Análise da Triologia das Cores - de Kielowsky

July 19, 2017 | Autor: Flavia Pircher | Categoria: Movie
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KRZYSZTOF KIESLOWSKI
TRILOGIA DAS CORES



por Flavia Filoso Juliano Pircher










"Eu gosto muito que as personagens se cruzem porque é isto que acontece na
vida. Todos os dias eu cruzo com pessoas sem saber que são pessoas que eu
posso vir a conhecer. Neste instante, aqui neste Café, nós estamos sentados
de costas para estes desconhecidos. Depois, cada um vai se levantar, partir
no seu caminho e não reencontraremos mais estas pessoas. Ou, se
reencontrarmos, jamais saberemos que não foi a primeira vez."
Krysztof Kieslowski















INTRODUÇÃO



Sobre Kieslowski



Krzysztof Kieslowski nasceu em 1941, Varsóvia, na Polônia. Cresceu em um
país dominado pela extinta União Soviética, sob o regime comunista. Estudou
cinema na Escola de Teatro e Cinema de Lodz, onde Roman Polanski também foi
aluno. Enquanto morava na Polônia produziu documentários baseados na vida
dos trabalhadores e soldados. Realizou para a televisão polonesa uma série
de filmes (curtas) baseados nos Dez Mandamentos (conhecida como
"Decálogo"); destes, dois foram produzidos em longa metragem, "Não Amarás"
e "Não Matarás" (ambos de 1988). O mote principal tratava de questões e
conflitos morais. Durante a realização desse trabalho, Kielowski modifica a
forma como conduz o filme e passa a usar uma quantidade mínima de diálogos,
concentrando-se no poder da imagem e das cores. Essa maneira de dirigir se
torna sua marca característica enquanto diretor cinematográfico.



Ele se muda para a França e lá produz os três filmes que lhe deram projeção
internacional: "A Liberdade é Azul", "A Igualdade é Branca"e "A
Fraternidade é Vermelha"; conhecidos como a "Trilogia das Cores" e são
estes o foco de nossa análise.




Depois do último filme o diretor anunciou a sua aposentadoria. Porém, por
pouco tempo, pois começou a escrever o roteiro de outra trilogia, "Paraíso,
Purgatório e Inferno", baseada no livro de Dante Alighieri – "A Divina
Comédia". No entanto, não concluiu esse trabalho em função de sua morte em
1996, aos 54 anos.



As questões abordadas por Kieslowski em suas obras, especificamente na
"Trilogia das Cores", são inquietações 'universais' do ser humano,
independentemente da etnia , nacionalidade, crença ou geografia. Baseado em
sua própria teoria: "Diferentes pessoas, em lugares diferentes, estão
pensando as mesmas coisas por diferentes razões", o diretor não busca
respostas breves e perfeitamente claras, mas explora essas indagações
humanas expondo-as como próprias e pertinentes à essência humana. Esse
aspecto atemporal torna sua obra sempre atual e merecedora de uma análise
cuidadosa, com sua inegável contribuição nos campos da filosofia,
psicologia e cinematografia.





ANÁLISE



O primeiro aspecto que ressaltamos nas obras analisadas é a maestria com
que o diretor se utiliza de recursos tecnológicos para transmitir sua
ideia. Através do uso de elementos comuns e conhecidos no cinema,
Kieslowski cria um processo e estética únicos, e obtém resultados que são
verdadeiramente artísticos. Afinal, como Bourriaud (2008) afirma em seu
texto, a arte não pode conter nada de mecânico à nossa percepção, pelo
contrário, deve sempre trazer uma nova impressão, eliminando qualquer outra
existente a priori. Na "Trilogia das Cores", essa sensação de surpresa está
sempre presente, os modos de encarar as relações humanas e os desfechos são
surpreendentes, nunca nos mostrando o comum, seguindo a ideia de uma obra
de arte.



