ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DE ESTUDANTES SOBRE O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO HUMANO CONTRA A GRIPE, À LUZ DE TEORIAS DIDÁTICAS

June 1, 2017 | Autor: Tiago Venturi | Categoria: Ensino De Ciências
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IV ENEBIO e II EREBIO da Regional 4

Goiânia, 18 a 21 de setembro de 2012

ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DE ESTUDANTES SOBRE O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO HUMANO CONTRA A GRIPE, À LUZ DE TEORIAS DIDÁTICAS. Iasmine Pedroso (Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica – UFSC) Lidiane de Menech da Silva (Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica – UFSC) Tiago Venturi (Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica – UFSC)

RESUMO: Quais as concepções alternativas dos estudantes sobre o funcionamento do sistema imunológico humano? Que obstáculos à aprendizagem podem surgir das concepções alternativas? Para investigar estas questões aplicamos um pré-teste a alunos de 5ª série do Ensino Fundamental. Nosso intuito foi identificar as concepções alternativas destes estudantes e diagnosticar possíveis obstáculos à aprendizagem, utilizando JeanPierre Astolfi como referencial teórico. Nossos resultados apontam que os alunos apresentam suas concepções alternativas representadas por analogias, o que pode constituir-se em um forte obstáculo para a aprendizagem. Consideramos que os professores precisam identificar estes obstáculos e buscar estratégias didáticas que auxiliem os alunos a superá-los. Palavras-chave: Ensino de Ciências, Concepções Alternativas, Analogias, Sistema Imunológico.

1 INTRODUÇÃO A gripe é um dos assuntos que vem sendo debatido por diversas comunidades, ocorrendo à miscigenação de informações realmente científicas, divulgações científicas e noções de senso comum. No entanto, nas rodas de discussões, independentemente do nível de instrução das pessoas, sabe-se que tais termos estão ligados a vários tipos de infecções virais, causadoras de gripes. Esta ampla divulgação na mídia repercute na alta procura por formas de imunização, aumentando a procura por vacinas contra estes tipos de gripe. As pessoas, em geral, possuem concepções prévias sobre o assunto, devido ao fácil acesso às informações. As mais diversas informações são transmitidas entre as relações sociais, principalmente nas relações familiares. Nestes contextos, as pessoas elaboram suas concepções sobre “vírus”, “imunidade”, “gripe” e “formas de contágio e prevenção”. E na escola, qual a importância destas concepções alternativas? Como as aulas de Ciências contribuem para que os estudantes elaborem conhecimentos científicos que ampliem e/ou modifiquem estas concepções alternativas? Com base nestas indagações, analisamos os resultados de questionários que avaliaram as concepções alternativas de estudantes da 5ª série

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(atual 6º ano). O foco deste estudo é analisar os questionários, objetivando identificar as concepções alternativas dos estudantes e diagnosticar possíveis obstáculos à aprendizagem, utilizando Jean-Pierre Astolfi como referencial teórico. Conhecer as concepções alternativas dos estudantes e diagnosticar os possíveis obstáculos para a aprendizagem contribui com reflexões sobre estratégias educativas a serem utilizadas em aulas de ciências para a superação de tais obstáculos.

