Análise da distribuição de incentivos à produção cinematográfica nacional – uma perspectiva de redes

June 6, 2017 | Autor: Renato Barreira | Categoria: Cultural Studies, Social Network Analysis (Social Sciences), Políticas Públicas
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Análise da distribuição de incentivos à produção cinematográfica nacional – uma perspectiva de redes.1

Renato Barreira (UNIRIO)2

Resumo: O presente artigo visa a fazer uma análise, através de uma perspectiva de redes dos atores envolvidos no incentivo à produção audiovisual e de que maneira a ação desses configura esta relação. A análise será feita a partir da construção do desenho institucional do incentivo a essa produção no nosso país. O principal objetivo desse trabalho é analisar as configurações relacionais entre atores e política pública. Palavras-chave: cultura, cinema, análise de redes sociais, política pública, ANCINE.

INTRODUÇÃO O presente artigo visa a analisar as políticas públicas de fomento à produção cinematográfica (no sentido amplo, incluindo longas-metragens, seriados, animações, e todas as produções contempladas pelos dispositivos legais destacados ao longo do texto) a partir do estudo das redes sociais compostas pelos atores envolvidos na distribuição de incentivos (diretos e indiretos). Contudo, antes da análise das atuais políticas de incentivo às obras audiovisuais, é necessário apresentá-las e fazer uma breve digressão histórica sobre o incentivo à cultura de um modo geral e sobre como o Brasil chegou a ter uma legislação específica para esta indústria. Em seguida, a metodologia de análise das redes sociais será exposta, para, então, aplicá-la às relações que gerenciam e que formulam essa política pública. Através de uma análise exploratória das redes sociais que influem sobre essa política pública, além do seu caráter explicativo – de que maneira esta política pública funciona procedimentalmente – este trabalho contribuirá para o entendimento da lei do audiovisual (8.685/93) e dos respectivos órgãos relacionados a esta política pública, como a ANCINE.

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GT Ciência Política, Orientador Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. João Roberto Lopes Pinto (UNIRIO). [email protected]

IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

LEGISLAÇÃO DE INCENTIVO À INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA PÓSDEMOCRATIZAÇÃO A Lei Sarney (BRASIL,1986) foi a primeira a tratar da temática de incentivos fiscais para incentivos e investimentos que visavam a projetos culturais. Mas ela durou pouco tempo e foi revogada em março de 1990 pelo ex-presidente Fernando Collor. Os municípios, a partir do pioneirismo de São Paulo, criaram leis municipais de fomento à cultura em reação a anulação da lei anterior. Posteriormente, com a pressão destes, o expresidente criou uma nova legislação, ainda vigente até hoje e principal diretriz para o incentivo a cultura nacional, a lei 8.313, Lei Rouanet (idem, 1991). Porém, a lei apresentava, à época da sua criação, excessiva burocracia, o que afastava os patrocinadores. A Lei Rouanet é ampla – ou seja, contempla não só a produção audiovisual cinematográfica, mas também teatro, artes etc.– e o acesso a seus recursos, como o Fundo Nacional de Cultura, extremamente censitário porquanto exigia que tramitasse em numerosas instâncias antes de chegar ao Secretário de Cultura. Assim, tendo em vista que a burocracia impedia o desenvolvimento da indústria cinematográfica congelando sua capacidade de mobilizar grandes quantidades de recursos financeiros para as obras, viu-se necessário criar uma legislação específica para ela. Em 1993, já no governo de Itamar Franco, criou-se uma lei específica para promover o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional, a Lei do Audiovisual, Nº 8.685 (idem, 1993). Essa lei tinha vigência de 10 anos e destacava que: “os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido as quantias referentes a investimentos feitos na produção de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente”. O ministro da cultura, Antônio Houaiss, acreditava que esse período seria suficiente para garantir que a indústria se consolidasse integralmente. Contudo, não foi isso que aconteceu e a lei já teve sua vigência estendida duas vezes (93-2003; 2003-2010; 2010-2016). O incentivo à cultura virou uma política pública depois da Lei Rouanet, que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), cuja descrição foge do escopo deste trabalho. Posteriormente, a Lei do Audiovisual implementou mecanismos de investimento semelhantes ao da Rouanet, mas no campo específico da indústria audiovisual. Embora a Lei do Audiovisual já instituísse incentivos para a indústria cinematográfica, somente no final do governo FHC ela se tornou uma política pública de Estado. Essa mudança ocorreu a partir da Medida Provisória Nª 2.228-1 (idem, 2001). A IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

