canclini, afastam-se destes pressupostos e entendem justamente que há uma dificuldade em estabelecer e manter códigos estáveis e compartilhados. No entanto, o autor destaca que estudos empíricos tem demonstrado a necessidade e tendência do ser humano de organizar os significados e ordenar os desejos. Através dos rituais, como o Natal, a Páscoa e datas comemorativas, são dados significados a objetos materiais na intenção de estabelecer sentidos e práticas que os preservem. Consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora. Por isso, além de serem úteis para a expansão do mercado e a reprodução da força de trabalho, para nos distinguirmos dos demais e nos comunicarmos com eles, como afirma Douglas e Isherwood, “as mercadorias servem para pensar”. (CANCLINI, 1995, p. 59)

De fato, atitudes do cotidiano podem nos dar muitas pistas importantes. Analisar os modos através dos quais consumimos informação pode ser de grande valia para compreendermos o papel que os meios de comunicação tem na vida das pessoas. Reis propõe uma reflexão sobre o uso da categoria ritual nos estudos da comunicação, fazendo um cruzamento entre antropologia e teorias da comunicação para pensar os meios como desempenhando funções na vida da sociedade e dos indivíduos equivalentes aos dos rituais. Isto pode ser observado no jornal que o leitor lê todo dia na hora do café da manhã, no programa televisivo que a família assiste todo dia ao fim da tarde, no rádio ligado ao amanhecer. De fato, trabalhos como este traduzem uma forma de introduzir as dimensões simbólicas e, portanto, a cultura na análise dos meios de comunicação. No entanto, Reis vai além da conotação de rotina no que concerne ao termo ritual aplicado aos meios. Pessoalmente acho muito mais interessantes e úteis para a etnografia dos media as teses sobre a domesticação da tecnologia e dos media como um processo de apropriação, objectificação, incorporação e conversão dentro da economia moral da casa (Silverstone, Morley e Hircsh 1992; Bercker, T. et all 2006), do que as tiradas metafóricas sobre a televisão, de alguns dos seus proponentes, à custa do conceito de ritual.(REIS, 2009, p. 12)

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Neste ponto, Reis converge com Canclini, ao pensar o consumo como um processo em que não há somente uma dimensão de assimilação ou aceitação do que é visto, ouvido ou lido, no caso dos meios de comunicação, mas interpretado de acordo com seus modos de ver o mundo. Este tipo de iniciativa e reflexão nos ajuda a elaborar a problemática de estudo no que diz respeito aos modos de consumo de informação pelo jovem. As questões que podem nortear este tipo de estudo estão vinculadas as formas, horários, espaços em que os indivíduos fazem uso dos meios. Na atualidade, um modo de o jovem sentir-se inserido na sociedade, valorizado e pertencente à determinada camada social é através do celular que porta e de suas utilizações. Esse é apenas um indício do que podemos encontrar em termos de formas de consumo de informação. No que tange a relação entre o grau de escolaridade e o consumo de informação, segundo Ribeiro: Várias pesquisas sobre as habilidades e as práticas de leitura e escrita da população identificam que o grau de escolaridade é a variável com maior peso relativo para influenciar as habilidades de leitura avaliadas por meio de testes. É fato que o grau de escolaridade está associado a outras variáveis relevantes, como o acúmulo cultural da família de origem, status ocupacional, renda, etc. Entretanto, estudos que usam metodologias estatísticas multivariadas, que permitem comparar o peso relativo das variáveis explicativas, mostram que o grau de escolaridade é quase sempre o fator com maior peso. (RIBEIRO, 2004, p. 16)

Partindo desta informação, acredita-se que pensar em uma amostra de jovens que estejam no Ensino Médio nos dá um parâmetro importante a seguir. Metodologia A metodologia quantitativa é pensada aqui para nos dar informações sobre fenômenos que podem, de certo modo, ser compreendidos através de medidas, na intenção de uma certa objetividade e clareza de dados. Como afirma Gressler (2004, p. 42) a abordagem quantitativa caracteriza-se pela formulação de hipóteses, definições operacionais das variáveis, quantificação nas modalidades de coleta de dados e informações, utilização de tratamentos estatísticos. Amplamente utilizada, a abordagem quantitativa tem, em princípio, a intenção de garantir a precisão dos resultados, evitar distorções de análise e interpretação.

De acordo com dados da 8ª Coordenadoria de Educação, atualmente são 7.485 alunos matriculados na rede estadual de Santa Maria. Já a rede federal possui 699 alunos matriculados. Por fim, temos a rede privada, que conta hoje com 1.845 alunos. Estes dados incluem matrículas do Ensino Médio integrado à Educação Profissional e o Ensino Normal/Magistério, mas não incluem matrículas de atendimento educacional especializado. Na intenção de promover um teste piloto com o instrumento de pesqui-

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sa, no segundo semestre de 2013 foram disponibilizados, através do Facebook e Twitter, questionários produzidos no Google Drive com perguntas abertas e fechadas, para que os jovens de Ensino Médio de Santa Maria e região respondessem sobre os meios de comunicação que utilizam. Ao todo, 79 jovens responderam ao instrumento, sendo 51 pertencentes à rede privada de ensino e os 27 restantes estudantes da rede pública. Um dos respondentes não respondeu acerca da escola, e sim citou a cidade em que mora. O instrumento foi divulgado na própria linha do tempo do Facebook da pesquisadora, no Twitter, através de amigos e colegas, que postavam em seus perfis, através das páginas de algumas escolas, assim como através de contatos da pesquisadora em algumas escolas. As respostas foram obtidas entre 14 de outubro e 16 de novembro de 2013. Resultados Em relação ao perfil do estudante respondente, a maior parte tem 17 anos (35,5%), seguido de jovens de 16 anos (25,3%), e outros com 14, 15, 18 anos e até um estudante com 36 anos. Destes, 27 alunos são de escola pública (34%) e outros 51 estudam em escolas privadas (64,5%). A maior parte dos alunos respondentes cursava o terceiro ano do Ensino Médio (57%), perfazendo um total de 45 alunos, seguidos de 21 que cursavam o primeiro ano do Ensino Médio (27%), e, por último, 13 alunos do segundo ano (16%). Quando perguntados se os jovens assistiam a algum telejornal, 67 responderam que sim (85%) e 12 responderam que não (15%). A respeito dos telejornais mais assistidos, o Jornal Nacional fica em primeiro lugar, com 55 respostas positivas, seguido do RBS Notícias (42 jovens assistem) e do Jornal Hoje (24 assistem), salientando que os estudantes podiam marcar mais de uma opção de telejornal. O SBT Brasil ficou em 6º lugar, com apenas 6 estudantes que o assistem, seguido do Jornal da Band, que é assistido por 5 jovens. Em relação a mídias impressas, 48 jovens afirmam ler revistas (60%), e 29 afirmam não ler (39%). Em pergunta aberta, em que os estudantes deviam citar as revistas lidas, as mais citadas foram a Super Interessante, com 15 citações, Veja, lembrada por 14 jovens, Mundo Estranho, com 10 citações, Época, que 7 jovens afirmam ler, seguidas por revistas com menos de 4 citações como Playboy, Viaje Mais, Claudia, Galileu, YesTeen, Cult, Piauí, NationalGeo, Sobre Psicologia, Info, Placar, Ana Maria, Guia do Estudante, Carta Capital, Quatro Rodas, História, Elle, Quadrinhos, Contigo, Rolling Stones, Caras, Toda Teen e Capricho. Relativo à leitura de jornais 52 jovens afirmam ler (66%) e outros 27 afirmam não ler (34%). Em sua maioria, 36 afirmam ler o Diário de Santa Maria, jornal local da cidade, seguido por 18 que lêem a Zero Hora, jornal do mesmo grupo (RBS) mas de caráter estadual. O jornal A Razão, de cunho local, é citado por 10 jovens, seguido de 5 que lêem o Correio do Povo, jornal estadual, e outros jornais foram citados por menos de 2 estudantes, como a Folha de São Paulo, O Globo, assim como jornais menores de escola ou das cidades de origem dos jovens.

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Ao serem perguntados se acessam ou não a Internet, apenas um estudante afirma que não acessa. Em sua maior parte, os jovens utilizam a Internet para acessar sites de relacionamento (77 jovens ou 28%), como Facebook, Twitter e Orkut. Em segundo lugar os jovens acessam sites de vídeo como o You Tube (64 jovens ou 23%). O uso de e.mail foi marcado por 43 jovens (16%), seguido de sites de jornais com 38 marcações (14%), sites informativos que existem só na Internet (29 jovens ou 10%), sites de revistas (19 jovens ou 7%) e outros (7 jovens ou 3%). Sobre o rádio, 50 estudantes afirmam ouvir (63%), 24 afirmam não ouvir (30%) e 3 afirmam não ouvir muito (4%). Acerca da emissora mais ouvida, a Atlântica, do grupo RBS, foi lembrada por 40 estudantes (50%), seguida da rádio Gaúcha, emissora do mesmo grupo, mas da frequência AM, com 15 estudantes citando-a (19%). Outras 13 emissoras foram pouco citadas. Conclusões A partir dos dados expostos podemos inferir algumas conclusões preliminares. A maioria dos estudantes respondentes é de escola privada. Este dado pode revelar o acesso facilitado à Internet, relativo à classe social que pertencem. No entanto, há que se considerar que alguns contatos foram realizados pela pesquisadora com conhecidos de escolas particulares, mais do que em escolas públicas, solicitando a divulgação do instrumento de pesquisa e, também por isso, as respostas advindas das escolas particulares foram mais frequentes. No entanto, devido ao baixo índice de respostas (79 alunos em uma população de 10.020 estudantes de Ensino Médio), optamos por proceder a aplicação definitiva do questionário presencialmente nas escolas. Esperamos que esta mudança no modo de pensar o instrumento de pesquisa nos dê respostas mais fiéis à realidade, assim como será possível definir proporcionalmente os estudantes de diferentes níveis do Ensino Médio e entre escolas públicas e privadas. Sobre o fato dos jovens assistirem a telejornais, podemos inferir que há ampla audiência com marcada hegemonia da rede Globo. Do mesmo modo, os jovens afirmam que lêem jornais, a maioria do grupo RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul. O rádio também vem a somar nesta audiência, com a maior parte dos jovens afirmando que ouvem a rádio Atlântida, do mesmo grupo. Já em relação à leitura de revistas, há quase um empate entre a revista Veja e a Super Interessante. Este dado nos mostra um interesse dos jovens por manterem-se informados sobre atualidades do cotidiano com a Veja e curiosidades do mundo e da vida com a Super Interessante. Quase a totalidade dos jovens acessa a Internet para fins de relacionamento, tendo a informação jornalística pouca importância em termos quantitativos para os estudantes de Ensino Médio. A partir deste piloto, foram observadas algumas fragilidades do questionário, que já foi revisado e as questões reconstruídas. Optamos por diminuir o volume de perguntas, tendo em vista a preocupação com a fidelidade das respostas à realidade e a fim de que o instrumento não ficasse muito cansativo de ser respondido. No segundo semestre de 2014 o questionário reconstruído será aplicado, desta vez presencialmente, em turmas de alunos de Ensino Médio de Santa

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Maria, em escolas da rede privada, estadual e federal de ensino, de modo proporcional, e os dados farão parte da primeira etapa do projeto em andamento sobre o consumo de informação jornalística dos jovens. Acreditamos que este trabalho, somado a vários que estão por vir ao longo do desenvolvimento da pesquisa, é um importante registro para conhecermos a juventude na contemporaneidade. Referências APPADURAI, Arjun. La vida social de las cosas: perspectiva cultural de las mercancias. México D.C: Grijalbo, 1986. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Bertrand: Rio de Janeiro, 1998. BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. FRANÇA, Vera V. Crítica e metacrítica: Contribuição e responsabilidade das teorias da comunicação. In Bibiloteca do XXII Encontro Anual da Compós, 2013. Capturado em http://www.compos.org.br/biblioteca.php GARCIA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. _____. Del consumo al acceso. Revista Andiamos no.14, p. 1-12, agosto 2010, UACM. GRESSLER, Lori Alice. Introdução à pesquisa: projetos e relatórios. SP: Loyola, 2004. ILHARCO, Fernando. Filosofia da informação. Lisboa, Universidade Católica Editora, 2003. JACKS, N. A. et. al. Jovem e consumo midiático: dados preliminares do estudo piloto e da pesquisa exploratória. XXIII Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós- graduação em Comunicação. 2014. QUADROS, Waldir José de; ANTUNES, Davi José Nardy. Classes sociais e distribuição de renda no Brasil dos anos noventa. Cadernos do CESIT. Campinas. n.30, out. 2001 REIS, Felipe. Rastreando o uso da categoria de ritual nos estudos de comunicação. GT Antropologia da Comunicação, Reunião Equatorial de Antropologia, Agosto de 2009. TAMBOSI, O. Informação e conhecimento no jornalismo, Estudos em Jornalismo e Mídia (UFSC), Florianópolis, v. 2, nº1, p. 31-38, 2005. TAVARES, Breitner. Sociologia da Juventude: da juventude desviante ao protagonismo jovem da Unesco. In: Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 181191, jan./jun. 2012. TAVARES, F.M.B. e BERGER, C. Na Notícia e Para Além Dela: sobre o conceito de informação no jornalismo. Inf. & Soc.: Est., João Pessoa, v.20, n.1, p. 25-37, jan./abr. 2010 Sobre a autora: Glaíse Palma é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Comunicação

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da Universidade Federal de Santa Maria - RS, professora do curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano e participa do grupo de Pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural / UFSM. E-mail: [email protected]

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Um Estudo De Recepção Midiática Do Programa Balanço Geral RS Esther da Rosa LOURO Michele NEGRINI Resumo: No contexto da programação televisiva, os telejornais, são importantes instrumentos de informação para o público. Esta pesquisa tem por objetivo analisar como um determinado grupo recepciona o formato jornalístico do programa Balanço Geral, que faz parte da grade de telejornais da emissora Rede Record. A análise foi realizada por meio de um estudo de recepção com 10 pessoas, através da realização de um questionário, roda de conversa e troca de experiências entre os participantes. Buscamos, também, entender como a postura do apresentador Alexandre Motta é avaliada pelos participantes do estudo. Realizamos esta pesquisa a partir da orientação teórico-metodológica dos Estudos Culturais Britânicos e Latino-Americanos. Palavras-chave: telejornalismo; Balanço Geral; sensacionalismo; recepção midiática Introdução A televisão é um meio de comunicação bastante popular entre a população brasileira. Este veículo, atualmente, tem passado por constantes mudanças em sua grade de atrações. Os programas de entretenimento e os telejornais modificam-se, para aumentar os índices de audiência, formatando-se de acordo com a preferência do público, a fim de torná-lo fiel. Com a força da mídia televisiva, torna-se inegável a importância do telejornalismo no contexto social. O telejornalismo é muito mais que simples fonte de informação, já que pode vir a cumprir um papel social importantíssimo, sendo, muitas vezes, a única maneira de otimizar a efetivação dos direitos da população. Atualmente, muitos telejornais utilizam-se de diversos recursos, como a espetacularização e o sensacionalismo, para atingir o seu público. Sendo mais que necessária uma reflexão profunda sobre a responsabilidade dos telejornais como formadores de opinião e uma análise das práticas jornalísticas na televisão. Para tal, o presente trabalho tem por objeto analisar o programa “Balanço Geral RS”, apresentado pela emissora de sinal aberto Rede Record. O programa tem como público alvo a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, e

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sua região metropolitana. A atração fora escolhida por se utilizar de recursos do jornalismo popular. Televisão hoje Sabedores da força do telejornalismo no contexto social, devemos pensar sobre a importância de uma reflexão sobre as práticas jornalísticas na televisão. O poder de persuasão, de formar opinião e de transformar a sociedade deve ser utilizado com sabedoria e moderação. Para tal, os responsáveis pelas emissoras e pela programação devem ater-se na consciência de tal realidade, cientes de seus deveres e direitos. O telejornalismo exerce um papel primordial em qualquer segmento em que venha a ser considerado. Seu papel primeiramente é o informativo1, mas com o passar do tempo, veio somando à sua estrutura: crítica social, denúncias, investigações e até, em alguns casos, assistência social. Compactuando com Porcello (2008), é muito comum sabermos de acontecimentos através de fontes não profissionais, como por exemplo: o conhecido de um amigo soube de um assassinato, acreditamos rasamente, sondamos outras pessoas, mas se um acontecimento não é veiculado na mídia, tal fato parece não ter acontecido. Permanece na sugestão, não parece real até vermos divulgado em algum meio de comunicação. E se for veiculado na TV, melhor ainda, imagens de apoio, autoridades e testemunhas nos fazem recriar o ocorrido, e tudo se torna muito mais verídico, quase tateável. O autor acrescenta: A televisão dá prioridade ao componente visual, de maneira a causar fascinação ao público. Ela aumenta o peso da imagem em relação ao valor da palavra. E o telespectador decodifica, mais facilmente, os códigos visuais do que os verbais. Se alguém diz que “isso apareceu na TV”, o outro aceita, passivamente, a situação como um fato real: “Se apareceu na TV, então aconteceu” (PORCELLO, 2008, p.51).

Reiteramos, assim, a importância de um jornalismo consciente de seu papel social, correto e idôneo. Porém, sabemos que os diferentes formatos jornalísticos apresentam, muitas vezes, a realidade de forma teatralizada e espetacularizada. Uma mesma notícia pode ser veiculada de diversas formas, dependendo do enquadramento dado pelo veículo. Para tanto, é necessário o senso crítico e até receoso por parte do telespectador. Há anos, percebe-se a popularização das notícias, ora com um tratamento diferenciado e aprofundado, outras, não raras, com clara vulgarização em sua abordagem. Atualmente, para aumentar os pontos na audiência (medidos via IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística e outros institutos), muitos programas se utilizam de artifícios populares, da espetacularização e do sensacionalismo para atingir seu público, fazendo uso de bordões, da fala direta ao telespectador, a exibição de imagens fortes e a exploração de tragédias 1 O primeiro artigo do primeiro capítulo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros faz alusão ao dever primordial do jornalismo: “Capítulo I - Do direito à informação Art. 1º O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange seu o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação.”

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e promoções, a fim de conquistar a fidelidade e a audiência do telespectador.

Se o telespectador se desligar, não há desculpas: o erro foi nosso. Quanto mais as palavras (ou o texto como um todo) forem ‘familiares’ ao telespectador, maior será o grau de comunicação. As palavras e as estruturas das frases devem estar o mais próximo possível de uma conversa. Devemos usar palavras simples e fortes, elegantes e bonitas, apropriadas ao significado e à circunstância da história que queremos contar (PATERNOSTRO, 1999, p. 78-85).

O jornalismo popular é aquele que prioriza a notícia que vai ser útil para a população a qual se destina. Este formato jornalístico trata a notícia de uma forma objetiva, sem utilizar-se de uma linguagem rebuscada, fala diretamente com o telespectador, como se soubesse a forma da notícia que ele quer ler, escutar ou assistir. Amaral (2006) nos explicita as diferenças entre a imprensa de referência2 e a imprensa popular: Por intermédio das manchetes, é possível perceber que os jornais dão importância a fatos diferentes, de acordo com seu perfil e com a realidade de seus públicos-alvo. Na imprensa de referência, um acontecimento terá mais chance de ser notícia se: os indivíduos envolvidos forem importantes, tiver impacto sobre a nação, envolver muitas pessoas, gerar importantes desdobramentos, for relacionado a políticas públicas e puder ser divulgado com exclusividade. Na imprensa popular, um fato terá mais probabilidade de ser noticiado se: possuir capacidade de entretenimento, for próximo geográfica ou culturalmente do leitor, puder ser simplificado, puder ser narrado dramaticamente, tiver identificação dos personagens com os leitores (personalização) ou se for útil (AMARAL, 2006, p.4).

O programa estudado neste trabalho, o Balanço Geral RS, tem como público alvo a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, e sua região metropolitana, e é um ótimo exemplo de telejornalismo popular. As matérias são escolhidas por seus cunhos sociais, denuncistas e assistencialistas. Possuem linguagem fácil, e o valor-notícia3 proximidade é bem marcado nas pautas escolhidas. Após as reflexões sobre telejornalismo popular, é oportuno nortear as próximas ponderações para a temática da espetacularização e sensacionalismo. Com o cuidado de não se tratar tais denominações de forma estereotipada e até preconceituosa, faz-se necessário uma abordagem das questões, uma vez que ambas são tão presentes em diversos telejornais populares. Neste estudo, observa-se que o programa Balanço Geral RS apresenta também traços sensacionalistas, aliados ao espetacular. Neste formato, a sociedade é relatada sem filtros, os problemas sociais são amplamente explorados e temáticas como a violência e problemas sociais são discutidos de forma ampla e até exagerada. Não se pode negar que o uso de bordões, certas expressões faciais e o tratamento dado à notícia podem transformar qualquer notícia em algo sensacional. Então, deve-se ter cuidado na interpretação das palavras sensacional e 2 A autora Márcia Franz Amaral utiliza o termo imprensa de referência para referir-se aos jornais mais bem sucedidos, “considerados veículos de credibilidade entre os formadores de opinião”, “que dispõem de prestígio no país e são dirigidos às classes A e B”. (AMARAL, 2006, p.3) 3 Valores-notícias são determinadas qualidades (variáveis) que um fato deve ter para se tornar notícia (WOLF, 1987).

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espetacular, não se deve entendê-las de forma elogiosa, como diz Danilo Angrimani, em seu livro “Espreme que Sai Sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa”: Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editorias, não mereceria esse tratamento. Como adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato(ANGRIMANI, 1995, p.16).

O sensacionalismo e a espetacularização trazem consigo o entretenimento. Sem finalidade de informar, alguns programas fazem brincadeiras entre os apresentadores e com os telespectadores. Com o mesmo intuito, apresentam encenações, notícias engraçadas, fatos curiosos e contos assustadores. As “matérias presentes num jornal que não têm o propósito de ampliar o conhecimento das pessoas e ficam limitadas a contar histórias interessantes, insólitas e surpreendentes podem ser enquadradas como entretenimento” e são os chamados fait divers4(AMARAL, 2006, p. 6). Desta forma, todo programa sensacionalista que pretenda manter tal qualificação deve ter em seu espelho5 entrelaçados em meio às matérias mais densas os fait divers. Segundo Angrimani (1995): O fait divers é seu principal “nutriente”, mas não é o único. Lendas e crenças populares, personagens olimpianos (da realeza, cinema e TV, principalmente) política, economia, pessoas e animais com deformações, deficiências, também comparecem com igual peso na divisão do noticiário. [...] A linguagem sensacionalista não admite distanciamento, nem a proteção da neutralidade. É uma linguagem que obriga o leitor a se envolver emocionalmente com o texto, uma linguagem editorial ‘clichê’ (ANGRIMANI, 1995,p.16).

Nessa seara, a transmissão da notícia vira um espetáculo. As imagens fortes aliadas a um texto marcante, e a uma boa dose de teatralização do apresentador se fazem presentes na cobertura jornalística sensacionalista. Aspectos metodológicos Em relação às estratégias teórico-metodológicas utilizadas no presente trabalho, aponta-se que foi sob a orientação dos Estudos Culturais Latino-Americanos (Martín-Barbero, 1997) e a partir dos estudos sobre Comunicação e Recepção (Escosteguy e Jacks; 2005). Realizamos um estudo de recepção, com o uso a aplicação de questionário com perguntas abertas e fechadas, e a técnica de discussão em grupo. Os Estudos Culturais Latino-Americanos, trouxeram a voga os estudos de recepção midiática, realocando os holofotes dos pesquisadores para a figura do receptor:

4 Fait divers é um termo introduzido por Roland Barthes (1964), que designa fatos diversos de entretenimento, escândalos e curiosidades 5 “O espelho é a relação e a ordem de entrada das matérias do telejornal, sua divisão por blocos, a previsão dos comerciais, chamadas e encerramento” (BARBEIRO; LIMA, 2002 p.165).

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Além de criticar as abordagens funcionalistas e estruturalistas nos estudos de comunicação, Estudos Culturais Latino-Americanos, (...) rompe com a visão apocalíptica da Escola de Frankfurt sobre os processos de comunicação. (...) entre as teorias predominantes na Escola de Frankfurt, os processos de comunicação são entendidos a partir de uma perspectiva unívoca na qual a lógica mercantil dos veículos de comunicação de massa e da indústria cultural que eles integram e sustentam são responsáveis pelo conformismo social decorrente da construção de uma representação homogeneizada da sociedade (BRANDALISE, 2011, p 85).

Assim, após as mudanças nas abordagens dos processos comunicacionais entre emissor e receptor, propostas pelos estudos culturais, fez-se necessário o estudo profundo da recepção midiática, anteriormente citamos os pesquisadores Stuart Hall e Orozco Gomez para introduzir a recepção através dos estudos culturais. Mas, o autor mais presente nos estudos de análise de recepção e estudos culturais latino-americanos é o espanhol, radicado na Colômbia, Martín-Barbero. Ancorando-se novamente em Brandalise (2011), cita-se que Martín-Barbero não aceitou as perspectivas Frankfurtianas, tais como a possível homogeneidade da sociedade e a passividade do receptor: Confrontada com os apontamentos de Martín-Barbero(...), entendemos que o problema com essa perspectiva é o de que o receptor não é nem pensado como uma categoria de análise a ser considerada, como se estivesse completamente tolhido de qualquer ação transformadora – se a produção simbólica era entendida como preponderantemente determinada pelo econômico, a visão de mundo que se impunha sobre qualquer outra, em qualquer contexto ou situação, era a dos detentores de meios de produção como a indústria cultural, e nessa perspectiva, nenhum outro recurso cultural ou social poderia heterogeneizar o consumo desses bens simbólicos, as representações da sociedade ou mesmo servir como base para a contestação(BRANDALISE, 2011, p.86).

Martín-Barbero não conseguia aceitar a perspectiva de que todos os receptores teriam a mesma percepção de determinado produto midiático. Para ele, a realidade de cada pessoa iria interferir em sua recepção. Em suas obras, o autor redefine alguns agentes do processo comunicacional. Martín-Barbero (1997, p. 287) aponta que: (...) na redefinição de cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza comunicativa. Isto é, o seu caráter de processo produtor de significações (...) no qual o receptor, portanto, não é um mero decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas também um produtor.

Através desse olhar, Martín-Barbero observa que os receptores não apenas recebem as mensagens, e sim, as reinterpretam, ancorados em suas percepções e experiências anteriores. Fazendo assim, parte ativamente do processo comunicacional. Sabe-se, também, que fatores como a realidade do receptor e todos os elementos que a compõem, aliados a sua experiência receptiva, são capazes de moldar a percepção do mesmo. E a partir das diferentes percepções, observa-seas mais diversas opiniões sobre a temática. Para Jacks e Escosteguy (2005):

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A análise da recepção comparte com os estudos culturais a concepção sobre a mensagem dos meios, considerando-a como formas culturais abertas a distintas decodificações , e sobre a audiência, definindo-a como composta por agentes de produção de sentido. Por outro lado, tanto quanto a perspectiva dos usos e gratificações, a análise de recepção entende os receptores como indivíduos ativos, os quais podem fazer muitas coisas com os meios de comunicação – do simples consumo a um uso social mais relevante (JACKS E ESCOSTEGUY, 2005, p.42).

Muitas variáveis envolvem o processo de recepção, Martín-Barbero norteou seus estudos para essas variáveis, que nomeou de mediações, retirando assim o foco dos meios. Para o autor: “o eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é, para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais”. (MARTÍN-BARBERO, 1997, p.258) As mediações são estruturas que formam a percepção de algum produto midiático. As vivências pessoais, a cultura e a realidade social em que o receptor esta inserido são exemplos de mediações. A recepção de um produto midiático trata-se da forma que o mesmo é assimilado, percebido pelo receptor. Na cadeia comunicacional, percebe-se que, comumente os emissores estruturam suas mensagens de acordo com o receptor alvo. Mas, muitas vezes, não sabem se sua mensagem está tendo a recepção desejada, a assimilação esperada por parte do público, devido às diferentes mediações. Através de suas teorias, Martín-Barbero, possibilitou ao pesquisador um olhar mais amplo, aberto e completo sobre a recepção midiática. Martín-Barbero lotou os estudos de recepção nas mediações, deslocando o foco apenas dos meios e estudando as mediações. Primeiramente, foram escolhidos dez participantes. De sexo, idades, graus de instrução e realidades diferentes. No encontro, primeiramente, foram entregues um “termo de consentimento para realização e divulgação dos dados da pesquisa” e um questionário, a fim de perceber o contexto social e cultural dos participantes. Após o preenchimento dos questionários e das posteriores dúvidas sanadas, prosseguiu-se com a exibição de trechos do Programa Balanço Geral RS. Imediatamente após a exibição dos blocos, o grupo foi incitado a dialogar sobre a recepção do Programa Balanço Geral. A partir das mediações de cada um dos participantes, o grupo emergiu nas diferentes recepções do Programa Balanço Geral. Assim, após a troca de saberes e percepções do grupo, os resultados obtidos foram analisados e cruzados com as teorias dos Estudos Culturais Latino-Americanos. Para realizarmos a análise de recepção, foram selecionados três vídeos do programa, que foram ao ar entre junho de 2009 e novembro de 2013. Os mesmos foram escolhidos por serem populares6 no site de vídeos Youtube7, e por conterem elementos e pautas recorrentes na programação do Balanço Geral. 6 A popularidade foi percebida devido ao grande número de visualizações dos vídeos. 7 A procura por vídeos no site Youtube ocorreu porque a Rede Record não disponibiliza vídeos do Balanço Geral RS em seu site. E mesmo após contatos via e-mail por parte dos responsáveis deste trabalho com a emissora, a mesma não se manifestou se cederia ou não as imagens.

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Assim, os vídeos escolhidos foram: “Balanço Geral RS – 28/05/2013”8: O vídeo conta a história do menino José Mendes Jr, 14 anos, que após um atropelamento e supostos erros médicos, encontrava-se em coma na época da matéria. Pauta: saúde, erro médico, negligência. “Balanço Geral - Absurdo: idosa é espancada covardemente”9:O vídeo aborda o caso de Rosa Almeida Martins, de 68 anos, que foi espancada pelo marido, sofrendo várias lesões, entre elas traumatismo craniano. Sendo instaurado o inquérito por tentativa de homicídio contra o agressor José Avelhaneda Botoni. Pauta: violência contra a mulher, violência doméstica, tentativa de homicídio. “Alexandre Motta fica furioso, derruba bancada e xinga com palavrão - Balanço Geral RS (01/11/2013)”10: Este vídeo trata de uma consulta médica agendada pela Secretaria de Saúde de Alvorada, dez anos após a morte do paciente. Pauta: precariedade na saúde pública. Análise da recepção do Balanço Geral RS Para a análise da recepção do programa Balanço Geral, utilizou-se da técnica de pesquisa qualitativa, por meio de um questionário misto11 com questões abertas12 e fechadas13, que os próprios participantes preencheram, e, logo após, o grupo dispôs-se em uma grande roda de troca de experiências e percepções sobre a atração Balanço Geral. Estas técnicas mostraram-se adequadas para promover um estudo mais aprofundado, a fim de compreender as influências e a percepção que os participantes obtiveram do programa Balanço Geral. As seis primeiras questões foram: idade, sexo, grau de instrução, profissão, renda mensal bruta aproximada e existência de aparelho(s) televisor(es) na residência. Seguidas de mais seis questões com referência direta à mídia televisiva e à atração estudada, o Balanço Geral RS. O estudo de recepção foi realizado com dez pessoas de ambos os sexos, com idades entre 26 e 69 anos. A moda e a mediana do grupo foram iguais, 33 anos, e a média foi 39 anos. A partir do questionário misto aplicado aos participantes, obteve-se diversas características pessoais. Através da troca oral de percepções sobre o programa, também foram observadas outras diversas mediações, as quais serão ligadas aos depoimentos pessoais no decorrer deste estudo. Assim, ao deslocarmos o objeto da presente pesquisa para os respondentes, tal qual Martín-Barbero (1997) propôs, percebemos que os mesmos apropriam-se de suas práticas cotidianas para decodificar e interpretar a atração 8 Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=xtcAD0rSExg 9 Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=havIp1Mdo_8 10 Vídeo disponível emhttp://www.youtube.com/watch?v=YA3GCqd6euE 11 “Os questionários de tipo misto, que tal como o nome indica são questionários que apresentam questões de diferentes tipos: resposta aberta e resposta fechada” (AMARO; PÓVOA; MACEDO, 2004, p.6). 12 “As questões de resposta aberta permitem ao inquirido construir a resposta com as suas próprias palavras” (AMARO; PÓVOA; MACEDO, 2004, p.4). 13 “As questões de resposta fechada são aquelas nas quais o inquirido apenas seleciona a opção (de entre as apresentadas), que mais se adequa à sua opinião” (AMARO; PÓVOA; MACEDO, 2004, p.4).

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Balanço Geral RS no ato da recepção. No presente estudo, o grupo era bem heterogêneo no atributo escolaridade, os participantes tinham desde ensino fundamental completo a mestrado. Todos os participantes possuem aparelho televisor em casa e todos afirmaram assistir programas de TV. A maioria refere assistir telejornais cinco ou mais vezes por semana. Ao serem questionados sobre acreditarem que o programa Balanço Geral conquista muita audiência, sete participantes disseram que sim, porém de pessoas menos instruídas. Os três receptores que referiram não acreditar que a atração possui grande índices de audiência, citaram os seguintes fatores como causadores deste baixo índice: a emissora na qual a atração é veiculada, o sensacionalismo da atração e os casos de violência veiculados. Na questão em que era abordado se o programa refletiria a realidade, novamente sete participantes responderam sim. Os três receptores que disseram não, explicaram como motivos: mostrar apenas um lado envolvido na notícia, buscar apenas reportagens que tenham determinadas características pré-estabelecidas, e o último não acredita que a atração reproduza a realidade devido à mesma realizar uma proposta sensacionalista e sem neutralidade, perdendo a credibilidade da informação. Outro tema abordado no questionário foi como os participantes enxergavam a atração, sete a veem como sensacionalista, dois como sendo um programa que retrata a realidade e um participante enxerga-o como um programa informativo. Para finalizar o questionário, os participantes eram convidados a escrever a sua opinião, de maneira geral sobre o programa balanço geral. Algumas respostas, ancoradas nas mediações dos participantes carecem ser destacadas. Após a realização do questionário, o grupo, disposto em roda, começou a debater a atração que fora exibida, das muitas vozes algumas se sobressaíram. Percebemos que a realidade de cada um influencia em suas respostas, opiniões e recepções. Ao decorrer das análises tais percepções se tornarão mais claras. Neste trabalho, as considerações sobre as diferentes recepções serão expostas com embasamento nos relatos orais e no questionário escrito. Foram realizadas ainda entrevistas individuais com alguns participantes, que de certa forma, foram mais ativos na discussão oral. Achamos pertinente expor também aqui as opiniões escritas em formas de figuras. Por opção metodológica, foi escolhido colocar só o primeiro nome dos participantes do estudo e neste trabalho serão expostas apenas algumas recepções, devido ao formato do mesmo. Paula, 41 anos, é servidora do Ministério Público Federal, graduada em Administração de Empresas e em Direito. Paula tem um filho de 15 e outro de 7 anos, mora em uma área privilegiada da cidade em um condomínio de casas com segurança 24h, onde os seus filhos podem brincar na rua a qualquer hora. Para ela, o formato do programa não agrada, principalmente por não se aprofundar em nenhum assunto segundo sua percepção. Para ela, falta a contextualização do fato. Em sua opinião, um programa tele jornalístico deveria

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fornecer mais dados, contextualizar mais o fato, tal qual ela em sua função diária. Como profissional da área do direito, e como servidora da Procuradoria da República, em seu dia-a-dia, a participante escreve muitas peças processuais, que necessitam de um contexto fático, para então, depois serem encaixadas em uma teoria jurídica. Assim a contextualização do fato é de suma importância em seu cotidiano. Nos relatos orais de Paula, observou-se ainda que para ela “o programa (...) se divide em duas partes, a primeira é uma notícia que quase não é editada, que é um fato que não é uma coisa rara, como por exemplo a esposa que foi espancada pelo marido, milhões de mulheres são espancadas, ele não pega notícias inéditas. Ou a questão da saúde que é muito batida, nos sabemos quantas pessoas morrem, ele pega um fato batido e traz ele de uma forma apelativa, esse é o ponto. (...) Ele traz uma notícia limitada, com apelo exclusivamente emocional. Depois, ele passa pra segunda parte do programa que é um teatro, de certa forma esse teatro é apelativo e instiga várias atitudes, se alguém for levar ao pé da letra, ele está instigando, muitas vezes, a justiça pelas próprias mãos, o que é crime. Ele está instigando que alguém pegue alguém na rua e resolva a situação de outra forma, estimula essa revolta conjunta.” Ela também salientou a questão do apresentador instigar a ideia de “justiça pelas próprias mãos”, o que é sabidamente ilegal e criminoso, sendo a única do grupo, talvez por sua formação, a perceber e relatar tal fato. Finalizando, as percepções da participante, ela acredita que as notícias são realistas, porém o formato não a agrada, ela acredita que o programa poderia cumprir outro papel, informar mais os telespectadores. E talvez por ser parte atuante do Estado, em sua função de servidora pública, enxerga claramente a assistência estatal como deficitária. No seu dia-a-dia, e na atração estudada, a participante percebe que: “independente da cultura, se a voz de alguém já não é ouvida, qualquer um que fale em nome dessa pessoa vai ser idolatrado, nem importa o nível social”. Maria, 30 anos, é contabilista e funcionária de uma empresa de convênios médicos. Maria é casada e ainda não tem filhos, diz já ter assistido o Balanço Geral RS, mas assiste diariamente a edição paulista da atração. Maria relata que a atração é transmitida justamente no horário em que ela chega em casa e fica na sala da sua casa descansando, e como não lhe agradam os outros programas que são transmitidos no mesmo horário, Maria escolhe a atração Balanço Geral. Maria refere assistir a atração, e acredita que não está sozinha, pois, segundo ela, a atração “deve dar muita audiência porque o povão gosta de olhar”. Maria foi a única participante que relatou assistir frequentemente a atração, e apesar das críticas realizadas à atração por parte dos outros participantes, Maria fez questão de finalizar suas falas com a frase: “eu vou continuar assistindo, mesmo após essas reflexões todas aqui, vou continuar me jogando no sofá e assistindo ao programa”. Rita, 32 anos, é servidora pública do Município de São José do Norte e exerce atualmente o cargo de Secretária Adjunta de Educação do Município. Rita tem um filho de 12 anos. Mora em Rio Grande, em apartamento locado em

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uma área boa da cidade. A participante desloca-se diariamente à cidade vizinha de São José do Norte por meio de transporte fluvial para trabalhar. A participante classificou a atração como sensacionalista e cansativa, porém acredita ser um formato importante por veicular notícias que não são ofertadas na mídia de referência. Rita também relatou a divisão da atração em duas partes: “tem a reportagem séria, e depois vai pro cômico, até tu esquece da desgraça, vai pro cômico, tem musica atrás, movimento, uma série de coisas que beira ao cômico, a gente começa a rir e esquece a notícia”. A participante vê a atração como uma forma da população reivindicar ou denunciar alguma questão. E diz que “a mídia é o quarto poder, em São José do Norte é assim, tem o poder legislativo, executivo, judiciário e a rádio. Eu vejo pela Secretaria de Educação, tem que resolver tal questão rápido se não os pais vão pra rádio”. Álvaro, 28 anos, é auxiliar de topografia e graduado em Geografia Licenciatura. Reside no centro da cidade com a família. Percebeu-se que o participante classifica a atração como sensacionalista e sem credibilidade devido a sua falta de imparcialidade. Nos relatos orais de Álvaro, a questão da forma que a notícia é transmitida é abordada novamente: “ele passa a notícia sem credibilidade nenhuma, da maneira que ele faz perde toda a credibilidade, tu não sabe até que ponto aquilo ali é verdade”. “O principal problema é que não tem profundidade, está falando da violência e não toca no porque daquilo” Para se compreender mais amplamente a opinião de Álvaro é pertinente ressaltar que o participante é formado na área das humanas, oriundo de uma graduação que estuda as origens de diversos problemas sociais. Carla, 39 anos, é casada e tem um filho. A participante é enfermeira em uma Unidade Básica de Saúde da Família, em um bairro pobre e violento na periferia da cidade de Rio Grande. Carla relatou que em seu dia-a-dia trata com pessoas menos instruídas, e algumas agem de forma grosseira, gritam e ameaçam o funcionário que está ali pra ajudar, porém não tem poder de resolver todos os problemas dos usuários da rede pública de saúde. A participante relatou, ainda, durante o debate sobre o que faz a população assistir atrações que abordem tragédias pessoais, que para ela: “depende um pouco do que tu faz no teu dia a dia, eu não sei as outras pessoas, mas o meu trabalho me leva a lidar com a desgraça do outro todo o dia, com a dor, com o sofrimento, então isso não me atrai, porque é a minha rotina diária, então isto eu faço questão de não enxergar mais quando em casa, de não procurar mais esse tipo de coisa”. Pode-se perceber nitidamente a mediação da profissão da participante inferindo em suas preferências e percepções. Concluindo, a atração não agrada a participante principalmente pelo seu conteúdo. A profissão de Carla a faz ver e lidar com tragédias pessoais diariamente, então ao chegar em seu lar, com a sua família, ela prefere não ver mais nenhum tipo de tragédia e opta por outras atrações. Finaliza-se esta etapa de aferições das recepções, compactuando com Jacks e Escosteguy (2005):

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A comunicação, segundo Martín-Barbero, assume o sentido de práticas sociais onde o receptor é considerado produtor de sentidos e o cotidiano, espaço primordial da pesquisa. (...) Os “usos”, portanto, são inalienáveis da situação sociocultural dos receptores que reelaboram,ressignificam e ressemantizam os conteúdos massivos, conforme sua experiência cultural, suporte de tais apropriações (JACKS E ESCOSTEGUY, 2005, p.66, grifo dos autores).

Analisando as recepções e respectivas mediações, através da troca de experiências realizada pelos participantes, por meio de relatos orais, pode-se perceber que através da realidade de cada um a percepção se modifica. Na maioria das opiniões, o programa foi qualificado como sensacionalista, superficial eespetacularizado, e seu apresentador Alexandre Mota foi concebido como exagerado e teatral. Referências AMARAL, Márcia Franz. Jornalismo Popular. Contexto, 2006. AMARAL, Márcia Franz. Imprensa popular: sinônimo de jornalismo popular? XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2006. AMARO, Ana; PÓVOA, Andreia; MACEDO, Lúcia. A arte de fazer questionários. Metodologias de Investigação em Educação. Faculdade de Ciências da Universidade Do Porto, 2004. Disponível em http://webcache.googleusercontent.com/ search?q=cache:28D4XKlyT_4J:www.jcpaiva.net/getfile.php?cwd%3Densino/ cadeiras/metodol/20042005/894dc/f94c1%26f%3Da9308+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso em 01 fev. 2014. ANGRIMANI, Danilo. Espreme que Sai Sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus, 1995. BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de Manual de telejornalismo: os segredos da notícia na TV. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002. BRANDALISE, Roberta. A Televisão Brasileira nas Fronteiras do Brasil com o Paraguai, a Argentina e o Uruguai. Tese de Doutorado, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo: Acervo da USP, 2011. HALL, Stuart. Codificação/Decodificação. In Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. JACKS E ESCOSTEGUY, Nilda e Ana Carolina. Comunicação e Recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ,1997. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Televidencia: perspectivas para el análisis de los procesos de recepción televisiva. Cuadernos de comunicación y practicas sociales. México: Universidad Iberoamericana, n. 6, 1994. PATERNOSTRO, Vera I. O texto na tv: manual de telejornalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1999. Sobre os autores: Esther da Rosa Louro - Recém graduada no Curso de Jornalismo da UFPel,

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email: [email protected] Michele Negrini - Orientadora do trabalho. Jornalista, Doutora em Comunicação pela PUC RS. Professora do Curso de Jornalismo da UFPel, email: mmnegrini@ yahoo.com.br

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Estudantes universitários como sujeitos da pesquisa exploratória: as fronteiras internacionais em representações e vivências Tabita STRASSBURGER Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo: A reflexão parte de aproximações iniciais com a pesquisa de doutorado que busca problematizar as realidades fronteiriças internacionais, considerando as representações que circulam sobre a temática e, de modo especial, a forma como essas regiões são retratadas pelo jornalismo nacional e local. Para tanto, apresenta dinâmicas experimentais desenvolvidas na disciplina “Comunicação, Fronteira e Identidade”, no curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), nos segundos semestres letivos de 2012 e 2013. A opção pelo campus se deve por estar localizado na cidade de São Borja, fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, divisa com Santo Tomé, província de Corrientes, Argentina, e teve a finalidade de apreender algumas elaborações dos discentes, por exemplo, em termos de diferenças e similaridades no que tange aos cenários fronteiriços. Palavras-chave: Fronteiras internacionais; Representações sociais; Pesquisa exploratória; Estudantes universitários; Vivências fronteiriças. Introdução: acercando-se da realidade investigada O texto apresenta as primeiras aproximações com a pesquisa de doutorado que busca, entre outros objetivos, problematizar as realidades fronteiriças internacionais, pensando, de modo especial, as formas como são retratadas pelo jornalismo, nos âmbitos local e nacional, e as representações sociais que circulam acerca da temática nas próprias regiões limítrofes. A partir dessa perspectiva, traz as processualidades de uma atividade experimental desenvolvida na disciplina complementar da graduação “Comunicação, Fronteira e 1

1 Provisoriamente intitulada “Limites da Pátria Grande: as representações de América Latina nas fronteiras internacionais gaúchas”, e orientada pela professora doutora Karla Maria Müller.

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Identidade”2, no curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus São Borja. A dinâmica referida teve a finalidade de analisar as representações que circulavam entre os discentes matriculados na disciplina no que diz respeito às fronteiras internacionais – tanto brasileiras quanto em outros países –, tendo em vista o fato de vivenciarem essa realidade de distintas maneiras. A opção por tal contexto se justifica em virtude de a cidade estar localizada na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, fazendo divisa com Santo Tomé, na província de Corrientes, Argentina. Também, pela diversidade de experiências das turmas pesquisadas, tendo estudantes de diferentes estados e regiões do país, alguns já tendo vivenciado o cotidiano fronteiriço e outros conhecendo pela primeira vez essa realidade. Ainda nessa direção, importa referir que a exploratória considerou que se tratam de discentes que, em breve, estarão atuando como profissionais em empresas jornalísticas e participando na elaboração e circulação de representações midiáticas. Além disso, o fato de a pesquisadora ter morado no município e atuar como docente3, na Unipampa, durante um ano e dez meses, contribuiu com as observações daquele cenário em sua multiplicidade, no que apresenta de dinâmicas, costumes e inter-relações. Para dar conta das reflexões teóricas acionadas pelo problema/objeto empírico, são problematizados conceitos como o de representações sociais, por meio de Moscovici (2011), fronteiras internacionais, a partir de pesquisas de Müller (2005, 2007), Müller et al (2010, 2012, 2013) e Silveira et al (2008, 2012, 2013), e da compreensão dos universitários enquanto sujeitos, com competências comunicativas e participação midiática ativa, conforme as teorizações de Morley (1997), Huertas Bailén (2002) e Mattelart e Mattelart (2004). Ainda, com relação ao percurso metodológico, são empreendidas processualidades investigativas de aproximação a partir de elementos da pesquisa exploratória, segundo a noção elaborada por Bonin (2011), e também algumas indicações possíveis para as próximas etapas da pesquisa. Contextualização: as fronteiras internacionais e suas representações Em proporção territorial e considerando a faixa de fronteira do país, o Rio Grande do Sul é o estado brasileiro que apresenta maior proeminência no sentido das fronteiras internacionais como integrantes de um cenário que é vivenciado por sua população. As fronteiras se apresentam caracterizadas pela hibridez, pela constante reciprocidade entre as populações e, também, pelas tensões, advindas da relação, do conflito simbólico entre ‘nós’ e ‘eles’, entre o local, o nacional e o global. Os reflexos desse cenário aparecem no dia-a-dia dessas sociedades, nas atividades mais simples do contexto social e cultural de tais regiões4. 2 Entre os objetivos da disciplina, o artigo destaca o de “investigar e refletir sobre aspectos culturais ligados à relação comunicação, fronteira, identidade, a partir da condição de fronteira Brasil/Argentina – São Borja/Santo Tomé”. 3 Sendo professora substituta do curso de Comunicação Social – Jornalismo, entre junho de 2012 e março de 2014, e ministrado a disciplina em que foi realizada a pesquisa exploratória. 4 Tais reflexões partem de Müller (2005, 2007), Müller et al (2010, 2012, 2013) e Silveira et al

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Um local naturalmente híbrido, onde as variadas culturas se encontram, uma região em que afloram as mais diversas identidades5 (locais, nacionais, internacionais) e, portanto, de uma riqueza infindável de conhecimentos, conteúdos e possibilidades de representações. Assim, poderiam ser descritas as regiões de fronteira do Brasil. Compreendendo a realidade limítrofe como um espaço privilegiado para trocas sociais, materiais, afetivas, culturais, éticas, jurídicas, históricas, simbólicas, econômicas, políticas, entre outras, mostra-se relevante problematizar esse cenário a partir dos sujeitos que o vivenciam. Apesar de guardarem características que lhes são peculiares, os municípios de São Borja e Santo Tomé se aproximam de outras áreas de fronteira por traços como hibridismo, multiculturalismo, convívio de diferentes identidades, intensas relações interpessoais e internacionais. Para além dessas experiências que se efetivam no cotidiano dos fronteiriços, a pesquisa exploratória buscou ponderar sobre as representações, uma noção que vem sendo problematizada a partir dos mais distintos campos do conhecimento, circulando em áreas como Filosofia, Sociologia, Psicologia, Semiótica, em permanente processo de construção e reconstrução. Nos estudos comunicacionais, tais reflexões merecem destaque devido à importância da mídia como uma das instâncias com poder de divulgar e legitimar representações de todos os tipos. Processos desenvolvidos a partir de um segmento da sociedade com determinações próprias: editoriais, políticas, mercadológicas, econômicas e ideológicas. Através da circulação de significações e formas simbólicas, as pessoas constroem associações, utilizadas em suas comunicações e nas interpretações das próprias associações que recebem dos mais variados agentes. Desse modo, vão sendo configuradas as representações sociais que, de acordo com Moscovici (2011), são entidades quase tangíveis, que circulam continuamente em nosso mundo cotidiano (por meio de palavras, gestos), impregnando a realidade, as relações estabelecidas, os objetos produzidos e consumidos, e as comunicações – a pesquisa de doutorado enfoca a perspectiva jornalística. Assim, as representações sociais não ficariam restritas a elementos cognitivos, que produzem comportamentos e permitem que os indivíduos se comuniquem; mas sim, existiriam dentro e enquanto práticas comunicativas e atuariam como agentes da realidade, modificando-a. Sua formação ocorre através de influências recíprocas, de negociações implícitas no transcorrer de conversações, nas quais as pessoas se orientam a modelos simbólicos, imagens e valores compartilhados específicos. Dessa forma, ocorre um processo que configura repertórios comuns de interpretação e explicação às pessoas, procedimentos normativos que tomam a vida cotidiana e suas conjunturas. Partindo das perspectivas apresentadas, são buscadas referências nas representações para refletir especificamente sobre os sujeitos comunicantes da pesquisa, por meio daquilo que expressam e manifestam simbolicamente em uma linha comunicacional. Tais problemáticas merecem destaque devido à im(2008, 2013). Ainda, a compreensão que se tem acerca das fronteiras internacionais vem sendo conformada por meio do contato com outras publicações das autoras, ao longo do percurso acadêmico da pesquisadora. 5 Nesse sentido, importa ressaltar o jornalismo fronteiriço como partícipe nos processos de representações das realidades e identidades locais (MULLER et al 2010).

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portância da mídia como uma das instâncias de divulgação e legitimação dos mais variados sentidos, que partem de inúmeras mediações, tomando o domínio social, englobando-se ao cotidiano, nos mais diversos contextos da sociedade. Soma-se a isso, o fato de os universitários analisados cursarem Jornalismo, e em breve se tornarem profissionais que atuarão na construção de representações no âmbito midiático, tendo participação e responsabilidades nesses processos de divulgação e legitimação. Os estudantes universitários como sujeitos da pesquisa exploratória A pesquisa exploratória partiu da compreensão dos estudantes pesquisados enquanto sujeitos comunicantes6, agindo de maneira ativa no consumo, produção e compartilhamento de informações e conteúdos. Ainda, pelo fato de estarem cursando Jornalismo, foram considerados como fontes especializadas da investigação, tendo acesso a conhecimentos e competências específicos da área comunicacional. Nesse sentido, a reflexão se aproxima das contribuições de Morley (1997) que, focando nos telespectadores e no âmbito dos estudos de recepção, afirma que a passividade dos receptores caiu em desuso, tendo em vista a participação ativa que apresentam. Aceitando a perspectiva do autor, o presente texto entende que os sujeitos, antes considerados vítimas, seres passivos, abandonados frente às telas, estão alertas ao que é veiculado pela mídia, hierarquizam, filtram o que recebem, podendo aceitar ou rechaçar as informações a que tem acesso, de acordo com a posição e os contextos que ocupam na vida social. Em direção semelhante, Mattelart e Mattelart (2004) pensam a dimensão dos sujeitos considerando a noção de competência junto ao âmbito comunicacional. Estaria relacionada às experiências individuais e sociais, bem como, aos hábitos e familiaridade com determinados produtos midiáticos, e aos movimentos e práticas da comunicação dos quais ele é participante. Ainda, Huertas Bailén (2002) fala de uma audiência ativa, que indica um protagonismo dos sujeitos frente às mídias, significa uma atitude crítica7 e reflexiva diante do contato com as informações, a partir de vivências e experiências que essas pessoas apresentam. O texto não tem a pretensão de negar a importância e a centralidade da mídia na sociedade contemporânea, contudo, entende e admite esse espaço nuclear enquanto compartilhado por outras inúmeras instâncias que atuam como mediadoras das vivencias humanas. A participação dos sujeitos vai muito além da posição de destinatários dos meios, eles atuam como produtores, colaboradores, compartilhando e elaborando informações, de acordo com fatores e determinações variados (cotidiano, relações afetivas, financeiras, políticas, culturais, estudantis, trabalhistas, entre outras). 6 A noção é uma referência aos “indivíduos possuidores de determinações e atitudes, capazes de se posicionar frente às mídias, de participar efetivamente na proposição de questionamentos e ações, de discernir entre as informações que busca e as que lhe são oferecidas” (STRASSBURGER, 2012, p. 110). 7 Convém assinalar que a utilização do adjetivo “crítico”, para falar dos sujeitos comunicantes, não se refere à negação ou rechaço, mas sim, a um comportamento informado, distanciado ou analítico no que diz respeito às informações com as quais têm contato.

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Entre outras finalidades, a pesquisa exploratória objetivou apreender que representações circulam entre esses sujeitos (e são colocadas em circulação por eles), buscando pistas dos “lugares” de onde partem essas elaborações que apresentam. Dessa forma, tenta também assimilar os possíveis espaços midiáticos com os quais têm contato e a maneira como as experiências que vivenciam no dia-a-dia podem interferir no entendimento que possuem acerca das fronteiras internacionais. Processualidades metodológicas no percurso investigativo Inicialmente, importa enfatizar a compreensão da metodologia como uma construção que vai sendo elaborada durante a pesquisa de acordo com as especificidades de cada problema/objeto, um desenvolvimento contínuo de estratégias e lógicas que permitem que o pesquisador se acerque daquilo que está investigando. Além disso, tem-se o entendimento de que os métodos não são fixos, mas se modificam e se adaptam de acordo com os objetivos, aplicando-se às problemáticas analisadas. Nesse sentido, compreende-se a trajetória empreendida até o momento como procedimento inicial de um percurso bem mais complexo, uma etapa introdutória para mapear o concreto e encontrar alguns desdobramentos, descobrir pistas, registrar possibilidades, recolher interrogações mais do que obter respostas. De acordo com Bonin (2011), a pesquisa exploratória implica movimentos de aproximação empírica com os objetos da pesquisa, no sentido de buscar perceber seus delineamentos, apreender suas especificidades e singularidades. Permite testar, vivenciar e refletir os procedimentos, táticas e experimentações metodológicas, contribuindo para a definição da amostra ou corpus de análise. Pode apresentar natureza e procedimentos diversos, de acordo com as decisões do pesquisador, a partir das necessidades e objetivos que cada investigação manifesta em sua dinâmica. Seguindo traços indicados pela autora, a proposta foi organizada no intuito de estabelecer um primeiro contato investigativo com os estudantes e perceber, de maneira inicial, que representações circulavam entre aqueles universitários no que tange às fronteiras internacionais. A ideia de desenvolver uma pesquisa exploratória com as turmas, em sala de aula, surgiu do interesse em compreender como esses sujeitos, que estão vivendo nesse cenário peculiar, percebem o espaço fronteiriço e as experiências que nele ocorrem cotidianamente e das quais participam de distintas formas. A pesquisa não teve a pretensão de analisar quantitativamente as indicações dos estudantes, mas de ter um panorama geral das representações que circulavam entre eles. Convém retomar que a dinâmica foi empreendida na disciplina complementar da graduação “Comunicação, Fronteira e Identidade”, no curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), nos segundos semestres letivos de 2012 e 2013. Na época, o componente curricular em questão não tinha caráter obrigatório, sendo aberto aos graduandos que manifestassem interesse, independente do semestre que estivessem cursando.

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Conforme planejado pela pesquisadora, a atividade experimental teve início no primeiro dia de aula, quando foi solicitado que os estudantes escrevessem palavras a que eram remetidos quando pensavam em “fronteiras”. Na sequência, os termos foram compartilhados com a turma, e cada acadêmico pode comentar os porquês de ter escolhido tais expressões, explicando algumas das referências que resultaram nas palavras. Em momento posterior e considerando o que indicaram, a dinâmica teve a finalidade de problematizar as realidades fronteiriças, por meio de textos, audiovisuais, exemplos de coberturas midiáticas e debates, foram estabelecidas discussões sobre os diferentes contextos dessas regiões e, ainda, foi proposta uma imersão dos universitários nas vivências do país vizinho8. Atentou-se ao conceito de representações sociais, com base em Moscovici (2011), refletindo acerca dos comentários feitos na primeira aula e das possíveis reelaborações que talvez fossem construídas no decorrer dos diálogos. Para elucidar essa problematização, importa trazer alguns exemplos de expressões incluídas pelos estudantes nas listas: aduana, ponte, pedágio, Rio Uruguai, carta verde, Receita Federal, fiscalização, segurança, cassino, mercado chinês, Cremolatti9, pão de queijo, comida, gastronomia, economia, câmbio, comércio, muamba, compras, cultura, identidade, trajes, diferenças, diversidade, turismo, experiência, costumes, idioma, nacionalidade, tradição, danças, música, conhecimento, diversão, festas, viagem, burocracia, confusões linguísticas, imigração, ilegalidade, atrito, contrabando, impostos, transtorno, medo, drogas, tráfico, desvalorização da moeda, vulnerabilidade, preconceito, pobreza, rivalidade, isolamento. Ainda, apareceram assinaladas as fronteiras “México e Estados Unidos” e “São Borja e Santo Tomé”. De certa forma, por meio dos termos indicados, pode-se perceber algumas categorias temáticas em referência às representações, como “o contexto concreto da região”, através de referências materiais que integram o cenário fronteiriço, “a burocracia como limite”, com indicações vividas e relatadas por outras pessoas, “o que o outro lado oferece”, trazendo indicações dos espaços argentinos que são frequentados pelos brasileiros e de produtos consumidos, “fronteiras abertas à ilegalidade”, bastante voltada a cobertura midiática nacional que costuma enfocar tais situações em suas abordagens10, “a presença de barreiras”, diz respeito às dificuldades que os próprios estudantes vivenciaram, sem qualquer mediação, no cotidiano de limítrofes. A partir dos elementos com que se teve contato, foram estabelecidas algumas considerações concernentes ao movimento exploratório, relacionadas aos discentes de maneira direta, bem como às próximas dinâmicas pretendidas para a investigação, conforme é apresentado na sequência. Considerações de fechamento e continuidade Por meio das processualidades metodológicas e das reflexões teóricas empreendidas, foi possível apreender algumas elaborações dos discentes, por 8 Como proposta de ensino, os estudantes foram instigados a propor pautas diferentes daquelas que costumavam ver nos meios de comunicação comerciais e a desenvolver matérias na cidade vizinha, Santo Tomé, para que assim tivessem contato com a realidade que fica no outro lado da Ponte da Integração. 9 Sorveteria argentina bastante frequentada pelos brasileiros. 10 Para uma reflexão aprofundada, ver Silveira e Guimarães (2012) e Silveira et al (2013).

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exemplo, em termos de diferenças e similaridades no que diz respeito aos cenários fronteiriços. De modo geral, tinham o entendimento de que, apesar de apresentarem semelhanças, como a mescla cultural e identitária (entre os âmbitos local, nacional e internacional), cada região guarda particularidades de acordo com contextos que são especificos do lugar – históricos, geográficos, sociais, políticos, entre outros. Ainda, pôde-se observar que as representações variavam entre aqueles que experienciavam mais a realidade limítrofe de São Borja, tendo o hábito de ir ao país vizinho, passear, conversar com os argentinos, frequentar seus estabelecimentos, experimentar as diferenças culturas. Também, em relação aos acadêmicos que conheciam a realidade cotidiana em diferentes regiões de fronteiras11, tendo morado ou passado algum tempo em espaços como esses. Tais apontamentos, mesmo que incipientes, indicam a vivência do local de fronteira, por meio de experiências individuais e/ou coletivas, como um fator importante na elaboração das representações desses estudantes. Além disso, essa característica permite que elaborem certos questionamentos e críticas no que tange às abordagens jornalísticas sobre esses espaços – nas aulas, era comum que os discentes utilizassem exemplos de suas vidas para contrapor informações ou concordar com as abordagens midiáticas. Após a pesquisa exploratória, surgiram outras indagações com relação ao problema/objeto e voltadas a diferentes aspectos teórico-metodológicos da investigação. Nesse sentido, como continuidade da pesquisa de doutorado, é fundamental dar sequência à revisão bibliográfica, contextualizando a proposta que está sendo construída, trazendo reflexões postas por outros autores e explicando as escolhas e definições que são realizadas. Outro movimento também relevante é a análise das produções jornalisticas desenvolvidas e veiculadas na região, buscando apreender a realidade fronteiriça e suas representações também (e de maneira direta) a partir do viés midiático. Considerando a abordagem investigativa desenvolvida até o momento, vislumbra-se a importância de manter e aprofundar as reflexões a partir do contexto universitário, ampliando o enfoque para outros sujeitos, como professores da Unipampa e discentes de outros cursos da instituição. Somado a essa perspectiva, interessa atentar para os profissionais que trabalham com jornalismo e comunicação na cidade de São Borja. Sendo eles graduados na área ou não, convém entender o perfil desses indivíduos, e da coletividade que representam, as práticas que desenvolvem, as lógicas pessoais, empresariais e trabalhistas a que são submetidos, os interesses que estão relacionados na construção da realidade que elaboram, a maneira como o contexto fronteiriço interfere no fazer comunicacional, entre outras dinâmicas.

11 Para ilustrar, são exemplos: Uruguaiana (Brasil) – Paso de Los Libres (Argentina), Santana do Livramento (Brasil) – Rivera (Uruguai), Corumbá (Brasil) – Puerto Quijarro (Bolívia), San Diego (Estados Unidos) – Tijuana (México).

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quisa – CNPq. Integrante do Grupo de Pesquisa Processos Comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção – PROCESSOCOM, e da Rede Temática de cooperação Comunicação, Cidadania, Educação e Integração da América Latina – Rede AmLat. E-mail: [email protected]

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Consumo de notícias e circulação de comentários dos leitores: do Facebook à versão impressa do Diarinho Felipe da COSTA Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar o consumo das notícias publicadas na fanpage do jornal Diarinho e a circulação dos comentários no Facebook e no jornal impresso. Para isso observamos uma semana da página oficial do jornal no Facebook – no período de 1º a 7 de maio de 2014. Foram coletados todos as postagens de divulgação da capa do jornal e de notícias, e por meio da Análise de Conteúdo foram contabilizadas as interações – curtidas, compartilhamentos e comentários - e categorizados os comentários realizados por leitores. A última etapa do trabalho consistiu em verificar quais os tipos de posts dos leitores são publicados na seção Na Rede, veiculada na versão impressa do jornal, entre os dias 2 e 8 de maio. PALAVRAS-CHAVE: Consumo de notícias, circulação de comentários, Facebook, Diarinho Introdução O Diarinho é essencialmente um jornal diário impresso. Esta é sua maior fonte de lucro. Entretanto, utiliza seu site para disponibilizar aos assinantes a versão folheável do impresso e disponibilizar algumas notícias de forma gratuita. Algumas dessas notícias disponibilizadas gratuitamente também são postadas na página do Facebook do jornal. Entre as interações realizadas pelos leitores, o jornal seleciona alguns dos comentários para compor a seção do jornal impresso denominada “Na Rede”. Assim como muitos veículos de comunicação, independente do suporte, o Diarinho vive a cultura da convergência, termo cunhado por Henry Jenkins para tratar dos “aspectos culturais que decorrem da aproximação entre audiências e as grandes instituições midiáticas e a circulação de tais produções entre diferentes meios de comunicação” (PRIMO, 2013). É essa aproximação entre a audiência e o veículo que nos interessa. Este artigo tem como objetivo geral analisar o consumo das notícias publicadas no Facebook do Diarinho e a circulação dos comentários na página da rede so-

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cial e no jornal impresso. Para isso, identificamos as interações realizadas pelos leitores nas postagens; categorizamos os comentários publicados pelos leitores; e identificamos quais tipos de comentários são publicados na seção “Na Rede” do jornal impresso. Como técnica de coleta utilizamos a Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2011). Coletamos os dados em três etapas. A primeira foi para verificar a quantidade de interações (curtidas, compartilhamentos e comentários). Neste processo também foram classificados os temas dos posts e verificados os recursos multimídia utilizados em cada uma das notícias disponibilizadas no Facebook. A segunda etapa consistiu na coleta e categorização dos comentários realizados pelos leitores. Já a terceira verificou quais comentários foram publicados no jornal impresso. Para a realização das duas primeiras etapas selecionamos os dados do dia 1º a sete maio de 2014. Como os comentários são publicados no jornal somente no dia seguinte, os da última etapa foram coletados entre dois e oito do mesmo mês. Cultura da Convergência: o produtor e o leitor-produtor Com a popularização da internet como meio de comunicação, muitas pessoas acabaram se deslumbrando com os recursos e possibilidades que ela proporciona. É cada vez mais comum o surgimento de livros, textos e palestras que, segundo Primo (2012), buscam explicar tudo com o adjetivo de novo e fazem “crer que tudo aquilo que antes era passa agora a ser de forma diferente, antagonizando e contradizendo o que passou” (p. 13). É entre essas discussões que ganham força previsões de que os meios de comunicação tradicionais, como o impresso, a televisão e o rádio vão morrer. Primo (2012) faz uma crítica a esses discursos e afirma que, entre os diversos novos e passageiros conceitos que surgiram, se destaca o que Henry Jenkins chama de cultura da convergência. Isto porque o autor reage ao enfoque tecnicista e trabalha a relação entre o público e a mídia. Segundo Jenkins (2008), A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias e mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento (JENKINS, 2008, p. 41).

Duas questões podem ser destacadas desse contexto. A primeira é que as velhas e novas mídias estão interagindo de forma cada vez mais complexa. E o objeto empírico deste trabalho exemplifica bem isso. O Diarinho é um veículo de comunicação que nasceu da essencialmente como veículo impresso. Apesar deste continuar sendo o principal produto da empresa, é necessária uma adaptação aos novos tempos e manter um site e uma página no Facebook como complementação do negócio. A segunda questão é a interação entre as empresas de comunicação com a audiência, que, segundo Primo (2012), passou a se envolver ativamente

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com a produção e circulação dos produtos culturais que consomem. No Facebook, por exemplo, além de ler a notícia, é possível curtir, compartilhar e comentar os posts. Estas ações tornam visíveis os hábitos de consumo dos leitores, no caso desse estudo dos usos e apropriações que fazem das notícias. Mas também faz circular o conteúdo noticioso nas páginas iniciais dos amigos, além de circular seus próprios comentários sobre o assunto. Apesar da circulação de comentários estar cada vez mais aparente com a emergência das tecnologias da comunicação e informação, é necessário lembrar que essa interação entre leitor e mídia sempre existiu. Braga (2006) defende a tese que além dos sistemas de produção e de recepção existe um outro. Este terceiro sistema corresponde a atividades de resposta produtiva e direcionada da sociedade em interação com os produtos midiáticos. Denominamos esse terceiro componente da processualidade midiática ‘sistema de interação social sobre a mídia’ ou, mais sinteticamente, ‘sistema de resposta social’ (BRAGA, 2006, p. 22).

Na perspectiva de Braga (2006), os comentários seriam dispositivos que fazem parte de um sistema social mais amplo “caracterizado pelo fato de fazer circular idéias, informações, reações e interpretações sobre a mídia e seus produtos e processos – de produzir respostas” (p. 30) . Segundo o autor, esta distinção entre produção, recepção e resposta social “não é uma questão classificatória – como se devêssemos identificar, para cada ação ou objeto específico, se esse ‘pertence’ ao subsistema de produção, ao de recepção ou ao de interação” (BRAGA, 2006, p. 32). Isto porque uma mesma atividade ou dispositivo pode ter características de mais de um sistema. Os comentários que iremos analisar são bem característicos disso. Ao mesmo tempo que no Facebook do Diarinho é um dispositivo de resposta social, ocorrido após o processo de recepção. Ao ser selecionado pelos editores e publicado na versão impressa do jornal se torna também parte da produção. O Diarinho e a organização das suas mídias O Jornal Diário do Litoral foi fundado pelo advogado Dalmo Vieira em 12 de fevereiro de 1979. Foi o primeiro jornal diário de Itajaí e das cidades próximas, como Balneário Camboriú, Navegantes e Camboriú. E o único dessas cidades que alcançou 34 anos e ainda está em pleno funcionamento. Dalmo tinha o sonho de chegar aos 50 anos, se aposentar da advocacia e abrir um jornal (SOMMER, 2003). Desde o começo, ele queria um jornal independente da política e que fosse amplificador das vozes de seus leitores. Segundo o guia de ética do Diarinho, Dalmo queria um jornal local, que contasse o resultado dos jogos do Marcílio Dias, time da cidade, acidentes mais próximos e dificuldades da região. Mas que estas notícias também fossem publicadas em linguagem acessível para ser entendida pelo povo, sem se importar se o que estava sendo dito, contado e mostrado agradava ou não os poderosos (DIARINHO, 2012, p. 9). Apesar de Dalmo ter morrido em 2004, a diretora de redação Samara Toth Vieira continua seguindo as lições do avô de fazer jornalismo.

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O veículo é impresso em formato tablóide e tem o valor de capa de R$1,50. As vendas são realizadas em bancas e em diversos pontos como padarias e sinaleiras. As editorias principais da publicação são Polícia, Geral, Política, Seu Dinheiro (com informações de economia), Variedades e Voz do Povo, editoria em que é publicado o “Na Rede”. Além disso, o jornal tem colunas de política local e nacional, mural de recados e o caderno de classificados. Nos últimos anos o jornal aumentou a área de cobertura e circulação, que antes era composta apenas por 12 municípios da microrregião do Vale do Itajaí. Agora o veículo circula nas cidades de Balneário Camboriú, Blumenau, Bombinhas, Brusque, Barra Velha, Biguaçu, Camboriú, Florianópolis, Ilhota, Itajaí, Itapema, Palhoça, Navegantes, Penha, Piçarras, Porto Belo, Santo Amaro da Imperatriz, São José e Tijucas. Em 2012, o jornal já tinha a tiragem média diária de 10 mil exemplares. Além da versão impressa, o Diarinho possui ainda um site1 onde é possível acessar todo o conteúdo do jornal impresso, em versão folheável, mediante assinatura. Entretanto, há também outros conteúdos gratuitos como o acesso ao Transe Tudo, que é o caderno de classificados do jornal, blogs dos colunistas, e o Notícias Quentinhas, onde são publicadas pequenas notícias de diversos assuntos. É a partir das notícias publicadas nesta seção do site que é selecionada uma pequena parte para ser publicada no Facebook. Embora não tenha uma quantidade fixa de notícias publicadas no site de forma gratuita, geralmente este número gira em torno de 20. Na tabela abaixo está a quantidade disponibilizada entre os dias 1º e 7 de maio, dias em que fizemos as coletas na página do Facebook do jornal. Tabela 1 - Quantidade de matérias publicadas no site 1º/5 2/5 3/5 5/5 6/5 7/5 Quantidade 14 22 15 20 22 20 Apesar do Diarinho ter cerca de 37 mil seguidores2 na página do Facebook, mais da metade da estimativa de leitores por exemplar do jornal impresso, ainda é baixo o número de postagens na rede social. Todos os dias são publicadas as capas da edição em circulação e algumas notícias ao longo da manhã. Na tabela abaixo está a quantidade de posts, sendo que cada um deles é da capa do jornal e o restante de notícias coletadas para a análise do artigo. Tabela 2 - Quantidade de posts na Fanpage do Diarinho 1º/5 2/5 3/5 4/5 6/5 7/5 Quantidade 6 4 7 5 5 5 Esses dados já demonstram que o principal produto do Diarinho é realmente o conteúdo do jornal impresso, que também é publicado em ambiente restrito no site. Já os conteúdos abertos das mídias digitais servem como forma complementar de divulgação. 1 www.diarinho.com.br. 2 Dado disponível em www.facebook.com/jornaldiarinho. Acesso em 22 de maio de 2014.

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O Diarinho e a organização das suas mídias Assim como Jacks e Toaldo (2013) enfatizam que o consumo midiático é uma especialidade do consumo cultural, acreditamos que o consumo da notícia também pode ser pensado da mesma forma. Canclini (1993) conceitua o consumo cultural como “el conjunto de procesos de apropriación y usos de productos en los que el valor simbólico prevalece sobre los valores de uso y de cambio, o donde al menos estos últimos se configuran subordinados a la dimensión simbólica” (p. 34). Apesar de alguns meios comercializarem seus produtos, como a maioria dos jornais impressos, o valor simbólico da notícia é maior que os valores de uso e troca. Focando nas redes sociais, acreditamos que as interações realizadas pelos leitores (curtir, compartilhar e comentar) demonstram uma parte visível desses processos de apropriação e uso. Para estudar as práticas de consumo dos leitores, dividimos os resultados das observações em três etapas: as interações realizadas na postagem das capas do jornal impresso, as interações realizadas por recurso multimídia e, por fim, as interações realizadas por temáticas das notícias. Esta divisão foi feita por dois motivos: o primeiro é que em geral as capas do jornal são as postagens que mais geram interações. O segundo é a grande quantidade de temáticas disponíveis nas manchetes da capa, o que tornaria impossível, com exceção dos comentários, a divisão das interações por temática. A tabela abaixo demonstra a quantidade de interações realizadas pelos leitores em cada dia analisado. Tabela 3 - Interações realizadas nos posts das capas do dia 1º/5 2/5 3/5 5/5 6/5 7/5 Curtir 45 38 57 88 42 24 Compartilhar 7 13 14 68 13 4 Comentários 1 7 5 16 5 8 Com estes dados percebemos que a maioria dos posts existe um padrão decrescente entre as interações realizadas por curtir, compartilhar e comentar, nesta ordem. Embora isto não aconteça em todos os casos, como no dia sete de maio em que houve mais comentários do que compartilhamentos. De qualquer forma, os posts sempre tem mais curtidas do que os demais tipos de interação. Os dias que tiveram mais curtidas foram três de maio e cinco de maio. Apesar dos dois dias aparecerem crimes bárbaros, o que poderia nos levar a acreditar que foi este o motivo das interações, os comentários demonstram outras duas questões como principais. No dia três todos os comentários são a respeito da manchete “Justiça manda parar obra do maior espigão da América Latina”3, o motivo do embargo é que o prédio não respeitava a distância mínima da área de preservação permanente. A maioria dos comentários questiona a prefeitura por ter liberado o alvará sem ter verificado essa questão. 3

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Espigão é como o Diarinho se refere a prédios. Artigos Completos

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Já no dia cinco de maio, a maioria dos comentários dizem respeito à manchete “Chefão dos Gideões admite sacanagem de pastores em encontro religioso”4. A maioria desses comentários deprecia não só o evento como também as igrejas evangélicas e as práticas realizadas pelos pastores. Em relação às demais postagens, selecionamos tanto as publicações de notícias avulsas como as de colunas. A tabela abaixo demonstra os resultados obtidos separados por utilização de recurso multimídia nas postagens. Tabela 4 - Postagens de notícias e interações por recurso multimídia Tema Quantidade Curtir Compartilhar Comentários Foto 16 159 37 16 Vídeo 10 214 61 32 Hiperlink 1 4 1 Zero Apesar da maioria das postagens realizadas pelo jornal utilizar fotos, os que contêm vídeo tem mais que o dobro de interações em todos os três tipos de recurso analisado. Enquanto a fotografias tem uma média de 9,94 curtidas, os vídeos tem 21,4; para os compartilhamentos a diferença é de 2,31 para 6,1; enquanto os comentários é de 1 para 3,2. Apenas uma postagem teve somente o texto junto com o hiperlink que direcionava para a página da matéria, e este teve a menor quantidade de curtidas (4), compartilhamento (1) e comentários (zero). Para classificar as notícias publicadas na página do Facebook do Diarinho, buscamos criar categorias amplas, que pudessem ser utilizadas em pesquisas com um período maior de observação. Apesar das três matéria que classificadas como história falaram sobre museus, por exemplo, optamos pela primeira para possibilitar a inclusão de outros tipos de matérias em uma pesquisa de maior fôlego. Desta forma, chegamos a 12 categorias dispostas abaixo com a quantidade de postagens e interações. Tabela 5 - Postagens de notícias e interações por temática Tema Quantidade Curtir Compartilhar Comentários Poder Público 5 74 24 17 Coluna 4 12 3 1 Cotidiano 3 34 8 7 Evento 3 45 12 5 História 3 61 13 2 Entrevista 2 7 2 1 Esporte 2 20 6 1 Crime 1 25 7 1 Destaque 1 8 1 zero Trânsito 1 73 20 9 Adoção/Animais perdidos 1 16 2 3 Vigilância Sanitária 1 2 1 1 4 Gideões é um evento realizado no município de Camboriú que reúne diversas igrejas evangélicas de todo o Brasil.

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As categorias temáticas com maior número de publicações foram poder público (5) e coluna (4). Apesar disso, somente a primeira teve uma quantidade significativa de interações. Em geral as postagens de divulgação das colunas tem poucas interações, provavelmente pelo fato do texto não apontar nenhum tema específico. Levando em consideração a média de curtidas, os temas com maior interação são trânsito (73), crime (25), história (20,33), adoção/animais perdidos (16), evento (15) e poder público (14,8). Apesar de estar entre os temas com as maiores interações, somente dois desses tiveram pelo menos três incidências na coleta. A circulação dos comentários dos leitores: do Facebook ao impresso Segundo Braga (2006) para ser considerado sistema de resposta social é necessária a circulação dos dispositivos, e que muitas vezes essa circulação acontece na própria mídia. Os comentários dos leitores do Diarinho tem uma dupla circulação. Primeiro eles circulam na própria página do jornal no Facebook, onde não há nenhum tipo de edição. Depois, o próprio jornal seleciona alguns desses comentários para a publicação na edição impressa. Com base nos 87 comentários coletados5 categorizamos o tipo dessa interação. Das 17 categorias criadas, apenas duas tiveram somente uma incidência, caso de meme e de espanto. As demais apareceram pelo menos duas vezes. Abaixo está disponível a incidência de todos os tipos de comentários. Tabela 6 - Categorização dos comentários visíveis no Facebook Categoria Quantidade Reclamação 19 Depreciação 15 Conselho 10 Marcação 8 Elogio 6 Ironia 6 Descrença 3 Brincadeira 3 Concordância 3 Dúvida 3 Zombaria 3 Pena 2 Indignação 2 História pessoal 2 Alívio 2 Meme 1 Espanto 1 5 Os dados coletados não refletem todos os comentários realizados pelos leitores. Devido à configuração pessoal de privacidade dos usuários do Facebook apenas ficam visíveis os de autores que postam conteúdo como público.

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A categoria de comentário de maior destaque é a que os autores faziam algum tipo de reclamação (19). A maior parte desses comentários (16) faziam reclamações direcionadas ao poder público6. Os comentários dessa natureza reclamavam, principalmente da ineficiência do poder público. Destacamos abaixo alguns exemplos publicados na matéria que falava do embargo da justiça a uma obra que desrespeitava a distância mínima de uma área de preservação permanente. Apesar do poder judiciário ter paralisado a obra, as críticas são direcionadas aos órgãos responsáveis pela aprovação da construção.



Figura 1 - Comentários de Reclamação

Ainda na categoria reclamação apareceu um comentário direcionado ao trânsito da cidade de Itajaí, um ao jornal e outro a um político. Ressaltamos que os dois últimos não faziam menção nenhuma ao conteúdo. O primeiro reclamava que o jornal tinha deletado um comentário realizado pelo o autor. Já o segundo era destinado ao prefeito de Navegantes, por não ter cumprido as promessas de melhorias na cidade. O segundo tipo de comentário com mais incidência foi o de depreciação (15). Este também foi outra categoria que se direcionava a pessoas ou instituições diversas. Cinco dos comentários depreciavam religião, mais especificamente as evangélicas, três os personagens das matérias, dois o poder público e dois um evento realizado pela Força Sindical pelo Dia do Trabalhador. Apenas três comentários não eram dirigidos a alguém. Entre os comentários categorizados como conselho (10) estavam alguns que falavam contra as drogas, e outros que envolviam religião. Como nossa intenção aqui não é defender um ou outro lado, neste último consideramos como conselho também os comentários que defendem oposições diferentes como os abaixo.

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Aqui foram consideradas todas as esferas de todos os poderes. Artigos Completos

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Figura 2 - Comentários de Conselho

Entre as seis incidências de elogios, dois foram destinados ao jornal, dois ao poder público e outros dois aos personagens da matéria. Outra categoria que também teve seis comentários foi ironia. Como exemplo desta última, demonstramos a resposta de um leitor sobre a reclamação de vereadores sobre a derrubada de árvores em um morro.



Figura 3 - Comentário ironia

Ainda com grande incidência, mas com menos importância, encontramos marcação (8) que é uma forma de indicar a leitura para outro usuário do Facebook. Já com menos incidências apareceram descrença (3), brincadeira (3), concordância7 (3), dúvida (3), zombaria (3), pena (2), indignação (2), história pessoal (2), alívio (2), meme (1) e espanto (1). No jornal impresso apenas três edições entre os dias 2 e 8 de maio publicaram a seção Na Rede. No total, 11 comentários foram publicados nas edições dos dias 3, 6 e 7. Entre estes comentários, apenas um não foi coletado, pois o usuário tinha configurado a leitura de suas postagens como privada. Os comentários publicados no jornal estão disponibilizados na tabela abaixo. Tabela 7 - Comentários publicados no jornal impresso Categoria Quantidade Elogio 4 Reclamação 2 Ironia 2 Conselho 2 Depreciação 1 Apesar da maioria dos comentários publicados no Facebook do jornal serem negativos de alguma forma, o jornal aparenta dar prioridade aos positivos 7 Nesta categoria foram incluídos comentários que apenas concordavam com o que outro leitor havia comentado.

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e até consegue dar uma equilibrada na seleção para o jornal impresso. Apenas dois comentários classificados como elogio não apareceram na versão impressa. Além disso, os negativos são contrabalanceados ou com elogios, ou com conselhos. Isso aconteceu nas edições dos dias três e seis de maio. A primeira teve comentários relativos ao evento Feirão de Empregos, organizado pela Prefeitura de Itajaí. Enquanto um reclamava da desorganização o outro parabenizava pela iniciativa, como demonstra a imagem a seguir.



Figura 4 - Comentários publicados no jornal impresso

Na outra edição três comentários tratam da manchete “Chefão dos Gideões admite sacanagem de pastores em encontro religioso”, da capa do dia cinco de maio. Enquanto o primeiro faz uma depreciação da religião, os outros dois dão um tipo de conselho.

Figura 5 - Comentários publicados no jornal impresso Apesar de o jornal dar uma possibilidade de interatividade, ainda que pequena, para o leitor se manifestar, tanto na página do Facebook, quanto no jornal impresso, fica evidente a seleção realizada pelo veículo. Apesar de publicar reclamações, depreciação e ironia, nenhum deles é específico contra alguma pessoa ou instituição de forma a trazer algum prejuízo ao jornal. Também verificamos que, apesar de alguns comentários serem contra os direitos humanos,

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nenhum desses entrou na publicação reforçando a ideologia do jornal já explicitada em uma série de reportagens contra os denominados justiceiros, após ocorrer um caso de um assaltante ter sido amarrado em um poste na cidade de Itajaí. Considerações Finais Com o presente trabalho podemos confirmar que o Diarinho e seus leitores já estão participando da Cultura da Convergência. Entretanto, ainda é perceptível que o jornal utiliza os recursos tecnológicos, tanto o site quanto a página no Facebook, de modo embrionário. O fato do jornal só divulgar na rede social as notícias no período da manhã, demonstra que o jornal não observa os períodos de pico de audiência e nem faz uso do recurso para publicação em tempo real para alavancar os acessos ao site. Acreditamos que o aproveitamento dos recursos que a internet proporciona poderia aproximar ainda mais os leitores e a empresa jornalística. Não só em relação às interações visíveis (curtir, compartilhar, e comentar), mas como fonte de conhecimento de pelo menos parte dos leitores (aqueles que navegam pela internet), de seus hábitos e interesses, e como fonte de pauta. Entretanto, este artigo teve como objetivo analisar o consumo da notícia na página do Facebook do Diarinho e a circulação dos comentários no Facebook e no jornal impresso. Compreendemos que as interações realizadas pelos leitores indicam uma parte visível de seus hábitos de usos e apropriações das notícias. Os dados coletados apontam que os seguidores da página do jornal no Facebook tem uma preferência por postagens de reportagens em vídeos. Entretanto as que utilizam imagens como recurso multimídia também tem grande número de interações. Quanto aos temas se destacam trânsito, crime, história, adoção/animais perdidos, eventos e poder público. Apesar disso, acreditamos que o número de postagens coletadas ainda é pequeno para dizer se trânsito ou crime são os que geram mais interesse do leitor, já que ambos tiveram apenas uma postagem. Já em relação aos comentários existe uma divergência entre os tipos de comentários realizados pelos leitores em circulação no Facebook e no jornal impresso. Embora o maior número na rede social seja de comentários negativos como de reclamações, depreciações e ironia, para a seção “Na Rede” são selecionados apenas alguns, de modo a equilibrar a coluna. Apesar do trabalho aqui empreendido ter levantado alguns dados sobre o consumo da notícia e a circulação dos comentários no Facebook, é preciso ressaltar que o consumo é um processo complexo e que não se esgota neste trabalho. Seria interessante para compreender melhor os usos e as apropriações dos leitores a combinação de outros instrumentos de pesquisa como questionários, entrevistas e etnografia. Desta forma, seria possível compreender a parte não visível do processo, o que não foi possível fazer neste trabalho mediante o tempo para realização.

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Referências Bardin, Laurence. Análise de Conteúdo. Edição revista e ampliada. São Paulo: Edições 70, 2011. García Canclini, Nestór. El consumo cultural y su estúdio em México: uma propuesta teórica. In: García Canclini, Nestór (coord). El consumo cultural em México. México: Grijalbo, 1993. DIARINHO. O caminho das Pedras: Guia de ética e autorregulação jornalística. Itajaí: Diarinho, 2012. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. JACKS, Nilda; TOALDO, Mariângela. Consumo midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção. In: XXII Encontro Anual da Compós, 2013, Salvador. Anais... Brasília: Compós, 2013. PRIMO, Alex. Interações mediadas e remediadas: controvérsias entre as utopias da cibercultura e a grande indústria midiática. In: PRIMO, Alex. A internet em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. SOMMER, Vera Lúcia. Diário do Litoral: o caminho da notícia num jornal sensacionalista do Vale do Itajaí (um estudo de caso). Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. Sobre o autor: Felipe da Costa é Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (POSJOR/UFSC). É especialista em Gestão em Comunicação Empresarial e bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, ambos pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). É pesquisador do Monitor de Mídia e membro da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (RENOI). E-mail: [email protected].

