Análise das correlações entre as coocorrências de traços distintivos no ataque simples em crianças com perturbação fonológica

May 26, 2017 | Autor: C. Lazzarotto-Volcão | Categoria: Fonoaudiologia, Desvio Fonológico
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REVISTA PORTUGUESA DE TERAPIA DA FALA Submetido: 31 agosto 2015 Aceite: 19 outubro 2015 Online: 30 outubro 2015

ARTIGO

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA

REVISTA PORTUGUESA DE TERAPIA DA FALA

VOLUME 4 - ANO III - 2015

Análise das correlações entre as coocorrências de traços distintivos no ataque simples em crianças com perturbação fonológica Analysis of correlations between the co-occurrences of distinctive features in simple onset in children with phonological disorders Vanessa Giacchini1, Cristiane Lazzarotto-Volcão2, Helena Boli Motta3 1

Fonoaudióloga, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria, Docente do curso de Graduação em Fonoaudiologia da Universidade de Passo Fundo. 2 Fonoaudióloga, Doutora em Letras (Linguística Aplicada) pela Universidade Católica de Pelotas, Docente do curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. 3 Fonoaudióloga, Doutora em Letras (Linguística Aplicada) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Docente do curso de Graduação em Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria.

RESUMO Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar as correlações existentes entre as coocorrências de traços distintivos no ataque simples a partir de um banco de dados de fala de crianças com perturbação fonológica. Métodos: A amostra foi composta por dados de fala de 31 sujeitos, provenientes de um banco de dados, com diagnóstico de perturbação fonológica, com idades entre os 4:1 anos e os 7:1 anos, monolíngues do português do Brasil, sem equiparação quanto ao sexo. Foram analisados os dados da recolha inicial de fala quanto à produção correta das coocorrências responsáveis pela aquisição dos segmentos em ataque simples. A análise da correlação foi realizada através do Coeficiente de Correlação de Pearson, com nível de significância de α. 0.05. Resultados: As correlações positivas observadas no ataque simples demostraram que o traço de vozeamento está na dependência da coocorrência dos traços relativos a ponto no contexto das oclusivas, sugerindo que o sistema fonológico das crianças com perturbação fonológica tente a ser anti-económico. Foi verificado, também, que o contraste entre fricativas e oclusivas melhora o desempenho dos contrastes nas classes das nasais e nas fricativas. Conclusão: As crianças com perturbação fonológica têm a tendência de não empregar os traços de forma maximamente combinada na classe das oclusivas, demostrando caráter anti-económico na construção dos seus sistemas fonológicos. PALAVRAS-CHAVE: Perturbação do sons da fala; Linguagem; Terapia de fala.

ABSTRACT Abstract: The aim of this study was to investigate the correlation between the co-occurrences of distinctive features in simple onset in a child speaks database with speech sound disorders. Methods: The sample consisted of speech data of 31 subjects from a database, diagnosed with phonological disorder, aged 4:1 year and 7:1 year, monolingual Brazilian Portuguese, not equally distributed for gender. Data from initial collection of speech were analyzed for correct production of co-occurrences responsible for the acquisition of the segments in simple onset. The correlation analysis was performed using Pearson’s correlation coefficient with significance level of α. 0.05. Results: The positive correlations observed in simple onset, showed that the loudness feature is dependent on the co-occurrence of strokes on the point in the context of plosives, suggesting that the phonological system of children with phonological disorder tends to be uneconomical. It was found also that the contrast between fricative and plosive, improves the performance of contrasts in classes and in the nasal fricatives. Conclusion: The phonological system of children with phonological disorder tends to not employ the features of maximally combined basis in the class of plosives, showing uneconomical character in the phonological system of children. KEYWORDS: Speech sound disorders; Language; Speech therapy

