ANÁLISE DAS FORMAS DE TRATAMENTO DO MATERIAL MUSICAL NA COMPOSIÇÃO DA TRILHA SONORA PARA CINEMA

October 3, 2017 | Autor: Rodrigo Nepomuceno | Categoria: Soundtrack Studies, Trilhas Sonoras
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARTES, FILOSOFIA, E CIENCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS

ANÁLISE DAS FORMAS DE TRATAMENTO DO MATERIAL MUSICAL NA COMPOSIÇÃO DA TRILHA SONORA PARA CINEMA

Uberlândia 2007

RODRIGO FONTES NEPOMUCENO CARVALHO DE SOUZA

ANÁLISE DAS FORMAS DE TRATAMENTO DO MATERIAL MUSICAL NA COMPOSIÇÃO DA TRILHA SONORA PARA CINEMA

Monografia apresentada para a disciplina de Pesquisa em Música 2, da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia.

Uberlândia 2007

SUMÁRIO Introdução 1.História da música no cinema 1.1 Heranças 1.2 os primeiros anos 1.3 O reconhecimento da música 1.3.1 Music Fake Books 1.3.2 Cue Sheets 1.3.3 A partitura original 1.4 Os primeiros sons 1.5 A Era dourada 1.6 A chegada de novas sonoridades 1.7 A Década de 70 e 80 1.8 Os anos 90 2. Formas de tratamento 2.1 Mickeymousing 2.2 Leitmotiv 2.3 Música diegética ou source music 2.4 Background music 2.5 Utilização de canções 2.5.1 Song score 2.5.2 Canções por encomenda ou commissioned songs 2.5.3 Utilização de canções como música diegética 2.5.4.1 Canções com função dramáticas 2.5.4.2 Canções com funções de especificar época ou locação 3 Contextualização das formas de tratamento do material musical 3.1 De Período 3.2 Étnica 4 Propostas de análise da trilha sonora de acordo com suas funções 4.1 Fisiológicas 4.2 Psicológicas

4.3 Técnicas 5 Créditos 5.1 Créditos iniciais 5.2 Créditos finais Anexos

Introdução

Este trabalho tem a proposta de analisar as diversas formas de tratamento do material musical na trilha sonora para cinema. A análise tenta abranger tanto os aspectos funcionais quando estruturais (harmonia, forma, instrumentação, entre outros) da música escrita para filmes.

O trabalho se divide em duas partes. A primeira parte trata da história da trilha sonora do cinema, iniciando com comentários sobre as formas de arte que deram origem ao cinema, passando para os primeiros anos em que a música passou a ser utilizada em filmes mudos desde seus primórdios, depois é apresentada a proposta de organização de repertório como Music Fake Books, Cue Sheets até chegar à partitura original. E por fim inicia-se o período do cinema sonoro, que passa pela era dourada, anos 70 e 80 até os dias atuais .

A segunda parte é dividida em quatro capítulos, que tratam de algumas formas do tratamento do material musical, que são demonstradas com o uso de exemplos. No segundo capitulo foram analisadas as seguintes formas: mikeymousing, leitmotiv, música diegética ou source music, background music, utilização de canções que se subdivisões; song score, canções por emcomenda ou commissioned songs, utilização de canções como música diegetica, e também canções com funções dramáticas e com o intuito de especificar época ou locação. No terceiro capitulo foram analisado, outras duas formas de tratamento que ajudam na contextualização do filme são elas: de período e étnica. No quarto a música é analisada de acordo com suas funções dentre elas estão: fisiológicas, psicológicas e técnicas. No quinto é feita a analise de composições para créditos iniciais e finais. E por fim o sexto capitulo a conclusão. Todos os exemplos de cenas analisadas estão em um DVD em anexo.

1 História da música no cinema

Muitas são as propostas de divisão da história da música no cinema. Alguns autores preferem iniciá-la bem antes do nascimento do cinema, como por exemplo, com o teatro grego chegando às óperas. Aqui será apenas feito um breve comentário sobre estes acontecimentos que antecedem o início do cinema.

1.1 Heranças

O cinema é um dos marcos que dividem a cultura artesanal da de massa e reprodutível. Segundo Carrasco (1998), no que diz respeito à associação da música com outras linguagens, “a linguagem do cinema herda toda uma tradição, desenvolvida ao longo dos séculos na cultura ocidental. Nesta tradição, muitas são as manifestações nas quais a música combina-se com a fala, com o gesto, com a ação, com o movimento” (CARRASCO, p.3). Carrasco ainda diz que ao incorporar esta tradição o cinema começa a desenvolver sua linguagem própria, um novo conjunto de relações no qual a música ocupava uma posição fundamental.

Davis (1999) inicia seu livro dizendo que a música e o drama estão interligados a milhares de anos. Para sustentar esta afirmação, cita alguns exemplos de manifestações folclóricas como o Kibuki japonês e Bharatnatiam indiano além de outros, como os Gregos e Romanos, que utilizavam a música para acompanhar peças teatrais. Depois passa pelo período Barroco, no qual, as primeiras óperas e ballets foram escritos, e chega até os dias atuais com o cinema. Davis afirma que “In all these examples, the music and drama can be separated into independent entities, but their combination as a whole is greater than the sum of their individual parts” (DAVIS, p.15, 1999). Um dos exemplos mais citados desse tipo de separação pode ser observado na obra de John Williams (que além de compor para filmes também compõe concertos tradicionais). Por diversas ocasiões são apresentadas Suítes de sua obra para filmes, mas quando vistas com as cenas para quais foram escritas suas composições tomam outra dimensão.

Davis (1999) também cita alguns fatos históricos que podem nos fazer entender melhor o que significou para a época o surgimento do cinema. Em 1885 as comunicações eram pelo telégrafo e por cartas; a novidade era o telefone, e poucas pessoas o tinham em suas residências; a maneira mais utilizada de transporte era por cavalos e trens; o primeiro vôo de avião ainda estava a 10 anos de distância; e a luz elétrica tinha apenas 15 anos. Einstein ainda não havia proposto a teoria da relatividade, Stravinsky tinha apenas 13 anos, e o dodecafonismo ainda iria demorar 20 anos para se consolidar. As pessoas que gostavam de música estavam mais acostumadas com a musica de Mozart Brahms, Verdi, Beethoven, ou seja, compositores dos séculos XVIII e XIX.

1.2 Os primeiros anos

Muito se discute sobre os motivos do uso da música no cinema. Geralmente é citada a proposta do historiador Kurt London, segundo ele a função da música seria meramente abrandar o ruído excessivo dos projetores, cadeiras e espectadores. Outros motivos seriam mais sutis, por exemplo, propunha-se que a música realmente ajudava a contar a estória e também a transmitir emoções. Há ainda uma terceira justificativa para o uso de música no início do cinema: a do compositor alemão Hanns Eisler, que dizia que o filme causava em seus espectadores um “efeito fantasmagórico” e a música ajudava a amenizar essa sensação. Seja qual for a razão, a música passou a ter fundamental importância desde as primeiras projeções.

Imagine o que era para uma pessoa no final do século XIX entrar em uma sala escura e uma maquina começar a projetar imagens em movimento “and yet at the same time the images seem disembodied, for there is no accompanying sound. The mouths might move, the horse might gallop, the car spews it fumes, but there are no words, there is no clippithclop, and there is no chugging and banging of the engine” (DAVIS, p.16, 1999). Agora se imagine na mesma sala com um pianista ou um pequeno grupo de músicos tocando, a música não necessariamente sendo dramática ou escrita para a cena, mas ainda sem o som das vozes e dos acontecimentos. “The addition of music somehow makes the images on the screen more complete and less like two-dimensional shadows.” (DAVIS. p.16).

Inicialmente o cinema não era considerado uma forma de arte, “nos primeiros anos de sua existência, o cinema, para alguns, era uma nova técnica que permitia registrar imagens em movimento” (CARRASCO, p.88). Mas logo se percebeu o grande potencial comercial que ele tinha e também o grande fascínio que provocava na audiência.

Provavelmente os filmes foram exibidos com música desde suas primeiras projeções (1895 e 1896), e é importante lembrar que não estamos falando aqui de uma música com preocupação dramática – Máximo (2003) cita em seu livro que levaria algum tempo para que as duas artes se unissem para formar uma terceira. Em geral estes filmes eram acompanhados por um pianista ou organista ou até pequenos grupos dependendo da importância da apresentação, assim, “o cinema começa a conquistar o público como curiosidade e entretenimento, muito antes de incorporar a estrutura dramática e estabelecer os princípios da linguagem” (CARRASCO, p.88). No início muitos improvisavam vendo as imagens na tela, usando temas conhecidos de música erudita para acentuar o clima. Mas com o crescimento do cinema o uso da música vai se tornando mais sofisticado, e o diretor musical do teatro passa a escolher do repertório erudito peças que serão executadas.

O publico que assistia às projeções ao longo da primeira década em que o cinema dava seus passos iniciais logo começou a amadurecer, e não mais se interessavam em assistir registros do cotidiano. Para se adaptar a esta audiência, o cinema começa a se modificar e passa a tentar representar histórias, dando início à incorporação de elementos dramáticos.