2 CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS O principal objetivo dos professores no ensino de ciências é que seus alunos tenham acesso ao conhecimento científico, e que possam aprender e utilizar este conhecimento como ferramenta explicativa para os fenômenos que ocorrem em suas vidas. No entanto, os alunos vêm para a sala de aula com o seu conjunto de explicações para os fenômenos do mundo físico, químico e biológico, que muitas vezes são diferentes dos conhecimentos ensinados na escola (conhecimentos científicos). Segundo Schroeder et al. (2005) as concepções alternativas dos alunos podem ter diferentes origens: nas relações sociais, na cultura, na religião, dentre outros fatores que contribuem com a maneira como o aluno percebe o mundo. O professor objetiva que seus alunos passem a entender que as explicações científicas são mais adequadas para a compreensão e explicação dos fenômenos naturais. Schroeder et al. (2005) explica que as concepções alternativas são explicações funcionais para os objetos e fenômenos, que precisam ser conhecidas e levadas em consideração pelos professores de Ciências, pois muitas delas acabam se transformando em obstáculos à aprendizagem. Quando se dá a devida importância às concepções alternativas, busca-se uma nova forma de ensinar, fugindo do tradicionalismo e de um ensino enciclopédico. Piaget e Ausubel foram os precursores de um movimento a favor das concepções alternativas (o Movimento das Concepções Alternativas - MCA), eles defendiam que é o sujeito, com suas ações, que irá determinar a organização e estruturação de seu conhecimento (CAZELLI et al., 2006). Desta forma, o estudante é parte atuante e fundamental na construção do conhecimento. Deve-se considerar a sua visão de mundo, é importante explorar os conhecimentos empíricos, aqueles que vêm da vivência cotidiana e social do estudante. É fundamental descobrir o que os estudantes já sabem, para que o professor possa estruturar a atividade de ensino, de acordo com as necessidades do conteúdo. Assim, os alunos podem relacionar de forma relevante e significativa, tudo o que lhes for ensinado de

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novo e científico. O estudo das concepções dos alunos visa organizar e dar sentido aos conteúdos estudados em sala de aula, através da comparação e interação destas concepções com a realidade científica. O professor tem o papel de mediador, no momento em que introduz estas comparações e relações do científico com o empírico, pois:

“O professor de Ciências passa a ser um companheiro de aprender ao organizar uma ecologia cognitiva que possibilite aos aprendentes (e a si mesmo) estabelecer conexões e relações entre o conhecimento científico e as várias informações no processo auto-organizador de conhecimento. Este processo vai implicar atualização da forma de se (auto) perceber a partir disto, de compreender a realidade, é, portanto, um processo auto-organizador da vida.” (TOMIO, 2002, p. 59)

Muitas vezes os estudantes têm dificuldades em aprender os conceitos fundamentais apresentados em sala de aula. Mesmo que eles respondam e expliquem os conteúdos das aulas, a impressão que a nós se apresenta, é de que eles apenas memorizaram as palavras corretas. No entanto, muitas vezes eles têm suas idéias bem desenvolvidas, podemos utilizá-las como fundamento para futuras aprendizagens, favorecendo o raciocínio e discussões entre suas idéias e a aula a ser ministrada. Para que as concepções alternativas sejam trabalhadas juntamente com o conhecimento cientifico, é necessária uma árdua tarefa. Inicialmente precisamos identificar as concepções alternativas dos estudantes. Posteriormente é necessário identificar os possíveis obstáculos que acompanham as concepções prévias, em seguida fornecer oportunidades para que os estudantes confrontem suas concepções. E por fim auxiliar os estudantes na reconstrução e internalizarão de seus conhecimentos baseados nos modelos de conceitos científicos. Schroeder et al. (2005) afirma que durante o período de escolaridade, os alunos podem transformar suas concepções,

o que significaria, em princípio, uma substituição

destas, em favor do saber científico elaborado. Entretanto, como já citamos, muitas concepções alternativas podem se transformar em obstáculos à aprendizagem. As concepções podem apresentar semelhanças com os obstáculos epistemológicos discutidos por Bachelard (ASTOLFI e DEVELAY, 1991). Nossa discussão acerca dos obstáculos será fundamentada pelos conceitos de objetivo e obstáculo explicados por Astolfi (2001). Para o autor, o estabelecimento de um objetivo delimitado deixa claro como, quais e o porquê do ensino dos conteúdos a serem trabalhados didaticamente. O estabelecimento de um objetivo de ensino esbarra em concepções alternativas dos estudantes, muitas vezes contrárias ao novo conhecimento que

