Análise da Experiência do Jogador no World of Warcraft na Perspectiva da Psicologia Cognitiva: a atenção, a resolução de problemas e a aprendizagem por recompensa

May 30, 2017 | Autor: G. dos Passos Gav... | Categoria: Cognitive Science, Video Games and Learning, Videogames research, Videogames and Psychology
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Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016

Análise da Experiência do Jogador no World of Warcraft na Perspectiva da Psicologia Cognitiva: a atenção, a resolução de problemas e a aprendizagem por recompensa

Bruna Anastácio [email protected] Geovanna dos Passos [email protected] Patrícia Nunes Martins [email protected] Daniela Karine Ramos [email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo O presente trabalho analisa a experiência de um jogador no jogo eletrônico World of Warcraft, tomando com base alguns conceitos da Psicologia Cognitiva, para discutir o modo como a atenção, a capacidade de resolução de problemas e a aprendizagem por recompensa se manifestam na interação sujeito-jogo. O World of Warcraft tem elementos de Role Playing Games que são jogos de interpretação de personagens, baseados em regras, sistema de progressão de nível, administração de recursos, coleta de materiais, atividades em grupo ou individuais e missões. O estudo parte do relato da experiência que é tomado como objeto de análise com base na fundamentação teórica pautada em autores da Psicologia Cognitiva, como Matlin (2004), Gazzaniga e Heatherton (2005) e Lent (2005), e em autores que discutem os jogos eletrônicos, como McGonigal (2012), Gee (2003), Prensky (2012) 19 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 e Ramos (2013). A análise pauta-se no relato e observação de duas situações vivenciadas no ambiente do jogo. Dentre os resultados, a análise reforçou os jogos eletrônicos como ambientes de simulação que promovem experiências que exigem o uso das funções cognitivas, o que pode configurar-se como um exercício ao seu aprimoramento. Palavras Chave: videogame, cognição, aprendizagem.

Análise da Experiência do Jogador no World of Warcraft na Perspectiva da Psicologia Cognitiva: a atenção, a resolução de problemas e a aprendizagem por recompensa Abstract This paper analyses the experience of one player with the electronic game World of Warcraft relating aspects of cognitive Psychology. The study emphasizing problem solving when the player must use the perceptual processes such as attention to get your reward during the interaction with the game. The computer game World of Warcraft has some Role Playing Game elements that are interpretation of characters, rule-based, level progression system, resource management, gathering of materials, group activities or individual presenting challenges such missions. The report of the experience taken as the object of analysis, came from participant observation and literature review where the theoretical foundation sought authors of Neuroscience, Cognitive Psychology, as Matlin (2004), Gazzaniga and Heatherton (2005) and Ramos (2013) and authors that discussing electronic games, as McGonigal (2012), Gee (2003) and Prensky (2012). The analysis is guided in reporting and observation of two situations experienced in the game environment. Among the results, the analysis reinforced the electronic games as simulation environments that promote experiences that require the use of cognitive functions, which can be configured as an exercise to its improvement. Keywords: videogames, cognition, learning. 20 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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Introdução O presente trabalho discute a experiência como jogadora de uma das autoras no jogo World of Warcraft, um dos mais jogados na última década. Para tanto, a jogadora compartilhou as suas experiências que foram tomadas como objeto de análises, triangulada a partir da observação participativa e da fundação teórica. A discussão da experiência da jogadora norteia-se, principalmente, na fundamentação teórica com ênfase nos estudos da Psicologia Cognitiva, como Matlin (2004), Gazzaniga e Heatherton (2005) e Lent (2005) e outros que discutem os jogos eletrônicos, como McGonigal (2012), Gee (2003) e Prensky (2012) e Ramos (2013). Apresentamos aqui as nossas reflexões a partir da articulação da experiência empírica com o objetivo de relacionar a experiência de jogo eletrônico com aspectos da psicologia cognitiva, destacando-se a atenção, a capacidade de resolução de problemas e a aprendizagem por recompensa. A estrutura textual se compõe em quatro partes distintas, sendo que: na primeira, apresentamos duas situações vividas dentro do ambiente do jogo que vão servir de cenário para as partes seguintes; a segunda aborda as resoluções dos problemas encontramos no ambiente de jogo; a terceira discorre acerca da percepção e, por fim, as questões referentes a aprendizagem por recompensa. A partir disso, discutiremos a influência da resolução de problemas na percepção do jogador, que envolve a atenção, para obter êxito no jogo e na finalização da missão, o que pode resultar em aprendizagens.

