Análise de conjuntura no ambiente da Reforma Política

July 17, 2017 | Autor: A. Pereira | Categoria: Reforma Política, Presidencialismo de coalizão, Distritão
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Debate "A Reforma Política que os brasileiros e as brasileiras querem construir"
Local: Faculdade Novo Milênio, Vila Velha
Data: 29/05/2015
Palestra: Análise de conjuntura no ambiente da Reforma Política
Autor: André Ricardo Valle Vasco Pereira, Professor do Departamento de História da UFES, Pesquisador do LEHPI/UFES e Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ.

Primeiro lugar: eu não me proponho hoje a fazer uma análise dos itens da chamada Reforma Política.
Não vou discutir o que é Distritão, Voto Distrital Misto ou voto em Lista Partidária.
Não vou discutir os diferentes modelos de financiamento de campanha.
Não vou discutir o tema da reeleição.
O que eu me proponho a fazer é analisar o processo decisório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 352, de 2013:
01/02/2015: Eduardo Cunha (PMDB/RJ) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados contra o candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT/SP): 267 x 136.
Promessas de Cunha: aumento das salários dos deputados e PEC do Orçamento Impositivo (pagamento obrigatório das emendas parlamentares).
04/02/2015: Cunha criou uma Comissão Especial para analisar a PEC 352/2013
PEC 352 foi apresentada em novembro de 2013 a partir da ação de um grupo de trabalho criado em julho de 2013 como uma resposta às manifestações de junho.
O Grupo de Trabalho fez debates com especialistas.
Durante todo o ano de 2014, houve vários debates com especialistas e representantes da sociedade civil sobre o assunto.
Participaram: OAB, CNBB, UNE, um ministro do STF, Associação dos Magistrados do Brasil e vários cientistas políticos, como: Jairo Nicolau, Bolivar Lamounier, David Fleisher e Rubens Figueiredo.
Em janeiro de 2015: a PEC foi arquivada.
Em fevereiro, após a eleição de Cunha, um deputado do PP solicitou o desarquivamento.
O PT tentou evitar o desarquivamento. Foi derrotado e Cunha criou a Comissão Especial para acelerar a votação da 352 e da 344 conjuntamente. A PEC 344, do DEM, cria cláusula de barreira para acesso ao Fundo Partidário e ao HPEG.
Na sequência, foram apensadas várias outras PECs que tratam de outros assuntos.
A PEC original já tratava de uma grande quantidade de assuntos. Os apensamentos aumentaram as temáticas.
A melhor maneira de NÃO decidir um assunto polêmico é torna-lo mais amplo.
14/02/2015: Michel Temer publicou um artigo no Estado de S. Paulo defendendo o distritão.
A partir daí, o distritão passou a ser o ponto central da Reforma, causando divisões até no PMDB.
De fevereiro até maio:
Queda da popularidade do governo Dilma
Aprofundamento da crise econômica, com a apresentação de medidas duras pelo governo.
Novos fatos divulgados envolvendo a Operação Lava Jato (inclusive citando Eduardo Cunha e Renan Calheiros).
Reação dos setores conservadores da classe média – Pedidos de impeachment e de intervenção militar
Reação dos setores organizados do sindicalismo contra o PL 4330 e MPs.
Para se dissociar do governo e do escândalo da Lava Jato, Eduardo Cunha foi criando fatos favoráveis à sua base conservadora de apoio, como o retorno da tramitação do PL 4330, a CPI da Petrobras, etc.
O processo decisório no Parlamento se dá por voto majoritário ou por maiorias qualificadas, como é o caso de uma PEC (3/5 da Câmara, 308 votos).
O Brasil possui um sistema multipartidário altamente fragmentado. Ou seja, há muito partidos com poucos votos.
Além disso, os partidos brasileiros são organizações de baixa institucionalização, sem compromisso programático firme, com baixa coesão e baixa disciplina.
Isto significa que os partidos possuem enormes dificuldades para a organização da ação coletiva.