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lhes é apresentado, como já vimos o aluno não chega à sala de aula sem conhecimento algum, como uma tabula rasa. Ele carrega consigo as bagagens e noções anteriores, que podem estabelecer-se como obstáculos (ASTOLFI, 2001). A noção de obstáculo que o autor utiliza, provém do pensamento de obstáculo epistemológico de Bachelard. Nas palavras de Astolfi (2001), para se construir um novo conhecimento, é necessário romper com o pensamento anterior ou o senso comum. Porém, o estudante pode estar bloqueado a novos conhecimentos devido às suas concepções alternativas, também chamadas por Astolfi (1993) de representações. Dessa forma, temos estabelecido um obstáculo que o estudante e o professor devem identificar e tentar contornar, e superar para que ocorra a aprendizagem do conteúdo proposto. Para Astolfi (1993) as representações apresentam um duplo status: um capaz de alienar o saber científico, devido ao fato de a representação ocupar o mesmo lugar (“nicho ecológico”) que o conhecimento científico cuja aquisição se pretende. Desta forma, elas não se opõem ao conhecimento científico, apenas dificultam a compreensão, aprendizagem e a quebra de obstáculos didáticos. O outro status, não opositivo, é o de que as representações ocupam um status de explicação funcional do mundo do aluno, é um conhecimento como outro qualquer que corresponde a um sistema de interpretação coerente dos fenômenos científicos. As representações só podem desaparecer quando o aluno estiver preparado para substituí-las por outro sistema explicativo tão satisfatório quanto às representações. Astolfi (1993) considera os obstáculos como “núcleo duro” das representações, pois de um mesmo obstáculo podem surgir diversas representações, que inclusive podem não ter relações aparentes. A diferença entre obstáculo e representação é que enquanto o obstáculo é mais abrangente e transversal, explicando a estabilidade das concepções, as representações são mais específicas sobre um determinado conteúdo. Para atingir tais obstáculos é necessário um trabalho transversal, trabalhando o obstáculo de uma forma abrangente, produzindo uma aprendizagem geral e que pode ser relacionada a cada situação particular. No entanto, quando se trata de um verdadeiro obstáculo os alunos tendem a recair logo nas primeiras particularidades (ASTOLFI, 1993). Desta forma o obstáculo precisa ser trabalhado em cada situação-problema, mesmo que aparentemente semelhante. Assim, segundo o autor, a melhor forma seria trabalhar um mesmo obstáculo alternando entre um trabalho global e particular, em que o professor precisa analisar cada caso e julgar suas necessidades, e isso não é tarefa fácil. Astolfi (1993) compreende que não é suficiente trabalhar um obstáculo no plano didático para que este seja rompido, pois não basta convencer o aluno de que sua

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representação não é satisfatória, é necessário que após um conflito sócio-cognitivo (provocado pelo ensino) este aluno disponha de um novo modelo explicativo e mentalmente satisfatório sobre o conceito ou fenômeno tratado. Para que o aluno atinja este novo modelo explicativo é importante articular os dispositivos didáticos, centrados em um obstáculo determinado, com outras situações que trabalham com vários obstáculos implícitos. Esta é a ideia de objetivo-obstáculo, que, de acordo com Astolfi (1993) propõe duas formas de integração para um programa de ensino. A primeira é construir explicitamente um programa em torno da ruptura de um obstáculo previamente localizado, a ação didática gira sobre um ponto chave que valha a pena. A segunda forma, proposta por Matinand, onde os programas didáticos não devem ser construídos em torno de um obstáculo determinado, pois os programas devem ter um ritmo flexível de investigação autônoma. Assim, um pequeno número de objetivos-obstáculos serve para auxiliar o professor a conduzir a atividade. Esta segunda forma circunda o obstáculo e quem orienta as intervenções dos professores, são os alunos. Os alunos que devem superar, por eles mesmos, seus obstáculos, no entanto não podem fazê-lo sozinhos, pois não possuem as ferramentas intelectuais necessárias. É neste momento que entramos nós professores de Ciências, mediando o processo, auxiliando-os nas superações destes obstáculos e compreendendo que nem todos os obstáculos serão superados, e que nem todos os alunos possuem a mesma forma de superação. As discussões, diálogos e trocas de ideias entre grupos, colegas e professores, oferecem ferramentas de auxílio para este processo, mas estes auxílios não podem ser confundidos com a atividade intelectual dos alunos e suas diferenças, esta pode ser a forma mais eficaz para a educação científica.