Após o estágio em que o cinema era apenas uma curiosidade, os filmes passam a ser produzidos em menor numero e com uma duração maior. Com isto o músico responsável em criar a trilha sonora tem um novo problema: as situações deveriam ser acompanhadas por músicas compatíveis às cenas, algo que se assemelhasse a musicar vários filmes de curta duração, mas o problema maior estava em criar uma unidade entre as partes, ou seja, “não bastava apenas acompanhar cada uma das situações de um filme com uma música adequada: a junção dessas músicas também deveria apresentar coerência interna, formando

um todo unificado e contínuo” (CARRASCO, p.96). Com este tipo de situação os músicos passam a procurar referência na tradição das óperas e teatro musical, e o cinema começa a incorporar estas linguagens. Nesta época ele começa a atingir maior audiência, se transformando e ganhando mais espaço, com mais salas de exibição.

1.3 O reconhecimento da música

Por volta das primeiras décadas do século XX a música começa a dar seus primeiros passos para o que hoje conhecemos como “música de cinema”, e os primeiros sinais da preocupação dos diretores e produtores em relação a ela se mostram com a produção de materiais para acompanhamento musical, dentre os quais estavam os music fake books ou antologias, as cue sheets e a partitura original.

1.3.1 Music fake books

A partir das propostas de organização de material musical temático para acompanhamento dos filmes, começaram a ser produzidos os music fake books, dos quais o mais conhecido é Kinobiliothek (ou Kinothek). Estas compilações fizeram certo sucesso em sua época, pois a partir delas se podia criar uma espécie de script que qualquer músico poderia seguir. Segundo Berchmans (2006) estes livros eram coletâneas de trechos clássicos que serviam aos diretores musicais do cinema, mas logo eles se tornaram mais refinados e passaram a ser compostos arranjos especiais de acordo com a sensação que a cena propunha. Mas o importante era que os music fake books já organizavam muitos temas específicos como: cenas de horror, humor, caçada, impaciência alegria, amor, monotonia etc. Alguns dos temas utilizados são citados por Maximo (2003), e dentre eles estão fragmentos da “Marcha Fúnebre” de Chopin, do “Rondó Caprichoso” de Mendelssohn, da “Marcha Heróica” de Schubert, da “Suíte Arleseana” de Bizet, e da “Pompa e Circunstância” de Elgar.

Segundo Davis (1999) estes livros tinham como proposta tentar estandardizar a experiência musical da audiência, com peças que cobrissem quase qualquer situação que se

pudesse ter em algum filme. O diretor musical poderia apenas ter uma idéia geral da música para cena, e escolher no livro uma obra dentre as diversas possibilidades que se adequariam a ela. Contudo, o sucesso da aplicação das músicas às cenas dependia muito da habilidade do regente ou do músico, um dos maiores problemas enfrentados era a mudança de peças de uma cena para outra, nas quais deveria se fazer uma passagem seja de tonalidade ou instrumentação. Muitos regentes e diretores musicais criavam algumas passagens de uma peça para outra.

Para Carrasco (1998) as características do cinema começam a se configurar exatamente neste período. A partir destas compilações, muito do que foi produzido e desenvolvido nos gêneros dramático-musicais ao longo dos séculos começa a ser incorporado pelo cinema. “Mas não se tratava de incorporação pura e simples, do uso de um conjunto de relações sonoras prontas e acabadas. O cinema, por suas próprias necessidades técnicas e estéticas, seria obrigado a revisar toda essa tradição e recriá-la de modo que pudesse servir a seus fins”. (CARRASCO, p.117).

1.3.2 Cue Sheets

Os cue sheets começaram a ser produzidos por volta de 1909, e sua utilização é semelhante à de hoje. Desenvolvido por Max Winkler, o método consiste em uma lista de músicas com sua duração pré-estabelecida – a editora assistia ao filme antes de ser lançado e criava-se um cue-sheet (que não deve ser confundido com o usado atualmente). Organizava-se uma lista de musicas e suas durações. Maximo (2003) cita que mesmo assim o problema da sincronização persistia, e muitos solistas e regentes quase raramente ficavam satisfeitos com o resultado final.

Davis (1999) afirma que as indicações em sua maioria eram muito imprecisas. Entretanto, para os músicos e diretores musicais dos teatros os cue sheets foram bem recebidos, pois davam a eles um script musical a ser seguido. Maximo (2003) aponta para uma importante mudança que ocorreu ao longo da década de 1910: os filmes não eram mais acompanhados por grupos ou solistas improvisando sem nunca terem assistido ao filme;

agora havia ao menos uma preocupação com climas ou texturas apropriadas para as cenas ou gêneros. De qualquer forma, os cue sheets foram uma alternativa mais econômica de se produzir um acompanhamento musical para um filme.

1.3.3 A partitura original Tanto os “cue sheets” quanto os “music fake books”, que na maioria das vezes se destinavam à apresentação de filmes de curta duração, foram bastante utilizados desde a década de 1910 até o inicio do cinema sonoro.

Na década de 1910 houve um grande crescimento na indústria cinematográfica, que passou a ser uma forma de entretenimento bastante popular. A partir disto se supõe que a demanda por músicos também aumentou. Sobre o assunto Berchman diz “Apenas para se ter uma noção do tamanho do mercado na época, só a cadeia de cinemas Loew´s em Nova Iorque empregava 600 músicos de orquestra, 200 organistas e tinha um repertório de cerca de 50 mil partituras”. (BERCHMANS p. 103)

Em 1908 Camille Saint-Saens compôs para o filme L´Assasinat du Duc de Guise o que até hoje é considerado um dos primeiros scores escritos para cinema. As composições escritas fizeram sucesso, mas ainda não eram viáveis financeiramente, pela necessidade de se pagar o compositor e a orquestra para executar as composições. Antes de Saint-Saens as músicas utilizadas no cinema eram apenas compilações de algum material já existente. Assim, sua composição se diferencia do que era usual neste período, primeiramente por ter sido escrita por um compositor renomado, e também por seu grau de sofisticação.

De qualquer modo muitos começaram a perceber a necessidade de uma maior ligação entre a música e o drama. Berchmans (2006) chama a atenção para a importância de se ressaltar que nesta época ainda não havia técnicas de sincronização da imagem com o som, e por isso não se considera esta a primeira experiência de um filme sonorizado, mas sim do primeiro score escrito exclusivamente para um filme.

Um dos principais diretores que sistematizaram o uso da trilha sonora foi D.W Griffith, e, segundo Berchmans, ele passou a solicitar os serviços de vários arranjadores musicais. Griffith naquela época já dizia “veja o filme em silencio e então veja com os olhos e ouvidos. A música dita o clima do que os seus olhos vêem; ela guia suas emoções; ela é a moldura emocional para os quadros visuais”.Entre seus principais filmes está Birth of a Nation (“O Nascimento de uma Nação”, 1915), no qual Griffith percebeu que a música poderia ser um fator de grande ajuda ao resultado final, já fazendo parte da linguagem do cinema. Além disso, ele tinha consciência de como a música deveria soar, tanto que inicialmente o filme possuía duas partituras: a primeira, que acompanhou o filme em suas primeiras apresentações, foi produzida sem o consentimento de Griffith, e não o agradou. O diretor posteriormente se uniu ao compositor Carl Elionor Breil para compor um score original. “Griffith quer interferir na música do filme porque sabe que ela é parte do filme, e não apenas um mero dado de ambientação” (CARRASCO. p,123)

Por volta no inicio da década de 1920 os scores originais começaram a ser produzidos com maior freqüência, e ganharam maior importância pelo fato de compositores renomados do meio erudito como Erik Satie e Saint-Saens escreverem alguns de seus primeiros exemplares. Mas o importante foi que a música passou a ter seu reconhecimento como apoio à imagem, não sendo mais pensada como um mero plano de fundo.

1.4 Os primeiros sons

A transição do cinema mudo para o sonoro se deu ao longo das décadas de 1910 e 1920, ao mesmo tempo em que os filmes ainda eram acompanhados por solistas e orquestras. Thomas Edison dentre outros fizeram as primeiras experiências para tornar possível a substituição da gravação do som ao vivo por execuções pré-gravadas. Inicialmente, estas experiências eram mal sucedidas: o som geralmente era gravado em cilindros inventados por Edison e posteriormente os operadores se tentavam sincronizar o som com a imagem, o que, segundo Maximo (2003), raramente acontecia.

Dentre algumas das inovações estavam os Phonofilms criados pelo dr. Lee De Forest, que, segundo Berchmans, desenvolveu entre 1923 a 1927 cerca de 1000 filmetes. Sua descoberta ajudou no desenvolvimento dos formatos que seriam inventados posteriormente, e que acabariam adotados pelos grandes estúdios de cinema.

O primeiro score criado para um filme sonoro estreou em 1926, composto por William Axt, David Mendoza e Edward Bowes para Don Juan de John Barrymore. O filme foi apresentando se utilizando o processo do Vitaphone, que é um reprodutor de discos de 33 1/3 RPM sincronizado com o rolo do filme. Segundo Berchmans, o Vitaphone teve sucesso e fundamental importância na produção fonográfica pra cinema, ainda que alguns dos primeiros filmes não tivessem diálogos, apenas música e alguns efeitos sonoros.