Características do World of Warcraft (WoW) Jogar jogos eletrônicos pode não ser uma tarefa fácil de ser realizada, pois é necessário fazer um bom uso de determinadas habilidades para superação dos desafios. Os jogos da atualidade vêm apresentando um alto grau de complexidade desde as narrativas bem elaboradas, aos gráficos de alta resolução cada vez mais

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Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 verossímeis e as inúmeras teclas de atalho que possibilitam as ações a serem realizadas nos ambientes virtuais. A experiência de jogo refere-se ao relato de uma das autoras, jogadora assídua de World of Warcraft (WoW) desde 2012. O jogo foi lançado pela empresa Norte Americana Blizzard em 2004 e até o momento considerado um dos jogos mais importantes no gênero. A narrativa do jogo ocorre em Azeroth um planeta fictício que foi invadido por forças malignas, é habitado por duas facções a dos humanos e a dos orcs (seres antropomorfos) que lutam entre si para salvar o planeta do mal e dominá-lo. O jogo traz elementos dos Role Playing Games, que são jogos de interpretação de personagens baseados em regras, com sistema de progressão de nível, administração de recursos, coleta de materiais e produção de itens, atividades em grupo e missões. As missões ou tarefas do jogo variam entre o modo single player e multiplayer. Este último que exige a cooperação entre os jogadores para atingir objetivos comuns. Para acessar o World of Warcraft é necessário criar uma conta, comprar o jogo e pagar uma mensalidade. O gameplay requer grande habilidade motora e visual do jogador tendo em vista os inúmeros botões e informações presentes na interface do jogo para que possa, por exemplo, realizar movimentos, identificar inimigos e lançar magias. A experiência a ser analisada nesse jogo refere-se a duas situações vividas que interromperam fluxo de jogo no cumprimento de uma das missões aceitas . Essa interrupção se deu pelo fato da jogadora se deparar com problemas que não conseguia resolver, o que a impossibilitavam de atingir o objetivo da missão e, conseqüentemente, de receber sua recompensa. As missões constituem-se em tarefas oferecidas por um personagem do jogo que devem ser cumpridas. Dentre as motivações para o cumprimento da missão destacam-se as recompensas que podem ser obtidas, como: potes de vida; armaduras, armas; selos (que podem ser

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Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 trocados por itens), pontos de reputação na comunidade do jogo, conclusão de etapas de conquista e etc.

Uma arma de valor: a resolução de problemas Para Schuytema (2008, p. 7), os jogos eletrônicos são “atividades lúdicas que envolvem uma série de ações, decisões limitadas pelas regras e pelo mundo criado no jogo, as quais resultam em uma situação final”. Estas regras e o próprio mundo do jogo são representados graficamente e proporcionam uma estrutura e um contexto para as ações do jogador, envolvendo sistemas de desafios a fim de obter conquistas. Muitas são as tarefas e conquistas a serem realizadas no mundo virtual dos jogos em geral, neste caso específico, para a jogadora era obter o título de Mestre Historiadora. Apesar do World of Warcraft ser um jogo online com muitos jogadores e de caráter colaborativo, há atividades que podem ser realizadas de modo individual, cujo objetivo, além do aprimoramento da experiência do jogo, pode ser a obtenção de itens exclusivos, construção da identidade do personagem e reconhecimento do mesmo pela comunidade de jogadores. Em determinado ponto da sua trajetória individual em busca do título de Mestre Historiadora, a jogadora encontra com um personagem que lhe oferece uma missão com instruções sobre o local onde deveria ir e o item que deveria conseguir como recompensa. O texto dizia assim: Como pude ter um azar desses logo agora? A minha espada sumiu! Já ouvi os bardos contarem sobre viajantes que ofereciam jacintos do gelo a uma donzela solitária em troca de presentes. Esses jacintos crescem somente no gelo que sai do Dique da Muralha de Ferro, na divisa noroeste da Floresta do Canto Cristalino com a Coroa de Gelo. Colha as flores e leve-as ao círculo de lampiões no Lago Drak'Mar, no nordeste do Ermo das Serpes, perto de Zul'Drak e da Serra Gris. Pergunte à donzela solitária sobre uma espada de valor. (WOWHEAD, 2015, s/p)