referida MP “estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema” (grifo nosso), ou seja, a importância da indústria cinematográfica nacional é reconhecida como política pública. Além disso, a medida provisória criou os organismos de execução dessa política: o Conselho Superior do Cinema; a Agência Nacional do Cinema; o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional (PRODECINE); os Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (FUNCINES). Portanto, essa regulação, além de criar uma agência para gerenciar a produção cinematográfica do país, passou, também, a assumir um papel de apoio indireto com os incentivos fiscais e o de apoio direto com os investimentos através Fundo Setorial do Audiovisual. Logo, era necessário todo um novo aparato institucional para cobrir a nova atribuição do Estado. Na próxima seção, destacam-se as funções da Lei Rouanet, da Lei do Audiovisual, da Política Nacional do Cinema, e como elas formam o organismo de fomento a indústria cinematográfica brasileira.

APARATO

INSTITUCIONAL

BRASILEIRO

PARA

O

FOMENTO

DA

INDÚSTRIA CINEMATOGRÀFICA Atualmente, o Brasil conta com um aparato institucional bem definido que gerencia – a fim de oferecer mais confiança aos investidores e incentivadores – a licença de cada produção nacional. Além desse gerenciamento, existe o apoio direto, através de incentivos (repasse de recursos), e indiretos (isenção fiscal aos patrocinadores). O cinema é considerado indústria cultural (ADORNO & HORKHEIMER, 2002), tanto na referência teórica, como na legislação nacional. Se temos hoje uma política pública de incentivo à produção cinematográfica, tudo começou com a Lei Rouanet. Contudo, como esta lei é usada somente como amparo legislativo, o presente trabalho focará no aparato específico para a indústria cinematográfica: a Lei do Audiovisual e a M.P. que cria a Política Nacional de Cinema, destacando somente os pontos da Lei Rouanet que serão usados na conclusão dessa seção. A Lei do Audiovisual e a Política Nacional do Cinema (PNC) estão diretamente relacionadas, fazendo parte de um só organismo institucional. A Lei do Audiovisual regula o incentivo direto delegando, mas ao mesmo tempo regulando, a particulares o papel de fomentador do cinema nacional.

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Assim, o interessado em investir no cinema nacional – além do retorno do investimento – poderá deduzir o valor total repassado à produção (contanto que não ultrapasse 6% do imposto devido por pessoas físicas e 4% pelas pessoas jurídicas). O investimento se dá da seguinte maneira: todas as produções nacionais ou em conjunto com produtoras estrangeiras devem ser registradas na ANCINE. Ao aprovar a produção, a agência delibera o valor máximo que a produtora poderá arrecadar. Essa arrecadação é feita através da venda de títulos devidamente autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Assim, através da Lei do Audiovisual e da ANCINE, o investidor do cinema nacional pode abater esse valor do IR devido e, quando o filme for comercializado, ele recebe seu ativo. Enquanto a Lei do Audiovisual regula a participação da iniciativa privada, a PNC regula a ação direta nesse fomento. A PNC é composta pelo Conselho Superior de Cinema, ligado à Casa Civil da Presidência da República; pela Agência Nacional de Cinema, que é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável pela execução da PNC, autorização dos projetos de produção e gerenciamento do Sistema de Informações e Monitoramento da Indústria Cinematográfica e Videofonográfica (controle de bilheterias, produção e distribuição dos projetos). A principal receita da ANCINE é a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE). A contribuição consiste na taxação da veiculação, da produção, do licenciamento e da distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais. A arrecadação da ANCINE vai para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para aplicação nas seguintes atividades de fomento: Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Brasileiro (PRODECINE) e Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (PRODAV). Através da ANCINE, que exerce atribuições de Secretaria-Executiva do FSA, o produtor pode ter acesso ao PRODECINE, seja em regime de concurso público ou em regime de fluxo contínuo. A Medida Provisória que criou a PNC instituiu também o Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica (FUNCINES). Esse fundo não é só usado em projetos cinematográficos, mas na indústria de maneira geral, como, por exemplo: reformas de salas de cinema, aquisição de equipamentos etc. A principal receita desse fundo é a venda de títulos a privados.

