ANÁLISE ACADÊMICA DE JULGADOS JURÍDICOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA 1

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ANÁLISE ACADÊMICA DE JULGADOS JURÍDICOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA1 Ms. Magna Campos Resumo: Neste ensaio, proponho uma metodologia para a análise crítica de julgados jurídicos que pode ser utilizada nos cursos tanto de graduação como de especialização da área do Direito. A proposta está assentada nos preceitos da elaboração de trabalhos acadêmicos com vista à avaliação de âmbito mais qualitativo, capaz de propiciar o desenvolvimento de competências e habilidades pressupostas aos acadêmicos em geral e, algumas delas, específicas e necessárias à formação jurídica.

Introdução:

No contexto da formação acadêmica, alguns trabalhos auxiliam no desenvolvimento da capacidade analítica e crítica, uma vez que possibilitam aos estudantes

que

exponham,

escrita

ou

oralmente,

suas

interpretações

e

compreensões sobre determinado assunto apresentado. Essa atividade crítica pode dar origem a outras situações interessantes à ampliação do senso crítico, abrindo espaço para debates, posicionamentos, comparações e contraposições de posicionamentos, articulações de conteúdos diversos, diálogos com outras áreas e com a realidade tanto imediata quanto distante, análises de tendências etc. Como propõe Pedro Demo, em seu livro Educar para a Pesquisa2, a educação, de uma forma geral, não apenas nas universidades, mas em todos os seus âmbitos precisa atentar para o fato de ser “fundamental que os alunos escrevam, redijam, coloquem no papel o que querem dizer e fazer, sobretudo alcancem a capacidade de formular”. Dessa forma, torna-se possível transformar o simples repasse de reconhecimento, de coisas lidas, em um laboratório de construção de ideias próprias. Para o autor: Formular, elaborar são termos essenciais da formação do sujeito, porque significam propriamente a competência, à medida que se supera a recepção passiva do conhecimento, passando a participar como sujeito capaz de propor e contrapor…Aprende a duvidar, a perguntar, a querer saber, sempre mais e melhor. A partir daí, surge o desafio da elaboração própria, através da qual o sujeito que desperta começa a ganhar forma, expressão, contorno, perfil. Deixa-se para trás a condição de objeto. (DEMO, 2007, p.28) 1

CAMPOS, Magna. Análise acadêmica de julgados jurídicos: uma proposta metodológica. Mariana, 2016. No prelo (será publicado 4° Livro da FUPAC e na Revista Ensino Jurídico). 2 DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 8 ed. Campinas: Autores Associados, 2007.

Trabalhar em prol dessa formulação ou elaboração de uma postura crítica do sujeito diante do conhecimento pode ser a chave para se reposicionar e se repensar a educação universitária guiada pela simples reprodução do conhecimento, estruturada na aula repassada pelo professor e copiada pelo aluno, tão questionada atualmente pelos estudiosos de didática e ensino no ensino superior. Essa educação para a pesquisa precisa ser cada vez mais estimulada e fomentada pelos cursos superiores de uma forma geral, afinal, a educação não é só ensino, instrução, treino, mas, sobretudo, formação da autonomia crítica e criativa do sujeito-aluno competente. E esse fomento pode se dar tanto pela metodologia de ensino empregada quanto pela forma de atividades e de avaliações desenvolvidas, tendo em vista que algumas metodologias são mais estimulantes, mais ativas que outras e algumas formas de avaliação são menos centradas no simples ato de examinar, por isso, mais preocupadas com os aspectos qualitativos e formativos que com aspectos puramente quantitativos. Neste âmbito, uma das atividades de análise crítica que tem muito a agregar à formação de competências e habilidades dos alunos do curso de Direito é, sem dúvida, a análise sistemática de julgados atuais ou não3. Entretanto, é preciso lembrar que para se realizar a análise crítica de qualquer texto, antes é necessário que o texto seja lido e compreendido4. Só se faz análise crítica de fato daquilo que foi compreendido! Esse preceito não é diferente na área jurídica. Essa informação, pois mais óbvia que possa parecer, precisa ser ressaltada, para que se compreenda que, possivelmente, a análise demandará de seu elaborador mais de uma leitura do texto base e, talvez, a leitura de outros materiais para ajudá-lo a “enxergar” questões importantes nos textos lidos ou para construir associações, contrapontos ou comparações. Com a crescente disponibilização das decisões dos tribunais em meio eletrônico, muitos dos quais de livre acesso, é possível selecionar textos relacionados às mais diferentes disciplinas e conteúdos do curso de Direito ou aos estudos complementares, para se realizar um trabalho instigante e analítico de alta envergadura, totalmente diferente de outros trabalhos acadêmicos, sem, no entanto, destoar do que se espera do desenvolvimento de competências e habilidades de um 3

Às vezes, é preciso recuperar um julgado de anos passados para se promover comparações e expansões em relação a uma decisão mais recente, por exemplo. 4 Adoto aqui o termo compreensão como a junção dos níveis de compreensão e de interpretação de um texto, ou seja, níveis que relacionam texto/ contexto/ discurso.

aluno

da

graduação

ou

da

especialização.