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Os jornais do interior gaúcho e os seus leitores: a circulação da notícia em ambientes digitais Luan Moraes ROMERO Cibele ZARDO Laura Moura de QUADROS Gabriele Wagner de SOUZA Marlon Santa Maria DIAS Viviane BORELLI Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo: O artigo tem como objetivo analisar como ocorre a circulação da notícia em ambientes digitais de sete jornais do interior do Rio Grande do Sul – O Nacional (Passo Fundo), Pioneiro (Caxias do Sul), A Plateia (Santana do Livramento), Diário Popular (Pelotas), Diário de Santa Maria e A Razão (Santa Maria), Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul). Para isso, são discutidos os conceitos de midiatização do jornalismo, circulação, leitor e contrato de leitura. A partir de dados coletados entre maio e junho de 2014, fez-se uma descrição de como ocorre a interação entre jornal e leitor e um mapeamento da circulação de conteúdos, para compreender como ocorre a disseminação das notícias no ambiente digital. Palavras-chave: Jornal; Leitor; Circulação; Interação; Redes Sociais. Introdução A discussão problematiza a circulação da notícia nos ambientes digitais de sete jornais do interior gaúcho, dando continuidade1 e aprofundamento a uma problemática maior, que vem sendo analisada pela pesquisa “Produção e circulação da notícia: as interações entre jornais e leitores”2. Assim, busca-se entender como se dá a interação entre jornal e leitor após a produção da notícia para 1 Realizamos uma discussão inicial sobre a problemática abordada no projeto em: ZARDO et. all. Muito além de um Leitor-Modelo: Uma análise exploratória dos Leitores dos Jornais do Interior Gaúcho no Facebook. Anais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 8 a 10 de maio de 2014, Unisul, em Palhoça, SC. 2 A pesquisa é realizada com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por meio da Chamada 43/2013 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. Os dados aqui sistematizados compreendem

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o impresso e para as mídias digitais, e por meio de quais dispositivos ocorrem esses fluxos informacionais. Para a reflexão teórica, partimos do pressuposto de que vivemos hoje em uma sociedade em vias de midiatização – conceito proposto por Verón (1997) e Fausto Neto (2008) – e em uma cultura da convergência (Jenkins, 2009), em que há fluxos e contrafluxos de informações (Braga, 2012). Para conseguir descrever e analisar como ocorrem os processos de interação e como as notícias circulam no ambiente digital, recorre-se aos conceitos de enunciação e circulação, utilizando-se algumas pistas da análise semiológica para conseguir “ler” como esses discursos são construídos. Os sete jornais escolhidos para análise são: O Nacional (Passo Fundo), Pioneiro (Caxias do Sul), A Plateia (Santana do Livramento), Diário Popular (Pelotas), Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul), Diário de Santa Maria e A Razão (ambos de Santa Maria). Os sete possuem site, perfil no Twitter e uma página no Facebook. Ao escolher os jornais, levamos em consideração a época de sua criação, o modo como cada um deles busca contatar o seu leitor, pela circulação que têm nas regiões que abrangem e pelo acesso aos dados. Para a coleta de dados, nos detivemos ao site, por ser um ponto de referência e o âmbito institucional por excelência dos jornais, e nas fanpages, por ser o dispositivo em que a interação é mais intensa. Durante um mês, entre os dias 12 de maio e 12 de junho de 2014, fizemos uma observação sistemática nos sites e fanpages, para poder descrever e analisar como os jornais e os leitores fazem circular as notícias através das interações e das estratégias que ambos usam para disseminar as notícias. 1.A sociedade em vias de midiatização e o jornalismo O processo de midiatização da sociedade, segundo Fausto Neto (2008), vem ocorrendo com a intensificação e a complexificação dos processos midiáticos, portanto, é um contexto importante para entender como as relações entre produtores e consumidores estão se reconfigurando. Esse desafio é enfrentado por diversos campos, como o da educação, religião e política por exemplo. Mas nosso olhar se volta para as transformações que o campo jornalístico vem sofrendo nos últimos anos. Se hoje o jornalismo encontra-se em processo de midiatização na sociedade, é porque passou por profundas mudanças desde suas práticas mais antigas. Ao refletir sobre o jornalismo midiatizado, Soster (2009) analisa como ocorreram essas mudanças, sendo uma das principais características a autonomização da prática jornalística em relação aos demais campos sociais. O autor aponta a instituição do paradigma tecnológico-informacional como fundador desse processo. Como consequência, o campo das mídias (2000) – que funciona segundo suas lógicas próprias – passa a se diferenciar e ao mesmo tempo interferir nos demais campos, além de investir em um constante processo de autorreferencialidade (Luhmann, 2005). O processo de midiatização, para Soster (2009), alterou ainda os es-

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paços das redações, que ao se utilizarem de e-mail e de formas de comunicação informatizadas, ressignificavam-os, atuando por meio do ciberespaço. Da mesma forma, as rotinas produtivas também foram alteradas: o jornalista pode recorrer ao meio tecnológico para conseguir informações, sendo que antes havia apenas a possibilidade de conseguir informações na “rua”. Assim, compreende-se que ao estarem presentes no ambiente digital, os jornais estão subordinados às lógicas de funcionamento desse meio, além de precisarem apresentar seus conteúdos em várias plataformas, em diferentes mídias, com a preocupação de atrair e manter o contato com o seu leitor. Essas mutações pelas quais passa o jornalismo podem ser compreendidas numa problemática mais ampla de reconfiguração dos papéis clássicos da produção e da recepção, que por muito tempo, ocuparam lugares estabelecidos. Hoje, já não podemos dizer que produção e recepção se situam em polos distantes e pouco maleáveis. Da mesma forma, precisamos considerar uma terceira instância nesse processo de interação: a circulação. Fausto Neto (2012) traz reflexões sobre as reconfigurações que produtores e receptores estão passando, apontando que a circulação não é mais uma “zona de passagem”, mas sim um lugar de interpenetrações, que permite ao papel comunicacional deixar de ser um problema de representação para ser um problema enunciativo. Há a percepção de que o modelo funcionalista, que previa de certa forma papéis determinados e uma unidirecionalidade do sentido, que ora vai e ora volta, não corresponde mais ao que se observa. Assim, como ressalta Braga (2012, p. 40), “percebemos que o esforço interacional se desloca do modelo conversacional (comunicação reverberante, de ida-e-volta) para um processo de fluxo contínuo, sempre adiante”. Diante disso, ao percebermos que o receptor age sobre o que produzido pelos jornais, a circulação é compreendida como um espaço não só de reconhecimento, como também um lugar onde podem ser identificados outros sentidos e apropriações. Em variadas formas, a circulação acontece a partir de “fluxos adiantes” (BRAGA, 2012, p. 39), que vão desde os comentários feitos em rodas de conversa à estimulação de debates e ideias que podem gerar novos produtos, sem esquecer, é claro, da circulação que ocorre no ambiente digital. 2.A interação leitor-jornal Os textos são elaborados para serem lidos. Logo, pressupõe-se um leitor. Ao produzirem um texto, os jornalistas esperam identificação e empatia do receptor com o que foi escrito. Ricardo Piglia (2006, p. 34) afirma que “o livro é um objeto transacional, uma superfície sobre a qual se deslocam as interpretações”. Pode-se estender essa definição do autor para as produções midiáticas também, sendo que os leitores, ao criticarem um texto jornalístico, se apropriam do texto lido e o ressignificam, fazendo circular sentidos diferentes do previsto pelo autor. Umberto Eco (1986, p. 40) nos fala que “prever o próprio Leitor-Modelo não significa somente “esperar” que exista, mas significa também mover o texto

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de modo a construí-lo”. Dessa forma, ao escrever levamos em consideração as implicações de um pensar sobre o outro que é projetado e idealizado. Desse modo, percebemos que o leitor, ao ressignificar o que o jornal propõe, conecta-se tanto com a materialidade da enunciação do texto jornalístico quanto com sua própria bagagem cultural e com o “jornal imaginado”. Esse último é a imagem com a qual o leitor troca sentidos e se relaciona com o que é construído pelo jornal, como também questiona quando sente que a realidade não corresponde com suas expectativas projetadas. Com já foi dito, por meio de observação sistemática (Gil, 1989), coletou-se durante um mês, de 12 de maio a 12 de junho, realizou-se uma coleta e análise de comentários dos leitores tanto nos portais como nas páginas do Facebook dos sete jornais. Observou-se a circulação das notícias nos diferentes dispositivos em que são oferecidos os conteúdos, os modos de interação entre jornal e leitor, bem como de que forma a notícia atravessa ou migra para diferentes mídias. Nesse sentido, a pesquisa foi norteada por conceitos necessários para a compreensão da prática do jornalismo na atualidade. Foi preciso, num primeiro momento, definir os conceitos com base em Recuero (2009), de “atores nas redes sociais” e de “conexões”, somados aos “tipos de reações” e de interação no ciberespaço para, posteriormente, compreender o que acontece no atual contexto jornalístico. Os leitores dos jornais debatem entre si, questionam os veículos que alimentam o conjunto de informações recebidas diariamente, e buscam se fazer notar no Facebook, comentando de forma crítica quando necessário. Pode-se dizer que “A interação também possui conteúdo, mas é diferente deste. O conteúdo constitui-se naquilo que é trocado através das trocas de mensagens e auxilia a definir a relação” (RECUERO, 2009 p. 37). Nessa perspectiva, tenta-se construir um contrato de leitura, que são os modos de dizer do dispositivo e o que cria um vínculo entre o suporte e seu leitor, através do qual se percebe a especificidade de um suporte (VERÓN, 2004 p. 219). Como exemplo de tentativas de estabelecer o contrato de leitura estão os convites oferecidos ao leitor dos jornais, nos portais, para segui-los também nas redes sociais. “O que o enunciador diz, as coisas que supostamente ele fala constituem uma dimensão importante do contrato de leitura (VERÓN, 2004 p. 218). A partir dessas relações, é instaurado um jogo de linguagem em que há cumplicidade entre enunciador e destinatário . A seguir, analisa-se como ocorre a circulação da notícia produzida pelos sete jornais do interior do Rio Grande do Sul – O Nacional (Passo Fundo), Pioneiro (Caxias do Sul), A Plateia (Santana do Livramento), Diário Popular (Pelotas), Diário de Santa Maria e A Razão (Santa Maria), Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul) em seus ambientes digitais – site e fanpage. 5. O Nacional Na análise do jornal O Nacional, identificamos um exemplo de fluxo con-

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tínuo, que demonstra também como o jornal considera as reações dos leitores: a publicação de duas fotos de uma coletiva de imprensa em que o prefeito de Passo Fundo anunciava o projeto de construção de ciclovias na cidade, em 20 de maio. Ambas as fotos eram acompanhadas de algumas frases explicativas, sem links para o site, e geraram dezenas de comentários sobre os prós e contras da medida. Como não havia matéria completa, o jornal respondeu questionamentos dos leitores (Figura 01).

Figura 01: Jornal responde aos leitores.

6. Pioneiro No jornal Pioneiro, durante o período da análise, contabilizamos aproximadamente 300 postagens no Facebook, sendo que, em média, as notícias mais curtidas de cada semana ultrapassavam o número 100, e as matérias mais comentadas tinham sempre acima de 25 comentários. Já com relação ao portal, o número de postagens era sempre inferior e as notícias raramente recebem algum comentário. Foram em torno de 250 postagens no portal e apenas uma matéria comentada. No ambiente digital, devido à circulação das notícias que migram de uma plataforma para a outra, percebe-se, no caso do Pioneiro, que há sempre um link acompanhando a notícia postada no Facebook, que leva o leitor diretamente para o portal. No portal, o jornal convida o leitor a segui-lo nas redes sociais e a ser assinante, para ter acesso gratuito a todas as informações e de forma completa. Ainda no que tange à Fanpage, cabe ressaltar a maior participação e interação do leitor com o veículo de comunicação, na medida em que ele escreve publicações, sugere assuntos e novas pautas através dos comentários. Assim, o leitor possui maiores possibilidades de interagir com o jornal e estabelecer um vínculo, correspondendo ao veículo, como se percebeu na coleta dos comentários.

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Figura 02: Jornal é cumprimentado pelos leitores

7. A Plateia O jornal possui um número de curtidas, compartilhamentos e comentários mais baixo em relação aos outros veículos. As publicações feitas no Facebook se resumem a links de matérias do site, com apenas uma frase explicativa. Percebeu-se também que, durante as quatro semanas de coleta, apenas na primeira semana o jornal respondeu – e mesmo assim em raríssimos casos – aos questionamentos dos leitores (Figura 03). Um grande fluxo de comentários é notado nas primeiras publicações do dia, em que o jornal dá “bom dia” aos leitores (Figura 04). Esse “bom dia” marca o início de um processo interacional e de um fluxo que segue pelo dia. Em alguns casos, tal publicação recebeu o maior número de comentários da semana. O jornal respondeu às saudações de alguns leitores, ação que também se restringiu a alguns poucos dias.

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Figura 03: Jornal responde aos leitores.



Figura 04: Jornal dá “Bom dia” para seus leitores e é respondido.

8. Diário Popular O jornal Diário Popular de Pelotas possui, além da sua fanpage principal (denominamos assim por que é nela que as notícias da edição impressa são postadas), outras cinco páginas no Facebook: Diário Rio Grande, Diário na Fenadoce, Diário na Copa, Diário no Campo e Diário na Feira do Livro. A que possui mais curtidas, compartilhamentos e comentários é a principal, contudo a principal também compartilha links das outras fanpages. As informações da fanpage principal são baseadas no seu portal, ou seja, a maioria das postagens remete para a matéria completa no portal. Pode-se notar que a primeira postagem do dia sempre é uma saudação com a capa da edição impressa, o que marca o início do dia, ou seja, marca esse fluxo contínuo diário.

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Figura 05: Exemplo de primeira postagem do dia do Diário Popular.

Além disso, no dia 20 de maio a fanpage chegou a marca das 70 mil curtidas. Em comemoração, a equipe jornalística fez uma foto de capa comemorativa, colocando as fotos dos assuntos que mais repercutiram na página, além de pedir para que os leitores comentassem se faltou alguma matéria. Assim, o jornal mostra essa preocupação em se aproximar do leitor e pedir sua ajuda.

Figura 06: Foto de capa comemorativa aos 70 mil likes.

9. Diário de Santa Maria O jornal Diário de Santa Maria, além do seu portal institucional, possui uma fanpage no Facebook, um perfil no Google+ e no Twitter. Através de sua fanpage, o jornal dissemina as informações baseados no seu portal, ou seja, a

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maioria das postagens remete para a matéria completa no portal. Pode-se notar que a primeira postagem do dia sempre é uma saudação, demarcando o fluxo contínuo diário. Durante o mês analisado, encontramos duas postagens que o jornal pede a participação do leitor, para além de pedir sua opinião. A primeira postagem com esse aspecto diz respeito ao aniversário de Santa Maria, em que o jornal lança a ideia de reunir em um e-book com os 156 hábitos (em alusão à idade da cidade) tipicamente santa-marienses. Já na segunda postagem, o jornal também enuncia que precisa da ajuda dos leitores para fazer uma matéria sobre o dia dos namorados, na visão dos solteiros.

Figura 07: Jornal pede ajuda de seus leitores

para fazer e-book.

Figura 08: Jornal pede ajuda de seus leitores para compor matéria.

Essas denotam que a redação pensa em estratégias para se colocar na ambiência das redes sociais digitais, buscando o contato com esses leitores, contudo ainda não responde às perguntas dos leitores diretamente. Pode-se perceber que mesmo buscando se aproximar do leitor, o jornal interage somente para regular os leitores ou direcioná-los. 10. Gazeta do Sul O jornal A Gazeta do Sul tem como dispositivo mais expressivo o Portal Gaz, que é o meio em que ocorre maior número de visualização, além de a interação ser mais frequente. Durante o mês analisado, no Portal Gaz, foram mais de 350 publicações e, aproximadamente. Já na página do Facebook, o Gaz publicou menos notícias, pouco mais de 300, e as mais comentadas de cada

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semana recebiam, em média, de 15 a 30 comentários. O Portal Gaz publica matérias acompanhadas de um link que direciona o leitor para a página do site, onde a matéria pode ser lida na íntegra. Além disso, o Jornal também publica conteúdo da rádio Gaz, com links que levam o leitor para aquele ambiente. Há, portanto, uma ampla circulação do portal Gaz para as redes sociais e os demais dispositivos que compõem o Jornal A Gazeta do Sul, e a oferta de notícias é complementada em cada um deles. Na página do Facebook, em que a interação se faz mais presente, o jornal permite ao leitor fazer comentários, porém, avisa sobre a política de comentários defendida pela empresa. A Gazeta também responde com explicações sobre a conduta jornalística adotada pelo jornal, quando interrogada pelos seus leitores sobre a escolha de publicar ou não determinadas informações na rede social. Na figura 09, exemplo de interação entre o jornal e o leitor.

Figura 09: Jornal responde aos seus leitores.

11. A Razão O jornal é o que menos tem se adaptado no meio digital em relação aos demais jornais analisados. Apesar de ter contas no Twitter e no Facebook e um site, ele utiliza esses meios apenas como repositório de notícias e não como meios que propiciam interação e geram proximidade com o leitor. Sabe-se que cada dispositivo se estrutura sobre determinadas lógicas de funcionamento. No entanto, as matérias publicadas no Facebook do jornal são “extensões” do que é publicado no site. Ou seja, apenas há uma reprodução do que é feito em um ambiente para outro. O jornal transcreve o texto inicial da matéria do site para o Facebook, ocasionando muitas vezes a repetição de informações. Via de regra, ele finaliza com “Leia mais no jornal A Razão”, seguido do link para acessar a matéria no site. Algumas vezes, todavia, quando o leitor acessa o link que o redireciona para o site, encontra exatamente a mesma informação que leu na rede social. Como a publicação do dia 21 de maio de 2014 (Figura 10).

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Figura 10: Mesmo conteúdo do site compartilhado na fanpage.

Outro indício de que o jornal ainda está dando passos iniciais com relação à forma de se comunicar no ambiente digital é a reutilização de tabelas e boxes informativos que utiliza na versão impressa. Informações essas que muitas vezes não ficam tão legíveis e não apresentam o dinamismo das redes digitais, conforme os dois exemplos abaixo (Figura 11).

Figura 11: Boxes informativos utilizados por A Razão em seu site.

Observa-se que o jornal não utiliza as redes sociais em sua potencialidade, empregando apenas um processo mecânico de transposição de notícias. Reflexo ou não dessa forma de atuação do veículo jornalístico, nota-se que as publicações, em média, não têm muitas curtidas, comentários ou compartilhamentos – índice de popularidade do que está sendo produzido. Ainda assim, percebemos a ocorrência de “fluxos adiante” em algumas matérias que tem um número elevado de compartilhamentos, se comparado com a regularidade – a matéria sobre o aniversário da cidade teve 56 compartilhamentos e a que noticiou o fim do vestibular teve 28. Considerações Finais Com a análise, conseguimos perceber que, na maioria, os jornais criam cada vez mais espaços de interação com seus leitores, principalmente nos sites de redes sociais, sendo este um espaço que permite não só a interação jornal-leitor, mas também a interação leitor-leitor. Ao apropriarem-se dos conteúdos,

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os leitores comentam, avaliam e compartilham as matérias, ampliando ainda mais o destino das notícias produzidas pelos jornais. No entanto, é notável que os jornais, dentro de suas características próprias, encontram-se em diferentes estágios na construção dessa interação com seus leitores. Nota-se que cada um constrói um contrato de leitura distinto em relação ao seu leitor, a partir da perspectiva de que esse leitor é projetado e construído a partir de singulares de cada organização jornalística. O Nacional e o Diário Popular ainda estão em fase de experimentação na busca de seu leitor nas redes digitais e já conseguimos identificar estratégias de aproximação do leitor e de expansão da interação. O Diário de Santa Maria, o Pioneiro e a Gazeta já estruturam estratégias e buscam o seu leitor de forma mais explícita, com campanhas e postagens que o chamam à participação. Já A Razão e A Plateia são os jornais que menos buscam a participação dos leitores, com reutilização de material do impresso no ambiente digital e pouca interação com os leitores. O trabalho desenvolvido neste artigo, como já dito, faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo que investiga os modos através dos quais jornais e leitores interagem, como ocorre a circulação das notícias nos ambientes digitais criados pelos jornais, que tipo de fluxos são criados e construídos entre os atores envolvidos nesse processo. Em etapa posterior do projeto de pesquisa, serão entrevistados jornalistas e editores para compreender se e em que medida os leitores codeterminam a produção da notícia. Também é intenção conversar com alguns leitores que participam de discussões e que criam outros fluxos, especialmente leitor-leitor para conhecer motivações que o fazem contatar o jornal, bem como que estratégias utiliza para disseminar as notícias. Referências Bibliográficas BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: Janotti Junior, Jeder; Mattos, Maria Ângela; Jacks, Nilda (Org.). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA; Brasília: Compós, 2012 ECO, Umberto. Leitura do texto literário: lector in fabula. Lisboa: Presença, 1986. FAUSTO NETO, Antonio. Narratividades jornalísticas no ambiente da circulação. In: PICCININ, Fabiana; SOSTER, Demétrio de Azeredo (Org.). Narrativas comunicacionais complexificadas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2012. p. 45-67. ______. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Matrizes, São Paulo, v. 1, n. 2, p.89-105, 2008. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2014 GIL. Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1989. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005. PIGLIA, Ricardo. O último leitor. São Paulo: Companhia das letras, 2006. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

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RODRIGUES, Adriano Duarte. A emergência dos campos sociais. In RODRIGUES, A. D. (et al). Reflexões sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Piauí. Revan, 2000. SOSTER, Demétrio. O jornalismo em Novos territórios conceituais: internet, midiatização e a reconfiguração dos sentidos midiáticos. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação 2009. 185 f, Tese (Doutorado) - Universidade do Vale do Rio do Sinos, 2009. VERÓN, E. Esquema para el análisis de la mediatización. In Revista Diálogos de la Comunicación, n.48, Lima: Felafacs, 1997. ____. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. Sobre os autores: Luan Moraes Romero é acadêmico do 1º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista Jovens Talentos Capes2013/14. E-mail: [email protected] Cibele Zardo é acadêmica do 6º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista Probic/ Fapergs 2013/14. E-mail: [email protected] Laura Moura de Quadros é acadêmica do 6º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista Pibic/Fapergs 2013/14. E-mail: [email protected] Gabriele Wagner de Souza é acadêmica do 4º semestre do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista PET Comunicação Social. E-mail: [email protected] Marlon Santa Maria Dias é bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (2013) pela Universidade Federal de Santa Maria e mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação, linha de pesquisa Mídia e Estratégias Comunicacionais, na mesma instituição. E-mail: [email protected] Viviane Borelli é professora adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo (1999) e mestre (2002) pela UFSM. Doutora (2007) em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]

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Estudos de Recepção e Cultura Participativa: a participação interativa dos migrantes brasileiros na Suécia em grupos do Facebook Laura Roratto FOLETTO Liliane Dutra BRIGNOL Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo: Este artigo discute sobre abordagens teóricas dentro dos estudos das audiências e da recepção, com o objetivo de apresentar a perspectiva que embasa um projeto de pesquisa em desenvolvimento sobre dinâmicas interculturais em grupos do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia. Parte-se de um resgate histórico e posteriormente discute de que maneira este trabalho contribui para se pensar a recepção atualmente. Dentro dos estudos de recepção Latino-Americano nos filiamos a corrente das mediações de Orozco, Scolari e de Martín-Barbero, além de pensarmos esses grupos inseridos dentro de uma cultura participativa. Palavras-chave: recepção; audiências; Faecebook; cultura participativa. Introdução O artigo parte da discussão sobre abordagens teóricas dentro dos estudos das audiências e da recepção, com o objetivo de apresentar a perspectiva que embasa um projeto de pesquisa em desenvolvimento sobre dinâmicas interculturais em grupos do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia. Para embasar teoricamente a discussão, Orozco Gómez (2010) nos apresenta cinco abordagens tradicionais para estudar as audiências e, posteriormente, apresenta mais cinco perspectivas possíveis para estudar as audiências na contemporaneidade. Cogo (2007) também discute o contexto de pesquisas que vem sendo desenvolvidas na área, de forma a dar um panorama de que lugar partimos dentro dessa gama de possibilidades teórico-metodológicas. Para falar das audiências ou dos receptores participativos, recorremos aos autores como Rincón (2008), Jenkins (2008) e Martín Barbero (2011), além do já mencionado Orozco Gómez. Este estudo sobre os grupos de migrantes no Facebook fundamenta-se a partir de uma aproximação dos estudos latino-americano de recepção, em que

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busca “estudar a recepção a partir de processos socioculturais e comunicacionais em que não estão necessariamente implicados os meios de comunicação” (COGO, 2007, p. 2) e compreende o modelo apresentado por Orozco (2010) e Scolari (2008), das multimediações e das hipermediações, além da mediação tecnológica de Martín-Barbero (2006). 1.Resgate histórico dos estudos da audiência Os estudos sobre as audiências, segundo Orozco (2010) começam nas primeiras pesquisas de comunicação, ligadas à teoria dos efeitos. Nessas pesquisas, baseada nos estudos de Jensen e Rosengren, a compreensão da audiência era de receptores passivos, ou seja, a mensagem recebida era interpretada pelo receptor com a mesma intencionalidade que o emissor a enviava, não havendo uma decodificação da mesma. Ou seja, a Teoria dos Efeitos começa com o emissor, e que a audiência além de passiva era considerada como massiva e impossibilitada de replicar todas as mensagens que recebia dos grandes meio de comunicação. Essa perspectiva “procurou expandir o poder de impacto em seu público através da redução do “ruído” durante a transmissão da mensagem e cada vez mais o emissor enviava uma mensagem empacotada” (OROZCO, 2010, p. 18). Rincón (2008) complementa que éramos compreendidos como “barris sem fundo e sem saber” que assistiam à televisão ou à mídia sem reagir à mensagem a qual éramos expostos (p. 93). Já a abordagem dos Usos e Gratificações procurou entender as possíveis necessidades e a busca de gratificação por parte das diversas audiências, mas que ainda se dava de maneira individual e atomizada, “ou seja, de maneira desempoderada social e politicamente”. Essa perspectiva começa a dar ênfase na recepção, uma vez que reconhece o papel ativo dos receptores, permitindo os produtores e os emissores acrescentarem “o seu poder de impacto e sedução”. Os usos sociais dos meios entende a sociabilidade que a audiência desenvolve frente à televisão, permitindo explorar as percepções dessas audiências e assim o seu eventual empoderamento (OROZCO, 2010, p. 18). Ou seja, essas audiências obteriam das mensagens prazer, ou se apropriariam e usariam o conteúdo que a serviria para gerar prazer e excluiria tudo o que não fosse reconfortante ou que não tornaria “a vida mais amigável” (RINCÓN, 2008, p. 93). A perspectiva da Análise Literária compreende a corrente dos meios massivos, não centra sua atenção no emissor ou no receptor, mas sim na mensagem. As mensagens nem sempre estão claras ou explicitas, quase sempre são subjetivas (OROZCO, 2010, p. 18-19). A audiência ao estar exposta ao texto da televisão participava da “produção de estilos de vida e modos de linguagem”, em que esse leitor/audiência se encontrava “inscrito nos textos”, nessa relação “texto-leitor/audiência” (RINCÓN, 2008, p. 93). Os Estudos Culturais dão ênfase ao “contexto em que se realiza o processo comunicativo”. Existe, então, a possibilidade de “equilibrar poderes” na medida em que existem negociações de interpretação de sentidos por parte do outro e a “capacidade de resistir, criticar e apropriar-se criticamente dos significados dominantes imbuídos nos produtos de troca” (OROZCO, 2010, p. 19).

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Nessa perspectiva encontram-se autores como Stuart Hall, o qual enfatizou em seus estudos a codificação e a decodificação das leituras da mídia, e David Morley que acrescentou a questão da “ideologia e da classe social e investigou as diversas formas de negociação e resistência” (RINCÓN, 2008, p. 93). Por fim, Orozco (2010) acrescenta mais uma perspectiva baseada nos estudos de Jensen e Rosengren, a Análise Integral das audiências, em que integra os diferentes componentes das demais perspectivas – emissor, receptor, mensagem e contexto – porém, agrega e privilegia o processo como um todo, analisa suas diferentes etapas e cenários, ou seja, o processo “antes e depois, integrados à vida cotidiana e ao longo da vida”. Compreendendo que existe cenários face-a-face e não presenciais, mas que mesmo assim continuam o processo de recepção e negociação de significados. Conhecer o processo permite saber como a comunicação acontece e antecipar, caso necessário, “os momentos que possam apresentar alguma dificuldade para os emissores e as audiências” (OROZCO, 2010, p. 19). Portanto, ao longo das pesquisas que iam sendo realizadas, das mudanças dos meios de comunicação e na sociedade, foi-se percebendo que os receptores não eram passivos e sim ativos, construíam a sua própria interpretação das mensagens recebidas. Ou seja, exigiram um repensar constante dos estudos de comunicação, logo de recepção avançarem teórico e metodologicamente neste novo campo de pesquisa. 2.Das mediações à cultura participativa: um avanço nos estudos de recepção na América-Latina Diante da variedade1 de pesquisas empíricas e abordagens teóricas para estudar a recepção, buscamos refletir sobre que audiências/receptores estamos falando em um contexto de sujeitos participativos em uma rede social online. Neste contexto, indicamos que a noção de cultura participativa, produção dos receptores, participação e interação em rede impacta os estudos de recepção. Desta forma, atualiza-se o debate teórico-metodológico dos estudos de recepção para dar conta destes receptores/produtores ou “prosumidores” (OROZCO, 2010). As audiências assumem um novo status, um novo papel em trânsito, em mutação de “audiências-receptivas a audiências usuários, “prosumidores”, a interatividade permitiu as novas telas transcender a mera interação com elas”. Ou seja, nessa cultura de participação em rede, as audiências assumem um papel de receptores, produtores e emissores de informações em múltiplas telas (OROZCO, 2010, p. 16), onde a criação e a interação predominam (OROZCO, 2010, p. 25). Essa expressão Cultura Participativa, “contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação”. Ao 1 As pesquisas mais atuais em recepção são: Consumo e cidadania (CANLCINI); Mediações (BARBERO e OROZCO); metodologias de pesquisas em recepção na américa-latina como etnografia; história oral; técnicas como a história de vida, a entrevista em profundidade - aberta ou semidirigida -; grupo de discussão ou grupo focal; observação participante compõem os principais recursos empregados pelos pesquisadores da recepção, além da entnografia virtual ou netnografia voltada para as pesquisas na internet (COGO, 2007).

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invés de falarmos de “produtores e consumidores de mídia” ou de conteúdo que ocupam papéis separados, falamos, portanto, de participantes que interagem conforme um conjunto de regras. Nesse contexto nem todos os participantes são iguais, alguns exercem maior poder do que outros e alguns “têm mais habilidades para participar dessa cultura emergente do que outros” (JENKINS, 2008, p. 30). Portanto, os “prosumidores” seriam aqueles consumidores que diante dessa variedade de possibilidade interativa, frente às telas, tornam-se produtores de conteúdo. As telas2 fazem parte do nosso cotidiano, e assim ritualizamos nossa assistência adorando, cultuando e celebrando-as. No entanto, nem tudo é como parece, pois as telas não contêm apenas imagens, conteúdos, mensagens e sim estão cheias de “formas culturais, desejos coletivos, necessidades sociais, expectativas educativas e rituais de identidade” (RINCÓN, 2008, p. 92-93). Ser audiência hoje significa interagir com a informação e com o mundo mediado pelas telas. Nessa participação variam as interações mediadas que definem que audiências são essas, o seu status de sujeitos sociais e suas múltiplas interações. Orozco (2010) considera utópico pensar as audiências como aquelas que possuem “maneiras significativamente diferentes, mais críticas, criativas e participativas, indicando interlocuções e mudanças de papel a partir do recebimento da emissão” (p. 14). Mas podemos sim pensar essas audiências hoje, em rede, sendo receptores participativos, criativos e críticos no recebimento das mensagens midiáticas. Pois se faz evidente que o que marca o nosso ser e estar como sujeitos sociais é a comunicação e sua lógica de troca (reativa ou não) implícita na maioria das nossas interações sociais, mesmo que “tenhamos ou não acesso sistemático e adequado a todas as telas” (OROZCO, 2010, p. 15). Velhas e novas mídias se complementam nessa nova configuração do que é estar como audiências na contemporaneidade. Em que essas “novas audiências” são aquelas que participam criativamente da produção da mídia em suas estratégias e perspectivas de abordagem dos conteúdos. São aqueles também que ariscam novas possibilidades de olhar a realidade. A busca das “novas audiências” se dá ainda “mais emocionante quando se busca e narra às estéticas inscritas em cada sujeito, espaço, memória e tradição: não somos todos iguais para significar”, pois temos que considerar os silêncios e os modos de narrar de cada sujeito, ou seja, considerando as subjetividades de cada um para que se possa leva-los a se tornarem “produtores de resistência criativa através de suas intervenções da mídia” (RINCÓN, 2008, p. 97). Considerando as diferentes formas de seremos produtores, podemos, segundo Rincón (2008), encontrar diversas formas de estar sendo audiência nessas múltiplas telas. A primeira é a Experiência como Ato Comunicativo em que todo sujeito/audiência registra nas telas suas experiências de vida em que o relato sempre se dá em fluxo e é móvel, nunca para e está sempre em movimento do contar da vida cotidiana (RINCÓN, 2008, p. 97). Assim poderíamos pensar os migrantes nos grupos estudados, que nessa troca de experiências da vida 2 Rincón em seu texto faz referência à televisão, mas diante dessa variedade de telas em que os receptores estão expostos a sua ideia pode ser adaptada para dar conta dessa realidade.

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cotidiana na Suécia criam laços afetivos, criam interações, símbolos e objetos de pertencimento. A segunda seria a Comunicação como Ato de Referência para imaginar o futuro em que as telas serviriam como a memória dos itinerários da vida na qual se buscará os relatos de onde os sujeitos contam a sua visão de identidade, suas razões de onde estão e porque, sua relação com as instituições e suas perspectivas de futuro. Assim, a comunicação passa a ser aquela que vive do sujeito que conta, que narra, em que converte ideias em histórias, imagens em relatos, “mensagens que criam pequenos momentos de reflexão, onde há apenas a possibilidade de olhar para o passado, para encontrar uma estética e uma narrativa para cada comunidade” (RINCÓN, 2008, p. 97-98). Ser migrante nessas condições de comunicação consiste em fazer do presente uma ponte entre o passado e o futuro, em que a memória, muitas vezes registrada nessas telas se converte em um imaginar de um passado que se modifica, por meio do presente, no futuro. A terceira e última, que nos interessa aqui, é a Comunicação como Diferentes Identidades em que “a sensibilidade das telas buscam que cada identidade tome sua forma, ritmo, tempo, cor, movimento, formato e estilo de narrar” (RINCÓN, 2008, p. 98). Assim, podemos compreender nessa diversidade de identidades a identidade migrante. Diante dessas maneiras de comunicar apresentadas por Rincón (2008), Orozco (2010) nos traz cinco perspectivas de como podemos usar esses elementos nesse repensar as audiências. O compartilhamento de experiências e prospecção do futuro pelos migrantes nos grupos do Facebook pode ser pensada frente a uma ou mais dessas perspectivas apresentadas a seguir. A Torrente Midiática dá ênfase nos sentidos, ou seja, “na dimensão sensorial como dimensão fundamental dos processos de intercambio comunicativo” (OROZCO, 2010, p. 20-21). Com a incidência crescente dos meios e tecnologias na vida cotidiana a Midiatização busca compreender os “efeitos ou impactos dos meios e demais dispositivos de interação comunicativa nas sociedades contemporâneas”. Essa perspectiva não trata apenas da documentação dos efeitos individuais, mas também “societais”, provenientes dessa “presença ou onipresença expansiva dos meios de comunicação hoje em dia” (OROZCO, 2010, p. 21). Quanto à Dimensão ou Presença Material, o autor Hans Gumbrecht (2004 apud OROZCO, 2010, p. 22) argumenta “que a presença das coisas e dos meios de comunicação, sua materialidade visível e palpável, é o início de uma vinculação com eles”. Ou seja, é na relação comunicativa que essa perspectiva se assegura, pois é no valor da existência material dos dispositivos midiáticos que a audiência sofre influência. Além disso, essa perspectiva se diferencia da teoria dos efeitos por introduzir a questão simbólica (OROZCO, 2010, p. 22). A Ecologia da Comunicação agrega a ideia de convergência, em que as demais perspectivas convergem. Assim, essa perceptiva procura dar conta da vinculação “meios-audiências”. Portanto, a tecnologia está convergindo outros significados, outras coisas, outras audiências, assim tendo inúmeras possibilidades de convergência que conectam as sociedades da comunicação na atualidade. Essa perspectiva compreende que a produção “tem um impacto que provoca trocas em todo o sistema, não somente nas audiências” (OROZCO, 2010, p. 22).

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Por fim, a perspectiva das Mediações e das Hipermediações constitui-se da mediação cultural de Martin-Barbero (1987); as multimediações de Orozco (2001) e as hipermediações de Scolari (2008). A primeira busca entender a relação comunicativa que compõem as diferentes mediações ativas e fontes de mediações envolvidas no “próprio processo comunicativo e nos seus resultados”. Além disso, Martin-Barbero mais tarde elaborou um mapa das mediações, incluindo outras, como a tecnicidade e a ritualidade. A segunda é compreendida como uma categoria de análise empírica para entender os processos comunicativos. Essa mediação abrange não somente “aquelas mediações culturais ou tecnológicas, estruturais ou discursivas, mas todas as que interveem na interação, de onde quer que elas venham” (OROZCO, 2010, p. 21). Enquanto que as hipermediações seriam aquelas em que “as tecnologias estão introduzindo, não somente na dimensão tecnológica, mas em todas, dentro da interatividade crescente dos novos dispositivos e suas interfaces” (OROZCO, 2010, p. 21), ou seja, “se referem a processos de intercâmbio, produção e consumo simbólico que se desenvolvem em um entorno caracterizado por uma grande quantidade de sujeitos, meios e linguagens interconectados tecnologicamente de maneira reticular entre si” (SCOLARI, 2008, p. 113-114). Ao pensarmos nesse processo todo de ampliação da interação nas múltiplas telas por parte da audiência devido à revolução tecnológica que introduz em nossa sociedade, não apenas “uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas, sim, um novo modo de relação entre os processos simbólicos – que constituem o cultural”. Entendemos que o “lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação tecnológica (J. Echeverría) da comunicação” muda, ou seja, deixa de ser simplesmente instrumental para “espessar-se, condensar-se e converter-se em estrutural”. Portanto, a tecnologia refere-se a “novos modos de percepção de linguagem, a novas sensibilidades e escritas” (BARBERO, 2006, p. 54). Desta forma, os estudos de recepção contribuem para pensar a comunicação no marco do processo cultural. Ou seja, autores latino-americanos3 enfatizam que a cultura enquanto “um processo plural, instável, ambíguo, conflitivo e complexo” se dinamiza principalmente no cotidiano. É apresentando como uma alternativa a superar o “enfoque tecnicista que tende a reduzir a comunicação a canais, códigos e mensagem e informação”. Assim, compreendem “a comunicação como modo de inserção no meio ambiente cultural a partir de elementos e valores ligados à vida cotidiana” (COGO, 2007, p. 3). As tecnologias como o computador e a Internet, tencionam o modelo: “produção-mensagem-recepção”, levando-nos a repensá-lo, uma vez que esse “reduz o processo de comunicação ao esquema emissor-mensagem-receptor”. Essas tensões difusas entre as fronteiras – emissores e receptores – fazem-nos repensar as “abordagens metodológicas que colaborem para capturar o que ocorre ou mesmo como pode ser definida a própria “recepção” ou as inter-relações que nela possam se dar”. Portanto, já vêm sendo experimentadas abordagens como a da etnografia virtual e a da netnografia nesse novo cenário das pesquisas em recepção (COGO, 2007, p. 8). As tecnologias da comunicação e os seus processos de “estruturação, 3

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gestão, produção e circulação encontram-se cada vez mais interconectados e transnacionalizados”, refletindo nas “ofertas de consumo e modalidades”, além dos “usos por parte da recepção”. Somos audiências cada vez mais transnacionais que, de modo crescente, nos expomos mais a fluxos que a produtos ou a gêneros e a programas; que nos encarregamos de construir espaços híbridos de comunicação como resultado do pertencimento a diferentes territórios físicos e simbólicos. Caracterizados pela pluralidade, fluidez e transitoriedade, esses territórios geram também competências e padrões de acesso diferenciados e assimétricos de apropriação e uso das tecnologias da comunicação na contemporaneidade (COGO, 2007, p. 8).

Desta forma, reflete-se nas pesquisas de recepção latino-americanas sobre o nacionalismo metodológico, em que há uma intensificação dos processos de transnacionalização nas últimas décadas (COGO, 2007, p. 8), ainda mais quando pensamos no estudo em desenvolvimento sobre os migrantes brasileiros na Suécia em grupos do Facebook. Portanto, esse estudo situa-se dentro dos estudos latino-americano de recepção compreendendo as multimediações (Orozco, 2010), as hipermediações (Scolari, 2008) e as mediações, principalmente a tecnológica (Martín-Barbero, 2006). Suécia

3. A pesquisa nos grupos do Facebook de migrantes brasileiros na

Partindo de uma discussão maior, de um projeto de pesquisa em desenvolvimento sobre dinâmicas interculturais em grupos do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia, pretende-se discutir, neste artigo, sobre abordagens teóricas dentro dos estudos das audiências e da recepção. O site Facebook que atualmente possui grande popularidade entre os usuários da internet, contando no Brasil com cerca de “76 milhões de usuários ativos”4, torna-se objeto de pesquisa, uma vez que é uma plataforma que abriga inúmeras redes sociais e possibilita essa participação interativa. Os grupos, Brasileiros na Suécia e Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien possuem uma dinâmica interativa entre os membros, em que trocam e compartilham experiências de ser brasileiro na Suécia. Isto é, são ambientes de comunicação inseridos no contexto da cultura participativa, em que os sujeitos se apropriam das características da plataforma de rede social para produzir conteúdo, interagir e comunicar. Configurando-se, dessa forma, como lugares de pertencimento. Desta forma, compreende esses migrantes como sujeitos produtores e consumidores que estão engajados no compartilhamento de experiências, isto é, nessa “cultura participativa” (JENKINS, 2008), a qual é compreendida como “participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras” em uma rede social online, em que essa participação é “moldada pelos protocolos culturais e sociais”, sendo essa ilimitada (JENKINS, 2008, p. 190). 4 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/08/1326267-brasil-chega-a-76-milhoes-de-usuarios-no-facebook-mais-da-metade-acessa-do-celular.shtml. Acessado em: 29/06/14.

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A internet proporcionou essa nova cultura participativa, que tem suas raízes no século 20, em que “estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias dentro da cultura da convergência”, desta forma, a “inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder”, na qual sua consolidação se dá no “processo social de aquisição do conhecimento”, em que continuamos “testando e reafirmando os laços sociais do grupo social” que pertencemos (JENKINS, 2008). Ou seja, os migrantes produzem conhecimento e criam laços sociais para além de uma lógica tradicional de poder, assim como criam outras alternativas de produzir e comunicar, além daquelas já estabelecidas. Em época de interatividades e convergências estar sendo e ser audiência tem mudando, ou seja, tem se ampliado territorialmente as possibilidades de estar como audiência, devido à mobilidade e portabilidades das telas e da “convergência dos múltiplos sentidos” (OROZCO, 2010, p. 23). afeta diretamente na possibilidade de estar em contato sempre, ou mesmo sempre conectados, como participantes de uma ou várias redes ou canais ao mesmo tempo, estar sendo audiência adquire várias novas possibilidades [enquanto que] ser audiência tem significado e significa interatuar com a informação e com o mundo sempre mediado pelas telas, sejam estas grandes, pequenas, intermediarias, massivas ou pessoais, fixas ou portáteis, unidirecionais ou interativas (OROZCO, 2010, p. 23 e 25).

Ao pensarmos a dimensão da interatividade entende-se que a convergência não acontece, apenas, sob um sentido, o tecnológico, mas ela pode ser cultural, cognoscitiva, linguística, situacional e estética, e que ocorre, não somente na confluência dos dispositivos materiais ou tecnológico-digitais, mas desde a recepção até as diferentes emissões-recepções entre diferentes usuários e suas diferentes percepções mentais dos sujeitos envolvidos (OROZCO, 2010, p. 24-25). Os modos de ser audiência variam conforme a diversidade das telas e as formas de interatividade. Além de variar conforme a diversidade cultural e das posições específicas de cada sujeito social envolvido. embora cada vez mais semelhantes, devido à globalização e mercantilização que estão atualmente em vigor. Há diferenças culturais que são persistentes e delimitam o desenvolvimento de certas habilidades e práticas que podem impactar negativamente em uma produção cultural amplificada ou apenas na frente das telas (OROZCO, 2010, p. 25).

Portanto, ser audiência hoje compreende diferentes modos de estar como audiência, desde espectadores ou receptores contemplativos até usuários interativos, criadores e emissores. Isto é, a tendência é sermos audiências que atuam como usuárias e emissoras na produção comunicativa, em que a criação e interatividade predominam, constituindo assim o que se chama de a “nova cultura da participação” (OROZCO, 2010, p. 25). Assim, as motivações culturais em trânsito levam as audiências espectadoras a audiências criadoras.

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Considerações Finais Nos dias de hoje, com a Internet, as audiências passaram de meros espectadores da “função midiática” para serem “interlocutores”, assim, permite que se reconstituam como sujeitos “históricos, cidadãos e membros ativos e criativos de nossa própria cultura”. Isso é possível porque a democratização das tecnologias nos permite estar nas telas. Assim, a criação midiática tem a “necessidade social de criar imagens de nós mesmos, inventar uma memória sobre a nossa história e buscar metáforas imaginativas sobre o que queremos ser” (RINCÓN, 2008, p. 97). Portanto, é presente no cotidiano dos sujeitos e no intercâmbio social a interação com as telas, em que no mundo contemporâneo tornam-se imprescindíveis (OROZCO, 2010, p. 24). Com isso, torna-se importante realizarmos investigações mais aprofundadas das diferentes maneiras em que as audiências estão se movendo em direção a uma cultura participativa (OROZCO, 2010, p. 27). Quanto à investigação dessa participação dessas audiências/usuário nas redes sociais online, Orozco (2010) diz que é um campo a ser pesquisado, [...] abrindo uma veia rica de pesquisa, ainda não desenvolvidas, mas férteis para a produção de conhecimento. [...] São estudos [...] ou investigação participante nas interlocuções em redes sociais, onde os participantes estão construindo seus discursos e dando significados à sua nova participação. Um dos maiores desafios é fazer algum sentido nessa imensidão de interlocuções que a conectividade atual permite frente e a partir das diversas telas (OROZCO, 2010, p. 28).

Portanto, o estudo sobre os grupos do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia pelo viés dessa cultura participativa é um campo ainda a ser explorado, pois são inexistentes ou muito incipientes as pesquisas sobre cultura participativa e migrações, pois ainda existem mais trabalhos voltados a essa cultura participativa na criação e produção a partir de um produto midiático. Desta forma a investigação proposta vem a contribuir para os estudos de recepção latino-americanos, uma vez que incide em um campo pouco explorado. Referências COGO, Denise. Pesquisa em Recepção na América Latina: perspectivas teórico-metodológicas. Barcelona, Incom, 2007. Disponível em: http://www.portalcomunicacion.com/uploads/pdf/48_por.pdf. BARBERO, Jesús Martín. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAIS, Dênis (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. Folha de São Paulo. Brasil chega a 76 milhões de usuários no Facebook; mais da metade acessa do celular. Disponível em: http://www1.folha. uol.com.br/tec/2013/08/1326267-brasil-chega-a-76-milhoes-de-usuarios-no-facebook-mais-da-metade-acessa-do-celular.shtml. Acessado em: 29/06/14. JENKINS, Henry. A Cultura da Convergência. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2008.

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OROZCO GÓMEZ, Guillermo. LA INVESTIGACIÓN DE LAS AUDIENCIAS “VIEJAS Y NUEVAS”. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, 2010, n.13, Ano 7. São Paulo: ALAIC, 2010. SCOLARI, Carlos. Hipermediaciones. Elementos para una Teoría de la Comunicación Digital Interactiva. Barcelona: Gedisa, 2008. RINCÓN, Omar. No más audiencias. Todos devenimos productores. Comunicar, Revista Científica de Comunicación y Educación, 2008, n.30, v.XV, p.93-98. Sobre os autores: Laura Roratto Foletto é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria Nome do autor (UFSM). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] Liliane Dutra Brignol é doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Professora do Departamento de Ciências da Comunicação/ Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM e orientadora do trabalho. E-mail: [email protected]

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Redes sociais online e intercâmbio acadêmico: usos sociais do Facebook por intercambistas latino-americanos em Santa Maria Jamylle de Assunção LIMA Liliane Dutra BRIGNOL Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: O artigo apresenta parte das reflexões desenvolvidas no contexto de uma pesquisa que buscou identificar as estratégias de interação e de comunicação utilizadas por intercambistas em Santa Maria, através dos seus usos do site de redes sociais Facebook, partindo do pressuposto de que a experiência migratória evidencia processos de construção e vivências de identidades múltiplas. Através da observação de perfis no Facebook e de entrevistas em profundidade com dez estudantes latino-americanos em intercâmbio na UFSM durante o segundo semestre de 2012, além de observação de seus locais de residência em Santa Maria, foi possível identificar a importância da internet, especialmente do site de redes sociais, para comunicação e interação. Destaca-se seu papel para manutenção de vínculos com familiares e amigos, busca de informação sobre o país de nascimento, aproximação com o contexto local de Santa Maria e interação, sobretudo, entre os próprios jovens intercambistas. PALAVRAS-CHAVE: Redes sociais online; Facebook; intercâmbio; identidades; interação. Intercâmbio, identidades e tecnologias Como jovens nascidos em diferentes países da América Latina em período de intercâmbio em Santa Maria se apropriam das diferentes possibilidades de interação e comunicação do Facebook ? De que modo o site de rede social mais popular dos últimos anos impacta o cotidiano destes estudantes intercambistas? Estas são algumas das questões que nortearam o trabalho deste artigo, no qual é apresentada parte das reflexões desenvolvidas no contexto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de Comunicação Social – Relações Públicas

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da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), concluído em janeiro de 2013. Na pesquisa, desenvolvemos um estudo acerca das identidades de migrantes na situação específica de intercâmbio acadêmico. O objetivo era identificar as estratégias de interação e de comunicação utilizadas por intercambistas em Santa Maria, através dos seus usos do site de redes sociais Facebook, partindo do pressuposto de que a experiência migratória evidencia processos de construção e vivências de identidades múltiplas. Compreendemos, neste contexto, que o intercambista é aquele indivíduo que migra para outro país com o objetivo de estudar, aprimorar as relações com pessoas pertencentes a uma realidade diferente e compreender o mundo a partir de outro viés. Isso significa compreender o intercâmbio como um tipo especial de migração, com características específicas e um tempo de duração previamente estabelecido. Os programas de intercâmbio, além de contribuírem para o futuro profissional dos acadêmicos, amplificam a visão de mundo e proporcionam a esses indivíduos um melhor entendimento sobre outra realidade sociocultural. Quando falamos em intercambistas, é natural pensarmos sobre os estudantes estrangeiros como marcados por algumas diferenças, como o idioma, hábitos alimentares, experiências culturais, o que, muitas vezes, pode dar margem à criação de preconceitos e estereótipos. Em se tratando de intercambistas latino-americanos, as diferenças, muitas vezes, se apresentam misturadas às semelhanças provocadas pela proximidade dos países e semelhanças entre as culturas. Estudantes brasileiros utilizam-se de forma crescente da prática de viajar para outros países durante a graduação e a pós-graduação em busca de novas experiências e saberes , ao passo que, atualmente, isso vem aumentando cada vez mais também no sentido contrário, ou seja, diversos acadêmicos de outros países têm procurado o Brasil para ampliar seus conhecimentos pessoais e culturais sobre este país. Esta prática de intercâmbio acadêmico é bastante produtiva para ambos os países envolvidos, pois, na medida em que essas diferenças são compartilhadas, todos ampliam suas bagagens de conhecimento e contribuem para as convergências culturais próprias da globalização. Além disso, devido a fatores econômicos e sociais, a migração entre os países da América Latina tem se tornado cada vez mais forte. Segundo dados de 2012 da Organização Internacional de Migração (OIM), há uma tendência ao crescimento da migração regional e, ao mesmo tempo, uma propensão ao menor fluxo de migrantes sul-americanos para a América do Norte e para a Europa. Em entrevista ao site da BBC , em março de 2012, o diretor da OIM afirmou que o Mercosul e a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) auxiliaram no aumento dos fluxos migratórios na América Latina através de facilitações e diminuição da burocracia entre os países. Como consequência disso, as pessoas tem migrado mais entre os países latino-americanos e, desse modo, gerado maior interação entre as culturas. A pesquisa parte do diálogo com investigações já existentes a respeito das identidades de migrantes, como as de Hall (2003; 2006), Cogo (2008) e Brignol (2010). Com base neste referencial, buscamos apresentar uma perspectiva de análise voltada para as questões de identificação, pertencimento e interação

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desses indivíduos através de seus usos da rede social online Facebook. De maneira complementar, pretendemos identificar o papel da sociabilidade através do meio online para a construção identitária cultural e social desses indivíduos. Fundamentamos teoricamente a investigação nos Estudos Culturais, bem como nos estudos a respeito das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e nas diferentes teorias sobre o fenômeno das migrações como incentivador de construções identitárias. A partir dos conceitos de Stuart Hall (2003) sobre as identidades múltiplas em situações de migração, buscamos analisar como ocorrem essas multiplicidades e de que forma elas transparecem nas interações cotidianas, observadas no site de redes sociais e nos contextos off-line, no cotidiano desses intercambistas. Para compor a pesquisa, selecionamos um grupo de estudantes de graduação nascidos em países da América Latina que realizava intercâmbio acadêmico na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) durante o segundo semestre de 2012. Esses estudantes faziam parte de dois grupos: a Asociación de Universidades del Grupo Montevideo (AUGM), grupo que reúne seis países da América Latina com o intuito de promover intercâmbios acadêmicos entre universidades; e o BRAMEX, programa de intercâmbios acadêmicos entre universidades do Brasil e do México. Os estudantes da AUGM e do BRAMEX que realizam intercâmbio na UFSM normalmente permanecem um semestre no Brasil, período em que cursam as disciplinas referentes à graduação que já faziam em seus respectivos países. Iniciamos a análise pelas interações através do site de rede social Facebook. Pressupondo que esses intercambistas utilizam sites de relacionamentos como meio para interagir com seus amigos e parentes que ficaram em seu país de nascimento e também com os brasileiros que conheceram através do intercâmbio, acreditamos que esses intercambistas se utilizam dessas interações para a construção, vivência e/ou reafirmação de suas identidades. Buscamos, assim, compreender de que maneira ocorrem essas interações com o contexto local e também com o país de nascimento e como essas interações contribuem naa construção das identidades desses intercambistas. Com o auxílio inicial da Secretaria de Apoio Internacional (SAI) - órgão da UFSM que promove mobilidade acadêmica através de seus diversos convênios com instituições estrangeiras de ensino superior, dentre as quais estão a AUGM e o BRAMEX - selecionamos um grupo de estudantes intercambistas que realizavam intercâmbio acadêmico na UFSM no segundo semestre do ano de 2012. Em sequencia, através de uma abordagem qualitativa, estabelecemos categorias de análise para embasar a observação dos usos do Facebook e também entrevistas individuais com os estudantes. A realização de visitas ao ambiente onde a maioria do grupo em análise esteve hospedada foi uma etapa importante para o desenvolvimento do trabalho, pois proporcionou a observação da realidade cotidiana dos pesquisados e possibilitou ampla compreensão de questões referentes às identificações e aos usos da internet e de sites de redes sociais online. Iniciamos o contato via Facebook com os 18 intercambistas - sendo 9

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vindos da Argentina, 3 do Paraguai, 2 do Uruguai, 2 do México e 2 da Colômbia – os quais localizamos no Facebook a partir da lista adquirida com a SAI. Enviamos uma mensagem de apresentação inicial solicitando o pedido de amizade no Facebook. Recebemos retorno de 16 dos estudantes com a aceitação da solicitação de amizade no Facebook. Destes, escolhemos 10 intercambistas para compor nosso objeto de estudo. Optamos por analisar a página principal, a Linha do tempo, de cada intercambista. A análise das postagens e dos usos do site se deteve, portanto, no que seria visível a todos que acessassem o perfil do indivíduo, sem a intervenção nas opções “ler mais comentários”, ou “ver fotos”. A fim de mapear as páginas dos perfis dos intercambistas, fizemos capturas de telas de todas as postagens do mês de outubro de 2012 de cada estudante. Após, organizamos por data e horário de postagem e posteriormente reorganizamos em relação às intenções e sentidos de cada postagem. Para isso, foram desenvolvidas oito categorias de observação utilizadas para o estudo no Facebook: Principais interesses; Interações com o país de nascimento; Referências à cultura e às características do país de nascimento; Interações com o Brasil; Referências à cultura e às características locais e brasileiras; Comparações; Referências ao intercâmbio acadêmico; Principais interações durante o intercâmbio e Cotidianidade. A partir dessas categorias, criou-se um dos instrumentos de pesquisa com as tabelas individuais dos intercambistas. Posteriormente, agregaram-se a essas análises, as entrevistas individuais com questionamentos sobre o cotidiano do intercâmbio e as relações interpessoais durante a experiência migratória temporária. Além das entrevistas, através observação das residências, conhecemos o local onde a maioria do grupo em questão estava hospedado, com o objetivo de perceber os usos do computador, da internet e, mais precisamente, do Facebook, além de entender como eles se organizavam e interagiam e quais as referências culturais e de identidade perceptíveis em suas casas. Com isso, atrelou-se a observação online do Facebook à off-line das entrevistas e das visitas aos locais de moradia para a identificação de recorrências em relação às interações e às construções identitárias dos estudantes em intercâmbio. Colaboraram com a pesquisa dez estudantes intercambistas, dentre os quais oito eram mulheres e dois eram homens, todos com idade entre 21 a 26 anos. Seis intercambistas eram nascidos na Argentina, duas na Colômbia, uma no Paraguai e uma no México. Percepções sobre as dinâmicas de interação e identidades dos intercambistas No decorrer da análise, percebeu-se que os modos como cada intercambista se definia e se expressava no Facebook demostrava características pessoais e desejos de identificação. A partir dos relatos, percebemos que a maioria utilizava os sites de redes sociais para interagir com as pessoas que estavam em seu país de nascimento e também para acessar sites de músicas e de notícias. Diariamente, durante o tempo livre, a maioria dos pesquisados disse ficar conectado à internet. Em relação ao Facebook, utilizavam principalmente para interagir com a família e amigos através da ferramenta do chat ou bate-papo.

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Também foram analisadas as fanpages (páginas de empresas ou instituições no Facebook) curtidas pelos intercambistas durante o mês de outubro de 2012. Com isso, percebeu-se que, durante o intercâmbio, os estudantes buscaram interagir com a realidade local através do Facebook, pois curtiram páginas relacionadas à UFSM, a boates, bares e, até mesmo, a um grupo de música tradicionalista do Rio Grande do Sul. Percebeu-se, ainda, que, a partir da demonstração dos principais interesses, os estudantes expuseram suas características pessoais e demonstraram suas identificações com os países de nascimento, já que a maioria dos intercambistas apresentou interesses relacionados à interação com a família e à música nacional que ouviam. Em conformidade a isso, constatou-se que o vínculo forte com o país de nascimento foi uma característica predominante entre os intercambistas, já que o tempo de migração do intercâmbio era curto e pré-determinado. Percebeu-se, também, que alguns dos entrevistados não procuravam se identificar com a cultura local ou brasileira, mas sim mostrar aos contatos brasileiros as características do seu país. Quando perguntados em relação ao pertencimento, todos demonstraram se identificar com os respectivos países de nascimento, ou seja, como argentinos, mexicanos, uruguaios, paraguaios e colombianos. A maioria relatou sentir falta da família e também da comida típica de seu país, assim, buscavam estar sempre em contato com as pessoas através da internet, bem como prepara as comidas do país onde nasceram durante o intercâmbio. A tradição do mate foi citada por todos os estudantes nascidos na Argentina. Alguns reclamaram da erva-mate do Rio Grande do Sul, reafirmando, assim, a identificação com a cultura argentina. Quanto a comparações e estranhamentos, o idioma foi uma das questões mais enfatizadas pelos intercambistas como sinônimo de diferença entre o país de nascimento e o Brasil. Além disso, diferenças climáticas, alimentares, musicais e de comportamento também foram bastante citadas como questões de estranhamento e diferenciação, além de serem referências constantes em postagens nos perfis do Facebook. As referências ao intercâmbio acadêmico estavam presentes em postagens e em muitos pontos dos depoimentos dos estudantes pesquisados. Nesse sentido, a partir das entrevistas e das publicações no Facebook, percebeu-se que a motivação para realizar o intercâmbio foi relacionada ao interesse em conhecer uma nova cultura, um novo idioma e perceber o curso de graduação por uma nova perspectiva. Boa parte dos intercambistas não havia realizado outro intercâmbio, nem viagem internacional antes e escolheram a UFSM em decorrência da oferta de intercâmbio proporcionada pela universidade de origem e pelas boas referências em relação ao ensino em Santa Maria. Quanto a referências à cultura e às características locais e brasileiras, percebeu-se que todos buscaram de alguma forma se identificar com o Brasil, porém, por serem países vizinhos, Brasil e Argentina, os intercambistas nascidos na Argentina consideravam-se, em geral, mais identificados com o Brasil do que os demais estudantes da pesquisa. A cultura gaúcha, como os costumes do chi-

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marrão e do churrasco, foi evidenciada como algo que aproxima os dois países. Desse modo, as identidades regionais tornaram-se muito presentes no cotidiano dos intercambistas como meio de se aproximarem da cultura local. Alguns entrevistados se surpreenderam com a disparidade entre o que perceberam do Brasil e o que imaginavam a partir da leitura feita pela mídia, como um país festivo e alegre todo o tempo. Muitos dos entrevistados enfatizaram que a cultura de seu país, das festas e da confraternização era muito mais evidente do que no Brasil. Nesse sentido, é importante ressaltar que a imagem que os intercambistas têm do Brasil torna-se limitada pelo fato de a maioria conhecer basicamente a cidade de Santa Maria e cidades próximas. Assim, o Brasil que os estudantes conhecem, na verdade, é apenas uma pequena amostra das características e da diversidade cultural do país. Ainda em relação às referências às culturas locais e brasileiras, identificou-se que, no Facebook, predominaram as fotos e comentários sobre os lugares visitados, as comidas diferentes e as músicas brasileiras. Percebeu-se, entretanto, que as interações com os brasileiros foram menos frequentes em comparação com as relações que os intercambistas tiveram entre eles. Até mesmo nas entrevistas, não houve muitos relatos com menção aos relacionamentos com moradores de Santa Maria e do Brasil. Para conhecer mais sobre as interações durante o intercâmbio e cotidianidade, além das entrevistas e das postagens no Facebook, foram associadas visitas a dois apartamentos dos intercambistas, um feminino em que estavam hospedadas três meninas da Argentina e o outro masculino, onde moravam dois meninos intercambistas também nascidos na Argentina e um outro rapaz da Venezuela que não era intercambista, mas que veio estudar no Brasil. A partir disso, teve-se o intuito de perceber como se davam as interações cotidianas dos estudantes e identificar referências culturais e identitárias nas moradias temporárias do grupo. Foi possível perceber a importância de símbolos para as construções identitárias, como bandeiras (da Argentina), evidenciando o sentimento de pertencimento ao país de nascimento. Da mesma forma, o emblema do Rio Grande do Sul, presente em um dos apartamentos, representava a constante busca de aproximação a símbolos regionais e nacionais do Brasil. Pôde-se perceber que cada uma possuía seu próprio computador portátil, porém o espaço de uso era compartilhado. Era na sala que as estudantes usavam a internet, pesquisavam e se relacionavam através dos sites de redes sociais, incluindo o Facebook. Ao analisar os hábitos cotidianos das estudantes, percebeu-se que na cozinha de um dos apartamentos havia uma cuia de mate argentino na pia. A partir das entrevistas e também das postagens no Facebook, percebeu-se que o mate, como uma bebida tradicional e um dos símbolos da cultura gaúcha, era apropriado como forma de demonstrar sentimentos de pertencimento. A partir da visita, percebeu-se o esforço das intercambistas para se sentirem pertencentes à Santa Maria e ao Brasil mesmo que estivessem em uma condição temporária do intercâmbio acadêmico. Ao mesmo tempo, notou-se o interesse em criar um ambiente mais próprio e identificador de suas característi-

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cas, como, por exemplo, no apartamento masculino, em que havia desenhos na parede e quadros feitos pelos próprios intercambistas como objetos que auxiliam a criar um cenário de pertencimento e identificação. Durante a visita, um dos intercambistas explicou que eles procuravam organizar o ambiente com objetos que dessem mais sensação de aconchego. Em entrevista, uma das intercambistas também considerou que o ambiente onde estava hospedada tinha influência no seu cotidiano e nas questões de identificação, já que era impossibilitada de criar um lugar com características próprias, o que a fazia lembrar constantemente que estava ali apenas temporariamente. Conclusão As tecnologias da informação e da comunicação estão presentes na realidade cotidiana dos intercambistas como ferramentas que contribuem para a tentativa de suprir a distância dos familiares e amigos que ficaram no país de nascimento. Além disso, essas tecnologias servem como meio de expressão de suas características culturais e, ao mesmo tempo, de identificação com as novas realidades experimentadas através da migração temporária. Através da internet, o intercambista tem a possibilidade de manter ligação com seu país de nascimento, estreitando relações cotidianas com a família e amigos, além de construir algumas formas de aproximação com a cultura local. Foi possível constar, ainda, que as publicações no Facebook relacionadas às interações cotidianas dos intercambistas remetiam, em sua maioria, a fotos e conversas entre os próprios estudantes. Encontramos fotos do grupo reunido para assistir jogos de futebol ou para fazer comida, por exemplo. Havia também publicações praticamente diárias de diálogos em que eles tratavam sobre diversos assuntos, com o predomínio de compartilhamentos de músicas, imagens e vídeos. Constatamos que muitos dos estudantes pesquisados estabeleceram vínculos de amizades entre o próprio grupo do qual faziam parte e, assim, constituíram uma espécie de família em que compartilhavam costumes e culturas dos diversos países da América Latina. De um modo geral, a partir da observação do Facebook, reafirmamos a ideia de que a internet permite outras relações com a distância geográfica, já que é possível para o indivíduo em situação de migração manter contato diário e participar, mesmo que virtualmente, das vivências cotidianas no país de nascimento. Dessa forma, percebemos que os intercambistas se utilizaram disso para manter as interações com o país de nascimento e cultivar os vínculos com as identidades culturais. Percebemos também que os intercambistas procuravam estar sempre inteirados de tudo que ocorria no país de nascimento através da internet. O Facebook teve papel fundamental nessa interação, pois, através das páginas dos jornais ou das conversas com familiares e amigos, os estudantes mantinham o contato constante com a vida no país de nascimento. Assim, notamos que as principais interações dos intercambistas eram com as pessoas que estavam no país de nascimento, através do meio online, e com os colegas de intercâmbio no meio offline. Percebemos também que as

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influências culturais brasileiras não eram tão evidentes, já que as relações interpessoais mais frequentes se davam entre os próprios intercambistas. Portanto, os estudantes eram influenciados mutuamente pelas culturas dos países de nascimento uns dos outros, com costumes e hábitos diferentes. Porém, também buscavam viver o cotidiano brasileiro através das músicas, festas, comidas e comportamentos compartilhados. Consideramos que através do posicionamento de cada um dos intercambistas perante a situação nova provocada pela migração temporária, conseguimos identificar particularidades e recorrências entre o grupo. Compreendemos que os sentidos dados pelos estudantes à experiência da migração se relacionaram ao desejo de adquirir conhecimentos, tanto acadêmicos quanto culturais. A identidade cultural de cada país era evidenciada e, apesar de cotidianamente compartilhares identidades de diversos países com os colegas de intercâmbio, não gostavam de ser confundidos com outra nacionalidade e demonstravam-se orgulhosos de pertencerem àquele país. Entretanto, alguns preferiam não enfatizar essa diferenciação. Os traços culturais do país de nascimento e o desejo de demonstrar autenticidade estavam implicitamente conectados à vontade de, ao mesmo tempo, pertencer à realidade local em que os intercambistas estavam vivendo. Referências BRIGNOL, Liliane. Migrações transnacionais e usos sociais da internet: identidades e cidadania na diáspora latino-americana. 2010. 404 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, 2010. COGO, D., GUTIERREZ, M.; HUERTAS BAILÉN, A. (Coords). Medios de comunicación y migraciones transnacionales: relatos desde Barcelona y Porto Alegre. Madrid: Catarata, 2008. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. __________. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

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Motivações para a “recepção compartilhada na web”: o trânsito das audiências de telenovela a partir do Twitter Mônica PIENIZ Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS RESUMO: Este artigo reflete os resultados qualitativos de uma tese de doutorado que aborda o trânsito das audiências - onde receptores tornam-se emissores ao compartilharem suas percepções sobre telenovela no Twitter - no que tange às motivações envolvidas neste processo. O enfoque teórico é construído a partir da mediação estrutural da tecnicidade, de Jesús Martín-Barbero. Os resultados apontam motivações que se referem à relação com a telenovela, na perspectiva da trama e do produto midiático, e com o próprio Twitter, no que se refere às possibilidades de expressão, interação e popularidade. Além de ser o que aqui se denomina “recepção compartilhada na web”, este cenário revela uma prática de sujeitos que, ao mesmo tempo em que são parte de uma audiência, buscam atender a sua “própria” possível audiência. PALAVRAS-CHAVE: trânsito das audiências; tecnicidade; Twitter; telenovela; recepção/emissão. O cenário de trânsito das audiências crossmidiáticas As constantes transformações que ocorrem na relação entre meios de comunicação, tecnologias e sujeitos nos impelem a repensar, na mesma medida, os estudos de recepção. Nesse sentido, compreendendo a telenovela como um produto midiático por excelência no Brasil e percebendo o volume de mensagens que circulam na web sobre este assunto, entende-se como necessário um olhar atento para as novas posturas dos receptores, até então estudados em seus lares, que hoje obtêm visibilidade para além de sua vizinhança. É o desafio de estudar o “entre” a emissão e recepção, como exposto por Primo (2013). Os espaços de redes sociais demonstram que muitos receptores tornam-se emissores midiáticos e incorporam esta prática de compartilhar mensa-

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gens sobre o que veem com conhecidos e desconhecidos on-line. É o que chamamos aqui como “recepção compartilhada na web” (PIENIZ, 2013). Analisar as práticas deste público em relação à recepção e emissão de mensagens sobre telenovela pode dar indícios de suas relações com outros assuntos pertinentes à vida social, como a relação com temas de interesse público e concernentes a outros produtos, de organizações midiáticas ou de outras que permeiam o nosso cotidiano - o que pode dar bons indícios das práticas dos brasileiros frente às diferentes mídias. As interferências desse cenário nos procedimentos metodológicos das pesquisas em comunicação permitem o acesso fácil a um grande volume de dados deixados como rastros, por milhões de informantes em potencial. Isso demanda o refinamento de estratégias de recorte, observação e contatos para que a entrada quantitativa permita um aprofundamento reflexivo, com a possibilidade de coleta e análise de dados, com ênfase qualitativa. Desse modo, este artigo reflete os resultados qualitativos de uma pesquisa (PIENIZ, 2013) que objetivou compreender as motivações presentes no processo de trânsito das audiências (OROZCO GÓMEZ, 2011), onde receptores tornam-se emissores ao compartilharem suas percepções sobre telenovela no Twitter1. É um trânsito de audiências espectadoras e receptivas, embora não irremediavelmente passivas (pelo menos não sempre) a audiências produtoras, embora não necessariamente criativas ou críticas (OROZCO GOMÉZ, 2011). Audiências inerentemente crossmidiáticas (SCHRØDER, 2011) trazem novos desafios na era da internet - de audiências massivas para audiências interativas diante da convergência (LIVINGSTONE, 2003; 2004). Sendo que as motivações foram aqui consideradas como causas pelas quais as pessoas escolhem, iniciam e mantém determinadas ações. Estas ações, por sua vez, estão ligadas à satisfação das necessidades, o que gera um conflito motivacional - isso exige a habilidade de satisfazer várias necessidades através de prioridades e hierarquias, como as propostas por Abrahm Maslow, em 1943 (BLACKWELL, ENGEL e MINIARD, 2008). O objeto empírico que exemplifica o cenário abordado no início deste texto, cuja coleta e recorte foram acompanhados de observação, é composto por Tweets que contemplam as hashtags #passione, #insensatocoração e #finaestampa, referentes a telenovelas exibidas às 21h na Rede Globo de televisão, sobre os quais foi efetuada uma busca por palavras mais frequentes, a partir do software Nvivo10. Este procedimento colaborou na verificação dos tuiteiros recorrentes, com os quais foram realizadas duas etapas de entrevistas – procedimentos do método qualitativo aqui enfatizado. Na sequência será apresentada, brevemente, a discussão teórica da tese para, posteriormente, refletir sobre os resultados obtidos a partir de entrevistas on-line e off-line.

1 A tese em questão (PIENIZ, 2013) contemplou resultados quantitativos e qualitativos. Desse modo, uma parte aqui não detalhada, quanto aos resultados quantitativos, foi apresentada pela autora, com viés dos estudos de recepção no GT “Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos” da Compós 2014, e com viés dos estudos de comunicação organizacional, no GT “Comunicação, inovação e tecnologias” do Abrapcorp 2014.

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Da mediação estrutural da tecnicidade à possibilidade de midiatização O trânsito possível e desejável de receptores a produtores e emissores é talvez uma das mudanças sociais mais significativas da atualidade. Para fundamentar teoricamente esta pesquisa, a discussão partiu do conceito de mediação, a partir de Martín-Barbero (2008), especialmente o da mediação da tecnicidade. Este é aqui desdobrado na convergência midiática (JENKINS, 2008) – no cenário de trânsito das audiências, como uma condição comunicacional contemporânea (OROZCO GÓMEZ, 2011) – e nos processos em vias de midiatização. Compreende-se a midiatização, em suas diferentes abordagens - nos âmbitos micro, meso e macro - como uma das possíveis transformações em curso na convergência midiática. Tal desdobramento é posto como uma hierarquização conceitual (figura 1) onde a noção de tecnicidade é relacionada com os demais conceitos, e suas variações, como a mediação estrutural da vida social, mas não a única.



FIGURA 1: Hierarquização dos conceitos FONTE: ELABORADO PELA AUTORA

A tecnicidade, é entendida como a capacidade de inovação dos formatos industriais e das formas de receber mensagens midiáticas, é “[...] menos assunto de aparatos do que de operadores perceptivos e destrezas discursivas” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 18). Aí também já temos indício da preocupação do autor com a convergência midiática, quando afirma: “a estratégica mediação da tecnicidade se delineia atualmente em um novo cenário [...] não só no espaço das redes informáticas como também na conexão dos meios – televisão e telefone – com o computador” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 19). Quanto a seu caráter estrutural, parte-se do que explica Martín-Barbero (2010, p. 49): “é mesmo o lugar da cultura que muda na sociedade quando a mediação tecnológica da comunicação deixa de ser instrumental para tornar-se

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mais espessa, mais densa, e se converter em estrutural”2. As relações com a mídia estão sofrendo mudanças através das alternativas ofertadas pela convergência, considerada aqui com a parte visível e material da tecnicidade, abrindo novos caminhos para os estudos de recepção. Estamos realizando essas mudanças por meio de nossas relações com o que é cotidiano em relação à apropriação tecnológica, por exemplo, e as habilidades que adquirimos nessa prática têm implicações no modo como aprendemos, trabalhamos, participamos do processo político e nos conectamos com pessoas de outras partes do mundo (JENKINS, 2008). De acordo com Jenkins (2008), autor responsável pela popularização do termo convergência midiática: “a convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros”. Inteligência coletiva, convergência e participação são parte da mesma realidade a partir da web. Entretanto, ao falarmos de participação, a questão do acesso se amplia para além das tecnologias. A participação implica a reflexão acerca dos protocolos e das práticas culturais (JENKINS, 2008). Os atuais participantes dessas apropriações influenciam relevantemente a cultura midiática. As contendas e as conciliações resultantes do uso das tecnologias irão definir a cultura pública do futuro, hoje protagonizada prioritariamente por jovens. Estes compõem grande parte dos públicos que são ativos, migrantes, conectados socialmente, barulhentos e visíveis. “As promessas desse novo ambiente midiático provocam expectativas de um fluxo mais livre de ideias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura” (JENKINS, 2008, p. 44). Esta apropriação das possibilidades tecnológicas geradas pela convergência midiática possibilita a emergência de processos de midiatização – tema que tem gerado, há muitos anos e em diferentes países, uma discussão em diferentes âmbitos. Estes âmbitos estão aqui divididos, conforme Andreas Hepp (2011), para fins de esclarecimento, em nível macro, meso e micro. Para este autor, a midiatização tem se tornado um conceito chave, porém o seu uso é questionado por ter tendência a uma compreensão linear e acrítica do processo de mudança que provoca na sociedade. Hepp (2011) sintetiza em três degraus o contexto norte-europeu de pesquisa acerca da midiatização, os quais são percebidos também na pesquisa nacional brasileira: o primeiro é sobre os momentos tecnológicos e institucionais dentro da pesquisa de midiatização, os quais abordam a lógica midiática. O segundo é a midiatização como um meta-processo e um panorama, de longo prazo. E o terceiro é a análise a partir das forças de moldagem da mídia – expressão que configura o seu pensamento quanto à midiatização. Quantitativamente a midiatização implica em mais tecnologias, meios e formas de apropriação, com mudanças no tempo, espaço, nível social e interações. É um processo sinérgico de dispersão dos meios – o que iria ao encontro 2 Original: “Es el lugar mismo de la cultura em la sociedade el que cambia cuando la mediación tecnológica de la comunicación deja de ser instrumental para espesarse, densificarse y convertirse em estructural. [...]”.

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da ideia de convergência, já comentada. Qualitativamente, entretanto, há as forças de moldagem da mídia - quando a forma de comunicação muda com o meio, ou quando o meio muda em função das mudanças nas formas de comunicar/interagir. A mídia exerce certa pressão na forma como comunicamos (HEPP, 2011). As forças de moldagem se concretizam em diferentes formas de comunicação. Existem especificidades em cada meio, as quais são produzidas pela ação humana em seus diferentes contextos – e, portanto, não são decorrentes somente da(s) lógica(s) midiática(s), mas das formas de apropriação dos espaços pelos públicos. Devem-se analisar as forças de moldagem dos meios sempre em sua rede de ação humana, comunicativa. A especificidade dos meios só pode ser percebida no seu contexto de apropriação – neste ponto se compreende que a ideia das mediações de Martín-Barbero está plenamente contemplada. Hepp (2011) quer, portanto, investigar a relação entre as mudanças dos meios de comunicação e as mudanças socioculturais. Cada meio implica em determinados poderes comunicativos, atrelados às apropriações das forças de moldagem e através destes, os sujeitos agem em contextos que variam no tempo e no espaço. O Twitter, por exemplo, apresenta certas peculiaridades como a limitação de 140 caracteres por mensagem, a não obrigatória reciprocidade entre “seguir” e “ser seguido” – o que demanda boas estratégias para angariar e manter seguidores - a praticidade e objetividade do seu uso. Estas características constituem-se como forças de moldagem que conformam certas práticas exclusivas para o público de uma emissora televisiva, por exemplo, como será explicitado no próximo item. A partir deste espaço empírico de investigação percebem-se as possibilidades materiais da convergência midiática e a mediação estrutural da tecnicidade que está latente nas práticas do público investigado. Motivações envolvidos na prática dos tuiteiros receptores de telenovela O protocolo metodológico que contemplou as entrevistas de primeira e segunda etapa partiu de uma inspiração etnográfica, com etapas on-line (FRAGOSO et al. 2011; BRAGA, 2008) e off-line. O corpus selecionado para a análise foi composto por um conjunto de mais de 35 mil Tweets coletados durante o período de três anos, de 2010 a 2012, sendo 104 dias diferentes de coletas, a partir das hashtags3 #passione, #insensatocoracao e #finaestampa (GLOBO, 2010; 2011). Este corpus foi inserido no software Nvivo10 onde foi submetido a uma análise de palavras mais frequentes, inspirada na análise de conteúdo (BARDIN, 1979), a fim de verificar os conteúdos relevantes neste conjunto de dados. A partir deste material foram rastreados os tuiteiros mais atuantes, no caso, 354 pessoas, aos quais foram enviados convites para responder a um questionário on-line, somando 60 retornos e, a partir destes, sete entrevistas (GIL, 2008) de segunda etapa, entre 2012 e 2013, (duas presenciais, uma pelo Facebook, uma pelo Skype e três por e-mail). O material coletado com as respostas do questionário e da entrevista permitiram a análise quanto às motiva3 quisa.

Etiquetas demarcadoras de conteúdo no Twitter, as quais foram aqui utilizadas como filtro de pes-

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ções envolvidas na prática de tuitar sobre telenovela. Diante disso, os resultados da análise das entrevistas apontam motivações que se referem à relação com a telenovela e com o próprio Twitter, como ilustrado na figura 2.



FIGURA 2: Motivações para a prática de tuitar sobre telenovela FONTE: ELABORADO PELA AUTORA

A relação com a telenovela, a qual, pela forma de recorte da pesquisa é sine qua non, foi percebida em duas perspectivas: a da trama e a do produto midiático. A primeira está ligada à imersão no universo ficcional, enquanto a segunda se refere a uma análise a partir das características de produção, bastidores e níveis de audiência, por exemplo. Os argumentos para tal motivação variam, como mostram os trechos de respostas dos informantes4: “os sentimentos que as cenas despertam”, ou ainda: “lembro muito da novela Insensato Coração, a qual eu tuittei bastante, em particular, pela minha admiração pelo ator Eriberto Leão, de quem sou fã, amiga virtual (facebook, twitter...)”. Tanto a ficção quanto o elenco despertaram o interesse por tuitar acerca da telenovela, dentre outros fatores como a análise do cenário, do figurino, dos erros de continuidade. Quanto às motivações relacionadas ao uso do Twitter, com suas forças de moldagem, foram verificadas três categorias: expressão, interação e popularidade. Há os que querem somente expressar suas emoções sobre a trama ou opiniões sobre o produto midiático, sem preocupações de ter retornos e difusão de suas ideias. Como nos exemplos dos trechos de entrevista que revelam o anseio pela expressão: “[...] necessito expor minhas idéias e dividi-las com meus seguidores !!!”; com a nítida apropriação como espaço midiático pelas pecu4

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Na tese (PIENIZ, 2013) há códigos para denominar os diferentes informantes. Artigos Completos

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liaridades de suas forças de moldagem, a expressão em si, sem expectativa de interação, já significa uma motivação para tuitar: “[...] Twitter não serve para pessoas carentes, hahaha! Se você fica querendo só interação, vai surtar e se sentir diminuído. Porque nem sempre as pessoas respondem. Principalmente as ‘celebridades’ da web, os blogueiros e tuiteiros mais famosos”, conforme explica um dos informantes. Uma intensa necessidade de partilhar emoções, sentimentos e opiniões foi evidenciada nas entrevistas com os receptores tuiteiros: “[...] no twitter comentando isso com outras pessoas eu me sinto como se fosse antigamente em que no dia seguinte a gente chega pros amigos e fala: e aí, você viu a novela ontem?! so que mais prazeroso porque voce ta comentando e compartilhando emoções sobre o que está passando naquele momento e se sente numa “roda de amigos””. A decisão por deixar explícita uma postura a partir da demarcação de opiniões sobre a telenovela, por exemplo, é tão presente quanto a vontade de expressar as emoções trazidas pelo acompanhamento da trama. O pressuposto de estar sendo lido, de fazer parte de uma prática coletiva e nisso, a sensação de pertencer a um grupo, já anima e satisfaz o público motivado pela emissão no Twitter. Já como motivação que conota uma complexificação das relações com os meios e com os demais tuiteiros, está a interação, como citado neste trecho: “O Twitter é interação. Todo mundo deveria saber disso”, estes tuiteiros visam a interação, tanto com os famosos quanto com os demais receptores que estão nesta rede social, e sem esta não se satisfazem. Quando o foco é este, os seguidores sempre são levados em conta no momento de elaboração dos Tweets - é a ideia tida acerca de sua opinião que dosará as palavras a serem emitidas, pois estas precisam ir ao encontro das suas expectativas, a exemplo do relato: “[...] teve um final duma novela, não me recordo qual, agora, que o pessoal, tava todo mundo indo para a praia. [...] E a minha amiga postou: “Ah, me contem sobre a novela! Não tô assistindo, tô na freeway, tá trancado.” E as pessoas iam postando pra ela, assim, contando pra ela. Daí ela ficou super a par da novela, sem ver uma cena da novela, no final!!!”. O objetivo é despertar o desejo de interação no outro, a partir da escrita - como também interagir, quando a escrita do outro surtiu efeito e despertou o interesse do próprio entrevistado, como no exemplo: “[...] eu sempre gostei de telenovela e tuitar a novela quando ta passando é um pouco como comentar a cena com alguem da sua familia que ta no sofá assistindo com voce, me sinto um pouco assim com as pessoas que interajo e fazemos uma panelinha ótima na rede!”. Desse modo, ampliam-se as possibilidades de relações que se utilizam a telenovela como pauta – resultando em cruzamentos de informações dos interagentes on-line e off-line no cotidiano dos receptores. Refinando um pouco mais a complexidade verificada, estão as motivações em torno da popularidade que pode ser angariada através dos Tweets. Neste âmbito há os que têm foco na atualização do seu perfil pessoal e para isso estão à caça de pautas interessantes a serem liberadas, a fim de conquistarem mais seguidores e fidelizarem os que já estão em sua rede de contatos. A telenovela, reconhecida como produto midiático de grande aceitação popular no

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Brasil, assim como o futebol, é assunto certeiro quando o foco é buscar retornos quantificáveis. Escrever acerca da telenovela, especialmente com o uso do humor, é passaporte garantido para uma ampliação da visibilidade no Twitter. Um assunto da mídia massiva é pauta estratégica para os espaços midiáticos dos tuiteiros que buscam a mesma fama das celebridades de telenovelas - categoria na qual os reflexos da midiatização se mostram latentes. Esta busca por popularidade foi percebida tanto no sentido de informar, como no trecho: “Eu não largo meu iPhone por nada!!! Nos tornamos formadores de opinião e ditamos em muitos casos novas regras !!!”. Há também um sentimento de responsabilidade por repassar a informação, de acordo com outro entrevistado: “Sim, gosto de me atualizar e atualizar o pessoal que lê meus Tweets sobre a novela”; “Meu público alvo é meus seguidores [...]”. Além da intenção de narrar o que está sendo assistido, como no exemplo: “Eu assisto e tuíto, ás vezes mais parece um narração. Era mais comum com “Avenida Brasil” e “Amor Eterno Amor” “, e “Já narrei Avenida Brasil, The Voice Brasil”. A emoção da visibilidade angariada pela popularidade pode ser percebida nesta frase, por exemplo: “umas 12 pessoas me retuitaram. Daí eu me senti super top, né?”. Somado a isso, percebeu-se o sonho da fama, em muitos entrevistados, como estes, que explicam: Parte da fama, hoje em dia, comanda a sociedade”, “eu não sou famoso, mais um dia vou ser”; em especial a fama a partir da participação em alguma telenovela: “Sou fanático por novelas [...] meu sonho de ser roteirista e até mesmo escritor de novelas” e “gostaria de sentir o perfume do sucesso”. A sensação de reconhecimento, orgulho e aceitação são os resultados “emocionais” dos Tweets que propiciaram a notoriedade almejada. A socialidade toma forma de anseio pela visibilidade midiática ampliada, pois junto da busca por popularidade há a busca de reconhecimento como um canal de informação, narração e entretenimento, como também o sonho da fama. É aqui que fica evidenciada a intenção de atender a sua própria possível audiência, neste espaço midiático pessoal, enquanto se utiliza de uma pauta relacionada à mídia massiva, da qual é receptor. Considerações sobre a “recepção compartilhada na web” Para além dos que utilizam as redes sociais somente para a expressão, de maneira lúdica, há os que preferem uma apropriação estratégica da tecnologia. Operar nas lógicas que até então eram características prioritariamente da mídia massiva - como narrar, informar, ser formador de opinião e ter fama - é um reflexo da possível interferência dos processos de midiatização latentes na sociedade – onde há a crença de que tudo precisa passar pela mídia para obter legitimação diante do social. Ao se midiatizarem somente pelas forças de moldagem do Twitter, alguns tuiteiros agem estrategicamente visando o meso nível da midiatização, onde práticas de instituições midiáticas lhe servem de inspiração para seu próprio espaço midiático.

