Análise da obra \"Untitled (For Ellen)\" de Dan Flavin - Monografia para a disciplina Evolução das Artes Visuais IV

May 26, 2017 | Autor: Jesiel Ternero | Categoria: Contemporary Art, Visual Arts, Dan Flavin
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Análise da obra Untitled (For Ellen) de Dan Flavin

Monografia para a disciplina Evolução das Artes Visuais IV

Jesiel Luis Ternero N. USP: 8543803 2016

Figura 1: Untitled (For Ellen), 1988. Lâmpadas fluorescentes.1 Dimensões: 243.8 x 243.8 x 25.4 cm.

Introdução

Ao entrar em contato com a obra de Dan Flavin dentro do espaço expositivo, a primeira coisa que o público irá notar são suas as características cromáticas. Pois, de maneira distinta das obras que se utilizam da cor-pigmento ou que apresentam uma cor própria, intrínseca ao seu material, e que são maioria nos museus, a obra de Flavin (figura acima) se utiliza da cor-luz, direta, produzida por reações eletroquímicas e portanto, provocam relações retinianas diferentes da cor produzida pela reflexão e absorção de uma fonte externa de luz. Isto é, o ato comum do visitante de se prostrar frente a obra (no caso de uma obra bidimensional, como a pintura) ou de contornar a obra em observação (no caso de obras tridimensionais, como a escultura) perde o sentido quando se trata dos trabalhos luminosos de Flavin. Enquanto podemos afirmar, com ressalvas, que quando apreciamos uma pintura, por exemplo, fazemos um esforço em excluir o entorno para nos relacionarmos com a obra sem interferências, seria impossível fazer o mesmo com a obra da imagem acima. Ou seja, a obra de Flavin não exclui a arquitetura, ao contrário, necessita dela e trabalha com ela; a cor-luz que emana das lâmpadas difunde-se na atmosfera do ambiente e reflete-se nas paredes e chão da sala expositiva. Então, podemos dizer que a obra de Flavin não se concentra apenas no objeto artístico, mas propõe uma relação espacial-cromática única, na qual a fronteira do observador com a obra se dá no próprio corpo desse e nos limites arquitetônicos da sala onde está exposta, e não na superfície material da obra.

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Fotografia feita por mim na exposição “Fora da ordem – obras da Coleção Helga de Alvear”, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

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Para um crítico ou historiador de arte no ano de 2016, esse tipo de característica não causa estranhamento ou conflito, mas para os contemporâneos das obras, a classificação destas nesse ou naquele gênero era motivo de discussão. Alguns críticos e galeristas chegaram mesmo a classificar esses trabalhos no ramo das esculturas, como percebemos no comentário de Flavin: ...minhas proposições [...] foram erroneamente classificadas como esculturas por pessoas que deveriam saber mais sobre isso. 2

Apesar de não nos ser mais uma questão a classificação rigorosa de um trabalho nessa ou naquela categoria, parece-nos absurdo pensar o trabalho de Flavin como escultura, já que a montagem de sua forma tridimensional não é onde se encerra sua potência. Também não nos é confortável classificar de “pintura”, já que a questão cromática da obra explode os conceitos desenvolvidos pela pintura ao longo dos séculos. Classificá-la de “instalação” ainda não daria conta da obra, visto que a relação do espaço do museu com a obra não é meramente instalativa, a obra carrega uma potência independente em si. No excerto citado acima, vemos que o próprio autor resiste a classificar sua obra, chamando-a simplesmente de “proposição”. Apesar desse tipo de ação poder estar relacionado com as ideologias dos artistas dos anos 60 de se afastar dos domínios da arte tradicional, ela também representa uma forma de o artista se defender das leituras limitantes de seu trabalho. Quanto a isso, o crítico de arte John Perrault afirma: [...] os trabalhos remetem tanto à pintura quanto à escultura. Dizer que estão em algum lugar entre a pintura e a escultura seria meia verdade, pois não aborda a dimensão arquitetural dos trabalhos. São obras de arte únicas que estão além das categorias tradicionais.3

Neste trabalho, não me focarei no problema da classificação dos trabalhos de Flavin, seja da obra alvo de nosso estudo (figura 1) ou outras que citarei ao longo do texto, mas me focarei nos efeitos visuais e espaciais destas.

