ANÁLISE DA ECONOMIA BRASILEIRA SOB A LUZ DO MODELO DE MERCADO DE TRABALHO DUAL DE LEWIS

June 3, 2017 | Autor: Flavio Fiuza-Moura | Categoria: Development Economics, Macroeconomics, Development Studies, Microeconometrics, Dualism
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Os referidos autores utilizam as denominações: "moderno"; e "tradicional", ao se referirem aos setores: capitalista; e de subsistência de Lewis, ao longo de todas as suas pesquisas. Nesta pesquisa serão respeitadas as denominações adotadas por cada autor.
As variáveis relacionadas à cor da pele e gênero, apesar de importantes, não serão o foco deste trabalho, no entanto o leitor interessado nas temáticas acerca da discriminação e diferenciação salarial por gênero e cor da pele, principalmente quando estimada através do método empregado neste ensaio, deverá consultar Fiuza-Moura (2015).


ANÁLISE DA ECONOMIA BRASILEIRA SOB A LUZ DO MODELO DE MERCADO DE TRABALHO DUAL DE LEWIS

Flavio Kaue Fiuza-Moura*


Resumo:
O objetivo deste artigo é analisar o mercado de trabalho brasileiro sob a luz do modelo de mercados duais de Lewis. Para tal foram extraídos dados sobre a participação e composição da força de trabalho brasileira e sua remuneração das PNADs de 2002 e 2013. Foram então analisados os salários médios e composição dos trabalhadores qualificados e não qualificados segundo meio de residência, ocupação, setor de atividade e formalização. Após isto foram estimadas equações de determinação de salários para melhor compreender a estrutura salarial destes trabalhadores e foram empregadas decomposições de hiatos salariais para captar a diferença salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados e entre trabalhadores dos setores tradicionais e modernos da economia brasileira, nos anos estudados. Os resultados mostraram que houve redução dos hiatos salariais de qualificação e do hiato salarial de Lewis, indicando que a economia brasileira se aproximou do turning point no período.

Palavras-chave: modelo de Lewis; mercado de trabalho dual; hiatos salariais.


* Doutorando em Economia do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (FEA/USP). E-mail: [email protected]