No livro intitulado "Num piscar de olhos", os cortes de cenas são
merecedores de especial atenção como elemento importante na obra
cinematográfica. Nos filmes analisados, observamos que o diretor faz desses
"cortes" seus aliados para deixar uma seqüência em suspensão e sustentar a
atenção do expectador de maneira ímpar.




Considerando o conceito de tecnologia como um conjunto de coisas e objetos
para se realizar uma tarefa, uma ferramenta para se chegar a um determinado
fim, ressaltamos que esse diretor não faz da técnica um fim em si mesma,
pois nenhuma técnica constitui um tema para arte, mas entende-a como um
instrumento a serviço de algo maior, ou seja, o de comunicar-se com o
expectador fazendo-o perceber e absorver intensamente as mensagens
escolhidas pelo diretor.




Kieslowski usa interessantes técnicas cinematográficas com cuidado para
fazer com que o expectador sinta o que se passa na mente de seus
protagonistas nos três filmes. Os quadros, planos, focos e cortes são
recursos do cinema, que fazem com que o observador veja o que os
personagens veem e ouça o que eles ouvem, e têm como função principal
conduzir a intensidade das emoções que devem ser transmitas para o público,
fator primordial da lista de critérios para um bom corte, segundo Murch
(2004).



É claro para nós que Kieslowski mantém como prioridade o fator emocional na
direção das cenas, para que assim, o mundo introspectivo de seus
personagens seja exposto para o público por meio das fotos, que são meios
de expressar o que é intraduzível no mundo das sensações e sentimentos.



Em "A Liberdade é Azul", Julie também nos apresenta as reações dos outros
personagens que estão na cena, é como um convite para que possamos
participar um pouco daquele sentimento profundo que a atormenta. Muitas
vezes durante as cenas de diálogo, os diretores usam um sistema chamado
"dragnet", em que o corte acontece a cada fala dos personagens, sendo um
modo simples de edição, sem dar profundidade para o quadro. No entanto,
nesse filme, Kieslowski prefere mostrar a personagem principal
repetidamente, em tomadas de close, principalmente em momentos de cortes e
feitos de modo mais lento quando mudava a situação, e as reações do
interlocutor são percebidas pela própria expressão facial de Julie, tendo
somente um momento com o uso de "dragnet" durante uma conversa num café.



A primeira diferença que se nota entre "A Liberdade é Azul" e "A Igualdade
é Branca" é o tempo dos cortes. No segundo filme são feitos de modo mais
rápido e seco para a mudança de ambiente e/ou de situação, como no momento
em que Karol avisa seu patrão que há um homem alto observando-os e a cena
seguinte é no banheiro. Também há esse corte brusco quando Karol está na
cabine telefônica e passa diretamente para quando encontra Mikolaj jogando.
A cena seguinte é um diálogo entre Karol e Mikolaj, quando Karol quer saber
se a proposta para ganhar dinheiro ainda é válida, e há em torno de dois ou
três cortes no sistema "dragnet", porém com a predominância de ter o foco
no ouvinte para passar a impressão de seus pensamentos enquanto o outro
personagem fala. Outro momento que também há poucos cortes "dragnet" é no
momento em que descobrimos que o homem que deseja ser morto é o próprio
Mikolaj, quando estão no metrô. Outra questão é que há um tom mais cômico
geral, apesar de também existir situações tristes vivida por Karol e os
coadjuvantes.



No último filme, "A Fraternidade é Vermelha", possui um ritmo mais dinâmico
que o primeiro e mais lento que o segundo. Os cortes também são mais
bruscos como no segundo e também há sistema "dragnet" com pouquíssima
utilização.



Fica clara a questão que Kieslowski quer passar para os espectadores com
sua trilogia: quer provocar sensações. Em ambos os filmes há um excesso de
signos que podem não ser compreendidos racionalmente num primeiro olhar,
mas que de algum modo (provavelmente emocional) o público o percebe. E é
isso que é importante, a percepção sensorial e emocional dos acasos que
Kieslowski nos aponta, mais do que uma compreensão lógica dos
acontecimentos.