3 PROCESSOS METODOLÓGICOS Para investigar as concepções alternativas dos estudantes sobre a defesa do nosso organismo contra os vírus, organizamos uma pesquisa de campo, com uma amostra de 43 alunos de 5ª série do Ensino Fundamental (atual 6º ano). Utilizamos como instrumento para coleta de dados um pré-teste, composto de questões abertas sobre os temas relacionados aos mecanismos de defesa do nosso organismo e da infecção pelo vírus da gripe, que favorece a análise de textos e desenhos, conforme figura 1. Os dados coletados foram organizados em unidades de análise, segundo: as formas de contágio da gripe e os mecanismos de defesa do organismo e apresentados em tabelas e categorias, ilustradas com desenhos e citações de respostas dos alunos.

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Figura 1 – Questionário utilizado para coleta de dados.

4 RESULTADOS E CONCLUSÕES Através da análise dos dados do pré-teste, é possível diagnosticar as concepções alternativas ou também chamadas de representações. Observando as respostas dos alunos, foi possível criar uma tabela, com base no questionário aplicado. Apresentamos as respostas dos alunos através de dados percentuais conforme as tabela 1, podemos observar as concepções dos alunos sobre como se pega gripe: 5ª série (atual 6º ano) do Ensino Fundamental Como se pega gripe? Quantidade de alunos Andando descalço 3 Dos colegas 16 Sair ao vento após o banho 5 Das três formas 7 De nenhuma forma 0 Andando descalço e/ou Saindo ao vento após o banho 6 Andando descalço e/ou através dos colegas 4 Através dos colegas e/ou saindo ao vento após o banho 2 Total 43

Percentual 6,97% 37,2% 11,62% 16,27% 0% 13,95% 9,30% 4,65% 100%

Tabela 1 – Resultado – 5ª série do Ensino Fundamental.

Observando estes dados, percebemos que os alunos possuem concepções préestabelecidas, que trazem de seu contexto sócio-cultural. Muitas vezes a teoria que é apresentada aos alunos fica vaga e não é atribuída à vida prática e funcional destes, pelo fato

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de os professores não levarem em conta as concepções alternativas dos alunos e não trabalharem os obstáculos que estas concepções podem apontar. Indicamos algumas falas para que possamos observar concepções errôneas que, muitas vezes permanecem por toda uma vida, constituindo-se fortes obstáculos para os estudantes: “Podemos pegar gripe saindo do chuveiro, pois ocorre um choque térmico que é muito prejudicial”. “Não se pega gripe dos colegas, só o rota-vírus”. “Concordo com a idéia de que se pega gripe dos colegas já contaminados, os vírus pequenos entram pelo nariz”.

Podemos verificar as concepções dos alunos e os obstáculos a serem enfrentados, observando que a grande maioria fez uma relação entre a gripe e andar descalço, e, pegar gripe saindo ao vento. Muitos alunos acreditam que a gripe não pode ser pega através dos colegas. E ainda, poucos alunos tentaram explicar cientificamente como se pega gripe: “(...) Não pegamos através do vento e nem de andar descalço, mas isso pode deixar nosso corpo mais frágil e assim adquirir a gripe com mais facilidade”.

No cotidiano, nas relações familiares, e até mesmo na mídia ou em programas de divulgação científica, faz-se o uso de analogias e metáforas. Identificamos, através dos desenhos solicitados no pré-teste que os alunos utilizaram analogias para explicar como agem os anticorpos em nosso organismo, fazendo comparações entre estruturas coincidentes entre dois domínios diferentes: o sistema imunológico e uma operação de guerra – defesa (NAGEM et al., 2003). Com base nos dados obtidos, percebemos que uma boa parcela dos alunos fez uso de analogia quando desenhou a maneira como o organismo se protege da gripe, visualizamos nas imagens abaixo:

Figura 2 – Organismo humano “armado” contra a gripe.

