Análise das Correntes Liberais em Relações Internacionais e seu Desenvolvimento

July 11, 2017 | Autor: Pedro Gomez | Categoria: International Relations Theory, Relações Internacionais, Liberalismo
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As correntes liberais em Teoria das Relações Internacionais










Resumo: O presente texto objetiva-se em desenvolver uma análise sucinta porém precisa das correntes Liberais referentes à política internacional, apresentando não apenas as suas similitudes, como também as diferenças, criadas a partir das contínuas mudanças de conjuntura internacional. Serão também abordadas outras teorias, no intuito de, a partir dos contrastes entre tais correntes, permitir uma visão mais global do debate acadêmico em questão, tendo sempre em vista os conceitos de "Teoria" e "Paradigma" apresentados por Braillard e Thomas Kuhn.
Palavras-chave: Liberalismo, Conceito de Teoria, Relações Internacionais


Abstract: The current text aims at developing a succinct but precise analysis of the so-called Liberal Theories, referent to international politics, presenting not only its similarities but also its differences, created from the continuous developments of the international conjuncture. There will also be presented other theories, in order to, through the contrast between approaches, allow us a broader vision concerning the analyzed academic debate, always keeping in mind the concepts of "Theory" and "Paradigm" presented by Braillard and Thomas Kuhn.
Keywords: Liberalism, Concept of Theory, International Relations

Introdução:
Para o entendimento dos assuntos de política internacional e suas nuances, se faz necessário compreender o fenômeno de transição e progresso de pensamento não como eventos estanques e sem conexão um com o outro, mas como um processo de ação e reação; construção e destruição de explicações à realidade, demarcados por eventos dinâmicos, conjunturas e lideranças diferentes que alimentam o constante debate acadêmico acerca das relações internacionais(RI).
Analisar-se-á aqui como se deu essa relação entre as principais correntes de estudo e suas respectivas TEORIAS, que, segundo o conceito de Braillard, são entendidas como expressões que tem a pretensão de serem coerentes e sistemáticas ao conhecimento de uma determinada realidade. Admitindo-se que o conhecimento possui uma base empírica, deduz-se que captamos a realidade através dos sentidos, que são grosseiros e parciais. A teoria existe para sistematizar o que julgamos conhecer da realidade; pretendendo, também, explicar e prever o desenrolar da mesma.
Entretanto, devido ao dinamismo de eventos, à constante transformação da conjuntura internacional e à observação de novos fenômenos, teorias apresentam por natureza uma "vida útil". Surgem para explicar determinada realidade e entram em crise, tornando-se datadas a partir do momento que não conseguem mais explicar sua totalidade, perdendo o almejado status de PARADIGMA, segundo o conceito de Thomas Kuhn: O avanço científico só ocorre com a superação de um paradigma. Paradigma é o status concedido a uma teoria que demonstra a sua capacidade de explicar a realidade.
Não raro, entretanto, ocorre a recuperação de ideias antigas para, a partir delas, formar uma teoria de nova roupagem, porém de mesmos princípios, excluindo os aspectos datados e incluindo outros, na tentativa de explicar os novos fenômenos e eventos.
Isso ocorrerá, como veremos, diversas vezes, de acordo com o desenvolvimento intelectual acerta das RI; destacando-se duas vertentes principais: a realista, pessimista acerca das possibilidades de cooperação entre os Estados, vendo-os como unidades egoísticas em eterno conflito no Sistema Internacional (SI); e a liberal, mais otimista, cujos aspectos fulcrais são a centralidade do indivíduo no SI, além da sua racionalidade, entende a cooperação como possível e, em certos momentos, mesmo natural.
No fenômeno descrito acima, as duas correntes, em constante embate, passaram por períodos de ascensão e de crise, uma tentando desconstruir a outra, permitindo uma "reciclagem" intelectual. O desenvolvimento desse processo será, portanto, analisado aqui, com foco na corrente liberal, baseando-se nas teorias formadas desde os pensadores "clássicos" até as formulações da "Interdependência Complexa" de Keohane e Nye, na segunda metade do século XX.