Tubo fluorescente e minimalismo

Ainda na discussão das impressões de um observador da obra de Flavin no museu, outra característica que irá ser percebida é a simplicidade construtiva da obra exposta. 2

Texto original:” ... my own proposal [...] has been mislabeled sculpture by people who should know better”. FLAVIN, Dan. Some remarks… excerpts from a sleenish journal. Artforum 5, n. º 4, p. 27, dez. 1966. 3 PERRAULT apud VILLARES, Fernanda Carvalho Ferreira. A construção do espaço através da luz: uma leitura da obra de Dan Flavin sob aspecto do Design da Iluminação. São Paulo, 2011. P. 45.

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A obra da figura 1, por exemplo, é constituída de quatro tubos de lâmpadas fluorescentes (dois vermelhos, um azul e um verde) e seis barras de metal polido. Os fios que ligam as lâmpadas à fonte de energia estão escondidos, então só as lâmpadas e as barras de metal nos interessa. Essa simplicidade material da obra de Flavin e também o uso de materiais padronizados da indústria levará muitos críticos a classificar o artista no grupo de arte minimal ou minimalista. David Batchelor, na introdução de seu livro Minimalism, deixa claro o problema da classificação de um grupo de artistas como “minimalistas”. Ele começa comentando: Há um problema com a arte minimal: ela nunca existiu. Pelo menos para a maioria dos artistas que são usualmente agrupados sob esse rótulo, ela foi, na melhor das hipóteses, sem sentido e, na pior, um termo frustrantemente enganoso.4 Também comenta que: (...) não existe consenso claro quanto ao que a arte minimal é ou foi, também não existe concordância quanto àquilo que os trabalhos de arte minimalista poderiam significar ou representar.5 Entretanto, apesar de todos os cuidados que toma no início de seu livro, Batchelor se dedica a comentar a produção de seis artistas (Flavin incluso) em torno de uma estética mínima que se relaciona tanto com um espírito de época da produção dos artistas dos anos 60 nos Estados Unidos, quanto com a consolidação da indústria americana. Sobre o tubo fluorescente de Flavin, Batchelor escreve que este, como um objeto industrial e familiar, é um recurso novo para a arte. Porém, quando relaciona os trabalhos de Flavin com o de cada um de seus contemporâneos, ele afirma que este é mais “duro e industrial” do que os outros. Cada módulo que compõe os trabalhos luminosos de Flavin são, para Bathcelor, readymade. Entretanto, o readymade de Flavin seria uma mercadoria acabada, se opondo a um produto industrial mais “cru”. Talvez a inspiração relacionada aos readymade fosse mais presente nos trabalhos iniciais, como por exemplo no “A diagonal de 25 de maio de 1963” (figura 2), do que na obra que estamos analisando (Untitled (For Ellen), 1988), que passa já por um trato mais fino de montagem e esquadrinhamento do que a proposta duchampiana de retirada de um objeto pronto de seu lugar para ser exposto.

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BATCHELOR, David. Minimalismo. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac & Naif Edições, 1999. P. 6 Idem. P. 7

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Figura 2: The Diagonal of May 25, 1963. 1963. Lâmpada fluorescente e acessórios. 243.8 cm de comprimento. The Pace Gallery, New York

Todavia, se lermos a proposta do readymade apenas como a utilização do objeto pronto em si, outras obras posteriores de Flavin continuam a ser realizadas sem o esquadro de metal (como na figura 3, abaixo), apoiadas apenas na parede, então poderíamos falar que o readymade perpassa toda a produção de Flavin.

Figura 3: Untitled. 1976. Lâmpada fluorescente pink, azul e verde. 244 cm de altura.

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Apesar de Batchelor comentar a característica industrial e familiar inerente à lâmpada fluorescente, críticos e público das obras de Flavin tendem às vezes a apontar características metafísicas e transcendentais nos seu trabalhos, salientando seu cromatismo imersivo e sua ressignificação do lugar arquitetônico, podendo remeter à concepção imaterial de espaço das pinturas Giotto di Bondone, por exemplo. Contudo, Flavin negava esse tipo de leitura, como se lê no excerto abaixo: Semana passada no Metropolitan, vi um grande ícone da escola de Novgorod. […] Esse ícone tinha aquela presença mágica e extraordinária que tentei realizar em meus próprios ícones. Mas meus ícones diferem do Cristo Bizantino majestoso; eles são mudos – anônimos e inglórios. São tão silenciosos e indistinguíveis quanto nossa arquitetura. Meus ícones não elevam o bendito Salvador em suntuosas catedrais. Eles são construções que celebram salas estéreis.6 Ou seja, Flavin tanto considerava a existência dessa leitura transcendental de sua obra como negava-a, ancorando seu discurso na materialidade da obra e da arquitetura da qual se utilizava. Entretanto, como veremos mais a frente, a imersão espacial-cromática do trabalho de Flavin pode sugerir esse espaço transcendental que o artista negou em seu discurso. Além disso, com a evolução de sua pesquisa artística, Flavin passa a se dedicar mais à construção instalativa cromática do espaço com a luz (imagens abaixo) do que ao desenvolvimento de objetos encerrados em si, como a obra que estudamos nesse trabalho.