Figura 3 – A “guerra” contra os vírus.

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Figura 4 – Soldado (anticorpo) versus bomba (vírus).

Através das figuras 2, 3 e 4 apresentadas, é possível ter uma noção das analogias feitas ao sistema imunológico, os anticorpos sendo um exército, que atua para expulsar a gripe de nosso organismo. Alguns estudantes fizeram analogias referindo-se aos antígenos, como sendo monstros (figura 5) ou bombas.

Figura 5 – Antígenos representados por monstros. E bactérias “boas” que auxiliam na “luta”.

Pouquíssimos alunos tentaram representar seus desenhos explicativos, de forma científica, supomos que se basearam em programas de divulgação científica disponíveis nos canais de televisão:

Figura 6 – A busca por uma explicação científica sem o uso de analogias.

De acordo com Bialvo e John (2007, p.03) “analogias e metáforas fazem parte de nosso cotidiano na medida em que comparamos algo que é similar. A linguagem apresenta-se

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como forma de expressão individual de cada ser e é através dela que deciframos os códigos naturais de sobrevivência”. Estas analogias incidem em aproximar o conceito científico e a realidade do aluno. Para Francisco Jr et al. (2011, p.86) “o uso de analogias está enraizado no cotidiano e mesmo no próprio ato de cognição humana. As analogias, em geral, configuramse numa comparação entre dois eventos: um que se pretende explicar e, portanto, desconhecido, e o já conhecido e que servirá de referência.” Nas próprias aulas de ciências é comum a utilização de analogias, por professores e pelo livro didático. Para Duit (1991) a analogia é como “faca de dois gumes”, que pode não surtir o efeito esperado. Os alunos podem se confundir e podem ficar somente com as concepções das analogias e estas fortalecerem-se como obstáculos para a aprendizagem. Andrade et al. (2002) afirma que “devemos ter cuidado com o uso de analogias e metáforas apresentadas nos livros didáticos pois, em geral, não parece haver preocupação com a forma de abordagem dessas analogias nos livros, ou seja, não se consegue estabelecer se as apresentações obedecem a alguma abordagem sistematizada. Estas apresentações, particularmente em Biologia, não evidenciam uma preocupação com as características do conceitoanálogo (isto é, aquele que é mais familiar ao aluno) que não serão utilizadas como referências para se pensar sobre conceito-alvo (ou seja, aquele que se pretende ensinar). Isto pode contribuir para a formação ou reforço de concepções alternativas, baseadas justamente em aspectos onde o análogo e o alvo não se correspondem.”

Andrade et al. (2002) ao analisar as obras de Bachelard, nos auxilia a compreender que os obstáculos à aprendizagem, fortalecidos muitas vezes por analogias, são obstáculos epistemológicos fundamentados na experiência primeira, no conhecimento geral e no abuso das imagens usuais, que entravam o pensamento científico. Desta forma, compreendemos que estes obstáculos, quando fortalecidos por analogias e quando não são trabalhados na escola em busca da superação, tornam-se obstáculos resistentes a qualquer mudança, e perduram por toda a vida. Vimos, através das imagens desenhadas pelos alunos neste estudo, que as analogias entre as ações do sistema imunológico e uma guerra (constituída por agentes de defesa, “os mocinhos” e o os antígenos - vírus da gripe - “os vilões”), podem constituir-se como obstáculos ao pensamento científico. O aluno pode passar a considerar um caso (a guerra contra os vírus), como uma única imagem que constitui toda a explicação para o fato ou fenômeno (ANDRADE et al., 2002).