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Pela quantidade de seguidores, espontâneos ou não, alguns tuiteiros acreditam que são formadores de opinião e buscam narrar a telenovela para informar seus seguidores, além de entretê-los. Dados como estes, somados aos sentidos inerentes às percepções de alguns tuiteiros quanto à fama, denunciam a apropriação de lógicas da mídia massiva. Acreditar que a fama comanda a sociedade ao conferir respeito e ascensão social demonstra que a as mídias sociais não concretizaram totalmente a utopia da democratização dos meios, pois ao invés de operarem em outra lógica, alguns sonham ser parte do grupo de celebridades - ainda uma brilhante fonte de inspiração para muitos receptores. Estas audiências, inerentemente crossmidiáticas (SCHRØDER, 2011), ao se apropriarem de espaços midiáticos para a emissão de mensagens, têm a possibilidade de atuar, além de tática (DE CERTEAU, 1994), estrategicamente. Desse modo, além de ser o que aqui se denomina “recepção compartilhada na web”, este cenário revela uma prática de sujeitos que, ao mesmo tempo em que são parte de uma audiência, buscam atender a sua “própria” possível audiência. A complexidade de relações envolvidas apenas no recorte de realidade aqui analisado prevê, lado a lado, a crítica às falhas do enredo da telenovela, quando este se distancia da realidade experienciada pelos receptores, e o sonho de obter a fama, através da atuação como vilã em alguma trama, por exemplo. Os resultados aqui alcançados estão circunscritos, obviamente, num tempo e espaço determinados, recortados, delimitados. Entretanto, por serem uma amostra de relações numa parte do real, podem servir de base para compreendermos as tendências de apropriações tecnológicas por parte dos receptores televisivos que comentam a respeito do visto, para além do Twitter e das telenovelas específicas. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BLACKWELL, R. D., & MINIARD, P. W., ENGEL, J. F. Comportamento do consumidor. 8a edição. Livros Técnicos e Científicos. Rio de Janeiro: S. A. 2008. BRAGA, A. Personas Materno-Eletrônicas: feminilidade e interação no blog Mothern. Porto Alegre: Sulina, 2008. DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. FRAGOSO, S.; RECUERO, R.; AMARAL, A. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. GIL, A. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008. GLOBO, Rede. Telenovela. Fina estampa. Brasil, 2011. ________. Telenovela Insensato Coração. Brasil, 2011. ________. Telenovela Passione. Brasil, 2010. HEPP, Andreas. Differentiation: Mediatization and Cultural Change. In: Lundby, K. (ed.). Mediatization: Concept, Changes, Consequences. New York: Peter Lang, 2009. p. 135-154. ________. Mediatization, Media Technologies and the ‘Moulding Forces’ of the Media. In: INTERNATIONAL COMMUNICATION ASSOCIATION ANNUAL CON-

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Sobre a autora: Mônica Pieniz – Relações Públicas e mestre em comunicação pela UFSM. Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora do Departamento de Comunicação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – FABICO/UFRGS. Desde 2009 integra o Obitel/RS (Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva), sob a coordenação da Professora Drª Nilda Jacks, e em 2014 atua como vice-coordenadora do grupo. E-mail: [email protected]

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As narrativas identitárias no Instagram e o uso da inspiração etnográfica virtual Mariana Leoratto SEVERO Liliane Dutra BRIGNOL Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: Este artigo pretende apresentar a inspiração etnográfica virtual como método de investigação sobre os usos do aplicativo Instagram relacionados aos processos de construção de narrativas de identidades pessoais. A partir de conceitos sobre redes sociais online, aspectos identitários relacionados ao contexto contemporâneo e as narrativas identitárias é escolhido o método somado a entrevistas. Como resultado, são apresentados diferentes usos do Instagram, como o reordenamento do tempo, o compartilhamento da experiência, as expectativas sobre o olhar do outro, o cotidiano pautado pelo Instagram, o significado das fotografias selfie e a importância dos filtros na construção das narrativas de identidade através da rede social online. PALAVRAS-CHAVE: inspiração etnográfica virtual; Instagram; identidade pessoal; narrativas; redes sociais online; Introdução Vivemos em uma sociedade conectada por atores sociais que formam uma grande rede social entre si. As redes sociais convencionais, com a internet, passam a fazer parte da lógica da rede, possibilitando conexões entre os atores e consequente visibilidade online. Essa visibilidade online deixa rastros nas redes sociais online, que ajudam na construção do self dos usuários. O Instagram é um aplicativo de fotografias que retrata muito bem o self da atual pós-modernidade: fragmentado, imagético, ágil. Esse aplicativo/rede social online, assim como outros exemplos, acabam sendo informações prontas para serem decodificadas e transformadas em significações por aqueles que são narradores e personagens de si mesmos na rede. A maneira encontrada para se imergir nos estudos sobre o aplicativo, para que o ambiente estudado e a forma com que ele é apropriado pelos usuá-

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rios fossem entendidos de maneira satisfatória, foi pela observação e aprofundamento por meio da inspiração etnográfica virtual. Diz-se inspiração, pois, é uma apropriação do método primordialmente antropológico para explicar questões comunicacionais. É como utilizar o método do todo para estudar a parte. O mapeamento etnográfico aqui é feito, primeiramente, em lurking, sem que o pesquisador participe e interaja com os pesquisados, e, em um segundo momento, complementado por pesquisas em profundidade com oito pesquisados, que foram questionados com perguntas sobre seu cotidiano, usos de mídia e o próprio aplicativo. A análise geral constata as mais diversas formas de construção de narrativas, questões de identidade e construção do self, além de outros usos do Instagram. Como principais aportes teóricos para sustentação da análise são discutidos conceitos de redes sociais online de Recuero (2008) e das narrativas identitárias com Sibilia (2008) e Martino (2010). Com este artigo, pretende-se apresentar a inspiração etnográfica virtual como método relevante e sustentável para os estudos das redes sociais online e as representações do self, além de minuciar os percursos dessa importante metodologia para o campo da comunicação. O objetivo geral da pesquisa que originou este trabalho foi de investigar usos do Instagram relacionados aos processos de construção de narrativas de identidades pessoais dos usuários e a inspiração etnográfica virtual foi o viés tomado para todas as descobertas sobre esse campo virtual de expressões identitárias. As narrativas identitárias nas redes sociais e o Instagram Os contextos de redes sociais surgiram muito antes da internet, porém, é com ela que as redes ganham uma dimensão mais fluída e rápida, tornando suas conexões mais visíveis e presentes nas interações cotidianas (RECUERO, 2008). A internet, como rede das redes, permite que a lógica rizomática seja explorada e potencializada através de múltiplas interligações através de diferentes plataformas online. É importante ressaltar que os sites de redes sociais são, em si, apenas sistemas (RECUERO, 2008). São, então, os atores que se apropriam dessas plataformas que constituem as redes sociais presentes nessas plataformas, e não elas em si. Entretanto, neste caso, mais importante que as redes que se formam são as construções de narrativas de si nessas redes sociais online, contadas, em sua maioria, por textos, vídeos e imagens. Dentre estas várias redes sociais online, o Instagram permite explorar bem a lógica das narrativas. O aplicativo Instagram surgiu no dia 6 de outubro de 2010 e foi desenvolvido por dois engenheiros de programação: o norte-americano Kevin Systrom e o brasileiro Mike Krieger. O Instagram foi desenvolvido, primeiramente, para funcionar na plataforma iOS1, sistema operacional da Apple, o que segmentava o público do Instagram para aqueles que possuíam aparelhos da marca. Em abril de 2012, começou a funcionar em aparelhos com o sistema Android2, e em 2013, 1 iOS é o sistema operacional móvel da Apple, que pode ser apenas utilizado em aparelhos da marca. 2 Android é um sistema operacional de dispositivos móveis que surgiu como concorrente direto do iOS. O sistema Android funciona nas mais diversas marcas de celulares e assemelhados, como HTC, Samsung, Sony, Motorola, LG e Positivo Informática.

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se tornou disponível para usuários de Windows Phone3. No Instagram, o self é construído por meio de imagens, sendo estas muitas vezes mais fortes do que palavras por seu poder simbólico no contar de si narrativamente. Como o ato de fotografar é ligado aos momentos pessoais de cada um, publicar uma foto no Instagram significa criar, então, uma narrativa imagética sobre si em rede. Essas narrativas do cotidiano contam sobre a forma que cada um quer ser visto. O fato de cada fotografia postada narrar o cotidiano de quem a posta e ajudar na sua construção identitária possui um significado bem mais atrelado à estrutura social em que o ator social está inserido sendo a “realidade do discurso, isto é, o real transplantado para um outro nível de apropriação cognitiva, é compartilhada pela comunidade de um tempo e um espaço constituindo o tecido narrativo, simbólico e imaginário de um grupo” (MARTINO, 2010, p. 40). O contexto pós-moderno de identidades fragmentadas e multifacetadas permite, na web, grandes experimentações sobre como ser e estar no mundo, de modo a contribuir para a experimentação de novas subjetividades. Sibilia (2008) enfatiza que esse eu experimentador é ao mesmo tempo autor, narrador e personagem de si. Essa condição de narrador do sujeito é muito importante para que a experiência de si seja organizada e conte com subjetividade e significações sobre ser o que é. Isso significa que, em rede, é o protagonista/personagem que é enfatizado, mesmo o indivíduo sendo ao mesmo tempo também narrador e autor (SIBILIA, 2008). Já que o indivíduo personagem é central na lógica narrativa, ele deve cuidar de sua imagem de maneira que seja sempre visto como imagina mais adequado. É por todos esses motivos que as redes sociais online são importantes no entendimento da construção do eu e nas relações em rede, já que são elas que dão o suporte necessário para que isso aconteça, servindo “ao indivíduo como matéria-prima para a construção da sua subjetividade no ciberespaço, corroborando sua identificação a gostos que atestam a suposta veracidade (...) que deseja representar” (CARRERA, 2012, p.3). Entende-se, então, que as plataformas disponibilizadas para o usuário o ajudam a construir um perfil e associar a ele elementos sociais que ajudem formar sua identidade. A inspiração etnográfica virtual como método Contextualizado o ambiente em que o aplicativo Instagram e seus usuários habitam em rede, e complementando com as motivações pela pesquisa narrativa imagética dos mesmos no aplicativo, se escolheu a metodologia que melhor abrangeria as expectativas desta pesquisa. O foco da pesquisa empírica deste trabalho é, então, inspirada na etnografia virtual. O termo “inspirada” é utilizado, pois, para que uma etnografia propriamente dita seja feita, é necessária uma ampla duração da pesquisa, além de esta ser uma apropriação do método primordialmente antropológico para explicar questões comunicacionais. A etnografia é o método como antropólogos (e outros estudiosos que se apropriam do método) descrevem grupos humanos em relação aos significados que esses grupos atribuem as suas experiências de vida. 3 Windows Phone é um sistema operacional de dispositivos móveis desenvolvido pela empresa de softwares e computadores Microsoft.

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Para a antropóloga Travancas, a etnografia, além descrever as significações nas comunidades e nos seres humanos, “é entendida como um método de pesquisa qualitativa e empírica que apresenta características específicas. Ela exige um “mergulho” do pesquisador, ou seja, não é um tipo de pesquisa que pode ser realizada em um período muito curto e sem preparo” (TRAVANCAS, 2006 p. 4). Em se tratando da etnografia no meio virtual, ela seria esse mesmo método explicado anteriormente adaptado para estudo no universo online. Muitos antropólogos, como explicam Fragoso, Recuero e Amaral em seu livro sobre metodologia para internet (2011), acreditam que a etnografia na internet dilua o espaço-temporal da pesquisa, fazendo com que o deslocamento do pesquisador até o campo e seu estranhamento sejam perdidos. Porém, esse argumento é contraposto com o fato de que todas as formas de interação são válidas, além da face a face e da “temporalidade do agora”. Ou seja, a internet é um campo muito rico de conteúdo para ser esquecido por causa da delimitação temporal e de espaço. É necessário entender, então, que a etnografia virtual se dá no/de e através do online e nunca está desvinculada do offline, acontecendo através da imersão e engajamento intermitente do pesquisador com o próprio meio. A pesquisa foi feita de maneira que se atuou com observação silenciosa, sem participação ativa – inicial - com os avaliados. Por mais que a etnografia propriamente dita seja pautada na interação entre pesquisador e pesquisado, nesse caso ela pode ser chamada de etnografia (virtual), mas sendo diferenciada pelo fato de ser com a prática de lurking (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011) (ato de entrar em fóruns, comunidades, etc. apenas como observador). A primeira etapa da pesquisa empírica resultou na coleta de dados, que foi feita pela seleção de oito perfis de usuários do Instagram, mais um perfil teste inicial. A escolha de oito perfis foi pautada por ser um número consideravelmente grande para a posterior análise em profundidade; e consideravelmente pequeno para que o número de fotos dos usuários não se torneasse impossível de ser avaliado. O critério para a seleção dos perfis foi selecionar jovens entre 18 a 30 anos, brasileiros, que possuam atividade frequente no aplicativo, com número considerável de fotos postadas, seguidores, curtidas nas fotos e comentários. O número considerável se refere a uma frequência de pelo menos uma fotografia por semana postada no perfil e interação com a ferramenta no mesmo período. A escolha dessa faixa etária se deve pelo fato desses jovens serem da geração Y. A geração Y, segundo Calliari (2012), que também pode ser chamada de geração digital é constituída por aquelas pessoas que nasceram entre 1980 e 1995 e é marcada pela capacidade de fazer tudo ao mesmo tempo. Entretanto, “por serem tão polivalentes e estarem envolvidos com tantas atividades ao mesmo tempo, os ípsilons tendem a ser, muitas vezes superficiais” (CALLIARI, 2012, pág. 12). Essa capacidade de fazer tudo ao mesmo tempo de maneira superficial é potencializada pelo consumo de smartphones e novas tecnologias. Estudar essa faixa etária, então, faz com que se entenda a influência da lógica das redes no ciberespaço em suas vidas, já que elas nasceram junto com internet.

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Uma publicação sobre os usos das redes sociais pela Pew Research Center , que fornece informações sobre tendências por todo o mundo, mostrou que os usuários do Instagram nos Estados Unidos (não existe uma pesquisa no Brasil sobre) são, em sua maioria, jovens da geração Y, entre 18 e 29 anos, mulheres, com ensino superior incompleto, negros e hispânicos e que vivem em centros urbanos (figura 1). Esse estudo comprova que a faixa etária escolhida é não só apropriada por representar a geração Y, mas também por ser estatisticamente a que mais utiliza a ferramenta Instagram. 4

Figura 1: Panorama dos usuários de redes sociais nos Estados Unidos. Fonte: Pew Research Center

Com essa pesquisa empírica foi possível fazer a observação dos usos concretos da ferramenta, o que auxiliou no entendimento de como e de que maneira os atores da rede a utilizam. E, por consequência dessa aproximação com a ferramenta, também se percebeu todo o caráter de inovação que o Instagram traz às pesquisas sobre cibercultura e construção de identidade em rede. O Instagram pode ser visto, devido ao seu apelo imagético, como a rede social que mais traduz a forma de ser das pessoas nas redes atualmente: pautadas em ver e serem vistas pelos outros atores no ciberespaço. As imagens do Instagram, sendo postadas como narrativas de si, ajudam a dar essa visibilidade tão desejada pelos constituintes dos nós. O intuito da pesquisa foi entender como pessoas comuns se portam usando o aplicativo para construir sua identidade. O objetivo era que se escolhessem perfis no Instagram de homens e mulheres que possuíssem atividades profissionais diversas, uma parcela que morasse em cidades distintas, e que possuíssem gostos distintos para que a pesquisa se tornasse diversificada. Todos os pesquisados tiveram o seu mês de agosto de 2013 observado, e o perfil 4 Acesso em 12/11/2013

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teste teve todas as suas postagens observadas, desde a primeira postagem do perfil até a última realizada no momento da coleta. Destas oito entrevistas, quatro foram presenciais (todos moravam em Santa Maria), três por Skype e uma por vídeo no Facebook. Foi escolhida uma grande diversidade de frequência de postagens entre os pesquisados: o com menos postagens possuiu sete postagens no mês, e o com mais postagens, 104 fotografias. Foi construída a tabela abaixo para a coleta dos dados sobre cada foto postada, como uma maneira de arquivar e sistematizar o material, a partir de categorias de análise construídas com base na observação inicial feita ao perfil teste: Pesquisado: Número da foto: Data de postagem: Conteúdo da foto: Nome da foto/legenda: Local da foto/ check-in: Temática: Hashtags utilizadas: Número de curtidas: Número de comentários: Principais comentários: Tabela 1: Tabela para coleta de dados sobre os pesquisados. Fonte: acervo pessoal

Cada um dos itens da tabela acima ajudou a sistematizar a análise dos perfis dos pesquisados, organizando as informações e ajudando a dispor os elementos. No primeiro item, “pesquisado”, foi inserido o nome do mesmo e seu perfil no Instagram (@fulano); no item “número da foto” foi disposta a ordem cronológica que a foto foi postada (foto número três – terceira foto postada no mês de agosto); o item “data de postagem” refere-se ao dia que a foto analisada na tabela foi postada (exemplo: 14 de agosto de 2013); em “conteúdo da foto” a pesquisadora escreveu uma frase que sintetizasse o que a fotografia dizia, em seu conteúdo imagético e também se relacionando com a legenda, caso ela complementasse o sentido da fotografia; em “nome da foto/legenda” foi inserida a legenda que o pesquisado colocou na fotografia analisada; no item “local da foto/check-in” foi colocado o local em que a fotografia foi tirada, caso esse local pudesse ser identificado pela pesquisada (exemplo: praia) ou o check-in do local da fotografia, caso o pesquisado tenha marcado; no item “temática” foi a palavra-chave que traduz a fotografia analisada, porém, em praticamente nenhuma foto é inserida apenas uma categoria, pois é difícil somente uma categoria representar a complexidade de uma foto (limite máximo de três categorias por fotografia, para não dificultasse o cruzamento de dados da análise); no item “hashtags utilizadas” foram inseridas todas as hashtags utilizadas pelo pesquisado; o item “número de curtidas” serviu para mensurar a quantidade de curtidas que o pesquisado recebeu por foto; o item “número de comentários” mensurou a quantidade de comentários e, por fim, no item “principais comentários” foram adi-

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cionados os comentários mais relevantes de cada fotografia (foram suprimidos os comentários que se repetiam, exemplo: “linda”, “linda demais”, “lindíssima”, desses três, apenas um foi deixado). É importante ressaltar que, mesmo que o perfil-teste não tenha sido utilizado para a análise, ele foi bastante importante para a construção de coleta de dados do método, pois trouxe um grande benefício para a pesquisa: a criação das temáticas das fotos. As temáticas foram criadas enquanto se observava as fotografias do perfil-teste e se analisava em relação ao seu conteúdo. As temáticas são uma espécie de palavra-chave para cada conteúdo de foto postado (exemplo: animal; descontração; briga). Ao todo, foram criadas 49 temáticas de foto, algumas bastante gerais, que predominaram na maioria dos perfis, como temática de amizade, de animal, de comida, festiva, de paisagem, social e pessoal. Cada uma delas representou um âmbito da fotografia analisada, e foram raras as vezes que uma fotografia possuiu apenas uma temática. Essas temáticas serviram, então, para padronizar os tipos de postagem, para mostrar as tendências das mesmas, similaridade e especificidades de cada perfil, bem como ajudar a traçar o perfil identitário de cada um. Cada fotografia analisada pela tabela pode agregar no máximo três tipos de temática de foto, como por exemplo: foto de comida recebeu a tag comida, foto de paisagem, a tag paisagem. A segunda etapa da pesquisa empírica se deu pelas entrevistas semiestruturadas e em profundidade com os sujeitos previamente selecionados para a análise dos perfis do Instagram. As entrevistas em profundidade procuram, na experiência e nas informações passadas pelos entrevistados, colher resultados qualitativos para que posteriormente fossem analisados e estruturados. O roteiro das entrevistas contou com 58 perguntas qualitativas divididas em quatro categorias: dados gerais, cotidiano, consumo cultural e midiático e sobre o Instagram. Essas perguntas possibilitaram que os entrevistados contassem muito sobre si e suas histórias, e foi muito importante que falassem de tudo com fluidez, sem a interferência da pesquisadora, pois “Se você interromper uma história por considerá-la irrelevante, estará interrompendo não apenas essa, mas toda uma série de ofertas posteriores de informações que serão relevantes” (THOMPSON, 1992, p. 263), mas ao mesmo tempo se interviu com perguntas complementares com o intuito de obter informações mais completas, mas sem interrupção das falas. Metade dos pesquisados foram entrevistados pessoalmente e a outra metade pela internet, o que trouxe bastante diversidade ao método. Os locais de entrevista e horários foram escolhidos pelos pesquisados, para que se sentissem a vontade. Todas essas características da entrevista qualitativa são de extrema importância para o entendimento de como o entrevistado constrói sua identidade pessoal tanto no Instagram como fora dele. Por conseguinte, as entrevistas foram avaliadas de maneira que cada pesquisado tivesse um perfil proveniente da entrevista que foram submetidos. O perfil da entrevista foi complementado com a análise do perfil proveniente da observação em lurking, e a consonância dos dois culminou em na análise sobre como essas pessoas constroem narrativas online sobre suas identidades, sobre a construção do self, sobre os usos do Instagram, e as interações que esses usuários possuem com as outras pessoas.

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Análise dos Dados A metodologia de pesquisa trouxe como resultado uma ampla reflexão e entendimento sobre as mais diversas formas de uso do aplicativo Instagram e a maneira com que as pessoas se constroem a partir do aplicativo. Essas percepções surgiram tanto das especificidades de cada um como das semelhanças de uso e construção das narrativas e do self dos mesmos. A primeira percepção surgiu acerca dos estilos de vida e a construção do self. Para a construção do eu em rede, o usuário necessita mostrar-se de maneira a enfatizar alguns aspectos que considere mais favoráveis. Esse eu é constituído pelo que Goffman (2009, p. 29) chama de fachada, que “é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação”. Mesmo que as experiências pessoais sejam múltiplas, percebeu-se que no aplicativo Instagram, cada um dos os oito pesquisados constrói sua fachada a partir da apresentação e valorização de elementos que constituem seu estilo de vida. A partir da recorrência das temáticas de fotos postadas, da observação das tags e legendas e com relação ao que foi narrado nas entrevistas, pode-se identificar a pesquisada A, 21 anos, administradora, como a “viajante” e o pesquisado D, 24 anos, estudante de moda, como o “estiloso”, tendo cada um dos 8 pesquisados um perfil predominante. Esses personagens de si utilizam a ferramenta reordenando o tempo e os momentos vividos. Essa edição se dá, em alguns casos, pela inversão da cronologia das postagens, ou seja, as narrativas não seguem a linearidade de acontecimento. Esse tipo de narrativa modifica as formas de percepção do tempo e enfatiza certos aspectos da vida dos usuários em detrimento de outros. O que acontece com essas ênfases é que, mais do que lembrarem momentos, podem aparecer como se estivesse acontecendo agora, junto com fotos de “hoje”. Essa é uma maneira de manter na memória, no caso Instagram, os momentos mais marcantes e diferentes. Para os pesquisados, o compartilhamento da experiência feito no aplicativo Instagram se dá das mais diversas maneiras. A primeira delas acontece devido à agilidade de informação e a ânsia pelas informações em tempo real, que fizeram com que muitos dos pesquisados, como C e D, comprassem seus smartphones pela agilidade de compartilhamento que proporcionam. O segundo aspecto é o do resgate do momento em que os outros não puderam estar presentes. O compartilhamento da experiência, nesse caso, é uma forma permitir que os outros também participem de momentos especiais, assim como com o uso das hashtags, que permitem a circulação das fotografias na rede. A interação entre os atores sociais na rede cria uma necessidade de aprovação e consequente expectativa sobre o olhar do outro, já que seus selfies são constantemente avaliados. “O indivíduo só se sente psicologicamente seguro em sua autoidentidade na medida em que os outros reconhecerem seu comportamento como apropriado ou razoável” (GIDDENS, 2002, p.177). Esses indivíduos, então, traçam diversas estratégias para que os outros os avaliem de maneira satisfatória. Uma dessas estratégias é a cautela na postagem sobre a rotina. Os pesquisados acreditam que a constante postagem de uma mesma

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ação cansa seus seguidores no Instagram, vistos quase como espectadores de seus perfis. O compartilhamento possui, então, uma seleção prévia, entrando na lógica da construção da narrativa. A ligação dos usuários do Instagram com o mesmo é tanta que o mesmo surge como motivador das atividades cotidianas e faz com que, na vida offline, exista o planejamento de uma ação que possa gerar uma possível imagem para ser postada com a ferramenta. Um exemplo disso é o de C, que se espelha nas fotografias de outras pessoas no Instagram para repetir ações em suas atividades nos treinos de boxe (figura 2):

Figura 3: C exercício abdominal. Fonte: acervo pessoal

A fotografia que foi influência para a vida offline retornou para o seu Instagram, mostrando o cotidiano que foi arquitetado por ela para aparecer no aplicativo. Uma constante nas fotografias postadas no Instagram são as pessoais ou selfies, que retratam imagens de si, principalmente do rosto, capturadas pelo próprio fotografado. A maioria dos pesquisados possuíam fotografias selfie, mas o pesquisado D foi o recordista das fotografias de cunho pessoal. Postou 55 fotografias, tanto de seus looks quanto as selfies de seu rosto. Para D, o Instagram é sua vitrine pessoal, tanto para angariar trabalhos quanto para aumentar sua autoestima. O interessante nas fotografias de selfie de D são que elas, quando observadas em sua superfície, demonstram um rapaz preocupado com sua aparência e em busca de curtidas. Entretanto, quando analisadas com mais atenção, principalmente as suas legendas, se percebe todos os sentimentos que D quer passar com a fotografia postada, dentre eles, muita melancolia e frases de reflexão. Em contrapartida às fotografias selfie, o pesquisado F possuía apenas três fotografias de si dentre suas mais de 1100 fotografias. O eu aqui não está nas fotografias pessoais, mas no olhar que possui das situações a sua volta. É como se as fotografias mostrassem o ponto de vista do fotógrafo, e não a imagem dele.

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O seu selfie, nesse caso, pode ser comparado a um jogo de corrida no videogame, em que existe a opção de se ter a visão subjetiva do piloto, fazendo com que passemos a jogar sem ver o seu corpo, mas apenas a sua visão da corrida. Por fim, notou-se a importância da utilização dos filtros pelos usuários, principalmente aqueles que os usam de maneira mais artística. Eles utilizam o filtro como construtor e modificador daquilo que se quer narrar com a fotografia. Para B, os filtros ajudam na narrativa de alguma história, moldando o que quer dizer. Os filtros e edições seriam uma ferramenta para moldar, então, o que é narrado, de maneira que não necessite corresponder com a realidade As fotografias com filtros acabam, então, reforçando um discurso narrativo, enfatizando algum aspecto da fotografia que antes sem o filtro não seria observado. Considerações finais A inspiração etnográfica virtual possibilitou amplas análises nesta pesquisa. Através dela, houve aprofundamento em questões ligadas à imagem, mensagem passada no aplicativo e, junto com as entrevistas em profundidade, o entendimento, por meio da congruência de ambas informações, sobre o significado destas construções narrativas do self e os usos do aplicativo. A inspiração etnográfica virtual permitiu o mapeamento do ambiente, e o fato de observação como um nativo ao mesmo tempo estranho permitiu que todas as entrelinhas, o dito que não era visível aos olhos, fosse decodificado de maneira que se fizesse existir nesta pesquisa. A etnografia possibilita tudo isso porque estamos tratando de pessoas, que são subjetivas, e suas subjetividades falam alem do que somente a sua superfície demonstra. Saber as motivações dos usuários pelas perguntas em profundidade trouxe argumentos para a observação, tornando o problema mais mais palpável, mais argumentativo e verídico - a luz dos acontecimentos e à verdade do interlocutor. A chave dessa pesquisa foi o apego aos detalhes, ao mesmo tempo em que houve a percepção de entender o contexto das fotografias e o olhar global. É como se ocorresse um olhar de dentro pra fora, iniciando com a percepção das minúcias, como cada legenda significativa, hashtag, tipo de roupa, de estética utilizada, de maneiras de se expressar e de sentimentos ditos. Esses detalhes trouxeram o global, como as temáticas. Assim, é perceptível que o todo surgiu após os detalhes terem se juntado, exatamente como a lógica da era pós-moderna funciona: ágil e fragmentada. A riqueza de detalhes que a inspiração etnográfica virtual trouxe foi de grande importância para o produto final, pois pequenos comportamentos individuais se demonstraram, na verdade, ocorrentes entre todos os pesquisados, mostrando, assim, tendências comportamentais sobre os usos do aplicativo e a construção do self no mesmo. Referências CALLIARI, Marcos. Código Y: decifrando a geração que está mudando o país – São Paulo : Évora, 2012 CARRERA, Fernanda. Instagram no Facebook: uma reflexão sobre ethos,

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consumo e construção de subjetividade em sites de redes sociais. ANIMUS Rev. Inter. de Com. Midiática,2012.Disponível: Acesso dia 10/05/2013 FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Abordagens etnográficas. In: Métodos de pesquisa para a Internet. Porto Alegre: Sulina, 2011; p.167, 203 GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002 GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes, 2009 MARTINO, Luís Mauro Sá. Comunicação & identidade: quem você pensa que é? – São Paulo: Paulus, 2010 – (Coleção Comunicação). PEW RESEARCH CENTER. Social Media Users Demographics, 2012. Disponível em: Acesso em 12/11/2013 RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet; Porto Alegre: Sulina, 2009. SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. THOMPSON, Paul. A entrevista. In: A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992 TRAVANCAS, Isabel. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In BARROS, A. e DUARTE, J. (orgs.), Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 98-109. Sobre os autores: Mariana Leoratto Severo é graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: mari.leoratto@ gmail.com Liliane Dutra Brignol é professora do Departamento de Ciências da Comunicação, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, Santa Maria - RS), onde integra o corpo docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação, atuando na linha de pesquisa Mídia e identidades contemporâneas. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]

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Recepção cross-media: possibilidades de diálogo entre os Estudos Culturais e a tradição Semiótica Nathália dos Santos SILVA Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo: Este artigo problematiza a recepção na era da convergência à luz da aproximação entre os Estudos Culturais (britânicos e latino-americanos) e a Semiótica peirceana. De forma sucinta, exploraremos as noções de significação em ambas perspectivas, passando por conceitos como recepção e leitura, sujeito, usos sociais, cultura e mediações. Embora as diferenças entre os pressupostos teórico-metodológicos das duas abordagens, acreditamos na possibilidade de complementaridade entre elas – destacando nesse sentido o “retorno” às análises de texto por parte dos estudos de recepção. Palavras-chave: Estudos Culturais; semiótica; recepção; convergência Ainda que com marcantes diferenças em relação a seus pressupostos, suas abordagens teórico-metodológicas, suas preocupações como campo, suas perguntas e suas respostas, alguns textos dos Estudos Culturais e da perspectiva Semiótica deixaram pistas de aproximações entre si. E são essas pistas que buscaremos resgatar nesse artigo1, voltando-nos para a problematização das investigações no âmbito da recepção diante do cenário da era da convergência. De forma sucinta, exploraremos as noções de significação em ambas perspectivas, passando pelo tensionamento de conceitos como recepção e leitura, sujeito, usos sociais, cultura e mediações. Voltar-se para um problema específico pareceu-nos uma forma viável de resgatar pontos de contato entre os Estudos Culturais e a Semiótica, e escolhemos a discussão da recepção na era da convergência por encararmos que desse novo cenário emergem (novas) interessantes questões sobre os processos 1 Essa reflexão encontrou motivação numa disciplina cursada no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS, “Seminário de Culturas e Significação”, que teve como proposta apresentar algumas perspectivas teóricas aplicadas no campo da comunicação e sugerir diálogos entre elas. Este artigo, portanto, se propõe o desafio de continuar essa discussão, persistindo no estudo das teorias e no exercício de aproximá-las.

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comunicativos e as relações entre sujeitos, meios, práticas e fluxos - questões que, ao nosso ver, podem ser observadas por ambas perspectivas. Operacionalizar investigações da recepção na contemporaneidade considerando as novas condições comunicacionais instauradas, as novas possibilidades de acesso aos meios, os novos trânsitos, as novas formas de estar no processo comunicativo e, portanto, na sociedade - já tem sido bastante desafiador às tradições das pesquisas de recepção (VASSALO DE LOPES, 2011). Um novo contexto comunicativo, social e cultural certamente demanda uma revisão e uma (re)construção dos aparatos teórico-metodológicos para investigá-lo. E, ao nosso ver, problematizar a recepção na era da convergência pode ter como ponto de partida, em primeiro lugar, uma revisão do próprio conceito de recepção – o que faremos agora à luz das tentativas de aproximação entre a semiótica e os Estudos Culturais. Pensando a recepção: encontros com a semiótica Segundo o que retoma Gomes (2004, p. 171) a respeito dos estudos de recepção, a preocupação com os processos culturais pôde ganhar um contorno marcadamente empírico na sistematização de um modelo de investigação, possibilitado por Stuart Hall em Codificação/Decodificação2. Nessa sistematização realizada sobretudo a partir da noção de código, é possível identificar uma inspiração na semiologia de Saussure – preocupada com aspectos formais da língua, com a estrutura. Essa referência estará mais explícita em The Work of Representation (1997), onde Hall demonstra preocupação com a questão da produção de significados, entendendo que “eles organizam e regulam as práticas sociais, influenciam nossas condutas e consequentemente têm efeitos reais, práticos” (HALL, 1997, p. 3-4). O paralelo com seu objetivo de trabalhar as representações se dá a partir da compreensão de que “damos significados às coisas através da forma como as representamos” (Ibidem, p. 4). Ao explorar a questão das representações, embora recorra ao conceito de signo a partir do modelo diádico de Sassure3, Hall destaca uma insuficiência da noção – uma vez que enfoca exclusivamente dois aspectos da representação (significante e significado), deixando de lado a questão da referência4. Assim como a preocupação com as representações levou Hall à questão da significação, fica claro em Peirce que os signos são representações: isto 2 No texto de 1980, Hall (2003) propõe um modelo de comunicação que dá destaque aos processos de decodificação (emissão) de uma mensagem e sua codificação (recepção). O modelo gerou três hipóteses de posicionamento da recepção: a posição hegemônica-dominante, a posição do código negociado, e a posição do código de oposição (HALL, 2003, p. 402). Tal trabalho já recebeu suas críticas, principalmente em relação às limitações de um modelo linear e das três hipóteses de posição da recepção, que resumiriam a atividade à compreensão/incompreensão ou concordância/discordância em relação ao código. 3 No modelo de Saussure, o signo é constituído na relação de um significante (forma, continente) e um significado (ideia mental, “conteúdo”). Seriam então os códigos da linguagem que estabeleceriam essa relação. Dessa forma, significar dependeria da capacidade de interpretar esse código (HALL, 1997). 4 Outra crítica que Hall realizou a esse modelo referia-se ao “destaque dado a aspectos formais”, que “desviou a atenção das características interativas e dialógicas da língua”, de forma que não o surpreende que “para Saussure, não aparecem as questões de poder da língua – entre, por exemplo, falantes de status diferentes” (HALL, 1997, p. 35).

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é, “um signo é qualquer coisa que está para alguém no lugar de algo sob determinados aspectos ou capacidades” (ECO, 2002, p.9). A explicação de Eco esclarece: Tomemos o termo |cadeira|. O referente não será a cadeira a qual me assento para escrever. Mesmo para os defensores de uma semântica referencial, o referente será, em tal caso, todas as cadeiras existentes (existentes ou que existirão). Mas «todas as cadeiras existentes» não é um objeto perceptível pelos sentidos. É uma entidade abstrata. Toda tentativa de estabelecer o referente de um signo nos leva a defini-lo em termos de uma entidade abstrata que representa uma convenção cultural (ECO, 2002, p. 56).

Numa articulação cultural, o signo representa não só o representável, mas o já-representado: um signo explica o outro signo também explicado por outro. E essa “cadeia desses significantes, que explicam os significados de significantes anteriores (em uma progressão potencial e regressão ao infinito) representa a cadeia daquilo que Peirce chamou os interpretantes” (ECO, 2002, p. 57-58). O interpretante leva o objeto a referir-se ao que ele se refere, explica uma representação com outra representação, sendo ele também uma representação – ou seja, “tem por seu turno o próprio interpretante. Daí, uma série infinita” (ECO, 2002, p. 59). À essa encadeação ilimitada, infinita em regressão e progressão potencial, Peirce dá o nome de semiose – um conceito-chave da teoria. A partir dessa noção, é possível resgatar conciliações entre as duas perspectivas aqui trabalhadas, uma vez que a dinamicidade do processo de significação, tal como pressuposta pela semiótica através da semiose, também encontra-se no discurso dos Estudos Culturais em relação às operações no âmbito da recepção. Itania Gomes (2002) sugere ultrapassar a (tradicional) dicotomia entre a análise do produto televisivo e a análise do contexto social da recepção, apontando contribuições das noções semióticas para o estudo da recepção - que atente ao processo comunicativo: a semiótica, mais que um instrumento metodológico, é um horizonte teórico que nos assegura o caráter dinâmico da significação e a atividade da recepção enquanto caso que só pode ser explicado no interior do processo comunicativo. Deste modo, podemos considerar a possibilidade de entender a recepção como o lugar da interpretação ou inferência (...) (GOMES, 2002, p. 173).

Encarar a recepção como lugar da interpretação certamente favorece o engajamento dos Estudos Culturais em demonstrar a não passividade da audiência: sua atividade estaria garantida na ideia de uma cooperação do receptor para dar sentido ao texto. É a partir disso que Itania Gomes constrói a possibilidade de pensarmos a recepção como ato semiósico, entendendo, portanto, que “nem a recepção nem o conteúdo das mensagens estão dados previamente” e sim que o receptor “é levado a acionar suas competências semióticas para realizar apostas a partir das instruções postas na mensagem” (GOMES, 2002, p. 178), isto é, ele aciona os “já-representados” para explicar novas representações. Dessa forma, aplicar a noção de semiose para entender a atividade de recepção permite resgatar o conceito de leitura, explorado por Umberto Eco na

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semiótica. Ao encontro do que foi apropriado por Gomes (2002), o caráter dinâmico da semiose implica que o sentido de um texto não esteja dado: a obra é aberta, e um livro fechado na estante é um livro morto - pois o texto precisa da cooperação da leitura (ANTONINI, 2001) para encadear esses signos, essas representações. De mesmo modo, uma televisão ligada, sozinha, não está produzindo sentido (que seria “recebido”) – ela é apenas linguagem. Nessa lógica, somos conduzidos a uma problematização do conceito de recepção, uma vez que a atividade estaria mais relacionada a construir um sentido ou uma mensagem a partir das significações – e não de receber uma mensagem pronta. A recepção na era da convergência: a tessitura de sentidos Essa insuficiência do termo para tratar da relação entre sujeitos e mídias têm sido explicitada sobretudo nos estudos situados na era da convergência. O novo contexto tem demonstrado aquilo que Orozco (2011) chamou de nova condição comunicacional, onde se vislumbra um trânsito entre audiências receptivas (ainda que não passivas) a audiências produtoras, que engajam-se no processo em diferentes níveis - demandando, no lugar de termos como receptores ou audiências, definições como usuários, comunicantes, “prosumidores” (GÓMEZ, 2011, p. 389). Além das novas possibilidades de participação, o termo recepção também não contempla a dimensão simbólica do aparato midiático, nem seu caráter relacional, explicitado nas possibilidades de simultaneidade e complementaridade das novas mídias. Isto é, admitindo um ambiente midiático, é demasiado redutor observar a “recepção” em relação a um só meio, de forma isolada, sem considerar que os sentidos daquela experiência estão potencializados num fluxo maior que atravessa os diferentes meios e as diferentes experiências (mesmo sem meios), ocorridas “antes ou depois” do contato observado. É dentro dessa proposta que Kim Schroeder defende as práticas e experiências de audiência como relacionais sempre sustentando que as audiências são, inerentemente, cross-media5: a atividade está imersa numa rede intertextual de significados, que atravessa as experiências com diferentes mídias e diferentes textos. A produção de sentido enquanto se assiste a um episódio de um reality show como Big Brother, como exemplifica Schroeder (2010, p.6), é um entrelaçado múltiplo de episódios anteriores do programa, experiências com outros programas do mesmo gênero, informações colhidas de jornais, revistas, redes sociais, conversas, comentários e etc. E essa experiência com esse episódio também será articulada em sentidos futuros. Isto é, aceitar que é através desse grande continuum que damos sentido às coisas, torna viável pressupor a ‘recepção’ como ato semiósico, no qual o texto que “lemos” não é apenas o que ‘vem’ do meio, mas da grande tessitura de signos que nos cercam. E não é pos5 No título deste artigo utilizamos o termo “Recepção cross-media” para manter essa referência a Kim Schroeder (2010). Muitos estudos latino-americanos utilizam-se do termo recepção transmídia, mas geralmente atrelam essa noção à construção de narrativas transmídia. Empregando o termo cross-media, exercito a possibilidade de não pensar a recepção a partir do que produz em termos de narrativa junto do âmbito da emissão, e sim pensar a condição da própria atividade de recepção, que articula “muitas narrativas” ao mesmo tempo – uma vez que é cross-media.

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sível separar essa dinâmica nem “despir-se” da imensa massa de significações já formadas ao longo da vida cultural e social – sendo que o que articula esses sentidos não são os novos aparatos, e sim nossas mentes. Por isso, não há audienciação que não seja cross-media. Jenkins situa exatamente nessa questão o caso de filmes como Matrix, cujo sucesso esteve, entre outras questões, nas possibilidades de conexões que a narrativa permitiu a partir das inúmeras referências a outros textos espalhadas pelo filme6: segundo ele, os diretores Wachowski “ficaram muito felizes em receber os créditos por qualquer significado encontrado pelos fãs”. A própria “abundância de alusões torna quase impossível a qualquer consumidor dominar a franquia totalmente” (JENKINS, 2009, p. 143), o que deixa sempre possível explorá-la de alguma forma nova. O segredo e o valor da proposta estão no fato de que, como sustenta Jenkins (2009, p. 176) “o que os irmãos Wachowski fizeram foi desencadear uma busca de sentido; eles não determinaram onde o público iria encontrar as respostas” - que nem eles mesmos tinham. Essas possibilidades interpretativas, são, contudo, limitadas. O sentido gerado vai ser aquele possibilitado no interior dessa grande tessitura, ou seja, na medida em que “o que preencher” está inscrito no próprio texto, nas suas potencialidades. Há, portanto, uma limitação na variabilidade de interpretações previstas, uma vez que o sentido está potencialmente no texto, porque lá estão suas condições para ser “lido” (ANTONINI, 2001, p. 42). E, do ponto de vista semiótico, isso também leva a pressupor que está inscrita no texto a própria atividade do “leitor” e, portanto, o próprio sujeito. Talvez esteja aqui uma importante diferença entre as duas perspectivas que estamos procurando aproximar: a premissa de um sujeito empírico dos Estudos Culturais e a premissa de um sujeito-signo da Semiótica. As premissas sobre o sujeito: manifestações sociais e “textuais” Se retomarmos as preocupações iniciais dos Estudos Culturais britânicos e (especialmente) latino-americanos, lembraremos que esses estudos sempre buscaram propor audiências ou receptores ativos, pensantes, negociadores, encarando as práticas de comunicação como práticas sociais, dialéticas, conflitivas. O sujeito das audiências dos Estudos Culturais é o sujeito empírico, apreendido por técnicas etnográficas, um sujeito cultural, histórico, social – e não poderia ser compreendido aqui como um sujeito-signo. Itania Gomes (2004, p. 175) reitera essa diferença: Leitor, espectador, receptor não são aqui sujeitos textuais, mas sujeitos sociais, o que significa, para os Estudos Culturais, sujeitos que têm uma história, vivem numa formação social particular (que deve ser compreendida em relação a fatores sociais tais como classe, gênero, idade, região de origem, etnia, grau de escolaridade) e que são constituídos por uma história cultural complexa que é ao mesmo tempo social e textual. 6 Recortando a explicação de Bruce Sterling (apud JENKINS, 2009, p. 141) para a fascinação de Matrix, cita que o filme faz referência a todos os tipos de elementos: “Há exegese cristã, um mito redentor, morte e renascimento, um herói em autodescobrimento, A Odisséia” e até “toques ontológicos de ficção científica, da escola de Philip K. Dick, Nabucodonosor, Buda, taoísmo, misticismo de artes marciais, profecia oracular, telecinesia do tipo que entorta colheres (...)”.

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Isto é, embora Itania reconheça um entorno textual, o sujeito aqui continua social e empírico. Já a semiótica, enquanto uma teoria dedicada aos signos e processos de significação e comunicação, reserva-se ao direito de encarar o sujeito dentro do seu quadro teórico, dentro de sua lógica, ou seja, como signo. Umberto Eco (2002, p. 257) retoma Peirce para esclarecer como a semiótica entende o sujeito-signo: Como disse Peirce, “Uma vez que o homem só pensa por meio de palavras ou outros símbolos externos, estes poderiam voltar-se para o homem e dizer-lhe: ‘você não significa nada que não lhe tenhamos ensinado, e isto apenas enquanto dirige algumas palavras como interpretantes do seu pensamento’ (…) E que o signo ou a palavra que os homens usam são o próprio homem. Porque o fato de cada pensamento ser um signo, em conexão com o fato de a vida ser uma cadeia de pensamentos, prova que o homem é um signo (...)”.

Eco ressalta que não se trata de ignorar a existência dos sujeitos empíricos, dos homens sociais e materiais que “quando comunicam, obedecem aos sistemas de significação e ao mesmo tempo os enriquecem, criticam, mudam”, mas sim de investigá-los enquanto manifestam-se em funções sígnicas, uma vez que “a semiótica não pode senão definir esses sujeitos no interior de seu quadro categorial” (ECO, 2002, p. 257). Da mesma forma que a semiótica não nega a existência do sujeito social mas reserva-se ao direito de operacionalizá-lo dentro de sua lógica, há várias pistas nos textos dos Estudos Culturais para supormos que essa corrente também não ignora os processos de significação que engendram a produção de sentido, mas reserva-se igualmente ao direito de considerá-los dentro de seu quadro teórico, como processos sociais e materiais. Em relação à busca pelo sujeito no contexto da era da convergência, Immacolata Vassalo de Lopes (2011, p. 417) constata que os recentes estudos no âmbito da recepção têm se preocupado precisamente com a questão da participação, focando as investigações no “desenvolvimento dos processos de engajamento interativo com as novas mídias, para assim poder produzir análises sobre o ‘conteúdo gerado pelo usuário’, a criatividade de fãs (...)” entre outras. De fato, a preocupação com os trânsitos entre uma audiência receptiva e uma audiência participativa, como vimos, tem levado os estudos de “recepção transmídia”7 a voltarem-se para os meios que permitem interação, de modo a observar os receptores através dos conteúdos que geram. Em estudo que compõe o livro do OBITEL de 2011 (VASSALO DE LOPES, GÓMEZ, 2011), a pesquisa sobre a “recepção transmidiática” no contexto brasileiro teve como objeto a telenovela Passione e realizou sua coleta de dados nas plataformas: Twitter, Orkut, YouTube, Facebook, blogs, grupos de discussão/fóruns e Wikipedia. Se tomarmos como base o material composto por tweets, tags, hashtags, comentários, posts, fotos e vídeos, considerando apenas essa etapa quantitativa, podemos suscitar que os estudos de recepção, na busca pelos sujeitos, estão voltando-se para os textos. Ao contemplar o trânsito recepção-produção, essa etapa das investiga7 Es estudos de recepção latino-americanos que voltam-se para o cenário da convergência tem definido uma recepção transmidiática – e não utilizam o conceito de audiência crossmidiática, como faz Kim Schroeder (2010).

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ções considera a produção textual (seja verbal, audiovisual, fotográfica, e etc) dos receptores para analisar sua relação com os produtos midiáticos, com os meios, e com as novas (virtuais) formas de participação social. Esse é um movimento interessante: se há 30 anos atrás essa perspectiva buscou distanciar-se do texto em direção à prática social para romper com uma ideia de passividade e enxergar o sujeito e o processo comunicativo nas suas relações sociais, culturais e políticas, hoje busca a atividade do receptor nas suas manifestações em texto – seja ele verbal, audiovisual, fotográfico – sem perder, contudo, a abordagem social, cultural e política do processo8. E não foi com os novos meios que o receptor aprendeu a manifestar, criticar, criar, compartilhar ou ser fã. Eles apenas tornaram mais observáveis essas atividades ao potencializarem-nas em proporção e intensidade. Sentidos do uso: significação e “competências culturais” Essa questão da atividade do receptor nas redes, da participação e interação permitida pelas novas mídias nos remete às preocupações da corrente do Uso Social dos Meios. Isto é, de que forma o próprio uso da técnica ganha sentido social, ou em que medida o aparato vai comportar/motivar possibilidades de usos diferentes? Abordagem de extrema relevância diante de novas configurações no ambiente midiático, a questão dos usos foi explorada especialmente por Martín-Barbero ao interessar-se pela investigação da inserção das camadas populares latino-americanas no contexto do processo de modernização acelerado - atentando exatamente às novas identidades e novos sujeitos sociais que pareciam se articular com as novas tecnologias de comunicação (JACKS, ESCOSTEGUY, 2005, p. 65). Martín-Barbero voltou seu olhar para os usos, ao entender que através deles os receptores “reelaboram, ressignificam e ressamantizam os conteúdos massivos”9, identificando nesse processo também uma produção de sentido a partir da ideia de consumo como “um lugar de luta que não se esgota na posse de objetos, pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhe dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação que provêm de diferentes competências culturais” (JACKS, ESCOSTEGUY, 2005, p. 66). Diante disso, como podemos pensar a produção de sentido a partir do uso,situando-nos

8 Ao explorar um protocolo metodológico de pesquisa virtual, Vassalo de Lopes (2011, p. 419420) destaca também algumas transformações que a internet traz para o campo de pesquisa e, entre elas, a premissa de que esse ambiente pode ser um lugar de estabelecimento de comunidades e de que “meios interativos como a internet devem ser entendidos simultaneamente como cultura e como artefato cultural”. Essas questões respondem às possibilidades de aplicação, no ambiente virutal, de estudos “etnográficos” na internet – também chamados netnografia. Vassalo de Lopes recorre a Hine para explorar essa metodologia, recortando o argumento de que só foi possível aplicar com sucesso a etnografia à internet em função de encarar esse ambiente como cultural. Isto é, se uma metodologia guarda os pressupostos do objeto para o qual foi construída, e se a etnografia é um método para entender a cultura, uma netnografia pressupõe a internet como um contexto cultural (VASSALO DE LOPES, 2011, p. 422). Voltar-se para os textos que circulam na internet, portanto, é voltar-se para manifestações socializadas dentro de um ambiente cultural: não há perda dessa abordagem do processo comunicativo. 9 No sentido dessas apropriações que realizam os receptores, Martín-Barbero encara o receptor não só como reprodutor de forças, mas também como produtor de sentidos – ao encontro exatamente de nossa discussão a respeito da atividade da ‘recepção’.

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na proposta do Uso Social dos Meios? Por meio de qual processo dá-se ao uso “forma social” e nele se inscrevem “demandas e dispositivos de ação”? Essas questões podem encontrar complementação na perspectiva semiótica, na medida que traz uma compreensão da relação significante entre objeto e função (uso). Eco (2002) explora detalhes desse processo de significação, sua relação com a cultura e a comunicação. A relação de representação dentre um objeto e sua função pode dar-se de tal modo que o signo do objeto é o signo da função e vice-versa, confundindo-se, no que chama de “lei de reversibilidade total” (ECO, 2002, p. 17-18). Essa relação significante poderia ser expressa, comunicada, a partir de um nome ou outra representação: por exemplo, |pedra-quebra-nozes|, relaciona o objeto pedra com a função de quebrar nozes. Mas, por outro lado, a transmissão pode ser dar também sem a intervenção de um nome e sim através da mera ostentação do objeto em questão: a própria pedra “se torna signo concreto de seu uso virtual” e, nesse sentido, “toda função se transforma automaticamente em signo daquela função. Tal coisa é possível porque existe cultura. Mas existe cultura só por que tal coisa é possível” (ECO, 2002, p.18). Aqui está uma forma de entendermos como os usos são culturais e através de que processos é possível pensar que se produz sentido a partir do uso. Assim, encarando que um objeto pode tornar-se representação concreta do seu uso virtual, podemos compreender o que significa dizer que os usos dão “forma social” ao objeto material e que neles estão “inscritas demandas e dispositivos de ação”: se pela lei de reversibilidade total o objeto é signo de sua função e vice-versa, aí está implícita a ‘gramática de ação’ em relação a essa materialidade. E entendendo, portanto, que essa significação dos usos e dos objetos reais é possível como fenômeno cultural, temos um caminho para desvendar a proposição de Martín-Barbero de que essas demandas e dispositivos de ação inscritos nos usos que dão forma aos objetos, “provêm de diferentes competências culturais”. Dessa forma, o que seriam as “diferentes competências culturais” articuladas na questão dos usos como lugar de luta e singificação? Seriam as diferentes potencialidades de articulações interpretativas entre os signos? Como elas aparecem nas dinâmicas sociais e culturais? Por onde podem ser observadas? Significação e sentido: as mediações No âmbito da perspectiva dos Estudos Culturais latino-americanos, Martín-Barbero vai buscar captar essas “competências culturais” ao voltar-se não para o estudo dos meios ou da recepção, mas para o “entre” sujeitos e meios, para as mediações, para as “articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais, para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais” (MARTÍN-BABERO, 2009, p. 261). O conceito de mediações guarda uma importante chave para a aproximação com a semiótica que estamos propondo aqui. As mediações seriam a instância que produz e reproduz “os significados sociais, sendo o locus que possibilita compreender as interações entre a produção e a recepção. As mediações estruturam, organizam e reorganizam a percepção da realidade em que está inserido o receptor”, como argumentam Jacks e Escosteguy (2005, p. 67).

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Se retomarmos a proposta de Schroeder (2010) a respeito da inerente “crossmidialidade” da atividade da audiência, resgataremos a noção de que a produção de sentido articula significados para além do “momento” da recepção, para além daquele meio e daquela narrativa. Isto é, o que “lemos” é resultado de uma grande tessitura de signos que nos cercam, e que potencializam as possíveis interpretações com as quais direcionaremos nossa percepção. Diante disso, cabe nos perguntarmos se as mediações não fariam parte dessa tessitura, ou qual seria seu papel nessa leitura. Ou seja, como as mediações “estruturam, organizam e reorganizam a percepção da realidade em que está inserido o receptor”? Como “produzem e reproduzem os significados sociais”? Para Marco Toledo de Assis Bastos (2008), o aprofundamento que a semiótica realizou para entender os processos de significação e comunicação seria crucial para desvendar, nesse âmbito, como operam as mediações de Martín-Barbero. Para ele, “a proposta [das mediações] é condicionada por uma ideia de sentido que relaciona sujeitos, significações e mensagens” de modo que a noção de mediação, portanto, estaria baseada “em um diagrama de circulação de sentidos que, de maneira curiosa, não é exposto pela teoria” (BASTOS, 2008, p. 87). Na reflexão de Bastos, as mediações seriam, simultaneamente, significação individualizadamente codificada e sentido socialmente produzido. O sentido é uma instância para a qual convergem as significações particulares, ou seja, seria o lugar da transcodificação das significações individuais para o socializante - e nesse papel estariam as mediações, se optássemos por situá-las semioticamente. De fato, a noção de sentido permeia as definições das mediações10, e permite que a teoria funcione, sendo uma pista, como observou Bastos (2008), de que ainda pode ser explorado, nesse “entre”, um processo de ‘translação’ de singificações em sentidos, e que são esses sentidos, dentro dessa dinâmica, que mediam a percepção do receptor, e suas práticas sociais mais diversas11. Considerações Possíveis Como vimos, sendo a teoria das mediações de Martín-Barbero uma vertente de peso dentro das investigações de recepção nos estudos latinos, a possibilidade de ser propriada pela semiótica é uma pista para pensar que essas perspectivas tem muito mais em comum do que possa parecer. E isso foi o que

10 Ao explorar a mediação da socialidade, Martín-Barbero à relaciona à “trama de relações cotidianas que tecem os homens ao se juntar” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 230), e esclarece que “o que na socialidade se afirma é a multiplicidade de modos e sentidos nos quais a coletividade se faz e se recria, a polissemia da interação social” (ibidem, p. 231). A mediação da ritualidade é “o que na comunicação há de permanente reconstrução do nexo simbólico” (ibidem, p. 231) e “impõe regras ao jogo da significação” (ibidem, p. 232). A institucionalidade “tem afetado, e continua a afetar, especialmente a regulação dos discursos que, de parte dos cidadãos – maiorias e minorias – procuram defender seus direitos de se fazer reconhecer” (ibidem, p. 233). E a tecnicidade remete à qualidade de organizador perceptivo, mais que aos aparelhos, remete ao desenho de novas práticas e é competência na linguagem (ibidem, p. 235). 11 Um exemplo é a mediação da ritualidade, que, remetida por Martín-Barbero (2004, p. 232) justamente às “regras ao jogo da significação”, nos aproxima ainda mais da hipótese que estamos construindo aqui. Operando em direção à repetição e ao hábito, a ritualidade regula o “jogo da significação” tanto da mensagem quanto do sentido que, para o receptor, tem a ação de ouvir rádio ou ver televisão - isto é, o sentido que tem o uso da mídia. Isso nos remete à discussão anterior, de que a própria função ou uso do objeto vira signo do objeto e vice-versa. Ou seja, podemos pensar que é esse signo que, transcodificado, possivelmente compõe a ritualidade que media a produção de sentido sobre o uso de uma mídia.

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tentamos exercitar no percurso deste artigo, resgatando pontos que demonstram que nem a semiótica limita-se a tratar de virtualizações que não conectam-se às práticas socais e materialidades, e nem os Estudos Culturais, tão preocupados com a questão cultural e social da comunicação, deixam de considerar os processos mais abstratos de significação. Procuramos, aqui, tratar da problemática da recepção na era da convergência como forma de guiar nosso exercício de aproximação entre as perspecvitas. Como fruto disso, vislumbramos a possibilidade de aceitar o caráter semiósico e processual da recepção (GOMES, 2004) o que também nos permitiu lidar com a questão da nova “localização das audiências” (GÓMEZ, 2011) nesse grande ambiente midiático e narrativo, nessa grande tessitura de signos a partir da qual se articulam sentidos. Tal reflexão levou à problematização do termo recepção ao aproximá-lo da ideia semiótica de leitura e, através de tensionamentos a respeito da crossmidiação e da transmidiação, encaramos que recepção é sempre relacional. Resgatamos também a reflexão de Martín-Barbero a respeito dos usos sociais para pensar sua dimensão cultural e social à luz das teorias de significação peirceanas (ECO, 2002). Nessa sequência, tensionamentos também o conceito de mediações (MARTÍN-BABERO, 2009) que, ao nosso ver, pode ser interpretado semioticamente (BASTOS, 2008). Interessa destacar, ainda, a atenção a um movimento dos Estudos Culturais latino-americanos em relação à origem de sua trajetória: há um retorno às análises de texto, agora produzidos pelo ‘receptor’. Isso nos permitiu refletir no sentido de que tais estudos estariam considerando observar o receptor também diante de suas manifestações enquanto textos, conduzindo uma maior aproximação às possibilidades analíticas da semiótica. O exercício de aproximação entre os Estudos Culturais e a Semiótica realizado nesse artigo, além de suscitar tensionamentos e outros olhares para os objetos das perspectivas, foi sobretudo um exercício epistemológico: permitiu vislumbrar didaticamente como diferentes perspectivas teóricas sustentam e desenham seus objetos, perguntas e respostas - as metodologias, uma vez que guardam pressupostos sobre o objeto para o qual foram criadas, são teorias em ato, como observou Immacolata em sua fala na abertura da II Jornada Gaúcha de Pesquisadores em Recepção . Isso conduz a uma reflexão a respeito do conhecimento produzido por esses campos: as respostas sempre serão reflexos de nossas perguntas, que guardarão determinados pressupostos, da mesma forma que o quadro que pintamos denunciará as cores que escolhemos. Referências bibliográficas ANTONINI, Eliana Pibernat. Da contribuição de Umberto Eco aos estudos de recepção. In: Líbero, Ano IV, v.4, n. 7-8, 2001, p. 38-43 ECO, Umberto. Tratado Geral de Semiótica. São Paulo : Perspectiva, 2005. BASTOS, Marco Toledo de Assis. Do sentido da mediação: às margens do pensamento de Jesús Martín-Barbero. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 35. abril de 2008. GOMES, Itania Maria Mota. Os Estudos de Recepção. In: Efeito e Recepção: a

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interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2004. __________. A Noção de Gênero Televisivo como Estratégia de Integração: o Diálogo entre os Cultural Studies e os Estudos de Linguagem. In: Revista Famecos. v. IV, n. 2, dez. 2002. p. 165-185. HALL, Stuart. Codificação/ Decodificação. In: HALL, Stuart. Da Diáspora: Indentidades e mediações culturais – Belo Horizonte: Editora UFMG, Brasília : Representação da UNESCO no Brasil, 2003. __________. The Work of Representation. In: HALL, Stuart (Org.) Representation. Cultural Representations and Signifying Practices. Sage/Open University: London/ Thousand Oaks/New Delhi, 1997. JACKS, Nilda; ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Visão Latino-Americana. In: Comunicação e Recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo : Aleph, 2009. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6. ed, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. ______________________. Ofício de Catógrafo – Travessias latino-americanas da comunicação na cultura. 3 Comunicação Contemporânea: Editora Loyola, São Paulo, 2004. SCHROEDER, Kim Christian. Audiences are inherently cross-media: audience studies and the cross-media challenge. In: Transforming Audiences, Tranforming Societies. Lisbon, 11-13. 2010. GÓMEZ, Guilhermo Orozco. La condición comunicacional contemporánea: desafios latinoamericanos de la investigación de las interaciones en la sociedad red. In: JACKS, Nilda (org). Analisis de Recepción en América Latina: um recuentro histórico com perspectivas al futuro. CIESPAL, Quito – Equador 2011. VASSALO DE LOPES, Maria Immacolata. Uma agenda metodológica presente para a pesquisa de recepção na América Latina. In: JACKS, Nilda; MARROQUIN, Amparo; VILLARROEL, Mónica; FERRANTE, Natalia (orgs). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico com perspectivas al futuro. Quito – Ecuador : CIESPAL, 2011. VASSADO DE LOPES, Maria Immacolata; GÓMEZ, Guilhermo Orozco (coords) OBITEL 2011 - Qualidade na ficção televisiva e participação transmidiática das audiências. Rio de Janeiro: Editora Globo S.A., 2011. Sobre o autor: Nathália dos Santos Silva é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da mesma universidade, na linha de pesquisa Mediações, Representações Culturais e Política. Interessa-se por temas como: representações sociais, imaginário social, memória social, midiatização, identidades. Email: [email protected]

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A etnografia virtual nos estudos de recepção: uma discussão metodológica Laura Hastenpflug WOTTRICH Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS Resumo: O texto discute o método da etnografia virtual, a partir do diálogo com os pressupostos da etnografia tradicional e da análise da produção acadêmica da área da recepção nos anos 2000. Tem como objetivo traçar um panorama sobre como a etnografia virtual é constituída e de que forma os pesquisadores da área de recepção a assimilam em suas investigações. A etnografia virtual revela-se promissora para abarcar os fenômenos socioculturais emergentes com as tecnologias de informação e comunicação. Embora não haja consenso em relação às terminologias e classificações, vê-se que as discussões apresentam relativa solidez. Nas pesquisas analisadas, contudo, observa-se fragilidade metodológica e ausência da incorporação dos pressupostos teóricos do método, indícios da incipiência da discussão no campo. Palavras-chave: metodologia, etnografia virtual, estudos de recepção. Introdução O artigo objetiva refletir sobre a perspectiva da etnografia virtual1, em especial, tecer um panorama de como o método foi trabalhado nos estudos de recepção brasileiros produzidos entre 2000 – 2009. Insere-se em projeto mais amplo2, que realizou mapeamento das teses e dissertações produzidas no âmbito dos Programas de Pós-graduação em Comunicação brasileiros no período. Objetiva-se mapear quais autores e conceitos são mobilizados por essas pesquisas, a fim de compor um panorama de utilização da etnografia virtual na década. Por outra via, através desse mapeamento, discutir a utilização desse procedimento metodológico a partir de autores que o problematizam, a fim de 1 Neste texto, elege-se o termo “etnografia virtual” (HINE, 2004) para nomear a aplicação da etnografia à investigação de ambientes digitais. Este termo é escolhido porque sua formulação teórica carrega questões caras ao entendimento do método, o que será explicitado mais adiante. 2 Projeto “Estudos de recepção na América Latina: aspectos propositivos”, coordenado pela Prof. Dra. Nilda Jacks.

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explorar: 1) as vinculações teóricas 2) as terminologias utilizadas 3) as formas de construção, análise e interpretação de dados e 4) os limites e potencialidades do método para o desenvolvimento da área da recepção A proposta justifica-se pela investida cada vez mais intensa dos estudos de recepção no entendimento das práticas de receptores na web, o que exige articulações metodológicas distintas, adequadas aos contextos de investigação. Por outra via, paira uma imprecisão conceitual significativa sobre a etnografia virtual. Ora chamada de etnografia virtual, ora de netnografia, ora de webnografia, o método é observado de distintas formas, dependendo do campo em que se está situado. Deseja-se aqui tecer algumas considerações que sejam proveitosas aos estudos de recepção em específico. A etnografia nos estudos de recepção Ao pousar os olhos sobre os estudos de recepção produzidos a partir da década de 90 até os dias atuais, vê-se que um dos pontos de agendamento do campo para as pesquisas futuras é o amadurecimento teórico-metodológico (JACKS ET AL, 2011). Em um momento de ampla discussão sobre os contornos do que se pode chamar de “recepção”, frente às transformações nas formas de se estar com a mídia, ainda se pode afirmar que um dos traços constitutivos do campo está na construção de conhecimento através da pesquisa empírica. Por uma perspectiva sociocultural, ou seja, que privilegia a análise da recepção a partir das práticas sociais e culturais, isso abrange o exame da vida cotidiana dos receptores em sua vivência com a mídia. Problematizar metodologias que deem conta desse processo cotidiano de interação com a mídia é fundamental para o fortalecimento do campo, o que é o caso da etnografia. Se o debate sobre o método foi fomentado ainda no início do século XX pela antropologia, na recepção a discussão é mais recente, observada em 1983 com o estudo pioneiro de Ondina Fachel Leal “Leitura Social da Novela das Oito”. Quando se pensa na etnografia inserida na web, a discussão é ainda mais recente. A análise empreendida indica que o método foi utilizado em apenas seis casos por dissertações na área da recepção nos anos 2000. Mais do que uma transposição do método ao ambiente virtual, a discussão sobre a etnografia no contexto online leva a problematização de questões caras ao fazer antropológico, como a construção da autoridade etnográfica, a importância da observação e a delimitação do campo de pesquisa. Devido a isso, o emprego do método não foi inicialmente bem aceito pelos antropólogos de veio mais tradicional (AMARAL, 2010). Há, de fato, muitas dissonâncias entre uma perspectiva etnográfica tradicional e o que é empregado na etnografia virtual. Assim, antes de observar como a etnografia virtual foi empregada nas pesquisas de recepção, torna-se necessário resgatar alguns aspectos constitutivos da etnografia. Da etnografia tradicional à virtual A etnografia é a forma basilar de construção de conhecimento na antropologia. Para esse campo, mais do que um método, torna-se um modo de olhar

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específico ao fazer antropológico, o edifício a partir do qual se constitui a formação do antropólogo (ROCHA, ECKERT, 2008). Desse modo, pode ser entendida como um “método-pensamento” (ANDRADE, 2010). Na comunicação, tornou-se conhecida especialmente pelas mãos da etnografia interpretativa de Clifford Geertz, tornando-se um método de pesquisa qualitativa empírica, que apresenta questões específicas (TRAVANCAS, 2011). Observa-se que o mesmo ocorre com a etnografia virtual: a herança geertziana matricia, em grande medida, os pressupostos para a problematização do método e sua transposição ao ambiente digital. Antes de partir para a discussão específica sobre a etnografia virtual, torna-se necessário pontuar algumas discussões sobre a etnografia de maneira mais ampla. Isso porque o método tem passado por uma revisão de suas premissas, que certamente pairam sob muitas das indefinições e desestabilizações de sua aplicação em estudos na web. Clifford (2011) comenta sobre a alteração no estatuto de um dos pontos basilares do ofício do etnógrafo: a autoridade etnográfica. É ela que reveste o pesquisador de legitimidade no percurso da pesquisa, e tornou-se essencial a essa disciplina de viés qualitativo e que assume a subjetividade como característica fundante. O autor aborda que a etnografia institui-se em um modelo monológico, para então chegar, no fim do século XX, aos modelos dialógico e polifônico3. O primeiro modelo, chamado de experiencial, começa com Malinowski e ganha força entre as décadas de 1920 e 1950. O etnógrafo torna-se um intérprete da vida nativa e sua autoridade baseia-se na vivência, no “estar lá” junto aos grupos pesquisados durante um período de tempo extenso, em que, com o método da observação participante, torna-se um membro da cultura nativa através do domínio de seu repertório cultural. Nos anos 70, Geertz apresenta a antropologia hermenêutica, chamada de modelo interpretativo por Clifford (2011). Nele, ressalta-se a capacidade interpretativa dos textos culturais através de uma “descrição densa”. Essas duas perspectivas enquadram-se em um modelo monológico, ao passo que apresentam a cultura como uma totalidade homogênea, sem ambiguidades e diversidades de significação. Permanece aqui um monopólio do olhar do pesquisador, que subtrai do texto etnográfico as relações dialógicas do trabalho de campo. A partir dessa crítica ao modelo monológico, há um crescente reconhecimento da etnografia não como participação ou interpretação de uma realidade externa, mas como “uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois – e muitas vezes mais – sujeitos conscientes e politicamente significativos” (CLIFFORD, 2011, p.41). Surgem, então, os modelos dialógico e polifônico, em que os sujeitos pesquisados não são apenas informantes, mas construtores do relato através das relações intersubjetivas no campo. A contribuição desses modelos está em observar o campo como um espaço discursivo, construído por diversas vozes, em que os sujeitos possuem importante protagonismo na configuração do relato etnográfico. 3 Segundo o autor, esses modelos não seguem uma ordem linear de sucessão, mas coexistem na prática etnográfica.

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A etnografia passa, assim, por um processo de rediscussão de suas premissas, também para adequar-se a um contexto em que os recursos humanos e materiais para longas incursões em campo tornam-se escassos, e que o universo nativo pode ser não mais os Nuer ou Balineses, mas os integrantes de uma comunidade online. A emergência da etnografia virtual torna-se, nesse contexto, uma resposta a esses novos cenários de pesquisa, em especial com a emergência das tecnologias de informação e comunicação, que implicam na configuração de novas sociabilidades e identidades. A etnografia virtual A heterogeneidade do debate acerca da etnografia virtual é perceptível a partir das denominações utilizadas por diferentes autores para classificá-la. Fala-se em netnografia (SÁ, 2002; BRAGA, 2006; MONTARDO, PASSERINO, 2006, KOZINETS, 1997), etnografia virtual (HINE, 2004, 2012; FLICK, 2009) além de etnografia digital, webnografia e ciberantropologia4. A netnografia é um neologismo (net + etnografia) criado em meados dos anos 90 para definir as pesquisas de cunho etnográfico no ambiente online. A popularização do termo por Kozinets deu-se vinculada a pesquisas de cunho mercadológico, o que acarretou a severas críticas a respeito da confiabilidade das investigações, na medida em que os pressupostos que legitimam a etnografia enquanto método eram muitas vezes preteridos em prol da realização de observações esparsas no ambiente virtual (AMARAL, 2010). Para aprofundar o debate acerca dos termos, torna-se necessário discutir as instâncias metodológicas em que estão alicerçados. Subjacentes à utilização de uma ou outra denominação, estão suas vinculações epistemológicas, teóricas, metódicas e técnicas. Adota-se a perspectiva de Lopes (1990), para quem toda a pesquisa engaja essas instâncias. Cada uma delas interage com as demais, ou seja, não é possível considerar uma instância isoladamente. Como já discutido, a etnografia é a forma basilar de construção de conhecimento na antropologia. Assim, é considerada essencialmente em sua instância epistemológica e teórica, embora tenha também implicações metódicas e técnicas. A etnografia virtual tem como insumo a etnografia tradicional. Contudo, é muitas vezes utilizada como técnica de pesquisa, desvinculada das discussões epistemológicas e teóricas. Muitos dos debates acerca da legitimidade de sua aplicação assentam-se nessa questão. Os críticos mais severos afirmam que não é possível nomear por etnografia uma técnica que não assume os pressupostos tradicionais da antropologia. Por outro viés, pesquisadores alegam que é sim possível utilizar a etnografia como técnica no estudo dos ambientes digitais, desde que isso implique em certa vigilância epistemológica para não prescindir dos critérios que validam seu emprego nas pesquisas acadêmicas. Não há consenso sobre a questão. Há autores que falam da etnografia como técnica (BRAGA, 2006; MONTARDO E PASSERINO, 2006; KOZINETS, 1997), como método (SÁ, 2002; FLICK, 2009; FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, 4

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Para um aprofundamento acerca desses termos, ver Fragoso, Recuero e Amaral (2011). Artigos Completos

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2011) e também a partir de sua discussão teórica (HINE, 2004). Ao observar esses autores, pode-se inferir que há certa tendência em cunhar de netnografia os estudos situados na instância técnica, enquanto o termo etnografia virtual é utilizado para denominar estudos que situam a discussão em termos metódicos e teóricos. Como anteriormente dito, as instâncias se entrelaçam e não é possível realizar delimitações tão estanques entre elas. Assim, uma instância técnica jamais prescindirá de uma discussão epistemológica: o que pode acontecer, em alguns casos, é essa instância não ser anunciada. Entende-se que a etnografia virtual pode ser tomada em sua instância técnica para análise dos ambientes virtuais, desde que 1) sejam feitos tensionamentos com as bases epistemológicas e teóricas que a sustentam e que 2) sejam problematizadas as necessárias adaptações da técnica para o estudo em ambientes digitais. A importância de ter esse debate no horizonte se ressalta ao esmiuçar as teorizações acerca do método. Sobre o primeiro item acima apontado, vê-se que muitos dos problemas apontados no uso da etnografia virtual decorrem de sua vinculação aos pressupostos da etnografia tradicional (especialmente ao modelo monológico). Ao basearem-se nesses pressupostos, a experiência etnográfica em ambientes online soa deslocada e insuficiente para dar conta dos requisitos necessários à aplicação do método. Nessa perspectiva, a autoridade etnográfica está alicerçadada na presencialidade, na experiência concreta. Contudo, ao observar as discussões mais recentes, vê-se que há um movimento de debate dos pressupostos tradicionais da etnografia, os quais ressoam na utilização do método. Exemplar é a questão da observação participante, elemento fundante da autoridade etnográfica. O método [...] serve como uma fórmula para o contínuo vaivém entre o “interior” e o “exterior” dos acontecimentos: de um lado, captando o sentido de ocorrências e gestos específicos pela empatia; de outro, dá um passo atrás, para situar esses significados em contextos mais amplos. Acontecimentos singulares, assim, adquirem uma significação mais profunda ou mais geral, regras estruturais, e assim por diante. (CLIFFORD, 1998, p. 32)

O autor prossegue, comentando que o método pode ser entendido na dialética entre experiência e interpretação. Contudo, essa autoridade baseada na experiência tem sido contestada, na medida em que evoca uma “concretude da percepção” que é, na verdade, subjetivamente construída. “Estar lá”, observar, não resulta diretamente em uma pesquisa mais crível. Hine (2004) comenta que essa primazia da presencialidade na etnografia parte de uma concepção em que a produção etnográfica é vista como uma narração textual verdadeira, quando é sempre construída. A etnografia em ambientes virtuais possibilita aos pesquisadores explorar espaços sociais sem deslocamento físico, o que não significa alterar a posição do etnógrafo em campo: “Com ou sem deslocamento físico, a relação entre o etnógrafo, o leitor e os sujeitos da investigação se mantém no texto etnográfico”. Dessa forma, “Quem faz a etnografia mantem uma posição singular para explorar o campo, baseada em sua experiência e capacidade de interação” (HINE, 2004, p.61).

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Isso não significa, contudo, descartar o contato físico na realização da etnografia virtual. Esse movimento dependerá dos objetivos e problemática de pesquisa. Em certos casos, forçar um encontro offline poderá enfraquecer a autenticidade da experiência nos termos em que é vivida pelos informantes de pesquisa (HINE, 2004). Como realizar um encontro offline junto a comunidades ou grupos que nunca tiveram intenção de fazê-lo? Não seria forçar a lógica de funcionamento do grupo? Comumente, a presencialidade na etnografia virtual é vista como uma confirmação das identidades dos informantes, daquilo que eles expõe no ambiente online. Aqui subjaz uma noção de que há uma identidade que é representada na interação com o pesquisador e outra, que é vivida offline. Contudo, como esclarece Hine, o informante, na etnografia tradicional ou virtual, é sempre uma figura parcial, não uma identidade total a ser desvelada. Nesse sentido, o mais benéfico seria investigar como esses informantes negociam essas identidades e como a tecnologia se relaciona com esse processo. Outro elemento importante é a constituição do campo de pesquisa. Os objetos estudados são usualmente interpretados em termos espaciais. A expressão “ir a campo” desvela um pouco desse sentido: o etnógrafo realiza uma incursão a certo local a fim de investigar a constituição cultural de determinado grupo/ comunidade. Contudo, como aponta Hine, isso acarreta por vezes em uma tendência a observar o campo como uma unidade cultural relacionada ao espaço físico, descartando as incoerências e idiossincrasias na descrição etnográfica. Isso também leva a uma visão de cultura necessariamente relacionada ao local, quando, na verdade, “Se a cultura e a comunidade não são produtos diretos de um lugar físico, então a etnografia tampouco tem porque sê-lo”. (HINE, 2004, p.81). Assim, a autora defende que o campo, na etnografia virtual, deve ser tomado muito mais como um espaço de relações do que como um lugar. Por último, entre os pressupostos da etnografia tradicional importantes para a constituição da etnografia virtual, está a reflexividade. Considera-se primordial o pesquisador sustentar uma postura reflexiva em todas as etapas da pesquisa etnográfica, ainda mais tendo em vista a complexidade dos fenômenos digitais. Segundo Hine (2004, s/p), esses [...] existem em múltiplos espaços, são fragmentados e costumam ser temporalmente complexos. Não podemos esperar ter uma vivência de um fenômeno assim apenas ‘estando presentes ali’ porque não sabemos automaticamente onde é ‘ali’ nem como ‘estar presentes‘. Mas podemos ajudar a entender os fenômenos digitais tentando adquirir nossa própria experiência autêntica desses fenômenos como etnógrafos inseridos, incorporados, e refletindo constantemente sobre o que sabemos e como sabemos.

Sem a reflexividade, incorre-se no risco de observar os ambientes virtuais sem problematizar como a subjetividade do pesquisador, suas competências tecnológicas e sua inserção no meio se relacionam com sua compreensão das práticas culturais analisadas. Ela é um recurso imprescindível aos pesquisadores que optam pela realização de estudos focados somente nas interações online, sem a dimensão da presencialidade. Esses são alguns dos tensionamentos teóricos necessários para trans-

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posição da etnografia ao estudo em ambientes digitais. Muito mais poderia ser dito, considerando a riqueza da tradição etnográfica. Vê-se que, ao oxigenar o uso da etnografia virtual com esses debates, muitas das críticas realizadas à aplicação do método são passíveis de problematização. Na próxima seção, os estudos de recepção serão analisados com base nesses questionamentos. A etnografia virtual nas pesquisas de recepção nos anos 2000 Na década em análise, seis estudos5 valeram-se da etnografia como método/técnica em pesquisas no ambiente digital. Foram todas dissertações de mestrado, cinco de abordagem sociocultural6 e uma de abordagem sociodiscursiva7. Inicialmente, se realizará uma breve apresentação dos trabalhos, com foco nos objetivos apresentados. As pesquisas versam sobre temas diversos, com destaque à temática das identidades, escolha de três investigações. As demais têm por temática norteadora as relações de gênero, a crítica à mídia e o consumo juvenil de fãs. Sites e redes sociais foram especialmente eleitos como locus de pesquisa. Scoss (2003) investiga o papel dos meios de comunicação na configuração do imaginário juvenil, através de um estudo de recepção no site Portal Malhação, relativo à soap opera de mesmo nome veiculada na Rede Globo. Brignol (2004) também tem por locus de investigação um site, a Página do Gaúcho, em que estuda a configuração da identidade regional gaúcha. A dissertação de Linke (2005), única de veio sociodiscursivo, elegeu o site Observatório de Imprensa como objeto, a fim de observar a dinâmica de interação entre leitores e site. Castellano (2009), por sua vez, investiga o consumo de cultura trash, especialmente as motivações e práticas sociais dos fãs de filmes do segmento, através de comunidades da rede social Orkut. Comunidades de discussão instaladas nessa rede também foram investigadas por Gomide (2006), a fim de apreender as representações sociais das identidades lésbicas construídas pela telenovela Senhora do Destino através dos diálogos travados no espaço. Bello (2009) também elegeu essa rede social como objeto, em que investiga a configuração das identidades e a relação entre identidade e subjetividade. É importante observar de que forma as autoras enunciam a utilização da etnografia em suas pesquisas. Há menções à etnografia virtual (SCOSS, 2003), netnografia (CASTELLANO, 2009; BELLO, 2009) e abordagem etnográfica (BRIGNOL, 2004). Há ainda casos em que o método/técnica não é diretamente explicitado (LINKE, 2005; GOMIDE, 2006). Ao olhar o conjunto das pesquisas, vê-se que não há preocupação em especificar a etnografia em sua instância metódica ou técnica. A única a fazê-lo é Bello (2009), que denomina por método netnográfico. Brignol (2006) posiciona-se de forma mais ampla, considerando a etnografia como uma perspectiva, uma abordagem que conjuga diversas técnicas de pesquisa. 5 As referências encontram-se no final do texto. 6 Cf Escosteguy e Jacks (2005), privilegia as relações sociais e culturais na análise da interação entre receptores e meios. 7 Cf Escosteguy e Jacks (2005), adota a perspectiva da análise do discurso, em suas múltiplas vertentes, para o estudo da recepção.

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Nesse sentido, observa-se que as etnografias são realizadas principalmente através de observação participante e realização de entrevistas. Em alguns casos, há a triangulação da etnografia com outras técnicas, como observação, histórias de vida, rotinas produtivas e análise de conteúdo (BRIGNOL, 2006) e somente análise de conteúdo (GOMIDE, 2004). Em outros, contudo, os procedimentos basilares à utilização da etnografia não são sequer explicitados, o que impede uma análise mais detalhada da questão e reforça as fragilidades metodológicas que acompanham as teses e dissertações na área de recepção (JACKS, MENESES, PIEDRAS, 2008). Isso se torna mais perceptível ao destrinchar que autores são trazidos pelos trabalhos para refletir sobre o método. Vê-se que o resgate teórico para problematização metodológica é pouco realizado. Aparece em Scoss (2003), Brignol (2004) e também em Castellano (2009) e Bello (2009), mas de forma bem mais tangencial. A boa nova está nos autores mobilizados: há incorporação de recentes discussões brasileiras, sinal de que os debates teóricos realizados no campo têm ressonância nas pesquisas na pós-graduação. Adriana Amaral e Simone Pereira de Sá são as autoras brasileiras citadas. Para além das fronteiras nacionais, há também menções a Kozinets, David Morley e Clifford Geertz. Considera-se a discussão teórica realizada pela maior parte dos trabalhos insuficiente para dar conta das adaptações requeridas pelo método. Ao não realizar esse debate, as pesquisas acabam por prescindir de elementos que são fundamentais à experiência etnográfica no meio digital, como o papel da reflexividade, a problematização acerca da presencialidade e a configuração do campo de pesquisa. A maior parte das pesquisas analisadas não reflete sobre a inserção do pesquisador em campo e sobre as implicações de sua posição na interpretação dos dados coletados. Há casos em que as pesquisadoras adotam a abordagem da internet como cultura (LINKE, 2005; GOMIDE, 2006; BELLO, 2009), focando a análise somente nas interações realizadas no ambiente digital. O interesse está em observar fenômenos culturais localizados, restritos à experiência online. Nessas pesquisas, as autoras optam por realizar uma observação não participante, ou seja, elas não se inserem enquanto sujeitos no campo de pesquisa. Essa escolha, contudo, não é problematizada à luz dos objetivos e problema de pesquisa, dentro de uma perspectiva reflexiva. Scoss (2003), Brignol (2004) e Castellano (2009) investigam o meio digital como um elemento da cultura, integrado, assim, com a dimensão offline. Nesse sentido, tomam a internet como um artefato cultural, privilegiando a intersecção da tecnologia na vida cotidiana. Castellano (2009) pesquisou as interações em comunidades do Orkut dedicadas à cultura trash e realiza observação participante em sessões de cinema dedicadas a esse gênero. Brignol (2004) investigou a constituição das identidades regionais através da Página do Gaúcho, realizando também histórias de vida presencialmente. Observa-se que as pesquisas que tomaram a internet como artefato cultural tendem a forjar uma arquitetura metodológica mais pertinente à abordagem etnográfica. Isso não significa, contudo, demérito às investigações que se restringem ao ambiente digital. Contudo, para que essas pesquisas mantenham autenti-

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cidade da perspectiva etnográfica, seria necessário assumir alguns pressupostos do método, como a reflexividade, seguindo as recomendações de Hine (2012). Considerações finais Neste texto, buscou-se aventar algumas questões relativas à etnografia virtual, a partir do diálogo com os pressupostos da etnografia tradicional e da análise da produção acadêmica da área da recepção nos anos 2000. Não foi objetivo esgotar a temática, mas traçar certo panorama sobre como a etnografia virtual é constituída e de que forma os pesquisadores da área de recepção a assimilam em suas investigações. Sobre a etnografia virtual, considera-se um método promissor ao entendimento das práticas de sujeitos inseridos no ambiente digital. Embora não haja consenso em relação às terminologias e classificações, vê-se que as discussões são promitentes, ao passo que apresentam uma diversidade de autores com reflexões teóricas consistentes a respeito do tema. Contudo, os avanços teóricos tardam, muitas vezes, a ressoar no desenvolvimento metodológico (HINE, 2004), o que leva a certo descompasso entre a formulação do método e a sua aplicação. A etnografia virtual é muitas vezes utilizada tendo como horizonte os pressupostos de um modelo monológico de etnografia, o que gera uma sensação de inadequação do método. Afinal, como adaptar a etnografia virtual a uma perspectiva em que a experiência, a presencialidade é condição sine qua non à legitimidade da pesquisa? Em que o campo é tomado como um lugar fisicamente delimitado, e não são consideradas as heterogeneidades, idiossincrasias inerentes à pesquisa? Quando avaliada a partir desse viés teórico, a etnografia virtual ganha a pecha de rasa e insatisfatória. Nisso consiste a importância em fomentar debates teóricos que auxiliem na arquitetura do método, de forma a oxigená-lo a partir das discussões mais recentes da antropologia e também aproximá-lo das perspectivas teóricas que norteiam os estudos ciberculturais. Isso é essencial ao pensar nos estudos de recepção, que além da implicação teórica do método, precisam dar conta das relações entre estudos culturais e ciberculturais, nem sempre harmônicas. Como aponta Knewitz (2009, p. 8): Os estudos de recepção baseiam-se em dois pressupostos. Primeiro, o de que a audiência é sempre ativa; segundo, o de que o conteúdo dos meios é polissêmico – o que tem sido entendido como sua abertura a diferentes interpretações” (GOMES, 2005, p.75). A internet não só endossa esses pressupostos como os conduz a uma condição extrema: nela, a audiência, mais do que ativa, é interativa; e a polissemia do conteúdo é consideravelmente ampliada com o surgimento do hipertexto. Assim, fica mais uma vez evidente que estudar o consumo cultural nas novas mídias é um procedimento ambíguo, de continuidade e ruptura.

Para a autora, a etnografia virtual é um exemplo prático da atuação conjunta dessas duas linhas teóricas. Assim, fomentar o diálogo entre estudos culturais e cibercultura é um caminho para o fortalecimento do método. Ao observar os seis estudos de recepção produzidos entre 2000 e 2009,

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vê-se que o emprego do método é ainda frágil. De fato, a incipiência metodológica não é um problema localizado, mas um fato que acompanha os estudos de recepção brasileiros em sua trajetória (JACKS, MENESES, PIEDRAS, 2008). Relacionando esse contexto aos estudos empíricos de internet, que ganharam força apenas em meados dos anos 2000, se reforça a configuração de um cenário ainda incipiente de pesquisa. De outra forma, avanços já são perceptíveis, como a incorporação de autores brasileiros nas discussões. Para avançar, esse cenário, são fundamentais que prossigam as explorações teóricas acerca do método, e sobretudo que se materializem investidas empíricas que deem conta de tensioná-lo com a realidade para problematizá-lo. Nessa empreitada, os estudos de recepção, área empírica por natureza, assume um papel fundamental. Referências bibliográficas AMARAL, Adriana. Etnografia e pesquisa em cibercultura: limites e insuficiências metodológicas. REVISTA USP, São Paulo, n.86, p. 122-135, junho/agosto 2010. ANDRADE, Danúbia. Etnografia da Mídia: um método-pensamento para a análise de recepção. Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos. Unisinos, set-dez, 2010. P. 193 – 199. BRAGA, Adriana. Técnica etnográfica aplicada à comunicação online: uma discussão metodológica. UNIrevista ‐ Vol. 1, n°3 : (julho 2006). Disponível em: http:// www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Braga.PDF. Acesso em 01/02/2014. ______. Etnografia segundo Christine Hine: abordagem naturalista para ambientes digitais (entrevista). E-compós, Brasília, v. 15, n.3, set/dez 2012. CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2011. FLICK, Uwe. Pesquisa qualitativa online: a utilização da internet. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009. FRAGOSO; Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. HINE, Christine. Etnografia Virtual. Barcelona, Espana: UOC, 2004. KNEWITZ, Anna Paula. Estudos culturais e cibercultura: um entrelaçamento necessário para pensar a recepção na web. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Recepção, Usos e Consumo Midiáticos”, do XVIII Encontro da Compós, na PUC-MG, Belo Horizonte, MG, em junho de 2009. Disponível em: file:///C:/Users/Laura/Downloads/RECEPCAO_NA_WEB%20(1).pdf. Acesso em 15 fev 2014. KOZINETS, R. On Netnography: Inicial Reflections on Consumer Research Investigations of Cyberculture. (1997). Disponível em Acesso em 18 fev 2014. JACKS, Nilda, MENEZES, Daiane e PIEDRAS, Elisa. Meios e Audiências. A emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre. Sulina, 2008 JACKS, Nilda et alli. Pesquisa sobre audiências midiáticas no Brasil: primórdios, consolidação e novos desafios. IN JACKS, Nilda (coord.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito. CIESPAL, 2011.