Esse apontamento de situações ocorre porque Kieslowski faz uma filmagem
subjetiva com foco em objetos pontuais e o seu desenvolvimento, como a mala
na esteira intercalada com os passos de Karol indo ao tribunal e também os
fios de telefone na abertura do terceiro filme. São apontamentos, porque
são sutis e de fundamental importância, pois o foco do quadro é o ponto de
intersecção da história e seu desenrolar que virá depois, como no copo com
vodca no segundo e os vidros quebrados no terceiro.



Baseando-se no fato da expressão como um conjunto do processo e do
resultado, vemos que os filmes diferem no tocante ao processo numa estética
relacionada de modo indissociável à trama, tornando o elemento cor como um
coadjuvante junto aos atores.




Como cita Pareyson (2006) o artista não segue nenhuma lei universal da
arte, ou, no caso, do cinema, Kiewlowski segue a regra individual de sua
própria obra, a coerência interna do trabalho.



Na trilogia, fica clara a proposição da forma como formante, ou seja, a
imagem se forma no decurso da execução, o processo não se dissocia da obra,
o processo a constrói e consiste numa operação que deve orientar-se entre
múltiplas possibilidades.



Em "A Liberdade é Azul" são utilizados objetos, cenários e adereços nesta
cor, dando a sensação de profundidade e quietude (mesmo que superficial,
pois nas profundezas a inquietação impera). Quando Julie nada na piscina,
um filtro azul é usado para fazer a água e os azulejos parecerem mais azuis
do que realmente são, enfatizando ainda mais a intensa densidade da emoção
da personagem. No entanto, esse cenário é estranho e vazio, como se ele
acontecesse somente no imaginário dela. É de se especular se esses momentos
em que ela nada não são, na verdade, apenas sonhos. Tal ideia ganha força
com a cena em que Julie recebe a visita de Lucille, prostituta vizinha do
apartamento que alugou. Nesta cena, o azul não é tão intenso pela ausência
do filtro, e isso reforça a suposição de que aquele mundo azul acontece na
mente de Julie. Os efeitos que geram a luminosidade azul na película povoam
todo o filme, dando uma sensação de frieza, vazio. Esse sentimento se esvai
ao final, quando a temperatura da cena aumenta devido à luz do sol batendo
em seu rosto, luz amarelada, mostrando que ela finalmente conseguiu se
libertar desse mundo interior que a conduzia à tristeza.



Já o uso de filtros amarelos é o recurso utilizado em "A Igualdade é
Branca", de modo a "aquecer" as cenas nas quais o branco prevalece,
evitando, com isso, que se tornem frias e impessoais. Em vários momentos, o
diretor utiliza o branco nos moldes do primeiro filme, como o azul: a cor é
usada para identificar flashbacks e recordações de Karol. Apesar de
mostrar cenas felizes, o senso de ironia paira no ar, já que durante a
trama, sabe-se que os momentos felizes duraram pouco, sendo a realidade da
protagonista mais triste e humilhante do que feliz. Quando Karol retorna à
Polônia, em condições um tanto quanto estranhas, não podemos dizer que ele
foi propriamente bem recebido. Ao contrário, a tomada em que ele está com
frio coberto com neve e lixo é mantida viva na mente do observador em todas
as cenas que se passam na terra natal de Karol, e o diretor consegue esse
efeito utilizando as cores branca e cinza, num jogo de luz e sombras. No
final da trama, quando os personagens estão finalmente reunidos numa cena
de sexo, a tela é preenchida completamente pela luz branca, representando o
orgasmo de Dominique, e simbolizando o ápice da união entre eles.