Autor correspondente: [email protected] 30

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INTRODUÇÃO A aquisição fonológica da língua pode ser compreendida como um processo gradual de domínio do sistema de fones contrastivos e das estruturas silábicas da língua, que se estabelece quando a criança adquire um sistema semelhante à fala do grupo social em que está inserida1. A aquisição fonológica típica ocorre de forma gradual, não linear em que a criança estabelece um sistema fonológico semelhante aos seus pares de mesma idade, respeitando nesse percurso as diferenças individuais de cada infante2-3. Durante esse processo, a forma como a estrutura interna dos segmentos vai sendo arquitetada e o modo como a estrutura silábica consoante-vogal (CV) se estende para estruturas mais complexas são importantes questões analisadas na fala das crianças1,4. Dessa forma, a aquisição do sistema fonológico da língua implica não só o domínio dos segmentos dessa língua, mas principalmente a aquisição dos traços fonológicos responsáveis pelos contrastes entre os segmentos4-5. No entanto, nem sempre a aquisição fonológica de uma língua é considerada típica, em alguns casos as crianças têm seu sistema fonológico organizado seguindo outros “caminhos”. O resultado disso é um sistema que diverge da língua-alvo, inapropriado em relação à fonologia da língua de seu ambiente. Classifica-se essa forma de desenvolvimento como perturbação fonológica3,6. A perturbação fonológica pode ser definida como uma alteração linguística que se manifesta pelo uso de padrões distintos do esperado, a qual afeta o nível fonológico da organização linguística e não o mecanismo da produção articulatória6. Apesar de não apresentarem um problema orgânico detectável, as crianças com perturbação fonológica exibem um sistema que não coincide com o esperado na sua comunidade linguística. A perturbação caracteriza-se por uma produção inadequada de sons e pelo uso inapropriado de regras fonológicas6-8. Através das teorias fonológicas, busca-se descrever, analisar, classificar e explicar os processos de aquisição do sistema fonológico, de uma forma mais apurada, um exemplo disso é o Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes (doravante PAC)5. Esse modelo possibilita reconhecer a constituição de classes naturais (por meio da presença dos contrastes), a identificação da construção gradual de segmentos ausentes (pela demonstração de contrastes ainda em aquisição) e a visualização da organização dos traços atuando em coocorrência com outros5. Assim, a avaliação fonológica seguindo as premissas do PAC

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possibilita visualizar quais os contrastes presentes no sistema fonológico da criança, como também aqueles que estão em processo de aquisição e aqueles que estão ausentes5. O modelo PAC foi construído com base na proposta dos Princípios Fonológicos baseado em Traço9. A partir da avaliação de dados de diversas línguas do mundo, o estudo9 propôs cinco princípios fonológicos, que regem a organização dos sistemas fonológicos das línguas, os quais são resumidamente descritos a seguir: 1) Limitação de Traços (Feature Bounding): refere-se ao poder que os traços possuem para aumentar o número de categorias potencialmente contrastivas em um sistema. 2) Economia de Traços (Feature Economy): por esse princípio, os traços, uma vez presentes em um sistema, tendem a ser combinados maximamente. 3) Evitação de Traços Marcados (Marked Feature Avoidance): refere-se ao fato de que certos valores de traços tendem a ser evitados pelas línguas. 4) Robustez (Robustness): diz respeito ao fato de certos contrastes, relativos a traços mais robustos, apresentarem a tendência de serem mais frequentes, se comparados a contrastes relativos a traços menos robustos. 5) Reforço Fonológico (Phonological Enhancement): esse princípio refere-se ao fato de valores marcados de traços poderem ser introduzidos em um sistema para reforçar contrastes perceptuais fracos. Tendo como ponto de partida o princípio de Robustez9, o qual sugere que as crianças adquirem inicialmente os contrastes mais robustos para depois adquirir os contrastes menos robustos da língua, o modelo PAC5 permite avaliar e classificar os desvios fonológicos por meio da análise dos contrastes, verificando quais estão presentes, ausentes ou em aquisição nos sistemas das crianças. Por meio da proposta, é possível verificar as distinções contrastivas e em quais contextos a criança é capaz de realizá-las5. Na avaliação dos sujeitos com suspeita de perturbação fonológica, tem-se empregado na prática clínica análise contrastiva, análise por traços distintivos e análise dos processos fonológicos, essas análises têm como enfoque a avaliação dos segmentos na língua. Estudos4-5 recentes sugerem que a avaliação de crianças com perturbação fonológica seja realizada por meio da análise dos contrastes nos diferentes contextos em que eles ocorrem e pela análise dos traços atuando em coocorrência com outros. Assim, o PAC não avalia o segmento, mas sim as coocorrências existentes para o surgimento desse segmento, a avaliação obtida pelo PAC permite uma visão ampla 31