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Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 Para resolver a missão, a jogadora viajou até o local em busca dos jacintos (flores), porém não obteve sucesso, pois não os encontrou surgindo então, o problema. Ao considerarmos a definição de Matlin (2004, p. 234) de que “os problemas têm três componentes: o estado inicial, o estado meta e os obstáculos”, podemos identificar que o estado inicial se deu quando a jogadora não conseguiu localizar as flores no mapa e percebeu que não alcançaria o objetivo sem encontrálas. Consequentemente, começou a traçar estratégias mentais para vencer os obstáculos que era, por exemplo, localizar as flores, na primeira estratégia realizou um vôo baixo (voar é uma das maneiras de se locomover no jogo) na região descrita na missão, a fim de favorecer uma visão panorâmica da área, mas não obteve sucesso. Em seguida, realizou uma vistoria terrestre, o que também foi falho. Retornou ao local onde havia o texto com a missão, releu mais de uma vez a descrição da missão, olhando atentamente o mapa retornou a região informada na missão. Mais uma vez não obteve sucesso, não foi possível encontrar no mapa imagens que seriam referentes à localização que deveria estar, ou seja, onde as flores de jacinto brotariam. Por fim, recorreu ao site Wowhead uma espécie de enciclopédia do jogo World of Warcraft (WoW) onde constam dicas e auxílio, com a intenção de encontrar alguma pista ou ajuda para encontrar os tais jacintos.

Figura 1. Jacintos. Fonte: Wowhead (2009). 24 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 O

estado

meta

foi

alcançado

após

a

obtenção

de

informações

complementares encontradas no site Wowhead e em vídeos do YouTube, os quais forneceram instruções que levaram a jogadora ao local onde estavam os jacintos de gelo e pode completar a missão. Assim, temos um exemplo de como a resolução de problemas é utilizada, ou seja, “[...] quando queremos atingir determinado objetivo, mas a solução não se apresenta imediatamente. Se ela se apresentar, não haverá problema” (MATLIN, 2004, p. 234). Como se tratava de um problema que não dependia do tempo cronológico, mas sim, da dedicação foi possível delinear e percorrer várias estratégias até que se esgotassem as possibilidades criativas da jogadora.

Histórias de destruição: desafios e recompensas Para alcançar o título de Mestre Historiadora após a obtenção das flores, faltava então apenas cumprir uma missão obrigatória. Assim, a dinâmica do jogo propunha a resolução de problemas sequenciais que envolviam o levantamento de hipóteses e estratégias para sua solução. Essas características do jogo podem ser associadas a capacidade de planejamento, a qual envolve o estabelecimento de uma estratégia sequencial para que um objetivo possa ser atingido (KRIKORIAN, BARTOK e GAY, 1994). Nesse sentido, a jogadora se depara com mais um obstáculo: localizar a última missão na região citada. No mapa do jogo era possível visualizar o local, pois havia a sinalização da missão a ser concluída por meio da leitura do símbolo (!) na cor amarela. Por outro lado, a jogadora sobrevoou a área e não conseguiu localizar o personagem que oferecia tal missão.

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Figura 2. Mapa da cidade Ermo das Serpes. Fonte: Wowhead (2009)