Competências

e

habilidades

relacionadas, dentre outros aspectos: 

à escrita acadêmica: elaboração própria de texto analítico e de formulação crítica;



à apresentação oral acadêmica: se o texto elaborado é para apresentação oral;



à leitura analítica e crítica de gêneros textuais característicos da área jurídica.



à argumentação: pois ao se levantar a tese e os argumentos mais importantes empregados no julgado para sustentá-lo – argumentos tanto de ordem jurídica quanto não jurídica – se tem a possibilidade de desenvolver mais o conhecimento sobre essa importante ferramenta do direito e sua empregabilidade na práxis;



ao raciocínio: identificar proposições, estabelecer relações, inferir, demonstrar por argumentação;



à linguagem jurídica: maior contato com a linguagem jurídica, sua terminologia, jargões, brocardos, formalidade etc.;



à capacidade de discutir questões e de se posicionar diante delas;



à associação e conexão de conteúdos: uma decisão, muitas vezes, associa inúmeros conteúdos na análise e sustentação de uma tese, o que propicia a percepção de formas de desenvolvimentos dessas associações e de sua importância. Além disso, permite ao próprio analista que estabeleça associação a outros conteúdos por extensão, criando redes de significados;



à capacidade de síntese de ideias;



à fomentação de pesquisas futuras;



à ampliação dos conhecimentos jurídicos: discussão de aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais que agregam à formação do aluno do Direito.

Além disso, considerando-se que a pirâmide de aprendizagem proposta por William Glasser tenha fundo de verdade, já que tem sido citada em algumas

dissertações brasileiras5, a atividade proposta poderia trabalhar em prol de aumentar o nível de aprendizagem sobre um tema discutido, uma vez que objetiva uma leitura mais aprofundada do julgado, sua análise em termos de informações essenciais, a organização sistemática dessas informações levantadas para que se transformem em conhecimento, a crítica e expressão do posicionamento diante do discutido, podendo ainda, se apresentada para os demais colegas, alcançar o maior percentual de aprendizagem proposto. De acordo com tal pirâmide, a aprendizagem opera em níveis que vão desde aquelas atividades que, se não complementadas por outras, tendem a resultar em menor “retenção” de informações e, portanto, menos conexões capazes de serem transformadas em conhecimento até as que mais têm possibilidade de resultar em maior aprendizado. A pirâmide prevê os seguintes níveis e propõe possíveis percentuais alinhados à aprendizagem, como evidencio adiante:

Figura 01: Pirâmide de aprendizagem de William Glasser. Fonte: http://www.leiemdestaque.com.br/2016/08/a-piramide-de-aprendizagem.html

5

Um exemplo é a menção na dissertação de Isaías Pessoa da Silva, na Universidade Estadual da Paraíba, aprovada em 2015, intitulada Estilos de aprendizagem e materiais didáticos digitais nos cursos de licenciatura em matemática a distância (p.13).

Percebe-se, pela análise da pirâmide, que a atividade proposta estaria trabalhando nos níveis verde, amarelo e azul, todos mais elaborados e com pressupostos de aprendizados mais eficientes. 2. Proposta de roteiro metodológico para análise Nesta exploração textual, especialmente no início do trabalho com essa modalidade crítico-analítica, é válido guiar-se por alguns pontos que podem compor um roteiro metodológico para elaboração da análise crítica do julgado, tais como: ROTEIRO PARA ANÁLISE CRÍTICA DE JULGADOS 6 Destacar o tipo de julgado

voto ou qualquer outra forma de decisão de juízes ou ministros da justiça. Destacar o julgador Ministro ou juiz (quem, de qual tribunal, quando) Destacar o tipo de procedimento julgado Cada área do Direito apresenta em análise procedimentos possíveis. Todavia, para exemplificar, cite-se: análise do voto de um ministro sobre uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN); análise de um voto referente a uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e inúmeras outras. Destacar o pedido analisado

Destacar a decisão do juiz ou ministro

Destacar jurídicos ministro

Ex.: Mudança de jurisprudência relativa à sentença só poder ser executada após o trânsito em julgado da condenação. Favorável ou contra o pedido, por exemplo.

Qual a tese defendida os principais argumentos Argumentos legais: baseados em códigos, empregados pelo juiz ou lei e normas. Síntese do argumento 1: Síntese do argumento 2: Síntese do argumento 3: Síntese do argumento 4: Síntese do argumento 5: etc... Argumentos doutrinários: doutrinadores do Direito

baseados

nos

Síntese do argumento 1: Síntese do argumento 2: Síntese do argumento 3: Síntese do argumento 4: 6

Como não se tem na literatura proposta metodológica estabelecida, elaboro um roteiro com aspectos/pontos que são importantes para a construção da análise crítica dos julgados, os quais poderão ser usados em trabalhos da graduação e da especialização na área jurídica.