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Quadro 1 - Variáveis baseadas nas coocorrências de Traços de Consoantes para aquisição do Português Brasileiro5 Contrastes avaliados

[±soante]

Soante X Obstruintes

[-soante,-contínuo,coronal] [-soante,-contínuo,labial] [-soante,-contínuo,dorsal]

Contraste de ponto articulatório nas oclusivas Coronal /t/ /d/ X Labial /p/ /b/ X Dorsal /k/ /g/

[-soante, coronal, ±voz] [-soante, labial, ±voz] [-soante, dorsal, ±voz]

Contraste de vozeamento nas oclusivas - Surda X Sonora /t/ X /d/; /p/ X /b/; /k/ X /g/

[+soante,-aproximante,labial] [+soante,-aproximante, coronal]

Nasal labial X coronais /m/ X /n/ / /

[+soante,-aproximante,coronal,±anterior]

Nasal coronal anterior X não anterior /n/ X / /

Grupo d

Grupo c

Grupo b

Grupo a

Escala de Robustez para Coocorrências de Traços de Consoantes para a aquisição do português brasileiro

[-soante, ±contínuo]

Oclusivas X fricativas

[-soante,+contínuo,coronal] [-soante,+contínuo,labial]

Fricativas coronais X labiais /s/ /z/ /ʃ/ /ʒ/ X /f/ /v/

[-soante,+contínuo,coronal, ±voz]

Fricativas coronais surdas X sonoras /s/ /ʃ/ X /z/ /ʒ/

[-soante,+contínuo,labial, ±voz]

Fricativa labial surda X Sonora /f/ X /v/

[+soante, ±aproximante]

Nasais X líquidas

[-soante,+contínuo, coronal, ±anterior]

Fricativa coronais anteriores X não-anteriores /s/ /z/ X /ʃ/ /ʒ/

[-soante, +contínuo, coronal, -anterior, ±voz]

Fricativa coronal não-anterior surda X sonora /ʃ/ X /ʒ/

[+soante,+aproximante,±contínuo]

Líquidas laterais X não-laterais

[+soante,+aproximante,-contínuo,±anterior]

Líquida lateral anterior X não-anterior /l/ X / /

[+soante,+aproximante,+contínuo,coronal] [+soante,+aproximante,+contínuo,dorsal]

Líquida não-lateral coronal X dorsal / / X /R/

dos contrastes no sistema fonológico do sujeito com perturbação fonológica e não apenas a verificação do contraste entre os segmentos. Como base na avaliação realizada a partir do PAC, essa pesquisa teve como objetivo verificar as correlações existentes entre as coocorrências de traços distintivos no processo de aquisição do ataque simples na fala de crianças com perturbação fonológica. MÉTODOS O corpus utilizado na pesquisa é proveniente de um banco de dados do Centro de Estudos de Linguagem e Fala em que constam recolhas de dados de crianças com diferentes gravidades de perturbação fonológica. Os dados foram recolhidos respeitando todas as considerações éticas de pesquisa. O corpus 32

faz parte de um projeto aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul/Brasil), sob o número 052/2004. Trata-se de um estudo transversal retrospectivo, que analisou dados de fala de 31 sujeitos, com idade entre 4:1 e 7:1 anos, falantes monolíngues do português do Brasil, não equiparados quanto ao sexo e com diferentes gravidades de perturbação fonológica. Nenhuma das crianças apresentava alterações nos aspectos neurológico, psicológico/emocional, cognitivo e auditivo, bem como no aparelho fonador. O banco de dados analisado adota a Avaliação Fonológica da Criança10 como instrumento para a recolha, análise e armazenamento dos registos de fala. Com base nesse instrumento de recolha, é possível obter amostras de fala que contenham todos os fones contrastivos do português do Brasil, em todas as po-

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Tabela 1 – Variáveis com maior número de correlações positivas e estatisticamente significantivas na aquisição do ataque simples no português brasileiro Corr(r)

α

[-soante,lab.,+voz] X [-soante,dor.,+voz] [-soante, -cont, co X [-soante,+cont.,cor.,+voz] [-soante, -c o cr] X [-soante,+cont.,lab.,+voz] [-soante, -cont, cr] X [-soante,+cont.,cor.,-ant.,+voz]

