Análise das técnicas de perfuração e evidências de uso dos adornos da \"Vala\" (Cabeço da Amoreira, Muge)

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Revista cultural do concelho de salvaterra de Magos n.o 3

Propriedade C6mara Municipal de Salvaterra de Magos

CoordenagSo Presidente da C6mara Municipal de Salvaterra de Magos, Eng." H6lder Manuel Esm6nio

Grafismo Soraia Magrigo

Colaboradores deste nf mero Lino Andr6 Jo6o Carlos de SENNA-MARTINEZ e Elsa LU[S GonEalo Lopes JoSo Ant6nio Mendes Neves

Nuno Saldanha Jorge Cust6dio Samuel Tom6 Roberto Caneira

Nuno Prates ExecugSo GrSfica Palmigr5fica Artes Gr5ficas Lda

Dep6sito Legal 380652/14 Tiragem 500 exemplares

Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

Ano: 2oi6

1 | Analise das t6cnicas de perfuraEso e evid6ncias de uso dos adornos da "Yala" (Cabego da Amoreira, Muge) | Lino Andre I p5g. 3 d 24 2 lO Conjunto dos Machados de Bronze de "Tipo Buj6es" de Escaroupim (Salvaterra de Magos): Um "Deposito" do Bronze Medio sobre a linha do Tejo? | JoSo Carlos de SENNA -MARTINEZ e EIsa LU1SI p5g. 25 i 38

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Misericordia de Muge durante o Antigo Regime I Gongalo Lopes I p5g. 39

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4 | Muge antes de 1304 | Gonqalo Lopes I p6g. 73 d 1O2 5 | As Memorias Paroquiais (1758) de Salvaterra de Magos e Muge I JoSo Ant6nio Mendes Nevesl p5g. 1O3d142

6 lJoaquim Manuel da Rocha - A Pintura da capela-mor na igreja de S. Paulo de Salvaterra de Magos I Nuno Saldanha I p5g.1 43 d'166

7 I A FABRICA DE DESCASOUE DE ARROZDA CASA CADAVAL: Patrim5nio lndustrial de Muge I Jorge Cust6dio I pilg.167 e 216 8 | Marinhais - apontamentos

)

sua toponimia I Samue/ Tome I p,ig. 217 d 24O

9 I uA festa das sortes - An5lise e estudo dos aspectos historicos e etnogr5ficos desta cerim6nia na Gloria do Ribatejo> | Roberto Caneira I pag. 241 d 254

10 f Constantino Fernandes e o seu legado artistico e cultural lNuno d 262

Prates

I p6g.255

Salvaterra de Magos I n." 3 I

Ano2016

AnSlise das t6cnicas de perfuragSo e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (Cabego da Amoreira, Muge). Lino Andr6 ICATEHB-lnterdisc,iplinary Center for Archaeology and Evolution of,HumAn

[email protected]

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An5lise das t6cnicas de perfuraEso e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (CabeEo da Amoreira, Muge).

1 | lntrodugSo Desde que as primeiras escavaE6es arqueol6gicas tiveram lugar, no inicio dos anos 30 do s6culo passado (Corr6a, 1933), j5 foram encontrados no concheiro mesolitico do CabeEo da Amoreira mais de 2000 exemplares de conchas perfuradas, pertencentes na sua maioria a esp6cies fluviais e estuarinas (Corr6a, '1931; Roche,1966; Arnaud, 1987; Ro15o,1999; Andr6, 2015; Andr6 e Bicho, 2016). Ate i data, alem da identificaEso taxon6mica dos esp6cimenes que comp6em esta grande colecESo, nunca houve nenhuma tentativa para saber como teriam sido alteradas e manipuladas pelos humanos, apesar dos vSrios estudos realizados a partir de conjuntos de adornos em concha durante o Paleolitico e o Mesolitico, incluindo materiais provenientes de sitios localizados na fachada atl6ntica e da costa mediterr6nea da Penfnsula lberica (Taborin, 1993;Alvarez Fern5ndez,2006; T5t5 et alt.,2014;Gutierrez-Zugasti e Cuenca Solana, 2015), que permitem determinar qual a tecnologia utilizada na produEso destes elementos de adorno. Este artigo apresenta os resultados das an5lises efectuadas is perfuraq6es presentes nos espticimenes provenientes da 5rea da Vala, no Cabego da Amoreira, tendo por base estudos experimentais realizados em Portugal (T5t5, 201'l; Stiner et al., 2013; Cabral e Monteiro-Rodrigues, 2015), assim como a identificagSo de vestigios de uso, a fim de compreender quais as tecnicas e instrumentos utilizados para perfurar as conchas e um dente de cervideo, e ainda determinar se estes terSo servido como elementos de adorno.

2 | Contexto arqueol6gico do Cabego da Amoreira 2.1 I LocalizaEao, descrigSo e trabalhos arqueologicos O concheiro Mesolitico do Cabeqo da Amoreira est5 localizado, d semelhanga de todos os outros concheiros do vale do Tejo, na orla dos terraEos quatern5rios do rio Tejo, ao logo da sua margem esquerda (Fig.1). Este concheiro, ainda em bom estado de conservaESo, situa-se na margem esquerda da ribeira de Muge, a cerca de 4 km da conflu6ncia desta com o rio Tejo e a sua altitude, cerca de 15 m,faz com que esteja a salvo das cheias. Apesarde a sua posiESo em relaEso d ribeira nio proporcionar uma boa visibilidade, o relativamente baixo declive da sua encosta tornaria mais f6cil o transporte dos recursos aqu5ticos at6 ao acampamento (Arnaud, 1989). O concheiro foi identificado, juntamente com o da Moita do SebastiSo e o da Fonte do Padre Pedro, no longinquo ano de 1864 por Carlos Ribeiro (Ribeiro, 1884). Desde entdo, um elevado n0mero de investigadores, como Mendes Corr6a nos anos 1930, Jean Roche e Veiga Ferreira nos anos 1950 e 60, Jos6 RolSo entre 1999 e 200'1 e, mais recentemente, Nuno Bicho, desde Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