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A partir da análise do aparato institucional brasileiro de fomento à indústria audiovisual, concluímos que o fomento instituído pela Lei do Audiovisual e o FUNCINE são dependentes da contribuição dos agentes privados, herança deixada pela Lei Rouanet. Essa particularidade deixa essa política pública suscetível às variações do mercado e dos interesses privados. O fomento indireto chegou a mais de R$ 200 Milhões de reais no período 2013/14. Apesar da marcante presença do investimento direto, a maior parte do investimento, no exercício de 2013/14, é do fomento indireto. O referido fundo disponibilizou apenas R$36 milhões para a indústria nesse mesmo período. Esse trabalho abordará esse discrepância nas seções posteriores. Antes de analisarmos de que maneira ocorre essa distribuição de incentivos de modo a destacarmos como se dá o relacionamento entre a ANCINE e as empresas da indústria é necessário fazer uma referência teórica sobre redes sociais como método de análise de políticas públicas.

REFERÊNCIA TEÓRICA DA ABORDAGEM DE REDES SOCIAIS Como se dá a análise das redes sociais nas ciências sociais? Wellman (1983) destaca que “a análise de redes sociais parte do princípio de que o problema central dos estudos sociológicos é a noção de estrutura”, enfatizando a “análise dos condicionantes estruturais da ação”. Contudo, a análise não é meramente estrutural, porquanto ela parte da ação dos indivíduos para entendê-la: “constituem redes de diferentes tipos de vínculo em constante transformação, que se apresentam para os atores sociais tanto como constrangimento quanto como possibilidade, induzindo o comportamento dos atores e suas estratégias, e informando os seus projetos e visões sobre o setor da sociedade” (Marques, 2003 p. 153).

Ou seja, a análise de rede apareceu como uma mediação entre macro e micro dentro das ciências sociais, conforme destaca, também, Jansen: “de ligação de teorias de atores ou de ação com teorias referentes a instituições, estruturas e sistemas” (2003, p.11). É importante destacar que ela não forma uma corrente de pensamento unitária, tampouco uma escola metodológica. Como destaca Emirbayer e Goodwin, a análise de redes sociais não é “uma teoria formal ou unitária que especifica leis distintivas, proposições, ou correlações, mas uma estratégia genérica para investigar a estrutura social” (EMIRBAYER & GOODWIN, 1994, p. 1414). IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

Portanto, na prática, qual seria a utilidade dessa metodologia? Enquanto Marques destaca que: “A análise de redes sociais pode ser usada para reproduzir os padrões de relação dos indivíduos para tentar compreender sua influência sobre vários fenômenos sociais e políticos. Essa utilização da metodologia de análise de redes sociais leva à reconstituição analítica destas redes, iluminando a sua influência sobre inúmeros processos”. (2003 p. 153, grifo nosso).