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O leitor na Cultura da Convergência: Uma Análise Exploratória das Interações Entre a Revista TPM e Seus Leitores em Ambientes Digitais Marlon Santa Maria DIAS Viviane BORELLI Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão sobre o leitor de revista em meio ao processo de midiatização da sociedade. Para tanto, discutimos as transformações que o fenômeno da convergência cultural impõe ao jornalismo contemporâneo. Essas transformações também atingem o leitor, agora interagente nas relações estabelecidas com os meios, por isso, discorremos sobre o contrato que articula essas relações entre a revista e os seus leitores. Por fim, fazemos uma análise exploratória dos ambientes digitais utilizados pela revista TPM, com o objetivo de perceber como a revista cria espaços de interação com seus leitores. PALAVRAS-CHAVE: jornalismo de revista; leitor; convergência cultural. Introdução Os ambientes digitais emergiram como novos territórios e, hoje, é praticamente impossível encontrar organizações jornalísticas que não tenham sites ou portais de informações, perfis e páginas em sites de redes sociais ou ainda produção de material voltado exclusivamente para esses dispositivos. Com isso, vemos que o jornalismo passa por um processo de transformações. Esse processo, no entanto, não é exclusivo do campo midiático, mas sim de toda a sociedade, em que práticas sociais sofrem constantes mudanças em decorrência da midiatização. O processo de midiatização da sociedade encontra-se em curso, ou seja, incompleto (VERÓN, 1997), e se realiza quando dispositivos midiáticos empreendem operações técnicas e simbólicas que afetam os demais campos sociais, sua estrutura e seu funcionamento, podendo codeterminar suas ações. Essas in-

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junções do campo midiático nos demais campos se devem não só à centralidade da mídia nas interações entre os campos, mas também – e principalmente – a essa nova cultura que vivenciamos hoje, a midiática, que instaura novos protocolos de linguagem e redimensiona as práticas sociais (FAUSTO NETO, 2007). Assim, também percebemos, em decorrência da midiatização, mutações nos modos de se fazer jornalismo. Como afirma Fausto Neto (2009, p. 19), “o processo intenso e crescente da midiatização sobre a sociedade e suas práticas sociais, afeta de modo peculiar a cultura jornalística, seu ambiente produtivo, suas rotinas e a própria identidade dos seus atores”. Frente a este cenário e considerando a influência do processo de midiatização nas transformações do jornalismo contemporâneo, buscamos discutir neste artigo como o jornalismo de revista interage com seus leitores em diferentes ambientes digitais. Nossa escolha pelo produto revista se deve a particularidades do contrato que a revista estabelece com o leitor, lançando mão de algumas estratégias para garantir sua fidelização. Aliás, é o contato com o seu leitor que diferencia a revista dos outros meios (SCALZO, 2004). Desse modo, iniciamos com uma reflexão sobre a convergência cultural (JENKINS, 2009), que reconfigura as instâncias de produção e recepção dos produtos midiáticos. Em seguida, pensamos mais detidamente no jornalismo de revista e em seus leitores. Por fim, buscamos aplicar as reflexões empreendidas na parte mais teórica deste artigo em nosso objeto de estudo, a revista TPM. Para compreender como a revista interage com seus leitores, mapeamos, num primeiro momento, os ambientes digitais onde encontramos a revista e os elencamos, discorrendo sobre sua funcionalidade. Num segundo momento, pretendemos pensar quais são os espaços que a revista constrói para participação do seu leitor, quais as estratégias utilizadas para “chamar” esse leitor à participação, bem como a maneira como ocorre o diálogo entre essas duas instâncias do processo comunicacional. Cultura da Convergência e Mutações no Fazer Jornalístico O advento das mídias digitais trouxe instabilidade ao mercado dos meios de comunicação. Os rumores anunciavam o fim das mídias tradicionais, que seriam substituídas pelas novas mídias digitais. Isso, no entanto, ainda não aconteceu – e é bem possível que não aconteça: jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão continuam a existir. Com um público menor? Talvez a resposta seja com um público menos estagnado. Hoje, a oferta de uma variedade de conteúdos em diferentes plataformas possibilita uma dispersão do consumidor de mídia. Os meios, obviamente, precisam se adaptar a essas mutações e pensar não só em diferentes formas de apresentação do conteúdo, mas também em novos modos de interação com o seu interlocutor. Percebemos, então, que ocorre a remediação (BOLTER; GRUSIN, 1999), processo em que uma nova mídia remodela uma mídia anterior ou vice-versa, quando uma velha mídia acaba recebendo um novo uso. As reflexões de Bolter e Grusin (1999) se afastam de uma visão que

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apregoa a morte das velhas mídias e nos fazem pensar sobre o processo de transformação pelo qual as mídias passam. Assim, um novo paradigma emerge – o da convergência – em contraposição ao paradigma da revolução digital que presumia a substituição das antigas mídias pelas novas. Surge então um conceito-chave para pensarmos essas mutações: a convergência das mídias, que é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias já existentes, as indústrias, os mercados, os gêneros e o público. A lógica pela qual a indústria midiática opera é alterada, assim como a lógica pela qual os consumidores processam tanto a notícia quanto o entretenimento. Assim, como Jenkins (2009, p. 43) sinaliza, “a convergência refere-se a um processo, não a um ponto final”. Jenkins constrói seu pensamento na via contrária à ideia de que a convergência poderia ser compreendida através da analogia com um aparelho que agregaria múltiplas funções. Em vez disso, a convergência representa uma transformação cultural, “à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos da mídia dispersos” (JENKINS, 2009, p. 29-30). Ou seja, a convergência ocorre nos consumidores e nas interações estabelecidas por eles. Esse cenário de mutações nos faz repensar o que é consumir mídia hoje. Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos (JENKINS, 2009, p. 47).

Ou seja, a figura daquele que consume tanto a notícia quanto o entretenimento se modifica. Emerge dessa convergência cultural a necessidade de participação e cooperação entre os atores sociais. É preciso considerar, também, os dois lados da convergência: ao mesmo tempo em que ela possibilita a expansão dos conglomerados midiáticos, com seus conteúdos dispersos em diferentes plataformas, ela também representa um risco para as empresas que, ao deslocarem o seu público para um novo ambiente, podem perdê-lo (JENKINS, 2009, p. 47). Por isso, são necessárias estratégias que façam com que o público migre, mas continue fiel. Posto isto, atentamos a necessidade de se pensar o jornalismo contemporâneo inserido nessa “cultura da convergência” (JENKINS, 2009). Como vimos, esta não se refere apenas aos diversos conteúdos que podem ser encontrados num aparelho técnico, mas sim a processos de fluxo de informações e pessoas, que buscam novas experiências para se informar e se entreter, hoje possíveis devido aos processos de digitalização. O jornalismo impresso precisa se adaptar à instabilidade que a emergência do online provoca tanto nas redações quanto nos leitores. O jornal ou a revista precisam se apresentar de outro modo para atrair novos públicos, sem,

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é claro, perder o seu leitor já fidelizado. Essas mudanças impõem novos modos de se fazer o jornalismo impresso. No início da chamada era digital, as organizações jornalísticas perceberam a necessidade de utilizar as novas tecnologias para auxiliar na produção do material que iria circular no impresso. As possibilidades que essas tecnologias traziam qualificaram a instância produtiva, remodelando práticas de apuração, escrita e apresentação das matérias. No entanto, as redações ainda estavam divididas entre quem era do online e quem era do impresso. Desde 2006 , percebemos uma nova mudança: a integração das redações. O objetivo dessa integração é enxergar o produto – seja jornal ou revista – como um todo, produzindo um material mais coeso e interligado. A convergência fez com que as redações fossem remodeladas, obrigou os profissionais a se adequarem às novas ferramentas digitais e impulsionou uma mudança na apresentação dos conteúdos que circulam pelos ambientes digitais dos veículos midiáticos. Além disso, presenciamos nos anos recentes uma popularização dos sites de redes sociais (ou mídias sociais digitais). A presença massiva dos consumidores nesses ambientes fez com que as organizações de mídia migrassem também para esse território, desenvolvendo “estratégias de uso dessas ferramentas para pulverizar as informações produzidas pelo veículo, comunicar-se com os leitores, receber sugestões de pauta e até mesmo fazer coberturas jornalísticas inteiras, em tempo real e com colaboração de conteúdo” (SEIBT, 2012, p. 3). Por mídias sociais digitais, entendemos esses sistemas que “possibilitam usos e apropriações que envolvem participação ativa do interagente através de comentários, recomendações, disseminação e compartilhamento de conteúdo próprio ou de terceiros” (CARVALHO; BARICHELLO, 2013, p. 136). Assim, as organizações jornalísticas utilizam as ferramentas das mídias sociais não só para disseminar mais facilmente os seus conteúdos pelas redes sociais, mas também para estabelecer contatos de interação com os seus leitores. Nesses ambientes de mídias sociais, no entanto, os interagentes não precisam do aval da instância produtiva para se manifestar, pois a lógica que rege essas mídias é outra, não linear como a das mídias tradicionais. As organizações, então, precisam repensar suas estratégias de contato com o seu público, que levem em conta essa mobilidade e facilidade de interação não só entre mídia-público, mas também entre público-público. Até aqui, buscamos apresentar como a cultura da convergência modificou os modos de fazer jornalismo, bem como sinalizamos algumas mutações que atingiram as organizações jornalísticas nesta era digital. Há, nesse cenário de mudanças, um elemento que nos parece chave para entender os deslocamentos e reposicionamentos que a cultura da convergência impõe: o público, o consumidor, a audiência. A seguir, tentaremos explorar mais essa instância do processo de comunicação, tendo como foco o leitor de revistas. Para tanto, discutiremos as particularidades que caracterizam o leitor do jornalismo de revista e o contrato que se estabelece entre o veículo e o seu público.

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O Jornalismo de Revista e o Contrato Com Seus Leitores O jornalismo, como prática discursiva, necessita de um interlocutor para sua efetivação. Há sempre esse “outro” a quem se destina a matéria jornalística, que será informado e com quem os sentidos serão negociados. Há, assim, dois leitores: um ideal (imaginário, imaginado, modelo) e um real. O primeiro é o leitor projetado pela revista, aquele que é pensado dentro das redações e para quem o conteúdo é direcionado; o segundo é o leitor físico, as pessoas que compram as revistas e as consomem. Nem sempre, é certo, esses dois leitores se encontram. Antes disso, o que ocorre é uma negociação em que o leitor real faz o movimento de se identificar com a proposta da revista ou repeli-la. Fátima Ali (2009), experiente editora de revistas, afirma que, se perguntado sobre o que gostaria de ver na revista, o leitor não saberia responder. Cabe ao editor compreendê-lo, “ir além dos desejos e necessidades expressos por ele e descobrir quais são seus “desejos latentes”” (ALI, 2009, p. 34). Essa ideia se relaciona ao de leitor idealizado pelas redações. O jornalismo de revista possui especificidades consequentes de seu formato e de sua proposta. Além de possuírem periodicidade diferente dos jornais diários e apostarem em textos mais interpretativos, as revistas estabelecem um elo afetivo “para que o leitor sinta a revista como “sua”, como parte de sua rotina, como uma necessidade, como algo a ser esperado e cujo consumo possa ser ritualizado” (BENETTI, 2013, p. 47). A revista difere-se dos outros veículos por fazer jornalismo “daquilo que ainda está em evidência nos noticiários, somando a estes pesquisas, documentação e riqueza textual” (VILAS BOAS, 1996, p. 9). Com isso, preenche os vazios deixados pelos demais veículos que, regidos por outras lógicas e adeptos a diferentes códigos, tergiversam a interpretação dos fatos. Logo, a revista responde a uma função cultural de documentação histórica, que se relaciona a um universo mais amplo, a uma memória social. Além disso, a revista “amplia nosso conhecimento, nos ajuda a refletir sobre nós mesmo e, principalmente, nos dá referências para formarmos nossa opinião” (ALI, 2009, p. 18). Uma das características do jornalismo de revista é a segmentação. São vários os critérios para segmentar uma publicação – gênero (feminino/masculino), faixa etária, localização geográfica, classe social, temática são algumas das principais (SCALZO, 2004). A segmentação é uma forma de delimitar melhor o seu leitor, direcionando a produção de conteúdo para um público específico. O editor de revistas torna-se um especialista em grupos de consumidores, que deve possuir a competência de atrair para a sua publicação um público mais homogêneo, foco de determinados anunciantes (MIRA, 2001). Como afirma Scalzo (2004), é essa relação que a revista estabelece com o seu público que a diferencia de outros meios. A revista, para essa autora, é “também um encontro entre um editor e um leitor, um contato que se estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas e, nesse sentido, ajuda a construir a identidade, ou seja, cria identificações, dá sensação de pertencer a um determinado grupo” (SCALZO, 2004, p. 12). Para que essa relação entre revista e leitor seja estabelecida, é neces-

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sário um contrato firmado entre as duas partes que dê ao leitor um sentido para ele estar consumindo determinada revista. A revista, por sua natureza, tem um contrato implícito com o leitor, mais ou menos nos seguintes termos: “Prometo que se você ler esta revista, edição após edição, encontrará à sua disposição o que é importante para você e do seu interesse, vai saber o que quer saber, e até o que não sabia que precisava.” (ALI, 2009, p. 32).

Este contrato, aliás, não é único das revistas. O jornalismo, para ser reconhecido como tal (“isto é jornalismo”, “isto não é”), se articula através de um contrato de comunicação sustentado por “valores e princípios historicamente construídos e reafirmados [...] pelos sujeitos envolvidos: jornalistas, fontes, leitores, empresários, pesquisadores” (BENETTI, 2013, p. 49). Charaudeau (2006) acredita que o contrato é o que permite que os interagentes reconheçam os códigos no ato comunicacional e, através dos efeitos de sentido, se efetive a relação. Para isso, o autor reconhece cinco elementos necessários para o contrato: quem diz (jornalista, revista); para quem (leitor); para que se diz (finalidade); o que se diz (conteúdo); em que condições (contexto, tempo de produção, tempo do leitor); como se diz (estratégias). Para Verón (2004), os produtos midiáticos possuem um contrato, mesmo que não seja formalizado e apenas implícito, que se situa no plano das modalidades de dizer. É o leitor que, frente aos múltiplos caminhos propostos, escolhe o percurso de leitura. Para o autor, os suportes midiáticos possuem dispositivos de enunciação, compostos por enunciador, destinatário e a relação entre ambos, proposta no e pelo discurso (VERÓN, 2004, p. 218). É através desse dispositivo – que na imprensa escrita o autor denomina contrato de leitura – que se percebem as especificidades do suporte. Contudo, percebemos que a revista (ou qualquer outro produto jornalístico) só se estabelece através da legitimação que lhe é delegada pelos leitores. Estes não apenas leem a revista, mas têm um poder de influência tanto no conteúdo quanto na abordagem do tema, sendo importantes na constituição do produto. O jornalismo de revista caracteriza-se pela segmentação e lida com um público mais delimitado. A questão que surge, então, é como manter fiel esse leitor que, com a mobilidade nos ambientes digitais, migra para diferentes plataformas e tem acesso a uma infinita gama de conteúdos? Pensando nessa questão, resolvemos fazer uma análise exploratória da revista TPM. Durante os meses de março e abril de 2014, mapeamos o site e as três mídias sociais digitais mais utilizadas pela revista (Facebook, Instagram e Twitter), a fim de compreender como e se a revista utiliza as ferramentas digitais para criar espaços de interação com seu público, como os leitores participam da criação da revista e se um diálogo se estabelece entre revista e leitor. Os Leitores de TPM: análise exploratória A revista TPM (Trip Para Mulheres) foi lançada em maio de 2001 pela Editora Trip. A distribuição da revista é nacional, com periodicidade mensal. No

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início, sua tiragem era de 80 mil exemplares; hoje, 36 mil. O primeiro editorial da revista conta que a ideia de criar a TPM surgiu quando uma pesquisa apontou que 25% dos leitores de Trip – revista da mesma editora voltada para o público masculino – eram mulheres. Considerada uma revista segmentada para o público feminino, a proposta de TPM é ir contra o que comumente se apresenta nas demais revistas do gênero: “Com conteúdo inovador, a TPM não acredita em fórmulas prontas e mostra mulheres contemporâneas vivendo em um mundo real sem perder o bom humor e o jogo de cintura” . TPM é revista feminina com maior número de indicações ao Prêmio Esso de Jornalismo, mais importante premiação do jornalismo brasileiro, tendo vencido duas vezes. Junto com o lançamento da revista TPM, a Editora Trip lançou o site da revista, já pensando em ter um ambiente digital que pudesse agregar conteúdos convergentes ao da versão impressa. Desde 2005, o site está hospedado no portal UOL . O site é o primeiro ambiente que analisamos no trabalho. Atualizado diariamente, o site vai além do conteúdo que a revista apresenta e tem a função não só de disponibilizar o conteúdo de TPM como também de agregar ícones que encaminham o leitor aos diferentes espaços digitais ocupados pela revista. O conteúdo do site está separado em reportagens, vídeos, ensaios, entrevistas e blogs. Os blogs são espaços mais personalizados e que, longe da impessoalidade do site, servem para aproximar mais o leitor, sendo uma via mais fácil de interação. Tanto o site quanto os blogs permitem comentários de leitor. Para comentar, você pode se cadastrar ou apenas marcar a opção “convidado” e enviar a sua mensagem. A revista, no entanto, incentiva o leitor a se cadastrar, apresentando, através de um link, as vantagens: “ao se cadastrar gratuitamente no site da Trip você tem direito a uma série de regalias dignas de um integrante da família virtual TPM”. O usuário cadastrado pode favoritar matérias preferidas, marcá-las para ler depois, receber newsletter e participar de promoções exclusivas. Essa estratégia de troca tenta atrair o leitor através das “regalias” e do sentimento de pertença à “família virtual TPM”. Ainda no site, encontramos uma seção chamada “redes”. Ao clicar, o leitor é direcionado a uma página que traz o título “Me adiciona” e, abaixo, os ícones dos demais ambientes digitais em que podemos encontrar a revista. Atualmente, a revista é disponibilizada na íntegra em tablets e smartphones, além de conteúdos multimídia exclusivos e interativos, com material fotográfico, audiovisual e sonoro, agregando material que é veiculado também pela Trip FM (programas radiofônicos) e Trip TV (programa televisivo). A iniciativa de produzir conteúdo para esses suportes específicos sinaliza o caráter inovador da revista, bem como a preocupação de que os leitores continuem conectados à revista além do contato com a edição impressa. Além disso, a revista possui uma página no Google Books, não atualizado desde 2011; um canal no YouTube, onde são postados vídeos da Casa Tpm, evento realizado pela revista para discussão de temas relacionados às mulheres; e um perfil no Tumblr, não atualizado desde maio de 2013. A revista possui ainda perfis no Twitter, Instagram, Pinterest, Google+ e uma página no Facebook . É nessas mídias sociais que percebemos uma

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interação mais frequente entre a revista e os leitores. Destas, as principais mídias utilizadas pela revista são o Twitter, o Facebook e o Instagram. Nas duas primeiras, é geralmente postado conteúdo de divulgação da revista, com links que encaminham para as matérias no site; enquanto o Instagram funciona como local de postagem de fotos relacionadas a bastidores, capas e enquetes. No Twitter, é comum também a postagem de uma frase convidando o leitor a seguir a revista em outros ambientes digitais. Além disso, o perfil também compartilha (através de um retweet) tweets dos seguidores. Em geral, são comentários de caráter elogioso à publicação. Tanto no Twitter quanto no Instagram e no Facebook, a revista realiza enquetes e campanhas, que mobilizam os leitores a opinar sobre os temas destacados pela revista. Algumas enquetes são direcionadas para a publicação impressa, ou seja, a revista escolhe algumas respostas e publica na edição posterior. Na edição lançada durante o período de análise (nº141/abril), por exemplo, a revista fez a seguinte pergunta no Facebook: “O que você acha que deveria ser feito, pelo governo e pela sociedade, para acabar com o racismo?”. Dez comentários foram selecionados para publicação. Essa atitude ajuda a fidelizar o leitor, despertando nele o sentimento de estar contribuindo com a construção da revista. Outra estratégia semelhante foi lançada na edição analisada. Pelo Instagram da revista, os seguidores foram convidados a postar um selfie (autorretrato), utilizando a hashtag #TRIPCOLABORATIVA1, respondendo à pergunta “Qual é a sua cor?”. Trinta e sete fotos de leitoras foram publicadas em duas páginas da revista. A revista Trip também passou a realizar a campanha, igualmente com a publicação das fotos na edição impressa. A revista, assim, desperta o sentimento de pertença no leitor, que agora vê seu rosto nas páginas da revista. Além, é claro, de ser um incentivo à compra da edição impressa. Mesmo criando mecanismos e espaços de interação com o seu leitor, identificamos algumas falhas nessa relação revista-leitor, especialmente no que diz respeito ao diálogo que se estabelece entre essas duas instâncias. Como dissemos anteriormente, as mídias sociais digitais possibilitam uma interação muito mais rápida e direta entre os interlocutores. Assim, muitos leitores utilizam esse canal para se comunicar com a revista e, algumas vezes, para fazer críticas à publicação. Na figura 1, vemos uma postagem da revista no Instagram, a foto de uma reunião de pauta da equipe e, no texto, perguntando se os seguidores não teriam sugestões. Uma leitora queixa-se das repetidas cartas que os assinantes recebem sobre a renovação automática. Segundo ela, “é ofensivo e desrespeitoso!”. Na figura 2, também vemos leitores reclamando, agora do serviço de distribuição da revista, que aparentemente sempre atrasa a entrega dos exemplares para assinantes. Em nenhum dos casos, a revista respondeu aos leitores. No período analisado, identificamos apenas uma resposta pública da revista, no Facebook. Era uma crítica, no entanto, bastante leve e relacionada a um erro de digitação (a revista escreveu IPhome em vez de IPhone). O erro foi corrigido e eles responderam de modo descontraído (figura 3).

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Figura 1: Crítica de leitora à TPM

Figura 2: Leitoras criticam o sistema de distribuição da revista.

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Figura 3: Resposta de TPM à leitora no Facebook.

Considerações Finais O jornalismo contemporâneo se depara com fenômenos que exigem dele constante adaptação e atualização. O conteúdo circula agora por diferentes plataformas midiáticas e o leitor não só quer participar ativamente da construção dos meios de comunicação como também demonstra um comportamento imprevisível. O fenômeno da midiatização facilitou o contato entre a revista e o leitor e agora, imersos em uma cultura da convergência, a mídia precisa criar novos modos de apresentação do seu contato, além de investir em novas formas de interação com o seu público. Assim, percebemos que o cenário que se configurou nos últimos anos possibilita o deslocamento do consumidor de mídia, agora interagente, que ocupa não só o lugar de receptor, mas também de fonte dos meios tradicionais, que acompanham o que acontece e se discute na blogosfera. Cresce o número de matérias não só em sites jornalísticos, mas também em jornais, revistas e televisão sobre o que se dissemina nos sites de rede social. Ou seja, a rede de informações e pessoas interconectadas modifica o fluxo das notícias, que percorre agora caminhos inapreensíveis. Através da análise exploratória realizada nos ambientes digitais da revista TPM foi possível perceber que a revista investe em produção de conteúdo não só para a versão impressa, mas também para as mídias digitais, não fazendo apenas uma transposição do que se tem na edição impressa no online, mas sim conteúdos exclusivos e multimídia. A revista também demonstra estar atenta aos sites de redes sociais mais utilizados no momento e tenta se inserir nesses espaços, utilizando estratégias de contato com o leitor, com o objetivo de fidelizá-lo e fazê-lo consumir o material disponibilizado no site. Porém, a revista ainda parece falhar no sistema de resposta às críticas dos leitores. Ao deixar o leitor sem resposta, a revista não

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só o afasta como também deixa a impressão de que não se preocupa com o seu leitor. Referências ALI, F. A arte de editar revistas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009. BENETTI, M. Revista e Jornalismo: conceitos e particularidades.In TAVARES, F. de M. B; SCHWAAB, R. (org.). A revista e seu jornalismo. Porto Alegre: Penso, 2013, p. 44-57 BOLTER, J. D.; GRUSIN, R. Remediation: Understanding New Media. Cambridge, EUA: MIT Press, 1999. CARVALHO, L.M.; BARICHELLO, E. M. M. R. Jornalismo institucional no Twitter: participação e inclusão do leitor como estratégia de legitimação do jornal Zero Hora. Animus (Santa Maria. Online), v. 12, p. 134-149, 2013. CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006. FAUSTO NETO, A. Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Revista Matrizes. São Paulo: ECA/USP, n. 1, ano 1, p. 89-105, 2007. ______. Jornalismo: sensibilidade e complexidade. Galáxia: Revista do PPG em Comunicação e Semiótica. Vol. 9, n. 18, 2009, p. 19-30. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. MIRA, M. C. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d‟Água/ Fapesp, 2001. SCALZO, M. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2004. SEIBT, T. Transposição de linguagens online para o jornal impresso: aspectos de convergência em tempos de redações integradas. In: XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Anais... Fortaleza, 2012 VERÓN, E. Esquema para el análisis de la mediatización. In: Revista Diálogos de la Comunicación, n.48, Lima: Felafacs, 1997. ______. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. VILAS BOAS, S. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996. Sobre os autores: Marlon Santa Maria Dias é bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (2013) pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação, linha de pesquisa Mídia e Estratégias Comunicacionais, na mesma instituição. E-mail: [email protected] Viviane Borelli é professora adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo (1999) e mestre (2002) pela UFSM e doutora (2007) em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: [email protected]

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Usos e Apropriações do Celular por Jovens de Classe Popular Flora DUTRA Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. Resumo: A presente pesquisa é um estudo dos usos e apropriações do telefone celular por jovens de classe popular. Procura-se identificar como os jovens da fração baixa da classe popular distinguem-se uns dos outros pelos usos do aparelho móvel no espaço escolar. A investigação filia-se as perspectivas das mediações de Martín-Barbero (2003; 2009). Foi realizada uma etnografia no espaço escolar e no espaço doméstico com dez alunos da Escola A, com idades entre 15 a 18 anos, residentes em Santa Maria/RS. Delimitou-se, ainda, um corpus com dez perfis dos entrevistados da rede social Facebook. Palavras-chave: Celular; Classe social; Consumo Cultural; Juventude. O Brasil encerra o ano de 2013 com 270 milhões de celulares1, ultrapassando o número de habitantes no país, pois, para cada 100 pessoas, há 135 telefones celulares. Com a disseminação da Internet, o celular geralmente vem equipado com funcionalidades que permitem ao usuário acessar a rede online a qualquer hora e em qualquer lugar, através das redes Wi-fi ou 3G/4G. Desta maneira, a conectividade tem favorecido a existência de um ambiente midiático em construção permanente, cujo cenário principal passa ser o cotidiano dos indivíduos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2013, o acesso à Internet por jovens entre 15 e 17 anos aumentou em 76,7% relacionado ao acesso à rede online pelo telefone móvel. A prova da inserção do celular na vida dos adolescentes é o grande número de acessos na escola e no núcleo familiar. Na área da Comunicação, os trabalhos referentes ao celular discorrem sobre diferentes temas/objetos: análise semiótica das marcas das operadoras de telefonia móvel; construção audiovisual a partir da mobilidade; entretenimento online em locais públicos; readaptação do jornalismo na era móvel; funcionalidades do aparelho e significação simbólica a partir do design. Portanto, há uma

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Estatísticas de celulares no Brasil. Disponível em .

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lacuna de estudos empíricos acerca dos usos do celular. É ausente estudo da classe popular juvenil a partir das tecnologias móveis, suas práticas e usos. Em vista dessa realidade, este artigo se propõe a contribuir no desenvolvimento das pesquisas sobre os usos do celular pela juventude de classe popular, em uma aproximação com o espaço escolar. A seleção da amostra de dez alunos foi definida com base na manifestação do interesse de alguns em participar da pesquisa, na disposição deles em debater sobre o celular e suas representações, na família, na escola e no grupo de amigos. Cinco rapazes (Alex, Bruno, César, Diogo e Eduardo) e cinco moças2 (Alice, Bianca, Cláudia, Denise e Eliana) foram acompanhados durante três trimestres no espaço escolar, em espaços públicos e no ambiente doméstico. O quadro teórico de referência para interpretação dos dados empíricos baseia-se nas mediações de Martín-Barbero (2003): socialidade, ritualidade e tecnicidade, que compõem o mapa das mediações. A socialidade, gerada nas tramas das relações cotidianas (escola, família, amigos), resulta nos modos e usos coletivos de comunicação; a ritualidade manifesta-se nos diferentes usos dos meios, nas condições sociais e educacionais (consumo de telefone celular pelos jovens de classe popular); a tecnicidade diz respeito à conexão com os meios no cenário da globalização – redes sociais móveis e consumo de mídia. Estudos sobre o consumo de celular Os primeiros estudiosos a organizar um livro sobre o tema da comunicação móvel foram James Katz e Mark Aakhus (2002) da Universidade de Cambridge. Na obra, Perpetual Contact – Mobile Communication, Private Talk, Public performace, estudiosos da Finlândia, Israel, Itália, Coreia, Estados Unidos, França, Holanda, Bulgária e Noruega debatem a disseminação da tecnologia móvel e como isso vem afetando as relações sociais entre as pessoas no globo, sendo os celulares cada vez mais onipresentes em nossas vidas. Esta obra é o primeiro livro sobre o impacto da tecnologia móvel na sociedade contemporânea. No livro que trata da cultura móvel, questões sobre gênero, espaço público e privado, emoções e estilos de vida emergem da globalização e sociedade em rede. Ao aprofundar o impacto da cultura do celular em crianças e adolescentes da Finlândia, os pesquisadores Eija-Liisa Kasesniemi e Pirjo Rautiainen (2002) revelaram novas formas de vocabulário entre os jovens a partir de SMS. Assim surge a cultura de texto (SMS – short message service) desenvolvida pelos adolescentes. Sendo um fenômeno mundial, as mensagens curtas enviadas pelo celular têm poucos caracteres, geralmente não passam de 160. Com a facilidade da convergência de texto, imagem e foto, as mensagens podem ser de poemas, músicas preferidas ou segredos íntimos. Em 2005, Amparo Lasén foi editora do livro “Understanding mobile phone users and usage” em parceria com o grupo Vodafone e a Universidade de Surrey, na Inglaterra. O estudo etnográfico realizado em Paris, Londres e Madrid teve o intuito de revelar as implicações afetivas que os usuários desenvolviam 2 Os nomes dos entrevistados são fictícios. O colégio será denominado como Escola A para preservar o nome da instituição de ensino.

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pelos celulares. Lasén revelou que os celulares, por serem uma extensão do corpo humano, tornaram-se tecnologias da intimidade, sendo possível compartilhar sentimentos de amor, raiva, afeição, etc., com outros usuários; também funciona como um aparato que ajuda a organizar a vida das pessoas no trabalho e tarefas domésticas. A interação afetiva, segundo a socióloga, pode ocorrer em diferentes momentos: de usuário para outro usuário numa relação dupla, de usuário para outros usuários como um grupo, e de usuário para ele mesmo em uma relação única com o aparelho (LASÉN, 2005, p. 120-125). Assim, as relações humanas perpassam o telefone em trocas de informação, conhecimento, sentimento. Um dos resultados do estudo antropológico deste livro é que as pessoas estão expressando suas emoções mais livremente, assim, amor e raiva, conquistas e perdas são constantes nestas relações com o telefone e seus conteúdos gerados para as redes sociais online. Além das afetividades, é possível destacar a prática e adoção desta tecnologia gerando competências e hábitos, procedimentos incorporados pelo uso contínuo do celular. Rich Ling (2004) observou que, dentro da cultura jovem, punks, roqueiros, atletas, entre outros grupos, para ele, o estilo do vestuário aliado a outros artefatos, como o celular, era um objeto comum de todos os grupos. Com o passar do tempo, este artefato torna-se um acessório de moda para todas as tribos. Segundo o autor, o telefone móvel tem habilidades para romper com a estrutura das interações sociais em vários níveis (LING, 2004, p. 106-107). Os contextos de todos os jovens entrevistados e consumidores de celular têm privilegiado o espaço escolar e doméstico com suas extensões virtuais. A abordagem sociocultural deste artigo é fundamental para compreender a apropriação dessa tecnologia móvel e como os jovens a estão utilizando. Para Winocur (2009, p. 27), ao usar o celular, os jovens fazem o uso coletivo da construção civil de um grupo específico, com contextos próprios, como no caso de nossos entrevistados. Para a autora, as novas tecnologias perpassam a casa, a família e a rotina em redes internas de comunicação entre os sujeitos, criando tensões como as tradições estabelecidas. Winocur diz que “o telefone celular é a chave para manter a coesão destes espaços familiares imaginários e seguros, habitando nossas certezas, quando coberto pelo manto protetor de sempre se comunicar conosco” (WINOCUR, 2009, p. 24). Para os jovens estarem visíveis aos demais, quase não há estado offline do aparelho com relação à Internet. Entradas e saídas simultâneas das redes são frequentes, mas as redes sociais nunca ficam desconectadas. A participação em ambos os mundos está integrada na experiência diária, no trânsito constante entre o celular e suas práticas sociais, nas várias formas de ser e de viver na escola. Ao estudar o comportamento dos agentes relacionados ao uso e às práticas do celular, parte-se para o trabalho etnográfico do consumo de celulares inspirado em investigações de Silva (2010), Ling (2004), Katz e Aakhus (2002), Horst e Miller (2006) para compreender a inserção incisiva do telefone móvel no cotidiano dos indivíduos, principalmente dos jovens. Para Silva (2010), “a afirmação do celular como artefato-símbolo da contemporaneidade implica em

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refletir mais detidamente sobre o caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo” (SILVA, 2010, p. 52). A similaridade sobre as pesquisas etnográficas relacionadas ao celular versa sobre os usos e as práticas deste bem relacionado à família, escola e amigos. Transformações da linguagem, performances da masculinidade, conflitos entre o público e o privado também merecem destaque nas pesquisas já realizadas. Nessa trajetória histórica (recente e abrangente) do telefone celular, muitas práticas e usos disseminaram-se e reinventaram-se; mas pouco se tem discutido entre os intelectuais. Se a academia renegou, até pouco tempo, a importância das investigações sobre o celular, os produtores e consumidores não deixaram o aparelho sair de circulação. Pode-se desenhar um quadro amplo da inserção dos telefones celulares em diversas áreas da sociedade do consumo: literatura, filmes, novelas, fotografias, revistas especializadas, redes sociais, blogs, moda, entre outros. A telefonia móvel, advinda da telefonia fixa, foi capaz de fomentar uma gama de trabalhadores como desenvolvedores de softwares, design, operadoras de telefonia, vendedores e fabricantes. Mediações da cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade Martín-Barbero é um observador dos processos culturais, principalmente da América Latina. Ao pensar o conceito de mediações, o autor reflete que, diferentemente, do que pensavam os frankfurtianos com o conceito de Indústria Cultural, o que está em jogo no que tange à comunicação é a emergência de uma razão comunicacional. Para ele, a comunicação na tardomodernidade converte-se em um “eficaz motor de desengate e de inserção das culturas”. Assim, alerta para a necessidade de observar a peculiar posição que a comunicação atingiu na formação dos novos modelos de sociedade. Se, por um lado, a antropologia analisava a cultura primitiva, no sentido em que a cultura era tudo, tanto a produção técnica e poética quanto as vinculações de saberes e demais focos do fenômeno humano como ator social, por outro, a sociologia entendia a cultura como somente as práticas e produtos gerados pela esfera das artes e das letras. Hoje, contudo, o objeto da cultura parece girar em uma ampla miríade de aspectos sociais diversos, espalhando-se pela vida social em todas as suas camadas. O autor aponta que “a reconfiguração das mediações em que se constituem os novos modos de interpelação dos sujeitos e de representação dos vínculos que dão coesão à sociedade” (MARTÍN-BARBERO, p. 14) são reflexo das transformações culturais e políticas a partir da relação sujeito/objeto frente às transformações nos meios de comunicação. As mediações, neste contexto, servem como ponto de referência metodológica entre o ator e suas conexões com o mundo. Neste sentido, a contribuição deste artigo configura-se em um viés distinto de interpretar os usos dos aparelhos celulares pela cultura juvenil pelo olhar barberiano do consumo. Nota-se que, muitas vezes, os autores optam por unificar os sentidos do consumo e de recepção, mas aqui não será o caso. Muitas vezes, o entendimento do consumo funde-se ao de recepção. Da materialidade

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às tramas vivenciadas por jovens de classe popular em seu contexto social, abandona-se a competência de recepção e suas leituras dos textos midiáticos ligados às audiências para entender o consumo e seus “usos sociais” relacionados ao aparelho de celular. Assim, a necessidade de refletir sobre um objeto de história recente, integrado em classes sociais distintas, é constituída complementarmente às mediações proposta pelo colombiano. Os bens compreendidos como desejo cultural juvenil refletem a constante condição de classe incorporada na apropriação dos ritos e na formação social do cotidiano. No contexto dos jovens que compõem esta pesquisa, observa-se que o aparelho celular perpassa a construção da identidade individual e coletiva. O aparelho é carregado de resíduos culturais, emocionais e simbólicos. Apresentam-se três mediações propostas por Martín-Barbero como categorias de análise: a socialidade, a ritualidade e a tecnicidade. Na socialidade, as relações dos atores sociais tangem a classe, a etnia, a família, a escolha, o trabalho, etc. Torna-se possível investigar as construções e relações ocultas do modo de vida dos jovens de classe popular e suas relações no espaço escolar (progressos e dificuldades no aprendizado), na família (conflitos envolvendo gerações, opções sexuais e condição econômica). Para Martín-Barbero, a comunicação do ponto de vista desta mediação “se revela uma questão de fins – da constituição do sentido e da construção e desconstrução da sociedade” (2003, p.18). Deste modo, ocorrem as mudanças da sensibilidade e subjetividade dos atores que, jovens, intensificam as relações sociais, criando e alternando conceitos e campos que definem a socialidade. A comunidade em questão é instável quanto a relações sociais pela Internet e o uso do celular. Tenta-se entender como o sentido e a tomada de consciência (ou não) pela condição da classe parte das relações que envolvam atores sociais e o aparelho de celular. A ritualidade, segundo o autor, “remete-nos ao nexo simbólico que sustenta toda comunicação: à sua ancoragem na memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de interação e repetição” (2003, p.19). Pode-se incluir, nesta mediação, a análise do uso social e do consumo de celulares modernos como forma de distinção ou, ainda, o desejo inconsciente de ter um iPhone, representado por uma maçã mordida, carregado desde já com significados mitológicos e/ ou ritualísticos. Martín-Barbero cita modos de especificidades contemporâneas que podem ser extraídos desta mediação. A ritualidade, como mediação proposta dentro do eixo sincrônico, está entre o Consumo e os Formatos Industriais. Tem-se, neste espaço, o patamar do simbólico, dos usos repetidos através das formas e interações através da “gramática da ação” (olhar, escutar e ler) relacionadas à questão do gosto, da educação, dos saberes, etc. A tecnicidade, por sua vez, remete ao processo de globalização, em que os processos, as práticas sociais e os discursos têm sido cada vez mais mediados por aparatos tecnológicos como o computador ou os telefones celulares, “restabelecendo aceleradamente a relação dos discursos públicos e relatos (gêneros) midiáticos com os formatos industriais e textos virtuais” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.19). É nestes apontamentos públicos que o avanço da técnica materializa-se no discurso, dando sentido e significado às lógicas de produção

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que nortearão os formatos industriais, perpassando a “práxis política e um novo estatuto da cultura”, convergindo no poder da estética. Complementando com a noção de matrizes culturais, tem-se suporte para classificar as formas de representação e os formatos industriais, definindo o celular como produto e prática do consumo cultural. Socialidade: família, escola e classe social A formação clássica da família constituída por mãe, pai e filhos já não é maioria no Brasil, como aponta dados do IBGE3. Núcleos com mães solteiras, casais sem filhos e até mais de uma geração vivendo na mesma casa são destaque nos índices. Os entrevistados Alex e Bianca têm pais separados, ambos moram com a mãe e Alex ainda divide a casa com os avós maternos, pois a mãe está desempregada. Os avós do jovem são responsáveis pelo sustento do lar. Outra forma atual de constituição dos lares é o apartamento ou casa compartilhada entre amigos, meta a ser cumprida por Alex, Eliana e Bruno. Seus próximos passos são juntar “algum dinheiro” para sair de casa. Os estudantes se declaram “gays”, e a família não aprova a opção sexual dos filhos. Com relação à família, pôde-se capturar o perfil homogêneo dos pais tendo o Ensino Fundamental incompleto. Ainda recobre sobre as famílias dos estudantes de classe popular o insuficiente acesso a bens eruditos como exposições de artes, teatro, cinema e literatura, estilo de vida pouco refinado, alimentação precária e vestuário escasso. Para os estudantes, a família é tida como suporte para o futuro repleto de esperanças e condições de vida melhor, palavras como “força, trabalho duro, batalha, sacrifício, luta pela sobrevivência” definem a trajetória laboral dos pais, embora todos os entrevistados digam não querer seguir o mesmo caminho e profissão, almejando uma posição superior economicamente. A renda familiar gira em torno de R$770,00 a R$1800,00. Como a maioria das profissões é exercida de modo autônomo, a insegurança, a instabilidade e os conflitos gerados pelos jovens no lar são constantes, relacionados à dificuldade de acesso aos bens tecnológicos. O celular aparece como a única ferramenta de acesso à Internet para pesquisa escolar e acesso às redes sociais, mas muitos querem um notebook ou tablet. Muitos conflitos no lar dos entrevistados acontecem pelo uso constante do aparelho, seja para pesquisas escolares, envio de torpedos ou atualização das redes sociais. Refeições diárias e conversas familiares são acompanhadas do celular, desta forma, o celular acaba aproximando quem está longe e afastando quem está perto. Todos revelam que o celular, além de atrapalhar a convivência no lar, atrapalha no tempo dedicado aos estudos. A inserção incisiva dos aparelhos móveis no espaço público vem redesenhando as características das práticas urbanas. Para Lasén (2006), a adoção generalizada do uso móvel em espaços públicos, principalmente pelos jovens, tem causado mudanças significativas como a tolerância crescente para os usu3 Pai, mãe e filhos já não reinam nos lares. Disponível em

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ários que falam alto e escutam música sem fones de ouvidos, tornando-se rotina. Para a socióloga espanhola, o uso dos celulares no espaço público muda a paisagem urbana e a relação com seus habitantes, diminuindo a invisibilidade habitual do outro, muitas vezes economicamente desprovido de recursos (LASÉN, 2006, p 3-9). Além disso, o uso do celular por adolescentes é visto com uma habilidade distinta relacionada ao uso por adultos (LING, 2004), pois saber acessar todas as funcionalidades e aplicativos é uma competência e distinção da geração jovem. Sobre o uso do celular na escola, as opiniões ainda são contraditórias. Mesmo sabendo do uso proibido em sala de aula, os dez entrevistados relatam ter sofrido punições pelo uso do celular, sofrendo constrangimentos e apreensão do aparelho por parte dos professores. É unânime os estudantes afirmarem que o uso contínuo do celular e das redes sociais atrapalha na hora de escrever uma redação ou redigir um trabalho escolar, pois se esquecem de como a palavra é escrita, outros chegam a escrever abreviado em provas e textos no colégio. Assim, os alunos brincam com a língua e infringem regras gramaticais convencionais de ortografia e acentuação. A Internet e os SMS proporcionam uma liberdade de expressão linguística em que os usuários combinam novos elementos gramaticais com regras diferentes das utilizadas na língua escrita culta. O tamanho da tela do celular e o limite de caracteres para o envio de mensagens definem a capacidade linguística de recepção, tanto de quem escreve e envia quanto quem recebe e lê. Além das dificuldades na construção linguística durante o processo educacional acarretado pelo uso constante dos celulares, os jovens ainda sofrem com a desestabilidade do lar e de preconceitos de gênero, classe e raça. Alguns alunos, por se declararem “gays”, outros negros e a maioria pobre, revelam as dificuldades de integração no espaço escolar e a exclusão por outros grupos dentro da escola. O apego ao celular, no caso dos jovens discriminados, é uma “fuga da realidade” que os cerca. Muitas vezes, quando ameaçados por olhares que os desaprovam, os estudantes centram no telefone sua atenção, aliviando a tensão da discriminação social, principalmente em ambientes públicos e no espaço doméstico. Bourdieu (2007) acredita que a escola serve à reprodução das desigualdades e que o capital social pode ser dado tanto à manutenção destas desigualdades quanto à ascensão de certo capital social dentro da escola. Desta maneira, os esquemas inconscientes de classificação reorganizam-se sobre as condições subalternas de classe e gênero dos jovens, ressignificando lógicas de disposição que operam em um sistema visível, a hexis corporal. Frente às possibilidades de ascensão, a aquisição de capital cultural é o caminho e a esperança para os jovens mudarem sua posição de classe, com exceção da jovem Alice, que vê em sua agenda de contatos masculinos no celular um casamento rico como uma saída para mudar de vida – como garota de programa aposta na juventude e beleza para ascender. Para os estudantes pertencentes ao Bolsa Família, o privilégio aos benefícios de uma qualidade de vida melhor estaria na mão dos ricos que “não precisam trabalhar para ter aquilo que querem”. Desta maneira, trata-se de “uma identidade de ‘classe’ que não passa pela consciência de classe, mas pelo estar junto entre iguais porque, afinal, o

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capital social dos jovens que se amplia no telefone móvel e pelas redes sociais não ultrapassa os limites de sua classe” (DUTRA; RONSINI, 2013). Tecnicidade: as representações do celular na mídia Algumas situações comprovam o reconhecimento expressivo dos jovens desta pesquisa sobre a função do celular, como a percepção da presença deste veículo móvel de comunicação em novelas, filmes e seriados. Buscou-se identificar, então, o contexto em que ele vem sendo utilizado pela mídia na construção de narrativas e identidades. Para Lopes (2011), a mediação da tecnicidade se coloca em um novo cenário, o da globalização e “isso se dá não só no espaço das redes informáticas como também na conexão com os meios – televisão e telefone – com o computador, restabelecendo discursos públicos e os relatos de midiáticos” (LOPES, 2011, p. 2). Pensar na relação dos meios é adentrar em um processo veloz em que os conglomerados da mídia, na maioria das vezes, não acompanham o fluxo de conteúdos gerados pela audiência. As redes sociais, com destaque para o Facebook, são palcos de percepções de uma nova prática de recepção, esta, flexível, convergente, móvel, conectada e ativa através do celular. Pode-se, no processo transmidiático, tratar os estudantes como receptores que buscam entretenimento e informação sobre assuntos de interesse próprio ou do grupo. Estes alternam-se entre tribos, fan pages, grupos nas redes para a produção de conteúdo nas comunidades virtuais, ou até mesmo, interagindo com os programas de televisão ou programas online. Os discursos compartilhados pelo celular, tanto para as redes sociais quanto para programas de auditório ou interação com os apresentadores de talk shows, desenvolvem narrativas próprias e distintas entre nossos entrevistados, mas há uma articulação entre eles. Destacam-se seis processos transmídiaticos pelo celular a partir dos estudantes de classe popular, a seguir expostos: a) Protagonistas de novelas têm destaque nas redes sociais, comentários sobre a atuação, beleza e sátiras predominam. b) Programas de televisão aberta (principais canais Globo, SBT e Band) são fontes para conteúdos gerados através do celular para as redes. c) Campanhas de mobilização social e comentários sobre as matérias vinculadas em revistas, sites, jornais e televisão nas redes sociais. d) Músicas (sertanejo e funk) como construção identitária. São feitos comentários e interações com os programas ao vivo através de páginas no Facebook, Twitter ou SMS. e) Programas que vinculam a convergência midiática, configurando a mediação da tecnicidade como organizador perceptivo do processo de globalização. f) Tendências: lançamentos de filmes, clipes, acessórios, vestuários, bastidores de novelas, blog das emissoras de televisão, vida particular dos artistas. Com os processos delineados pela transmidiação com ênfase no celular constroem-se um complexo mundo ficcional sustentando múltiplas relações entre os personagens e suas histórias de vida, de trabalho e de afeto (LOPES, 2011).

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Ritualidade: uso e distinção social pelo celular dos jovens de classe popular A mediação das ritualidades mostra formas de agir, pensar, olhar, escutar e ler que “regulam a interação entre os espaços e tempos de vida cotidiana e os espaços e tempos que conformam os meios” (MARTÍN-BARBERO, 2003, pg. 19). Desta maneira, o celular “tem a capacidade de impor regras aos jogos entre significação e situação”, o jogo, neste caso, poderá ser a própria rotina dos jovens. Esta rotina é atravessada por um processo em que as ritualidades remetem às múltiplas ações e projeções de práticas sociais através de um único aparelho, o celular. O consumo relacionado às práticas do telefone celular é diário e a todo o momento os jovens estão deslizando rapidamente os dedos em telas e teclas dos seus aparelhos a fim de regular suas relações sociais na rede online. As marcas dos celulares, modelos e funcionalidades – carregam o significado de modernidade e conectividade – traçam por vezes o esquecimento da posição de classe inferior perante os jovens de classe alta, pois ter um celular para interagir e circular nas redes sociais não é sinônimo de pobreza. Através da linguagem, da imagem e dos textos em que o celular aparece na fala dos entrevistados, pode-se perceber a reprodução de ideologias opressivas de classe, raça, sexo, etnia, etc., ou simplesmente o reforço da identidade da cultura popular como subalterna. Para os entrevistados, o acesso ao celular conectado à Internet significa buscar a distinção social, igualar-se perante os jovens de escolas particulares, estar circulando nas redes, ser visível “para o mundo”. Assim, as experiências dos atores nas redes, os costumes, a assimilação de valores, a desigualdade de classe e os conflitos puderam ser identificados através do objeto de estudo. É através do celular que os jovens compartilham seus gostos, medos e alegrias. Mesmo a rede sendo de conectividade global, os contatos através do celular são locais: família, escola e amigos. A busca por novas experiências está em adicionar e enviar SMS para “amigos virtuais”, estes, desconhecidos na vida real. O destaque aqui é que nenhum “amigo virtual” ultrapassa a posição de classe, segundo os estudantes, “todos são pobres mesmo”. O celular como bem de distinção social conecta os estudantes ao estilo de vida moderno, veloz e contemporâneo, algo de difícil acesso no núcleo familiar. Para ter um celular que os distingue da maioria, o aparelho precisa ser grande, ter touchscreen, ser leve e com muitas funcionalidades como possibilidade de baixar aplicativos, máquina fotográfica de alta resolução e ser barato. Quando questionados sobre o status que o celular representava, os estudantes deixaram clara a posição deste bem simbólico como essencial na vida. O desejo de ter sempre um aparelho mais avançado e com mais funcionalidades é compartilhado por todos os entrevistados. A exposição do aparelho na escola e diante do grupo de amigos é sempre pensada na hora da troca do aparelho, pois os estudantes de baixa renda veem no celular uma melhoria da qualidade de vida, visto que é a única fonte de Internet disponível no espaço doméstico para estudo, pesquisa e acesso às redes online.

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Considerações Finais O celular, para os jovens entrevistados, está relacionado cotidianamente com a propagação de gostos, desejos e distinções simbólicas. Tornou-se o símbolo da convergência para a cultura popular juvenil que anseia por modelos novos de aparelhos, funcionalidades e estilo de vida. Novas práticas sociais partem da conectividade online e da mobilidade que o celular proporciona; novas significações e relações de poder entre o mesmo grupo juvenil permeiam novas socialidades e ritualidades. No caso dos jovens desprovidos de capital econômico, as constantes atualizações e contatos estabelecidos pelo celular através das mídias digitais como Facebook, Twitter e Instagram, possibilitam-lhes a ampliação do capital social. Conforme Martín-Barbero, relacionado à socialidade, “passa por profundas mudanças nos mapas mentais, nas linguagens e nos desenhos de políticas, exigido pelas novas formas de visibilidade que tece a internet” (2014, p. 111). Para os estudantes, o capital cultural transmitido pelos pais é o valor dos estudos, o que, inclusive, seria capaz de promover a ascensão à posição de classe. Para eles, não há outra saída senão o enriquecimento e o esforço nos estudos para almejar uma Universidade Federal, ou ainda, um curso técnico profissionalizante. No que diz respeito à escola, os estudantes assumem que o celular é o grande atrapalho no aprendizado, pois tira a atenção durante a aula e rouba o tempo de estudo em casa. Os acontecimentos experimentados cotidianamente estão fortemente associados à cultura do uso do celular. Fica claro que os fatores culturais, históricos e existenciais vividos pelos estudantes estão intrinsecamente ligados à posição de classe. Desta forma, todo saber e conteúdo gerado para as redes online dependem da aplicação de estruturas da razão sobre aquilo que afeta os sentidos, ou seja, dos capitais que o estudante possui. O conhecimento adquirido nas redes sociais serve de reprodução cultural dentro do grupo de convívio, como um status elevado. Referências BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Editora Zouk, 2007. ___. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004. ___. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. HORST, Heather; MILLER, Daniel. The Cell Phone: an Anthropology of Communication. Oxford; Berg, 2006. KATZ, James E.; AAKHUS, Mark (eds.). Perpetual Contact: Mobile Communication, Private Talk, Public Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. LASEN, Amparo. Affective Technologies: emotions and mobile phones. Surrey: The Digital World Research Centre, 2004. Disponível em: www.surrey.ac.uk/ dwrc/Publications/AllPubs.pdf ___. Understanding mobile phone users and usage. England: Vodafone Group,

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2005. ___. Lo social como movilidad: usos y presencia del teléfono móvil. Madrid: Facultad Política y Sociología, 2006. LING, Rich. The Mobile Connection: the cell phone´s impact on society. New York: Morgan Kaufman, 2004. LOPES, Maria Immacolata V. de. Uma agenda metodológica presente para a pesquisa de recepção na América Latina. In. JACKS, Nilda, et al. (orgs.). Análisis de recepciónen América Latina: um recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito-Equador: Editorial “Quipus”, CIESPAL, 2011. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2ª Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. ___. A comunicação na Educação. Editora Contexto. São Paulo, 2014. RONSINI, Veneza M.; DUTRA, Flora. Together, yet apart (Popular Class Youth and Mobile Phone Use) – Academic Workshop: Youth 2.0: Conecting, sharing and Empowering? – University of Antwerp, on March, 2013. SIVA, Sandra Rúbia. Estar no Tempo, estar no mundo: a vida social dos telefones celulares em um grupo popular. Tese (Antropologia) Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010. WINOCUR, Rosalía. Robinson Crusoe ya tiene celular : la conexión como espacio de control de la incertidumbre. México: Siglo XXI, 2009. Sobre os autores: Flora Dutra – Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista FAPERGS no período de 03/2012 a 03/2014. Membro do grupo de pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural. Email [email protected].

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Moda Hip-Hop: Consumo De Vestuário e Formação Identitária De Sujeitos De Classes Populares Camila Marques Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo: Buscamos no presente artigo o entendimento sobre as relações entre a recepção de um estilo musical – o hip-hop – e o consumo de vestuário, problematizando a estreita relação que se dá entre moda e música. Procuramos, também, oferecer uma proposta de inclusão de sujeitos de classes populares nas análises do consumo de produtos de moda e da apropriação dos mesmos ligados à formação identitária. Salientamos que nossa principal base teórica são os estudos sobre consumo cultural, principalmente os de Nestor García-Canclini, (1999, p. 90). Palavras-chave: consumo; moda; identidade; classes populares. 1. Considerações iniciais Sabemos que faz parte do senso comum o fato de que a moda não apenas cria estereótipos, mas também se encarrega de comunicá-los. Muitos já viram ou ouviram, pelo menos uma vez na vida, alguém conferindo a um adolescente que usa uma calça skinny, tênis colorido e franja para o lado o título de “emo”; ou aquele que usa óculos Ray-Ban Wayfarere e veste calça jeans vermelha receber o adjetivo “Restart”1; ou, ainda, de se associar um visual mais agressivo, que engloba cabelos moicanos e roupas com spikes, ao estilo punk, assim como não é raro vermos alguém vestindo roupas largas, boné e moletons canguru ser chamado de “mano”. Aqui, apresentam-se quatro exemplos, entre tantos outros que poderíamos enumerar, em que um indivíduo se sente pertencente a um determinado grupo e comunica uma identidade específica pelo vestuário que utiliza. É a moda e seus elementos (roupas, calçados, 1 Restart é uma banda Paulista, formada em 2008 por quatro meninos entre 15 e 17 anos, que unem a vertente emocore ao powerpop. Além de misturar essas influências musicais, fazendo um som alegre e irreverente, a banda também trouxe para o Brasil uma forte influência na maneira de se vestir, que tomou os adolescentes e pré-adolescentes de modo arrebatador. A moda dos óculos Ray-Bans grandes e sem lentes, e as calças jeans coloridas utilizadas pelos integrantes foram febre entre jovens brasileiros em 2009/2010.

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acessórios, penteados) servindo como forma de classificar, mas também como forma de pertencer. Muito se fala (e se ouve) sobre as relações entre moda e música. Entre as centenas de blogs e sites de moda existentes na web, a grande maioria deles já noticiou ou refletiu sobre essas relações, mesmo que sem a intenção. Nas revistas especializadas, são comuns as notícias que aglutinam uma personalidade da música e um estilista em uma mesma matéria. Na televisão, os programas musicais trazem um grande número de videoclipes e matérias sobre o estilo de vestir de determinado músico ou estilo musical, assim como os (cada vez mais crescentes) programas de moda na televisão abusam das trilhas sonoras e noticiam as correntes musicais que servem de inspiração para as mais diversas coleções. É sobre esse cenário que se destaca, então, uma primeira constatação: essas relações, ao mesmo tempo em que são tão recorrentes, pouco são exploradas em estudos científicos teóricos e empíricos específicos. Sabemos que os estudos sobre a moda tiveram seu início apenas no final do século XIX e início do século XX, geralmente carregados de visões ostentatórias – abordadas, por exemplo, por Veblen (1983) – ou distintivas – tratadas por autores como Simmel (2008). Foi somente no início do século XXI, com abordagens mais filosóficas e sociológicas, que a visão diferenciadora socioeconômica da moda passou a dar lugar ao caráter social que acompanha as suas manifestações. Autores como Gilles Lipovetsky (1989) e Elisabeth Wilson (1989) passam a abordar as questões do vestir-se também como uma questão estética, e não apenas como formas de pudor ou proteção. Desse modo, surgem os estudos a respeito do estilo, com Michel Maffesoli (1997), da moda como comunicação, trazidas por Roland Barthes (1979) e Malcolm Barnard (2003), das relações entre a moda e a constituição das identidades, abordado por Diana Crane (2006) e Lars Svendsen (2012) e das interações entre moda e música, com Ted Polhemus (1994). Começam, assim, a se disseminar as reflexões sobre o paradoxo da moda: a vontade de um estilo único e diferenciado e a necessidade de pertencimento a determinado coletivo; acompanhado dos estudos sobre as influências dos grupos sociais, do trabalho e dos gostos de músicas, filmes, livros e esportes, no consumo de produtos de moda. Em pesquisa a trabalhos que tratem sobre essa temática, constatamos que ainda são poucos aqueles que tratam especificamente sobre essas interações entre moda e música, e, entre essas, a maioria se limita a revisões bibliográficas. É esse o principal fator que justifica e nos instiga a seguirmos nossa pesquisa, também de forma empírica, sobre essas relações que são recorrentes, mas pouco pesquisadas, oferecendo assim uma proposta de inclusão de sujeitos de periferia nessas análises da apropriação de produtos de moda ligados à formação identitária. É por entendermos o quão significativo é o momento dessas escolhas que buscamos refletir a respeito do papel que as motivações e significações apreendidas na adoção de um ritmo musical ou de um estilo de vestir podem acarretar no processo de socialização e de formação de identidades pessoais e coletivas. 2. Moda e música

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Nos aproximamos de Anne Hollander (1996), que define e nos fornece a significação de moda que será perpassada em toda a pesquisa. Segundo a autora, moda se aplica ao vestuário, de maneira geral, incluindo não apenas a alta costura, mas também todas as formas de antimoda e não moda e todas as roupas e acessórios daqueles que afirmam não terem nenhum interesse pelo assunto. Destarte, salientamos que o trajeto reflexivo possibilitará ir além da comum abordagem mercadológica quando se trata da relação entre comunicação e moda, destacando que, por meio de reflexões mais amplas e complexas que englobem também as dinâmicas sociais e o caráter contracultural da moda, passemos a compreender os movimentos antimoda, as modas marginais e os estilos subculturais também como moda. Corrêa (1989) discorre sobre as relações entre o mercado musical – que, segundo ele, é um produto cultural – e a moda – concebida como uma decorrência similar a esse mercado. Para ele, as subculturas musicais como o rock e o punk e “as demonstrações nas formas de vestuário (depois transformadas em moda) são o resultado de uma mesma manifestação social” (CORRÊA, 1989, p. 12). Por meio das reflexões do autor entendemos que, em alguns casos, como os exemplos já citados anteriormente, como o punk ou o rock, poderíamos ir ainda mais longe na busca da compreensão dessas relações, pois, segundo ele, um produto necessitaria do outro para que, em conjunto, possam estabelecer reflexos identitários em quem os consome. Podemos, é claro, pensar próximos aos Frankfurtianos e entendermos que o que ocorre no mercado dessas duas esferas nada mais é do que um trabalho da indústria cultural para que, através da identificação de um grande público com determinado estilo de música, busque-se o consumo desenfreado – por uma espécie de necessidade de pertencimento – também das roupas que determinado artista utiliza. Não é raro vermos publicações afirmando que a estilista, tida como a mãe do estilo punk, Wivianne Westwood e o dono de loja de roupas Malcolm McLaren, também empresário de uma das mais importantes bandas punk do mundo – o Sex Pistols –, é que foram os responsáveis pela disseminação para a grande massa da moda punk. Não deixa de ser verdade que ambos cuidaram estrategicamente do visual dos membros do Sex Pistols, e que, a partir daí, a identificação visual com cada integrante passou a aumentar o lucro das lojas e marcas que vendiam, agora em grande escala, a imagem rebelde do movimento. O perigo de vermos somente esse lado é acabarmos esquecendo que, antes de o estilo punk se massificar e entrar para o circuito da moda, inclusive em coleções de grandes estilistas como Jean-Paul Gaultier e Zandra Rhodes, ele foi, segundo Rodrigues (2012), um movimento urbano, originalmente periférico e contracultural, que acabou, sim, entrando no circuito fashion pela ganância econômica pós-moderna, mas que não pode fazer com que esqueçamos ou desconheçamos o seu real potencial opositivo. Cabe relembrarmos que nosso objetivo principal é a investigação das tensões e interações no processo de consumo da moda e da música hip-hop em sua relação com a formação identitária dos sujeitos. Logo, entendemos que esses objetos de moda, passíveis de consumo, devem ser entendidos na relação

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com os sujeitos, e não fora dela. Assim, voltamos nosso olhar para as relações entre consumo e identidade, buscando como base os estudos sobre consumo cultural (Canclini, 1999). 3. Consumo cultural e identidade Destacamos que entendemos a moda como um objeto que não significa apenas para quem está na ponta do sistema clássico da comunicação, recebendo uma mensagem, mas também – e principalmente – para aqueles que a usam como potencial comunicativo, seja como forma de pertencimento a um grupo, seja como maneira de se diferenciar de uma maioria. Quer dizer, não nos interessam apenas as relações entre uma mensagem veiculada por determinada peça de vestuário e um sujeito receptor dessa mensagem; o que nos instiga realmente são as relações entre os sujeitos consumidores e os objetos consumidos, analisando, assim, as relações sociais que se estabelecem entre sujeitos e produtos e entre sujeitos e sujeitos, através desses produtos. É na leitura da obra O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo, de Isherwood e Douglas (2006), que tomamos conhecimento de três visões clássicas dos estudos sobre consumo. A primeira seria uma vertente hedonista, entendida como aquela que supre um desejo pessoal. A segunda seria uma concepção moralista, na qual o tom que prevalece é o denunciatório, compreendendo o consumo como a grande mazela de nosso tempo. A terceira seria uma abordagem naturalista, relacionando o consumo ao atendimento de necessidades físicas ou desejos subconscientes. Os autores propõem, então, uma quarta e nova forma de se refletir sobre as relações de consumo, entendendo-o como constituinte do próprio sistema e concebendo seu alicerce principalmente no processo interativo com os sujeitos. Isherwood e Douglas (2006) compreendem que o chamado processo de consumo abrange também “o que acontece aos objetos matérias quando deixam o posto varejista e passam para as mãos dos consumidores finais” (2006, p. 102), afirmando que os bens têm o potencial de estabelecer relações sociais e comunicativas. Esses autores buscam um entendimento amplo das significações que objetos (de moda) produzem, depois do ato da compra. Sobre esse processo de significação, complementam: Quando se diz que a função essencial da linguagem é sua capacidade para a poesia, devemos supor que a função essencial do consumo é sua capacidade de dar sentido. Esqueçamos a ideia de irracionalidade do consumidor. Esqueçamos que as mercadorias são boas para comer, vestir e abrigar; esqueçamos sua utilidade e tentemos em seu lugar a ideia de que as mercadorias são boas para pensar: tratemo-las como um meio não verbal para a faculdade humana de criar (ISHERWOOD; DOUGLAS, 2006, p. 108).

Nestor García-Canclini (1999, p. 90) realiza estudos nessa direção, afirmando que “o valor mercantil não é alguma coisa contida naturalisticamente nos objetos, mas é resultante das interações socioculturais em que os homens os usam”. Logo, define o consumo como:

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[...] conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar os atos pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos, caprichos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitudes individuais, tal como costumam ser exploradas pelas pesquisas de mercado (GARCÍA-CANCLINI,1999, p. 77).

É dessa forma que baseamos nossa análise do consumo de produtos de moda por parte de sujeitos que compõem um movimento social como o hip-hop, buscando entender, por exemplo, o que um par de tênis ou uma corrente prateada grande podem significar para eles, visto que esse consumo é entendido aqui como “um ato simbólico e social que passa pelos discursos legitimadores de determinados grupos e classes” (LEITÃO; LIMA; PINHEIRO MACHADO, 2006, p. 23). Assim, acreditamos ser possível a análise desses processos de consumo como forma de sociabilidade, interação, representação, formação e comunicação de traços identirários. Martín-Barbero (2003) afirma que “o espaço da reflexão sobre o consumo é o espaço das práticas cotidianas como lugar de interiorização muda da desigualdade social, desde a relação com o próprio corpo até o uso do tempo [...]” (2003, p. 302). Para o autor, O consumo não é apenas reprodução de forças, mas também produção de sentidos: lugar de uma luta que não se restringe à posse dos objetos, pois essa passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 302).

Essa noção de consumo, que dialoga com a noção proposta por García-Canclini (1999), supera de vez a noção de que consumir trata de um ato individual, irracional e movido simplesmente pelo desejo, em que apenas gostos pessoais são levados em conta (ESCOSTEGUY; JACKS, 2005, p. 57) e se apresenta como uma alternativa mais inclusiva de análise dos processos de consumo, que “passa a ser visto como espaço fundamental na constituição das identidades culturais das diferentes classes sociais” (ESCOSTEGUY; JACKS, 2005, p.60). Woodward (2000) completa esse raciocínio e liga identidade/diferença/ representação e símbolos ao afirmar que a identidade passa a ser marcada por esses símbolos, havendo uma clara “associação entre a identidade da pessoa e as coisas que uma pessoa usa” (p.10), destacando que a construção da identidade passa a ser também simbólica e social, pois o que é consumido sugere, em parte, aquilo que somos. Buscando-se uma aproximação entre a moda e essa concepção de identidade, foi possível entendermos primeiramente que, já que a identidade é marcada por símbolos e representações, pode haver uma associação entre a identidade pessoal e os produtos que determinada pessoa consome, estando inseridos nesse bojo os produtos de moda e vestuário. Caminhamos com Barnard (2003), cujas ideias possibilitam o entendimento de que a moda, o vestuário e a indumentária passam também (e principalmente) por questões de afirmação

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pessoal, identificação de membros com seus determinados grupos e – parafraseando Wilson (2006) – como forma de expressar sentimentos, ideias e ideais. Svendsen (2012) também trabalha pelo viés de que a moda tem ligação estreita com a formação e comunicação das identidades. Ele afirma que o que realmente importa em uma investigação de moda é o seu significado, pois “símbolos são centrais para a conformação de identidade, se trate de um crucifixo, um piercing ou um traje nacional. Esses símbolos têm de significar e ajudar a dizer alguma coisa sobre a pessoa que os usa” (SVENDSEN, 2012, p. 70). Relacionando identidade, símbolos, consumo e moda, ele afirma: As roupas são uma parte vital da construção social do eu. A identidade não é mais fornecida apenas por uma tradição, é também algo que temos de escolher em virtude do fato de sermos consumidores. A moda não diz respeito apenas à diferenciação de classes, como afirmaram análises sociológicas clássicas de Veblen a Bourdieu, mas está relacionada à expressão de nossa individualidade. O vestuário é parte do indivíduo, não algo externo à identidade pessoal (SVENDSEN, 2012, p.20).

O autor, além de contribuir significativamente para a presente pesquisa, por intermédio de suas afirmações de que as roupas também possuem papel importante na construção identitária dos sujeitos, alerta-nos para o fato de que hoje, mesmo os sujeitos de classes mais baixas, acabam consumindo produtos de moda também como parte de formação do self, apesar de entender que estes estão em desvantagem no processo de formação identitária baseada no consumo. 4. Análise empírica A fim de entendermos os sentidos e ligações entre recepção de música hp-hop e consumo de moda, em conexão com a formação e comunicação identitária, realizamos um estudo exploratório, composto de observações participantes, diário de campo e entrevistas semiestruturadas com 4 sujeitos adeptos do movimento hip-hop da cidade de Santa Maria. A escolha das fontes se deu de maneira intencional, haja vista a representatividade e a atuação de cada um desses sujeitos através de, pelo menos, um dos elementos do hip-hop, mostrando-se, assim, sujeitos representativos do movimento em nossa cidade. Sobre as relações entre moda, música e identidade, destacamos, através de uma análise axiológica, duas categorias principais presentes nas falas dos sujeitos: identificação e resistência, entendendo, a partir disso, como acontece a identificação e o sentimento de pertencimento dos sujeitos com o movimento, o que os motiva a participar e como eles se reconhecem como sujeitos. É com as falas de C. TC que iniciamos nosso entendimento a respeito da aproximação desses sujeitos com a cultura e com o movimento hip-hop. Segundo ele, foi por intermédio de um dos elementos da cultura que se aproximou de toda a ideologia que está por trás do movimento. Foi o skate que me aproximou dessa cultura, tu via a galera, e muitos dessa

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galera são meus amigos até hoje, sabe? Então a aproximação começou bem forte pelo skate. Daí no grafite foi observando mesmo a cultura, e a partir daí foi a persistência que me fez seguir (C. TC).

C. TC afirma que sua aproximação e entrada no movimento hip-hop mudaram drasticamente sua forma de enxergar a vida e de lidar com a realidade. Ele afirma: O movimento me mostrou muito, sabe? Acho que e cresci muito com o movimento, não tem nada que seja maior do que eu aprendi, conhecendo o movimento, indo pra rua mesmo e vendo o que a cidade precisa, o que as pessoas precisam o que elas sentem falta, sabe? (C. TC).

Foi pela identificação com uma atividade esportiva, que tem forte influência do hip-hop – o skate –, que ele passou a se enxergar como sujeito de direitos, e também a enxergar o sujeito de direitos que há no outro. Através da inserção no movimento, ele construiu um sujeito coletivo que se expressa por meio do grafite, e que, segundo ele, traz um amadurecimento e uma consciência que dificilmente conseguiria se não pertencesse ao hip-hop. Sobre a dinâmica do movimento, ele esclarece: Essa cultura, embora ela seja marginalizada, ela traz muitos valores, tem toda essa questão da amizade, lealdade por trás disso, e é uma coisa que dificilmente alguém vá te ensinar, sabe? As pessoas se ajudam, querem que tu se erga, e normalmente o que se vê é o cara fazendo a caveira do outro (C. TC).

Além de trabalhar com oficinas de grafite, C. TC é proprietário de uma loja que vende, dentre outros produtos, artigos para grafite, como sprays, canetas e pincéis, camisetas e bonés estilo hip-hop. Ele conta que, apesar de seu foco ser o grafite e o trabalho com as oficinas, ele também busca trabalhar com produtos que ele identifica como fazendo parte da cultura hip-hop; e o vestuário é, segundo ele, um desses elementos. Ele entende que o vestuário é muito importante para criar essa identificação com o movimento e sua causa. Ademais, dá um exemplo, contando sobre a etapa de divulgação do material de sua loja. “Eu sei que eu não vou entregar um panfleto da loja pra um cara de terno e gravata, embora ele tenha um filho, eu vou diretamente no filho dele, que tá com uma roupa que eu identificaria e que eu vou saber que ele é do meio...” (C. TC). Ele nos conta, também, como é difícil encontrar roupas que agradem aos sujeitos do hip-hop e que sejam acessíveis, em Santa Maria. Por perceber essa carência, resolveu trabalhar com esses produtos de vestuário. Ele explica: Se Deus quiser eu vou juntar dinheiro pra fazer mais umas camisas sabe, moletons...esses dois modelos aqui (me mostrando as camisetas com a marca SubsoloArt estampada) é um amigo meu que faz pra mim, e essa aqui é de uma marca de São Paulo, que começou a fazer roupas pra grafite mesmo, pra grafiteiros, tem essa ideia, essa ideologia do grafite por trás. A nossa ideia é trazer essas roupas de grafite e de skate, que são mais difíceis de comprar, e aqui em Santa Maria tu vai nessas lojas tipo SK8, Litoral, Atrevida, que acho que nem tem mais, só que assim, tu chega lá e tu quer uma camiseta igual a essa, com duas cores, e tu vai pagar 120 contos, sabe? Aqui, esses bonés por exemplo,

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galera quer usar esses bonezão todo preto, ou quer customizar um boné (me mostra bonés sem nenhuma imagem, especiais para serem customizados) e não tem na cidade, sabe? E tipo assim, às vezes tu pode achar até mais barato na internet, mas tu tem aqui na cidade, não vai esperar pelo produto, sem falar que a gente tá num lugar aqui, voltado pra isso, pra essa cultura (C. TC).

Assim, o sujeito reforça a ideia de que não vende apenas produtos – sprays ou camisetas e bonés –, mas que oferece um estilo de vida, uma ideologia, uma maneira de esses sujeitos de expressarem, outrossim, por meio do vestuário. “É legal poder falar sobre isso, porque aqui é um lugar voltado pra essa cultura. Não é simplesmente uma loja de lata e de boné” (C. TC). V. E é outra fonte que nos esclarece a relação entre movimento hip-hop e vestuário. Segundo ele, é necessário em um primeiro momento que se desfaça a ideia de que o hip-hop é ligado à marginalidade, pois “essa é uma visão que já está ultrapassada”. Para V.E, através da entrada no movimento – no caso dele e de deus alunos, com a aproximação com o break – se cria uma consciência, uma auto-estima e um perfil identitário, que tem como resultado exatamente o contrário da ideia de marginalidade que os movimentos costumam receber. Com J. K, rapper, não foi diferente. Ele nos esclarece que no hip-hop, a aproximação entre as pessoas se dá geralmente através de uma manifestação artística, como o rap. Comecei escutando rap desde piá, daí depois tive contato com grafite (...) desde que eu conheci o rap, sempre teve essa parada social, o rap tem esse resgate da periferia, dando voz pra quem não tem voz. A gente luta contra o sistema, contra tudo que limita o povo, que faz com que o povo não cresça (J. K)

Sobre a questão da identificação com o vestuário, ele conta que a calça larga, o camisetão, os tênis, as botas, as correntes e relógios são peças bem características dos sujeitos do movimento do hip-hop. Isso sem falar no boné de aba reta, que, segundo ele, é praticamente uma extensão do corpo. Ele nos conta que passou a aderir a esse estilo de se vestir quando coheceu o rap e começou a andar com quem fazia rap em seu bairro de residência, localizado na periferia de Santa Maria. Foi esse grupo que acabou influenciando não apenas sua forma de encarar a realidade da periferia, mas também a sua maneira de se vestir, onde “a roupa funcionava como uma extensão da mensagem que o rap passava” (J. K). Entrevistamos também G. “Racionais”, skatista, que nos fora, inclusive, indicado por C. TC. Coincidentemente, descobrimos no início da conversa que G., além de ser skatista e de estar iniciando um trabalho com captura e edição de imagens para fazer vídeos de skate na cidade, também está começando uma marca de roupas voltadas ao estilo hip-hop. Segundo ele, “é um projeto novo, tô começando, saíram umas duas linhas de camisetas e agora tô encaminhando a terceira, e depois vão sair uns moletons, devagarinho, tá indo devagarinho, mas vai” (G. “Racionais”). Sobre sua aproximação com a cultura hip-hop, assim como C.TC, que iniciou a aproximação com o skate e depois foi se dedicar ao grafite, atividade atual, G., que é skatista, não começou a aproximação com o movimento hip-hop

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pelo skate, e sim pelo rap. Ele conta que começou a escutar rap desde cedo, e que foi isso que o aproximou da cultura hip-hop. “Eu escuto rap desde muito novo, desde os 7 ou 8 anos de idade, nem me lembro como é que eu comecei a escutar, sei que era tempo das fitas K-7 ainda, apareceu uma, e eu comecei a escutar” (G. “Racionais”). Ele afirma, assim como C. TC, que foi por meio da aproximação com um elemento artístico que compõe o movimento hip-hop que sua vida se transformou e que o definiu como sujeito: “Foi o rap que me definiu assim... que tem muita influência na minha vida, muita, muita”; e ele mesmo define o hip-hop como “um movimento cultural e social, que alia o grafite, a dança, o rap....” (G. “Racionais”) em prol de um objetivo maior. Sobre a motivação de adotar esse tipo de vestuário, G. conta que foi com a aproximação com o rap que surgiu a vontade de adotar o estilo hip-hop, também, no vestir, e ressalta que as camisetas trazendo referência ao rap eram suas peças preferidas. Ele, inclusive, conta-nos um fato interessante a respeito de seu apelido, “G. Racionais”: “Até meu apelido né, Racionais, é em função de uma camiseta né, que eu tinha, dos Racionais, vem da vestimenta, desde os 11 anos de idade que me chamam assim” (G. “Racionais”). Outra questão forte que evidencia o pertencimento ao estilo e à cultura hip-hop através do vestuário é o fato de ele afirmar que não se imagina usando outro tipo de roupa. Ele explica: Eu não me vejo me vestindo de outra maneira, minha vida é o skate, mas muito rap me influenciou, o skate vive essa contracultura também, sempre, aliado também ao punk, e ao rap, então, não tem como, eu nem me vejo, me imagino, vivendo sem isso, tá ligado? Me vestindo de outra maneira, sem andar de skate, sem escutar rap... (G. “Racionais”).

Há, presente nessa fala, um forte sentido de pertencimento, que se dá através do vestuário, aliado a alguns dos elementos do hip-hop, como o rap e o skate. Mais do que um simples jeito despojado de vestir-se, há uma forte relação de afirmação de uma identidade da periferia e de resistência, associada a essa forma de se colocar esteticamente no mundo. Essa problematização e essa consciência, inclusive sobre as práticas de consumo, estão presentes nesses sujeitos 6. Conclusão Tomamos como inicio do caminho investigativo a reflexão acerca do consumo da moda - relacionada ao estilo hip-hop - e seus elementos como fator de construção e comunicação de identidades e, principalmente, como diria Wilson (1989), como veículo estético de ideais, sem deixar de considerar o papel de sujeitos das periferias nesse exercício. Partimos da premissa de que, segundo Isherwood e Douglas, (2006), “o indivíduo usa o consumo para dizer alguma coisa sobre si mesmo” (2006, p. 116). Assim, recortando esse consumo para a realidade de um movimento social como o hip-hop, o mesmo se mostrou como um dispositivo que possibilita a afirmação, resistência, participação, protagonismo e respeito de uma cultura urbana periférica, onde já é possível notarmos que,

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apesar de os sujeitos terem um desejo de pertencimento através do consumo, a ideia do consumo simbólico desse estilo como vaidade ou lazer se mostra ultrapassada, se configurando sim como mais uma forma de inclusão, denúncia, oposição, formação e comunicação das identidades desses que, mais do que sujeitos, são atores sociais, conscientes e engajados também no momento de atuarem como consumidores. Destacamos alguns encaminhamentos da presente pesquisa, como por exemplo o entendimento de que através do consumo e reapropriação de bens (incluindo roupas e produtos de moda) é possível que se construam e se comuniquem identidades. Compreendemos que são muito complexas as questões que envolvem as mais diversas influências sobre a formação das identidades na contemporaneidade, o que nos leva a acreditar que é árduo o caminho de reflexões sobre o porquê do consumo de determinadas modas e estilos, e isso só reforça a pertinência de nosso estudo e aponta para os diversos caminhos por onde a moda pode nos levar. Referências bibliográficas BARNARD, M. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. BARTHES, R. Sistema da moda. São Paulo: Nacional, 1979. CASTELLS, M. O poder da identidade: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Pulo: Paz e Terra, 1999. CORRÊA, T. G. Rock nos passos da moda: mídia, consumo x mercado. Campinas, SP: Papirus, 1989. CRANE, D. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Senac, 2006. DAYRELL, J. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude em Belo Horizonte. 2001. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. EMBACHER, A. Moda e identidade: a construção de um estilo próprio. São Paulo: Anhembi Morumbi, 1999. ESCOSTEGUY, A. C.; JACKS, N. Comunicação e Recepção. São Paulo: Hacker, 2005. FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. FRANKE, G. A moda e o vestir sob a perspectiva do popular. Um estudo sobre o comportamento e a percepção de consumidores de um shopping popular sobre moda e consumo de vestuário. 2011. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. GARCÍA-CANLINI, N. Prefácio. In: MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. p. 14-25. ______. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. GODART, F. Sociologia da moda. São Paulo: Senac, 2010. HOLLANDER, A. O sexo e as roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

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“Quem é conectado é na moda”: as práticas de consumo de smartphones entre jovens de camadas populares Camila PEREIRA Sandra Rubia da SILVA Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo Este artigo analisa os principais resultados de uma investigação sobre o consumo de smartphones no cotidiano de adolescentes pertencentes às camadas populares da cidade de Santa Maria, RS. Através de uma pesquisa de inspiração etnográfica com duração de sete meses observamos, em uma escola estadual da cidade, as diferentes apropriações que os adolescentes fazem do smartphone e identificamos a relevância do uso dos dispositivos móveis em suas vidas. A partir das observações, entrevistas e da análise dos dados do campo destacamos as principais temáticas relacionadas às práticas de consumo de smartphones no cotidiano desses jovens: 1) as formas de apropriação de mensagens de texto e ligações; 2) os adolescentes e sua ligação com a música; 3) o uso de redes sociais e de aplicativos; 4) smartphones e sociabilidade. Palavras-chave Consumo; Camadas Populares; Cotidiano; Jovens; Smartphones. 1 Introdução O pensamento que sempre existiu em relação às camadas populares é que elas consumiam somente para sobreviver. Para os estudos de consumo, até as últimas décadas, essa classe era invisível; bem como para o próprio mercado e para a academia no geral, a classe popular não era considerada um mercado consumidor de produtos e serviços (ROCHA, 2009). Todavia o poder de consumo das classes populares vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. O aumento da oferta do crédito, as facilidades nas condições de pagamento, cartões de crédito, entre outros, fizeram com que muitas pessoas que viviam à margem da miséria pudessem ir às compras. Essa transformação processada no mercado brasileiro fez com que uma

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vasta parcela da população do nosso país entrasse no mercado de consumo (ROCHA; SILVA, 2009). Com o aumento do consumo, cresceu também o aumento da oferta de novos produtos. Os smartphones – telefones inteligentes (TELECO, 2013) – surgiram há poucos anos no mercado e no ano de 2013 tiveram suas vendas mais que dobradas. Hoje o Brasil é o quarto maior consumidor de smartphones, ficando atrás apenas da China, dos Estados Unidos e da Índia1. O que se pretende com este artigo é apresentar os resultados de um estudo realizado com adolescentes de camadas populares da cidade de Santa Maria e refletir sobre a relevância que os smartphones têm na vida desses jovens, bem como pensar em como se dá a conexão dos adolescentes em seus dispositivos móveis. A metodologia utilizada neste trabalho é de inspiração etnográfica. A etnografia é entendida como um método de pesquisa qualitativa e empírica que apresenta características específicas; essa metodologia exige que o pesquisador se insira na sociedade que irá estudar e por isso não pode ser um estudo realizado em um período muito curto de tempo (TRAVANCAS, 2011). Realizamos também entrevistas em profundidade, além de observação em campo e observação participante. A amostra da pesquisa é composta por dezesseis jovens com idades entre doze e quinze anos pertencentes à classe popular. Com esses dezesseis adolescentes conversamos, realizamos entrevistas, e alguns ainda tornaram-se nossos amigos nas redes sociais. Porém o total de jovens observados foi de 137, número de alunos matriculados na sétima e na oitava série na escola que realizamos a pesquisa - uma escola estadual de ensino fundamental da cidade de Santa Maria. Preservamos a verdadeira identidade dos adolescentes; os nomes que aparecem neste artigo são fictícios. O nome que usamos para representar a instituição de ensino é Vila Real. A coordenação da escola pesquisada pediu pelo anonimato, visto que o uso de celulares na escola é um assunto delicado é proibido por lei no Rio Grande do Sul o uso de celulares em sala de aula nas escolas públicas. 2 Juventude e culturas digitais Definir o significado do termo juventude é uma tarefa difícil, principalmente na contemporaneidade. Rocha e Pereira (2009) entendem que a ideia de juventude e a experiência de ser jovem podem ser traduzidas por um processo constante de mediação entre valores, hábitos, gostos, atitudes, estéticas e práticas sociais. Afinal, os autores lembram que a ideia de jovem foi criada como um espaço intermediário, “que faz a transição entre uma maturidade adiada e uma infância espremida” (ROCHA; PEREIRA, 2009, p.15). Podemos dizer que as relações sociais e os sistemas sociais estão em constante mudança. Essas mudanças implicam o aparecimento de novos padrões estruturais. Segundo Recuero (2011) a mediação pelo computador, por exemplo, gerou outras formas de estabelecimento de relações sociais. A sociedade está se adaptando aos novos tempos e passando a utilizar a rede para for1 Disponível em: < http://info.abril.com.br/noticias/mercado/2014/04/vendas-de-smartphones-no-brasil-mais-que-dobram-em-2013.shtml> Acesso em: 6 mai. 2014.

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mar novos padrões de interação, criando formas novas de sociabilidade e novas organizações sociais (RECUERO, 2011). Para caracterizar o jovem da atualidade, que já utiliza essas novas formas de interação e sociabilidade, citamos um termo utilizado por Castro (2012): os screenagers. A autora utiliza essa denominação para caracterizar o adolescente que se divide em ser receptor, produtor, fã e consumidor em uma interação com múltiplas telas. Quando Jenkins (2008) escreve sobre a cultura da convergência, ele utiliza os adolescentes como exemplo: Um adolescente fazendo a lição de casa pode trabalhar ao mesmo tempo em quatro ou cinco janelas no computador: navegar na Internet, ouvir e baixar arquivos mp3, bater papo com amigos, digitar um trabalho e responder e-mails, alternando rapidamente as tarefas (JENKINS, 2008, p.44).

O cotidiano de muitos adolescentes hoje é permeado por longas horas de interação com conteúdo advindo de uma ou mais telas, e esses sujeitos geralmente estão em contato com outros por meio da internet e de outras telas. Na análise de Castro (2012) é destacado o embaralhamento de fronteiras entre trabalho e lazer, ócio e tempo produtivo; pois o jovem é privilegiado por poder acessar diversos sites e fazer múltiplas conexões ao mesmo tempo. Para a autora há tempos o consumo e a tecnologia convivem em uma espécie de pacto de cumplicidade e retroalimentação. A questão do pertencimento e da sociabilidade nos dias de hoje para os jovens é de muita importância. O uso do celular se transformou drasticamente, e ele não é usado mais somente para realizar chamadas por voz (LEMOS, 2007; LING, 2004); ele é um artefato que possibilita que o indivíduo esteja sempre conectado, atualizado, dentro das redes sociais e interagindo tanto com a pessoa da sua turma quanto com uma pessoa que está do outro lado do mundo. A adolescência é uma fase em que os indivíduos desenvolvem a sua identidade e senso de autoestima e os dispositivos móveis se tornaram uma parte da vida cotidiana dos adolescentes e do seu processo de emancipação; a partir dessa informação é possível sugerir que a adoção dos telefones celulares pelos jovens não é simplesmente a ação de um indivíduo, mas sim de um grupo de indivíduos alinhando-se com a cultura de pares (LING, 2004). 3 Smartphones e o estar conectado O smartphone é definido como um telefone inteligente - um telefone celular que possui um sistema operacional e funções mais complexas do que o do aparelho celular simples (TELECO, 2013). Segundo Teleco (2013) os principais sistemas operacionais hoje são: Android (Google), Symbiam (Nokia), iPhone OS (Apple), BlackBerry (RIM), Bada (Samsung) e Windows Phone (Microsoft). Além das variadas funcionalidades que o smartphone já possui por si só, ele ainda permite que o usuário acesse a internet, acesse lojas on-line e que também instale aplicativos no aparelho; o número de aplicativos existentes e as funções que eles exercem são praticamente incontáveis.