O Entre guerras e o Liberalismo: Criação da Liga das Nações

Tendo base no iluminismo, o liberalismo põe foco no indivíduo, pressupondo sua liberdade natural, além de sua bondade e racionalidade (forte influência lockeana). Opõe-se à concepção de um estado de natureza belicoso (Hobbesiano), pressupondo maior margem para relações de confiança e cooperação entre os homens. Sendo estes naturalmente bons, a expectativa geral é que os acordos sejam cumpridos. Entretanto, havendo aqueles que rompem as leis, o Estado surge para garantir a propriedade, seja à vida, às posses materiais ou à liberdade.
Os homens seriam, sim, egoístas; porém, isto deixa de ser uma característica viciosa e se torna uma virtude pública. Cada um buscando o bem próprio acabará por, através da competição, produzir melhor e mais barato para o resto da sociedade. Isso fica ilustrado no pensamento de Kant:
"Agradeçamos, pois, a natureza pela intratabilidade, pela vaidade que produz a inveja competitiva, pelo sempre insatisfeito desejo de ter e também de dominar! Sem eles todas as excelentes disposições naturais da humanidade permaneceriam sem desenvolvimento num sono eterno."
O pensamento liberal entende as RI como uma continuação da esfera doméstica, sem diferenças fundamentais entre ambas. Assim, se no plano interno a busca por garantia de direitos leva à formação da sociedade e do Estado, o mesmo deve se passar no meio internacional, através das INSTITUIÇÕES: A partir do iluminismo, todos os homens fariam parte de uma comunidade mais ampla, a humanidade. Se no plano interno se faz necessária uma instituição racional (o Estado) para garantir a liberdade dos indivíduos, o mesmo vale para o plano externo. Não por acaso, o liberalismo se desenvolve em um contexto de florescimento das organizações internacionais e do direito internacional.
Um segundo ponto-chave para entender o liberalismo é o LIVRE-COMÉRCIO: Na crença liberal, o comércio criaria interesses comuns e dependência mútua entre as nações, promovendo, portanto, a paz. Além disso, o comércio civilizaria as relações entre os Estados, promovendo o contato, a aceitação da diversidade e, em conseguinte, a cooperação. A ilustração mais expressiva desta lógica se encontra na teoria de "Paz Perpétua" de Kant.
Por fim, a DEMOCRACIA torna-se um aspecto crucial da vertente liberal, uma vez que Estados democráticos tenderiam a ter relações pacíficas entre si, visto que a opinião pública posicionaria-se naturalmente contrária à guerra e, tendo esta, em um regime democrático, verdadeiro poder, mais difícil seria para um governante mandar uma nação em direção à guerra. Em contrapartida, monarquias absolutas estariam mais comprometidas com direitos privados do que coletivos. Assim, estas tenderiam a prezar menos pela vida e propriedade dos cidadãos, empreendendo-os facilmente em atividades nocivas a estes, inclusive em guerras.
Com o fim da Primeira Grande Guerra, devido aos vários traumas causados pela mesma, houve uma vontade geral de afastamento do belicismo, o que explica a forte presença das ideias liberas refletidas, além do mundo acadêmico, nas instituições que se formavam. A própria liga das nações é uma ilustração do avanço liberal no entre guerras.
Devido ao seu viés otimista, duras críticas foram dirigidas à corrente e à instituição, que foram acusadas de, ao invés de apresentarem um retrato da realidade, apresentavam uma visão da realidade segundo a qual desejava-se acreditar; utópica, utilizando o vocabulário de Edward Hallet Carr, que, em seu livro "20 Anos de Crise", destaca uma frase de Winston Churchill:
"'Não consigo lembrar-me de época alguma', disse Churchill em 1932, 'em que a distância entre o tipo de palavras usadas pelos estadistas e o que realmente acontece em muitos países fosse tão grande quanto o é agora'"
Assim, para a corrente liberal, um bom governante deve estar em concordância com valores morais. Estando preso, então, a tais valores, e, consequentemente, à opinião popular, o governante fica impedido de tomar as medidas necessárias, que por vezes vão de encontro aos referidos valores, segundo a crítica realista.
O principal ponto de crítica à liga é, entretanto, a sua intenção de mediar conflitos com uma confiança muito grande na capacidade de dissuasão de sua política intrinsecamente moral. Com esse excesso de confiança, não eram previstas medidas efetivas no caso de desrespeito aos fundamentos ou a agressões propriamente ditas, bem como supervisão a possíveis agressores, sendo ineficiente para a manutenção da paz, como de fato foi, nos conflitos que resultaram na 2ª Guerra Mundial:
"O grupo de intelectuais, que anteriormente havia insistido na relativa falta de importância das armas 'materiais' da Liga, começou a insistir em voz alta em sanções militares e econômicas como fundamentos necessários da ordem internacional."
Com esta falha da corrente liberal e sua aplicação prática, além de eventos que iam em direção oposta à sua, como a própria ocorrência da 2ª Guerra e o inicio da Guerra Fria, a corrente entrou em crise, cedendo lugar à abordagem mais dura que se afirma primordialmente em 1948, com a publicação de "Política Entre as Nações", de Hans Morgenthau, partidário do realismo político.