Após incansáveis buscas no local e como faltava apenas esta última missão, a jogadora recorreu a abertura de atendimento ao jogador fora do ambiente de jogo. Há um espaço no site da empresa desenvolvedora onde os jogadores podem pedir ajuda para resolver problemas técnicos ou relacionados ao gameplay. As respostas são dadas por um GameMaster (uma espécie de mestre do jogo). Quando a solicitação foi atendida, o GameMaster chamou a jogadora já dentro do jogo e lhe informou onde ela teria que ir para encontrar o personagem, que não ficava na entrada da caverna, mas sim, dentro dela, ou seja, a jogadora não havia percebido a diferença no gráfico de um terreno plano para uma entrada subterrânea e para chegar até ele era preciso percorrer vários caminhos em direção ao subsolo, sendo este, um dos fatores que dificultaram com que a jogadora encontrasse o início da missão. Ao obter o êxito na missão, aparecem as recompensas diante do jogador. A recompensa configura-se como uma forma de feedback, o que repercute na motivação do jogador para continuar jogando e superar os desafios. Segundo Prensky (2012, p. 182) “receber feedback imediato pelas ações realizadas – é uma forma poderosíssima de envolver as pessoas”. 26 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 Restava, ainda, a última missão para conseguir o título almejado e finalizar o mapa. Para isso, o jogador precisava cumprir diversas sub-conquistas que estavam espalhadas pelo mapa sem ter uma sequência obrigatória, mas que precisavam ser completadas. Após a conquista do título de Mestre Historiadora, a mesma fica publicada em seu perfil junto com as demais conquistas.

Aspectos da resolução de problemas na experiência da jogadora De acordo com a narrativa de World of Warcraft, o papel do jogador é salvar o planeta Azeroth das forças malignas que o invadiram. Para isto, desafios em forma de missões são apresentados aos seus jogadores que devem utilizar da força física ou de poderes mágicos para combater o “mal”. As missões são oferecidas por personagens e constituem-se basicamente na solicitação da ajuda do jogador para serem resolvidas em troca de recompensas. Neste sentido, percebemos os jogos eletrônicos como um ambiente favorável para a simulação da resolução de problemas. Em relação a primeira situação narrada, a jogadora aceitou o desafio de encontrar os jacintos, porém, o que parecia uma simples tarefa acabou se tornando um “problema”. Diante disso, destacamos que há dois passos importantes para a resolução de problemas, sendo que o primeiro “é prestar atenção às informações pertinentes” e o segundo, “decidir como representar o problema” (MATLIN, 2004, p.236). Nesse contexto, as informações pertinentes as quais exigiam a atenção da jogadora estavam expostas no texto da descrição da missão, que apontava para a localização dos jacintos, e a representação do problema se deu no momento em que a jogadora foi ao local mencionado no enunciado e não localizou as flores. A atenção, que um estado geral de sensibilização (alerta) e a focalização desse estado sobre certos processos mentais e neurobiológicos (atenção propriamente dita) (LENT, 2005). Esta função cognitiva é fortemente requerida nos jogos eletrônicos por apresentarem rápidas sucessões de estímulos exigem que o jogador sustente sua atenção para gerenciar diversas tarefas ao mesmo tempo, 27 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 evitar estímulos distratores e obter êxito no jogo, o que pode ocorrer por longos períodos de tempo (RIVERO, QUIRINO, STARLING-ALVER, 2012). Para a jogadora localizar os jacintos ela precisou elaborar estratégias que dependeriam da execução de ações coordenadas e planejadas (MATLIN, 2004; RAMOS, 2013), como retornar ao local, pesquisar em site e solicitar ajuda no site ou em fóruns coletivos. Esses aspectos reforçam a noção de sociabilidade descrita por McGonigal (2012) que afirma com base em pesquisas que os jogadores gostam de compartilhar em ambiente virtual experiências, dicas, vídeos tutoriais, entre outro, relacionados a experiência do jogo. Essa sociabilidade “é uma forma bastante casual de interação social; ela pode não criar vínculos diretos, mas satisfaz nossa necessidade de nos sentirmos conectados aos outros” (MCGONIGAL, 2012, p. 98).