1. Introdução
Há mais de sessenta anos Lewis publicava seu primeiro artigo sobre o funcionamento de um mercado de trabalho dual em economias subdesenvolvidas, cuja dinâmica gerava uma oferta de trabalho virtualmente ilimitada para o setor moderno (capitalista), possibilitando sua expansão sem que houvesse inflação de salários, permitindo a ampliação dos lucros e, consequentemente, o aumento da taxa de poupança que se converteria em maior investimento e progresso econômico.
Neste modelo, assim que a oferta de mão de obra deixa de ser ilimitada, inicia-se uma pressão salarial no setor tradicional (de subsistência) da economia e, por sua vez, os salários do setor moderno começam a ser pressionados. Enquanto a economia caminha para o que Lewis chamou de turning point, os salários reais e produtividades do trabalho se igualam nos setores moderno e tradicional e, por fim, a economia subdesenvolvida se aproxima de uma economia neoclássica com livre circulação de fatores e remunerações equalizadas às produtividades marginais.
O modelo dual de Lewis se calcificou como um dos pilares das pesquisas econômicas cujo objetivo seria o de compreender economias subdesenvolvidas e, até, prever os próximos estágios de seu desenvolvimento.
Muitos trabalhos acerca da aplicação empírica do modelo de Lewis foram desenvolvidos para observar a transição da economia chinesa ao longo dos anos 2000, enquanto que outros foram desenvolvidos em décadas anteriores para compreender as economias japonesa, taiwanesa e coreana.
Este artigo tem por objetivo analisar o mercado de trabalho brasileiro sob a ótica do modelo de mercados duais de Lewis, por meio da análise da composição e remuneração dos trabalhadores qualificados e não qualificados segundo seu meio de residência, tipo de ocupação, setor de atividade e formalização, para os anos 2002 e 2013. Além disto, foram estimadas equações de determinação de salários para compreender a estrutura salarial destes grupos e, então, foram empregadas decomposições de diferenciais salarias entre os grupos para observar o hiato salarial por qualificação e o hiato salarial de Lewis.
Os resultados encontrados indicam que, possivelmente, a economia brasileira se aproxima do turning point de Lewis, no entanto novos estudos devem ser realizados para que isto seja afirmado de forma conclusiva.
O presente ensaio está organizado da seguinte forma: a segunda seção discorre sobre o modelo de Lewis, suas extensões e aplicações empíricas, a terceira seção aborda a estratégia empírica, base de dados, modelo utilizado, seus resultados e interpretação. A quarta e última seção apresenta as conclusões do estudo.
2. O modelo de Lewis e suas aplicações empíricas
2.1 O modelo de Lewis
O modelo de crescimento de Lewis (1972) explica o mecanismo pelo qual seria possível uma economia subdesenvolvida, cujo crescimento é oriundo da expansão de formas capitalistas de produção, expandir sua taxa de poupança e garantir o reinvestimento. A ideia central do modelo é que com o crescimento do setor capitalista, seria possível alavancar aumentos na parcela dos lucros sobre a renda total e, dado que a propensão marginal a poupar dos lucros é maior que a propensão média a poupar da economia, a taxa de poupança é aumentada concomitantemente.
Para que se pudesse elaborar o modelo, era necessário que a economia se dividisse em dois setores, um chamado pelo autor de setor capitalista e o outro chamado de setor de subsistência. O setor capitalista é definido como setor no qual há contratação de trabalho e venda de produção com lucros.
É importante notar que muitos autores aplicam a divisão capitalista-subsistência como agricultura-indústria, no entanto Lewis não define os setores com tal rigidez e, inclusive, salienta em seu artigo de 1972 que o modelo desenvolvido funciona igualmente em casos nos quais o setor capitalista é composto por industriais e agricultores (inclusive porque, num modelo de economia fechada e autossuficiente, o setor capitalista produz tudo o que consome, incluindo alimentos). Portanto o modelo de Lewis não implica, necessariamente, industrialização. O modelo também não exclui modos socialistas/comunistas de produção, uma vez que a contratação de trabalho com o intuito de obter lucros pode ser feita tanto por agentes privados quanto por agentes públicos, permitindo assim a existência de um planejador central no modelo.
O foco do modelo é que o setor de subsistência sirva como uma fonte de mão de obra da qual o setor capitalista se alimenta por determinado período de tempo. No entanto o modelo não restringe toda a origem de mão de obra como oriunda da agricultura ou de atividades específicas, admitindo que a oferta ilimitada de trabalho seja composta também por artesãos, emprego feminino, trabalhadores outrora autônomos, migração e, inclusive, pelo próprio crescimento natural da população.
Esta reserva de mão de obra explica porque a força de trabalho do setor capitalista pode crescer a taxas superiores que o limite da taxa de crescimento populacional e, consequentemente, explica porque os lucros podem crescer a taxas superiores que a renda nacional.
Afirmar que a oferta de trabalho é, então, ilimitada pode parecer forçoso. No entanto o significado desta afirmação é que, dado o salário existente, caso exista oferta de vagas de trabalho no setor capitalista, haverá um número muito maior de candidatos à vaga. Ou seja, frente ao salário de mercado a curva de oferta de trabalho é infinitamente elástica. A primeira condição para que isto seja verdadeiro é que o salário médio do setor capitalista seja suficientemente superior ao do setor de subsistência a ponto de atrair a mão de obra do segundo para o primeiro. A segunda condição é que a tendência, iniciada pela transferência de trabalhadores do setor de subsistência para o capitalista, de aumentos do rendimento per capita no setor de subsistência seja compensada por incrementos em sua própria força de trabalho (imigração, crescimento populacional, participação feminina, etc.). Ou seja, o modelo postula que nos estágios iniciais, necessariamente, a oferta de trabalho para determinado nível salarial exceda a demanda por mão de obra.
Outro ponto, mal entendido, frequentemente criticado no modelo de Lewis seria a admissão que a produtividade marginal do trabalho no setor de subsistência seja igual a zero. O autor deixa claro, em seu texto, que: (1) a produtividade marginal do trabalho no setor de subsistência é irrelevante para o modelo, contanto que se mantenha abaixo da produtividade marginal do trabalho no setor capitalista e, portanto, não precisa ser igual a zero para que o modelo seja válido; e (2) quando o autor mencionou produtividade marginal do trabalho, ele se referia a produtividade marginal do trabalhador e não a produtividade marginal da hora trabalhada, indicando que a retirada de um trabalhador de, por exemplo, uma família de pequenos agricultores será compensada, possivelmente, pelo incremento do números de horas trabalhadas pelos demais membros da família.
Por fim, o autor afirma que o ponto vital de seu modelo é que a oferta de trabalho exceda a demanda, indiferente às questões de produtividade por hora trabalhada ou por trabalhador.
O modelo de crescimento de Lewis surge em três formas: na primeira forma a economia é fechada e os setores (capitalista e de subsistência) são autocontidos (exceto pela importação-exportação de trabalho). O primeiro turning point (daqui em diante, TP) ocorre quando a oferta de trabalho deixa de ser infinitamente elástica e o salário do setor capitalista começa a subir devido à pressão exercida pelo setor tradicional e o segundo TP ocorre quando os produtos marginais e salários de ambos os setores se igualam.
A segunda versão do modelo implica em uma economia ainda fechada, porém com a existência de comércio entre os setores (o setor capitalista depende da importação de bens e insumos importados do setor de subsistência). Neste modelo o setor capitalista pode ser freado pela deterioração dos termos de troca, mesmo com uma oferta de mão de obra inelástica e, portanto, o TP pode ser postergado indefinidamente.
A terceira forma ainda é um sistema de comércio entre os setores, porém com a admissão de uma economia aberta. Neste modelo o setor capitalista pode evitar o gargalo gerado pela importação de produtos do setor de subsistência passando a importar estes bens do resto do mundo. No entanto esta importação pode desacelerar o crescimento ou causar inflação estrutural.
Em todas as versões do modelo, a oferta de trabalho excede a demanda ao nível presente de salários e este nível salarial se mantém constante por certo período de tempo enquanto o setor capitalista se expande. O primeiro TP ocorre quando a redução da força de trabalho do setor de subsistência força um aumento de seus salários, causando pressão sobre os salários do setor capitalista que, por sua vez, são elevados. O segundo TP ocorre quando o produto marginal de ambos os setores se iguala e a economia dual chega ao fim, se transformando no modelo neoclássico padrão de economia com um setor.
Islam e Yokota (2006 e 2008) ressaltam que, no modelo de Lewis, a diferença entre os setores capitalista e de subsistência é analítica e não descritiva. A primeira diferença analítica é que o mesmo tipo de mão de obra tem uma produtividade mais elevada no setor moderno do que no setor tradicional e, portanto, a transferência de trabalhadores do setor tradicional para o setor moderno pode aumentar o produto total da economia, essa desigualdade significa um afastamento do modelo neoclássico de perfeita mobilidade e equalização dos retornos dos fatores produtivos e implica que a economia pode crescer com a transferência de trabalho do setor de subsistência para o setor capitalista. A segunda diferença analítica se refere a questões distributivas, dado que no setor capitalista a distribuição se da pela equalização do produto marginal do trabalho com o salário, no entanto o produto marginal do trabalho é menor que o salário no setor de subsistência.
Os autores então apontam que duas condições precisam ser atendidas para o surgimento destas diferenças analíticas: abundância de mão de obra no setor de subsistência e determinada barreira de transferência do setor de subsistência para o capitalista.
Islam e Yokota (2008) afirmam que, dentre as causas da existência de barreiras à transferência de mão de obra do setor capitalista para o de subsistência, algumas são: incerteza de inserção no mercado de trabalho do setor capitalista; alto custo de vida no setor capitalista; perda de contato familiar e social devido à migração; e perda de benefícios 'ambientais'. Todos estes desincentivos devem ser compensados por salários mais elevados no setor capitalista para garantir atratividade da mão de obra. Também deve ser considerado o salário eficiência. Observadas essas características conjuntamente, segundo os autores, não é difícil admitir que o produto marginal no setor capitalista seja superior ao produto marginal no setor de subsistência.
No entanto, a proposição de que o produto marginal no setor de subsistência seja inferior ao salário deste setor é um pouco mais difícil de intuir. Algumas das explicações seriam: formas de produção familiares de pequenos agricultores cujo comportamento seja de maximização da produção e não maximização do lucro, sociedades agrícolas comunitárias, etc.
Admitindo verdadeiras estas proposições, chega-se a relação: produto marginal do trabalho no setor de subsistência é menor que o salário do setor de subsistência que, por sua vez, é menor que o salário no setor capitalista que, por sua vez, é igual ao produto marginal do trabalho no setor capitalista.