Em 1927 a Warner Bros lança The Jazz Singer. O filme ainda tinha muitos diálogos estruturados como no cinema-mudo, mas quando Al Jolson canta Blue Skies e My Mammy, o som parece estar saindo de sua boca, e a audiência fica abismada. The Jazz Singer foi um grande sucesso, mostrou à indústria cinematográfica o caminho para os futuros filmes e iniciou uma nova era. Bateu recordes de bilheteria, e ao longo dos anos seguintes os filmes sonoros foram ganhando cada vez mais espaço. Mesmo assim, muitos achavam que o cinema falado seria apenas uma moda passageira. Entretanto, nessa época diversos estúdios começaram a se adaptar a ele, determinando padrões técnicos pra que os produtores pudessem utilizar os mesmos equipamentos e os mesmos métodos de gravação e sincronismo.

O cinema sonoro revolucionou a maneira de pensar os filmes. Além de ser uma grande experiência para os expectadores, era uma grande ferramenta para os diretores e produtores, a maneira que eles contavam as estórias tendo então que ser totalmente repensada. Esta inovação tecnológica fez com que a relação entre música e trama mudasse, o compositor podendo agora compor a música necessária para a cena, não importando onde o filme fosse exibido.

Algumas das primeiras premiações nessa época do excluíam as obras que se utilizavam desta inovação. “(...) Tamanha era a discrepância de impacto entre os filmes sonoros e os filmes mudos que, ao conceder o primeiro prêmio Oscar em 1929, a Academia de cinema de Hollywood excluiu da competição todos os filmes sonoros com a justificativa de que seria uma competição desigual.” (Berchmans p.105) 1.5 A era de ouro ( ou “Golden Age”)

Dentre os anos de 1927 e 1931 foram produzidos muitos musicais, por razões técnicas e comerciais. Talvez isto também tenha relação com o valor de entretenimento desse tipo de filme. Os atores não só falavam, mas também cantavam e dançavam. As décadas de 193O e 1940 ficaram conhecidas como Golden Age (“era de ouro”) do cinema americano, e dentre os fatores que contribuíram para isso estavam a enorme popularização do cinema em todo o mundo e as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias. Durante este período eram produzidos cerca de quinhentos filmes por ano, e a linguagem da música do cinema como a conhecemos hoje deve muito a este período.

Foi nesta época que se consolidou o uso de grandes orquestras. Esta prática se tornou usual porque vários dos primeiros compositores que compunham música para cinema vinham da tradição da música européia, e estavam acostumados a compor numa linguagem operística. “Como os enredos da época tinham muita similaridade com o formato operístico, esses maestros tinham o know-how perfeito para compor música para cinema”(BERCHMANS, p.109). O estilo de criação musical com base no romantismo wagneriano marcou as trilhas desse período, devido à grande migração de músicos europeus para Hollywood, que influenciaram as gerações subseqüentes de compositores de cinema, e são até hoje referência. Dentre algumas das características desta base na música romântica está o uso do “leitmotif”.

A formação destes músicos europeus era bastante tradicional. Conheciam bem os estilos de música erudita – especialmente os dos séculos XVIII e XIX, as óperas de Verdi e

Wagner, e as obras camerísticas de Beethoven e Mozart, dentre outros. Isso os tornava aptos às necessidades musicais dos filmes, especialmente a partir deste momento em que a música de certa forma passa a ajudar no desenvolvimento da estória do filme.

Dentre os principais compositores desta época estavam: Max Steiner, Dimitri Tiomkin, Alfred Newman e Erich Wolfgang Korngold. Com exceção de Alfred Newman, todos vieram de países da Europa, geralmente fugindo da Segunda Guerra Mundial, e acharam um campo de atuação muito fértil em Hollywood.

Adicionar música a filmes nesta época era caro e problemático. Nas primeiras produções não era possível gravar separadamente efeitos sonoros, fala e música, todos os instrumentistas devendo então estar presentes no set e posicionados de certa maneira que a música não sobressaísse à fala dos atores. Além disso, eles não poderiam errar ou então toda a cena estaria arruinada. Às vezes uma cena pequena levava mais de três dias para ser filmada, e não tinha como ser editada posteriormente, pois senão a música ficaria comprometida.

Em 1931 foi desenvolvida a tecnologia que livraria a música do set de gravação; o processo ficou conhecido como re-recording, um precursor da mixagem. A partir desta nova técnica os custos de produção abaixaram consideravelmente, e a música podia ser gravada separadamente. O diretor e o compositor poderiam ajustá-la com maior facilidade em um processo que ganhou o nome de dubbing, no qual se mixa música, efeitos sonoros e fala juntos.

Estas novas tecnologias fizeram com o processo de gravação da trilha sonora ficasse mais barato e mais flexível. Apesar disso a composição original não era ainda prática comum (com exceção dos musicais). Muitos ainda acreditavam que os sons deveriam vir de uma fonte visual na tela, e sobre isto Max Steiner comenta “but they felt it was necessary to explain the music pictorially. For example if they wanted music for a street scene, an organ grinder was shown.”

Os espectadores estavam acostumados a ouvir música vinda de uma fonte que não fosse a tela desde o inicio dos filmes, mas nesta época a indústria ainda estava descobrindo o que funcionava e o que não funcionava. Por esta necessidade de se justificar visualmente a música, duas soluções poderiam ser tomadas: uma seria o uso de uma música constante, do tema inicial a até o ultimo segundo; outra seria não haver nenhum tipo de música. Mas nenhuma dessas soluções funcionou, e com as experimentações os produtores começaram a usar o sistema de momentos intercalados com e sem música, o que e tornou usual até os dias atuais. É importante destacar que desde o cinema mudo até o conteporâneo há poucos filmes sem nenhum tipo de música.

A composição original ganhou mais credibilidade a partir de 1933 com King Kong, considerado por muitos um marco na história da música no cinema. Em 1934 foi criado o Oscar para melhor trilha sonora original, e dentre os compositores que concorriam ao prêmio estavam Alfred Newman, Dimitri Tiomkin, Franz Waxman, Erich Wolfgang Korngold e Sergei Prokofiev. “Pode-se dizer que, nessa época, foi criado um estilo de se compor (...). Como todos os mestres tinham basicamente a mesma forte influência da formação de música romântica do século XIX e início do século XX, e esta linguagem era muito bem-aceita pelo grande público, esse ‘estilo clássico da música de cinema’ perdurou até o final da Golden Age ”(BERCHAMANS, p.113)

Com o passar dos anos outros estilos de música passaram a fazer parte da linguagem da música do cinema, dentre eles a música serial e atonal, o jazz, e o rock.

Durante a década de 1940 começavam a se expandir à linguagem musicais na trilha sonora, e dentre os principais compositores responsáveis por isso estão David Raskin e Bernard Herrmann. Em filmes como Laura (1944) e Citizen Kane (1941) eles contribuiram para que a indústria abrisse os ouvidos para novas sonoridades. Um ótimo exemplo é o score escrito para o filme The Man With a Cloack (1949) no qual David Raskin se baseou no sistema dodecafonico.

Outras tendências, como utilização de instrumentos menos convencionais (como o theremin) foram incorporadas, sendo Miklos Rozsa um dos primeiros compositores responsáveis por isso. Rozsa teve uma formação consideralvemente eclética, escrevendo desde fanfarras a obras com sonoridades mais exóticas e urbanas.

Outro que conseguiu se destacar e mudar alguns padrões estéticos foi Bernard Herrmann. Foi com ele que a sonoridade da música contemporânea de Stravinsky e Schoenberg deu seus primeiros passos no cinema. Além disso, ele considerava que cada um de seus filmes deveria ter um estilo próprio e claro, e que a música não tinha apenas papel ilustrativo, mas sim importância na experiência do público.

1.6 A chegada de Novas Sonoridades

A década de 1950 traz consigo inovações para a música de cinema. Com a nova geração de compositores formados nos Estados Unidos (por exemplo, Bernard Herrmann, Jerry Goldsmith, David Raksin, Alex North, George Antheil, Leonard Rosenman, Elmer Bernstein), o cinema incorpora não só a música contepôranea mas também os estilos de jazz que se desenvolveram nas décadas de 1930 e 1940. O que não quer dizer que a linguagem erudita romântica deixou de existir.

Com cada vez mais TVs nas casas e mais emissoras, o cinema começou a perder espaço, sendo este um dos motivos para o fim da Golden Age. As trilhas sonoras que se utilizavam de grandes orquestras se tornavam cada vez mais raras, um dos motivos sendo o fato dos programas de TV da época utilizarem estilos populares como o Jazz. Estes acabaram ganhando grande espaço durante os anos 50 e 60 também na música para cinema, e um dos compositores responsáveis por isso foi Elmer Bernstein.

Outra tendência surgida na década de 50 que começava a se consolidar na década de 60 foi a utilização de canções, muitas vezes como parte da trilha sonora por motivos meramente comerciais, mas em alguns casos por razões artísticas – descrevendo personagens ou contextualizando historicamente a trama, por exemplo.

Mesmo com todas essas mudanças, as composições orquestrais não desapareceram; elas apenas passaram a dividir espaço com outros estilos.

Na década de 60 surgem compositores que se mantém influentes até os dias atuais, como Nino Rota, que compôs os scores de alguns filmes de Fellini, Ennio Morricone, conhecido pelas suas composições para o diretor italiano Sergio Leone (em um gênero que acabou ganhando o nome de “spaguetti western”) nas quais utiliza sonoridades pouco usuais como assobios e guitarras elétricas, Jerry Goldsmith, John Williams, John Barry, dentre outros.