Por isso, destacamos a necessidade de identificação destas situações por parte dos professores, para que possam avaliar e trabalhar em busca de uma aprendizagem significativa que supere os mais diversos obstáculos, inclusive os das analogias. Temos que nos dar conta de que o ensino tradicional, centrado no repasse de informações, não possibilita uma aprendizagem significativa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo podemos destacar três pontos relevantes: (1) os alunos possuem concepções pré-estabelecidas sobre os mais diversos assuntos, dentre eles, sobre o sistema imunológico humano, aqui diagnosticado; (2) estas concepções sobre o sistema de defesa do corpo humano contra a gripe, estão enraizadas por analogias, constituídas por diversos fatores e tornam-se bases fundamentais para as explicações dos fenômenos pelos alunos; (3) as analogias que compõem as concepções alternativas dos estudantes podem fortalecer as concepções alternativas e tornarem-se fortes obstáculos para a aprendizagem. Acreditamos que em sala de aula as concepções precisam ser reconhecidas e confrontadas pelos professores, levando em conta a complexidade associada aos aspectos psicológicos que estruturam estas concepções e utilizá-las como referencial para o planejamento das aulas de Ciências (SCHROEDER et al. 2005). Mortimer citado por Kohnlein e Peduzzi (2002) firma que uma mudança radical nas concepções dos alunos é muito difícil ocorrer, uma meta mais realística poderia ser o crescimento ou o desenvolvimento conceitual. Porém, como não é com qualquer atividade de ensino que se pode alcançar esse objetivo, faz-se necessário apresentar aos alunos questões, problemas ou situações problematizadoras que possam fazer evoluir essas concepções para o conhecimento científico Neste sentido, propomos que o planejamento das aulas seja seguido pelo referencial de objetivo-obstáculo de Astolfi (1993). Este autor apresenta três etapas para o trabalho didático de ruptura de obstáculo: detecção, desestabilização, e ruptura do obstáculo. A primeira etapa da detecção é a fase de tomada de consciência do obstáculo, a qual o professor precisa conduzir os alunos a expressar seus obstáculos através de escritos, desenhos, gráficos etc. A intenção é a tomada de consciência pelos próprios alunos de seus obstáculos, podendo ser feita em uma mesma classe ou grupo ao colocar sistemas interpretativos divergentes em choque. Esta detecção não poderá produzir a superação de obstáculo, no entanto não se pode negar sua função no processo. A segunda etapa é a desestabilização do obstáculo, através dos conflitos sócio-cognitivos (propostos por Piaget), busca-se desestabilizar os conceitos dos alunos. O confronto entre as diversas representações de um grupo de alunos é uma forma de fazer com que os alunos comparem e busquem reduzir suas divergências interpretativas. Após a desestabilização, a etapa final é a ruptura do obstáculo, ela deve vir acompanhada por uma elaboração conceitual alternativa por parte dos indivíduos. Os alunos devem sofrer uma reorganização racional do saber, através de um novo modelo