Síntese do argumento 5: etc... Argumentos jurisprudenciais: baseados em jurisprudências mencionadas Síntese do argumento 1: Síntese do argumento 2: Síntese do argumento 3: Síntese do argumento 4: Síntese do argumento 5: etc... Destacar os principais argumentos não Argumentos baseados em autores de outras jurídicos empregados pelo juiz ou áreas: biólogos, sociólogos, filósofos, ministro linguistas, economistas, teólogos, jornalistas etc. Argumentos baseados na realidade atual ou histórica do país. Argumentos baseados na realidade atual ou histórica de outros países. Outros tipos importantes de argumentos empregados Comentário e posicionamento do aluno Aqui é sempre interessante verificar a sobre a decisão motivação apresentada pela decisão, a coerência dela em relação a outras decisões que tratam da questão, possíveis implicações, expansões, concordância e discordância todas elas justificadas. Outros comentários pertinentes que o estudante queira realizar. Posicionar-se diante da decisão.

3. Organização estrutural proposta: Se digitado, é interessante seguir as regras de formatação de trabalhos acadêmicos propostas pela ABNT, para que assim se continue a preparação dos alunos para a redação de outros trabalhos deste meio, como ensaios, artigos, paper e monografias. O ideal é que o trabalho seja elaborado individualmente, em dupla ou em grupos pequenos, pois grupos maiores, se mal administrados pelos membros, sobrecarregam alguns e desobriga outros da elaboração. Também é desejável que, no total, o texto ocupe entre 02 e 05 páginas devidamente formatadas, a fim de que se possa trabalhar a capacidade de síntese dos alunos. O quadro abaixo dispõe os dados da formatação mencionada:

Formatação do texto Texto em geral:

Arial, 12, normal, espaçamento entre linhas de 1,5cm e recuo de parágrafo de 1,25cm.

Tópicos principais:

Arial, 12, negrito

Subtópicos:

Arial, 12, normal

Margens

Esquerda e superior: 3 cm Direita e inferior: 2 cm

Tópicos sequenciados

Separados apenas por um ou dois “enter” um do outro

Extensão total do trabalho

Entre 02 e 05 páginas

4. Estrutura do texto Seguindo-se o roteiro traçado, a estrutura do texto seria a seguinte: Cabeçalho Instituição Disciplina Nome do professor Nome do aluno Data Introdução 1.1 Tipo de julgado 1.2 Julgador/ Juízo (quem, de qual tribunal, quando) 1.3 Tipo de procedimento julgado 1.4 Pedido julgado 1.5 Tese defendida e posicionamento do julgador Desenvolvimento 2.1 Argumentos jurídicos (mencionar só os existentes) 2.1.1 Argumentos jurídicos legais

[...]



Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

2.1.2 Argumentos jurídicos doutrinários 

Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

[...] 2.1.3 Argumentos jurídicos jurisprudenciais 

Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

[...] 2.2 Argumentos não jurídicos (mencionar só os existentes) 2.2.1 Argumentos de autores de outras áreas 

Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

[...] 2.2.2 Argumentos com base na realidade brasileira atual ou histórica 

Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

[...] 2.1.3 Argumentos com base na realidade de outros países atual ou histórica 

Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

[...] 2.3 Outros argumentos importantes 

Síntese do argumento 1:



Síntese do argumento 2:



Síntese do argumento 3:

[...] 3. Comentário e posicionamento

Essa estrutura, portanto, atende de forma geral a todos os julgados, especialmente os votos dos ministros, que são textos de relevância destacada na área e podem fornecer inúmeros elementos para o debate, análise crítica dos conteúdos tratados e posicionamento dos estudantes em relação às teses defendidas, dentre inúmeras outras possibilidades. 4. A avaliação da análise crítica elaborada Importante momento em qualquer proposta de atividade está relacionado à sua avaliação, todavia, como preceitua as correntes que defendem a avaliação formativa e qualitativa, é interessante que tanto professor quanto aluno tenham conhecimento de aspectos relevantes que poderão ser considerados no momento de se avaliar o trabalho, tais como:  Capacidade do analista em detectar a tese defendida;  Levantamento dos argumentos jurídicos mais importantes, devidamente sintetizados;  Levantamentos dos argumentos não jurídicos mais importantes, devidamente sintetizados;  Qualidade do comentário elaborado (pertinente, fundamentado ou justificado);  Qualidade do posicionamento do analista (está bem definido e justificado);  Atendimento à norma culta da língua portuguesa;  Aspectos relacionados à formatação do texto (afinal, trabalho acadêmico relaciona-se ao conjunto: forma e conteúdo).

Considerações finais: Como toda metodologia de trabalho, essa depende mais da forma como será “operacionalizada” pelo professor e aluno que propriamente de sua estrutura. Todavia, esse ensaio oferece uma proposta norteadora para aqueles que desejam realizar atividades mais significativas e capazes de suscitar debates mais consistentes nas aulas e desenvolvimento de competências e habilidades que agreguem valor à formação acadêmica e profissional.

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