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Jenkins em 2008 já afirmava que os telefones celulares não eram apenas aparelhos de telecomunicações. Além de nossos telefones nos permitirem jogar, fazer download de informações da Internet, tirar e enviar fotos ou mensagens de texto, cada vez mais eles estão nos permitindo assistir a filmes, baixar capítulos de romances, comparecer a shows musicais em lugares remotos (JENKINS, 2008) e ainda criar e compartilhar conteúdos. Os telefones celulares hoje representam, ao mesmo tempo, “funções de conversação, convergência, portabilidade, personalização, conexão através de múltiplas redes, produção de informação (texto, imagens, sons), localização” (LEMOS, 2007, p.23). Para cada função que o usuário deseja exercer, existe um aplicativo2 diferente. Alguns dos fatores que tornam os telefones inteligentes e os seus estudos tão relevantes são a mobilidade, a portabilidade, a capacidade de produzir conteúdo imediato, a conexão e a difusão em rede, e acima de tudo o fator da disseminação massiva desse artefato, que segundo Lemos (2007) faz de qualquer indivíduo um produtor, distribuidor e consumidor de imagens, mesmo que virtualmente. O autor também disserta que imagens e vídeos feitos por pessoas comuns através de seus dispositivos realizam a tarefa de registrar eventos cotidianos, desde amigos conversando até usos mais importantes em momentos de guerrilhas urbanas, acidentes, catástrofes, entre outros. O modo como os jovens tem utilizado a internet e o telefone celular em suas vidas hoje, entrando e saindo simultaneamente dos âmbitos off-line e on-line, nos indica que a participação nesses dois mundos está integrada a uma experiência cotidiana, que circula constantemente entre o interior e o exterior de nossas casas, nas diversas formas de ser e habitar os distintos campos do público e do privado (WINOCUR, 2009). Para Winocur (2009) a intensa experiência de socialização digital não substituiu o mundo real, e sim está ligado a ele. 4 Os smartphones no cotidiano dos adolescentes Para pensarmos a relevância que os smartphones têm na vida dos adolescentes de classe popular, analisamos os usos que eles fazem do dispositivo móvel em seu cotidiano. Os jovens que participaram desta pesquisa foram observados e questionados sobre fatores como: frequência do uso do dispositivo móvel, utilização na escola e fora da escola, hábitos cotidianos que envolvem o celular, funções mais utilizadas, entre outros. Ling (2004) acredita que a possibilidade de ter um telefone disponível, sempre à mão, alterou os hábitos existentes anteriormente, quando somente existia o telefone fixo. O telefone agora é individual; cada indivíduo possui o seu número, de uso pessoal, e pode usá-lo para entretenimento, comunicação, trabalho, enfim, para o que achar mais conveniente, a qualquer momento e em qualquer lugar. No cotidiano dos adolescentes entrevistados o que mais se vê presente 2 Aplicativos ou aplicativos móveis são softwares desenvolvidos para rodar em dispositivos móveis como smartphones, telefones celulares e tablets. Disponível em: Acesso em: 15 out. 2013.

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é o uso das redes sociais. Para a maioria o consumo de smartphone no dia a dia está ligado a comunicação e ao bate-papo. Observamos que a presença diária e constante do telefone celular na vida dos jovens é essencial. Todos relataram que se sentiriam perdidos se ficassem sem o celular por um dia e que cultivam sentimentos como amor e carinho pelo aparelho. Além disso, quase todos os entrevistados utilizam seu smartphone para funções básicas como relógio, despertador, calculadora e agenda. Os dispositivos móveis atualmente são de uso pessoal e são portáteis. De acordo com Ling (2004) eles foram adotados rapidamente e ligados ao nosso corpo para uma ampla variedade de práticas sociais, que ultrapassam as funções primárias de comunicação; assim como os elementos do cotidiano, as tecnologias sem fio, e principalmente o celular, são percebidas como instrumentos essenciais da vida contemporânea. Quando elas falham, os usuários tendem a se sentir perdidos porque desenvolveram uma relação de dependência com as tecnologias (Ling, 2004). Acho que os jovens tão usando muito o celular hoje pelo fato de ser fácil de levar pra vários lugares, de carregar e porque nele tem tudo. Tem câmera, relógio, internet, GPS; eles podem fazer todas as coisas que necessitam sem o computador por exemplo. (Manuela – 14 anos – 8ª série)

O pensamento de Manuela vai ao encontro à teoria de Ling (2004) e Lemos (2007). A jovem acredita que os principais motivos para a ascensão do consumo de celular entre os adolescentes são os fatores híbridos, de mobilidade e de portabilidade. Para Lemos o telefone celular hoje é um Dispositivo Híbrido, porque carrega funções de telefone, computador, máquina fotográfica, câmera de vídeo, processador de texto, GPS, entre outras; é Móvel pois é portátil e conectado em mobilidade funcionando por redes sem fio digitais, ou seja, de Conexão; e é Multirredes, já que pode empregar diversas redes (LEMOS, 2007). Outro ponto interessante comentado nas entrevistas com os jovens é o fato do smartphone representar uma forma de segurança e de maior independência no dia a dia dos adolescentes. Quase todos os informantes relataram que seus pais pedem para que eles levem o celular para a escola caso aconteça alguma coisa inesperada, para alguma emergência. Tenho celular desde os oito anos. É que a minha mãe trabalhava no centro, então desde pequeno eu tinha que ir pegar ônibus sozinho, aí eu tinha que ter celular pra falar com ela. Eu acho que o celular é uma forma de segurança, porque se eu tiver tipo perdido, me machucar e essas coisas assim eu posso avisar. (Gustavo - 12 anos – 7ª série)

Os jovens não relataram nenhum tipo de incômodo causado pelo rastrear, pelo contrário, acham importante estar sempre com o celular para quando precisarem recorrer a alguém e consideram fundamental avisar os pais onde estão e com quem estão.

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4.1 As formas de apropriação de mensagens de texto e ligações As mensagens de texto e as ligações por muito tempo foram as principais funções utilizadas em um telefone celular. Hoje, com a possibilidade de uso de internet e aplicativos no smartphone, muitos dos serviços de SMS e chamadas foram substituídos. Existem aplicativos que, conectados a internet, nos possibilitam fazer chamadas gratuitas e enviar mensagens para todos nossos amigos sem pagar um centavo. Porém ao notar essa mudança de cenário na telefonia, empresas como Claro, Vivo e TIM3 criaram novos planos, dando ênfase ao baixo custo para ligações e em valores mínimos por pacotes de mensagens. Em relação ao uso de mensagens de texto e ligações, alguns jovens entrevistados relataram possuir planos para ligações e mensagens. Bárbara utiliza um plano da Claro, que é 21 centavos a chamada e 50 centavos por dia mensagens a vontade; ela diz que chega a enviar 50 torpedos por dia. Melinda tem um plano da TIM, e o utiliza mais para ligações, pois seu pai mora em outro estado com sua irmã mais velha, em Recife, e a chamada custa apenas 25 centavos. A jovem conta que chega a ficar de meia hora a quarenta minutos no celular conversando com seu pai. Luís não possui internet em casa e nem 3G no smartphone, por esse motivo, é um dos informantes que mais utiliza o serviço de SMS. Ele paga cinco reais por um pacote de cem mensagens e chega a enviar mensagens de dois em dois minutos. Castells et al. (2007) nos recordam que o SMS é o meio de comunicação que emergiu como o mais importante entre os jovens. O SMS, assim como as chamadas de voz, cumprem funções de comunicação instrumental e expressiva. Para os autores, graças ao SMS os jovens criaram também suas próprias linguagens. O curto espaço para escrever mensagens nos celulares, 160 caracteres, fizeram com que os adolescentes inventassem novas e exclusivas maneiras para se comunicar (CASTELLS ET AL, 2007). 4.2 Os adolescentes e sua ligação com a música Para compreendermos um pouco a importância da música na vida dos jovens pesquisados primeiramente vamos falar de Janaína. Janaína, que tem 15 anos e está na sétima série, vive com dois tios emprestados e não chegou a conhecer seus pais. Os tios são bem mais velhos que ela, uma tem 82 e o outro 65 anos, são muito rígidos e não entendem as novas tecnologias e tendências do momento; talvez seja por esse motivo, pela educação dos tios, que a jovem não confia no uso da internet pelo smartphone. A relação de Janaína com os tios é complicada, e a música para ela é uma forma de fugir, é um escape. Ela gosta de escutar rock e escuta muita, mas muita música. No intervalo da escola Janaína quase nunca está sem seus fones de ouvido. Além de ouvir as canções, ela ainda faz uma coisa diferente com seu smartphone: canta músicas e grava com 3 As três empresas são operadoras de telefonia no Brasil. A Vivo é uma empresa do Grupo Telefonica, que adquiriu a participação da Portugal Telecom na operadora em 2010. A empresa de telefonia Claro é uma subsidiária da América Móvil para o Brasil e a empresa TIM é controlada pela Telecom Italia. Disponível em Acesso em: 29 nov. 2013.

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o gravador de voz, aí depois escuta algumas vezes e apaga. Janaína se considera viciada em celular, muito em razão da música, pois não consegue sair de perto do telefone e ficar muito tempo sem escutar suas bandas favoritas. A jovem acredita que muitas vezes o smartphone atrapalha, pois ela deixa de estudar e de prestar atenção em algumas coisas em casa para ficar escutando música. Por causa dos fones de ouvido a menina também deixa de ouvir muitas pessoas falando com ela, até mesmo as ordens de seus tios. Podemos perceber que a música para um jovem que possui problemas com a família, além dos financeiros, é uma maneira de esquecer suas dificuldades, sua vida real, e entrar em um refúgio. Nesses meses de observação pudemos notar também que no intervalo da escola muitos alunos escutam música sozinhos, com seus fones de ouvido, fazendo o seu lanche. Para esses o intervalo parece ser solitário, mas eles aparentam estar felizes, relaxados e aproveitando o recreio do seu melhor jeito. Todavia há jovens que escutam música juntos, em duplas, dividindo os fones de ouvido, conversando e interagindo. O uso do celular nesses casos passa de individual para uso coletivo, ele vira uma ferramenta de sociabilidade, onde a tecnologia pode ser compartilhada. E ainda há aqueles que não utilizam os fones de ouvido, os funkeiros, que gostam de escutar e colocar suas canções favoritas para todos ouvirem. Existe também uma espécie de rixa entre os jovens da escola pesquisada, na qual os funkeiros sofrem preconceito por escutar as canções sem fone de ouvido. Pelos depoimentos notamos que os alunos que gostam de rock e de outros estilos musicais, não gostam das atitudes dos funkeiros. Eles são julgados “bagaceiros” e vulgares por escutarem canções com letras apelativas e ainda sem fones, para todos perceberem. Funkeiro não sabe usar fone de ouvido. E eu falo mesmo. Porque o funkeiro quer se mostrar, quer mostrar aquelas músicas que falam nada vê. O rock não precisa mostrar. O funkeiro tem que descer até o chão e tem aquelas músicas que fala “ai encosta aqui, vai lá, põe a mão lá e não sei o que”, e essas músicas não são legais. (Janaína – 15 anos – 7ª série) Os outros não gostam de nós porque dizem que funkeiro não usa fone de ouvido, mas eu não uso mesmo. É só pra escutar alto mesmo, eu não gosto de escutar tipo no fone. Eu gosto de escutar pra todo mundo ouvir. Rockeiro e funkeiro não se dão, não adianta. (Pablo – 14 anos – 7ª série)

A música, no entendimento de Castells et al. (2007), é uma importante forma de autoexpressão para os jovens. E as tecnologias de comunicação sem fio hoje, como os smartphones e outros telefones celulares, permitem que os adolescentes expressem a sua identidade de maneira mais visível, em sintonia com as modas e tendências atuais (CASTELLS ET AL, 2007). Para o autor, hoje o telefone móvel por si só já se tornou um símbolo da identidade dos jovens em muitos países; e não só dos jovens, mas de crianças e adultos também. 4.3 O uso de redes sociais e de aplicativos

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Neste item buscamos entender algumas das razões para as redes sociais e os aplicativos hoje serem as principais funções utilizadas nos smartphones no dia a dia dos adolescentes. Dos dezesseis entrevistados, apenas dois não utilizam as redes sociais pelo dispositivo móvel, mas se conectam às mesmas através de seus computadores. Aplicativos todos os informantes possuem, seja de redes sociais, de jogos, de calendário, de fotos, entre outros. Todos os usuários de smartphone tem o Facebook como seu aplicativo/rede social favorito. Depois do Facebook a rede mais usada é o Twitter, e em seguida o Instagram. Relembrando brevemente as funções de cada uma, o Facebook permite ao usuário ter uma conta, um perfil pessoal, adicionar fotos e vídeos, criar conteúdo e compartilhar, assim como adicionar amigos, conversar com eles através de um bate-papo, criar comunidades, eventos e páginas; o Twitter tem como proposta o compartilhamento de mensagens curtas, de no máximo 140 caracteres e o Instagram é utilizado para a postagem de fotos, com suas respectivas legendas e filtros. Percebemos ainda que as redes sociais são usadas pelos adolescentes para entretenimento. Jonas e Bárbara contam que ficam felizes quando estão on-line no Facebook e que dão muitas risadas quando estão escrevendo e lendo mensagens no Twitter. Além disso, muitos mencionam se sentir estranhos e até mesmo desesperados se ficam muito tempo sem entrar nas redes sociais. Eles precisam saber o que está acontecendo, quem está conversando com eles e o que as outras pessoas estão fazendo. Na opinião de Janaína, seus amigos estão tão felizes conectados, se divertindo e conversando, que se esquecem de algumas coisas importantes como realizar os deveres de casa e de estudar. Lemos (2007) disserta que o uso de smartphones e de outras tecnologias móveis interfere, como toda mídia, na gestão do espaço e do tempo. Como os celulares estão sempre em nossas mãos, quase 24 horas junto aos nossos corpos, muitos adolescentes realmente perdem a noção de tempo. O que é hora de lazer, diversão e entretenimento se confunde, ou até mesmo oculta, a hora de estudos e de trabalho escolares dos jovens. Ricardo acha que a vantagem de se estar conectado nas redes sociais é poder estar perto de outras pessoas, sem estar próximo fisicamente. Quando eu tô conectado eu sinto que eu posso falar com quem eu quiser entendeu? Em qualquer lugar e que essa pessoa não precisa tá perto de mim pra conversar. (Ricardo – 15 anos – 8ª série)

Recuero (2011) pensa que o que diferencia as relações hoje é o advento dos laços sociais mantidos a distância. A autora acredita que a tecnologia proporcionou uma certa flexibilidade na manutenção e criação de laços sociais, uma vez que permitiu que eles fossem dispersos espacialmente. Para Recuero “a comunicação mediada por computador apresentou às pessoas formas de manter laços sociais fortes mesmo separadas a grandes distâncias [...] Essa desterritorialização dos laços é consequência direta da criação de novos

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espaços de interação” (RECUERO, 2011, p. 44). Podemos dizer que o pensamento de Lemos (2007) conversa com as ideias da autora, pois em seu entendimento a diferença das relações atualmente é a circulação imediata de conteúdos, a conexão planetária, fazendo de todos nós, partícipes da experiência, de tudo e de qualquer coisa. As redes sociais e as novas tecnologias são capazes de manter amizades a longas distâncias, relacionamentos entre namorados que vivem em diferentes cidades, e possibilita que famílias amenizem a saudade que sentem de um filho que está em outro país. 4.4 Smartphones e sociabilidade Desde nossas primeiras entrevistas no campo de pesquisa, interessou-nos o fato de que, para os alunos da escola Vila Real, ter um smartphone significa sentir-se incluído. Incluído na modernidade, incluído nos grupos de jovens e na escola. Os celulares passaram a ser um artefato importante que marca a aparência dos indivíduos, tornando-se não somente objeto de desejo, mas sim um símbolo de pertencimento de diferentes grupos sociais (LING, 2004; HORST; MILLER, 2006; SILVA, 2008). Possuir um smartphone para nossos informantes significa “ser visto normal, que não tá nem por baixo, nem por cima, mas que nem os outros”. Os jovens entrevistados em nenhum momento se referiram aos smartphones para falar de mais ou menos status. Quase todos comentaram possuir um celular moderno para estar igual aos colegas. Eles não querem o smartphone mais caro, nem o “tijolão” (celular antigo), eles precisam ter os smartphones que todos têm, para estar na moda. Ter um dispositivo móvel moderno, com acesso a internet e aplicativos, expressa pertencimento, porque para nossos interlocutores “quem é conectado é na moda. Os que tão por fora, tão desatualizados”. Assim, consideramos que os smartphones atuam diretamente na inclusão simbólica dos jovens, em uma lógica que hoje é marcada pela conectividade e pela modernidade. Na realização das entrevistas e na observação em campo, sempre que perguntávamos como alguém usava as funcionalidades e aplicativos do celular, a resposta grande parte das vezes era: “Tudo que eu faço no celular eu acho que os outros jovens fazem também”. Mesmo possuindo um smartphone com variadas funções e com capacidade de armazenamento para muitos aplicativos, os adolescentes contaram que utilizam apenas as redes sociais e aplicativos que os colegas utilizam. Eles possuem o smartphone justamente para se incluir, para pertencer e estar onde os outros jovens estão. O pensamento de Bourdieu (2007) complementa nossa reflexão dizendo que os objetos nunca são consumidos de forma neutra. No caso dos jovens da escola Vila Real, os objetos, os smartphones, são consumidos com o objetivo de pertencer e se igualar. Bourdieu (2007) entende que pessoas pertencentes às mesmas classes e frações de classes tendem a comportar-se e usufruir dos bens de maneira semelhante. O fato de nossos informantes quererem ser vistos normalmente pelos

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outros jovens, significa poder ter e desfrutar igualmente dos bens que os colegas têm. Eles utilizam o celular de maneira parecida ou idêntica para sentirem que pertencem ao universo dos adolescentes. Perguntamos aos dezesseis entrevistados se alguma vez eles já foram vistos ou tratados de maneira diferente por causa do modelo de seu celular. Muitos comentaram que já presenciaram pessoas sendo tratadas diferente, tanto por ter um celular antigo - um “tijolão” – quanto por possuir um smartphone de muita qualidade – os “playboyzinhos”. Eu já vi pessoas serem tratadas diferente por causa do celular, mas só algumas vezes. É que é assim, quando tu tem tipo um celular mais velho ficam chamando de tijolão, e quando alguém tem um celular mais moderno daí chamam de rico né, de playboyzinho. Tem que ser meio termo. (Alice – 15 anos – 7ª série)

No entendimento de Slater (2002) é através das mercadorias e dos bens que a vida cotidiana, assim como as nossas identidades e relações sociais são sustentadas e reproduzidas. Para o autor o que consumimos determina a imagem que queremos passar e serve para identificar nós próprios e uns aos outros. O consumo de smartphones pelos jovens é uma maneira de expor suas identidades por meio de bens materiais que simbolizam um estilo de vida, um gosto. Na escola Vila Real, o adolescente que consome smartphone faz parte de um grupo que está na moda, está atualizado. Eles não são diferentes dos outros economicamente, mas usam o consumo como estratégia para construir determinada imagem de si. Considerações finais O nosso objeto de estudo, o smartphone, ganhou muito destaque no ano de 2013, foi bastante evidenciado pela mídia e nunca teve modelos de entrada tão acessíveis no mercado. Os dados de Teleco (2013) afirmam que o preço dos smartphones no ano passado caiu cerca de 25%, o que explica em parte a explosão de vendas desses aparelhos. Pudemos notar através da observação em campo e das entrevistas a relevância que esses aparelhos têm na vida dos jovens. Esse dispositivo móvel é um objeto importante para a cultura material contemporânea, e estudar a sua significância e o modo como é consumido é de grande contribuição para as pesquisas de consumo. Outro fator importante para a pesquisa é o fato do trabalho envolver o uso de smartphones nas camadas populares, pois esses tipos de bens são considerados supérfluos e são vistos com preconceito pelas camadas altas quando se encontram nas mãos de pessoas com menos poder econômico. Hoje o jovem encontra conectado o seu lugar de pertencimento. Sim, as formas de consumir, de interagir e de socializar se modificaram. Mas essas relações mudaram basicamente de território. O que antes era feito face a face, somente agora e ao vivo, hoje pode ser feito a milhares de quilômetros. As novas tecnologias romperam as barreiras físicas e geográficas que nos eram impostas

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e nos apresentaram um lugar onde as relações à distância, entre diferentes cidades e países se tornam simples. Mais do que a exposição de nossas imagens nas redes sociais, hoje se busca o que é vivido junto, a cumplicidade (LEMOS, 2007), o compartilhamento do dia a dia. Os telefones celulares se tornaram uma parte muito importante da vida cotidiana das pessoas, principalmente dos adolescentes (LING, 2004). O telefone móvel não é usado mais apenas para comunicação; ele é usado para a coordenação funcional do cotidiano e para a interação de um grupo. Referências BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. CASTELLS, Manuel; FERNÁNDEZ-ARDÈVOL, Mireia; QIU, Jack Linchuan; SEY, Araba. Mobile Communication and Society: a global perspective. Cambridge: MIT Press, 2007. CASTRO, Gisela. Screenagers: entretenimento, comunicação e consumo na cultura digital. In: BARBOSA, Lívia (org.). Juventudes e Gerações no Brasil Contemporâneo. Porto Alegre: Sulina, 2012. HORST, Heather; MILLER, Daniel. The Cell Phone: an Anthropology of Communication. Oxford; Berg, 2006. JENKINS, Henry. A Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. LEMOS, André. Comunicação e práticas sociais no espaço urbano: as características dos Dispositivos Híbridos Móveis de Conexão Multirredes (DHMCM). Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo, Escola Superior de Propaganda e Marketing, vol. 4, nº 10, 2007. LING, Rich. The Mobile Connection: the cell phone´s impact on society. New York: Morgan Kaufman, 2004. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. ROCHA, Angela; SILVA, Jorge Ferreira. Consumo na base da pirâmide: um desafio para a pesquisa. In: ROCHA, Angela; SILVA, Jorge Ferreira. Consumo na base da pirâmide: estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009 ROCHA, Everardo. Invisibilidade e revelação: camadas populares, cultura e práticas de consumo – Apresentação. In: ROCHA, Angela; SILVA, Jorge Ferreira. Consumo na base da pirâmide: estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009 ROCHA, Everardo; PEREIRA, Cláudia. Juventude e Consumo: um estudo sobre a comunicação na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. SILVA, Sandra Rubia. Vivendo com celulares: identidade, corpo e sociabilidade nas culturas urbanas. In: BORELLI, Silvia H. S.; FILHO, João Freire. Culturas Juvenis no Século XXI. São Paulo: EDUC, 2008. SLATER, Don. Cultura de Consumo & Modernidade. São Paulo: Nobel, 2002. TELECO. Inteligência em Telecomunicações, 2013. Disponível em: Acesso em: junho 2013. TRAVANCAS, Isabel. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In: DUAR-

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TE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2011. WINOCUR, Rosalía. Robinson Crusoé ya tiene celular‫‏‬: la conexión como espacio de control de la incertidumbre. México: Sigla XXI: Uníversidad Autônoma Metropolitana, Unidad Iztapalapa, 2009. Sobre os autores: Camila Rodrigues Pereira é bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. E-mail: [email protected] Sandra Rubia Silva é mestre em Comunicação e Informação - UFRGS e doutora em Antropologia Social - UFSC. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: [email protected]

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Consumo de Modelos Midiáticos de Mulher: um estudo com mulheres transgêneras1 Fernanda SCHERER Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Resumo Este artigo tem o objetivo de analisar a relação das mulheres transgêneras com as representações de gênero que são veiculadas na mídia, bem como o consumo e as apropriações destas representações. Para tal fim, visa-se identificar, a partir de estudo de caso, quem são as mulheres que as transgêneras tomam como modelo para se construírem como mulher, assim como abordar as concepções que possuem acerca da beleza. Para isso, adotou-se a perspectiva do consumo de Canclini (1997), das representações sociais de Moscovici (2000) e da performatividade de Butler (1990). A amostra foi composta por quatro mulheres transgêneras adultas, das classes média alta e média baixa, de Santa Maria/RS e Porto Alegre/RS. Os resultados indicam que, independente da posição que ocupam na estrutura social, para se construírem como mulher, tomam como modelo especialmente as mulheres que compõem o universo midiático, do qual retiram as principais concepções acerca da beleza. Desse modo, sugere-se que, em alguma medida, elas se apropriam das representações ofertadas pelos meios. Palavras-chave: Representações sociais; consumo; mídia; relações de gênero; transgeneridade. 1. Introdução A mídia perpassa, atualmente, desde os modos de organização, até a socialização dos sujeitos. Portanto, os meios de comunicação já não podem ser observados como aparatos técnicos, pois de acordo com Gomes (2004, p. 13), se integraram ao cotidiano como uma instituição social, uma “parte orgânica da sociedade e cultura contemporâneas”, passando a constituir as práticas sociais. Nesse contexto, sob o viés dos Estudos Culturais, reitera-se a possibilidade de investigar a cultura contemporânea a partir das abordagens que proble1 Este artigo é um recorte do trabalho de conclusão de curso de Comunicação Social, defendido em 2013 na UFSM, com o título Disposições de Gênero e Mídia: um Estudo com Mulheres Transgêneras. Foi orientado pela Profª Drª. Veneza Mayora Ronsini e co-orientado pela Ma. Sandra Depexe.

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matizam a inserção dos meios de comunicação nesta cultura, bem como através da reconfiguração cultural que os meios acabam por gerar. Assim, ao adotar a perspectiva que considera o gênero como um elemento cultural, entende-se que as suas questões podem ser estudadas através do consumo das representações das masculinidades e feminilidades veiculadas pelos meios. Ressalta-se, desse modo, a possibilidade de estudos que aproximam as duas temáticas: gênero e comunicação. O enfoque deste trabalho no gênero decorre da percepção de que ele tem fundamental importância na constituição do âmbito social, já que é uma das estruturas que regem as atuações dos homens e das mulheres. Porém, apesar de sua importância na construção dos seres sociais, as questões de gênero são ainda silenciadas, por vezes até naturalizadas, pois estão ancoradas de forma profunda nos discursos. Nesse sentido, como exemplo, percebe-se que é comum os sujeitos se questionarem sobre os motivos de uma pessoa transgênera querer se vestir de mulher, mas não se questiona o fato de uma mulher heteronormativa2 querer se vestir da mesma forma. São consideradas transgêneras(os) as pessoas que têm ou tiveram experiência de desconforto, questionamento e ruptura com o sexo e/ou o gênero que lhes foram atribuídos ao nascer e, por isso, alteraram as disposições3 que foram impostas para aquelas de preferência, podendo optar ou não por transformações anatômicas, que re-designam o corpo físico. A transgeneridade foi escolhida porque, enquanto as pessoas não-transgêneras vivem “sob a ilusão de estar apenas seguindo o curso natural das coisas” (SHAPIRO apud KULICK, 2008, p. 27), as mulheres transgêneras se esforçam, de forma mais consciente, para se adequar às concepções legitimadas do feminino, pois foram socializadas na infância como homens. Dessa forma, entende-se a transgeneridade como um ponto privilegiado de observação dos modos como o gênero é socialmente construído. Posto isso, a pergunta que impulsiona este trabalho é: em que medida as mulheres transgêneras apropriam-se representações de gênero ofertadas pela mídia para conformar as suas disposições? Para tal fim, a partir de estudo de caso, visa-se identificar quem são as mulheres que as transgêneras tomam como modelo para se construírem como mulher, bem como abordar suas concepções sobre a beleza4. Para estudar o consumo das representações midiáticas do feminino, buscou-se embasamento teórico na perspectiva de Canclini (1997) acerca do consumo, bem como no conceito de representações sociais, do qual Moscovici (2000) é o principal representante. Para questionar a naturalização das feminilidades e masculinidades, é utilizada a teoria da performatividade, desenvolvida por Butler (1990). 2 Norma que define a heterossexualidade como a única possibilidade legítima de viver o sexo e o gênero. Se justifica pela complementaridade dos corpos sexuados, distribui os corpos no espaço social de acordo com a diferença sexual e patologiza as vivências não-binárias. 3 Segundo Pierre Bourdieu (2008), são as formas de agir, pensar, sentir, compreender, classificar e avaliar, que juntas definem as maneiras de cada indivíduo perceber o mundo social. 4 O trabalho de conclusão de curso abordou as categorias empíricas amor/família, trabalho e beleza. Contudo, para fins de recorte, somente esta será problematizada neste trabalho.

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2. Metodologia Metodologicamente, este trabalho caracteriza-se como um estudo de caso, que é considerado eficiente para investigações de natureza qualitativa. Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizadas a entrevista em profundidade e a história de vida. A etapa empírica desenvolveu-se entre os meses de agosto e outubro de 2013, nas cidades de Santa Maria/RS e Porto Alegre/RS. A amostra da pesquisa é composta por quatro mulheres transgêneras adultas, com idade entre 30 e 43 anos. A divisão etária foi feita conforme a classificação do IBGE. A classificação social, utilizada empiricamente, foi realizada segundo a metodologia de Quadros e Antunes (2001)5. Amanda, Aline, Bianca e Bárbara foram as mulheres entrevistadas. Seus nomes verdadeiros foram alterados para nomes fictícios, os quais visam indicar a classe à qual elas pertencem através da primeira letra. Dessa maneira, Amanda e Aline são representantes da classe média alta, enquanto Bianca e Bárbara representam a classe média baixa. Essa escolha visa facilitar a visualização e análise das falas conforme a posição na estrutura social. Amanda atua na assessoria de um órgão público municipal, Aline trabalha na gestão das gerências de uma rede de lojas. Ambas concluíram o ensino superior e residem na cidade de Porto Alegre/RS. Bianca, que já foi garota de programa, trabalha atualmente como serviços gerais, enquanto Bárbara como modelo e cabeleireira. Bianca concluiu o ensino fundamental e Bárbara o ensino médio. Vivem na cidade de Santa Maria/RS. Bárbara, Amanda e Aline se consideram transexuais, sendo que esta é a única que realizou a cirurgia de redesignação sexual. Bianca define-se como travesti. A entrevista aplicada permitiu investigar as dimensões da experiência com os meios, através do consumo de televisão, rádio, revista, jornal, livro, internet, cinema, teatro e demais espetáculos culturais, assim como pesquisar as concepções sobre a beleza. A pluralidade de meios foi escolhida com o intuito de apreender a presença e a importância dos diversos produtos midiáticos no cotidiano dessas mulheres, pressupondo-se que, cada um, a partir das interpretações e desdobramentos pessoais, pode auxiliar na construção das perspectivas acerca do feminino. 3. Embasamento Teórico 3.1. Representações Sociais O debate acerca das representações sociais merece atenção, pois servem como referência para a atuação social dos indivíduos. Neste trabalho, os discursos são assumidos enquanto representação. Tomando como base os estudos realizados por Serge Moscovici (2000), considera-se que as representações estruturam e dão forma à consciência coletiva. As representações sociais, na concepção de Moscovici, possuem duas funções. A primeira é definir a forma como uma mensagem deve ser interpre5 Distintas profissões são agregadas em grupos ocupacionais que, hierarquizados, formam a estrutura ocupacional que define a classe social conforme o membro mais bem situado na família.

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tada, possibilitando que um grupo de pessoas entre em acordo sobre o significado de uma representação. Assim, a sua finalidade fundamental é possibilitar a comunicação, tornando-a não-problemática. Como exemplo, é possível citar que, a partir do contato com certas representações, aprende-se que a terra é redonda, associa-se o comunismo à cor vermelha, os homens à racionalidade e as mulheres à emoção. Dito de outra maneira, as representações constroem convenções, que predeterminam a realidade compartilhada. Somente com as convenções a vida social pode existir, já que gera consenso entre os membros de uma sociedade. A segunda função das representações sociais é a prescrição, ou seja, elas antecipam às pessoas uma estrutura, uma tradição, que atua como determinante das formas de pensar. Desde a primeira infância, as crianças já encontram respostas prontas, seja “nos gestos de sua mãe ou de seu médico, nas histórias em quadrinho cômicas que ela lerá, nos textos escolares, [...] sem falar nos jornais que ela lerá, dos discursos políticos que ela vai ter que ouvir” (MOSCOVICI, 2000, p. 37). Outro aspecto que pode ser ressaltado diz respeito ao seu papel na transformação do não-familiar em familiar. Compreende-se que as pessoas tomam o que é familiar como padrão de referência, de modo que as avaliações e percepções se desenvolvem em relação ao que é habitual, pois há uma sensação de segurança. A fim de se familiarizar com o novo, ou seja, dar ao que é estranho uma feição familiar, um mecanismo possível é a redução e o enquadramento das novas ideias em categorias e imagens já aceitas e constituídas como parte do repertório e da realidade comum, indicando um caráter conservador das representações sociais. Merecem destaque os meios de comunicação como difusores das representações sociais, pois se considera que os discursos que são proferidos através dos produtos midiáticos auxiliam a disseminar a realidade compartilhada. Isso ocorre porque se constituem como uma das fontes através das quais os indivíduos recebem representações do mundo e, a partir de sua inserção no contexto social (GOMES, 2004, p. 225), constroem suas realidades. Na presente pesquisa, a reflexão se volta para a relação das mulheres transgêneras com as representações de gênero que são veiculadas na mídia, ou seja, para as representações do feminino construídas por essas mulheres. Dessa forma, não há o intuito de analisar as representações midiáticas em si mesmas, mas o consumo e as apropriações destas representações, as quais são entendidas também como formas de representar. 3.2. Teoria sociocultural do consumo Dentre as perspectivas teóricas utilizadas nas investigações em Comunicação, estão os Estudos Culturais, os quais rompem com a concepção behaviorista e passam a considerar a inserção cultural e social do receptor, uma vez que é a partir desta inserção que os sujeitos interpretam o mundo. Dito de outra forma, os Estudos Culturais compreendem que as mensagens são decodificadas de acordo com estímulos políticos, sociais e culturais diferentes, ultrapassando o foco nos meios de comunicação. Assim, a diversidade de contextos sociais é

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proporcional às diferentes possibilidades de leitura (GOMES, 2004, p. 232). Canclini é um dos autores filiados aos Estudos Culturais, a partir da corrente Consumo Cultural, que estuda os significados que estão contidos nas práticas de consumo, abandonando a ideia de que este é um ato irracional. A corrente visa construir uma teoria sociocultural do consumo para, a partir dela, “investigar os processos de comunicação e recepção dos bens simbólicos” (JACKS, 1996, p. 44), entendendo que há criatividade e interação na relação dos indivíduos com os meios. Assim, considera-se que os estudos marxistas superestimaram a capacidade das empresas, pois o consumo não é definido somente pelos grandes agentes econômicos. Os movimentos de consumidores e suas demandas demonstram que existem outros fatores que intervêm nos processos de consumo, o qual é categorizado pelo autor como: 1) reprodução da força de trabalho e expansão do capital; 2) cenário de disputas pela apropriação dos bens produzidos; 3) diferenciação social e distinção simbólica entre as classes; 4) sistema de integração e de comunicação entre as classes; 5) manifestação dos desejos individuais e grupais; 6) processo ritual que consiste em dar sentido à ordem social (CANCLINI apud RONSINI, 2007, p. 41).

Para efeito de recorte do objeto, optou-se por concentrar a atenção nos postulados diferenciação social e distinção, integração e comunicação (itens 3 e 4). Desse modo, através do que o autor propõe, assume-se que o que é consumido distingue e integra os indivíduos. Distingue porque os lugares habitados, desde escolas a restaurantes, os livros lidos e os meios através dos quais as pessoas se informam, por exemplo, variam conforme as classes, e essa variação de produtos e serviços consumidos não decorre da necessidade, mas da escassez de oferta, que limita o acesso. Consumir torna-se um modo de distinção. Ao mesmo tempo, o consumo integra e comunica, porque indivíduos de uma mesma classe compartilhariam os mesmos sentidos atribuídos aos bens que são por eles consumidos. Compreende-se, dessa forma, que consumir significa participar de um cenário social e, por isso, é uma atividade que não pode ser individual. Ou seja, o consumo pode ser definido como fator de construção de pertencimento, pois integra os indivíduos que pertencem a uma mesma classe. Contudo, nota-se que o consumo pode ser pensado para além das relações de classe social. Isso ocorre porque diferentes práticas de consumo podem demarcar distinções entre grupos que ocupam as mesmas posições na estrutura social. Do mesmo modo, o consumo pode integrar um grupo que é unido por outras semelhanças que não as relativas ao nível social. Assim, sugere-se que ambas, distinção e integração, podem ser utilizadas com a finalidade de se pensar o gênero. 3.3. Gênero feminino e a relação com a beleza Com o intuito de problematizar o caráter social do gênero, considera-se importante a caracterização da categoria “mulher”. Por pressupor um determinado agenciamento da vida, uma forma de vigilância específica do corpo e da

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sexualidade, essa pode ser considerada uma categoria política (BENTO, 2008, p. 24). Pertencer à esfera política significa que, a respeito do gênero, há regras e procedimentos que autorizam os indivíduos a agirem de determinadas maneiras, assim como definem o que é inteligível, portanto real. Considerar o feminino uma categoria política é afirmar que, ao serem nela enquadradas, as pessoas serão orientadas para ocupar um lugar na organização social. Ser mulher é, ao mesmo tempo, uma categoria histórica e cultural, pois como explica Butler (2004, p. 25), seus significados estão sempre subordinados a limites geopolíticos e restrições que são fabricadas e cultivadas de formas diversas, nas diferentes culturas, em diferentes épocas. Ser considerada categoria cultural significa que “os conteúdos da divisão dos géneros variam consoante a cultura” (LIPOVETSKY, 2000, p. 193). Ou seja, “feminino” é uma classificação que pode determinar diferentes comportamentos em diferentes locais do mundo. Ser categoria histórica presume que as formas de agir e de perceber o mundo social das mulheres do século XVI, eram diferentes dos comportamentos e pensamentos da mulheres que habitam o século XXI. Partindo-se dessa perspectiva, é possível contestar a atribuição da feminilidade exclusivamente aos corpos considerados femininos, assim como da masculinidade aos corpos qualificados como masculinos, como se essas fossem propriedades naturais. Questionando estas naturalização, Butler (1990) desenvolve a teoria da performatividade6. De acordo com esta teoria, acerca de todos os seres sociais existem expectativas e ensinamentos que orientam as pessoas que nascem com genitais considerados femininos a incorporar as disposições femininas, assim como socializam as pessoas que nascem com genitais considerados masculinos para se apropriarem das disposições de gênero masculino. Desse modo, afirmar que o gênero é performático significa que, assim como atores interpretando papéis em uma encenação teatral, a forma como homem e mulher se apresentam ao mundo também é de ordem performática. A categoria “homens”, desse modo, não precisa ser entendida como inerente aos corpos masculinos, bem como a categoria “mulheres” não necessariamente pertence aos corpos considerados femininos, uma vez que “homem” e “mulher” são noções elaboradas, internalizadas, imitadas. Os aparatos reguladores dos corpos, incorporados como eleições individuais, são, entretanto, advindos “de condições que nenhum de nós criou de forma voluntária” (BUTLER, 2004, p. 148). Em direção de entendimento que reforce tais constatações, pode-se citar os apontamentos de Lipovetsky, os quais indicam que, desde a infância, as mulheres são descritas pelos seus pais como bonitas, engraçadas, mimosas, enquanto os bebés do sexo masculino são caracterizados como robustos, grandes, “vigorosos”. Um bebé vestido de azul é descrito como forte e activo; o mesmo bebê vestido de cor-de-rosa é considerado gracioso e delicado (2000, p. 187).

Assim, percebe-se que a mulher é ensinada a desenvolver uma relação especial com o belo. 6 Ainda que este trabalho não adote integralmente o pós-estruturalismo, a teoria da performatividade é aqui considerada adequada para se explorar a transgeneridade.

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Ao se observar o cenário social atual, é fácil perceber que há um padrão de perfeição estética que é cultuado, midiatizado e amplamente desejado. Por isso, ainda que alguns estudiosos defendam que, atualmente, os produtos midiáticos veiculam uma pluralidade de representações do feminino, advinda das possibilidades de escolha conquistadas pelas lutas feministas (BRAGA, 2003, p. 5), bem como da liberdade proporcionada pelo capitalismo (MEMÓRIA, 2012, p. 7), este trabalho considera que, predominantemente, o padrão estético contemporaneamente oferecido pode ser traduzido no modelo de pessoa magra, leve e “turbinada” (DEL PRIORE, 2009, p. 79), o qual é constantemente reforçado na fotografia, no filme e na televisão, por exemplo, reafirmando o papel estético da mulher moderna e ditando as formas que ela deve possuir, ou almejar. Sob esse ponto de vista, sugere-se que, se no século XXI algumas mulheres puderam conquistar a independência de seus pais, maridos e dos valores da igreja, agora se encontram em meio ao bombardeio de valores estéticos propagados pelas imagens midiáticas. Para Del Priore (2000, p. 11), a preocupação de outrora em salvar a alma foi substituída pela preocupação em salvar o próprio corpo da rejeição social. O tormento não é mais “o fogo do inferno”, mas a balança e o espelho. Desse modo, mesmo que as representações midiáticas veiculem avanços das mulheres em relação às limitações patriarcais, continuam repetindo modelos de comportamento que insistem em associar o feminino à objetificação, revelando “permanências e retrocessos” (LEITE, 2012, p. 15). 4. Discussão 4.1. Consumo de mídias No que diz respeito aos meios, dentre as entrevistadas, a televisão e a internet são os mais consumidos. No que tange à televisão, Amanda conta que costuma tê-la ligada constantemente, mesmo que o volume esteja no silencioso, como se esta fosse uma companhia. Ela considera o canal aberto da Rede Globo7 o seu favorito, por ter programas interessantes. Quando não está sintonizada neste, gosta de olhar o canal Viva8, porque reprisa os programas que fizeram sucesso na Rede Globo, como o programa humorístico Sai de Baixo9, citado por Amanda como um dos seus programas preferidos. Ao assistir TV procura, principalmente, entretenimento e notícias. Por isso, além dos já citados, acompanha os programas A Liga10 e CQC11, no canal Bandeirantes12. Às vezes, quando tem tempo, afirma olhar a telenovela Amor à Vida13. Em 2010, contou brevemente a sua história de vida nos relatos que apareciam no final da telenovela Viver a 7 Rede de televisão brasileira do grupo Globosat, é a segunda maior rede de TV do mundo. 8 Canal de televisão por assinatura brasileiro. 9 Gravado no palco de um teatro paulistano, permite a interação com o público. 10 Programa televisivo definido como jornalístico. Procura mostrar com humor e drama várias maneiras de se contar ao público uma mesma notícia. 11 Programa televisivo humorístico que trata os fatos políticos, artísticos e esportivos da respectiva semana de forma satírica e humorística. 12 Rede de televisão brasileira pertencente ao Grupo Bandeirantes de Comunicação. 13 Exibida no horário nobre da Rede Globo (2013-2014).

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Vida14. Para isso, foi indicada por uma ONG de Porto Alegre. Declara que aceitou participar com o intuito de dar visibilidade ao movimento trans. Bianca, da mesma forma que Amanda, pontua a Rede Globo como seu canal favorito, porque a qualidade dos programas ofertados pela emissora agrada a entrevistada. Prefere os noticiários e as telenovelas, como o Jornal Nacional15 e Amor à Vida. A respeito desta trama, confessa que, ao assisti-la, se imagina nas cenas românticas. Entretanto, diferente das outras entrevistadas, a televisão não ocupa grande parte de seu cotidiano, já que seus turnos de trabalho são alterados a cada semana e, por isso, não consegue acompanhar os programas. Quanto à entrevistada Aline, assistir televisão é uma das suas formas diárias de descanso. Seu canal favorito é Discovery Home & Health16, pois têm vários programas de decoração e moda, que são seus preferidos. Os reality shows17 são os mais sintonizados por ela, em especial um voltado à produção de vestidos de noiva. Além deles, através da televisão gosta de acompanhar a vida das modelos e ver “coisas bonitas”, como documentários sobre a história de vida da estilista Coco Channel. Aline confessa ser uma modelo frustrada. A entrevistada Bárbara, ao discorrer sobre a televisão, conta que gostava muito da programação da Rede Globo. Porém, hoje considera o canal “político demais”, ou seja, se tornam pauta somente os assuntos que são de interesse da emissora. Por isso, atualmente, ela prefere sintonizar o canal Bandeirantes já que, assim como Amanda, gosta de programas como A Liga, porque o considera bem abrangente. Outro canal citado foi o National Geografic18, por seus programas sobre animais e a natureza, e o canal GNT19, já que oferece uma programação voltada à saúde e à beleza. Além disso, confessa que adoraria participar do Big Brother Brasil20, porque gosta de aparecer na mídia. No que tange à internet, em consonância, todas as entrevistadas asseguraram consumi-la diariamente. Além disso, interagir na rede social Facebook21 e realizar buscas no site Google22 foram citadas por todas como as atividades mais realizadas na internet. Amanda afirma que, ao chegar em casa, a primeira coisa que faz é verificar seus e-mails e, logo após, acessa seu Facebook, que para ela é considerada “a mídia do momento”. Além disso, no site Google, faz buscas relacionadas, geralmente, aos assuntos do trabalho, que são também seu tema de estudo acadêmico: as relações de gênero. Bianca conta que, da mesma forma que Amanda, toda vez que chega em casa, a sua primeira ação é ligar o computador e se conectar à internet para acessar seu Facebook e ver se recebeu algum recado de suas amigas. Sobre 14 Exibida no horário nobre da Rede Globo (2010). 15 Telejornal brasileiro, produzido e exibido pela Rede Globo. 16 Canal de TV por assinatura dedicado à beleza, ao bem estar e à vida em família. 17 Programas televisivo com programas baseados na vida real. 18 Canal de TV por assinatura com programas educacionais, culturais e científicos. 19 Canal de televisão por assinatura brasileiro, com foco para os assuntos do universo feminino. 20 Reality show exibido pela Rede Globo, no qual participantes ficam confinados em uma casa cenográfica, sendo vigiados por câmeras 24 horas por dia 21 Website de relacionamento social, em que as pessoas criam perfis para, através deles, compartilhar informações com seus contatos 22 Oferece serviço de busca de conteúdo na web.

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esta rede social na internet, comenta que vê muitas pessoas vivendo relacionamentos amorosos e que tem o desejo de vivenciar um. Além disso, Bianca utiliza o site Google para obter informações, especialmente sobre medicamentos, receitas de comida e itens de beleza. Quanto à Aline, esta confessa que da internet não desconecta nunca. Durante sua jornada de trabalho, fica constantemente no computador. Fora da empresa, passa a maior parte do tempo respondendo e-mails do trabalho e interagindo no Facebook. Através do Google, busca informações relacionadas ao seu emprego ou a alguma necessidade do momento como, por exemplo, o planejamento das férias ou a busca por alguma música. Também gosta de acessar o site de compras Ebay23, para conferir os vestidos que estão à venda. Não compra, mas gostaria de tê-los. Bárbara, em relação à internet, proferiu comentários semelhantes às demais entrevistadas. Através da rede social Facebook, que é uma de suas formas de lazer preferidas, Bárbara conversa com os amigos, publica as suas fotos e curte as dos seus contatos. A partir do site de buscas Google, acessa sites de moda e maquiagem. Para ela, “internet hoje é tudo”. 4.2. Beleza, corpo e cuidado de si A partir das falas das entrevistadas, a impressão que se teve foi a de que não seria possível discorrer sobre o feminino sem abordar a beleza. No contato com elas, constatou-se que as características utilizadas para descrever a mulher que gostariam de ser se relacionam de forma evidente aos atributos corporais. Amanda, por exemplo, conta que gostaria de ser uma mescla entre a beleza da modelo transexual Roberta Close, pois é considerada um ícone que a marcou quando começou a experienciar o universo feminino, e a inteligência da atriz Fernanda Montenegro. Bianca gostaria de ser a cantora Whitney Houston, pois a diva manteve sempre a pele bem cuidada e o cabelo lindo. Aline escolheria a beleza da modelo Linda Evangelista, que sempre mudava o estilo dos cabelos, e a atitude da estilista Coco Channel, uma das primeiras mulheres a ter coragem de usar calças. Bárbara cita a cantora Beyoncé, pois ela tem beleza, cuida da família, dança e canta bem. Um aspecto que se destacou nas respostas foi o fato de citarem, de forma espontânea, como mulheres que gostariam de ser, exclusivamente pessoas ligadas ao universo pop midiático. Quando estimuladas a buscar uma referência de mulher na família, Bianca e Amanda citam a mãe, Aline a irmã e Bárbara não menciona ninguém, o que pode indicar uma aproximação maior com os modelos midiáticos de mulher e afastamento dos modelos familiares. Todas declaram manter certos cuidados com a aparência e a saúde. Amanda afirma que já fez algumas plásticas, de modo a obter feições consideradas mais femininas. Hoje, comenta que é muito atarefada, gostaria de ter tempo para fazer atividades físicas, mas o único cuidado que consegue ter é com a alimentação. Bianca declara que, se pudesse, “viveria” em uma clínica de estética para aperfeiçoar seu corpo, pois quanto mais bonita, mais atrai os olhares masculinos. No entanto, devido aos seus recursos financeiros, essa não é uma 23

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possibilidade em sua vida. Seu principal cuidado é com os cabelos, nos quais faz escova progressiva para alisá-los. Aline conta que implantou próteses de silicone nas mamas para levantar sua autoestima e há cerca de vinte anos mantém uma rotina de cuidados com a alimentação, o cabelo e a pele. Ela classifica suas preocupações com a aparência como “normais”, pois apesar de desejar ter um corpo semelhante ao da modelo Gisele Bündchen, jamais faria loucuras para se assemelhar à ela. Bárbara, que trabalha como modelo, confessa: “realmente me cuido bastante, sou bem vaidosa”. Além de já ter realizado intervenções cirúrgicas, controla a alimentação, pratica exercícios físicos, dorme oito horas por dia e faz drenagens corporais semanais em um spa. Percebe-se que a preocupação das entrevistadas com a beleza supera a preocupação com a saúde e, mesmo que existam cuidados com esta, eles se relacionam às melhorias estéticas. Ao serem questionadas acerca de existência de uma obrigação das mulheres em serem bonitas, todas concordam que ela existe. Amanda e Bárbara alegam discordar totalmente da obrigação, pois a primeira a classifica como um sacrifício, enquanto a segunda critica o preconceito que há com mulheres feias, gordas e baixas. A modelo confessa acreditar que muitas de suas conquistas foram mais fáceis para ela em razão da sua boa aparência. Aline declara que concorda em partes com essa obrigação, considerando-a negativa por tornar um dever a depilação, o salto alto, o cabelo comprido e a maquiagem. Contudo, ao mesmo tempo, acredita que a cobrança é positiva, pois a mulher “bem apresentada” tem “valor” e “poder”. Para ela, ser mulher é ser “um enfeite maravilhoso”. Bianca é enfática ao afirmar que concorda com a obrigação, uma vez que, além de ser mãe e esposa, a mulher precisa, “no mínimo”, se “valorizar”, cuidar do corpo e da beleza, para que o homem não se envolva com outra pessoa. Quando indagada sobre qual mulher não gostaria de ser, Bianca assegura: mulher feia. Percebe-se que, se por um lado todas as entrevistadas cultivam o ideal de corpo vigente, despendendo recursos, em menor ou maior quantidade, para dele se aproximar, por outro, Amanda e Bárbara se mostram críticas em relação ao desejo de aperfeiçoamento de seus corpos, pois reconhecem que existem cobranças sociais que as motivam. Em contrapartida, Aline e Bianca aparentam estar mais persuadidas pelas imagens dominantes de beleza feminina que reafirmam o papel estético da mulher moderna, como pontua Del Priore (2006, p. 11), considerando os cuidados estéticos quase como uma obrigação. Para Aline, a mulher pode e deve utilizar a beleza como um vetor de valorização de si, pois é uma forma de conquistar a notoriedade social e o “poder” que já existem no masculino, em conformidade com o que constata Lipovetsky (2000, p. 122). A fala de Bianca indica que a beleza não possui o mesmo valor no masculino e no feminino, já que somente a mulher deve manter-se bela para o seu par. Caso ela se torne feia, perde seu valor e é substituída, não importando os outros valores que possui. É a beleza que importa. A respeito do que a mídia mostra sobre o que é ser mulher, todas destacaram a exploração dos atributos corporais. Aline e Bárbara usam substantivos no aumentativo para desaprovar o que é mostrado acerca do corpo feminino, como “peitão”, “cabelão”, “bundão”, “coxão”. Bianca e Amanda criticam a nudez feminina oferecida pela mídia, sendo que esta caracteriza-a como machista e

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preconceituosa. Quanto à mulher representada na publicidade de produtos masculinos, esta é predominantemente percebida como detentora de uma beleza exagerada, voltada ao apelo sexual. Para Amanda e Bárbara, os corpos femininos, geralmente seminus e em poses provocantes, representam um modelo de perfeição corporal que não é encontrado nas mulheres “reais”. Portanto, para além da persuasão, essas imagens são uma fonte de ilusão. Aline acredita que o desnudamento dos corpos, nesses anúncios, auxilia na vulgarização do feminino. As três discordam das representações dos corpos femininos destinados a vender os produtos masculinos, pois acreditam que deveria haver espaço para as mulheres “feias”, ou seja, fora do padrão dominante. Bianca é a exceção. Esta é a única que concorda com as imagens nos anúncios para o público masculino, pois afirma que “o que é bonito é pra ser mostrado”, desde que não transmita uma mensagem maliciosa. Acerca da representação da mulher na publicidade de produtos de beleza, um pensamento semelhante é desenvolvido pelas entrevistadas. A maioria discorre sobre atributos corporais exageradamente exaltados. Mas, se para os produtos masculinos é a sexualização dos corpos femininos que se destaca, aqui é a ornamentação, já que as características mais citadas se referem à maquiagem, roupas e penteados. Ao criticar o elevado modelo de perfeição feminina que aparece nos anúncios, Amanda menciona as manipulações do Photoshop, um programa de edição de imagens, enquanto Bárbara aponta que, nesta publicidade, não aparece “uma mulher normal, uma mulher que é o padrão brasileiro”. Em contrapartida, Bianca assegura que por estar sempre bonita nestas publicidades, a mulher “aparece onde ela tem que aparecer”, concordando com as representações. Desse modo, associa naturalmente a beleza ao “belo sexo” (LIPOVETSKY, 2000, p. 109). Dessa forma, acerca do feminino nas publicidades, tanto de produtos masculinos quanto de beleza, para a maioria das entrevistadas aparece um conflito entre as representações oferecidas e as que gostariam de ver. Ou seja, no geral, elas declaram que não se reconhecem e que não se sentem representadas. Sobre a mídia estimular um padrão de beleza, as respostas seguem o mesmo viés que as anteriores. Amanda, Aline e Bárbara concordam que existe uma exaltação ao corpo magro, com silhueta fina, bumbum avantajado e seios fartos, reafirmando o padrão de perfeição física “abençoado pela mídia” que é verificado por Del Priore (2000, p. 79). Amanda ainda ressalta um outro padrão, o do corpo muito magro que incita a anorexia. Por outro lado, Bianca discorda das outras, afirmando que não existe um padrão, mas que as imagens mostradas pela mídia abrangem muitos tipos de mulher, em consonância com Braga (2003, p. 20). Todas as entrevistadas percebem que existe uma cobrança para que as mulheres sejam bonitas. Sem clivagem de classe, metade concorda abertamente com a obrigação, demonstrando consonância com as normas do gênero que pregam a “valorização” da mulher a partir da beleza, enquanto a outra metade discorda da cobrança. Todavia, a partir de suas falas, todas indicam moldar, em

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maior ou menor grau, seus corpos de acordo com as normas dominantes. Porém, ao discorrerem sobre a forma como a mulher é representada na mídia, a maioria se demonstra crítica sobre o padrão de beleza propagado. 5. Conclusão Acerca da beleza, percebe-se que as entrevistadas têm opiniões conflitivas. Quando incitadas a refletir sobre a mulher ofertada pelos meios, especialmente pela publicidade, a maioria delas é crítica. E criticar o padrão de beleza veiculado pode ser um modo de as entrevistadas se posicionarem como não conformadas por ele. Contudo, ao falarem de si, dos seus cuidados com a aparência, apontam que não querem ser uma mulher qualquer, mas uma mulher “interessante” (como pontua Aline), que esteja em consonância com o padrão dominante. Ou seja, racionalmente elas podem criticar a norma da beleza, mas acabam se aproximando dela. Embora não seja possível afirmar que a mídia tenha uma participação decisiva no delineamento das percepções, percebe-se que os consumos midiáticos de cada uma se refletem nas suas disposições. Apesar de indicarem ter admiração pelas mulheres de sua família, citam de forma espontânea, como mulheres que gostariam de ser, mulheres ligadas ao universo pop midiático. Independente da posição que ocupam na estrutura social, as concepções de beleza feminina parecem ser bastante inspiradas no universo midiático. Desse modo, sugere-se que, em alguma medida, elas se acercam das representações ofertadas pela mídia. Por fim, é possível concluir que as questões que envolveram a beleza podem ser pensadas a partir do conceito de familiaridade, advindo das representações sociais de Moscovici (2000). Isso ocorre porque percebe-se que, através da manipulação dos atributos corporais, há um esforço para serem reconhecidas como mulheres, ou seja, para dar ao seu corpo uma feição familiar à categoria “mulher”, enquadrando-o nas imagens do feminino que já são reconhecidas, ou seja, com as quais já existe familiaridade. Aproximando-se do conceito de consumo (CANCLINI, 1997), compreende-se que a adoção do padrão dominante de beleza pode ser uma forma de se integrarem ao grupo de referência “mulheres”, comunicando que são mulheres, bem como se distinguindo da categoria “homens”. A esse respeito, pontua-se que as pessoas transgêneras se submetem aos aparatos reguladores do gênero, a partir da incorporação das disposições femininas. Mas também o fazem as mulheres que não são transgêneras. Todas estão sujeitas aos rígidos esquemas regulatórios binários. Referências BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. _________________. Deshacer el género. Barcelona: Paidós, 2004. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

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Quero ser modelo: o consumo e os usos da beleza midiática feminina entre garotas que sonham em ser modelo Daniela SCHMITZ Universidade Federal do Rio Grande do Sul RESUMO: Este texto discute o consumo midiático de referenciais de beleza feminina, mais especificamente das modelos profissionais, entre garotas que sonham em seguir tal profissão. No total, 120 jovens foram entrevistadas e aqui se apresentará uma tipologia dos usos operados por essas jovens a partir deste consumo midiático específico. Uma breve discussão sobre as distinções entre as noções de consumo, usos e sentidos também é empreendida. PALAVRAS-CHAVE: Consumo midiático; Usos; Modelo. Introdução A mídia é uma grande impulsionadora da carreira de modelos e dos ideais de aparência construídos nesta profissão. Alçadas ao posto de celebridades midiáticas, um pequeno grupo de mulheres recebe anualmente milhões para expor sua imagem nos meios e associá-la aos mais diversos produtos, na chamada profissionalização da beleza feminina (LIPOVETSKY, 2000). São mulheres a serem copiadas pela aparência e sua popularidade provêm justamente dela, tomada como um ideal, embora distante do padrão corporal da grande maioria das mulheres. Neste panorama, é possível questionar o fenômeno das modelos desde o enquadramento midiático, em que a mídia ajuda a impulsionar a indústria da moda, da juventude e da beleza, mas também desde o ângulo das jovens que consomem os referenciais midiáticos de beleza do universo das modelos e buscam pertencer a ele. E este pertencimento é maior do que somente ostentar o mesmo padrão proposto pela mídia, como inúmeras mulheres buscam, é ajudar a ditá-lo, no exercício da profissão, quando sua figura será utilizada como “modelo” para a sociedade. Filiando-se a este segundo ângulo, traz-se parte da problematização e

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alguns dados originados na tese1, defendida em 2013, que investigou a construção do desejo juvenil de ser modelo profissional e o papel da mídia em tal processo. Em linhas gerais, o estudo filiou-se à abordagem sociocultural do consumo de García Canclini (2006) e à teoria dos usos sociais dos meios (Martín-Barbero, 2003), para investigar como a mídia e a família operam mediações na edificação desse desejo. O olhar e a entrada da análise se dão a partir do consumo midiático, concordando com a posição de Martín-Barbero (1995, 2006), quando argumenta que a recepção e o consumo cultural são eixos fundamentais para a compreensão do processo de comunicação. Para o autor, tais instâncias não são apenas uma “etapa”, como proposto na escola norte-americana, dentro do paradigma dos efeitos ou dos usos e gratificações. Na América Latina, o estudo da recepção/consumo implica num posicionamento teórico-metodológico que os vê como lugares a partir do quais se pode repensar todo o processo de comunicação. Aqui, de forma resumida, apresenta-se algumas reflexões sobre as noções de consumo, usos, sentidos e apropriações, tão caras aos estudos de recepção e consumo, para posteriormente apresentar uma tipologia dos usos dos conteúdos midiáticos identificados junto ao grupo de 120 garotas com que se trabalhou. Adianta-se que discutir tais concepções não é tarefa fácil, visto que não há uma tradição de reflexão a esse respeito na área de recepção, e que tais termos muitas vezes são tomados como sinônimos. A pouca discussão acerca das peculiaridades de cada uma dessas noções ainda soma-se à ampla gama de processos abarcados pelo consumo, o que dificulta sua problematização teórica. Barbosa e Campbell (2009) alertam que, com a emergência dos estudos sobre a temática do consumo nos últimos vinte e cinco anos, processos da vida social como “[...] o uso, a fruição, a ressignificação de bens e serviços, que sempre corresponderam a experiências culturais percebidas como ontologicamente distintas, foram agrupados sob o rótulo de ‘consumo’ e interpretados sob esse ângulo” (2009, p. 23). Para se chegar a uma proposta de distinção entre as noções, consultou-se dicionários de filosofia e sociologia2, além de buscar pistas nas obras de García Canclini e Martín-Barbero, autores basilares da investigação. A seguir, algumas considerações sobre a perspectiva sociocultural do consumo, adotada na tese, e suas peculiaridades em relação ao conceito de recepção. Na sequência, a metodologia empregada na pesquisa é apresentada, bem como os usos dos conteúdos midiáticos operados pelas jovens que sonham em ser modelo. Estudo de consumo ou recepção? A pesquisa filia-se à perspectiva sociocultural do consumo de Garcia Canclini (2006), na qual reivindica um olhar plural sobre o fenômeno, sem o 1 A investigação “Vivendo um sonho em família: consumo midiático, beleza feminina e o sonho juvenil de ser modelo profissional” foi defendida no PPGCOM UFRGS, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Nilda Jacks. Texto completo disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/78770. Acesso em: 15/01/2014. 2 Doze dicionários de filosofia e quatro de sociologia.

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recorte imposto por uma vinculação disciplinaria única. O autor aponta seis perspectivas a partir das quais o consumo já foi estudado, considerando-as visões parciais para o enfrentamento do fenômeno. A saber: a) Lugar de reprodução da força de trabalho e expansão do capital; b) Cenário de disputas pela apropriação do produto social; c) Lugar de diferenciação social e distinção simbólica entre classes; d) Sistema de integração e comunicação; e) Processo ritual; f) Cenário de objetivação de desejos. Cabe destacar que a forma como se opera a partir deste conceito de consumo sociocultural de García Canclini (2006) o afasta em alguma medida da teoria dos usos sociais de Martín-Barbero (2003). Tomando por base os apontamentos de Jacks e Escosteguy (2005), a primeira proposta está mais em sintonia com uma tradição sociológica, num caráter mais macro de análise, calcada no uso de técnicas de padronização de dados, enquanto a proposta “barberiana” está mais centrada no exame dos processos de recepção midiática propriamente ditos, focalizando mais a produção de sentido, num nível mais micro. Contudo, os próprios autores não se ocupam de tal distinção e, como destaca Ronsini (2012), ambos utilizam os dois termos para se referir ao mesmo processo. Embora os estudos de recepção e consumo de mídia sejam correntes no país há mais de 20 anos (vide os estudos sobre o estado da arte de Jacks, 2008, 2014), pouco se discute sobre as especificidades do consumo midiático. Na maior parte das vezes, esses dois conceitos são usados como sinônimos e a noção mais utilizada é a de recepção. Toaldo e Jacks (2013), numa tentativa recente de discorrer sobre o consumo midiático ponderam que se trata do consumo do que a mídia oferece: nos grandes meios – televisão, rádio, jornal, revista, internet, sites, blogs, celulares, tablets, outdoors, painéis ... – e nos produtos/conteúdos oferecidos por esses meios – novelas, filmes, notícias, informações, entretenimentos, relacionamentos, moda, shows, espetáculos, publicidade, entre outros. Neste contexto, a oferta da mídia inclui também o próprio estímulo ao consumo, que se dá tanto através da oferta de bens (por meio do comércio eletrônico e da publicidade), quanto no que se refere a tendências, comportamentos, novidades, identidades, fantasias, desejos... (2013, pp 6-7)

E o estudo realizado junto às garotas que sonham ser modelo foi orientado pela perspectiva do consumo que, entende-se como distinta de um estudo clássico de recepção. Isso porque o foco da investigação estava mais centrado numa análise diagonal sobre o consumo midiático da beleza feminina e da moda entre as jovens. Buscou-se muito mais elencar os meios, produtos e figuras femininas que faziam sucesso na mídia ao longo do relacionamento com os meios de comunicação e não focalizar um produto midiático em particular que tenha sido determinante na construção do desejo de ser modelo, o que estaria mais relacionado aos pressupostos que orientam um estudo de recepção. Sendo assim, a perspectiva do consumo midiático apresentou-se como relevante para a investigação pelo objetivo de aprofundar a análise dos múltiplos usos dos padrões midiáticos de beleza das jovens. Padrões que em grande medida a indústria da moda ajuda a estabelecer e propagar.

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Para avançar nas distinções entre as duas noções, traz-se a observação de García Canclini (2005) que destaca que uma perspectiva mais atual de consumo cultural é tomada para além da compreensão da recepção de um produto particular, mas como o conjunto de processos que condicionam e atravessam esta recepção. Assume-se também o argumento de Ronsini (2007) que, baseada em Leal (1995), propõe que um estudo de recepção preocupa-se em reconstruir como determinada mensagem de um produto midiático é decodificada, compreendida e vivenciada por um grupo de pessoas, enquanto no consumo de mídia o foco não estaria na apropriação de programas ou gêneros específicos, mas no entendimento do sentido geral das tecnologias da comunicação e na experiência vivida pelo receptor em seu cotidiano. Essas concepções também vão ao encontro do que propuseram Toaldo e Jacks (2013) quando ponderam que um estudo do consumo midiático observa o fenômeno sob um ângulo mais amplo que a pesquisa de recepção “justamente porque tem o foco direcionado para a relação com os meios e não com as mensagens, para usar uma imagem simplificada do processo” (2013, pp. 7-8). Mesmo trazendo autores pertinentes à discussão sobre as distinções entre consumo cultural (midiático) e recepção, admite-se que não há consenso na área sobre o tema e nem mesmo uma ampla discussão a respeito. Entende-se que uma investigação de consumo midiático distingue-se de um trabalho de recepção pela natureza da pergunta que os orienta. Embora possam ser pensados de forma complementar, um trabalho sobre o consumo sugere um olhar mais amplo, de orientação transversal em relação à totalidade de conteúdos midiáticos que se consome, podendo-se também recortar em um meio ou uma temática, por exemplo. Já a pesquisa de recepção vai dar conta de um gênero ou produto midiático específico, realizando um recorte que possibilite a captação e aprofundamento dos sentidos produzidos a partir de sua audiência. Pode adquirir uma orientação horizontal se a problemática a ser investigada envolva o relacionamento com o produto em nível sincrônico, mas entende-se que esse tipo de estudo requer uma circunscrição maior que uma investigação do consumo, em que os sentidos produzidos se constroem justamente na sobreposição de conteúdos, criando mosaicos nos quais se tece o sentido. Atenta-se ao fato que o entendimento aqui é de que a produção de sentidos não é restrita ao momento da recepção ou do consumo, o que complexifica ainda mais esse tipo de estudo. E é preciso ter em mente que, mesmo nas pesquisas de recepção, cuja circunscrição em relação à mensagem midiática é maior, o sentido se constrói em um determinado fluxo de consumo (JENSEN,1997). Uma pesquisa orientada pela perspectiva sociocultural do consumo de García Canclini “privilegia a experiência dos sujeitos como consumidores, o que nem sempre é coincidente com o processo de recepção midiática ou até mesmo com a ideia de membro de uma audiência” (JACKS e ESCOSTEGUY, 2005, p. 60). E vê-se o processo de captura do consumo e da recepção como etapas distintas, embora em alguns momentos possam se valer das mesmas técnicas de construção e análise de dados.

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Metodologia Na construção da pesquisa, optou-se por trabalhar com garotas que estivessem em dois níveis em relação ao desejo de ser modelo: de um lado aquelas que já tenham participado de algum concurso ou entrado em contato com alguma agência de modelos ou até já estejam agenciadas, mas em início de carreira; de outro, as que ainda mantinham a idealização da profissão em nível de “sonho”, que não tenham realizado nenhuma ação efetiva em busca dele. No total, 120 garotas entre 9 e 30 anos participaram da pesquisa , das quais 76% são gaúchas. O consumo midiático sobre o universo das modelos e a beleza feminina e seus respectivos usos foi explorado a partir de dois procedimentos que foram construídos em vista dos objetivos da pesquisa3: entrevistas individuais e em dupla (mãe e filha)4, questionários aplicados online e presencialmente. Na construção dos dados, cada técnica foi aplicada com grupos distintos de garotas. Essa configuração foi pensada a partir de uma proposta proferida por Orozco Gómez em palestra no PPGCOM da UFRGS, em 16/09/09, quando sugeriu que as várias entradas em campo de uma mesma pesquisa poderiam ser realizadas com grupos distintos, desde que o perfil principal fosse mantido, o que efetivamente ocorreu. Como principal justificativa para este procedimento metodológico, destaca-se que o cerne da investigação dava conta do contexto do “sonho coletivo” de ser modelo, embora muitas vezes se tenha recorrido a exemplos isolados para ilustrar alguns dados ou particularizar algumas questões. A técnica do questionário foi criada especificamente para explorar o consumo midiático das jovens5. E este consumo foi mapeado de três formas: a) em respostas espontâneas sobre o consumo de informações do universo das modelos, sem que a pergunta remetesse a espaços midiáticos; b) de forma induzida com foco no consumo de mídia em geral. Questionou-se sobre a frequência de consumo e as preferências sobre TV aberta e por assinatura, internet, rádio, revistas, jornais e cinema para ver se havia alguma predileção por produtos que remetessem ao universo das modelos; c) de forma induzida com foco no consumo de conteúdos midiáticos sobre modelos. Neste terceiro momento questionou-se o que já haviam consumido sobre modelos nos meios acima mencionados. Sobre os usos operados pelas garotas De forma resumida, compreende-se que o conceito de usos está voltado a uma ação, atitude, remanejo, emprego, posicionamento e até mesmo aceitação em relação ao que é consumido. A noção de uso, portanto, passa pela produção de sentidos inscrita tanto no consumo quanto nos próprios usos, pois é só 3 O limite etário que se havia estabelecido era de 25 anos, pois esta é a idade máxima permitida na maioria dos concursos e seleções de modelos. Porém, três mulheres acima desta idade (duas com 27 e uma com 30) responderam ao questionário online e optou-se por não se desconsiderar suas participações. 4 Para alcançar todos os objetivos da pesquisa, incluiu-se ainda o procedimento de observação de inspiração etnográfica, contudo, este não foi utilizado para compreender a relação com a mídia. 5 O mesmo questionário foi preenchido via internet, no site www.onlinepesquisa.com e também presencialmente em uma seleção de modelos em Porto Alegre.

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a partir dela que é possível posicionar-se a respeito do que se consome. Dessa forma, o uso seria uma operação sobre e a partir do que se adquire e estas operações podem se configurar como apropriações, aceitações, imitações, rejeições ou ainda outros tipos de usos, os quais se pretendeu mapear. Para construir a argumentação desta proposta, traz-se, em primeiro lugar, a discussão acerca do consumo que nos coloca Martín-Barbero: O consumo não é apenas reprodução de forças, mas também produção de sentidos: lugar de uma luta que não se restringe à posse dos objetos, pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais (2003, p. 302).

Entende-se, pelo que coloca o autor, que a partir do consumo é possível atribuir sentido e dar usos sociais aos objetos. Sua proposição aproxima “uso” de “ação”, corroborando a noção de operação a partir do consumo que se defende aqui. Martín-Barbero também condiciona e tensiona essa ação a partir de uma das mediações com que trabalha, a competência cultural, o que pressupõe o exame mais detalhado da fabricação de sentidos do sujeito, associada às suas experiências e vivências culturais que condicionam tanto os usos como a significação. Seguindo na definição de “usos”, nos oito dicionários de filosofia consultados6, apenas três trazem a noção, sendo que todos discutem o termo associando a significação ao uso, condicionando a primeira às formas a partir das quais “se usa”: “uso es en efecto, lo que se hace” (Mora, 1994, p. 3620). Propõem ainda que se atente para as lógicas do uso. Deste modo, pensa-se com Martín-Barbero (2003) que os usos são inseparáveis da situação sociocultural do receptor e, com De Certeau (2007), que nestes usos se expressam potenciais de apropriação, o que possibilita levar em conta o que a jovem “faz com” as informações sobre o corpo e padrões de beleza que vigoram na moda e na mídia, fabricando sentidos que muitas vezes podem ser desviantes e que são configurados a partir de referentes das práticas cotidianas, situadas em contextos socioculturais específicos. Entende-se que a perspectiva de apropriação de De Certeau possa ser útil para discussão, pois além de enfocar as processualidades do consumo, trabalha com a noção de ação dos sujeitos sobre o que é consumido. Na obra “A invenção do cotidiano” (2007), o autor discute as ações operadas desde o consumo a partir da noção de apropriação, em que o sujeito toma algo para si a partir de referentes próprios. O conceito de apropriação é tomado aqui como um tipo de uso, tal qual se considera copiar, rejeitar e aceitar os padrões midiáticos de beleza feminina, utilizando um exemplo específico da problemática da pesquisa a qual este texto se reporta. Por fim, como discute Martín-Barbero (2006), os usos falam para além da situação de classe, referem-se às competências culturais que atravessam as posições econômicas seja pela educação formal, mas também pelos saberes construídos a partir da etnia e da cultura local. 6

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Consultou-se também alguns dicionários de sociologia, nos quais o termo não foi encontrado. Artigos Completos

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No caso das garotas deste estudo, encontrou-se os seguintes usos dos referenciais midiáticos de beleza feminina, apresentados aqui de forma bastante resumida, em função dos limites deste artigo. E não há qualquer tentativa de hierarquizá-los quanto à importância ou frequência em que ocorrem. A) Informação: aqui podem ser agrupados a maior parte dos conteúdos consumidos e este uso se desdobra em outros, como se verá a seguir. A mídia é a principal fonte de acesso ao universo das modelos (96,8% declaram buscar informações no âmbito midiático), e o conhecimento pode ser uma forma tanto de criação, aproximação e consolidação do desejo das garotas. A busca por informações se dá de maneira mais expressiva via internet, e é neste meio que as jovens se informam como as agências selecionam as modelos que compõem o seu casting, seja nos sites institucionais ou fan pages das agências; também procuram conhecer mais sobre a vida das modelos, principalmente o início de suas carreiras ou o que fazem para manter a forma ou como se vestem; e ainda há busca de dicas sobre como adentrar na profissão ou sobre os concursos mais famosos. A1) Revelação: embora pudesse ser agrupado na categoria “informação” o consumo de making offs de produções de fotos e comerciais parece ter uma função/uso bastante específico, o de conhecer a “realidade”, acessando os bastidores da profissão. A2) Facilitação: diz respeito ao uso da internet para buscar informações sobre algumas agências de modelos, seus processos de seleção de jovens e até mesmo para envio de material fotográfico para que a agência possa avaliar a candidata. Este uso também pode ser operado para acompanhar o trabalho de colegas, principalmente oriundas dos cursos de modelo, que já estão trabalhando. E aqui a mídia é usada no sentido de tecnologia de comunicação, mais especificamente a partir das redes sociais na internet (Facebook, Orkut) e ferramentas de conversação (MSN, Skype). B) Acompanhamento: se o uso anterior tinha a finalidade de conectar-se com colegas e agências, o de acompanhamento não requer reciprocidade. É quando alguma garota segue outra só pra saber mais sobre a sua vivência na carreira de modelo. Podem ser ex-colegas ou totais desconhecidas garimpadas em grupos de discussão sobre o assunto. Esse acompanhamento pode ser mobilizado por curiosidade, admiração, inveja ou outro sentimento, contudo, há um filtro bastante claro aqui, somente as lindas, “as boas” merecem essa dedicação, como foi declarado por uma das entrevistadas. C) Referencial: este uso é mais proeminente em relação ao consumo de imagens de modelos, sendo que 28% das garotas buscam esse tipo de material na internet e 42,5% nas revistas. Identificou-se que o uso referencial pode ser acionado de duas formas: na busca por conhecer o que uma modelo profissional faz quando desfila ou fotografa; ou na busca por informações de uma modelo em especial, tomada como referência. A vida das modelos surge como terceiro maior interesse (16%) no consumo de internet. Algumas garotas indicaram que buscam conhecer a vida das mais famosas para se espelhar em suas trajetórias, e elas gostam principalmente de ler entrevistas com as profissionais mais renomadas.

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D) Idealização: este tipo pode se aproximar tanto do uso de informação como do de referencial, contudo, entende-se que algumas nuances possam demarcar o uso de idealização. Parte-se da definição do dicionário Aulete (online) para a palavra idealizar “imaginar coisa ou pessoa com qualidades ideais” para particularizar esse tipo de uso. E, pelos depoimentos das garotas, quem ocupa esse “trono” ideado é Gisele Bündchen a mais admirada pelas garotas entrevistadas. E) Imitação: o consumo de fotografias de moda, focalizando as poses das modelos, principalmente na internet e nas revistas, é usado para construção de um referencial que possa ser copiado em algum possível trabalho. F) Comparação: embora pouco explícito nos depoimentos, é possível inferir que a apropriação de alguns conteúdos midiáticos sobre modelos são usados para comparação entre o que mercado e a mídia valorizam e o que a garota oferece. As citações à busca das medidas corporais de Gisele Bündchen (2 garotas o fizeram) podem indicar essa modalidade de uso, embora não tenha sido declarada essa finalidade. A procura por conhecer mais sobre a alimentação das modelos ou o que elas fazem para manter a forma também poderia figurar como uso de comparação, já que as exigências de magreza da profissão são amplamente reconhecidas. Contudo, esse material pode ser usado tanto com fins de comparação, referência, informação ou mesmo imitação. Este tipo de uso também foi identificado com outro propósito, o de comparar os padrões de beleza em voga em distintas épocas. G) Legitimação: duas garotas relataram uma curta e decepcionante experiência na carreira de modelo e uma delas indicou buscar conteúdo justamente sobre as desilusões e dificuldades na carreira, a fim de legitimar sua desilusão. As várias garotas que buscam informações sobre o início de carreira das top models também podem estar usando esse conteúdo para legitimar sua experiência, caso encontrem histórias de profissionais que tiveram dificuldades no princípio, já que grande parte das garotas diz que tornar-se modelo não está sendo fácil. H) Estimulação: na busca pelas histórias de início de carreira das tops pode residir tanto o uso de legitimação da experiência, como também o uso de estímulo para aqueles momentos de desânimo em relação ao desejo. Buscar histórias de modelos que “deram certo” pode ter esse caráter, ou servir apenas à curiosidade. Todavida, o que se apresenta são suposições, visto que não há maiores indícios sobre esses usos nos depoimentos. I) Identificação: se o uso de legitimação pressupõe a busca por um tipo de conteúdo específico que se aproxime do que a garota vive, o uso de identificação pode ocorrer no consumo midiático sobre a carreira no geral, quando coincidentemente algo mostrado já foi vivido pela garota. Como no caso de alguma modelo que tropeça na passarela e a jovem já passou pela mesma situação. J) Pedagógico: grande parte dos conteúdos consumidos pode estar inscritos neste tipo de uso, quando as garotas se valem das informações para aprender como é ser modelo ou o que se deve fazer para chegar lá. Aqui, com exceção do uso facilitador e de comunicação, entende-se que poderiam figurar todos os exemplos dos outros usos já citados. J1) Adequação: uma garota revelou que usou a internet para descobrir

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como se vestir para uma seleção de modelos, buscando estar compatível com as exigências da profissão. Mesmo que este exemplo pudesse ser agregado ao uso pedagógico, optou-se em destacá-lo porque mais do que aprender com o que a mídia oferece, ela moldou-se conforme as instruções consumidas. K) Fantasia: todos os usos aqui apontados podem estar também relacionados ao hedonismo moderno, defendido por Campbell (2001), em que sonhar, fantasiar e devanear sobre o que se deseja é mais importante e prazeroso do que a consumação deste desejo. E os depoimentos das garotas que já adentraram a profissão de modelo confirmam que o “sonho” era mais intenso antes de se iniciarem na carreira. L) Crítico: algumas garotas, principalmente as que já tiveram alguma experiência na profissão, revelam que o que “a mídia” mostra da profissão não é real. Este último uso destoa dos demais, podendo ser considerado “desviante”, dentro do que propõe De Certeau (2007), pois elas negam, duvidam e criticam o que é midiatizado sobre a profissão. Sendo que o grau de criticidade depende da experiência vivida, quanto pior a vivência, mais crítica em relação ao conteúdo midiático a garota será. Considerações finais Na pesquisa a qual este artigo se reporta, tentou-se tratar os dados de forma que o consumo, os usos e os sentidos fossem apresentados e discutidos separadamente. Contudo, alguns dos usos elencados só puderam ser compreendidos a partir dos indícios que se obteve na produção de sentidos operada desde o consumo midiático, ou pelo contrário, os usos são indicadores dos sentidos produzidos e algumas pontuações são realizadas a esse respeito, mesmo que a discussão maior sobre os sentidos não tenha sido aprofundada aqui. Deste modo, tem-se mais um indício empírico do quanto os processos de consumo, usos e a produção de sentidos estejam entrelaçados, como já se postulou. Na problematização teórica edificada, apresentada aqui de forma resumida, argumentou-se que a apropriação seria um tipo de uso, distinto da cópia, rejeição ou aceitação porque se entende que na apropriação residiria uma operação muito específica de reelaboração do conteúdo consumido. Partindo da argumentação de De Certeau (2007), considerou-se que na ação de apropriação, o sujeito toma algo para si a partir de referentes próprios. Porém, para se chegar até uma classificação que determinaria o potencial de apropriação inscrito em cada uso identificado, ter-se-ia que deslindar o processo de recepção de determinadas mensagens, assim como analisar as próprias para compreender os aspectos de reelaboração que estariam presentes no consumo. Sendo assim, repensando a problematização teórica desde o tensionamento empírico, ao decidir imitar determinada postura de uma modelo da revista em um trabalho, a garota novata no mundo da moda está identificando a validade daquele conteúdo e a importância do que está retratado na revista ou internet. Assim, reconhece que ser publicizada no âmbito midiático é sinônimo de legitimidade e importância, logo, digno de ser copiado. Conhecer essa lógica midiática é revelador de competências e articulá-las, mesmo que para um uso

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de imitação, demonstra que sim, aquele conteúdo foi tomado para si a partir de referentes próprios. A rejeição aos conteúdos midiáticos, presente principalmente no uso crítico, também se opera da mesma forma. É preciso mobilizar a experiência/competência para então rechaçar tais conteúdos e, como se viu, a experiência concreta na profissão torna a jovem mais crítica em relação ao que a mídia mostra da profissão. Enfim, concluiu-se que a ação de apropriação está presente em todos os tipos de usos identificados, pois esta sempre se dá a partir de bases culturais e, segundo argumentação de Martín-Barbero (2003), a cultura marca a lógica dos usos. Referências BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. O estudo do consumo nas ciências sociais contemporâneas. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 21-44 CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. CERTEAU, Michel De. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2007. GARCÍA CANCLINI, Néstor. El Consumo Cultural: uma propuesta teórica. In: SUNKEL, Guilhermo. El consumo cultural en América Latina. Construcción teórica y líneas de investigación. 2ª Ed. ampliada y revisada. Bogotá: Convenio Andrés Belo, 2006. p. 72-95. ______. Políticas culturales y consumo cultural urbano. In: GARCÍA CANCLINI, Néstor. (coord.) La antropología urbana en México. México: Conaculta, UAM, FCE, 2005. JACKS, Nilda. (Org). Meios e audiências 2: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. JACKS, Nilda, PIEDRAS, Elisa; MENEZES, Daiane. Meios e audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2008. JACKS, Nilda; ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. JENSEN, Klaus Bruhn. La semiótica social de la comunicación de masas. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1997. LIPOVETSKY, Gilles. A Terceira Mulher: permanência e revolução do feminino. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MARTIN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. ______. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. ______. Recepción de medios y consumo cultural: travesías. In: SUNKEL, Guilhermo. El consumo cultural en América Latina. Construcción teórica y líneas de investigación. 2ª Ed. ampliada y revisada. Bogotá: Convenio Andrés Belo, 2006. p. 47-71 RONSINI, Veneza Mayora. O que falar de consumo e recepção de mídia quer

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dizer. Texto apresentado na 1ª Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção, 2012. Porto Alegre , 2012. ______. Mercadores de sentido. Consumo, mídia e identidades juvenis. Porto Alegre, Editora Sulina, 2007. TOALDO, Mariângela; JACKS, Nilda. Consumo midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção. 2013, Salvador. XXII Encontro da Compós. Salvador/BA, 2013. USOS. In: MORA, José Ferrater. Diccionario de filosofia. Tomo IV. Barcelona: Editora Ariel, 1994. Autora Pós-doutoranda em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, bolsista PNPD Capes. Doutora em Comunicação e Informação pela mesma instituição. Publicitária e mestre em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Pesquisa sobre recepção e consumo desde 2005. Email: [email protected]

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Instagram saudável: blogueiras fitnistas alimentando o comportamento do consumidor feminino Ariadni Ferrer Guimarães Frantz Loose Jamylle de Assunção Lima Centro Universitário Franciscano Resumo: Este artigo visa identificar a influência de blogueiras do segmento fitness em relação ao comportamento das consumidoras de seus perfis na rede social Instagram. O embasamento teórico baseia-se em estudos sobre o comportamento do consumidor, a influência das redes sociais e a tendência comportamental da alimentação saudável em busca da qualidade de vida. A metodologia utilizada refere-se a análise de conteúdo das publicações, baseada em uma abordagem qualitativa. Foram escolhidas três personalidades conhecidas no meio online por seus compartilhamentos a respeito de alimentação e vida saudável.O corpus foi formado a partir de dez postagens de cada uma delas sobre o tema, analisados a partir de quatro categorias. Como resultado, percebeu-se que a atuação de formadores de opinião no meio digital é uma tendência na atualidade e que a visibilidade dos nichos na Internet, como o das blogueiras fitness, influencia diretamente no comportamento feminino de consumo. Palavras-chave: comportamento do consumidor online; consumo feminino; Instagram. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem por objetivo refletir a respeito da influência das novas tecnologias de comunicação no comportamento do consumidor, especificamente do público feminino, em relação ao consumo de informações sobre alimentação saudável. Neste sentido, parte-se da problemática: como a rede social Instagram1, por meio de blogueiras fitnistas2, está influenciando o comportamento do consumidor feminino em relação à alimentação saudável? A escolha 1 Disponível em: . Acesso em 14 jul. 2014. 2 O termo fitnista deriva da palavra de origem inglesa fitness, que significa “estar em boa forma física”. Portanto, considera-se fitnista o indivídio que busca estar em boa forma física. Disponível em http:// www.significados.com.br/fitness/ Acesso em 27 jul. 2014.

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deste tema se deu a partir da constatação da preocupação feminina em relação à saúde e ao corpo fitness e também em função da crescente procura das mulheres por informações sobre reeducação alimentar. Este contexto tem impulsionado marcas e produtos relacionados ao setor da gastronomia, bem como cria uma nova tendência de mercado que necessitará de planejamento e marketing para grandes aproveitamentos. O artigo constitui-se como um estudo sobre blogueiras que trabalham a temática fitness relacionada à reeducação alimentar - na rede social de compartilhamento de fotos chamada Instagram. Desta forma, a pesquisa busca identificar a forma pela qual suas publicações influenciam o comportamento do consumidor feminino em relação à alimentação saudável no espaço online, a partir dos comentários e interações na referida rede social. Para que isso fosse possível, foi selecionada uma amostra de três blogueiras fitnistas brasileiras, de acordo com o critério de frequência de postagens dessas sobre a temática fitness, sendo essas: Carol Buffara3, Michelle Franzoni4 e Vivian Fabulous5. Tal frequência pode ser verificada com a adição dos perfis das blogueiras pelos Instagrans das autoras bem como a partir de sua popularidade nas redes sociais e veículos de comunicação6. Desenvolveu-se, assim, uma pesquisa em seu histórico online para que se delineasse o perfil de cada uma. Para dar prosseguimento à análise, separou-se uma amostragem das últimas dez publicações de cada blogueira em relação às suas rotinas de alimentação. A partir disto, com uma análise de conteúdo e o perfil referido de cada blogueira, pôde-se delimitar como esta prática pretende influenciar o comportamento do consumidor feminino. Por fim, esta investigação é relevante para à área do marketing, especialmente no que diz respeito à influência de líderes de opinião na difusão de marcas e produtos a públicos alvos específicos. Desse modo, através dessa análise, foi possível relacionar o tipo de abordagem que as blogueiras utilizaram e as formas de incentivo e, por vezes influência em nível narrativo, ao consumo da boa alimentação entre as mulheres. Assim, percebeu-se como as informações postadas eram consumidas simbolicamente pelas seguidoras. 2 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E O USO DA INTERNET O comportamento do consumidor é frequentemente moldado de acordo com a sociedade e com os grupos de referência no qual ele se insere. Segundo Karsaklian (2011, p. 14), “vivendo em sociedade, ele se submete a certas circunstâncias e pressões que vão influenciar seu comportamento”. Consequência disso, discorre Karsaklian (2011), é a procura por status, que reflete diretamente no consumo de determinados produtos, na busca de pertencimento a grupos específicos. Graves (2011) sustenta que não possuímos consciência do quanto 3 Disponível em: . Acesso em 14 jul. 2014. 4 Disponível em . Acesso em 14 jul. 2014. 5 Disponível em . Acesso em 14 jul, 2014. 6 Como pode-se perceber por suas dicas de exercícios e alimentação saudáveis veiculadas em programas de televisão, revistas e sites conhecidos, como o Programa da Eliana, da emissora SBT, a revista Casa Vogue, da Globo, e o site Boa Forma, da Editora Abril, por exemplo.