Esta relação permite que o setor capitalista se expanda absorvendo mão de obra do setor de subsistência sem precisar aumentar sua oferta de salários. A transferência de mão de obra do setor de subsistência para o setor capitalista aumenta o produto marginal do trabalho no setor de subsistência. No entanto, enquanto o produto marginal do trabalho no setor de subsistência for inferior ao salário deste mesmo setor, que por sua vez, é inferior ao salário do setor capitalista, aumentos no produto marginal do trabalho de subsistência não causarão aumentos em seus próprios salários e, portanto, não haverá pressão sobre o salário capitalista.
Dado isto, o setor capitalista pode expandir sua atividade mantendo seus salários relativamente constantes, numa situação equivalente a possuir uma oferta de trabalho ilimitada ou 'perfeitamente elástica'. Somente quando a transferência de trabalhadores do setor de subsistência para o moderno fizer com que o produto marginal do trabalho de subsistência se iguale com o salário vigente no setor, este passará a se elevar e, portanto, haverá pressão de elevação dos salários capitalistas. Este ponto é o chamado TP de Lewis, que pode ser observado primeiro nos salários de subsistência e posteriormente nos salários capitalistas. Ao longo deste processo, eventualmente, os salários e produtos marginais (capitalistas e de subsistência) se equalizarão.
O primeiro TP é causado, então, por mudanças no setor de subsistência que levam a elevação dos rendimentos observados neste setor. Estas mudanças podem ser de duas naturezas: endógenas e exógenas. Mudanças exógenas são causas externas que enriquecem as pessoas inseridas no setor de subsistência ou causas externas advindas de mudanças institucionais e tais mudanças não costumam ser inseridas no modelo. Mudanças endógenas são aquelas oriundas do processo de transferência de mão de obra do setor de subsistência para o setor capitalista e estas transferências causam aumento do consumo per capita do setor de subsistência automaticamente. No entanto aumentos do consumo no setor de subsistência não implicam, necessariamente, aumento automático do salário no setor capitalista, pois o hiato de consumo entre os setores é substancial.
Um segundo fator que pode impedir o aumento do salário no setor capitalista é que, no setor de subsistência, há ainda acelerado crescimento populacional (inferior ao observado no setor capitalista) e, portanto, a transferência de trabalhadores para o setor mais avançado da economia pode implicar não em aumentos do consumo per capita, mas sim em estabilidade deste consumo (impedindo-o de cair devido ao aumento populacional). Portanto, inexistem razões para acreditar que, necessariamente, o salário do setor capitalista se eleve endogenamente assim que o setor capitalista começar a crescer. O salário pode tanto se elevar imediatamente quanto se manter estável por muito tempo.
No entanto, eventualmente, o salário do setor capitalista começará a se elevar dado que o crescimento da demanda por trabalho deste setor deve, em algum momento, superar o crescimento populacional e outras fontes de incremento de mão de obra, atingindo, então, o segundo TP ao elevar o produto marginal do setor de subsistência até o ponto de equalização com o salário do setor de subsistência e, eventualmente, igualando o produto marginal de ambos os setores para, então, igualar os salários reais de ambos os setores.
O modelo de Lewis se preocupa com o tamanho da parcela do setor capitalista sobre a economia e, portanto, a parcela de lucros (que é diretamente relacionada à taxa de poupança) sobre a renda total da economia. Portanto o salário real se manter constante implica em: renda do setor de subsistência mantida a nível constante; ou que os empreendedores do setor capitalista não estão compartilhando seus ganhos de produtividade com os trabalhadores. Nos casos nos quais os empreendedores do setor capitalista não compartilham seus ganhos de produtividade com os trabalhadores, há aumento das margens de lucro e, logo, aumento nas taxas de poupança. Três pontos resultantes de se atingir o segundo TP seriam: (i) produtividade marginal é equalizada entre os setores; (ii) a razão salário-lucro se estabiliza; e (iii) diferenças nos rendimentos refletem diferenças de habilidades inatas.
Em resumo, segundo Islam e Yokota (2006), existem dois turning points na primeira versão do modelo de Lewis: o primeiro deles é atingido quando a oferta de mão de obra deixa de ser infinitamente elástica e os salários começam a subir por pressão do setor de subsistência; o segundo é atingido quando o produto marginal é o mesmo no setor moderno e no setor tradicional.
A segunda versão do modelo de Lewis implica em economias fechadas, porém com possibilidade de comercialização entre os setores. A adição notável deste modelo é a de que a dependência do setor capitalista por insumos e comida produzidos no setor de subsistência pode se configurar como um gargalo para o crescimento do setor capitalista, postergando a chegada de um TP. Segundo Islam e Yokota (2006), pode ocorrer uma mudança adversa nos termos de troca entre os setores, caso a produtividade do setor de subsistência cresça em menor velocidade que a produtividade do setor capitalista. No entanto, se o crescimento da produtividade no setor capitalista for maior que a taxa de deterioração dos termos de troca, o crescimento não sofrerá desaceleração. O resultado final dependerá, então, das velocidades de movimento da produtividade em ambos os setores, seu impacto sobre os termos de troca e do movimento do salário real.
No terceiro modelo admite-se (além da comercialização entre setores) a existência de uma economia aberta. Neste modelo, um país subdesenvolvido com um setor capitalista nascente e um setor de subsistência fornecedor de insumos com baixo crescimento da produtividade dependerá, caso não queira frear seu crescimento, da importação de insumos para se desenvolver. Estas importações deverão ser financiadas por meio de aumento das exportações e, dado que o aumento das exportações dependerá da redução dos preços e consequente redução das margens de lucro, estas podem se configurar como um gargalo ao crescimento. Uma alternativa seria a desvalorização cambial, que causaria inflação estrutural numa espiral ascendente. O autor conclui, então, que para crescer o país deve fazer com que suas exportações acompanhem suas importações. Segundo Islam e Yokota (2006), nesta versão do modelo de Lewis, os lucros e a propensão a exportar são variáveis cruciais para o crescimento do país.
A segunda e terceira versão do modelo de Lewis não alteram as predições da primeira versão acerca dos dois turning points pelos quais a economia dual pode passar, apenas complementando-as e adicionando ramificações aos possíveis resultados do modelo.
2.2 A extensão do modelo de Lewis por Fei e Ranis
Islam e Yokota (2006 e 2008) apontam que Ranis e Fei (1961) e Fei e Ranis (1997) tiveram um importante papel na extensão do modelo de Lewis. Ranis e Fei (1961) apontam diversos pontos da curva de salários e assumem três fases para a curva de salários do setor tradicional: (1) o produto marginal é zero, transferências de trabalho do setor tradicional para o setor moderno não reduzem a produção do setor tradicional. Esta fase termina quando o produto marginal do trabalho passa a ser positivo no setor tradicional; (2) na segunda fase, dado que o produto marginal do trabalho se tornou positivo, transferências de trabalhadores do setor tradicional para o setor moderno causarão reduções no produto total do setor tradicional. Porém, enquanto o produto marginal do trabalho tradicional for inferior ao salário tradicional, não haverá pressão de inflação de salários. Esta fase é chamada de shortage point; (3) a terceira fase se inicia quando o produto marginal do setor tradicional se iguala ao salário tradicional e toda transferência de trabalho do setor tradicional para o moderno, deste ponto em diante, causará elevação do salário tradicional em termos proporcionais à elevação do produto marginal do trabalho tradicional. Este ponto é chamado de commercialization point por Ranis e Fei (1961). O commercialization point pode ser visto como o TP de Lewis.
Segundo Islam e Yokota (2006 e 2008), Fei e Ranis (1997) estabelecem, então, a existência de 4 possíveis TP: commercialization point; reversal point; export substitution point; e switching point. O primeiro (commercialization point) é idêntico ao primeiro TP de Lewis, o segundo (reversal point) é o ponto no qual o setor tradicional observa uma redução absoluta em sua força de trabalho (segundo TP de Lewis), o terceiro (export substitution point) é o ponto no qual, após passar por um processo de substituição de importações, a economia dual passa a exportar produtos de maior valor agregado (oriundos de manufaturas trabalho intensivas) ao invés de bens agrícolas e commodities. Por fim, ocorre o quarto (switiching point), no qual o país passa a ser importador líquido de bens agrícolas. Os dois últimos TPs apresentados por FR (aqueles que não se enquadram nos TPs originais de Lewis) são relacionados a casos particulares, porém denotam as possíveis ramificações de resultados que o modelo de Lewis pode sofrer ao ser observado em economias abertas.
FR ressaltam que o impacto positivo da entrada de capitais na economia pode ser anulado por políticas erradas, como o favorecimento de uma industrialização capital intensiva, impedindo o total aproveitamento da existência de trabalho abundante. Quanto à tecnologia, FR argumentam (e desenvolvem um modelo sobre) que o desenvolvimento de tecnologia 'apropriada' às características produtivas do país é essencial para acelerar o TP (normalmente tecnologia enviesada para o trabalho).
A predição mais importante do modelo de Lewis é o que acontece com a curva de salários do setor moderno. O modelo afirma que a curva salarial do setor moderno se manterá essencialmente horizontal (ou muito próxima disso) por muito tempo até que o excesso de mão de obra no setor tradicional tenha sido absorvido pelo setor moderno. O ponto no qual o excesso de mão de obra se esgota e a curva de salários do setor moderno começa a subir (deixa de ser horizontalizada) é conhecido como primeiro TP. O quanto é "muito tempo" e quão horizontal significa "essencialmente horizontal" são questões de disputa, porém de menor de importância.
2.3 Os cinco critérios de Minami
Dentre os diversos pesquisadores que se defrontaram com os dilemas apresentados e aplicaram empiricamente o modelo de Lewis, uma série de trabalhos destacados por Islam e Yokota (2008) e Fang e Yang (2014) são os de Minami (1973) para o Japão.
Minami estabelece um passo a passo para o teste empírico do modelo de Lewis, que deve ser aplicado segundo cinco critérios: (I) comparação entre os salários e produto marginal do trabalho no setor tradicional; (II) correlação entre salários e produtividade marginal do trabalho no setor tradicional; (III) movimentos dos salários reais no setor tradicional; (IV) mudanças no diferencial de salário (entre trabalho qualificado e não qualificado); e (V) elasticidade da oferta de trabalho do setor tradicional para o setor moderno.
Segundo Islam e Yokota (2008), o CM-I (primeiro critério de Minami) oferece o teste mais rigoroso do TP e domina os critérios dois e três (CM-II e CM-III). Portanto um TP de Lewis que satisfaça o primeiro critério irá satisfazê-los. Já de acordo com Fang e Yang (2014) o CM-I é muito restrito e dificilmente testável empiricamente e, portanto, deve-se dar enfoque aos CM-III e CM-IV para pesquisas empíricas que visem analisar se uma economia está se aproximando do TP de Lewis.
A lista de Minami também mostra que, para identificar o TP, é dada ênfase no setor tradicional da economia. Os motivos seriam: (i) a sequencia lógica e cronológica de resposta da curva de salários do setor tradicional precedendo a resposta da curva de salários do setor moderno; e (ii) a relação entre produto marginal do trabalho e salários no setor tradicional seria o principal mecanismo por trás do TP.