2008, intervencionaram a 6rea que compreende este concheiro (Fig. 2), um. dos maiores na regiSo de Muge, com cerca de 60 metros de di6metro e perto de 3,5 metros de altura (GonEalves, lOM). Comparativamente aos outros concheiros que fazem parte do comglgxo Mesolitico de Muge, cuja ocupagSo simult6nea tera tido inicio h5 cerca de B '1OO anos cal BP (Bicho et al., 2013), s5o muitas as semelhanEas entre estes no que diz respeito d morfologia, padrSo de localizaESo, rituais de enterramento e dieta dos individuos, verificando-se diferengas na tecnologia litica, nomeadamente nos geometricos, atrav6s de uma maior presenqa de tri6ngulos no Cabego da Amoreira. Durante u -u o.rpaESo inicial, o sitio poder5 ter servido de acampamento residencial visto haver vestigios de buracos de poste, estruturas de combustSo e fossas c6ncavas, todas localizadas na base do concheiro, estando estes elementos relacionados com zonas de habitagSo.

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(Figura

1) 1)

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(Figura 2)

A acumulaEso exaustiva de conchas que formam o concheiro, composto principalmente por restos de Scrobicularia plana e Cerastoderma edule, tera acontecido entre 7 800 e 7 500 anos cal BP, verificando-se o final da ocupaEso mesolitica por volta de7 400 anos cal BP (Bicho et al., 2012) e o

total abandono do sitio por volta de 6 600 anos cal

BP

coincidindo com o aumento da

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An5lise das t6cnicas de perfuragSo e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (CabeEo da Amoreira, Muge).

aridez e da sedimentaEeo do vale, assim como com o fim da salinidade nos rios do vale do Tejo que ter5 ocorrido entre c. 6 900 e 6 600 cal BP (Bicho et al., 2010,2013). Sobre a camada de conchas identificaram-se niveis arqueol69icos mais recentes, posteriores d ocupaEso mesolitica, com a PresenEa de cerdmicas, algumas decoradas que, juntamente com as dataE6es provenien-

tesdedoisesqueletoslocalizadosnotopodoconcheiro,deT146-6847e7570-732Oanos

cal BP, respectivamente, e as an6lises isot6picas realizadas aos restos humanos de um individuo revelaram a aus6ncia de recursos marinhos na sua dieta (Umbelino, 2006), o que indicia que ndo estamos perante uma ocupaESo mesolitica, lanEando a hip6tese de que a populagSo end6gena poder5 ter sido incorporada na populaEso neolitica (Bicho, 2011). A identificaEso de ambos os horizontes culturais, Mesolitico e Neolitico, fora dos limites do concheiro,fez com que fossem realizadas vSrias sondagens incluindo a abertura de uma vala de '12 metros de comprimento por 1 metro de largura, de onde prov6m o conjunto de artefactos analisados no presente trabalho, e onde foi possivel identificar cinco niveis arqueol6gicos, cuja formagSo 6 contempor6nea e posterior d formaEso do concheiro, contendo milhares de artefactos lfticos, algumas cer6micas e duas estruturas de combustSo, fazendo-se, no entanto, notar a aus6ncia de restos faunisticos (Casca lheira et al., 2015).

2.21Os elementos de adorno A primeira menqSo de que ha registo acerca da presenga de conchas perfuradas no concheiro do Cabego da Amoreira foi feita por Mendes Corr6a, em setembro de 1931, no XV Congresso lnternacional de Antropologia e Arqueologia Pr6-hist6rica, em Paris. Corr6a refere a presenEa de "numerosas conchas perfuradas" das especies Cypraea europaea, Nassarius reticulata, Bythinia tentaculata e Neritina fluviatilis, al6m de outros objectos conotados com a funqSo de adorno corporal, incluindo dentes de animais, pequenas placas de argila com perfuraE6es e "pequenos pedaqos de argila cozida". E ainda mencionada a presenEa de um exemplar de Natica hebraea, facto que Mendes Corr6a considera excepcional, visto ser uma esp6cie mediterr6nea desconhecida no territ6rio portugu6s, o que faz com que este desenhe duas hip6teses: uma que atesta que o clima na regiSo era mais quente no periodo da formaEso do concheiro do que actualmente, e outra que defende o transporte deste exemplar, por parte dos humanos, ao longo de grandes dist6ncias. O autor defende a primeira hipotese como sendo a mais plausivel (Corr6a, M., 1931). A segunda hipotese tamb6m n5o deixa de ser credivel, visto que actualmente v5rios investigadores, como Taborin (2004) e Alvarez Fernandez (2011), reportam a presenEa de esp6cies cujo habitat e o Mar Mediterr5neo, em sitios paleolfticos distantes da costa mediterr6nea (> 400 Km). De resto, 6 de salientar Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