Figura 4: Untitled (to Robert, Joe and Michael). 1975-81.

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Texto original: “Last week in the Metropolitan, I saw a large icon from the school of Novgorod. […] This icon had that magical presiding presence which I have tried to realize in my own icons. But my icons differ from a Byzantine Christ held in majesty; they are dumb – anonymous and inglorious. They are as mute and undistinguished as the run of our architecture. My icons do not raise up the blessed Saviour in elaborate cathedrals. They are constructed concentrations celebrating barren rooms.” FLAVIN apud VILLARES, p. 74.

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Diálogo com outras obras

Antes de nos debruçarmos finalmente sobre a obra tema deste texto, vamos analisar algumas obras cujas características sensoriais, estéticas ou materiais eu acredito que sejam passíveis de ricas comparações tanto com o trabalho de Flavin quanto com a obra que analisamos. A primeira obra que servirá a esse propósito é a obra é intitulada Immaterieller Raum (figura 4, abaixo) de Yves Klein. Yves Klein é bem conhecido por suas telas de seu azul patenteado, que se propõe a sensibilizar o observador pela força de sua vibração monocromática, e pela sua Anthropometries of the Blue Periodde de 1962, que propôs realizar uma ação de pintura, performance e música em uma obra só. Entretanto, seu trabalho Immaterieller Raum, que consistia em uma pequena sala completamente branca com duas portas e uma luz fluorescente, também branca, criada para se experimentar a “sensibilidade pictórica imaterial”, traz um paralelo com as questões propostas por Flavin.

Figura 5: Immaterieller Raum, sala vazia devotada à sensibilidade pictórica imaterial. Museum Haus Lange, Krefeld, Alemanha, na exposição “Monochrome und Feuer”, 14 de janeiro - 26 de fevereiro de 1961.7

Apesar de a luz branca aqui estar no teto, numa relação mais de objeto cotidiano do que de objeto emancipado, a proposta da sala de imergir o corpo do visitante em um branco profundo, produzido pela cor-luz da sala e reforçado pela cor-pigmento das paredes, relaciona a tonalidade da fonte luminosa com a arquitetura e com o corpo do visitante. Esse tipo de proposta traz paralelos com os trabalhos de Flavin, cuja análise só pode ser feita se considerarmos a arquitetura da sala e o corpo do observador como 7

Retirado do site < http://www.yveskleinarchives.org/works/works13_fr.html>. Visitado em 13 de agosto de 2016.

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ponto convergente da experiência. Apesar disso, a sala de Yves Klein era uma proposta fechada, isto é, feita para aquele momento e lugar específico, o que não acontece com a obra de Flavin que estudamos nesse trabalho. As próximas obras a discutir são instalações que utilizam lâmpadas fluorescentes do artista Pedro Cabrita Reis8.

Figura 6: Exposição: “Pedro Cabrita Reis: Alguns nomes”. 6 de set - 25 de out de 2014. Galeria Mul.ti.plo Espaço Arte, Rio de Janeiro.

Figura 7: Lugares fragmentados. 2015. Toulon.

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Nascido em Lisboa em 1956.

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Apesar de ser um artista contemporâneo cuja produção mantém diálogos diferentes da produção dos anos 1960, as obras mostradas acima de Pedro Cabrita Reis sevem ao objetivo de cercar a discussão sobre a materialidade da obra de Flavin. As instalações desse artista se utilizam, basicamente, do mesmo tipo de material que as obras de Flavin, mas oferece um resultado muito diferente: Cabrita Reis constrói um lugar que salienta as questões mais materiais do espaço físico. A forma como são organizadas as lâmpadas na sala nos coloca em dúvida se a obra está mesmo terminada ou em processo, além de trazer a questão sobre qual o limite da obra com o mundo cotidiano, etc. Todas essas questões levantadas surgem exatamente porque o material utilizado na obra é familiar e comum, lâmpadas fluorescentes e cabos, mas também pelo tipo de montagem realizada e o trabalho que o artista realiza sobre o material. Isto é, ao colocar em choque a obra de Cabrita Reis com a de Flavin, apesar de o material que ambos usam ser um módulo banal da indústria, o efeito de construção do espaço muda radicalmente. O espaço construído por Flavin costuma ser uma sala ampla e vazia, um lugar associado com a imagem do “cubo branco”, enquanto Cabrita Reis opta por corredores e passagens estranhas, mais associadas com um “não-lugar”. O resultado final disso é que apesar de Flavin negar os aspectos metafísicos ou transcendentais de sua criação, ao contrapormos suas proposições com a proposta de Cabrita Reis, vemos que em Flavin há sim a construção de um lugar dissolvido e pouco material, características que não se dão na obra de Cabrita. Por outro lado, a faceta material da obra de Flavin é presente, uma vez que ele considera os objetos como o cerne da obra e os evidencia, não se dedicando apenas a construir o espaço com a luz, como acontece na obra de James Turrell9 (figura abaixo). Ou seja, nesse caso, a potência imaterial da obra de Flavin é presente e resiste ao próprio discurso do artista.