Minami também afirma, segundo os autores, que é possível distinguir três setores na economia: setor moderno, semi-moderno e tradicional. E observa que são os empregos dos setores tradicional e semi-moderno que podem ser substituídos por trabalho do setor agrícola, em contraste o trabalho do setor moderno (que requer maior treinamento e capacitação) não pode ser substituído por trabalho agrícola.
2.4 Aplicações empíricas do modelo de Lewis: o turning point chinês
A partir dos anos 2000 diversos trabalhos começam a ser desenvolvidos para testar a ocorrência – ou aproximação – de um TP de Lewis na economia da China. A seguir alguns deles serão apresentados.
Islam e Yokota (2006) analisam o comportamento das curvas de salários na China. O primeiro obstáculo enfrentado pelos autores é a definição de setor tradicional e moderno da economia chinesa. Para a pesquisa são definidos como moderno e tradicional os setores secundário e primário, respectivamente. Então os autores observam as variações no PIB, volume de empregos, produtividade e curvas de salários destes setores. Da comparação entre os salários dos setores primário e secundário é possível analisar o hiato salarial entre os trabalhadores do setor tradicional e do setor moderno. Então os autores empregam a decomposição de Fei e Ranis, estimando o crescimento do emprego no setor moderno como função do crescimento do capital, do viés pró-trabalho da mudança tecnológica e do crescimento da produtividade total dos fatores. Após isto os autores exploram a desigualdade de rendimentos entre províncias e regiões do país, selecionam duas das províncias mais pobres e duas das mais ricas e analisam os salários industriais destas ao longo do tempo. Por fim os autores estimam uma função produção do tipo log-log separando o fator capital em duas variáveis: capital doméstico e capital importado.
As conclusões de Islam e Yokota (2006) apontam que o comportamento dos salários em todos os setores da economia Chinesa atende o esperado pelo modelo de Lewis: constantes por longo período de tempo, ascendentes após determinado ponto. O TP é mais acentuado para os setores secundário e terciário, como esperado pelos autores. Este resultado parece ser valido tanto para províncias mais ricas quanto para províncias mais pobres, no entanto se mostra mais acentuado nas províncias mais ricas. Os autores afirmam que países subdesenvolvidos parecem incorporar as hipóteses de Lewis, no que tange serem caracterizados como economias duais, ao invés de possuírem características tipicamente neoclássicas de mobilidade perfeita e equalização de retornos marginais entre setores.
Em Islam e Yokota (2008), os autores testam o CM-I ao comparar o produto marginal do trabalho e o nível de salários no setor tradicional. Como setor tradicional, para a China, os autores definiram a agricultura (descartaram o setor 'rural' por este englobar empresas situadas em meios rurais). Islam e Yokota (2008) estimam, então, uma função produção para a agricultura cuja variável dependente é 'valor agregado' ao invés de produto total e as variáveis independentes são: terra, trabalho, capital e produtividade total dos fatores. São também inseridas variáveis binárias para cada região da China, com o intuito de separar as diferenças de produtividade entre províncias. O deflator utilizado é o índice de preços ao consumidor. Após superar todos os problemas relacionados à estimação de uma função produção e encontrar a produtividade marginal do trabalho, os autores multiplicam o coeficiente do trabalho pelo produto total para encontrar o produto marginal do trabalho.
Após isto os autores calculam o salário real e realizam a comparação do produto marginal do trabalho com o salário real, e avaliam se o primeiro está crescendo a taxas superiores que o segundo. Os resultados encontrados são positivos com relação às previsões do modelo de Lewis.
Os resultados da aplicação empírica do modelo de Lewis para a China por meio do CM-I mostraram que o produto marginal do trabalho tem crescido a taxas mais rápidas que os salários – no setor tradicional – reduzindo, assim, o hiato entre as duas variáveis. Ou seja, o produto marginal do trabalho está se aproximando, de baixo para cima, do salário no setor tradicional da economia chinesa. Isso corrobora a hipótese de que a China está se movendo lentamente ao turning point de Lewis.
Já Fang e Yang (2014) abordam a variação no número de trabalhadores residentes urbanos e migrantes, composição da PIA e da PEA e a variação dos salários de várias classes de trabalhadores. Principalmente os salários de: trabalhadores sem qualificação e semiqualificados; migrantes; e salários pagos aos trabalhadores da agricultura.
Os autores então partem para a estratégia de observar a convergência salarial no mercado de trabalho: observam as taxas de crescimento do salário para trabalhadores imigrantes qualificados e não qualificados; taxas de crescimento do salário no período 2001-2010 entre trabalhadores com salários baixos e salários altos no ano base; comparação dos coeficientes entre equações mincerianas para o retorno da educação para trabalhadores migrantes qualificados e não qualificados. Fang e Yang (2014) também realizam estas observações ao comparar trabalhadores migrantes e não migrantes e trabalhadores de diferentes regiões. Basicamente o foco é observar a convergência salarial que pode ser causada pelo TP de Lewis.
Os autores concluem, afirmando que dificilmente se pode negar que a economia Chinesa tenha atingido um TP de Lewis, dado que o país saiu de uma situação com elevada oferta de trabalho para um cenário de demanda por trabalhadores cujas taxas de crescimento são superiores às taxas de crescimento da oferta de trabalhadores. Os autores questionam então a possibilidade de ser atingir um Kuznets turning point (ponto no qual o crescimento econômico deixa de ser concentrador e passa a ser agente de distribuição de renda). Os autores também salientam que atingir o TP de Kuznets não é algo espontâneo e depende largamente do amadurecimento das instituições do mercado de trabalho.
Fang e Yang (2014) também dão ênfase às instituições do mercado de trabalho que podem vir a favorecer, possibilitar e até mesmo acelerar o TP de Kuznets. O papel do governo, principalmente em promover organizações sindicais saudáveis e facilitar negociações salariais harmoniosas é vital para que se atinja o TP de Kuznets.
Por fim, outro fator importante levantado por Fang e Yang (2014) é o poder do consumo (e do aumento do consumo gerado ao se atravessar os TPs tanto de Lewis quanto de Kuznets) em trazer desenvolvimento a um país.
3. Aplicação empírica do modelo de Lewis no Brasil
Segundo Islam e Yokota (2006; 2008) existem alguns problemas quando da aplicação empírica do modelo de crescimento de Lewis: dificuldade em definir o setor moderno e tradicional da economia; definição do tipo de mão de obra a ser observado; definição do salário real; e problemas econométricos, tanto conceituais quanto técnicos, que podem surgir durante a aplicação.
Para o caso da China, Islam e Yokota (2006; 2008) estabelecem como setor tradicional a agricultura (setor primário) e como setor moderno a indústria (setor secundário). No entanto, em alguns pontos, os autores analisam também os setores de comércio e serviços (setor terciário), considerando-os como um setor semi-moderno. Fang e Yang (2014) focam principalmente na análise dos trabalhadores migrantes e não migrantes urbanos, suas variações salariais e características.
As aplicações de Islam e Yokota (2006; 2008) e Fang e Yang (2014) se justificam graças ao fenômeno pelo qual a China passou desde meados dos anos 1990 até o fim dos anos 2000: um massivo êxodo rural, com uma grande massa trabalhadora migrando do meio rural (e abandonando ocupações agrícolas) para o meio urbano, ocupando indústrias e empresas do setor terciário.
No Brasil, no entanto, na primeira década do século XXI o emprego agrícola e extrativista apresentou, sim, migração para atividades urbanas, mas em menor magnitude. Durante o mesmo período, porém, o setor formal brasileiro apresentou crescimento regular enquanto observou-se redução da informalidade. Concomitantemente houve ampliação de políticas de transferência de renda por parte do governo e valorização constante do salário mínimo. Práticas estas que favoreceram os trabalhadores mais pobres em termos de renda.
Considerando estes fatores, a estratégia empírica desta pesquisa, dado o seu caráter ensaístico, será a de analisar a composição e o padrão salarial dos trabalhadores brasileiros qualificados e não qualificados quando segmentados segundo seu meio de residência (urbanos ou rurais), por tipos de ocupação (trabalhadores agrícolas, trabalhadores da produção e trabalhadores não agrícolas), por setores (agricultura, indústria de transformação, indústria de construção, serviços), e forma de inserção no mercado de trabalho (formais e informais) para o ano 2002 e compará-los com o ano 2013. As diversas óticas aqui adotadas permitirão analisar quais seriam os segmentos e tipos de trabalhadores que melhor se enquadrariam como trabalhadores dos setores modernos e tradicionais.
A base de dados utilizada para tal é a PNAD dos respectivos anos. Esta base foi escolhida, em detrimento de informações das contas nacionais, dada a possibilidade de observação de dados individualizados dos trabalhadores e, portanto, a separação dos trabalhadores por escolaridade, rendimento, formalidade, meio de residência, setor, tipo de ocupação e demais informações que possam vir a ser importantes para a análise.
Na tabela 1 é apresentada a composição da força de trabalho quando dividida entre trabalhadores urbanos e rurais, trabalhadores agrícolas e não agrícolas (com destaque, também, para os trabalhadores da produção), trabalhadores dos setores de agricultura, indústria, construção e serviços e, por fim, trabalhadores segundo sua forma de inserção no mercado de trabalho. Os trabalhadores não qualificados são aqueles com ensino fundamental incompleto ou abaixo, enquanto que os trabalhadores qualificados são aqueles com ensino fundamental completo ou acima. Os dados apresentados são referentes aos anos de 2002 e 2013 (os salários de 2002 foram inflacionados para 2013 com base no IPC-A), Para a separação dos trabalhadores, conforme sua forma de inserção no mercado de trabalho foram considerados como trabalhadores formais, além dos empregados com carteira assinada, os trabalhadores autônomos e por conta própria que haviam contribuído, ao menos nos anos aqui observados, com o sistema de previdência social.
Entre os trabalhadores não qualificados, cujas características são de informalidade e trabalho ruralizado, é possível ver um sensível aumento: da urbanização, das ocupações não agrícolas e do emprego em setores além da agricultura entre 2002 e 2013. É notável também que a informalidade entre estes trabalhadores parte de proporções muito elevadas em 2002 e se reduz em, aproximadamente, 25% no ano de 2013.
Quanto aos trabalhadores qualificados, estes já apresentavam elevado grau de urbanização e inserção em ocupações e setores não agrícolas em 2002, no entanto também passaram por um processo de urbanização entre os anos observados. Quanto à forma de inserção no mercado de trabalho, os trabalhadores qualificados já apresentavam maior grau de formalização do que os trabalhadores não qualificados em 2002. Ao longo do período a mão de obra qualificada, assim como a não qualificada, apresentou crescimento em sua formalização, porém de forma menos acentuada do que o observado entre os trabalhadores não qualificados.
Tabela 1 – Composição dos trabalhadores qualificados e não qualificados por meio de residência, ocupação, setor e forma de inserção no mercado de trabalho em 2002 e 2013.
Composição dos trabalhadores