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podemos ser influenciados por outras pessoas, copiando-as mesmo sem perceber e seguindo o fluxo do consumo, ou seja, “as modas e os modismos evoluem a partir de nosso desejo de imitar os outros” (GRAVES, 2011, p. 136). Neste sentido, os consumidores buscam adequar-se ao grupo ao qual desejam se inserir, para obterem status perante a sociedade. A partir desta interação social, acabam sendo influenciados a adotarem ideias e comportamentos das pessoas que lhe são referência. Karsaklian (2011, p. 99) define essa interação social como um “processo que se dá entre dois ou mais indivíduos, em que a ação de um deles é, ao mesmo tempo, resposta a outro indivíduo e estímulo para as ações deste”, sendo assim estamos frequentemente estimulados socialmente a interagir e por conseguinte sermos influenciados pelo meio em que estamos inseridos. Para começar a compreender mais sobre o comportamento do consumidor em relação à internet, é importante ressaltar o perfil do público brasileiro. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia (2014), tanto na frequência quanto na intensidade do uso, esse público é predominantemente jovem, morador de grandes centros urbanos, com maior escolaridade e de classes econômicas A, B e C. A partir destas avaliações, pode-se fazer uma breve consideração a respeito desta nova geração colaborativa, formada por consumidores utilizam esse canal global para compartilhar suas experiências, satisfações ou necessidades em relação à marcas e produtos específicos. E é nesta interação que se redesenham os grupos de referência, tornando-se um ciclo de influências, no qual a informação é difundida e afeta aos demais consumidores próximos que, por buscarem fazer parte, tomam pra si a ideia do discurso difundido. Karsaklian (2011, p.100) reitera que “alguns sociólogos estimam que a influência social nunca foi tão forte como nos dias de hoje”, e para que se seja expandida esta sincronia é preciso eleger uma pessoa, um consumidor que lidere as interações sociais, pois “alguns se beneficiam de uma posição privilegiada dentro de alguns grupos: eles são chamados de líderes de opinião. Os demais que sofrem sua influência são chamados de seguidores” (KARSAKLIAN, 2011, p.108). 3 LÍDERES DE OPINIÃO Uma característica dos grupos sociais em que os consumidores se inserem na busca por status e interação, é a existência de uma ou mais pessoas que se sobressaem em relação às demais, Karsaklian (2011) define esta relação como liderança e afirma que estas pessoas possuem características na sua personalidade que os tendencionam a desempenhar este papel, tais como a dinamicidade e a proatividade. Os consumidores com este papel podem, em alguns casos, criar e remodelar novos grupos de referência, pois “um líder é naturalmente seguido por um grupo, pois é percebido como líder e por esse motivo exerce uma influência sobre os demais” (KARSAKLIAN, 2011, p. 109). Para a melhor compreensão do conceito de líderes de opinião, é importante partir da definição teórica de que grupos de referência são

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toda a agregação de interação social que influencia as atitudes e os comportamentos de um indivíduo (...) o grupo influencia a concepção que o individuo tem de si mesmo, constituindo-se em seu ponto de referência (KARSAKLIAN, 2011, p.101)

Outro autor que também aborda esta influência responsável por gerar os grupos sociais é Graves (2011), que explica que buscamos agir de acordo com o que os outros pensam, tentando nos adequar aos padrões que julgamos ser referência. Este comportamento, como já citada anteriormente, é a de copiarmos as atitudes dos outros inconscientemente, o que condiz muito mais com o psicológico da mente humana do que com atos racionais. Assim, a partir das interações entre o grupo de referência há a influência de um líder que possuí características para tal. Karsaklian (2011, p. 115) diz que um líder tem “necessidade de ser reconhecido como uma autoridade em seu domínio de influência. A autoridade confere-lhe a credibilidade que ele necessita para validar seu discurso”. Neste contexto, a autora afirma que para um líder tratar sobre determinado assunto ele não precisa, necessariamente, ser um especialista sobre o tema, desde que possua atributos em seu discurso ara que seja considerado um entendido na área perante seus seguidores. Já Graves (2011) traz um entendimento sobre como estes líderes conseguem a certeza de domínio no assunto para seus seguidores, mostrando que psicólogos sociais, a partir de experimentos, perceberam que a influencia está na frequente repetição do ponto de vista deste líder, desempenhando uma certificação de autoridade na temática tratada. A influência percebida e a autoridade no assunto em um grupo de referência é o que torna estes líderes de opinião uma grande estratégia mediadora de incrementos de marketing para as empresas, pois geram tendências de mercado e conseguem um contato direto com o consumidor, que por muitas vezes copia o seu comportamento mesmo sem perceber. Graves (2011, p. 145) sustenta que Saber como as pessoas podem ser influenciadas por apenas uma pessoa, especialmente alguém reconhecido como um perito ou uma celebridade por quem elas sintam afinidade, representa um mecanismo poderoso para construir as percepções sobre a sua marca.

De certa forma é preciso monitoramento diário destas interações, afinal, líderes podem conceder opiniões positivas e negativas em relação a determinado produto ou marca, dependendo da sua percepção com a mesma. Algumas estratégias em especial já são traçadas para trabalhar o relacionamento de empresas com os líderes de opinião, de forma que eles disseminem a informação aos demais consumidores e construam uma associação mais forte com o produto, minimizando as opiniões negativas. 4 COMPORTAMENTO DE CONSUMO FEMININO ONLINE Segundo estudos de Pozzo (2012), o consumidor de alimentos funcionais – alimentos que trazem benefícios à saúde - no Brasil ainda é pouco estu-

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dado, porém pode-se identificar que são normalmente do gênero feminino e que procuram qualidade de vida por meio da alimentação saudável. Buscam opiniões do líder do grupo de referência, sendo fortemente influenciados em relação às marcas e aos produtos. Não toleram falsa publicidade, pois são informados em relação à reeducação alimentar e nutrição, através da própria internet e de livros e revistas sobre o conteúdo. Buscam agilidade justamente por possuírem um perfil de vida mais ativo, conciliando sua saúde com trabalho, família, casa e atividades esportivas. Em relação aos produtos alimentícios, buscam dicas na internet e opiniões de líderes sobre marcas, mas realizam suas compras na cidade onde moram, em supermercados e lojas especializadas em produtos naturais e integrais. Este público possui uma frequência de compra diária neste segmento, não apenas por ser artigos de alimentação, mas também porque buscam manter uma alimentação saudável diariamente. E exatamente por este motivo que seguem as blogueiras fitness nas redes sociais, pois precisam de um incentivo e influência no seu cotidiano para serem lembradas de cuidar da sua saúde. Por isto, muitas vezes acabam criando contas próprias para compartilhar também seus pratos e adentrar ao grupo social desejado. 5 O INSTAGRAM E AS BLOGUEIRAS FITNESS A análise das produções de conteúdo pelas três blogueiras, observadas através de seus perfis no Instagram, justifica-se pela ascensão do uso do aplicativo em dispositivos móveis desde sua criação, em 2010. O Instagram é uma rede social elaborada para aplicativos móveis, como smartphones e tablets que permite a captura e o compartilhamento de fotografias. O crescimento da rede social, que alcançou o número de 150 milhões de usuários ativos em 2014, atraiu também o interesse de grandes marcas7. Segundo dados da Maximize Social Business8, mais de 1.300 marcas consideradas famosas possuem conta no Instagram. Nas publicações compartilhadas através do aplicativo utiliza-se uma ferramenta de categorização denominada hashtag, identificada pelo símbolo de sustenido. As hashtags são utilizadas como marcadores do tema da publicação, ou seja, atuam como palavras-chave que associam as postagens de diferentes perfis de usuários por categorias (exemplo: #saúde, #bemestar, #fitness, etc.). Desse modo, percebe-se que os perfis de marcas e de personalidades midiaticamente conhecidas ou que conquistaram muitos seguidores tornam-se influenciadores de consumo por meio das suas fotos publicadas na rede social. Nesse sentido, a capacidade de influência e a admiração provocada em seus seguidores por seus estilos de vida fizeram com que os perfis de personalidades como essas fossem selecionados como objetos de estudo deste artigo. A partir da escolha das personagens-objeto, desenvolveu-se uma pesquisa através de seus meios de divulgação, como blogs, perfis do Facebook e do Instagram para se obter alguns dados pessoais e, assim, elaborar um perfil 7 Disponível em: Acesso em: 27 jul 2014. 8 Disponível em: Acesso em 22 jul 2014

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identitário de cada uma. Idade, naturalidade, profissão, trajetória como blogueira e popularidade no Instagram foram algumas das informações identificadas, conforme explicitam os itens abaixo: 5.1 Carol Buffara (@carolbuffara) possui 301.002 seguidores em seu perfil no Instagram, no qual publicou 5.938 fotos. É uma carioca de 28 anos, e, segundo seu blog, sócia de uma loja multimarcas de luxo em Ipanema, bairro carioca. Gosta de esportes e busca de um estilo de vida saudável. Em janeiro de 2012 criou o Projeto Carol Buffara para dividir e trocar dicas de alimentação, saúde, beleza, esportes e atividades físicas com seus seguidores no Instagram. Além de suas experiências pessoais, a empresária apresenta dicas de profissionais do esporte e de saúde em seu perfil na rede social. Segundo seu blog, apesar do projeto levar seu nome, ele pertence a “todos que buscam levar uma vida mais saudável e feliz”. 5.2 Michelle Franzon (@blogdamimis) é seguida por 411.065 pessoas e durante a análise de seu perfil para este artigo, havia publicado 3.857 fotos em seu Instagram. Nascida em Florianópolis/SC, é artista visual, fisioterapeuta, especialista no método Pilates, Mestre em Engenharia de Produção, Doutora em Engenharia e Gestão do Conhecimento e ex-professora universitária. Tem 36 anos e gosta de escrever, viajar, bem como de gastronomia, atividade física e estilo de vida saudável. Emagreceu 33kg através de reeducação alimentar e exercício físico. Desde 2012 compartilha suas experiências e seus conhecimentos sobre culinária saudável, atividade física e qualidade de vida em seu blog na internet, o Blog da Mimis. Vivian Fabulous (@fabulousfit), Mineira, 33 anos, formada em Serviço Social, possui 100.058 seguidores e 1.752 publicações. Mora nos Estados Unidos, tem uma filha de 7 anos e é proprietária de uma loja virtual de produtos importados de beleza e estética. Gosta de maquiagem, compras, moda e fotografia. Tem um blog sobre maquiagem e beleza desde 2009, mas somente em 2013 começou a postar fotos e textos sobre qualidade de vida, alimentação e atividades físicas, quando criou o Projeto Fabulous Fit. A partir de então, criou um perfil no Instagram para compartilhar sua rotina de reeducação alimentar e exercícios. 6 METODOLOGIA E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS A fim de analisar os perfis do Instagram de três personalidades escolhidas para este trabalho, as blogueiras X, Y e Z, estabeleceram-se três etapas metodológicas, a revisão bibliográfica, a observação online e seleção de postagens e a análise de conteúdo das mesmas. Na revisão bibliográfica, foram pesquisadas referências teóricas sobre marketing, pesquisas qualitativas em profundidade e comportamento do consumidor. Para compor a análise de conteúdo, foram selecionadas dez publica9 ções do Instagram de cada uma das figuras-objeto da pesquisa, extraídas entre o dia 16 e o dia 26 de junho de 2014, que remetessem à gastronomia saudável 9 Postagens analisadas. Disponível em: Acesso em 27 jul 2014.

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e/ou a alimentos funcionais. Por fim, foi utilizada como procedimento de coleta de dados a observação de postagens por meio da criação de quatro categorias - Divulgação do blog; Prato do dia; Receita; e Indicação de marca/produto - bem como a apresentação das informações adicionais de cada uma das blogueiras em seus perfis no Instagram e em seus blogs. O objetivo era observar a intenção de influência das três personalidades em relação às suas seguidoras. Analisou-se há quanto tempo as blogueiras utilizam redes sociais para tratar do mundo fitness; quais as redes sociais utilizadas para se comunicar com seus seguidores; quantos seguidores possuem em cada rede social; qual o público predominante dos seus seguidores, em relação à idade, gênero e região do Brasil; patrocínios de marcas de produtos e alimentos do segmento fitness; marca própria de produtos relacionados ao mundo fitness; e, enfim, qual a intenção de influência sobre seus seguidores em relação aos produtos e alimentos consumidos e compartilhados via Instagram. A análise de conteúdo é um procedimento metodológico que se refere à coleta de dados de determinado meio através da observação por um viés qualitativo que demanda interpretação do conteúdo estudado. Em relação à análise qualitativa, na perspectiva abordada por Creswell (2007), o estudo nesse âmbito compreende a interpretação subjetiva do objeto de estudo pelo pesquisador para, assim, se chegar a um resultado. O autor define algumas características pertinentes à pesquisa qualitativa, dentre as quais destacam-se a coleta de dados, a visão de que o pesquisador é instrumento chave do estudo e a análise dos dados desenvolvida a partir da interpretação amplificada. Nesse sentido, o artigo optou pelo método de análise de conteúdo a fim de observar de um modo qualitativo os dados coletados durante o estudo. Bardin (2006) considera a análise de conteúdo uma técnica de investigação objetiva e eficaz. Além disso, segundo Richardson (1999), esse método possibilita a extração de partes consideradas mais importantes pelo pesquisador, para que sejam analisadas de modo mais aprofundado. Em relação ao presente estudo, assim, foi selecionada uma quantidade pequena, porém representativa, das publicações das personagens para que se pudesse observar o conteúdo e a forma de interação destas com seus seguidores. Para se desenvolver a análise de conteúdo, utilizou-se o método da categorização, que, conforme Bardin (2006), é a classificação e o agrupamento de conteúdos por características em comum. Assim, as publicações foram agrupadas em quatro categorias de análise, de acordo com os tipos de postagens da amostra selecionada, sendo elas: receitas, pratos do dia, divulgação do blog, indicação de marca/produto. Com isso, contabilizou-se o número de postagens por tema, o número de curtidas, o número de comentários, além das hashtags utilizadas, conforme pode ser visto nas tabelas abaixo, a qual tem o objetivo de apresentar as publicações selecionadas através da categorização por quatro eixos, conforme citou-se anteriormente. Os critérios de coleta de dados se deram em relação às publicações mais recentes no período de observação às quais remetiam ao tema alimentação saudável.

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Carol Buffara

Michelle Franzon

Vivian Fabulous

Divulgação do blog Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #marcelofacini #gastronomiafuncional Nº de comentários: 32 Nº de curtidas: 1.458

Receita Hastag utilizadas: #receitadamimis e #projetomimis Nº de comentários: 379 Nº de curtidas: 2.723

Indicação de marca/ produto Hastag utilizadas: #projetobefabulous Nº de comentários: 58 Nº de curtidas: 1.411

Prato do dia Hastag utilizadas: #carrotjuice #lunchtime #projetocarolbuffara #eatclean #projetocarolbuffaraemmiami Nº de comentários: 30 Nº de curtidas: 2.349

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetomimis Nº de comentários: 64 Nº de curtidas: 3.731

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 28 Nº de curtidas: 1.725

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #projetocarolbuffaraemmiami #juice #eatclean #753code Nº de comentários: 52 Nº de curtidas: 2.263

Receita Hastag utilizadas: #projetomimis #videodicasdamimis #receitadamimis Nº de comentários: 206 Nº de curtidas: 3.690

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 26 Nº de curtidas: 1.493

Divulgação do blog Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #healthyfood #fitchef Nº de comentários: 42 Nº de curtidas: 1.752

Divulgação do blog Hastag utilizadas: #paodemeldamimis #receitadamimis #projetomimis Nº de comentários: 310 Nº de curtidas: 3.708

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 24 Nº de curtidas: 1.199

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Carol Buffara

Michelle Franzon

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #projetocarolbuffaraemmiami #juice #eatclean #753code Nºde comentários: 37 Nº de curtidas: 2.265

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetomimis Nº de comentários: 49 Nº de curtidas: 2.971

Receita Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #healthytips #healthysnacks Nº de comentários: 226 Nº de curtidas: 3.307

Receita - indicação de marca/produto Hastag utilizadas: #projetomimis #midwaylabs #parceiro Nº de comentários: 42 Nº de curtidas: 3.074

Receita Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #healthytips #healthysnacks Nº de comentários: 226 Nº de curtidas: 3.307

Receita - indicação de marca/produto Hastag utilizadas: #projetomimis #midwaylabs #parceiro Nº de comentários: 42 Nº de curtidas: 3.074

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #açaí #semxarope#753code #eatclean Nº de comentários: 66 Nº de curtidas: 3.487

Receita Hastag utilizadas: #imperdivel #projetomimis #receitadamimis Nº de comentários: 165 Nº de curtidas: 3.559

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Vivian Fabulous Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 31 Nº de curtidas: 2.037 Indicação de marca/ produto Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 24 Nº de curtidas: 1.272 Indicação de marca/produto Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 24 Nº de curtidas: 1.272 Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 26 Nº de curtidas: 1.505 Artigos Completos

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Carol Buffara

Michelle Franzon

Vivian Fabulous

Indicação de marca/ produto Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #tapioca #semgluten #semlactose #vegan #honey #melorganico #healthyfood Nº de comentários: 99 Nº de curtidas: 2.296

Divulgação do blog Hastag utilizadas: #projetomimis Nº de comentários: 101 Nºde curtidas: 2.379

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 26 Nº de curtidas: 1.505

Divulgação do blog Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #healthycookies Nº de comentários: 70 Nº de curtidas: 1.935

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetomimis #videodicasdamimis Nº de comentários: 170 Nº de curtidas: 2.942

Prato do dia Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 86 Nº de curtidas: 1.584

Indicação de marca/ produto Hastag utilizadas: #projetocarolbuffara #healthylaricadominical #tofutti #pitachips #watermelonjuice Nº de comentários: 67 Nº de curtidas: 1.974

Indicação de marca/ produto Hastag utilizadas: #projetomimis #kerococo #publipost Nº de comentários: 118 Nº de curtidas: 3.759

Indicação de marca/produto Hastag utilizadas: #projetobefabulous #projetobefabulous2014 #teambueno #buenoconcept #projetopánacaradasociedade #buenoteam Nº de comentários: 15 Nº de curtidas: 680

Tabela 1. Relação da amostra de postagens, hashtags utilizadas e número de comentários e curtidas.

Com base na coleta de dados, observou-se o número de publicações referentes a cada categoria nos perfis das personagens-objeto do estudo: CATEGORIAS Carol Buffara Michelle Franzon Vivian Fabulous Receita 1 4 0 Prato do dia 4 3 7 Divulgação do blog 3 2 0 Indicação de 2 2 3 marca/produto

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Tabela 2. Comparação das categorias de análise. Artigos Completos

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A partir da análise de conteúdo e da categorização de temáticas, foi possível perceber que entre as três blogueiras, a mais seguida e por conseguinte as postagens mais curtidas e comentadas foram as de Michelle Franzon. Logo na sequência, Carol Buffara e Vivian Fabulous, com a sua maioria de postagens em um número maior que mil curtidas e vinte comentários. Nesta primeira abordagem já foi possível compreender que as blogueiras são líderes de opinião perante o grupo de seguidoras em que se inserem. Elas também possuem características de líderes, conforme já citado por autores, com um perfil ativo e repetições de opiniões e dicas que revelam um certo conhecimento em relação ao tema alimentação saudável, o que as tornam especialistas no assunto para seus seguidores, conforme Graves (2011, p.144) comenta “não é só o tom de voz que torna a opinião mais dominadora e influente, a natureza da opinião em si também muda a forma como as pessoas são influenciadas por ela”. É possível perceber que as blogueiras utilizam hashtags próprias, ou seja, criadas por elas mesmas. Neste contexto entram três amostras importantes: #projetocarolbuffara, #projetomimis e #projetobefabulous, hashtags presentes em todas as postagens de cada blogueira. Esta personalização e repetição cria uma identificação do público e facilita a busca de postagens por parte dos seguidores. Algumas hashtags são traduzidas para o inglês também, demonstrando que elas procuram liderar grupos de referência em nível internacional. Quando citam marcas, deixam visível esta relação com hashtags com o nome da marca e com palavras específicas como “publieditorial” e “parceria”. Na categoria receitas, Franzon lidera com quatro postagens, seguida por Buffara com apenas uma, enquanto Fabulous não postou nada nesta temática. Entre todas as postagens de Franzon, a mais curtida e mais comentada é sobre receitas, sendo 3.960 curtidas e 379 comentários. Estes números lideram também a amostragem total em curtidas e comentários das postagens das três blogueiras. Nas fotos compartilhadas de Buffara, este assunto também lidera o número de comentários de todas as postagens, sendo 226 na sua única amostra de receitas. Na categoria prato do dia, é possível analisar que está presente no cotidiano das três blogueiras, sendo que Fabulous lidera em números de postagens, sendo sete entre dez analisadas. O maior número de curtidas em postagem, tanto para Buffara quanto para Fabulous, está presente nesta temática, sendo 3487 e 2037 respectivamente. Na categoria divulgação de blog, apenas Franzoni e Buffara criam postagens que direcionam especificamente para o endereço dos seus blogs. Neste quesito elas preferem não postar a receita diretamente na rede social Instagram e apenas informar que esta está completa no blog, assim instigando seus seguidores. Na categoria indicação de marca/produto, as três blogueiras participam e nesta amostragem das últimas dez postagens sobre o tema, todas tiveram uma quantia de duas inserções de marcas. Com isso percebemos que as marcas já estão cientes da tendência de mercado e da oportunidade de marketing utilizando estas líderes de opinião. Em relação aos números de curtidas e co-

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mentários, os maiores são 3759 e 118 respectivamente, sendo este o segundo maior número de curtidas em toda a amostragem. Por estas razões vemos que a inserção é bem vista pelas seguidoras. Com esta análise pode-se entender quais os conteúdos das publicações que as blogueiras fitness utilizam para opinar sobre alimentação funcional para seus seguidores, sendo as duas mais importantes delas, nomeadas como receitas e pratos do dia. Dessa maneira, conseguem incentivar suas seguidoras apresentando seu dia a dia e influenciando-as a seguirem as receitas dos pratos postados. Para identificação, elas utilizam a personalização e a repetição de hashtags além de termos presentes destes grupos, como “healthy food” e “fitchef”. Por fim, outras ferramentas utilizadas por elas para envolvimento de seguidores é a divulgação de seus blogs, onde publicam mais conteúdo fitness e sobre alimentação saudável e funcional. Diferentes empresas e marcas já estão utilizando-se de sua influência - como a Rexona, patrocinadora da Michelle Franzoni ou a Gap, que patrocina a Carol Buffara, por exemplo - por meio de inserções com dicas de alimentos que utilizam. No entanto esta presença é sempre identificada por uma hashtag, informando aos seguidores que se trata de uma informação de caráter comercial/publicitário ou uma parceria. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema trabalhado neste artigo é o resultado de uma sociedade que, nos últimos anos, cultuou uma vida desregrada, estressante, com inúmeras responsabilidades que os impediam de dar atenção a uma boa alimentação. Consequência disso foi a geração de uma população acima de seu peso ideal, que buscou formas milagrosas de emagrecimento e prejudicou a sua saúde. Após um grande esforço de conscientização, da busca por profissionais que indiquem uma reeducação alimentar, foi-se criando uma nova cultura de alimentação saudável. E, dessa forma, é percebido a crescente busca por alimentos funcionais e nutritivos, em especial entre as mulheres, que tem associadas a uma elevada carga cultural que lhes exige seguir os padrões de beleza midiáticos. Autores como Karsaklian (2011) e Graves (2011) já tratavam desta perspectiva de influência de líderes, dissertando que o marketing deve estar atento a estas mudanças para planejar estratégias de alcance deste novo consumidor, tais como lançar os produtos com o apoio deste influenciador ou então enviar informações privilegiadas a eles, já que muitas vezes são considerados especialistas na área por seus seguidores. O conhecimento de como se dá a interação social dentro destes grupos de referência é primordial para o desenvolvimento do marketing neste nicho, usufruindo esta tendência de mercado. Além disto, o dispositivo móvel é uma ferramenta em crescente evolução e abrangência mundial em diversos públicos. Por fim, pode-se perceber que a inserção do marketing nesse segmento de alimentos saudáveis e funcionais deve aliar o contexto da rede social, das perspectivas do consumo multicanal e da influência de líderes de opinião. Porém, investindo em um conteúdo colaborativo, divulgando informações, a exem-

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plo de receitas e dicas, ao mesmo tempo em que deve-se atentar para a utilização de estratégias comunicacionais que sejam transmitidas de modo natural ao cotidiano do público que se quer atingir. Referências BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3 ed. Lisboa: Edições 70, 2006. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. GRAVES, Philip. Por dentro da mente do consumidor: mito das pesquisas de mercado, a verdade sobre os consumidores e a psicologia do consumo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2011. Pesquisa Brasileira de Mídia 2014. Disponível em Acesso em 23 jun 2014. POZZO, Danielle Nunes. O sistema de inovação de alimentos funcionais: um estudo exploratório no Rio Grande do Sul. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2012. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

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Leituras da Revista TPM: Dados Parciais de um Estudo com Mulheres em São Paulo Giovanna Lícia Rocha Triñanes AVEIRO Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP Resumo: O presente artigo apresenta dados parciais de uma investigação empírica realizada com leitoras da revista femininas TPM, desenvolvida no quadro de uma pesquisa de mestrado ainda em desenvolvimento. Trata-se de uma análise de recepção sobre a revista TPM que busca refletir junto às suas leitoras, se a revista empreende deslocamentos no que se referente à imagem da mulher presente nas revistas femininas hegemônicas. Para tanto, foram realizadas uma entrevista e uma discussão em grupo, moderada e orientada por um roteiro. TPM.

Palavras-chave: recepção; revistas femininas; discurso; gênero; revista Introdução

A proliferação de títulos de revistas destinadas às mulheres é expressiva no mercado brasileiro atual, fortemente marcado pelo binarismo masculino/ feminino. A imagem da mulher presente na imprensa feminina1 comercial se caracterizou, desde o século XX, como conservadora e conformista, pautada por estereótipos e distante de rupturas de padrões ou de movimentos de liberação (BUITONI, 1995, p.135-136). Salvo vozes isoladas2, Dulcilia Buitoni (1995) aponta nessa “linha tradicional” de revistas femininas uma forma de convencimento desses estereótipos, centrados no vestir, no morar e no sentir, como ideais e desejáveis. Tais revistas femininas tradicionais estabilizaram seus discursos sobre a imagem da mulher, tornando-se então, a partir de Ernesto Laclau e Chantal Mou1 Imprensa feminina é um dos termos usados por Dulcilia Buitoni para se referir às revistas femininas, cadernos em jornais e outros produtos midiáticos destinados às mulheres. 2 Em seu extenso trabalho sobre a imagem da mulher na imprensa feminina brasileira, a autora aponta Josephina Alvares de Azevedo como defensora da educação das mulheres no jornal A Família; a revista anarquista Renascença de Maria Lacerda de Moura; a coluna da revista Claudia assinada pela feminista Carmen da Silva na década de 1960 sobre direitos da mulher; o tratamento dado ao assunto da Aids nas revistas Capricho e Marie Claire na década de 1990 (BUITONI, 1995, p.135).

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ffe (2004), em “linha hegemônica”. Assim, beleza, juventude, espaço doméstico e amor romântico monogâmico heterossexual são elementos articulados em sua formação discursiva. Consumo, trabalho e desejo sexual passam a ter valor nessa rede para atender às demandas das transformações da vida moderna. A revista TPM é lançada em 2001, pela editora TRIP, com posicionamento crítico ao simulacro da identidade feminina unívoca presente nas demais revistas brasileiras do mesmo segmento consolidadas ao final do século XX. O editor Paulo Lima, na primeira edição da revista, descreve tal modelo de mulher como “uma pessoa simplória, de horizontes estreitos, com pouquíssimo potencial, de espiritualidade rasa, cultura próxima do zero, tipo físico medíocre, que se agarra a regimes, [...] plásticas [...] [e etc.], para lutar com todas as forças a fim de laçar um pobre diabo que a carregue” (TPM, 2001, grifo do autor). Ao se contrapor, TPM participa na disputa discursiva pela significação da imagem da mulher em busca da desestabilização do discurso hegemônico. Considerando esse cenário, temos por objetivo central da pesquisa de mestrado, ainda em desenvolvimento, investigar se a revista Trip Para Mulheres, a TPM, imprime deslocamentos em relação às possibilidades do ser mulher visibilizadas na mídia impressa feminina, ampliando as limitações do domínio do gênero presentes nos discursos hegemônicos. Se ela o faz, que caminhos de liberdade constrói em relação ao modelo heteronormativo das outras revistas femininas? A proposta deste texto é expor dados preliminares da parte empírica desta pesquisa, realizada com leitoras da revista TPM. Para tanto, iniciaremos com uma reflexão teórica sobre tal cenário descrito nas linhas anteriores e encerraremos com a apresentação das leitoras e suas percepções sobre a revista. Convocações Biopolíticas e o Domínio do Gênero Desde o início de sua história, no final do século XIX, as revistas femininas investem numa produção sobre o que é ser mulher, numa busca por esgotar e fixar seus sentidos. Nessa investida, perde-se o horizonte do caráter histórico e aberto do significante mulher. Essa construção simbólica e imaginária instaura, assim, um regime de verdade. Além disso, a partir da década de 1960 ganham força nesse mercado os discursos marcados por uma estratégia didática, criada na revista norte-americana Cosmopolitan, que “reveste de cumplicidade a autoridade do discurso” (GALLO, 2008, p. 35) para persuasão da leitora amiga. A autoridade desse discurso fica garantida pelo tripé que constitui os textos: apresentação de um método eficaz, a fala de um especialista da área científica e depoimentos de personagens que corroboram o argumento. Essa fórmula característica de se fazer revistas femininas e suas construções do ser mulher estão presentes nas diferentes convocações empreendidas pelos diferentes enunciadores. Esse dizer verdadeiro instaurado como hegemônico é investido de valores e significações pelas enunciadoras, que convocam a adesão das leitoras, orientando-as no caminho a percorrer. Pensadas a partir da noção de dispositivo de Agamben (2009), tanto as revistas quanto os media em sentido abrangente, operam via convocação na busca pela “captura da atenção e do engaja-

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mento [da leitora] na modalização proposta” (PRADO, 2013, p.58). As narrativas construídas pelos dispositivos comunicacionais articulam posições de sujeitos, e, portanto, implicam em “processos de subjetivação” (AGAMBEN, 2009, p.38). As convocações, deste modo, constroem cenas ligadas à fantasia “para que os sujeitos nelas se constituam” (PRADO, 2013, p.61). É a narrativa dessas cenas que atribuem valor e significação aos objetos e, assim, encenam o desejo do outro a partir do qual os sujeitos se constituem; no caso dos media, encenam o desejo do grupo ao qual o sujeito pertence e/ou quer pertencer. Cabe evidenciar a origem na psicanálise lacaniana destas concepções, a partir da qual a fantasia é concebida como estruturadora da realidade dos sujeitos e da realidade social, distante da noção de ilusão. Seja a poderosa de NOVA, a sarada de Women’s Health, a super mãe de Claudia, etc. Todos os modelos de mulher presentes nas revistas femininas hegemônicas funcionam como promessas de sucesso e realização em todas as áreas – conquista do parceiro ideal, do orgasmo que você nunca teve, do casamento dos sonhos, da família perfeita, da promoção no trabalho, do salário que você não tem, do corpo que você deve ter, da beleza desejada, da alimentação que você deve seguir, e por ai continua a lista sem fim de modalizações do dever fazer da leitora. Essas convocações biopolíticas empreendidas pelas revistas femininas, enquanto dispositivos, configuram o que Butler (2003) chama de domínio imaginável do gênero. A autora se refere a quadros regulatórios que policiam a aparência do gênero. É no cenário desses quadros que o gênero se dá como repetição de atos e estilização contínua do corpo, em conformidade com “padrões reconhecíveis de inteligibilidade do gênero” (BUTLER, 2003, p.37). Os limites desse domínio são definidos pelos termos do discurso hegemônico da cultura, fazendo circular como fato natural e substantivo o que é “performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da coerência do gênero” (BUTLER, 2003, p. 48. grifo do autor), sendo a coerção “introduzida naquilo que a linguagem constitui como o domínio imaginável do gênero” (BUTLER, 2003, p.28). Temos nos discursos das revistas femininas hegemônicas o desenho desse domínio, centrado numa unidade da categoria das mulheres, além da sua aparência natural e da hierarquia da heterossexualidade. Na busca pela fixação dos sentidos sobre a mulher, as revistas femininas tradicionais tornaram-se um dispositivo comunicacional alheio “a multiplicidade das interseções culturais, sociais e políticas em que é construído o espectro concreto das ‘mulheres’” (BUTLER, 2003, p. 35). Determinam os efeitos de certa construção histórica cultural (a mulher esposa e mãe, vaidosa e prendada, etc), como causa de todas as mulheres em qualquer tempo e lugar; elegendo a hetenormatividade por sua matriz principal. Assumimos, então, a perspectiva de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2004) sobre a impossibilidade de totalização do social. Os significados não são fixados inteiramente, na medida em que “seu campo de ação está determinado pela abertura do social, pelo caráter [...] não-fixo de todo significante” (LACLAU; MOUFFE, 2004, tradução nossa). Discurso aqui é a produção resultante de práticas articulatórias que organizam as relações sociais e que buscam o domínio da

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discursividade. É sempre contingente e histórico, porém calcado num horizonte de plenitude que ambiciona a (impossível) totalização da sociedade, envolvendo a “construção de antagonismos e o desenho de fronteiras políticas entre os ‘de dentro’ e os ‘de fora’” (HOWARTH; STAVRAKAKIS, 2000, p.4, tradução nossa). Assim, a prática hegemônica busca dar conta do social através da articulação de suturas discursivas que articulem um volume cada vez maior de significantes em sua rede de equivalências. A revista TPM, todavia, ao se contrapor às demais revistas femininas, constrói seu discurso “de fora”, disputando a desestabilização das hegemônicas. Em 2014 TPM completou 13 anos de existência no mercado. Entretanto, com tiragem mensal de 50 mil exemplares ao mês está distante do volume de tiragem mensal das revistas tradicionais às quais se opõe, como por exemplo, Claudia, 400 mil exemplares, e NOVA, 223 mil exemplares neste ano. Segundo dados divulgados pela revista em 2014, desse público leitor 92% são mulheres, 88% têm ensino superior completo, 25% estão entre os 19 e 25 anos e 70% entre os 26 e 45 anos. Essas informações sobre o perfil da leitora correspondem aos perfis das mulheres participantes da presente pesquisa. Leituras da Revista TPM Os dados preliminares expostos a seguir compõem uma análise da recepção, conforme a perspectiva de Jensen e Rosengren indicada por Nilda Jacks e Ana Carolina Escosteguy (2005). Trata-se de um olhar sobre a mensagem dos meios na sua dimensão de formas culturais abertas a distintas leituras e que assume as leitoras enquanto ativas e produtoras de sentidos. A análise de recepção se distingue por sua natureza qualitativa e empírica, pois a centralidade de sua proposta reside na mensagem dos meios, comparando o discurso da revista e das leitoras para compreender o processo de recepção. Para o conhecimento das percepções das leitoras, optamos pela utilização do método de discussão em grupo moderada e orientada por um roteiro. Após aprovação do projeto de pesquisa do mestrado pelo Comitê de Ética da PUC-SP, as leitoras da revista foram recrutadas através da rede social Facebook e selecionadas a partir da assiduidade de leitura e do tempo de intimidade com a revista. Idealmente seriam organizadas duas discussões em grupo, com 4 a 8 participantes de idades próximas, seguindo o mesmo roteiro de discussão nos dois encontros. Devido às dificuldades de realização desse método de pesquisa (sincronização das agendas de todos os envolvidos, confirmação de um número mínimo de participantes, superação de imprevistos na rotina dos participantes no dia do encontro, etc), a amostra pesquisada foi composta por uma entrevista individual e uma discussão em grupo, totalizando 10 mulheres participantes, entre 24 e 45 anos, residentes na cidade de São Paulo. Os encontros aconteceram numa agencia de publicidade localizada no bairro de Pinheiros, na zona oeste da cidade de São Paulo. Na primeira discussão agendada, somente uma leitora compareceu. Com ela seguimos o roteiro que havíamos elaborado. No segundo encontro agendado, 9 leitoras compareceram, e, além dos ajustes que fizemos no roteiro para melhor aproveitamento do tempo, o grupo conduziu a discussão de modo que alguns blocos não foram contemplados, sem prejuízos

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aos objetivos da investigação. Este percurso é fundamentado em Uwe Flick (2009) no que diz respeito aos seus apontamentos sobre o método de pesquisa de discussão em grupo. Trata-se de uma discussão na qual “o grupo transforma-se em uma ferramenta para a reconstrução de opiniões individuais” (FLICK, 2009, p. 182), sem que os participantes estejam isolados da forma como se comunicam e se relacionam na vida cotidiana. A interação entre os participantes, a negociação de consensos, estimulada pela dinâmica do grupo permite a produção, manifestação e troca de opiniões e posicionamentos que não surgiriam com a utilização de entrevistas individuais organizadas, por exemplo. O grupo realizado com 9 leitoras se caracterizou como heterogêneo pela idade das participantes (de 24 a 45 anos) e foi composto somente para a realização da discussão, chamado de grupo artificial. Um grupo heterogêneo agrega diferenças nas características dos participantes, com o objetivo de “ampliar a dinâmica da discussão de modo que muitas perspectivas diferentes sejam manifestadas e também para romper a reserva dos participantes individuais por meio da confrontação entre essas perspectivas” (FLICK, 2009, p.184). Para tanto, Maria Collier de Mendonça (profissional na moderação de grupos) e Giovanna Lícia assumiram o papel de moderadoras da discussão, intervindo no direcionamento das dinâmicas da interação, ou seja, exercendo o controle das pautas da discussão, introduzindo perguntas, orientando no aprofundamento de tópicos específicos, além da utilização de questões provocativas “polarizando uma discussão branda ou acomodando relações de dominância, atingindo intencionalmente aqueles membros que estejam mantendo um comportamento mais reservado durante a discussão” (FLICK, 2009, p.184). Contudo, a discussão realizada encontrou sua própria dinâmica e desenrolar. Não frear as iniciativas das participantes, favorecendo um espaço aberto para que a discussão acontecesse, tornou-se um papel importante da moderação. As decisões sobre a coleta de dados são tomadas, portanto, durante a própria discussão, pois não há controle sobre a discussão e o direcionamento do grupo só pode ser planejado de forma aproximada. A discussão seguiu as orientações de um roteiro de perguntas abertas, seguindo as etapas de explicação das expectativas do encontro, apresentação dos membros, discussão e encerramento. Iniciamos a discussão explorando o perfil das leitoras e a relação de cada uma com as revistas femininas em geral, seus hábitos e motivações de leitura. Em seguida, foram distribuídos exemplares da revista TPM com o propósito de coletar informações sobre as percepções da revista, seus pontos fortes e fracos, e de saber se ela cumpre sua promessa de ser uma revista feminina diferente das demais. A técnica projetiva foi empregada para personificar a figura da mulher TPM, levantando traços da imagem da revista. A discussão foi encerrada com a coleta de informações sobre os fatores de envolvimento, mobilização e aspectos de interação dos conteúdos lidos nas vidas cotidianas de suas leitoras. Quem são elas? Das 10 leitoras, nenhuma é casada ou tem filhos. Todas possuem ensino superior completo. Quatro mulheres têm entre 24 e 27 anos. Formaram-se na área que gostam e estão em busca de viabilizar a indepen-

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dência financeira nesse campo. Além disso, buscam descobrir o que fazer para dar continuidade às suas formações profissionais, seja nesse mesmo campo, seja saindo dele pela descoberta de novos interesses que possam viabilizar seu sustento financeiro. Samanta, 24 anos, formada em psicologia. Pietra, 27, licenciada em artes. Valéria, 26 anos, é jornalista, assim como Marina, com 27 anos. Apenas Marina possui emprego fixo, trabalha como agente escolar. Optou por fazer concurso por desespero, mas ainda faz trabalhos freelancer em sua área de formação. Valéria mora com os pais e trabalha como freelancer exclusivamente no jornalismo. Pietra trabalhou com educação de artes, mas atualmente procura outros trabalhos. Samanta está trabalhando no consultório modelo de sua universidade. Outras cinco mulheres estão na faixa etária entre 31 e 36 anos. Patricia e Larissa, com 31 anos, e Ana Julia, com 36, estão realizadas profissionalmente. A primeira cursa doutorado em biologia em São Paulo, considera que está no melhor momento de sua vida. A segunda se formou em arquitetura. Trabalhou na área, fez uma especialização, mas abandonou o ramo. Após um ano sabático, aos 31 anos tem sua própria marca de acessórios. Por fim, a terceira, gosta do seu trabalho como psicóloga na área de doença mental. Participa de uma rede online de apoio a meninas com transtornos alimentares, área na qual já trabalhou. Marcela e Pamela estão em busca de maior realização. Marcela é formada em publicidade e propaganda. Hoje aos 31 anos trabalha numa agência de publicidade, mas não está feliz com o volume de trabalho que consomem seus dias. Quer se dedicar a outros interesses. Pamela tem 35 anos. Possui mestrado em ecologia e descobriu odiar a academia. Fez sua segunda graduação em design. Hoje não trabalha em nenhuma das duas áreas. Atua como fotógrafa freelancer, passeia com cachorros, faz de tudo. Está em crise, mas tenta “não se criticar muito”. Assim como elas, Valesca, de 45 anos, diz se sentir angustiada com o fato de fazer muitas coisas, pois se abrem muitas possibilidades de escolha. Valesca é doutoranda em história social, professora universitária e cantora. Nenhuma delas se identificou como leitora de revistas femininas. No entanto, todas liam a revista TPM. Quando citamos nomes de algumas revistas femininas como Claudia, NOVA, Caras, etc, a ironia e sátira foram unanimes. A revista mais próxima do grupo é a Piauí. O momento da leitura para as mulheres na faixa dos 20 anos se dá em trânsito, no ônibus. Entre as mulheres na faixa dos 30, a leitura acontece em casa, seja como companhia para uma refeição sozinha, seja no banheiro. Todas ressaltam gostar de folhear a revista. No entanto, Pamela, a fotógrafa, e Samanta, psicóloga, sentem-se incomodadas com o volume de papel e lixo que geram. Por isso optam pela leitura online. Elas e Larissa indicam que quando se interessam por algum conteúdo mais longo ou querem demostrar apoio a determinado trabalho realizado pela revista, compram a edição. Somente Marcela, publicitária, assina a revista. Diz que decidiu ser assinante para dar apoio à proposta da revista. Patricia, antes de iniciar sua pós-graduação em São Paulo, morada em sua cidade natal no Pará. Nunca conseguiu assinar a revista. Sempre que alguém próximo viajava, pedia que trouxesse a revista para ela. Ana Julia não é assinante também devido a problemas de

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distribuição da editora TRIP. As palavras amparo, força e provocação são usadas por elas para descrever como se sentem ao ler a revista TPM, quais os benefícios que a leitura traz. Ao identificarem na revista posturas semelhantes às que elas tomam em suas vidas sobre diversos aspectos, contam que encontram amparo e força. Para elas, a TPM é a única que traz possibilidades de vida não tradicionais, e por isso se sentem confortadas e fortalecidas. Patricia, doutoranda em biologia, diz que frequentemente ao se posicionar sobre determinado assunto em alguma discussão acaba indicando a leitura de alguma matéria da TPM para sustentar suas opiniões. Para ela, a TPM é a única revista feminina que abre espaço para mulheres que, assim como ela, não tem o sonho da maternidade. Samanta diz encontrar as mesmas coisas em assuntos diferentes com os quais se preocupa. Ela se sente surpresa e aliviada quando encontra na revista as mesmas preocupações que pareciam ser só uma questão menor particular. Valéria, jornalista, diz se sentir provocada pela revista que de forma recorrente a leva a questionar seus próprios valores e atitudes, com os quais ela achava que não tinha problema. Por vezes se questionou se era uma pessoa machista e levou a discussão para seu circulo de amigas. Assim como Patricia, Valéria também já indicou leituras que considerou pertinentes para pessoas ao seu redor que, segundo ela, têm posicionamentos machistas. Nessa mesma perspectiva, Samanta também valoriza o diálogo e as discussões que TPM traz em suas matérias, sem que tenham qualquer fechamento. Para ela, a TPM assume que nada está dado, que não há respostas prontas. Um ponto forte e ao mesmo tempo fraco da revista indicado por elas é a oferta de alternativas para “quebra de paradigma”, conforme disseram. É consenso no grupo que a TPM se apresenta, sim, como uma revista que quer quebrar paradigmas estabelecidos. No entanto, para Valéria, apesar de a revista se propor a isso e despertar questionamentos, ela não consegue mudar o padrão atual, uma vez que em suas capas as celebridades são sempre magras, bonitas e bem-sucedidas. Ana Julia também aponta: “Ela vende isso, mas não faz muito no dia a dia”. Leitora da revista desde seu início em 2001, Ana Julia completa: “Desde o inicio a revista tem uma postura de seja você mesma, curta o seu corpo. Mas fiquei indignada que eles passaram 2 meses fazendo propaganda de um tratamento pra celulite. Eles tem uma postura...eu entendo que precisa de propaganda, mas não tem o menor sentido aquela propaganda ali”.

Elas se mostraram críticas aos conteúdos “mulherzinha”, “clichezinho” ou “lugar comum” que às vezes aparece na revista. Quando encontram algum conteúdo desse tipo acham pior do que se vissem o mesmo conteúdo nas outras revistas femininas, onde já é esperado que eles apareçam. Assim, elas consideram que a TPM apresenta, ainda que de forma suavizada, seus próprios padrões sobre as mulheres. A sessão Badulaque é citada por anunciar o que não se pode fazer – comumente as ações ditas “mulherzinha”, cozinhar, ver novela, ser blogueira fashionista, etc, não são autorizadas. Nas sessões sobre decoração, moda e beleza é possível encontrar roupas muito caras, meninas muito novas bem sucedidas, magras e ricas. A sessão permanente de nu artístico masculi-

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no divide opiniões. Sobre ela, surge um conflito a respeito da figura da mulher autônoma. Larissa questiona se a mulher pós-liberação deve seguir o modelo masculino. Ela interroga as outras leitoras se a TPM deve trazer ensaios de nu masculino, à semelhança dos ensaios femininos presentes na revista masculina TRIP, da mesma editora. Ela se posiciona confusa sobre o momento atual e qual deveria ser o caminho da proposta da TPM, mas não está satisfeita com a referência do modelo masculino de liberação. Já as seções de entrevistas longas, como Páginas Vermelhas, e as matérias das edições que exploram determinada temática são valorizadas. A preferencia por histórias de pessoas comuns que fizeram algo interessante é compartilhada por todas, em detrimento a entrevistas com celebridades que são facilmente encontradas e, qualquer veículo midiático. Valorizam pessoas reais e histórias não maquiadas, perfeitas demais, com excesso de coisas maravilhosas. É nesses dois espaços da revista em que TPM apresenta e constrói alternativas possíveis para as mulheres. Em síntese, as leitoras definem a TPM como uma revista libertadora. Conclusão Na entrevista e na discussão em grupo foi possível perceber até aqui que TPM realiza deslocamentos importantes para as mulheres que a consomem. Deslocamentos discursivos relativos, sobretudo, a modalização do dever fazer empreendida pelas revistas femininas hegemônicas. Na fala das leitoras, a revista apresenta possibilidades para o ser mulher que estão ausentes nas demais revistas. Essas mulheres se compreendem fora da positividade do discurso hegemônico. Em lugar da unidade do modelo de mulher hegemônico, TPM oferece para suas mulheres leitoras caminhos de liberdade que se apresentam no fato de que em sessões onde seu projeto se realiza, está distante a obrigação do dever fazer, do dever de atender às expectativas dos padrões determinados pelas convocações dos dispositivos comunicacionais. Há um alargamento do domínio inteligível do gênero para as mulheres, porém, sem deslocá-lo da heterossexualidade. No entanto, como diz Buitoni, “sair do padrão pode significar mais vida” (1995, p.144) Referências AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. BUITONI, Dulcília. A imagem da mulher na imprensa feminina brasielira: é possível sair do padrão?. Revista da Biblioteca Mário de Andrade. v. 53, São Paulo, jan./dez. 1995. p. 135-147. BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003. ESCOSTEGUY, Ana Carolina; JACKS, Nilda. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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GALLO, Denise de Alcantara Mirabelli. Receitas de mulher: construções das figuras femininas na publicidade impressa. 107 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica), 2008, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. HOWARTH, David; STAVRAKAKIS, Yannis. Introducing discourse theory and political analysis. In: HOWARTH, David; STAVRAKAKIS, Yannis; NORVAL, Aletra J. (Org). Discourse theory and political analysis: identities, hegemonies and social change. Manchester: Manchester University Press, 2000. LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia y estratégia socialista. 2 ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2004. PRADO, José Luiz Aidar. Convocações biopolíticas dos dispositivos comunicacionais. São Paulo: EDUC, 2013. TPM. n.1, 2001

Sobre a autora: Giovanna Lícia Rocha Triñanes Aveiro é mestranda no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica (COS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, bolsista do CNPq, sob orientação do Profo. Dr. José Luiz Aidar Prado. É formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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A Eficácia do Product Placement na Telenovela Em Família: um Estudo de Recepção sobre o Conteúdo Publicitário Beatriz Braga BEZERRA Marcela Costa Carneiro da CUNHA Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE RESUMO: A publicidade tem sofrido transformações constantes diante da evolução tecnológica, do acesso à informação e da permanente alteração dos perfis de consumo dos diversos públicos-alvo. Os consumidores atuais são mais exigentes, críticos e empoderados. Diante disso, o presente trabalho tem por objetivo analisar a eficácia das inserções de marca, definidas aqui como Product Placement, na telenovela Em Família. Detalha-se o processo de investigação, através de questionários, de uma amostra de telespectadores; as questões levantadas; as respostas encontradas; e a análise dos resultados, visando a otimização das ações realizadas. PALAVRAS-CHAVE: recepção, Product Placement, telenovela, publicidade, Em Família. Apresentação metodológica O objetivo do presente trabalho é verificar a eficácia da estratégia publicitária do Product Placement1 a partir de um estudo de recepção que considera o consumo da telenovela da Rede Globo, Em Família. Em primeiro lugar, optamos pela telenovela Em Família, pois dentre as que estavam no ar, no período da realização da pesquisa (25 de junho a 10 de julho), presentes no horário nobre (18h às 00h), Meu Pedacinho de Chão, não tem inserções publicitárias em sua narrativa e Geração Brasil, apesar de ter inserções, não estava sendo exibida integralmente em função dos jogos da Copa do Mundo. Assim sendo, Em Família era a única telenovela exibida com o capítulo completo no horário nobre da Rede Globo de Televisão, 1 O conceito de Product Placement será discutido mais adiante. Diante disso, não nos estendemos na sua definição aqui.

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apresentando inserções publicitárias. Somado a isso, vale salientar que consideramos um estudo de recepção porque fazemos uma análise mais fechada, não pensando na relação dos consumidores com a TV, mas sim detalhando os aspectos do produto midiático deste meio na dimensão do seu conteúdo, neste caso, publicitário. Para a execução deste estudo, realizamos uma pesquisa quantitativa através de questionário com 19 perguntas, relacionadas à inserção de marcas em telenovelas como um todo e em específico na telenovela Em Família. Destas, 17 eram questões fechadas e duas abertas. Estas últimas não eram obrigatórias e visavam conhecer a opinião e comentários dos respondentes. Ao todo, 220 telespectadores de Em Família, responderam ao questionário, configurando-se, assim, a amostra da pesquisa. O questionário foi elaborado no Google Drive e compartilhado via Facebook. Além do objetivo principal de verificar a eficácia da inserção de marcas na telenovela Em Família, a pesquisa quantitativa realizada tinha os seguintes objetivos secundários: entender de que forma a inserção de marcas é vista pelos telespectadores; refletir sobre o conhecimento dos telespectadores a respeito da terminologia empregada para conceituar a inserção de marca; identificar possíveis demandas de consumo de marcas fictícias criadas no universo narrativo de Em Família; e, por fim, analisar o conhecimento dos telespectadores a respeito do Merchandising Social2. Antes da elaboração do questionário e análise dos resultados obtidos, tínhamos como hipótese principal o fato de que a inserção de marcas, na telenovela Em Família, não é eficaz porque os telespectadores não lembram das marcas, embora percebam que a estratégia publicitária é constante nesta telenovela. Igualmente, partimos do pressuposto de que a inserção de marcas é vista como invasiva; atrapalhando a fruição do telespectador em relação à trama da telenovela. Acrescenta-se aí a hipótese de que a inserção de marcas é associada ao termo Merchandising bem como o Merchandising Social é um termo popularmente conhecido pelos telespectadores. Por último, partimos do princípio de que os telespectadores consideram as inserções de marca como uma influencia no consumo das mesmas. Com a realização da pesquisa, algumas hipóteses foram comprovadas outras não. Todavia, antes de apresentarmos os dados obtidos e analisarmos os resultados, entendemos que é condição sine qua non refletirmos sobre a publicidade, suas características e a estratégia do Product Placement. Para tanto, recuperamos trabalhos anteriores3 e argumentos de alguns autores da área na tentativa de tornar nossa reflexão mais sólida. Reflexão sobre a publicidade O sistema capitalista é formado por duas esferas: produção e consumo. Na primeira, máquinas e trabalhadores concretizam o mundo. Disso, resulta um 2 Novamente, outro termo que será discutido mais adiante, não sendo necessária, agora, a sua abordagem. 3 A discussão sobre publicidade faz parte da dissertação da autora Marcela Cunha (2012) sobre narrativas transmidiáticas como estratégias publicitárias. Já a discussão sobre Product Placement foi desenvolvida, de forma mais ampla, na dissertação da autora Beatriz Bezerra (2014) sobre o Product Placement no Cinema Brasileiro.

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produto impessoal, seriado e anônimo o qual não apresenta marca do sujeito, uma vez que as máquinas separaram o trabalhador do fruto de seu trabalho, deixando de fora a dimensão humana daquilo que se produz. Assim, o modo de produção capitalista se estrutura e, apresenta um caráter desumano. Logo, é extremamente difícil determinar qual é o papel do trabalhador no produto final, pois, “tanto do ponto de vista lógico quanto do ponto de vista sensível, [...] o “mundo humano” é o grande ausente” (ROCHA, 1995, p. 63). Já na esfera do consumo, esse produto “desumano” será consumido por sujeitos que devem “ter face, nome e identidade para que tenham lugar no fluxo de vidas específicas” (idem, p. 27). Neste sentido, vê-se a oposição entre a esfera da produção e a esfera do consumo. Enquanto uma caracteriza-se, sobretudo, pela ausência do humano, a outra ratifica sua presença. Para tanto, o produto se humaniza através da publicidade, que cumpre a função de omitir os processos de produção e apresentar o produto a partir de um lugar imaginário, lúdico, onde a realidade e seus percalços são dissolvidos no mundo do sonho. A publicidade, neste sentido, “cala o produto e fala do bem de consumo. O produto calado em sua história social se transforma num objeto imerso em fábulas e imagens” (ibidem, p.67). Com efeito, a publicidade lança mão de distintas estratégias para apresentar o bem de consumo, procurando-o diferenciar dos demais e assim, atingir os sujeitos que vão consumi-lo. Tão somente porque a publicidade tem como característica a busca pelo convencimento, ou seja, visa conquistar o consumidor e levá-lo “através de vários níveis (desconhecimento – conhecimento – compreensão – convicção e ação), ao objetivo visado – a compra do produto/serviço” (MONNERAT, 1999, p. 98). Logo, tem como objetivo maior provocar uma mudança de atitude do consumidor, fazendo-o adquirir determinado produto/serviço e/ou aderir à imagem criada pela marca. Para tanto, a publicidade lança mão de estratégias direcionadas e centradas nos consumidores, seus modos de vida com a finalidade de se aproximar deles, tornar-se íntima, gerar um diálogo coloquial entre o produto, serviço, a marca e um “você”, para dar a ideia de que a mensagem fala com cada consumidor individualmente (CUNHA, 2012). Nesse sentido, a publicidade conta com a ajuda da mídia para veicular seu conteúdo sob a forma de spots de rádio, anúncios impressos, banners online, perfis de marcas em mídias sociais, VTs, e inserções de marcas em programas e filmes. Dessa forma, entendemos que a publicidade desempenha uma relação simbiótica com a mídia de maneira que que o consumo de produtos está diretamente ligado ao consumo midiático. Este, considerado aqui, levando em conta as reflexões de David Morley (1996) e Mariânegela Toaldo e Nilda Jacks (2013), a partir da compreensão de que consumir mídia denota o processo da prática de ver televisão e filmes no cinema, ler jornal e revista, escutar rádio, acessar sites e mídias sociais, entre outros, como atividade. No entanto, são significativos os desafios que a mensagem publicitária enfrenta, hoje, para atingir os consumidores. A abundância de informação, a possibilidade de não entrar em contato com anúncios publicitários através do

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zapping4, do Digital Video Recorder (DVR)5 e do Adskipping6, e inclusive, do desinteresse dos próprios consumidores, tem feito com que a publicidade fuja da abordagem tradicional de interrupção e da imposição e busque novas estratégias (CUNHA, 2012). Desse modo, a publicidade tem se apresentado, conforme Rogério Covaleski (2010), camuflada na diversão e no entretenimento, mas sem perder sua função persuasiva. Nesse sentido, percebemos algumas tendências em relação à publicidade. A primeira, refere-se à comunicação cada vez mais personalizada, baseada no modo pelo qual, cada consumidor se relaciona com a marca. Outra tendência está ligada ao desenvolvimento de campanhas que empregam multiplataformas de mídia, especialmente, as digitais, para que o consumidor interaja com a marca. São campanhas que serão “degustadas” a partir do interesse espontâneo dos consumidores sobre elas (idem). Soma-se aí a utilização de narrativas como estratégias publicitárias. Como é o caso da inserção de marcas Product Placement em telenovelas, o que iremos discutir no tópico seguinte. Product Placement Conhecido no Brasil, equivocadamente, como Merchandising, o Product Placement ou Tie-in se caracteriza, de acordo com Raul Santa Helena e Antonio Pinheiro (2012), pela inserção de marcas e produtos de forma sutil e fluida nas tramas audiovisuais. Patrícia Burrowes (2008) amplia o cenário de atuação dessa estratégia e inclui jogos digitais, romances e até canções. Mas essas aparições de marcas e produtos não são recentes: figurando em obras renascentistas de Veneza desde o século XVI, os produtos simbolizavam superioridade e eram inconfundíveis para a sociedade italiana da época. Da pintura à televisão e o cinema, a inserção de produtos se torna corriqueira e até fundante, como é o caso dos programas patrocinados, no início da história televisiva (DONATON, 2007). Faz-se necessário, para fins metodológicos, esclarecer a confusão sobre os termos: Merchandising, Merchandising Editorial e Product Placement. Armando Sant’Anna (2002, p. 23) define Merchandising de modo amplo como “todos os aspectos de venda do produto ou serviços ao consumidor, prestados através de canais normais do comércio através de meios que não sejam os veículos de publicidade”. O Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa (2002) é mais específico: “uma corrente da propaganda não declarada feita através da menção ou aparição de um produto, serviço ou marca durante um programa de televisão, rádio, teatro e cinema”. A partir desse último conceito, podemos entender o Merchandising como toda inserção comercial em shows, novelas, filmes, eventos e outros formatos de entretenimento (ZENONE; BUAIRIDE, 2005). Outros autores, porém, nomeiam essa prática de Merchandising Editorial, Product Placement ou Tie-in. Para Regina Blessa (2006), 4 Prática de troca frequente de canais televisivos através do controle remoto. 5 Digital Video Recorder é um gravador de vídeo que permite a captura da programação da televisão e seu armazenamento em disco rígido, com a possibilidade de detectar e excluir a publicidade veiculada no intervalo da programação. Um das marcas mais populares é a TiVo. 6 Tecnologia presente em algumas operadoras de TV por assinatura que permite que a exclusão de comerciais durante a gravação da programação do canal.

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quando falamos em Merchandising editorial, cujo nome usado em outros países é Product Placement ou Tie-in, falamos das aparições sutis de um refrigerante no bar da novela, da sandália que a mocinha da história “sem querer” quase esfrega na tela, na logomarca estampada virtualmente no meio da quadra de um evento esportivo, numa demonstração de produto dentro de um programa de auditório, etc (ibidem, p.6).

Para a autora, o termo Merchandising acaba englobando, no Brasil, diversos tipos de utilizações de marca, descaracterizando o sentido da palavra que está associado originalmente às ações com mercadorias nos pontos de venda. O Merchandising, por derivação de sua tradução, seria “o conjunto de técnicas responsáveis pela informação e apresentação destacada dos produtos na loja, de maneira tal que acelere sua rotatividade” (ibidem, p.7). Juan Droguett e Bruno Pompeu (2012) enumeram diversas possibilidades comunicativas para ações em PDV’s7: cartazes, displays (mostradores), faixa de gôndola (tiras nas prateleiras), adesivo de chão, banner, entre outros. Dessa forma pode-se diferenciar o Merchandising “tradicional” do Merchandising editorial, sendo o primeiro uma ação nos pontos de venda e o segundo uma estratégia publicitária de inserção de marca em conteúdos de entretenimento. Eneus Trindade (2007) explica que o termo Tie-in tem base no conceito americano do Merchandising televisivo e por sua tradução “amarrar dentro de” é possível entender essa prática como uma inserção de propaganda dentro de um programa ou algum conteúdo/mídia que não tem origem publicitária, definição coerente com a caracterização do Merchandising editorial. Mas as duas práticas não podem ser equiparadas. Santa Helena e Pinheiro (2012) pontuam, então, uma distinção das nomenclaturas: o termo Merchandising (editorial) seria usado para se referir à presença de produtos em conteúdos de entretenimento, como acontece nos programas de tevê ao vivo, em que o apresentador interrompia o roteiro para falar de uma marca; o Product Placement não tem esse objetivo. Enquanto no Merchandising (editorial) há de certa forma, a mesma mentalidade da publicidade convencional, de interromper o fluxo natural do conteúdo de entretenimento, no Product Placement a ideia é que essa presença ocorra de forma fluida, mais sutil e gerando menos repulsa por parte dos telespectadores (SANTA HELENA; PINHEIRO, 2012, p.157).

Nesse sentido, Blessa (2006) aprofunda seus estudos na área e diferencia a aplicação do Product Placement dentro de uma narrativa em três níveis distintos: Screen Placement (somente aparição na tela), Script Placement (citação verbal) e Plot Placement (produto integrado à trama). Fernando Pallacios (2010) acrescenta ainda o Story Placement (integração fundamental do produto à trama). De acordo com esses níveis, seria possível avaliar o papel das marcas dentro das narrativas (se interrompem o fluxo ou não, se estão integradas à trama ou não) e observar se a intensidade das inserções modifica a imagem que o consumidor tem desses produtos. Embora não haja consenso sobre as nomenclaturas, e buscando orga7 Abreviação de ponto de venda. Usado coloquialmente entre os profissionais de marketing e publicidade.

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nizar as reflexões propostas e a partir das conceituações teóricas apresentadas, construímos o quadro-resumo a seguir no intuito de organizar as nomenclaturas e aplicações de cada estratégia. TERMO

DEFINIÇÃO

Merchandising Ações no ponto de venda que visam promover marcas, produtos e serviços. Merchandising Editorial

Inserção de produtos e marcas em conteúdos de entretenimento de forma invasiva, ou seja, interrompendo o fluxo imersivo e seguindo a lógica do break publicitário.

Product Placement ou Tie-in

Inserção de produtos e marcas em conteúdos de entretenimento sem interromper o fluxo imersivo. O discurso publicitário se integra à trama ou informação que o leitor consumia.

Quadro 01 - Comparativo sobre conceitos de Merchandising e Product Placement.

Quanto ao termo Merchandising Social, Trindade (2007) define como a prática em telenovelas de “valores positivos para o bem-estar coletivo da sociedade ou que prestam um serviço de utilidade pública à comunidade” (ibidem, p.344). De acordo com a tipologia desenvolvida por Santa Helena e Pinheiro (2012) que considera 14 modalidades distintas do Product Placement, ações entendidas como “Sociais”, sobretudo com a difusão maciça de telenovelas da Rede Globo, podem ser classificadas como “Behavior” ou “Ideologic”, se referindo, respectivamente aos temas propostos por telenovelas com o objetivo de conscientização e mobilização (comportamental), ou de motivação à reflexão e engajamento (ideológico). Deixamos claro que, neste trabalho, a nomenclatura utilizada será Product Placement, referindo-se às ações de inserção de marcas e produtos em narrativas audiovisuais em seus distintos formatos e intensidades com a intenção de integrar-se às tramas, independentemente de sua eficácia ou pertinência aos contextos envolvidos. Apresentação dos dados e análise dos resultados Discutido os conceitos, que serviram de base para o desenvolvimento do presente trabalho, podemos então, apresentar os dados e analisarmos os resultados da pesquisa quantitativa realizada para verificarmos a eficácia do Product Placement na telenovela Em Família, conforme explicitamos anteriormente. No primeiro momento, buscamos qualificar a amostra. Dos 220 respondentes, 79% são mulheres, 85% estão na faixa etária entre 18 e 35 anos; 68% possuem ensino superior incompleto/completo e 31% possuem pós-graduação, mestrado e/ou doutorado. Tais percentuais não podem ser entendidos como o

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perfil dos telespectadores da telenovela Em Família. Tão somente porque, a amostra foi constituída considerando apenas os telespectadores da telenovela estudada. Além disso, o objetivo da pesquisa não era traçar o perfil dos telespectadores da telenovela proposta. Por essa razão, os dados percentuais citados indicam apenas apresenta as características da amostra. Após a identificação dos respondentes, considerando aspectos de gênero, idade e escolaridade, buscamos perceber o conhecimento sobre o termo Product Placement. Dos respondentes 59% conhecem o termo e 41% não. Embora, o percentual dos que conhecem o termo seja alto, não podemos desprezar o número correspondente àqueles que não o conhecem. O percentual de 59% provavelmente é fruto de que temos uma amostra com nível intelectual elevado, já que o termo Product Placement é mais utilizado em pesquisas acadêmicas do que no mercado, e no cotidiano das pessoas. O termo popularmente conhecido é Merchandising. Apenas 1% da amostra desconhece esse termo. Isso se dá porque merchandising é um termo incorporado na linguagem cotidiana e muitas vezes, de forma errada, conforme percebemos levando em conta a reflexão sobre Product Placement. Não por acaso que, 64%, quando perguntados qual termo descreve a inserção de marcas em um conteúdo de entretenimento, como a telenovela, optaram por Merchandising. Tal resultado comprova a hipótese anteriormente traçada de que os telespectadores associam Merchandising e não Product Placement à inserção de marcas. Outra hipótese comprovada relaciona-se com o fato de que os telespectadores entendem que a inserção de marcas numa telenovela é invasiva. Isso se dá porque enquanto 46% afirmaram não considerar invasiva, 54% consideram que a inserção de marcas é invasiva. Para estes, perguntamos como, então, a inserção deveria ser feita. Para 52%, deveria aparecer apenas a imagem da marca/do produto e para 37%, a marca/o produto deveria fazer parte do enredo da telenovela. Apenas 3% afirmam que o personagem deveria falar da marca/do produto e 9% consideram que a inserção deveria ser feita de outra forma, contudo, não informaram qual. Como resultado, a partir desses dados, percebemos que os telespectadores querem que a inserção de marca seja feita de forma sutil, integrada à trama e que não interrompa a fruição da mesma. Esse resultado também é perceptível levando em conta que 71% não acham que a inserção de marca deveria ser avisada, informando aos telespectadores que se trata de conteúdo publicitário. Somado a isso, conseguimos comprovar uma terceira hipótese, a relacionada com o fato de que os telespectadores consideram que a inserção de marca influencia no consumo da mesma. A comprovação vem dos 79% dos respondentes que consideram que a inserção de marca na telenovela desperta o desejo dos telespectadores em consumir aquela marca. Ainda pensando no ponto de vista do consumo de marcas, no que diz respeito às marcas fictícias, como a do Galpão Cultural8 por exemplo, presente na telenovela Em Família, 47% afirmaram que tais marcas despertam a vontade de consumo das mesmas na “vida real” e 53% afirmaram que não. Embora a maioria não ache que marcas 8 Espaço ficcional de cursos de música, fotografia e dança, montado pelos personagens Laerte (Gabriel Braga Nunes) e Verônica (Helena Ranaldi).

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fictícias podem despertar do desejo de consumo, os 47% podem representar uma demanda por uma oferta presente apenas no mundo ficcional da telenovela. Para a emissora de televisão, isso pode significar uma oportunidade de expandir a trama através de produtos da marca fictícia, o que de certa forma, já acontece através da venda de calçados e acessórios de determinado personagem, como a Rede Globo faz na Globo Marcas. Pensando do ponto de vista da narrativa da telenovela, perguntamos se a inserção de marcas ajuda na composição da trama. Dos respondentes, apenas 9% consideram que sim, enquanto 32% são indiferentes e 59% consideram que não. A marca, portanto, não desempenha um papel importante na trama para a grande maioria dos respondentes. Talvez isso ocorra porque é mais comum nas telenovelas, encontramos o Screen e o Script Placements e não o Story Placement, no qual a marca é incorporada à trama de maneira que sem aquela marca, o enredo perderia o sentido. Em contrapartida, mesmo com a marca aparecendo, com mais frequência através da imagem e/ou da fala de um personagem, 49% dos respondentes acreditam que a associação de marcas a um personagem contribui para a afeição dos telespectadores a este personagem. No entanto, 30% são indiferentes e 21% consideram que não contribui. Ainda em relação à telenovela, 79% consideram que a inserção de marca funciona positivamente para a marca anunciante, 17% são indiferentes e 4% não consideram. Isso nos mostra que os respondentes acreditam que a estratégia de Product Placement é eficaz para a marca. No entanto, tomando como base alguns comentários dos respondentes, observados em uma das perguntas abertas, percebemos que embora a estratégia se configure como uma boa oportunidade para a marca, a inserção de marcas é vista como apelativa, invasiva, forçada o que pode fazer com que a marca perca credibilidade. Tomando como base a inserção de marcas na telenovela Em Família, quando perguntados sobre o nível de concordância em relação a tal estratégia, 2% afirmam que concordam plenamente, 23% concordam, 55% são indiferentes, 13% discordam e 8% discordam totalmente. O percentual de respondentes indiferentes é maior do que a metade o que nos leva a entender que mesmo que as marcas estejam na telenovela, passam despercebidas. Isso de certa forma comprova a hipótese de que o Product Placement não é eficaz porque, a partir dos dados mostrados acima, percebemos que a presença da marca não faz diferença para a amostra. Além disso, buscamos saber se os respondentes lembram de marcas inseridas na telenovela analisada. Do total da amostra, 70% lembram e 30%, não, o que nos leva a não comprovar totalmente a hipótese de que o Product Placement na telenovela Em Família, não é eficaz porque os telespectadores não lembram das marcas. Os respondentes, em sua maioria, recordam-se sim de marcas inseridas na telenovela (Fig.1, Fig.2 e Fig.39). Para estes, perguntamos quais marcas eles lembram. A marca mais lembrada foi o Itaú (26%), seguida por Kia Motors (25%) e Renner (23%). Nextel e Gillette apresentam 9% e 4%, respectivamente, do percentual de respondentes. A opção “outras marcas” foi considerada por 4% da amostra. 9 Imagens disponíveis em: http://gshow.globo.com/novelas/em-familia/index.html. Acesso em: 13/07/14.

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Fig.1 – Ação Itaú na telenovela Em Família. Fig.2 – Ação Renner na telenovela Em Família. Fig.3 – Ação Gillette na telenovela em Em Família.

Por fim, buscamos saber se os telespectadores conheciam o Merchandising Social. Dos respondentes 43% conhecem e 57% não conhecem. Resultado que não comprova a hipótese de que o Merchandising é um termo popularmente conhecido pelos telespectadores. Por outro lado, ao perguntados se consideram o Merchandising Social importante, como os dos personagens de Em Família, Cadu (Reynaldo Gianecchini) em relação à doação e ao transplante de órgãos, e Felipe (Thiago Mendonça) referente ao alcoolismo, 94% afirmam que sim e apenas 6% afirmam que não. Desse modo, mesmo o Merchandising Social sendo um termo desconhecido pela maioria, a abordagem é considerada importante na telenovela. Tal conclusão é reiterada quando observamos os comentários da segunda questão aberta presente no questionário. Boa parte da amostra considera que a abordagem do Merchandising Social é mais eficiente do que propagandas sobre o tema uma vez que gera afeição pelo personagem porta-voz da causa, o que para muitos dos respondentes significa que a mensagem consegue atingir, de fato, os telespectadores. Conclusão Podemos observar, após o processo de investigação, as diversas questões que tangem a estratégia de inserção de marcas em conteúdos de entretenimento – o Product Placement. A partir dos dados resultantes dos questionários e da correlação entre eles, foi possível elencar os seguintes apontamentos (a julgar pelo exemplo respondido sobre a telenovela Em Família): 1) O entendimento e aplicação dos termos Merchandising e Product Placement é confuso. Mesmo que sejam conhecidos, a compreensão das estratégias é equivocada ou duvidosa; 2) A maneira adotada para a execução das ações de marcas em telenovelas precisa ser melhor trabalhada. Não há conexão clara das marcas com o enredo. 3) Não podemos afirmar que está comprovada a eficácia das inserções de marcas em telenovelas. A lembrança de marca existe, mas sua presença é indiferente. 4) A prática conhecida por Merchandising Social é apontada como relevante embora a terminologia em isolado (distante das exemplificações) não pertença totalmente ao vocabulário dos telespectadores questionados. A confusão entre as terminologias não afeta, a princípio, sua execução. Na área acadêmica, no entanto, é de grande importância a diferenciação das

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estratégias e a correta atribuição dos termos às ações. Por outro lado, o desconhecimento de tais nomenclaturas por parte do público pode acarretar o estranhamento ou a atribuição de acepções equivocadas, o que pode prejudicar anunciantes, agências e profissionais de comunicação. No que diz respeito à elaboração das cenas que contém inserções de marcas, é alarmante o caráter, muitas vezes, isolado de tais cenas. A depender dos contratos estabelecidos, evidentemente, as telenovelas podem incorporar marcas e produtos como características permanentes de personagens, ou até a incorporação de estabelecimentos que empreguem tais personagens, como já ocorreu outrora. Fica clara aqui, a demanda por ações coerentes e com um apelo mais “natural” da aparição dos anunciantes envolvidos. E tendo em vista a contínua utilização da estratégia do Product Placement, se faz pertinente uma observação mais detalhada junto ao público telespectador das telenovelas ou de outros produtos de entretenimento em função da recepção das ações de marca, pois o resultado que aponta um consumidor “indiferente” indica não só a constatação de ações desinteressantes, mas o fracasso da utilização do potencial criativo que um produto ficcional como a telenovela possui. Por fim, registramos novamente a confusão com as terminologias ao visualizarmos o desconhecimento da expressão Merchandising Social por parte significativa dos respondentes, mas a compreensão das ações e a convicção de sua importância. Ressalta-se, ao fim do trabalho, a urgente demanda por mais análises relativas ao Product Placement, sobretudo no mercado nacional e nos diversos produtos audiovisuais como filmes, programas e telenovelas. Conforme mencionado anteriormente, a publicidade tende a hibridizar-se cada vez mais aos conteúdos de entretenimento, sendo de grande relevância o estudo e domínio dos espaços e ferramentas capazes de alcançar e sensibilizar o consumidor atual, que tem se mostrado mais arisco e fugidio aos tradicionais processos e abordagens persuasivas. Referências BEZERRA, Beatriz Braga. O Product Placement no Cinema Brasileiro. 2014. 146 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2014. BLESSA, Regina. Merchandising no ponto-de-venda. São Paulo: Atlas, 2006. BURROWES, Patrícia. Cinema, entretenimento e consumo: uma história de amor. Porto Alegre: Revista FAMECOS, Abril de 2008. COVALESKI, Rogério. Publicidade híbrida. Maxi Editora: Curitiba, 2010. CUNHA, Marcela Costa Carneiro. Narrativas transmidiáticas como estratégias publicitárias. 2012. 131 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2012. DROGUETT, Juan Guillermo; POMPEU, Bruno. Dicionário técnico e crítico da comunicação publicitária: conceitos fundamentais. São Paulo: Cia dos Livros, 2012.

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DONATON, Scott. Publicidade + Entretenimento: Por que estas duas indústrias precisam se unir para garantir a sobrevivência mútua. São Paulo: Cultrix, 2007. MONNERAT, Rosane Santos Mauro. O discurso publicitário e o jogo de máscaras das modalidades discursivas. Veredas: revista de estudos linguísticos. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 97-108, jul./dez. 1999. MORLEY, David. Televisión, audiencias y studios culturales. Buenos Aires: Amorrortu editors, 1996. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1995. SANTA HELENA, Raul; PINHEIRO, Antonio. Muito além do Merchan!. Rio de Janeiro: Campus, 2012. SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. 7. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. TOALDO, Mariângela; JACKS, Nilda. Consumo midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção. Trabalho apresentado ao GT Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos. Anais do XXII Encontro Anual da Compós. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 04 a 07 de junho de 2013. TRINDADE, Eneus. Merchandising televisivo: tie-in. In: Hiperpublicidade: fundamentos e interfaces. PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan (Orgs.). São Paulo: Thomsom Learning, 2007. p. 340-351. ZENONE, Luis Cláudio; BUAIRIDE, Ana Maria Ramos. Marketing da promoção e merchandising. São Paulo: Thomson Learning, 2005. Autoras Beatriz Braga Bezerra é Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Especialista em Gestão da Comunicação Empresarial pela Faculdade Frassinetti do Recife e Graduada em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Pernambuco. É professora da Graduação em Publicidade e Propaganda na Faculdade Joaquim Nabuco e do curso de Tecnologia em Marketing na Faculdade do Vale do Ipojuca. E-mail: [email protected]. Marcela Costa Carneiro da Cunha é Doutoranda em Comunicação pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Tem mestrado em Comunicação pelo mesmo programa e graduação em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda. Membro do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (Obitel) e bolsista Facepe, pesquisa temas como: transmídia, telenovela, audiência e publicidade. E-mail: [email protected].

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Diálogo entre Produção e Recepção em Teen Wolf Sarah Moralejo da COSTA Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Resumo: A relação entre produtores e receptores de conteúdo convergente passa pela dinâmica da afetividade em torno no produto cultural. Manter um diálogo entre essas duas esferas de produção que estipule a distância existente entre elas em termos legais e comerciais é um desafio para muitos produtores. Teen Wolf, série norteameticana da MTV, apresenta uma proposta de diálogo com seus fãs que gerou, entre 2013 e 2014, uma dinâmica de produção singular e pontos de conflitos que são analisados no presente artigo sob a optica dos estudos de recepção para um questionamento sobre as dinâmicas de poderes estabelecidas entre eles. Palavras-chave: Convergência Midiática, Produção Participativa, Capital Afetivo, Teen Wolf, MTV. Introdução A produção cultural comercial, feita por grandes corporações voltadas principalmente para entretenimento, busca ocupar uma variabilidade de mídias como parte da estratégia de divulgação de seus produtos a fim de atingir um maior público. Essa forma de distribuição de conteúdos hoje se adapta a uma outra lógica, que busca não somente a utilização paralela e sobreposta de plataformas midiáticas, mas a conjunção de suas características e potencialidades de forma a configurarem uma rede convergente de conteúdos. A convergência midiática prevê a disposição da produção de forma a formar núcleos de narrativa dispostas em mais de uma mídia que, ao mesm tempo que são independentes, se complementam: o universo transmídia. Essa produção fragmentada se apoia sobre a inteligência coletiva para uma melhor articulação e associação de seu conteúdo com informações complementares a partir das apropriações promovidas pelo consumidor estimulado pelo capital afetivo. Este, muitas vezes, se envolve com a narrativa o suficiente para não somente consumi-la, mas também produzir sobre esse universo, construindo a produção participativa.

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Apesar da maior eficiência comercial que a produção convergente pode gerar, uma vez que a redundância do universo cada vez mais presente e complexo seduz um público ávido por mais da narrativa apresentada, gerando mais capital afetivo, a produção transmídia ainda é mais cara e exige mais dos produtores do que a produção tradicional. Isso não quer dizer que não há uma grande circulação de conteúdos adjacentes à narrativa e produção participativa também relacionadas à produção que não é transmídia. Esse é o caso da série de TV Teen Wolf, que será aqui analisada. Como uma série de TV norte americana, ela se configura como produto cultural atraente a um espectador que está habituado a consumir o formato transmídia, a buscar fontes de material extra sobre o universo narrativo e a produzir sobre aquilo que mais o apetece. Apesar de não ser uma narrativa transmídia, a logística de produção da série apresenta algumas características que buscam intenso contato com esse público e dispõe de um movimento de diálogo e apropriação da produção participativa como parte da construção de seu próprio universo narrativo. Essas características a particularizam e, entre junho de 2013 (início da terceira temporada) e junho de 2014 (início da quarta temporada), foi feita uma observação sobre as estratégias da produção da série e as respostas que a audiência poderia ter em suas manifestações nas redes sociais. O universo Teen Wolf Teen Wolf é uma série de TV norte americana produzida e distribuída pela MTV desde 2011, baseada no filme de mesmo nome dirigido por Rod Daniel em 1985. A série, que atualmente está com 55 episódios1, já foi renovada para a quinta temporada. O filme apresenta o personagem Scott, que sofre os infortúnios de ser um adolescente ao lado do seu amigo Styles, quando se descobre um lobisomem e o filme traça um paralelo entre esse “problema” e a puberdade. Na série, há a recorrência de personagens – como Scott, Styles (na série, Stiles), o treinador Bobby Finstock (que no filme treina a equipe de basquete e na série a de lacrosse), a menina popular no colégio (Pamela/Lydia), que namora o capitão do time (Mick/Jackson) – e a estruturação a partir da transformação de Scott em um lobisomem e seus problemas para lidar com esse fato em seu cotidiano de adolescente. A série, porém, apresenta algumas modificações que indicam um desenvolvimento de enredo mais complexo que o do filme, como o fato de que Scott é transformado contra sua vontade, e não é um lobisomem nascido, como consequência de uma guerra de décadas entre uma família tradicional de lobisomens, os Hales, e uma família tradicional de caçadores, os Argent. A partir dessa dicotomia, e contando com um universo maior do que as questões de um adolescente, é possível o desdobramento da série para além do universo apontado inicialmente pelo filme, inclusive apostando na construção de uma mitologia própria. 1 Último episódio aqui considerado foi exibido no dia 04 de agosto de 2014. Essa restrição foi feita devido à data de finalização do presente artigo.

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A série é o principal produto de uma produção que conta atualmente também com um programa de entrevistas, Wolf Watch, e um programa de curiosidades, After After Show, sendo que este último é veiculado somente no site da MTV e a partir do aplicativo da emissora para dispositivos móveis. Como derivações dentro do universo narrativo da série, ambas produções não constituem novas narrativas, mas sim são núcleos de informações acerca do universo ficcional, caracterizando um processo crossmedia. Sua importância para a relação com o público, porém, o que será analisado mais além, merece destaque. A MTV, Music Television, demonstra uma grande preocupação com a construção musical da série enquanto parte de sua identidade. Durante a transmissão da série, em uma tarja que surge ao rodapé do episódio na própria TV, em algumas cenas é indicada qual é a música que está tocando e as músicas de cada episódio são disponibilizadas para stream em uma página específica2 no site da emissora. Além disso, a partir da quarta temporada, há um DJ residente no Wolf Watch, que, além da trilha do programa, faz comentários sobre a série e sua trilha sonora. No mesmo sistema de informações contidas em um rodapé em tempo real à transmissão da série, pode-se evidenciar também a presença de hashtags3. Estas chamam atenção pelo fato de não sinalizarem somente os termos oficiais da série, como o título e o título do episódio, mas também frases utilizadas pelos personagens em cenas específicas e referências ao contexto de uma determinada situação desenvolvida pontualmente. Esse tipo de recurso provoca uma resposta do público marcada ainda mais pelo imediatismo entre a transmissão da série e seu processo de fruição. Ele não é muito eficiente para promover a série, uma vez que somente aqueles que já possuem algum contato com o conteúdo que está sendo veiculado podem compreender a relevância do termo da tag, mas pode indicar com mais exatidão o âmbito de circulação da série e o momento e local em que a série está sendo consumida e comentada. Apesar de não possuir derivações narrativas, Teen Wolf apresenta uma atenção peculiar com sua audiência, o que já pode ser indicado pelas informações complementares presentes já na transmissão com a narrativa, buscando um diálogo mais direto com o público conectado à web. Além disso, suas duas produções complementares dão continuidade a esse movimento. Wolf Watch é um programa de entrevistas que vai ao ar pela MTV imediatamente após a transmissão de Teen Wolf, com duração de meia hora. Apresentado por Jill Wagner, o programa começou a ser transmitido juntamente com o início da segunda parte da terceira temporada, em 2014. A presença da atriz tanto é em si mesma uma referência à série, uma vez que ela interpreta uma personagem na primeira temporada, como também serve para realoca-la junto ao público uma vez que sua personagem retorna na quarta temporada. O programa traz cerca de 2 a 4 entrevistados por edição, sendo que em geral há a presença de um convidado de outra série da MTV que não Teen Wolf, 2 2 http://soundtrack.mtv.com/post/category/shows/teen_wolf/ 3 Hashtags são tags ou palavras-chave ou termos associados a uma informação, tópico ou discussão que se deseja indexar de forma explícita em sites como Twitter, Facebook, Google+, Instagram e Tumblr. São compostos pela palavra-chave do assunto antecedida pelo símbolo cerquilha (#), o que permite que virem hiperlinks dentro da rede, indexáveis pelos mecanismos de busca

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propondo apresentar as outras produções da emissora ao público já fidelizado da série. Além das entrevistas em si, há jogos, curiosidades e informações sobre o último episódio, o futuro da série e detalhes da produção. No final de cada programa, a apresentadora chama para participar via videoconferência um fã que se destacou a partir de sua atividade online, seja por ter produzido algo com grande impacto acerca da série, seja por ter tido alguma manifestação singular que chamou a atenção da emissora. Entre estes se destacam Former Vandal, que compôs e gravou um clipe para a música “War”, vinculada inicialmente pelo youtube4 e, depois de convite, pelo site da emissora junto às composições que integram a trilha sonora oficial da série, ele possui ainda outras composições vinculadas à série, mas que não tiveram o mesmo impacto que a primeira; Maeve Kelly, que compôs um álbum de músicas em homenagem à série e foi vinculado também na página5 que contém a trilha oficial da série; e Dave6, que criou um game a partir do universo da série e foi convidado por Jill Wagner em nome da MTV para desenvolver um jogo oficialmente. A partir da quarta temporada da série (segunda temporada de Wolf Watch), o programa também conta com uma recapitulação do episódio anterior da série desenhado e animado por Kendra Wells e narrado por Kai e Amanda, conhecidas a partir de seu canal no youtobe como “Wolf Pack Girls”, três fãs da série contratadas pela MTV. Em dezembro de 2011, a MTV promoveu no facebook uma campanha entre fãs para que um fosse escolhido para uma pequena participação como ator na série. A vencedora foi Shantal Rhodes, que, além da pequena participação prometida no episódio 9 da segunda temporada, fez também participações nos 2 e 11 da terceira temporada. Ela também passou a ancorar um programa de entrevistas na web ao lado de Tyler Oakley chamado The FANtastic Show, que permaneceu sendo veiculado no site da emissora até 16 de agosto de 2013, com o fim da primeira parte da terceira temporada. Quando a segunda metade da temporada foi ao ar, em janeiro de 2014, teve início a transmissão de Wolf Watch, e, paralelamente via web, o programa menor de entrevistas foi nomeado After After Show, apresentado por Morgan Evans e Lohantony. Todos os apresentadores do programa são, antes de profissionais de televisão ou relacionados à série, personalidades que possuem boa visibilidade em seus canais pessoais no youtube e no twitter. Isso se mostra como uma tentativa de aproximação com o público online, reforçado pelo fato de que tanto as entrevistas quanto outros quadros do programa, como o Pack React, que mostra a reação dos fãs ao último episódio, são pautados por material, perguntas e pedidos postados pelos fãs na rede. Uma das entrevistas que se destacam na produção mostra o caso de Katie Myers, uma professora norte americana que utilizou material da série e o pensamento de alcatéia que a série gera entre os lobisomens para ajudar crianças que possuem famílias desestruturadas a se ambientarem no ambiente escolar e melhorar seu rendimento. A professora foi convidada pela produção da série a fazer uma pequena participação como atriz no episódio 19 da terceira temporada, que foi ao ar em 17 de fevereiro de 2014. 4 https://www.youtube.com/watch?v=AtH1lsj7H3c 5 http://soundtrack.mtv.com/post/fan-of-teen-wolf-creates-an-album-inspired-by-the-show/ 6 Episódio 12, 24 de março de 2014. Seu sobrenome não foi divulgado.

