Analisando a Sociedadede Risco

June 6, 2017 | Autor: M. Esteves De Cal... | Categoria: Catastrofes Y Emergencias Sociales
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ARTIGO

Analisando a sociedade de risco JAMES TAVARES/SECOM

◗Catástrofes são mais do que acidentes naturais ou tecnológicos e devem ser tratadas como algo possível de ser enfrentado

U

m dos problemas mais graves dos quais estamos padecendo é a naturalização das catástrofes sociais ou das catástrofes históricas, ou seja, a sua apresentação como algo da ordem natural, como algo da ordem do impossível de ser enfrentado. Não se pode esquecer que às catástrofes naturais, também incidem fatores sociais. No Brasil, uma das principais linhas da investigação social acerca da questão das catástrofes ambientais se desenrola em torno dos denominados conflitos

Márcia Esteves de Calazans - Psicóloga, doutoranda em Sociologia e mestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS, pesquisadora no GP Violência e Cidadania – IFCH-UFRGS, coordenadora da Clínica e Centro de Estudos e Pesquisas Aplicadas a Cidadania, professora na graduação na FTEC Brasil - Unidade Porto Alegre na área de Gestão e Práticas de Recursos Humanos e coordenadora de pós-graduação na mesma Faculdade. www.clinicamarciacalazans. com.br

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sócioambientais, havendo número significativo de situações potenciais, sobretudo, complexas e polêmicas em relação a esses aspectos. A partir destas assertivas pode-se dizer que os estudos sobre as emergências e sobre os desastres é uma área que vem constituindo-se como um ponto de preocupação e investimento de produção cientifica, na perspectiva dos conflitos sócioambientais. A relevância destes estudos concentra-se àqueles ligados aos estudos voltados para os aspectos físicos dos desastres. No bojo da Sociedade de Risco, tem-se a possibilidade de se contemplar o tema a partir de uma ampla abordagem, ganhando visibilidade que os desastres são mais do que simplesmente acidentes naturais. Os desastres, as catástrofes, não são problemas das últimas décadas. A história da humanidade está marcada por descrições de desastres. Nas diferentes

culturas e momentos históricos foram surgindo modos e formas de dotar de sentido o sofrimento individual e social produzido pelas catástrofes. Mas, o que temos assistido é que a capacidade de informar, comunicar-se entre grupos e gerações, no sentido de projetar o futuro através da linguagem, e mais comunicarmo-nos sobre os perigos que temos gerado, tem fracassado. O conceito de Sociedade de Risco, pressupõe que se tomem decisões e visa ainda fazer previsíveis e controláveis as imprevisíveis consequências das decisões que se toma como civilização. Quando alguém diz, por exemplo, que o risco de o fumante ter um câncer é um e que o risco de catástrofe de uma central nuclear é outro, o que se quer dizer é que os riscos são consequências negativas evitáveis de certas decisões, consequências que, tendo em conta as possibilidades de enfermidade ou de ABRIL / 2009

são. Neste sentido, as piores consequências de uma catástrofe são as alterações no sistema social, meios de produção e consumo de energia, água potável, a circulação de bens e de pessoas, a manutenção da ordem, as comunicações, a destruição de cuidados sanitários, incluindo a “administração” de cadáveres. E ainda podem estar classificadas da seguinte forma: segundo a probabilidade de predição (há catástrofes que se pode prevenir em maior grau do que outras); de acordo com os efeitos discriminatórios (há catástrofes que produzem danos de forma indiscriminada, outras são mais seletivas); conforme a rapidez de produção (algumas se produzem de forma repentina, outras evoluem lenta e progressivamente) e também podem classificar-se pela origem do agente desencadeante (ver quadro Classificação das Catástrofes Segundo o Agente Desencadeante).