O Realismo Político e a Guerra Fria: Consolidação de um Paradigma

Com o fim da 2ª Guerra Mundial e a imediata polarização do mundo entre os blocos capitalista e socialista, um novo mundo se forma. A rigidez causada pelo sistema bipolar arrasta o mundo para uma situação em que a segurança se torna o assunto central das RI, líderes políticos desconsideram progressivamente a importância da moral na tomada de decisões e, finalmente, a cooperação se torna mais distante do que nunca.
Este novo mundo, que se distancia da realidade descrita pelos teóricos liberais, encaixa-se perfeitamente na teoria de Morgenthau, que será exposta sucintamente, não sendo objetivo do presente texto a análise aprofundada das correntes realistas.
Pode-se sumarizar o pensamento realista a partir de 5 pontos: (1) O Estado é entendido como o principal ator do SI, uma vez que, possuindo poder bélico, seria o único ator capaz de "fazer a guerra e propor a paz". (2) O SI possuiria uma característica inata que é a anarquia. A relação entre os Estados seria efetivada em meio a um estado de natureza hobbesiano. (3) O principal objetivo de um Estado é a manutenção da sua sobrevivência (soberania). Assim, há, segundo os realistas, uma hierarquia quanto à agenda dos Estados, sendo questões de segurança e militares consideradas as centrais (high policy), enquanto outras como economia ou meio-ambiente estariam em escalas mais baixas (low policy). (4) As interações entre as unidades estatais baseiam-se em relações de poder, sendo poder o recurso principal para que estes alcancem o seu principal objetivo: a sobrevivência. (5) A esfera internacional é baseada em um sistema de autoajuda (self help) no qual os Estados, em meio à constante disputa por poder, não devem entender o SI como um ambiente de benevolência entre as suas partes, mas sim um ambiente no qual ele sozinho deve buscar seus interesses, visto que a cooperação é improvável.
Com estas considerações, portanto, torna-se claro o reconhecimento desta teoria como paradigma, enquanto explicação do mundo que se formava ao fim da Segunda Guerra Mundial. Durante toda a fase mais "quente" da guerra fria, que culminou na crise dos mísseis, seria difícil apresentar uma alternativa para o duro realismo de Morgenthau.

O Behavorismo e o Segundo Debate em Relações Internacionais.