Não qualificados
Qualificados

2002
2013
2002
2013
Por meio de residência (%)
Urbano
51,27
76,03
87,43
92,97
Rural
48,73
23,97
12,57
7,03
Por tipo de ocupação (%)
Agrícolas
51,86
22,67
12,19
3,71
Não agrícolas
48,14
77,33
87,81
96,29
Da produção
21,08
36,70
29,54
24,91
Por tipo de setor (%)
Agricultura
52,43
22,88
12,41
3,91
Indústria
9,41
12,58
17,90
17,41
Construção
8,15
17,24
8,93
7,63
Serviços
30,00
47,30
60,77
71,04
Por forma de inserção no mercado de trabalho (%)
Formal
16,92
38,84
54,15
68,21
Informal
83,08
61,16
45,85
31,79
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da PNAD de 2002 e 2013
Estes resultados indicam que, para os trabalhadores não qualificados, os setores, ocupações e meios de residência rurais parecem se enquadrar no que Lewis chama de setor tradicional. No entanto ainda se faz necessário observar o padrão de remuneração dos trabalhadores inseridos nestes meios.
Na tabela 2 são apresentados os dados acerca dos salários médios dos trabalhadores separados por meio de residência, tipo de ocupação, tipo de setor e forma de inserção no mercado de trabalho. A diferença percentual chamada de 'bônus por qualificação' é resultado da divisão entre o salário médio dos trabalhadores qualificados pelo salário médio dos trabalhadores não qualificados e a ultima coluna da tabela apresenta a variação do bônus por qualificação, em pontos percentuais, entre 2002 e 2013.
De acordo com os resultados, é nítido que o ganho salarial dos trabalhadores qualificados sobre os trabalhadores não qualificados se reduziu entre 2002 e 2013, indiferente à ótica adotada (residência, ocupação, setorial, formalização). As maiores reduções do bônus por qualificação se encontram no setor da indústria de transformação, entre os trabalhadores urbanos e entre os trabalhadores informais. É provável que, entre os trabalhadores informais, aqueles que observaram a maior redução do bônus por qualificação sejam os residentes em meio urbano. Isto se configura como um indicativo de que, no Brasil, a divisão de setor moderno e tradicional possa ser transposta para a divisão entre setor formal e informal da economia.
Tabela 2 – Médias salariais e bônus por qualificação dos trabalhadores qualificados e não qualificados, por meio de residência, tipo de ocupação, tipo de setor e forma de inserção no mercado de trabalho, 2002 e 2013.