1.7 A década de 70 e 80

As tendências que se iniciaram na década de 60 ganharam muito espaço nos anos 70. O publico se tornava cada vez mais acostumado com a música do século XX, e também com o uso de estilos populares como Jazz e Rock. Havia ainda a grande influência da TV, tanto nos produtores quanto na audiência. Os temas televisivos começavam a ganhar identidade, se diferenciando das trilhas sonoras cinematográficas. Dentre os temas que marcaram época estão o de “Missão Impossível” escrito por Lalo Schrifrin, e “Peter Gunn”, de Henri Mancini.

Outro fator marcante que se inicia na década de 70 e que irá se desenvolver nos anos 80 é o uso de sintetizadores, bem exemplificado na trilha sonora de “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, 1971) criada por Walter Carlos para o filme de Stanley Kubrick.

O uso de Jazz se torna comum em filmes policiais, e dentre os que contribuíram para a construção da cultura do gênero estão “Operação França” (The French Connection, 1971), Bullit (1968) a série 007 e o já citado Peter Gunn.

A escola de composição característica da Golden Age começa a sair de cena para dar espaço a novos estilos, como a Disco Music e o Reggae. Se mantém a forte presença dos sintetizadores nas trilhas sonoras.

A escrita orquestral com influências românticas voltaria a ganhar espaço após o lançamento de “Guerra nas Estrelas” (Star Wars, 1977). O score foi escrito por John Williams e resgata muitos dos elementos utilizados na era de ouro como, por exemplo, temas líricos e uso de metais em tutti, mas ao mesmo tempo incorpora elementos de música contemporânea. A grande aceitação desta trilha sonora abriu o caminho à volta deste estilo, que se consolida nos anos 80 com a seqüência Star Wars, entitulada no Brasil “O Império Contra-ataca” (1980), além dos filmes “Os Caçadores da Arca Perdida” (Raiders of the Lost Ark, 1981), e os scores de Basil Poledouris escritos para os filmes “Conan, o Bárbaro” ( Conan, the Barbarian, 1982) e Robocop (1987).

O uso de canções, cada vez mais usual desde a década de 60, ganhou espaço paralelamente às trilhas sonoras orquestrais, muitas vezes os filmes que tinham uma canção ou canções também tinham um score. Dentre alguns exemplos estão; Os Caça-Fantasmas (Ghostbusters, 1984) de Ray Parker Jr, De Volta para o futuro (Back To The Future, 1985) Huey Lewis & the News, Top Gun – Ases Indomáveis (Top Gun 1986).

Paralelamente ao ressurgimento da trilha sonora orquestral, o uso de sintetizadores marcou o final dos anos 70 e a década de 80. O marco dessa linguagem foi “Carruagens de Fogo” (Chariots of Fire, 1981) considerada uma evolução na composição musical cinematográfica, escrita por Vangelis, que não utilizou nenhum instrumento acústico. Essa trilha causou grande impacto nos produtores, pois a partir dela se percebeu a possibilidade do uso de sintetizadores para ocasiões que não apenas filmes de ficção cientifica e terror.

Muitos músicos, como Jerry Goldsmith e Marurice Jarre, que utilizavam apenas instrumentos acústicos em seus trabalhos, começaram experimentar com essa novidade, fazendo assim uma mistura de sons gerados eletronicamente com sons acústicos.

1.8 Os anos 90

As sonoridades desenvolvidas durante os anos 80 não são mais novidade, e nos anos 90 são incorporadas nos scores. A música sinfônica se consagra dentre a grande variedade de tendências e estilos a música deste período.

Novos compositores conquistar espaço em meio aos já consagrados, dentre eles Danny Elfman, Thomas Newman, Don Davis, Philip Glass, Eric Serra, Hanz Zimmer, James Horner, dentre muitos outros.

Neste periodo os compositores que surgiram nos anos 70 se tornam consagrados. John Williams por exemplo compôs ainda nos anos 90 alguns de seus scores mais bem sucedidos, como O “Parque dos Dinossauros” (Jurassic Park, 1993) e “A lista de Schindler” (The Schindler´s List, 1993). Atualmente ele continua compondo para vários filmes como, por exemplo, “Minority Report: A Nova Lei” (Minority Report, 2002), “Prenda-me se For Capaz” (Catch Me If You Can, 2002), “Guerra dos Mundos” (War of the Worlds, 2005), além da série de filmes Harry Potter e as seqüências de Star Wars.

Atualmente não há uma tendência específica na qual os compositores possam se basear ou seguir, pois a multiplicidade de linguagens na trilha sonora e a grande gama de compositores com estilos variados tornam a música para cinema atual extremamente rica de sonoridades distintas. Dentre alguns dos músicos que trabalham hoje nessa área se destacam: Yann Tiersen, de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (Lê Fabuleux destin d´Amélie Poulain, 2001), Luis Bacalov (Il Postino, 1994), Marc Shaiman (South Park: Bigger, Longer & Uncut), Carter Burwell (Conspiracy Theory, 1997). Uma noividade interessante é á inter-relação com outras linguagens, como no caso dos compositores que migraram do universo dos vídeo games, dentre os quais se destaca Michael Giacchino, criador da trilha de “Os Incríveis” (Incredibles, 2004).

2. Formas de Tratamento

Neste capitulo serão delimitadas algumas formas de tratamento do material musical na criação de músicas para cinema. A música escrita para filmes acompanhou as mudanças pelas quais o cinema passou em seus anos de existência, analisando sua história se perceber que algumas formas de tratamento foram bastante utilizadas em algumas épocas e depois acabaram caindo em desuso como é o caso do mickeymousing, por outro lado também há exemplos de algumas formas de tratamento que são amplamente usados até os dias atuais como o uso de leitmotif.

Nos próximos capítulos serão analisadas algumas formas de tratamento do material musical dentre elas estão: mickeymousing, o uso de leitmotif, música diegética ou source music, background music, e uso de canções que se subdividem em: song score, canções por emcomenda, utilização de canções como música diegética, função dramática, de época ou locação. Há ainda outras duas definições de trilha sonora que se relacionam às acima, denominadas “música de período” e “música étnica”. Outra proposta de análise parte especificamente da função da música e se dividem em: fisiológicas, psicológicas e técnicas. E por ultimo é feito a análise de músicas escritas para créditos iniciais e finais

2.1 Mickeymousing Para Máximo (2003) o mickeymousing é definido como “o som procurando descrever o que a imagem já mostra”(MÁXIMO, p.24). O termo tem suas origens nas animações dos anos 1930, nas quais a imitação – já usada no cinema com atores – foi levada ao extremo. Davis (1999) considera que o mickeymousing exerce uma função física na cena e o define como “When the music mimics every little action on screen. It is called mickey-mousing. There is a difference, however between mickey-mousing and simply hitting various sync points. Mickey-mousing is a term reserved for hitting a lot of the action, not just one or two moments. It is often, though not exclusively, used as a comic device” (DAVIS, p.142)

Este tipo de tratamento do material musical pode ser observado em filmes de épocas diferentes, e aqui será analisada uma cena de King Kong (King Kong, 1933), na qual Max Steiner (considerado o compositor que ajudou a difundir a utilização da técnica do mickeymousing no cinema com atores) o utiliza.

O filme conta a estória do cineasta Carl Denham (Robert Armstrong) que anseia pelo prestígio dos críticos trazendo inovação e romance para seus trabalhos. Para isso, tentará criar um filme em uma ilha exótica desconhecida até mesmo pelos tripulantes do navio no qual ele se encontra. Após algumas semanas eles chegam à ilha. Enquanto a exploram para a obra do cineasta, vêem alguns nativos realizando um estranho ritual. Carl Denham fica impressionado e ao tentar registrar o que estava acontecendo é avistado, o que faz com que a cerimônia pare. Neste momento um dos nativos caminha em direção aos integrantes da tripulação do navio, e seus passos são todos acompanhados pela música.

O mickeymousing nesta cena (exemplo 1) é bem claro, a música sendo totalmente sincronizada aos passos. Para representá-los enquanto o personagem desce as escadas, Max Steiner faz o uso de tubas tocando em uníssono e staccato, transpondo ascendentemente uma única frase, até que ele pare para conversar com os desconhecidos. Enquanto isso outros instrumentos dos metais e das madeiras executam notas longas criando a base harmônica, também transposta juntamente à melodia. O uso desta frase executada pela tuba transposta em semitons ascendentes ajuda a cena a ter tensão, pois faz com que os espectadores tenham maior apreensão para os acontecimentos que virão. Abaixo segue uma transcrição para piano do mesmo:

2.2 Leitmoiv

O Leitmotiv tem suas origens na ópera de Wagner: é um tema musical recorrente que se associa a um personagem, local, sentimento ou qualquer outro fator relevante à trama. Também pode ser apenas uma progressão de acordes ou estrutura rítmica. O Leitmotiv ajuda a contar a estória, pois pode representar sentimentos e/ou personagens que não estão presentes no filme naquele momento, dentre outras funções.