WILSON DIAS/ABR

DIMENSÕES Podem-se diferenciar três dimensões do perigo na sociedade de risco mundial: em primeiro lugar, as crises ecológicas; em segundo, as crises financeiras globais, e, em terceiro, os perigos das redes terroristas transnacionais. Para alguns autores, as causas múltiplas dos desastres dependem da presença do homem, sobretudo, no que se refere à sua interação com o meio ambiente, incluindo aqueles de ordem epidemiológica, como a dengue, AIDS e o cólera. Portanto, os desastres são causados tanto por fatores “naturais” (como enchentes, secas, furacões) quanto por aqueles de maior facilidade de se reconhecer a intervenção da ação humana, tais como as contaminações radiológicas, de substâncias tóxicas ou atômicas. Do mesmo modo, as contaminações do tipo epidêmico anteriormente mencionadas também podem ser consideradas nesta perspectiva dos desastres. Acrescento aqui, os níveis de violência, os quais também podem ser analisados nesta perspectiva. As catástrofes se caracterizam pelos seguintes critérios: são acontecimentos geralmente imprevisíveis, em geral de forma brutal e repentina (ainda que às vezes possam surgir gradualmente, como no caso das secas), que produzem graves consequências. Não se incluem como catástrofes aqueles acontecimen-

tos violentos que não produzem graves consequências (por exemplo, uma erupção vulcânica em uma ilha deserta). Em geral produzem grande número de vítimas (mortos, feridos, queimados intoxicados), mas não necessariamente vítimas fatais. Inclui tanto os sujeitos afetados diretamente pela catástrofe como os afetados indiretamente, por estarem implicados de algum modo nisso (familiares, amigos, equipes de socorro, serviços sociais, técnicos). Causam importantes destruições materiais. Este critério não é imprescindível, pois podem acontecer também catástrofes sem destruição material. Por exemplo, a “nuvem química” tóxica que se produziu em uma fábrica de Bhopal (Índia) em 1984, e que causou a morte de mais de 3.3300 pessoas, sem destruição material. As consequências das catástrofes superam, transbordam ou questionam os recursos e os meios da coletividade. Aparecem como forças poderosas para poder resisti-las, tornando ineficazes as medidas tradicionais de resposta. Necessita-se, também, de uma ajuda exterior. As catástrofes que têm maior transcendência e gravidade, geralmente, ocorrem de forma episódica, afetando, sobretudo, os países em desenvolvimento, que possuem pior estrutura para a proteção de sua população e de seu meio ambiente. Um exemplo atual é o Furacão Mitch, que devastou ampla área da América Central e, recentemente, as inundações e deslizamentos de morros em Santa Catarina (Blumenau, Itajaí e Ilhota) quase dizimando a comunidade do Morro do Baú. As catástrofes produzem uma importante desorganização social, este critério é fundamental para sua compreenMAURO MATTOS - PALÁCIO PIRATINI

acidente, parecem calculáveis (e aí está a diferença e porque não se consideram desastres naturais). A novidade na Sociedade de Risco é que as nossas decisões como civilização rescindem problemas e perigos globais que contradizem radicalmente a linguagem institucionalizada do controle, a promessa de controlar os desastres, as catástrofes, a opinião pública mundial.

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Percepção de risco é prioridade

cia na sua mitigação”. TRAUMAS A Psicanálise apontou uma nova perspectiva: a psicogênese das neuroses traumáticas. Para a Psicanálise, as experiências vividas durante a catástrofe são interiorizadas, reativando conflitos anteriores inconscientes, constituindo-se em núcleos traumáticos específicos que acabam afetando o funcionamento global de toda a personalidade. Desta maneira, o acontecimento propriamente dito apresenta um valor relativo. Assim, o que é traumático para um sujeito pode não ser para outro, o que dependerá das características de personalidade do sujeito afetado. Não podemos esquecer que a Psiquiatria durante e posterior à Segunda Guerra Mundial destacou os transtornos psicotraumáticos observados naquele período, descrevendo com termos difusos que pretendem ser operativos, “fadiga de combate”, destacando-se também as intervenções para atender as pessoas por ela afetadas. Destacam-se as seguintes intervenções, as quais são consideradas clássicas: a prontidão (o quanto antes); a proximidade; as medidas simples (repouso, alimentação e segurança); e a manutenção das expecta-