que neo voltou a ser referida a presenEa desta esp6cie nos concheiros de Muge. Em 1957, e volvidos quase 30 anos depois da comunicagSo de Mendes Corr6a, Jean Roche e Veiga Ferreira referem a presenEa destas esp6cies, reconhecendo a sua semelhanEa com as encontradas noutros concheiros de Muge, confirmando a presenEa das esp6cies descritas pelo anterior investigador. Estes consideram que os exemplares de Natica hebraea e Littorina littorea, sendo que a segunda 6 aqui mencionada pela primeira vez, conferem a este concheiro uma maior antiguidade em relaESo aos seus cong6neres, n5o sendo no entanto possivel prov5-lo pois n5o h5 indicaESo nitida da posiESo estratigrSfica em que se encontravam (Roche e Veiga Ferreira, 1957). Em 1966, Jean Roche apresenta, num congresso em Barcelona, os resultados de um invent5rio realizado com base nos materiais postos d sua disposigSo por Mendes Corr6a, em '1950, provenientes do Cabeqo da Amoreira. Este refere a "pobreza e pouco interesse estetico dos mesoliticos de Muge". Menciona as conchas perfuradas, que perfazem a maioria dos objectos de adorno deste conjunto, onde inclui os exemplares de Pecten maximus e Cardium norvegicum, cuja presenEa ainda n5o tinha sido referida. S5o mencionados os pendentes de quartzito, xisto, osso e dentes de cervideos, assim como de v6rtebras de peixe e dentes de "mamiferos marinhos, provavelmente Peixe -Boi". Por fim refere a presenEa de "missangas e contas", feitas em cristal de quartzo hialino,

um deles abrilhantado pelo uso e outro com marcas nas arestas laterais, caracteristicas que Roche acredita terem sido provocadas pelo

desgaste do uso, e termina mencionando a presenEa de fragmentos de corantes, como a hematite e 6xido de mangan6sio (Roche,1966). J5 no final do s6c. XX, Jos6 Rol5o, na sua tese para a obtenESo do grau de doutoramento, apresenta a an5lise de um conjunto de "peEas de adorno e/ou votivas", provenientes dos trabalhos efectuados at6 d data no CabeEo da Amoreira e que este define como sendo o "conjunto mais completo de todos os concheiros estudados" (Roldo, 1999: 197). As peEas de adorno em fauna malacol6gica, num total de 2039 exemplares, pertencem ds esp6cies Nassarius reticulatus, Neritina fluviatilis, Trivia europaear Ostrea sp., Scrobicularia plana, Cardium edule, Cardium norvegicum e Pecten maximus. Aqui destaca-se o facto de ndo serem referidas as esp6cies Natica hebraea, Cypraea europaea Littorina littorea e Bythinia tentacu/ata, como acontecera antes, e faz refer6ncia, pela primeira vez, a tr6s esp6cies: Ostrea sp., Scrobicularia plana e Cardium edule. RolSo refere tamb6m peEas de adorno fabricadas em material litico, quartzito, quartzo hialino e xisto, em restos de fauna maritima como vertebras de peixe e dentes de mamiferos marinhos, fauna terrestre, e menciona um dente perfuradc de Sus sp. e v5rios dentes de cervideo, assim como ossos com perfuraE6es conotadas com a prdtica de suspensSo e ainda a presenEa de duas peEas em argila. Segundo Rol5o, Salvaterra de Magos I n." 3 I Ano: 20'16

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a especie mais representada neste concheiro e a Neritinafluviatilis, ultrapassando em largo n[mero a PresenEa das outras esp6cies, senSo vejamos: 1628 exemplares de Neritina fluviatilis, 296 de Trivia europaea, 99 de Nassarius reticulatus, 7 de Scrobicularia plana,3 de Ostre a, 3 de Cardium norvegicum, 2 de Cardium edule e 1 exemplar de Pecte n maximus. O autor considera duas

possiveis finalidades para estes materiais, adorno pessoal ou votivo, tendo em conta o facto de alguns enterramentos terem como esp6lio exemplares de conchas perfuradas (Rol6o, 1gg9). Desde 2OOB, e coincidindo com o inicio dos trabalhos da equipa coordenada por Nuno Bicho, no 6mbito do projecto "The last hunter-gatherers in the Tagus valley: The Mugie Shellmiddens" (Bicho et al., 2011), j5 foram recolhidas, e identificadas, centenas de conchas perfuradas, juntamente com outros materiais, cujas caracteristicas, ainda que analisadas de forma preliminar e macrosc6pica, fazem crer ter sido utilizadas como objectos de adorno, ou produzidas com esse intuito, tendo no entanto de ser efectuada uma an5lise minuciosa de maneira a poder confirmar estas hip6teses.

2.3 I DescriESo da Vala e proveni6ncia dos materiais Como j5 foi referido anteriormente, os matgriais sujeitos a este estudo s5o provenientes da drea designada por Vala, localizada entre o canto nordeste da Area 1 e o limite sul do concheiro (Fig.3). Nesta foram identificados dois horizontes culturais, nomeadamente Mesolitico e Neolitico, de onde foram recolhidos inrime.ros artefactos liticos e alguns fragmentos de ce16mica, respectivamente. Do total de onze camadas estratigraficas definidas, tr6s delas, a 5, 3 e 2 sdo compostas por conchas e correspondem as camadas 1, 2 e3 do concheiro.