Fontes e Eichner destacam que: “seria possível encontrar uma relação entre o padrão organizativo das redes sociais e as práticas dos atores que nelas estão inseridos. A análise de redes poder-nos-ia fornecer importantes subsídios para o esclarecimento de padrões de sociabilidade” (2004, p.10 grifo nosso). Como essa metodologia funcionaria aplicada à análise de uma política pública? É importante destacar o contexto dos final dos anos 80 e anos 90 no desenvolvimento dessa metodologia. A partir da redemocratização e, em seguida, da globalização, o surgimento de novos atores sociais e o aumento da demanda por participação social fez com que esses novos atores emergissem do seu caráter de meros espectadores e começassem a participar do processo decisório, direta e indiretamente. Os representantes do legislativo e do executivo, assim como o corpo de funcionários burocrático e tecnocrático, começaram a pensar além da premissa de Lowi de “policies determine politics” (1972, p. 299), e passaram a entender a política (“politics”) como desenvolvimento das políticas públicas (“policies”), ou seja, a relação é recíproca e não de uma via só. Esse novo paradigma fez com que os cientistas sociais deslocassem o seu campo de análise para a política a fim de entender a política pública. Ou seja, “Governar torna-se um processo interativo porque nenhum ator detém sozinho o conhecimento e a capacidade de recursos para resolver problemas unilateralmente” (STOKER, 2000, p.93). A análise de redes aplicada à política pública é útil porque analisa esse aspecto supranacional de maneira a “medir configurações relacionais e suas características estruturais” (KENIS e SCHNEIDER, 1991, p.25, grifo nosso). FOMENTO INDIRETO – L. ROUANET, L. DO AUDIOVISUAL, E MP 2.228-1/01. Essa seção analisará a distribuição dos recursos indiretos a fim de destacar as configurações relacionais que ocorrem nessa política pública, para, em seguida, construir um pensamento crítico sobre ela. IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

Os investimentos/incentivos que oferecem deduções no imposto de renda são: art. 1º, 1º A, 3º e 3ºA da Lei 8.685/93 (Lei do Audiovisual); ART. 39 e 41 da MP 2228-1/01 (PNC); e Lei 8.313/91 (Lei Rouanet). Na Tabela 1, podemos ver os valores captados por cada mecanismo.

TABELA 1 - Valor coletado por Mecanismo de Incentivo - R$ Mil - 2014

Fonte:

Mecanismos de Incentivo ARTIGO 1º A da Lei 8.685/93 ARTIGO 1º da Lei 8.685/93 ARTIGO 3º da Lei 8.685/93 ARTIGO 3º A da Lei 8.685/93 ART. 39 da MP 2228-1/01 FUNCINES - Art. 41 da MP 2228-1/01 Lei 8.313/91 Total OCA/ANCINE Disponível em

último

2014 68.240,9 14.899,8 34.471,4 66.807,9 60.180,8 3.593,2 1.622,3 249.816,3 acesso: 23/09/2015.

http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/810.pdf

Para critério de análise, é necessário fazer uma breve digressão. Os mecanismos Art.1º A da Lei 8685/93 e a Lei 8313/91 dizem respeito a incentivadores. Estes recebem uma maior isenção fiscal em troca de menos retorno da comercialização. Os mecanismos Art. 1º, Art. 3º e Art. 3º A da Lei 8.685/93; Art.39 da MP 2228-1/01; e FUNCINES dizem respeito aos investidores, que recebem uma menor isenção fiscal, em troca de um maior retorno da comercialização. A primeira característica a ser destacada é a concentração da produção cinematográfica majoritariamente em dois estados: Rio de Janeiro e São Paulo (Tabela 2). A concentração é tamanha que dos 333 títulos lançados em 2014, 286 (85%) foram produzidos por produtoras localizadas no eixo Rio-SP. Essa concentração também está presente nos anos anteriores: São Paulo e Rio de Janeiro concentraram, em 2012, 79,5% da produção, e em 2011, 75%3. Quando calculamos a média entre recursos captados e projetos, apenas o Rio de Janeiro aparece acima da média nacional.