No contexto dos desastres, a percepção do risco é matéria prioritária, sobretudo, para a sua mitigação. A percepção social é algo que há bastante tempo é estudado pelos psicólogos. Sabe-se da sua influência no comportamento e na formação de crenças e valores. Assim, a maneira que uma determinada comunidade reconhece o risco a que está exposta é bastante diverso da percepção de um técnico ou mesmo de outra pessoa estranha àquela comunidade. Um trabalho com percepção do risco pode ser fundamental para o salvamento de vidas e o desenvolvimento de comportamentos pró-ativos na superação de situações de desastres. Por pouco crível que isso possa parecer, é frequente a existência de um hiato entre a percepção de risco ou de necessidades de uma determinada comunidade pré ou pós desastre – situação semelhante ocorre no que se refere à visão ou à percepção que as instituições governamentais ou mesmo a população afastada do problema desenvolvem sobre isso. Pesquisas sobre as atitudes e as percepções que as pessoas desenvolvem, tanto os moradores quanto autoridades, podem ser fundamentais como auxílio a situações como estas, posto que, como já foi dito, deve-se estudar e tentar resgatar os comportamentos anteriores ao desastre e não tratar o desastre como algo em si mesmo. Deste modo, ele faz parte de um continuum e é nesta perspectiva que os estudos e que as ações desenvolvidas pelos agentes sociais - e aí se incluem os psicólogos - podem resultar como mais êxitos no seu processo de intervenção. COMPORTAMENTOS Cabe frisar que os desastres não ocorrem em um vazio social. Eles estão inseridos nas estruturas sociais existentes e quando ocorrem, geram comportamentos vinculados a estas estruturas anteriores. Sabe-se, por exemplo, que, em situações de desastres físicos, como desmoronamentos, explosões ou terremotos, existem certos padrões de comportamentos que podem ser identificados 40 Emergência

e que determinam uma melhor ou uma pior atuação para a solução imediata do problema. É importante enfatizar, nesta definição, que a análise social do desastre se dá em uma perspectiva de continuidade do comportamento e não apenas como uma ruptura. Tanto é assim que as fases subsequentes do desastre, como a mitigação, a preparação e a recuperação podem ser entendidas como resultado dos comportamentos anteriores à sua existência, ao nível da vulnerabilidade social da comunidade, em relação à sua organização e à cultura onde está inserida. Quanto mais preparada esteja a comunidade em termos de sua organicidade, melhor condição encontra para a superação dos eventuais desastres a que seja submetida. Neste contexto multifacetado, a Psicologia (na perspectiva clínica e social) das intervenções individuais e coletivas encontra um amplo campo de ação. Um trabalho importante a ser desenvolvido pelos agentes sociais envolvidos com situações de desastre ou de vulnerabilidade é a preparação da comunidade para o enfrentamento da possibilidade de ocorrência do fenômeno. Isto não quer dizer cursos intensivos em busca e salvamento, por exemplo, mas sim aproveitar as condições orgânicas da comunidade, como as associações de moradores, igrejas, clubes e desenvolver discussões esclarecedoras sobre as possíveis ocorrências. Preparar estas pessoas para conhecerem os sinais que antecedem os desastres e darem a eles a devida importância como no caso de desabamentos, as rachaduras no solo, os encharcamentos, as erosões. Adicionalmente a estas informações, as pessoas começam a se dar conta que são agentes participativos nos desastres e que se por determinadas condições socioeconômicas não podem, por exemplo, mudar o local da moradia, podem conviver de maneira mais adequada com o risco a que estão expostos. E aqui tem algo de muito interesse aos psicólogos sociais: a percepção do risco do desastre é matéria de fundamental importân-

OMAR FREIRE/IMPRENSA MG

ZTrabalho pode ser fundamental para o salvamento de vidas e desenvolvimento de comportamentos pró-ativos na superação de desastres

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tivas de uma pronta recuperação. Posterior à Segunda Guerra Mundial destaca-se a Fenomenologia Clínica. Aqui, esse marco conceitual considera os transtornos psicotraumáticos como reação psicológica “anormal” – por sua intensidade e duração – às vivências externas de caráter catastrófico. Neste sentido, as experiências psíquicas (vivenciais) que exercem um impacto desastroso ou perturbador na vida psíquica do sujeito denominam-se “traumas psíquicos”. Dentro das vivências se distinguem fatores objetivos (carga afetiva, intensidade, persistência) e subjetivos (significado). Os fatores subjetivos (significado) dependem da biografia do sujeito e a eles se subordinam todos os demais, incluída a sua expressividade clínica. Desta forma, a categoria “transtorno de estresse pós-traumático” surge no clima de opinião social suscitada pelas sequelas da Guerra do Vietnan (19591975), juntamente com a preocupação pela reabilitação e pela reparação dos sujeitos por ela atingidos. O ápice de sua complexidade alcançou a ampliação do espectro clínico pós-traumático. Hoje em diversos países se contempla a Psicotraumatologia como uma especialidade clínica e se suscita a necessidade de se contar com especialistas nesta área es-