A importância e o exercício da atenção no jogo eletrônico A partir da descrição de experiência de missão relatada, notamos que a inicial dificuldade na resolução do problema da missão foi, sobretudo, porque a jogadora não conseguiu reconhecer graficamente a imagem das flores de jacinto do gelo que estavam descritas textualmente no local prévio, impossibilitando conquistar a recompensa da missão e também quando não distinguiu a entrada da caverna no mapa em sua segunda e última missão. Estar atento informações que estão constantemente presentes na linguagem gráfica da interface do jogo é condição para jogar. Nesse sentido, o jogador exercita constantemente sua capacidade de atenção em relação aos sons, aos textos, a narrativa, as imagens, aos movimentos e ao executar uma ação, utilizando vários sentidos. Neste aspecto, em especial, a jogadora teve dificuldade em perceber a representação gráfica que estava planejada no jogo, o que pode ser relacionado ao processo perceptivo, na forma como o cérebro processa o que vemos e transforma 28 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 em informação para tomada de decisão. Nesse sentido, Matlin (2004, p.22) nos traz que a "percepção é nosso conhecimento prévio para reunir e interpretar os estímulos registrados pelos nossos sentidos", o se relaciona a atenção. Para Matlin (2004), a percepção é uma habilidade que exige menos do cérebro do que a resolução de problemas, por exemplo; mas para que percebamos algo é necessário que haja uma combinação de experiência externa (registrada pelos olhos e processada no lobo occipital cerebral) e da experiência interna que foi o conhecimento prévio do alfabeto e, portanto, da leitura do texto com a missão e de outra experiência interna, como o próprio conhecimento prévio sobre o que esperar encontrar. No jogo mesmo a jogadora não sabendo como o jogo representaria os jacintos, sabia o que são flores, criando uma representação das formas, cores e posicionamento que poderia procurar no mapa. No processo perceptivo do reconhecimento do objeto e da atenção despendida é que acontece a preparação das informações ditas "brutas" para que sejam usadas em processos mentais complexos em seqüência. Nesse sentido, Lent (2005) indica que a atenção consiste em um mecanismo seletivo que separa os estímulos relevantes dos irrelevantes, criando melhores condições de percepção aos seres humanos, no tocante a estímulos relevantes. De acordo com Matlin (2004) reconhecimento de objetos não se dá em formas e imagens isoladas apenas (foco dos estudos citados), mas acontece influenciado pelo conhecimento e pelas expectativas. Quando nossos olhos captam o estímulo é como se fosse o nível mais baixo ou primeiro (bottom) e percorre caminhos de sentido mais complexos (top) para além do nosso córtex visual, combinando características simples em nível básico até o nível do pensamento e abstração. Também ocorre o inverso, ou seja, nossos conceitos, expectativas e nossa memória (top) auxiliam a identificar os objetos ao observá-los (bottom). Aquele é o chamado processamento bottom-up e este o top-down, ou seja, ambos os processos cognitivos são necessários a complexidade do reconhecimento e percepção. Enxergar o cenário de jogo com uma missão dada pelo reconhecimento 29 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 de linhas que formam as letras e a formação de sentido da frase que descreve a missão leva a jogadora à busca da correspondência de sua localização no mini mapa. O reconhecimento do sinal gráfico representado por uma exclamação amarela (mensagem já conhecida pela jogadora) no mini mapa foi usado para transmitir a mensagem de que ela deveria deslocar-se para aquele lugar e chegando lá a busca pelos jacintos foi feita olhando no cenário e selecionando as formas e cores, buscando uma relação com a imagem mental que a jogadora tinha de como flores deveriam se parecer. Esse trajeto mental acontece em nossos processos cognitivos e perceptivos alternado em simplesmente captar a imagem com os olhos na interface gráfica do jogo e de maneira mais complexa na formação de sentido, na expectativa de encontrar o objeto que pode ser representado pelas formas já conhecidas e guardadas na memória. Considerando esses aspectos, ressaltamos que mesmo com grande experiência no universo do World of Warcraft, a jogadora teve grande dificuldade em encontrar as tais flores de jacinto que marcavam o local para atingir seu objetivo e conquistar sua recompensa. O problema se apresentou pela dificuldade em perceber as flores. Assim,

podemos

inferir

que

prestar

atenção

é

um

componente

importantíssimo no processo de percepção. Um tema no estudo do reconhecimento do objeto é o chamado de visão cega para mudança, ou seja, refere-se à “incapacidade de detectar alterações em um objeto ou uma cena” (MATLIN, 2004, p. 33), ou seja, a nossa capacidade de selecionar o que registramos, o que julgamos importante na cena vista. Talvez a jogadora estivesse tão absorvida pelos detalhes do cenário que não prestou atenção à imagem do pequeno ramo de jacintos azulvioleta ou ainda o cenário que continha muitos elementos em movimento que a distraíram. De todo modo, a atenção revelou-se imprescindível para que a jogadora encontrasse as flores.