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Fonte: OCA/ANCINE, Disponível em http://oca.ancine.gov.br/fomento_indireto.htm (Último acesso em 25/09/2015) IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

Tabela 2 - valores captados por unidade federativa - R$ Mil - 2014

BA

Títulos Lançados 1

CE

2

380,0

0,1%

190,0

DF

5

1.896,7

0,8%

379,34

GO

2

55,00

0,0%

27,5

MG

9

2.948,3

1,2%

327,58

PE

5

1.360,0

0.5%

272,0

PR

6

1.714,0

0,7%

275,66

RJ

142

131.632,9

52,7%

926,99

RS

11

4.891,8

2,0%

444,7

SC

6

1.653,4

0,7%

275,56

SP

144

103.184,2

41,3%

716,55

Total

333

249.816,3

100,0%

750,19

UF

Total % Total Média do valor captado Captado – indireto (R$) Captado por título (R$) 100,0 0,0% 100,0

Fonte: OCA/ANCINE – Elaboração própria. Dados disp. em (último acesso 25/09/2015) http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/817_2014.pdf Embora o papel histórico e econômico desses dois estados como centros políticos e industriais explique alguma concentração, este fato sozinho não é suficiente para explicar a discrepância, tanto da quantidade de títulos, como do valor captado por eles. Sob a perspectiva da análise de redes sociais, a concentração de investimentos no eixo RJ-SP se reproduz porque a maior parte dos investidores do país situa-se nessa região. Portanto, a relação entre a concentração de maior número de projetos e o papel histórico e econômico da região é indireta, já que a indústria precisa de infraestrutura de investimentos para se consolidar numa região. Contudo a concentração de investidores, por sua vez está diretamente relacionada com o papel histórico e econômico da região, que levou a instalação dos principais incentivadores e investidores nesses dois estados como veremos na tabela 3. A tabela 3 compara a distribuição dos investidores/incentivadores, e o valor aportados por eles, do Rio de Janeiro, de São Paulo e dos demais estados e estrangeiros. Embora muitas dessas empresas tenham sedes e filiais em vários estados, a análise é feita a partir da sede central ou matriz e apenas empresas que contribuíram com valores maiores iguais ao 1% do valor total arrecadado do respectivo mecanismo.

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Tabela 3: Quantidade de empresas por UF por mecanismo (% referente valor captado total4).

Mecanismos de Incentivo

RJ (%)

SP (%)

Outros5 (%)

Art. 1º A da Lei 8.685/93 13(34,8%) 10(21,5%) 03 (3,8%) Art. 1º da Lei 8.685/93 06 (57,9%) 06 (24,8%) 03 (8,1%) 6 Art. 3º da Lei 8.685/93 13 (100%) Art. 3º A da Lei 8.685/93 04 (80,9%) 04 (18,4%) 6 Art.. 39 da MP 2228-1/01 04 (100%) FUNCINES 01 (27,8%) 04 (72,1%) Lei 8.313/91 01 (69,2%) 01 (30,8%) Total de empresas 27 24 28 Fonte: OAC/ANCINE – Elaboração própria, Disp. em (Último acesso 25/09/15) http://oca.ancine.gov.br/fomento_indireto.htm

Primeiramente, podemos inferir que Rio de Janeiro e São Paulo são responsáveis pela maior parte dos investimentos na maior parte dos mecanismos. Isso se dá por causa da importância da contribuição dos atores estatais/empresas públicas/de capital misto para a indústria cinematográfica nacional. No mecanismo Art. 1º A da Lei 8.685/93, os principais incentivadores estatais/capital misto são: BNDES7 (13,3%); SABESP8 (8,1%); Petrobrás Petróleo Brasileiro S/A (3%); e Eletrobrás - Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (2,1%). Juntas, elas foram responsáveis por um terço dos investimentos nesse mecanismo aportando um valor aproximado de R$ 18 milhões. A única que não está localizada no eixo Rio-SP é a CAIXA9 que aportou um valor aproximado de R$ 2,5 milhões (4,1%). Já no mecanismo Art. 1º da Lei 8.685/93, uma estatal e uma empresa de capital misto figuram na lista de principais investidores, o BB GESTÃO DE RECURSOS DTVM S/A e o BNDES, são responsáveis por 39,2% do total de investimento, aportando um valor total de aproximadamente R$ 7 milhões. No mecanismo Lei 8.313/91, apenas dois incentivadores aparecem: o BNDES aportando 69,2% do valor total (R$ 1,12 mi.) e a CAIXA SEGURADORA S/A com 30,8% (R$ 500 mil). O mecanismo Art. 3º A da Lei 8.685/93 também é muito importante para compreendermos a concentração de projetos e recursos desta política pública no eixo Rio4