Não qualificados
Qualificados
Bônus por qualificação (%)
Trabalhadores:
2002
2013
2002
2013
2002
2013
Δ
Por meio de residência
Urbanos
447,70
995,94
1.295,49
1.815,60
189
82
-107
Rurais
304,49
756,45
628,74
1.136,18
106
50
-56
Por tipo de ocupação
Agrícolas
293,91
781,94
725,16
1.568,18
147
101
-46
Não agrícolas
467,22
983,85
1.278,78
1.774,52
174
80
-94
Da produção
542,83
1.121,72
969,49
1.422,01
79
27
-52
Por tipo de setor
Agricultura
299,97
788,92
738,96
1.602,70
146
103
-43
Indústria de transformação
401,66
982,20
1.338,60
1.820,88
233
85
-148
Construção civil
536,82
1.124,73
1.024,18
1.753,33
91
56
-35
Comercio e serviços
460,81
930,65
1.297,87
1.764,08
182
90
-92
Por forma de inserção no mercado de trabalho
Formais
746,29
1.223,85
1.608,77
2.000,52
116
63
-53
Informais
305,63
746,18
817,51
1.240,38
167
66
-101
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Nota: em valores de 2013
A tabela 3 apresenta, com base nos salários médios dos trabalhadores, o bônus salarial entre categorias para os dois anos estudados. Foram comparados os trabalhadores urbanos com os trabalhadores rurais, os trabalhadores não agrícolas e da produção com os trabalhadores agrícolas, os trabalhadores da indústria e dos serviços com os trabalhadores da agricultura e os trabalhadores formais com os informais.
Tabela 3 – Ganho salarial entre categorias de trabalhadores, por qualificação, em 2002 e 2013

Não Qualificados
Qualificados

2002
2013
Δ
2002
2013
Δ
Bônus sobre trabalhadores rurais (%)
Urbano/Rural
47
32
-15
106
60
-46
Comparação entre ocupações (%)
Não Agrícolas/Agrícolas
59
26
-33
76
13
-63
Da produção/Agrícolas
85
43
-41
34
-09
-43
Comparação entre setores (%)
Indústria/Agricultura
34
24
-9
81
14
-68
Construção/Agricultura
79
43
-36
39
09
-29
Serviços/Agricultura
54
18
-36
76
10
-66
Comparação por formalização (%)
Formal/Informal
144
64
-80
97
61
-36
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Entre os trabalhadores não qualificados, a maior redução em pontos percentuais entre os anos 2002 e 2013 foi para a comparação entre trabalhadores formais e informais. Já para os trabalhadores qualificados, as maiores reduções em pontos percentuais são observadas nas comparações entre trabalhadores não agrícolas e agrícolas e entre trabalhadores tanto da indústria e dos serviços com os trabalhadores da agricultura. Portanto, entre os menos escolarizados a maior redução de hiato salarial foi por meio da formalização, enquanto que entre os escolarizados a maior redução do hiato salarial foi funcional (ocupacional e setorial).
Em termos de valores absolutos, o hiato salarial entre trabalhadores formais e informais (tanto qualificados e não qualificados) e o hiato salarial entre trabalhadores urbanos e rurais qualificados se manteve elevado em 2013, diferentemente dos demais hiatos que ficaram abaixo de 20% para os trabalhadores qualificados e abaixo de 50% para os não qualificados.
Ao analisar conjuntamente os dados das tabelas 1, 2, e 3, existem evidências de que o setor tradicional da economia brasileira possa ser considerado como o setor rural ou o setor informal, enquanto que o setor moderno pode ser visto como o setor urbano ou setor formal. Quanto ao turning point, ainda é inconclusivo dizer se o país estaria a caminho do primeiro TP de Lewis, mesmo a despeito de ser nítida a redução dos hiatos salariais entre os setores tradicional e moderno para trabalhadores com a mesma qualificação e entre trabalhadores qualificados e não qualificados, uma vez que estes hiatos são calculados com base nas médias salariais e não em salários estimados.
A seguir, para melhor analisar a estrutura de formação dos salários na economia brasileira, será elaborado um modelo de determinação salarial de Mincer (1974).
A forma funcional do modelo é a seguinte:
Lnw= β0+β1Exp+β2Exp²+β3H+β4B+ μ (1)
No qual: Lnw representa o log do salário hora do trabalhador i, Exp representa os anos de experiência estimada do trabalhador (obtida pela subtração da idade pela idade em que começou a trabalhar), Exp² representa o número de anos de experiência do trabalhador ao quadrado (com o intuito de captar o efeito de longo prazo da experiência), H é uma variável binária que representa o sexo do trabalhador (1 para homem, 0 para mulher) e B é uma variável binária para cor da pele do trabalhador (1 para branco, 0 para preto ou pardo). Os trabalhadores indígenas e amarelos foram excluídos da amostra devido à sua baixa representatividade.
Este modelo foi aplicado para quatro grupos de trabalhadores: trabalhadores qualificados do setor tradicional, trabalhadores não qualificados do setor tradicional, trabalhadores qualificados do setor moderno e trabalhadores não qualificados do setor moderno. Para a divisão dos setores entre moderno e tradicional, optou-se por segmentar os trabalhadores de duas formas: entre urbanos e rurais; e entre trabalhadores formais e informais. Normalmente equações mincerianas têm como variáveis independentes os anos de estudos dos trabalhadores, binárias para as ocupações, binárias para setores de atividade e binárias para as regiões. No entanto, devido à forma de separação dos grupos de trabalhadores, as variáveis referentes aos anos de estudo, ocupações e setores tiveram de ser excluídas. Já as variáveis referentes às regiões do país não puderam ser incluídas ao modelo devido ao baixo número amostral de alguns grupos de trabalhadores.
Para este trabalho será dada ênfase ao coeficiente estimado para a variável "anos de experiência", pois ela está diretamente ligada à produtividade do trabalhador. Os coeficientes estimados por meio de equações mincerianas devem ser interpretados como ganhos percentuais sobre o salário. Ou seja, o coeficiente referente aos anos de experiência do trabalhador, quando multiplicado por 100, deve ser entendido como o ganho percentual de salário que o indivíduo observa a cada ano a mais de experiência que obtiver.
Na tabela 4 são apresentadas as equações de determinação salarial dos trabalhadores qualificados e não qualificados segundo a primeira forma de divisão da economia brasileira em setor moderno e tradicional (urbano e rural). Os resultados mostram que os trabalhadores urbanos possuem maior ganho por ano de experiência do que os trabalhadores rurais, indiferente do grau de qualificação e do ano observado.
Tabela 4 – Estrutura de determinação de salários dos trabalhadores urbanos e rurais, segundo seu grau de qualificação, em 2002 e 2013.