No mundo bipolar pós-Segunda Guerra descrito acima, floresceu no governo americano o interesse de estimular a pesquisa "científica" de RI, que passava a ser entendida como assunto de interesse nacional. Uma nova geração de acadêmicos de caráter mais rígido se formava, muitos dos quais originários de áreas das ciências econômicas ou naturais, muito mais preocupados com o aspecto metodológico da pesquisa do que seus antecessores, cuja formação era mais presente na área do direito, filosofia e história e que traziam, então, uma visão por vezes mais humanista.
Assim sendo, a pretensão desses novos pensadores era a formação de leis objetivas para explicar, a partir de uma coletânea de dados, padrões de comportamento na política internacional. Em suma, desejava-se transformar a disciplina de RI em uma das "ciências naturais".
A ascensão desta corrente cria o chamado "2º grande debate em relações internacionais": um debate meramente metodológico entre as abordagens tradicionalista (qualitativa) e a científica (quantitativa), utilizando o vocabulário de Morton Kaplan. Deve-se entender, entretanto, que, apesar de o Behavorismo apresentar-se como uma corrente de vital importância no ambiente acadêmico do século XX, ele, por não obedecer a definição inserida na introdução que utiliza-se aqui, não deve ser entendido como uma teoria. Esta corrente propõe apenas uma reformulação metodológica, não pretendendo, em si, sistematizar o conhecimento de uma realidade, e, ainda menos, realizar uma predição do desenrolar da mesma.
A crítica feita pela abordagem científica aos tradicionalistas centra-se na carência de métodos, por parte destes, que permitam a asserção de uma realidade, confirmando-a. Isso se deve por esta basear-se em áreas do conhecimento excessivamente subjetivas, como a filosofia.
A contracrítica aponta que, em uma ciência social, questões de cunho moral surgem, que podem apenas serem discutidas na teoria, e não quantificando-as; sendo esta a principal limitação behavorista. A coletânea de dados e a sua análise, projetada pela corrente científica, descreveria uma fotografia da realidade, com dados brutos e sem levar em conta as questões morais atuantes na mesma, enquanto a visão tradicionalista demonstraria uma pintura, através da qual é retratada as intenções e dilemas por trás de um evento, que só pode ser qualificado através da filosofia.
Esta posição fica ilustrada nas palavras de Hedley Bull:
"Para apreciar a nossa confiança na capacidade de raciocínio em teoria das relações internacionais, basta enumerar algumas questões centrais de que trata esta teoria. Algumas destas questões são, pelo menos em parte, questões morais, às quais não se pode, devido à sua própria natureza, dar qualquer tipo de resposta objectiva e que podem somente ser examinadas [...] a partir de um qualquer ponto de vista arbitrário[...]. Outras questões são empíricas, mas de uma natureza tão inacessível, que qualquer resposta que lhe dermos será incompleta[...]."
Não se pode dizer que o Behavorismo ganhou o 2º debate, mas tampouco pode-se dizê-lo da corrente tradicionalista. Ainda que o estudo das RI permanecesse longe de ser restrita às leis científicas e objetivas, a abordagem científica deixou a sua marca no contexto acadêmico, sendo isto refletido nas teorias que emergiram posteriormente.

O Funcionalismo e as Instituições Internacionais

Com os eventos da 2ª Guerra Mundial, ficou clara a incapacidade da teoria liberal de explicar a realidade utilizando valores morais. A corrente inicia, na década de 50, então, uma nova abordagem que parte da observação científica da realidade, procurando tendências e processos que indicassem que a cooperação é possível. É a primeira teoria liberal.
O funcionalismo surge em meio a processos de integração regional (que propunham integrar duas nações historicamente opostas: Alemanha e França). Há, portanto, um movimento de tentativa de evidenciação de crise no realismo, buscando o funcionalismo o status de paradigma. Tentam demonstrar que há uma ruptura com o realismo naquele período histórico, ao apontar o crescimento das instituições rivalizando com a anarquia e livre competição entre os Estados proposta pela corrente realista.
Para os funcionalistas, o Estado – unidade central do SI (mudança em relação à antiga teoria) – vinha se tornando inadequado para satisfazer as necessidades humanas, devido a fenômenos técnicos: o desenvolvimento tecnológico e o crescente desejo de um padrão de vida elevado. Essas tendências estariam pressionando os Estados em direção a uma maior cooperação internacional e às instituições internacionais.
A cooperação seria atingida "de baixo para cima" (Peace by Pieces), através de assuntos transnacionais específicos, nos quais os avanços técnicos (e não as altas esferas governamentais) trariam avanços efetivos. A proposta era projetar as organizações internacionais tomando como base a função que deveriam desempenhar. Isso significava delegar a essas instituições mandatos específicos, limitando-as ao cumprimento de tarefas técnicas. Com isso, essas instituições ficariam desvinculadas de projetos políticos mais ambiciosos, gerando uma integração internacional de caráter apolítico. Cada organização, de estrutura supranacional, traria vantagens técnicas para a administração de algum assunto, atraindo os governos nacionais para um gerenciamento conjunto de algumas de suas prerrogativas soberanas.
Agendas especializadas, cuidando de questões internacionais específicas acarretariam o aprofundamento da cooperação. Essas organizações assumiriam, aos poucos, funções que os Estados não poderiam mais assumir sozinhos.
Um sistema internacional cooperativo levaria a um enfraquecimento do sentido legal e territorial de soberania. Assim, uma vez feita a integração no meio social, cultural e econômico, seria possível estender o processo de cooperação para o plano da segurança coletiva.
Criticas são feitas a esta corrente a respeito da separação de aspectos políticos e técnicos e a suposta subordinação da política à técnica. A crítica é de que todas as decisões dos Estados seriam políticas, ainda mais se tratando de fatores de tamanha importância. Outra contestação é que a cooperação da Europa só foi possível por oporem-se conjuntamente ao inimigo soviético, sobre a proteção "nuclear" dos EUA.