Empresas fora do eixo Rio-São Paulo e estrangeiras A % por mecanismo não resulta em 100% porque que as captações abaixo de 1% do valor total não foram consideradas na análise. 6 Somente empresas estrangeiras. 7 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e BNDES PARTICIPAÇÕES S/A. 8 CIA de Saneamento Básico do Estado de São Paulo 9 CAIXA ECONOMICA FEDERAL e CAIXA SEGURADORA S/A. 5

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SP. Nesse mecanismo, a principal investidora é a GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A, aportando um valor total de aproximadamente R$ 33 milhões, sendo responsável por 49,2% do investimento total desse mecanismo. Seguidas de GLOBOSAT PROGRAMADORA LTDA (15,6%) e TELECINE PROGRAMAÇÃO DE FILMES LTDA (12,7%). Essa alta quantidade de investimentos provenientes do Rio de Janeiro é o principal chamariz para que as produtoras independentes se instalem no estado. No que tange aos dispositivos Art.. 39 da MP 2228-1/01 e Art. 3º da Lei 8.685/93, eles são exonerações que beneficiam exclusivamente empresas estrangeiras, então analisálos foge do escopo desse trabalho. Em uma conclusão preliminar, podemos inferir que as estatais, empresas públicas e mistas, e a GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A estabelecem uma relação de maneira que o cenário da produção audiovisual no Rio de Janeiro é o mais favorável no país, fazendo com que o cenário seja mais propício para produtoras independentes. Embora possamos argumentar que o valor captado não fique necessariamente dentro do estado, já que a empresa incentivadora/produtora possa escolher em qual projeto investir, a tabela 1 demonstra que o Rio de Janeiro tem o maior número de projetos produzidos, valor arrecadado e maior média de valor arrecadado por projeto. Como são as próprias empresas que decidem em quais projetos investir, é eficiente que as produtoras independentes se instalem onde está a maior parte dos investimentos e infraestrutura. Já no que diz respeito a São Paulo, sua contribuição vem majoritariamente da iniciativa privada, principalmente através do dispositivo Art. 3º A da Lei 8.685/93 no qual a FOX FILM DO BRASIL LTDA; RÁDIO E TELEVISÃO RECORD; e a UNIVERSAL PICTURES BRASIL LTDA foram responsáveis por aproximadamente R$ 11 milhões investidos na indústria. Além disso, São Paulo se diferencia do Rio de Janeiro devido à maior presença de investidores filiados aos fundos de amparo ao cinema (FUNCINE). O principal fundo de investimento o FUNCINE LACAN - DOWNTOWN FILMES; FATOR FUNCINE; e LACAN INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES foram responsáveis por um investimento de R$ 2,5 milhão nesse mecanismo de fomento. É possível verificar que a alta quantidade de projetos e recursos no eixo Rio de Janeiro-São Paulo se dá por causa da massiva presença de emissoras de televisão e estatais na região, o que leva as produtoras independentes a se estabelecerem nesses dois estados para ficarem mais próximas do foco dos investimentos na produção audiovisual no país.

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Como veremos na próxima seção, isso afeta diretamente a distribuição dos recursos do FSA, fazendo com que ambos os estados se beneficiem mais destes.