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O papel da recompensa na experiência da jogadora No universo do jogo há aspectos que motivam o jogador a traçar metas, gerenciar tarefas a fim de obter o êxito no jogo. Nesse sentido, os objetivos e as metas de um jogo tem, sobretudo, a função de motivar o jogador e pautar a mensuração de seu desempenho, quanto mais perto ou longe está de atingir o objetivo ou a meta (PRENSKY, 2012). O feedback que ajuda a pautar o desempenho no jogo pode ter a função de recompensa, aspecto que pode ser discutido com base na experiência da jogadora descrita neste texto, pois a recompensa revelou-se agente motivador para a jogadora que ao ter sua missão concluída, teria sua recompensa a disposição. No campo da neurociência, Herculano–Houzel (2002) conceitua o sistema de recompensa como o conjunto de estruturas que sinaliza para o cérebro quando alguma coisa dá certo, algo que se conseguiu, por exemplo. Atrelado ao fato de ter completado a missão, há uma ativação do sistema de recompensas que libera ao cérebro substâncias químicas que promovem os mecanismos moleculares do aprendizado e as modificações nas sinapses que transferem os impulsos nervosos para outros neurônios próximos. Segundo Wang e Aamodt (2012) o cérebro gera sinais químicos que codificam um componente-chave da diversão que é a recompensa. Esta é traduzida dentro do cérebro pela dopamina, um neurotransmissor que tem várias funções, dependendo de onde e quando é segregada. Quando se joga, torna-se mais ativo e motivado para aprender, proporcionando ao seu cérebro uma experiência única e significativa. McGonical (2012) exemplifica as recompensas extrínsecas como dinheiro, bens materiais, status ou elogios e as intrínsecas como emoções positivas, forças pessoais e vínculos sociais que construímos com o mundo ao redor. Transportando isso para o universo de World of Warcraft, as recompensas extrínsecas a serem alcançadas pela jogadora eram compostas por aumento de experiência que pode modificar o nível do jogador e, assim, facilitar o uso de itens específicos de nível 31 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 maior, bem como no aprimoramento das habilidades requeridas para as conquistas. As recompensas podem ser moedas do jogo (Gold) ou itens de missão como os “Selos do Valente” que acumulados podem ser tornar moeda de troca por itens como armaduras, armas e influenciam na conclusão de etapas de conquista que dependem destes Selos. Muitas destas recompensas são utilizadas para a melhoria do personagem, ou seja, quanto melhor o equipamento mais forte e resistente vai se tornando o avatar, consequentemente, o seu desempenho no jogo e a sua relação com os outros grupos de jogadores. Conforme melhora a relação do personagem com os demais grupos do jogo, mais itens são liberados para compra ou troca com a utilização de diversos selos que são obtidos por meio de conclusão de missões. Já as recompensas intrínsecas, estariam relacionadas a satisfação pessoal da jogadora, que há uma relação afetiva desta com o jogo, o prazer do jogo pelo jogo, o ato de jogar voluntariamente e entrar no círculo mágico, conceito proposto por Huizinga (1971) que é ampliado por Salen & Zimmermann (2004) para uma abreviação de ideia para lugar especial criado pelo jogo alterando tempo e espaço. As motivações intrínsecas e extrínsecas possuem uma relação conforme salienta Menezes et al (2014), pois as motivações extrínsecas acontecem quando o indivíduo persegue uma atividade para atingir um resultado ou satisfazer uma condição exterior à atividade e que as motivações intrínsecas motivam o jogador quando ele esta envolvido em uma atividade devido à experiência da atividade em si, sendo a realização da atividade, o “resultado” que o indivíduo procura. No contexto do jogo eletrônico, a aprendizagem através da recompensa acontece em três momentos: em um primeiro momento há o estímulo que antecede a resposta do jogador, que no universo do jogo World of Warcraft seria o cumprimento das subconquistas para que a jogadora pudesse ser Mestre Historiadora, as subconquistas funcionam como algo sabido previamente pela jogadora. Em um segundo momento há a resposta do jogador, que transportando para o jogo, seriam os momentos em que a jogadora, buscando uma resposta 32 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016 assertiva para encontrar a última missão do jogo, executa várias ações e coloca em prática estratégias. Dentre as estratégias, destacou-se a leitura atenta do texto, juntamente com a ajuda visual do mapa, além da orientação do GameMaster para descobrir o que estava acontecendo. Dessa forma, o terceiro momento revela-se quando a jogadora descobre o caminho da missão e pode seguir seu jogo para obter o título de Mestre Historiadora, caracterizando-se como o estímulo consequente que tem função de reforçar a aprendizagem, seja um reforço positivo ou negativo. Como um exemplo pontual do jogo, temos o momento quando a jogadora recebe a missão de encontrar os jacintos, que nessa circunstância funciona como o estímulo que antecede, viaja até os jacintos (resposta), caracterizando sua resposta como jogadora e chegando lá depara-se com um problema a ser resolvido que seria o estímulo consequente. Conforme Gazzaniga e Heatherton (2005) o reforço é um estímulo que ocorre após uma resposta e aumenta a probabilidade de essa resposta ser repetida. Nesse sentido, temos o exemplo de reforço positivo voltado à experiência de jogo no momento em que a jogadora completa a missão com a ajuda do texto, mapa do jogo e orientação do GameMaster. Após a conclusão da missão essa experiência de relacionar as instruções de outros meios (texto, mapa e orientação) é reforçada positivamente, pois através disso ela obteve o êxito no jogo, o que funciona como uma recompensa para o jogador. De modo geral, o jogo ativa circuitos de recompensa do cérebro, o que pode, por sua vez, interfere na atenção (WANG e AAMODT, 2012), o que vimos como fundamental para o desempenho do jogador. Assim, as recompensas são partes fundamentais do jogo, tornando-o mais motivador e desafiador para alcançar as metas e objetivos traçados. O gerenciamento dos estímulos para adquirir as recompensas são atividades importantes ao jogador, além te exercitar as capacidades mentais como organização, planejamento e autocontrole.