(Figura 3)

Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

As restantes camadas s5o constituidas por areias, com maior ou menor presenEa de artefactos,

comexcepgSodascamadaslell,sendoqueacamadalecompostaporareiasestereiseea camada 11 resulta da actividade de crivagem. Acamada'10 6 composta porareias de corescura, e estSo presentes pequenos fragmentos de conchas e de seixos, sem vestigios de quaisquer artefactos. Na camada 9, constitufda por areias compactas e sem raizes, foram encontrados fragmentos de ce16mica e indCIstria litica, o que indicia uma ocupagSo do Neolftico m6dio. Na camada 8, formada por areias bem definidas e bastante semelhantes as da camada 3, sem a presenEa de raizes e outros elementos naturais, foi recuperado um exemplar de Trivia sp.. A sua presenEa e, provavelmente, devido a episodios de escorr6ncia da superficie do concheiro. Da camada 7, composta porareias bem definidas e sem raizes, s5o provenientesfragmentos de ce16mica e alguns artefactos liticos resultantes de uma ocupaEso do Neolitico antigo. A camada 6, que cobre parcialmente o topo do concheiro, e composta por areias castanhas escuras e exibe muitos artefactos liticos e nenhuma cer6mica. E precisamente das camadas 5, 3 e 2 que prov6m a maioria dos artefactos (18 exemplares), d excepEso do exemplar recuperado na camada B. Na camada 5, que corresponde ao limite sul da camada superior do concheiro, composta por areias de cor escura com fragmentos de conchas e artefactos liticos, foram recuperados 2 exemplares de Theodoxusfluviatilis, dois de Trivia sp., o dente de cervideo e o fragmento de argila. Na camada 3, que 6 composta por sedimentos de cor acinzentada, abundam os fragmentos de conchas e estSo presentes rochas fragmentadas pela acEao do fogo, foram encontrados 7 exemplares de Theodoxus fluviatilis. Na camada 2, que 6 composta por areias castanhas claras, com fragmentos de conchas e vdrias conchas inteiras, foram recolhidos 6 exemplares de Theodoxus fluviatilis e um exemplar de Trivia sp.. Aqui a presenqa de artefactos liticos e clastos e escassa (Cascalheira et al., 2015).

3 | Os elementos de adorno da Vala 3.1 I ApresentaEso e descriEso da colecEso O conjunto de artefactos provenientes da vala e conotados com a funcionalidade de adorno e compreendido por um total de 21 exemplares. Destes fazem parte 19 conchas de gastr6podes, 1 dente de Cervus elaphus e 1 fragmento de argola de argila com tratamento termico. As conchas est5o, de uma maneira geral, bem conservadas e sem incrustag6es, o que facilita a sua identificaqSo taxon6mica e a an5lise das tecnicas de perfuraEso e de marcas de uso, quando presentes. Salvaterra de Magos I n.o 3 I Ano: 2016

An5lise das t6cnicas de perfuraEso e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (CabeEo da Amoreira. Muge).

As conchas estao, de uma maneira geral, bem e dois pequenos sulcos, que podem ser conconservadas e sem incrustaE6es, o que facili- sistentes com algum tipo de actividade antr6ta a sua identificaEso taxon6mica e a analise pica. O exemplar apresenta uma perfuraEdo bidas t6cnicas de perfuragSo e de marcas de c6nica de formato circular na raiz, sendo que o uso, quando presentes. As conchas de gastr6- di6metro mais largo est5 na superffcie de cada podes pertencem a duas esp6cies, Theodoxus lado. No que diz respeito ds suas dimens6es, o fluviatilis e Trivia arctica/monacha. Estas apre- seu comprimento total e de aproximadamente sentam-se na sua maioria em bom estado de 17 mm; a coroa tem 8 mm de largura e 6,5 mm conservaESo, sendo que em alguns dos exem- de espessura; plares ainda e possivel observar as caracteris- O artefacto de argila est5 fracturado mas ticas originais da concha, como a coloragSo ou apresenta ao centro uma marca que poderd as linhas que comp6em os seus padr6es. Do ser resultante da exist6ncia de uma perfuraE5o, conjunto de conchas contam-se 15 exempla- indiciando a sua utilizaEso como eiemento de res de Theodoxus fluviatilis, dos quais 10 apre- adorno, ou pelo menos poder5 ter sido essa a sentam perfuraE6es sendo que as restantes 5 intengSo aquando da elaboraEao. As margens encontram-se fracturadas (Fig.4). O tamanho da fractura aparentam polimento e a coloraE5o medio das conchas permite determinar que os e uniforme em todo o artefacto, o que indica individuos desta esp6cie jd teriam atingido a que a fractura ndo 6 recente. Estd formada idade adulta no momento em que foram reco- por uma pasta ferruginosa que lhe d5 uma cor lhidos. Das 4 conchas de Trivia sp. que fazem acastanhada, compacta e com poucos elemenparte do conjunto nenhuma est5 inteira, apre- tos n6o-plSsticos. S5o visiveis pequenas mansentando-se todos os exemplares com a parte chas escuras que podem ser resultantes da acdorsal ausente, pelo que n6o foi possivel deter- Edo do fogo. minar qual a variedade da esp6cie (arctica ou monacha) ou se estariam ou nbo perfuradas perfuraEso utiir excepqao de um exemplar cuja'parte dor- 3.2 I T6cnicas sal, onde e comum encontrarem-se as perfu- liZadaS na pfOdUEeO de adOfnOS raE6es, ndo estd totalmente ausente, exibindo fracturas consistentes com esta actividade nas Os objectos de adorno, ou votivos, que apresentam perfuraE6es antr6picas, nomeadamensuas extremidades. te as conchas de moluscos ou gastropodes e O dente de Cervus elaphus presente nesta colecESo trata-se de um incisivo inferior direito e os dentes de mamiferos t6m sido alvo de maior encontra-se em bom estado de conservagSo. A atenESo nos ultimos temPos no que diz respeito extremidade da raiz apresenta algum desgaste ds t6cnicas empreendidas na sua elaboraEso.