FOMENTO DIRETO FUNDO SETORIAL AUDIOVISUAL: Como veremos na Tabela 4, a maior parte do investimento vem do fomento indireto que, como é concentrado no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, leva a um maior número de projetos de origem fluminense e paulista (Tabela 1).

TABELA 4 Valores Captados por Mecanismos de Incentivo diretos e indiretos 2010 à 2012 em R$ Mil. Ano Captação

Subtotal Mecanismos10

Fomento Direto

FSA (liberado)

TOTAL

2010

180.695,49

14.514,27

13.836,92

209.046,69

2011

176.857,23

13.378,82

31.147,92

221.383,98

2012

127.166,48

10.258,19

36.722,98

174.147,66

Total

484.719,22

38.151,28

81.707,83

604.578,34

Fontes:

OCA/ANCINE



Elaboração

própria.

Disponível

em

(28/09/2015)

http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/2414_26032013.pdf

Na tabela 4, os valores de fomento direto incluem Programa Adicional de Renda PAR, Programa ANCINE de Incentivo à Qualidade - PAQ, editais de coprodução internacional, Ibermedia, apoio à participação de obras brasileiras em festivais internacionais e demais programas de execução direta da ANCINE. A coluna FSA (valores liberados) contém os valores efetivamente liberados pelo Fundo para o investimento em projetos, não os anunciados nas chamadas do Fundo Setorial do Audiovisual. A alta concentração de projetos no eixo RJ-SP faz com que o FSA tenha mais pedidos de projetos provenientes das produtoras destes dois estados. Assim, num efeito cascata, o Rio de Janeiro e São Paulo, acabam concentrando majoritariamente a maior parte dos investimentos tanto indiretos, como diretos.

10

Mecanismos de fomento indireto: Lei 8.313/91 (Lei Rouanet), na Arts 1º, 1º-A, 3º e 3º-A da Lei 8.685/93 (Lei do Audiovisual) e no Art. 39 da MP 2.228-1/01 e FUNCINE. IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

A tabela 5 mostra a relação de estados de acordo com o valor disponibilizado por chamada, por projeto selecionado em 2012, do PRODECINE - Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Brasileiro, na modalidade de produção de obras cinematográficas de longa-metragem (LINHA A). Esse programa visa a seleção, em regime de concurso público, de projetos de produção independente, exclusivamente na forma de investimento.

Tabela 5 Relação de Estados por valor disponibilizado por chamada por projeto selecionado 2012 (FSA/PRODECINE - LINHA A) Valor total de projetos Selecionados R$ Mil

ESTADO RIO DE JANEIRO SÃO PAULO OUTROS Total Fonte: OCA/ANCINE



28.386,4 (50,8%) 21.665,7 (38,7%) 5.843,6 ,(10,5%) 55.895,9 (100%) Elaboração própria.

Qtd. de proj. Selecionados

27 (51,9%) 17 (32,6%) 8 (15,5%) 52 (100%) Disponível em

Média por projeto R$ Mil 1.051,3 1.274,4 730,4 1.074,9 (28/09/2015):

http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/2803_17-12-13.pdf

Portanto, podemos perceber que a concentração de projetos e produtoras independentes nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo refletem também na distribuição de recursos de fomento direto pelo Fundo Setorial do Audiovisual. Além do maior número de projetos, mais no Rio de Janeiro do que em São Paulo, o valor médio investido nesses é superior aos dos projetos oriundos dos outros estados. Assim, além do impacto na quantidade de projetos, esse efeito se estende para o valor repassado pelo FSA para essas produções. A principal problemática que advém dessa configuração relacional é o fato e que uma política que deveria ser nacional fica restrita a apenas dois estados.