O Neofuncionalismo

Na década de 60, contratempos no processo de integração da comunidade europeia criou prerrogativas para o aprofundamento das críticas ao funcionalismo. Isso era reforçado pelas medidas políticas francesas, que reforçavam a percepção de que era impossível separar a racionalidade técnica de interesses políticos dos Estados.
É feita, então, uma revisão da teoria, em um modelo que mantém os ideais supranacionais e defende uma transição que tiraria o Estado do foco das relações internacionais, mas passa a levar em conta o peso da política nos projetos de cooperação internacional. Dever-se-ia, portanto, focar inicialmente em questões vistas como puramente técnicas.
Apesar de ainda entender o processo de integração como passagem da centralidade do Estado nas questões internacionais para instituições supranacionais, o neofuncionalismo passa a chamar atenção, também, à importância adquirida por setores sociais internos que pressionam as elites políticas nas tomadas de decisão que concernem à integração.
Assim, o processo se daria de forma que os benefícios causados pela integração levaria essas elites a desejarem-na. Para que esses benefícios se manifestassem, era preciso que houvesse equidade no desenvolvimento entre as nações, além do avanço do direito internacional, para que se fugisse do status quo no qual países fortes oprimem os fracos. Para isso, era também necessário que os países aceitassem o princípio da decisão majoritária e a existência de leis internacionais.
Com a existência de leis e de instituições que vão, aos poucos, assumindo a responsabilidade pelos rumos a serem tomados, a ideia de soberania perderia importância juntamente à de Estado. Passando-se o processo decisório para o plano supranacional, as elites dos Estados aproximar-se-iam e passariam a ter lealdade entre si, passando a ter em mente não mais o interesse nacional, mas um outro, muito mais amplo. A teoria tenta ainda introduzir a racionalidade no que concerne à auto motivação dos atores, mas diz ainda que esta será formada pelas perspectivas de ganhos comuns.

Interdependência Complexa: a Abordagem Liberal Mais "Realista"