Urbano
Rural

Não qualificados
Qualificados
Não qualificados
Qualificados
Coeficientes
2002
2013
2002
2013
2002
2013
2002
2013
Experiência
0,0342*
0,0278*
0,0374*
0,0342*
0,0323**
0,0158*
0,0144*
0,0238*
Experiência²
-0,0005*
-0,0004*
-0,0006*
-0,0004*
-0,0005**
-0,0002*
-0,0002*
-0,0003*
Pele branca
0,2452*
0,2090*
0,4705*
0,3146*
0,2557*
0,3058*
0,4257*
0,2598*
Masculino
0,2282*
0,2749*
0,1871*
0,1862*
0,4846*
0,1705*
0,0182
0,0653*
Constante
0,0684
0,9788*
0,7568*
1,4164*
-0,7179**
0,7232*
0,4772*
1,1991*
Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
Com relação à comparação entre os anos observados, percebe-se menor retorno à experiência do trabalhador não qualificado no meio urbano e rural, estabilidade do retorno para trabalhadores qualificados no meio urbano e aumento do retorno para trabalhadores qualificados no meio rural.
A tabela 5 apresenta as equações de determinação salarial para os trabalhadores qualificados e não qualificados de acordo com a segunda forma de divisão da economia brasileira em setor moderno e tradicional (formal e informal). Os resultados mostram que os trabalhadores não qualificados do setor formal tem retorno salarial da experiência próximo ao retorno dos trabalhadores não qualificados do setor informal em 2002 e este retorno se torna inferior ao dos trabalhadores informais não qualificados em 2013. No entanto os trabalhadores qualificados do setor formal auferem ganhos maiores a cada ano de experiência do que os trabalhadores qualificados do setor informal, para os dois anos observados.
Tabela 5 – Estrutura de determinação de salários dos trabalhadores formais e informais, segundo seu grau de qualificação, em 2002 e 2013.

Formal
Informal

Não qualificados
Qualificados
Não qualificados
Qualificados
Coeficientes
2002
2013
2002
2013
2002
2013
2002
2013
Experiência
0,0250**
0,0127*
0,0361*
0,0318*
0,0230**
0,0191*
0,0241*
0,0253*
Experiência²
-0,0003
-0,0001*
-0,0005*
-0,0004*
-0,0003*
-0,0003*
-0,0004*
-0,0003*
Pele branca
0,2000**
0,1370*
0,4023*
0,2690*
0,2000*
0,2402*
0,4066*
0,3274*
Masculino
0,2131*
0,2281*
0,1121*
0,1438*
0,1527**
0,1445*
0,1275*
0,1888*
Constante
0,5321**
1,3358*
1,0256*
1,5393*
-0,0923
0,8935*
0,5997*
1,2440*
Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
A comparação do retorno salarial da experiência entre os anos mostra que os valores diminuíram para os trabalhadores formais (qualificados e não qualificados) e para os trabalhadores não qualificados informais. Apenas os trabalhadores qualificados do setor informal observaram incremento do seu ganho percentual por ano de experiência.
As equações de determinação de salário, per se, não proporcionam muito além de mostrar a estrutura de determinação salarial e são de pouca relevância para a análise de um turning point de Lewis. No entanto, uma vez estimadas, estas equações abrem a possibilidade de que sejam analisadas através do método de decomposição de diferenciais de salários.
O método de decomposição de diferencial de salários entre equações mincerianas foi formalizado por Oaxaca (1973) e Blinder (1973), porém sua aplicação também pode ser encontrada em Langoni (1973) e em diversos outros trabalhos empíricos ao longo do tempo.
Este método, basicamente, permite que se analise a diferença salarial entre dois grupos (por meio da subtração de uma equação minceriana de um grupo para o outro) e que esta diferença seja decomposta entre parcela explicada pelas dissimilaridades dotacionais dos indivíduos (diferenças nas variáveis exógenas dos modelos) e dissimilaridades nas remunerações relativas, ou, dissimilaridades na valorização conferida a estes indivíduos pelo mercado (diferenças nos coeficientes estimados).
A forma final do método é a seguinte:
Σ Zvβv- Σ Zdβd= ΣΔZβv+ ΣZdΔβ (2)
Na qual Zv e Zd é o conjunto de variáveis exógenas, inseridas nas equações mincerianas, dos trabalhadores considerados em vantagem e desvantagem salarial, respectivamente e βv e βd são os coeficientes estimados nas equações mincerianas para os trabalhadores em vantagem e desvantagem salarial, respectivamente. O lado esquerdo da equação (2), (Σ Zvβv- Σ Zdβd), representa a diferença salarial total, o primeiro termo do lado direito, ΣΔZβv, é a parcela da diferença salarial entre os trabalhadores em vantagem e em desvantagem que pode ser explicada pelas diferentes dotações entre os grupos e o segundo termo do lado direito, ΣZdΔβ, é a parcela da diferença salarial entre os grupos de trabalhadores que não pode ser explicada pelas dotações dos trabalhadores.
Quando a decomposição de diferenciais salariais foi aplicada por Oaxaca (1973) e Blinder (1973) entre homens e mulheres, a parcela não explicada do diferencial salarial foi chamada de discriminação de gênero, quando Langoni (1973) aplicou este método intertemporalmente entre trabalhadores dos anos 1960 e 1970, a diferença não explicada foi atribuída à mudança das remunerações relativas causada pelo crescimento econômico do período, Hersen (2009) aplicou o método entre trabalhadores de regiões metropolitanas e não metropolitanas, para encontrar o efeito das aglomerações urbanas sobre os salários, Margonato, Souza e Nascimento (2014) empregam a decomposição para encontrar o bônus ocupacional sobre os salários e Fiuza-Moura (2015) utiliza a decomposição de diferenciais entre segmentos de intensidade tecnológica da indústria para encontrar o bônus da tecnologia sobre os salários.
Neste trabalho as decomposições são aplicadas entre trabalhadores qualificados e não qualificados, tanto para os trabalhadores considerados do setor moderno (urbanos e formais) quanto para os trabalhadores considerados do setor tradicional (rurais e informais), para observar o comportamento do hiato salarial por qualificação (denominação dada à diferença salarial não explicada, neste caso) entre 2002 e 2013. Caso tenha havido redução, será indício de aproximação do turning point de Lewis, segundo o CM-IV (quarto critério de Minami).
Outra aplicação das decomposições realizada neste trabalho é a comparação, considerando apenas trabalhadores não qualificados, entre os salários dos setores modernos (urbano e formal) e dos setores tradicionais (rural e informal). Neste caso será observado o hiato salarial de Lewis, nome dado à diferença salarial não explicada entre o setor moderno e tradicional, diferença esta que se configura como aquela mencionada por Lewis que deveria ser suficiente para atrair mão de obra do setor tradicional para o moderno e que se reduziria conforme a economia se aproximasse do turning point.
Quando aplicado o método de decomposição salarial, por este ser um método que decompõe a diferença entre duas variáveis que estão sob a forma de logaritmo natural (as variáveis endógenas das equações mincerianas), os coeficientes calculados aparecem na forma de números brutos, impossibilitando a comparação entre diferentes decomposições e de decomposições aplicadas a outros pontos no tempo. Para tornar os resultados comparáveis e de fácil interpretação, deve-se aplicar o antilogarítmo nos coeficientes calculados. Os resultados então ficarão sob a forma percentual.
Os resultados na forma percentual devem ser interpretados da seguinte forma: a diferença explicada é a mudança percentual no salário que o grupo de trabalhadores em desvantagem (trabalhadores não qualificados ou trabalhadores do setor tradicional, neste ensaio) observaria caso tivesse as mesmas características que o grupo em vantagem (trabalhadores qualificados ou trabalhadores do setor moderno, neste ensaio); a diferença não explicada é o ganho salarial que o grupo de trabalhadores em desvantagem observaria caso não houvesse hiato salarial por qualificação (para casos de comparação entre trabalhadores qualificados e não qualificados) ou hiato salarial de Lewis (para casos de comparação entre trabalhadores do setor moderno e do setor tradicional); e, por fim, a diferença total indica a diferença salarial bruta dos trabalhadores em vantagem sobre os trabalhadores em desvantagem.
Supondo corretas as definições de setor moderno/tradicional, de salário real e de trabalhadores qualificados/não qualificados, quanto mais próximo de zero ficar o hiato salarial por qualificação e o hiato salarial de Lewis, aqui apresentados, provavelmente mais próxima a economia brasileira se encontrará do turning point.
A tabela 6 apresenta a decomposição de diferenciais de salários entre trabalhadores qualificados e não qualificados, segundo os conceitos de setor moderno e tradicional adotados neste ensaio. A decomposição entre trabalhadores qualificados e não qualificados no meio urbano apresentou uma redução de, aproximadamente, 47 pontos percentuais no hiato salarial por qualificação, enquanto que no meio rural esta redução foi de, aproximadamente, 34 pontos percentuais. Já a decomposição salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados formais apresentou redução do hiato salarial por qualificação de, aproximadamente, 32 pontos percentuais e, para os trabalhadores informais esta redução foi de, aproximadamente, 53 pontos percentuais.
Tabela 6 – Decomposição de diferenciais de salários entre trabalhadores qualificados e não qualificados, divididos segundo os conceitos de setores tradicionais e modernos, em 2002 e 2013
Grupos
Diferença Explicada
Hiato salarial por qualificação (%)
Diferença Total (%)