Um dos exemplos mais claros do uso do Leitmotiv na trilha sonora para cinema é o score escrito por John Williams para série de filmes “Guerra nas Estrelas” (Star Wars). Nela há um tema para cada personagem e, além disso, outros que representam ideais como bem e mal, objetos, e grupos de seres.

Aqui será feita uma pequena análise de alguns temas do primeiro filme lançado da série, “Guerra nas Estrelas - Episódio IV: Uma Nova Esperança” (Star Wars Episode IV: A New Hope, 1977). No final da década de 60 as grandes orquestras eram pouco usadas em scores de filmes, como já dito nos primeiros capítulos sobre a história da trilha sonora do

cinema. Houve uma época na qual as mesmas prevaleceram, e grandes compositores desse tipo de música – como Max Steiner, Erich Wolfgang Korngold, e Franz Waxman – introduziram o uso alguns dos elementos que John Williams viria a utilizar como, por exemplo, o leitmotiv.

Inicialmente o diretor George Lucas acreditava que a melhor música para filme seria a de compositores eruditos já existentes, algo semelhante ao filme “2001: Uma Odisséia no Espaço” (2001: A Space Odissey, 1968) e aos seriados dos anos 30 de Flash Gordon. Mas Steven Spielberg apresentou George Lucas a John Williams, que aceitou o trabalho de compor o score em questão. A escolha do tipo de música estava feita, e Williams acreditava que a sonoridade referente ao período romântico e o uso do leitmotiv seriam as melhores opções. O leitmotiv deve delinear o papel que cada personagem tem na estória – por exemplo, os temas que representam o mal sempre são mais sombrios e geralmente são tocados em regiões mais graves dos instrumentos; os de heróis geralmente são tocados por trompas em caráter marcial; os que representam princesas geralmente são escritos para flautas e instrumentos com uma sonoridade mais suave.

O primeiro tema a ser analisado é referente ao personagem Luke Skywalker. Ele surge durante toda a série, e acabou se tornando uma das melodias mais conhecidas da história do cinema. Sobre a mesma John Williams comenta: “When I thought of a theme for Luke and his adventures I composed a melody that reflected the brassy, bold, masculine, and noble qualities I saw in the character”(WILLIAMS, apud, MATESSINO, 1997, p.11)

Além da tradicional abertura, o tema é tocado durante primeira aparição de Luke, interpretado por Mark Hamill no filme (exemplo 2). No momento em que Luke, com seu tio Owen Lars (Phil Brown), está indo olhar alguns droids com os Jawa, sua tia Beru (Shelagh Fraser) o chama. A primeira parte do tema é então executada de maneira sutil, primeiramente pela trompa com acompanhamento de cordas. Ao ser repetido, ele passa a

ser executado em uníssono por violinos e flautas. O leitmotiv que representa Luke nessa cena tem a função de introduzir o personagem para que os espectadores já comecem a conhecer os protagonistas da estória, ajudando assim no desenvolvimento da trama. Abaixo segue o tema que representa Luke Skywalker:

Ele aparece durante todo o filme, na maioria das vezes variado ou seccionado. Também é comum a utilização de apenas pequenos trechos ou elementos de um leitmotiv. Exemplo deste tipo de utilização é a cena em que Luke, Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew) resgatam a princesa Leia (Carrie Fisher) e estão indo para a nave Millenium Falcon; nesse momento o tema aparece em segundo plano (exemplo 3) apenas dando suporte à cena. Posteriormente pode-se ouvir o leitmotiv de Luke novamente, desta vez mais explicitamente: logo após Han Solo e Chewbacca se separarem de Luke e Leia, eles ficam presos em uma plataforma, e Luke troca alguns tiros com os soldados do Império; o tema é apresentado em um andamento mais acelerado, dando um ar heróico para a cena(exemplo 4).

Outro leitmotiv marcante é o que representa Darth Vader e o império John Williams comenta “now Vader represents de bad side of the force. For his theme I use a lot of bassoons and muted trombones and other sorts of low sounds” (WILLIAMS, apud,

MATESSINO, 1997, p.12), abaixo segue o motivo que representa Darth Vader e o império neste filme. Abaixo segue a transcrição deste tema:

O tema que acabou se tornando conhecido como o tema de Darth Vader durante a série ainda não havia sido escrito, entretanto alguns aspectos harmônicos e rítmicos são retirados deste motivo. O tema é introduzido quando R2-D2 leva seu companheiro C-3PO para escaparem da nave que está sendo atacada por Darth Vader, logo após eles serem lançados para fora da nave, a princesa Leia é levada para Darth Vader, neste momento o tema é tocado em diferentes instrumentos da orquestra alternadamente (exemplo 5).

Esse material musical também é utilizado quando o personagem não está presente na cena, como quando Obi-Wan diz a Luke que seu pai foi traído e assassinado por Darth Vader (exemplo 6).

Neste filme há ainda o uso de instrumentos se adequando a cada tipo de personagem: o exemplo acima é tocado geralmente em regiões mais graves e com instrumentos que permitem uma sonoridade “pesada”, mas podendo variar de acordo com a ocasião. O leitmotiv que representa a princesa Leia geralmente é executado em instrumentos de sonoridade mais suave, por exemplo, na cena em que Luke está inspecionando os droids e a mensagem gravada por Leia é acidentalmente reproduzida, pode se ouvir o leitmotiv que é inicialmente tocado pelo oboé, passando para a flauta e depois para a trompa, retornando ao oboé no final. Para Williams o tema de Leia deve refletir o lado de “conto de fadas” da personagem (exemplo 7):

Também marcante é o tema que representa Obi Wan Kenobi – que acabou se tornando o “tema da Força”. Sobre ele Williams comenta “I think of Ben´s Kenobi´s theme as reflecting both him and also the Jedi Knights and the Old Republic that he remembers, it also serves to represent the Force, the spiritual-philosophical belief of the Jedi Knights (...). There is a lot of English Horn in Ben´s Theme wich is often heard under dialogues. At other times the melody becomes the heroic march of the Jedi Knights”. (WILLIAMS, apud, MATESSINO, 1997, p.13)

O leitmotiv de Obi-Wan é utilizado de várias maneiras, representando ideais, o próprio personagem, sentimentos dentre outros. Ele é apresentado no filme quando Luke discute com seu tio e começa a pensar em seu sonho de sair de Tatooine. Inicialmente o leitmotiv é tocado pela trompa e depois acompanhado por toda a orquestra. Abaixo segue o mesmo (exemplo 8):

Como já discutido antes o Leitmotiv pode servir para representar e também ajudar o espectador, pois ajuda no desenvolvimento da estória, neste momento o tema representa algo que não está presente no momento. Mas também pode representar o personagem em questão, por exemplo, quando Luke sai a procura de R2-D2 e é atacado pelas estranhas criaturas chamadas de “Sand People”, Obi-Wan Kenobi aparece para salva-lo, neste momento o tema representa o próprio personagem (exemplo 9).

Um exemplo deste leitmotiv que também pode servir para reforçar algum sentimento pode ser observado na cena em que Luke vê Darth Vader derrotar Obi-Wan Kenobi, e ouve-se o leitmotiv de Obi-Wan, desta vez com uma orquestração mais leve – inicialmente o tocado pelo oboé e depois pela flauta, seguido pela trompa e novamente pelo oboé (exemplo 10).

O filme também utiliza motivos de curta duração como, por exemplo, os que representam a Estrela da Morte e os Rebeldes. O “motivo da Estrela da Morte” transcrito abaixo é amplamente citado no filme; é constituído de três estruturas baseadas em intervalos de quinta, tocadas paralelamente, e geralmente é executado pelos metais.

Ele é introduzido quando o Imperial Star Destroyer, onde se encontra Darth Vader, passa sobre a órbita de Tatooine. O tema neste momento indica o destino da nave e musicalmente identifica o que será a ameaça do filme (exemplo 11).

Há também o motivo que representa os Rebeldes, geralmente executado pelos metais. É basicamente constituído de acordes maiores tocados paralelamente em terças menores. Abaixo segue a representação do tema:

O leitmov e introduzido logo no início do filme, durante a primeira imagem (após o letreiro sumir no espaço), na qual a nave onde se encontra a princesa Leia é atacada por um Imperial Cruiser (exemplo 12). Este leitmotiv é utilizado com freqüência, geralmente em momentos nos quais há guerra entre o império e os rebeldes (exemplo 13).

2.3 Música diegética ou Source Music Para Neves(2004) a música diegética ou source music se define como “a música em que não só os espectadores mas também os personagens estão ouvindo: ela pode vir de um rádio, de um disco, de um televisor, do músico que toca seu instrumento, sendo todas essas ações partes integrantes do filme.”(NEVES, p.2)

É importante ressaltar que ela pode ser tanto uma criação original do compositor do score quanto alguma obra que o diretor ou os produtores queiram utilizar.

Um exemplo de source music escrita pelo próprio compositor da trilha sonora pode ser observado no filme “Guerra nas Estrelas: Uma Nova Esperança” (Star Wars, 1977). Após os tios de Luke Skywalker serem mortos pelos soldados do Império, Luke decide ir à Alderam com Obi Wan Kenobi.Eles seguem então para Mos Esley, para encontrar um

piloto. Ao entrarem na cantina há uma banda tocando, que pode ser escutada tanto pelos personagens quanto pelos espectadores.