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Esses não são os únicos casos em que a produção oficial da série envolve a produção de fãs como parte da construção do seu universo, mas são casos pontuais no período aqui analisado que apresentam um maior envolvimento da emissora e dos produtores junto à produção participativa. Conflitos A MTV, no que se refere à configuração do universo de Teen Wolf, busca cada vez mais a produção feita pelos fãs da série, trazendo o que é considerado uma parte periférica do consumo dentro da lógica convergente para integrar sua produção oficial. Essa estratégia de relacionamento, porém, apresentou três grandes conflitos entre os anos de 2013 e 2014, que serão apresentados aqui. O primeiro caso teve início em 6 de junho de 2013. Ian Bohen, ator permanente da série desde a primeira temporada, fez o seguinte comentário no twitter sobre um caso de estupro de uma de 16 anos por um grupo de homens na Califórnia: “Hey, pais. Ensinem seus meninos como tratar propriamente uma mulher, e a suas meninas como ser uma dama. A merda que eu estou lendo nos jornais me deixa doente.”7 Ele foi duramente criticado pelos usuários da rede, principalmente pelo fato de que a frase que postou pode ser entendida como uma acusação ao comportamento da vítima pelo crime que ela sofreu. Ele fez dois posts no tumblr, o primeiro tentando expor que o conceito de “lady” não era ofensivo, entendendo que a revolta contra sua declaração se devia ao fato de ele estar indicando às mulheres um comportamento que poderia ser entendido como castrador e negativo; e o segundo se desculpando porque ele não compreendia porque seu tweet havia sido tão mal recebido, se não era esse o caso. Ambos os posts foram tirados do ar poucos dias após a discussão, assim como o tweet que iniciou o debate e todos os outros relacionados à discussão feitos pelo autor, inclusive o tweet com que ele encerrou o debate: “Eu estou feito com o twitter e o tumblr.”8. Um tweet que ele retweetou no dia seguinte reforça essa ideia e permanece em sua timeline: “Eu estou 1701% feito com o tumblr.”9 Essa postura demonstra não só um despreparo de como dialogar com o público online bem como a negação explícita de qualquer diálogo possível entre as duas instâncias. O segundo caso não chegou a se configurar em conflito, mas gerou tensão entre produtores e fãs da série. Fãs de um dos ships não canon10 da série, Stiles e Derek (Sterek), fizeram uma campanha de produção de fanworks a fim 7 “Hey Parents. Teach your boys how to treat women properly, and your girls how to be ladies. The shit I’m reading in the news makes me sick.” Tradução livre pela autora. 8 “I’m done with twitter and tumblr.” Tradução livre pela autora. 9 “I am 1701% done with tumblr.” Tradução livre pela autora, disponível em: https://twitter.com/Lunsfuhd/status/342841401983246337. 10 Ship é um termo que se refere a casais formados entre personagens dentro de uma narrativa, sendo uma contração da palavra inglesa “relationship”. O fã que apoia um casal é chamado de shipper. Canon se refere ao conteúdo veiculado dentro da narrativa, todos os fatos e informações que compõe oficialmente a história, sendo o termo originário dos estudos da liturgia teológica. Fanom é toda informação gerada fora do canon, portanto, não oficial. Um ship não canon é um relacionamento entre dois personagens que não ficam juntos dentro da narrativa oficial, mas que podem ser pareados pelos fãs.

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de arrecadar verba para doação para abrir um santuário de lobos. A produção feita por fãs, porém, não pode ser legalmente comercializada devido às de leis de direitos autorais, o que levou os organizadores do Sterek Campaign Charity Project a procurar a produção da série pedindo que abrissem mãos dos direitos comerciais sobre a produção filiada à campanha e foram atendidos em seu pedido. Os fãs arrecadaram 25 mil dólares.11 O terceiro caso se configura como o conflito mais explícito entre produção e fandom12 da série. No dia 18 de fevereiro de 2014, Tyler Posey, o ator que interpreta o protagonista da série, deu uma entrevista13 em que afirmou: “Eu acho que Sterek é uma coisa bizarra, estranha e distorcida, e eu acho que qualquer um que presta mais atenção a Sterek do que à série, hum, não está assistindo a série pelas razões certas.”14 Stiles/Derek é o ship mais produtivo dentro do fandom de Teen Wolf, apesar de não ser canon e não envolver os protagonistas da série. A título de comparação, nos dois principais sites de postagem de fanfiction atuais, Sterek possui 9.900 fanfictions no fanfiction.net15 e 27.503 no Arquivo for our own16, enquanto Scotson (Scott/Allison), o ship canon com os protagonistas da série, possui, respectivamente, 7.700 e 4.686. Assim, a afirmação do ator causou grande impacto no fandom da série. Entre as muitas manifestações no twitter, tumblr e facebook sobre a entrevista, uma frase se destacou devido à sua constante repetição: “Eu sou um shipper forte e independente que não precisa de nenhum canon”17. Essa frase tem grande impacto pela ruptura explícita do fã com relação à produção. Ao evidenciar que sua capacidade de produzir com base em algo que é independente da produção oficial da série para o seu próprio consumo e deleite, o fã prioriza a sua própria produção à do universo que embasa a narrativa. Outra perspectiva dada por essa frase é o fato de que ela é uma adaptação de uma frase utilizada pelo movimento feminista: “Eu sou uma mulher forte e independente que não precisa de nenhum homem.”18 Apesar de, nessa adaptação, não se referir ao feminismo, o fato da apropriação ocorrer demonstra um conhecimento prévio da frase resgatada de seu contexto. Esse fato, associado ao primeiro conflito relatado aqui com relação à declaração de Ian Bohen, demonstra que o fandom é crítico não somente com relação aos domínios da ficção e as relações comerciais que envolvem o processo de produção e consumo de 11 http://www.mtv.com/news/1872137/teen-wolf-fandom-feat-award/ 12 A palavra fandom é formada a partir da contração das palavras inglesas fan e kingdom (ou domain, não há consenso sobre a origem da contração), se referindo ao universo criado pelos fãs. Ela pode indicar o grupo de fãs em geral, de forma genérica, como em: “Eu tenho muitos ships favoritos, eu sou do fandom há muito tempo.”, ou pode indicar um universo ficcional em específico “Eu estou nos fandons de Harry Potter, Sherlock e Teen Wolf. Mas eu gosto mesmo é do fandom Sterek.”. 13 http://www.dailydot.com/fandom/teen-wolf-tyler-posey-insults-sterek-weird/ 14 “I think Sterek is a bizarre, weird, twisted thing, and I think that anyone who pays more attention to Sterek than the show, um, isn’t watching the show for the right reasons.”. Tradução livre pela autora. 15 https://www.fanfiction.net/tv/Teen-Wolf/ - dados colhidos em 02 de Agosto de 2014, às 22h 16 http://archiveofourown.org/tags/Teen%20Wolf%20(TV)/works - dados colhidos em 02 de Agosto de 2014, às 22h 17 “I’m a strong independent shipper who don’t need no canon”. Tradução livre pela autora. 18 “I’m a strong independent woman who don’t need no man”. Tradução livre pela autora.

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um produto cultural em específico, mas também com relação a aspectos políticos e sociais, como a situação da mulher, por exemplo. Considerações finais A MTV, enquanto uma emissora de TV comercial, visa o lucro a partir da venda de seus produtos. Teen Wolf, por não ser uma produção transmídia, possui uma menor presença nas mídias e, consequentemente, um menor alcance junto ao público. Porém, ao analisar a logística de distribuição da série, percebe-se claramente que a emissora busca fidelizar seu público a partir da aproximação com seus mais diversos tipos de manifestação. Ao transformar o público e sua produção como parte do produto oficial, a emissora, em primeiro lugar, incrementa sua própria produção agregando conteúdo que não possui grande custo de criação, uma vez que é originário da produção participativa, e que possui grande aceitação junto à audiência da série, tendo sido criado por ela. Em segundo lugar, cria-se um bem estar junto ao consumidor ao reconhecer que ele também é capaz de produzir algo com qualidade boa o suficiente para ser reconhecido no mesmo patamar que a produção oficial. O efeito disso é não só o despertar do público de que sua produção é valorizada, criando a mesma valorização com relação à emissora, como também há a profissionalização desses produtores de conteúdo, já que sua produção não só é evidenciada como incorporada, junto com seus criadores, ao núcleo oficial da série. Isso indica um processo de empoderamento desse público a partir de seu reconhecimento enquanto produtor. A emissora, que detém os direitos de distribuição e comercialização do conteúdo, passa a partilhá-lo com seu público. Essa partilha poderia ser considerada simbólica e parcial se não fosse a iniciativa do próprio público de torna-la efetiva ao pressionar o âmbito da produção para abrir mão de seus direitos comerciais sobre a obra em prol de sua vontade, como ocorreu no episódio da Sterek Campaign. Se a emissora se vê no direito de comercializar a produção dos fãs, os fãs se veem no direito de comercializar a produção da emissora. Esse tipo de apropriação que o público faz do conteúdo oficial não é inédito, todo o processo de deslocamento e redistribuição de produção entre mídias, como a disponibilização de downloads da série e para propiciar a manipulação do conteúdo oficial para a produção participativa evidencia, são exemplos de como o público ultrapassa barreiras comerciais para satisfazer suas próprias demandas. Porém, a legalidade a partir do recuo da produção oficial cedendo de seus direitos para estabelecer uma cortesia junto aos seus fãs aponta para o aumento da força que a audiência é capaz de exercer sobre o produtor. Isso não significa, porém, que a produção oficial estimula completamente a produção dos fãs. A declaração de Tyler Posey pode indicar, em um primeiro momento, um despreparo do elenco em lidar com a afetividade – e, consequentemente, o capital afetivo tão valorizado pela emissora – dos fãs, como pode ser compreendida a manifestação de Ian Bohen também. Mas, por se configurar como um ataque direto justamente ao núcleo de produção que criou o desconforto anterior à emissora, pode ser interpretado também como uma tentativa de reduzir o poder de influência e articulação desse grupo de fãs.

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Ao tentar estabelecer um diálogo mais efetivo com seu público, almejando um aumento da responsividade dos fãs com relação à produção participativa, em qualidade e quantidade, a fim de alimentar sua própria produção, Teen Wolf acaba por estimular também o sentimento de pertencimento da obra a esse público e a sua capacidade de participação para além de um núcleo periférico à sua configuração. A produção oficial, porém, demonstra um despreparo logístico para lidar com um público cujo conhecimento crítico vai além do envolvimento afetivo com a obra, se relacionando com o núcleo oficial em demandas econômicas e sociais que extrapolam o universo da narrativa, e que possuem uma autoconsciência de sua capacidade de influir sobre o universo da produção. Referências MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001. CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2002. CANCLINI, N. G. Culturas hibridas. Ed. Grijalbo, 1990. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. ESCOSTEGUY, A. C., JACKS, N. Comunicação e Recepção: Uma visão latina americana. São Paulo: Hacker Editores, 2005. Sobre os autores: Sarah Moralejo da Costa é doutoranda em comunicação pela UFRGS. Pesquisadora voltada para a área de Convergência Midiática, focada no processo de produção participativa. Professora convidada na Pós-Graduação em Televisão e Convergência Digital da Unisinos. Membro dos núcleos de pesquisa Comunicação e Práticas Culturais e Obitel.

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História Oral e Recepção de Telenovelas: A Experiência de Pesquisa em Contexto Étnico Wesley Pereira GRIJÓ Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS RESUMO: O artigo aborda a experiência de trabalho com o método da História Oral em pesquisa sobre a recepção de telenovelas em comunidade quilombola. O objetivo é verificar as apropriações dos sujeitos sobre as narrativas das narrativas audiovisuais e compreender feitas a partir daquele contexto. Nos trabalhos de campo, três técnicas de pesquisa foram acionadas: História de Família, Observação Participante e Entrevista Semi-Estruturada. Com a conclusão das entrevistas e do processo de transcrição e leitura flutuante, obteve-se as seguintes categorias: História do quilombo, Violência, Preconceito, Cidadania, História do negro, Cotidiano, Relação com o outro, Relações de classe, Relações de gênero e Relações étnicas. PALAVRAS-CHAVE: História Oral; Recepção; Telenovela; Comunidade quilombola; Identidade negra. INTRODUÇÃO Neste artigo, expomos a experiência de trabalho com o método da História Oral em pesquisa realizada sobre recepção de telenovelas em uma comunidade quilombola no Estado do Rio Grande do Sul: o quilombo da Família Silva, primeiro desta natureza reconhecido pelo Governo Federal, cuja gênese remonta todo o processo histórico vivido pelos negros gaúchos1. A singularidade do quilombo urbano e a relação dos moradores com a televisão a priori já poderia ser motivo para uma pesquisa na área da comunicação, mas observamos que outras questões entram nessa relação. No contexto mais amplo, a família Silva está situada num grupo minoritário da população 1 O artigo é uma versão resumida da tese intitulada “Mediações quilombolas: apropriações étnicas na recepção de telenovelas”, defendida no PPGCOM/ UFFRGS, cujos procedimentos da pesquisa com seres humanos foram aprovados no Comitê de Ética da UFRGS via Plataforma Brasil, sob o protocolo nº 70262. Com a finalidade de respeitar o anonimato dos entrevistados, seus nomes foram trocados pelo de personagens de telenovelas. Além disso, nas falas dos entrevistados, respeitamos a forma como as frases foram construídas, sem qualquer edição ou correção gramatical nos trechos das entrevistas utilizados.

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gaúcha, e não desprovida dos bens de produção da economia do Estado. Ao longo da história do Rio Grande do Sul, a etnia negra foi colocada em segundo plano na formação étnica do Estado, ou seja, houve o que autores denominaram de “invisibilidade do negro gaúcho”. Essa contextualização é importante para pensarmos a família Silva como um “grupo socialmente marginalizado” ou “subalterno”, através da noção de Antonio Gramsci. A partir de um contexto de luta de classes na Europa, na obra Cadernos do Cárcere, Gramsci (2007) passou a utilizar a expressão “classes subalternas” e “grupos subalternos”, que posteriormente foi ampliado para abarcar outras realidades fora do contexto europeu. Ao construirmos esta proposta de pesquisa, com o intuito de verificar, a partir daquele contexto étnico específico, as apropriações e percepções dos sujeitos com as narrativas das telenovelas, temos como objetivo principal: Compreender como os membros do quilombo da Família Silva dão sentido aos textos das telenovelas e quais inferências fazem a partir de seus contextos. HISTÓRIA ORAL E COMUNIDADE QUILOMBOLA Historicamente, por terem sido submetidas à marginalização ou ao isolamento, as comunidades negras utilizaram a tradição oral como forma de fazer a atualização, manutenção e resistência dos saberes e conhecimentos de sua etnia. Vários trabalhos acadêmicos sobre comunidades desta natureza, quando fazem essa relação com o Campo da Comunicação, tangenciam a questão da oralidade nas comunidades como um fator importante para compreender aqueles contextos culturais. Hipoteticamente, pensamos que uma das razões para esse cenário é a falta de acesso ao sistema formal de ensino a que os membros dos quilombos foram submetidos, sendo uma questão comum tanto aos de natureza rural quanto aos urbanos, assim como a outros grupos marginalizados da sociedade brasileira. Apesar de não focarem exclusivamente na tradição oral, várias pesquisas abordam o contexto da oralidade em comunidades quilombolas contemporânea, enfatizando as relações com os meios de comunicação. Ao utilizarmos essa noção de oralidade como inerente às comunidades quilombolas, não fazemos isso para vinculá-las exclusivamente a um passado remoto ou pensar seu conhecimento como resquícios de um passado sedimentado, visto que nem o conceito de “remanescentes de quilombo” remete mais a essa ideia. Aqui, conjecturamos que essa oralidade faz parte dos vários elementos constituintes das identidades étnicas quilombolas, mas não é um fator único e determinante de sua constituição. Nessa questão, temos um pensamento convergente com Julie Cruikshank (2000), quando afirma que os estudos recentes sobre a tradição oral estão mais propensos focalizá-la não só na formação das narrativas como também o posicionamento dessas formas narrativas nas hierarquias de outras narrativas, o que para nosso estudo é importante, visto que consideramos as narrativas televisivas como integrantes desse cenário. Em razão do contexto de oralidade ainda presente nas comunidades quilombolas contemporâneas, optamos por utilizar um método de investigação científica que fosse coerente com a utilização de dados e fontes orais na construção do conhecimento científico. Definimos o método da História Oral na

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tentativa de ser o mais eficaz para essa função. Assim, vislumbramos que ouvindo aqueles atores sociais da família Silva, a partir de suas histórias, suas lembranças, “mitos”, fantasias, os erros e as contradições da memória, e prestando atenção às sutilezas da língua e da forma narrativa, podemos entender melhor os significados subjetivos da experiência daquelas pessoas com as telenovelas brasileiras, visto que esse produto audiovisual está presente em seus cotidianos desde seus primeiros anos de vida, como ocorre com a maioria dos brasileiros, produzindo significados de várias naturezas. Para as pesquisas envolvendo grupos sociais, o trabalho com fontes orais permite uma nova ênfase e valorização da experiência individual do sujeito. Assim como permite que a história dos grupos socialmente marginalizados, inseridos em contexto de hegemonia, seja evidenciada e, consequentemente, torne-se conhecida. Philippe Joutard (2000) considera esse compromisso como o impulsor da História Oral entre os pesquisadores sociais e aponta três atitudes relativas à adoção desse método nos estudos de cunho social: ouvir a voz dos excluídos e dos esquecidos; dar visibilidade para as realidades “indescritíveis”, e testemunhar as situações de extremo abandono. A COLETA COM O MÉTODO DA HISTÓRIA ORAL No trabalho de campo na comunidade quilombola, seguimos as indicações de Alberti (2005) e Harres (2008) para a utilização da História Oral. Essas autoras consideram que com este método, dificilmente o pesquisador deve trabalhar com um protocolo de perguntas fixas, visto que um dos objetivos é estimular o processo de rememoração. Diante dessa questão prática, as pesquisadoras citadas não recomendam propriamente uma entrevista, mas uma conversa livre em que a pessoa é convidada a falar de um assunto de interesse comum. A sugestão é ter um guia ou um roteiro para apontar os assuntos a serem abordados durante a entrevista, ou seja, algo próximo à noção da técnica de entrevista semi-estruturada. Trata-se de um trabalho de organização da “experiência vivida” que é reconstruída pelo entrevistado, e a qual o pesquisador espera poder compreender (HARRES, 2008). Segundo Alistair Thomson (2000), a entrevista é uma relação que se insere em práticas culturais particulares e que é informada por relações e sistemas de comunicação específicos. Nesse posicionamento, o autor acena que não existe uma maneira certa de entrevistar, visto que deve haver uma adequação ao contexto cultural dos sujeitos entrevistados. Para nossos objetivos com a pesquisa, acionamos três tipos de técnicas de pesquisa: História de família (BERTAUX, 1994; GONZÁLEZ, 1995), observação participante (GUBER, 2001; OROZCO; GONZÁLEZ, 2012) e entrevista semi-estruturada (ALBERTI, 2005; ROSA; ARNOLDI, 2008). Assim, nosso entendimento por técnica de pesquisa está ligado ao uso particularizado e congruente de uma ferramenta ou um conjunto destas em relação a uma forma orientada e bem definida de produzir determinado tipo de conhecimentos (métodos); por sua parte, as ferramentas são dispositivos intelectuais que permitem a correlação de dados instrumentáveis, mesmo que a ser interpretados se convertam em saberes (enunciados teóricos de base empírica).

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Depois de realizado o trabalho de campo, com a aplicação das respectivas técnicas de coleta de dados, partimos para a preparação dessas informações para a fase analítica. Entretanto, sabemos que antes de chegar à análise do corpus, esse material precisa ser organizado e categorizado segundo critérios relativamente flexíveis (no caso da pesquisa qualitativa) e previamente definidos, de acordo com os objetivos da pesquisa. Neste ponto, visando à reconstrução dos textos (tanto da emissão/produção quanto da recepção), estruturamos nosso protocolo analítico em três grandes blocos: a) transcrição e leitura flutuante desses dados; b) auxílio do software de análise de dados NVivo; c) descrição e análise interpretativa. A transcrição das informações obtidas através do método da História Oral se configura como todo processo envolvido na passagem da entrevista de forma oral para a escrita, compreendendo etapas como transcrição, conferência de fidelidade da transcrição e copidesque. Assim, seguimos as indicações de Rosália Duarte (2004) na preparação de entrevistas para a análise. A primeira delas diz respeito à transcrição: as entrevistas foram transcritas, logo depois de encerradas pelo próprio entrevistador. Depois, o material passou pela chamada conferência de fidedignidade: que consiste em ouvir a gravação tendo o texto transcrito em mãos, acompanhando e conferindo cada frase, mudanças de entonação, interjeições, interrupções etc. Transcrever e ler cada entrevista realizada, antes de partir para a etapa seguinte ajuda a corrigir erros, a evitar respostas induzidas e a reavaliar os rumos da investigação (ALBERTI, 1990). Na pesquisa em questão, foram transcritas todas as fontes orais (dez entrevistas), além das informações oriundas da Observação Participante e das fotografias. O procedimento serviu primordialmente para que as temáticas mais latentes pudessem ser devidamente observadas pelo pesquisador ainda sem sistematização analítica. Com a conclusão das dez entrevistas e de todo processo de transcrição e leitura flutuante, verificamos a necessidade de ampliar a quantidade de categorias a partir do que emergiu da fala dos entrevistados. Dentre as novas categorias obtivemos: História do quilombo, Violência, Preconceito, Cidadania, História do negro, Cotidiano, Relação com o outro. As categorias Etnia, Classe e Gênero permaneceram, mas modificamos suas nomenclaturas para Relações de classe, Relações de gênero e Relações étnicas, pois melhor define as ideias atribuídas a elas. AS TELENOVELAS E A REALIDADE DOS QUILOMBOLAS Neste momento, realizamos um demonstrativo dos dados coletados no trabalho de campo no que concerne o contato dos quilombolas com a televisão ao longo dos anos. Na comunidade da família Silva, antes mesmo da energia elétrica ser instalada, já havia a presença desse meio de comunicação. Assistir à programação televisiva é um hábito realizado em conjunto com vários membros da família. Além disso, assim como ocorre com os jornais, revistas e Internet, as pessoas também têm contato com a televisão em seus locais de trabalho. Inclusive, conforme o depoimento de algumas pessoas, o interesse em adquirir TV por assinatura para suas casas foi suscitado pelo que assistiam nas residências

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de seus patrões. Entretanto, nossas observações em campo se restringem ao momento em que assistem à televisão na comunidade. Dessa forma, indicamos que o ato de assistir à televisão é a principal forma de entretenimento cotidiano da família Silva. Essa informação converge com as conclusões de uma pesquisa do Ibope2, em nível nacional, segundo a qual a TV preenche os espaços ociosos da classe C mais que qualquer outra atividade. Por conta desse contexto específico, as Relações étnicas, que consideramos relativa às questões da negritude e de todo processo de etnogênese, é aquela que apresenta maior importância na fala das pessoas, não apenas quando relatam a história da comunidade e suas histórias, mas também quando se referem ao conteúdo das telenovelas: a forma como os negros são representados nas telenovelas, sua relação com os brancos, sua história, etc. E isto pode ser observar num trecho da fala de um membro da família: [O que acha dos negros nas telenovelas?] Tem muito poucos. [Cita uns que lembra então.] Tem Taís Araújo, Lázaro Ramos... São tão poucos que nem to conseguindo. Têm outros que não lembro o nome... Camila Pitanga. [Por que acha que têm poucos?] Eu acho que existe racismo, sabe. E eles também não dão oportunidade pros negros, né. Apesar de não ter estudos, tem vários negros que não tem estudos. Eu acho que não dão oportunidade. [E por que acha que isso ocorre: muito negro na vida real e poucos na TV?] Porque eles não têm oportunidade também e pouco estudo, porque acho que negro também não tem. [Estudo influencia muito?] Não, também não né, porque seu sei que tem ator negro que não tem estudo. Acho que os atores negros que tem lá basicamente foram ajudados. [Mas quando ela faz a “empreguete”, muita gente disse que mais uma vez era negro como empregado. O que acha?] Eu acho que, na verdade, não só a Globo, mas em todas as emissoras de TV, eles só dão oportunidade pra negros fazerem esses papel. Eu lembro, não sei se a Zezé Motta, que é um negra senhora também já de idade, que disse que não sei porque a Globo só dá papel pra ela fazer de faxineira, ou limpando a casa, ou batendo panela e tudo mais. Eu não sei... E sei que é sei lá, porque ela é bem negrona, por isso. [Mas já teve novela com negro como protagonista.] Tem, mas foi poucas. Lembro poucas. A Taís Araújo também , em “Viver a Vida” que ela foi protagonista. [O que achou dela como protagonista?] Ah, foi um orgulho né. Apesar de ser pouca novela, foi um orgulho. Até minha patroa - minha patroa é super legal - disse: “Nossa, que legal ela, representando os negros, que eu nunca vi”. Eu fiquei chocada dela falando isso. O negro fazendo protagonista de uma novela. Mas são poucos, são poucas oportunidades. (Sônia da Silva, 21 anos)3.

Contudo, a conjuntura de grupo étnico quilombola está atrelada a questões relativas a sua formação – ao processo de etnogênese -; ao fato de ser um grupo negro e pobre cercado por pessoas ricas e fenotipicamente brancas; aos vários casos de violência e preconceito racial e social, etc. Por isso, ligadas às Relações étnicas, temos as outras categorias com suas motivações específicas e que aparecem nas referências dos entrevistados sobre as telenovelas. Entre elas, as Relações de classe, cujas menções dizem respeito ao entorno do território do quilombo, cercado por pessoas ricas, para as quais muitos 2 http://www4.ibope.com.br/download/Classe_C.pdf 3 Os trechos das falas dos sujeitos serão literais e os nomes fictícios são utilizados para manter o sigilo de suas identidades, seguindo as normas pré-estabelecidas com o Comitê de Ética da UFRGS. Nas citações estão colocadas as perguntas de pesquisa para facilitar o entendimento do leitor.

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trabalham como empregados domésticos; quando esta categoria aparece nas falas a respeitos das telenovelas está ligada à crítica aquelas histórias em que os negros são mostrados apenas como empregados, principalmente, dos personagens brancos. Apesar se saberem que essa representação também ocorre na vida real, eles condenam o fato das emissoras insistirem nessa abordagem e retratarem escassamente os casos que fogem a essa regra. O das “empreguetes”... Que tu pode dar a volta por cima. Tu pode ser uma empregada doméstica e dá a volta por cima. Ter um talento ou uma coisa assim. Ou tu tá trabalhando como empregada doméstica, pode estudar e dá a volta por cima e tudo mais. [Outro personagem que lembra?] Não, ela é um exemplo pras pessoas negras que tão recém começando a carreira que o preconceito não existe, mas eu sei que existe. Acho que é isso. Ela tá mostrando.( Sônia da Silva, 21 anos) [Lembra de algum personagem que era um negro rico?] Esse personagem, que é marido da Taís Araújo... Ele era empresário, ele tinha uma agência, parece que era. [O que ele fazia?] Ele era tipo um magnata, né? Ele tinha o apartamento todo chique lá. E as outras que ficavam meio assim de chegar perto dele. [Quem eram as outras?] As outras pessoas. [...] [Quando mostra negros assim, acha que está mostrando a realidade?] Sim, lá onde trabalho é um condomínio assim [aponta para os vizinhos], tem poucos negros mas tem. E a guriazinha dele estuda aqui no Colégio Anchieta. (Rose da Silva, 39 anos)

O contexto étnico citadino é ligado ainda com a Violência, uma vez que muitos membros dos Silva foram vítimas de agressão de policiais, estimulada pelo preconceito racial e social ao qual padeceram antes do reconhecimento como quilombolas. Essa questão é relacionada, principalmente, nas telenovelas de cunho histórico quando as tramas mostram negros violentados pelos “capitães-do-mato”, representantes dos poderosos, e não podem reagir; eles associam essa categoria às agressões que sofriam dos policiais militares, que os acusavam de praticar roubos e furtos nas residências vizinhas, tendo como prova apenas o fato de serem negros e pobres. Eu lembro daquela novela que tinha os escravos que eles colocavam na pedra, que apanhavam. Passava às seis horas. Lembro que eles trancavam os negros nas pedras e batiam. A mesma coisa que os policiais faziam, a gente não podia falar nada. Tinha que ficar quieto. Eu acho horrível. Eu acho que eles batiam, os policiais, porque a gente é negro. (Helena da Silva, 28 anos) [A telenovela] Influencia também a criança a roubar, a matar. As novelas fazem isso, mas termina com final feliz e na vida real não termina assim. Na novela, a criança chega matando e tudo mais e no final da novela tudo feliz. No final da novela a criança tá lá ou com uma família que adotou e na vida real não é assim. (Sônia da Silva, 21 anos)

Junto disso, há alusões aos casos de discriminação de que foram vítimas devido à pigmentação de suas peles e não pertencerem às camadas economicamente mais ricas, ou seja, o Preconceito, motivado por questões tanto de ordem racial quanto social. Quando mencionada a partir da telenovela, essa categoria é relacionada ao fato de não haver uma equidade de tratamento entre

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negros e brancos assim como ocorre na vida real, tanto nas tramas históricas, como também naquelas que retratam a sociedade contemporânea. Além disso, conforme o depoimento de uma das entrevistadas, o preconceito nas tramas por mais que seja mostrado é “camuflado”, termo utilizado por ela para dizer como as produções abordam a questão, mas não de forma tão veemente como ocorre na realidade. Essa novela que não lembro o nome. Tinha senzala. [Sinhá Moça?] Essa mesma! [O que mais tinha nela?] No fim, ele o dono da casa mesmo, ele não queria que a filha dele, no caso uma branca que se apaixonou por um negro... E ele não queria que o negro ficasse com a filha dele porque ele era negro de senzala e a filha dele era branca. No fim eles fugiram, ficaram juntos e ele não pode fazer nada. Tiveram filho tudo junto. [Já soube de caso assim?] Conheço, uma branca filha de rico se apaixonou por um negro. Hoje, a gente se fala, a gente não se falava antes, agora a gente se dá tri bem. Ela estuda nesse colégio Monteiro Lobato e ele estuda no colégio de pobre ao lado. Quando ela passava ele dizia: “Ah, ela é muito bonita”. E as pessoas falavam: “Vocês nunca vão ficar juntos”. E eu perguntava: “Por que que eles não vão ficar? Por que ele é preto, ela é branca?; ela tem dinheiro e ele não tem?”. E hoje eles estão juntos. E eles passavam todo dia um pelo outro. [Parece coisa de novela?] Parece coisa de novela. Por causa que amor era proibido pelos pais deles, mas ela tava apaixonada, gostou dele; ele gosto dela, ficaram juntos. (Rita de Cássia da Silva, 21 anos)4

A essas categorias mais freqüentes estão atreladas outras de grande importância para aquele contexto. Num ambiente onde a figura feminina exerce forte liderança, apesar de estar inserida numa cultura machista, há as Relações de gênero quando utilizam as narrativas para criticar o fato de homens negros bem sucedidos apenas se envolverem com mulheres brancas. Ao mesmo tempo, há quem se identifique com as personagens que buscam casamento com alguém de outra classe social para mudar de vida. Na mesma linha entre Relações de gênero e Relações de classe, Isabel da Silva se identifica com a personagem Valdirene (Tatá Werneck), da telenovela Amor à Vida, que sonha em conhecer um homem rico e assim mudar de vida: “Ela ta atrás de homem rico, ela quer homem rico. [Isso é comum?] Ela é pobre e quer homem rico. E quer arrumar homem rico. [Já viu algo assim?] Sim, eu também queria um homem rico pra mim.” (Isabel da Silva, 28 anos). A História do quilombo ligada à trajetória da própria comunidade é lembrada nas tramas em que negros lutam por seus direitos, suas liberdades, ao mesmo tempo em que são alvo de violência e preconceito dos poderosos. Uma atitude similar de associação é feita com a História do negro. Contudo, esta é conectada à lembrança de subalternização do negro ao logo da formação do Brasil e do Rio Grande do Sul, o que leva muitos entrevistados a não verem um lado positivo nas narrativas que abordam a violência a qual as pessoas dessa etnia foram vítimas no passado como cativos. 4 Cabe ressaltar um equivoco da entrevistada em relação aos personagens da telenovela citada. Apesar de mencionar que o romance era entre uma garota branca e rica com um escravo, na trama de Sinhá Moça a história de relacionamento interracial proibido era entre o filho de escravocrata José Coutinho (Eduardo Pires) com a escrava Adelaide (Lucy Ramos).

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Nunca deram oportunidade de fazer uma novela com história parecida com a minha. [Já viste algo parecido com tua comunidade?] Acho que foi a novela das nove, tinha várias pessoas, várias famílias morando assim. Foi a novela das nove que acabou, que várias pessoas sabiam da vida dos outro, tudo que um fazia. Foi nessa novela que acabou, que tinha a Bruna Marquezine também. [Salve Jorge?] Sim, várias pessoas morando junto e fofoca rolando. Porque família rolando junto é assim. Eu se tivesse, se tivesse não porque to juntando uma grana, eu não queria morar aqui, não. Não dá. Muito conflito, muita fofoca, intriga, não dá. (Sônia da Silva, 21 anos) Eu já vi, mas não lembro em qual novela foi. Agora última novela das seis, a Flor do Caribe, que era o velho da cadeira de roda, que mandou o motorista embora, porque o motorista falou umas verdades pra ele e ele pegou e não gostou e falou um monte de coisa, que ele era negro, que era isso. Aí, nessa Flor do Caribe, que... Entendeu? Então eles mostram a realidade, mas bem pouquinho e aí eles tiram fora do ar. Eu acredito assim, meu, no Brasil existe preconceito escondido, meio escondido, mas existe. Por que o negro é mal visto. Vamos supor... Vamos voltar muitos e muitos anos atrás, por que que os brancos no tempo dos fazendeiros diziam pros negros que manga com leite mata? Sabe? Pra eles não tomar o leite, que eles comiam a manga, não tinha nada pra comer. O que que eles comiam antigamente? Era tripa de porco... A melhor parte eles comiam e os malandros achando que tava pensando no lucro e não era. Aí, eles inventaram essa história que manga com leite mata. Isso é uma das mentiras mais deslavadas. (Evilásio da Silva, 42 anos)

A Cidadania, no que concerne à percepção de que o negro não é respeitado em uma sociedade que deveria ser igualitária, retratada nas telenovelas na forma depreciativa e submissa como as pessoas são mostradas para a audiência. A novela que estou assistindo por último, eu gostava, gosto de assistir é a Malhação que é sobre adolescência, porque tenho minha guria mais nova, a mais velha já casou. Porque é um tipo de educação que eles ensinam ali, né. Educam as crianças, o que tu tem que fazer, o que tu não tem que fazer. E é uma cultura também que é pra gente, né? Assim, ao mesmo tempo que a gente tá assistindo, a gente vai ensinar pros filhos da gente. [pausa: celular toca] E vou aprendendo também como conviver com o pessoal, não vou ser um troglodita daqueles dos tempos das pedras, de tudo a pau. A gente tá aprendendo ali o dia-a-dia deles, entendeu? (Evilásio da Silva, 42 anos) Ah, sim, não sei se foi Laços de Família, que aquela menina tava com leucemia, que ela raspou o cabelo e tudo. Aquela chamou muita atenção. [Por quê?] Pra mostrar que não se tá tendo muito acompanhamento na saúde. Porque chega as pessoas né é tanta... Tanta dificuldade pra conseguir um tratamento, uma coisa. Então essa novela chamou atenção. (Preta da Silva, 47 anos)

O Cotidiano, pelas referências feitas às telenovelas baseadas em suas vivencias diárias, em suas experiências pessoais, como a identificação com personagens com alguma deficiência que são impedidos de manter uma vida normal devido à superproteção dos parentes; ou ao fato das telenovelas mostrarem situações que lembram a relação conturbada com patrões que desvalorizam seu trabalho. Tem muita gente que dá o valor que o negro precisa, mas têm outros que querem pisar em cima do negro [Tipo?] Querem esculachar o negro. Têm muitos

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que dão o valor. Têm outros que não. Têm outros que querem que tratam igual empregado. Têm muitas dessas faxineiras negras que a dona da mansão passa o dedo pra ver se tem sujeira. [Sabe de algum caso?] Já. Ela [amiga] tava limpando a casa. Ela fez dentro do prazo que ela tinha pra entregar. Mas a faxina era muito grande. Aí, a dona passou o dedo assim pra ver se tinha poeira. (Rita de Cássia da Silva, 21 anos)

Por fim, a categoria Relações com o outro, gerada devido a toda dicotomia entre os moradores do quilombo e os vizinhos, numa relação pouco amistosa em muitos momentos. Esse encontro de mundos distintos convivendo lado a lado está alicerçado num fenômeno de alteridade gerado pelo abismo social existente entre os dois grupos, que os coloca em lados opostos. Para denominar esse “outro”, os quilombolas se valem de denominações do tipo: “branco”, “burguês”, etc. Estas mesmas qualificações estão presentes quando se referem às telenovelas e citam aqueles que nas narrativas ganham maior destaque em detrimento dos personagens negros e suas histórias. Muito vinculada à categoria Relações de classe, serve para eles exemplificarem como ocorre o processo de subalternização dos negros nas narrativas, com menções que podem ser sintetizadas em: “o negro está sempre como empregado dos brancos”. Nesse mesmo sentido, há depoimento que ilustra uma forma de representação que gostariam de ver do “outro” nas telenovelas: “Que botasse o branco pra limpar chão; negro dono de uma mansão, de uma casa.” (Rita de Cássia da Silva, 21 anos) Diante disso, indicamos que, na recepção das telenovelas, as mediações imbricadas nesse processo protagonizado pelos membros do quilombo da família Silva se apropriam das narrativas principalmente por meio das singularidades inerentes ao contexto ao qual estão inseridos. Ou seja, a singularidade nesse cenário são as categorias emergidas nas falas dos quilombolas; não necessariamente as categorias concebidas de forma independente, pois poderiam estar presentes em outras comunidades, inclusive aquelas sem a agenda da identidade quilombola. O singular, neste caso, está na forma como verificamos a estruturação das categorias no discurso dos entrevistados. Nesse sentido, o que vamos denominar de “mediações quilombolas” estão estruturadas primeiramente a partir das Relações étnicas, a partir da qual as categorias secundárias são estruturadas: Relações de classe, Violência e Preconceito. E estas atreladas a categorias terciárias: Relações de gênero, História do quilombo, História do negro, Cidadania, Cotidiano e Relações com o outro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como forma de termos subsídios para enfrentar a problemática da pesquisa, procuramos manter o diálogo com os estudos históricos e antropológicos, assimilando dessas áreas o conhecimento necessário para complementar este estudo, o que nos levou a fazer escolhas e recortes nem sempre concebidos como consenso dentro dos Campos de Conhecimento mencionados, mas fruto de nossas seleções, baseadas no cruzamento da leitura de determinados autores, tentando respeitar, na medida do possível, os conhecimentos já sedimentados nessas áreas com as quais mantivemos diálogo.

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Convém ressaltar a importância da utilização do método da História Oral, auxiliado por técnicas de pesquisa como História de Família, Observação Participante e Entrevistas Semi-estruturadas, para a coleta das informações necessárias a este estudo. Demos preferência a um método que respeitasse o contexto das pessoas e levasse em consideração suas experiências de vida. Atribuímos grande importância à história contada a partir de seus pontos de vista, suas impressões e versões. Nesse ponto, a pesquisadora indiana Gayatri Spivak (2010) questiona o poder de fala dos grupos subalternos na sociedade capitalista, sem entrar no mérito dessa possibilidade de fala daqueles que vivem à margem do poder. O nosso estudo é construído valorizando a fala de pessoas subalternizadas numa sociedade com disparidades de várias ordens, mas que tem nesses grupos grandes fontes para compreender a realidade brasileira. Na construção de nossa pesquisa até a discussão de seus resultados, os conhecimentos oriundos de outras estudos se mostraram essenciais para a compreensão do contexto étnico ao qual a família Silva pertence, trançando todo o percurso da etnicidade negra gaúcha até desembocar no processo de etnogênese ativado pelo grupo familiar para garantir os direitos sobre o território ocupado por seus antepassados desde a primeira metade do século XX. Conhecer como se deu esse processo foi crucial para o entendimento da configuração da identidade quilombola de um grupo étnico urbano, cuja questão é tensionada a partir do momento em que sente a necessidade de lutar por seus direitos e se proteger daqueles que se colocavam como seus algozes, cujas raízes remontam à própria formação do Brasil meridional. Com isso, pudemos compreender os traços culturais da comunidade, alicerçados nas práticas, vivências e experiências, o que converge com os pressupostos dos estudos culturais de pensar a esfera cultural a partir das relações e práticas empiricamente vividas na sociedade. Ou seja, para a família Silva vale a premissa de cultura enquanto um processo vivido de conhecimentos e práticas comuns, que envolve os atores sociais em uma comunidade. Referências ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Instituto de Documentação, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1990. ALBERTI, V. Tratamento das entrevistas de história oral no CPDOC. Rio de Janeiro: CPDOC, 2005. BERTAUX, D. Genealogías sociales comentadas y comparadas. Una propuesta metodológica. Traducción de Jorge A. González. Estudios sobre las Culturas Contemporáneas, Colima, México, v. 6, n. 16-17, p. 333-349, 1994. CRUIKSHANK, Julie. Tradição oral e história oral: revendo algumas questões. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da história oral. Rio, Editora FGV, 2000. DUARTE, R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar, Curitiba, n. 24, p. 213-225. Editora UFPR, 2004. GONZÁLEZ, J. A. Y todo queda entre familia. Estrategias, objeto y método para

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historias de familia. In: Estudios sobre las culturas contemporáneas. Época II, vol. i, N 1, Colima, junho, p. 135-154, 1995. GRAMSCI, A. Quaderni del Carcere.Torino: Einaudi, 2007. GUBER, R. La etnografía: método, campo y reflexividad. Editorial Norma, 2001. HARRES, M. M. História oral: algumas questões básicas. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 99-112, dez. 2008. JOUTARD, P. Desafios à História Oral do Século XXI. In: ALBERTI, V. et al. (Orgs.). História Oral: desafios do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/ Casa de Oswaldo Cruz /CPDOC – FGV, p. 31-45, 2000. OROZCO, G.; GONZÁLEZ, R. Una coartada metodológica. Abordajes cualitativos en la investigación en comunicación, medios y audiencias. México: Editorial Tintable, 2012. ROSA, M. V. F. P.; ARNOLDI, M. A. G. C. A entrevista na pesquisa qualitativa: mecanismos para validação dos resultados. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010. THOMSON, A. Aos cinqüenta anos: uma perspectiva internacional da história oral. In: ALBERTI, V. et al. (Orgs.). História Oral: desafios do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz /CPDOC – FGV, p. 47 – 65, 2000.

Sobre o autor: Wesley Pereira Grijó é doutor em Comunicação e Informação pela UFRGS; Mestre em Comunicação pela UFG. Graduado em Jornalismo e em Rádio e TV pela UFMA. Membro do Grupo de Pesquisa no CNPq “Comunicação e práticas culturais” e do Observatório Ibero-Americano de Teleficção (Obitel). Professor da Unipampa, Campus São Borja-RS, email: [email protected]

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“Pipipi, alerta de recalque”: circulação e consumo de telenovela no Twitter Sandra DEPEXE Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: Com o objetivo de refletir sobre o consumo simultâneo de televisão e do Twitter, o texto articula a análise de discurso peuchetiana com a sociologia bourdiana para captar o funcionamento do imaginário: os modos pelos quais uma personagem é apresentada na telenovela e discursivisada pelo público/audiência no Twitter. Como elemento constitutivo do corpus de pesquisa selecionamos comentários sobre a telenovela Salve Jorge (Rede Globo 2012/2013) que mencionavam a personagem Maria Vanúbia, papel da atriz Roberta Rodrigues. Como resultado, avaliamos que o sucesso alcançado pela personagem no Twitter é atravessado pela distinção de classe. PALAVRAS-CHAVE: recepção/consumo; circulação; telenovela; Twitter; Introdução Este trabalho é recorte de uma pesquisa maior e em andamento que busca compreender, na circulação e consumo da telenovela Salve Jorge (Rede Globo, 2012/2013), como classe social conforma formações imaginárias (PÊCHEUX, 2010) que indicam modelos de feminino a serem seguidos ou evitados. Para apreender os sentidos sobre a mulher construídos pela recepção de Salve Jorge, consideramos o cenário da convergência midiática1 e nos dedicamos aos comentários realizados pela audiência da telenovela no Twitter2, os quais foram monitorados e coletados durante os sete meses de exibição da trama. Com base em Jenkins (2009), compreendemos que não há como pensar o atual status do consumo de telenovela sem levar em conta o ambiente de con1 Processo que diz respeito ao fluxo de conteúdos através de vários suportes de mídia, à cooperação entre mercados midiáticos e ao comportamento dos sujeitos no consumo de produtos midiáticos e nas suas interações sociais (JENKINS, 2009). 2 Rede social digital em que os usuários podem enviar mensagens (tweets) com até 140 caracteres, e fazer o uso de marcadores temáticos (hashtags). Disponível em: www.twitter.com.

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vergência em que a mídia televisiva e seus receptores estão imersos. Enquanto Orozco Gómez (2011) alerta para a alteração na relação do espectador com o produto midiático através da expansão das plataformas de distribuição da telenovela para outras telas, Gallego (2013) dá importância ao consumo simultâneo TV-internet e à normalização do uso do Twitter com o momento de assistência televisiva. Dessa forma, a TV é acompanhada por outras telas e “não é preciso que as pessoas estejam reunidas para discutir o que se assiste, basta estar conectado à internet para participar dessa sala global” (ISHIDA, 2012, p.141). Nesse cenário, entendemos que os discursos3 presentes nas redes sociais digitais, apesar de, no geral, serem pouco desenvolvidos, servem como indícios a respeito dos temas que repercutem – positiva ou negativamente – junto à recepção televisiva. Tanto os conteúdos postados quanto as marcas de interação dos usuários são materializadas por discursos, os quais servem como registros de atividades e impulsionam o sentido de um consumo amplificado (OROZCO GÓMEZ, 2011). Assim, defendemos que a pesquisa de recepção/ consumo possa ser aliada aos estudos do discurso, para melhor apreender os sentidos elaborados e postos na rede, em especial, aqueles vinculados às representações da mulher nas telenovelas. Elegemos como objetivo, para este texto, refletir sobre o consumo simultâneo de televisão e do Twitter para captar o funcionamento do imaginário na superfície: os modos pelos quais uma personagem é apresentada na telenovela e discursivisada pelo público/audiência no Twitter. Como elemento constitutivo do corpus de análise selecionamos comentários sobre a telenovela que mencionavam a personagem Maria Vanúbia4, papel da atriz Roberta Rodrigues. Circulação e consumo: televisão e Twitter O consumo simultâneo TV-internet implica em transformações dos usos e apropriações tanto na assistência televisiva quanto no acesso a uma rede social digital. Através do compartilhamento de gostos e opiniões, telespectadores/ internautas constroem outras ritualidades no consumo das duas telas, tornam público não apenas os gostos e as contestações, mas o próprio comportamento migratório das audiências (JENKINS, 2009). Entretanto, seria equívoco considerar que somente na cultura da convergência os sujeitos passaram a construir sentidos a respeito daquilo que recebem/consomem dos meios de comunicação. O que difere, agora, é a ampla visibilidade que essas construções alcançam (FAUSTO NETO, 2009; JACKS, RONSINI, et al, 2011). Com efeito, a cultura da convergência põe em xeque a concepção linear e unidirecional dos fluxos entre produtores e receptores e “origina-se uma espécie de passagem - da produção à recepção - espécie de uma zona que nasce das franjas das fronteiras das dinâmicas entre uma e outro, mas uma zona cujos contornos não são claros...” (FAUSTO NETO, 2009, p.6). Esta 3 As redes sociais digitais se valem substancialmente de recursos discursivos, sejam imagéticos ou textuais. 4 Entre outubro de 2012 e maio de 2013 foram capturados 34.160 comentários sobre a personagem no Twitter, através da ferramenta NCapture do software Nvivo 10.

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zona de passagem a que se refere Fausto Neto (2009) é a circulação, a qual deixa de ser “invisível”, um conceito abstrato para diferenciar os dois lugares e passa a ser um dispositivo da heterogeneidade, da redução das distâncias, da articulação entre emissão e recepção. Compreendemos a circulação da telenovela tanto como o movimento vindo da produção como aquele oriundo da recepção, ou seja, o que a telenovela põe em circulação e o que a recepção, ao consumir, se apropria, (re)elabora e põe também em circulação, no nosso caso, através de comentários no Twitter. No que tange a este último, isto é, no caso de pensar a circulação no âmbito do consumo, trata-se de identificar como os receptores/consumidores relacionam-se com os conteúdos midiáticos, [...] através dos fluxos que emanam ora de um simples redirecionamento que faz expandir a circulação dos conteúdos, ora das apropriações propriamente ditas (JACKS; RONSINI, et al, 2011, p.301-302).

A circulação, no âmbito do consumo, corresponde às ações e movimentos empreendidos pelos consumidores/receptores de um produto midiático, que apontam tanto para a estabilização quanto para a reformulação de sentidos a respeito de tais produções. Nessa perspectiva, o “Twitter es un electrocardiograma de la sociedad y, dentro de ella, es una plataforma que toma bien el pulso a lo estrictamente televisivo” (GALLEGO, 2013, p.15). Assim, “os comentários feitos no Twitter sobre a telenovela sustentam a hipótese de que a convergência das mídias TV e web potencializam a visibilidade do conteúdo ficcional, além de permitir a construção de novos significados em relação à narrativa” (AQUINO; PUHL, 2011, p.35). Tomaremos a circulação como lugar que torna visível a ação do receptor, entendido aqui “consumidor ativo” ou “comunicante”, nos termos de Orozco Gómez (2011), para refletir sobre as relações entre a audiência televisiva e a internet, em especial, no Twitter. Indicações teórico-analíticas Nossa leitura acerca dos comentários realizados pela audiência da telenovela no Twitter remete à análise das condições de produção do discurso, as quais são reguladas pelas formações imaginárias. Para Pêcheux (2010, p.81-82, grifos do autor), o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro. Se assim ocorre, existem nos mecanismos de qualquer formação social regras de projeção, que estabelecem as relações entre as situações (objetivamente definíveis) e as posições (representações dessas situações).

Dessa forma, o que funciona no discurso são as imagens dos sujeitos, isto é, as posições discursivas produzidas pelas formações imaginárias, e não os sujeitos empíricos em si. Neste trabalho, consideramos que as formações imaginárias são vinculadas às representações da mulher nas telenovelas e ao modo como os receptores consomem e se apropriam das narrativas.

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Tomamos aporte dos conceitos de habitus, estilo de vida e dos capitais propostos por Pierre Bourdieu para pensar as práticas que distinguem as classes sociais e que permitem filiar as personagens da telenovela em uma dada realidade social a ser interpretada pelo receptor. Bourdieu (2011) metaforiza o conceito de capital, central na teoria marxista, em quatro dimensões: econômica, cultural, social e simbólica. O capital econômico inclui riqueza, renda, heranças financeiras e ativos monetários. O capital cultural pode ser pensado sob três formas: estado corporificado (disposições da mente e do corpo); estado objetivado (bens culturais); estado institucionalizado (qualificações educacionais). Já o capital social se refere à posição ocupada nas relações sociais e, por fim, o capital simbólico diz respeito ao poder simbólico, ao que dá sentido e legitimidade aos demais capitais. Embora os quatro capitais propostos por Bourdieu sejam úteis para o exame das classes, Skeggs (2002) alerta que a metáfora não deve ser compreendida como descrições de posições empíricas. As classes sociais pensadas por Bourdieu (1996) se referem às correspondências entre o espaço de posições ocupadas no espaço social5 e o espaço de disposições: o habitus, a unidade de estilo que vincula práticas e bens de um sujeito ou de uma classe (BOURDIEU, 1996). Consideramos que o estilo de vida é produto do habitus e exprime na lógica simbólica uma dada preferência distintiva de classe a ser lida na mobília, na vestimenta, na linguagem e na hexis corporal (BOURDIEU, 1983). Em nosso dispositivo de análise (Figura 1), sugerimos que o habitus, os capitais e o estilo de vida funcionem como instâncias vinculadas às formações imaginárias, visto que “o habitus implica não apenas um sense of one’s place, mas também um sense of other’s place” (BOURDIEU, 2004, p.158). Cabe ressaltarmos que para Lopes (2009), a telenovela, como “recurso comunicativo6”, ativa a correspondência entre o habitus do mundo narrado e o habitus vivido pela recepção, possibilitando o reconhecimento de si e do outro. Esse senso de posições de sujeito, quando examinados à luz das narrativas ficcionais, traz à tona a construção das personagens, os sentidos em oferta ao receptor televisivo e as apropriações realizadas no âmbito do consumo simultâneo no Twitter.

5 Para Bourdieu (1996) o espaço social organiza-se com base em três dimensões: o volume global do capital possuído pelos sujeitos; a estrutura do capital de acordo com o peso relativo do capital econômico e do capital cultural no conjunto do patrimônio; evolução no tempo, do volume e estrutura do capital. 6 Trata-se de “reconhecer a telenovela como componente de políticas de comunicação/cultura que perseguem o desenvolvimento da cidadania e dos direitos humanos na sociedade” (LOPES, 2009, p.32).

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Figura 1 – Dispositivo de análise

Nas análises, a seguir, buscamos conjugar a circulação e o consumo da telenovela Salve Jorge, especificamente, da personagem Maria Vanúbia, em um mesmo gesto metodológico de leitura, descrição e interpretação. Maria Vanúbia: estilo de vida e classe Maria Vanúbia, personagem interpretada por Roberta Rodrigues, faz parte do núcleo ambientado no Morro do Alemão, lugar em que vive a protagonista Morena (Nanda Costa). Desde o início da trama a relação entre as duas é tensa, sendo comuns as cenas de provocação verbal e até mesmo agressão física entre elas. Maria Vanúbia, entretanto, é uma personagem secundária e contracena, majoritariamente, com outros personagens do núcleo, mantendo-se quase que restrita a ele. A descrição da personagem no site oficial de Salve Jorge7 é marcada por um imaginário que alude à violência da periferia, aponta para uma personalidade forte, “cheia de si”, e reforça sentidos já dados às periguetes8 das telenovelas: pertencimento à classe popular e ameaça ao casamento. No caso de Maria Vanúbia, a nomeação de periguete e o par raça-classe corrobora o imaginário analisado por Nascimento e Alves (2011) que denigre as mulheres negras e 7 “Periguete do Alemão, é cheia de si e não deixa barato nenhuma provocação. Está sempre flertando com Pescoço e provocando Delzuite”. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2013. 8 Cardoso (2012) rememora quem foram as primeiras periguetes nas telenovelas da Rede Globo: Natalie (Deborah Secco) em Insensato Coração (2011); Teodora (Carolina Dieckman) em Fina Estampa (2011/2012); Suelen (Isis Valverde) em Avenida Brasil (2012).

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mestiças de classe popular em prol do mito da hipersexualidade9. Os receptores, entretanto, elaboram suas interpretações pela comparação das trajetórias dessas personagens periguetes. Os comentários indicam embates entre a posição imaginária de uma mulher liberal, vinda pela recordação de Suelen (Isis Valverde em Avenida Brasil), e as atitudes de Maria Vanúbia. Enquanto aquela firmou relacionamento concomitante com dois homens, essa fica de biquíni na laje10 e não protagoniza cenas que sinalizem envolvimento sexual com diferentes parceiros ao longo da telenovela. Alguns receptores questionam se ela seria mesmo periguete, afinal, quem se envolve em um caso de infidelidade é Dona Isaurinha (Nívea Maria) e até mesmo os personagens masculinos Zyah (Domingos Montagner) e Théo (Rodrigo Lombardi) tiveram mais parceiras sexuais que ela, como indica as amostras de comentários capturados no Twitter abaixo reproduzidos11: Piriguete de Avenida Brasil: Suellen, casa com dois homens. Piriguete de #SalveJorge: Vanúbia, mostrar o capô de fusca na laje. (5 mar. 2013) O Théo é mais piriguete que a Lurdinha e a Maria Vanúbia juntas. #SalveJorge (8 abr. 2013) Zyah já pegou duas mulheres, theo já pegou quatro...depois a perigueti é a Maria Vanúbia ‫ ‏‬#salvejorge (11 abr. 2013) Chamam Maria Vanúbia de piriguete, mas quem traiu a melhor amiga foi a #DonaIsaurinha #salvejorge (66’ kkkkkkk. (17 maio 2013)

Embora Maria Vanúbia mantivesse, até certo ponto, um comportamento sexual mais conservador que o de Suelen, fazendo cair por terra o mito da hipersexualidade da mulher negra de origem popular, o imaginário de que a periguete é uma mulher perigosa, provocante (CERQUEIRA; CORRÊA; ROSA, 2012) é mantido uma vez que a personagem flerta com Pescoço (que vive com Delzuite) e faz gracejos para Clóvis (Walter Breda), dono de bar e esposo de Diva (Neusa Borges), que a espia, com um binóculo, tomar banho de sol. O estilo de vida (BOURDIEU, 1983) de Maria Vanúbia remete aqueles associados às periguetes através da valorização do corpo feminino, dos cuidados estéticos e da diversão. Conforme apontam Soares (2012), Nascimento e Alves (2011) as roupas, o cabelo, a autoestima elevada e a forma de lidar com o corpo correspondem a elementos distintivos e representacionais das periguetes. Na Figura 2, apresentamos o estilo de Maria Vanúbia, o qual é similar à imagem corporal da periguete já instituída por outras personagens de telenovelas da Rede Globo. 9 Conforme Chanter (2011, p.36), o mito da hipersexualidade constrói a sexualidade das mulheres negras como imoral, patológica e incontrolável, em oposição às mulheres brancas tidas como puras, sem paixão e assexuadas. 10 Na gíria utilizada pelo receptor “mostrar o capô de fusca” alude à região genital feminina. 11 Optamos por manter a grafia original dos tweets, incluindo erros de escrita, abreviações, sinais gráficos, gírias e onomatopeias para o riso. Igualmente, mantemos em anonimato a origem ou autoria dos comentários.

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Figura 2 - O estilo de Maria Vanúbia Fonte: montagem realizada pela autora, com imagens retiradas do site da Globo

Nessa perspectiva, além das roupas justas e decotadas, são recorrentes as cenas em que Maria Vanúbia aparece de biquíni, tomando banho de sol na laje, momento em que utiliza métodos caseiros para “dourar” os pelos do corpo ou para assegurar o bronzeado. O público é crítico às disposições representadas pela personagem e a assistência da telenovela, como ritual frequente, é confirmado nos tweets. Vontade de pagar uma depilação a laser pra essa Maria Vanubia, pra ela parar de loirar os pêlos na laje. (19 mar. 2013) Não sei como essa maria vanubia ainda não pegou um cançer de pele, pq todo santo dia ela ta se bronzeando nessa laje (28 mar. 2013) Essa Maria Vanubia é uma vagabunda msm, só fica pegando sol! Vai arranjar um trabalho, minha filha! (9 abr. 2013)

Ainda, em referência à aparência, as pulseiras, as unhas compridas e pintadas, o mega hair de longos cabelos loiros e lisos em contraste com sua pele negra, faz escapar a ideologia de uma estética hegemônica – branca e loira. Embora negue sua raça pela mudança no cabelo, valoriza, justamente, a cor de sua pele. Porém, fica nítido nos tweets que beleza é uma categoria considerada não pertencente à Maria Vanúbia. Por vezes, a rejeição à imagem corporal da personagem se contrapõe a outras características admiradas pela audiência. É feia, encorpada, periguete, a encarnação de tudo que eu prego contra... Mas amo de paixão Maria Vanúbia! #SalveJorge (28 jan. 2013) uma pessoa que acha a maria vanubia bonita nunca vai ter credito de nd na vida (22 mar. 2013) Gente aquela MARIA VANUBIA é tão feia né? eu acho ela engraçada, mas é bem feinha kkk (9 abr. 2013)

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Maria Vanúbia é aceita pelo público como periguete, mas, convém observar, que se trata de uma periguete com “personalidade forte”, “boa pessoa” – como se esses atributos não correspondessem às demais periguetes, as quais estariam vinculadas a um imaginário de futilidade e falta de caráter. Vale lembrar que Natalie, Teodora e Suelen, citadas por Cardoso (2012), faziam de seus corpos moeda de troca para adquirir vantagens e conquistar um marido rico, enquanto Vanúbia se divertia ao provocar os homens e dizia querer “subir na vida” por méritos próprios, sem precisar depender de um marido. Implicitamente funciona a distinção entre “ser” e “parecer” periguete. Nesse aspecto, a personagem é esteticamente periguete, e não necessariamente merece a alcunha por suas atitudes. MARIA VANÚBIA É A PIRIGUETE MAIS ENGRAÇADA DE TODAS HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!! #SalveJorge (1 fev. 2013) A Maria Vanúbia é apenas periguete mas é boa pessoa (14 mar. 2013) Maria Vanubia a periguete mais ‘arretada’ de #SalveJorge (15 mar. 2013) Hoje a Vanúbia não apareceu ainda. PALHAÇADA! AMO AQUELA PIRIGUETE! #SalveJorge (25 mar. 2013) Maria Vanubia melhor piriguete que já vi kkkkk #SalveJorge (10 maio 2013) Rsrsrs Vanúbia arrasa. Faz um tipo piriguete de muito personalidade. #salvejorge (15 maio 2013)

Em termos de capital social (BOURDIEU, 2011), isto é, a posição ocupada nas relações sociais, avaliamos que Maria Vanúbia é conhecida por todos na favela do Alemão, mantendo-se praticamente restrita a esse núcleo da telenovela. Assim, suas relações sociais são desenvolvidas no contexto estrito de uma dada localidade, em tom semelhante ao que Hoggart (1973) observou o bairro como lugar de apego para as classes proletárias. Cabe ressaltarmos que não há representação de Maria Vanúbia como mulher pertencente à esfera privada, do lar. Pelo contrário, o lugar ocupado por ela é pautado pelo espaço público, uma vez que ou está na rua, ou na laje, ambiente, a priori privado, mas que se torna público pela presença constante dos olhares dos homens e dos assovios e cantadas de Pescoço. Durante o período de exibição da telenovela, poucas vezes se mencionou a ocupação da personagem - dançarina de funk – o que reforça o imaginário de um lugar social menos privilegiado. Maria Vanúbia mantém seus esforços unicamente em sua aparência por acreditar que seu talento para a dança a tornará rica e famosa. Logo, a personagem é construída discursivamente como alguém que busca a ascensão social, mas não se dedica ao trabalho ou ao estudo, aspectos geralmente atribuídos às classes mais elevadas. O imaginário sobre os hábitos das classes populares é reforçado pelo gosto musical – funk, samba e pagode - e pelos lugares que frequenta: o bar de Clóvis e Diva, a Estudantina Musical e o Pagofunk. Nos termos de Bourdieu (2011), a personagem possui baixo capital econômico e cultural, posição que a filia às classes populares.

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A formação imaginária (PÊCHEUX, 2010) prioritária em que se inscreve Maria Vanúbia é conjugada por sua condição econômica, pelo lugar em que vive – o morro do Alemão -, pelo seu estilo de vida e sua raça. Maria Vanúbia é o oposto da estética dominante, é briguenta, fala errado, mas possui como valor positivo uma grande autoestima, que é trabalhada pela atriz Roberta Rodrigues com um toque bem humorado. O imaginário da periguete como uma mulher que foge à moral tradicional escapa, uma vez que a personagem não aparece em cenas de sexo, nem se envolve com outros personagens, mantendo-se na esfera do flerte com Pescoço. Maria Vanúbia, os trend topics e o “alerta de recalque” Outro aspecto que reforça a filiação de Maria Vanúbia à classe popular está no uso extremamente coloquial da linguagem, o que alude a um baixo capital cultural escolar (BOURDIEU, 2011). Além de pronunciar de forma errônea algumas palavras, incluindo o nome de seu flerte “Percoço” (trocando o “s” por “r”), todos os atos de fala da personagem são marcados por jargões, por exemplo: “Eu sou Maria Vanúbia, não sou bagunça”, “Aceita que dói menos”, “Quem é você na fila do pão francês?”, “Eu morro de rir, mas não acho graça”, “Pipipi, alerta de recalque”, as quais ganharam a simpatia do público e eram automaticamente replicados no Twitter a cada cena em que eram proferidas. O uso dessas expressões, de certo modo, pontua o dizer da personagem e remete às observações feitas por Hoggart (1973) de que as classes populares, em geral, expressam suas “opiniões” por um amontoado de frases feitas e transmitidas pela tradição oral. A nuvem das palavras (Figura 3) mais frequentes nos 34.160 tuites coletados sobre Maria Vanúbia é indiciária da apropriação desses bordões pelo receptor. As séries de “kkkk”, onomatopeias para o riso, remetem ao conceito de corpografia (DIAS, 2008): a textualização da presença/emoção do receptor. Nessa perspectiva, “o que define particularmente a corpografia é que ela não representa nem imita uma emoção, mas ela cria essa emoção, nas condições de produção muito específicas do uso do computador” (DIAS, 2008, p.20). O registro dessas emoções nos leva a crer na aceitação da personagem e, por que não dizer, no surgimento de fãs de Maria Vanúbia? Afinal, “é a partir do momento em que o telespectador passa a se envolver emocionalmente com a trama e a criar laços profundos com a ficção, que se pode considerar que ele se tornou um fã” (LOPES; MUNGIOLI; et al, 2013, p.140).

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Figura 3 – Nuvem de palavras para os tuites coletados sobre Maria Vanúbia Fonte: Imagem obtida por manipulação dos dados no NVivo 10. Base: 34.160 tuites.

A expressão “Maria Vanúbia” figurou entre os termos mais citados no Twitter em 10 datas12 diferentes, tendo atingido seu ápice em 13 de maio de 2013, em que verificamos 10 termos listados referentes a Salve Jorge, sendo que 4 faziam alusão à personagem: “Maria Vanúbia e Morena”, “Maria Vanubia”, “#MariaVanubia” e “Recalque”. O capítulo exibido nessa data foi marcado por cenas de ação protagonizadas por Maria Vanúbia e Morena contra a quadrilha que as traficou. Em um ambiente protegido pela polícia, ambas celebram as pazes e relembram o passado de discórdia. A conversa vai tomando ares de discussão, quando Maria Vanúbia, finalmente, profere seu bordão, atualizando-o para o contexto da cena: “pipipi, agora o recalque é internacional”. Como resultado, a observação sistemática dos tuites que utilizavam o marcador #salvejorge, demonstrou que os receptores estavam a replicar a frase, comentar as cenas, elogiar e declarar seu “amor” à personagem. Para ter a dimensão do que Ma12 Dados obtidos através de observação sistemática da listagem dos trend topics: 27 de fevereiro de 2012; 19 e 21 de março de 2013; 5, 12, 22, 27 e 30 de abril de 2013; 10, 11 e 13 de maio de 2013.

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ria Vanúbia representava, nesse episódio, no Twitter, recorremos à ferramenta Trendsmap13. Obtivemos a comprovação de que Vanúbia estava certa: “recalque” atingiu presença internacional, como mostra a Figura 4.

Figura 4 – Recalque no mundo Fonte: Imagem coletada no Trendsmap em 13 de maio de 2013 às 22h50min.

Através da ferramenta ReSearch.ly13 recuperamos a informação quantitativa de 83.070 tweets que mencionavam “recalque” na mesma data. Embora a palavra seja de uso comum, e, portanto, nem todos tweets contabilizados por essas ferramentas digam respeito à expressão de Maria Vanúbia, a comparação do volume de menções nos diferentes meses não deixa dúvidas do poder e da visibilidade que a telenovela tem no Twitter, como mostra o gráfico da Figura 5.

Figura 5 – Volume de menções para “recalque” Fonte: Imagem coletada no ReSearch.ly em 26 de agosto de 2013 às 19h12min.

Considerando o volume de dados que coletamos e a própria trajetória da telenovela, podemos afirmar que há relação entre a presença de Maria Vanúbia nos comentários no Twitter e sua tomada de importância na trama. Ousamos levantar a hipótese de que seu êxito junto aos receptores contribuiu para que Glória Perez incluísse a personagem no início do desfecho da problemática principal de Salve Jorge: o tráfico de pessoas. 13

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Discutimos sobre o uso das ferramentas em Depexe (2013). Artigos Completos

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Considerações finais Como resultados, apontamos que embora a personagem Maria Vanúbia seja secundária na trama de Salve Jorge, alcançou grande visibilidade no Twitter. Ao final da novela, Maria Vanúbia é vítima do tráfico humano, em que se tornaria prostituta na Turquia. Entretanto, ela não aceita essa posição e age para fugir da situação que lhe é imposta. O imaginário de que a mulher que vive no morro é preparada para lidar com a violência e é violenta se for preciso, é mais uma vez acionada. A periguete, enfim, mostra que é “do bem” e se torna heroína, ao lado da protagonista, Morena. Os comentários na rede social digital explicitam aceitação do público e indiciam o consumo simultâneo das mídias. Chama-nos atenção que palavras pertencentes aos jargões da personagem entram para os trend topics instantes depois de transmitidas pela televisão. “Recalque” na listagem dos termos mais citados do Twitter, ao final de um dos capítulos em que há uma atualização do já famoso “pipipi, alerta de recalque”, atesta não só o consumo simultâneo das mídias, mas o envolvimento de receptor com a trama e com a personagem. Ainda, no penúltimo capítulo, o termo “recalque” aparece novamente na listagem. No que tange à representação do feminino, há designação de Maria Vanúbia como periguete na telenovela, entretanto, os próprios receptores, por vezes, constroem outros sentidos sobre a personagem afastando-a do imaginário negativo que a alcunha de periguete lhe impõe. Entretanto, a oposição às suas disposições de classe popular, revela o funcionamento da distinção de classe sob os olhos da recepção. Referências AQUINO, Maria Clara; PUHL, Paula. Vale tudo no Twitter: a visibilidade da ficção televisiva em tempos de convergência midiática. Alceu. v.12, n.23. Jul./dez. 2011. p.34-48. BOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo, Ática, 1983, p.82-121. _____. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus,1996. _____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. _____. A distinção: crítica social do julgamento. 2.ed. rev. Porto Alegre: Zouk, 2011. CARDOSO, Elis de Almeida. O ‘ete’ da empreguete. In: Revista Língua Portuguesa. Editora Segmento. Ano 8, n.81, jul. 2012. p.16-17. CERQUEIRA, Lígia Campos de; CORRÊA, Laura Guimarães; ROSA, Maitê Gurgel. A cartilha da mulher adequada: ser piriguete e ser feminina no Esquadrão da Moda. Revista Contracampo, v. 24, n. 1, ed. julho, ano 2012. Niterói: Contracampo, 2012. p.120-139. CHANTER, Tina. Gênero: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2011. DIAS, Cristiane. Da corpografia: ensaio sobre a língua/escrita na materialidade digital. Santa Maria: UFSM, PPGL, 2008.

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Sobre a autora: Sandra Depexe é doutoranda em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria. Mestre em Comunicação e bacharel em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda, pela mesma instituição. Membro do grupo de pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural. Bolsista CAPES. E-mail: sandradpx@ gmail.com

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Cultura e Mídia: Uma Análise Sobre Cultura Popular e a Recepção do Público Maiara DOS SANTOS MARINHO Marislei DA SILVEIRA RIBEIRO Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS Resumo:Refletir sobre a relação entre público, meios de comunicação e os conceitos que permeiam o debate acerca da recepção nos permite observar diversas vertentes inerentes à temática. Dentre elas, a cultura. Tão somente cultura, mas cultura popular que se encontra marginalizada em uma sociedade de classes padronizada, pois o padrão não contempla o recorte de classes, de vivências específicas em grupos de gênero, raça, etnia e classe social. Os estudos de recepção são um mecanismo de estudo analítico sobre a mediação entre cultura popular e mídia. Sendo assim, esse trabalho pretende dialogar sobre a importância da valorização da cultura popular e o papel da mídia através dos estudos de recepção. Palavras-chave: cultura; cultura popular; recepção; meios de comunicação; sistema político INTRODUÇÃO A arte feita pelo povo não entra nos parâmetros de cultura que a sociedade atual e a mídia entendem, seja por tradição ou falta de diálogo entre os mediadores (veículos de informação) e receptores (os que recebem as mensagens dos veículos de informação). Os meios de comunicação, televisão, rádio, internet e jornal impresso interpretam como cultura uma arte quase inalcançável, a pintura, a música clássica. Atividades que se enquadram naquilo que classificamos como “intelectual”. A cultura popular, então, não recebe reconhecimento e debate sobre a importância de sua atuação. “A maioria das pessoas associa ‘cultura’ a algo inatingível, exclusivo dos que leem muitos livros e acumularam muitas informações, algo sério, complicado, sem a leveza de um filme-passatempo” (PIZA, 2013, p.46).

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Em primeiro lugar, cultura popular é a arte feita pelo povo e, mais do que qualquer outro fator, é determinante para a construção e reconhecimento de identidades tais como de pensamentos, de classes, de cores e de sexualidades. Os meios de comunicação devem dialogar com essa cultura manifestada no grafite, o artesanato, o carnaval, o samba, a capoeira e as lendas urbanas. Pois, “a recepção é um processo contínuo de atribuição de sentidos construídos no diálogo” (MARTINO, 2010, p.177). Nesse contexto, os meios de comunicação são instrumentos de construção de identidade em virtude do mecanismo norteador de opiniões, mas também são catalisadores de crises de identidade. Estas crises são fruto de um sentimento de não pertencimento a um padrão imposto pela mídia, porém que a antecede. Em outras palavras, trata-se de questão econômica e política, não sendo uma construção de crise exclusiva dos meios de comunicação. Em meio a essas questões, os veículos de informação atuam como mediadores influenciando na opinião, ou seja, interpretam, à sua maneira, o que é cultura popular. O popular é visto pela mídia através da lógica do mercado, e cultura popular para os comunicólogos não é o resultado das diferenças entre locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural. O popular é, dessa forma o que vende, o que agrada multidões e não o que é criado pelo povo. O que importa é o popular enquanto popularidade (CATENACCI, 2001, p. 32).

Além de refletir sobre popular e popularidade no sentido de entender o que esses conceitos significam e o que carregam enquanto perpassam os meios de comunicação e os efeitos da recepção do público, é importante refletir também sobre os conceitos cultura e cultura popular. Esses termos podem ser questionados em duas vertentes: a antropológica e a sociológica. Isto é, para os antropólogos, cultura é tudo, pois no magma primordial em que habitam os primitivos cultura é tanto o machado quanto o mito, a oca e as relações de parentesco, o repertório das plantas medicinais ou das danças rituais; para os sociólogos, cultura é somente um tipo especializado de atividades e de objetos, de práticas e produtos pertencentes ao cânone das artes e das letras (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 13).

Cultura Popular – outra matriz de Cultura De modo que historicamente foi-se construindo a ideia de cultura popular englobar somente aquilo que se trata do passado, pode-se destacar na contemporaneidade outras formas de cultura popular. Da arte rupestre, dos mitos, da agricultura e lendas urbanas que se limitam a algo fora da modernidade, percebemos - na modernidade - a cultura popular manifestada em diversos espaços: na cidade, na favela, na escola de samba, na rua, no asfalto, em forma de protesto, de movimento organizado e em diversas outras vertentes. Visto isso, é perceptível que a cultura é um processo e se molda de acordo com o contexto do lugar e do tempo em que se encontra.

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Com isso, a cultura está – assim como a identidade e junto com ela, pois uma insere-se na outra – em constante transformação. Partindo disso, temos que encontrar caminhos para dialogar com e sobre as manifestações populares. Primeiramente, a de pensar a cultura e admitir que ela é a manifestação de um povo e, posteriormente, de que o povo manifesta-se a partir das políticas da sociedade em que está inserido. Dizer isso significa dizer que o sistema político vigente com suas condições para se manter e se consolidar, oferece consequências sociais e culturais. Consequências estas prejudiciais a determinados grupos e vantajosas a outros, visto que o contexto atual é o capitalismo. E outro caminho, “a de pensar o popular na cultura não como algo limitado ao que se relaciona com seu passado – e um passado rural -, mas também e principalmente o popular ligado à modernidade, à mestiçagem e à complexidade do urbano” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 74). Por conseguinte, o reconhecimento de determinados grupos que encontram maneiras específicas de expressar o que a sociedade significa para eles é importante para entender “a complexidade do urbano”. Além disso, assim como os meios de comunicação e os políticos têm à sua maneira estratégias para se sentirem pertencentes ao meio em que estão inseridos, indivíduos e grupos procuram também – à sua maneira – sentirem-se parte do meio em que estão inseridos. Daí surgem, por exemplo, lutas como a das mulheres e a dos jovens, agentes em busca de reconhecimento, respeito, voz e espaço para (des)construírem a sociedade que se reflete para eles. Então, mais do que objetos de políticas, a comunicação e a cultura constituem hoje um campo primordial de batalha política: o estratégico cenário que exige que a política recupere sua dimensão simbólica – sua capacidade de representar o vínculo entre os cidadãos, o sentimento de pertencer a uma comunidade – para enfrentar a erosão da ordem coletiva (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 15).

Assim como as manifestações populares podem ser interpretadas como intenção de se fazer pertencer ao meio, elas podem ser entendidas também como intenção de revolucionar a moral, as regras, os códigos de ética e conduta, as formas de fazer política e comunicação. Muitas dessas manifestações se dão por meio da música, do cinema, da literatura, da própria política enquanto alternativa ao que está posto, de frentes de intervenção política entre tantas outras maneiras. Essas diversas manifestações são o motivo pelo qual os meios de comunicação tradicionais deslegitimam e descaracterizam, pois são também alvo por serem construídos em bases conservadoras que vai de encontro com as propostas da cultura popular. O sistema capitalista tenta impedir que as pessoas queiram pertencer à favela, à periferia, que queiram ser negros e negras, indígenas, mulheres independentes, que os homens façam trabalho doméstico. O sistema capitalista quer uma sociedade patriarcal e burguesa que valorize tudo aquilo o que é inalcançável pelas minorias. Sendo, portanto, a comunicação social tradicional conivente com esse sistema, descaracteriza a história de um povo, de uma raça, de uma etnia, de um gênero. A cultura popular é uma forma de intervenção aos padrões, de combate ao sistema conservador e burguês e um mecanismo de luta em busca de ser o que é e pertencer ao meio em que vive.

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Estas formas culturais – narrativas, grafites, formas de conversação diária etc – tomadas como expressões populares, mantêm a identidade cultural e social de grupos diferenciados, em alguns casos, podendo assumir a noção de “comunidades interpretativas”. Por sua vez, estas comunidades são constituídas e caracterizadas por gênero, etnicidade e subculturas (JENSEN; ROSENGREN apud JACKS; ESCOSTEGUY 2005, p.45).

Cultura Popular e Recepção A cultura e o processo de sua transmissão possuem uma profunda relação com o poder no sentido de interferir em nossas vidas. As formulações de sentidos com relação aos gêneros, masculino e feminino, por exemplo, poderão influenciar maneiras de valorizar ou condenar certos comportamentos, contribuindo para mudar ou conservar seus sentidos. Assim, nosso comportamento, condutas e ações poderão ser valorizadas, moldadas ou condenadas, ou seja, reguladas a partir de normas e regras difundidas pelas matrizes da cultura. Considerando que a cultura (e a sua produção de significados), regula condutas e práticas sociais, torna-se importante conhecer quem regula. Analisando a abordagem dos meios de comunicação de massa como, por exemplo, o jornal gaúcho Zero Hora é possível identificar o que esses meios entendem por cultura. O jornal Zero Hora denomina ‘entretenimento’ a parte cultural do seu site1. Configura-se aí a concepção da Indústria Cultural: cultura para entreter e vender; mercadoria; consumo. Artes visuais, cinema, televisão, teatro, tudo isso é tido como entretenimento para o jornalismo do jornal gaúcho. 1 mento

Link http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/ acessado em 16/07/2014 no caderno ‘Entreteni-

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As ‘gentes’ que merecem destaque não são os transeuntes do dia a dia. São pessoas distantes, protegidas por seguranças, que falam corretamente (sic), se vestem bem (sic) e são bonitas (sic).E a ‘arte’ não dialoga com o populacho (sic) e para entender do se trata é preciso ter um vasto conhecimento sobre filosofia. Não só determina o que é arte como distancia a população, e configura a cultura como algo pouco interessante para os não academicistas. Aquilo o que outrora os filósofos chamavam vida, reduziu-se à esfera do privado e, posteriormente, à do consumo puro e simples, que não é mais do que um apêndice do processo material da produção, sem autonomia e essências próprias (ADORNO apud WOLF, 1985, p.86).

A essência e autonomia, mencionadas por Adorno (1951) são características inerentes à cultura popular. Pois, ela surge daquilo o que já é e se constrói da maneira como vê o mundo.

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Após observar o caderno ‘Entretenimento’ que fala de cultura e perceber tanto o que significa o termo entretenimento que não deve ser relacionado com cultura, pois um se relaciona com distração e o outro com construção, respectivamente, é possível afirmar que para o jornal Zero Hora a cultura também deve ser uma mercadoria fazendo-a perder o seu sentido de ser característica e reflexo das políticas de um lugar. Com base nisso, os produtos culturais promovidos pela mídia ou pelas matrizes da cultura, expressam diversas maneiras de ver o mundo. Entender uma das culturas dos nossos dias como a cultura midiática poderá ser um caminho para compreender a sociedade em que vivemos seus conflitos, interesses, lutas, debates, etc. Nesse contexto, a cultura popular, não está representada apenas por imagens, símbolos e as imagens de uma parcela da sociedade, como uma música, ditados populares, costumes ou sua bandeira. O entendimento de cultura vai além disso e, expressa, um conjunto de condições sociais de produção de sentidos e valores que auxiliam na reprodução das relações entre grupos e na transformação e criação de outros sentidos e valores. Metodologia Para atingir, os objetivos propostos no trabalho, foram realizadas duas entrevistas para representantes da cultura popular na cidade de Pelotas, que atuam com literatura e música, disseminando intervenção social e acesso a população de baixa renda.

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p.94)

A técnica de entrevista utilizada foram perguntas abertas. Para Gil (2008, também constitui um tipo de amostragem não probabilística e consiste em selecionar um subgrupo da população que, com base nas informações disponíveis, possa ser considerado representativo de toda a população.

Nesse sentido, optou-se por essa técnica de pesquisa, pelos entrevistados representarem aquilo que se entende por cultura popular. Não somente no sentido de propiciar o debate, mas também de viabilizar o acesso do que produzem. Discussão das entrevistas Busca-se saber, por fim como os entrevistados se sentem em relação a abordagem da mídia sobre a cultura popular. Sendo assim, com base na pergunta “O que achas da abordagem feita pela mídia sobre cultura popular?” os entrevistados responderam o seguinte. Entrevistado 1 “Bastante invisibilizada, já que a cultura na mídia em geral é muito pautada em cima dos empresários responsáveis pela indústria cultural enquanto que a cultura popular não tem abordagem, pois não se encaixa na lógica do mercado. A abordagem sobre esses espaços são raros e normalmente são abordados por mídias comunitárias e educativas.” – Eliane Rubim, escritora de “Não Dito” (livro de poesias) e “Cataventos Lunares” (livro de cartas), ambos publicados na Feira do Livro Independente e Autonoma construída no mundo inteiro. Entrevistado 2 “A mídia privada sempre puxa para o lado que apoiam e naturalizam coisas, criam padrões de comportamento que acabam influenciando realmente a cultura popular. Nesses padrões de comportamento ela insere cada vez mais o consumo e é possível fazer analogia com o ciclo que George Orwell fala de que sustentamos a marca e a marca mantem a mídia que nos controla. A mídia se apropria de coisas da nossa cultura para nos identificarmos e ao mesmo tempo inserem os interesses deles criando um senso comum. Acabamos nos prendendo, por isso, em falsas liberdades, pois usam nosso ego e vaidade contra nós mesmos e acabamos presos numa espiral de silêncio dentro da nossa própria cultura. Se caso esse sistema midiático é questionado, quem questionou pode ser excluído de algum meio por conta disso.” – Fez seu primeiro trabalho em 2005 com o Banca CNR – grupo de rap, em 2006 com o Kzero Alternativo grupo que ainda integra e apresenta um rap mais underground. No final de 2010 conhece o Menega que produziu seu CD lançado em 2013. Atualmente está envolvido em duas produções: uma delas com o Menega para ser lançada no final do ano que vem se chama “Amanajé” e a outra é “Mergulhe Fundo”. A partir das falas é possível identificar uma falta de pertencimento àquilo que é denominado cultura pela mídia. Essas vozes não pertencem ao que engloba cultura e cultura popular não representa para a mídia um importante agente na sociedade. Com a recepção é possível identificar os significados da interpre-

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tação midiática acerca da cultura popular o que pode causar um sentimento de não pertencimento de quem a produz. Além disso, a descaracterização dos sentidos favorece para a desvalorização por parte da população que está distante da cultura popular e acaba recebendo a mensagem midiática apropriando pra si as verdades postas pela mídia que são questionáveis. Por essa visão, considera-se importante analisar os produtos culturais promovidos pela mídia, ou até mesmo, por outras matrizes de cultura, como forma de compreender e expressar outras maneiras de ver o mundo. Acredita-se que não podemos, enquanto educadores, alunos e professores, deixar de discutir o papel da mídia dentro da comunidade. Conclusão Após apontar a importância da cultura popular como agente de construção e desconstrução política e social e ouvir pessoas que diariamente produzem cultura popular sobre como se sentem frente à abordagem midiática, concluo que a hegemonia de um sistema padronizado traz consequências significantes para o indivíduo e coletivo na sua tentativa de pertencer. A cultura popular é, não só, uma manifestação política como tentativa de libertação, reconhecimento, ser um ser que existe. O lugar está no indivíduo assim como o indivíduo está no lugar, esse processo se mantém na essência da popularidade, da cultura produto do povo e da sua história, do que são, do lugar que vivem – a cultura popular. Antes vista como produto do passado, passa a ser percebida na contemporaneidade a partir de crises políticas manifestada em protesto, literatura, música, teatro, organizações de intervenção à hegemonia. É o processo de transformação da cultura popular acompanhando as mudanças sociais, de pensamentos e códigos de conduta. Há um novo querendo dizer, mas ainda sendo calado pela padronização. A cultura popular é mais uma dessas tantas mulheres, indígenas, negras que resistem. Uma se manifesta na outra, ambas resistem. Ainda que os meios de comunicação tradicionais mantenham um viés conservador, patriarcal e burguês eles não podem sozinhos delinear o futuro. Podem – e fazem com frequência – tentar deslegitimar, no entanto, as transformações sociais são inevitáveis. Elas simplesmente precisam acontecer e acontecem ainda que seja em meio a crises violentas e duradouras. Referências GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. Editora Atlas: São Paulo, 2008. ESCOSTEGUY, Ana Carolina; JACKS. Comunicação & Recepção. Hacker Editoras: São Paulo, 2005. PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. Editora Contexto: São Paulo, 2013. MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da Comunicação. Editora Vozes: Rio de Janeiro, 2010. WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Editorial Presença: São Paulo, 1985.

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CATENACCI, Vivian. Cultura Popular: entre a tradição e a transformação. São Paulo em Perspectiva, 2001. MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos Meios às Mediações. Editora UFRJ: Rio de Janeiro, 2003.

Sobre os autores: Maiara dos Santos Marinho graduanda de jornalismo na instituição Universidade Federal de Pelotas (UFPel), bolsista do programa de extensão e cultura da mesma universidade, militante do movimento estudantil, redatora na revista digital o Viés e voluntária no projeto do Instituto Mário Alves (IMA) – Ponto de Cultura Memórias do Movimento Estudantil Gaúcho. Marislei da Silveira Ribeiro Doutora em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação/FAMECOS/PUCRS. Professora Adjunta no Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas.

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Nação Periférica: relato de uma observação Felipe Gue MARTINI Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, São Leopoldo, RS Resumo: Relato do processo de pesquisa realizada com sujeitos do coletivo jovem Nação Periférica. O grupo, ligado a movimentos sociais, realiza ações de educação musical no bairro Tijuca, município de Alvorada, RS, Brasil. Neste contexto de intervenção social, percebido como uma mediação política, o pesquisador também atua como profissional, coordenando ações do grupo, ao mesmo tempo em que investiga produção e auto-representação audiovisual numa perspectiva de observação participante. As temáticas da pesquisa orbitam em torno dos fazeres audiovisuais, problematizando categorias como identidade, estética popular e mídias; a partir de um olhar cultural sobre fazeres e saberes técnicos nas apropriações audiovisuais do grupo em questão. Palavras-chave: Audiovisual. Identidade. Nação Periférica. Cidadania. 1. Introdução Início dos anos 2000, eu ainda não conhecia Alvorada, e não imaginava que em março de 2003 estaria dividindo a mesa com um grupo de moradores da cidade, como sócio-fundador da Ong Educativa1. Tampouco poderia prever que em 2009 assumiria a presidência da instituição e incluiria na pesquisa de Mestrado tal trajetória. O interesse que germinava latente naquela época era do adolescente militante com sonhos de mudança. Minha imagem se confundia com a de milhares de jovens de Alvorada que levam o estigma de uma cidade malvista pela incompletude das visões que a representam, quase sempre, a partir de suas condições de falta. Um município historicamente mal atendido pelo poder público, que cresceu como um lugar de passagem, entre Viamão e Porto Alegre. Emancipado em 1965, em meio ao grande fluxo migratório para Região Metropolitana de Porto Alegre, Alvorada conviveu com a falta de planejamento e estrutura (saneamento, iluminação, serviços), o que fez de seus lotes os mais baratos da região. Em 1987, a cidade foi protagonista de uma das maiores ocu1 A Educativa é uma organização da sociedade civil privada de fim público que desde 2003 atua em Alvorada a partir de um conceito de cidadania e favorecimento de acesso a direitos através de acesso a educação aberta, participativa, generalista e pluralista. Os públicos atendidos são: crianças e adolescentes, pessoas que vivem com HIV/AIDS e mulheres;

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pações urbanas da história do Brasil e logo viu florescer disputas locais e acirrados conflitos por território2. Os moradores da cidade convivem com violências físicas e simbólicas que tem origens históricas. No entanto, os veículos midiáticos de grande porte raramente contextualizam os índices que apresentam, onde Alvorada quase sempre só aparece por ser um dos mais violentos3, pobres e mal-saneados municípios do Brasil. Uma cidade dormitório onde a complexidade dos problemas estruturais dificulta soluções de curto e médio prazo4. O coletivo musical Nação Periférica surgiu em 2007, com o objetivo de mudar essa imagem; quando John, Willian, Isac e Leonardo tornaram-se multiplicadores de ensino musical, ofertando aulas de percussão, flauta doce, canto e dança para adolescentes de seu bairro, a Tijuca. Com base nos ritmos afrobrasileiros, logo passaram a apresentar números musicais (principalmente percussivos) em todo Estado e ganharam visibilidade e notoriedade local. Em 2008, me procuraram pedindo ajuda na formalização das ações, e entre 2009 e 2011 tornei-me agente formal do grupo, responsável por redigir e gerir projetos (Africanação foi o principal), período em que criamos fortes laços afetivos. As ações do grupo tem como objetivo reduzir o envolvimento dos jovens com violências e drogadição na periferia de Alvorada. Periferia que não se define apenas pela distância física do centro, mas pela dificuldade de acesso a serviços de saneamento básico, postos de saúde, escolas, transporte público; e atividades culturais, de lazer, científicas, artísticas, entre outras (MOURA, 2006, p.36). “Favela” disputada simbolicamente, midiatizada através das racionalidades próprias dos meios eletrônicos, onde os sujeitos consomem antropofagicamente suas carências (como no programa Cidadão Legal da BandTV, que fez uma matéria com o grupo, oferecendo sempre o mesmo gueto midiático dedicado as “periferias urbanas brasileiras”)5. As indagações da pesquisa surgiram de nossa convivência. E formulamos nosso problema questionando a presença da vídeo câmera nas atividades do grupo, percebendo esse uso no contexto dos movimentos sociocomunicacionais como outras visibilidades, diferentes dos produtos simbólicos da grande mídia. Partimos dos encontros (entre pesquisador e sujeitos) para planejar produção, exibição e debate sobre audiovisuais no coletivo Nação Periférica. Movimentos analisados segundo indagações: 1. Como se elaboram? Em quais sentidos as representações propõem diálogos entre as “identidades” individuais e as identificações coletivas vinculadas ao Nação Periférica (aprendizado político)? 2. O que aprendem? Quais suas reflexões sobre este fazer? Quais aprendi2 Sobre as ocupações de 1987 ver BAIERLE, 1992. 3 Em 2010, Alvorada teve a maior taxa de homicídios do RS, com 45,98 mortes por 100 mil habitantes, 90 assassinatos no ano. Desde 2005, está entre as cinco cidades com maior densidade de homicídios no RS. Fonte: Secretaria da Segurança Pública do RS e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 4 Idese – Índice de Desenvolvimento socioeconômico dos municípios do RS de 2006, publicado pela Fundação de Economia e Estatística FEE-RS, no universo dos 496 municípios no RS Alvorada apresenta: Educação: 395º; Renda: 459º; Saneamento e domicílios: 21º; Saúde: 384º; Média do Idese: 162º. Disponível em: .Acesso em: 02 jun. 2010. 5 PROJETO Nação Periférica, Inclusão de jovens, Alvorada. Cidadão Legal, Band Cidade. Porto Alegre: Band TV, 23 mar. 2010. Programa de TV, 2min, 50s. Disponível em: . Acesso em: 04 jan 2010.