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pecífica. CONTRIBUIÇÃO E finalmente em 1971 se constitui a Oficina das Nações Unidas para ajuda às catástrofes (United Nations Disaster Relief Office, UNDRO), como um organismo dependente da ONU (Organização das Nações Unidas). Ela tem como função mobilizar e coordenar as atividades de socorro frente a qualquer catástrofe, conjuntamente com as ajudas proporcionadas pelos governos e pelas organizações não governamentais, em particular a Cruz Vermelha. Em sua conferência sobre o terrorismo e a guerra, o Sociólogo Ulrich Beck pediu atenção para que frente aos perigos que nos aterram, não fiquemos impedidos de reconhecer as perspectivas políticas que simultaneamente se abrem. Sobre isso, apontou três oportunidades na sociedade de risco mundial. Aqui, em especial, ressalta-se quando Beck refere a necessidade de que a promessa de aliança para o enfretamento dos riscos não se difunda unicamente por meios militares, mas como uma política de diálogo possível, lembrando as multiculturas que vêm ameaçadas a sua dignidade por causa da globalização. Em outras palavras, é importante que sejamos mais dialogantes em questões culturais e de política interior e exterior Estas considerações da interação entre os conceitos de sociedade de risco e catástrofes sociais apontam para uma contribuição possível da área da Psicologia à matéria, superando o isolamento de uma visão exclusivamente individualista e naturalizada dos desastres. Além disso, compartilham-se idéias voltadas à promoção de espaços e atores sociais que fomentem a noção de sustentabilidade como um bem comum potencial, baseado em um compromisso construído a partir de elementos referentes à conservação, ao uso

dos recursos naturais e à convivência no ambiente urbano. No sentido de viabilizar mudanças, retratando a importância da incorporação de novos princípios para o desenvolvimento, bem como de instrumentos e práticas relacionadas com a gestão ambiental. O que hoje, podemos considerar é que a partir dos perigos da sociedade de risco pode se criar estruturas de cooperação, enquanto fonte dos movimentos sociais, transformar em oportunidades, espaços de negociações e mediações, em escala global e local e colocar em marcha mudanças substanciais e transformações necessárias no intuito de proporcionar uma melhor compreensão dos problemas gerados por diferentes demandas e entendimentos do uso dos recursos naturais, desde a urbanização, educação ambiental (a relação da comunidade com o lixo, a preservação de ambientes naturais e áreas protegidas, da relação e preservação de unidades de conservação de proteção integral ou de uso sustentável, bem como as mediações sociais entre atores usuários e/ou residentes em zonas de amortecimento), perpassando à questão dos extrativismos e outras. Neste sentido, muitos instrumentos hoje estão disponíveis para operar uma gestão governamental e empresarial eficaz e efetiva, na incorporação de novas práticas negociadas (mediação de conflitos sócioambientais) e inovadoras o que poderá abrir perspectivas para uma nova forma de uso e de interação dos homens com a natureza/ terra. E a partir dessas oportunidades, paradoxais, da sociedade de risco poderá se estabelecer estratégias para a mediação de conflitos que afloram e incidem nos recursos naturais e no próprio homem. BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE , Francisco José Batista. A Psicologia Social dos desastres. Existe um lugar para ela no Brasil?In: Trabalho, organizações e cultura. São Paulo: ANPEPP, 1997, p.95-104. AMOR, José Luis Medina; SÁNCHEZ, José Ignácio Robles. Intervención psicológica em las catástrofes. Madrid: Editorial Síntesis, 2008. BECK, Ulrich. Sobre el terrorismo y la guerra. Barcelona: Paidós Ibérica, 2003. COELHO,Ângela.In: Jornal da Federal. Conselho Federal de Psicologia, abril,2005. JORNAL DA FEDERAL: Conselho Federal de Psicologia, abril,2005. ____________________Conselho Federal de Psicologia,maio de 2006. TOPOROSI, Susana et alii. Clínica Psicoanalítica ante las catástrofes sociales:la experiência Argentina.Buenos Aires:Paidós,2005. Emergência

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