A música de John Williams para essa cena lembra um tema de Swing, tanto pela instrumentação quanto pelo andamento e articulação rítmica. A proposta da utilização desse estilo foi feita por George Lucas: “can you imagine several creatures in a future century finding some 1930´s Benny Goodman swing band in a time capsule or under a rock someplace – and how they might attempt to interpret it?”

São duas composições, para um conjunto de nove instrumentistas: trompetes, saxofones, clarineta, fender rhodes, steel drum, sintetizador e percussão. Abaixo segue a redução para piano de parte de uma delas (exemplo14):

2.4 Background music A Background music (literalmente “música de fundo”), é definida por Neves como “aquela que podemos ouvir ao fundo durante um dialogo”(NEVES. p.2). No início se temia que os espectadores não aceitassem muito bem este tipo de tratamento do material musical, pois muitos iriam se perguntar de onde o som estaria vindo. Mas a background music

funcionou muito bem, e um dos primeiros usos foi com Max Steiner. Segundo Máximo (2003) o diretor David O. Selznick estava insatisfeito com algumas cenas de seu filme, e solicitou a Steiner música para elas. Após vê-las com a trilha, decidiu pedir a ele que trabalhasse sobre todo o restante da obra.

A utilização deste exemplo é bem ampla, podendo ser usado em diversos momentos de um filme, mas o que o diferencia dos outros tipos de tratamento do material musical é que este tipo não tem ligação temática com personagens ou locação, são apenas músicas escritas para acompanharem as cenas, e também não fazem comentários sobre sentimentos dos personagens.

2.5 Utilização de canções

A utilização de canções também é freqüente na trilha sonora cinematográfica. Há casos de scores compostos exclusivamente de canções (quando isto acontece são denominados song scores).

Essa forma de tratamento do material musical é bastante discutida, pois há uma dualidade em sua utilização: muitas vezes ela pode ter fins meramente comerciais, sem vínculo dramático ou emocional com o filme. De qualquer maneira existem algumas maneiras de se utilizar as canções em filmes, e dentre elas estão: song score, commissioned songs (ou seja, as escritas especificamente para o filme) e também como música diegética (dramaticamente ou para estabelecer época e locação).

2.5.1 Song score

Aqui a trilha sonora é totalmente formada por músicas escolhidas geralmente pelo diretor e pelos produtores, comumente canções já existentes (e não são compostas especificamente para o filme).

Um dos exemplos de song score é visto em “Pulp Fiction – Tempos de Violência” (Pulp Fiction, 1994), no qual o diretor Quentin Tarantino, com a ajuda do músicos Boyd Rice, escolheu um repertório baseado diversos estilos como rock, pop, soul, e surf music.

O filme é divido em seis estórias que se inter-relacionam e não são exibidas de forma cronológica. A primeira música escutada no filme Misirlou tem a performance de Dick Dale & His Del-Tones, ela aparece logo após a primeira estória do filme intitulada The Dinner (terceira estória em ordem cronológica). Na cena “Pumpkin” (Tim Roth) e “Honey Bunny” (Amanda Plummer), que decidem roubar os fregueses do restaurante onde estão, Misirlou começa logo após o dialogo entre eles, a música funciona como música para créditos iniciais permanecendo durante boa parte dele.

A passagem para a segunda música do filme Jungle Boogie interpretado por Kool & The Gang, se da de uma maneira pouco convencional. Há um ruído de um rádio trocando as estações e a música muda bruscamente. A segunda permanece durante algum tempo dos créditos iniciais e continua em segundo plano durante a conversa entre Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) e Vincent Vega (John Travolta). Está música tem a função de ligar a primeira estória do filme com a segunda.

Estes são apenas alguns exemplos de algumas canções utilizadas neste filme, ao longo dele há utilização de músicas de diversas maneiras como, por exemplo, música diegética, musica de fundo, musicas para cumprir funções técnicas e também de período (exemplo 15).

2.5.2 Canções por encomenda Commissioned songs

Estas canções são aquelas compostas especificamente para o filme, (geralmente musicais). Devem refletir o conteúdo do mesmo, e seu material temático geralmente é o mesmo utilizado no restante da trilha sonora. Muitas vezes também se usa compor canções nas quais a letra reflita as idéias da trama. Algumas vezes opta-se por compor canções

originais porque pode ajudar na criação da identidade do filme, e também há um fator psicológico dos espectadores, que irão fazer a ligação das canções ao filme, e não com fatores externos a ele.

Apesar do material temático da canção não fazer parte do score, que foi escrito por Alan Silvestri. O filme De Volta Para o Futuro (Back to the Future, 1985) tem dois exemplos deste tipo de canção composta especificamente para o filme. A canção utilizada no filme se intitula “The Power of Love” e foi escrita e tocada pela banda Huey Lewis and the News (está canção acabou se tornando o primeiro sucesso do grupo). Ela pode ser escutada no inicio do filme, quando Marty McFly (Michael J. Fox) está indo para escola e está atrasado (exemplo 16). Também há outro momento no qual se pode ouvir a canção, desta vez uma versão instrumental executada pela banda de Marty “The Pinheads”, nesta cena eles estão participando de uma audição para participar do concurso “Battle of the Bands”, Huey Lewis faz uma pequena participação nesta cena, com o papel do professor que julga as bandas (exemplo 17). Outra canção composta especificamente para este filme se chama “Back In Time”, também composta pela banda Huey Lewis and The News. Ela aparece no final do filme quando o despertador de Marty marca 10:28 e a canção é acionada, a canção também é utilizada durante os créditos finais.

É importante observar que, as canções são utilizadas de maneiras variadas. Algumas vezes simplesmente como música de fundo, e outras vezes como música diegética ou créditos.

2.5.3 Utilização de canções como música diegética

A música diegética é aquela que vem de alguma fonte na tela e os atores podem escutar, e também pode ser uma canção, por exemplo, um rádio, ou uma banda.

Os exemplos deste tipo de utilização da música no filme são bem amplos, aqui será utilizado o filme Lords of Dogtown (2005). O filme é baseado na história dos “Z-Boys” um grupo influente de skatistas que revolucionaram o esporte.

O filme se passa na década de 1970 e muitas das canções utilizadas são desta época. Uma das cenas em que se pode perceber a utilização de uma canção como música diegética é a cena em que Jay Adams (Emile Hirsch) vai competir em um campeonato de skate, e então Skip (Heath Ledger) coloca uma fita coma música Iron Man da banda Black Sabbath. Esta música faz parte do segundo disco da banda entitulado Paranoid lançado em 1970. Nesta cena tanto os espectadores quanto os personagens do filme podem escutar a música (exemplo 18).

2.5.4.1 Canções com funções dramáticas

A utilização de canções como música diegética é geralmente feita com a música em segundo plano. Mas também existem alguns casos nos quais a música pode desempenhar um papel mais importante, por exemplo, descrever sentimentos de personagens dentre outras funções.

Um dos exemplos deste tipo de tratamento pode ser observado no filme Casablanca (1942), o filme é dirigido por Michael Curtiz, e o score foi escrito por Max Steiner. No filme há a utilização da canção “As Time Goes By” de Herman Hupfeld, Steiner inicialmente queria escrever uma canção especificamente para o filme, mas a atriz Ingrid Bergman que interpreta Ilsa Lund já havia cortado seu cabelo e não seria possível refilmar.

O Filme se passa durante a II guerra mundial, momento no qual muitos estavam tentando fugir para os Estados Unidos, o que é o caso do casal Victor Laszlo (Paul Henreid) e Ilsa Lund que chegam a Casablanca em busca das "letters of transit"(documentos que permitem qualquer um transitar livremente pela europa), e assim embarcar em um avião para Lisboa para chegar aos Estados Unidos. Laszlo é um dos lideres da resistência e há

uma grande recompensa por quem conseguir pega-lo. Ilsa sua esposa a alguma tempo atrás achava que ele havia sido morto no cativeiro, e durante este tempo ela se apaixonou por Rick Blaine (HumphreyBogart) em Paris, mas logo descobriu que seu marido estava vivo e abandou Rick repentinamente, durante este período em que os dois estavam em Paris a canção “As Time Goes By” os marcou com Sam a executando ao piano.

Ilsa acaba reencontrando Rick e Sam em Casablanca e pede para que Sam execute uma canção para relembrar os velhos tempos, inicialmente ele diz que não lembra e então ela canta uma pequena parte da melodia e Sam começa a executar “As Time Goes By” ao piano. Neste momento Ilsa faz uma expressão que mostra demonstra o que ela está de alguma maneira pensando em Rick, seja lembrando de seus momentos vivido em Paris ou talvez pensando no tempo em que estão separados. Rick havia pedido a Sam nunca mais tocasse “As Time Goes By”, e quando ele aparece na cena vai direto em direção a Sam e é quando ele revê Ilsa, no mesmo momento Sam para de tocar a música. Após a cena em que Sam executa “As Time Goes By”, pode-se escutar o tema sendo executado de fundo. O tema agora passa a desepenhar o papel de música d fundo. O tema de “As Time Goes By” pode ser escutado durante muitas cenas do filme, pois, Steiner compos o score baseandodo-se no tema da canção (exemplo 19).

2.5.4.2 Canções com funções de especificar época ou locação

Música diegética também pode servir para estabelecer a época em que o filme ou e a locação geográfica e ou época em que filme se passa. Podem ser utilizados elementos de musica étnica dentre outros.