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zados são favorecidos nas práticas? Quais relações (técnicas, estéticas, éticas, políticas) engendram? 2. Questões de método O pesquisador identificado com as causas políticas dos pesquisados precisa diferenciar a investigação do ato panfletário. Faço isso assumindo o lugar do discurso, não como um membro do coletivo, mas como pesquisador/profissional entre seus pesquisados/alunos com quem compartilho objetivos comuns. A mediação política é o contexto donde partem as leituras do campo; natureza que conduziu à observação participante, já que desde o início fui um profissional/ pesquisador/observador em ato de reflexão e estranhamento. A partir de um trabalho artesanal, nossa prática investigativa não segue receitas ou leis rígidas, mas combina esforço intelectual, experiência empírica, confronto dialético, criatividade e invenção (MALDONADO, 2008). Tentamos evitar o transporte acrítico de métodos e teorias de outras ciências para os problemas específicos do campo da comunicação, acreditando que a metodologia opera segundo os objetos de pesquisa, e não o contrário. São os modos como percebemos os objetos, a partir de nossas condições, que determinam sua validade científica. Ao realizar a ruptura epistemológica (delimitando um objeto de pesquisa) formulamos eixos de observação, questionamentos e superfícies nas quais nos debruçamos, a partir de abstrações teóricas localizadas no tempo e no espaço, segundo critérios valorativos e socialmente instituídos, conhecimento que “Nunca é imediato e pleno” (BACHELARD, 1971, p.165). É neste sentido que utilizamos o audiovisual como agente e problema conceitual, discutindo e defendendo suas propriedades epistêmicas. O vídeo é parte do problema e desvela questões dialógicas na própria “arte de fazer”, não só como observável, mas como técnica de apreensão, aos moldes da Antropologia fílmica onde “o objeto da disciplina é duplo: seu instrumento, o filme, pode ser também seu objeto” (FRANCE, 2000, p.18). Audiovisualidades que surgem como condição cultural marcante das classes populares da América Latina (MARTÍN-BARBERO, 1997; FORD, 1999) e parecem potencializar olhares científicos através de suas formas. Empunhamos câmeras e agimos politicamente no campo em “participação observante” a fim de relatar “contextos y situaciones en los cuales se expresan y generan los universos culturales y sociales, en su compleja articulación y variabilidad” (GUBER, 2004, p.171) considerando “cognição, emoção, motivação, percepção, imaginação, memória e outras coisas mais, como sendo, elas próprias, sem quaisquer intermediários, ‘coisas sociais’” (GEERTZ, 2001, p.228). Um dado a mais entre os sujeitos, a câmera traz representações sobre o real, mas também é ação, dado perturbador e/ou estimulador. Com ela não capturamos uma verdade objetiva, mas nos embriagamos pelo real representado dos sujeitos. O antropólogo Jean Rouch chama essa natureza de “verdade provocada”, onde “qualquer apreensão fílmica do real é submetida [...] a algumas leis de mise en scène que proíbem a priori uma apreensão exaustiva das coisas” (FRANCE, 2000, p.27); ou seja, estamos restritos aos limites e às propriedades técnicas

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como uma dimensão do conhecimento voltados para a própria condição de reflexividade do pesquisador e dos sujeitos sobre seus fazeres (a partir de questões identitárias) e agenciamos produções audiovisuais livres de análises técnicas. Nosso interesse é articular formas-conteúdo ao contexto político específico: a pesquisa e o coletivo em si, onde representam cosmovisões e posturas significantes. Dialogamos com a noção de Antropologia partilhada, termo empregado por Jean Rouch para descrever o ato do pesquisador audiovisual exibir seus materiais de pesquisa aos pesquisados, quando em conjunto “partilham um relacionamento”. Segundo Ribeiro (2007, p.13-14), o antropólogo francês testou amplamente a técnica ao longo de sua carreira, contribuindo para uma aproximação entre o cientista, os sujeitos das pesquisas e o público em geral. Tal avanço nos registros etnográficos permitiu que o “outro saísse de sua condição de objeto de registro” para inventar um registro em conjunto, pois a “invenção é uma condição prévia para a existência do filme”, fator que acaba motivando o pesquisado a participar criativamente no processo de pesquisa (2007, p.13-14). A prática permite a elaboração de representações sobre o técnico, enquanto seu próprio caráter mediador. O objeto é um agente metodológico e mediador, onde a tecnicidade surge como organizador perceptivo, como desenho e competência na linguagem, “que não é só da ordem do instrumento mas também da ordem da sedimentação de saberes e da constituição de práticas” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.235). 2.1. Sujeitos Convidamos os membros Nação Periférica a integrar a pesquisa e 13 sujeitos aceitaram ativamente o convite (idades entre 13 e 21 anos). Mari, de 47 anos, assumiu a coordenação ao longo do processo e foi convidada posteriormente. Todos pertencem a famílias que vivenciam o bairro, seja pela condição sócio-econômica (ocupam a faixa entre classes C, D e E6) que inviabiliza outras experiências, seja pelos laços criados com esse lugar, que apesar das precariedades proporciona laços e sociabilidades. Na Figura 1 temos uma representação visual de nosso olhar sobre a pesquisa, onde ilustramos: a proximidade entre pesquisador e coordenadores, o núcleo da observação, hierarquias do coletivo, idades e níveis de parentesco.

6 Classes sociais por renda: A: acima de 15 salários mínimos (SM); B: de 5 a 15 SM; C: mais de 3 SM a 5 SM; D: mais de 1 SM a 3 SM; E até 1 SM. Fonte: IBGE. Disponível em: .

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Figura 1 – Esquema do campo de pesquisa Fonte - Elaborado pelo autor.

3. Três vídeos 3.1 Um dia de Natália - em processo A decisão de realizar o vídeo Um dia de Natália surgiu numa conversa realizada na sala de eventos da escola Gentil Machado de Godoy, sede do Nação Periférica, dia 21/07/2009, quando convidei os então alunos a tornarem-se sujeitos da pesquisa do Mestrado. O ponto de partida da conversa foi a visita dos representantes do Maçambique7 à escola. Como poderíamos documentar esse dia utilizando a câmera audiovisual? John propôs acompanhar o dia de um dos sujeitos, mostrando sua realidade próxima, seu cotidiano naquele dia especial. Sugeriu o dia de Natália, por ser uma “pessoa desinibida e nova no grupo”. Ela mesma mostrou-se interessada: Felipe: Tu faria isso Natália, tu gosta da ideia? Jordi: Ela gosta de aparecer. Isac: É artista, é artista! John: Eu posso perguntar se ela quer fazer, tu ta afim ou não ta? Natália: Ta, eu faço, daí o Igor vai lá e me ajuda. [...] 7 Maçambique é um ritual do folclore afrobrasileiro, que tem um ritmo e um toque peculiar de tambor, único no Brasil. A comunidade quilombola que preserva essa tradição reside em Osório, RS. Detalhes em: FERNANDES, 2004.

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Felipe: E quem é que vai filmar? Tu daí? (dirigindo a John) John: Sim. Felipe: E aí vai acompanhar todo dia dela? John: Sim. Megahair, hein, Natália? Não vem com esse cabelo aí! Felipe: Não, mas daí filma algumas partes. Isac: Só as partes principais, o café da manhã... Felipe: E depois o que mais? O que vem depois disso? Vai chegar aqui e aí como é que vai ser? John: O cotidiano dela, o que uma pessoa da idade dela, morando num bairro de periferia, estudando num projeto musical, toca um instrumento, vai conhecer uma cultura diferente, vai ter um monte de coisas que vai acontecer durante o dia, né? Quando for editado pode ter legenda, pode ter até comentários de outros alunos do projeto, conversas e tal. Eu acho, as vezes, quando acontece melhor é quando a gente é mais espontâneo, né? Porque se tu fica ali, “a câmera ta ali me gravando, aí eu quero fazer pose, olha lá a câmera ta gravando ali...”

De certa forma, a conversa é dirigida pela coordenação do coletivo, Isac, John e eu. Apesar da disposição de Natália, notamos que ela respondeu ao contexto, sob certa pressão. A prevalência de John no grupo, com nossa contribuição explícita (na leitura e análise do material hoje percebo melhor, na época achava que agia de forma quase neutra) impõe sua visão narrativa: formas de criar e representar a identidade sobre o que é ser um sujeito do Nação Periférica. Quando ele fala em relatar as condições da personagem, “morando num bairro de periferia, estudando num projeto musical”, Natália e Lillian trocam olhares e gesticulam num tom de ironia e surpresa, como se discordassem da ideia. O objetivo inicial de retratar o dia de Natália, enquanto atriz do coletivo Nação Periférica, prestes a participar de uma oficina de Maçambique não foi alcançado. Parte do material gravado se perdeu, justamente quando o assunto Maçambique e projeto Africanação surgiu. Numa conversa particular com John, ele confessou ter gravado por cima da fita que continha essas imagens, com a justificativa de que “tinha outros lá filmando com a câmera profissional” (eu filmei a visita do Maçambique), e não precisávamos de duas gravações. Natália, Lillian e Amanda sentiram falta do material extraviado e afirmaram que o audiovisual perdeu o sentido. John, o realizador do vídeo, tomou sozinho a decisão de gravar sobre os materiais, talvez sem perceber ou sem motivação aparente. Movido por impulso? 3.1.1 Um dia de Natália - resenha8 É uma tomada subjetiva em primeira pessoa, onde o sujeito-da-câmera atua como narrador. Uma espécie de videorreportagem onde John conversa com o público em tom íntimo, próprio da linguagem televisiva: inscrita no cotidiano e na construção de referências pessoais. John conduz o espectador imaginário, a quem ele se refere como “vocês”, pelas ruas de seu bairro, a casa de Natália, a padaria, a casa de Amanda, o posto de saúde, o percurso até a escola, o ensaio. Logo no começo, apresenta as personagens: Patrícia e Lillian, e se dirige à casa de Natália onde terá início o vídeo. Nos percursos, sempre com a câmera na mão, descreve suas escolhas e ações. O grupo acrescido de Natália, 8

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Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=X0qPaoug9XE>. Artigos Completos

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Igor e Amanda, circula pelas ruas “congeladas” da Tijuca, discutindo a existência ou não de criminalidade, cultura, saneamento, entre outros temas que são comuns nos discursos “institucionais” do Nação Periférica. Quem conduz as falas é John, exercendo sua liderança “natural”. O foco é debruçado sobre Natália e suas percepções, apesar dos outros sujeitos interagirem de forma contundente, sempre sob a permissão ou a censura de John. Após breve discussão, eles decidem tomar um café na casa de Amanda, passam na padaria, compram pão e leite, e rumam para o local determinado. De lá, após o lanche e mais algumas discussões acaloradas e provocadas por perguntas pontuais de John, dirigem-se para a escola, local da oficina de Maçambique. 3.2 Making of Africanação 2009 - processo Ao contrário do vídeo sobre Natália, para esta produção não tivemos um momento de discussão aprofundada, ou um encontro específico. Nos dias que antecederam o espetáculo Africanação 20099 Isac comentou comigo sobre a possibilidade de realizar um “making of” do show. Eu disse que (enquanto coordenador geral do projeto e do evento) já tinha contratado um profissional para a gravação. Mas a iniciativa seria válida para a pesquisa e concordei, sem muito incentivo. Não sei se por acaso, ou numa atitude refletida do pesquisador, me mantive frio, deixando que ele decidisse a respeito (descrevi no diário de campo sua disposição em realizar a gravação). Abandonamos o assunto. Ao chegar para o espetáculo, no teatro da CEEE em Porto Alegre, dia 07/12/2009, ele pediu a câmera. Lembrei de nosso acordo e entreguei sem questões. 3.2.2 Making of Africanação 2009 - resenha10 Existem pontos em comum deste vídeo com Um dia de Natália. Isac assume a câmera subjetiva em primeira pessoa e no cenário do auditório da CEEE, passa a entrevistar seus colegas de Nação Periférica e demais envolvidos no espetáculo. É sobre sua narração, dirigida outra vez para o espectador (ou para a câmera), que somos conduzidos pelas diferentes instalações do teatro (palco, camarins, plateia) desvendando opiniões e expectativas dos sujeitos sobre o espetáculo vindouro. Combinando os momentos finais da preparação (afinamento de luz, passagem de som, ensaio, lanche, aquecimento e concentração nos camarins) e entrevistas com os principais nomes do coletivo, o vídeo retrata, nas palavras de Isac, “uma data muito importante, que é o primeiro espetáculo do projeto”. Como coordenador pedagógico do grupo, Isac dirige os sujeitos/personagens, reúne os meninos no camarim, escolhe locações para entrevistas, chega a organizar uma oração antes do início da apresentação (práticas incomum, mas que nesse caso 9 Espetáculo que coordenei, realizado no Centro Cultural Érico Veríssimo, em Porto Alegre, que contou com a presença de músicos consagrados convidados para o evento (sem cachê): Kako Xavier, Richard Serraria, Giba Giba e Ângelo Primon. 10 Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=xv4YoH64hx4>.

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simboliza a união e a convivência harmônica, além de ser uma referência velada à produções do gênero). Uma encenação coletiva dirigida Isac que age como um verdadeiro diretor de cena. Mesmo com falhas na estrutura narrativa do vídeo, citadas por Amanda: a falta do depoimento dos espectadores e dos familiares; ou os equívocos com o uso das baterias da câmera, que acarretaram cortes indesejáveis, Isac é elogiado por sua atuação: “Não ficou aquela coisa chata que tu começa a olhar e cansa”, segundo Natália, e Amanda: “E eu acho que o Isac tem jeito para fazer esses negócio”. O vídeo realmente é dinâmico e possui diferenças substanciais em relação a Um dia de Natália e Depoimentos 2010. Isac parece refletir mais antes de gravar e organiza os processos. Tanto na construção do vídeo, quanto na representação de si mesmo. Ele tem cuidado ao se posicionar nos planos e organizar as falas, tentando pronunciar um bom português, fazer bons enquadramentos nos momentos de registro de ações, enfim, tenta dominar a câmera. 3. 3 Depoimentos 2010 – processo Após assistirmos aos dois vídeos anteriores em conjunto, tivemos um longo diálogo (três encontros) sobre a elaboração de uma proposta audiovisual, que seguisse alguns objetivos demarcados e discutidos ao longo da pesquisa. A proposta final do grupo, que se manteve reunido e interessado nessa etapa, Jordi, Willian, Natália, Amanda, Haudri, Larissa e Lillian foi realizar uma espécie de dramatização. O sujeito encenaria a vida do outro, vivendo simulações de situações reais desse outro, encenando este personagem real, segundo sua perspectiva dessa realidade. No formato de uma dramatização realizariam o vídeo de forma organizada, “se preciso gravando e gravando por cima até ficar bom”, segundo Amanda. No dia marcado para a entrega das fitas encontrei Willian na casa de Mari. Ele sorriu e disse que não havia conseguido mobilizar as gurias em torno da ideia. De fato, os dias estavam completamente cheios por atividades de ensaio, confecção de instrumentos, produção executiva do espetáculo Africanação 201011, incumbência de algumas meninas presentes na pesquisa. Pedi a fita virgem de volta para Willian, e ele me respondeu solicitando um favor: “pega a fita e edita então, pois temos um material gravado, uns ensaios e uns depoimentos que fiz com as gurias”. Perguntei porque ele fez isso e não a dramatização, ele respondeu que sua decisão foi pela produção mais útil: “Ensaiamos uns depoimentos para o caso das gurias terem que dar entrevista na RBSTV e falar sobre o projeto”. Sem opções, levei a fita comigo, não tinha mais tempo. Ao refletir sobre minhas frustrações, a primeira impressão que tive foi de que minha autoridade tinha enfraquecido perante o grupo. Talvez se John estivesse ali, o vídeo teria sido realizado conforme o planejamento (afinal, ele cumpriu seus objetivos em Um dia de Natália e nossa relação era muito mais 11 Versão ampliada do projeto anterior, dessa vez realizado na Praça Central de Alvorada com a presença do Afroreggae do Rio de Janeiro e outros convidados locais.

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próxima)12. No caso de Willian, percebi que a subversão de nosso trato, da parte dele e das meninas, foi natural. Simplesmente não deu porque a pesquisa não era algo tão sério para eles, quanto para mim. O jeito foi relaxar e relativizar, seguir esse caminho trilhado por eles, afinal a justificativa foi muito pontual: a gravação era importante para o grupo (eu era apenas mais um). 3.3.1 Depoimentos 2010 - resenha13 A frente de um cenário produzido, as meninas do grupo Afrosom respondem questões para Willian num formato de depoimentos. Apesar de não ouvirmos as perguntas, notamos que são diferentes para cada entrevistado e parecem formular uma visão geral do que é o Nação Periférica e suas ações locais. Os personagens falam de suas realidades para uma câmera que interroga de forma ostensiva. Algumas meninas sorriem, outras tentam superar a timidez e o embate com a câmera. Por fim, Willian entra em cena e fala por cerca de 05 minutos (quase tempo total dedicado aos outros). Ao ceder a câmera para Amanda, expõe demoradamente sua visão sobre o coletivo que ajudou a fundar, com certa naturalidade e bom humor. 3.4 A identidade coletiva inscrita nas subjetividades Embora as lógicas de produção e reflexão dos audiovisuais em estudo sigam uma trilha cambaleante, encontramos padrões na auto-representação do/no Nação Periférica. A subjetividade individual como forma de representação coletiva aparece em diferentes momentos, quando o espaço privado é o campo de sentido onde o Nação Periférica atua e faz de um sujeito (indivíduo), um membro. Seja para mostrar porque ela ainda não engravidou, porque abandonou as drogas, ou como os familiares passaram a tratá-lo depois de sua entrada no grupo. O privado construído para o público, seja ele a partir de uma visão imparcial recuada, ou de uma atuação encenada, parece o caminho preferencial. Esse formato é utilizado de forma exaustiva nas três produções. Em Um dia de Natália só não aparece mais porque a avó de Natália proíbe a entrada, considera a casa bagunçada para receber uma equipe de filmagem. A fala de Patrícia em Depoimentos 2010 esclarece seu grau de envolvimento afetivo, ao mesmo tempo que expõe sua intimidade para as câmeras: O Nação Periférica mudou coisas na minha vida. Exemplos: minha forma de falar, minha forma de vestir. Porque antes eu me vestia que nem maloqueira, que nem gurizinho. Daí quando eu entrei pro Nação, eu comecei a me vestir mais como guria assim, eu comecei a falar do jeito que meus colegas falavam, que meus amigos falavam. Também mudou minha forma de pensar na música, porque antes eu pensava que a música era só besteira, agora eu to vendo que é coisa séria. E é isso.

Essa Patrícia se auto-descreve para a câmera “do Nação Periférica”. 12 Por conta de um emprego como educador musical e uma namorada no município de Canoas, John se afastou da coordenação do coletivo logo após o início da pesquisa, abril de 2010. 13 Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=kPaWCdKJSPs>.

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Uma representação identitária e subjetiva exposta a partir desse olhar do outro, para esse sujeito-da-câmera (Willian) na condição de produtor do vídeo sobre o grupo (o vídeo não é sobre Patrícia). A intimidade é exposta em termos da aceitação nas lógicas adequadas para o pertencimento: o jeito de falar, o jeito de vestir, forma de pensar. Um real que destoa um pouco do que vive Patrícia no momento: distante das demais colegas, evitando participar de debates onde antes participava, sendo motivo de piadas e deboches por parte de Amanda e Lilian, exatamente pelos motivos que destaca em sua fala (vestir-se como “gurizinho, ou maloqueira”). O contato com o midiático mediado (dentro do Nação Periférica) parece conduzir a fala de Patrícia para esse núcleo de sentidos, onde existe uma regra implícita, uma conduta, um imaginário coletivo. Mesmo que ela não esteja afinada à proposta, já que seu tom “rebelde” é sempre destacado pelos demais, além de uma postura introspectiva, de afastamento, de auto-flagelo, de sentir-se excluída; ao construir seu relato, segue o acordo, cumpre com o contrato “imaterial”. E não podemos afirmar que sua fala destoa de um real, já que, de fato, ela vive a contradição em si (dilema adolescente?): a constituição de sua identidade, naturalmente fragmentária, diante da alteridade e da homogeneidade do grupo. A mediação política parece delimitar suas possibilidades, até onde pode ir e o que deve permear seu discurso, nesse ensaio para a grande mídia. Notamos, também, nessa penetrabilidade das lógicas midiáticas sobre o privado, elementos culturais próprios do bairro. O convite sempre estendido a entrar em casa, tomar café, compartilhar o pouco que se tem, solidariedades comuns entre os sujeitos . Afinal, os gêneros audiovisuais subjetivos encontram sua aceitação no reconhecimento e em certas formas de ser e fazer do sujeito ordinário (CERTEAU, 1994). Não só nas condições psicológicas do voyeur, do fetiche, da curiosidade, do espetáculo e da celebrização, mas como reflexo de matrizes culturais aí calcadas. Uma condição que não é inventada pelas mídias, mas que é parte dos sistemas e símbolos culturais, que aí se materializam, potencializam, manifestam, tomam parte. O que Martín-Barbero atribui ao melodrama como a força narrativa própria dos contextos populares, pode ser visto de forma sutil, nas interpenetrações entre o público e privado elaborados às câmeras, o subjetivo que se expõe, não só para alçar-se ao estrelato, mas como exibição do emotivo, do grotesco, do realismo trágico cotidiano. 4. Enfim... O que permite essas formas-conteúdo nas telas não é algo naturalizado. Percebemos que a opção pelos cotidianos, as escolhas éticas dentro dos vídeos, os conteúdos literalmente políticos das falas remetem a um imaginário do que é o Nação Periférica, articulado com tantos outros campos de sentidos aí acionados, a partir de diferentes usos. Vivências ou noções midiatizadas como “o que é a convivência cotidiana de um coletivo de ação social” ou “o que é cidadania” transbordam do campo propriamente midiático, para este outro duplo (vivido e midiatizado pela câmera). Temos articulações visíveis e declaradas com

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o projeto Afroreggae14 e suas produções midiáticas e sociais, por exemplo. De certa forma, notamos as elaborações identitárias (realizadas, permitidas e compartilhadas em grupo) como um movimento político interno, conflitivo, dialógico, constitutivo dos sujeitos, mas tensionadas, permeadas pelo externo imaginário, o Nação Periférica como devir; (re)produzido também, a partir da subjetividade de cada um, articulando aí, as vivências estéticas e as formas propriamente midiáticas a uma produção partilhada. Em alguns momentos essas reverberações vêm a tona, como no diálogo abaixo: Lilian: Não, pra gente fazer e arquivar, sabe? Fazer uns documentários e depois a gente pega e começa a dar palestra. Amanda: Ô meu, querendo ou não, de repente, não se sabe, de repente a gente é um Afroreggae da vida daqui uns 10 anos, daí, tipo, todos esses documentários que a gente ta fazendo, provavelmente, vai ter gente que vai querer ver. Lilian: É. Amanda: É nossa história. Lilian: Tipo, porque a gente pode pensar assim, o Nação agora é isso, mas a gente pode pegar e fazer um monte de vídeos e montar um filme, sabe? Vamos supor, fazer uma edição assim legal, e montar um filme e um dia conseguir alugar, sei lá, uma sala dum cinema e passar, entendeu? Pra quem quiser ver a história do Nação.

Permitir que os cotidianos estejam na tela não diz respeito somente a cultura do acontecimento e da celebridade, mas ao lugar próprio do ordinário que se reconhece como extraordinário, como o sujeito saudável que não vai fumar crack, não vai engravidar, não vai abandonar o coletivo; não só pela convivência íntima, pelo prazer de musicar, pelo retorno financeiro, cultural, social, mas também por sentir-se parte, realizar feitos articulados ao que se consome como projeto social, cidadania, luta por direitos. A opacidade dos meios de produção também está a serviço desse outro que vai consumir o Nação Periférica, que vai se interessar pelos bastidores, pelas personalidades conflitantes, pelas intrigas e pelas bobagens. O imaginário alimenta o real, o abastece pela necessidade de criar formas diferentes de ser e de ter no campo devastado do bairro. Aí que a invenção do Nação Periférica é a reinvenção dos jovens da periferia. Identidades (individuais e coletivas) que ganham sentido e reconhecimento ao tornarem-se expressivas, construídas através do diálogo e do intercâmbio (MARTÍN-BARBERO, 2006, p.66). A colcha de retalhos de referências, do combate à exclusão até a afirmação do negro na sociedade, do conhecimento sobre AIDS à musicalização do jovem, formas de dizer “eu existo, a periferia não é só isso”. Referências BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Lisboa: Edições 70, 1971. BAIERLE, Sérgio. Um novo princípio ético-político: prática social e sujeito nos movimentos populares urbanos em Porto Alegre nos anos 80. 1992, 162 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Departamento de Ciência Política do 14

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Grupo cultural sediado no Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: . Artigos Completos

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Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. v. 1. Artes de fazer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. FERNANDES, Mariana Balen. Ritual do maçambique: religiosidade e atualização da identidade étnica na comunidade negra do Morro Alto/RS. 2004, 124 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do RS, 2004. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010. FORD, Aníbal. Navegações: comunicação, cultura e crise. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. FRANCE, Claudine de. Do filme etnográfico à Antropologia fílmica. Campinas: Editora da Unicamp, 2000. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GUBER, Rosana. El savaje metropolitano. Reconstrucción del conocimiento social en el trabajo de campo. Buenos Aires: Paidós, 2004. MALDONADO, Alberto Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do (orgs.). Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 478p. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Denis de. (org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. p.51-79. MOURA, Rosa; ULTRAMARI, Clovis. O que é periferia urbana. São Paulo: Brasiliense, 1996. RIBEIRO, José da Silva. Jean Rouch – Filme etnográfico e Antropologia Visual. Doc On-line: Revista Digital de Cinema Documentário. Documentário e antropologia, n. 03, p.6-54, dez 2007. p.12. Disponível em: . Acesso em: 03 jan. 2010. Sobre o autor: Felipe Gue Martini – Doutorando em Comunicação, pela Unisinos, onde obteve título de Mestre e graduou-se em Jornalismo. Especialista em Projetos Sociais e Culturais pela UFRGS. Atualmente é coordenador da graduação em Jornalismo da Faculdade América Latina de Caxias do Sul, RS. Membro do grupo de pesquisa Processocom - Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção, vinculado ao PPGCOM Unisinos. Tem como principais produções acadêmicas capítulos publicados nos livros: SILVEIRA, Fabrício. Pequenas Crises. Caxias do Sul: Modelo de Nuvem, 2011. e KILPP, Suzana; FISCHER, Gustavo Daudt. (orgs.). Para entender as imagens: como ver o que nos olha? Porto Alegre: Entremeios, 2013. [email protected]

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A Construção da Identidade do Estudante Negro Brasileiro - Aplicação dos Estudos de Recepção na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello em Pelotas/RS William Machado da SILVA Marislei da Silveira RIBEIRO Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul RESUMO: O presente trabalho investiga como os estudos de recepção podem auxiliar na formação educacional e na construção da identidade negra de estudantes negros na educação básica. O estudo de caso realizado na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello, localizada no Centro da cidade de Pelotas/RS, ocorreu por meio de entrevistas a alunos. Nesse sentido, o trabalho pretende demonstrar que os estudos de recepção contribuem de maneira fundamental para a conscientização acerca de temas étnicos e pode apresentar resultados positivos na formação educacional e na construção da identidade negra de estudantes negros na educação básica. PALAVRAS-CHAVE: negro; identidade; estudos de recepção; educação 1.Introdução No contexto de diversidade racial que o Brasil está inserido, dissertar, elaborar e discutir identidade é uma árdua tarefa que se apresenta contemporaneamente e, principalmente, no cenário da educação. A construção da identidade e cultura do estudante negro brasileiro, presente nas escolas públicas no nível da Educação Básica, tem sido tema nos diálogos pedagógicos em decorrência das dificuldades da absorção de qualificações positivas dessa parcela de estudantes negros. Diante disso, o objetivo geral deste trabalho é investigar qual é o papel dos estudos de recepção na formação educacional na construção de uma identidade negra na escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello na cidade de Pelotas do Estado do Rio Grande do Sul.

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Partindo desse principio, como objetivos específicos desse estudo, estabeleceu-se: caracterizar a realidade social dos negros na cidade de Pelotas; analisar a implementação da Lei n. 10.639/2003 na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello; verificar a opinião a partir de uma amostra intencional dos públicos caracterizando os estudos de recepção; e analisar a contribuição da gestão pública na educação a fim de aprimorar a formação dos alunos do ensino básico por meio de entrevistas realizadas. Aplica-se a realização de entrevistas por meio de pautas, devido ao grau de complexidade e relevância do assunto. Esta forma de entrevista é recomendada quando há aspectos delicados acerca da temática e propicia que o entrevistado fique mais à vontade para explanar com fidedignidade o que está sendo proposto. O entrevistador utiliza-se da pauta previamente estruturada, dando mais liberdade às respostas e fazendo intervenções quando necessário para manter-se dentro do tema em questão. 2.Estudos de recepção e manifestações populares Nos estudos da recepção, no que diz respeito às manifestações populares, estas vão ao encontro dos estudos culturais de consumo que estão ligados à cultura de massas. Observa-se que nesta linha estudam-se as transformações das diferentes identidades sócio-culturais. Desta maneira, é importante que se adote um modelo de educação que abarque as questões afro-brasileiras, como contraponto aos aspectos eurocêntricos que apartam as múltiplas origens culturais do Brasil (PRANDINI, 2012, p. 7). Quando se trata da questão envolvendo comunicação e recepção, tem-se um resultado no processo da recepção que, de determinada forma, é componente inerente ao processo de comunicação, a qual, observa-se aí, esta se divide em produção, mensagem e recepção, ou seja, em última análise, o processo desta é parte integrante do processo daquela (ESCOSTEGUY; JACKS, 2005, p. 14). Sendo assim, é possível constatar o papel dos estudos da recepção para inserção do individuo na sociedade, na medida em que a comunicação desempenha o seu trabalho de levar as mensagens a todos os seus destinatários. A dependência nega ao trabalho acadêmico a pertinência e a necessidade de pensar as relações entre concepções de comunicação e modelos de educação. E uma universidade que se negar a pensar essa relação induzirá os professores a manter a mesma atitude com respeito às teorias: ou o ecletismo ou a submissão àquilo que diga a hegemonia. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 240).

Neste contexto, ao tentar desmistificar o papel do negro na sociedade, notadamente influenciada por mídias diversas, os estudos da recepção tentam aclarar a percepção dos perfis culturais considerados ideais. Por meio da análise de entrevistas, nota-se neste estudo de caso como o Gestor Público pode ser um facilitador das ações de recepção, principalmente analisando-se qual é o papel da mídia na construção da identidade e como o negro enxerga-se na sociedade através dos meios de comunicação.

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A busca incessante de um perfil ou estereótipo a ser imposto a uma sociedade frente às diversas culturas e identidades faz com que se construa uma única e exclusiva caracterização de uma população no estudo de audiências. Assim, por vezes exclui-se grande parcela das pessoas como a estudada nesse trabalho – a negra –, a qual não consegue se enxergar e se inserir nos padrões impostos pela sociedade brasileira (ESCOSTEGUY; JACKS, 2005, p. 61-62). Mostra-se aí, que os estudos culturais, de certa maneira, repercutem e buscam uma definição ou redefinição no que diz respeito às suas identidades socioculturais. Dessa maneira, desde o processo de sua formação escolar, nos anos iniciais na construção e formação da própria identidade, o aluno acaba por perceber os grupos sociais em que está inserido, de modo que a população negra está à margem da sociedade, o que denota as diferenças sociais. Isto pode ser observado nas respostas das entrevistas realizadas na escola em análise. Neste sentido, as escolas possuem um papel fundamental na construção do indivíduo, pois é a partir dela que os alunos começam a entender e a compreender as relações sociais. Além disso, os gestores escolares e os professores são mediadores do conhecimento, agentes transformadores da realidade do aluno. São eles os responsáveis pela inclusão do estudo da cultura africana, que nada mais é do que rememorar formas de costumes e hábitos de um continente, e pela valorização do conhecimento em geral, sem discriminações ou exclusão de informações importantes para a formação cultural do cidadão neste contexto. É importante destacar que muitas conquistas, principalmente de uma lei ou normatização advém da luta dos movimentos sociais. Neste caso, temos o movimento negro como uma grande fonte de perseverança no que diz respeito à aquisição da obrigatoriedade legal de certo conteúdo curricular em sala de aula. Tais situações tendem a ser comuns quando se refere a questões de gênero, de grupos étnicos ou sociais – como, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei Maria da Penha e o Estatuto do Desarmamento. Nessa linha de pensamento, é necessário analisar o gestor público, professores e alunos, aproximar estes sujeitos e tentar chegar ao cerne das questões que se relacionam à construção da identidade negra: [...] como formar profissionais que compreendam a educação escolar como um direito social e que ao mesmo tempo sejam habilitados ao trato pedagógico da diversidade de cultura, de valores, de prática, de aprendizagem, de gênero, de raça, de idade constituintes da nossa formação social? [..] (GOMES; SILVA, 2011)

Uma das questões que causa inquietação é a quantidade de alunos que não estão preocupados com a própria formação social, nem preparados para compreender a educação escolar inclusiva. Sabe-se que todos os indivíduos são detentores de valores, hábitos e memórias que influenciam na construção dos saberes; alguns questionamentos devem ser levantados, uma vez que o professor que irá discorrer sobre a temática deve ter competência teórica e prática para construção de saberes e indagações sociais e culturais.

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Agir pedagogicamente também é muito necessário, porém os educadores e gestores estão preparados para isso? A história africana possui alguns hábitos culturais que por vezes não são aceitos, inclusive por alguns professores. Os questionamentos devem ser levantados e discutidos até chegar a um consenso sobre o tema a fim de falar de um país como a África através de uma nova contextualização e ressignificação. Da mesma forma, as práticas pedagógicas ultrapassadas demandam determinado tempo para serem desenraizadas, pois exigem mudanças de postura e conscientização; conscientização esta que começa com a disponibilidade de cada professor em debater as formas de preconceitos existentes e os meios necessários para ensinar o aluno de forma criteriosa e sensata. Para realização do processo educativo, requer-se a interação do espaço e do tempo a fim de haja a alteração das condições em que vivem os alunos (FREIRE, 1959, p. 9). Portanto, mostra-se a importância dos estudos de recepção para que possamos entender o contexto atual de consumo para a formação das identidades. Logo, demonstra-se o papel dos estudos de recepção na formação educacional e na construção de uma identidade negra na Escola em análise nesta pesquisa. 3.Formação educacional e construção da identidade negra A inserção cultural do negro na sociedade tem se mostrado gradativamente lenta. Este processo remete à época em que foram criadas políticas de enfrentamento da desigualdade social, em especial no âmbito racial, no contexto social brasileiro. Por meio da análise dos direitos coletivos fundamentais expressos pela Constituição Federal de 1988, a educação pode contribuir decisivamente para iniciar uma transformação em realidade da etnia negra. Esta parcela da população, historicamente, passa por dificuldades consideráveis na luta pela conquista de sua formação educacional e de seu espaço digno na sociedade. Considerando esta ideia, um dos pontos importantes desse processo de aprendizagem é a valorização da reflexão e da crítica dos professores. Ensinar também exige criticidade, a qual deve ser transmitida para os alunos, para que estes não aceitem apenas aquilo que lhes é imposto, principalmente, na questão relativa à desigualdade e discriminação racial (FREIRE, 1996, p.31). Além disso, transformar alunos em estudantes com maior capacidade de reflexão é ponto crucial a ser discutido. A autoestima da população negra tende a ser muito baixa, entretanto, com a lei, a conscientização do papel dos gestores e o trabalho educativo voltado para o conhecimento e autorreflexão dos alunos e de toda comunidade escolar, poderá gerar uma melhor autoaceitação do negro na sociedade. Essa aceitação está ligada à afirmação do negro enquanto descendente de africanos que contribuíram e contribuem muito para a sociedade através de seus costumes e crenças, tendo orgulho daquilo que lhes foi ensinado e diferenciando-se do fato de muitos negros terem vergonha de suas origens: “[...] Devemos compreender que existem condições bioantropológicas (as aptidões do

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cérebro/mente humana), condições socioculturais (a cultura aberta, que permite diálogos e troca de idéias) [..]” (MORIN, 2000, p. 31). A abertura de diálogos entre professores, gestores e alunos promove o aprimoramento do conhecimento acerca de um tema que ainda causa tanta polêmica na sociedade brasileira. Os negros, como mostra o processo histórico, recentemente começam a ganhar um pouco mais de espaço, seja por seu próprio esforço individual, por exemplo, no caso do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, seja por meio de políticas coletivas afirmativas, como as cotas raciais em universidades e concursos públicos. A Constituição Federal de 1988 é uma forte base para as reinvidicações dos direitos iguais para todos, principalmente para uma parcela que está nas periferias e ainda continuam inferiorizadas, vivendo à mercê de uma sociedade por vezes alheia a seus interesses. É o que dispõe o artigo 5º da Constituição Federal, inciso XLII, o qual prevê a inafiançabilidade para as práticas do crime de racismo. Este artigo desempenha papel essencial para que os educadores possam desenvolver junto aos educandos uma nova concepção de direitos no combate ao preconceito, inclusive na esfera do Direito Criminal, tamanha a importância do bem jurídico a ser tutelado. Outro fator importante é saber em que realidade está inserido o aluno. Os professores, juntamente com equipe diretiva que gerencia a escola, têm o papel de assumir-se como um ser social capaz de transformar, comunicar, criar e também ouvir os alunos que educam (FREIRE, 2000, p. 41). Sendo assim, o professor deve estar preparado para intervir na conduta do aluno com preparação teórica e educativa, pois a procura da verdade faz com que seja possível entender novos pontos de vista ainda não percebidos, e vislumbrar um agente transformador de uma nova sociedade, a partir do erro ou conduta de um aluno (MORIN, 2000, p. 32). Segundo Boudieu, o diploma e a elevação cultural do pai e da mãe não influenciam decisivamente os ditos bons alunos, visto que o ambiente cultural em que vive este aluno na escola é que será o fator preponderante para o seu desempenho (BOUDIEU, 2007, p. 44). Com essa constatação, revela-se cada vez mais a importância da equipe diretiva, gestores e funcionários cultivarem uma escola que disponibilize o acesso às informações e uma postura diferenciada para que o desempenho de seus estudantes (BOUDIEU, 2007, p. 44). Trabalhar com a diversidade exige muito mais dos professores e não deve ser encarado como apenas mais um desafio, mas com uma nova postura do educador frente às desigualdades, de maneira que o diferente possa ser valorizado e reconhecido, sendo algo essencial para formação do indivíduo em sociedade. De acordo com a pesquisadora Anete Abramowicz (2005, p. 30), a diferença deve ser tomada como algo que seja positivo, uma afirmação. Somente assim as práticas educativas tornar-se-ão realmente construtivas e produzirão efeitos no seu contexto social. Um importante mecanismo que as escolas podem utilizar é a qualificação da formação de professores e equipe diretiva; com novas práticas os educadores podem debater sobre a diversidade, compartilhando com os demais um assunto o qual por vezes é muito delicado com os demais.

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Ainda há grande dificuldade por parte dos professores em lidar com o assunto da diversidade e por parte do gestor em como apresentar para seus professores o tema, neste caso a identidade negra; mas houve avanços, pois, no começo da década de 90, por mais que professores ou pesquisadores desejassem se apropriar do assunto, não conseguiam lograr êxito em virtude da falta de referencial bibliográfico. Com a formação de pesquisadores sobre o tema e com a atuação do gestor escolar, os educadores acabam por se despir de valores enraizados, eventuais preconceitos e estereótipos. Uma nova postura dos professores auxilia de modo importante no processo de formação inicial dos alunos, uma vez que “a educação escolar, entendida como constituinte do processo de humanização, socialização e formação, tem, pois, de estar associada aos processos culturais, à construção das identidades de gênero, de raça, de idade, de escolha sexual, entre outros” (GOMES E SILVA, 2011, p. 18). Consequentemente, os diferentes tipos de professores influenciam naquilo que será comunicado para o aluno e no que estes receberão a título de informação e formação. Influências estas que podem ser expressas pela seguinte frase: “tradicional, centrado em suas competências, personalista ou orientado para uma investigação” (GOMES E SILVA, 2011, p. 12). 4. Estudo de caso na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello 4.1. Metodologia No que diz respeito às questões metodológicas do presente trabalho, realizam-se consultas a fontes bibliográficas e a pesquisa de campo, baseada em entrevistas sobre os estudos de recepção. Como ponto de partida, optou-se pelo método de estudo de caso acerca da Escola mencionada. Desenvolveu-se a técnica de pesquisa por meio de entrevistas por pautas, o que possibilitou maior liberdade ao entrevistado, favorecendo a coleta de dados de modo mais aberto (GIL, 2009, p. 112). 4.2. Cenário de estudo Por meio de entrevista realizada com alguns alunos, em amostra intencional, ou seja, não representativa buscou-se realizar um Estudo de caso na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello (imagem abaixo), localizada em Pelotas, município sediado na Zona Sul do Estado do Rio Grande do Sul.

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Fig. 1. Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello

Optou-se por este tipo de amostra em virtude de almejar-se desenvolver uma pesquisa qualitativa. Pretendeu-se demonstrar que, ocorrendo a mudança de pensamento em um estudante, seria possível obter resultado similar com outros estudantes, por meio da implementação efetiva da Lei e da contribuição dos estudos de recepção na formação educacional e na construção da identidade negra nos estudantes negros da educação básica. Conforme Buss e Silva (2008, p. 4), a escola caracteriza-se por um duplo papel, qual seja, formar a pessoa e, como consequência transformar a sociedade. Percebe-se aí, que a Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Ferreira de Mello, consegue desempenhar a função de formar os seus alunos mais conscientes e esclarecidos acerca da questão afro-brasileira. Assim, pouco a pouco a comunidade na qual a escola está inserida também será transformada, com vistas a redução do preconceito e discriminação racial. Dentre as entrevistas realizadas, foram pinçadas três entrevistas de crianças de nove anos de idade, todas cursando o quarto ano: uma menina branca, um menino branco e uma menina negra. Todos estes estudantes foram questionados sobre o que mais lhes chamou a atenção no que diz respeito aos vídeos apresentados nas aulas acerca da etnia negra nas diversas disciplinas, especialmente História e Educação Artística. Destacam-se estas duas discipli-

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nas devido ao fato de serem, ao longo do ano, disponibilizados vídeos educacionais infantis, em que aparecem personagens negros na sociedade brasileira. A resposta da menina negra (M.V.L.) informou que: O que eu vejo é que só os branquinhos podem ser ricos, sendo que os negros são empregados, mas os negros também podem ter uma vida melhor hoje. Nas aulas de História eu vejo que há muitas comidas inventadas por negros, africanas, e era triste o fato de eles ficarem com o que era considerado ruim e não podiam comer dignamente.

É perceptível na fala da menina uma grande mágoa em relação aos negros e quando usa a palavra “branquinhos” podemos perceber a maneira como ocorre a recepção da retratação dos negros na sociedade nos vídeos expostos. Possivelmente a aluna, dentro de seu próprio lar deve escutar muitas histórias de preconceito, por isso, quando indagada, a menina logo chama atenção para todas as dificuldades enfrentadas pelos negros no contexto brasileiro. Já a resposta da menina branca (D.M.M.) afirmou: Acho que o melhor momento foi poder conhecer a história verdadeira, mas ficando triste por saber que os negros sofriam tanto. Pelo menos hoje eles não sofrem tanto como a gente viu nas aulas e a escravidão acabou. Hoje posso ter uma amiga negra e brincar com ela.

Pode-se perceber na fala da menina branca, uma situação totalmente oposta àquilo que foi observado com a menina negra. Quando perguntada, a segunda menina ficou espantada com tantas atrocidades que eram cometidas com os negros, fatos que ela desconhecia e que tomou consciência com a efetiva recepção das mensagens comunicadas nas aulas das diversas disciplinas, especialmente História e Educação Artística. Por fim, o que respondeu o menino branco (J.P.): Eu vi nos vídeos das aulas que os negros sofreram muito e tinha muitas brigas com os brancos. Gostei das danças africanas e as comidas de lá. Não entendo porque foram tão maltratados e ainda são. E nas novelas que eu vejo são sempre empregadas, porteiros, motoristas,... Foi muito interessante saber que as comidas e as danças da cultura deles estão também no Brasil. Não sabia que [as danças e a culinária dos negros] tinham vindo da África.

Note-se que a opinião do menino branco vai ao encontro das que foram emitidas pelas outras crianças. Na percepção dele, também foi notório que o mesmo não compactuava com práticas desrespeitosas destinadas aos negros, além disso, despertou a atenção do aluno em relação aos personagens das novelas, retratados geralmente de maneira pejorativa e preconceituosa. Contudo, afirmou também que as danças típicas e as comidas inseridas em nossa cultura, algo desconhecido por ele, advinham dos negros e dos hábitos africanos. Neste sentido, salienta-se a importância de uma gestão participativa onde a comunidade escolar (família, alunos, professores) participe ativamente e sintam-se fazendo parte integrante da escola e da sociedade. Entretanto, caso houvesse mais estudos de recepção nos cenários escolares, aliando-se direção,

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professores e alunos, o diálogo contribuiria com a superação dos desafios que se apresentam no ambiente escolar (FREIRE, 1993, p.54). Portanto, haveria grande impacto positivo na formação educacional e na construção da identidade dos estudantes negros na educação básica. 5. Conclusão O presente trabalho teve por objetivo mostrar como os estudos de recepção contribuir na formação educacional e na construção da identidade negra em estudantes negros da educação básica. Necessita-se que as etnias menos favorecidas possam se perceber como cidadãos de direitos e obrigações, desconstruindo um caráter de negação e mostrando um sentido de igualdade através da justiça, de modo que as mídias possam tratar de maneira equânime as diversas identidades culturais na comunicação. Diante de todo o exposto, conclui-se que a efetividade através desse estudo constitui-se em um processo progressivo. Nesse aspecto, salienta-se a importância do planejamento do gestor público no que concerne à implementação de políticas públicas na comunidade escolar. Podemos perceber na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dom Joaquim Ferreira de Mello, através de gestores públicos competentes e nos estudantes, é possível tentar transformar o ambiente público em um verdadeiro centro de aprendizagem e educação, com notória conscientização e redução de preconceitos raciais, integrando cada vez mais alunos de várias etnias. Logo, os professores influenciam naquilo que será comunicado para o aluno e no que estes receberão a título de informação e formação. Neste sentido, salienta-se a importância de uma participação ativa onde a comunidade escolar (família, alunos, professores) sintam-se fazendo parte integrante da escola e da sociedade. Referências ABRAMOWICZ. Anete. Afirmando diferenças - Montando o quebra-cabeça da diversidade na escola. Campinas: Editora Papirus, 2005. BACCEGA, Maria Aparecida; GUIMARÃES, Margaret de Oliveira. Da comunicação à educação: a importância dos estudos de recepção. Revista Comunicação & Educação, ano XI, n. 3, set./dez. 2006, p. 409-414. BARROS, Laan Mendes de. Entrevista: O campo da Comunicação e os estudos de recepção. Revista Comunicação Midiática, v.6, n.1, jan./abr. 2011, p. 9-20. BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação (orgs. Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani). 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007. BOAVENTURA, Katrine Tokarski; MARTINO, Luiz Claudio. Estudos culturais latino-americanos: convergências, divergências e críticas. Revista Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v.1, n. 22, p. 3-19, jan./jun. 2010, p. 3-19. BUSS, Rosinete Bloemer Pickler; SILVA, Neide de Melo Aguiar. Gestão escolar sob o olhar docente: administração, direção, organização, comprometimento, responsabilidade? In: VII Seminário de Pesquisa em Educação da Região

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Sul – ANPED SUL, Itajaí/SC, 2008. Disponível em: Acesso: 04 mar. 2014. ESCOSTEGUY, Ana Carolina; JACKS, Nilda. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. FREIRE, Paulo. Política e Educação. (Coleção questões da Nossa Época). São Paulo: Cortez, 1993. FREIRE, Paulo Reglus Neves. Educação e atualidade brasileira. Tese de concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes de Pernambuco. Recife: 1959. Disponível em . Acesso: 05/03/2013. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GOMES, Nilma Lino; SILVA, Petrolina Beatriz Gonçalves e (orgs.). Experiências étnico-culturais para a formação de professores. 3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. MARTÍN-BARBERO, Jose. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro (trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; rev. técnica Edgard de Assis Carvalho). 2ª ed. Brasília: UNESCO, 2000. PRANDINI, Paola. A construção da noção de sujeito do estudante negro brasileiro. In: XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Fortaleza, de 3 a 7 set. 2012. Disponível em: Acesso em: 29 jun. 2014.

Sobre os autores: William Machado da Silva é Pós-graduado em Gestão Pública e Desenvolvimento pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e também formado no Eixo Tecnológico de Produção Cultural e Design - Locutor, Apresentador e Animador em Rádio/ TV, pela Escola Profissionalizante do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC/RS) e Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Em 2009, criou, junto a outros estudantes e professores, o Grupo Design, Escola e Arte (UFPel). Apresentador e repórter no Programa DROPS PELOTAS, trabalhou por dois anos, na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Prefeitura Municipal de Pelotas), também no Serviço Social do Comércio (SESC/RS), e foi repórter especial do Programa POP UP (TV CÂMARA PELOTAS). E-mail: [email protected] Marislei da Silveira Ribeiro é Doutora em Comunicação Social pelo Pro-

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grama de Pós-Graduação em Comunicação Social da Famecos/PUCRS, na área de Comunicação, Cultura e Tecnologia. Professora Adjunta na Universidade Federal de Pelotas- Centro de Educação a Distância e Centro de Letras e Comunicação. Professora da Unipampa - Curso de Relações Públicas: ênfase em Produção Cultural (de 2011 a 2013). Disciplinas de Política da Cultura, Comunicação e Política, Comunicação Integrada, Comunicação e Arte e Fundamentos da Responsabilidade Social e Sustentabilidade.

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Reflexões empírico-metodológicas para pensar a recepção da publicidade Filipe Bordinhão dos SANTOS Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. Resumo: O presente artigo propõe-se a discutir sobre os estudos da recepção publicitária, tendo em vista a necessidade de aprimorarmos bases referenciais que viabilizem compreender a relação entre a publicidade e os receptores. Para isso, o trabalho parte de apontamentos empíricos levantados em um estudo de recepção já concluído. A análise apresenta três pontos cruciais para o desenvolvimento de protocolos metodológicos que elucidem a investigação da recepção da publicidade: o fluxo publicitário, a apropriação de representações e a baixa memória do receptor. A partir da reflexão, percebemos, empiricamente, que ainda há grandes desafios para o aperfeiçoamento das pesquisas que estudam a relação entre os atores sociais e os anúncios publicitários, sobretudo quanto aos procedimentos metodológicos de observação e análise. Palavras-chave: Recepção da Publicidade; Desafios Metodológicos; Fluxo Publicitário. 1. Breve reflexão (epistemológica) sobre o campo da comunicação Para início de conversa, precisamos relembrar o quanto o campo das Ciências da Comunicação é questionado, o que propicia muitos debates em busca de fronteiras menos tênues, que o definam claramente perante a grande área das Ciências Sociais e Humanas. A discussão epistemológica surge, sobretudo, devido a particularidades do próprio campo, relacionadas à interdisciplinaridade, as quais, ao mesmo tempo em que o caracterizam, o inserem em um horizonte aberto, por vezes confuso, em relação a áreas do conhecimento já consolidadas, como a Sociologia e a Antropologia. Outra questão está associada ao fato de o objeto de estudo da comunicação ser algo presente no cotidiano, dominado pelo senso comum das pessoas, o que permite a todos manuseá-lo e experimentá-lo. Essa situação gera certa falta de reconhecimento e de credibilidade das pesquisas da área, tratadas, em muitos casos, como superficiais e sem relevância científica no espaço acadêmico.

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Ainda, a especificidade temporal da dinâmica do processo comunicativo – dos seus objetos – exige que saibamos lidar com uma realidade mutável e, por vezes, difícil de apreender. A situação decorre das avançadas tecnologias da comunicação e, consequentemente, da velocidade de circulação das informações. Esse fato propicia outra temporalidade social, a qual, estimulada pela técnica, afeta profundamente a experiência individual e coletiva, redefinindo o tempo e o espaço em que vivemos. Ou seja, “os acontecimentos estão sempre à frente da possibilidade de que sejam interpretados pelos indivíduos, assim como o derrame social das tecnologias da comunicação está à frente da sua interpretação pelas formas individuais e coletivas de consciência” (SODRÉ, 20017, p.19). Portanto, “esta é a realidade com que tem de lidar a comunicação, enquanto que às clássicas ciências sociais se reserva um estatuto temporal, onde é possível à consciência interpretar e saber” (ibidem). No entanto, também é necessário fazer a mea-culpa, visto que o contexto de instabilidade é reflexo da postura de muitos pesquisadores da Comunicação. Afinal, conforme Sodré (2007, p.16), é preciso que os estudiosos “se preocupem mais com a precariedade teórica de suas análises”. Com base nesse argumento, o que pretendemos ressaltar é que ainda observa-se certo desinteresse pela definição do campo e de suas bases teóricas referencias. Nesse sentido, França reconhece, dentro das Teorias da Comunicação, “alguma negligência e até mesmo um certo ostracismo no tratamento dos fundamentos teóricos de nossa área; uma ‘quase falta de nobreza’ na discussão do objeto da comunicação, das suas bases teóricas e metodológicas” (2001, p.2). Como consequência, percebemos, ainda, uma falta de coesão entre autores e a tentativa de definição de aspectos teóricos vitais da área. A comunicação é concebida como instrumento (rádio, jornal, revista, televisão, internet e outros) a ser analisado, ou então como mero pretexto para a resolução de um problema da disciplina em questão, tal como o de suprir uma carência analítica frente à multiplicação dos dispositivos informacionais na cultura contemporânea. (SODRÉ, 2007, p.15).

Após a breve explanação sobre a conjuntura de nosso campo, não podemos desconsiderar que o contexto epistemológico da comunicação – aqui apresentado em linhas gerais e associado ao fato de ser uma Ciência ainda jovem – também é responsável pelas fragilidades que caracterizam certas linhas de pesquisa que investigam os processos comunicacionais, entre elas a da comunicação publicitária. Neste caso, abordagens restritas ao viés do marketing e da psicologia produziram, historicamente, uma visão limitada e determinista da prática publicitária, o que, inclusive, privou-a, muitas vezes, de valor científico. No entanto, “já se foi o tempo em que os anúncios publicitários carregavam o estigma de objetos de estudo ilegítimos ou eram incapazes de atrair a atenção de pesquisadores desligados da prática profissional” (MAZETTI, 2011, p.1). Dessa forma, o presente trabalho busca discutir questões metodológicas a respeito da recepção da publicidade, tendo como base os achados empíricos

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de um estudo já concluído1. Nossa proposta é de caráter reflexivo e não tem a intenção de findar a discussão, mas a de colocar em pauta tais apontamentos e estimular o avanço e a definição de um protocolo teórico-metodológico de investigação empírica da mensagem publicitária. Inicialmente, situados na vertente latino-americana dos Estudos Culturais, refletimos teoricamente sobre a dimensão social e simbólica da publicidade e o seu processo de recepção dentro da ideia de um fluxo contínuo de anúncios. Com este cenário, na sequência, analisamos dois importantes pontos para pensarmos a recepção publicitária: o fluxo publicitário, a apropriação de representações e a baixa memória de anúncios do receptor. 2. (Re)pensando a publicidade: aspectos teóricos As limitações teórico-metodológicas enfrentadas pelos estudos da comunicação publicitária, ainda hoje, são consequência de abordagens limitadas que dominaram historicamente o campo de pesquisa. Tal situação é decorrente da baixa produtividade de teorias que problematizem, sistematizem e sustentem a complexidade do fenômeno publicitário imbricado ao viés cultural. Provavelmente, essa condição seja o reflexo de perspectivas superficiais, do ponto de vista das problemáticas propostas, focadas apenas em análises econômicas ou isoladas na mensagem publicitária. Nosso questionamento não se concentra no privilégio dado à produção ou à mensagem publicitária, mas na carência dessas pesquisas em desenvolver um ponto de vista sociocultural, perspectiva preconizada pelos estudos de recepção. Ressaltamos que tal cenário se estabelece, também, devido aos próprios profissionais e pesquisadores aceitarem uma visão polarizada e teoricamente pouco desenvolvida de suas áreas práticas de atuação. Essa ideia reforça a (quase) inexistência de concepções teóricas sobre a publicidade e, por conseguinte, a falta de consolidação do campo de estudos. Com vistas à superação da problemática, entendemos ser preciso reconhecer a publicidade como processo imerso em um contexto efetivamente cultural e de caráter interdisciplinar, independentemente da temática de pesquisa adotada. Jacks (2002) explicita a situação através do levantamento das pesquisas realizadas nos Programas de Pós-Graduação em Comunicação no Brasil, na década de 1990, o qual detectou que os estudos alocavam-se em dois eixos de análise: 1) a perspectiva econômica funcional, que buscava verificar a funcionalidade e a eficácia econômica da publicidade como uma técnica de venda; 2) a crítica denuncista, que tinha como questionamento e crítica o poder de manipulação e alienação da publicidade. Nessas abordagens há a compreensão de “que o mundo social é unicamente determinado pelas condições criadas pelas atividades publicitárias, desconsiderando-se outros condicionantes macro e microssociais que fazem parte desta relação” (PIEDRAS, 2009, p.21). Nesse sentido, ainda há necessidade de estabelecer-se uma discussão 1 SANTOS, F. B. Masculinidade em anúncio(s): recepção publicitária e identidade de gênero. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, 2012. Disponível em: . Acesso em: 21 fev. 2014.

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de caráter epistemológico, que entenda a natureza multifacetada da publicidade e ultrapasse as questões puramente econômicas, considerando, sobretudo, o contexto da sociedade contemporânea. Deve-se compreender a publicidade articulada aos contextos sociais nos âmbitos macro e micro, nos quais os atores estão em constante socialização, realizando práticas e construindo as suas identidades. Segundo Jacks, a superação das fragilidades das pesquisas está condicionada ao “desenvolvimento de teorias e metodologias adequadas para pensar o fenômeno da publicidade no mundo contemporâneo” (2001, p.211), fato que parece ter sido negligenciado antes mesmo de constituir-se uma definição. [...] são poucas as reflexões voltadas para o exame sistemático de um discurso tão central quanto o publicitário. No campo da Comunicação, em particular, e das Ciências Sociais, em geral, a publicidade deveria aparecer como tema de interesse central para pesquisadores, pois estudar imagens, valores e ideologias que essas mensagens expressam, ocupando espaços urbanos, páginas de revistas e jornais se misturando às produções de rádio, televisão e cinema, é buscar conhecer valores, conceitos, modelos de ser, agir e se relacionar na sociedade contemporânea. (ROCHA em prefácio de GASTALDO, 2013, p.11).

Contudo, o problema não está limitado apenas à falta de produções acadêmicas que discutam a publicidade. Ao resgatarmos a história do desenvolvimento das Teorias da Comunicação, percebemos que o discurso publicitário ganhou espaço em diversas correntes teóricas desde os princípios funcionalistas. Na verdade, nos referimos ao fato de a produção acadêmica contemporânea voltada à publicidade estar bastante isolada em artigos, o que, por falta de sistematização e diálogo de perspectivas, não possibilita a formulação de bases mais concretas para a elaboração de uma Teoria da Publicidade, a exemplo daquelas que sustentam e embasam o debate no campo jornalístico (LONDERO, 2011). Por conta disso, não raro, deparamo-nos com discussões que ainda buscam definir a publicidade, na tentativa de sair da inércia conceitual que a trata, exclusivamente, como um instrumento econômico. Do mesmo modo, “a ausência de paradigmas sedimentados no campo da publicidade gera uma confusão entre as diferentes abordagens adotadas pelos pesquisadores, o que desestimula o diálogo acadêmico e obscurece possíveis caminhos de investigação” (MAZZETI, 2011, p.3). Essa noção pode ser uma consequência da falta de espaços acadêmicos específicos que concentrem, articulem e proponham uma rede de pesquisadores das diferentes perspectivas da área – como é o caso do Encontro Nacional de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda2, no Brasil, que tem o objetivo de propor discussões frutíferas que teorizem e embasem nosso campo de estudos a partir da sistematização de diferentes vertentes e perspectivas investigativas. Conforme afirma Rocha (1995), é preciso que o “mundo da publicidade” 2 Evento acolhido, desde 2010, pelos docentes da linha de pesquisa “Consumo e Usos Midiáticos nas Práticas Sociais”, desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, que compõe o Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Configura-se como a principal atividade dos pesquisadores em Publicidade e Propaganda e Comunicação e Consumo do Brasil, a qual ocorre anualmente. Disponível em: . Acesso em: 21 de fev. 2014.

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cause-nos inquietude, sendo pensado como um “registro eloquente da experiência social contemporânea” (idem, 2006, p.11), uma maneira de conhecermos a nossa própria sociedade. Esse entendimento estimula reflexões teóricas densas sobre as práticas publicitárias, reconhecendo os anúncios como um fenômeno verdadeiramente social e, portanto, um produto cultural. É a partir da perspectiva dos Estudos Culturais que julgamos possível desvendar o (imenso) universo publicitário, cada vez mais presente em nosso cotidiano, e a sua relação com as diferentes esferas da sociedade. Ou seja, percebemos a narrativa publicitária como parte e fruto do fazer social e da realidade dos sujeitos. A propaganda comercial produz há décadas um rico, vasto e complexo material de investigação. Suas relações com a economia e a cultura, suas tentativas de persuadir o público e sua vocação para oferecer representações culturais estão mergulhadas em ambivalências, tensões e contradições que estão presentes também em outras áreas do tecido social. Explicitar, debater e desenvolver estas perspectivas teóricas multidisciplinares é fundamental para a evolução dos estudos sobre a publicidade no campo da comunicação. (MAZETTI, 2011, p. 11).

Nesse ínterim, destacamos a importância de abarcar outros aspectos que envolvam o processo publicitário, como: os valores de quem produz a mensagem e aqueles que circulam socialmente (acionados para compor o discurso publicitário); os sentidos agenciados nos anúncios; as mediações que balizam a relação dos receptores com a publicidade. Assim, acreditamos ser necessário um eixo teórico que articule as noções econômicas e culturais da publicidade, tendo em vista a sua atual configuração como um fenômeno cultural e social contemporâneo. Como exemplo dos aportes para se trabalhar nessa perspectiva, Casaqui destaca a Teoria das Mediações de Martín-Barbero, a qual define como uma associação que “busca contemplar fenômenos que tensionam os limites da publicidade, mantendo o sentido da comunicação persuasiva vinculada ao consumo, porém com modos complexos de configuração discursiva e de interlocução com os sujeitos identificados como consumidores”. (2011, p. 133). Embora a perspectiva socioeconômica tenha se desenvolvido e ganhado interesse científico mais recentemente no campo dos Estudos Culturais, devido ao boom midiático e do consumo das últimas décadas, a sua relevância já era observada nos estudos de um dos seus precursores, Raymond Willians, ainda na década de 1960. Naquela época, o autor alertava que a comunicação publicitária extrapolara a fronteira das transações econômicas e passava a ser um espaço que promove valores pessoais e sociais. Para ele, tal noção somente será compreendida “se pudermos desenvolver um tipo de análise total onde os fatores econômicos, sociais e culturais sejam visivelmente relacionados” (apud LONDERO, 2011, p. 15). A publicidade configura-se como um expoente objeto de estudo, uma vez que retrata e dissemina os valores e as ideias vigentes dos períodos históricos da sociedade. A análise dos anúncios contemporâneos possibilita entender como os diversos padrões de sociabilidade, que historicamente circularam no âmago social, são redefinidos e recebem novo status na e pela narrativa publici-

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tária. Nesse sentido, ainda que a publicidade possa ser restringida a um estímulo às vendas, igualmente ela “pode ser entendida como um processo comunicativo, cujas mensagens persuasivas são produzidas e recebidas em contextos contraditórios, implicados tanto pelo sistema hegemônico da estrutura econômica quanto pelas práticas culturais dos sujeitos” (PIEDRAS, 2009, p.20). Assim, percebe-se a importância de investigá-la a partir do viés de quem a recebe e confere sentido social ao seu discurso – o receptor. Por conta disso, adotamos a perspectiva que relaciona o fenômeno publicitário aos aspectos culturais (Estudos Culturais) para compreender a sua dinâmica, pois, ao “considerarmos simultaneamente as dimensões econômica, política e cultural na análise da publicidade, chegamos a sua definição como fenômeno cultural cuja natureza é multifacetada” (PIEDRAS, 2009, p. 59). Dessa forma, reconhecem-se os elementos, os valores culturais reeditados pelos anúncios (anteriormente aceitos e reproduzidos socialmente) e a forma como são novamente significados e apropriados pelos sujeitos, considerando que “os elementos de uma cultura e suas significações podem ser utilizados para criar em planos múltiplos e entrelaçados a mensagem contida no anúncio” (ROCHA, 1995, p.85). 3. Notas sobre os Estudos de Recepção em publicidade A baixa produtividade de pesquisas acadêmicas (dissertações e teses) sobre a publicidade, que caracterizou a década de 1990, no Brasil, segundo aponta o levantamento realizado por Jacks (2002), parece refletir, ainda hoje, sob o cenário investigativo da comunicação publicitária. Isso porque, como se sabe, em muitos casos são tais trabalhos os que geram novas questões, propõem modelos teórico-metodológicos e contribuem com outras publicações da área. A presente situação fragiliza o campo de estudo, afinal, “na medida em que se multiplicam as vias de circulação e as formas de apropriação e (re)produção da publicidade, os papéis das mensagens, produtos e receptores merecem uma atenção diferenciada” (OLIVEIRA-CRUZ, 2013, p. 14). No que diz respeito aos estudos empíricos, o cenário é considerado ainda mais preocupante, pois o uso da publicidade em estudos de recepção na comunicação manteve-se escassa também nos anos 2000 (JACKS, 2010). Nas duas décadas aqui consideradas (1990-2009), foram apenas dezenove trabalhos empíricos de recepção que tiveram a publicidade como objeto de investigação. Para a autora, embora haja visivelmente um acréscimo quantitativo na produção, isso se torna inexpressivo quando se leva em consideração o aumento do número de programas de pós-graduação em Comunicação no Brasil. Do mesmo modo, pouco se avançou qualitativamente, em especial na conceituação e em termos metodológicos. Destacamos que, com base no conhecimento sobre a produção no campo, se atualizarmos os dados com informações dos últimos quatro anos (2010-2013), é possível perceber que o cenário se mantém semelhante. Portanto, não se evidencia crescimento e desenvolvimento na perspectiva dos estudos de recepção publicitária. Tal situação compromete os trabalhos (ainda poucos) desenvolvidos recentemente sobre recepção publicitária. A falta de referências sólidas e de expe-

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rimentações dos aspectos metodológicos torna as pesquisas carentes de modelos que permitam observar empiricamente o “objeto” de modo eficaz, bem como compreender as complexas relações e interações entre as intenções de quem planeja a apresentação publicitária de uma mercadoria (produto ou serviço) e os seus potenciais consumidores. Como consequência, percebemos, ainda, uma “pobreza do instrumental teórico-metodológico empregado nas investigações que abordavam o fenômeno publicitário” (MAZETTI, 2011, p.2), visto a incipiência da articulação teórica com outras disciplinas. Buscamos, então, discutir a publicidade dentro do contexto social contemporâneo com o objetivo de lançar perspectivas que superem ou, ao menos, contribuam para a superação da realidade apresentada. Entendemos que a análise isolada na mensagem publicitária ou no veículo escolhido estrategicamente para transmiti-la não é capaz de revelar o potencial do discurso em questão junto à sociedade, pois é somente através da recepção/consumo dos anúncios que, efetivamente, os sentidos são gerados e incorporados pelos atores sociais. Portanto, consideramos fundamental a análise do contexto cultural e social, visto que é nele que ocorrem a validação e a reprodução do discurso publicitário. A comunicação publicitária caracteriza-se como um sistema de movimento contínuo, ininterrupto e de mútua interação entre a esfera da produção e da recepção. No processo, circulam valores e desejos de interesses pessoais e sociais, tanto dos consumidores quanto dos produtores do discurso, perpassados pelas lógicas econômicas. Isto é, “se, em um momento as práticas de recepção oferecem subsídios para determinar a produção dos anúncios, em outro, a estrutura econômica e as práticas de produção condicionam sua recepção” (PIEDRAS, 2009, p.80). De um lado, o da produção, encontram-se as lógicas capitalistas de mercado, que, invariavelmente, impõem as suas regras, bem como as próprias da criação (interesses comerciais e corporativos, ideologias pessoais e das empresas, aspectos tecnológicos), as quais submetem e condicionam a mensagem publicitária. De outro, o da recepção, estão os interesses do público-alvo e a sua cultura, mediados por inúmeras particularidades dos sujeitos (Ex: classe, gênero, faixa etária), que, ao serem detectadas, através de pesquisas de mercados e tendências, subsidiam a criação publicitária. A perspectiva cultural da recepção publicitária justifica-se pelo nosso interesse de observar a relação de receptores com os anúncios. Isso não quer dizer que desconsideramos as questões econômicas que envolvem a relação, mas que propomos um recorte para a análise do processo da comunicação publicitária. Sendo assim, o objetivo não é apresentar uma abordagem materialista da narrativa publicitária, nem tampouco desvinculá-la do capital. A ideia é pensá-la a partir da relação direta com a cultura e os seus agentes, haja vista que, em nossa compreensão, é no ato da recepção, aqui considerado como o espaço de “consumo” dos anúncios, que, efetivamente, há o encontro e a relação entre a mensagem publicitária e os atores sociais. Ou seja, a recepção é o momento/ espaço de (re)produção de (novos) sentidos. A publicidade é um processo em que sujeito e produto definem-se mutuamente (ROCHA, 2006). Entretanto, adaptamos e ampliamos tal afirmação à no-

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ção de que, assim como a mensagem publicitária influencia o comportamento de quem consome o anúncio, também é inspirada pela cultura vivida dos indivíduos. Isso nos permite pensar que a publicidade é um produto midiático e cultural, que com as suas representações sociais, é capaz de, através do seu consumo simbólico – a recepção –, servir como referência para que os indivíduos construam as próprias identidades, independentemente da aquisição e dos usos de produtos e serviços adquiridos. Para além do estímulo à compra, a publicidade ocupa um espaço privilegiado na cultura contemporânea. Ela é capaz de explicar a ordem social e simbólica de períodos históricos, tendo em vista as suas incontáveis representações de valores, comportamentos, situações, acontecimentos e sujeitos. A narrativa publicitária insere-se cotidianamente nas relações humanas e sociais e reinventa-se junto aos indivíduos, tornando-se, assim, um elemento que ultrapassa os limiares econômicos, formando um sistema conceitual que circula na ordem coletiva, “um caminho para o entendimento de modelos de relações, comportamentos e da expressão ideológica dessa sociedade” (ROCHA, 1995, p.29). Com base nessa concepção, o discurso publicitário oferece aos receptores mais do que produtos e serviços. Interesses financeiros à parte, ele disponibiliza aos atores diversas representações que se articulam, se reinventam e se reproduzem nas relações cotidianas (quase sempre de maneira imperceptível). É composto por modos de ser e socializar, estilos de vida, opiniões, valores e manuais de etiqueta que transcendem a materialidade e o financeiro, colocando-se à disposição de uso, independentemente de sexo, raça ou classe. Mazetti reitera essa abordagem, afirmando que: “se uma das principais funções da publicidade seria verbalizar os poderes comunicativos dos bens de consumo, as representações sociais produzidas pelo discurso publicitário não se limitariam a esfera das mercadorias” (2011, p. 8). Portanto, a mensagem publicitária é passível de apropriação, mesmo sem o uso dos produtos, e serve como suporte e orientação para que os indivíduos organizem-se, estabeleçam relações e construam as suas identidades. 4. Dificuldades metodológicas para pensar a recepção publicitária A nossa intenção é apontar e discutir alguns aspectos metodológicos que consideramos decisivos para investigar a recepção da publicidade. Os questionamentos foram suscitados a partir da realização do estudo empírico intitulado “Masculinidade em anúncio(s): recepção publicitária e identidade de gênero” que, ao nosso ver, apontou desafios para novas pesquisas que se proponham a compreender as relações dos atores sociais com as representações promovidas pelos anúncios publicitários contemporâneos. A discussão parte de dificuldades enfrentadas na realização da pesquisa, nas quais reconhecemos aspectos importantes a serem debatidos no âmbito da recepção publicitária. O fato reforça o quanto o campo de estudos da recepção ainda possui desafios no que diz respeito à necessidade de desenvolverem-se ferramentas metodológicas mais eficientes e capazes de contemplar a análise da relação sujeito/anúncios.

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4.1 O fluxo publicitário, a apropriação de representações e a baixa memória do receptor O primeiro aspecto refere-se à questão do fluxo publicitário caracterizar-se como algo contínuo e concomitante em diversos suportes midiáticos. Através da circulação de um conjunto multiforme de anúncios, a publicidade se configura “como um discurso contínuo, e não como campanhas particulares, cuja análise isolada não revela a totalidade das dimensões com as quais essa forma de comunicação se articula” (PIEDRAS, 2009, p. 95). Portanto, trata-se de um heterogêneo “mundo dos anúncios” (ROCHA, 1995), que são disponibilizados cotidianamente, abarcando, desde as lógicas da produção e dos meios técnicos, até as contradições da recepção. Por conta do contexto, nos deparamos com um verdadeiro desafio metodológico para os estudos de recepção da publicidade: apreender o fluxo dos anúncios, sem que, ao mesmo tempo, ocorra a sua ruptura e o deslocamento do objeto (anúncio ou campanha) de investigação para fora do local de recebimento. Do contrário, acreditamos que a análise isolada pode gerar concepções divergentes ou superficiais sobre a relação entre receptores e anúncios. Ainda, esse impasse é reforçado pelo fato de os meios e os formatos serem parte estratégica da mensagem e, portanto, da persuasão do público. No entanto, embora entendamos que o caminho que propomos seja o mais adequado, é preciso reconhecer a dificuldade e a ausência de instrumentos metodológicos capazes de abarcar todo ou, até mesmo, parte da continuidade do fluxo publicitário. Além disso, é necessário considerarmos o tempo e o recurso humano restritos para a realização de pesquisas em programas de pós-graduação. Também sobre o fluxo publicitário, destacamos questões referentes à composição do corpus de análise em pesquisas de recepção. Se pensarmos apenas na observação e no recolhimento de todos os anúncios, ainda que limitados a uma marca ou a um segmento de produto circulante no fluxo publicitário, a análise já requereria um imenso esforço. Assim, a inserção no campo poderia ser inviável, no que se refere ao acompanhamento da amostra. Isso porque, mesmo que ela seja reduzida, no contexto diário, o fluxo contínuo extrapola os tradicionais espaços publicitários e está inserido cotidianamente em diferentes locais, muitas vezes de forma não explícita. Essa situação já foi detectada por Casaqui (2011), quando o autor tratou do processo de publicização. Diferentemente da telenovela ou do telejornalismo, que possuem espaços e horários de veiculação determinados na programação, conhecidos previamente pelos receptores (o que sugere uma ritualidade no consumo dos produtos midiáticos), a publicidade está pulverizada dentro e fora dos intervalos comerciais. É o caso do merchandising, das peças e chamadas que circulam nas mídias digitais, nos outdoors e luminosos, nas páginas dos jornais e das revistas e, ainda, de mais uma infinidade de possibilidades de promoção das marcas e dos produtos que nos interpelam cotidianamente. Além disso, há uma incontável quantidade de segmentos e tipos de publicidades veiculadas constantemente, fator que atua como uma dificuldade a mais no processo investigativo de uma temática específica. Por exemplo, a realização de uma etnografia da mídia te-

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levisiva sobre um produto midiático, em um período determinado, não garante a veiculação de anúncios que tratem da representação do homem com foco no exercício da paternidade ou em qualquer outro assunto de interesse investigativo do pesquisador. Para Piedras (2009), o fluxo na publicidade é permitido por uma de suas características, a intertextualidade. Ela compreende o diálogo entre os discursos, que se reconhecem quando movimentados no universo publicitário, possibilitando a criação de uma rede de significados. Isso ocorre a partir da conexão de diversos anúncios em circulação, de anunciantes e de produtos distintos, além da temporalidade e dos meios veiculados que, orquestrados conjuntamente, dão sentido ao todo. Do mesmo modo, a fragmentação, outra característica da publicidade, contribui para a noção sobre fluxo, no sentido de que os anúncios são pulverizados entre os meios conforme os interesses do anunciante. Nesse caso, são os diferentes discursos dos anúncios (aparentemente não lineares e desconexos) que se vinculam dentro de um enredo publicitário maior, o qual compreende as outras peças da campanha, a programação do veículo inserido e o imaginário social de quem os recebe e (re)significa. Nesse sentido, apontamos nosso próximo aspecto de preocupação metodológica, que diz respeito à compreensão do funcionamento e a incorporação das representações sociais pelos sujeitos. Isso porque elas somente ganham sentido dentro do fluxo, uma vez que a publicidade caracteriza-se pela intertextualidade. Portanto, o entendimento da publicidade como uma das principais fontes promotoras de representações na contemporaneidade deve ser feito a partir da análise do fluxo dos anúncios. Afinal, a estabilização e a incorporação de representações pelos receptores ocorrem a partir da ampla distribuição nos diferentes anúncios, em um período relativamente longo, só assim passando a integrar as identidades dos atores sociais e da nossa cultura. Essa noção também propõe o questionamento sobre em qual momento/parte do fluxo a recepção as representações são, de fato, aceitas e incorporadas. Por isso, percebemos a importância da observação do todo para que possamos fazer inferências, ainda que limitadas, sobre o processo de “consumo” da publicidade. Em termos práticos de reconhecimento, é necessário considerar a complexidade que envolve o universo publicitário – tanto em termos dos sentidos agenciados, no âmbito da produção, quanto da articulação com o mundo social e seus receptores –, fato que exige certo tempo e dinâmica para que as pessoas assimilem e aceitem tais representações. Ou seja, queremos dizer que as representações (re)produzidas pelo discurso publicitário somente ganham sentido e são naturalizadas pelo imaginário social ao longo de seu processo de circulação na sociedade. Mais do que em movimento, é preciso que estejam presentes em diferentes plataformas midiáticas (impressas, audiovisuais, digitais, etc.), atuando de modo ininterrupto e concomitante, no sentido de um fluxo publicitário (PIEDRAS, 2009). Ainda que sejam inúmeros os desafios metodológicos e de investigação na área da recepção publicitária, pesquisar as representações organizadas nos anúncios “é importante para decifrar o imaginário que informa as práticas de consumo. A publicidade é a narrativa que dá sentido ao consumo e que está,

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seguramente, entre as principais produtoras de sistemas simbólicos presentes em nosso tempo” (GASTALDO, 2013, p.13). Para isso, o contato com os atores sociais é fundamental, visto que é no espaço da recepção que as representações são interpretadas e inseridas em nossa cultura, estimulando o consumo e constituindo as identidades. A publicidade traduz a produção para que esta possa virar consumo, e ensina modos de sociabilidade enquanto explica o quê, onde e como consumir. [...] Por isso, são fundamentais os estudos sobre o discurso publicitário, a pesquisa das representações que ele aciona, a análise da lógica por meio da qual se estrutura, os significados que disponibiliza. (GASTALDO, 2013, p.11-12).

Com base na dissertação de mestrado usada como referência, destacamos o terceiro ponto de reflexão deste trabalho. Desde os primeiros passos metodológicos3, com o estudo exploratório do campo, detectou-se a pouca memória dos receptores sobre os anúncios publicitários veiculados pelo fluxo cotidianamente. Para surpresa, os sujeitos não foram capazes de recordar, sequer, as publicidades vistas no dia em que foram questionados. A maior lembrança esteve relacionada àquelas publicidades épicas, que marcam a história da comunicação brasileira, como as do Garoto Bombril4 e as do Tio da Sukita5, ou a alguma outra bastante específica relacionada à sociabilidade do receptor. Contudo, na maioria das vezes, tais exemplos não corresponderam ao assunto de interesse na pesquisa ou às suas categorias, o que se configura como um desafio para o processo de investigação. A baixa lembrança pode ser justificada a partir do próprio fluxo, consequência do ininterrupto bombardeio de mensagens publicitárias. Isso revela que “a fugacidade é uma das características das representações midiáticas” (GASTALDO, 2013, p.21) e, portanto, reitera o sentido social de que a promoção pela publicidade é construída coletivamente, dentro do fluxo dos anúncios. Essa situação contrasta com o grande retorno que as empresas anunciantes têm, evidenciado pelos crescentes investimentos no setor de marketing e propaganda6. 3 Inicialmente, a pesquisa contou com a aplicação de formulários com quarenta homens de diferentes profissões, classes sociais e gerações. Posteriormente, foi definida uma amostra de dez homens, de classe popular e alta, o corpus de anúncios e as categorias empíricas de análise. Na etapa seguinte, foram realizadas entrevistas em profundidade, de caráter híbrido (semiestruturada e com perguntas abertas e fechadas). 4 Personagem criado em 1978 pela agência DPZ Brasil, interpretado pelo ator Carlo Moreno, “um garoto-propaganda que entraria para o Guinness Book como o de maior tempo de permanência no ar, a partir do décimo sexto ano de execução e mais de 340 filmes. O personagem tímido e que dizia que o produto tinha ‘um negócio’ na fórmula fez de Moreno celebridade do dia para noite”. Disponível em: . Acesso em: 17 de fev. 2014. 5 “O comercial usa de maneira bem humorada e não-apelativa de dois personagens estereotipados que são comuns na sociedade brasileira: a bela jovem adolescente, interpretada por Michelly Machri, com aparência delicada e aparentemente inocente; e o coroa cinquentão, vivido por Roberto Arduin, que, apesar da idade, faz de tudo para parecer jovem e se sentir atraente. A forma como os dois interagem, a insinuação barata do homem sobre a garota (situação também comum na sociedade brasileira) e a quebra de expectativa quando ele é chamado de ‘tio’, associa a marca a jovens de atitude e decididos e é reforçada pela locução: ‘Quem bebe Sukita não engole qualquer coisa’”. Disponível em: . Acesso em: 17 de fev. 2014. 6 “Em 2013, os investimentos publicitários brasileiros cresceram 19% na comparação com 2012”, apontam os dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE. Disponí-

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Então, não há dúvida: quando os anúncios são bem empregados, há êxito na atividade publicitária, não apenas mercadológica, mas em servir de suporte para a formação social e cultural dos sujeitos na contemporaneidade. Conforme afirma Gastaldo (2013), “ouse-se tudo na publicidade, exceto perder dinheiro e espaço no mercado por um anúncio equivocado” (p.23). Ainda, nos estudos de recepção, a questão da pouca memória alerta para a importância de não restringirmos metodologicamente nossas pesquisas a um determinado anúncio ou campanha, especialmente quando o objetivo é tratar da narrativa publicitária como uma fonte de representações – sobre o homem, a mulher, o brasileiro, o idoso, o jovem, entre inúmeras outras. Como observado empiricamente, o sentido é construído pelo receptor a partir de um conjunto diário e contínuo de publicidades recebidas. Dessa forma, acontece a apropriação dos modos de ser, estilos de vida, padrões estéticos e demais referências para a formação das identidades. [...] o investimento anual em publicidade no Brasil e no mundo está constantemente crescendo. [...] Entretanto, considerar a publicidade somente sob o ponto de vista do seu papel de “ferramenta mercadológica” significa eliminar toda a dimensão social, cultural e simbólica presente no discurso publicitário. (GASTALDO, 2013, p.25).

Cada vez mais é necessário analisarmos a recepção da publicidade, considerando-se os diversos meios, inclusive, como forma de elucidar o processo de publicização e compreender, claramente, o momento/meio em que os sujeitos, de fato, são mais influenciados e incorporam as representações. Ressaltamos, nesse sentido, que “o discurso publicitário só vai fazer referências, portanto, ao que já está dado e é hegemonicamente consensual no contexto do ‘público-alvo’” (GASTALDO, 2013, p.23). É devido a isso que ele tem se configurado, historicamente e na maioria dos casos, como um discurso conservador. Por conseguinte, segundo o autor, definir a publicidade como “revolucionária” é um equívoco, pois ela é baseada em pesquisas mercadológicas e de comportamento do consumidor, as quais reiteram os interesses latentes na sociedade. Isto é, as representações construídas na publicidade são resultado do desejo e das demandas sociais, as quais, por fim, tornam-se estampadas através de um discurso idealizado. Considerações finais Com base no cenário teórico e metodológico apresentado sobre o campo de pesquisa em publicidade, sobretudo na recepção, reiteramos a importância e a necessidade de tratar o fenômeno publicitário a partir do ponto de vista de sua articulação com o contexto social e cultural. É necessário extrapolar as questões técnicas da mensagem e os aspectos econômicos da produção. A intenção não é produzir uma crítica gratuita ou desconsiderar as pesquisas, anteriores, mas de contribuir para tornar a nossa área um espaço científico frutífero e sólido na vel em: Acesso em: 21 de fev. 2014.

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área da Comunicação. Dessa forma, acreditamos que, através do criativo emaranhado de anúncios que nos interpelam cotidianamente (e muito dizem sobre nós, atores sociais), seja possível refletir sobre a sociedade em que vivemos. Ainda, entendemos que propor discussões sobre a configuração do objeto de estudo é fundamental para o desenvolvimento das pesquisas, especialmente, quando se trata de uma área que ainda está em processo de consolidação acadêmica, como no caso da publicidade. Consideramos que refletir sobre os desafios metodológicos é um caminho perspicaz, além de necessário, para, a partir das dificuldades e achados empíricos, buscar soluções que favoreçam e tragam mais precisão ao processo investigativo da recepção publicitária. Destacamos que o objetivo do trabalho não foi o de encerrar a discussão ou propor definições. Pelo contrário, nossa proposta foi a de levantar questões relacionadas ao fluxo publicitário, identificadas em outro momento. Afinal, o fluxo “viabiliza o entendimento da forma cultural e tecnológica da publicidade na sua configuração atual, tanto em termos de sua veiculação através dos diferentes suportes (ou meios) quanto sobre a relação instituída com os sujeitos nas práticas de recepção” (PIEDRAS, 2009, p.92). Dessa maneira, procuramos trazer para o debate os desafios apontados, com o intuito de, conjuntamente, encontrarmos trajetos metodológicos adequados que, ao menos, deem conta da análise do fenômeno publicitário contemporâneo. Sobretudo, buscando compreender a apropriação (negociação ou resistência) das representações sociais propostas pelos anúncios e em que medida eles atuam como referências para que os sujeitos construam as suas múltiplas identidades. Referências CASAQUI, V. Por uma teoria da publicização: transformações no processo publicitário. Significação, 36, 2011, p. 131-151. Disponível em: http://www.usp.br/ significacao/pdf/6_Significacao%2036_Vander%20Casaqui.pdf. Acesso em: 23 abr 2014. FRANÇA, V. R. V. Crítica e Metacrítica: contribuição e responsabilidade das teorias da comunicação. 2013. Anais... Disponível em:
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