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satisfatório e funcional para explicar o mundo. O aluno deve “primeiramente construir ativamente novas ferramentas conceituais, para depois fazê-las funcionar em novos contextos, antes de passar a utilizá-las definitivamente” (ASTOLFI, 1993. p.302 – tradução nossa). Desta forma a superação dos obstáculos exige muitas operações intelectuais que não ocorrem necessariamente ao mesmo tempo durante a aprendizagem. Os professores precisam saber, e talvez aprender, a organizar suas aulas de uma maneira que favoreça aos alunos reconhecer e superar os obstáculos, apropriando-se dos conhecimentos científicos. Concordamos com (SCHROEDER et al., 2005) que a sala de aula deve ser um local de debates, discussões, especulações e não de buscas de certezas. É necessário compreender que abordar um conceito científico em sala de aula “requer o seu domínio histórico e epistemológico, bem como a explicitação da sua importância para a compreensão da vida cotidiana dos alunos no mundo atual e, principalmente, de suas perspectivas futuras, já que a educação visa à formação do cidadão” (SCHROEDER et al., 2005). Nossas reflexões inferem a outros apontamentos importantes e que não foram nossos objetos de discussão, como a formação e a capacitação continuada de professores de Ciências. Quanto à formação de professores: os cursos de licenciaturas necessitam de maiores discussões e aprofundamentos teóricos referentes à didática das ciências. E os professores de ciências precisam estar em constante aperfeiçoamento da prática docente, identificando os obstáculos pedagógicos de suas práticas. REFERÊNCIAS Andrade, B.L., Zylbersztajn, A. & Ferrari, N. Analogias e metáforas no Ensino de Ciências à luz de Gaston Bachelard. Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, Vol. 02, nº 2, 2002. ASTOLFI, J.P. Conceptos Clave Em La Didáctica de las Disciplinas. Sevilla: Diáda Editora, 2001. ASTOLFI, J.P. Los obstáculos para el aprendizaje de conceptos em ciencias: la forma de franquearlos didáticamente. In. PALACIOS, C., ANSOLEAGA, D. & AJOS, A. (Org). Diez años de investigación e innovcioón em enseñanza de lãs ciências. Madrid, CIDE. 1993. ASTOLFI, J.P. e DEVELAY, M. A didática das ciências. Tradução Magda S. S. Fonseca – Campinas, SP: Papirus, 1991 – 2ª ed. BIALVO Hoffmann, Marilisa; JOHN Scheid, Neusa Maria. Analogias como ferramenta didática no ensino de biologia. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, vol. 9, n. 01, p. 1-17, 2007. CAZELLI, S. et. al. Tendências Pedagógicas das Exposições de um Museu de Ciência. Disponível em:

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http://www.cciencia.ufrj.br/Publicacoes/Artigos/Seminario/Art.Sem.Internacional.99%20Sibe le.doc. Acesso em 02 dez.2006. DUIT, J. Analogias utilizadas no ensino dos modelos atômicos de Thomson e Bohr: uma análise crítica sobre o que os alunos pensam a partir delas. Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: . Acesso em: 02 dez.2006. FRANCISCO JUNIOR, Wilmo Ernesto; BARROS, Aline Araújo Dias; GARCIA, Viviane Martins; OLIVEIRA, Ana Carolina Garcia. Um estudo das analogias sobre equilíbrio químico nos livros aprovados pelo PNLEM 2007. Rev. Ensaio. vol.13, n.02, p.85-100. 2011 KOHNLEIN, J. F. K; PEDUZZI, S. S. Um estudo a respeito das concepções alternativas sobre calor e temperatura. . Revista Brasileira de Investigação em Educação em Ciências, Santa Catarina, v.2, n.3, p.84-96, 2002. LESSA, D.B.; GUTJAHR, F.R.; PEDROSO, I.; WAGNER, J.; INÁCIO, T.; VENTURI, T.; TOMIO, D. Como se “pega” a gripe? Um estudo das concepções alternativas de estudantes sobre o sistema imunológico. In: Atas do XIV Encontro Nacional de Ensino de Química. Curitiba – PR: 2008. Disponível em Acesso em 25. Fev. 2012. NAGEM, Ronaldo Luiz ; SENAC, Ana Maria ; SILVA, Cinthia Maria Gomes e ; CARVALHO, Ewaldo Melo de . Analogias e Metáforas no Cotidiano do Professor - Texto complementar. In: 26a. Reunião Anual da ANPEd, 2003, Poços de Caldas. Novo Governo. Novas Políticas?. Rio de Janeiro, p. 1-13, 2003. SCHROEDER, E. ; MENESTRINA, T. C. ; GIASSI, M. G. . As concepções alternativas dos alunos como referencial para o planejamento de aulas de ciências: análise de uma experiência didática para o estudo dos répteis. In: encontro nacional em pesquisa em educação em ciências., 2005, Bauru. Cadernos de resumos. Bauru : ABRAPEC, 2005. v. 5. TOMIO, Daniela. De Corpo Praticante a Corpo Aprendente o professor de Ciências nos seus espaços de aprender. Itajaí: Univali, 2002.

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