Quem diminui os custos de decisão dos partidos e dos parlamentares individuais é o Poder Executivo por intermédio da concessão de cargos e verbas para as lideranças partidárias que, por sua vez, controlam os cargos mais importantes do Legislativo.
Isto se chama presidencialismo de coalizão.
O que o Executivo busca fazer então é impor a sua Agenda ao Legislativo.
E a agenda dos parlamentares raramente avança no Parlamento até um ponto de decisão.
A agenda do Executivo, quase sempre, é dominada por questões econômicas.
As questões econômicas já são suficientemente difíceis, de forma que é racional que os governos se concentrem nos itens do seu interesse e não mobilizem sua base de apoio para aprovar projetos que alterem radicalmente o status quo, como é o caso da reforma política.
Status quo é a situação do jeito que ela está.
Muitas vezes nós não gostamos do status quo.
Pode até ser que a maioria numa arena decisória qualquer, como é o caso do Legislativo, não goste do status quo e queira modificá-lo.
O problema ocorre quando as preferências dos atores são muito distintas e nenhum deles tem poder suficiente para impor suas propostas.
Como o governo nunca tem interesse em alterar regras de sistema partidário e eleitoral, ele só é alterado em questões que não mudam muito o status quo.
O PSDB era formalmente favorável ao Parlamentarismo e ao voto distrital misto. Mas a única coisa que o governo de Fernando Henrique fez foi aprovar a reeleição.
O PT é formalmente favorável ao financiamento público de campanha, mas o governo de Lula e Dilma nada fez neste sentido.
As mudanças que tem acontecido nas regras eleitorais e partidárias são aquelas que se encontram no mesmo espaço de preferências dos parlamentares em sua maioria, como é o caso de regulações constantes sobre propaganda eleitoral ou respostas a regras impostas pelo STF.
Já os projetos que alteram radicalmente o status quo são apresentados, discutidos e devidamente arquivados.
Este era o destino da PEC 352. Quando houve as manifestações de junho de 2013, a Câmara constituiu um grupo de trabalho para oferecer algum tipo de resposta às críticas da população aos partidos e aos políticos.
A população saiu da rua, a PEC foi lançada formalmente e foi enterrada.
O que está acontecendo na conjuntura atual, por sua vez, é resultado das dificuldades de administração da coalização de governo por parte do Executivo.
Como o governo Dilma se enfraqueceu e passou a ter uma agenda econômica que altera radicalmente o status quo, ela está tendo que exercer pressão sobre as lideranças partidárias e até diretamente sobre os parlamentares pela aprovação das medidas.
Além disso, o governo precisa barrar pedidos de impeachment e impedir ou controlar CPIs. Tudo isto aumentou as dificuldades de coordenação da coalizão e ofereceu espaço para a ação estratégica das lideranças.
Quando falamos de lideranças parlamentares, os dois cargos mais importantes são os de Presidente da Câmara e do Senado.
Eduardo Cunha e Renan Calheiros tiveram os seus nomes inseridos no escândalos da Lava Jato.
O que está acontecendo na conjuntura é que estas lideranças estão usando a relativa liberdade de ação que adquiriam para iniciar um jogo de sinalizações.
Este jogo tem dois públicos: a Sociedade e o Executivo.
Para a Sociedade, Cunha e Renan sinalizam com autonomia perante o governo, apoiando projetos que estão no gosto da onda conservadora e desviando a atenção que a Lava Jato jogou sobre eles.
Para o Executivo, Cunha sinaliza com a mesma autonomia, inclusive com sinais trocados sobre o que ele faria diante de um pedido de impeachment ou sobre a instalação de CPIs.
No caso da Reforma Política, o empenho de Cunha e de Renan é o de mostrar para a Sociedade que eles fizeram o que ninguém teve a coragem de fazer.
23/03/2015: o Senado, sob comando de Renan, aprovou a PEC 40/2011 de José Sarney, que acaba com as coligações eleitorais.