No filme De Volta Para o Futuro (Back To The Future, 1985) também há um exemplo no qual se tem a canção como música diegética, e que também representa um certo periodo da história. No filme Marty Mcfly (Michael Jay Fox) acidentalmente viaja no tempo para o ano de 1955 e acaba interferindo com o relacionamento de seus pais, impedindo que eles se conheçam. Para impedir sua morte ele deve fazer com que seus pais

se conheçam e comecem um relacionamento. Para isto Marty tenta ajudar seu pai George Mcfly (nome) a conquistar sua futura mãe Lorraine Bainnes (Lea Thompsom). Na cena do baile “Enchantment Under The Sea” (no qual os pais de Marty devem se beijar pela primeira vez), a banda “Marvin Berry and the Starlighters” toca a canção “Earth Angel (Will You Be Mine)”. A canção foi lançada em 1954 e se tornou bem popular durante a década de 1950. Esta parte do filme se passa no ano 1955, portanto a música ainda era muito nova e talvez fosse um dos grandes sucessos no do momento, por isso ela acabou sendo utilizada para representar um baile dos anos 1950 (exemplo 20).

3 Contextualização das formas de tratamento do material musical 3.1 De Período Música de período, este tipo de tratamento é aquele que ajuda a descrever o período histórico ou a localização geográfica. Por exemplo, se a música se passa no século XVI pode-se usar o cravo ou outros instrumentos, além disso, um estilo de composição que possa relembrar essa época ou então o uso de instrumentos pouco convencionais de acordo com a locação se tenha.

O filme O violino vermelho (The Red Violin, 1998), apresenta alguns exemplos deste tipo de tratamento. O filme conta a estória de um violino perfeito construído no ano de 1681 na cidade de Cremona Itália por Nicolo Bussotti (Carlo Cecchi). O instrumento foi construído para seu filho que ainda não havia nascido, mas infelizmente sua esposa e seu filho morrem durante o parto. O violino consegue sobreviver até os dias atuais, e fazendose pesquisas se descobre que o violino tem mais de 300 anos. Durante todos estes anos de sua existência o instrumento passou por diversos lugares como, Cremona, Viena, Oxford, Xangai e Montreal.

O score foi composto por John Corigliano, que apesar de ter uma extensa obra escrita para diversas formações, fez apenas poucos scores filmes ao longo de sua carreira. John Corigliano compôs ao estilo que representasse cada uma das épocas em que o filme se passa, com a função de representar cada um dos períodos históricos nos quais o violino passou.

Uma das estórias que acompanham o violino passa-se mais o menos cem anos após sua construção. O instrumento nesta época faz uma passagem por um orfanato dirigido por monges austríacos, e acaba na mão de um pequeno garoto Kaspar Weiss (Christoph Koncz, que é um prodigio virtuoso na vida real). Para representar o período John Corigliano se utiliza da música, que passa a ter um caráter barroco parecido com a música de Bach e Vivaldi (exemplo 21).

3.2 Étnica A música étnica geralmente é utilizada nos filmes como uma ferramenta para demonstrar a sonoridade da locação em que se passa o filme, este processo gera uma dimensão psicológica, muitas vezes nós associamos alguns instrumentos a certas culturas, por exemplo, o violão flamenco geralmente é relacionado à Espanha, por isso muitos compositores fazem extensas pesquisas sobre como a sonoridade exata que a música deve ter para que se possa passar o mais fielmente a música que representa a cultura explorada.

Não se pretende aqui desvalorizar nenhuma cultura, pois a função da música étnica em um filme é simplesmente a de ajudar o espectador entrar em contato com o filme e torná-lo mais real.

Para exemplificar este tipo de tratamento do material musical em um filme também será utilizado o filme O Violino Vermelho. Como já dito anteriormente o violino passou por diversas épocas e também por culturas diferenciadas. O garoto que havia ficado com o violino morre subitamente durante uma audição, e em sinal de respeito ao garoto os monges enterram-no com o violino, que é roubado por ciganos.

Durante a estádia do violino com os ciganos os instrumento viaja por diversas partes da Europa. Para representar os ciganos John Corigliano se utiliza de materiais músicas como escala menor harmônica e, além disso, algumas percusões (exemplo 22).

4 Propostas de análise da trilha sonora de acordo com suas funções Há também uma divisão das formas de tratamento de acordo com a função da música que podem ser dividas em três tipos fisiológicas, psicológicas ou técnicas.

4.1 Fisiológicas

Segundo Davis (1999) as funções fisiológicas são aquelas que enfatizam a ação ou demonstram onde se passa a cena. Ela pode ter o propósito de nos sugerir a localização geográfica ou período histórico em que ocorre o filme, mickeymousing, ou ainda intensificar a os acontecimentos da cena. Esta forma de tratamento é usada frequentemente em cenas de ação. O compositor deve seguir o que a cena propõe e não adicionar novos elementos.

O filme Matrix Reloaded (Matrix Reloaded ,2003) tem alguns exemplos deste tipo de tratamento do material musical. O filme tem o score escrito por Don Davis com a colaboração de Juno Reactor e Rob Dougan. Matrix Reloaded é o segundo de uma série de três filmes, no filme o mundo está devastado por guerras nucleares entre humanos e maquinas, as maquinas fizeram os humanos de escravos mantendo-os presos em uma realidade virtual.

Há uma cena no filme em que Neo / Thomas A. Anderson (Keanu Reeves) visita o Oráculo (Gloria Foster), após a sua conversa Smith (Hugo Weaving) entra na cena. Smith havia sido destruído por Neo no final do primeiro filme da série, Smith explica que agora eles estão de alguma maneira conectados, o que causou nele grandes transformações (antes era um programa que fazia parte da Matrix, mas ele desobedeceu ser deletado de alguma maneira ele conseguiu se libertar), e principalmente ele não é mais um agente do sistema ele agora é livre assim como Neo, além disso ele se tornou mais agressivo e ganhou o poder se fazer copias de si mesmo. Após a conversa com Neo, Smith recruta suas copias para atacar Neo.

A música para esta cena composta por Don Davis e Juno Reactor, mistura elementos de música eletrônica com uma grande orquestra e coro. Por ser uma música na qual há grande ênfase no ritmo com o uso de acentos pouco convencionais e, além disso, também há o uso de alguns efeitos como clusters com glissandos nas cordas.

Por meio da historia do cinema e da música ocidental como um todo este tipo de material musical acabou se tornando referente à ação, lutas, guerras, perseguições. Pelo fato de que a música nesta cena sempre está em favor de enfatizar a ação que está ocorrendo no momento, pode-se considerar que a sua função é fisiológica.

Também pode-se perceber nesta cena alguns elementos advindos do mickeimousing utilizado nos anos 1930, por exemplo, sempre quando há algum efeito no qual os atores ficam em câmera lenta ou estão caindo a música de alguma maneira tenta representar o que está acontecendo. Outro aspecto que pode ser observado no qual a música tenta enfatizar os acontecimentos pode ser observado ao final da cena, no momento em que um número cada vez maior de agentes Smith tentam atacar Neo a música passa a ter um andamento cada vez mais acelerado e ritmos cada vez mais complexos (exemplo 23).

4.2 Psicológicas

As funções psicológicas são aquelas que podem ajudar no impacto emocional e psíquico do filme. Muitas vezes apenas acompanha a ação na tela, mas também pode fazer um movimento contrário, trazendo algo que não esta explicito na cena. Dentre essas funções está a de criação do “clima psicológico”, ou seja, revelar os pensamentos não ditos pelos personagens ou “enganar” o expectador.

No filme Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998) é um exemplo deste tipo de tratamento do material sonoro. Dirigido por Terrence Malick e com o score de Hanz Zimmer o filme conta a história de soldados Estados Unidenses durante a II Guerra Mundial. Diferentemente de muitos filmes de guerra Além da Linha Vermelha não discute temas como patriotismo, e sim uma questão mais geral como, por exemplo, bem e mal.

Na cena em que os soldados americanos estão a caminho atacar um centro dos inimigos a música está em segundo plano, neste momento não há elementos rítmicos marcantes e os instrumentos são tocados de uma maneira bem suave, fazendo um movimento contrario a cena que despertaria a tensão antes da batalha. A música continua durante a caminha dos soldados americano na floresta, de repente começa-se a se ouvir tiros e os soldados começam a lutar, durante a batalha a música continua calma e ainda em segundo plano, os efeitos sonoros de tiros e vozes estão bem mais altos em relação à música. Justamente por não se tratar de um filme que tenta representar o patriotismo a música faz uma espécie comentário da maldade humana assim como no comentário do personagem Witt (James Caviezel) "This great evil. Where does it come from? How'd it steal into the world? What seed, what root did it grow from? Who's doin' this? Who's killin' us?", por isso durante esta cena na qual há soldados se matando a música continua não representando o que está implícito na tela e ao longo da cena a música vai gradativamente crescendo em relação aos efeitos sonoros, até que chega a um ponto no qual a música está bem mais alta em relação aos efeitos sonoros (exemplo 24).

4.3 Técnicas

Davis (1999) define funções técnicas como aquelas que ajudam na sustentação da estrutura do filme. Podem ser escritas para uma passagem de uma cena para outra, por exemplo, auxiliando o prosseguimento do filme.