Figura 8: Floater. 1999. Da série Shallow Space.10

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Nascido em Los Angeles em 1943. Imagem obtida no site do artisa. < http://jamesturrell.com/work/floater/ >

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Análise da obra exposta na Pinacoteca

Realizadas as discussões acima, voltamos então à análise da obra tema do trabalho, Untitled (For Ellen) de 1988. Como já comentado acima, a obra é composta de quatro lâmpadas de tubo fluorescente, duas expostas voltadas para o observador e duas escondidas atrás de barras de aço, que também servem de suporte para o esquadro quadrático da obra (figura 1). As duas lâmpadas frontais, da cor vermelha, atingem a retina do observador diretamente, enquanto as luzes traseiras (verde e azul) são refletidas na parede, formando uma composição de fundo para obra. As barras de aço se apagam, pois formam um campo ausente de luz, barrando a luz de traseira de ser vista. Contribuindo para reforçar a composição geométrica, as barras de aço modular são dispostas em quatro fileiras verticais na direita e duas na esquerda. Por ser uma composição retangular de aspecto cromático, a relação direta que teríamos, caso a obra estivesse pendurada na parede, seria com a pintura. A comparação da obra de Flavin com a pintura se estende para além de suas de características estruturais e cromáticas, mas aparece também quando se estuda os trabalhos iniciais do artista, sobretudo sua série de “Ícones”, feitas entre 1960 e 1963, que consistiam de telas monocromáticas com alguma lâmpada em sua borda.

Figura 9: Exposição com os “Icons”.11

Então, talvez em uma evolução direta desses trabalhos anteriores, poderíamos pensar que o artista expõe a sua obra de 1988 no canto da sala, pra confrontar, comentar e superar o espaço que se convencionou a dar à pintura. Entretanto, para 11

Da esquerda pra direita: Icon I (the heart), Icon II (the mystery) (to John Reeves), Icon III (blood) (to the blood of a martyr), Icon VI (Ireland dying) e Icon VII (via crucis). Estas obras faziam referência às pinturas dos ícones cristãos, que utilizavam tintas reluzentes com a adição de ouro.

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além disso, o canto oferece uma reafirmação do espaço tridimensional da arquitetura da sala, além de as duas paredes oferecem suporte reflexivo às duas lâmpadas afixadas na parte traseira da obra (verde e azul). No caso da exposição visitada na Pinacoteca do Estado de São Paulo, o chão não oferecia um suporte muito reflexivo, gerando uma reflexão fosca, mas em salas com piso cerâmico mais um nível de tridimensionalidade seria adicionado à obra. Quanto a isso, Perrault escreve: Flavin criou uma moldura retangular de luzes contra um canto. Ao emoldurar, chama a atenção para o canto, mas também o dissolve em luz.12

Apesar de estarmos tratando aqui da obra isoladamente, na sala da exposição esta se encontrava em oposição diametral à outra obra do artista: Untitled (for Prudence and her new baby) b de 1992.

Figura 10: Untitled (for Prudence and her new baby) b. 1992. Dimensões: 244 x 61 x 16.5 cm.

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PERRAULT apud VILLARES. P. 97-98.

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Figura 11: Diagrama do espaço expositivo com as obras indicadas.

