Análise da composição da figura de Joaquina Augusta, no livro \"A sibila\", de Agustina Bessa-Luís

May 31, 2017 | Autor: Pablo Rodrigues | Categoria: Literatura Portuguesa
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2015
Aluno: Annelise Paz e Silva e Pablo Baptista Rodrigues – Turma: LED
Disciplina: Narrativa Portuguesa II
Professor: Viviane Vasconcellos


Analise a composição da figura de Joaquina Augusta e o diálogo que é estabelecido com o título da obra:

Aos poucos, a casa da Vessada ficou entregue nas mãos de Quina, e ela foi considerada senhora absoluta dentro daquele pequeno reino de campos, moinhos, bando de galinhas minorcas [...]. Foi essa época muito feliz para Quina, em que a sua actividade de lavradeira a obrigava a correr pelos caminhos, conhecer gente grada, assistir a romarias, casamentos, receber presentes de afilhados, ser considerada rica e começar a ser saudada no adro pelas fidalgas. (BESSA-LUÍS, Agustina. A Sibila. Guimarães Editores, 2000, p. 56.)

Estamos diante de um dos maiores romances do século XX português, obra de projeção de Agustina Bessa-Luís, A sibila. De leitura convidativa, porém de estilo complexo, Bessa-Luís se posiciona entre os principais nomes da narrativa portuguesa do século passado, não devendo em nada para as questões do homem contemporâneo.
Nascida em Vila-Meã, na cidade de Amarente, em quinze de outubro de 1922. Seu pai, oriundo de uma família de lavradores de Vila-Meã, parte ao Brasil quando aos 12 anos de idade, onde enriquece. Retornando à Portugal, dedica-se a empresas de espetáculos e jogo. Sua mãe, filha de uma espanhola de Zamora e um engenheiro português dos Caminhos de Ferro, nasceu em Loureiro, no Douro.
Sua família mudava-se regularmente de moradia, o que possibilitou a Agustina viver no Porto, Águas Santas no Douro. Sendo a região do Douro, a principal de sua infância e adolescência, estando presente e influenciando fortemente sua narrativa.
É na biblioteca de seu avô, Lourenço Guedes Ferreira, que tem contato com os principais escritores franceses e ingleses. Obras que lhe aguçou, levando-a a atividade que iria desenvolver ao longo de sua vida, a de ser escritora. Com o pseudônimo de Maria Ordoñes escreve dois romances, o primeiro Ídolo de Barro, não publicado, e o segundo Deuses de Barro, livro que só resta texto datilografado, pois o manuscrito foi perdido. Sua estreia no mundo literário se dá efetivamente no ano de 1948 com a novela Mundo fechado, não passando despercebido pelos escritores Aquilino Ribeiro e Teixeira de Pascoaes. Somente em 1953, após a publicação de Contos impopulares (1951-1953), Agustina é reconhecida como uma das principais vozes da literatura portuguesa do século XX. É então, com o livro A sibila que a autora alcança a projeção literária, livro no qual foi atribuído o prêmio Delfim Guimarães e o Prêmio Eça de Queiroz.
Seguindo o conselho do poeta Fernando Pessoa, em "A poesia ortonômica", um dos primeiros passos que podemos tomar como análise de uma obra seria a simpatia. O poeta português nos guia a "sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar". E por simpatia podemos entender toda uma afinidade que temos com o objeto artístico, no nosso caso, a obra A sibila. Nos diria também o crítico brasileiro Eduardo Portella sobre o papel da crítica, em especial em umas de suas conferências na Acadêmica Brasileira, que o crítico pode tomar como base a impressão inicial que tem na leitura de uma dada obra. Entretanto, não deve se manter no puro "impressionismo", mas sim partir para árdua atividade de criticar sua própria impressão.
Observamos inicialmente o nome que nos chama a atenção, atribuído ao livro: "Sibila". O que temos é, antes mesmo de adentrar nas páginas da narrativa, a presença do diálogo com a tradição da antiguidade. Sibila, do latim sibylla, ae, ou ainda em grego, síbulla, es, entre os antigos, seria a mulher a quem se atribuía o papel profético, uma espécie de bruxa, feiticeira, profetisa.