Seja no carro vermelho de Auguste, na mobília do apartamento de Valentine,
no outdoor, o "vermelho" aparece inúmeras vezes e causa na audiência certa
expectativa acerca de um objeto vermelho na próxima tomada, nos levando a
crer que esses objetos têm um significado e, por isso, são cuidadosamente
colocados e filmados. Por exemplo, quando a protagonista dorme com a
jaqueta vermelha do namorado que está viajando, o vermelho está
representando a memória. No entanto, nem todos os objetos vermelhos têm o
mesmo significado. A relação de Valentine com coisas vermelhas é tão forte
quanto a de Auguste, parece que Kieslowki quer nos mostrar que ambos são
"pessoas vermelhas" e que os destinos vão, em algum momento, se encontrar;
o que de fato vem a acontecer no final do filme.



Esses objetos, cenários e recursos são a tecnologia utilizada pelo diretor
para corporificar a cor nestes filmes, fazendo com que o expectador, mesmo
inconscientemente, tenha sempre em seus pensamentos a cor do filme enquanto
ele está rodando. O uso das cores azul, branco e vermelho é um exemplo de
como o diretor usou técnicas comumente disponíveis no cinema para conseguir
resultados incomuns e originais.



A trilha sonora é um aspecto importante da trilogia. A postura de
Kieslowski com o compositor foi mais a de ter um colaborador do que a de
ter um compositor, isso significa que ele estava sempre aberto a ideias e
palpites provenientes do responsável pela trilha, chegando inclusive a
modificar cenas e seqüências. O compositor Zbigniew Preisner, juntamente
com o co-diretor Krzystof Piesiewicz, foram os principais colaboradores,
mas devemos registrar que o diretor era aberto à sugestões vindas de todos
os envolvidos na produção: atores, cameramans, técnicos de som,
assistentes, enfim, todos tinham o direito de expressar opiniões e
contribuir de maneira consistente para a filmagem.



Deve-se também mencionar que a comunicação entre diretor e público se dá
de maneira harmoniosa, dinâmica e assertiva. Baseado nos princípios da
Revolução Francesa e usando como pano de fundo as cores da bandeira da
França, o diretor transmite objetiva e subjetivamente sua mensagem, qual
seja, a de que essa trilogia é um exercício para entender como os
princípios revolucionários acontecem no mundo e são contemporâneos às
questões atuais, pois dizem respeito ao ser humano e não à determinada
época, momento político ou posição geográfica no planeta. Ainda: que o
único elemento sobre o qual nada e ninguém tem o domínio é o Amor, porque o
amor é o único sentimento que verdadeiramente liberta (quando a
protagonista de "A Liberdade é Azul" se permite ao direito de amar
novamente é o momento em que se sente livre); o amor não se vende nem se
compra, assim, perante ele somos todos iguais, independente de situação
financeira ou política (referência em "A Igualdade é Branca) e por fim, de
que podemos fazer o que quisermos, porém, se não houver amor, se torna
inútil (questionamento de "A Fraternidade é Vermelha" sobre o que leva uma
pessoa a ajudar ao próximo: se o fato de fazer o bem ou o de sentir-se
bem).



Todas essas mensagens são transmitidas através do suporte filme, o qual é
resultado estético de um processo único de Kieslowski. Na "Trilogia das
Cores", o processo e o resultado têm igual importância, e se mesclam
gerando finalmente a expressão. Os elementos do processo comunicacional na
obra são os filtros, cortes, objetos e cenários coloridos, e a própria
maneira como se dá a relação entre os personagens, com diálogos curtos,
'mínimos', sendo estes preteridos em função do poder imagético e da
atmosfera criada. Essa maneira de tratar os diálogos é bem evidente em "A
Igualdade é Branca": a ausência de diálogos mostra viva e sucintamente como
o mundo trata Karol. O diretor usa o poder da imagem para investigar e
ressaltar a luta do homem em manter a própria dignidade, trazendo à tona
questões morais e pessoais, colocando em jogo, inclusive, a própria
virilidade do protagonista (atributo tão precioso ao mundo masculino). Como
já citado, essa é uma característica do trabalho de Kieslowski,
desenvolvida durante seu trabalho com o "Decálogo".