2002
2013
2002
2013
2002
2013
Urbanos
-1,81
-5,69*
122,14*
74,84*
118,13*
64,90*
Rurais
-3,77
-5,81*
100,15*
66,20*
92,62*
56,56*
Formais
-7,55
-8,37*
95,67*
62,29*
80,90*
48,71*
Informais
-1,18
-3,57*
121,17*
68,35*
118,56*
62,35*
Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
Estes resultados apontam que houve redução do hiato salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados na economia brasileira entre 2002 e 2013, independente da forma de classificação dos setores moderno/tradicional, e que, portanto, existem indícios de que a economia brasileira esteja se aproximando do turning point de Lewis.
Na tabela 7 são apresentadas as decomposições salariais entre trabalhadores urbanos e rurais e entre trabalhadores formais e informais, considerando apenas a força de trabalho não qualificada. Ou seja, é decomposto o hiato salarial entre o setor moderno e tradicional da economia brasileira apenas com relação à mão de obra de fácil substituição.
De acordo com os resultados, observa-se que houve redução de, aproximadamente, 37 pontos percentuais no hiato salarial de Lewis quando considerado como setor moderno o meio urbano e como setor tradicional o meio rural. Ao considerar como moderno e tradicional os segmentos formal e informal da economia, respectivamente, o hiato salarial se reduz em 66 pontos percentuais no período observado.
Tabela 7 – Decomposição de diferenciais de salários entre o os setores urbano e rural e entre os setores formal e informal, considerando apenas trabalhadores não qualificados, em 2002 e 2013
Grupos
Diferença Explicada
Hiato salarial de Lewis (%)
Diferença Total (%)

2002
2013
2002
2013
2002
2013
Urbano/Rural
-8,70*
-1,90*
89,81*
52,05*
73,30*
49,17*
Formal/Informal
3,66**
5,25*
120,23*
53,99*
128,29*
62,09*
Fonte: Calculado pelo autor com base nos dados da PNAD de 2002 e 2013
Nota: * representa significância a 1% e ** representa significância a 5%, coeficientes sem asteriscos não foram significativos.
Novamente, uma vez que o hiato salarial entre setor moderno e tradicional da economia brasileira vem se reduzindo (em ambas as óticas adotadas neste trabalho), há um indício de que a economia brasileira vem rumando ao turning point de Lewis.
No entanto é necessário ressaltar que resultados conclusivos podem ser obtidos apenas através de uma análise mais aprofundada, que além de considerar o hiato salarial entre o setor tradicional e moderno da economia e atender o CM-IV, comtemple também os demais critérios de Minami e observe os salários da economia ano a ano, analisando as curvas de salário e não se limitando à análise de dois pontos no tempo.
4. Considerações finais
Este trabalho teve por objetivo observar o mercado de trabalho sob a ótica do modelo de mercados duais de Lewis. Segundo o modelo de Lewis, economias subdesenvolvidas são divididas em dois setores, um setor moderno com características capitalistas no qual o produto marginal do trabalho e os salários são iguais e cuja oferta de mão de obra é ilimitada, e o setor tradicional no qual a transferência de trabalhadores deste setor para o setor moderno não causa inflação salarial.
A partir do momento em que a mão de obra deixar de ser abundante no setor tradicional e, portanto, a oferta de trabalhadores no setor moderno deixar de ser ilimitada e assumir um valor entre zero e infinito, haverá elevação salarial (inicialmente no setor tradicional, posteriormente no setor moderno) e estreitamento do hiato salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados e entre trabalhadores do setor moderno e tradicional.
Inicialmente, neste ensaio, foram observados os trabalhadores (em termos de composição e remuneração média) qualificados e não qualificados, segundo meio de residência, tipo de ocupação, setor de atividade e formalização.
Em termos de composição, observou-se que a força de trabalho brasileira passou por um notável processo de formalização e, em menor escala, por um processo de urbanização entre 2002 e 2013. Concomitantemente houve sensível redução das diferenças nos salários médios dos trabalhadores formais sobre os informais e dos trabalhadores urbanizados (seja em termos de residência, ocupação ou setor) sobre os rurais, tanto qualificados quanto não qualificados. Com base nestes resultados parece sensato considerar que o setor formal e/ou o setor urbano da economia brasileira sejam vistos como o setor moderno enquanto que o setor informal e/ou o setor rural seja considerado o setor tradicional.
Para melhor inferir a mudança do hiato salarial entre os trabalhadores quando comparados por grau de qualificação e quando separados entre trabalhadores do setor moderno e tradicional, foram estimadas equações de determinação de salários e estas foram observadas conforme a técnica de decomposição de diferenciais salariais.
Corroborando o encontrado nas estatísticas descritivas, houve redução do hiato salarial por qualificação e do hiato salarial de Lewis, mesmo depois de controladas as demais características dos trabalhadores. Estes resultados configuram-se como indicativos de que o Brasil esteja se aproximando de seu turning point.
No entanto as limitações deste trabalho devem ser apontadas. A primeira limitação é referente à definição do setor tradicional e moderno da economia, uma vez que a definição é analítica e não descritiva e deve ser mais bem analisada. A segunda se refere à definição do salário real, que neste estudo foi deflacionado pelo IPC-A, mas que, de acordo com o Lewis, pode ser definido de diversas formas. A terceira se refere à observação de apenas dois pontos no tempo, enquanto que a análise ideal é focada na observação dos valores dos salários ano a ano, observando-se seu comportamento ao longo do tempo. A quarta limitação é que este trabalho contempla apenas o CM-IV, enquanto que o ideal seria a análise de todos os cinco critérios de Minami. A quinta limitação se refere a uma possível estimação do CM-I, uma vez que esta implica no cálculo do produto marginal do trabalho e este é impossível de se obter por meio da base de dados aplicada neste trabalho. Neste contexto é possível que um produto marginal do trabalho estimado, por exemplo, por meio das contas nacionais seja incompatível com os dados aqui estimados, devido às diferenças nas bases de dados. A sexta e última limitação se refere ao período observado (2002, 2013) dado que, para se obter uma melhor acurácia quanto à trajetória do país rumo ao turning point, é necessário que se observe um maior horizonte de tempo.
Estas limitações se incorporam, na verdade, em possibilidades de estudos futuros, principalmente estudos que contemplem dados anualizados, maior número de critérios de Minami e horizontes mais longos de tempo. A análise da aproximação de um turning point é importante para o cenário brasileiro principalmente se vista sob a luz dos acontecimentos históricos que marcaram (e marcam) as instituições do mercado de trabalho nacional.
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