de

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Mediante a andlise formal das perfuraE6es, com o apoio da microscopia, e pela acqSo experimental que permite estabelecer comparaE6es entre os artefactos encontrados em contexto arqueol6gico e outros fabricados actualmente, tornou-se possivel compreender quais os utensilios e t6cnicas utilizados na sua modificagSo e as suas conseguintes marcas. As conchas perfuradas antropicamente que se encontram em contextos arqueol6gicos distinguem-se das outras conchas de moluscos mediante uma serie de caracteristicas e certos "padr6es de dano", sendo que as caracteristicas mais relevantes seo a (a) elevada frequ6ncia de perfuraE6es realizadas por meio da picagem directa e a constante repetiEso da localizaEso do furo, (b) uma moderada incidOncia da abrasSo causada pelo movimento das mar6s, o que indica que foram recolhidas passado algum tempo depois do animal ter morrido, (c) o constante tamanho reduzido das conchas e (4) uma forte tend6ncia para as conchas se encontrarem inteiras. Os furos s5o normalmente de formato circular e de aspecto grosseiro e as fracturas sdo geralmente direitas, podendo apresentar sinais de desgaste, muitas vezes assim6tricos, causados pela abrasSo das fibras que serviriam para o suster.

(Figura 4)

Salvaterra de Magos I n." 3 I Ano: 2016

An5lise das t6cnicas de perfuragao e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (Cabego da Amoreira, Muge).

Dos chamados "padr6es de dano" fazem paracqSo do fogo, as fracturas junto ds perfuraE6es e o alto grau de polimento causado pelo extensivo uso. Estas caracteristicas contrastam com as que estSo presentes nas conchas de moluscos que tinham como finalidade a alimentaESo. Estas conchas s5o geralmente de maiores dimens6es e apresentamse muitofragmentadas, com os bordos afiados,

em ambos os suportes (conchas e dentes), realizados tanto a partir do exterior como do interior dos exemplares em concha, excepto nos exemplares de Trivia sp. pois a sua configurag5o nbo o permite. As diferentes t6cnicas de perfuraEso foram postas em pr5tica, para analisar um conjunto de artefactos provenientes do sitio de Vale Boi, cronologicamente do Paleolitico Superiol e os seus resultados podem o que 6 indicativo de que foram apanhadas ser aplicados na presente colecEso uma vez enquanto o animal estava vivo, e a acESo do que tanto as esp6cies de gastropodes como as fogo 6 mais evidente (Stiner, 2003). Segundo peEas dent5rias estSo presentes em ambas as Papi-Rodes (1989) a perfuraESo 6 o elemento colecE6es, assim como as materias-primas que mais comum de entre as tipologias possiveis foram utilizadas para replicar os instrumentos na elaboraEao de um objecto de suspenseo, liticos, em osso e haste. Com base nos resulsendo o outro elemento o estrangulamento, tados foi possivel padronizar as caracteristicas podendo esta tecnica ser utilizada em supor- formais dos furos atribuindo-lhes diversas tites liticos, 6sseos, dent6rios ou ainda em has- pologias consoante a forma do contorno e o tes. Este metodo consiste no estreitamento de tipo de aresta. Ambos os m6todos utilizados uma determinada parte do objecto mediante nas peqas dentdrias, pressSo aplicando rotaEso abrasSo, corte ou entalhamento de maneira a manual e riscagem multidireccional por meio prender ou encaixar o elemento de suspensSo. de ponta litica, a partir das duas faces da raiz Antes de proceder a perfuraqSo propriamente provaram ser eficazes, sendo que o primeiro dita, o "artesSo" poder5 realizar algum tipo de permitiu conseguir uma perfuraEso de contorpreparaEso do suporte como a abrasSo ou o no circular bic6nico mais regular, com menos corte de maneira a reduzir a superficie a per- riscos e imperfeiE6es do que o segundo m6tofurar. No que diz respeito a acgao perfuradora, do, al6m de produzir menos desgaste na ponta T6tA (2011) utilizou seis metodos diferentes na utilizada. sua acgSo experimental, recorrendo a pontas No que diz respeito ds conchas de gastr6politicas, em osso ou haste de veado, e sdo eles des os procedimentos mais eficazes foram: (a) a pressSo simples, picagem directa, percussSo a perfuraEso por rotaEso com ponta litica a indirecta ou puncionamento e abrasdo, utiliza- partir da face exterior da concha, visto que o dos apenas nos exemplares das conchas, e pres- diAmetro da abertura na face interior dificulta o s5o e rotagSo manual e riscagem, empregues movimento; (b) puncionamento, ou percussSo

te os vestigios da

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indirecta, exercida na face interior com ponta

de osso ou de haste estando o esp6cimene assente sobre uma base de cortiqa; e (c) pressdo directa a partir do interior ou do exterior, com ponta de osso ou de haste, tambem sobre base de cortiqa. A primeira tecnica produz perfuraE6es circulares de contorno regular com bisel externo abrupto ou com arestas boleadas, enquanto da segunda resultam furos normalmente circulares, com contornos geralmente pouco regulares ou mesmo irregulares e angulosos, com bisel na face exterior, produzindo a terceira t6cnica furos de contorno menos regulares ou mesmo irregulares, com bisel na face oposta aquela em que 6 realizada a pressSo tr6t6,2011). Al6m das caracteristicas acima mencionadas tambem se deve ter em conta outras n5o menos importantes aquando da anSlise deste tipo de artefactos. Ainda que a exist6ncia de uma 0nica perfuraEso por onde passaria o elemento de suspensSo seja a mais recorrente, n5o deve ser descurado o facto de que alguns exemplares poderem apresentar dois ou mais furos. A origem das perfuraE6es pode ser intencional, recorrendo ds t6cnicas j5 referidas no texto, ou n5o-intencionais e dentro deste caso podem distinguir-se dois tipos: os naturais e os "n5o -antropicos". Os naturais s5o aqueles que fazem parte da configuragSo original da concha, sejam um orificio, uma cavidade ou mesmo um estrangulamento que permite utiliz5-la como objecto de suspensSo sem que tenha de sofrer alteraE6es. Os n5o-antr6picos apresentam-se

naquelas conchas que, ndo tendo nenhum furo de origem, o adquirem sem ser pela m5o do homem ou seja, este foi determinado por qualquer factor natural como a acESo abrasiva das mar6s ou feito por um lit6fago. A caracteristica comum em ambos os casos 6 que o homem n5o interveio directamente na realizaqSo da perfuraEso (Papi-Rodes, 1989).