A rede de significação gerada por essa trilogia é complexa. Ao mesmo tempo
que traz alguns indícios de respostas, levanta outras questões intrigantes.
De acordo com o texto As tecnologias da inteligência: "as informações novas
são significadas por imagens já conhecidas; no entanto, a partir do
instante que são internalizadas modificam essas mesmas imagens que a
significaram, causando assim uma mudança interna" (LÉVY,2004). Esse
processo contínuo de mudanças e de constante criação é sem fim. Nos filmes
da trilogia encontramos elementos comuns entre eles, reforçando a ligação
entre os filmes. Cada parte da trilogia pode ser assistida separadamente,
no entanto, quando unidas formam um conjunto coeso em que cada filme traz
elementos que fazem o público entender melhor ou mais profundamente o
outro, como se cada um fosse verdadeiramente parte do todo, sendo que o
último filme fecha o ciclo mostrando que esse processo de significar e
resignificar não tem fim e caracteriza uma relação dialética nos mesmos
moldes que as relações neurológicas ocasionadas na mente do espectador.



A cena de uma senhora que joga uma garrafa de vidro num posto de coleta
seletiva comum nas ruas européias poderia ser citada como um ponto de
intersecção dos três filmes. Cada um dos protagonistas tem uma reação
perante essa cena: Julie está tão obcecada por seu próprio mundo que
simplesmente não percebe a presença de outras pessoas, tampouco dos
acontecimentos que lhes são externos (ela ignora a senhora). Karol parece
sentir satisfação ao ver a dificuldade da anciã em colocar a garrafa no
coletor, como se isso fosse para ele um consolo de que existem pessoas em
situação pior do que a dele próprio. Valentine tem o instinto de caridade
aflorado e ajuda a senhora colocando a garrafa para ela no container
coletor. Com essa seqüência, além de nos mostrar que o mesmo fato pode ser
encarado de diferentes maneiras por diferentes pessoas e em diversas
situações, no final, há o triunfo da compaixão e do amor, porque estes são
atemporais. Com isso, Kieslowski explicita a essência da trilogia: o amor é
igualdade, é liberdade e é fraternidade.



A mente humana não funciona de forma linear, assim a retomada de caracteres
e situações nos filmes é recorrente reforçando essa rede de significação,
isso corrobora a afirmação de que as novas informações são midiáticas e
alineares. Kieslowski traz nova interpretação e, conseqüentemente, novo
significado às palavras que simbolizam a Revolução Francesa. Ele questiona
esses princípios demonstrando que o que liberta uma pessoa não
necessariamente fará o mesmo por outra. Que a igualdade não é igual para
todos e ainda coloca em xeque a noção de fraternidade, questionando o
destinatário real da ação de benfeitoria.



É interessante também observar algumas semelhanças visuais presentes na
trilogia: o início de cada um deles ocorre com um acontecimento mecânico (o
acidente de carro em azul, a mala se movimentando na esteira rolante de
branco e a corrente do impulso telefônico em vermelho). Os três são
acontecimentos que permeiam nosso dia-a-dia, mas para os quais geralmente
não damos atenção. Kieslowski inicia a trilogia mostrando que esses
acontecimentos têm sim importância relevante em nossas vidas. Mostra isso
com o acidente de carro, que desencadeia todo o enredo de "A Liberdade é
Azul". No último filme, toda a história é baseada na ação do juiz
aposentado que se dá a liberdade de ouvir as ligações telefônicas de seus
vizinhos, invadindo assim a privacidade deles e conferindo ao filme o fio
condutor das relações nele expostas. Com essa atitude, o diretor se coloca
inegavelmente no papel de comunicador que deixa clara sua mensagem de que
esses pequenos acontecimentos são merecedores de nossa atenção.