Nas décadas de 50 e 60, ficou clara a predominância realista no mainstream das correntes políticas internacionais. Infere-se facilmente a causa desta vantagem como relacionada à já referida tensão inerente aos primeiros anos da Guerra Fria. A situação muda, entretanto, na década de 70, devido à détante (período de abrandamento de tensões entre as duas potências, iniciado após a crise dos mísseis de Cuba).
A quase catástrofe nuclear de 1962 em Cuba, a consequente instalação da hot line (linha telefônica direta que conectava os governos de Moscou e Washington) e a percepção, através dos vários movimentos sociais, com ápice nos movimentos estudantis de 68, de que era necessário dar maior atenção às questões domésticas, por parte das duas potências, levou a um período de relaxamento no cenário internacional, quando houve um esfriamento da corrida armamentista e novas questões ganhavam espaço na agenda internacional.
O período em questão coincide com o governo de Nixon como presidente americano, tendo Kissinger como secretário de Estado, tendo este desenvolvi uma percepção triangular de balança de poder no qual a China passa a ter importância fundamental, reconhecida como potência.
Neste período, uma série de eventos apontam para o crescimento de uma interconectividade global crescente:
-Crise do Petróleo: A elevação extrema do preço do petróleo pelos países árabes em represália ao apoio ocidental a Israel demonstra a característica deste período de que, mesmo uma ação de um grupo de países de papel secundário na esfera internacional, mesmo que na economia (considerada como de importância secundária por pensadores realistas), detinha potencial para abalar profundamente o mundo como um todo, passando a ser importante, inclusive, nos cálculos dos governantes das principais potências.
-Manifestações Estudantis de 1968: O principal aspecto destas manifestações seria a sua recorrência em diversas partes do globo, tanto na zona capitalista quanto na socialista. É também um importante indicador que alerta os regimes de um lado e do outro da necessidade do abrandamento.
-A Consolidação de Novos Polos Econômicos: Com o plano Marshall e a formação do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), houve um desenvolvimento muito expressivo nos países desenvolvidos, seguindo uma rápida recuperação dos danos da 2ª Guerra. Logo estava ameaçada a posição de hegemonia econômica americana pelos novos polos que surgiam: Europa e Japão. Essa nova realidade veio a criar novos inconvenientes, como a invasão da indústria automobilística japonesa no mercado americano.
Com uma percepção de um novo mundo, Keohane e Nye desenvolvem a teoria da Interdependência Complexa, que, apesar de vir de uma tradição liberal, apresenta sérias rupturas com esta. Seguem abaixo os pontos nodais da formulação dos dois autores:
Múltiplos canais: As relações entre as nações, incluindo resolução ou destravamento de negócios, processo de tomada de decisão, auxílio a políticas públicas, etc. não mais se restringe às altas cúpulas governamentais, mas passa a ter a participação e importância de outros atores, antes desconsiderados, de laços formais ou informais. São eles: Organizações Não Governamentais (ONG's), Organizações Internacionais (OI's) e empresas multinacionais. O Estado não é mais o ator central das relações internacionais.
Ausência de Hierarquia da Agenda: Na abordagem realista tradicional, que dominou o ideário dos principais líderes das principais potências da Guerra Fria, era padrão a determinação de uma hierarquia na qual atribuía-se maior – senão principal – importância aos temas relacionados à segurança e a movimentações militares (High Politics). Na nova concepção apresentada, há uma maior flexibilização no debate internacional, de modo que novos tópicos como meio-ambiente, economia, energia, população, etc. (Low Politics) ganham importância no debate das relações internacionais.
A Importância Decadente do Uso da Força: Neste aspecto, os autores afirmam que, primeiramente, a margem de segurança entre países industrializados, que encontram-se interconectados entre si, aumentou; tornando altamente improvável o conflito pela via militar. Ademais, o uso da força recorrentemente deixa de ser o recurso mais viável para alcançar os objetivos, devido ao custo que envolveria – levando em conta as proporções que um conflito adquiriria no contexto da Guerra Fria – e ao fato de que objetivos de outras áreas, que não políticas (como a econômica, que, conforme foi explicado, vinha ganhando mais importância) dificilmente poderiam ser conquistados através do belicismo.
É importante, ainda, definir dois conceitos que relacionam-se diretamente com a medida na qual a interdependência terá diferentes efeitos em diferentes nações. São eles:
Sensibilidade: "com que rapidez as mudanças de um país ocasionam mudanças (com custos) em outro?". As ações e acontecimentos internos de um país ou grupo de países, passa a causar efeitos no sistema internacional. A sensibilidade é um fator de impacto (de viés econômico) que têm efeitos sociais (movimentos como a moda "streaking" e os movimentos estudantis de 60's). Há, então, uma interdependência não apenas entre os Estados, mas também entre diversos aspectos de relevância na governabilidade internacional. O choque do Petróleo passa a ser um evento chave na ilustração da sensibilidade.
Vulnerabilidade: "Qual o custo de reajuste do impacto externo?". A vulnerabilidade é o poder (ou custo) de reação. Quanto maior o custo de um Estado para reverter uma situação externa, maior a vulnerabilidade de um Estado.
Os pontos expostos tornam claro, por serem diametralmente opostos às abordagens realistas, o caráter liberal da teoria de Interdependência Complexa. Entretanto, igualmente importante se faz apresentar as rupturas com as ideias centrais da corrente liberal.
Primeiramente, a teoria se afasta da máxima liberal de que a interdependência aproximaria os Estados. Segundo os autores, em um mundo no qual as ações e eventos internos em uma região do mundo potencialmente terá efeitos nas demais, os Estados entrariam em um sistema de concorrência para tornarem-se menos vulneráveis. Assim, a maior conexão não necessariamente causaria apenas benefícios. Rompe-se, portanto, com a teoria da paz pelo comércio. Uma ilustração disso pode ser feita na invasão da indústria automobilística japonesa no mercado americano, o que acarretou, inclusive, na resposta americana, que utilizou de pressão diplomática para obrigar o Japão a realizar uma restrição voluntária de exportações; situação desvantajosa economicamente para si.
A segunda ruptura com as tradições da corrente é a inclusão da dimensão do poder. Ao destacar o conceito de vulnerabilidade, infere-se que o Estado de menor vulnerabilidade será também aquele de maior poder. Essa percepção reforça o exposto na primeira ruptura de que os Estados estariam, portanto, em concorrência entre si, visto que todos buscariam poder para minimizar o custo de reação a efeitos externos.
A terceira ruptura, que teve sua origem já no neofuncionalismo, é a inversão do conceito de que as organizações internacionais coibiriam os Estados a participarem dela para uma nova proposição de que a entrada ou não nas organizações seria destes, de acordo com o interesse nacional.
Uma vez descrita a proposição de realidade da interdependência complexa e posta a sua problemática, Keohane e Nye propõem, então que, não havendo cooperação, a aplicação de regimes ajudaria a estabilizar o SI. Usaremos aqui a definição de regimes de Krasner:
"Regimes podem ser definidos como princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomada de decisões de determinada área das relações internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores."
Para um pensador que segue a teoria de Morgenthau seria difícil compreender as organizações internacionais como tendo uma verdadeira relevância. Todavia, entendendo-se o mundo como um no qual coalizões são formadas transnacionalmente, sem uma agenda sem hierarquia definida, a potencial participação de instituições internacionais na barganha política é notavelmente aumentada.
Nelas, inclusive, através da formação de coalizões entre os países mais fracos, seria possível a apresentação, com maior força, de suas demandas. Além disso, essas organizações assumem o papel de administrarem assuntos específicos, a partir de sua emergência; como em conferências sobre meio ambiente, economia e alimentos. Assim, em suma, o mundo continuaria povoado por Estados em constante competição, mas eles não seriam mais os principais atores e a cooperação seria possível, através da utilização de regimes.