CONCLUSÃO Ao analisar a política pública de incentivo ao audiovisual, com foco nos programas de incentivo à produção cinematográfica, percebe-se uma concentração das empresas e dos projetos, dos investidores e dos investimentos, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Assim, o que podemos inferir sobre a análise do padrão de relações dos indivíduos envolvidos nessa política pública proposta por esse trabalho? IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

Antes de atribuirmos a devida importância ao papel dos atores, é importante destacar que esses dois estados têm características históricas particulares que fizeram com que se desenvolvessem industrialmente, socioeconomicamente e culturalmente (no sentido de importação dos padrões europeus). Portanto, podemos inferir que esses dois estados já tinham uma pré-disposição para se desenvolver como polos da indústria cinematográfica nacional. Pode-se destacar que os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro se tornarem polos da indústria cinematográfica não é o problema, (por exemplo: Bollywood na Índia e Holywood nos Estados Unidos), a questão é que a configuração relacional atual está desacelerando o desenvolvimento de indústrias criativas em outras regiões e concentrando investimentos de uma política é (pelo menos deveria ser) nacional. Embora exista um crescimento da indústria nos outros estados, esse se dá em um ritmo quase parado quando comparado a RJ e SP. Ou seja, a concentração das empresas, dos investidores, dos projetos e dos investimentos – públicos e privados – acaba reproduzindo uma tendência/herança histórica de uma divisão social da produção cultural em que os outros estados são polos de cultura histórica tradicional e regional (mas não menos valorosa) enquanto o eixo RJ-SP produz uma cultura dinâmica e tecnológica e a exporta para o mundo. A ANCINE, por sua vez, já desenvolveu programas em formato de chamadas com indução regional: “As ações de indução à regionalização da produção audiovisual iniciaram-se em 2009, com a incorporação nas chamadas públicas lançadas desde então de uma garantia de participação na fase de defesa oral de projetos de proponentes de unidades da federação que não estivessem classificadas entre as primeiras propostas selecionadas para defesa oral. Este indutor foi aplicado nas chamadas públicas das Linhas A e B de 2009 e 2010. Ao todo foram convocados por este mecanismo 17 (dezessete) projetos de obras audiovisuais de 8 (oito) diferentes unidades da federação.” (ANCINE, 2013)

Embora haja um mecanismo da ANCINE para regionalizar o investimento de maneira que ele chegue com mais volume aos outros estados, como o fomento indireto pode chegar a ser dez vezes maior do que o fomento direto (Tabela 4), uma das possíveis alternativas ao atual modelo é o desenvolvimento de alguma regulação quanto

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investimento das estatais, empresas públicas e mistas e da iniciativa privada a fim de determinar cotas para o investimento fora do eixo RJ-SP.

Referências Bibliográficas ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. “A indústria cultural – o Iluminismo como mistificação das massas”. In: ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. ANCINE, “Relatório Anual de Gestão do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA: Exercício 2012”.

Rio

de

Janeiro,

Abril

de

2013.

Disp.

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audiovisual

e



outras

providências.

Disponível

em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8685.htm _______, Medida Provisória Nº 2.228-1, de 6 de Setembro de 2001. Estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema, cria o Conselho Superior do Cinema e a Agência Nacional do Cinema - ANCINE, institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema Nacional - PRODECINE, autoriza a criação de Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional - FUNCINES, altera a legislação sobre a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional e dá outras providências. Disp. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2228-1.htm EMIRBAYER, M.; GOODWIN, J. “Network analysis, culture, and the problem of agency”, The American Journal of Sociology, v.99, n.6, p.1411-1454, may 1994. FONTES, B. A. S.-M.; EICHNER, K. “A formação do capital social em uma comunidade de baixa renda”. REDES – Revista hispana para el análisis de redes sociales. v.7, n.2, Oct./Nov. 2004, p.1-33., Dis. em: http://revista-redes.rediris.es JANSEN, D. “Einführung in die Netzwerkanalyse. Opladen: Leske + Budrich”, 2003 IV Jornada de Ciências Sociais UFJF – “As Ciências Sociais: Caminhos e interseções”. 10 a 13 de novembro de 2015, UFJF, Juiz de Fora-MG.

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