Outro aspecto comum nas obras é a cena em que um protagonista olha através
da janela. Geralmente mostram introspecção nesse momento: Julie (azul)
parece enxergar o seu passado; na cena final Karol e Dominique (branco)
olham um pro outro através da janela, como se somente nesse momento ambos
alcançaram a plena consciência de que eles realmente se amam; e o juiz
olhando pela janela (vermelho); mostram que o vidro é a proteção do ser
humano perante um mundo externo e desconhecido, como se somente vissem a
vida dos outros em pedaços, pela janela, e não participassem ativamente das
relações sociais, revelando assim a vulnerabilidade do humano que admira o
mundo de fora sem ter certeza de que quer participar dele.



Ao final, a janela é estilhaçada pelos vizinhos do juiz (vermelho) e com
isso a barreira que protegia contra as intempéries do mundo é rompida e vem
à tona o fato de que essas lutas e situações difíceis à existência são
necessárias e reais, e que não adianta delas tentar se resignar numa
atitude tipicamente voyeur. Que é preciso saber distinguir entre o momento
certo de lutar ou de simplesmente aceitar as coisas como elas são.



CONCLUSÃO



"Quando vamos ao cinema vemos rostos, faces e pedaços de corpos que
retratam

emoções, sentimentos e paixões. A face, no cinema, constrói-se como modelo

de valores morais, políticos e econômicos que nos educam, cultivando
visualmente

nossa inteligibilidade do mundo.

Olhamos e compreendemos as expressões faciais como expressão das paixões

porque aprendemos a vê-las, aprendemos a interpretá-las, em nossas vidas,
em

nossas relações sociais, em nossa história e na história. Compreendemos as
imagens

porque elas têm memória." (MIRANDA, 2005)



Ao analisar a obra de Kieslowski a partir das relações que são
estabelecidas pelos personagens, geradas no íntimo, a partir da vivência de
cada um, podemos transformá-las em relações globais, pertinentes a todos.
As recordações e memórias de cada personagem deixam de ser próprias deles e
passam a representar um grupo, talvez uma sociedade toda. A partir da
segunda Guerra Mundial, as cidades cresceram muito, a urbanização junto com
os meios de comunicação globalizaram sentimentos, angústias e paixões. A
trilogia expõe as intimidades revelando o quanto cada indivíduo faz parte
de uma rede de relações.



Nos filmes são utilizados retratos de 'pessoas comuns' para tratar de
assuntos universais, inerentes e inquietantes à natureza humana. A forma
como processa isso, faz com que sua obra seja uma referência no cinema. Com
recursos comuns, diálogos mínimos, cortes exatos e a personificação das
três cores de forma tão sutil e ao mesmo tempo inovadora, Kieslowski chega
a um resultado estético e de conteúdo admirável. Os preceitos da Revolução
Francesa como marco inicial da trilogia representam o começo e o fim em si
mesmos, levando a obra ao seu ponto culminante, traduzindo-a como perfeição
dinâmica (e não estática), "arredondada sobre si" (PAREYSON, 2004).




"Seria a liberdade algo trágico? A igualdade uma comédia? A fraternidade
inexistente?"
































































REFERÊNCIAS

Baseline´s encyclopedia of film. Dísponivel em
acessado em 17/junho/2012


BOURRIAUD, N. Estética Relacional. Buenos Aires: Adriana Hidalgo editora,
2008.


HAILER, M. Especial "Trilogia das cores". Disponível em
acessado em 17/julho/2012


LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência, o futuro do pensamento na era
da informática. São Paulo: Editora 34, 2004.


MIRANDA, Carlos Eduardo Albuquerque. A Fisiognomoniade de Charles Le Brun -
 a educação da face e a educação do olhar. Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.


MURCH, Walter. Num piscar de olhos, a edição de filmes sob a ótica de um
mestre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.


NEWALL, Paul. Kieślowski's Three Colours Trilogy. Disponível em
Acessado em 17/junho/2012


PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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