0.42 0.51 0.43 0.43

.0176 .0032 .0156 .0155

[-soante,±cont.] X [-soante,+cont.,cor.] [-soante, -co X [-soante,+cont.,lab.] [-soante, -co X [-soante,+cont.,cor.,+voz] [-soante, -co X [-soante,+cont.,lab.,+voz] [-soante, -co X [-soante,+cont.,cor.,±ant.] [-soante, -co X [-soante,+cont.,cor.,-ant.,+voz]

0.76 0.71 0.56 0.63 0.58 0.43

.0000 .0000 .0009 .0001 .0005 .0134

[-soante,+cont.,cor.] X [-soante,+cont.,lab.] [-soante, -cont, c X [-soante,+cont.,cor.,+voz] [-soante, -con c X [-soante,+cont.,cor.,±ant.] [-soante, -ont, c X [-soante,+cont.,cor.,-ant.,+voz] [-sonte, -cont, c X [+soante, ±aprox.] [-sonte, -cont, c X [+soante,+aprox.,-cont.,±ant.] [-sonte, -cont, c X [+soante,+aprox.,+cont.,cor.]

0.42 0.75 0.54 0.37 0.40 0.34 0.36

.0158 .0000 .0015 .0401 .0228 .0282 .0448

[+soante,±aprox.] X [+soante,+aprox.,±cont.] [-soante, -c X [+soante,+aprox.,-cont.,±ant.] [-soante, -co c X [+soante,+aprox.,+cont.,cor.] [-soante, -co c X [+soante,+aprox.,+cont.,dor.]

0.68 0.68 0.55 0.62

.0000 .0006 .0013 .0002

Variáveis

Legenda: cont.: contínuo; cor.: coronal; lab.: labial; dor.: dorsal; ant.: anterior; aprox.: aproximante Análise estatística: Coeficiente de Correlação de Pearson, α>0.05.

sições que podem ocorrer tanto em relação à estrutura da sílaba, quanto da palavra. A recolha da fala é realizada através da nomeação e fala espontânea de cinco desenhos temáticos (banheiro, cozinha, sala, veículos e zoológico). Foram selecionados os dados obtidos na avaliação inicial de 31 sujeitos, com diferentes gravidades de perturbação fonológica. Foram avaliadas as produções das crianças na estrutura de ataque simples (tanto inicial quanto medial), esses dados foram descritos e analisados conforme as premissas previstas pelo PAC. Foram avaliados os valores obtidos, por cada um dos sujeitos, na produção das coocorrências de traços distintivos estabelecidas em cada uma das etapas previstas pelo PAC. As coocorrências de traços distintivos analisadas são baseadas na Escala de Robustez para Coocorrências de Traços de Consoantes para a aquisição do português do Brasil4, apresentadas no Quadro 1. Foi analisada a produção de cada uma dessas coocorrências de traços distintivos e verificados os contrastes estabelecidos no sistema de cada uma das crianças. Para realização da análise de correlação entre as variáveis, foram consideradas as coocorrências de Traços de Consoantes apresentadas no Quadro 1, como variáveis e correlacionadas entre si. A medida

de correlação utilizada foi o Coeficiente de Variação de Pearson, com nível de significância de 5%, com emprego do software estatístico Costat. RESULTADOS Estão apresentados nos resultados apenas aqueles que obtiveram correlação positiva e estatisticamente significante entre si. Avaliando os contrastes estabelecidos a partir das coocorrências entre os traços no ataque simples, foi verificado que os contrastes entre Soante (/m/, /n/, / /, /l/, / /, /R/, / /) X Obstruinte (/t/, /d/, /p/, /b/, /k/, /g/, /f/, /v/, /s/, /z/, /ʃ/, /ʒ/), Nasais coronais (/n/, / /) X labial (/m/), Nasal coronal anterior (/n/) X não-anterior (/ /) e o contraste de ponto labial nas oclusivas obtiveram produção categórica, ou seja, 100% de produção correta. O que demonstra que na amostra avaliada esses contrastes não são problemáticos para as crianças com perturbação fonológica. A Tabela 1 apresenta as variáveis que tiveram maior número de correlações positivas e estatisticamente significantes entre si na aquisição do ataque simples no português brasileiro. Destaca-se que nem todas as coocorrências obtiveram correlação positiva e estatisticamente significante entre si. 33