Muitos são os filmes nos quais a música pode desempenhar este tipo de função, aqui será analisado um exemplo retirado do filme Helena de Tróia (Helen of Troy, 1956). O filme conta a estória da guerra Troiana, causada por Paris of Troy (Jacques Sernas) que se apaixona por Helen (Rossana Podestà), rainha de Sparta. O filme tem o score escrito por Max Steiner.

No filme Paris de Troia se dispõe a ir até Esparta para assegurar a paz entre as cidades-estado. Durante o caminho seu navio entra em uma forte tempestade e Troy sobe

no mastro que se rompe atirando-o ao mar, que o leva até o litoral próximo a Sparta onde Troy é encontrado por Helen. A música nesta cena tem a função de ajudar o espectador a fazer a transição de uma cena para outra, a música é continua desde o momento em que Paris está no barco até a chegada da Tempestade e continua durante a cena em que ele encontra Helena. Na primeira parte em que se avista o navio no qual está Paris a música tem um caráter de “aventura”, “exploração” que se sustenta até a chegada da tempestade quando esta passa a ser mais intensa( nesta cena também pode se observar um pequeno uso do mickeimousing no momento em que o raio atinge o mastro), a música continua e logo após Paris cair no mar se avista uma praia e a música passa a ser mais suave, e continua durante todo o encontro de Paris com Helena (exemplo 25).

5 Créditos 5.1 Créditos iniciais ou “Main Title”

Há também dois outros tipos de utilização da música no cinema que se tornaram muito usuais em filmes: os créditos iniciais e finais. Uma das funções do título inicial (ou main title) é explicitar o clima do filme, para que os expectadores saibam a que tipo de estória assistirão.

Um dos créditos iniciais que consegue nos contar e antecipar algo sobre o clima do filme é o escrito para o filme Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990), dirigido por Tim Burton e com o score de Danny Elfman. Sobre o main title Elfman diz “titles are really important to me especially in a movie like this. In a fantasy film, because they really tell us what we going to see, what we are going to feel, what we are getting in too”. O crédito inicial deste filme se da de uma maneira estendida, no qual são introduzidos os dois temas principais de Edward. O primeiro tema segundo Danny Elfman é o tema que representa seu lado “conto de fadas”, e pode ser ouvido durante os créditos iniciais até o primeiro dialogo. Para conseguir um “ar” de “conto de fadas” Danny Elfman, se utilizo de Edward instrumentos como, Glockenspiel e um coral crianças (Paulist Choristers of Califórnia) que nós ajudam no aspecto imaginativo e inocente do filme. O segundo tema é introduzido logo após o dialogo que Kim Boggs (Winona Ryder) já velha tem com sua neta. O segundo tema que representa “o coração do personagem” é introduzido neste momento, Danny Elfman comenta que este tema também é tocado como uma premonição do que ira acontecer ao longo da trama (exemplo 26). Abaixo seguem o primeiro e o segundo tema de Edward:

5.2 Créditos finais

A música nos créditos finais atualmente tem funções puramente comerciais, mas em vários outros momentos da história do cinema foi tratada como um espaço no qual os compositores poderiam criar com mais liberdade. Muitas vezes os temas finais são parecidos com os iniciais, mas com variações e desenvolvimentos.

Muitos são os exemplos são os filmes que apresentam temas para créditos finais dentre eles está o filme Bullit (Bullit, 1968). O tema utilizado para os créditos finais é o mesmo utilizado no inicio, mas desta vez o tema aparece bem diferenciado, no inicio ele é bem mais enérgico com utilização dos metais, bateria, percussão e também nós conta muito do sobre o clima do filme. Já no final ele é utilizado de uma maneira bem leve executado por uma flauta e acompanhado por um violão (exemplo27).

6. Conclusão

Com as pesquisas feitas pode-se perceber que os estilos e a maneira de escrita para música de cinema variavam muito de acordo com a época, isso se deve tanto a fatores estéticos quanto técnicos e financeiros. A partir da análise de temas para as diversas ocasiões pode-se ter um maior refinamento ao se observar cenas de filmes, pois, a partir delas e possível sair do nível sensorial e emotivo e passar a entender de uma maneira mais sistemática as composições feitas para filmes. Como visto a música para filmes pode exercer diversas funções, que basicamente podem ser fisiológicas, psicológicas e técnicas, sendo assim espero que este trabalho possa ajudar aos leitores a não mais assistirem ao filme apenas com os olhos, e passarem a dar credito para a música, pois, além de servir ao filme de diversas maneiras como na ajuda do desenvolvimento da estória, ela também pode fazer comentários e expressar sentimentos que as palavras não são capazes, ajudando os espectadores entrarem em contato com o que os diretores ou produtores queiram passar.

A união da música com imagens sempre me chamou a atenção, e pesquiso trilhas sonora de cinema a algum tempo, buscando novas informações sobre o assunto, seja apenas no nível de acompanhar novos lançamentos ou novos compositores e novas tendências ou então analisando algumas partituras. Para mim este trabalho serviu como uma maneira de sistematizar um conhecimento, que foi se desenvolvendo a partir de curiosidades e questionamentos surgidos com as pesquisas na área. É importante ressaltar que este não é um trabalho terminado, e certamente há um enorme numero de exemplos e variações das formas de tratamento do material musical, que podem ser utilizados das mais diversas maneiras, estas são apenas algumas sugestões de organização do material musical utilizado na composição para cinema.

Bibliografia

BERCHMANS, Tony. A música do filme: tudo o que você gostaria de saber sobre a música de cinema. São Paulo. Escritura Editora, 2006.

CARRASCO, Claudiney. Sygkronos: A formação da poética musical do cinema. São Paulo, 1998.

DAVIS, Richard. Complete guide to film scoring: The art and business of writing music for movie and TV. Boston: Berklee Press, 1999.

MATESSINO, M. A new hope for film music. In: Star Wars - A New Hope(Special Edition). Inglaterra: Bantha Music, 1997. 2 CDs (110 min).

MÁXIMO, João. A música no cinema: os 100 primeiros anos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

NEVES, Christianne. A composição para filmes no exemplo de David Grusin. Campinas, 2004

Partituras

WILLIAMS, John. Music from the Star Wars Trilogy. Wood Ford Green : International Music Publications Ltd. 60p.

Filmografia

KING KONG. Merian C. Cooper & Ernest B. Schoedsack. Turner Home Ent, 1933 Local: USA, 1DVD 100 min., 1933, p&b

THE RED VIOLIN. François Girard. Música de John Corigliano. 1DVD 130 min. Local: Canadá, 1998. Color.

BACK TO THE FUTURE. Robert Zemeckis. Música de Alan Silvestri. 1DVD 115 min. Local: USA

BULLIT. Peter Yates. Música de Lalo Schifrin. Warner Bros. 1DVD 114min. Color

EWARD SCISSORHANDS. Tim Burton. Twenty Century Fox. 1990. 1DVD. 104 min. Local: USA. Color.

STAR WARS EPISODE IV: A NEW HOPE. Geoge Lucas. 1 DVD, 127min. Local: USA. Color PULP FICTION. Quentin Tarantino. 1 DVD 164 min. Color

LORDS OF DOGTOWN. Catherine Hardwicke. 1 DVD, 109 min. Color.

CASABLANCA. Michael Curtiz. 1DVD 145 min. Color

THE THIN RED LINE. Terrence Malick. 1 DVD, 170 min. Color

MATRIX RELOADED. Andy Wachowski, Larry Wachowski. 1 DVD, 138 min. Color.

HELEN OF TROY. Robert Wise. 1 DVD, 118 min. Color.

ANEXO:

Exemplo 1 2

Filme King Kong Star Wars

3

Star Wars

4

Star Wars

5

Star Wars

6

Star Wars

7

Star Wars

8

Star Wars

9

Star Wars

10

Star Wars

11 12 - 13 14

Star Wars Star Wars Star Wars

15

Pulp Fiction

16

De Volta para o futuro

17

De volta para o futuro

18

Lords of Dogtown

19

Casablanca

Forma de Tratamento Mickeymousing Leitmotiv – Luke Skywalker – Tema representando personagem em cena Leitmotiv – Luke Skywalker – Tema representando personagem Leitmotiv – Luke Skywalker – Tema Representando Personagem Leitmotiv – Darth Vader – Tema resentando persongem em cena Leitmotiv – Darth Vader – Tema representando personagem fora de cena Leitmotiv – Leia – Tema representando personagem Leitmotiv – Obi-Wan Tema representando ideias Leitmotiv- Obi Wan – Tema represetando personagem Leitmotiv – Obi-Wan – Tema representando sentimentos Leitmotiv – Death Star Leitmotiv – Rebeldes Música diegética – Música pelo compositor do filme Utilização de canções -Song Score Utilização de canções Canções emcomendadas Utilização de canções Canções emcomendadas utilizadas como música diegetica Utilização de canções Canção como música diegetica Utilização de Canções Canção com função

20

De volta para o futuro

21 22 23 24 25 26 27

The red violin The red violin Matrix Reloaded The thin red line Helen of Troy Edward Scissorhands Bullit

dramática Utilização de canções – De época ou periodo Período Étnica Fisiológica Psicológicas Técnicas Créditos iniciais Créditos finais

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