3.3 I Resultados da an5lise microstr coprca oas PerTuragoes A an5lise formal das perfuraE6es foi realizada nas conchas de Theodoxus fluviatilis que se apresentavam inteiras e tambem no dente de cervideo. Dez dos 15 dos exemplares de Theodoxus recuperados na area da Vala encontram-se intactos e apresentam uma Jnica perfuraESo, sendo que os restantes t6m uma porqSo da concha fracturada o que poder5 ser resultante da perfuraESo ou causado por acE6es p6s-deposicionais. A superficie externa das conchas exibe algum grau de descoloraq6o, possivelmente causado pelos elevados niveis de carbonato de c5lcio presente no concheiro, mas na maioria dos caso 6 visivel o padrSo original e, com excepqSo dos 5 exemplares fracturados, todas as conchas apresentam a sua forma original o que significa que terSo sido recolhidas vivas ou imediatamente ap6s a sua morte, nas margens do rio (Dupont, 2006; Dupont et a1.,2014). Salvaterra de Magos I n.o 3 I Ano: 20'16

An5lise das t6cnicas de perfuraE5o e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (Cabego da Amoreira, Muge).

No que diz respeito irs perfuraE6es, metade dos exemplares exibem formas circulares/ oblongas e regulares e a outra metade formas irregulares (Fig.5). As perfuraE6es circulares ou semi-circulares s5o caracterizadas por um contorno regular e por um bisel pouco acentuado ao passo que as irregulares possuem um contorno anguloso e um bisel mais acentuado. Relativamente ao tamanho das perfuraE6es, as que t6m uma forma circular e de contorno regular apresentam di6metros m6dios ligeiramente maiores. O tamanho e a forma das perfuraE6es analisadas n6o 6 consistente com as perfuraE6es causadas por predadores, que resultam em formas perfeitamente redondas e de dimensSo inferior a2mm (Cabral e Monteiro-Rodrigues, 2015). A morfologia das perfurag6es e variada mas, de acordo com os resultados experimentais realizados para exemplares da mesma esp6cie (T5td et al., 2014), tanto a tecnica de rotaESo, com um instrumento litico, a partir da superffcie externa das conchas, como a tecnica de pressSo,

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(Figura 5)

a partir do interior, com um instrumento em osso ou haste foram provavelmente utilizadas para a realizaEso das perfuraE6es. O contorno regular e a presenga de bisel ao redor dos furos presentes em metade dos esp6cimenes sdo consistentes com a tecnica de rotaESo. Este m6todo requer que se faEa uma pressSo controlada ao mesmo tempo que se realiza o movimento rotativo com o instrumento utilizado. A t6cnica de pressSo a partir do interior com instrumentos em osso ou haste terS sido utilizada para realizar as restantes perfurag6es, caracterizadas por contornos irregulares e bisel acentuado na face externa das conchas. Ambas as t6cnicas e instrumentos utilizados fazem com que seja dificil controlar o tamanho e a morfologia dos furos.

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O dente perfurado de Cervus e/aphus caracteriza-se por duas perfuraE6es bi-c6nicas (Fig.6) com acentuado bisel nas duas faces da raiz e as suas dimens6es m5ximas (3,3-3,5 mm) e minimas (1,6-1,8 mm) n6o diferem muito de ambos os lados. A t6cnica utilizada para realizar as duas perfuraE6es foi a de rotaESo com um instrumento litico, a partir da superficie de ambas as faces da raiz. Apesar de os 4 exemplares de Trivia sp. nlo apresentarem a superficie dorsal intacta (Fig.7), 6 possfvel observar vestigios da exist6ncia de duas possiveis perfuraE6es nas extremidades das conchas (Fig.8).

(Figura

7)

(Figura 6)

Salvaterra de Magos I n." 3 I Ano:2016

AnSlise das t6cnicas de perfuragSo e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (CabeEo da Amoreira, Muge).

3.41Vestfgios de uso Tanto nos exemplares inteiros de Theodoxus fluviatilis como no dente de cervideo sio visiveis vestigios da presenEa de um elemento de suspensSo, o que mostra que estes artefactos poderiam ter como finalidade o adorno corporal (colares, pulseiras, etc.) ou serem incorporados numa peqa de vestuario, por exemplo. Ao fim de algum tempo, o contacto entre o artefacto e o elemento de suspensSo, possivelmente feito de fibras naturais, provoca o polimento e consequentemente o desgaste da 5rea da concha ou dente com a qual est5 em contacto directo e prolongado.