Conclusão

Dado o exposto, fica clara a relação de causa e efeito existente entre as diversas correntes de pensamento no meio acadêmico e os eventos que moldam a transição de uma conjuntura internacional para a outra.
É possível notar no desenvolvimento do estudo de relações internacionais uma convergência progressiva das diferentes correntes, visto a curta existência da disciplina (o campo de estudo nasceu ao fim da Primeira Grande Guerra). Assim, já podemos perceber, em suas contribuições mais recentes, pontos comuns às duas vertentes opostas; evidenciando, também, a importância da construção e desconstrução de ideias para o desenvolvimento de conhecimento científico sólido.


BRAILLARD, P. Teoria das Relações Internacionais.
KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions.
KANT. Ideia universal de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita; In: VARELLA, A. Teoria das relações internacionais. (p.119)
CARR, Edward H. 20 Anos de Crise. (p.49)
Idem.(p.51)
JACKSON & SORENSEN. A Voz do Behavorismo; In: Introdução às Relações Internacionais. (p.75)
BULL,H. Teoria das Relações Internacionais: Defesa da Abordagem; In: BRAILLARD, P. Teoria das Relações Internacionais. (p.40)
SPERO, Joan E. The Politics of International Economic Relations.
KRASNER, Stephen. Causas Estruturais e Consequências dos Regimes Internacionais. (p.94)
KEOHANE & NYE. Power and Interdependence.

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