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Tabela 2 – Coeficiente de Correlação de Pearson nas variáveis com menor número de correlações positivas e estatisticamente significantes na aquisição do Ataque Simples no português brasileiro Corr(r)

α

[-soante,-cont.,cor.] X [-soante,cor., +voz]

0.44

.0117

[-soante,-cont.,dor.] X [-soante,dor.,+voz]

0.83

.0000

[-soante,cor.,+voz] X [-soante,lab.,+voz] [-soante, -cont,] X [-soante,+cont.,cor.,+voz] [-soante, -cont, X [-soante,+cont.,lab.,+voz]

0.74 0.35 0.35

.0000 .0496 .0490

[-soante,+cont.,labial] X [-soante,+cont.,lab., +voz] [-soante, -cont, c X [-soante,+cont.,cor.,±ant.] [-soante, -cont, c X [-soante,+cont.,cor.,-ant.,+voz]

0.87 0.47 0.47

.0000 .0074 .0075

[-soante,+cont.,cor.,+voz] X [-soante,+cont.,lab.,+voz] [-soante, -cont, c X [-soante,+cont.,cor.,±ant.] [-soante, -cont, c X [+soante,+aprox.,-cont.,±ant.]

0.40 0.49 0.41

.0241 .0050 .0203

[-soante,+cont.,lab.,+voz] X [-soante,+cont.,cor.,±ant.] [-soante, -cont, c X [-soante,+cont.,cor.,-ant.,+voz]

0.44 0.51

.0128 .0032

[-soante,+cont.,cor.,±ant.] X [-soante,+cont.,cor.,-ant.,+voz] [-soante, -cont, c X [+soante,+aprox.,-cont.,±ant.]

0.86 0.41

.0000 .0198

[+soante,+aprox.,±cont.] X [+soante,+aprox.,-cont. ±ant.] [-soante, -cont, c X [+soante,+aprox.,+cont.,cor.] [-soante, -cont, c X [+soante,+aprox.,+cont.,dor.]

0.42 0.91 0.76

.0172 .0000 .0000

[+soante,+aprox.,-cont.,±ant.] X [+soante,+aprox.,+cont.,cor.]

0.50

.0036

[+soante,+aprox.,+cont.,cor.] X [+soante,+aprox.,+cont.,dor]

0.45

.0107

Variáveis

Legenda: cont.: contínuo; cor.: coronal; lab.: labial; dor.: dorsal; ant.: anterior; aprox.: aproximante Análise estatística: Coeficiente de Correlação de Pearson, α>0.05.

Foi verificado que o aumento da produção correta da coocorrência responsável pelo contraste entre oclusivas (/t/, /d/, /p/, /b/, /k/, /g/) e fricativas (/f/, /v/, /s/, /z/, /ʃ/, /ʒ/) gerou um aumento da produção correta das variáveis correspondentes às distinções de vozeamento e ponto articulatório, nas fricativas coronais (/s/, /z/, /ʃ/, /ʒ/) e nas oclusivas labiais (/p/, /b/) e coronais (/t/, /d/), como pode ser observado no Tabela 1. Observa-se na Tabela 1 que a variável que obteve maior número de correlação positiva com as demais foi a coocorrência responsável pela distinção de ponto coronal nas fricativas. Os resultados apontaram que o aumento da produção correta da coocorrência responsável pelo contraste de ponto coronal nas fricativas (s/ /ʃ/ /z/ /ʒ/ X /f/ /v/) promoveu um incremento na produção correta das coocorrências responsáveis pelo contraste entre nasais e líquidas; de ponto e vozeamento nas fricativas labiais e coronais; pela distinção entre líquidas laterais anteriores e não anteriores; e pela distinção de ponto coronal nas líquidas não-laterais, sendo o contrário também verdadeiro. Na Tabela 2, são demontradas as variáveis que obtiveram o menor número de correlações positivas e estatisticamente significantes entre si na aqui34