(Figura

(Figura 9)

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B)

No caso das conchas perfuradas

presentes na evidentes marcas s5o neste conjunto estas (Fig.9), caracteregiSo mais pr6xima do l5bio ristica esta que 6 explicada devido ao peso exercido pela concha quando suspensa o que faz com que o l6bio fique virado para cima causando fricEso numa regiSo especifica do furo. A excepEso de dois exemplares, todas as conchas apresentam polimento, mais ou menos acentuado, na referida regiSo. No que diz respeito ao desgaste, e uma vez que 6 impossivel saber qual o formato exacto do contorno original da perfuraESo no momento em que esta foi realizada, ndo se pode concluir qual a sua intensidade. No caso do exemplar de Trivia sp. que apresenta vestigios daquilo que poderiam ser duas perfurag5es, localizadas nos extremos da face dorsal, s5o visiveis sinais de polimento o que indica que este poder5 ter sido utilizado como objecto de adorno (Fig.10), verificando-se assim que a fractura que o esp6cimene exibe ter5 tido lugar posteriormente a sua utilizaESo. No exemplar de dente de cervideo tamb6m s5o evidentes as marcas da sua utilizaESo nas faces opostas da perfuragSo bic6nica (Fig.l1). A exist6ncia de um elemento de suspensSo ter5 provocado o polimento, tanto no interior como no rebordo do orificio, mais precisamente na regiSo com a qual esteve em contacto e o bisel apresenta-se ai mais acentuado, o que pode ser indicativo do desgaste causado pela fricgSo.

(Figura

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An5lise das t6cnicas de perfuraEso e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (Cabego da Amoreira, Muge).

4 | Discuss5o e conclus6es Os adornos feitos em concha e outras mattirias-primas (dentes de veado perfurados ou outros tipos de contas) s5o portadores de importantes informaq6es acerca do comportamento social e simbolico humano (Alvarez FernSndez e Joris, 2008; Kuhn e Stiner, 2006, 2OO7) e podem ser usados como indicadores visuais no que diz respeito d identidade e afiliagSo de um ou vSrios individuos (Kuhn e Stiner, 2007). Estas propriedades seriam muito

ser apanhadas nas zonas rochosas localizadas a cerca de 70 km de dist6ncia, e seria por isso mais dispendioso em termos de tempo e esforqo fisico. As caracterfsticas naturais das conchas, como as cores e os padr6es que exibem, tornavam-nas apelativas para a realizagSo deste tipo de composiE6es ao mesmo tempo que poderiam transmitir informag6es sobre quem as exibia. Relativamente i produgSo de elementos de importantes no desenvolvimento das socieda- adorno, 1O dos espticimenes de Theodoxus des cagadoras-recolectoras complexas como apresentam evid6ncias de perfuraE6es consis6 o caso do concheiro Mesolitico do Cabego tentes com actividades antr6picas. Estas caracda Amoreira. Enquanto outras caracteristicas, teristicas tambem estSo presentes numa concomo a organizaEso espacial dos sitios (Bicho cha de Trivia arctica/monacha e no dente de e GonEalves, no prelo; GonEalves et al., 2014) cervideo. Apesar de alguns esp6cimenes estaou a formagSo dos concheiros (Bicho et al., no rem fracturados, todas as fracturas encontramprelo; 2013) ia foram anteriormente estudadas, se na regiSo da concha onde normalmente s5o n5o h5 informagSo relevante no que diz respei- realizadas as perfuraE6es e, por essa razTo, to aos elementos de adorno. Por enquanto, os estes esp6cimenes podem ter-se fracturado dados existentes estSo restritos ds an5lises tec- durante a acESo de perfuraEso ou depois, por no-tipol69icas dos esp6cimenes encontrados raz6es p6s-deposicionais. na area da Vala: 19 conchas de gastr6podes As an5lises microsc6picas e a comparaESo corn (15 Theodoxus fluviatilis e 4 Trivia arctica/mo- os estudos experimentais permitem identificar nacha), um dente de cervideo perfurado e um quais as t6cnicas e instrumentos que foram utilizados para realizar as perfuraE6es. De acorfragmento de conta de argila. O maior nfmero de exemplares de Theodoxus do com as an6lises efectuadas aos exemplares nesta colecESo, assim como nas colecE6es co- provenientes da Vala, cinco conchas de Theonhecidas anteriormente, adv6m possivelmente doxus foram perfuradas utilizando a t6cnica de do facto de esta ser a esp6cie mais abundan- rotaEso aplicada na sua face externa, com um te localmente, ao passo que outras esp6cies, instrumento litico, resultando num furo de forcomo a Trivia arctica/monacha, so poderiam ma circular e de contornos regulares com um Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

bisel ao redor. A t6cnica utilizada para realizar as perfuraqSes nos restantes cinco exemplares foi a de pressSo directa, a partir do interior da concha, com recurso a um perfurador de osso ou haste, resultando num furo mais irregular e anguloso, com bisel exterior. No que diz respeito ao exemplar de dente de cervideo a t6cnica aplicada foi a rotaEso com um instrumento litico, em ambas as faces da raiz, resultando numa perfuragSo bi-c6nica de forma circular e de contornos muito regulares. Neste caso, a utilizaESo de instrumentos em osso ou haste n5o 6 vi5vel, uma vez que t6m uma densidade semelhante, o que torna a perfuraEso muito diffcil e provoca um grande desgaste nos perfuradores. A exist6ncia de Sreas polidas na maioria dos esp6cimenes de Theodoxus, num exemplar de Trivia e no dente de cervide o f az crer que estes estiveram pendurados num elemento de suspensSo, o que ter5 provocado uma marca de uso localizada numa Srea especifica do furo. No entanto, alguns exemplares ndo evidenciam estas marcas, o que poder5 ser devido ao facto de: a) estes n5o terem sido utilizados; b) terem sido utilizados de forma espor5dica; c) estarem destinados a objectos votivos e como tal n5o estiveram suspensos ou d) poderem ter estado suspensos numa estrutura est6tica, n5o causando marcas de uso. Com a excepEso do fragmento de argola de cerSmica, que 6 proveniente da camada do Neolitico antigo, e de um exemplar de Trivia que vem de uma camada n5o-arqueol6gica,