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Considerações Finais A partir da experiência da jogadora analisada foi possível articular a abordagem teórica com a experiência prática, subsidiando reflexões no campo da cognição e sua intersecção com os jogos. A análise reforça os jogos eletrônicos como ambientes de simulação, que possibilitam a elaboração de diversas hipóteses e o exercício da capacidade de resolução de problemas, nas quais o indivíduo tem a possibilidade de experimentar ações e estratégias sem se comprometer com as consequências previstas na vida real. Além disso, devido à grande variedade de elementos gráficos contidos no cenário do jogo, a percepção e a atenção tem papéis fundamentais. Estes espaços virtuais contribuem no exercício destas habilidades, o que pode contribuir para tornar o sujeito mais atento e perceptivo em relação ao ambiente e si mesmo. Além disso, temos as motivações intrínsecas que levam o indivíduo a buscar objetivos em troca de recompensas que o levam a satisfação pessoal. Todos esses aspectos podem oferecer contribuições à aprendizagem, pois o jogo propõe situações em que diversas funções cognitivas são exigidas.

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Volume 10 - No 1 – Janeiro/Abril de 2016

Sobre as autoras Bruna Santana Anastácio Graduada em Educação Física – Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestranda em Educação (PPGE/UFSC). Geovanna dos Passos Licenciada em Pedagogia. Mestranda no Programa de Educação e Pós Graduação na linha de Educação e Comunicação. Tutora em Educação a Distância do módulo: Jogos Digitais e Aprendizagem. Patrícia Nunes Martins Licenciada em Artes, Especialista em Educação a Distância Plásticas. Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação e Professora efetiva de Artes Visuais no Instituto Federal de Educação de Santa Catarina. Daniela Karine Ramos Doutora em Educação, Psicóloga e Pedagoga. Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Departamento de Metodologia de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.

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Revista EducaOnline, Volume 10, N 1, janeiro/Abril de 2016. ISSN: 1983-2664. Este artigo foi submetido para avaliação em 11/11/2015 e aprovado para publicação em 07/01/2016. 36 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

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