Sacerdotisas com dom profético [As Sibilas], eram mortais ou filhas de um mortal com uma ninfa, e eram em geral bastante longevas. Duas das Sibilas mais famosas são a da Eritreia, consagrada a Apolo pelos pais, cujo tempo de vida foi igual ao de nove homens; e a de Cumas, na Itália, cuja velhice foi longa e agonizante após Apolo tê-la amaldiçoado. (WILKINSON e PHILIP, 2010)

Na história da arte, a sibilia foi representada na pintura por nomes como Rafael, presente na Capela Chigi, na igreja romana de Santa Maria dela Pace. E também por Michelangelo, retratando cinco sibilas no teto da Capela Sistina. Sempre acompanhadas por pequenos anjos, na representação de Michelangelo, elas estão a ler ou a exibir um livro, sendo um dos únicos elementos externos da narrativa cristã, representados na capela pelo pintor italiano.
Entre as sibilas de maior visibilidade está a filha de Dárdano e Nesó. Tornou-se famosa como adivinha, servindo de referência a outras profetisas, que acabaram por adotar seu nome. Já em outra tradição, a sibila mais antiga seria a filha de Zeus e de Lamia, que profetizava na Líbia, onde recebeu seu nome. Seguindo a filha de Zeus, encontrou-se Herófila, originária de Marpesso, na Troas, filha de uma ninfa e de um mortal. Segunda a lenda, atribui-se a ela a profecia da destruição da cidade de Tróia por causa de uma mulher espartana, Helena.
Na tradição judaico-cristã, a personagem sibila é assimilada desde o século II antes de cristo, inicial pelos judeus helenísticos, e depois pelos cristãos do século II, na composição de oráculos sibilinos. A obra cristã é portanto, uma mistura de materiais pagãos, judeus e cristãos, contendo maldições e profecias apocalípticas. Se tornou relevante, devido a associação com a história do cristianismo, pois a sibila cristão teria "escrito sobre Cristo profecias evidentes".
É da Sibila italiana que temos a lenda da profetiza que pedindo vida eterna a Apolo, esqueceu-se de pedir também a juventude eterna. Passando então, a definhar na gruta onde preferia seus oráculos.
Nossa sibila portuguesa, Joaquina Augusta, desempenhará um papel central na narrativa. Em um contexto amplo, a sibila de Agustina, bem como a própria escritora, não só representam um papel decisivo no movimento de liberdade que as mulheres alcançam no século XXI, mas também, a obra se torna uma profunda análise sobre a consciência do indivíduo moderno frente à sua realidade. Quina, não é apenas a personagem que revelará ter dons sobrenaturais, a mulher, dentro de um cenário português repleto de homens, mas também é essa personagem multifacetada. Bessa-Luíz, encarnou em sua personagem a diversidade de sibilas que a tradição pode nos oferecer, bem como representa por meio delas a diversidade do gênero humano.
Esse aspecto sibilino presente nos mitos, pode ser vistos na forma em quem a personagem de Agustina Bessa-Luís se apresenta. Assim como na tradição, a personagem grega varia segundo o tempo e história em que está inserida (Grécia, Roman, Itália e o Cristianismo). Dessa forma, é como se pudéssemos ver "Quinas" ao longo na narrativa. Entre esses momentos, há a Quina e sua relação com a mãe, com o pai, e a irmã, a que conquista a centralidade da casa. E a aqui, enquanto descobrindo-se "sibila":

A doença fez-se invalidez, estorvo para o regresso à vida normal que a devolveria à mediocridade e à sombra; adquiriu uma forma de se expressar sibilina e delicada, que deixava suspensos os ouvintes, as almas estremecendo numa volúpia de inquietação, curiosidade e esperança. Vinham vê-la amigos chegados somente, pois o seu estado mal transpirava, na cautela de não atrair maledicências, interpretações pejorativas". (BESSA-LUÍS, [s/d])