todos os outros exemplares foram recuperados das camadas do concheiro Mesolitico, formado entre 7800 e 7500 cal BP (Bicho et al., 2013). Na camada 5, que corresponde d cama-

da superior do concheiro, encontra-se a maior diversidade de esp6cies (Theodoxus, Trivia e Cervus), enquanto nas camadas 3 e 2 estSo apenas representados os exemplares pertencentes aos generos Theodoxus e Trivia. No que diz respeito ) distribuigSo dos m6todos aplicados na realizaEso das perfuraE6es, a t6cnica de rotaEso estd presente em todas as camadas, ao passo que a de pressSo pode ser vista nas camadas 3 e 2, com maior incidGncia nesta 0ltima. Uma vez que a t6cnica de press5o, aplicada na face interior das conchas, 6 a que produz as perfuraq6es de contorno mais irregular e anguloso, traduzindo-se numa maior fragmentagSo das conchas, e que nio estS presente na camada superior da Vala, 6 possivel que esta t6cnica tenha sido substituida pela de rotagSo, que produz perfurag6es de contorno circular, mais regular e com um risco de fragmentagSo menor. Estas e outras questSes s6 poderSo ser respondidas quando forem realizadas an5lises ao resto dos exemplares da mesma cronologia e de contextos semelhantes.

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An5lise das t6cnicas de perfuraESo e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (CabeEo da Amoreira, Muge).

I Agradecimentos: A FundaESo para a Ci6ncia

e Tecnologia pelo financiamento de dois projectos desde 2008: Os Altimos cagadores-recolectores do Vale do Tejo - Os concheiros de Muge e Os ultimos caqadores-recolectores de Muge (Portugal): as origens da complexidade social. A Casa Cadaval e d C6mara Municipal de Salvaterra de Magos pelo apoio logistico. Aos arqueologos Nuno Bicho, pordisponibilizar os materiais analisados e pelo apoio prestado durante a realizaEso do estudo, Celia GonEalves, pela ced6ncia das imagens e Cl5udia Umbelino pela revisSo do texto.

I Bibliografia Alvarez Fern5ndez, E., 2006. Los objectos de adorno-colgantes del Paleolitico superior y del Mesolitico en la cornisa Cant5brica y en elValle del Ebro: una vision europea. Ed. Universidad de Salamanca (Colecci6n Vitor n" 195), Salamanca. Alvarez Fernandez, E., Joris, O., 2008. Personal ornaments in the Early Upper Paleolithic of Western Eurasia: An avaluation of the record. Eurasian Prehistory, 5 (2):31-34. Andr6, L.,2015. Analise das tecnicas de perfuraEso e evid6ncias de uso dos adornos da "Vala" (Cabeqo da Amoreira, Muge). Tese de Licenciatura. Faro, Universidade do Algarve. And16, L., Bicho, N., 2016. Perforation techniques and traces of use on the Mesolithic adornments of the Trench Area at Cabego da Amoreira Shellmidden (Muge, central Portugal). Comptes Rendus Palevol 15: 569-580. Arnaud, J., 1987. Post-glacial adaptations in Southern Portugal: a summary of the evidence. ln The Pleistocene Perspective: innovation, adaptation and human survival. Londres, Allen & Unwin. Arnaud, J., 1989. Os Concheiros Mesoliticos dos vales do Tejo e Sado: semelhanEas e diferenEas. ln Jorge, V.O. (Coord.) Livro de Homenagem a Jean Roche. Lisboa, lmprensa Nacional Casa da Moeda. Bicho, N., Umbelino, C., Detry, C., Pereira, f.,2010. The emergence of Muge Mesolithic shellmiddens (central Portugal) and the 8200 cal yr BP cold event. Journal of lsland and Coastal Archaeology, 5: 86-104. Bicho, N., Cascalheira, J., Marreiros, J., Pereira, f.,2011. The 2008-2010 excavations of Cabeqo da Amoreira, Muge, Portugal. Mesolithic Miscellany, 21 (2):3-13. Bicho, N., Cascalheira, J., Marreiros, J., GonEalves, C., Pereira, T. and Dias, R., 2013. Chronology of the Mesolithic occupation of the Muge valley, central Portugal: the case of Cabego da Amoreira. Quaternary lnternational 308-309: 130-139. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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I Legendas das figuras: Fig.1: Mapa da regiSo de Muge com a localizaEso dos concheiros. Fig.2: Plano geral do CabeEo da Amoreira e das 5reas intervencionadas.

Fig.3: Perfil estratigr5fico da Vala. Fig.4: Exemplares de Theodoxus fluviatilis: a) esp6cimenes perfurados; b) esp6cimenes fraturados. Fig.S: Theodoxus fluviatilis perfurados: a) esp6cimenes perfurados mediante a t6cnica de rotag5o; b) esp6cimenes perfurados mediante a t6cnica de pressSo. Fig.6: Dente de cervideo com perfuraEso bi-c6nica em ambas as faces da raiz. Fig.7: Esp6cimenes de Trivia sp. Fig.8: Exemplar de Trivia com evid6ncias de perfuraE6es nas extremidades da concha. Fig.9: Evidencias de uso nos esp6cimenes de Theodoxus fluviatilis. Fig.10: Evid6ncias de uso em ambas as extremidades de um exemplar de Trivia. Fig.1'1: Evid6ncias de uso em ambos os lados do dente de cervideo.

Salvaterra de Magos I n." 3 I Ano: 2016

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