sição do ataque simples no português brasileiro. Na análise das correlações entre as variáveis, foi verificado que o aumento da produção correta da variável correspondente à coocorrência responsável pela distinção de ponto nas oclusivas coronais e dorsais aumentava a produção correta da coocorrência responsável pelo contraste de vozeamento nesses contextos (Tabela 2). Os resultados apontam também que quanto maior for a produção correta da coocorrência responsável pela distinção de vozeamento nas oclusivas coronais (/t/ X /d/), maiores serão as produções das coocorrências responsáveis pelos contrastes de vozeamento nas fricativas coronais (/s/ /ʃ/ X /z/ /ʒ/) e labiais (/f/ X /v/), e nas oclusivas labiais (/p/ X /b/) (Tabela 2). Além disso, o aumento da produção correta da coocorrência responsável pela distinção de vozeamento nas oclusivas labiais (/p/ X /b/) promoveu um aumento na produção correta da coocorrência responsável por esse contraste nas oclusivas dorsais (/k/ X /g/), nas fricativas labiais (/f/ X /v/) e coronais (/s/ X /z/; /ʃ/ X /ʒ/) (Tabela 1). Verificou-se que o aumento da produção correta das variáveis relacionadas com as coocorrências responsáveis pelos contrastes nas líquidas laterais

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([+soante, +aproximante, ±contínuo]) geraram um aumento positivo nas produções da líquida não-lateral coronal (/ /), e essas, quando aumentavam a sua produção, favoreciam a produção da líquida não-lateral dorsal (/R/) (Tabela 2). Em contrapartida, as variáveis correspondentes às coocorrência relacionadas à distinção de ponto e vozeamento nas oclusivas coronais e dorsais; à distinção entre líquida lateral anterior e não-anterior; e à distinção de ponto dorsal e coronal nas líquidas não-laterais foram as que apresentaram um menor número de correlações positivas entre as variáveis (Tabela 2). DISCUSSÃO Os resultados apontaram a produção categórica do contraste entre obstruintes e soantes, dos contrastes na classe das nasais e do contraste de ponto labial nas oclusivas. Os estudos indicam que o contraste entre soantes e obstruintes é um dos mais frequentes na língua e de estabilização mais precoce. Devido a essa alta frequência nas línguas, o traço [soante] está posicionado no alto da hierarquia de robustez, a qual sugere que os traços dispostos mais altos na hierarquia são adquiridos mais cedo que os contrastes mais baixos4-5,9,11-13. A estabilização desse contraste possibilita a distinção entre os segmentos [-soante] (oclusivas e fricativas) e os segmentos [+soante] (nasais e líquidas), indicando a presença de segmentos pertencentes a ambas as classes nos sistemas das crianças avaliadas. Essa produção categórica do contraste entre soantes e obstruintes indica que os alvos soantes que ainda não foram adquiridos são substituídos por outros sons soantes. Os alvos contendo obstruintes, ainda não dominadas pelos sujeitos, são substituídos por outras obstruintes, comportamento observado também em outros estudos4,5,11,13. O contraste na classe das nasais obteve produção categórica por todos os sujeitos. As nasais, juntamente com as oclusivas, são consideradas os primeiros segmentos a serem produzidos e estabilizados pelos sujeitos, por volta dos 2:0 anos, não sendo frequentes erros após essa idade e quando observado eles atingem a nasal coronal não-anterior5,14,15. O contraste de ponto labial nas oclusivas também foi realizado de forma categórica pelos sujeitos, confirmando o apresentado em estudos que sugerem o ponto labial como mais robusto que o ponto coronal e o dorsal e, assim, adquirido mais cedo pelos sujeitos4-5,9,11,13,16. A análise das correlações entre as variáveis indicou que a estabilização do traço de ponto [labial] e [dorsal] auxilia para um aumento da produção correta das variáveis [-soante, coronal, +voz] e [-soante, labial, +voz], o que demonstra que para o grupo analisado