As cores das lâmpadas desta (figura 10) obra eram mais delicadas: quatro pequenas lâmpadas ultravioletas voltadas para o observador e alguma quantidade de lâmpadas vermelhas (provavelmente duas) voltadas para a parede. O fato interessante é, que por dividir a mesma sala, os efeitos cromáticos das obras se somavam no espaço. Enquanto a obra que analisamos no texto emitia uma luz vermelha mais fraca, quase esbranquiçada, e luzes azul e verdes fortes, potentes, a obra à sua frente, do outro lado da sala, emitia uma luz vermelha potente e uma estranha tonalidade ultravioleta, pouco perceptível, mas presente. Além disso, a própria geometria das obras se relacionava com o espaço de maneira diferente: enquanto uma, mais próxima do chão, emitia seu brilho vindo baixo, a outra, vertical e alta (2.44 metros), emitia seu brilho de maneira mais ampla. Ou seja, ao atravessar o espaço, o observador vai receber o choque cromático da primeira obra, cores frias fortes com uma cor quente suave, com a segunda obra, cores quentes vibrantes. E, pelo fato de as barras de aço serem refletoras, é possível também ver uma obra refletida na outra. A experiência de transitar pelo espaço com essa montagem supera a descrição e pode causar inúmeras impressões subjetivas, mas a interferência das obras é um fato notável. Se por um momento pensamos que essa situação é um descuido do curador ou falta de espaço da instituição, ao analisarmos a montagem das obras de Flavin em outras ocasiões, quando o próprio artista decidiu o arranjo da sala, temos a informação de que ele, muitas vezes, organizava suas obras na mesma sala, causando essa interferência. Giuseppe Panza, por exemplo, colecionador italiano e profundo conhecedor das obras de Flavin13, irá argumentar que as obras precisariam de mais espaço entre si, para

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VILLARES. P. 136.

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que a luz se propague plenamente, sem a interferência citada. No catálogo da exposição Dan Flavin: Rooms of Light (Nova Iorque, 2004) ele irá afirmar: A culpa é toda do Flavin: sempre que organizava uma exposição, colocava obras demais em uma mesma sala (...) e o efeito profundo que deveria acontecer é perdido. Por outro lado, este era um aspecto de sua personalidade: ele queria esconder-se; e não queria que se soubesse que sua real natureza era religiosa e que tendeu para o laicismo, talvez até ateísmo.14 Ou seja, é da característica do pensamento do artista esse estilo de apresentação e montagem das obras no espaço, e não apenas do curador da exposição. Ademais, a divergência de opiniões quanto ao tipo de experiência que se deve ter com o trabalho era interessante ao artista, que desejava que as interpretações de suas obras fossem abertas15.

Considerações finais

A obra que analisamos, assim como as demais obras da produção de Flavin, se utiliza de materiais modulares fruto da indústria e representante de um estilo de vida do século XX. Ao trabalhar com esse tipo de módulo, Flavin pode ser classificado como “minimalista”, apesar de o próprio artista não considerar o termo como próprio para a sua produção. Das características mais interessantes da obra analisada, está a construção de um espaço com a utilização das luzes, ressaltando a arquitetura, ativando o espaço e colocando o corpo do observador dentro desse espaço ativado, causando uma experiência diferenciada das que estamos acostumados a ter no espaço expositivo. Essa ação pode ser referida como a criação de um espaço “metafísico” ou “transcendental”, mas o artista nega em seu discurso qualquer aspecto que transcenda a materialidade de sua obra em seus objetivos. Entretanto, conforme discutimos, a produção de Flavin caminha nessa lógica e a obra que analisamos gera, pelo menos em minha análise, esse tipo de efeito negado pelo artista. Por fim, discutimos as impressões cromáticas e espaciais da obra na sala em que estava exposta juntamente com outra obra e os efeitos interferentes obtidos como resultado disso. Apesar de essa interferência poder estar relacionada com uma decisão do curador da exposição, vimos que a disposição das obras dessa forma é uma qualidade inerente à personalidade e escolha do artista.

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FAI – Fondo per l’Ambiente Italiano. Dan Flavin: rooms of light. Works of the Panza Collection from Villa Panza, Varese and The Solomon R. Guggenheim Museum. New York [catálogo da exposição]. Milano: Skira, 2004. 15 VILLARES. P. 138.

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Referências BATCHELOR, David. Minimalismo. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac & Naif Edições, 1999. FAI – Fondo per l’Ambiente Italiano. Dan Flavin: rooms of light. Works of the Panza Collection from Villa Panza, Varese and The Solomon R. Guggenheim Museum. New York [catálogo da exposição]. Milano: Skira, 2004. FLAVIN, Dan. Some remarks… excerpts from a sleenish journal. Artforum 5, n.º 4, p. 27, dez. 1966. VILLARES, Fernanda Carvalho Ferreira. A construção do espaço através da luz: uma leitura da obra de Dan Flavin sob aspecto do Design da Iluminação. São Paulo, 2011.

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