Cunha criou uma Comissão Especial na Câmara que incorporou várias propostas, enquanto Renan colocou em votação uma PEC específica.
Neste meio tempo, Michel Temer resolveu apoiar o distritão como proposta do PMDB, sob o argumento de que ele acaba com o Efeito Tiririca (impede a eleição de candidatos com baixa votação).
A ideia do distritão foi apresentada pelo deputado Miro Teixeira (PROS-RS), incorporada por Michel Temer como proposta do PMDB e aceita por Cunha e Renan.
A partir deste momento, a Reforma Política na Câmara, sob comando de Cunha, ficou concentrada no distritão.
Só que Cunha não é o Chefe do Executivo. Ele não possui o poder de Agenda que só o governo tem. Só o governo tem cargos e verbas para diminuir os custos de decisão dos parlamentares.
Cunha conquistou a PEC do Orçamento Impositivo para os parlamentares, o shopping e outras benesses, mas a PEC da Reforma Política tem um problema de origem, que é a grande quantidade de assuntos.
Quando há várias propostas que alteram radicalmente o status quo num votação sequencial, a decisão sobre uma interfere na outra.
Além disso, quando a intensidade das preferências dos atores se tornam muito altas, o espaço de indiferença deles se encurta. Se um dos atores for dominante, mas não for majoritário, os outros criam uma coalização de veto.
Ou seja, o PMDB quer o distritão, o PT quer o voto em lista fechada, o PSDB quer o voto distrital misto. O PMDB é dominante e tenta impor a sua preferência. PT e PSDB se juntam em uma coalização de veto e o distritão não passa.
O que nós tivemos foi uma não decisão: não passou distrital misto, não passou lista fechada, não passou distritão. Ficamos do jeito que está, ou seja, com o status quo.
Outro problema é quando ocorrem coalizões cruzadas de veto. Cunha negociou com os pequenos partidos o apoio ao distritão em troca de regras mais leves para a cláusula de barreira e ameaçou punir com o fim das coligações.
Só que os partidos pequenos ficaram com PT e PSDB na coalizão de veto ao distritão e resolveram apostar em novas coalizões de veto nos outros itens.
Qual foi a reação de Cunha? Ele refez uma votação sobre financiamento de campanha e aprovou a proposta de um partido pequeno, o PRB, pelo financiamento de empresas para legendas, o que dá força para as oligarquias partidárias.
Esta medida reaproxima Cunha do parlamentar mediano, porque garante as doações ocultas.
Cunha conduziu outro item que é do interesse do parlamentar mediano, que é o fim da reeleição para os cargos executivos. É do interesse porque os deputados federais, na sua maior parte, querem ser prefeitos.
Cunha desistiu da ameaça que retaliar com o fim das coligações, que foram mantidas.
E o acordo feito com os pequenos partidos para facilitar na cláusula de barreira foi mantido.
Ou seja, os líderes partidários que possuem cargos no Legislativo tem um certo grau de poder de Agenda, mas não no mesmo nível que o Executivo.
Quando Cunha tentou impor a preferência do PMDB, isso gerou uma coalizão de veto, resultando numa não decisão.
Não adiantou chantagear os partidos pequenos, porque o PMDB é dominante, mas não é majoritário.
O que tem sido aprovado, pelo contrário, é aquilo que corresponde melhor às preferências do parlamentar mediano e que são mudanças pequenas no status quo:
A alteração no financiamento de campanha foi quase nenhuma, o sistema proporcional se mantém, as coligações se mantém, a cláusula de barreira é pequena e cai a reeleição, porque é do interesse dos parlamentares.
Conclusão: se algum dia a Sociedade brasileira vier a concordar com algum modelo de sistema partidário ou eleitoral muito diferente do que nós temos hoje ele só vai ser aprovado se o Executivo concordar e a tendências do Executivo é não se interessar por este assunto.
As lideranças partidárias, por sua vez, quando adquirem alguma autonomia, também não conseguem mudanças muito radicais.
Estamos fadados a ficar do jeito que estamos.




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