A doença gera na vida da personagem a "quebra" da vida regular, a "vida normal", colocando-a na "sombra". Todos passam então, a estarem envoltos por sua voz, reconhecendo na personagem uma espécie de discurso que não é da ordem do humano apenas, mas sim que aponta para o mais individual dos presentes. Uma fala quase que aleatória e fantasmagórica é o que se percebe ao longo do texto. Em outro momento, vemos que a personagem de fato está em uma posição diferenciada em relação à vida:

adquiriu uma sabedoria profunda acerca de todos os ritmos da consciência, do instinto, das forças telúricas que se conjugam no fatalismo da continuidade. Conhecia os homens sem os aprender jamais. Sabia, uma por uma, qual a reação que correspondia a determinado tipo, perante determinado facto. Adivinhava-lhes os pensamentos, mesmo antes de ela os poder raciocinar" (BESSA-LUÍS, [s/d])

Joaquina Augusta, como pode ser visto no trecho acima, representa toda "uma sabedoria" sobre "os ritmos da consciência, do instinto, das formas telúricas". Ela representa, como foi dito anteriormente, o preenchimento de um papel importante na obra, pois "encarna" a voz, a representatividade da mulher, não apenas em contextos de história de Portugal, bem como na mulher do século XX. É dela que emana os dizeres, as palavras de equilibro, restauração e paz. Entretanto, Quina não deve ser tomada por pura personagem feminista, mas sim como uma personagem muito mais "feminina", e que acima de tudo nos mostra a nossa humanidade. Por último, lemos o seguinte trecho da obra:

Aos poucos, a casa da Vessada ficou entregue nas mãos de Quina, e ela foi considerada senhora absoluta dentro daquele pequeno reino de campos, moinhos, bando de galinhas minorcas [...]. Foi essa época muito feliz para Quina, em que a sua actividade de lavradeira a obrigava a correr pelos caminhos, conhecer gente grada, assistir a romarias, casamentos, receber presentes de afilhados, ser considerada rica e começar a ser saudada no adro pelas fidalgas. (BESSA-LUÍS, Agustina. A Sibila. Guimarães Editores, 2000, p. 56.)

Na primeira sentença, temos Quina como centro da casa da Vessada. Não devemos tomar tal centralidade como mera "conquista feminista". O plano aqui criado por Agustina, foi de humanizar a mulher dando-lhe não apenas a supremacia sobre a casa, aquele que como uma sibila enxerga além de todos, mas foi dado também as falhas dos homens. Quina é também a mulher comum "daquele pequeno reino de campos, moinhos, bando de galinhas minorcas", e como dito anteriormente, no "fundo, o seu misticismo era humanista [...] Ela era, de resto, a mais profunda e inegável expressão do humano". (BESSA-LUÍZ)
Como podemos perceber, lidamos uma obra "profética". Sendo a voz que interromperia a hegemonia, de mais de 15 anos, do neorrealismo português. Desse modo, A sibila, não se enquadra em qualquer oposição ou ideário neorrealista, o que infelizmente, por uma escrita complexa, faz com que a escritora não encontre o merecimento que lhe é devido. É um livro que tem como recurso a utilização da memória, não apenas individual, portuguesa, mas sobretudo, humana. Não é apenas aos "amores de Proust", que a escritora faz referência, mas sim ao edifício da memória projetado por Marcel Proust, aqui desenvolvido por Agustina.
Como uma sibila, Quina, tem o saber do tempo, o que podemos tomar aqui como o saber dos livros, pois são esses que registram a temporalidade. Proust, Loyola, Shakespeare, Bíblia estão presentes como meios em que a autora encontra para o diálogo, e sua "profecia": a renovação das letras portuguesas.
O diálogo que podemos então estabelecer entre o título do livro e a personagem Joaquina Agustina é da relação direta com o tom profético que as sibilas do mito. O que temos nas páginas de A sibila são revelações sobre a vida humana e o que ela possui de mais belo e singular, ao homem e a mulher contemporâneos. E também, um anúncio de renovação para as letras portuguesas do século XX e XXI.















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AQUINO, Tomás de. Suma teológica: os sacramentos – III Parte: Questões 60-90. São Paulo: Edições Loyola, 2006. (Vol. 9)
BESSA-LUÍS, Agustina. A sibila. 5.ª ed. Lisboa: Guimarães, [s.d].
KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. 8ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
REVISTA LER, edição nº 76. Portugal.
WILKINSON, Philip e PHILIP, Neil Philip. Guia Ilustrado Zahar: Mitologia. Tradução de Áurea Akemi. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.






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