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a estabilização do traço de ponto ocorreu antes da estabilização do traço de vozeamento. Comportamento que concorda com estudo, o qual indica que, em crianças com perturbação fonológica, a estabilização do traço de vozeamento na classe das oclusivas ocorre após a aquisição do contraste de ponto5. Os resultados demonstraram também que, quanto maior for a produção correta da coocorrência responsável pelo segmento /d/, maiores serão as produções corretas das coocorrências responsáveis pelos segmentos /b/, /z/, e /v/. Esse comportamento evidencia que o sistema das crianças com aquisição atípica tende a não ser económico. Pelo Princípio da Economia de Traços, uma vez que o traço é admitido no sistema, ele deve ser maximamente combinado9, o que não é observado nos dados da amostra analisada. Os sujeitos avaliados já possuíam o traço [+voz] presente nos seus inventários fonológicos, contudo essa presença não favoreceu a produção de todos os contrastes de vozeamento que a língua alvo possui. Comportamento semelhante ao observado em outro estudo5, que verificou que as crianças com perturbação fonológica tendem a ter um sistema anti-económico. Dentre os resultados, destaca-se a variável correspondente à coocorrência responsável pelo contraste entre oclusivas e fricativas. O aumento da produção correta dessa coocorrência gerou um aumento na produção correta das coocorrências responsáveis pelos contrastes de ponto e vozeamento nas fricativas labiais, fricativas coronais anteriores e fricativas coronais não-anteriores, sendo o contrário também verdadeiro. Esse resultado demonstra que, para esse grupo de sujeitos, a estabilização da classe das fricativas ocorreu de forma conjunta. O que indica que o aumento da produção correta em uma das coocorrências auxilia na melhora da produção de todas as outras coocorrências da classe das fricativas. Essa correlação positiva verificada na classe das fricativas pode ser explicada a partir da interação entre o Princípio de Evitação de Traços Marcados e o Princípio da Economia de Traços9. Pela interação desses dois princípios, espera-se que no momento em que determinado traço estiver presente no sistema (apesar de ser considerado marcado), o Princípio da Economia force para que ocorra um aproveitamento máximo desse contraste, como observado nas fricativas sonoras, as quais são compostas por traços marcados [voz] e [contínuo]. Assim, as línguas que licenciam tal possibilidade costumam combinar esses traços com mais um traço de ponto, desse modo, uma vez que existam fricativas no sistema, existirão, pelo menos, duas distinções de ponto nessa classe de sons4-5,9,17, como verificado na amostra estudada. 35

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REVISTA PORTUGUESA DE TERAPIA DA FALA - Correlações entre as coocorrências de traços distintivos no ataque simples

A classe das líquidas foi a que menos gerou correlações positivas. Observou-se que as líquidas têm maiores benefícios quando há uma produção correta das coocorrências relacionadas à distinção entre as soantes (líquidas X nasais); entre líquida lateral e não-lateral e na estabilização das coocorrências de ponto dentro da classe. A classe das líquidas é a de aquisição e domínio mais tardio na língua portuguesa2-3,18. As líquidas laterais e a não-lateral dorsal tendem a atingir a estabilidade antes da não-lateral coronal2-3. Além disso, as coocorrências responsáveis pelo surgimento desses segmentos encontram-se nas últimas etapas previstas pelo modelo PAC5, sendo consideradas menos robustas e mais marcadas na língua e, consequentemente, de aquisição mais tardia4,8,11,13. CONCLUSÃO A análise das correlações entre as variáveis permitiu verificar o comportamento da amostra em estudo com relação ao processo de aquisição atípica. O resultado obtido verificou que os sistemas fonológicos dessas crianças tendem a ser anti-económicos, pois uma vez que o traço foi admitido no sistema, ele não foi maximamente combinado pelos sujeitos. O exame dos dados de fala a partir das coocorrências possibilita avaliar a construção gradual dos contrastes na língua, auxiliando na descrição dos sistemas fonológicos desviantes. O emprego do PAC para essa análise permite uma visão ampla dos contrastes no sistema fonológico do sujeito com perturbação fonológica e não apenas a verificação do contraste entre os segmentos. Assim, a avaliação por meio das correlações entre as coocorrências de traços possibilita ao terapeuta da fala/ fonoaudiólogo verificar quais são aquelas que possibilitam aumento na produção correta de outra coocorrência e, assim, aperfeiçoar o processo terapêutico selecionando aquelas que promovam melhor generalização no sistema das crianças com perturbação fonológica. CONFLITO DE INTERESSES Os autores declaram não terem atividades de compensações financeiras e/ou interesses que possam ter interferido nos resultados do estudo. AGRADECIMENTOS Agradecimento à Fundação de Amparo e Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS) pelo apoio financeiro na realização da pesquisa e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de doutorado sanduíche no exterior. 36

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